Temas de Direito e Espiritismo - uma relação para os … Reis 6 o espiritismo, sempre utilizando...

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Gustavo Machado Organização

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Editoração Eletrônica e Capa: Rodrigo MenesesRevisão: Rejane Nascimento

T278 Temas de Direito e Espiritismo: uma relação para os novos tempos/organizado por Gustavo Machado. - Fortaleza: Premius, 2013. 152p. ISBN 978-85-7924-246-5 1.Direito e Espiritismo. I. Machado, Gustavo. CDU 34:133.9

Prefácio ..................................................................................... 5Clayton Reis

Apresentação ............................................................................ 9Tiago Cintra Essado

Descrença Popular na Administração Pública: Reflexos da Imoralidade Humana ............................................................. 13Adriana Soares de Moura Carneiro

Forma e Conteúdo nas Perspectivas Espírita e de Ciência Social do Direito ................................................................... 29Cláudio Souto

O Direito Objetivo Como Estética do Espírito Subjetivo: Uma Ação Filosófica na Busca Pela Verdade Sobre o Fundamento do Direito ........................................................ 57Eduardo Neves

Justiça Restaurativa e Doutrina Espírita: Pensando em Outros Paradigmas ................................................................ 71Érica Babini Machado

Sumário

União Homoafetiva e Lei Natural de Justiça .................... 101Gustavo Machado

Transconstitucionalismo e Teoria Espírita ....................... 123Rodrigo Silva Rosal de Araújo

Doutrina Social do Espiritismo ......................................... 139Salomão Abdo Aziz Ismail Filho

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Temas de Direito e Espiritismo: uma relação para os novos tempos

PREFÁCIO

Ao receber o convite para prefaciar o livro — Temas de direito e espiritismo: uma relação para os novos tempos, sob a coordenação de Gustavo Machado — realizei, como de praxe, uma leitura apro-fundada sobre os diversos temas que compõem a obra. No mesmo sentido, fiz uma breve verificação sobre a qualificação dos seus auto-res. Afinal, como seria possível prefaciar um livro sem conhecer os autores e suas obras?

Constatei a excelente qualificação dos coautores — pós-dou-tores, doutores, mestres e especialistas. Observei igualmente que a maioria é professor de notórias instituições do ensino superior do Estado de Pernambuco — Universidade Federal de Pernambuco, da Universidade Católica de Pernambuco e da Universidade de Per-nambuco. E, quanto ao conteúdo dos textos escritos, concluí que estava diante de autores renomados, pessoas que conhecem pro-fundamente o que escreveram e, por isso, fizeram-no com maestria! Dentre os temas abordados, todos são atuais em face da modernida-de, que nos remetem a uma profunda reflexão sobre a diversidade do saber na ótica da filosofia espírita. Jamais na história da civilização uma doutrina se dispôs a desvendar os mistérios da existência como

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o espiritismo, sempre utilizando da lógica irrefutável e da razão que confere sentido aos fatos investigados.

A doutrina de Kardec veio ao mundo no momento certo — para desmistificar dogmas e esclarecer os espíritos críticos sobre a sabedoria presente nas lições do Cristo, bem como, nas leis de cau-sa e efeito no universo. Diderot (1713-1784) referindo-se a Francis Bacon afirmou que, numa época na qual “era impossível escrever a

história daquilo que os homens sabiam, ele traçou um mapa do

que eles deveriam aprender”. A doutrina espírita traçou um mapa do que devemos aprender. A única solução para o aprendizado e para a libertação do espírito é o conhecimento e, por essa razão Cristo profetizou: “conhecereis a verdade e a verdade vos libertará (João,

8:32)! Os múltiplos conteúdos desenvolvidos de forma brilhante e incomum pelos novéis autores demonstram como a doutrina nos possibilita transitar em conhecimentos conectados nos planos ele-vados da consciência. Kardec, na conclusão do Livro dos espíritos afirmou acerca da doutrina que, “sua força está na sua filosofia, no

apelo que faz à razão e ao bom senso”. A filosofia espírita abre-nos as portas da investigação e da re-

flexão, permitindo-nos conduzir nossa nave através de mares nunca dantes navegados, incursionar na esfera do espírito vibrante e inteli-gente. São essas incursões que enobrecem o ser humano e o desper-tam para a imensa realidade do espírito, através da porta do conheci-mento. Sob essa ótica Teilhard de Chardin, em seu livro O fenômeno Humano, proclamou: “do ponto de vista experimental, que é o nos-so, a reflexão, como a própria palavra o indica, é o poder adquirido por uma consciência de se dobrar sobre si mesma, e de tomar posse

