Temas Selecionados de Direito Público

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TEMAS SELECIONADOS DE DIREITO PÚBLICO COORDENADORES: GUSTAVO RABAY GUERRA LUDMILA ARAÚJO ORGANIZADORES: LARYSSA ALMEIDA VINÍCIUS LEÃO

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A presente produção intitulada TEMAS SELECIONADOS DE DIREITO PÚBLICO surgiu a partir da percepção das muitas intersecções interdisciplinares propostas entre os diferentes ramos científicos que compõe o que se chama de Direito Público. Assim, reunimos estudiosos de várias instituições de ensino superior brasileiras, os quais assinam cada capítulo desta obra coletiva, para apresentar olhares e reflexões inovadoras no âmbito das Ciências Jurídicas.

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TEMAS SELECIONADOS DE

DIREITOPÚBLICO

COORDENADORES:GUSTAVO RABAY GUERRA LUDMILA ARAÚJO

ORGANIZADORES:LARYSSA ALMEIDAVINÍCIUS LEÃO

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CENTRO INTERDISCIPLINAR DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO E DIREITO

LARYSSA MAYARA ALVES DE ALMEIDA

Diretor Presidente da Associação do Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Direito

VINÍCIUS LEÃO DE CASTRO

Diretor - Adjunto da Associação do Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Direito

LUCIANO DO NASCIMENTO SILVA

Coordenador Acadêmico da Associação do Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Direito

MARIA CEZILENE ARAÚJO DE MORAIS

Coordenador Acadêmico - Adjunto da Associação do Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Direito

VALFREDO DE ANDRADE AGUIAR FILHO

Coordenador de Política Editorial do Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Direito

NÁJILA MEDEIROS BEZERRA E YULGAN TENNO DE FARIAS

Coordenadores-Adjuntos de Política Editorial do Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Direito

ASSOCIAÇÃO DA REVISTA ELETRÔNICA A BARRIGUDA – AREPB

CNPJ 12.955.187/0001-66

Acesse: www.abarriguda.org.br

CONSELHO CIENTÍFICO

Adilson Rodrigues Pires

Adolpho José Ribeiro

Adriana Maria Aureliano da Silva

Ana Carolina Gondim de Albuquerque Oliveira

André Karam Trindade

Alana Ramos Araújo

Bruno Cézar Cadê

Carina Barbosa Gouvêa

Carlos Aranguéz Sanchéz

Cláudio Simão de Lucena Neto

Daniel Ferreira de Lira

Elionora Nazaré Cardoso

Ely Jorge Trindade

Ezilda Cláudia de Melo

Felix Araújo Neto

Fernanda Isabela Oliveira Freitas

Gisele Padilha Cadé

Glauber Salomão Leite

Gustavo Rabay Guerra

Herry Charriery da Costa Santos

Hipolito de Sousa Lucena

Ignacio Berdugo Gómes de la Torre

Javier Valls Prieto

Jeremias de Cássio Carneiro de Melo

José Flôr de Medeiros Júnior

Karina Teresa da Silva Maciel

Laryssa Mayara Alves de Almeida

Luciano do Nascimento Silva

Ludmila Douettes Albuquerque de Aráujo

Marcelo Alves Pereira Eufrásio

Marcelo Weick Pogliese

Maria Cezilene Araújo de Morais

Raymundo Juliano Rego Feitosa

Rodrigo Araújo Reül

Rômulo Rhemo Palitot Braga

Samara Cristina Oliveira Coelho

Suênia Oliveira Vasconcelos

Talden Queiroz Farias

Thamara Duarte Cunha Medeiros

Valfredo de Andrade Aguiar Filho

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GUSTAVO RABAY GUERRA E LUDMILA ARAÚJO

COORDENADORES

LARYSSA ALMEIDA E VINÍCIUS LEÃO

ORGANIZADORES

1ª EDIÇÃO

ASSOCIAÇÃO DA REVISTA ELETRÔNICA A BARRIGUDA - AREPB

2014

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©Copyright 2014 by

Editor-chefe

LARYSSA MAYARA ALVES DE ALMEIDA E LUCIANO NASCIMENTO SILVA

Coordenação do Livro

GUSTAVO RABAY GUERRA E LUDMILA ALBUQUERQUE DOUETTES ARAÚJO

Organização do Livro

LARYSSA MAYARA ALVES DE ALMEIDA E VINÍCIUS LEÃO DE CASTRO

Arte

FAZ IDEIA

Capa

YULGAN TENNO DE FARIAS

Editoração

LARYSSA MAYARA ALVES DE ALMEIDA

VINÍCIUS LEÃO DE CASTRO

Diagramação

LARYSSA MAYARA ALVES DE ALMEIDA

VINÍCIUS LEÃO DE CASTRO

O conteúdo dos artigos é de inteira responsabilidade dos autores.

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELO BIBLIOTECÁRIO MARCOS PAULO FARIAS

RODRIGUES CRB 15 Nº1601

T278

Temas relacionados de Direito Público. / Laryssa

Almeida e Vinícius Leão (Org.) Gustavo Rabay e Ludmila

Araújo (Coord.). – Campina Grande: Associação da Revista

Eletrônica A Barriguda (AREPB), 2014.

188 p.

ISBN 978-85-67494-07-4

1. Direito Público 2. Direito I. Título.

CDU 342

Todos os direitos desta edição reservados à Associação da Revista Eletrônica A Barriguda – AREPB.

Foi feito o depósito legal.

Data de fechamento da edição: 10-11-2014

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O Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Direito – CIPED, responsável

pela Revista Jurídica e Cultural “A Barriguda”, foi criado na cidade de Campina Grande-PB,

com o objetivo de ser um locus de propagação de uma nova maneira de se enxergar a Pesquisa,

o Ensino e a Extensão na área do Direito.

A ideia de criar uma revista eletrônica surgiu a partir de intensos debates em torno da

Ciência Jurídica, com o objetivo de resgatar o estudo do Direito enquanto Ciência, de maneira

inter e transdisciplinar unido sempre à cultura. Resgatando, dessa maneira, posturas

metodológicas que se voltem a postura ética dos futuros profissionais.

Os idealizadores deste projeto, revestidos de ousadia, espírito acadêmico e nutridos do

objetivo de criar um novo paradigma de estudo do Direito se motivaram para construir um

projeto que ultrapassou as fronteiras de um informativo e se estabeleceu como uma revista

eletrônica, para incentivar o resgate do ensino jurídico como interdisciplinar e transversal, sem

esquecer a nossa riqueza cultural.

Nosso sincero reconhecimento e agradecimento a todos que contribuíram para a

consolidação da Revista A Barriguda no meio acadêmico de forma tão significativa.

Acesse a Biblioteca do site www.abarriguda.org.br

e confira E-Books gratuitos.

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ................................................................................................................... 8

EL DERECHO FUNDAMENTAL A LA AUTODETERMINACIÓN INFORMATIVA 9

O SEGUNDO TRATADO SOBRE O GOVERNO CIVIL E A CONTRIBUIÇÃO

LIBERAL ................................................................................................................................ 31

EXPANDIR OS HORIZONTES DAS CORTES É POSSÍVEL? ATIVISMO JUDICIAL

TRANSNACIONAL E “JUDICIAL BORROWING” NA DISPUTA INTERPRETATIVA ENTRE O SUPREMO

TRIBUNAL FEDERAL E A CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS SOBRE A VALIDADE DA

LEI DE ANISTIA .......................................................................................................................... 41

HERMENÊUTICA JURÍDICA E UTILIZAÇÃO DO MÉTODO SISTEMÁTICO NO

DIREITO TRIBUTÁRIO ...................................................................................................... 59

O PRINCÍPIO DO POLUIDOR-PAGADOR: ORIGENS ECONÔMICAS E

DESDOBRAMENTOS EUROBRASILEIROS ................................................................... 77

O IMPEACHMENT DE FERNANDO LUGO NO PARAGUAI: QUESTIONAMENTOS

À ÉTICA E À DEMOCRATICIDADE DA DECISÃO PARLAMENTAR ..................... 96

PARADIPLOMACIA, POR QUÊ? .................................................................................... 107

A CONTRIBUIÇÃO DA EXTENSÃO UNIVERSIÁRIA PARA A INTEGRAÇÃO

SOCIAL ................................................................................................................................. 130

DUMPING SOCIAL NAS RELAÇÕES DE TRABALHO: UMA ANÁLISE DOS DANOS

INTERSUBJETIVOS CAUSADOS E O PODER-DEVER DE COMBATE PELO

JUDICIÁRIO ........................................................................................................................ 137

MONITORAMENTO ELETRÔNICO DO TEOR DE ÁLCOOL EM SERES

HUMANOS: REALIDADE NO DIREITO COMPARADO E NECESSIDADE DE

IMPLEMENTAÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO .................... 163

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APRESENTAÇÃO

A revista jurídica A Barriguda iniciou suas atividades em 2011 a partir dos esforços

conjuntos de graduandos e professores do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade

Estadual da Paraíba. Desde o seu nascedouro, na Cidade de Campina Grande – Estado da

Paraíba, vem reunindo em seu conselho científico pesquisadores de diferentes áreas e países

comprometidos com o desenvolvimento do conhecimento humano em prol da Sociedade.

Em 2014, com oito títulos registrados na Fundação Biblioteca Nacional, A Barriguda

iniciou suas atividades como editora, disponibilizando aos seus leitores uma Biblioteca Virtual

gratuita no site www.abarriguda.org.br/bibliotecavirtual que reúne as publicações de e-books e

edições especiais, com abordagens temáticas específicas do periódico científico, com ISSN

2236-6695.

A presente produção intitulada TEMAS SELECIONADOS DE DIREITO

PÚBLICO surgiu a partir da percepção das muitas intersecções interdisciplinares propostas

entre os diferentes ramos científicos que compõe o que se chama de Direito Público. Assim,

reunimos estudiosos de várias instituições de ensino superior brasileiras, os quais assinam cada

capítulo desta obra coletiva, para apresentar olhares e reflexões inovadoras no âmbito das

Ciências Jurídicas.

Novembro de 2014.

Laryssa Almeida, Ludmila Araújo e Vinícius Leão

Campina Grande – PB

Gustavo Rabay Guerra

João Pessoa – PB

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EL DERECHO FUNDAMENTAL A LA AUTODETERMINACIÓN INFORMATIVA

Ludmila Albuquerque Douettes Araújo1

Sumario: 1 Planteamiento General. 2 El Derecho a la Autodeterminación Informativa

y la Sentencia Alemana sobre la Ley del Censo de 1983. 3 El Derecho a la

Autodeterminación Informativa como Derecho Fundamental. 4 La polémica entre el

Derecho a la Intimidad y el Derecho a la Autodeterminación Informativa. 5

Conclusión. Referencias Bibliográficas.

1 PLANTEAMIENTO GENERAL

La construcción del derecho a la autodeterminación informativa tal y como se

encuentra configurada en la actualidad, extraído de la noción de intimidad (o privacy), se ha

hecho a partir de reflexiones doctrinales y elaboraciones jurisprudenciales. Manifestaciones que

aunque diferentes, tienen una relación muy estrecha. En esta línea, en lo que concierne a la

privacy, la doctrina atribuye su aparición, por primera vez en la dialéctica jurídica en 1890,

cuando la suscitó Samuel Warren y Louis Brandeis2.

El perfil del llamado derecho a la autodeterminación informativa comienza a

construirse, a partir de la década de los setenta3, cuando se da inicio a discusiones sobre la

necesidad de buscar la respuesta jurídica a las nuevas exigencias sociales. Es decir, frente al

peligro que podía suponer una informatización de datos, que pudiese vulnerar algún derecho.

Ante la gran ola tecnológica que se anunciaba, empezaba a percibirse el riesgo para muchos de

los derechos fundamentales que podrían ser violados. Estaba surgiendo, sin ninguna duda, un

nuevo espacio en el que hasta ese momento no había una tutela jurídica específica.

Como bien resalta Frosini4, la doctrina de la libertad informática tenía su matriz

ideológica en la concepción de un nuevo liberalismo, dentro de la óptica social de aquella época,

1 Advogada. Professora efetiva de Direito Civil da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) e Facisa. Doutora

em Direito Civil (cum laude) com menção de Doutorado Europeu, Diploma de Estudos Avançados (Mestrado) em

Direito Mercantil e Especialista em Direito do Consumo pela Universidade de Granada – Espanha. E-mail:

[email protected] 2 WARREN, Samuel y BRANDEIS, Louis. “The Right to Privacy”. Harvard Law Review. Vol. IV, nº. 5,

Diciembre 1890. 3 Para Frosini, “el momento crucial en la historia jurídica del “derecho a la privacidad”, a la “libertad informática”,

ha sido marcado por las actas legislativas que se sucedieron después de 1970 y que abrieron un camino nuevo a lo

largo del cual avanzaron decisivamente las legislaciones de los países de civilización industrial avanzada”.

FROSINI, Vittorio. “Banco de datos y tutela de la persona”. Revista de Estudios Políticos, núm. 30 (Noviembre-

Diciembre 1982), p. 25. 4 FROSINI, Tommaso Edoardo. “Nuevas tecnologías y constitucionalismo”. Revista de Estudios Políticos, núm.

124, 2004, p. 131.

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ubicado en un entorno de revolución tecnológica, y desarrollado desde una nueva perspectiva

del derecho de libertad personal. En definitiva, para este autor, este derecho manifiesta un

aspecto nuevo de la vieja idea de la libertad personal, “y constituye el avance de una frontera

nueva de la libertad humana a través de la sociedad futura”.

El primer punto observado sobre esta temática, es su terminología. En Alemania, el

ordenamiento jurídico utiliza la denominación “derecho a la autodeterminación informativa”.

En Italia sin embargo, se puede apreciar que prácticamente no se usa la designación alemana,

teniendo la doctrina italiana preferencia por los términos “dirito alla riservatezza”, “privacy”,

o la utilización de la expresión acogida por la legislación comunitaria, “protezione dei dati

personali” para referirse a este nuevo derecho. Tal elección también refleja la intención de parte

de la doctrina italiana en conferirle una autonomía respecto al derecho a la riservatezza. Ya en

la doctrina española, podemos apreciar tanto la expresión germánica, como igualmente la

denominada “libertad informática”.

Para encontrar el término preciso que exprese la tutela perseguida, tanto la

jurisprudencia, doctrina, como las legislaciones, empiezan a enunciar lo que verdaderamente se

pretende amparar5. Y esto ha sido así, porque con anterioridad era común su referencia de modo

genérico, utilizando la expresión “protección de datos”, como por ejemplo en Alemania, con

el uso del término Datenshutz, y el inglés Data Protection. De manera que la doctrina ha

manifestado el carácter equívoco de tal designación, pues como opina Pérez Luño6, “parece

evocar que el objeto de la protección jurídica son los datos, cuando, en realidad, lo son las

personas concernidas en ellos”. En efecto, la pretensión de la tutela jurídica es proteger a las

personas de una mala utilización de informaciones que les pueda concernir, y por lo tanto, para

lograrla se impone un conjunto sistemático de derechos y deberes a todos los partícipes de los

procesos que implica el tratamiento de información de carácter personal.

De esta manera, las leyes empezaron a especificar mejor su objeto como forma de

evitar dilogía, así, el caso del Convenio del Consejo Europeo, para la protección de las

personas con respecto al tratamiento de datos automatizados, y otras que han venido

sucesivamente, como la Directiva 95/46, relativa a la protección de las personas físicas en lo

que respecta al tratamiento de datos personales y a la libre circulación de estos datos.

5 Vid. LUÑO, Antonio Enrique Pérez. “El Derecho a la autodeterminación informativa”. En Anuario de jornadas

1989-1990: (Servicio de Estudios del IVAP). Bilbao, 1991, p. 301 y ss. 6 Ibid., p.303.

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Sin embargo, la Ley Orgánica española, nº 15/1999, en nuestra opinión, no fue

afortunada al titularse: Ley de protección de datos de carácter personal, al igual que, el Codice

in Materia di Protezione dei Dati Personali italiano, contradiciendo de esta forma todos los

esfuerzos de la legislación internacional y comunitaria por centralizar la finalidad de dichas

normas en las personas.

La ausencia de uniformidad sea en el ámbito doctrinario, legislativo, o en el

jurisprudencial, en el uso de las expresiones de esto derecho retratan la dificultad actual de la

ciencia jurídica en concebir en un único enunciado o de forma unívoca, el bien que se quiere

proteger. Creemos que tanto el vocablo germánico como la “libertad informática” son términos

que no se excluyen. Uno y otro pueden ser vistos como sinonimia jurídica, aunque exceptúa

Pérez Luño7, que algunas formulaciones doctrinales conciben la expresión alemana como una

categoría más restricta al entenderlo como una faceta de la intimidad o un aspecto del libre

desarrollo, no obstante, el desarrollo jurisprudencial y teórico lo hacen coincidir con el alcance

de la libertad informática.

A nuestro parecer, dichas expresiones reflejan un derecho subjetivo que asegura la

protección del patrimonio informativo personal8. De esta forma, la protección de datos seria el

derecho objetivo que como tal, traza las normas de conducta que deben ser observadas, o por

mejor decir, concretiza y disciplina el derecho subjetivo a la libertad informática. Sobre esa

misma cuestión y recogiendo otra vez a la opinión del autor citado, él9 advierte que la

protección de datos carecería de sentido si no se tradujera en un conjunto de garantías para las

personas y la autodeterminación informativa o la libertad informática serian inconcebibles de

no contar como presupuesto una opción axiológica sobre y un marco organizativo de la

informática.

Por todo lo dicho, observase que si por un lado este derecho se inclina a proteger

exclusivamente la privacidad, dejaría al margen todas las intromisiones ilegítimas a cualquier

otro derecho que no estuviese con ella relacionado. De otra parte, habría que especificarse que

objeto jurídico se pretende tutelar, siempre teniendo en cuenta que el derecho necesita

paradójicamente de una tutela rigorosa, pero a la vez flexible, que pueda acompañar la principal

7 Ibid., p. 305. 8 Con esa expresión no se pretende conferir un contenido de derecho patrimonial a los datos personales, pero

reforzar el conjunto de bienes subjetivos que posee el individuo tocante a las informaciones que les concierne. 9 LUÑO, Antonio Enrique Pérez. El Derecho a la… op. cit., p. 306.

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característica del medio utilizado para afrontar lo que se pretende proteger: la velocidad de los

cambios y del desarrollo tecnológico.

Además de todo ello, la discusión sobre el derecho a la protección de datos envuelve

un debate sobre diversos derechos, fundamentales o no, que pueden verse afectados por la

elaboración de informaciones, como resultado de un uso indebido de la tecnología.

Por tanto, los riesgos son innumerables. Las actuales sociedades que atingieran un

nivel mínimo de desarrollo tecnológico, sea en el ámbito público o privado, necesitan del

tratamiento automatizado de los datos para optimizar las funciones que les son inherentes.

Dichas informaciones son recabadas para los más diversos propósitos y pueden ser almacenadas

sin que actualmente existan límites físicos. En efecto, como bien observa Orozco Pardo10, el

tiempo y el espacio que antes se imponía, impedía que tuviésemos conocimiento de los hecho

que protagonizados por los demás y operaban así, con salvaguardia de la “privacidad de la

persona”. Sin embargo, a su sentir, estos límites han desaparecido hoy, de suerte que:

“tiempo y espacio no son obstáculo para la informática que puede recoger, almacenar,

procesar, cruzar datos de muy distinta índole, sea cual sea su lugar y momento de

procedencia, sin conocimiento ni consentimiento de la persona afectada”.

Todo ello conlleva a distintos problemas para los individuos: posibilidad de que se

establezca un perfil de la personalidad de los ciudadanos; el confronto de informaciones con

diversos y distintos banco de datos; la posibilidad de manutención de estas informaciones por

largo espacio de tiempo; utilización de estos registros como un instrumento decisorio, es decir,

de resolución de aspectos de índole diversa de la vida social de un sujeto fundamentándose en

el conjunto de informaciones puesto a disposición de quienes tengan acceso a la base de datos11,

etc., son solamente algunas cuestiones más inmediatas que se debe tener en cuenta cuando se

plantea la problemática de la protección de datos.

10 PARDO, Guillermo Orozco. “Consideraciones sobre los derechos de acceso y rectificación en el proyecto de

Ley Orgánica de Regulación del tratamiento automatizado de los datos de carácter personal”. Informática y

derecho: Revista iberoamericana de derecho informático, nº 4, 1994, p. 221. 11 Una de ellas, el problema que implica los datos personales en el ámbito laboral. De hecho, Pecorella y Di Ponti

han advertido que “entre las multiples perspectivas de la privacy, objeto de atención por las distintas autoridades

nacionales, encargadas de la tutela de los datos personales, han adquirido especial trancendencia en estos último

años aquéllas relacionadas con la actividad laboral, como consecuencia de las cada vez más amplias posibilidades

de intromisión en la esfera personal de los trabajadores, permitida a raiz del desarrollo tecnologico”.

PECORELLA, Claudia; DI PONTI, Riccardo. “Privacy y control del correo y de la navegación por la Red en el

puesto de trabajo”. En: BOIX REIG, Javier (Dir.). La protección Jurídica de la Intimidad, Madrid: Iustel, 2010, p.

583.

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Dentro de este entorno, no es un despropósito afirmar que quedaríamos todos como

rehenes, en la cárcel de los sistemas informáticos responsables por el acopio de informaciones

personales, subyugados por la imposición injusta, cobarde, tiránica y silenciosa de lo que un

conjunto de informaciones que se posea tenga a decir sobre cada uno de los individuos.

Comprendiendo y valorando el fenómeno dentro de esta óptica, se puede llegar a la

deducción de que, sin sombra de duda, la Ciencia del Derecho se encuentra en un delicado

momento, necesitando elaborar un replanteamiento de su propio sistema frente a las nuevas

exigencias. Todo esto es imprescindible para que se pueda también asegurar la dignidad de la

persona, criterio ultimo de determinación del germine de los derechos que le son inherentes,

donde se empieza y se termina una de las principales funciones confiada al Estado Democrático

de Derecho, realizada a través de la plena protección de los derechos fundamentales y de las

libertades constitucionales.

Sobre este último aspecto, la protección de datos tiene un papel esencial como

instrumento para garantizar que el individuo pueda gozar de su libertad sin invasiones ilegítimas

y silenciosas. Es incompatible hablar de garantías individuales, de libre desarrollo de la persona

y de su dignidad humana si no se le proporciona instrumentos para que la goce con la libertad

necesaria. Es interesante y todavía actual la observación de Stuart Mill12, cuando afirma que “el

Estado, en tanto que respeta la libertad de cada uno en lo que especialmente le concierne, está

obligado a mantener una vigilante intervención sobre el ejercicio de todo poder que se le haya

sido conferido sobre los demás”. Este es uno de los retos del Estado en los días de hoy: asegurar

la libertad individual a la vez que garantiza la seguridad pública y sobretodo sostener un sistema

de derechos que se adelante a los cambios tecnológicos y no lo contrario.

2 EL DERECHO A LA AUTODETERMINACIÓN INFORMATIVA Y LA

SENTENCIA ALEMANA SOBRE LA LEY DEL CENSO DE 1983

Resultado de una construcción doctrinal y jurisprudencial, el derecho a la

‘autodeterminación informativa’ tuvo su origen en Alemania. No obstante, advierte

Denninger13, que dicho derecho no es nuevo, ni en su formulación, ni en su denominación. Es

decir, remite este autor a los años 1954 y 1958, afirmando que la jurisprudencia germánica

12 MILL, John Stuart. Sobre la libertad. Azcárate, Pablo de (trad.). Madrid: Alianza, 2004, p. 192. 13 DENNINGER, Erhard. “El Derecho a la autodeterminación informativa”. En: PEREZ LUÑO, Antonio Enrique

(Dir.). Problemas actuales de la documentación y la informatica juridica. Madrid: Tecnos, 1987, p. 271.

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trataba de perfilar la idea inicial de la autodeterminación informativa. En cuanto a la

denominación, desde los años setenta14 , ese término ya era utilizado por la doctrina alemán.

Sin embargo, el rango de derecho fundamental se alcanzó por primera vez cuando el

Tribunal Constitucional Alemán así lo interpretó, en el momento de la apreciación de la

demanda de inconstitucionalidad contra la Ley del recuento de la población, delas profesiones,

de las viviendas y de los centros de trabajo (Ley del Censo de 1983), de 25 de marzo de 1982.

Explica la Sentencia que, las razones para que la recogida de los datos ordenada por la

Ley del Censo de 1983 despertara la inquietud de sectores de la sociedad, y con ella los recursos

de inconstitucionalidad contra dicha ley, podrían haber surgido primero por la ignorancia

respecto al ámbito y los objetivos de la utilización de la encuesta; segundo, la falta de

advertencia sobre la necesidad e importancia de estas informaciones; en tercer lugar, el temor

de los ciudadanos a una aprehensión incontrolada de su personalidad debido a las modernas

técnicas de elaboración de datos. Ya que, aunque sea para simplemente recabarlos, son

indispensables la exigencia de unos mínimos requisitos; y cuarto, por la alerta de personas

expertas sobre la insuficiencia de requisitos de constitucionalidad de la ley en algunos de sus

dispositivos.

Además del derecho a la autodeterminación informativa, fueron analizados en aquella

oportunidad, también la posible lesión a los derechos fundamentales, a la libertad de creencias,

a la inviolabilidad de domicilio y a la libertad de expresión.

No obstante, por lo que interesa a este estudio, indudablemente es el análisis de la

Sentencia sobre el artículo 9º de la Ley del Censo, de 25 de marzo de 1982, que contenía

disposiciones especiales sobre la utilización y transmisión de los datos recogidos, como por

ejemplo, el cotejo con el registro de empadronamiento.

El Tribunal comprendía que la Ley Fundamental del Estado alemán tenía como piedra

angular de sus principios, el valor y la dignidad de la persona que se transpone al ciudadano, a

través de la libre autodeterminación, por estar dentro de una sociedad libre15.

14 Afirma el autor que en el año de 1971, en un informe encargado por el Ministerio Federal del Interior,

Steinmüller y otros llegan a definir sus estructuras fundamentales, introduciendo en esta ocasión denominaciones

como la del “derecho a la autodeterminación informativa sobre la imagen de una persona o de un grupo de

personas” y en 1976 como un título de un capítulo de Mallmann, “derecho a la autodeterminación informativa”.

Ibid., p. 271-272. 15 Tribunal Constitucional Alemán, sentencia de 15 de diciembre de 1983, publicada en Boletín de Jurisprudencia

Constitucional (BCJ), DARANAS, Manuel (trad), núm. 33 (Enero 1984), Madrid: Publicaciones de las Cortes

Generales, p. 152.

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Derivado de este principio, el eje del fallo se apoyaba en garantizar que el individuo

pudiese decidir libremente sobre cuándo y dentro de qué límites entendiese conveniente revelar

situaciones referentes a la propia vida. Aunque no dejó la sentencia de establecer algunos

contornos a este “derecho a la autodeterminación”.

Todo ello porque ya en aquella época era posible prever que a través de la elaboración

automática de datos, las informaciones sobre circunstancias personales u objetivas de un

individuo podrían ser almacenadas sin límites y rápidamente accesibles con independencia de

la distancia. Además de la posibilidad de que tales informaciones, cuando refundidas con otras

bases de datos, montasen un “perfil de personalidad parcial o ampliamente definida, sin que el

interesado pueda controlar suficientemente su exactitud y su utilización”16, se tiene en este

sentido, la percepción de la importancia, pero también de los peligros para las libertades del

ciudadano de ese tratamiento automatizado de datos. Referente a este aspecto se consignó en

aquel decisum que “un dato carente en si mismo de interés puede cobrar un nuevo valor de

referencia, y en esta medida ya no existe, bajo las condiciones de la elaboración automática de

datos, ningún dato “sin interés”17.

El fallo sustentaba la idea de que la ignorancia por un individuo sobre qué

informaciones relativas a él son conocidas en determinados sectores de su vida social acotaba

las oportunidades de desarrollo de la personalidad individual. Es decir, el ciudadano no podría

libremente “planificar o decidir por autodeterminación” y justo por eso, un orden social y

jurídico en el que el ciudadano ya no pudiera saber quién, qué, cuándo y con qué motivo sabe

algo sobre él era incompatible con el derecho a la autodeterminación informativa18.

Si por un lado la sentencia procuraba asegurar que el ciudadano pudiese decidir por

libre autodeterminación sobre la difusión y utilización de sus datos personales, por otro, definía

los límites a ese derecho. Así, la interpretación del alcance del derecho a la autodeterminación

informativa era restrictiva, es decir, no se infería que los individuos tenían la “propiedad”

absoluta de sus datos. Ello porque se deducía que, incluso en ese tema, algunos intereses

colectivos se anteponían al individual. Efectivamente, el ciudadano, además de su recóndito

íntimo, ineludiblemente posee una personalidad dentro del cuerpo social que con ella se

16Ibid., p. 153. 17 Ibid., p. 154. 18 Ibid., p. 153.

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relaciona19. No obstante, este punto de equilibrio entre la restricción del derecho a la

autodeterminación informativa y la preponderancia del interés general debería ser encontrado

a través del principio de la proporcionalidad.

Sobre todo, lo que se arguyó a este respecto, remata el juicio con rotunda firmeza, al

añadir que:

“el grado de sensibilidad de las informaciones ya no depende únicamente de que si

afectan o no a procesos de la intimidad. Hace falta más bien conocer la relación de

utilización de un dato para poder determinar sus implicaciones para el derecho de la

personalidad. Sólo cuando reine la claridad sobre la finalidad con la cual se reclamen

los datos y qué posibilidades de interconexión y de utilización existen se podrá

contestar la interrogante sobre la licitud de las restricciones del derecho a la

autodeterminación informativa”20.

Con esa consideración, ponía de manifiesto el Tribunal categóricamente que el

Derecho que allí se analizaba iba más allá de una mera intromisión al derecho de intimidad y

se llegaría a la importancia de la finalidad de utilización de los datos.

La comprensión respecto a esta importantísima cuestión por el Tribunal Constitucional

Alemán era la siguiente: para que se pudiese obligar el suministro de datos de carácter personal

no anónimo, debería exigirse un diligente trabajo del legislador en el sentido de que este

apuntase, con precisión, el fin para el cual son recabados, además de la atención para que dichos

datos fuesen adecuados y necesarios para tal finalidad.

En el caso de datos destinados a la finalidad estadística, es decir anónimos, aunque

sean para auxiliar una función pública, no se puede exigir del ciudadano cualesquiera datos.

Así, es función del legislador, para aquél Tribunal, comprobar desde el momento en que ordena

el deber de facilitar información si esos datos comportan o no el peligro de calificar socialmente

al interesado21.

De lo que se extraía de la norma en análisis, no podía determinar si la finalidad de los

datos era únicamente estadística, o también administrativa. Aunque este hecho no conllevase

en si, a primera vista, una trasgresión al derecho de la personalidad, el artículo cuestionado

lesionaba el derecho a la autodeterminación informativa en el entendimiento de aquellos

juzgadores, puesto que no se deducía de la norma, con claridad, que esta previera comunicación

19 La información, dice la sentencia que se analiza, “incluso en la medida en que se refiera a la persona como tal,

ofrece un retrato de la realidad social que no cabe asignar exclusivamente al interesado”. Ibid., p. 153 20 Subrayamos. Ibid., p. 154 21 Ibid., p. 156.

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alguna para fines administrativos, ni tampoco de qué finalidades concretas y nítidamente

definidas se trataba, como era exigible en materia de datos no anonimizados22. Por todo ello, el

Tribunal entendió que dicho precepto involucraba “cosas que tienden a ser incompatibles e

inapropiadas”23.

Dentro de esa perspectiva, se perfiló en la jurisprudencia alemana el derecho a la

autodeterminación informativa, a través de una sentencia indudablemente innovadora, que

logró fincar las bases de este derecho.

Además, merece destacarse que, durante toda la argumentación de este fallo, lo que se

pretende no es una protección de la disposición de los datos por los individuos, sino proteger

esencialmente una parcela de la libertad individual; es decir, la lógica jurídica allí expuesta era

la de que había que proteger al individuo en su autodeterminación informativa porque había

que proteger su libertad de decisión en las relaciones sociales, su “poder tomar otra decisión”24.

3 EL DERECHO A LA AUTODETERMINACIÓN INFORMATIVA COMO

DERECHO FUNDAMENTAL

“La consideración histórica enseña que los derechos fundamentales no son la

expresión, ni el resultado de una elaboración sistemática, de carácter racional y

abstracto, sino respuestas normativas histórico-concretas a aquellas experiencias más

insoportables de limitación y riesgo para la libertad” (Erhard Denninger25)

La historia de los derechos fundamentales ha sido marcada por una constante

evolución resultado de las cambiantes necesidades humanas dentro de esa línea cronológica,

cuyos valores ideológicos fueron variando con el pasar del tiempo. Tales derechos fueron

incorporados paulatinamente a medida que la sociedad se encontraba, por su natural desarrollo,

en momentos histórico-culturales distintos. Por esa razón, la doctrina suele dividir tal evolución

de los derechos fundamentales en tres generaciones que demarcan el contexto social en lo cual

fueron concebidos. No obstante esta división, estos derechos se complementan y actualmente

22 Ibid., p. 166. 23 Ibid., p. 165. 24 DENNINGER, Erhard, El derecho… op. cit., p 272. 25 Apud. LUÑO, Antonio Enrique Pérez. “Concepto y Concepción de los Derechos Humanos (Acotaciones a la

Ponencia de Francisco Laporta)”. Doxa, nº 4, 1987, p. 62.

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los doctrinadores son unísonos en afirmar que no se trata de aislamiento u oposición de uno en

relación a los otros26.

La primera generación sobre los derechos humanos nace en el ambiente de la

revolución burguesa del siglo XVIII, y refleja una de las características de aquella época: el

individualismo. Impulsada por el ideal liberal y por lo tanto conocida por su lucha por alcanzar

el derecho a la libertad plena (expresión, intimidad, ideología etc.), dicha generación pretendió

que el Estado pasase de interventor a no interviniente, que respetase y preservase una esfera de

autonomía del ciudadano, rompiendo de esa manera con los ideales del absolutismo. Es decir,

aunque fuese el Estado soberano, habría una zona individual donde tal soberanía no pudiese

interponerse. Por esa razón, se atribuye al Estado obligaciones negativas y a los ciudadanos

derechos de titularidad individual como por ejemplo, lo de aislamiento.

La crisis del Estado Liberal, y las injusticias sociales provocadas por la Revolución

Industrial, fueron algunas de las razones históricas en las cuales surgieron los movimientos

sociales del siglo XIX que fomentaron la ampliación del catálogo de derechos humanos,

complementando el anterior, pues se reclamaba que el Estado intercediese para amenizar las

desigualdades que surgieran en aquella época. Así, como bien define Pérez Luño27, estos son

los correspondientes a los derechos económicos, sociales y culturales, que se traducen en

derechos de participación “que requieren una política activa de los poderes públicos

encaminada a garantizar su ejercicio, y se realizan a través de las técnicas jurídicas de las

prestaciones y los servicios públicos”.

La tercera generación de los derechos humanos, tiene por valor de referencia la

solidaridad. Es decir, ha habido una natural necesidad de protección de los intereses colectivos

y difusos.

Uno de los planteamientos de la doctrina española sobre el derecho a la

autodeterminación informativa es si éste se sostiene como un derecho fundamental autónomo,

o bien, si estamos ante una protección de los ya existentes derechos fundamentales, sobre todo

el derecho a la intimidad, frente a la informática.

Ese embate doctrinario encuentra partidarios de una y otra teoría, con partícipes del

más alto grado científico. Y en este sentido, nos parece conveniente hacer algunos comentarios

sobre tan interesante tema, fruto de larga e intensa controversia científica.

26 Vid. por todos, LUÑO, Antonio Enrique Pérez. “Las Generaciones de Derechos Humanos”. Revista del Centro

de Estudios Constitucionales, núm. 10 (Septiembre-Diciembre 1991), p. 203-217. 27 LUÑO, Antonio Enrique Pérez, Las Generaciones… op. cit., p. 205.

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19

4 LA POLÉMICA ENTRE EL DERECHO A LA INTIMIDAD Y EL DERECHO A LA

AUTODETERMINACIÓN INFORMATIVA

Resulta importante subrayar que el somero repaso que pretendemos hacer sobre esta

cuestión se centrara en torno a la disputa doctrinal entre la concepción del derecho a la

autodeterminación informativa y el derecho a la intimidad. Ya que entendemos que, la afinidad

entre uno y otro derecho, es más evidente que en otros como honor, imagen, etc., y los

razonamientos que fundamentan los seguidores de la tesis de la reformulación del concepto de

intimidad, para justificar la inutilidad del aumento del catálogo de los derechos fundamentales,

podrían extenderse, mutatis mutandi, a los demás.

A este tenor, los adeptos a esta teoría defienden que la creación de un nuevo derecho

fundamental para la tutela de los datos de carácter personales resulta innecesaria. Entre los

argumentos, aducen que el derecho a la intimidad podría perfectamente amoldarse a las más

recientes exigencias sociales advenidas de los cambios introducidos por las nuevas tecnologías.

Ese razonamiento nos lleva a una antigua e interesante discusión del más elevado

contenido científico respecto al surgimiento de nuevas generaciones de derechos humanos. Nos

referimos al debate teórico sobre el planteamiento del prof. Francisco Laporta28, tocante al tema.

Entendía él que en la literatura especializada empezaba a detectarse:

“una cierta alarma ante la creciente abundancia y no infrecuente ligereza de las

apelaciones a los derechos humanos. No sólo se han multiplicado y diversificado hasta

grados de concreción sorprendentes a los venerables derechos del hombre y del

ciudadano, sino que se dan por sentados derechos de contenido social y económico

cada vez más minuciosos, que anuncia el nacimiento de una nueva “generación” de

derechos relacionados con cosas tales como las nuevas tecnologías o la conservación

del medio ambiente natural”.

También en el mismo sentido, sostenía Laporta, que le parecía razonable inferir que la

multiplicación de los derechos humanos acarrearía proporcionalmente una disminución de la

exigibilidad y, por otro lado, que “cuanto más fuerza moral o jurídica se les suponga más

limitada ha de ser la lista de derechos que la justifiquen adecuadamente”29. Su argumento se

centraba en que como son los derechos humanos universales, moralmente fuertes e inalienables,

28 LAPORTA, Francisco. “Sobre el Concepto de Derecho Humanos”. Doxa, nº 4, 1987, p. 23. Subrayamos. 29 Ibid., p. 23.

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no se podía arriesgar a suponer que ellos crecieran rápidamente reproduciendo generaciones sin

que se pudiese gravemente cuestionar que son derechos fuertes y para todos sin excepción30.

En una crítica moderada a este posicionamiento, Murillo de la Cueva31, manifiesta que

tal argumento parece razonable si considerado in abstracto, y si el objetivo es cautelar la

“fundamentalización” de pretensiones de relevancia escasa, ausentes de justificación o de

imposible satisfacción práctica. No obstante, este autor no comparte de la idea de Laporta si

esto signifique entenderla como impedimento o resistencia categórica al ámbito de las

situaciones jurídicas subjetivas cubiertas con el armazón de los derechos fundamentales.

Con otros matices, cree Pérez Luño32, entre otras consideraciones, que la precaución

de la multiplicación de los derechos humanos y con ella la disminución de su fuerza de

exigibilidad resulta infundada. Porque para este jurista, en el plano teórico el aumento de las

necesidades humanas, que determina el progreso cultural, se traduce en sucesivas formas de

ampliación de libertades. De otro lado, en el plano práctico, defiende que precisamente en el

ámbito donde el catálogo de derechos humanos es más extenso, justamente en estos casos es

donde más intenso se revela su mecanismo de protección — oponiéndose vehementemente a

Laporta.

De vuelta a las razones de los defensores de la teoría, sobre que es excesivo hacer

despuntar un nuevo derecho fundamental a la protección de datos, argumentan sus seguidores,

que el alcance del derecho a la intimidad protege la esfera personal del individuo respecto a su

propia vida, y también entre ésta y la vida en sociedad. Es decir, en el ámbito doctrinal, la

30 LAPORTA, Francisco. “Respuesta a Pérez Luño, Atienza y Ruiz Manero”. Doxa, nº 4, 1987, p. 74. El autor

puntualizaba que “los derechos humanos, si son así, tienen que ser pocos para muchos y no muchos para pocos, y

la teoría de las “generaciones” desemboca seguramente en esta segunda posibilidad. (...) Estoy seguro de que la

preocupación de Pérez Luño por los problemas de los derechos humanos llamados de la “tercera generación”

obedece a inquietantes realidades de nuestro tiempo que nadie con un mínimo de sensibilidad moral puede ignorar.

De lo que no estoy tan seguro es de que se necesiten “nuevos” derechos humanos para hacer frente a esas

realidades”. Y continúa “... creo que de las “viejas” premisas éticas se pueden seguir obteniendo conclusiones

aptas para responder a los nuevos desafíos. No se trataría, por tanto, de nuevos derechos o de nuevas

generaciones de derechos, sino de respuestas de las exigencias morales básicas ante nuevos interrogantes”.

Subrayamos. 31 CUEVA, Pablo Lucas Murillo de la. El Derecho a la Autodeterminación Informativa. Madrid: Tecnos, 1990, p.

41. 32 LUÑO, Antonio Enrique Pérez. Concepto y Concepción… op. cit., p. 61. No obstante ello, el citado autor llegó

a expresar su preocupación con la los derechos de tercera generación cuando afirma que “la admisión apresurada

y acrítica como derechos humanos de cuantas demandas se reivindican bajo el todavía impreciso rótulo de

"derechos de la tercera generación", equivaldría a condenar la teoría de los derechos humanos a zonas de tal

penumbra y equivocidad que comprometería su status jurídico y científico. Pero negar a esas nuevas demandas

toda posibilidad de llegar a ser derechos humanos, supondría desconocer el carácter histórico de éstos, así como

privar de tutela jurídico-fundamental a algunas de las necesidades más radicalmente sentidas por los hombres y

los pueblos de nuestro tiempo”. En Las Generaciones… op.cit., p. 210.

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intimidad ha pasado de la concepción estática y cerrada a otra abierta y dinámica, como remarca

Pérez Luño33. En este sentido, ese derecho tendría un contenido negativo frente a las invasiones

indebidas o ilícitas en esa zona personal en la cual puede el individuo disponer y, en su caso,

prohibir que otros la tengan acceso; y otro positivo, de control de los datos e informaciones

concernientes al propio titular del derecho34; es decir, saber quién y de qué datos disponen sobre

él, acceder aellos, controlar su calidad y exactitud para que el afectado pueda, si es el caso,

exigir la corrección o cancelación de aquellos que son incorrectos o indebidos.

En esta perspectiva, la informática seria solamente un nuevo instrumento a través del

cual se puede atentar contra derecho de las personas, entre ellos, el de la intimidad, defendiendo

esta vertiente doctrinal la reformulación, el replanteamiento y la profundización del alcance del

citado derecho. En la opinión de Orti Vallejo35, no hay razones para afirmar que la utilización

informática de los datos personales requiera la introducción de un nuevo derecho de la

personalidad o fundamental. Pese ello, este autor no excluye la conveniencia de su formulación,

dado que en aras de la profundización en las libertades, es deseable el máximo reforzamiento

del derecho de control de la persona sobre las informaciones en el ámbito informático, aunque

eso no significaría que lo que se tutele sea una cualidad de la persona especial y distinta36.

Otro aspecto enfocado versa en torno a que, el punto medular de la cuestión no está

propiamente en el dato en sí, ya que no todos por su contenido afectan a la intimidad. El mayor

peligro de la informática, advierte Orti Vallejo37, “no proviene del almacenamiento de tales o

cuales datos, sino en su tratamiento automatizado de los mismos”, a su sentir la distinción que

existe entre informaciones intimas y las que no lo son, no depende solo de ser materia

informática, ya que la tecnología posee la capacidad de transformar estas últimas, en

informaciones íntimas38.

33 LUÑO, Antonio Enrique Pérez. Derechos humanos, Estado de Derecho y Constitución, Madrid: Tecnos, 2005,

p. 356. Aún añade el autor que en la actualidad “la intimidad se contempla como la posibilidad de conocer, acceder

y controlar las informaciones que conciernen a cada persona”. Pág. 357 34 Sostiene Orti Vallejo que “Esta faceta positiva, en definitiva, presupone el derecho de manejar informaciones o

datos de los demás, aunque siempre bajo el control del afectado. Este concepto de intimidad que nosotros

propugnamos no lo es con exclusiva aplicación al ámbito informático, sino en general para toda realidad o medio

técnico de transmisión de información con el que el derecho pueda entrar en conflicto”, en “El nuevo derecho

fundamental (y de la personalidad) a la libertad informática (a propósito de la STC 254/1993, de 20 de julio)”,

Derecho privado y Constitución, nº 2, 1994, pp. 327-328. 35 VALLEJO, Antonio Orti. “Cinco años de la Ley Orgánica de regulación del tratamiento automatizado de los

datos de carácter personal”, La Ley, Madrid, núm. 4438, 1997, p. 2. 36 Ibid. 37 VALLEJO, Antonio Orti. Derecho a la intimidad e informática. Granada: Comares, 1994, p. 49. 38 Ibid., p. 51.

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Piensa Rebollo Delgado39, que el derecho al control y no interferencia sobre los datos

relativos a la persona susceptibles de tratamiento informático se encuentra dentro del contenido

de un derecho a la intimidad informática. Así, para este jurista, el derecho fundamental a la

autodeterminación informativa en el derecho alemán es una construcción jurídica lógica en

aquél sistema, porque la Carta Magna no recoge de manera expresa el derecho a la intimidad.

No obstante, en el caso concreto del derecho español, entiende que el artículo 18.4 de la

Constitución es una indicación expresa del contenido esencial del derecho a la intimidad,

siendo, por lo tanto, el derecho a la intimidad informática (refiriéndose a la autodeterminación

informativa) “una extensión de un derecho al cual viene a completar, y que no es otro que el

derecho a la intimidad”40.

El derecho a la autodeterminación informativa indudablemente produce una

intersección con el derecho a la intimidad. Lo que hay que indagar es en qué momento este

derecho deja de ser una manifestación de aquél y pasa a tener contornos propios. Los seguidores

de que se está ante un nuevo derecho fundamental, autónomo y que va más allá de la protección

que puede ofrecer el derecho a la intimidad, tienen como piedra angular de su raciocinio que el

bien jurídico tutelado por el derecho a la intimidad no es suficiente para proteger todos los

peligros consecuentes del uso de la informática tocante a los datos personales41. En el caso de

la autodeterminación informativa, su protección engloba además del control de los datos

íntimos, los que también no tiene ese carácter42.

Para Murillo de la Cueva, no es necesario que los datos sean solamente íntimos para

que estén en la órbita del derecho a la autodeterminación informativa, sino que sean personales,

es decir, propios de un individuo, independientemente que sean conocidos por un determinado

círculo de personas próximo al titular de estos datos43. O, por mejor decir, que sean datos que

“identifiquen o permitan la identificación de la persona, pudiendo servir para la confección de

su perfil ideológico, racial, sexual, económico o de cualquier otra índole, o que sirvan para

39 DELGADO, Lucrecio Rebollo. El Derecho Fundamental a la Intimidad, Madrid: Dykinson, 2005, p. 300 y ss. 40 Ibid., p. 306. 41 Para CUEVA, si el bien jurídico por defender fuese lo que se entiende por la noción estricta de intimidad, lo que

habría de resguardar del peligro informático sería muy poco. En Informática y Protección de Datos Personales.

Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993, p. 31. 42 Para el Tribunal Constitucional de España, “el objeto de protección del derecho fundamental a la protección de

datos no se reduce sólo a los datos íntimos de la persona, sino a cualquier tipo de dato personal, sea o no íntimo,

cuyo conocimiento o empleo por terceros pueda afectar a sus derechos, sean o no fundamentales, porque su objeto

no es sólo la intimidad individual, que para ello está la protección que el art. 18.1 CE otorga, sino los datos de

carácter personal”. STC 292/2000, fundamento 6. 43 CUEVA, Pablo Lucas Murillo de la. El derecho…, op. cit., p. 117.

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cualquier otra utilidad que en determinadas circunstancias constituya una amenaza para el

individuo”44.

Por lo tanto, si se concibe dicha tutela dentro del contenido del derecho a la intimidad,

ampliando su ámbito, se produciría como alerta con mucha lucidez González Murúa45, un gran

contradictio in terminis, lo que ocasionaría un serio problema de aplicación práctica que sería

calificar jurídicamente a dos realidades distintas bajo la misma denominación46. La respuesta

jurídica para determinadas situaciones ocasionadas por el uso de la informática se quedaría

restringida si dejada únicamente bajo el manto del derecho a la intimidad47.

A entendimiento de Murillo de la Cueva48, la tutela de la intimidad pasa por el

mecanismo normativo típico, es decir, se prohíbe una conducta que sería la intromisión

ilegítima en la esfera protegida; se sanciona el incumplimiento de esa prohibición; se

indemnizan los prejuicios originados de dicha intromisión ilícita; y, finalmente, se adoptan

medidas complementarias para cesar las circunstancias que hacen posible tal intromisión,

cuando es el caso. Para este autor, la protección de datos no se agota en ese itinerario, afirmando

que ciertamente lo incluye pero contempla otras facultades de las personas encaminadas a

asegurar el control de la información. En la opinión de Piñar Mañas49, el derecho fundamental

a la protección de datos, a diferencia del derecho a la intimidad comparten el mismo objetivo

de ofrecer una tutela constitucional eficaz de la vida privada personal y familiar, atribuyendo

“a su titular un haz de facultades que consiste en su mayor parte en el poder jurídico de imponer

a terceros la realización u omisión de determinados comportamientos concretados en ley”.

5 CONCLUSIÓN

44 STC - España 292/2000. 45 MURÚA, Ana Rosa Gonzalez. El Derecho a la Intimidad, el Derecho a la Autodeterminación Informativa y la

L.O. 5/1992, de 29 de Octubre, de Regulación del Tratamiento Automatizado de Datos Personales. Barcelona:

Institut de Ciències Polítiques i Socials, 1994, p. 22. 46 Ibid., p. 23. 47 Subraya MURILLO DE LA CUEVA con mucha lucidez que “lo decisivo es la interacción que se da entre las

normas constitucionales y la realidad que contemplan y el hecho de que, en esa relación emerja con claridad una

necesidad básica de las personas que demande su satisfacción mediante la afirmación de un derecho fundamental”.

En “La Constitución y el Derecho a la autodeterminación informativa”, Cuadernos de Derecho Público, Madrid:

Instituto Nacional de Administración Pública, 2003, p. 41. 48 CUEVA, Pablo Lucas Murillo de la. Informática y..., op. cit., p. 32. 49 MAÑAS, José Luis Piñar. “El derecho fundamental a la protección de datos personales”. En MAÑAS, José Luis

Piñar (dir.). Protección de datos de carácter personal en Iberoamérica: II Encuentro Iberoamericano de

Protección de Datos, La Antigua - Guatemala, 2-6 de junio de 2003. Valencia: Tirant lo Blanch, 2006, p.

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24

Cuando trata del diritto alla riservatezza, Niger50 afirma que el objeto de este derecho

es tutelar la necesidad del sujeto a que los hechos de su vida privada no sean públicamente

divulgados, añadiendo que éste protege al sujeto contra la curiosidad individual. De hecho, y

así considerado, aquí residiría la separación de los dos derechos: la autodeterminación

informativa no tiene la pretensión principal de proteger el afectado de la curiosidad individual,

tutela esa típica del derecho a la intimidad, pero permitirlo controlar sus propias informaciones.

En definitiva, a nuestro sentir, el derecho a la intimidad y el de la autodeterminación

informativa se encuentran en una zona de intersección en la cual confluyen una pluralidad de

situaciones jurídicas que podrían incluso confundir la protección de uno y otro derecho. No

obstante, eso no puede significar la inexistencia de un más allá de este punto, donde se

distancian y se tornan independientes, y donde paralelamente recurrirán a ellos otras distintas

situaciones jurídicas que no necesariamente requieren la tutela de ambos derechos a la vez y

por tanto, tampoco se mezclarán51. Aunque se considere que el contenido del derecho a la

intimidad sea negativo –de exclusión– y positivo, –de control–, no se puede pretender que el

segundo sea extendido a punto de beneficiarse de un alcance más amplio que el propio

continente. En efecto, señala con mucha lucidez Orozco Pardo52:

“existen datos relativos a la vida de las personas que no entran dentro del ámbito de

lo íntimo, tales como domicilio, hábitos de consumo, profesión, etc. Que incluso

responden a actividades públicas, sobre los cuales el Derecho reconoce la posibilidad

de permitir o no que sean, no tanto conocidos, como recabados, tratados y utilizados

en ficheros, manuales o automatizados”.

Además, la tendencia a vincularse con otros derechos no ocurre solamente entre el de

la intimidad y el de la autodeterminación informativa, como destaca Serrano Pérez53, pero

50 NIGER, Sergio. Le nuove… op. cit., p. 41. 51 Sobre ese tema, la postura adoptada por el Tribunal Constitucional es la de que: “El derecho fundamental a la

protección de datos, a diferencia del derecho a la intimidad del art. 18.1 CE, con quien comparte el objetivo de

ofrecer una eficaz protección constitucional de la vida privada personal y familiar, atribuye a su titular un

haz de facultades que consiste en su mayor parte en el poder jurídico de imponer a terceros la realización u omisión

de determinados comportamientos cuya concreta regulación debe establecer la Ley, aquella que conforme al art.

18.4 CE debe limitar el uso de la informática (…)” pero que uno y otro derecho poseen distinta función, objeto y

contenido. STC 292/2000. Subrayamos. 52 PARDO, Guillermo Orozco. “La protección de datos en Derecho español a la luz de la reciente jurisprudencia

constitucional”. Aranzadi. Actualidad civil, nº 1, 2002, p. 213. 53 Así, afirma Serrano Pérez, que “en nuestro Texto Constitucional el art. 18 de la Constitución recoge la protección

de la intimidad personal y familiar y la propia imagen, la inviolabilidad de domicilio, y el secreto de la

correspondencia, todos ellos como derechos tendentes proteger el núcleo más íntimo de la persona, pero

reconocidos también con sustantividad propia frente a la intimidad. La intimidad o su sentido de salvaguarde de

todo aquello que guarda relación con los actos más personales del individuo parece latir en el sentido de todo el

precepto. Esa función de vínculo entre todo el precepto que parece desempeñar la intimidad no implica su

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también con otros como lo de inviolabilidad del domicilio y el secreto a la correspondencia, sin

que dicha relación implique una la pérdida de la autonomía de los citados derechos.

De modo somero, el fundamento social de la autodeterminación informativa reposaría

en el derecho que tiene cualquier ser humano a no ser procesado, juzgado y a veces incluso

condenado por los sistemas informáticos; por mejor decir, de no someterse a una forzosa

institucionalización de estos sistemas que al fin y al cabo e irónicamente no tiene más que

informaciones que respectan al propio individuo54. En definitiva, permitir que se pueda vivir y

convivir en una sociedad donde esté asegurada su plena libertad incluso de las modernas

técnicas de interferencias.

En la convivencia de una sociedad organizada bajo el manto del Estado Democrático,

no es posible permitir el planteamiento sobre derechos absolutos, sean ellos fundamentales o

no, porque todos ellos encuentran sus límites unos en los otros.

Sin embargo, es imposible imaginar la sociedad actual sin la tecnología que se tiene a

disposición. No es otra la razón por la cual se denomina esta actual fase social como “sociedad

de la información”. Es innegable que el desarrollo de la informática ha modificado

acentuadamente las relaciones sociales. En esta perspectiva, se puede afirmar que ese cambio

en el modus vivendi supone alteraciones o incluso surgimiento de nuevas relaciones jurídicas

y, con ellas, sus conflictos.

Por consiguiente, entendemos que el aparecimiento de nuevos derechos establece

siempre un dialogo con las nuevas necesidades humanas, la etapa social de (r)evolución

tecnológica exigía la respuesta adecuada a las nuevas intromisiones ilícitas sobre las libertades

y derechos individuales y también colectivos. En este sentido destacó Pérez Luño55, con mucha

lucidez que:

“el estudio actual de los derechos humanos no puede omitir esa referencia contextual,

ni puede abdicar del juicio crítico de sus implicaciones. Se trata de lograr que los

transformación en un derecho aglutinador de todos los demás”. PÉREZ, María Mercedes Serrano. “El derecho

fundamental a la protección de datos. Su contenido esencial”. Nuevas Políticas Públicas: Anuario multidisciplinar

para la modernización de las Administraciones Públicas, Sevilla, núm. 1, 2005, pp. 249-250. 54 Para el Tribunal Superior de Justicia de Andalucía, “las novedades informáticas y telemáticas están obligando a

una nueva clasificación de los derechos fundamentales, no bastando la distinción entre derechos individuales o

libertades y derechos sociales o prestacionales, naciendo así derechos o libertades llamados de “tercera

generación”, constituidos por las garantías del individuo frente a la contaminación o deterioro que las libertades

pueden sufrir por las nuevas tecnologías. Entre esos derechos se incluirían el secreto de las comunicaciones

informáticas y telemáticas, la intimidad informática y el derecho a la autodeterminación informativa, formando

un conjunto que me atrevería a denominar de “libertades informáticas”. TSJ Andalucía, 1691\2003. 55 LUÑO, Antonio Enrique Pérez. “Internet y los derechos humanos”. Derecho y conocimiento: anuario jurídico

sobre la sociedad de la información y del conocimiento, nº. 2, Huelva, 2002, p. 102.

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desarrollos tecnológicos no menoscaben ni se alcancen a costa de las libertades

cívicas”.

De otra parte, merece destacarse la observación de Viterbo56, cuando afirma que en la

actual configuración del mercado la libre circulación de los datos de carácter personal es

funcionalmente conectada a la libre circulación de personas, de las mercancías, servicios y

capitales. No obstante, continúa el autor en cita, el interesado independientemente de la relación

que puede haber dado causa al tratamiento de sus datos, está tutelado por el ordenamiento en

cuanto persona, titular de una situación subjetiva de relevancia fundamental y, en particular, de

una imprescindible libertad de autodeterminación.

Coincidimos con la línea argumentativa moderada de Murillo de la Cueva. Si es verdad

que no se puede transformar todas las pretensiones existentes en la categoría de derechos

humanos, gozando así de la máxima protección dentro de un sistema jurídico, desde otra óptica

no se puede permanecer ciego ante las nuevas exigencias que nacen paralelamente al natural

desarrollo social. Es decir, hoy por hoy, no se concibe, por lo menos en los países desarrollados

o en desarrollo, un cuerpo institucional – público o privado – sin que el flujo de datos sea el

cierne fundamental de su actuación.

En nuestro modesto juicio, con el más profundo respecto a la gran e indiscutible

contribución científica de los seguidores de la tesis de la no autonomía del derecho a la

autodeterminación informativa, no entendemos que tal derecho está en el rol de aquellos que

carecen de los requisitos que se hacen necesarios para la consideración de un derecho como

fundamental. Además, es un derecho que traspasa las fronteras de desarrollo tecnológico. Por

mejor decir, opinamos que el entorno en el cual se ubica la discusión es tan universal57, tanto

en el sentido lógico cuanto cuantitativo, como lo son, actualmente, las plataformas sobre las

cuales se sitúan los responsables por posibles intromisiones ilegítimas a la autodeterminación

informativa. Podríamos incluso afirmar que jamás en otra época estuvimos discutiendo un

fenómeno tan global.

56 VITERBO, Francesco Giacomo. Protezione dei dati personali e autonomia privata: profili di interferenza e di

reciproca funzionalizzazione. Napoli: Edizioni Scientifiche Italiane, 2008, p. 107. 57 Para FERRAJOLI, tocante a la universalidad de los derechos humanos, esta debe ser entendida “en el sentido

lógico y no valorativo de la cuantificación universal de la clase de sujetos que, como personas, ciudadanos o

capaces de obrar, sean sus titulares”. FERRAJOLI, Luigi. “Los Fundamentos de los Derechos Fundamentales”.

En Los fundamentos de los derechos fundamentales, FERRAJOLI, Luigi. Debate con Luca Baccelli et al. Madrid:

Trotta. 2001, p. 291.

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Es indiscutible que el debate sobre la protección jurídica de las personas, referente a

sus datos de carácter personal representa una evolución tocante a las garantías y derechos

fundamentales del ciudadano. O, aun mejor, significa decir que el Estado no se encuentra

adormecido ante su función de intervenir y tutelar sus ciudadanos contra las más diversas

formas de intrusión ilegítima de sus derechos, aunque ésta sea patrocinada por la mala

utilización de las nuevas tecnologías58.

Todo ello porque el reconocimiento de los cambios introducidos por el desarrollo

tecnológico dentro del cuerpo social se revela a través de una visión bipartida, de efectos

positivos por un lado y potencialmente lesivos por otro, a depender de cómo se conduzca su

utilización.

En realidad, los datos - y con ellos las informaciones que contienen - y su circulación,

favorecida por la evolución tecnológica, se constituyen en la espina dorsal de nuestra sociedad.

Sin embargo, la configuración actual y todo lo que se comprende por Estado Democrático de

Derecho59 no puede permitir que haya desproporcionalidad entre el libre y pleno ejercicio de

los derechos de los ciudadanos, y el uso de lo que se concibe como factor esencial de la

sociedad. Ya había advertido Pérez Luño60, que una de las funciones de los derechos

fundamentales es establecer un equilibrio de poder y eso exige que las relaciones entre Estado

y sociedad, y entre los miembros de esta no se den situaciones de marcada desigualdad en el

acceso al poder que impliquen para determinadas personas o grupos humanos una marginación

de la libertad”. Ineludiblemente estamos ante una nueva forma de poder61, con perfiles distintos

a los que suelen influir en la convivencia social y que además no está accesible a todos. El

manejo y el coste de un sistema informático que permita el acopio, almacenamiento, el

enlazamiento y la circulación de datos aún no está al alcance de toda la sociedad.

58 Desde esta perspectiva, nos parece conveniente subrayar que la Carta de los Derechos Fundamentales de la

Unión Europea, en el artículo 8, capítulo II, dedicado a la libertad, expresa taxativamente que toda persona tiene

derecho a la protección de los datos de carácter personal que la conciernan. Declara en esta oportunidad los

derechos a la adecuación de los datos, al acceso, a la rectificación, además de establecer el consentimiento como

la base de esta protección u otro fundamento previsto por ley. 59 Sobre todo entendido en una óptica de que el Estado protege la libertad de la persona humana de cualquier forma

de opresión reconociendo los derechos individuales, así como ofreciendo las condiciones necesarias para que los

ciudadanos disfruten de su pleno ejercicio. 60 LUÑO, Antonio Enrique Pérez. El Derecho… op. cit., p. 301. 61 Para Martin Pallín, “la tecnología es poder o, si prefiere, sirve al poder dotándole de más posibilidades de

información insospechadas en época anteriores” y sigue afirmando que “la técnica, como todo medio instrumental

puede ser puesta al servicio de una idea o de un sistema político determinado y de sus valores esenciales”. PALLÍN,

José Antonio Martin. “Protección de los derechos y libertades individuales frente al uso de la informática y las

telecomunicaciones”. Anuario de jornadas 1989-1990. Bilbao: Servicio de Estudios del IVAP, 1991, pp. 336-337.

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Dicho esto, vislumbrar esa problemática ubicándola dentro de esa necesidad de sopesar

tales elementos, no corremos el riesgo de distanciar Estado y ciudadanos de la realidad de una

“sociedad de la información”, con todo lo que implica su concepto para que verdaderamente,

se pueda convivir según los criterios de un Estado Social y Democrático de Derecho.

No cabe duda que se puede afirmar que el riesgo de la mala utilización de la tecnología

puede alcanzar y debilitar los pilares del sistema democrático. A nuestro juicio, es innegable

que somos protagonistas y a la vez espectadores de un nuevo capítulo de la historia de los

derechos fundamentales.

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O SEGUNDO TRATADO SOBRE O GOVERNO CIVIL E A CONTRIBUIÇÃO

LIBERAL

Luciano do Nascimento Silva1

Vinícius Leão de Castro2

Sumário: 1 Introdução. 2 Análise histórica. 3 A propriedade lockiana como um

conceito determinante. 4 O estado a partir do poder político e da liberdade. 5

Conclusão. Referências.

1 INTRODUÇÃO

O estudo da obra de John Locke, Segundo Tratado sobre o Governo Civil, ganha relevo

por ter fornecido uma considerável contribuição ao liberalismo, enquanto pensamento político-

teórico nascente, no século XVIII. Para isso, parte-se de uma abordagem histórica com a

finalidade de desmistificar alguns aspectos obscuros na teoria lockiana, além de mostrar sua

intersecção com a agenda política da época.

Após esta discussão inicial, trata-se do conceito de propriedade, a partir de uma

perspectiva central, na qual ele determina outros pontos importantes do pensamento do filósofo

inglês. Especificamente, procura-se investigar sob quais circunstâncias o Estado é determinado

pela propriedade e como se caracterizava a relação entre propriedade e indivíduo, dentro da

estrutura de classes da Inglaterra, no século XVII.

Nesse ponto, se torna possível esmiuçar o Estado por intermédio do exame do poder

político e da liberdade, a fim de que houvesse uma reconstrução dos conceitos de poder e

liberdade, dentro de um Estado que é sobremaneira influenciado pelo que Locke entendia por

propriedade.

1 Pós-Doutorando em Sociologia e Teoria do Direito no Centro di Studi sul Rischio dalla Facoltà di Giurisprudenza

dell Universitá del Salento – CSR-FG-UNISALENTO (2013-2015); Doutor em Ciências Jurídico-Criminais pela

Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra FDUC (2003-2007); Mestre em Direito Penal pela Faculdade

de Direito do Largo do São Francisco da Universidade de São Paulo USP (2001 – 2003); Investigador Científico

convidado na Facoltà di Giurisprudenza Dipártimento di Studi Giuridici dell Universitá del Salento, Lecce, Italia

(2006-2007) e no Max Planck Institut für ausländisches und internationales Strafrecht Departments of Criminal

Law and Criminology Freiburg in Breisgau Baden-Wüttemberg, Deutschland MPI (2005-2006). Editor-chefe da

Revista Científica “A Barriguda”, ISSN 2236-6695. E-mail: [email protected] 2 Acadêmico de Direito na Universidade Estadual da Paraíba. Editor e Membro Fundador da Revista Científica “A

Barriguda”, ISSN 2236-6695. Pesquisador nas áreas de Teoria do Estado e Direito Constitucional. E-mail:

[email protected]

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32

Por fim, a conclusão se ocupa de relacionar, de forma breve, este arcabouço teórico

com a contribuição ao pensamento liberal, a partir de uma concatenação dos conceitos expostos

aqui, comprovando, por conseguinte, a existência desta contribuição.

2 ANÁLISE HISTÓRICA

Verificou-se a possibilidade de relacionar os acontecimentos históricos e os

desdobramentos em sua teoria. Para isso, é imprescindível o aporte trazido pela edição3 da obra

do filósofo inglês organizada pelo historiador Peter Laslett citada por Noberto Bobbio (1998).

Nessa análise, Laslett sustenta que os Tratados foram escritos dez anos antes de sua

publicação em 1690, no período entre o retorno de Locke da França e a partida para a Holanda

(1679/1683)4. Entre as razões pelas quais ele defende este ponto de vista estão que os Tratados

foram uma refutação ao primeiro livro do Patriarca, de Robert Filmer, porque ele era um escrito

circunstancial5, pelo fato de ter sido utilizado, na época da sua publicação, como manifesto dos

grupos conservadores ligados à monarquia, dessa forma, na hipótese da produção acontecer

apenas em 1690, a obra de Filmer teria perdido todo seu alcance; bem como por contestar a

teoria paternalista e despótica do governo6, núcleo da teoria presente naquele livro.

Outro valioso argumento exposto por Laslett é histórico e faz referência ao problema

da convocação e dissolução do Parlamento7, bastante presente na Inglaterra, entre os anos de

1678 e 1681, mas desatualizado no reinado de Jaime II (1685-1688).

Por consequência, poderá ser observado que a obra de Locke constituía uma

justificação do projeto político Whig, defendendo os direitos do parlamento, subordinando o

Executivo ao Legislativo e professando a liberdade religiosa. Assim, o filósofo atento as

mudanças em sua sociedade contribuía com a construção de uma teoria política em apoio ao

seu ideário.

Tem a mesma opinião8 Macpherson (1979) afirmando a utilidade da teoria de Locke

para o estado Whig. Concorda, igualmente, com esta posição, Franz Neumann (2013)

3 John Locke - two treatises of government: a critical edition with an introduction and apparatus criticus.

Cambridge: Cambridge University Press, 1960. 4 Adere a este ponto de vista Salazar (1999, p. 61). 5 Publicado, postumamente, em 1680. O autor faleceu em 1653. 6 LOCKE, 2009, p. 113-15. 7 Ibdem, p. 104-5; p. 111-12. 8 Imprescindível o apontamento do filósofo político Richard Ashcraft (1997, p. 226 apud SALAZAR, 1999, p.

83 tradução nossa) “o modelo político formulado por Locke teve um propósito político imediato: reivindicar em

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considerando que o sistema lockiano é tipicamente Whig e genuinamente burguês do Estado e

do Direito.

Este debate não desmerece em nenhum momento as obras de Locke, ao afastar a lenda

de teórico da Revolução Gloriosa, mas traz uma contribuição significativa no concernente aos

conceitos que serão abordados posteriormente, afinal entender a sua posição política e parte do

seu entendimento sobre a sociedade em que vivia é esclarecer algumas obscuridades de sua

teoria.

3 A PROPRIEDADE LOCKIANA COMO UM CONCEITO DETERMINANTE

Iniciar a análise do Segundo Tratado a partir do conceito de propriedade tem uma

justificativa lógica. A formação do Estado, a divisão da sociedade, o próprio indivíduo e,

consequentemente, a divisão tríade do poder9 são definidos por sua concepção de propriedade.

Dessa maneira, se torna imperativo colocar sob quais circunstâncias o Estado é determinado

pela propriedade e como se caracterizava a relação entre propriedade e indivíduo, dentro da

estrutura de classes da Inglaterra, no século XVII.

O exame começará pelo significado de propriedade, em Locke, para em seguida

mostrar-se a evolução da propriedade ao longo da história, segundo o pensamento lockiano, a

qual pode ser dividida em três marcos fundamentais, a propriedade no estado de natureza, a

invenção do dinheiro e a apropriação individual ilimitada. Finalmente, passa-se a resposta dos

questionamentos levantados.

No Segundo Tratado são apresentados dois conceitos de propriedade, um em sentido

amplo10 que inclui a vida, a liberdade, os bens e, por consequência, o trabalho; outro em sentido

restrito11, o qual abarca apenas os bens.

A propriedade no estado de natureza era res communes12, com o passar do tempo e

devido às necessidades do indivíduo se inicia um processo de apropriação fundado nestas e no

sua época e lugar os interesses, direitos de propriedade e reivindicações de primazia política de seu patrono, o

Conde de Shaftesbury, e os outros membros da oligarquia Whig”. 9 LOCKE, 2009, p. 115. 10 LOCKE, 2009, p. 61; 84; 86; 93.

11 Ibdem, p. 94-6; 115; 124. 12 Ibdem, p. 29.

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trabalho, de modo que “o trabalho de seus braços e a obra das suas mãos, pode-se afirmar, são

propriamente dele” (LOCKE, 2009, p. 30).

Nesse contexto, Locke estabelece três limitações naturais a essa apropriação individual

inicial, que funcionam para manter a boa convivência entre as pessoas, na ausência de um

governo. A limitação da suficiência, pela qual “nenhum outro homem tem direito ao que foi

agregado [através do trabalho], pelo menos quando houver bastante e de boa qualidade em

comum para os demais” (LOCKE, 2009, p. 30), do desperdício, “podemos fixar o tamanho da

propriedade obtida pelo trabalho (. . .) evitando que a dádiva se perca” (LOCKE, 2009, p. 32)

e pelo trabalho, “a extensão de terra que um homem lavra, planta, melhora, cultiva e de cujos

produtos desfruta, constitui a sua propriedade. Pelo trabalho, digamos, destaca-a do que é

comum” (LOCKE, 2009, p. 32).

A invenção do dinheiro é a divisão entre a apropriação limitada e ilimitada da

propriedade, pois de acordo com Locke (2009, p. 41) ela extingue essas limitações, “foi esta a

origem do uso do dinheiro – algo de duradouro que os homens pudessem guardar, não perecível,

e que por convenção aceita pudesse receber em troca os sustentáculos da vida verdadeiramente

úteis, mas perecíveis”.

As limitações foram superadas porque o dinheiro não se desperdiça; o excedente

produzido não se perde, mas se comercializa; e aqueles que não possuíssem propriedade

alcançariam a subsistência através da alienação do próprio trabalho13.

Macpherson (1979, p. 224) esclarece essa questão:

Sem dúvida, a uma certa altura, já não sobra mais tanta terra a ser deixada para os

outros. Mas, se então não sobrar terra bastante nem tão boa, para os outros, sobrará

vida bastante e tão boa (até melhor) para os outros. E o direito de todos os homens à

vida era o direito fundamental do qual Locke havia deduzido inicialmente seu direito

de apropriação da terra: é pela apropriação de toda terra que é criada uma vida melhor

para os outros.

Dessa maneira, surgem as condições favoráveis a apropriação individual ilimitada:

Tendo [o homem] descoberto, pela aceitação tácita e espontânea, a maneira de alguém

possuir licitamente mais terra do que aquela cujo produto pode utilizar, recebendo em

troca, pelo excesso do produto, ouro e prata que pode guardar sem causar dano aos

13 Vale destacar o comentário de Peter Laslett a esse respeito. Para ele, a alienação se referia não a propensão ao

trabalho, mas a capacidade para realizá-lo. Portanto, segundo Machpherson (1979) há uma clara diferenciação

feita por Locke entre vida e trabalho, pois a alienação do próprio trabalho distingui-se da concessão do poder

arbitrário sobre a própria vida. Cf. LOCKE, 2009, p. 60.

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outros (. . .). Os homens viabilizaram tal divisão desigual de posses à margem da

sociedade sem precisar de acordos especiais, atribuindo valor ao ouro e à prata, e

concordando tacitamente sobre o uso do dinheiro (LOCKE, 2009, p. 42).

Sob quais circunstâncias o Estado é determinado pela propriedade? Uma das razões

para o surgimento do contrato social que dará origem ao Estado é a proteção da propriedade,

afinal quando “Deus deu o mundo em comum a todos os homens (. . .) não é viável supor que

fosse sua intenção que devesse ficar sempre em comum” (LOCKE, 2009, p. 33).

O objetivo único do Estado á a regulação14, fruição15 e, sobretudo, preservação16 da

propriedade. No estado de natureza, a fruição da propriedade é posta à prova pela ausência de

uma lei, aceita por todos, que regule esta situação, na sociedade civil a ameaça a segurança da

propriedade é causa de grande instabilidade que só pode ser afastada por um legislativo forte.

Dessa forma, percebe-se um vínculo entre a presença de um legislativo supremo e a

defesa da propriedade de modo que “a finalidade para a qual [os homens] elegem e dão

autoridade a um poder legislativo é possibilitar a existência de leis e regras definidas que sejam

guardiãs e protetoras da propriedade dos membros da sociedade” (LOCKE, 2009, p. 140).

Ainda cabe trazer a interpretação deste conceito de Estado feita pelo filósofo político

Harold Laski (apud. SALAZAR, 1999, p. 61 tradução nossa), “o Estado de Locke nada mais é

do que um contrato entre um grupo de empresários que formaram uma pequena empresa de

responsabilidade limitada, cujo ato constitutivo proíbe ao diretor todas as práticas que os reis

haviam utilizado durante a dinastia Stuart”. 17

Como se caracterizava a relação entre propriedade e indivíduo, dentro da estrutura de

classes da Inglaterra, do século XVII? O objetivo aqui é simplesmente mostrar como o conceito

de propriedade se encontrava presente na classificação econômica dos indivíduos ingleses

daquele século, ou em outras palavras, como Locke ao desenvolver seu conceito de propriedade

trouxe a observação da sociedade que lhe foi contemporânea.

A sociedade inglesa daquela época estava dividida entre proprietários, comerciantes e

assalariados. Os proprietários eram aproximadamente 33%18 da população e nesta classe

14 LOCKE, 2009, p. 14. 15 Ibdem, p. 90. 16 Ibdem, p. 66; 84; 94; 140. 17 Em uma tradução livre: “El estado de Locke no es outra cosa que un contrato entre un grupo de hombres de

negocios que forman uma pequeña sociedad de responsabilidad limitada, cuyo acto constitutivo prohíbe al

director todas lãs prácticas que habían utilizado en su tiempo los reys Estuardo.” 18 Os percentuais tomaram por base a população de homens adultos, 1.170.400 (100%), de acordo com as

pesquisas realizadas por Gregory King (1696, apud MACPHERSON, 1979, p. 289-308).