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Temas de Direito e Espiritismo: uma relação para os novos tempos

de si mesma como um objeto dotado de sua própria consistência e de seu próprio valor: não mais apenas conhecer, mas conhecer-se;

não mais apenas saber, mas saber que se sabe”. A obra ora prefaciada, pelo seu valor e conteúdo merece ser

lida por aqueles que pretendem entender o Direito sob a ótica hu-manista. O livro é testemunha dos novos avanços da sabedoria es-pírita nos meandros da ciência e da norma jurídica — é a letra viva do direito aplicado à realidade dos fatos sociais. Os textos escritos são virtuosos e se opõem à letra morta da norma jurídica — é uma nova forma de encarar o Direito! Distanciam-se do princípio frio da lei — dura Lex sed Lex. O seu conteúdo está voltado essencialmente para a pessoa humana, centro gravitacional de todo sistema jurídico diante do núcleo pétreo e Constitucional do primado da dignidade da pessoa. Permite-nos vislumbrar uma nova realidade na doutrina e na jurisprudência jurídica, interpretando literalmente a sentença de Giorgio Del Vecchio quando afirma, “fonte de direito in genere

é a natureza humana, ou seja, o espírito que reluz na consciência individual, tornando-a capaz de compreender a personalidade alheia, graças à própria”.

Portanto, a obra, Temas de direito e espiritismo – uma relação para os novos tempos, reúne temas que nos remetem a uma profun-da análise sobre os novos tempos que se descortinam na seara do Direito. Abre nossa mente para o amanhecer de uma nova era, em face da revolução planetária, na direção da descoberta do espírito. O espiritismo, como ciência e filosofia da razão e da lógica, não pode se distanciar dos conteúdos axiológicos da norma, a contrario sensu, possui o inadiável dever de contribuir para a construção de

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um direito espiritualizado. Essa inédita linha de conduta está atual-mente presente nos julgadores espiritualizados como, dentre outros, a Ministra Nancy Andrighi do STJ que relatou em seu julgamento: “A nova ordem jurídica propõe uma conduta humanística para

o homem que opera o direito. Afinal, a norma jurídica foi cria-

da para equacionar os conflitos humanos. Não se justifica uma

ordem legal desumana. A pessoa humana é o centro do Direito e,

como tal, deve ser tratada sob essa condição”. (In STJ - REsp. Nº 1.000.356/SP). Assim, o livro prefaciado, através do conteúdo inse-rido em seus magníficos textos, nos ensina os caminhos de uma nova ordem social mediante os recursos da visão holística espírita, em face dos conflitos no ambiente social que buscam explicações e alternati-vas para fatos desconhecidos da ciência tradicional, tais como a triste tragédia que ocorreu em Santa Maria no Rio Grande do Sul.

Curitiba, maio de 2013.Clayton Reis*

*Juiz de direito em segundo grau do TJPR aposentado. Pós-doutor pela Universidade de Lisboa. doutor e Mestre em direito pela UFPR. especialista em Responsabilidade civil pela UeM. Professor do Curso de Mestrado em direito do CeSUMAR. Professor dos Cursos de Pós-Graduação e Graduação da UTP, UNICURITIBA e da escola da Magistratura do Paraná. Membro da Academia Paranaense de Letras Jurídicas do Paraná. Autor de livros jurídicos.

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Temas de Direito e Espiritismo: uma relação para os novos tempos

APRESENTAÇÃO

A AJE-PE (Associação Jurídico-Espírita do Estado de Pernam-buco) lança sua primeira obra, Temas de direito e espiritismo: uma relação para os novos tempos.

A coletânea de artigos de Adriana Soares de Moura Carnei-ro, Cláudio Souto, Eduardo Neves, Érica Babini Machado, Gustavo Machado, Rodrigo Silva Rosa de Araújo e de Salomão Abdo Aziz Ismail Filho revela que a reflexão em torno de questões sociojurídi-cas à luz da Doutrina Espírita encontra vasto campo nos dias atuais. De um lado, o Direito iluminado pelo Espiritismo modifica-se, de outro a Doutrina compreendida sob o olhar de juristas amplia seu raio de ação.

A obra, no todo, tangencia a sociologia jurídica, a filosofia do direito, o direito penal, o direito de família, o direito administrativo e o direito constitucional, enfocando temas contemporâneos, com a incidência da perspectiva da filosofia espírita.

As mazelas da Administração Pública são destacadas no primei-ro artigo, como resultantes do diminuto nível ético-moral de parcela dos agentes públicos, o que gera, lamentavelmente, reduzido grau de

Tiago Cintra Essado

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interesse e confiança da sociedade em assuntos afetos à vida pública. Demonstra, com clareza, o papel da educação como agente transfor-mador desse cenário, especialmente a que visa à mudança do caráter, que acaba por refletir na reforma das instituições públicas. Propõe a perspicaz reflexão: somos “espíritas-juristas ou juristas-espíritas”?

O segundo artigo foca a atenção no papel da forma e do conte-údo, segundo a perspectiva espírita e da própria ciência do Direito, destacando a relevância da essência na busca do justo, em detrimen-to da mera observância de ritos e formas, que, em síntese, coincide com uma aceitação passiva do direito posto. Propõe, com sapiência, que o direito seja visto bem além da mera dogmática.

O terceiro artigo aborda a influência de um direito absoluto, permeado por valores naturais, no âmbito da consciência de cada indivíduo, o que repercute, paulatinamente, no direito positivo, conforme a ciência e concretização de tais valores. Projeta, assim, o caminhar do direito humano em direção à prevalência de valores universais e absolutos.