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incluíam-se os latifundiários, comerciantes terrestres, profissionais liberais, lojistas, artesãos,

oficiais do Exército e da Marinha e os inquilinos rurais que fossem arrendatários anuais ou

vitalícios. Os comerciantes representavam apenas 1% da população, pois dos lojistas e artesãos

retirava-se apenas aqueles que fossem produtores independentes. Os assalariados eram

formados pelos trabalhadores que recebiam um salário por intermédio de um contrato com um

empregador e pelos pedintes e mendigos, os quais constituíam a maioria da população (66%).

Resta caracterizado, portanto, que a divisão inglesa de classes baseava-se estritamente

no critério da posse. Nesse sentido é que Macpherson (1979, p. 243) afirma que “Locke

transforma a massa dos indivíduos iguais (licitamente) em duas classes com direitos muito

diferentes, os que têm propriedade e os que não têm”.

4 O ESTADO A PARTIR DO PODER POLÍTICO E DA LIBERDADE

O cerne do conceito de Estado para Locke está em sua exposição sobre as formas de

poder que um homem pode exercer sobre outro e, principalmente, na distinção que firma entre

o poder político (civil), de um lado, e os poderes paterno e despótico, de outro. Assim, parte-se

deste ponto para reconstruir a sua definição de Estado e, posteriormente se fazer uma breve

análise quanto ao seu conceito de liberdade.

O poder paterno “é tão somente aquele que os progenitores têm sobre os filhos para o

governo destes, visando ao bem deles até que atinjam o uso da razão, [no entanto, este não se

confunde com o poder político, pois não] se estende às finalidades e jurisdições [deste]. O poder

do pai não alcança de modo algum a propriedade do filho maior” (LOCKE, 2009, p. 113).

Bobbio (1998, p. 212) se afastando da doutrina tradicional que adotava como

fundamento deste poder a geração, estabelece-o como um direito dos filhos a partir do

pressuposto de que este é um poder-dever, retirado da obra de Locke19, de maneira que “o prius

autêntico nessa questão de pais e filhos é o direito à vida. Assim como não pode haver um

direito sem um dever, ao direito à vida corresponde um dever por parte de quem gerou ou

recolheu a criança: o de alimentá-la e criá-la”.

O poder despótico “é o poder absoluto que um homem tem sobre outro até para tirar-

lhe a vida, se assim o quiser. Um tal poder a natureza não concede (...) nem pode ser atribuído

por qualquer pacto (...), mas é tão só devido ao confisco da própria vida por parte do agressor,

19 LOCKE, 2009, p. 45; 51.

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quando se coloca em estado de guerra contra outro indivíduo” (LOCKE, 2009, p. 114). Dessa

maneira, Locke (2009, p. 115) estabelece como fundamento deste poder o delito, pois apenas

“os prisioneiros, capturados em guerra justa e legítima, e somente estes, estão sujeitos ao poder

despótico”.

Bobbio (1998) parte da exclusão do governo despótico e, por consequência, da

monarquia absoluta como formas de governo feita por Locke20·, para apontar dois motivos que

distinguem poder despótico e político. O primeiro diz respeito à saída do estado de natureza

que é incompleta, pois os súditos no relacionamento entre eles são regulados por leis, por isso

não permanecem naquele estado, porém permanece o soberano, na sua relação com aqueles,

pelo fato de se submeter a leis diversas. O segundo questiona a proteção da propriedade que em

um governo despótico não existe, afinal os bens dos indivíduos ficam à mercê do soberano.

O poder político “é aquele inerente ao estado de natureza que cada homem passou as

mãos da sociedade, e através dela aos governantes que ela adotou para si, com o encargo tácito

ou explícito de empregá-lo para o bem e preservação dela própria” (LOCKE, 2009, p. 114).

Mais adiante Locke (2009, p. 114) define o consentimento21 como fundamento deste poder, “a

origem desse poder está, pois, somente no pacto e assentimento, e consentimento mútuo dos

que compõem a comunidade”.

O Estado, em Locke, essencialmente, é marcado por uma renúncia parcial aos direitos

naturais, uma função fiscalizatória das atividades humanas, uma mediação imparcial das

controvérsias que surgem entre as pessoas no cotidiano, com poderes bem definidos e limitados.

Quanto a limitação do poder do Estado, se torna válida uma análise mais detalhada,

porque esta passará a história como alicerce do Estado liberal. Ela é formada pelo princípio da

legalidade22, reforço as obrigações impostas pelo direito natural23 e restrições a soberania

estatal, quais sejam, o consentimento24 e a impossibilidade de transferência de poderes ao

Estado que são estranhos ao indivíduo25.

Nesse ínterim, se faz oportuno o pensamento de Franz Neumann (2013, p. 210-11),

segundo o qual “esta limitação é alcançada segundo dois fatores, um material e um institucional;

20 Ibdem, p. 27-8; 63. 21 Ibdem, p. 68. 22 LOCKE, 2009, p. 86. 23 Ibdem, p. 92. 24 Ibdem, p. 90. 25 Ibdem, p. 91.

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ou seja, pela introdução do Império do Direito material26 de um lado, e pela separação de

poderes do outro”.

Sobre o conceito de liberdade lockiano, deve-se partir de sua posição no estado de

natureza, a transição para o governo civil e como ele afirma esta definição neste outro espaço.

Primeiramente “a liberdade natural do homem nada mais é que não estar sujeito a qualquer

poder terreno, e não submetido à vontade ou à autoridade legislativa do homem, tendo como

única regra apenas a lei da natureza” (LOCKE, 2009, p. 27). No entanto, essa liberdade sem

freios, propicia a criação de várias dificuldades, em um cenário de parcialidade e violência, no

qual os homens são os seus próprios juízes.

Como solução Locke propõe a transição para o governo civil, a qual consiste na perda

de liberdade (o direito de ser juiz da própria causa) compensada pelas limitações do poder

político. Nesse sentido, o autor inglês faz a seguinte advertência, “o objetivo da lei não consiste

em abolir ou restringir, mas em preservar e ampliar a liberdade” (LOCKE, 2009, p. 45) para

logo em seguida apresentar o conceito de liberdade tendo por esteio a autoridade de leis

estabelecidas “[a] liberdade de dispor e ordenar, a seu talante, as ações, as posses e toda a sua

propriedade, dentro da prescrição das leis sob as quais [se] vive, não sujeito à vontade arbitrária

de outrem, mas seguindo livremente a própria vontade” (LOCKE, 2009, p. 45)27.

Para que se concretize esta visão de liberdade é necessário um ambiente específico,

isto é, um Estado de Direito28 com leis estabelecidas e promulgadas, que tratem a todos com

igualdade, com a única finalidade de alcançar o bem comum29 que para Locke era a preservação

pessoal, da liberdade e da propriedade.

5 CONCLUSÃO

Finalmente, são necessárias considerações acerca da contribuição de Locke ao

pensamento liberal. O aviso do economista colombiano Mauricio Pérez Salazar (1999, p. 83,

tradução nossa) é adequado ao passo que se deve lembrar que uma associação desse tipo poderia

26

Expectativa de que o direito material se realize no sistema jurídico positivo, ou que se o direito positivo entrar

em contradição com o direito material, o direito positivo não será implementado (NEUMANN, 2013, p. 99).

Presente no texto de Locke (2009, p. 90), quando ao concordar com Hooker assume que a preservação da sociedade

é a lei natural que guiará o legislativo, o qual será instituído pela lei positiva. 27 Cf. LOCKE, 2009, p. 27. 28 LOCKE, 2009, p. 96-7. 29 Ibdem, p. 86.

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soar anacrônica, tendo em vista que as referências conceituais contemporâneas do liberalismo

não existiam àquela época30 ou reducionista, de acordo com Macpherson (1979, p. 205).

Porém, pode-se trazer associações que demonstram uma influência desse tipo. A

liberdade, por exemplo, enquanto objeto último da sociedade está presente na identificação da

preservação da liberdade, ao lado da propriedade e do indivíduo, ou seja, o próprio bem comum.

A defesa de um governo representativo também é uma característica do Estado Liberal

que foi inaugurada por Locke (2009, p. 91) ao descrever o poder legislativo como “o poder do

conjunto de todos os membros da sociedade, confiado à pessoa ou grupo de pessoas como

legislador”. Além disso, a limitação do poder, onde a função do Estado em relação à sociedade

se reduz à fiscalização e mediação de conflitos é uma clara representação do Estado mínimo.

Mas, o intuito aqui não é provar uma relação de determinação ou vinculação, mas

mostrar, com o que foi exposto, que há sim uma influência evidente da teoria lockiana como

alicerce da moderna teoria liberal, conforme mostra Bobbio (1998, p. 224) “esta configuração

do Estado é que deu corpo à tradição do Estado liberal, entendido como Estado negativo,

custódio, limitado, etc.; à concepção das relações entre indivíduo e Estado definida pela fórmula

da liberdade do Estado”.

REFERÊNCIAS

ASHCRAFT, Richard. Locke’s political philosophy. 1997. In: SALAZAR, Mauricio Pérez.

La genealogia del liberalismo, uma lectura econômica del “segundo tratado sobre el

gobierno civil” de John Locke. Revista de Economia Institucional. 1999, n.1, p. 59-88.

BOBBIO, Noberto. Locke e o Direito Natural. Tradução por Sérgio Bath. Brasília: EdUnB,

1998.

KING, Gregory. Natural and political observations and conclusions upon the state and

condition of England. 1696. In: MACPHERSON, C. B. A teoria política do individualismo

30 Em uma tradução livre: “La pergunta por el liberalismo de Locke es engañosa. Es anacrónica porque muchos

de los referentes conceptuales contemporáneos del liberalismo no existían em su época”.

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possessivo: de Hobbes até Locke. Tradução por Nelson Dantas. Rio de Janeiro: Paz e Terra,

1979.

LASLETT, Peter. John Locke - two treatises of government: a critical edition with an

introduction and apparatus criticus. 1960. In: BOBBIO, Noberto. Estado, governo,

sociedade: por uma teoria geral da política. Tradução por Marco Aurélio Nogueira. Rio de

Janeiro: Paz e Terra, 2010. p. 53-104.

LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo. Tradução por Alex Marins. São Paulo:

Martin Claret, 2009.

MACPHERSON, C. B. A teoria política do individualismo possessivo: de Hobbes até

Locke. Tradução por Nelson Dantas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

NEUMANN, Franz. O império do Direito: teoria política e sistema jurídico na sociedade

moderna. Tradução por Rúrion Melo. São Paulo: Quartier Latin, 2013.

SALAZAR, Mauricio Pérez. La genealogia del liberalismo, uma lectura econômica del

“segundo tratado sobre el gobierno civil” de John Locke. Revista de Economia Institucional.

1999, n.1, pp. 59-88.

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EXPANDIR OS HORIZONTES DAS CORTES É POSSÍVEL? ATIVISMO JUDICIAL

TRANSNACIONAL E “JUDICIAL BORROWING” NA DISPUTA INTERPRETATIVA ENTRE O SUPREMO

TRIBUNAL FEDERAL E A CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS SOBRE A VALIDADE DA

LEI DE ANISTIA

Gustavo Rabay Guerra1

Sumário: 1 Introdução. 2 Internacionalização do Direito: primeiros passos em direção

ao ativismo jurídico transnacional e ao diálogo entre juízes. 3 O “choque das placas

tectônicas” e o caso brasileiro acerca da lei de anistia: desacordo entre planos jurídicos

contrapostos. 4 Em torno de um modelo de diálogo transnacional entre as cortes. 5

Conclusão. Referências.

1 INTRODUÇÃO

A tradição legal da América Latina experimenta um momento peculiar em que a

democracia e o constitucionalismo plantados no solo de nações muito jovens, assaz violentadas

por diversos regimes ditatoriais, geram transformações e compromissos dirigidos por novos

fundamentos da organização sócio-política, em que a valorização dos direitos humanos, a ética

republicana e accountabillity se mostram inegociáveis.

No novo arranjo institucional, peças foram deslocadas e conceitos revisitados.

Imprecisões ou exageros terminológicos à parte, na medida em que se nota a expansão global

do Poder Judiciário e a invasão do direito em relação às demais esferas da vida2, concomitante

ao surgimento de uma “sociedade de litigantes”3, vem se observando a caracterização de uma

nova racionalidade para o Judiciário, em que a função de julgar assume feições de uma nova

“religião”, e ocupa um lugar privilegiado na nova cena política. “A demanda da justiça vem do

desamparo da política”, anuncia Paul Ricoeur no prefácio do excepcional trabalho de Garapon4.

Para além do direito doméstico, nota-se cada vez mais a possibilidade de protrair a

defesa dos direitos humanos em esferas de jurisdição internacional de direitos humanos, sempre

1 Doutor em Direito, Estado e Constituição pela UnB. Mestre em Teoria e Dogmática do Direito pela UFPE.

Professor do CCJ/UFPB, membro do PPGCJ. Diretor Acadêmico da Escola Superior de Advocacia – OAB/PB.

E-mail: [email protected] 2 LOPES, Júlio Aurélio Vianna. A invasão do direito: a expansão jurídica sobre o Estado, o mercado e a moral.

Rio de Janeiro: FGV, 2005. 3 GARAPON, Antoine. O Juiz e a Democracia: o guardião de promessas. Trad. Maria Luiza de Carvalho.

[Prefácio de Paul Ricouer]. Rio de Janeiro: Revan, 1999. 4 Idem.

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que os ordenamentos internos se afigurem insuficientemente preparados para acolher o nível

discursivo baseado em direitos da humanidade (“human rights-based approach”).

No presente trabalho, serão apresentadas sondagens preliminares acerca da

possibilidade de um ativismo jurídico transnacional, enquanto instrumento de defesa

jusfundamental, e, ainda, as condições para a compreensão do fenômeno denominado “diálogo

entre as cortes”, por meio da percepção dialética de casos concretos. Para aprofundar a análise,

toma-se a disputa interpretativa estabelecida entre o Supremo Tribunal Federal e a Corte

Interamericana de Direitos Humanos, no julgamento da validade da Lei de Anistia brasileira, a

partir dos respectivos acórdãos da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 153

e do Caso Gomes Lund e outros versus Brasil (“Caso Guerrilha do Araguaia”).

De antemão, uma advertência metodológica: não será objeto desse trabalho analisar a

questão a relação hierárquica que deve pautar ordens jurídicas distintas, tal como se discute em

diversos trabalhos de maior fôlego, que sempre remetem a questões doutrinárias célebres5 e

construções judiciais igualmente conhecidas.6

5 Por todos, recomenda-se a leitura da recentíssima tradução para o português do clássico trabalho de Kelsen sobre

“As relações de sistema entre o direito internoe o direito internacional público", coordenada pelo Prof. Marcelo

Varela e publicada na Revista de Direito Internacional [Brazilian Journal of International Law]. Como esclarece

Varela, o texto foi originalmente escrito em francês, como um curso geral na Academia de Direito Internacional

e, até então, nunca havia sido traduzido para outro idioma. “Este trabalho é considerado uma das obras mais

importantes de Kelsen para o direito internacional, porque o autor a escreve em meio a uma disputa teórica com

os voluntaristas, sobretudo Triepel, em uma sequência de cursos que disputam a natureza da relação jurídica entre

o direito internacional e o direito doméstico. Kelsen tem o apoio de Verdross, seu discípulo, que também

pretendemos publicar em português em breve. Nesta disputa entre grandes autores encontramos os melhores

argumentos sobre a primazia do direito internacional”. KELSEN, Hans. As relações de sistema entre o direito

internoe o direito internacional público. Revista de Direito Internacional, Brasília, n. 10, p. 9-89, 2013.

6 São representativos os casos decididos pelo Tribunal Constitucional da República Federal da Alemanha

(Bunderverfasssungsgericht) sobre o conflito entre o sistema jurídico daquele país e o Direito Comunitário

europeu, quais sejam: Casos Solange I e II. Sobre Solange (“Enquanto”), julgado na década de 70, esclarecem

Gilmar Mendes e George Galindo: “É importante notar que o caso Solange foi fruto direto da resistência da Corte

Administrativa de Frankfurt, que não aceitou o julgado da Corte Européia de Justiça no citado caso Internationale

Handelsgeselschaft e o submeteu ao Tribunal Constitucional Alemão. Este, ao perceber que a doutrina da

supremacia insularia o direito comunitário da proteção dos direitos fundamentais no plano interno, estabeleceu a

fórmula do “enquanto”. (...) Em 1986, foi proferida decisão que versava sobre uma alegada violação de direitos

fundamentais estabelecidos na Constituição alemã por atos comunitários. Na oportunidade, o Tribunal estabeleceu

que o direito comunitário, por meio da jurisprudência da Corte de Luxemburgo, já demonstrava um grau

satisfatório de proteção aos direitos fundamentais. E, assim, afirmou que, enquanto esse grau satisfatório de

proteção fosse assegurado, o Tribunal Constitucional não analisaria a compatibilidade dos atos comunitários em

face dos direitos fundamentais estabelecidos na Lei Fundamental. Em virtude de a fórmula “enquanto” ter sido

mantida na decisão, a doutrina passou a chamá-la de Solange II. O mais importante notar é que, embora o Tribunal

Constitucional tenha adotado uma postura de maior deferência ao direito comunitário, fez questão de manter um

conflito em potencial com a Corte Européia de Justiça, o que ficava claro a partir do uso da fórmula “enquanto”,

que implicava uma possível ruptura caso determinadas condições ocorressem. Em outros termos, o Tribunal

Constitucional foi coerente com a conclusão tomada no caso Solange I” (MENDES, Gilmar Ferreira; e GALINDO,

George Rodrigo Bandeira. Direitos Humanos e Integração Regional: Algumas Considerações sobre o Aporte dos

Tribunais Constitucionais. VI Encontro de Cortes Supremas do Mercosul. Brasília, 2008. Disponível em:

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2 INTERNA CIONALIZAÇÃO DO DIREITO: PRIMEIROS PASSOS EM DIREÇÃO

AO ATIVISMO JURÍDICO TRANSNACIONAL E AO DIÁLOGO ENTRE JUÍZES

Sob os conceitos de “ativismo judicial” e de “judicialização da política”, o “jurídico”

se transforma em promessa do “novo” e do resgate de dívidas históricas, no sentido de suplantar

clamores sociais nunca antes (satisfatoriamente) respondidos.

Para Luís Roberto Barroso, o fenômeno da judicialização e do ativismo judicial são

análogos, sendo aquele decorrente do modelo constitucional adotado como resultado factual do

controle jurisdicional previsto no sistema de Justiça, ao passo em que o ativismo é pura atitude,

ou seja, deriva da “escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição,

expandindo o seu sentido e alcance”. O papel do Supremo Tribunal Federal (STF) no

julgamento de questões complexas, tais como a discussão da fidelidade partidária, sobre a

possibilidade de descriminalização de aborto de fetos anencefálicos e a autorização de

experiências científicas com células tronco-embrionárias, são exemplos recentes de como o

Judiciário se torna um complexo reduto da luta política da sociedade, nos temas em que possa

ser suscitado o que se convencionou chamar de desacordos morais razoáveis (reasonable

disagreements), ou seja, situações argumentativas desconcertantes para a sociedade, em que a

mediação política não é capaz de perceber a porosidade das posições antagônicas que se

estabelece a partir do dissenso (complexidade social).7

Em outra direção, vem se tornando recorrente a ocorrência do fenômeno denominado

“diálogo entre juízes”, consistente na incorporação de argumentos extraídos de decisões no

âmbito global, seja aquelas promanadas em tribunais estrangeiros ou em cortes de jurisdição

eminentemente internacional (cortes regionais ou tribunais internacionais). Essa é a advertência

de Allard e Garapon: “O Direito tornou-se um bem intercambiável. transpõe as fronteiras como

se fosse um produto de exportação. Passa de uma esfera nacional para outra, por vezes

infiltrando-se sem visto de entrada”8.

www.stf.jus.br/encontro6/. Acesso em: 21 nov. 2012. No âmbito nacional, cf. os votos do Min. Sepúlveda

Pertence, no RHC n° 79.785-RJ; e do Min. Gilmar Mendes, no RE 4663431-SP. 7 BARROSO, Luís Roberto. Constituição, Democracia e Supremacia Judicial: Direito e Política no Brasil

Contemporâneo. Revista Jurídica da Presidência. Brasília, v. 12, n. 96, fev.-mai. 2010. Disponível em:

http://www.presidencia.gov.br/revistajuridica/. Acesso: 12 dez. 2012. 8 ALLARD, Julie; GARAPON, Antoine. Os juízes na mundialização: a nova revolução do Direito. Trad. Rogério

Alves. Lisboa: Instituto Piaget, 2006, p. 07.

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Esses autores chamam a atenção para reconhecimento de que os juízes se afirmam

como engenheiros da mundialização. Para esses autores, trata-se do comércio de juízes9. Eles

reconhecem que, cada vez mais, se recorre a soluções argumentativas externas para equalizar

problemas do próprio sistema. O precedente utilizado por Allard e Garapon ilustra o conceito:

em um caso decidido em 2003 (Lawrence versus Texas), a Suprema Corte dos Estados Unidos

recorreu à jurisprudência da Corte Européia de Direitos do Homem (Dudgeon versus United

Kingdom, 1981) para decidir pela inaplicabilidade de legislação do Estado do Texas que

proibiam relações homossexuais, caracterizadas como sodomia, o que gerou grande embate

ideológico.

A Corte Constitucional da África do Sul também consagra um exemplo notável de

como é possível esse diálogo entre juízes, que alguns autores denominam de “comunidade

global de cortes”, expressão cunhada por Anne-Marie Slaughter10 . O caso State versus

Makwanyane, de 1995, é representativo: o Tribunal sul-africano declarou a

inconstitucionalidade da pena de morte, invocando argumentos hauridos do Tribunal Europeu

de Direitos Humanos e de incontáveis tribunais constitucionais ao redor do globo.11 Esse caso

é, portanto, o que Sofia Ciuffoletti considera paradigma do diálogo judicial global12.

A relevância da articulação entre a instrumentalização argumentativa entre diferentes

sistemas judiciais foi evidenciada pelo juiz Antonin Scalia, da Suprema Corte americana, no

julgamento do caso Roper versus Simmons, também relacionado à pena de morte: “embora as

opiniões de nossos próprios cidadãos sejam essencialmente irrelevantes para as decisões da

corte nos dias atuais, os pontos de vista de outros países e da comunidade internacional estão

9 Idem, p. 16. 10 SLAUGHTER, Anne-Marie. Global Community of Courts. Harvard International Law Journal. Cambridge, v.

44, n. 1, p. 191-219, 2003. 11 A Constitutional Court of South Africa, no Case CCT/3-1994, declarou inválida a pena de morte e proibiu o

Estado sul-africano e qualquer um dos seus orgãos de executarem os então condenados à pena capital. Para tanto,

os juízes carrearam precedentes dos mais diversos tribunais constitucionais do mundo, como se extrai do próprio

julgado: precedentes advindos da Suprema Corte dos Estados Unidos, da Suprema Corte do Canadá, do Tribunal

Constitucional Federal Alemão, Tribunal Constitucional Húngaro, da Suprema Corte da Índia, do Tribunal de

Apelação da Tanzânia, e, ainda, de Supremas Cortes do Circuito Estadual norte-americano, como a da Califórnia

e a de Massachusetts. (AFRICA DO SUL. S. v Makwanyane and Mchunu (CCT3/94) [1995] ZACC 3; 1995 (6)

BCLR 665; 1995 (3) SA 391; [1996] 2 CHRLD 164; 1995 (2) SACR 1 (6 June 1995). The Southern African Legal

Information Institute. Disponível em: www.saflii.org/za/cases/ZACC/1995/3.pdf. Acesso: 20 fev. 2013. Também

disponível na página da Corte Constitucional da África do Sul. Disponível em:

http://www.constitutionalcourt.org.za/Archimages/2353.PDF. 12 CIUFFOLETTI, Sofia. Dal Fenomeno del Judicial Borrowing al Dialogo Transnazionale fra Corti. I Nuovi

Orizzonti del Dibattito Dottrinale. Pisa: Universitá degli Studi di Pisa, 2011 [tese de doutorado].

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no centro das atenções”13. Apesar disso, os EUA pode ser considerado completamente contrário

ao diálogo transnacional14.

Delmas-Marty considera que essa dialética possibilitará inúmeros avanços, entre os

quais um pluralismo ordenado, a fim de evitar o sobreposição de uma ordem hegemônica ou,

por outro lado, quedar-se à desordem impotente15.

O diálogo entre juízes apresenta-se como relevante mecanismo para a superação de

um provincialismo dissociante ou de um internacionalismo hegemônico que, de modo oscilante,

marcam as relações entre cortes domésticas e transnacionais.16

Interessante, nesse sentido, é o conceito de “judicial borrowing”, cuja tradução literal

é “empréstimo judicial”, consistente na utilização simples de jurisprudência estrangeira, sem a

devida depuração terminológica, jurídico-etiológica e, até mesmo epistemológica, que marca o

método do Direito Comparado17.

Com o “empréstimo” temático, tribunais se habilitam a sopesar fundamentos

esposados em cortes estrangeiras, sobretudo internacionais e constitucionais, espelhando na

decisão a ser produzida, no âmbito doméstico, os fundamentos jurídicos e motivações sociais,

históricas e, em geral, pragmáticas, hauridos da interpretação do repertório de origem, ainda

que díspares e incongruentes os elementos circundantes do sistema ao qual se recorre, em

relação ao receptor.

13 DELMAS-MARTY, Mireille. Les forces imaginantes du droit: Le pluralisme ordonné. Paris: Seuil, 2006, p. 53. 14 Em realidade, o impacto do judicial borrowing fez com que o Estado do Kansas, em maio de 2012, sancionasse

lei que proíbe seus tribunais de basearem decisões em legislação estrangeira ou em preceitos religiosos. Segundo

o Governador Sam Brownback, os tribunais, órgãos administrativos e jurisdicionais do Estado não podem basear

suas decisões sobre qualquer lei estrangeira ou sistema legal que não iria conceder os mesmos direitos garantidos

pelas constituições estaduais e federal. Em síntese, alegam que a medida visa proteger a liberdades dos americanos

de "infiltração" de leis estrangeiras e doutrinas jurídicas. 15 DELMAS-MARTY, Mireille. Le Relatif et l’universel. Paris: Le Seuil, 2004. 16 LEÃO, Ênio Saraiva. Tratados Internacionais, Judiciário e Política Externa: uma análise dos julgados da

Suprema Corte brasileira. Espaço Jurídico, Joaçaba, v. 12, n. 2, p. 265-282, jul./dez. 2011, p. 275. 17 Para Rodolfo Sacco, o método juscomparativo pressupõe rigor científico e neutralidade, que visa adquirir dados

teóricos sobre outro panorama legal diferente do plano nacional, independentemente de eventuais utilizações

desses dados no âmbito doméstico, de modo a se satisfazer por si com os resultados advindos da pesquisa, tais

como análises das diferenças e analogias entre common law e civil law, reconstruções científicas do etnodireito,

balanço das transformações do direito afro-asiático frente ao direito europeu, indagações sobre diferenças entre o

direito dos países capitalistas e o direito dos países socialistas. Pressupondo obra da ciência, ainda que não sejam

seguidas da circulação de modelos. Em outra passagem, afirma o mesmo autor: “O jurista envolvido com um

ordenamento diferente do seu muitas vezes tem dificuldade de percepção em relação aos formantes que não

existem no seu sistema. Assim, por exemplo, os juristas anglo-americanos têm se mostrado impacientes e

desconfiados diante das declarações ideológicas das leis socialistas, e diante das categorias dogmáticas

(=definitórias) socialistas ligadas ao formante ideológico e dele dependentes. O jurista francês custa a colocar em

seu devido lugar a “dogmática” alemã, e a confunde com uma (má) filosofia destituída de interesse para o jurista”.

SACCO, Rodolfo. Introdução ao direito comparado. Trad. Vera Jacob de Fradera. São Paulo: RT, 2001, p. 89.

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A questão se põe na possibilidade de intercâmbio de normas equivalentes oriundas de

múltiplas fontes e o tratamento conferido a essas normas em casos similares enfrentados ao

redor do globo por tribunais dos mais diversos quilates, em que pese ser mais verificável essa

incidência de cruzamentos interpretativos entre as cortes constitucionais, como bem adverte

Sofia Ciuffoletti, que, em obra pioneira, destaca o aparato conceitual e o modelo de análise do

fenômeno:

A influência da jurisprudência estrangeira no processo de argumentação dos juízes,

em especial os juízes constitucionais (...) é uma prática que se manifesta

historicamente, embora com características variadas e significados, desde o início do

Direito moderno. Nos últimos anos tem-se, no entanto, imposto aos teóricos do

constitucionalismo contemporâneo a observação de fenômeno que abriu novas

perspectivas de reflexão teórica, empurrando a doutrina a ponderar explicações

hermenêuticas contrapostas. Pretendemos, aqui, para se referir ao fenômeno do

"diálogo" entre os tribunais, que se manifesta como uma atitude receptiva de várias

cortes constitucionais, superiores e até internacionais, que esta gradualmente

aumentando, nos últimos tempos, de um modelo geral de empréstimos judiciais, a

mera importação de jurisprudência estrangeira, caracterizada pela dependência

passiva de categorias epistemológicas de alguns poucos países exportadores legais e

constitucionais, com uma pesquisa jurisprudencial de modelos avançados de proteção

consciente e aberto a nível mundial.18

É preciso pontuar que essa prática, apesar de ser muito disseminada, ainda foi pouco

analisada sob essa perspectiva pragmática específica, havendo poucos trabalhos acadêmicos se

debruçado sobre o tema. Os autores mais conhecidos preferem usar nomenclatura e (pretensos)

métodos que oscilam entre o constitucionalismo e o Direito Internacional, traduzindo esse

fenômeno de mundialização jurisprudencial sob várias denominações. Preferimos chamar

genericamente esse fluxo teórico de “transjuridicidade”.

Para Peter Häberle, “o Estado Constitucional e o Direito Internacional transformam-

se em conjunto. O direito constitucional não começa onde cessa o Direito Internacional.

Também é válido o contrário, ou seja, o Direito Internacional não termina onde começa o

Direito Constitucional”.19 Na esteira da constatação de André de Carvalho Ramos, a questão da

“pluralidade das ordens jurídicas é investigada há muito pela doutrina constitucionalista”, sob

diversas denominações: “constitucionalismo multinível”, “interconstitucionalidade”,

“transconstitucionalismo”, “cross-constitucionalismo” e “constitucionalismo transnacional”.

18 CIUFFOLETTI, Sofia. Dal Fenomeno del Judicial Borrowing al Dialogo Transnazionale fra Corti. I Nuovi

Orizzonti del Dibattito Dottrinale. Pisa: Universitá degli Studi di Pisa, 2011 [tese de doutorado]. 19 HÄBERLE, Peter. Estado constitucional cooperativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 11-12.

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Os autores destacados por Carvalho – dentre os quais Aragón Reyes, Gomes Canotilho e

Marcelo Neves, têm em comum uma abordagem relacionada ao direito constitucional e

“demonstram a saudável preocupação dos constitucionalistas com a ascensão do Direito

Internacional”, representada, por sua vez, na ótica dos internacionalistas, na expressão

“internacionalização do Direito”.20 O mesmo autor destaca, assim, o recrudescimento do “uso

retórico e argumentativo da ratio decidendi internacional para fundamentar a decisão nacional,

incrementando seu poder de convencimento, especialmente útil nas ‘rupturas hermenêuticas’

promovidas pelos Tribunais nacionais”.

Não obstante, observa-se recalcitrante incongruência entre as jurisdições internacional

e domésticas, sobretudo em matéria de direitos humanos, na qual é possível falar-se mesmo em

autismo para com o direito internacional, como a observação de Burgorgue-Larsen, sobre a

cultura judicial norte-americana e sua postura de total desacordo com cláusulas de acesso à

justiça internacional – o caso dos prisioneiros de Guantánamo; “Da mesma maneira que o

direito sai de suas fronteiras nacionais – o que é para Mireille Delmas-Marty a marca da

‘internacionalização do direito’, o diálogo faz o mesmo”.21

Com apoio na opinião de Anne-Marie Slaughter, Cecília MacDowell esclarece:

a resolução internacional de disputas tem sido substituída cada vez mais pela litigância

transnacional, uma significativa mudança no sistema jurídico internacional.

Tradicionalmente, as disputas internacionais envolviam Estados e eram resolvidas sob

os auspícios do sistema internacional. A litigância transnacional, ao contrário, engloba

cortes internas e internacionais, envolvendo casos entre Estados, entre indivíduos e

Estados e entre indivíduos através de suas fronteiras.22

Exemplo disso é a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH)

sobre a “Guerrilha do Araguaia” (Gomes Lund contra o Brasil, de 2010), cujas conclusões

operam no sentido de indigitar o Brasil por sua leitura equivocada sobre o alcance da Lei de

Anistia Lei nº 6.683/79), que vem impedindo a investigação e sanção de graves violações de

20 RAMOS, André de Carvalho. A relação entre o Direito Internacional e o Direito Interno no contexto da

pluralidade das ordens jurídicas. Anuário Brasileiro de Direito Internacional. Belo Horizonte, v. 1, n. 12, p. 67-

94, 2012. 21 BURGORGUE-LARSEN, Laurence. A internacionalizaçâo do diálogo dos juízes: missiva ao Sr. Bruno

Genevois, presidente do conselho de estado da França. Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial., Brasília, v. 7, n. 1, p.

261-304, jan./jun. 2010, p. 263. 22 SANTOS, Cecília MacDowell. Ativismo jurídico transnacional e o Estado: reflexões sobre os casos

apresentados contra o Brasil na Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Sur - Revista Internacional de

Direitos Humanos, São Paulo, v. 4, n. 7, p. 26-57, 2007.

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direitos humanos incompatíveis com a Convenção Americana de Direitos Humanos. O

processo nasceu do ativismo de três ONGs brasileiras: o Centro Pela Justiça e o Direito

Internacional, o Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro e, ainda, a Comissão de

Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos de São Paulo.

Ocorre que, antes da decisão Corte IDH, o Supremo Tribunal Federal (STF), em abril

de 201, havia julgado improcedente Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental

(ADPF 153) proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para declarar

inconstitucional a Lei de Anistia, um dos últimos óbices do resgate da verdade e da memória,

na tardia “transição” democrática brasileira.

Sobre esses dois julgados que, embora relativos ao mesmo caso, se distanciam

fatalmente em suas conclusões, serão sopesadas algumas impressões nos tópicos seguintes.

Nossa hipótese central é a de que a internacionalização do direito promoverá a chegada de uma

nova etapa do fenômeno “ativismo judicial” por um lado, mas por outro, caso o diálogo entre

os sistemas jurídicos não seja adequadamente “concertado”, suceder-se-á a crise entre ordens

jurídicas justapostas, como no caso concreto em discussão.

3 O “CHOQUE DAS PLACAS TECTÔNICAS” E O CASO BRASILEIRO ACERCA

DA LEI DE ANISTIA: DESACORDO ENTRE PLANOS JURÍDICOS

CONTRAPOSTOS

No julgamento da ADPF 153, os juízes do STF reconheceram ter se operado, à época

da promulgação da lei em xeque, um acordo amplo e irrestrito de toda sociedade, com validade

política e social à vista do momento histórico em que foi realizado23. O então Presidente da

Corte, Min. Cezar Peluso, afirmou não conseguir entender o porquê de a OAB questionar esse

acordo mais de 30 anos depois, tendo dele participado, destacando o mérito conservador do

voto do Relator, Min. Eros Roberto Grau, que praticamente identificou naquela quadra a

ocorrência do perdão e da anistia de atos grotescos da recente história, sobremaneira aqueles

eivados do mais profundo e horrendo autoritarismo. Como se a sociedade não fosse refém do

Estado “não-democrático”; como se a OAB não estivesse submetida ao jugo cruel da exceção.

23 STF. Lei da Anistia é mantida com o voto do presidente da Corte. Supremo Tribunal Federal. Disponível em:

http://www.stf.jus.br/portal/cms/vernoticiadetalhe.asp?idconteudo=125503. Acesso em: 12 nov. 2012.

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Essa mesma OAB, ao ajuizar a Ação Constitucional, fixou os pontos da controvérsia:

interpretação conforme à constituição, de modo a declarar, à luz dos seus preceitos

fundamentais, que a anistia concedida pela lei aos crimes políticos ou conexos “não se estende

aos crimes comuns praticados pelos agentes da repressão contra opositores políticos, durante o

regime militar (1964/1985)”. Os fundamentos da ADPF identificam o descumprimentos dos

seguintes preceitos fundamentais: (i) isonomia em matéria de segurança (CRFB, art. 5o, caput),

tendo a lei estendido a anistia a classes indefinidas de crimes; (ii) o dever do Poder Público de

não ocultar a verdade (CRFB, art. 5o, XXXIII); a violação aos princípios democrático e

republicano (CRFB, art. 1o); e o desrespeito ao valor supremo da dignidade humana (CRFB,

art. 1o, III).

A discussão, no âmbito da Corte, gravitou em torno do sentido normativo atribuído ao

art. 5º, caput e incisos III e XXXIII da CRFB, pugnando o STF pela não violação aos princípios

democrático e republicano. Na visão estreita dos Ministros, a Lei nº 6.683, de 1979, porquanto

“veicula uma decisão política assumida naquele momento – o momento da transição conciliada

de 1979” é uma lei-medida, não se tratando de regra dirigida para o futuro, dotada, como as

normas regulares, de abstração e generalidade; “Há de ser interpretada a partir da realidade no

momento em que foi conquistada”24. E nesse contexto, a Lei de Anistia se harmoniza com a

ordem constitucional vigente, como assente na jurisprudência da Corte, como aconteceu na

“sucessão das frequentes anistias concedidas, no Brasil, desde a República”, afastando, assim,

a importância da Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e Outros Tratamentos ou

Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes e Lei nº 9.455, de 7 de abril de 1997, que define o

crime de tortura, e, ainda, desconsiderando o que preconiza o art. 5o, inciso XLIII, da CRFB,

que declara insuscetíveis de graça e anistia a prática da tortura, entre outros crimes, posto que

a lei foi anterior a todas elas. A Emenda Constitucional n. 26, de 27 de novembro de 1985, ao

convocar a assembleia constituinte, perpetuou esse estado de coisas, radicado na “auto-anistia”,

24 É o que extrai da própria ementa do julgamento da ADPF 153, “A interpretação do direito não é mera dedução

dele, mas sim processo de contínua adaptação de seus textos normativos à realidade e seus conflitos. Mas essa

afirmação aplica-se exclusivamente à interpretação das leis dotadas de generalidade e abstração, leis que

constituem preceito primário, no sentido de que se impõem por força própria, autônoma. Não àquelas, designadas

leis-medida (Massnahmegesetze), que disciplinam diretamente determinados interesses, mostrando-se imediatas e

concretas, e consubstanciam, em si mesmas, um ato administrativo especial. No caso das leis-medida interpreta-

se, em conjunto com o seu texto, a realidade no e do momento histórico no qual ela foi editada, não a realidade

atual. É a realidade histórico-social da migração da ditadura para a democracia política, da transição conciliada de

1979, que há de ser ponderada para que possamos discernir o significado da expressão crimes conexos na Lei n.