Tema tão caro na realidade contemporânea, na esfera da ci-ência penal, diz respeito à Justiça Restaurativa, objeto de análise do quarto artigo. Discute-se o papel que o direito penal exerce na socie-dade atual, através de diversas agências estatais, desde a fase legisla-tiva (criminalização primária) até a fase de aplicação (criminalização secundária), por meio da Polícia, Ministério Público e Poder Judiciá-rio. Evidencia uma nem sempre perceptível exclusão da vítima neste processo de recomposição da ordem. E, para quebrar tal paradigma, apresenta os fundamentos da Doutrina Espírita, especialmente a lei do progresso, com vistas à vida futura, a influenciarem uma alteração

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Temas de Direito e Espiritismo: uma relação para os novos tempos

no sistema penal, partindo-se do pressuposto de que os sujeitos que compõem o conflito — agressor, vítima e comunidade — são res-ponsáveis pela própria recuperação da paz social. Assim, introduz a Justiça Restaurativa como um caminho a, aos poucos, substituir, no campo penal, no que for possível e adequado, a ideia de retribuição pela de reparação.

O quinto artigo discorre sobre tema recentemente enfrentado pelo Supremo Tribunal Federal, com ampla repercussão social, que diz respeito à juridicidade ou não da união homoafetiva. Tal fato social é analisado à luz da Doutrina Espírita, que defende a demo-crática e pedagógica alternância de sexo no decorrer das milenares experiências reencarnatórias, como método para o avanço moral e intelectual, enfim, espiritual. Longe, pois, da atitude condenatória desta ou daquela orientação sexual. Porém, o respeito ao livre-arbí-trio e à dignidade do outro.

O sexto artigo cuida de uma nova proposta de leitura do cons-titucionalismo, destacando a permeabilidade das ideias espíritas nes-se contexto, sobretudo mediante o realce das leis naturais, eternas e imutáveis, a influir o legislador terreno. A internacionalização dos direitos humanos e a própria globalização geraram a necessidade de se rever estruturas clássicas afetas aos direitos fundamentais. E, com isso, a teoria espírita fornece elevado contributo para a evolução do direito e da sociedade em geral.

O último artigo discute se as questões sociais são caras ao Es-piritismo. Demonstra que a inserção de tópicos referentes ao traba-lho, progresso, igualdade e justiça na filosofia espírita indica a clara preocupação com assuntos que transcendem o foro íntimo, voltados

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à melhoria da sociedade como um todo, fato que não exclui a im-prescindível transformação individual, porém dela decorrente. Evo-ca, por fim, a necessidade de o espírita participar ativamente da vida social, engajando-se na defesa do que for compatível com a essência doutrinária.

Percebe-se da leitura dos artigos que estudar a Doutrina Espí-rita não é só papel dos espíritas, porém de todos que anseiam, livres de preconceitos, por uma sociedade justa, fraterna e solidária. De outro lado, demonstra que ao espírita que lida com o Direito, surge o dever de acompanhar, constantemente e com reflexão crítica, o desenvolvimento da ciência jurídica, contribuindo para seu aperfei-çoamento.

Enfim, o presente trabalho coletivo representa a importância de se unir forças para a concretização de um mundo melhor. Certa-mente, inúmeras pessoas serão beneficiadas pela leitura da obra, seja no plano individual, ou nos grupos de estudos das AJEs, em Univer-sidades ou casas espíritas, que se disseminam pelo país.

Tiago Cintra essado*

*Promotor de Justiça do estado de São Paulo. Mestre em direito Público pela Universidade de Franca. doutorando em direito Processual Penal pela Fa-culdade de direito da USP. Presidente da AJe-BRASIL (Associação Jurídico--espírita do Brasil) e AJe-SP (Associação Jurídico-espírita do estado de São Paulo).

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Temas de Direito e Espiritismo: uma relação para os novos tempos

Adriana Soares de Moura Carneiro1

Introdução: outras terras, mesmos problemas.

Em 25 de outubro de 1994, o então ocupante da casa nº 10, em downing Street, o Premier John Mayor, anunciou na Câmara dos Comuns a criação da Comissão sobre Normas de Conduta para a Vida Pública, grupo que foi inicialmente presidido pelo Lord Nolan, motivo pelo qual ficou conhecido como Comissão Nolan, para fins de análise e fixação de padrões de conduta de todos os ocupantes de cargos públicos, objetivando garantir altos padrões de decência na vida pública, condição que se mostrava indispensável para o mo-mento histórico vivenciado pela sociedade britânica2.

Findos os trabalhos, em maio de 1995, mencionada Co-missão enfeixou os resultados num documento que passou a ser chamado de Relatório Nolan, cujo título original é Standards in Public Life, no qual se inclui, dentre outros pontos, uma lista de

1. A autora é Professora Universitária. Especialista em Direito Administrativo pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE. Mestranda em Direito Administrativo Econômico pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE. Divulgadora espírita e trabalhadora do Núcleo Espírita Auta de Souza – NEAS.2. NOLAN, Lord. Standards in Public Life: Summary of the Nolan Committee’s First Report on Standards in Public Life. Londres: HMSO, 1995. Disponível em: < http://www.public-standards.gov.uk/Library/OurWork/1stInquiryReport.pdf >. Acesso em: 28 dez. 2012.

Descrença Popular na Administração Pública: Reflexos da Imoralidade Humana

Adriana Moura

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recomendação de condutas a serem observadas pelos membros da administração pública. E, ao apresentar o Relatório ao 1º Minis-tro, esclareceu Lord Nolan que as “recomendações são no sentido de manter, e, onde necessário, restaurar os padrões de conduta na vida pública que o público tem o direito de esperar, bem como de promover uma política de transparência, que permitirá ao público verificar que as suas expectativas estão sendo atendidas. Há muito por fazer. (...)”3

É lastimável a constatação de que a perplexidade incômoda de Lord Nolan, diante da descrença popular na gestão pública, não ostenta nacionalidade exclusiva, ante a evidente simetria factual es-tabelecida entre o cenário alienígena e o brasileiro, em face do des-crédito com que o cidadão se volta para os gestores públicos, na concreção dos fins sociais.

De fato, há muito o que se fazer, no sentido do restabeleci-mento da confiabilidade popular na administração pública. E, como se verá mais adiante, o combate a essa mazela esparge para além do contexto juslegal e do instrumental jurídico, pois carece primordial-mente de alterações éticas vivenciadas pelos gestores, pelo particular e pela própria comunidade politicamente organizada. Isto é, adian-tando-nos, sem educação, defendem os Estudiosos de variadas ma-tizes e searas, não há como viabilizar a modificação ético-moral para fins de validação e eficiência estatal, tal qual afirmava a Allan Kardec o Espírito Verdade, na pergunta 813, ao dizer que “é frequentemen-

3. “Our recommendations are therefore designed to maintain, and where necessary restore the standards of condutct in public life which the public are entitled to expect, and to promote a policy of openness which will enable the public to see that their expectations are being met. Much remains to be done. (...)” (Idem, Ibidem, p. 03).

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Temas de Direito e Espiritismo: uma relação para os novos tempos

te a má educação que falseia o critério dessas pessoas, em lugar de asfixiar-lhes as tendências perniciosas”4.

Administrados x Administradores: uma relação de (des)confiança.

A descrença popular na administração pública e nos gestores públicos, também chamada de ruptura da confiança pública ou quebra da boa-fé popular, é circunstância de indimensionalidade geográfica, atingindo várias sociedades e culturas, como se tentou timidamente demonstrar no tópico precedente, porém causadoras do mesmo mal, que é a fragilização da democracia.

A descrença nasce pela quebra da confiança pública, ou public confidence, ou trust, como pontuava John Locke, que é o sentimento racional do povo voltado às instituições públicas, através do qual se estabelece uma relação de segurança entre governantes e governados acerca da gestão pública e dos fins concretos dela5.

Ou seja, é pelo sentimento racional existente nos membros da coletividade, que nada mais é do que a certeza íntima construída pela razão (algo aparentemente contraditório, tal qual é, para mui-tos, a fé espírita, que se apresenta como crença racional, “aquela que pode encarar a razão face a face”6), que se pode estabelecer uma rela-ção de segurança entre governantes e governados, vínculo indispen-sável e apto a reduzir as complexidades e incertezas da gestão da coisa pública pelos representantes eleitos, a partir do desenvolvimento e

4. KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução de Evandro Noleto Bezerra. 1. ed. comemorativa do sesquicentenário. Brasília: FEB, 2006. p. 445.5. Apud ENTERRÍA, Eduardo García de. Democracia, Jueces y Control de La Administración. 6. ed. Madrid: Editorial Civitas, 2009.6. KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Tradução de Salvador Gentile. Revisão de Elias Barbosa. 363. ed. 15. reimp. São Paulo: IDE, 2009. p. 187.

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disseminação da ideia de titularidade social do poder público e do indivíduo como beneficiário da gestão pública.

Construindo-se esse ideário, estreitam-se os laços entre a de-mocracia e a confiança pública, de influência recíproca profun-damente indissociável, que se revelam pelo voto periódico, pelo fomento rotineiro pelos eleitos do sentimento gerador da relação de segurança nos governados, bem como pela disponibilidade dos gestores para explicar seus atos e prestar contas deles, inclusive na via judicial.

Na ausência desse ambiente seguro e confiável, instala-se a desconfiança, que evidencia a falha da legitimidade dos governan-tes, como também as deficiências do próprio sistema democrático, manifestando-se pelo desinteresse do particular na vida pública, sua apatia, sua abstenção e sua resignação perante as situações negativas, e até, nos casos extremados de descrédito, como leciona o autor es-panhol Eduardo García de Enterría, gera a concordância alienante, que difere do consenso, e significa a ausência de queixas e reclama-ções e também a incapacidade de valoração da gestão e gestores7.