6.683”.

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não se podendo invocar parâmetros normativos de correção, se todos esses são posteriores ao

conjunto de decisões políticas fundamentais voltadas à consecução da reabertura democrática.

Após o julgamento pelo STF de 29 de abril de 2010, em que se julgou improcedente a

ADPF 153 por 7 votos contra 2, a Corte IDH notificou o governo do Brasil em 14 de dezembro

de 2010, os representantes das vítimas e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos a

respeito da Sentença. O Tribunal concluiu que o Brasil é responsável pelo desaparecimento

forçado de 62 pessoas, ocorrido entre 1972 e 1974, na região conhecida como Araguaia.

No caso referido, foi analisada, entre outras questões, a compatibilidade da Lei

de Anistia com as obrigações internacionais assumidas pelo Brasil à luz da Convenção

Americana sobre Direitos Humanos. Com base no direito internacional e em sua jurisprudência

constante, a Corte IDH concluiu que as disposições da Lei de Anistia que impedem a

investigação e sanção de graves violações de direitos humanos são incompatíveis com a

Convenção Americana e carecem de efeitos jurídicos, razão pela qual não podem

continuar representando um obstáculo para a investigação dos fatos do caso, nem para

a identificação e a punição dos responsáveis25.

No enfrentamento da questão, preciosa a lição de Kelsen:

Visto que é impossível admitir simultaneamente o caráter obrigatório de duas ordens

normativas distintas e independentes uma da outra, não haveria entre elas senão um

tipo de relação que, fazendo surgir sua independência como puramente provisória e

relativa, faça-as retornar em qualidade de ordens parciais ou subordinadas numa

unidade superior de uma ordem total. Duas relações respondem a essa exigência: a

coordenação, que une dois elementos equivalentes, e a subordinação, que estabelece

uma hierarquia entre os mesmos. Coordenar dois sistemas de normas significa

subordiná-los a uma terceira ordem, a uma ordem superior que limita seu domínio.

Portanto, a subordinação é a relação fundamental. Em que consiste? Um sistema de

normas está subordinado a outro sistema de normas quando extrai sua força

25 Corte Interamericana de Direitos Humanos: A decisão foi específica quanto à manutenção da Lei de Anistia, em

dois pontos-chaves: “172. A Corte Interamericana considera que a forma na qual foi interpretada e aplicada a Lei

de Anistia aprovada pelo Brasil (supra pars. 87, 135 e 136) afetou o dever internacional do Estado de investigar e

punir as graves violações de direitos humanos, ao impedir que os familiares das vítimas no presente caso fossem

ouvidos por um juiz, conforme estabelece o artigo 8.1 da Convenção Americana, e violou o direito à proteção

judicial consagrado no artigo 25 do mesmo instrumento, precisamente pela falta de investigação, persecução,

captura, julgamento e punição dos responsáveis pelos fatos, descumprindo também o artigo 1.1 da Convenção.

Adicionalmente, ao aplicar a Lei de Anistia impedindo a investigação dos fatos e a identificação, julgamento e

eventual sanção dos possíveis responsáveis por violações continuadas e permanentes, como os desaparecimentos

forçados, o Estado descumpriu sua obrigação de adequar seu direito interno, consagrada no artigo 2 da Convenção

Americana. (...) 174. Dada sua manifesta incompatibilidade com a Convenção Americana, as disposições da Lei

de Anistia brasileira que impedem a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos carecem de

efeitos jurídicos. Em consequência, não podem continuar a representar um obstáculo para a investigação dos fatos

do presente caso, nem para a identificação e punição dos responsáveis, nem podem ter igual ou similar impacto

sobre outros casos de graves violações de direitos humanos consagrados na Convenção Americana, ocorridos no

Brasil”.

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obrigatória deste último, considerado superior precisamente por essa razão. Ora, isto

supõe que tal ordem superior contenha uma norma que constitui a “fonte” da ordem

inferior. De qualquer modo há, ao lado de normas materiais que regulamentam

imediatamente e por elas mesmas certos objetos, normas formais que confiam a

regulamentação de certas matérias a uma certa jurisdição, a uma determinada

autoridade. Sobre essas matérias e nessa jurisdição, a ordem em questão limita-se a

instituir uma autoridade que tem autoridade para editar regras nesses limites. Por isso,

essa norma de ordem superior constitui a norma fundamental (isto é, o princípio de

unidade) da ordem inferior. Nestas condições, não se pode mais falar de duas ordens

diferentes, a não ser mediante certa restrição. Porque, visto que a norma fundamental

[da ordem inferior] pertence ao mesmo tempo à ordem superior, a ordem inferior está,

na verdade, contida na ordem superior. Há um duplo caráter. Se fizermos uma

abstração da norma fundamental [da ordem inferior] - puramente formal - ele é uma

ordem parcial com o mesmo valor da norma fundamental. Entretanto, se consideramos

esta norma fundamental, se levamos em conta a ordem inferior que se baseia nela, a

ordem superior surge como a ordem global. Assim, a unidade das ordens parciais é

reconstituída26.

Ou seja, a relação de coordenação é ínsita ao sistema interamericano, que vincula o

Brasil às decisões da Corte IDH, por força da cláusula facultativa de jurisdição obrigatória ao

qual o país aderira em 1998. Assim, resiste uma posição oficial doméstica adotada pelo Tribunal

de cúpula, pela manutenção da Lei de Anistia, ainda que o processo não tenha chegado ao fim,

até meados de abril de 2014; e, por outro lado, perscruta-se o integral cumprimento do que

preconiza a sentença Gomes Lund, em estrita observância ao sistema regional.

4 EM TORNO DE UM MODELO DE DIÁLOGO TRANSNACIONAL ENTRE AS

CORTES

Engana-se quem pensa que a transição democrática se operou de forma plena no Brasil.

Talvez não venha a se concluir nunca. Ao menos enquanto persistir o autoritarismo herdado em

inúmeras posturas institucionais e até mesmo culturais e, ainda, a crença em uma forma mística

de perdão e de que “daqui pra frente tudo vai ser diferente”, assim mesmo, sem se saber a

verdade, sem se preocupar com a memória. O passado também revela o futuro e, ainda mais, o

presente.27

Em termos estritamente jurídicos, se criou um hiato entre o que o Estado brasileiro

deve fazer – cumprir as determinações da Corte IDH, até porque o Brasil é um Estado-parte da

26 KELSEN, Hans. As relações de sistema entre o direito internoe o direito internacional público. Revista de

Direito Internacional, Brasília, n. 10, p. 9-89, 2013. 27 Cf. LIMA, José Maurício. Autoritarismo, sofrimento e perdão. Curitiba: Juruá, 2011.

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OEA e se submeteu à jurisdição obrigatória da Corte (cláusula facultativa aprovada em 1998)

– e as repercussões jurisdicionais da decisão da Suprema Corte, pois não se deve esperar que

juízes brasileiros recebam ações penais ou determinem o processamento de feitos relacionados

com o período de exceção, na ruptura da Anistia, demonstração invulgar de que entendimento

do STF prevalecera. Afinal, no Brasil, já houve a transição sem a justiça28.

Se o Brasil cumprirá a decisão da Corte IDH em todos os seus termos, só o tempo

consagrará. Até mesmo porque as consequências complexas da sentença acima abordada

prenunciam um modelo adaptativo para a convivência de visões de mundo diferenciadas, que

oscilam entre a soberania judicial (que integra a própria concepção de soberania estatal) e o

horizonte de defesa dos direitos humanos que orienta o Sistema da OEA.

Mesmo tendo o órgão de cúpula do Judiciário nacional sinalizado em sentido contrário

à interpretação da Corte IDH, como visto anteriormente, cabe ressaltar que ainda resta pendente,

até a presente data (junho de 2013), o julgamento do recurso de embargos de declaração

interpostos na ADPF 153, em 16/03/2011; os autos estão conclusos para julgamento desde

28/06/2012.

Vale ressaltar que a OAB insiste em argumento capital do julgamento de Gomes Lund:

o de que a Lei de Anistia viola o princípio fundamental do direito internacional e da proteção

dos direitos humanos que qualifica como crimes contra a humanidade são imprescritíveis e

indignos de anistia, como tais “o assassínio, o extermínio, [...] e todo ato desumano, cometido

28 “A noção de ‘justiça de transição’ (...) compreende o conjunto de processos e mecanismos associados às

tentativas da sociedade em chegar a um acordo quanto ao grande legado de abusos cometidos no passado, a fim

de assegurar que os responsáveis prestem contas de seus atos, que seja feita a justiça e se conquiste a reconciliação.

Tais mecanismos podem ser judiciais e extrajudiciais, com diferentes níveis de envolvimento internacional (ou

nenhum), bem como abarcar o juízo de processos individuais, reparações, busca da verdade, reforma institucional,

investigação de antecedentes, a destruição de um cargo ou a combinação de todos esses procedimentos” (NAÇÕES

UNIDAS – Conselho de Segurança. O Estado de Direito e a justiça de transição em sociedades em conflito ou

pós-conflito. Relatório do Secretário Geral S/2004/616. Revista Anistia Política e Justiça de Transição, Brasília,

n.1, p.320-351, jan.-jun. 2009. p.325).

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contra a população civil" por autoridades estatais29. Essa interpretação foi confirmada pela

Corte IDH em cinco casos anteriores, além da própria sentença em execução.30

A omissão quanto a esses temas é patente no acórdão do ADPF 153 e, como destacado

pelo Conselho Federal,

reside na premissa de que entre as barbáries cometidas pelo regime de exceção há

os crimes de desaparecimento forçado e de seqüestro que, em regra, só admitem a

contagem de prescrição a partir de sua consumação – em face de sua natureza

permanente, conforme já assentado na Extradição 974 –d a, de modo que inexistindo

data da morte não há incidência do fenômeno prescritivo.

O dever de investigação, ajuizar e punir os responsáveis por violações aos direitos

civis e políticos, já o definiu o Comitê de Direitos Humanos da Organização das

Nações Unidas – ONU, compete aos Estados Partes do Pacto Internacional sobre

Direitos Civis e Políticos (ratificado pelo Brasil).

A suplantação desses pontos omissos poderia ser substituída pela questão: que se pode

aprender com esse dilema? Em verdade, para estabelecer premissas possíveis e o real

aprendizado que se espera da experiência da atividade do STF no debate sobre a validade ou

não da Lei de Anistia passa por outros temas conexos, como, à guisa de exemplo, o papel do

controle de convencionalidade da lei de auto-anistia.31 Na proposta desse trabalho temos outra

premissa: se o diálogo entre as cortes é algo assimétrico e de difícil (ou improvável)

estruturação analítica, a par de não se conceber um modelo estabilizado, à luz do que chamamos

29 É o tirocínio acertado de Flávia Piovesan: “(…) há que se afastar a insustentável interpretação de que, em nome

da conciliação nacional, a lei de anistia seria uma lei de ‘duas mãos’, a beneficiar torturadores e vítimas. Esse

entendimento advém da equivocada leitura da expressão ‘crimes conexos’ constante da lei. Crimes conexos são

os praticados por uma pessoa ou grupo de pessoas, que se encadeiam em suas causas. Não se pode falar em

conexidade entre fatos praticados pelo delinquente e pelas ações de sua vítima. A anistia perdoou a estas e não

àqueles; perdoou às vítimas e não aos que delinquem em nome do Estado. Ademais, é inadmissível que o crime

de tortura seja concebido como crime político, passível de anistia e prescrição” (PIOVESAN, Flávia. Direito

internacional dos direitos humanos e lei de anistia: o caso brasileiro. Revista da Faculdade de Direito da FMP, n.

4, Porto Alegre, 2009, p. 117). 30 São tais: Caso Loayza Tamayo vs. Perú, Acórdão de 27/11/1998; Caso Barrios Altos vs. Perú, Acórdão de

14/03/2001; Caso Barrios Altos, novo Acórdão de 03/09/2001; Caso Comunidad Moiwana, Acórdão de

15/09/2005; e Caso Almonacid Arellano y otros vs. Chile, Acórdão de 26/09/2006. 31 Basta simples leitura da decisão da Corte IDH para perceber que as vedações de investigação e sanção de

violações de direitos humanos constantes da lei de auto-anistia brasileira não são compatíveis com a Convenção

Americana, por carecem de efeitos jurídicos e não podem “representar um obstáculo para a investigação dos fatos

do presente caso, nem para a identificação e punição dos responsáveis, nem podem ter igual ou similar impacto

sobre outros casos de graves violações de direitos humanos consagrados na Convenção Americana ocorridos no

Brasil” (CORTE IDH. Caso Gomes Lund y otros: guerrilha do Araguaia: Vs. Brasil: Excepciones preliminares,

fondo, reparaciones y costas. Sentencia de 24 de noviembre de 2010. Corte Interamericana de Direitos Humanos.

San José, Serie C, n. 219. [§ 174]. Disponível em:

http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_219_por.pdf. Acesso em 21 nov. 2012).

Cf. GOMES, Luiz Flávio; e MAZZUOLI, Valerio de Oliveira (orgs.) Crimes da Ditadura Militar: uma análise à

luz da jurisprudência atual da Corte Interamericana de direitos humanos: Argentina, Brasil, Chile, Uruguai. São

Paulo: RT, 2011.

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singularmente de transjuridicidade, a despretensiosa e informativa exposição de decisões

globalizadas, nos moldes do judicial borrowing, proporcionar visões e impressões social e

historicamente mais adequadas para a democrática superação da controvérsia.

Estabelecer canais de diálogo com a história e com a práxis jurídica mundial pode se

constituir numa experiência renovadora e dialética, que permita um ganho de conteúdo

operacional e de profunda valorização do plano de justificação das normas concretizadas pela

hermenêutica jurídica. Nesse sentido, destaca-se o “diálogo judicial transnacional” estabelecido

no acórdão 359/2009, do Tribunal Constitucional de Portugal, exemplificativo dessa postura:

“A correcta compreensão da questão de inconstitucionalidade suscitada nos presentes autos

impõe, antes de mais, a clara percepção de que tal matéria tem sido objecto de apreciação, com

resultados nem sempre coincidentes, em outras jurisdições.”32

Se por um lado a importação acrítica de institutos jurídicos sacramentados pela

atividade legislativa (legal transplant) é algo indesejável e, no entanto, bem corriqueiro em

tempos de falsa percepção da representação política, a possibilidade de cotejar tendências

decisionais nas mais diversas tradições jurídicas mundo afora, apenas com o intuito de

possibilitar o mais amplo entendimento das controvérsias que se põem à mesa de julgamento.

Sobretudo em casos que conduzem à interpretação constitucional e ao entrelaçamento de

normas internas (constitucionais, supralegais e infraconstitucionais) e de potencial repercussão

internacional (institucional ou teoricamente), parece-nos razoável a possibilidade de estabelecer

32 O caso refere-se a julgamento no qual o Tribunal Constitucional português decidiu ser constitucional alteração

ao Código Civil que vedava expressamente o casamento homoafetivo. O texto legal que se declarou válido frente

à Constituição da República trazia a seguinte redação: “Casamento é o contrato celebrado entre duas pessoas de

sexo diferente que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de vida, nos termos das disposições

deste Código”. Meses depois, no Acórdão 121/2010 e Tribunal Constitucional português declarou a

constitucionalidade de decreto aprovado pelo Parlamento do país para alterar o Código Civil, que, na prática,

permite o casamento entre homossexuais. Seguindo a mesma linha de raciocínio da decisão anterior, mas com

conclusões diversas, o TC declarou que a possibilidade legal de duas pessoas do mesmo sexo contraírem casamento

não fere a Lei Fundamental. Tendo sido o mesmo dispositivo alterado pelo parlamento nos dois casos (art. 1577º

do Código Civil), o novo teor da legislação disciplina o casamento como "contrato celebrado entre duas

pessoas”. Interessante notar que, em ambos os julgamentos, ocorridos em diminuta distância de tempo, houve

referência expressa a decisões de vários tribunais estrangeiros, colhendo-se de cada uma “pistas” e “rastros” para

a adoção do melhor telos interpretativo. A seguinte passagem, que permite-se aqui transcrever, é expressiva:

“Noutros sistemas jurídicos o impulso para a institucionalização das uniões entre pessoas do mesmo sexo foi

protagonizado por decisões judiciais. Foi o que sucedeu nos Estados Unidos da América, Canadá e África do Sul,

como foi objecto de referência mais detalhada no acórdão n.º 359/2009”. (TRIBUNAL CONSTITUCIONAL DE

PORTUGAL. Acórdão n.º 359/2009. Disponível em:

http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20090359.html. Acesso em: 12 ago. 2013; e TRIBUNAL

CONSTITUCIONAL DE PORTUGAL. Acórdão 121/2010. Disponível em:

http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20100121.html. Acesso em: 12 ago. 2013.

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o diálogo transnacional, ainda que se passe a impressão de empunhadura de ativismo judicial

em favor de uma ou outra posição interpretativa, eventualmente desprovida de fundamentos

normativos ou de consolidada base jurisprudencial.

Com respeito a esse modo-de-ser da dialética transjudicial, na hipotética e incerta

sessão que apreciará os embargos de declaração na ADPF 153, caso fossem ilustrados em

plenário considerações derivadas dos mencionados precedentes da Corte IDH (Caso Loayza

Tamayo vs. Perú, Caso Barrios Altos vs. Perú e Caso Comunidad Moiwana) – e até mesmo o

Caso Guerrilha do Araguaia –, talvez a conclusão do STF em relação à constitucionalidade da

lei de auto-anistia brasileira fosse bem diferente daquela tomada em plenário meses antes da

Corte IDH se pronunciar sobre a mesma legislação, para condenar o Estado brasileiro.

5 CONCLUSÃO

O ativismo judicial se relaciona diretamente com a tendencial conversação mantida

pelas mais diversas cortes nacionais e internacionais, na construção de sua identidade

hermenêutica. No horizonte de transformações sociais e democráticas impulsionadas pela maior

atuação e expansão do poder das cortes, no debate de grandes controvérsias, é visível que a

interação entre diferentes culturas e a quebra das barreiras físicas se manifesta, de modo

peculiar, nos tribunais e na construção judicial do Direito.

Os fenômenos que se convencionou sintetizar na expressão transjuridicidade abrigam

múltiplas possibilidades de análise e operacionalidade prática. O pragmatismo do judicial

borrowing e a tendencial ampliação do diálogo entre as cortes se revelam ferramentas

relevantes para a adoção de posturas reflexivas emancipadas da ratio juris dominante, focadas

no paradigma da legalidade e do recurso exagerado aos precedentes. Não obstante o incipiente

desenvolvimento teórico da perspectiva dos empréstimos, esse fenômeno pode conduzir à

ampliação do papel do diálogo transnacional.

Com respeito ao resultado do julgamento da ADPF 153, não se vislumbra a ocorrência

desse trânsito da jurisprudência, ao passo em que o Caso Gomes Lund é profundamente

marcado pelo ativismo transnacional. Postas lado a lado, as decisões da Corte IDH e do STF

não representam a mera ocorrência de disputa interpretativa entre a justiça constitucional

brasileira e o tribunal do sistema regional da OEA a respeito da aplicabilidade da Lei de Anistia,

mas a monumental incongruência de compreensão sobre justiça social e direitos humanos,

sobremaneira no que toca ao direito à verdade e à memória.

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HERMENÊUTICA JURÍDICA E UTILIZAÇÃO DO MÉTODO SISTEMÁTICO NO

DIREITO TRIBUTÁRIO

Ângelo Boreggio Neto1

Ezilda Melo2

Sumário: 1 Introdução. 2 Hermenêutica Jurídica. 3 Interpretação no Direito

Tributário. 4 Reforma Tributária e Hermenêutica. 5 Princípio da Uniformidade da

Constituição e da Proporcionalidade. 6 Hermenêutica Tributária e os Direitos

Fundamentais. 7 Interpretação Sistemática no Sistema Jurídico Brasileiro. 8

Conclusão. Referências.

1 INTRODUÇÃO

"Nas obras, nas palavras: - o homem não se revela por todo inteiro, põe

sempre alguma afetação, alguma convenção, alguma reserva, muita

reticência: pelos seus trabalhos, os homens nunca se revelam inteiramente."

Eça de Queirós

Parte-se da Hermenêutica Jurídica e seus métodos de interpretação, para, em seguida,

verificar-se a importância da interpretação no Direito Tributário; noutro desdobramento, faz-se

análise sobre a necessidade da Reforma Tributária, para, na sequência, demonstrar-se a

importância dos princípios constitucionais e dos direitos fundamentais para a Hermenêutica

Tributária; por fim, desagua-se, à luz de ensinamentos constitucionais-tributários, no método

sistemático de interpretação.

Em meio a todas essas questões, faz-se uso de jurisprudências, tanto do Supremo

Tribunal Federal, quanto do Superior Tribunal de Justiça, apontando a tendência hermenêutica

destes Tribunais, bem como analisando os valores que norteiam as Cortes superiores do país no

que se refere à interpretação da norma tributária.

1 Mestre em Direito pela PUC/SP. Mestre em Educação pela UFMT. Especialista em Direito Tributário e Processo

Tributário. Professor Titular de Direito Tributário da FRB e UNIME. Professor em diversos cursos de pós-

graduação em direito tributário pelo país. Coordenador da Pós-graduação de Direito Tributário da ATAME/MT.

Professor do Curso Preparatório para Concurso JUSPODIVM. Autor do livro: Manual Prático de Direito

Processual Tributário. Autor de diversos artigos jurídicos. 2 Advogada. Historiadora. Mestranda em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia. Especialista em

Direito Público. Coordenadora de Operações Acadêmicas do Curso de Direito da Faculdade Ruy Barbosa –

Bahia. Professora de Direito de Cursos de Graduação e Pós-Graduação. E-mail: [email protected] /

blog:www.ezildamelo.blogspot.com

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60

2 HERMENÊUTICA JURIDICA

Na Antiguidade Clássica, recorria-se a Hermes, o mensageiro dos Deuses, pela busca

da verdade escondida. Hermes foi retratado por Homero e por Hesiodo por suas habilidades e

considerado benfeitor dos mortais, portador da boa sorte e também das fraudes. Autores

clássicos também adornaram o mito com novos acontecimentos. Ésquilo mostrou Hermes a

ajudar Orestes a matar Clitemnestra sob uma identidade falsa e outros estratagemas, e disse

também que ele era o deus das buscas, e daqueles que procuram coisas perdidas ou roubadas.

Seu atributo característico era a ambiguidade, pois ao mesmo tempo que era mensageiro dos

deuses, era também fiel mensageiro do mundo das trevas. A palavra "hermenêutica" encontre

consentâneos nas palavras "hermeneuein" (interpretar), "hermeneia" (interpretação),

"hermeios" (sacerdote do oráculo de Delfos) e "Hermes" (o mensageiro dos deuses, na

mitologia antiga ocidental).

O jurista trabalha com a análise do discurso e busca verdades. FOUCAULT (1996,

p.10) nos diz que “o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de

dominação, mas aquilo pelo que se luta, o poder de que queremos nos apoderar”. Mesclando

essa análise com a ideia de ECO sobre a obra aberta, quando diz que a obra de arte é uma

mensagem fundamentalmente ambígua, uma pluralidade de significados que convivem num só

significante (2012, p.22), pode-se dizer que a interpretação do mundo é uma atividade de

compreensão em todas as áreas do saber, inclusive no Direito.

Neste sentido, o jurista deve considerar o ordenamento jurídico dinamicamente, pois

a interpretação é que mantém a vida da lei e das outras fontes do Direito. O intérprete é o

renovador inteligente e cauto, o sociólogo do Direito. O seu trabalho rejuvenesce e fecunda a

fórmula prematuramente decrépita, e atua como elemento integrador e complementar da própria

lei escrita. MAXIMILIANO (1999, p.30) preceitua que a atividade do exegeta é uma só, na

essência, embora desdobrada em uma infinidade de formas diferentes.

Da impossibilidade de se desvincular a interpretação do caso concreto, percebe-se

claramente que em toda a interpretação existe criação de Direito. Portanto, a interpretação é

uma escolha entre múltiplas opções; é o ponto de vista prevalecente ou que decide a questão

debatida.

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BASTOS (1999, p. 112) entende que a aplicação do Direito como uma atividade

puramente mecânica de subsunção do fato à norma jurídica correspondente, implica em admitir

que os juízes não passem de meros fantoches manipulados por um ente supostamente dotado

de vontade própria: a lei. Essa formulação doutrinária, conhecida como teoria da subsunção, ou

enquadramento perfeito da norma ao fato, está baseada na necessidade existente da segurança

jurídica, que é o prévio conhecimento das regras que irão dispor as diversas relações que surgem

na sociedade. Mesmo que a lei seja incerta, injusta, errônea, para a teoria da subsunção, essa lei

deverá ser aplicada, pois assim evita-se que os juízes possam cometer erros, além dos já

presentes nas leis humanas.

A interpretação de uma lei pode se realizar de vários modos. Pode-se interpretar a lei, de acordo

com MAXIMILIANO (1999, p.35 e ss.), tomando vários critérios concomitantemente ou em

separado, por exemplo, quanto à fonte (a interpretação pode ser autêntica, jurisprudencial e

doutrinária), quanto aos meios adequados para sua exegese (gramatical, lógica, histórica,

teleológica e sistemática) e quanto aos resultados da exegese (declarativa, extensiva ou

restritiva).

Não se pode ser nem ser subjetivista, nem objetivista demais. Nesta perspectiva

FERRAZ JÚNIOR (2007, p. 295), esclarece que o objetivismo levado ao extremo é o que

decide os tribunais. Desloca a responsabilidade do legislador, na elaboração do direito, para os

intérpretes. O subjetivismo levado ao extremo favorece ao autoritarismo ao privilegiar a figura

do legislador, pondo sua vontade em relevo. Dessas colocações, surge um questionamento:

como interpretar a norma?

De acordo com ALEXY (2008, p.59-64), o conceito de norma não pode ser definido

de forma a pressupor a validade e a existência da norma. Da mesma forma que é possível

expressar um pensamento sem tomá-lo como verdadeiro, tem que ser também possível

expressar uma norma sem classificá-la como válida. Enunciados que têm por objetivo informar

quais normas são válidas devem ser chamados de enunciados sobre validade normativa.

Para ALEXY (2008, p. 65) normas de direitos fundamentais são aquelas normas que

são expressas por disposições de direitos fundamentais; e disposições de direitos fundamentais

são os enunciados presentes no texto da Constituição alemã, e somente esses enunciados.

É também ALEXY (2208, p.85) que trata sobre os critérios tradicionais para a

distinção entre regras e princípios, quando expressa que, com frequência, não são regra e

princípio, mas norma e princípio ou norma e máxima, que são contrapostos.

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3 INTERPRETAÇÃO NO DIREITO TRIBUTÁRIO

Vislumbra-se que o legislador do Código Tributário Nacional preocupou-se com a

forma de interpretação de matéria tributária, visto as peculiaridades da disciplina, e logrou êxito

em trazer ao mundo jurídico as próprias normas de hermenêutica do Direito Tributário. Os

artigos 107 a 112, assim como o artigo 118, são as normas gerais de Direito Tributário que o

legislador tratou do tema da interpretação tributária.

Em que pese a determinação legal, não se atém ao hermeneuta tributário apenas a letra

fria da lei, pelo contrário é necessário que sinta o caso fático e observe a pertinência de cada

método de interpretação, conforme a aplicação de casos semelhantes e valores envolvidos, para

a construção de uma solução (PAULSEN, 2008, p. 124).

Evidente que por se tratar de matéria que regula as relações contribuinte e Estado, as

peculiaridades da disciplina se fazem gritar, já que o tratamento não será igual para as relações

entre dois particulares ou ainda entre dois entes públicos, denotando, portanto vulnerabilidade

do contribuinte. É claro que não significa ser interpretado diversamente dos outros ramos do

direito, todavia a interpretação será pautada pelas especialidades da matéria tributária.

No ramo do direito tributário, há que atentar o hermeneuta para não confundir princípio

com conceitos jurídicos e não jurídicos, como por exemplo, econômicos e financeiros, posto

que são imprestáveis no plano jurídico (BECKER, 2007, p. 337).

Com isso, o arcabouço principiológico tributário deve ser respeitado e levado sempre

em consideração no ato hermenêutico, observando então os princípios da legalidade,

anterioridade, capacidade contributiva, isonomia, uniformidade geográfica, irretroatividade de

lei tributária, vedação do confisco e liberdade de tráfego.

O objetivo do direito tributário é a regulamentação de tributos, que tem por finalidade

essencial a manutenção dos cofres públicos, no sentido de dar condições financeiras ao Estado

de praticar a gestão pública, com ênfase em atender as necessidades sociais. Contudo,

necessário observar e equalizar o direito do contribuinte em sua propriedade privada e a

observância dos princípios supramencionados.

Nesse sentido, ATALIBA (2002, p. 127) expressa de modo preciso que as diversas

situações pré-jurídicas trazem, apesar de não justificar, situações das mais diversas, que

produzem decisões disparatadas de nossos Tribunais.

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Portanto, o que se busca na interpretação tributária é a justeza da decisão, a

humanização da norma, a aproximação da letra fria da Constituição ao calor da sociedade. Isso

porque, em determinados casos, ocorrem divergências de pensamentos direcionando para

soluções diversas.

Isso porque, o valor do direito é a justiça, cuja essência vai muito além da mera

matemática ou simples ações humanas, e sim como a junção efetiva destes atos, proporcionando

assim o bem comum (REALE, 2000, p. 272).

HABERLE (2002, p. 12-13), neste sentido, esclarece que é necessário colocar a

questão sobre os participantes do processo da interpretação de uma sociedade fechada dos

interpretes da Constituição para uma interpretação constitucional pela e para uma sociedade

aberta e propõe a seguinte tese: no processo de interpretação constitucional estão

potencialmente vinculados todos os órgãos estatais, todas as potências públicas, todos os

cidadãos e grupos, não sendo possível estabelecer-se um elemento cerrato ou fixado com

numerus clausus de intérpretes da Constituição.

Interpretação constitucional tem sido, até agora, conscientemente, coisa de uma

sociedade fechada. Dela tomam parte apenas os interpretes jurídicos vinculados às corporações

e aqueles participantes formais do processo constitucional. A interpretação constitucional é, em

realidade, mais um elemento da sociedade aberta e um elemento formador ou constituinte desta

sociedade. Os critérios de interpretação constitucional hão de ser tanto mais abertos quanto mais

pluralistas for a sociedade.

Ainda, não se pode desprezar no ato hermeneuta a tradição do intérprete, seu conceitos

e preconceitos, seu valores influenciaram indubitavelmente na compreensão, assim como não

se pode fechar os olhos a dimensão histórica do processo, sendo assim utópica a atividade

axiologia neutra. (PIMENTA, 2005, p. 184 e 185).

Uma boa proposta de solução a tal impasse hermeneuta é a participação social de modo

mais constante nas decisões polêmicas, como o convite mais constante ao amicus curiae,

representando a vontade de parte da população e seus argumentos, de modo que possa ser

analisado e levado em consideração pelo interprete.

HABERLE (2002, p. 14), indica-se como interpretação apenas a atividade que, de

forma consciente e intencional, dirige-se à compreensão e à explicitação de sentido de uma

norma (de um texto). Para uma pesquisa ou investigação realista do desenvolvimento da

interpretação constitucional, pode ser exigível um conceito mais amplo de hermenêutica:

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cidadãos e grupos, órgãos estatais, o sistema público e a opinião pública representam forças

produtivas de interpretação; eles são intérpretes constitucionais em sentido lato, atuando

nitidamente, pelo menos, como pré-intérpretes. Todo aquele que vive no contexto regulado por

uma norma e que vive com este contexto é, indireta, ou até mesmo diretamente, um intérprete

dessa norma. Experts e ‘pessoas interessadas’ da sociedade pluralista também se convertem em

intérpretes do direito estatal.

4 REFORMA TRIBUTÁRIA E HERMENÊUTICA

É notório que o arcabouço jurisprudencial da Suprema Corte Brasileira, após a nova

ordem jurídica humanística apresentada pela Constituição de 1988, bem como pela sucessiva

alteração no corpo humano do órgão, denota a evidente alteração nos padrões sociais, bem como

a aproximação do direito ao calor popular.

De acordo com VELJNOVSKI (1994, p. 40), os seres humanos respeitarão a lei apenas

se for de seu interesse fazê-lo, e, de qualquer forma, eles tentarão minimizar as desvantagens

que a norma legal lhes impõe.

Neste contexto, é imperioso asseverar que o Direito Tributário carece de profundas

reformas desde há muito, e o que existe são apenas projetos infindáveis que nunca conseguiram

ser aprovados, talvez até por falta de vontade política, ou por não existir consenso, ou ainda

pela ausência de oportunidade e conveniência.

SILVA (2010, p. 21-23), defende a ideia de que os direitos fundamentais têm um

conteúdo essencial é algo que vem sendo sustentado pela doutrina e pela jurisprudência

brasileiras com frequência cada vez maior. Que direitos, em geral, contenham um conteúdo

mínimo pode ser algo intuitivo, que decorre da própria noção de que, sem a garantia desse

mínimo, a garantia do próprio direito seria de pouca valia.

Independente da razão fundante, o fato é que a ausência de reforma na estrutura da lei

tributária resta à hermenêutica dos julgadores superiores aplicar a principiologia constitucional,

de modo a melhor proteger o contribuinte.

É ainda SILVA (2010, p.25) que fala que a preocupação dos legisladores constituintes

com um conteúdo essencial dos direitos fundamentais é normal sobretudo – mas não

exclusivamente – em constituições promulgadas após períodos autoritários ou totalitários, como

é o caso de todas as constituições aqui mencionadas (com exceção, claro, da constituição

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europeia). Mas mais importante ainda que reconhecer esse fenômeno constituinte é examinar

qual é o seu significado para a dogmática dos direitos fundamentais.

Importante asseverar que o hermeneuta deve ter a sensibilidade de observar a norma

interpretada com uma postura de dinamismo, já que a renovação e interação se faz patente na

mesma, em razão da mutação dos acontecimentos sociais. (MELO, 2008, p. 228).

AMARAL (2010, p. 05) define a Constituição Federal de 1988 como prolixa e

casuística e diz: “se o Direito é a ciência do dever-ser, parece intuitivo que o domínio de suas

regras seja o poder-ser”. Explica que em razão de determinadas causas dados preceitos já

nascem fadados à ineficácia: a intrínseca deficiência do texto; a manifesta ausência de

condições materiais para seu cumprimento; impossibilidade de judicialização do bem ou

interesse que se pretende tutelar.

Para GALDINO (2010, p.26), os direitos fundamentais devem ser entendidos como

princípios, e “os princípios cumprem função normativa, eventualmente criando situações

jurídicas subjetivas para os respectivos destinatários”. Este mesmo autor admite que de modo

algum o estudo das normas jurídicas e de suas correlações lógicas pode esgotar o objeto da

ciência do Direito. No que, não existe uma, mas várias ciências jurídicas. Então, a norma busca

influenciar o comportamento das pessoas. O Direito não apenas descreve a realidade "antes,

busca através de sua força normativa, amoldá-la a valores, que não se confundem com a própria

norma”. E, no caso de direitos fundamentais, não apenas tende a influir em comportamentos

particulares, mas também no do Estado, principalmente.

GALDINO (2010, p. 18) afirma que as normas não se confundem com os dispositivos:

"inexiste correspondência biunívoca entre dispositivos e normas”. O que torna patente a

polissemia que ocorre também nesse aspecto. Pois "para que haja norma jurídica nem mesmo é

necessário que haja dispositivo positivado", em casos como princípios implícitos e normas

costumeiras.

Distingue, também, GALDINO (2010, p. 19-20) as normas em: aclaratórias, normas

de organização e, notadamente, normas de sobre-direito. No que as primeiras nada teriam de

efeitos jurídicos, apenas complementar e esclarecer outros dispositivos, Já as de organização

são as que regulam a organização dos poderes do Estado. As de sobre-direito seriam as normas

que estabelecem critérios para aplicação de outras normas (também jurídicas), a exemplo da

LINDB, que seria verdadeira norma geral de aplicação das normas jurídicas, regulando

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aplicação das normas e afastando antinomias. Tais normas seriam materialmente neutras,

apresentando critérios como o temporal.

Ocorre que em diversas ocasiões verifica-se que as normas não recebem a melhor

interpretação por parte do STF, por tal razão é imperioso uma releitura das normas tributárias,

de modo a alargar a sua aplicação em razão da importância de uma proteção mais forte ao

contribuinte.

5 PRINCÍPIO DA UNIDADE DA CONSTITUIÇÃO E DA

PROPORCIONALIDADE

Sobre o princípio da unidade da constituição CANOTILHO (1998, p.1097) preceitua:

o "princípio da unidade da constituição ganha relevo autônomo como princípio interpretativo

quando com ele se quer significar que a constituição deve ser interpretada de forma a evitar

contradições (antinomias, antagonismos) entre as suas normas. Como ponto de orientação, guia

de discussão e fator hermenêutico de decisão, o princípio da unidade obriga a considerar a

constituição na sua globalidade e a procurar harmonizar os espaços de tensão existentes entre

as normas constitucionais a concretizar (...). Daí que o intérprete deva sempre considerar as

normas constitucionais não como normas isoladas e dispersas, mas sim como preceitos

integrados num sistema interno unitário de normas e princípios”. Portanto, diante do princípio

da unidade da constituição, percebe-se que é um moderno princípio de interpretação

constitucional.

O princípio da proporcionalidade, por sua vez, é o grande propulsor da hermenêutica

constitucional aplicada nas decisões recentes do Supremo Tribunal Federal. Em matéria

tributária o STF pauta-se pela organização de suas decisões sempre fundadas na principiologia

constitucional, não apenas nos princípios específicos tributários como legalidade, anterioridade,

capacidade contributiva, irretroatividade, mas também e de modo enfático, os princípios gerais

como razoabilidade, proporcionalidade e segurança jurídica.

Neste viés, sempre importante lembrar que segurança jurídica é a alma do próprio

direito, fundamenta-se nos ideais de igualdade e certeza, bem como deriva do estado

democrático de direito (ATALIBA, 1985, p. 145 a 155).

A aplicação do princípio da proporcionalidade em aplicação da norma tributária traz a

ideia de compor os conflitos de interesses sociais com a observância dos meios adequados e

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não lesivos sobremaneira a uma das partes. O Estado que figura na lide exacional como parte

autora, deve utilizar de meios comedidos e legais no ato da cobrança de tributos, por outro lado,

a lei deve ser interpretada de modo que garanta ao contribuinte não ser vilipendiado em seu

direito de propriedade e dignidade.

Assim, o princípio da proporcionalidade enquanto instrumento de hermenêutica, visa

solucionar a lide, reverenciando mais um dos princípios gerais, buscando desobedecer o menos

possível dos demais, harmonizando com isso os princípios constitucionais em conflito, em

nome da paz social.

A aplicação da proporcionalidade em matéria tributária tem ainda que observar as

questões que se referem à dicotomia interesses públicos versus interesses privados. Durante

muito tempo, toda a doutrina brasileira foi uníssona em afirmar a supremacia do interesse

público sobre o interesse privado. Modernamente, vozes dissonantes dão mostra de que o

princípio da supremacia do interesse público sobre o particular tem que ser reanalisado tendo

como base os direitos fundamentais. Um paradigma, portanto, questionável. SARMENTO

(2005, p. 97) acha difícil pensar numa limitação mais vaga e indeterminada aos direitos

fundamentais do que a proteção do interesse público.

É ainda de SARMENTO (2005, pg. 99) a ideia de que a supremacia elimina qualquer

possibilidade de sopesamento, premiando de antemão o interesse público envolvido, e impondo

o consequente sacrifício do interesse privado contraposto. Portanto, totalmente incompatível

com o princípio da hermenêutica constitucional, que obriga o intérprete a buscar, em casos de

conflitos, solução jurídica que harmonize, na medida do possível, os bens jurídicos

constitucionalmente protegidos, sem optar pela realização integral de um, em prejuízo do outro.

Sendo assim, a supremacia do interesse público sobre o privado está em total descompasso com

a ordem constitucional brasileira. Portanto, o que fazer?

Uma possível solução já foi proposta por SARMENTO (2005, pg. 101) ao afirmar que

se deve procurar uma solução racional e equilibrada entre o interesse público e privado

implicados no caso. E, ao invés de uma supremacia a priori e absoluta do interesse público

sobre o particular, ter-se-ia apenas uma regra de precedência prima facie. Do contrário,

fragiliza-se demais os direitos fundamentais, que não são dádivas do poder público, mas a

projeção normativa de valores morais superiores ao próprio Estado. Sendo assim, fica evidente

que os direitos fundamentais despotam com absoluto destaque e centralidade no atual Estado

Democrático de Direito.

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Como bem assevera COSTA (2009, p. 59 e 60), a aplicação do princípio da

proporcionalidade tem como objetivo a harmonia entre a arrecadação fiscal e a pontual

observância dos princípios constitucionais tributários, representando os direitos dos

contribuintes.

Desta feita, a proporcionalidade traz uma nova visão de hermeneuta, solucionando

conforme os direitos humanos os conflitos capciosos enfrentados em tribunais espalhados pelo

país, com ênfase nas questões tributárias, que tradicionalmente eram julgadas pelo poderio

Estatal.

Mister ressaltar que o princípio da proporcionalidade é princípio fundamental em

nosso ordenamento jurídico aplicável a todas as áreas, apontado como divisor de águas no

direito moderno.

Nota-se que o juiz ao aplicar a norma tributária constitucional, deverá verificar o

reflexo social da mesma a ser atingida e observando o interesse coletivo (COSTA, 2009, p.

157).

É sempre possível aplicá-lo de modo paralelo com outro especial princípio que é o da

razoabilidade. Tal princípio visa evitar ações arbitrárias, assim socialmente inaceitáveis. É de

importância extrema em face da validade das medidas do estado que ferem exercício de direitos

individuais. (PONTES, 2000, p. 78 a 80).

Sua aplicação conjunta na hermenêutica de normas tributárias propicia o ideal do

estado democrático de direito, com ótica social, respeitados os direitos individuais, coletivos e

difusos.

6 HERMENÊUTICA TRIBUTÁRIA E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

O processo de alteração no “pensar” o direito teve como marco histórico basilar a

necessidade da observância dos direitos e garantias fundamentais, previstos no artigo 5º da

Constituição Federal como o centro de qualquer discussão jurídica no país, assim, a

constitucionalização do direito é irreversível.

Nessa vereda, o princípio-mãe da Constituição Federal de 1988, que revolucionou a

ordem jurídica definitivamente no Brasil, especialmente no que tange a hermenêutica, é o

princípio da dignidade humana. Com esta nova diretriz, os tribunais, especialmente os

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superiores, passaram a pautar suas decisões na essência deste princípio, resvalando em todos os

ramos do direito, portanto também no direito tributário.

Nesse ínterim, imperioso destacar que o Supremo Tribunal Federal possui várias

decisões com inclinação a equiparar os princípios tributários a direitos fundamentais.

Dentre as decisões, destaca-se a ADI 939-7/DF, que imputa ao princípio constitucional

da anterioridade a força intransponível de cláusula pétrea, e com isso apenas permitindo sua

modificação com a própria revogação da Constituição como um todo, já que vivemos em um

sistema rígido de modificações do texto constitucional. Verbis:

(...)

2. A Emenda Constitucional n. 3, de 17.03.1993, que, no art. 2º, autorizou a União a

instituir o I.P.M.F., incidiu em vício de inconstitucionalidade, ao dispor, no parágrafo

2° desse dispositivo, que, quanto a tal tributo, não se aplica "o art. 150, III, b e VI",

da Constituição, porque, desse modo, violou os seguintes princípios e normas

imutáveis (somente eles, não outros): 1. - o princípio da anterioridade, que e garantia

individual do contribuinte (art. 5º, art. 60, §4°, inciso IV e art. 150, III, “b” da

Constituição); 2. - o princípio da imunidade tributária recíproca (que veda a União,

aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a instituição de impostos sobre o

patrimônio, rendas ou serviços uns dos outros) e que e garantia da Federação (art. 60,

par.4., inciso I,e art. 150, VI, a, da C.F.);

(...)

Tal entendimento amplia o rol do artigo 60, §4º, da CF/88, todavia percebe-se o ideal

da hermenêutica do STF, pois a realidade é que os princípios constitucionais tributários, apesar

de não estarem expressos como cláusulas pétreas, em sua essência protegem sempre algum

elemento pétreo, assim sua revogação enfraqueceria o direito protegido pelo manto pétreo.

No caso em debate, verifica-se que o princípio da anterioridade visa proteger o

contribuinte da fúria arrecadatória fiscal, especialmente concede ao contribuinte o mínimo de

aviso antecedente pela criação ou majoração de carga tributária, com isso o princípio da

segurança jurídica, ou da não-surpresa, está veladamente assegurado.

Conforme abalizada posição de CARRAZZA (in MARTINS, 2006, p.111) por trás do

simples princípio da anterioridade, encontramos a noção de segurança jurídica, evitando que do

dia para a noite o contribuinte seja surpreendido por mais uma exigência fiscal, sem tempo hábil

de preparação Quanto à evolução da hermenêutica tributária no órgão máximo do judiciário

brasileiro é patente. Outra situação que o STF demonstrou está atento à principiologia

fundamental da Constituição, foi no caso do processo administrativo fiscal, em que sempre foi

obrigatório no Brasil o pagamento de 30% para a admissibilidade de recurso administrativo.

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Tal entendimento, em razão da repetição da administração, transformou-se na Súmula

Vinculante nº 21, in verbis:

É INCONSTITUCIONAL A EXIGÊNCIA DE DEPÓSITO OU ARROLAMENTO

PRÉVIOS DE DINHEIRO OU BENS PARA ADMISSIBILIDADE DE RECURSO

ADMINISTRATIVO.

Ocorre que o constituinte traz como direito fundamental claro, o direito de petição, o

livre acesso ao judiciário e o duplo grau de jurisdição. Ainda, a Constituição Federal de 1988

equipara o processo judicial ao processo administrativo, aplicando a ambos a mesma base

principiológica.

Portanto, a exigência de 30% do valor para ingressar com recurso administrativo,

segundo a hermenêutica do STF, fere o direito de petição, o livre acesso à justiça e impede o

duplo grau de jurisdição, declarando a Suprema Corte a inconstitucionalidade da referida

cobrança.

POSNER (2010, p. 61), esclarece que ao ser favorecida uma parte por uma decisão, a

outra parte é prejudicada. O problema é esse: em que nos baseamos para tomar uma decisão

que favorece uma das partes? A sugestão do economista é um algoritmo técnico: avaliemos

todas as vantagens e desvantagens em dinheiro para as duas partes e minimizemos os custos

conjuntos ou, então, o que redunda no mesmo, maximizemos a soma dos benefícios líquidos.

De acordo com GALDINO (2005, p.243) o Direito é considerado como mais uma

engrenagem no complexo mecanismo de alocação de recursos na sociedade. Neste sentido, as

normas jurídicas em geral, muito especialmente as normas concretas, e notadamente as decisões

judiciais, devem ter em vista - como critério mesmo da decisão - a máxima eficiência.

Nesta seara, tantas outras decisões superiores de importância, que deixamos para

discutir em outros trabalhos, porém necessário aceitar que precisamos avançar muito ainda,

especialmente para o direito alcançar a evolução social.

7 INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA NO ORDENAMENTO JURÍDICO

BRASILEIRO

Neste último ponto do artigo usa-se o método de interpretação sistemático como forma

de demonstrar a importância da interpretação constitucional para o direito tributário. O texto

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constitucional que se faz interpretação é o art.151, III: é vedado à União instituir isenções de

tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios.

Doutrinariamente, encontra-se, por exemplo, em COELHO (1999, p. 548), uma

análise interpretativa sobre o art. 151, III, CF, no sentido de esclarecer que o Constituinte de

1988 não está limitando a competência do Estado brasileiro para concluir acordos tributários

que envolvam gravames estaduais e municipais, mas apenas proibindo, na ordem jurídica

interna, a isenção heterônoma e ditatorial que já existiu na Constituição de 1967.

Jurisprudencialmente, trazemos julgado do Superior Tribunal de Justiça, oriundo do

Recurso Especial nº 90.781-PE, com o seguinte posicionamento:

Tributário. Isenção. ICMS. Tratado Internacional. 1. O sistema tributário instituído pela

CF/88 vedou a União Federal de conceder isenção a tributos de competência dos

Estados, do Distrito Federal e Municípios (art. 151, III). 2. Em consequência, não pode

a União firmar tratados internacionais isentando o ICMS de determinados fatos

geradores, se inexiste lei estadual em tal sentido. 3. A amplitude da competência

outorgada à União para celebrar tratados sofre os limites impostos pela própria Carta

Magna. 4. O art. 98, do CTN, há de ser interpretado com base no panorama jurídico

imposto pelo novo Sistema Tributário Nacional. 5. Recurso Especial improvido. (DOU

20/10/97, p.52.977, rel. Min. José Delgado).

Portanto, percebe-se que há um entrechoque de interpretações, sejam doutrinárias ou

jurisprudenciais, privilegiando a importância de dispositivos constitucionais sempre em

detrimento de outros mandamentos também de natureza constitucional. Se, de um lado, há a

possibilidade de a União conceder isenções heterônomas pela via dos tratados, baseando-se na

disposição contida no artigo 21, inciso I. Por outro, é também juridicamente defensável a ideia

de que a vedação imposta à União aplica-se a situações indistintas, portanto tanto internamente,

quanto externamente, ou seja, tanto na ótica nacional, quanto na internacional.

ÁVILA (2205, p. 15) diz que o importante não é saber qual a denominação mais correta

desse ou daquele princípio. O decisivo, mesmo, é saber qual é o modo mais seguro de garantir

sua aplicação e sua efetividade.

Na tentativa de resolucionar as antinomias, a questão deve ser enfocada sob o aspecto

material da competência outorgada às entidades componentes do Sistema Federativo brasileiro.

Posto isto, sem ser de outra forma, no aspecto material da competência atribuída pelo inciso I,

do artigo 21, tem-se que a vedação imposta pela letra da Constituição, no artigo ora analisado,

ocorre no sentido de proibir que seja instituída norma isentiva de tributos estaduais ou

municipais pela União. Em assim sendo, afasta-se possíveis antinomias surgidas da

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interpretação/aplicação das normas constitucionais. Reforça-se, neste sentido, a corrente

hermenêutica que considera que a União pode veicular isenção de tributos estaduais e

municipais através de tratados, porém, considerado como indispensável a participação dos

demais entes federados.

Sendo assim, está-se diante de um estudo hermenêutico tributário que faz vir a lume o

método de interpretação sistemático como forma de dirimir a questão. A decidibilidade é uma

necessidade no Direito e os métodos de interpretação são necessários na interpretação tributária,

juntamente com o uso da doutrina, da jurisprudência e dos princípios gerais do Direito.

8 CONCLUSÃO

A Hermenêutica Tributária deve ter por base a Constituição Federal e seus princípios,

seja quanto a tributos federais, estaduais, distritais ou municipais. A iluminação da essência do

Estado Democrático de Direito e a preocupação com a evolução do padrão de pensamento da

sociedade, também são nortes interpretativos fundamentais.

Diante do explanado, insta frisar que se defende o uso do pluralismo metodológico, da

hermenêutica constitucional, da tópica, da retórica e da jurisprudência dos valores, que são

hodiernamente fundamentais para a doutrina do Direito Tributário Nacional, contrariamente ao

estrito positivismo jurídico na Hermenêutica Jurídica.

A importância do Direito reside no objetivo maior da lei, que é buscar o justo. A partir

dessas colocações, parte-se para constatações importantes: inexiste uma Hermenêutica

Tributária, como ramo autônomo da Hermenêutica Jurídica, e neste sentido, inexiste também

uma Hermenêutica Tributária Municipal; e na resolução dos casos que envolvem Tributos

Municipais é essencial que se faça uso da mais moderna Hermenêutica Constitucional.

Desta forma surge no âmbito jurídico a plena necessidade da aplicação dos princípios

constitucionais da razoabilidade, proporcionalidade, bem como dos direitos fundamentais como

ponto de partida da Hermenêutica Tributária, que surge como tendência de interpretação do

STF.

Isso porque busca a Corte Suprema Brasileira humanizar a letra fria da lei tributária,

concedendo na interpretação da mesma, um caráter social, ainda que seja em seu reflexo.

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A interpretação da lei tributária pelos tribunais superiores, sob a ótica dos direitos

fundamentais, também ocorre pela busca da plenitude do Estado Democrático de Direito,

conquistado apenas com o respeito a integridade principiológica e axiológica da Constituição.

Ainda, a necessidade da Reforma Tributária se faz presente para atualizar a legislação,

com vistas aos anseios sociais e ao impacto da legislação tributária na sociedade, tendo como

norte o arcabouço jurisprudencial superior.

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O PRINCÍPIO DO POLUIDOR-PAGADOR: ORIGENS ECONÔMICAS E

DESDOBRAMENTOS EUROBRASILEIROS

Marina Motta Benevides Gadelha1

Sumário: 1 Introdução. 2 O Princípio do Poluidor-Pagador. 2.1 As externalidades:

Pigou e Coase. 2.2 A opção pela regulamentação estatal. 2.3 As Interpretações do

princípio do poluidor-pagador. 2.4 A Conceituação de poluição e de poluidor. 2.4.1.

A legislação europeia. 2.4.2. A legislação brasileira. 2.5. A identificação do poluidor.

2.6 Quanto deve pagar o poluidor. 3 Conclusão. Referências.

1 INTRODUÇÃO

Muito embora o Princípio do Poluidor-Pagador não seja uma novidade dentro do

Direito Ambiental, é estreme de dúvidas que as suas facetas não foram completamente

desvendadas e que os seus múltiplos significados não são uninamamente aceitos.

De fato, o reconhecimento do Princípio do Poluidor-Pagador é inquestionável – o que

não ocorre a princípios mais novos, como o Princípio da Vedação ao Retrocesso ou o Princípio

do Nível Elevado de Proteção Ecológica, para citar dois exemplos –; entretanto, há, nas normas

internas e na doutrina, divergências importantes relativas não apenas aos limites do princípio,

mas, sobretudo, às interpretações a ele conferidas.

Assim, buscamos com este artigo investigar o Princípio do Poluidor-Pagador a partir

de suas origens (inegavelmente econômicas) e à luz do debate entravado por Pigou e Coase

para tentar definir se a solução para o problema das externalidades estaria na regulação estatal

ou se essa seria uma atribuição dos particulares no exercício da atividade econômica.

Seguidamente, analisamos – ainda que sucintamente – as interpretações mais

frequentemente fornecidas ao princípio em tela, as quais variam desde o entendimento de que

se trata de uma “autorização” de punição ao poluidor, passando pelo conceito que tem entre

1 Doutoranda em Direito Público pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Portugal. Mestre em

Ciências Jurídico-Políticas II, com ênfase em Direito Ambiental, pela Faculdade de Direito da Universidade de

Coimbra, Portugal. Especialista em Ciências Jurídico-Políticas II pela Faculdade de Direito da Universidade de

Coimbra, Portugal. Especialista em Gestão Ambiental pela FUMEC (Fundação Mineira de Educação e Cultura),

Belo Horizonte, MG. Pós-graduada em Direito Ambiental pelo IETEC (Instituto de Educação Tecnológica), Belo

Horizonte, MG. Graduada em Direito pela UFPB (Universidade Federal da Paraíba), João Pessoa, PB. Advogada

com ênfase de atuação em Direito Administrativo, Direito Ambiental, Direito Minerário e Direito Médico. Ex-

conselheira da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Paraíba (2009-2012). Professora da FACISA

(Faculdade de Ciências Sociais e Aplicadas) das disciplinas Hermenêutica Jurídica e Direito Ambiental. Ex-

Professora da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) da disciplina de Direito Ambiental. Ex-

Superintendente do DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral) na Paraíba. Sócia fundadora do

escritório Guimarães, Caldas, Gadelha & Torreão advocacia e consultoria. E-mail: [email protected]

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seus aspectos um viés indenizatório e chegando ao entendimento de que o Princípio do

Poluidor-Pagador é a própria responsabilidade civil ambiental.

Num momento posterior, investigamos o poluidor partindo dos conceitos de poluição

utilizados pelas legislações europeia e brasileira; e, por fim, os nortes que podem ser ofertados

à quantificação dos valores a serem pagos por este poluidor.

Como fontes de pesquisa foram utilizadas normas internacionais, alienígenas e

brasileiras, além de consulta à doutrina especializada.

2 O PRINCÍPIO DO POLUIDOR-PAGADOR

O Princípio do Poluidor-Pagador apareceu pela primeira vez num texto legal através

da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que, na

“Recomendação do Conselho Sobre Princípios Orientadores Relativos aos Aspectos

Econômicos Internacionais das Políticas Ambientais” (1972) assim definiu o princípio: o

princípio que se utiliza para alocar os custos das medidas de prevenção e controle da poluição

para encorajar o uso racional dos recursos ambientais escassos e para evitar distorções no

comércio e investimentos internacionais é o assim chamado “Princípio do Poluidor Pagador”.

Este princípio significa que o poluidor deve suportar as despesas de desenvolvimento

das acima mencionadas medidas tomadas pela autoridade pública para assegurar que o meio

ambiente esteja num estado aceitável. Em outras palavras, os custos destas medidas devem ser

refletidos nos custos dos produtos e serviços que causam poluição na produção e/ou no

consumo. Tais medidas não deveriam ser acompanhadas de subsídios que criariam distorções

significantes no comércio e investimento internacionais2.

2 Tradução nossa para: “The principle to be used for allocating costs of pollution prevention and control measures

to encourage rational use of scarce environmental resources and do avoid distortions in international trade and

investments is the so-called ‘Polluter-Pays Principle’ This principle means that the polluter should bear the

expenses of carrying out the above mentioned measures decides by public authorities to ensure that the

environment is in an acceptable state. In other words, the costs of these measures should be reflected in the cost

of goods and services that cause pollution in production and/or consumption. Such measures should not be

accompanied by subsidies that would create significant distortions in international trade and investment”.

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De acordo com Jonathan Nash, durante algum tempo, o Princípio do Poluidor-Pagador

ficou restrito à recomendação da OCDE, tendo, há cerca de dez anos, sido introduzido em

diversos instrumentos legais, internacionais ou não3.

De Sadeleer informa, em adição, que o princípio pode ser encontrado nos preâmbulos

do Protocolo de Atenas para a Convenção para a Proteção do Mar Mediterrâneo contra a

Poluição (1980), da Convenção Internacional Relativa à Preparação, Resposta e Cooperação

em casos de Poluição por Óleo – OPRC (1990), da Convenção de Helsinque sobre Efeitos

Transfronteiriços de Acidentes Industriais (1992), da Convenção de Lugano sobre a

Responsabilidade Civil pelos Danos Resultantes de Atividades Perigosas para o Ambiente

(1993) e do Protocolo de Londres sobre a Prevenção, Atuação e Cooperação no Combate à

Poluição por Substâncias Nocivas e Potencialmente Perigosas (2000)4.

Em sua forma obrigatória, o Princípio do Poluidor-Pagador pode ser localizado no

Acordo sobre a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais – ASEAN (1985), na

Convenção sobre a Proteção dos Alpes (1991), no Acordo do Porto para o Estabelecimento da

Área Econômica Européia (1992), na Convenção OSPAR (1992), na Convenção de Helsinque

sobre Proteção e Uso dos Cursos d'Água Transfronteiriços e Lagos Internacionais (1992), na

Convenção de Helsinque sobre a Proteção do Meio Ambiente Marinho da Área do Mar Báltico

(1992), nos Acordos relativos à proteção dos rios Scheldt e Mosa (1994), na Convenção de

Cooperação para Proteção e Uso Sustentável do Rio Danúbio (1994), na Convenção sobre

Conservação da Natureza no Pacifico Sul (1976, emendada em 1995), na Convenção sobre

Prevenção da Poluição Marinha por Alijamento de Resíduos e Outras Matérias (1996) e na

Convenção de Roterdam para Proteção do Reno (1998)5.

Outra norma internacional que adotou o Princípio do Poluidor Pagador foi a Declaração

do Rio, a qual, em seu princípio 16, enuncia:

Tendo em vista que o poluidor deve, em princípio, arcar com o custo decorrente da poluição,

as autoridades nacionais devem procurar promover a internalização dos custos ambientais e o

uso de instrumentos econômicos, levando na devida conta o interesse público, sem distorcer o

comércio e os investimentos internacionais.

3 NASH, Jonathan Remy. Too much market? Conflict between tradable pollution allowances and the ‘polluter

pays’ principle. The Harvard environmental law review. Boston, v. 24, n. 2, p. 465-535, 2000, p. 469. 4 DE SADELEER, Nicholas. Environmental principles: from political slogans to legal rules. Oxford: Oxford

University Press, 2002, p. 23. 5 Ibidem, p. 23-24.

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No que tange às normas internas, podemos citar como exemplo o Código Ambiental

Francês de 20026, cujo texto do artigo L110-1, 3º dispõe:

I – Os espaços, recursos e meios naturais, os lugares e paisagens, a qualidade do ar,

as espécies animais e vegetais, a diversidade e os equilíbrios biológicos e os que com

eles contribuem, são parte do patrimônio comum da Nação.

II – Sua proteção, valorização, restauração, reabilitação e gestão são de interesse geral

e contribuem com o objetivo de desenvolvimento sustentável, o qual se propõe a

garantir as necessidades de desenvolvimento e saúde das gerações presentes sem

comprometer a capacidade de as gerações futuras satisfazerem as suas. Dentro do

marco das leis que estabelecem escopo, sua prática inspirar-se-á nos seguintes

princípios:

(...)

3º O princípio do poluidor pagador, de acordo com o qual os custos oriundos das

medidas de prevenção, redução ou combate de poluição devem ser suportados pelo

poluidor7.

Porque as definições apresentadas para o Princípio do Poluidor-Pagador mencionam

aspectos como “distorções comerciais”, “custos” e “investimentos”, não é difícil perceber que

o Princípio do Poluidor-Pagador possui nítida associação com a economia, aproximando o

Direito Ambiental do conceito – econômico – de externalidade. Para De Sadeleer, o Princípio

do Poluidor Pagador é, na verdade, uma “regra econômica de alocação de custos cujas fontes

repousam precisamente na teoria das externalidades8”. Nesse sentido, e no dizer de Alexandra

6 No Brasil, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº. 6.938/81), em seu artigo 4º, I, assenta que:

Art. 4º A Política Nacional do Meio Ambiente visará:

(...)

VII - à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao

usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos.

Muito embora haja quem entenda, a exemplo de Édis Milaré (MILARÉ, Édis. Princípios fundamentais do direito

do ambiente. Revista Forense. Rio de Janeiro, v. 352, 2000. Biblioteca Forense Digital 2.0) que se trata de uma

exposição do Princípio do Poluidor-Pagador, temos que o dispositivo em análise versa sobre a responsabilidade

civil pelos danos ambientais, mormente se for interpretado sistematicamente em relação ao parágrafo 3º do artigo

225 da Constituição Federal (§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os

infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de

reparar os danos causados.). 7 Tradução nossa para o texto apresentado, em língua inglesa, pelo governo francês no sítio

www.legifrance.gouv.fr:

I - Natural areas, resources and habitats, sites and landscapes, air quality, animal and plant species, and the

biological diversity and balance to which they contribute are part of the common heritage of the nation.

II - Their protection, enhancement, restoration, rehabilitation and management are of general interest and

contribute to the objective of sustainable development which aims to satisfy the development needs and protect the

health of current generations without compromising the ability of future generations to meet their own needs. They

draw their inspiration, within the framework of the laws that define their scope, from the following principles:

(…)

3° The polluter pays principle, according to which the costs arising from measures to prevent, reduce or combat

pollution must be borne by the polluter; 8 Tradução nossa para: “The polluter-pays principle is an economic rule of cost allocation whose source lies

precisely in the theory of externalities”. DE SADELEER, Nicholas. Environmental principles... Op. cit., p. 21.

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Aragão, possui este mesmo princípio duas finalidades capazes de apontar a sua origem

econômica: estimular a utilização racional dos recursos naturais escassos e evitar distorções no

comércio nos investimentos internacionais9.

2.1 AS EXTERNALIDADES: PIGOU E COASE

O conceito de externalidade tem origem na teoria econômica, e pode se apresentar

positiva ou negativamente. Para Pindyck e Rubinfeld, verifica-se uma externalidade positiva

quando determinada ação de uma parte beneficia outra parte. Por seu turno, uma externalidade

negativa existe quando a ação de uma das partes importa em custos – não refletidos pelos preços

de mercados – à outra10.

Esses mesmos autores ainda ressaltam que porque as externalidades negativas não se

encontram refletidas nos preços dos bens ou serviços elas podem significar um motivo de

ineficiência econômica, já que esta decorre do excesso de produção11.

Nesse sentido é que, conforme Cristiane Derani, “procura a economia ambiental

incorporar o mercado ao meio ambiente”, através da adoção da teoria da extensão de mercado

(Ronald Coase), bem como pretende, por meio da correção de mercado (Arthur Pigou),

revalorizar as preferências individuais, utilizando-se da intervenção estatal12.

Para Coase, a “regulamentação governamental direta não necessariamente dará

melhores resultados que deixar o problema ser solucionado pelo mercado13”, de modo que

prefere este autor que causador e “suportador” das externalidades negociem entre si as soluções

para a melhor internalização dos efeitos negativos externos, pois provavelmente haverá uma

supervalorização das vantagens advindas da regulamentação estatal14. Isso é o que se

convencionou denominar “extensão do mercado”, em razão da atribuição de preços aos recursos

naturais.

9 ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa. O princípio do poluidor pagador: pedra angular da política comunitária

do ambiente. Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Studia Juridica 23. De Natura

et de Urbe 1. Coimbra: Coimbra Editora, 1997, p. 60-61. 10 PINDYCK, Robert S. e RUBINFELD, Daniel R. Microeconomia. 4. ed. São Paulo: Makron Books, 1999, p.

702. 11 Ibidem, p. 703-704. 12 DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. 2. ed. rev. São Paulo: Max Limonad, 2001, p. 111. 13 COASE, Ronald H. The problem of social cost. Journal of law and economics. Chicago, v. 3, n.1, p. 1-44,

1960. Disponível em «http://www.sfu.ca/~allen/CoaseJLE1960.pdf». Acesso em 12/02/2012.

Tradução nossa para: “(…) direct governmental regulation will not necessarily give better results than leaving

the problem to be solved by the market (…)” 14 COASE, Ronald H. The problem of social… Loc.cit.

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No artigo intitulado “‘Coase v. Pigou’ reexaminated”, Brian Simpson resume em cinco

as principais ideias de Coase, expressas no texto supramencionado:

1. ceticismo em relação à intervenção estatal;

2. simpatia com as alternativas à intervenção estatal;

3. reciprocidade do problema dos custos sociais – especialmente para um

economista;

4. existência de um papel para a lei no mundo real, no qual há custos de transação;

5. questionamento sobre se o ganho pela prevenção do dano é maior que a perda

suportada em razão da paralisação da atividade responsável pela poluição15.

O modelo de Coase para a solução das externalidades surgiu em oposição à teoria de

Pigou, que, em 1920 pretendeu implementar, por meio do Estado, o uso racional dos recursos

naturais, promovendo a internalização das externalidades ambientais. Trata-se da “correção do

mercado”, em que uma ação estatal busca proteger o meio ambiente16.

Para Simpson, Pigou parecia consciente da onipresença das externalidades, passando

a considerá-las como parte da ordem natural das coisas17. Daí porque o entendimento

pigouviano de que todos os efeitos da atividade produtiva – alguns positivos, outros negativos

– devem ser incluídos no cômputo dos produtos da rede social18; o que, em outras palavras,

importa na internalização das externalidades, de modo que as negativas sejam compensadas

tributariamente, e as positivas sejam objeto de subvenções ou incentivos19.

2.2 A OPÇÃO PELA REGULAMENTAÇÃO ESTATAL

Já dissemos que a teoria de Coase prestava-se a combater a teoria da regulamentação

estatal de Pigou, ou seja, que o modelo coasiano pretende deixar a cargo dos particulares a

15 SIMPSON, A. W. Brian. "Coase v. Pigou" reexamined. The journal of legal studies. Chicago, v. 25, n. 1. p.

53-97, 1996. Disponível em « http://www.jstor.org/pss/724521». Acesso em 12/02/2012. 16 Na verdade, Pigou ultrapassa os contornos da Economia e parece mesmo se lançar sobre o desenvolvimento

sustentável, ao assinalar que o “Estado deve proteger os interesses do futuro, em algum grau, de nossa irracional

utilização e de nossa preferência a nós mesmos sobre nossos descendentes”. (Tradução nossa para: “(...) the State

should protect the interests of the future in some degree against the effects of our irrational discounting and our

preference for ourselves over our descendants.” Destaque no original.). PIGOU, Arthur C. The econo mics

of welfare : volume I . Springfie ld: Cosimo Classics, 2006. Disponível em

«http://books.google.com.br/books?id=V_q2f4oTLwYC&dq=The+Economics+of+Welfare.&printsec=frontcove

r&source=bn&hl=pt-BR&sa=X&oi=book_result&resnum=4&ct=result#PPR4,M1». Acesso em 02/12/2012, p.

29. 17 SIMPSON, A. W. Brian. "Coase v. Pigou" reexamined. Loc. cit. 18 PIGOU, Ar thur C. The econo mics of wel fare … Loc. ci t . 19 DERANI, Cristiane. Direito ambiental... Op. cit., p. 112.

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solução para o problema das externalidades, enquanto a teoria de Pigou se baseia na ação do

Estado como instrumento “corretivo” das distorções encontradas não apenas em relação ao

consumo dos recursos naturais, mas, ainda, daquelas resultantes das externalidades negativas

suscitadas pelo exercício da atividade econômica.

Atualmente, é inquestionável que a teoria de Coase não prevaleceu, mas, por outro

lado, o problema da economia ambiental como ordenadora da utilização dos (escassos) recursos

naturais persiste e a cada dia se torna mais presente. Assim é que Cristiane Derani acredita que

para equacionar a raridade dos bens ambientais a economia ambiental pode se valer quer da

teoria pigouviana (“correção de mercado”) quer da coasiana (“extensão de mercado”), não

havendo necessariamente um entrechoque ou uma necessária exclusividade20.

Para Alexandra Aragão, entretanto, o modelo coasiano (“felizmente”) não

predominou, mas, por outro lado, o ordenamento jurídico e o sistema econômico impulsionam

o homem a “degradar o ambiente”. Daí porque o Estado é, também, responsável pela

degradação ambiental e pelo dispêndio dos recursos naturais; não podendo, portanto, colocar-

se à parte da discussão e, sobretudo, deixar de intervir na questão ambiental21.

A intervenção chega, então, por meio de normas que determinam ao poluidor que

internalize os custos de suas externalidades, ou seja, que obrigam o poluidor a pagar pela

utilização dos recursos naturais. Esta é a origem do Princípio do Poluidor-Pagador.

2.3 AS INTERPRETAÇÕES DO PRINCÍPIO DO POLUIDOR-PAGADOR

O fato de os contornos do Princípio do Poluidor-Pagador estarem sendo desenhados

desde o princípio da década de 70 não determinou a precisão de seu conceito22, o que gera não

apenas a óbvia divergência de interpretações, mas, também, algumas dificuldades em sua

aplicação.

Para Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin, o fato de o Princípio do Poluidor-

Pagador estar sendo invocado constantemente como fórmula mágica para a formatação de

20 Idem. 21ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa. O princípio do poluidor... Op. cit., p. 41. 22 NASH, Jonathan Remy. Too much market?... Op. cit., p. 472.

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políticas públicas e normas ambientais findou por comprometer as suas definições,

interpretações e aplicações23.

São encontradas, então, interpretações que vão desde o entendimento de que se trata

de uma “autorização” de punição ao poluidor até um conceito amplo do Princípio do Poluidor-

Pagador, que tem entre seus aspectos um viés indenizatório24, passando, evidentemente, pela

concepção de que o Princípio do Poluidor-Pagador se resume à responsabilidade civil25.

Entre os autores brasileiros, vê-se que Paulo Affonso Leme Machado26, Antonio

Herman de Vasconcelos e Benjamin27, Édis Milaré28, Marcelo Abelha Rodrigues29 – para citar

alguns – comungam da ideia de que o Princípio do Poluidor-Pagador possui uma faceta

preventiva, mas, em adição, também é dotado de um potencial “reparador”, o que importa na

indenização pelos danos suportados, ou seja, na responsabilidade civil pela poluição perpetrada.

23 BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos. O princípio do poluidor-pagador e a reparação do dano

ambiental. BDJur, Brasília, DF. Disponível em «http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/8692». Acesso em

23/12/2013. 24 Na visão de Chris Wold, o Princípio do Poluidor-Pagador encerra a alocação de três espécies de custos: os de

prevenção, controle e reparação. Os primeiros, como o próprio nome indica, importam nos dispêndios relativos às

medidas de prevenção dos danos ambientais. Os segundos são os custos associados ao controle e monitoramento

da poluição perpetrada pelos empreendimentos causadores de impacto ambiental. Estes últimos, por seu turno, são

“aqueles associados à adoção de medidas de recuperação ou reabilitação ambiental. São, portanto, os custos sobre

que se discute nas ações de responsabilidade civil por danos ao meio ambiente e sua imposição ocorre após o

advento de eventos específicos de degradação ambiental”. WOLD, Chris. A emergência de um conjunto de

princípios destinados à proteção internacional do meio ambiente. In: SAMPAIO, José Adércio Leite; WOLD,

Chris; NARDY, Afrânio. Princípios de direito ambiental na dimensão internacional e comparada. Belo

Horizonte: Del Rey, 2003, p. 5-31, p. 24-25. Original sem destaque. 25 Maria Alexandra de Sousa Aragão cita como defensores do Princípio do Poluidor Pagador num sentido tão

somente associado à responsabilidade civil os seguintes autores: Araújo de Barros, Borges de Soeiro, Franco

Giampietro, Jean Duren, Manuela Flores e Martine Remond-Gouilloud. ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa. O

princípio do poluidor... Op. cit., p. 109-110 (notas de rodapé). 26 “O princípio do usuário-pagador contém, também, o princípio poluidor-pagador, isto é, aquele que obriga o

poluidor a pagar a poluição que pode ser causada ou que já foi causada.” MACHADO, Paulo Affonso Leme.

Direito ambiental brasileiro. 16. ed., rev. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 63. Original sem destaque. 27 “Isso quer dizer que o princípio poluidor-pagador, nesses casos, se processa não pela recomposição do bem

lesado, mas pela sua substituição de uma soma monetária que, econômica ou idealmente, substitui o bem.”

BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos e. O princípio do poluidor-pagador... Loc. cit. 28 “O princípio [do poluidor pagador] não objetiva, por certo, tolerar a poluição mediante um preço, nem se limita

apenas a compensar os danos causados, mas sim, precisamente, evitar o dano ao ambiente.” MILARÉ, Édis.

Princípios fundamentais do direito do ambiente. Revista Forense. Rio de Janeiro, v. 352, 2000. Biblioteca Forense

Digital 2.0. Original sem destaque. 29 “Logo se vê que o princípio do poluidor-pagador não possui uma visão meramente repressiva e voltada para a

idéia de responsabilidade civil pelos danos causados ao meio ambiente.” RODRIGUES. Marcelo Abelha.

Elementos de direito ambiental: parte geral. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005,

p. 200. Original sem destaque.

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Em Portugal, Gomes Canotilho e Alexandra Aragão30 parecem ser os maiores

defensores da inexistência de associação entre o Princípio do Poluidor-Pagador e a

responsabilidade civil. Para aquele, “o princípio do poluidor-pagador não se identifica com o

princípio da responsabilidade, pois abrange, ou pelo menos foca, outras dimensões não

enquadráveis neste último31”. Esta, por sua vez, é taxativa ao afirmar que não há utilidade em

se admitir a existência de um princípio de responsabilidade civil exclusivo para o meio

ambiente, que, in casu, seria o Princípio do Poluidor-Pagador32.

Noutra oportunidade, a mesma autora assenta que embora o Princípio do Poluidor-

Pagador em sua formulação pareça apresentar a teoria de que aquele que causa um dano (ao

meio ambiente, especificamente) deve indenizá-lo, o princípio não pode ser confundido com a

responsabilidade civil; não só porque não era essa a intenção da OCDE ao criar seus contornos,

mas, ainda, porque é inútil a existência de dois princípios com o mesmo objetivo. Lembra,

ainda, que o Princípio do Poluidor-Pagador é um princípio associado à prevenção e à precaução,

de modo que a sua atuação deve ser verificada sempre “antes e independentemente dos danos

ambiente terem ocorrido, antes e independentemente33 da existência de vítimas34”.