E, dentre as causas dessa desconfiança na gestão pública, a ex-pressão principal se assenta na malsinada partidocracia, ou partito-cracia, conforme original espanhol, na lição do multicitado García de Enterría, que significa governo e administração da coisa pública pelos partidos políticos, em detrimento da representatividade popu-lar, maculando a relação governo e sociedade8, realidade que desafor-tunadamente grassa em terras pátrias e estrangeiras.

7. ENTERRÍA, Eduardo García de (n. 04), p. 118-119.8. Idem, Ibidem.

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Temas de Direito e Espiritismo: uma relação para os novos tempos

Outrossim, a despeito da inegável ocorrência da captação par-tidária dos governos e das consequências terríveis advindas dessa do-minação indevida, é cediço que, como vaticina Hans Kelsen, sem partidos políticos não é possível a democracia, já que sozinho, iso-lado, o indivíduo não tem força ou influência para a formação da vontade geral, o que se determina pelo grupamento de pessoas, con-forme identidade de fins e afinidade políticas, representando uma orientação comum os seus membros, grupos esses que chamamos de partidos políticos9, já que o exercício da democracia se plenifica pela atuação político-partidária.

A celeuma maior é que essa assertiva doutrinária, longe de ter aceitação unânime entre os Doutos, registre-se, porém mesmo quando entendida como verdade, não se consubstancia na vivência prática, nem é como se apresenta aos olhos da sociedade, revelando a dificuldade da internalização e aplicação desse raciocínio, cujos problemas testemu-nhados à mancheia pela sociedade, pregressa e hodierna, aqui e alhu-res, decorrem mais da má aplicação da tese do que da invalidade dela, confusão esta que se revela angustiante para os operadores do Direito e implacavelmente nefasta para a grande massa social, já que tecnica-mente inapta a diferenciar a teoria político-democrática da adjetivação político-partidária.

Na verdade, o que se vê atualmente é o Estado tomado pelo governo dos políticos, e não, como deveria ser, políticos assumindo

9. “es ilusion o hipocresía sostener que la democracia es posible sin partidos políticos. Pues es completamente claro que el individuo aislado no puede adquirir ninguna influencia real sobre la formación de la voluntad general, de modo que no tiene, desde el punto de vista político, existência verdadeira. La democracia no puede, en consecuencia, existir seriamente más que si los indivíduos se agrupan según sus fines y afinidades políticas, es decir, si entre el individuo y el estado se insertan esas formaciones colectivas cada una de las cuales representa una orientación común a sus miembros, un partido político. (apud, Idem, Ibidem, p. 90).

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governo para aplicar na sua administração a lógica do Estado e não a lógica do partido.

Sobre essa realidade, María Salvador Martinez descreve a situação por ela nominada como lucha de partidos, que nada mais é do que o embate pelos partidos para assunção de cargos e funções dentro do go-verno, corrompendo a funcionalidade adequada dos gestores públicos10.

Apesar de o brasileiro não ser um dos ordenamentos jurídicos in-cluídos na pesquisa, restrita às sociedades britânica, norte-americana, francesa, alemã e espanhola, a obra nos oferta o triste consolo de saber que a sensação de desmando político não é fruto tipicamente pátrio, o que não significa, esclareça-se, que seu caráter “universal” não lhe conce-de legitimação e/ou validade. Pelo contrário! Mostra a autora referencia-da que as sociedades e seus governos estão sujeitos a tais problemas, des-tacando, entrementes, que estruturas estatais melhor elaboradas inibem certas condutas e esse é um ponto fragilíssimo e nevrálgico no Brasil, já que o enraizamento da partidocracia fundamenta a corrupção, o empre-guismo, as barganhas políticas em troca de favores, a partilha de cargos, a negociação de emendas parlamentares, os mensalões, mensalinhos e afins, como lucidamente afirma Francisco Cavalcanti11.

E como combater tudo isso? Eis o desafio que se vivencia diu-turnamente e sob o qual se debruçam os Estudiosos do Direito hu-mano e do Código Eterno.

10. MARTÍNEZ, María Salvador. Autoridades Independientes: Un Análisis Comparado de Los Estados Unidos, El Reino Unido, Alemania, Francia y España. Barcelona: Ariel, 2002. p. 344.11. CAVALCANTI, Francisco de Queiroz Bezerra. A Independência da Função Reguladora e os Entes Reguladores Autônomos. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, FGV, v. 219, jan./mar., 2000. Disponível em: <http://www.trf5.jus.br/documento/?arquivo=Francisco+Cavalcanti+-+A+independ%EAncia+da+fun%E7%E3o+reguladora+e+os+entes+reguladores+independentes.pdf&tipo=p01>. Acesso em: 15 dez. 2012. p. 270.

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Temas de Direito e Espiritismo: uma relação para os novos tempos

Momento juscomparativo – analisando as Recomendações do Relatório Nolan.

Como dito nas linhas iniciais, o Relatório Nolan apresenta re-comendações sobre os padrões de comportamento dos integrantes da vida pública, os quais deveriam ser aplicados, estimulados e exigi-dos dos gestores públicos britânicos.

Antes mesmo de visitá-las, tais recomendações, convém lançar a ressalva que segue, pois, nada obstante a relevância da temática, razão pela qual tais recomendações foram e são objetos de estudo mundo afora e, entre nós, foram analisadas pelo Ministério da Ad-ministração Federal e Reforma do Estado (MARE), no governo Fer-nando Henrique Cardoso, capitaneados pelo chefe da pasta na época Ministro Bresser-Pereira, pontue-se que não se defende aqui a im-plantação plena de tal tese, diante do problema da adequação social das realidades coletivas, o que é um sério problema no Brasil, já que a importação de modelos prontos, sem adequado substrato fático para tanto, pois que servível num determinado país necessariamente não servirá integralmente a outro, ainda que possa ser uma alter-nativa para estudos comparativos. É o que se vê, por exemplo, na seara do Direito Administrativo, com a regulação pública, modelo gerencial adotado na contemporaneidade internacional, especifica-mente quanto ao seu ente regulador, que nos EUA são as agências, experiência exitosa que influenciou tanto o Brasil, como o Reino Unido, com a diferença que nosso processo de agencificação12 não

12. Expressão utilizada por Maria Sylvia Zanella di Pietro, para explicar a adoção brasileira do modelo das agências norte-americanas. (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella (Org.). Direito Regulatório: Temas polêmicos. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 45).

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se revelou tão eficazmente promissor, diversamente da situação dos quangos13 no Reino Unido.

Assim esclarecido, e para fins de avaliação juscomparativa, têm-se as Recomendações da Comissão, que fixou os célebres 07 princípios para a vida pública14, a saber:

1. Interesse público – Os ocupantes de cargos públicos deve-rão tomar decisões baseadas unicamente no interesse público. Não deverão decidir com o objetivo de obter benefícios financeiros ou materiais para si, sua família ou seus amigos;

2. Integridade – Os ocupantes de cargos públicos não deverão colocar-se em situação de obrigação financeira ou de outra ordem para com indivíduos ou organizações externas que possa influenciá--los no cumprimento de seus deveres oficiais;

3. Objetividade – No desempenho das atividades públicas, in-clusive nomeações, concessão de contratos ou recomendação de pes-

13. Sigla indicativa das autoridades reguladoras independentes do Reino Unido. “No ordenamento britânico, desde há muito que existiam organismos públicos (assaz diversos, aliás), relativamente independentes em relação ao governo, que a doutrina designa genericamente como “quangos” (quasi non governmental organisations), enquanto instituições criadas com o objectivo de subtrair o controlo de determinados sectores económico-sociais à responsabilidade de um ministro ou departamento governamental”, (MOREIRA, Vital; MAÇÃS, Fernanda. Autoridades Reguladoras Independentes. Estudo e Projecto de Lei-quadro. Coimbra: Coimbra Editora, 2003. p. 20).14. “The Seven Principles of Public Life: Selflessness (holders of public office should act solely in terms of the public interest. They should not do so in order to gain financial or other benefits for themselves, their family or their friends), Integrity (holders of public office should not place themselves under any financial or other obligation to outside individuals or organisations that might seek to influence them in the performance of their official duties), Objectivity (in carrying out public business, including making public appointments, awarding contracts, or recommending individuals for rewards and benefits, holders of public office should make choices on merit), Accountability (holders of public office are accountable for their decisions and actions to the public and must submit themselves to whatever scrutiny is appropriate to their office), Openness (holders of public office should be as open as possible about all the decisions and actions they take. They should give reasons for their decisions and restrict information only when the wider public interest clearly demands), Honesty (holders of public office have a duty to declare any private interests relating to their public duties and to take steps to resolve any conflicts arising in a way that protects the public interest), Leadership (holders of public office should promote and support these principles by leadership and example)”, (NOLAN, Lord (n. 01), p. 14).

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Temas de Direito e Espiritismo: uma relação para os novos tempos

soas para recompensas e benefícios, os ocupantes de cargos públicos deverão decidir apenas com base no mérito;

4. Accountability – Os ocupantes de cargos públicos são res-ponsáveis perante o público por suas decisões e ações, e devem se submeter a qualquer fiscalização apropriada ao seu cargo;

5. Transparência – Os ocupantes de cargos públicos devem conferir a suas decisões e ações a maior transparência possível. Eles devem justificar suas decisões e restringir o acesso à informação so-mente se o interesse maior do público assim o exigir;

6. Honestidade – Os ocupantes de cargos públicos têm o de-ver de declarar quaisquer interesses particulares que tenham rela-ção com seus deveres públicos e de tomar medidas para resolver quaisquer conflitos que possam surgir de forma a proteger o inte-resse público;

7. Liderança – Os ocupantes de cargos públicos devem promo-ver e apoiar estes princípios através da liderança e do exemplo.

Para a efetivação de tais princípios, recomendou a Comissão a elaboração de códigos de conduta incorporando esses princípios, a fiscalização independente do cumprimento dos padrões comporta-mentais estabelecidos e a educação, para promover a internalização dos padrões de conduta.