Somos, portanto, pela concepção de que o Princípio do Poluidor-Pagador não pode ser

confundido com a responsabilidade civil, não só pelos argumentos apresentados, mas, ainda,

por uma razão complementar às já expostas: a existência anterior de um meio – a

responsabilidade civil – de obter uma indenização pelos prejuízos causados ao meio ambiente,

o que importa na desnecessidade de a OCDE, a Declaração do Rio, e todos os instrumentos

normativos que os seguiram formularem ou mencionarem um princípio novo para um fim

idêntico.

30 Maria Alexandra de Sousa Aragão cita como cita como defensores do Princípio do Poluidor Pagador num sentido

não afeito à responsabilidade civil os seguintes autores: Jean-Philippe Barde, Emilio Gerelli, Alonso García,

Eckard Rehbinder, Ludwig Kramer e Sousa Franco, além de Gomes Canotilho. ARAGÃO, Maria Alexandra de

Sousa. O princípio do poluidor... Op. cit., p. 112-113 (notas de rodapé) e ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa.

Direito constitucional do ambiente da União Europeia. In: CANOTILHO, José Joaquim e LEITE, José Rubens

Morato (coord.). Direito constitucional ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 11-55, p. 46-47. 31 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. A responsabilidade por danos ambientais: aproximação juspublicística.

In: AMARAL, Diogo de Freitas do; TAVARES DE ALMEIDA, Marta. (coord.). Direito do ambiente. Oeiras:

Instituto de Administração, 1994, p. 397-708, p. 401. 32 ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa. O princípio do poluidor... Op. cit., p. 113. 33 Jonathan Remy Nash fala, em oposição, que “aqui, o governo serve como procurador da sociedade vitimada,

especialmente quando o governo deve implementar um projeto público para reduzir os efeitos da poluição”.

Tradução nossa para: “here, the government serves as a proxy for the victimized society, especially since the

government may have to implement a public project to reduce the pollution’s effect”. NASH, Jonathan Remy. Too

much market?... Op. cit., p. 478. 34 ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa. Direito constitucional do ambiente... Op. cit., p. 47-48. Destaques no

original.

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Não há, inclusive, que se falar em uma vertente de responsabilidade do princípio em

estudo; porque este, como vimos, serve à alocação dos custos ambientais de produção, ou seja,

à internalização de aspectos negativos dessa produção, o que ratifica sua condição de

anterioridade ao dano e, consequentemente, às suas vítimas.

Em suma, e mais uma vez seguindo Cristiane Derani, “o custo a ser imputado ao

poluidor não está exclusivamente vinculado à imediata reparação do dano. O verdadeiro custo

está na norma de atuação preventiva35”. Complementam esse entendimento as palavras de

Alexandra Aragão: “os fins que o PPP visa realizar são a precaução, a prevenção e a equidade

na redistribuição dos custos das medidas públicas36”.

2.4 A CONCEITUAÇÃO DE POLUIÇÃO E DE POLUIDOR

Outra dificuldade enfrentada pelos que se propõem a estudar o Direito Ambiental – e

que, por óbvio, têm que se debruçar sobre o Princípio do Poluidor-Pagador – consiste em

precisar quem é o poluidor, melhor dizendo, quem é o responsável pelo pagamento dos valores

relativos à internalização dos custos ambientais de produção.

De Sadeleer lembra que conquanto os conceitos de poluidor e pagador pareçam, à

primeira vista, evidentes, uma investigação mais profunda denota a dificuldade em defini-los37.

Para Cristiane Derani, a conceituação do poluidor e do pagador é uma decisão política,

já que a definição deve ser fornecida pelas normas ambientais. Isto porque poluidores são todos

os que, nas respectivas atividades, fazem uso ou produzem poluentes, bem como os que

realizam processos poluentes. Para a autora, “o endereçamento de medidas a um integrante

desta ‘comunidade de poluidores’ não pode ser deduzido automaticamente do princípio do

poluidor-pagador, porém precisa (e pode) ser deduzido de pontos de vista políticos38”.

Nesse mesmo diapasão, De Sadeleer entende se tratar de uma escolha entre dois

conceitos de poluição: um que entende como efetivada a poluição quando um determinado

limiar estabelecido para evitar a ocorrência de danos ecológicos é ultrapassado, e outro que vê

como poluição qualquer indício de dano39.

35 DERANI, Cristiane. Direito ambiental... Op. cit., p. 166. 36 ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa. Direito constitucional do ambiente... Op. cit., p. 48. 37 DE SADELEER, Nicholas. Environmental principles... Op. cit., p. 37-38. 38 DERANI, Cristiane. Direito ambiental… Op. cit., p. 166. 39 DE SADELEER, Nicholas. Environmental principles... Op. cit., p. 38-41.

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2.4.1. A LEGISLAÇÃO EUROPEIA

A Recomendação 75/436/Euratom, CECA, CEE: Recomendação do Conselho, de 3 de

março de 1974, relativa à imputação dos custos e à intervenção dos poderes públicos em matéria

de ambiente, no parágrafo 2 do Anexo, reza que:

2. Com este fim, tanto as Comunidades Européias (sic) a nível comunitário, como os

Estados-membros nas suas legislações nacionais, em matéria de proteção do ambiente

devem aplicar o princípio do “poluidor-pagador”, de acordo com o qual as pessoas

singulares ou coletivas, de direito privado ou público, responsáveis por uma poluição,

devem pagar as despesas das medidas necessárias para evitar essa poluição ou para a

reduzir, a fim de respeitar as normas e as medidas equivalentes, permitindo atingir os

objetivos de qualidade ou, quando tais objetivos não existam, a fim de respeitar as

normas e as medidas equivalentes fixadas pelos poderes públicos40.

Uma leitura menos acurada do dispositivo transcrito conduz ao entendimento de que a

Recomendação em análise se filia à primeira corrente apresentada por De Sadeleer. Todavia,

esse mesmo autor nos desperta para o fato de que a Recomendação 75/436/Euratom define, no

parágrafo 3 do Anexo41, o poluidor como sendo “aquele que degrada direta ou indiretamente o

ambiente ou cria condições que levam à sua degradação42”.

De acordo, pois, com o parágrafo 3 do Anexo da Recomendação 75/436/Euratom, o

poluidor, para existir, “depende” do próprio dano. Assim, uma interpretação sistemática dos

parágrafos 2 e 3 do Anexo da Recomendação 75/436/Euratom permite concluir que se o

poluidor é aquele que causa um prejuízo ao meio ambiente, logo esse prejuízo é conditio sine

qua non para que exista a poluição. Esse parece ser, portanto, o sentido atualmente aceito na

União Europeia para os conceitos de poluidor e poluição.

Importante ressaltar que não apenas a Hermenêutica Jurídica nos concede meios para

compreender a relação existente entre o poluidor, a poluição e o dano ambiental, mas,

sobretudo, o bom-senso nos faz perceber que adotar a primeira opção, melhor dizendo,

conceituar a poluição como a mera ultrapassagem dos patamares de emissão legalmente fixados

não estimula o poluidor a reduzir ainda mais as suas emissões, conduzindo-o à acomodação e,

40 Nota de rodapé relativa a esse mesmo parágrafo dispõe que: “Enquanto um tal nível não é estabelecido pelo

poderes públicos, as medidas tomadas por estes últimos para evitar a poluição devem ser igualmente respeitadas

pelos poluidores, em aplicação do princípio ‘poluidor-pagador’”. 41 Nota de rodapé relativa a esse mesmo parágrafo dispõe que: “A noção de poluidor, tal como é definida nesta

frase não afeta as disposições relativas à responsabilidade civil”. 42 DE SADELEER, Nicholas. Environmental principles... Op. cit., p. 39.

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muito provavelmente, ao aumento da poluição em virtude do crescimento econômico

geralmente não acompanhado pelas alterações legislativas.

2.4.2. A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

Nesse aspecto, merece nota o fato de ser a legislação brasileira tão moderna quanto

coerente, desde a fixação do conceito de poluição das águas, por meio do Decreto nº 50.877, de

29 de junho de 1961, o qual “dispõe sobre o lançamento de resíduos tóxicos ou oleosos nas

águas interiores ou litorâneas do País e dá outras providências”, e assim estabeleceu:

Art. 3º Para os efeitos deste Decreto, considera-se "poluição" qualquer alteração das

propriedades físicas, químicas e biológicas das águas, que possa importar em prejuízo

à saúde, à segurança e ao bem-estar das populações e ainda comprometer a sua

utilização para fins agrícolas, industriais, comerciais, recreativos e, principalmente, a

existência normal da fauna aquática.

A Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981),

em seu artigo 3º, incisos III e IV, assim definiu poluição e poluidor:

Art. 3º Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:

(...)

III – poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta

ou indiretamente:

a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;

b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;

c) afetem desfavoravelmente a biota;

d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;

e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos;

IV – poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável,

direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental;

(...)

Como é perceptível, a norma brasileira definidora da política ambiental estatal

considera poluição qualquer resultado de atividade que, de alguma maneira, cause prejuízos

ecológicos. Significa dizer que não há necessidade haver emissões para além dos limites

legalmente fixados.

No conceito são protegidos o homem e sua comunidade, o patrimônio público e

privado, o lazer e o desenvolvimento econômico através das diferentes atividades (alínea b), a

flora e a fauna (biota), a paisagem e os monumentos naturais, inclusive os arredores naturais

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desses monumentos – que encontram também proteção constitucional (arts. 216 e 225 da

CF/88).

Em último lugar, considera-se como poluição o lançamento de materiais ou de energia

com inobservância dos padrões ambientais estabelecidos. Essa colocação topográfica da alínea

é importante: pode haver poluição ainda que observados os padrões ambientais. A

desobediência aos padrões constitui ato poluidor, mas pode ocorrer que mesmo com a

observância dos mesmos ocorram os danos previstos nas quatro alíneas anteriores, o que

também caracteriza a poluição, com a implicação jurídica daí decorrente.43

Nesse diapasão, correto afirmar que o poluidor, conceituado pelo Dicionário Houaiss

da língua portuguesa como “que ou o que polui44”, passa a ser aquele que, ao efetuar emissões

– estejam elas ou não dentro dos contornos estabelecidos – causa qualquer espécie de

degradação ao meio ambiente.

Todavia, precisar quem é este poluidor não é tarefa das mais simples, motivo pelo qual

enfrentaremos essa questão no item que segue.

2.5. A IDENTIFICAÇÃO DO POLUIDOR

Concordando com a tese da dificuldade em se individuar o poluidor – ainda que seja

ele, por definição, o causador da poluição – De Sadeleer afirma que esse problema se acentua

nos casos em que há poluição difusa, ou seja, quando várias causas produzem um único efeito

degradante ou, inversamente, quando uma causa única é capaz de originar múltiplos efeitos45.

Por seu turno, a já invocada Recomendação 75/436/Euratom, no igualmente

mencionado parágrafo 3 do Anexo, assim orienta:

Se a determinação do poluidor se revelar impossível ou muito difícil e, por

conseguinte, arbitrária, e no caso da poluição do ambiente ser o resultado, quer da

conjugação simultânea de várias causas – poluição cumulativa46 – quer da sucessão

43 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental... Op. cit., p. 532. 44 POLUIDOR. In: Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Disponível em

«http://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm?verbete=poluidor&stype=k». Acesso em 12/02/2012. 45 DE SADELEER, Nicholas. Environmental principles... Op. cit., p. 41. 46 Nota de rodapé relativa a esse mesmo parágrafo dispõe que: “Por exemplo, no caso de uma aglomeração onde

vários poluidores são simultaneamente responsáveis pela poluição do ar por SO2 tais como lares, utilizadores de

veículos a motor e instalações industriais”.

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de várias dessas causas – cadeias de poluidores47 – os custos da luta antipoluição

devem ser imputados aos pontos – por exemplo da cadeia ou da poluição cumulativa

– e por meios legislativos ou administrativos que ofereçam a melhor solução nos

planos administrativo e econômico, e que contribuam da maneira mais eficaz, para a

melhoria do ambiente.

No caso de poluições em cadeia, a imputação dos custos pode, pois, fazer-se no ponto

onde o número dos operadores é o mais fraco possível e o mais fácil de controlar, ou então onde

contribua mais eficazmente para a melhoria do ambiente e onde sejam evitadas as distorções de

concorrência.

Para Alexandra Aragão, a “fórmula” estabelecida pela Recomendação

75/436/Euratom mais não faz que se eximir de solucionar a dificultosa questão, deixando de

determinar o poluidor efetivamente responsável pela poluição para apontar aquele que melhor

paga. Para a professora lusitana, a existência de dois critérios finda por atribuir a internalização

dos custos ambientais ao produtor, por ter uma atividade mais facilmente identificável e

controlável48.

A mesma autora defende que o “poluidor-que-deve-pagar” é aquele que pode controlar

os fatores que causam a poluição, isto é, aquele que pode tomar medidas preventivas ou de

precaução capazes de afastar ou minimizar os danos. Nesse sentido, entende que os custos da

poluição resultante de uma atividade produtora de um bem de consumo devem ser suportados

pelo produtor, pois é ele quem lucra com a atividade. Quando a poluição for consequência de

uma atividade produtora de um bem transformado, também deve o produtor responder pela

internalização das externalidades ambientais negativas, haja vista a sua possibilidade de

controlar tais externalidades49.

Há, inclusive, a possibilidade, inspirada na norma alemã (BGBI.1990 I, S. 2.634) de

se estabelecer um nexo legal de atribuição dos custos de poluição. Isto porque a norma apontada

– atinente à responsabilidade civil relativa às atividades consideradas perigosas ao meio

ambiente – dispõe, nos quatro parágrafos de seu art. 6º, que:

§ 1º Se uma instalação é apta a causar o dano surgido nas circunstâncias de um caso

concreto, há presunção de que o dano é causado pela instalação. A aptidão – no caso

concreto – será julgada de acordo com a regulamentação da instalação; através das

47 Nota de rodapé relativa a esse mesmo parágrafo dispõe que: “Por exemplo, no caso da poluição do ambiente por

gás de escape de veículos a motor, estão na origem da poluição atmosférica não só o utente do veículo, mas também

os fabricantes desse veículo e do carburante”. 48 ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa. O princípio do poluidor... Op. cit., p. 135. 49 Ibidem, passim.

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instalações utilizadas, a qualidade e a quantidade de substâncias químicas utilizadas e

emitidas, segundo a hora e o lugar da emergência do dano e segundo a impressão de

conjunto causada pelo dano e todas as outras circunstâncias, que indicam ou refutam

o liame de causalidade.

§ 2º O § 1º não se aplica se a instalação está em serviço de uma forma regular. Uma

instalação é explorada de forma regular se as obrigações particulares são respeitadas,

e isto no caso de ausência de incômodos.

§ 3º As obrigações particulares são aquelas que resultam das autorizações

administrativas, de disposições particulares, de ordens executórias e de normas as

quais tenham por fim impedir impactos sobre o meio ambiente, que são os mesmos

que causam o dano.

§ 4º Se a autorização, as disposições particulares, as ordens executórias ou as normas

prevêem controles para a fiscalização de uma obrigação particular, há presunção do

respeito da obrigação quando:

1. os controles tenham sido executados no período durante o qual o impacto sobre o

meio ambiente apareceu e esses controles não tenham indicado violação da obrigação

ou

2. o momento do exercício do direito à indenização ocorra dez anos depois da

realização do impacto50.

Inobstante tenhamos ressaltado a nossa posição contrária à equiparação do Princípio

do Poluidor Pagador à responsabilidade civil por danos ao meio ambiente, existe a possibilidade

de inspiração na norma acima para soluções relativas à internalização dos custos ambientais.

Isso porque, na esteira de Paulo Affonso Leme Machado, pode-se, ao perceber a

“aptidão de uma instalação para causar o dano”, imputar a essa atividade a atribuição de arcar

com os custos da poluição, afastando a necessidade de nexo causal entre os atos praticados pelo

empreendimento e o dano51. Há, portanto, uma presunção de causalidade que pode e deve ser

adotada para as hipóteses de aplicação do Princípio do Poluidor-Pagador.

Essa presunção encerra, destarte, aquilo que Cristiane Derani trata como uma opção

política, já que a definição do que venha a ser o poluidor-pagador está atrelada a uma definição

normativa motivada, obviamente, por aspectos políticos52.

2.6 QUANTO DEVE PAGAR O POLUIDOR

Identificado o poluidor, é necessário, ainda, estipular quanto e como deve ele pagar

pelas externalidades ambientais negativas que o seu empreendimento é capaz de produzir.

50 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental... Op. cit., p. 355-356. Tradução a partir do francês. 51 Ibidem, p. 356. 52 DERANI, Cristiane. Direito ambiental ... Op. cit., p. 166.

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A já mencionada “Recomendação do Conselho Sobre Princípios Orientadores

Relativos aos Aspectos Econômicos Internacionais das Políticas Ambientais” (1972) assenta

que:

Este princípio [poluidor pagador] significa que o poluidor deve suportar os custos da

supramencionadas medidas [de prevenção e controle da poluição] decididas pelas

autoridades para garantir que o meio ambiente esteja num estado aceitável. Em outras

palavras, os custos dessas medidas devem ser refletidos nos custos dos bens e serviços

causadores da poluição durante a produção e/ou consumo53.

Adotando a mesma orientação, a Declaração do Rio, em seu Princípio 16 assim dispõe:

Tendo em vista que o poluidor deve, em princípio, arcar com o custo decorrente da

poluição, as autoridades nacionais devem procurar promover a internalização dos

custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos, levando na devida conta o

interesse público, sem distorcer o comércio e os investimentos internacionais.

Para Alexandra Aragão, a primeira definição importa em três conclusões essenciais:

1. é necessário que a Administração Pública defina o que pode ser considerado

um estado aceitável do meio ambiente, ou seja, é necessária a fixação de standards

para as emissões perpetradas;

2. meios e instrumentos necessários ao alcance desses padrões devem ser

disponibilizados;

3. os poluidores devem custear as medidas de prevenção e controle da poluição54.

É digno de nota o fato de que as teses extraídas não são suficientes para resolver, em

definitivo, o problema do valor a ser pago pelo poluidor.

Inicialmente, porque é preciso ter em mente que o Princípio do Poluidor-Pagador não

está, como dissemos, associado ao Princípio da Responsabilidade. Ou seja, é necessário retirar

do valor a ser pago qualquer espécie de resquício indenizatório.

Depois, porque é preciso definir, de acordo com De Sadeleer, se o princípio será

aplicado num sentido mais restrito ou num sentido mais vasto55, melhor dizendo, se será

internalizada apenas parte dos custos ou se será absorvida a totalidade das externalidades.

Como solução para este problema, temos que a Administração Pública deve, sempre

com vistas à promoção da maior proteção possível ao meio ambiente, internalizar o maior

53 Tradução nossa para: “This principle means that the polluter should bear the expense of carrying out the above

mentioned measures decided by public authorities to ensure that the environment is in an acceptable state. In other

words, the cost of these measures should be reflected in the cost of goods and services which cause pollution in

production and/or consumption”. 54 ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa. O princípio do poluidor... Op. cit., p. 146. 55 DE SADELEER, Nicholas. Environmental principles... Op. cit., p. 42.

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número possível de externalidades, de modo a funcionar como um desestímulo à poluição. Dito

de outro modo, ao poluidor deve ser mais interessante investir em tecnologia capaz de

minimizar as agressões ambientais que pagar ao Estado pela poluição produzida56.

Em resumo: não apenas deve ser internalizada a totalidade das externalidades

ambientais, como essa internalização deve ser feita após o estabelecimento de um índice que

seja capaz de incitar o poluidor a minimizar a poluição lançada, pois será economicamente mais

vantajoso investir em tecnologias menos poluentes que deixar de gastar com a melhoria das

condições de produção e ter de pagar ao Estado pelos custos dessa poluição.

3 CONCLUSÃO

Dentre os princípios do Direito Ambiental, o Princípio do Poluidor-Pagador é,

certamente, daqueles há mais tempo reconhecidos e pesquisados. Todavia, e talvez por ser o

Direito Ambiental um ramo extremamente novo dentro da ciência jurídica, nem mesmo um

princípio relativamente antigo goza de um conceito unânime.

De fato, e como restou claro durante o desenvolvimento do presente artigo, ainda que

a origem econômica do Princípio do Poluidor-Pagador não seja discutida, a maneira como

conceitos econômicos podem ser transpostos à prática jurídico-ecológica ainda suscita

dissensos não apenas entre os doutrinadores, mas, inclusive, entre as normas internas dos

múltiplos sistemas jurídicos atualmente em convivência.

A comprovação dessa afirmativa se fez possível graças à constatação de que, nos

sistemas brasileiro e europeu não há uma definição comum de poluição e, em ilação, de

poluidor. Se não há constância entre essas duas noções, não se vislumbra possível a consonância

do conceito do “poluidor-que-deve-pagar”.

Assim como não se sabe quem é poluidor-pagador, não são unânimes os estudiosos

em saber o momento em que o poluidor deve pagar, situação que evidencia a criticada confusão

entre o Princípio do Poluidor-Pagador e a responsabilidade civil por danos ao meio ambiente.

Isto porque, havendo um pagamento posterior à ocorrência do dano há, na nossa concepção,

uma indenização, não a verdadeira – e incessantemente buscada – essência do princípio em

análise.

56 ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa. Direito constitucional do ambiente... Op. cit., p. 49.

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Assim, para que o Princípio do Poluidor-Pagador aproxime-se cada vez mais das suas

origens, ou seja, para que seja possível internalizar as externalidades ambientais negativas da

produção – agropastoril ou industrial – ou mesmo da prestação de serviços, deve-se ampliar o

conceito de poluição – à semelhança da elogiável legislação brasileira – e transformar a

aplicação do Princípio do Poluidor-Pagador numa antecipação a resultados futuros indesejados

– perigos ou riscos –, os quais, se confirmados, gerarão o dever de indenizar.

REFERÊNCIAS

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Juridica 23. De Natura et de Urbe 1. Coimbra: Coimbra Editora, 1997.

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O IMPEACHMENT DE FERNANDO LUGO NO PARAGUAI:

QUESTIONAMENTOS À ÉTICA E À DEMOCRATICIDADE DA DECISÃO

PARLAMENTAR

Isabelle da Silveira Arruda1

Ediliane Lopes Leite de Figueiredo ²

Sumário: 1 Introdução. 2 Breve Histórico Político do Paraguai. 3 O Impeachment de

Fernando Lugo. 4 A Influência da Mídia. 5 A Influência Norte-Americana no

Impeachment. 6 Conclusão. Referências.

1 INTRODUÇÃO

A história da América Latina apresenta grandes marcos, entre eles, está contido o

impeachment do presidente do Paraguai, Fernando Lugo, o primeiro a romper com 61 anos de

domínio do Partido Colorado. Esse assunto foi amplamente discutido no fim do primeiro

semestre de 2012, e o fato pode ser entendido a partir da noção de um sistema geopolítico

constituído por relações internacionais, cujos desdobramentos só poderão ser percebidos no

próximo pleito de 2013.

Para trazer à tona a discussão recorremos a um viés jurídico, através do qual se objetiva

questionar a existência de um ambiente favorável à prática da ética e da democracia nas

discussões que levaram à decisão e à influência de fatores externos na mesma. A partir de um

contorno histórico, baseado nos estudos de NICKSON, foi possível entender a recente tradição

democrática daquele país e a fragilidade da mesma, uma vez que tem demonstrado

suscetibilidade à influência norte-americana, a interesses de grupos ruralistas e ao

bombardeamento da mídia no sistema político.

A importância da discussão aqui apresentada se apoia, sobretudo, na necessidade de

entendimento da dinâmica mundial sob a ótica da geopolítica, bem como na busca de um

entendimento sobre a recente “tradição” democrática do Paraguai, que se assemelha com o

restante da América Latina e, em muitos aspectos, com a do Brasil, tendo em vista que são

1 Acadêmica do Curso de Direito da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). E-mail:

[email protected]

² Professora da Faculdade Maurício de Nassau - Unidade Campina Grande. Doutoranda em Literatura e

Interculturalidade pelo PPGLI UEPB. Mestre em Literatura e Interculturalidade pela UEPB. Especialista em

Direito pela FACISA (Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas- CG/PB). Graduada em Letras e em Direito pela

Universidade Estadual da Paraíba. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Literatura Comparada e

Comunicação e Expressão e na área de Direito em Hermenêutica e Argumentação Jurídica. Atua principalmente

nos seguintes temas: Hermenêutica e Argumentação Jurídica, Literatura Comparada e Comunicação e Expressão.

E-mail: [email protected]

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países marcados por longos períodos ditatoriais e pela presença de um histórico de corrupção

envolto ao sistema político.

Por esse diapasão, pretende-se fazer uma breve análise da democracia paraguaia que,

ao que parece, ainda está longe de ser plenamente vivenciada, pois o país se encontra cada vez

mais ligado a interesses de uma minoria representativa. Fato que já descaracteriza princípios

democráticos, que entre outros objetivos se lançam a examinar e difundir as conquistas da

civilização.

Pautando-se por essas considerações, surge a seguinte indagação: É possível

questionar o caráter ético e democrático do impeachment do presidente Fernando Lugo, a partir

de uma breve reconstrução histórica da política paraguaia e da análise da influência de fatores

externos ao processo de cassação?

2 BREVE HISTÓRICO POLÍTICO DO PARAGUAI

Um breve recorte histórico do Paraguai é importante para evidenciar o percurso e a

fragilidade do recente processo democrático daquela nação, bem como é de ampla relevância

para o entendimento dos desdobramentos do atual entorno do país no tocante ao contexto do

recente impeachment.

Ao alcançar a independência no ano de 1811, o Paraguai passa a ser governado pelo

ditador Gaspar Rodriguez de Francia, que estabeleceu tempos economicamente prósperos,

isolando o país frente às intervenções imperialistas e proporcionando condições para um

desenvolvimento econômico autônomo e sustentável. Para Galeano (1977, p. 266) “O

paraguaio se destacava como uma exceção na América Latina: A única nação que o capital

estrangeiro não havia deformado”. Ainda segundo o citado autor, o Estado caracterizado

enquanto paternalista, ocupava o lugar de uma burguesia nacional inexistente, organizando a

nação e orientando seus recursos e destinos.

Os seguintes governos, o de Carlos Antônio Lopez e o do seu filho Francisco Solano

López, deram seguimento ao modelo anterior, concentrando as bases econômicas no eixo

estatal. Ao seu tempo, o país dispunha de um sistema educacional avançado e, no plano

econômico, possuía uma rede de telégrafos, uma ferrovia e fábricas responsáveis pela produção

de materiais de construção, papel, tinta, louça e pólvora. A erva-mate e o tabaco exportados

para o sul do continente, juntamente com as madeiras valiosas vendidas na Europa mantinham

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a balança comercial num expressivo superávit. Entretanto, toda essa estrutura foi afetada e

desarticulada a partir do ano de 1864, quando Solano López declara guerra ao Brasil e

posteriormente à Argentina.

Ao final do evento, devido ao fortalecimento da Tríplice Aliança - composta pelo

Brasil, Argentina e Uruguai - o Paraguai sai como sendo a região mais prejudicada do contexto,

tendo um saldo de 2/3 da sua população aniquilada e grande parte da sua infraestrutura

deteriorada. Dessa forma, a guerra acabou por afetar imensamente a população

economicamente ativa daquele país, tendo como causa direta a posterior desestabilização de

suas bases econômicas.

Quanto ao governo paraguaio, o mais marcante, foi sem dúvidas a ditadura de Alfredo

Stroessner, iniciada a partir de 15 de agosto de 1954 e estendida até 1989. No quesito duração,

só não superou na América Latina o governo de Fidel Castro, que contabilizou 48 anos no

comando de Cuba.

Stroessner ocupou no exército a função de comandante chefe das Forças Armadas e,

após mobilizar o apoio deste comando, e dos colorados conservadores, obteve destaque dentro

do cenário político, sendo em 1954 o candidato designado pelo Partido para concorrer às

eleições presidenciais, sendo eleito no mesmo ano.

Segundo NICKSON (2010, p. 14, 15 e 16) os pilares do regime podem ser colocados

como três: O partido Colorado, As forças Armadas e o Militar Stroessner. Os dois primeiros

estabeleciam uma relação de completude, na qual o Partido se constituía enquanto máquina

política hierárquica que oferecia lealdade ao Exército; as instituições das Forças Armadas, por

sua vez, promoveram, de certa forma, uma desprofissoanalização da carreira e, alguns dos seus

membros ocupavam posições de privilégios no partido e no poder estatal, como a composição

dos ministérios da Defesa, Fazenda e Obras Públicas. Por fim, como último pilar do regime,

aparece a figura do próprio ditador, que erigia um forte culto à própria personalidade, como o

uso do próprio nome em edifícios públicos e outros estabelecimentos, estratégia que favoreceu

a construção de uma imagem simpática da pessoa e do governo Stroessner.

No período inicial da ditadura de Stroessner, também se destaca a influência norte-

americana com programas de estabilização econômica, cujo propósito era controlar a inflação

no país. Essas ações eram intermediadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), que

devido à inexistência de uma burguesia nacional, acabaram por favorecer o setor agro

exportador e financeiro, mantendo assim, as mesmas limitações deste.

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No sentido referente à grave concentração de terras presente no Paraguai, é visto que

o país tem atualmente 80% de suas terras férteis na mão de apenas 2% da população, sendo o

resquício do regime dos 35 anos, que buscava aliados, corrompendo-os através da titulação de

terras, e pelo abuso dos direitos adquiridos a partir das mesmas. Em seu governo, o recente ex-

presidente paraguaio, Fernando Lugo, foi extremamente pressionado para revogar títulos de

propriedade dados pelo ex-ditador Alfredo Stroessner a fazendeiros brasileiros, cuja extensão

excedia em demasia os limites pré-estabelecidos.

A comissão de Verdade e Justiça examinou as 20.075 concessões de terra outorgadas

durante o período de 1954-2003, que alcançaram um total de 12.229.594 hectares. A

CVJ encontrou que 4.223 lotes entregados a 3.336 beneficiários e que somavam um

total 7.806.369 hectares, foram ilegalmente concedidas. Este abuso sistemático da

legislação vigente foi o fator principal que explica a crescente desigualdade na

distribuição da terra entre 1956 e 1991. NICKSON(2010, p.21)

O fato anteriormente citado seria apenas um dos meios existentes de promoção da

corrupção institucionalizada. Os oficiais em serviço ativo também puderam realizar atividades

comerciais privadas, particularmente associadas ao contrabando, tráfico de narcóticos e tráfico

de armas.

A consequência de todo o aparato fraudulento, foi, portanto, o crescimento limitado

da infraestrutura física e social do país, apresentando, no período de transição democrática, um

dos indicadores mais baixos de toda América no que diz respeito ao acesso á educação primária,

educação básica, serviços de água, conexões elétricas e linhas telefônicas.

Após ser deposto pelo golpe liderado pelo general Andres Rodriguez, posteriormente

eleito presidente, Stroessner deixa o poder no ano de 1989. Dois anos depois, uma nova

constituição é promulgada, firmando, portanto, princípios democráticos, conforme se extrai da

leitura do preâmbulo da referida Carta Magna:

El pueblo paraguayo, por medio de sus legítimos representantes reunidos en

Convención Nacional Constituyente, invocando a Dios, reconociendo la dignidad

humana con el fin de asegurar la libertad, la igualdad y la justicia, reafirmando los

principios de la democracia republicana, representativa, participativa y pluralista,

ratificando la soberanía e independencia nacionales, e integrado a la comunidad

internacional, SANCIONA Y PROMULGA esta Constitución.

Asunción, 20 de junio de 1992.

Uma mudança democrática significativa se constituiu no contexto político paraguaio

com a emergência do esquerdista Lugo à presidência, sendo eleito com mais de 40% dos votos

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em 2008, interrompendo assim, 61 anos de domínio conservador. Suas propostas para o governo

se pautaram na reforma agrária, melhoras na matéria judicial e luta contra a corrupção.

Seu surgimento enquanto uma figura política se deu no período compreendido entre

2005 e 2007, logo após se tornar bispo emérito em 2004. Ficou conhecido pelas suas críticas

ao governo do presidente Nicanor Duarte Frutos, encabeçando, portanto, em 2006 o Movimento

de Resistência Cidadã, sendo este um agrupamento de principais partidos oposicionistas da

época.

Em 2007 anuncia a decisão de abandonar a sua ocupação na igreja, comando assim,

um amplo movimento popular para se candidatar a presidência paraguaia pelo partido Aliança

Patriótica pela Mudança, conquistando, assim, o apoio do segundo partido de maior força

política no momento referido, O Liberal Radical Autêntico bem como de outros grupos sociais,

a exemplo dos camponeses, indígenas e socialistas.

3 O IMPEACHMENT DE FERNANDO LUGO

Em 21 de Junho de 2012, a câmara dos deputados, dominada pela oposição, aprovou o

processo de impeachment de Lugo, com 73 fotos a favor e somente um contra. No dia seguinte,

o senado seguiu a mesma tendência, aprovando a remoção do mandatário por 39 votos

favoráveis e 04 contrários, em apenas nove meses antes do pleito de 2013.Utilizou-se, assim,

da possibilidade garantida constitucionalmente pelo seguinte artigo da Constituição daquele

país:

Artículo 194 - DEL VOTO DE CENSURA

Si el citado no concurriese a la Cámara respectiva, o ella considerara insatisfactorias

sus declaraciones, ambas Cámaras, por mayoría absoluta de dos tercios, podrá emitir

un voto de censura en su contra y recomendar su remoción del cargo al Presidente de

la República o al superior jerárquico.

Si la moción de censura no fuese aprobada, no se presentará otra sobre el mismo tema

respecto al mismo Ministro o funcionario citados, en ese período de sesiones.

O fraco desempenho das funções presidenciais de Lugo foi o motivo alegado para o

fato. Uma questão importante que compôs a justificativa anterior se deu com a matança de

Curuguaty, caracterizado enquanto um despejo de sem-terra, que acabou resultando a morte de

seis policiais e onze camponeses. Nessa acusação, colocou-se em pauta a indisposição do

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presidente no combate à violência e bem como aos guerrilheiros do EPP (Exército do Povo

Paraguaio).

Entretanto, é necessário analisar o entorno da política paraguaia, já que Fernando Lugo

foi um dos presidentes a realmente colocar em debate questões delicadas, como, por exemplo,

a reforma agrária, assunto que contraria interesses dos proprietários de grandes latifúndios,

ameaçando, portanto, a situação da oligarquia paraguaia, cujos representantes ocupam hoje, o

congresso e o senado.

Para Lambert, professor da universidade de Bath, cientista político e especialista em

Constituição Paraguaia, a unidade entre os partidos para aprovar o impeachment, pouco tempo

antes do fim do mandato, refletiu as preocupações políticas e a tentativa de ganhar vantagem

nas eleições de 2013, contando assim com a manipulação da máquina estatal como facilitadora

do referido processo.

Bath em seu estudo aborda à impopularidade do ex-presidente no legislativo, alcançada

devido a sua tentativa de modificar algumas regras consolidadas na política paraguaia. Lugo

defendia o fim das Listas Sábana, caracterizado com um sistema permissivo que na prática

perpetuava os mandatos dos políticos em atividade no congresso, votando em um nome da lista,

o eleitor acabava por eleger uma série de outros.

O cientista político também faz referencia ao veto presidencial de Lugo a uma lei, em maio de

2012, que previa destinar 215 bilhões de guaranis à Justiça Eleitoral, para pagar até 10 000

novos funcionários do já inchado aparato eleitoral, estando estes funcionando como operadores

dos principais partidos políticos com representação parlamentária. Contudo, a lei retornou à

Câmara dos Deputados e foi novamente aprovada, com um número reduzido a 150 bilhões de

guaranis. O respectivo evento causou, inclusive, a mobilização da sociedade civil, sendo o ato

denominado de “After Office Revolucionário” (AOR), demonstrando repúdio contra a classe

política do país.

No caso discutido, se faz necessário observar algumas problemáticas, a primeira se refere

ao tempo dado para defesa, o ex-presidente recebeu apenas 24 horas para prepará-la e menos

de duas horas para tê-la apresentada na sessão do Senado. A constituição paraguaia de 1992, de

fato, não estabelece termos específicos para o impeachment, contudo essa questão não impede

a razoabilidade dos instrumentos democráticos, como a câmara e o senado.

“The letter of the Constitution was not violated, even though the spirit may have been”

LAMBERT (2010). Nesse sentido, é importante avaliar a ruptura do cenário democrático no

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país, devido à quebra da base do contrato social previsto na constituição em que o povo elege

o seu presidente, pois conforme o aclamado pelo pensador Rousseau, o poder emana do povo,

e dessa forma, deve ser exercido em seu nome e no seu interesse.

Fato este que não foi plenamente cumprido, na medida em que se observa o caráter

relâmpago do mesmo e se analisa que uma decisão séria nos rumos sociais do país foi

efetivamente tomada a partir de clara representação oposicionista no cenário político, sem

permitir a participação do povo a partir da formação de um consenso geral.

4 A INFLUÊNCIA DA MÍDIA

As diversas formas de mídia podem se constituir em grandes aliadas ou em ferrenhas

inimigas em decisões tipicamente políticas. Em consonância com o pensamento de Bourdie, os

meios de comunicação se portam como mecanismos de reprodução social que legitimam as

existentes formas de dominação.

No contexto aqui discutido, observa-se a influência do Jornal ABC Color na

construção de uma imagem negativa de Fernando Lugo, elaborando assim, um discurso

degradante à figura do homem e do político, acusando-o de uma possível paternidade quando

ainda exercia a função de bispo em San Pedro.

Outro fato disseminado pelo periódico diz respeito à “tese de venezualização”, em que

se anunciou uma pretensão luguista na instauração de uma ditadura no país, caracterizando-o

juntamente com a sua equipe como “fiéis seguidores do manual do bolivarianismo marxista

totalitário criado pelo Gorila Hugo Chávez”. Segundo uma pesquisa realizada pela Carta

Capital, na qual vários paraguaios foram ouvidos, muitos se queixaram da destituição do ex-

presidente, entretanto afirmaram ter medo do país se transformar em uma Venezuela.

Prevaleceu assim, no Paraguai, o uso de uma mídia manipuladora e com poucas

contribuições à sociedade, já que pautou as críticas em fatos tipicamente pessoais e infundados,

não fazendo prevalecer, assim, o espírito do serviço à coletividade, feito com qualidade e

independência em relação aos interesses de grupos partidários, de forma honesta e objetiva.

Fatos como esses ferem a proposta da ONU, no tocante à promoção e proteção do

direito à liberdade de opinião e expressão das Nações Unidas já que estimulam o caráter

profundamente ideológico da mídia, tenho como objetivo essencial a derrocada de governos, e

favorecem o estabelecimento do monopólio da mesma num caráter apenas comercial, não

estabelecendo desse modo um ambiente propício à diversidade com mídias públicas e

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comunitárias, e não permitindo o entendimento da comunicação como sendo um bem público

independente de discursos de grupos políticos.