Esse derradeiro aspecto recomendado, educação, como já anunciado, é o cerne da reforma social que se pleiteia, em qualquer esfera, pública ou privada, que é enfaticamente defendido pela Dou-trina dos Espíritos, até porque a fragilidade moral do integrante político do governo, independentemente de nacionalidade, é que define a ocorrência ou não de posturas inadequadas.

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A confiança social num palco público moralizado e a contribuição do Espiritismo para tal desiderato.

Diz Benjamin Disraeli (escritor e político britânico, do século 19, de origem judaica italiana e com raízes portuguesas, que foi Pre-mier inglês) que “quando os homens são puros, as leis são desneces-sárias; quando são corruptos, as leis são inúteis”15.

Esse o ponto fulcral desse trabalho, a pureza dos homens. Não há como se falar em honestidade, sem o pressuposto da pureza humana; não há como se exigir transparência e liderança, sem o substrato da pu-reza humana; não há que se falar em fiscalização eficiente, sem o ampa-ro da pureza humana; enfim, não há como se exigir de quem quer seja uma conduta padrão sem o suporte da pureza humana, que nada mais é, para nós espíritas, do que a moralidade do ser, construída através da educação da criatura, razão pela qual é lógica, inspirada e inspiradora, a recomendação final da Comissão de promoção de educação.

A questão é que a educação proposta pelo Relatório Nolan fica aquém da defendida pelo Codificador e Espíritos Superiores, já que aquela se centra na instrução exclusivamente, enquanto a Codifica-ção a expande para o universo da educação moral.

Diz O Livro dos espíritos, obra basilar do Espiritismo, com edição inaugural publicada em 18 de abril de 1857, em Paris, nos comentários do Codificador à resposta dada pelos Espíritos à perg. 685-A, que “há um elemento que não se ponderou bastante, e sem o qual a ciência econômica não passa de teoria: a educação. Não a edu-cação intelectual, mas a moral, e nem ainda a educação moral pelos

15. O Portal da História. Disponível em: <http://www.arqnet.pt/portal/biografias/disraeli.html>. Acesso em: 15 dez. 2012.

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livros, mas a que consiste na arte de formar os caracteres, aquela que cria os hábitos adquiridos”16.

A não educação, que redunda em imoralidade, é responsável direta pelos dramas vivenciados na vida social, inclusive estes que se desenvolvem na administração pública, fruto da herança dos valores equivocados adquiridos na trajetória espiritual, que cada um de nós, ao reencarnar, assume o compromisso de debelar.

Continua O Livro, como particularmente chamava Monsieur Rivail17, agora na resposta à perg. 889, que “(...) se uma boa educa-ção moral lhes tivesse (aos homens) ensinado a praticar a lei de Deus, não teriam caído nos excessos que os levaram à perda. E é disso, sobretudo, que depende o melhoramento do vosso globo”18.

Sem olvidar a importância de instrumentos institucionais eficientes de fixação, controle, fiscalização e correção das condutas públicas, é a educação moral que determinará a concreção de atu-ação satisfatória no cenário público, já que entabulada no universo íntimo dos seres, mas que diz respeito a todos os atores sociais, seja cidadão, seja administrador, pois a todos cabem indistintamente o respeito mútuo e o cumprimento dos respectivos deveres, antes mes-mo do gozo dos direitos inafastáveis.

A partir das lições insculpidas na 3ª parte de O Livro dos espí-ritos, que cuida das Leis Morais, entende-se que, tanto o particular, no exercício da cidadania, quanto o gestor público, reciprocamente e em face do Estado e da comunidade, devem se pautar na observância

16. KARDEC, Allan (n. 03), p. 390.17. ABREU, Canuto. O Livro dos Espíritos e sua Tradição Histórica e Lendária. São Paulo: LFU, 1992.18. KARDEC, Allan (n. 03), p. 480.

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do Código de Conduta Universal, instituído pelo divino Legislador, que se resume na Lei de Amor, Justiça e Caridade e se detalha, mais especificamente quanto ao tema, nas Leis de Trabalho, Conservação, Sociedade, Progresso, Igualdade, Liberdade19.

Ora, considerando que a pureza dos homens dá suporte de va-lidade aos instrumentos normativos, sem a conscientização da verda-deira ocupação útil a ser desempenhada, sem a exata delimitação do que seja o supérfluo e o necessário para a vida material, sem a percep-ção da relevância da vida social, sem o entendimento dos valores reais para a construção da civilização humana e progresso contínuo dela, sem a compreensão de que as diferenças socioeconômicas objetivam estimular talentos e fraternidade entre os seres, sem o conhecimen-to da responsabilização pessoal e intransferível das ações e omissões individual e voluntariamente elegidas, inócuas serão, como revelam ser, quaisquer medidas de controle, fiscalização e disciplina na admi-nistração pública a serem criadas pelos ordenamentos jurídicos, seja no país que for, a não ser que conjugadas com tarefas de promoção de educação moral das criaturas, trabalho a ser desempenhado por todos (Estado, família e instituições sociais de naturezas variadas).