5 A INFLUÊNCIA NORTE-AMERICANA NO IMPEACHMENT

Segundo AYERB (2002), após a segunda guerra mundial, os EUA sofrem uma

redefinição do seu papel enquanto membro participativo da política internacional, portando-

se, assim, como responsável pela segurança do sistema capitalista, fato que levou ao presidente

Truman, repensar na estrutura do aparato político estatal e na formulação e execução da política

externa.

Como decorrência da obsessão da administração Truman com a eventualidade de uma

guerra com a URSS e a "urgência" de deter o avanço do comunismo na região, vários

acordos são assinados. Em 1947, o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca

(Tiar) prevê mecanismos de ação multilateral contra agressões ao território de

qualquer país americano. Em 1948, a IX Conferência Pan-americana, reunida em

Bogotá, cria a Organização dos Estados Americanos (OEA). AYERB (2002).

Nesse contexto o Tiar e a OEA se organizavam a partir de quatro princípios jurídicos

essenciais, a não intervenção; a igualdade jurídica dos Estados; o arranjo pacífico das diferenças

e, por último, a defesa coletiva contra as agressões. Os dois últimos foram passíveis de

execução, entretanto, os primeiros se mostraram insustentáveis e contraditórios ao longo da

história norte-americana.

Desde a época da consolidação da ditadura de Alfredo Stroessner, é visto a aderência

ao governo dos EUA, a partir da adoção do programa de estabilização econômica Aliança para

o Progresso, advindo do FMI. Segundo NICKSON (2010), os EUA também foram cúmplices

na unidade de estabelecimento contra insurgente especializada dentro da polícia paraguaia.

Como parte de um programa técnico assistência da USAID (Agência dos Estados Unidos para

o Desenvolvimento Internacional) desenvolveu-se a Direção Nacional de Assuntos Técnicos

(DNAT), responsável pelo estabelecimento de uma rede extensiva de informantes da polícia,

atuando também como centro de tortura dos presos políticos ao longo do regime.

No entorno atual, percebe-se a influência norte-americana sob as perspectivas

diplomática e econômica. A sua principal intervenção se dá a partir da Organização dos Estados

Americanos (OEA), liderada pelo secretário geral José Miguel Insulza, além disso, é visto que

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as doações administradas pela USAID de mais de 100 milhões a empresas – ONGS- e órgãos

governamentais facilitam a garantia de uma proximidade efetiva entre as nações.

Quanto à intervenção norte-americana no Impeachment de Lugo, foram obtidos

documentos pela agência pública, através da Lei de Acesso à Informação dos EUA, que

constaram a anterioridade do planejamento dos passos do diretor da Democracia da USAID,

Michael Eschleman, para o novo governo posteriormente instituído. Entre os documentos

referidos, encontram-se os seguintes trechos:

“Comecei a fazer reuniões internas para avaliar e traçar uma estratégia sobre a melhor

maneira de manter o andamento dos programas do novo governo” “(...) às seis horas,

Franco já deve ser presidente (...)” “Provavelmente vai levar alguns dias para saber

quem serão os novos ministros como podemos abordar a nova liderança para garantir

não só estabilidade nos programas, mas a habilidade para caminhar adiante” “Franco

e a sua equipe conhecem muito bem o programa Umbral porque trabalharam próximos

a nós nos últimos anos.” (AGÊNCIA DE REPORTAGEM E JORNALISMO

INVESTIGATIVO)

No último trecho do documento, destaca-se a importância do programa UMBRAL,

que financiado pela Corporação do Desafio do Milênio (MCC, em inglês), se destina a garantir

aos países subdesenvolvidos uma espécie de ajuda financeira para o melhoramento de seus

índices de transparência, justiça e liberdade econômica.

Diante de tais fatos, é claramente notável o caráter intervencionista dos EUA no

processo de impeachment de Lugo. Com o propósito de proteger interesses políticos e

econômicos e visando cada vez mais aumentar a sua área de influência na América Latina, os

EUA acabaram descaracterizando a efetiva soberania no vizinho Paraguai.

6 CONCLUSÃO

A partir da análise do tema aqui exposto, pode-se concluir que a efetiva democracia

no Paraguai encontra-se longe de ser alcançada, já que o país em seu histórico atual ainda reflete

as estruturas arraigadas e conversadoras herdadas de um passado próximo. Constata-se também

a relação existente entre a fragilidade do aparato democrático e a influência de fatores externos,

como uma mídia tendenciosa e a intervenção do governo americano, fatores que acabam por

atrasar um reerguimento de princípios ético-democráticos naquele país.

Por esta senda, também são vistos os prejuízos das relações diplomáticas, tomando,

assim, uma tendência de distanciamento, confirmada pela suspensão da participação no

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MERCOSUL e na UNASUL, até o dia 21 de abril desse ano, data em que se marcará o novo

pleito. Esta atitude se refere às exigências da nova ordem mundial, em que o restabelecimento

da institucionalidade e a plena vigência democrática são colocados enquanto condições

essenciais para o processo de integração.

Diante do exposto, constata-se que o processo do impeachment de Lugo pode ser

considerado como uma afronta à democracia, uma vez que a decisão refletiu o pensamento de

uma minoria claramente oposicionista e conservadora, no intento da salvaguarda de seus

interesses específicos. O que não atendeu, portanto, a ideia de um ambiente democrático como

um meio para atingir fins de caráter coletivo, no qual o Estado deve estar em consonância com

a sociedade civil, já que a mesma o organizou e nela encontra-se o sentido da sua existência

enquanto corpo sistemático.

Desse modo, nota-se a necessidade de se afirmar os princípios presentes na

Constituição paraguaia de 1992, tais como: a existência de uma democracia republicana,

representativa, participativa e pluralista, chaves essenciais para o estabelecimento de uma

ordem sócio-ético-jurídica da nação e, por conseguinte, da consciência das massas.

REFERÊNCIAS

AYERB, Luis F. Estados Unidos e América Latina: a construção da hegemonia. São Paulo:

Editora UNESP 2002.

BUCKMAN, T. Robert. The world today series, Latin America. 46ª ed. Lanham: Stryker-

Post Publications, 2012.

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CABRAL, Paulo. Unasul vê 'ameaça de ruptura democrática' no Paraguai. Disponível em

<http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/06/120621_unasul_paraguai_pc.shtml>. Acesso em: 1 março

2013.

DANIEL, Paulo. Fernando Lugo realmente é um mau gestor? Disponível em:

<http://www.cartacapital.com.br/internacional/fernando-lugo-realmente-e-um-mau-gestor/>. Acesso em 5

março de 2013.

GORCZESKI, Vinicius. Peter Lambert: "O impeachment de Lugo foi legal, mas não foi

democrático". Disponível em <http://revistaepoca.globo.com/Mundo/noticia/2012/06/peter-lambert-o-

impeachment-de-lugo-foi-legal-mas-nao-foi-democratico.html>. Acesso em 7 março 2013.

LA RUE, F. Um direito universal. Carta Capital, nº 728, p. 40-41. Dez. 2012.

LAMBERT, P., 2012. The lightning impeachment of Paraguay's President Lugo. e-

International Relations Disponível em <http://www.e-ir.info/2012/08/09/the-lightning-

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NICKSON, Andrew R. El regimen de Stroessner (1954-1989)" Historia del Paraguay. Ed.

Ignacio Telesca. Asunción: Taurus - Santillana, 2010. 265-294. Disponível em

<http://works.bepress.com/andrew_nickson/14 >. Acesso em: 15 fevereiro 2013.

PARAGUAI. Constituição Paraguaia de 1992. Disponível em

<http://pdba.georgetown.edu/constitutions/paraguay/para1992.html>. Acesso em: 1 março

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SAHID, Maluf. Teoria geral do Estado / Sahid Maluf; atualizador prof. Miguel Alfredo

Malufe Neto. – 30. ed. – São. Paulo : Saraiva, 2010.

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VIANA, Natália. A influência dos EUA no impeachment de Fernando Lugo. Disponível

em: <http://www.cartacapital.com.br/politica/a-influencia-dos-eua-no-impeachment-de-

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VILARINO, Ramon C. Entre golpes e simulacros. Carta Escola. São Paulo, nº 68, p.44 – 46. Ago. 2012.

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PARADIPLOMACIA, POR QUÊ?

Maria Cezilene Araújo de Morais1

Sumário: 1 Introdução. 2 A Paradiplomacia. 3 EUA E CANADÁ – breves registros

paradiplomáticos. 4 O federalismo como pressuposto da Paradiplomacia. 5 Causas da

Paradiplomacia. 6 Conclusão. Referências.

1 INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, notadamente a partir da Globalização, as interações

transnacionais conheceram uma espantosa intensificação. De forma que as fronteiras

geográficas entre os Estados se esvaem; os meios de comunicação se intensificam; as pessoas

se deslocam mais facilmente; e o capital segue um rumo extraordinariamente ágil, nunca antes

experimentado pelo sistema financeiro.

Em suma, essas relações mútuas, características de um mundo globalizado, levam-nos

a compreender a Sociedade Internacional e suas vinculações sob uma dimensão de dependência

e interdependência. Nessa conjuntura, os atores não sobrevivem isolados e as hierarquias

estatais, antes imóveis, tendem agora a se deslocar muito rapidamente, com a finalidade de não

perder as oportunidades de sobrevivência, crescimento e desenvolvimento que a Sociedade

Internacional oferece.

Desse modo, o Estado nacional parece ter perdido a sua tradicional centralidade,

enquanto unidade singular de iniciativa econômica, social e política, tendo em vista que a

intensificação das interações que atravessam as fronteiras corrói a capacidade que o Estado

nacional tinha, de maneira isolada, para o controle do fluxo de pessoas, bens, capital e ideias.

Assim, sob o manto da Globalização e da interdependência entre os atores, na

interativa e dinâmica Sociedade Internacional, emerge a justificativa deste artigo: Ao que

parece, o mundo globalizado oferece o ambiente perfeito para que as Unidades Subnacionais

conduzam as suas próprias relações e a sua Política Externa, de modo a alcançar a satisfação de

seus específicos interesses.

1 Mestre em Relações Internacionais pela UEPB. Graduada em Direito. Professora titular do Centro de Ciências

Jurídicas (CCJ) da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Coordenadora da Especialização em Direitos

Fundamentais e Democracia da mesma Ies. Membro do Núcleo de Estudo e Pesquisa sobre Novos paradigmas

constitucionais. E-mail: [email protected]

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Sem olvidar da variedade de atores capazes de influenciar os destinos da Sociedade

Internacional, cabe inicialmente esclarecer que a Paradiplomacia é um fenômeno tipicamente

exercido pelas Unidades Subnacionais; ou seja, o elemento essencial para caracterizar uma

relação internacional como paradiplomática é a existência de uma Unidade Subnacional em um

dos polos da relação. Em se tratando do Brasil, sob o ponto de vista doméstico, a

Paradiplomacia somente ocorrerá, quando um Município ou Estado Federativo firmar relações

com entes internacionais sem a intermediação da União, esteja o Ministério das Relações

Exteriores (MRE), ciente ou não de tal relação.

Nessa esteira referencial, elegemos como objeto central deste texto o construto teórico

de Soldatos (1990); Duchacek (1990) e Paquin (2004) complementados por Ribeiro (2008);

Keating (2004) e Nunes (2005) sobre as causas da Paradiplomacia. Antes de adentrar na

discussão sobre as motivações que justificam o fenômeno, faremos um passeio sobre a

Diplomacia e a Paradiplomacia, traçando diferenças e semelhanças. Em seguida, algumas

reflexões sobre as experiências paradiplomáticas nos EUA e Canadá, notadamente no tocante

às limitações por força de lei. Destacamos também, a abordagem sobre o Federalismo, o

compreendendo como um lócus perfeito, porém não exclusivo, para a disseminação de tais

práticas, bem como para a compreensão dos significados de autonomia e soberania neste tipo

de organização estatal. Por fim, nos acostamos nas considerações de Robert Keohane e Joseph

Nye (2001) sobre a teoria da “interdependência complexa”.

Inicialmente faremos uma pesquisa teórica, com o emprego do método dedutivo de

abordagem, partindo de uma apreciação geral do tema, para uma particular, com o objetivo de

fornecer um embasamento teórico sobre o assunto, para assim, ter uma melhor compreensão de

suas peculiaridades. Para tanto, utilizaremos a pesquisa bibliográfica baseada em livros,

periódicos, legislações, dissertações, teses e demais publicações pertinentes ao tema.

2 A PARADIPLOMACIA

Sob o manto da Globalização surgiu na década de 1980, o termo Paradiplomacia, na

tentativa de explicar a atípica performance das Unidades Subnacionais estadunidenses e

canadenses no cenário internacional. O prefixo “para” se refere à possibilidade de atuação

paralela entre Unidade Subnacional e Governo Central, ou seja, a capacidade acessória das

Unidades Subnacionais também atuarem diplomaticamente.

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Conforme Bobbio (1998), o termo Diplomacia foi usado pela primeira vez, na acepção

corrente, por Edmund Burke em 1796. Deriva de diploma, que era a folha enrolada usada

antigamente para as leis e para os editais públicos e que passou a ser, depois, sinônimo de

licença e privilégio concedidos às pessoas. O uso de mensageiros, para dirimir as controvérsias

entre os atores internacionais é prática muito antiga. Tais mensageiros, também chamados de

arautos, embrião da profissão exercida pelos Diplomatas, são atores fundamentais para a

comunicação nas relações internacionais.

Dada sua relevância, em certa medida, podemos afirmar que a Diplomacia gera uma

espécie de relativização da soberania estatal, uma vez que as convenções e acordos celebrados,

tanto em nível bilateral quanto multilateral, vincula os Estados contratantes a obrigações

internacionais – pacta sunt servanda2 – as quais se constituem, grosso modo, em limitação do

poder discricionário dos Estados signatários.

De tal modo, percebe-sepercebemos na Diplomacia, a função originária de conduzir

as relações entre os atores internacionais. Sua essência de transação e mediação permanece

preservada, de modo que, a Diplomacia continua sendo nos dias atuais, importante canal de

comunicação entre as esferas extraterritoriais. Todavia, em se tratando de Sociedade

Internacional contemporânea, há uma diferença que merece destaque: a denominação dos atores

envolvidos. Ou seja, a prática diplomática, antes privilégio isolado do Estado-nação, hoje é

realidade cotidiana dos diversos atores internacionais3. De acordo com Zabala (apud RIBEIRO,

2008, p. 73):

[...] o neologismo Paradiplomacia surgiu nos anos 1980 de forma ´inocente e

empírica’ no campo da política comparada de estados federados e da teoria renovada

do federalismo, especificamente na literatura norte-americana, onde o prefixo para

designaria além de algo paralelo, algo associado a uma capacidade acessória ou

subsidiária, referindo-se à atuação ´diplomática’ dos governos subnacionais.

Deste modo, seguindo o mesmo raciocínio da Diplomacia, temos a Diplomacia

Paralela4, aquela desenvolvida pelas Unidades Subnacionais. Apesar de não encontrar respaldo

2 Pacta Sunt Servanda é um brocado latino que significa “os pactos devem ser respeitados” ou “ os acordos devem

ser cumpridos”. Trata-se de um princípio basilar do Direito Civil e do Direito Internacional. 3 As relações internacionais contemporâneas admitem uma variedade muito grande de atores, na medida em que

detenham a possibilidade de realizar fluxos no cenário internacional. Como, por exemplo: Estados nacionais,

Organizações Internacionais, Empresas multinacionais e transnacionais, ONGs, Grupos Separatistas, Beligerantes,

Terroristas, Unidades Subnacionais, dentre outras. 4 Para fins deste trabalho, entendemos que a Diplomacia Paralela (Paradiplomacia) preserva a mesma essência de

negociação e mediação da Diplomacia, diferindo basicamente no tipo de ator envolvido na relação.

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em todos os ordenamentos jurídicos, vem sendo tolerada e motivada de diferentes formas pelas

Nações espalhadas no mundo.

Em termos jurídicos, referimo-nos às Unidades Subnacionais como pessoas jurídicas

de direito público interno que são dotadas de certo grau de autonomia sobre parcela territorial

delimitada e que estão inseridas em Estados Nacionais. Dependendo do país, de sua forma de

organização estatal e de suas peculiaridades políticas, históricas e culturais, essas unidades

ganham diferentes nomes, a exemplo de: Estados membros, Estados federados, Estados

federativos, Estados não-centrais, Regiões, Províncias, Regiões Autônomas, Länder, Cantões,

Departamentos, Comunas, Municípios e Cidades.

Neste trabalho, utilizaremos a terminologia Unidades Subnacionais, por ser esta a

nomenclatura mais recorrentemente empregada nas pesquisas de Paradiplomacia desenvolvidas

em nosso país. Cabe ainda ressaltar que, em se tratando de Brasil, as Unidades Subnacionais

são os Estados Federativos e os Municípios. De tal modo, compreendemos que o fenômeno5 da

Paradiplomacia caracteriza-se basicamente pela possibilidade dessas Unidades Subnacionais

formularem e executarem uma Política Externa própria, aconteça ela com ou sem o auxílio do

governo central.

A Paradiplomacia abrange a relação entre o local, o regional e o global, significando

o transpasse dos limites unívocos da nacionalidade, como balizadores da Política Externa de

um Estado na objetivação de acordos comerciais, culturais, políticos, científicos etc, para a

consecução dos mais variados e distintos fins. Dessa forma, podemos defini-la como:

O envolvimento de governo subnacional nas relações internacionais, por meio do

estabelecimento de contatos, formais e informais, permanentes ou provisórios (ad

hoc), com entidades estrangeiras públicas ou privadas, objetivando promover

resultados socioeconômicos ou políticos, bem como qualquer outra dimensão externa

de sua própria competência constitucional. (PRIETO, 2004, p.251)

Outrossim, verificamos que a Paradiplomacia nos moldes dos novos fenômenos, sob

as perspectivas qualitativas e quantitativas6, defendida por Soldatos (1990), está estruturada em

5Soldatos (1990) referencia a Paradiplomacia como um fenômeno de “many voices” na política externa.

6 De acordo com Soldatos (1990), em termos qualitativos, as atividades das Unidades Subnacionais têm sido diretas

e relativamente autônomas. Sob uma análise quantitativa, as atividades externas das unidades federativas são sem

precedentes, tanto na medida em que seu ritmo se acelerou, tornando-se cada vez mais amplas em termos de

assuntos sistêmicos, como também, nas mais variadas relações, medidas pelo volume de interação e pelo número

de parceiros.

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relações complexas e plurais, típicas da globalização, conforme explicita Olsson (2003): as

relações são complexas na medida em que envolvem inúmeros elos ou nexos simultâneos entre

os atores, acelerados pelas tecnologias de informática e de comunicações, formando aquilo que

se refere usualmente como uma “sociedade em rede”, na qual cada ator está ligado a outros

atores por diversas naturezas e interesses. E são também plurais porque envolvem um número

muito grande e variado de atores.

Nesse sentido, o fenômeno da Paradiplomacia demonstra um paradoxo de forças

políticas com bases cada vez mais locais em um mundo estruturado por processos cada vez

mais globais e, assim, as cidades adquirem um forte protagonismo, facilmente visível nas

esferas política, econômica, social, cultural e nos meios de comunicação.

3 EUA E CANADÁ – BREVES REGISTROS PARADIPLOMÁTICOS

A Constituição dos Estados Unidos da América (1787) enumera uma série de condutas

vedadas às Unidades Subnacionais. Dispõe expressamente na Seção 10, art. I,7 que nenhum

Estado poderá participar de tratado, aliança ou confederação. Nenhuma Unidade Subnacional,

por exemplo, poderá, sem o consentimento do Congresso, lançar impostos ou direitos sobre a

importação ou a exportação, salvo os absolutamente necessários à execução de suas leis de

inspeção, como também, manter em tempo de paz exércitos ou navios de guerra, concluir

tratados ou alianças quer com outro Estado, quer com potências estrangeiras, ou entrar em

guerra, a menos que seja invadido ou esteja em perigo tão iminente que não admita demora.

Entretanto, a realidade americana tem-se apresentado diversa da prevista em seu texto

legal. De fato, é cada vez mais comum a participação ativa de Unidades Subnacionais norte-

americanas no cenário internacional. De acordo com José Vicente Lessa (apud CASTELO

BRANCO, 2008, p.78) temos que:

7 Do Original: Section 10 - Powers prohibited of States No State shall enter into any Treaty, Alliance, or

Confederation; grant Letters of Marque and Reprisal; coin Money; emit Bills of Credit; make any Thing but gold

and silver Coin a Tender in Payment of Debts; pass any Bill of Attainder, ex post facto Law, or Law impairing the

Obligation of Contracts, or grant any Title of Nobility.No State shall, without the Consent of the Congress, lay any

Imposts or Duties on Imports or Exports, except what may be absolutely necessary for executing it's inspection

Laws: and the net Produce of all Duties and Imposts, laid by any State on Imports or Exports, shall be for the Use

of the Treasury of the United States; and all such Laws shall be subject to the Revision and Controul of the

Congress.No State shall, without the Consent of Congress, lay any duty of Tonnage, keep Troops, or Ships of War

in time of Peace, enter into any Agreement or Compact with another State, or with a foreign Power, or engage in

War, unless actually invaded, or in such imminent Danger as will not admit of delay. Disponível em:

http://federali.st/constitution, acesso em 24.08.14.

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[...] nos anos 70 o comércio exterior quase dobra sua participação no PIB americano;

e nos anos 80, os EUA se convertem nos maiores receptores de investimentos

estrangeiros. Em conseqüência desse surto econômico-comercial, os governadores

dos Estados desenvolveram um interesse direto nas relações econômicas

internacionais.

Nesse contexto, é cada vez mais crescente o número de escritórios de representação

abertos pelos Estados federados norte-americanos no exterior. Também na América do Norte,

destacamos o pioneirismo do Canadá. A Paradiplomacia canadense tem contornos marcados

pela própria história da colonização8 de seu território, haja vista ter ocorrido sob os desígnios

de ingleses e franceses.

Com o fim da Guerra Civil dos Estados Unidos, lideranças políticas canadenses

defendiam que a união política das províncias era fundamental para que os EUA não tentassem

a anexação de seus territórios. De acordo com Castelo Branco (2008), somente no ano de 1982,

quando o Canadá Act9 foi finalmente aprovado, é que o Canadá passa a ter o controle completo

e uma unidade de sua Constituição, eliminando os laços legais ainda existentes entre os dois

países.

No entanto, a província “francesa” de Quebec nunca deixou de lado a ideia de

separação. Na década de 1980, relevante movimento discutiu a separação política de seu

território. A justificativa para esta ação seriam os paradigmas culturais quebequenses que

estariam muito mais próximos a uma tradição cultural francesa do que a do restante do território,

marcado pela hegemônica colonização britânica. Apesar da movimentação, Quebec continua

sendo um domínio canadense.

A província instituiu um representante em Paris, no ano de 1882, antes mesmo que a

Confederação o fizesse. Hoje, Quebec comporta um Ministério de Relações Internacionais,

como também mantém dezenas de escritórios de representação no exterior, participando direta

8 A colonização do Canadá teve início fora do processo de expansão mercantilista que marca a Europa da Idade

Moderna. O navegador italiano Giovani Caboto, a serviço dos membros da Coroa Britânica, reivindicou o domínio

europeu no ano de 1497. Logo em seguida, os franceses também se fixaram na região para imprimir as suas

atividades de natureza colonial. Pela definição de algumas teorias, a aventura britânica e francesa pela América do

Norte aconteceu como um desdobramento das tentativas de se buscar outra rota marítimo-comercial para o Oriente.

A presença franco-britânica foi marcada por várias disputas que pretendiam impor a hegemonia de um só país no

território colonial canadense. Por fim, observa-se que uma parte significativa do território acabou sendo controlada

pelo governo britânico. Para mais informações, ver www.brasilescola.com/historia-daamerica/historia-

canada.htm, acesso em 12.06.2014 9 O Canadá Act foi um ato parlamentar de 1982, emanado pelo Parlamento do Reino Unido que terminou com

todos os laços constitucionais e legislativos que existiam entre o Reino Unido e o Canadá.

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e ativamente das negociações internacionais do Estado do Canadá. Assim, não é por acaso que

o Canadá é alvo de um grande número de pesquisas10 que se dedicam aos estudos da temática

da Paradiplomacia, como também, os estudos acerca de regimes federativos nos quais os

poderes do nível provincial, ou das Unidades Subnacionais, como queiram, são tão extensos,

que às vezes chegam a superar os próprios poderes do governo central. É importante concordar

que:

A maioria das ações e o estabelecimento de representações no estrangeiro têm sido

motivadas, sobretudo, por questões de natureza econômica. Como a Constituição

canadense determina que as províncias devem dividir com o ente central a

responsabilidade pelo desenvolvimento e crescimento econômico, as atividades

paradiplomáticas têm complementado – e não dificultado - os interesses do governo

central canadense. Nessa linha de idéias, a maioria dos governos das províncias

assume também as implicações internacionais desse papel, já que o aumento das

exportações e a atração de investimentos são vistos como canais para a criação de

empregos e fomento do crescimento da economia. (FARIAS, 2000, p.55)

Em tese, mesmo com a evidente busca de benefícios no âmbito da economia, percebe-

se, claramente, que o governo de Quebec também visa uma futura independência a ser

negociada e já busca o exercício de uma política externa orientada para o mundo da

francofonia11. Afinal, essa Unidade Subnacional tem primado pelo estabelecimento de relações

com a França e demais países francófonos, estruturando políticas internas de valorização do

idioma francês e seleção de imigrantes francófonos, evidenciando uma identidade cultural

diferenciada em relação ao Canadá.

4 O FEDERALISMO COMO PRESSUPOSTO DA PARADIPLOMACIA

O fenômeno da Paradiplomacia pode ocorrer de diferentes formas e em diferentes

Nações, independentemente de contornos históricos, econômicos, culturais e políticos,

entretanto, ao que parece, é nos países organizados sob a égide do Federalismo, notadamente

aqueles com relevantes contornos democráticos, que o fenômeno encontra subsídio para se

10 O professor Hans J. Michelmann, da Universidade de Saskatchewan - Canadá e o professor Panayotis Soldatos

da Universidade de Montreal-Canadá, editaram, em 1990, obra pioneira sobre a temática da Paradiplomacia. Com

a colaboração de autores como Duchacek, Feldman, Kincaid, Fry e outros, a obra, “Federalism and International

Relations – The Role of Subnational Units” – OXFORD, referencial na área, é de consulta obrigatória para os

estudiosos do fenômeno da Paradiplomacia. 11 A francofonia é a região linguística descontínua e que corresponde à comunidade lingüística que envolve todas

as pessoas que têm em comum a língua francesa, chamadas de "francófonas", e, a partir dela, compartilham de

aspectos culturais semelhantes.

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desenvolver mais plenamente; exemplo disso são as experiências paradiplomáticas na Suíça,

Alemanha, EUA, Canadá, Brasil e Argentina. Nesse sentido, sugere Duchacek (1990):

“Sistemas federais flexíveis têm maior capacidade para lidar com problemas de

interdependência global e regional do que sistemas unitários ou autoritários”.

A soma de países federais no mundo é modesta, a saber: Estados Unidos, Canadá,

Rússia, Índia, Brasil, Austrália, Áustria, Suíça, Alemanha, Argentina, México, Venezuela,

Nigéria, Paquistão e Malásia. Há de se notar que, em sua maioria, as nações federalistas são

aquelas que possuem as maiores extensões territoriais do mundo.

Todavia é bom lembrar que a inserção internacional de Unidades Subnacionais não é

privilégio deste tipo de Estado. A realidade contemporânea vem trazendo novos tipos de

relações entre o Estado central e suas subunidades. O caso da Espanha, por exemplo, é evidente.

Embora seja formalmente um Estado unitário, o Estado central convive com um acentuado grau

de autonomia das regiões da Catalunha, Galícia e País Basco. Assim, as possibilidades de

atuação externa das Unidades Subnacionais variam de Nação para Nação. Consequentemente,

cada modelo de organização estatal, em consonância com a sua legislação e, ainda, levando-se

em consideração as particularidades de ordem econômica, política, histórica e cultural,

conferem graus distintos de autonomia às suas subunidades.

Para Dallari (2003), os Estados são unitários, quando têm um único poder central, que

é a cúpula e o núcleo do poder político; e são federais, quando conjugam vários centros

autônomos de poder político. Desse modo, a premissa essencial do Federalismo é a junção de

vários centros autônomos de poder político. Em regra, os critérios a serem conservados nesta

concepção estatal seriam o da não-subordinação do governo estadual ao governo nacional; a

autonomia dos membros; igualdade e cooperação. Os limites, direitos, deveres e garantias que

regem esta relação devem estar dispostos na Constituição do país.

Nesse sentido, os membros de Estados federais possuem certa autonomia, ou seja,

capacidade de auto organizar-se, em função de seu próprio poder e vontade, obviamente dentro

dos limites e nas áreas que forem atribuídas pela Constituição que rege o pacto federativo de

que fazem parte, diferentemente do que ocorre com os membros de Estados unitários que, por

sua vez, normalmente não possuem autonomia.

Para fins deste trabalho, a autonomia não deve ser confundida com a soberania,

categoria, esta inerente à própria existência dos Estados nacionais, carregada de poder real e

imagético sobre o modo pelo qual se deve proceder as relações entre os povos. Essa tão falada

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soberania, possuidora de funções específicas, simplifica a realidade e constantemente favorece

a ação dos atores estatais centrais.

O Brasil, inicialmente um Estado unitário, após a instauração da República e a adoção

da Constituição de 1891, dividiu-se internamente, delegou autonomia às suas novas unidades

políticas internas e continuou conservando para si a soberania do território como um todo.

Desse modo, sob o manto do Federalismo, em âmbito externo, os membros da República

Federativa Brasileira, ou seja, as Unidades Subnacionais, não possuem representações

diplomáticas e nem firmam tratados, tendo apenas personalidade jurídica de direito público

interno.

O poder de autodeterminação e capacidade de se auto-organizar, inerente à existência

dessas Unidades Subnacionais, acarreta-lhes um status de autonomia. Assim, reserva-se a

soberania para o Estado central federalista, restando a autonomia para as Unidades

Subnacionais que compõem a Federação. Nesse sentido:

Duas forças convivem e se tensionam na relação entre governo central e as províncias:

uma tendência centrípeta, que procura reter o poder para o governo central, não

impedindo ações autônomas das unidades subnacionais, mas as regulando e

controlando; e a tendência centrífuga, que mostra a ação das unidades subnacionais

em buscar maior autonomia política e econômica para seus interesses próprios,

facilitadas pelas crescentes assimetrias na distribuição dos recursos internos e pelas

oportunidades de negócios abertas com os efeitos decorrentes da globalização

(KUGELMAS e BRANCO, 2005, p. 169)

No entrelaçamento das visões do Federalismo e da Paradiplomacia, deparamo-nos com

o elemento chave desta pesquisa, que é o grau de autonomia das Unidades Subnacionais. É essa

quantidade de autonomia que permite uma atuação mais ou menos espontânea destas unidades.

Trata-se de uma simbiose natural entre as funções, deveres e responsabilidades que as cercam

e o governo central, fazendo com que os interesses específicos das Unidades Subnacionais

estejam efetivamente em pauta.

Para Saraiva (2004), os municípios brasileiros, após a Constituição de 1988, passaram

a ter autonomia política, jurídica e administrativa em relação ao governo federal. De modo

otimista, o autor defende que, conforme os ditames do paradigma do Estado-logístico12, essa

12 Logístico é aquele Estado que não se reduz a prestar serviço, como fazia à época do desenvolvimentismo, nem

a assistir passivamente às forças do mercado e do poder hegemônico, como se portava a época no neoliberalismo.

É logístico porque exerce a função de apoio e legitimação das iniciativas de outros atores econômicos e sociais.

Contrariamente à presunção da literatura acerca da globalização, esse novo paradigma, introduzido por Cardoso e

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autonomia é compreendida como os espaços de manobra consolidados na CF, para os

municípios de menor autonomia, e que o compartilhamento semiautônomo dos Estados-

membros da federação é que edifica a base da governança política do Estado nacional pela via

da representação direta no Senado Federal e pela Câmara dos Deputados. Isso é o que o autor

vem a cunhar de: “relativa autonomia” das municipalidades. Para ele, o Estado logístico é o

paradigma ideal para o reconhecimento da atuação internacional das Unidades Subnacionais,

senão vejamos:

O novo paradigma da valorização dos entes subnacionais coincide com a emergência

do paradigma do Estado logístico no Brasil. O Estado logístico, ao procurar expor a

vontade de fortalecer o núcleo nacional da ação externa do Brasil, passa a operar

diretamente na transferência à sociedade da responsabilidade empreendedora,

ajudando-a a atuar no ambiente externo. A busca por um melhor modo de equilibrar

os benefícios da interdependência por meio de uma inserção madura no mundo

globalizado é o elemento aglutinador das posições e opções. (SARAIVA, 2004, p.139)

Trata-se de uma verdadeira quebra de paradigmas. Sob a perspectiva da atuação

internacional das Unidades Subnacionais brasileiras, presenciamos, ainda que lentamente, a

passagem do paradigma estatocêntrico para o logístico. As tradicionais políticas públicas

municipais, por muito tempo, foram voltadas somente para o lado interno dos municípios. As

ações eram planejadas e executadas estritamente dentro dos limites de seus respectivos

territórios. Entretanto, em conformidade com o paradigma do Estado logístico, essa

configuração vem sofrendo relevantes modificações.

Como vimos, o novo cenário de correlação internacional das Unidades Subnacionais

se intensifica frente aos efeitos da globalização, de modo que, na derrubada das fronteiras,

muito em função do desenvolvimento tecnológico, espalha-se no mundo um sentimento de

integração universal. O Brasil também se insere nesse atual contexto, no qual os municípios

procuram incansavelmente estratégias de desenvolvimento próprias, visando à satisfação de

seus interesses locais e específicos.

Em nosso país, é cada vez mais frequente o planejamento de ações externas pelos

municípios como, por exemplo: a cooperação internacional para o intercâmbio de experiências

exitosas; missões comerciais ao exterior; participação em eventos internacionais; participação

em redes de cidades; visitas oficiais recebidas e efetuadas; captação de recursos, dentre outras.

consolidado por Lula, não admite que diante das forças internacionais os governos sejam incapazes de governar.

(CERVO, 2008, p.495)

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Apesar das iniciativas de ações externas dos municípios brasileiros, o que constatamos

é que:

De forma geral, entende-se que o Estado federal é soberano, ao passo que as unidades

federadas que o compõem são tão-somente autônomas. Com efeito, em se seguindo a

orientação tradicional, segundo a qual a manutenção de relações com outros Estados

é uma prerrogativa de soberania, tais subunidades não disporiam de capacidade de,

per se, assumir compromissos internacionais. (PRAZERES, 2004, p. 287)

Assim, partindo do pressuposto de que o governo municipal possui responsabilidades

para com o desenvolvimento local e que, para tal, possui autonomia, nos inquietamos com a

percepção de que essa autonomia no Brasil ainda é legalmente limitada aos contornos nacionais,

permanecendo restrita ao poder centralizador da União.

Por outro lado, há de se destacar que o obstáculo da não institucionalização (ausência

de marco legal) da Paradiplomacia não é suficiente para barrar a atuação internacional de nossos

municípios. Nesse sentido, as práticas paradiplomáticas no Brasil se assemelham às

experiências dos EUA e Canadá, na medida em que, as Unidades Subnacionais dessas Nações,

ao atuar no cenário internacional de modo direto, sem a autorização e independentemente de

regulamentação do fenômeno, conseguem perfurar a soberania do Estado central.

5 CAUSAS DA PARADIPLOMACIA

Como vimos, a Paradiplomacia vem se espalhando em várias partes do mundo. EUA

e Canadá foram vanguardistas, mas não são exclusivistas. A própria Espanha, de encontro à

lógica dos países federalistas, também apresenta contornos paradiplomáticos significativos. O

Brasil, por sua vez, em sede de texto constitucional13, veda a atuação protagonista dos estados

e municípios, ao reservar para o Governo Central, o poder privativo de firmar tratados (ato

jurídico típico que legitima as relações entre os atores internacionais), ao passo em que, numa

forma de descompasso, permite que a prática se espalhe nos quatro cantos de nosso país.

Nessa gangorra de interesses entre as Unidades Subnacionais e o Governo Central

acostado em limitações legais, nos questionamos: Quais os motivos que levam as Unidades

Subnacionais a exercerem diretamente um papel que é próprio do Estado central? A resposta a

13 Constituição Federal do Brasil - Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: VIII - celebrar

tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional; (BRASIL, 2014), Grifo

nosso.

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PARADIPLOMACIA

CAUSAS INTERNAS DAS

UNIDADES SUBNACIONAIS

CAUSAS INTERNAS DO

GOVERNO CENTRAL

CAUSAS EXTERNAS

este questionamento, nos leva a pesquisar o fenômeno da Paradiplomacia em sua completude,

causas e conseqüências se entrelaçam e apontam as justificativas essenciais para a inserção

internacional das Unidades Subnacionais.

De acordo com Soldatos (1990), as causas da Paradiplomacia se subdividem em: 1.

Determinantes externas e 2. Determinantes domésticas, estas, por sua vez, subdividem-se em

causas internas das Unidades Subnacionais e causas internas do Governo Federal. A figura e o

quadro abaixo refletem claramente a relação multifatorial que compõe os fatores motivacionais

da Paradiplomacia. O autor lembra que, apesar de ter explorado as causas mais importantes, as

mesmas não são exaustivas.

1. Causas da Paradiplomacia

Figura 1: Causas da Paradiplomacia

Fonte: Elaborado pela autora,

com base em Soldatos (1990)

Os tipos de segmentação, acrescidos de outros fatores internos, dão causa ao exercício

do fenômeno. Assim, as motivações internas que levam as Unidades Subnacionais à prática da

Paradiplomacia, elencadas por Soldatos (1990), são: Segmentação Objetiva; Segmentação

Perceptual (Eleitorado); Regionalismo; Assimetrias entre as Unidades Subnacionais; Elevação

dos níveis de crescimento destas unidades e o Me-tooism14.

A Segmentação Objetiva se refere à diversidade das características geográficas,

culturais, linguísticas, religiosas e políticas, que distinguem uma Unidade Subnacional de outra

e do restante do próprio país. Tal segmentação pode criar conflitos de interesses durante a busca

de uma política externa centralizada e pode induzir as elites e a população das Unidades

Subnacionais a acreditarem na necessidade de uma atuação externa autônoma e direta.