Preparado para os imprevistos que a vida apresenta, sejam situa-ções ou pessoas, o homem moralmente educado fundamenta sua con-duta em padrões comportamentais superiores já internalizados, mas que são racionalmente vivenciados nas oportunidades de testes que a existência renova, o que impede o agir irresponsável, inconsciente ou leviano. Ademais, em razão dessa construção íntima, desenvolve-se um sistema fiscalizatório e validador da ação pessoal, o juiz consciencial da

19. Idem, Ibidem, p. 361-499.

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lição de Jesus de Nazaré, o qual poderá ser auxiliado, nos processos de moralização em trâmite, pelos instrumentos legais eficazmente elabo-rados para regramento da vida pública.

Efetivamente, é a inobservância dos fundamentos comporta-mentais educativos dos atores sociais que propicia a imoralidade que contamina o ambiente público.

Se “há muito o que fazer”, aquele que congrega em si o co-nhecimento jurídico com o espírita assume tarefa de destacada im-portância no labor de promoção da educação moral na sociedade, destaque que não se assenta em critérios de vanglória ou superiori-dade, mas sim pelo conhecimento de que “muito se pedirá àquele que muito recebeu”20.

Afinal de contas, quem transita pelos universos jurídico e espí-rita é um cidadão que interage na comunidade, de acordo com seu substrato valorativo e alicerçado no conhecimento técnico adquirido.

Por um lado, em sendo espiritista, sabe ele que o Espiritismo é o meio de progresso e renovação social, conforme ensinos contidos nas perguntas 798 a 802, de O Livro dos espíritos21; de outra banda, enquanto jurista, é sabedor que, segundo Miguel Reale, “o Direito é a concretização da ideia de justiça na pluridiversidade de seu dever-ser histórico, tendo a pessoa como fonte de todos os valores.”22.

E esse contributo que o conhecedor do Espiritismo e do Direito deve ofertar à sociedade que integra sibila a seguinte reflexão: enfim, o que somos? Espíritas-juristas ou juristas-espíritas? Qual a nossa verda-

20. KARDEC, Allan (n. 05), p. 181.21. KARDEC, Allan (n. 03), p. 438-440.22. REALE, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 128.

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de dominante? Poderíamos ser espíritas, independentemente da pro-fissão que o talento nos conduzisse? Ou seríamos operadores do Direi-to, não obstante a religião professada? O que efetivamente nos define?

Divaga-se tão somente para perscrutar em nós mesmos (na própria autora) se as justificativas erigidas para as circunstâncias da vida têm fundamento no Direito, que, como produto humano, ain-da falho e adaptável às “necessidades” do momento, como histórica e doutrinariamente comprovado, ou se já direcionadas pelos celestiais parâmetros, mesmo que transitoriamente inconcebíveis aos ditames jurídicos dos homens. Novos “Joaquins Sucupiras”23?

Por isso, deve ele, melhor dizendo, devemos nós concretizar, na atitude particular, a informação religiosa no âmbito da vida social e testificar que Direito não se limita aos contornos humanos, posto existir outro sistema legal, que é o divino, até porque preconiza o Espírito Verdade, respondendo à pergunta 918, de plurimencionado O Livro, que “o Espírito prova a sua elevação quando todos os atos da sua vida corpórea constituem a prática da lei de Deus e quando compreende por antecipação a vida espiritual”24.

Conclusão

Como se afirmava desde o título, é a ausência de moralidade que deflagra a falência democrática das entidades públicas e respec-

23. Personagem do conto “Mãos Enferrujadas” de Humberto de Campos, sob o pseudônimo de Irmão X, descrito nos termos que seguem: “dizia-se cristão e, realmente, se vivia isolado, não fazia mal sequer a uma formiga. (...) Aceitava Jesus a seu modo, não segundo o próprio Jesus.” (IRMÃO X, Luz Acima. Psicografia de Francisco Cândido Xavier. cap. 02. Disponível em: <http://bvespirita.com/Luz%20Acima%20(psicografia%20Chico%20Xavier%20%20esp%C3%ADrito%20Humberto%20de%20Campos).pdf>. Acesso em: 30 dez. 2012. p. 06).24. KARDEC, Allan (n. 03), p. 496.

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tivas gestões, já que as pessoas que as compõem, ao lado daquelou-tras que delas se beneficiam, transitam na vida ainda sob o peso da própria fragilidade ética, situação que se converterá apenas quando a educação for voluntária e intimamente implantada.

Alinhavando Direito e Espiritismo, como se propõe em nos-sas Associações Jurídico-Espíritas, que espargem pelo Brasil, já que aquele objetiva “nada além do mínimo ético”, como ensinado por Georg Jellinek25, e este outro se disponibiliza a ensinar “aos homens a grande solidariedade que os há de unir como irmãos”, como pon-tuado em O Livro dos espíritos, perg. 79926, oferta-se aos homens da Terra direcionamento seguro e escorreito para a concreção da con-fiança recíproca, que inclui aquela que o povo devota aos integrantes da administração pública.

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