Já a Segmentação Perceptual (Eleitorado) é geralmente relacionada com a

Segmentação Objetiva, mas pode também ser o produto da percepção de diferenças, mesmo

sem bases na realidade do sistema. Essas diferenças correspondem à maneira como as Unidades

14 Para Soldatos (1990), o fenômeno do “me-tooism” (“eu também quero”) refere-se ao mimetismo provocado pelo

exemplo de algumas unidades subnacionais, cujos passos seriam seguidos por outros governos municipais.

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Causas Internas das Unidades Subnacionais

•Segmentação Objetiva

•Segmentação Perceptual;

•Regionalismo;

•Assimetrias entre as unidades subnacionais;

•Elevação dos níveis de crescimento ;

•Me-Tooism

Causas Internas do Governo Central

•Ineficiência do Governo Federal;

•Problemas com o processo de construção da Nação;

•Lacuna institucional;

•Incertezas Constitucionais;

•Domesticação da Política Externa

Causas Externas

•Crescente internacionalização da economia;

•Interdependência entre as Sociedades

Subnacionais se veem, fazendo com que estas não se sintam bem representadas no nível do

governo central, impulsionando-se ao ambiente externo. As pressões políticas do eleitorado são

frequentemente expressões dessas percepções.

As Segmentações Objetivas e Perceptuais também contribuem para o regionalismo.

Na verdade, as Unidades Subnacionais, devido à segmentação objetiva e perceptual, nem

sempre estão bem representadas em nível de Governo central, e assim, buscam o envolvimento

internacional direto, para melhor servir seus próprios interesses. Assim, o regionalismo torna-

se um ingrediente para as Segmentações Política e do Ator, contribuindo para o nacionalismo

que, por sua vez, podem levar à Paradiplomacia.

O fenômeno também pode ser acentuado com as assimetrias existentes entre as

Unidades Subnacionais. Algumas delas podem ver a política externa como um produto de elites

dominantes, situadas em uma ou mais Unidades Subnacionais econômicas e

administrativamente poderosas. No Canadá, exemplifica Soldatos (1990), há um ressentimento

das províncias ocidentais no que se refere às iniciativas econômicas externas do país. Essa

insatisfação pode ser explicada parcialmente pela percepção de que tais políticas são feitas pelas

elites de Ontário e do Canadá central (Ontário e Quebec), ambas agindo em níveis federais.

O crescimento das Unidades Subnacionais, no tocante a instituições, orçamentos e

funções, encoraja as elites subnacionais a buscar novos papéis, incluindo funções na política

externa. Assim, o esquema de elites competitivas, é desenvolvido através das elites nacionais e

subnacionais, ocupando o campo da política externa e contribuindo para a internacionalização

das Unidades Subnacionais. Por fim, Soldatos (1990) aponta um importante determinante

doméstico da ação externa, o “me-tooism”, fenômeno que leva Unidades Subnacionais a

seguirem os passos de outras, em papéis internacionais.

Quadro 1: Causas da Paradiplomacia

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Quadro 1: Causas da paradiplomacia

Fonte: Elaborado pela autora, com base em Soldatos (1990)

Sob o ponto de vista central, ou seja, as motivações que surgem a partir da atuação

interna do Governo Federal, o autor sugere: a ineficiência do Governo Federal; problemas com

o processo de construção da Nação; lacuna institucional; incertezas constitucionais e a

domesticação da política externa, propriamente dita, como fatores motivacionais e justificantes

para a Paradiplomacia.

Os erros e/ou a ineficiência do Governo Federal na conduta das relações externas

devido, por exemplo, à burocratização, às experiências insuficientes, recursos limitados e a

segmentação objetiva e perceptual, é um ingrediente de segmentação política e do ator. As

Unidades Subnacionais tentam, através do seu envolvimento internacional, remediar a situação

e oferecer ao Sistema uma Paradiplomacia de suporte ou até mesmo substitutiva.

Os problemas com o processo de construção da Nação, de acordo com Soldatos (1990),

também podem levar à Paradiplomacia, a adesão à defesa de um interesse nacional global,

através de uma ação política externa que sugere a necessidade de um controle subnacional de

relações externas. Por exemplo, a crise sistêmica do Canadá nos anos sessenta e setenta foi

também uma crise de política externa, dado o conflito entre Quebec e Ottawa, no que se refere

aos papéis internacionais.

Uma lacuna institucional, isto é, a ausência de representatividade dos interesses das

Unidades Subnacionais, por parte do Governo central, além das incertezas constitucionais na

divisão de competências da política externa, podem encorajar as Unidades Subnacionais a

buscar desempenhar papéis internacionalmente. No Canadá, Quebec reconheceu tais incertezas

constitucionais e conseguiu desenvolver-se externamente, ao invocar o princípio da “extensão

externa da competência interna”. Conforme vimos, essa província tem desempenhado relevante

papel na política externa canadense.

A domesticação da política externa, isto é, a ênfase constante e substancial em questões

de low politics15, motiva as Unidades Subnacionais, que têm competências constitucionais e

15 Low politics, são as típicas políticas periféricas, em regra, versam sobre (cultura, serviços, educação, cooperação)

e assuntos de relevância eminentemente regional.

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interesses sistêmicos próprios, a desenvolverem um papel na política externa no sentido de

proteger seus direitos constitucionais e poder enfrentar os desafios modernos da vida

internacional. Senão vejamos:

Corroborando com a visão de vários autores (HOCKING, 1990; KEATING, 2000),

Soldatos (1990) aponta a atual “domesticação da política externa” como outra

importante causa propulsora da ação externa subnacional, vez que esta agora se volta

com substancial ênfase para questões “low-politics”, com novos temas da agenda

internacional envolvendo campos sob a incumbência dos governos subnacionais ou

que têm influência no seu território, motivando unidades federadas a desenvolver um

papel em política externa com o fim de proteger seus direitos constitucionais e torná-

las aptas a responder aos novos desafios. (RIBEIRO, 2008, p.95)

Enfim, o arremate motivacional da Paradiplomacia desenvolvido por Soldatos (1990)

se dá com as causas externas. O autor aponta a crescente internacionalização da economia e a

interdependência entre as sociedades como fatores externos que determinam a incidência do

fenômeno. Em nosso entendimento, esses fatores contribuem para um status de soberania

perfurada, em que as fronteiras nacionais nem sempre protegem suas Unidades Subnacionais

das influências econômicas, culturais, como, por exemplo, a do desemprego estrutural, dentre

outras.

Soldatos (1990) enfatiza que o contexto atual, caracterizado por uma interdependência

complexa, constitui-se no grande fator propulsor da ação subnacional em direção ao ambiente

internacional, considerando-se aqui a interdependência nos níveis global, micro-regional,

macro-regional, como ainda o envolvimento de atores externos. No nível global, o crescimento

da internacionalização da economia e as ligações entre sociedades industriais avançadas

exercem um duplo impacto na soberania do Estado.

Nesse sentido, vale recordar o posicionamento de Robert Keohane e Joseph Nye

(2001), quando apontam que a redução nos custos da comunicação aumentou o grau de

participação de outros atores no cenário internacional, expressão que definiram como

“interdependência complexa”.

Desse modo, o conceito de interdependência complexa passa a considerar um

aprofundamento das interações entre os diversos atores internacionais, tendo como

características principais: 1º) a existência de múltiplos canais de articulação entre as sociedades

através de interações formais e informais entre autoridades e entre atores privados; 2º) a

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ausência de hierarquia entre as questões, implicando peso e conexões variáveis entre os temas

de segurança nacional e demais assuntos de política doméstica e externa; e 3º) uma diminuição

da importância do uso da força como instrumento eficaz de política pelos Estados, quando a

cooperação passa a ser um instrumento na busca de ganhos mútuos.

Isso leva ao estabelecimento de relações diretas entre estas unidades e agentes

estrangeiros, a exemplo de corporações multinacionais. Além do mais, a economia mundial,

com sua alta mobilidade de capital e articulação entre fronteiras de espaços econômicos

interdependentes, induz as Unidades Subnacionais a buscarem a Paradiplomacia com a

finalidade de promover seus interesses, notadamente em casos nos quais a ineficiência do

Governo Federal é evidente.

Por outro lado, essa mesma economia mundial e a interdependência podem encorajar

os Governos Federais a lidarem com a ampliação dos papéis desses atores internacionais,

gerando uma espécie de contra reação das Unidades Subnacionais, desejando, assim, proteger

seus interesses, suas jurisdições e seus papéis. Desse modo, a Paradiplomacia pode ser o

resultado de envolvimentos de agentes externos, como também a influência de fatores de

interdependência regional.

Comparando a visão de Soldatos (1990) com a de outros autores, verifica-se um certo

consenso nos estudos sobre as motivações das Unidades Subnacionais para sua inserção no

ambiente internacional. Duchacek (1990) analisa essas motivações com base em três únicas

vertentes, argumentando que, apesar de variarem muito, elas são predominantemente técnicas

e econômicas, e apenas parcialmente políticas, exceto no caso de Unidades Subnacionais com

caráter secessionista. Por sua vez, Paquin (2004), quando distingue a Paradiplomacia clássica

da Paradiplomacia identitária e da Protodiplomacia, adota subliminarmente como critério de

categorização a própria motivação central da ação paradiplomática.

Ribeiro (2008) classifica as motivações de inserção internacional das Unidades

Subnacionais em quatro grandes categorias, considerando primeiramente as motivações

econômicas, seguidas daquelas de ordem cultural, de ordem política e, por fim, aquelas que

surgem com base em novos temas da agenda internacional.

De acordo com Paquin (2004), as necessidades de desenvolvimento e de crescimento

econômico são as motivações principais que estão na base da lógica funcionalista que explica

a projeção internacional das Unidades Subnacionais. Já no que se refere às motivações culturais,

temos que:

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As regiões com seu próprio idioma e cultura também buscam recursos e apoio no

cenário internacional, especialmente quando seu próprio governo central não se

mostra com disposição para apoiá-las, ou quando a zona da qual é originário o idioma

se encontra situada em outro Estado, como é o caso da Catalunha que tem promovido

seu idioma nos departamentos de espanhol das universidades estrangeiras e tem obtido

o reconhecimento dos idiomas não estatais nas instituições europeias.(RIBEIRO,

2008, p.98)

No tocante às motivações políticas, Keating (2004) aponta que são aquelas ações de

Unidades Subnacionais que possuem aspirações nacionalistas e buscam o reconhecimento e a

legitimação como algo mais que meras regiões. O autor traz como exemplo as investidas do

governo Catalão, que nos Jogos Olímpicos de Barcelona, em 1992, divulgou que se tratava de

uma nação diferenciada, não fazendo parte da Espanha.

Considerando que a motivação da maioria dos governos subnacionais para atuar na

esfera internacional consiste em aproveitar as novas possibilidades trazidas pela globalização

para inserir a economia regional nos fluxos de comércio internacional e de investimentos

estrangeiros, Nunes (2005) complementa que existem ainda motivações voltadas para o

tratamento de novos temas surgidos na agenda internacional dos anos 1990, nas chamadas low

politics, que podem impactar nos territórios dos governos subnacionais ou incidir sobre suas

competências constitucionais, tais como direitos humanos, mudanças climáticas, terrorismo e

desenvolvimento sustentável, dentre outros, entendimento pelo qual, nos filiamos.

6 CONCLUSÃO

O fenômeno da Paradiplomacia, ainda não foi institucionalizado em nossa legislação

(semelhante ao que ocorre nos EUA e Canadá), de modo que, a autonomia das Unidades

Subnacionais deriva dos limites atribuídos pela Carta Magna, que rege o nosso pacto federativo.

Todavia, compreendemos que os municípios brasileiros, após a Constituição de 1988,

passaram a ter autonomia política, jurídica e administrativa em relação ao Governo Federal.

Contudo, as nossas Unidades Subnacionais em âmbito externo, não possuem representações

diplomáticas e nem podem firmar tratados. Em que pese tal limitação, municípios e estados

federativos continuam se relacionando com atores externos, e na busca da permissividade de

suas tratativas internacionais, o MRE, convicto da impossibilidade de frear essas relações,

abona as negociações encabeçadas pelas Unidades Subnacionais sob a natureza jurídica de Atos

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e/ou Acordos informais, deixando de lado, o formalismo e a segurança jurídica do tratado

enquanto espécie normativa.

As reflexões apresentadas neste artigo tiveram como principal objetivo compreender

o papel desempenhado pelas Unidades Subnacionais no cenário internacional. As evidências de

que a política exterior escapa cada vez mais das mãos do Estado central são múltiplas. Além

disso, registramos que a globalização e a crise do Estado-nação conduzem a uma emergência

destas Unidades Subnacionais como novos atores na Sociedade Internacional.

Conforme vimos, a teoria elenca uma série de possibilidades que justificam a

existência da Paradiplomacia: Soldatos (1990) a divide em causas internas das próprias

Unidades Subnacionais e dos Governos Federais, bem como, em causas externas como por

exemplo, a crescente internacionalização da economia e a interdependência entre as

Sociedades. Para Duchacek (1990) essas motivações são predominantemente técnicas e

econômicas, e apenas parcialmente políticas. Por sua vez, Paquin (2004) conclui que as

necessidades de desenvolvimento e de crescimento econômico são as motivações principais.

Ribeiro (2008) classifica as motivações em quatro grandes categorias: motivações econômicas;

de ordem cultural; de ordem política e, por fim, aquelas que surgem com base em novos temas

da agenda internacional, entendimento corroborado por Nunes (2005) ao argumentar que

existem motivações voltadas para o tratamento de novos temas surgidos na agenda internacional

dos anos 1990, nas chamadas low politics (de cunho periférico, como educação, cultura,

tecnologia etc).

Para fins deste trabalho, compreendemos que as motivações que justificam o

desenvolvimento das ações paradiplomáticas devem ser analisadas factualmente, para tanto, o

construto teórico é bastante rico e exemplificativo. De toda sorte, concordamos que o fator

econômico, atrelado com a percepção genuína do interesse local, em matérias de low politics,

que não demonstra ameaça ou interesse em abarcar questões de segurança nacional ou políticas

externas de alta complexidade, são as causas que comumente justificam o fenômeno da

Paradiplomacia, sobretudo, em nosso país, onde inclusive, o limite constitucional é insuficiente

para frear o protagonismo cogente das Unidades Subnacionais.

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REFERÊNCIAS

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A CONTRIBUIÇÃO DA EXTENSÃO UNIVERSIÁRIA PARA A INTEGRAÇÃO

SOCIAL

Laryssa Mayara Alves de Almeida1

Thamara Duarte Cunha Medeiros2

Tess Carvalho Mendes3

Sumário: 1 O atraso no surgimento da universidade brasileira. 2 A extensão

universitária. 2.1 O laboratório itinerante e seu papel de integração social. 3 A

conscientização cidadã como instrumento de efetivação da dignidade humana. 3.1 Os

objetivos do projeto “A cidadania ao alcance de todos”. 3.2 O projeto de extensão

universitária na prática. 4 Conclusão. Referências.

1 O ATRASO NO SURGIMENTO DA UNIVERSIDADE BRASILEIRA

A universidade brasileira é uma instituição recente quando comparada com as

universidades multisseculares da Europa, que datam do século XII, e mesmo com algumas da

América Latina. Após alguns fracassos, a universidade no Brasil surgiu tardiamente, já na

terceira década do século XX, mais precisamente em 1934, com a criação da Universidade de

São Paulo. Entretanto, em 1920, com o Decreto nº 14.343, já havia sido instituída a

Universidade do Rio de Janeiro, reunindo a Escola Politécnica, a Faculdade de Medicina e a

Faculdade de Direito.

A partir da criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, da Universidade de São

Paulo – USP, é que surge a ideia de reunir essas instituições em uma comunidade que pudesse

se caracterizar como verdadeira universidade, com a função de organizar a interdisciplinaridade

do saber e, sobretudo, a função de romper como o antigo isolamento das faculdades existentes

no país. Todavia, fracassou depois que se disseminou por todo o país com o objetivo de formar

adequadamente os professores de ciências para o segundo grau, bem como estabelecer a

organicidade entre as faculdades isoladas.

Isso ocorreu, de um lado, porque a intensa proliferação dessas faculdades de ciências

teve um reflexo negativo na qualidade da formação dos professores de segundo grau, de outro,

porque as faculdades continuaram produzindo um ensino isolado, sem a articulação que se

esperava pudesse haver entre os vários campos do conhecimento.

1 Advogada. Especialista. Aluna Especial do Programa de Pós-Graduação em Ciências Jurídicas da UFPB. E-

mail: [email protected] 2 Doutora em Política Criminal e Direito Penal. Diretora Técnica do Departamento de Pesquisas Judiciárias do

Conselho Nacional de Justiça. E-mail: [email protected] 3 Graduanda em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba. E-mail: [email protected]

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131

Logo, para Darcy Ribeiro (1991), a universidade brasileira é ainda uma autentica

abstração institucional, porque não logrou produzir um saber integrado, global e profundo,

como seria de se esperar fosse ele produzido no ambiente plural e interdisciplinar do campus

autenticamente universitário.

Nesse diapasão, dois fatores podem justificar essa realidade de um lado, o surgimento

tardio da universidade no Brasil, de outro, o modelo francês, também conhecido como

napoleônico, adotado em nosso país, no qual a universidade é um modelo de federação, com

institutos isolados e objetivos precipuamente profissionalizantes.

A adoção desse modelo napoleônico parece ter afetado não apenas a universidade

brasileira, mas todo o sistema universitário da América Latina, como ressalta Darcy Ribeiro

(1991). Isso porque, o modelo positivista francês transformou as universidades latino-

americanas em conglomerados de faculdades e escolas que deveriam cobrir todas as possíveis

linhas da formação profissional, através de unidades escolares independentes e autossuficientes.

Assim, o nosso modelo de universidade seguiu produzindo um saber fragmentado,

especializado e profissionalizante, abandonando com isso o ideal de uma formação integral,

enciclopédica e realmente superior, como seria próprio da universidade.

Não se quer dizer, no entanto, que a universidade no Brasil deixou de se constituir como

instituição autentica, contudo, deve-se reconhecer que a sua institucionalização ainda não se

completou.

2 A EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA

O artigo 207 da Constituição do Brasil de 1988, explícita o princípio da

indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão na universidade. Assim, a extensão, em

particular, representa o reconhecimento da função social e do sentido público da universidade

que deve estar envolvida com os problemas da sociedade em sua totalidade, articulando saberes

acadêmicos e saberes populares.

A extensão como prática acadêmica deve dirigir seus interesses para as grandes questões

sociais do país e aquelas demandadas pelas comunidades regionais e locais, na forma de

relações com os setores da sociedade civil e política e na contribuição para a construção de um

projeto de mudança social.

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Assim, em busca da efetivação do tripé ensino, pesquisa e extensão, a UEPB, através da

Pró-Reitoria de Assuntos Comunitários (PROEAC), desenvolve desde 1998 o Laboratório

Itinerante - Labit – um programa de extensão universitária que congrega 06 cursos de graduação

em 16 projetos diferentes e conta com a participação de 60 alunos extensionistas entre bolsistas

e voluntários.

2.1 O LABORATÓRIO ITINERANTE E SEU PAPEL DE INTEGRAÇÃO SOCIAL

O programa Laboratório Itinerante – LABIT, surge para atender as demandas de parcela

considerável da população paraibana, com atuação nas escolas, Sociedades de Amigos de

Bairro (SABs), ONG’s, Associações Comunitárias, enfim, instituições de utilidades públicas,

filantrópica e privadas, oferecendo serviços especializados na área social, saúde e tecnologia de

boa qualidade, gratuitamente.

O LABIT é itinerante porque desenvolve suas ações em vários lugares diferentes, ou

seja, leva toda uma estrutura de apoio às comunidades alvo desse projeto. As ações são

desenvolvidas mediante solicitação da população do município de Campina Grande e cidades

adjacentes à Coordenação do Programa, esta liderada pela Professora Josefa Josete da Silva

Santos, e se caracteriza pela troca de experiências que cria uma rede entre os saberes

acadêmicos e as práticas culturais presentes no cotidiano social.

A partir do programa supracitado o Curso de Direito do Campus I da UEPB, desde 2009,

desenvolve o projeto A Cidadania ao Alcance de Todos com escopo de difundir os direitos

fundamentais previsto no Título II da Constituição Federal às populações que participam das

ações, assim como, proporcionar aos graduandos participantes uma formação humanizada e

consciente da função social do bacharel em Direito.

3 A CONSCIENTIZAÇÃO CIDADÃ COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO

DA DIGNIDADE HUMANA

Um dos corolários do Estado Constitucional de Direito, senão o principal deles, é a

consagração dos direitos fundamentais, inerentes a todo e qualquer indivíduo, que devem ser

garantidos pelo Estado como a função precípua deste. Referir-se às garantias fundamentais é o

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133

mesmo que falar em direitos humanos, expressão esta que ganhou imensa visibilidade no século

XX, como um adágio de proteção e valorização ao direito dos povos.

São direitos humanos todos os que emanam da condição humana do ser, sem os quais a

pessoa não consegue existir ou não se desenvolve e participa da vida com plenitude. São

humanos, portanto, os direitos que tornam possíveis o recebimento dos benefícios que a vida

em sociedade pode proporcionar, bem como os que estabelecem as condições mínimas para que

as pessoas sintam-se necessárias e úteis à humanidade.

Atento ao esforço comum pela consumação de tais direitos, e sob a luz dos artigos 3°;

5°, LXXIV e 6° da Constituição Federal Brasileira de 1988, o projeto “A Cidadania ao Alcance

de Todos” finda apregoar a valorização dos direitos fundamentais mediante o reconhecimento

destes por todos os cidadãos.

É, portanto, escopo do projeto propagar a conscientização respectiva aos direitos e

deveres das pessoas na sociedade politicamente organizada da qual fazem parte. Assim,

objetiva-se situar os cidadãos sobre sua importância individual e esclarecê-los sobre as

proteções que o Estado, através do Direito, lhes deve garantir, além das obrigações impostas

como contrapartida, embutindo, em cada consciência, o medular conceito de cidadania.

Para tanto, o mencionado projeto introduz o diálogo direto entre o conhecimento

acadêmico, oralizado pelos estudantes de direito extensionistas da UEPB, e a população privada

do esclarecimento adequado. Aqui, a veiculação de informação, a transmissão de

conhecimentos e a intersecção entre o universo acadêmico e o universo das comunidades criam

um cenário igualitário entre as pessoas e quebram o estigma das barreiras culturais entre os

estudantes e seus interlocutores, concretizando, na prática, o sentimento de semelhança entre

os indivíduos que sujeitam-se a um ordenamento jurídico.

3.1 OS OBJETIVOS DO PROJETO “A CIDADANIA AO ALCANCE DE TODOS”

O projeto “A Cidadania ao Alcance de Todos” através dos diálogos estabelecidos

conduz os indivíduos a se questionarem se estão sob potencial lesão aos seus direitos ou se

estão ferindo os direitos de outrem. A partir daí, o objetivo é prestar acessória jurídica à

comunidade, enfatizando as noções de dignidade, direitos humanos e cidadania, e, identificada

alguma demanda judicial, os estudantes concedem as orientações para que as pessoas façam a

exigência da tutela de seus direitos perante as autoridades competentes.

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A acessória jurídica prestada completa-se com o encaminhamento das pessoas

interessadas ao Escritório Modelo de Advocacia do Cento de Ciências Jurídicas da UEPB, onde

elas dispõem gratuitamente de um advogado que irá deflagrar a busca de seus direitos

subjetivos, acionando Poder Judiciário, mediante a provocação de um processo judicial e

tornando a pacificação social possível para aqueles que a demandaram.

O fim do projeto não limita-se, apenas, à proposição da solução judicial gratuita das

lides já existentes nas quais os cidadãos já estão envolvidos. Antes, pretende-se fomentar a

formação de conhecedores e multiplicadores dos ideais de direitos humanos e cidadania,

deslocando o público alvo da condição passiva de receptores de informações para a condição

ativa de difusores de uma consciência que deve ser coletiva. Isto favorece a aplicabilidade

cotidiana dos direitos e facilita sua compreensão.

Esta última meta evidencia o caráter educativo do trabalho, o que, talvez, seja a principal

intenção dos que dele fazem parte. A formação de gestores em direitos humanos dentro do

público alvo, que difundem os conhecimentos acerca dos direitos e orientam familiares e

amigos, é a mais poderosa repercussão que o projeto atinge, já que a educação é uma das

grandes vias para a superação das atuais injustiças sociais.

3.2 O PROJETO DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA NA PRÁTICA

Para atingir os objetivos supracitados, a metodologia utilizada baseia-se,

eminentemente, em exposição oral, como breves diálogos, esclarecimento a questionamentos e

apresentação de palestras. Contudo, para dinamizar as elucidações são empregadas outras

formas de transmissão do conteúdo.

Tais formas envolvem confecção de painéis e cartazes ilustrativos, que divulgam as

ações; distribuição de panfletos temáticos, que ensaiam a matéria enfocada na ação;

apresentação de slides em PowerPoint, especialmente em palestras, quando o local permite o

suporte de data-show; exibição de vídeos, quando as condições e temática abordada permitem;

encenações dramáticas e demais meios possibilitados pela estrutura itinerante do projeto, que

defluam da criatividade humana.

Através dos meios citados, todos os esforços empenhados pelos extensionistas do

projeto ganham corpo e concretizam-se na forma de intercâmbio cultural, provocando, quando

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há a evidência do alcance dos objetivos, empatia entre os estudantes e integrantes das

comunidades visitadas.

4 CONCLUSÕES

Para justificar e dar sentido a continuação do projeto em tela é preciso constatar a

existência de resultados efetivos dos trabalhos realizados ao longo da implementação do projeto

de extensão. Uma vez que seria dispêndio de esforços e recursos produzir atividades de pouca

eficácia na sociedade.

Analisando-se o desempenho do projeto no período compreendido entre setembro de

2009 a setembro de 2012, observou-se, como resultado das ações do programa “A Cidadania

ao Alcance de Todos”, via Laboratório Itinerante, verdadeira motivação da sociedade no sentido

de esta mobilizar-se em busca de seus direitos subjetivos, bem como a propagação de

informações nas comunidades atendidas.

A metodologia utilizada, despertou a curiosidade dos cidadãos e, após os atendimentos

e diálogos realizados nas ações, o resultado fora, na maioria das vezes, uma atmosfera de auto

confiança e estabelecimento do pensamento crítico, em virtude da compreensão a respeito dos

direitos adquirida pela comunidade.

Desta forma, no decorrer do citado período, evidenciou-se como a comprovação de

resultado positivo das aludidas ações o avolumamento da demanda ao Escritório Modelo do

Centro de Ciências Jurídicas. Esse dado foi constatado através do registro das declarações

daqueles que procuraram o referido local em virtude das recomendações dadas durante a ações

do projeto.

Traduzindo em dados numéricos, um total aproximado de 300 pessoas foram atendidas

juridicamente nas ações do Laboratório Itinerante, destas, 92 recorreram ao escritório modelo,

o que corresponde a uma fração de 30% das pessoas assistidas, para as quais Escritório Modelo

da UEPB, através dos seus advogados, atuou na defesa dos seus direitos. Esse percentual é

prova do sucesso obtido pelo projeto “A Cidadania ao Alcance de Todos” e demonstra que a

conscientização é uma importante ferramenta para concretizar e valorizar a dignidade da pessoa

humana.

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137

DUMPING SOCIAL NAS RELAÇÕES DE TRABALHO: UMA ANÁLISE DOS

DANOS INTERSUBJETIVOS CAUSADOS E O PODER-DEVER DE COMBATE

PELO JUDICIÁRIO

Ana Isabella Bezerra Lau1

Sumário: 1 Introdução. 2 Globalização e trabalho decente. 3 Dumping social e seus

danos multi reflexos: um verdadeiro dano social. 4 O combate ao dano social:

evolução processual ou respeito a regras procedimentais? 5 Conclusão. Referências.

1 INTRODUÇÃO

Em face de um Estado Liberal que pouco se importava com a proteção do

hipossuficiente, foi desencadeada uma série de movimentos sociais em busca de condições mais

dignas de vida e de trabalho. A Revolução Industrial representou, assim, uma verdadeira batalha

da ascensão do capital contra o esgotamento físico, mental e moral do trabalhador.

A emergência dos direitos sociais significou um sopro de alívio para uma classe desde

sempre marginalizada e excluída de qualquer amparo legal. Contudo, representava, por outro

lado, uma ameaça ao capitalismo ascendente e ao lucro da sedente e gananciosa classe

empresária. Não há equívoco ao afirmar que os direitos sociais são importantes instrumentos

de inclusão do homem na sociedade, constituindo-se a valorização do trabalho como

fundamento da Constituição da República. Entretanto, globalização da economia e dos

mercados prenuncia um possível retrocesso no tocante a direitos humanos tão elementares e

fundamentais.

A apreensão em conquistar melhores espaços no mercado faz com que, constantemente,

as empresas busquem meios de largar na frente da concorrência, em uma verdadeira maratona

em que não são medidos obstáculos, limites, percursos e nem sequer escrúpulos. A classe

empresária acaba esbarrando nos fundamentos do próprio Estado Social, pois percebe que o

meio mais hábil para atingir a promessa de uma posição economicamente interessante dá-se à

custa do trabalhador, atropelado e submetido, mais uma vez, ao poder do capital.

Surge, assim, o dumping social que representa uma prática empresarial ardilosa,

assustadoramente mais nociva do que em um primeiro momento pode transparecer. Ao

1 Bacharelanda em Direito pela Universidade Federal da Paraíba.

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desrespeitar os direitos do trabalhador como meio de reduzir os custos da produção e ofertar

produtos e serviços a preços mais atraentes, a empresa, de fato, conquista o mercado, porém

praticando uma concorrência desleal com empresas do mesmo ramo, violando, com isso, a

própria ordem econômica. Provoca, portanto, danos transindividuais, ao passo que os prejuízos

são percebidos pelo trabalhador, pela ordem econômica e por toda a sociedade, haja vista que

desconsiderar direitos fundamentais agride frontalmente valores sociais basilares, como a

dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho. Em suma, a prática do dumping

acarreta em verdadeiros danos sociais.

Diante de prática que afronta e ameaça o paradigma constitucional vigente no País e o

próprio sistema econômico, surge uma nova ideologia pautada na flexibilização das normas

trabalhistas como meio de adaptar o Direito às novas realidades econômicas e sociais. Essa

nova ideologia não é compartilhada por todos os operadores do Direito, de forma que emerge,

junto com ela, uma repulsa por grande parcela doutrinária, que entende que flexibilizar nada

mais representa que oprimir legalmente, retroceder, legitimar contradições ao próprio Estado

Social de Direito, ao condescender com o descumprimento de proteções básicas dos cidadãos.

A amplitude e importância da problemática se alastram, ainda, pelo fato do dumping

social não ter regulamentação específica no ordenamento jurídico. Logo, a atuação do Poder

Público para desestimular prática tão devastadora resta prejudicada pelos contrastantes

entendimentos acerca do alcance da atuação do Estado-juiz.

Nesse cenário merece guarita, indiscutivelmente, a importância do papel do Ministério

Público do Trabalho, enquanto guardião da ordem jurídica e dos interesses coletivos, no

combate aos danos sociais e à precarização das relações trabalhistas. Contudo, diante das

proporções que a prática do dumping social vem adquirindo e do abarrotamento da Justiça do

Trabalho com o inacreditável número diário de reclamações trabalhistas ajuizadas em face de

mesmos ardilosos grupos empresariais, muitos doutrinadores entendem que a atuação somente

a cargo do Ministério Público tem se mostrado insatisfatória.

Emerge, nessa realidade, uma resposta do próprio Judiciário Trabalhista que, indignado

com a desobediência das empresas que teimam em desrespeitar a própria ordem constitucional,

mesmo diante de inúmeras condenações judiciais e autuações por parte do Parquet, aprovou,

pela ANAMATRA – Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, o

Enunciado nº 4, alvo do Projeto de Lei nº 1.615/2011, em trâmite no Congresso Nacional. Tal

Enunciado prevê uma atuação mais proativa e pragmática do Juiz do Trabalho, adaptando os

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punitive damages do direito comparado à realidade brasileira, ao legitimar o magistrado a fixa

uma indenização suplementar à empresa praticante do dumping social com o intuito de

demonstrar, na prática, que não é mais economicamente viável auferir inescrupulosos lucros à

custa de verdadeiros atentados contra a dignidade humana do trabalhador.

2 GLOBALIZAÇÃO E TRABALHO DECENTE

O Direito do Trabalho foi construído a partir de intensas lutas travadas pela classe

trabalhadora em busca de direitos reais e mais dignos diante de um Estado que pouco se

importava com o trabalhador. Dessa forma, os direitos sociais refletem essa construção

axiológica a partir de luta e ação social.

Com a emergência das organizações sindicais e politicas dos trabalhadores no

capitalismo ocidental surge um novo paradigma de Estado, o chamado Estado de Bem Estar

Social (EBES) ou Welfare State, em contraposição ao Estado Liberal até então existente, o que

representou uma tímida esperança à classe trabalhadora e abriu caminho para a afirmação da

ideia de liberdade de uma parcela tão marginalizada da sociedade. Seriam os chamados “anos

dourados”.

Neste cenário, merece relevância o surgimento da Organização Internacional do

Trabalho que, de início, logo desempenhou um papel fundamental no estabelecimento de

condições mínimas de trabalho digno bem como de políticas sociais aos trabalhadores tão

marginalizados e explorados nas fábricas da Revolução Industrial. Nesse sentido, expõe Cecato:

Os preceitos da OIT – sua Constituição e suas Convenções – tornam-se o modelo da

regulação das relações de trabalho e do estabelecimento dos direitos sociais, fixando-

se na base da construção do Estado do Bem Estar Social. É, efetivamente a partir da

criação dessa Organização, que os Estados adotam, mais sistematicamente, normas e

medidas de proteção ao trabalhador, tanto no nível constitucional (a partir de então,

de caráter social) quanto no infraconstitucional. Os direitos ao trabalho; à salário justo

e equitativo; ao descanso (intra e inter-jornada; semanal e anual); à liberdade sindical;

à negociação coletiva e à greve, além dos relativos à seguridade social, são

contemplados nos ordenamentos nacionais. Em principio, encontra-se completo o

quadro dos direitos laborais como mínimo indispensável à salvaguarda da dignidade

do trabalhador, conquanto não garantidamente respeitados2.

2CECATO, Maria Áurea Baroni. Direitos humanos do trabalhador: para além do paradigma da declaração de 1998 da

O.I.T. In: SILVEIRA, Rosa Maria Godoy et al. Educação em direitos humanos: fundamentos teórico-metodológicos. João

Pessoa: Universitária, 2007. p.355.

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O que se verificou, na prática, era que o crescimento econômico era essencial, mas que

o trabalho não poderia ser visto como uma mera mercadoria. Além disso, para que o próprio

progresso fosse possível era essencial garantir as liberdades de expressão e de associação para

que os trabalhadores participassem de discussões e decisões de maneira democrática,

promovendo o bem estar comum entre a classe trabalhadora e os representantes dos governos.

Atualmente, as convenções da OIT tidas como fundamentais são aplicáveis a todos os

trabalhadores sem distinção de qualquer espécie. Em outras palavras, têm direito a um trabalho

decente todos os trabalhadores (aí incluídos homens e mulheres) inclusive aqueles sem carteira

assinada, trabalhadores do setor informal, trabalhadores autônomos e até mesmo

desempregados, a fim de eliminar completamente todas as formas de trabalho forçado ou

obrigatório. A OIT estabelece o Trabalho Decente como pilar das relações laborais e de suas

políticas e programas, determinando observância aos direitos sociais conquistados a fim de

resguardar a dignidade humana do trabalhador. Nesse sentido, Cecato:

Nessa ótica de imperiosa inclusão social, os direitos laborais devem ter primazia sobre

o crescimento econômico e a acumulação de bens. Torna-se patente que não há mais

que se falar em desenvolvimento, sem ter em conta as condições de vida e trabalho

daqueles a quem cabe o ônus maior da tarefa de produzir. Assim, o trabalhador deve

ser parte, tanto das discussões sobre a produção e o comércio, como de políticas

públicas que visem à sua inclusão nesse processo: deve poder compor as instancias de

decisão, como deve ser inserido no processo produtivo e de consumo. Não há, na

atualidade, como justificar moralmente a exclusão sócio-laboral em nome do

progresso econômico3.

O compromisso de buscar ativamente o trabalho decente, portanto, é revalorizar o

trabalho como fonte de dignidade e cidadania, como cerne do desenvolvimento e da inclusão

social, é condicionar o valor do trabalho como aspecto mais central e importante da nossa

sociedade.

Ocorre que o Estado do Bem Estar Social, fruto das reivindicações sindicais e da luta

do proletariado, passou a exigir uma forte intervenção do Estado, o que gerou uma crise no

sistema capitalista, haja vista a redução da taxa de lucro das empresas que passaram a ter mais

“gastos” com o trabalhador. Surgia, então, um novo “metabolismo social” que se manifestou

pela reestruturação do capital e formação do Estado neoliberal no país, como forma desesperada

de reacender a lógica capitalista de mercado. Nesse sentido:

3Idem. p.363.

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Este liberalismo readaptado – neoliberalismo ou ultraliberalismo – corresponde a um

conjunto orgânico de ideias, que se fortaleceu política e culturalmente a contar dos

anos de 1970 nos países capitalistas desenvolvidos, dirigidas à estruturação do Estado

e sociedade no sistema capitalista, em anteposição à matriz do Estado de Bem Estar

Social, hegemônica no pós 2ª Guerra Mundial nos EUA e, principalmente, Europa

Ocidental. (...) O pensamento liberal renovado sustenta, em síntese, na linha da velha

matriz oitocentista, o primado do mercado econômico privado na estruturação e

funcionamento da economia e da sociedade, com a submissão do Estado e das

politicas públicas a tal prevalência. Em consequência, a atuação econômica estatal

deve ser restringida de modo muito substantivo, em contraponto ao modelo

multifacetado, normatizador e intervencionista do Welfare State. Deve o novo Estado

centrar seu foco, em essência, na gestão monetária da economia e na criação de

condições cada vez mais favoráveis aos investimentos privados4.

Nesse cenário, o Estado se “ausenta”, regulando apenas o que é relevante para o

desenvolvimento do capital, ao passo que a economia se internacionaliza mediante a abertura

comercial. Consequentemente, “o Direito restringe-se, haja vista a observância, cada vez maior,

da criação de novas formas de exploração da mão de obra que não se enquadram na definição

clássica de relação de emprego5”, favorecendo o desemprego e o emprego informal.

Os trabalhadores, por sua vez, ameaçados pelo desemprego, passaram a aceitar

condições de trabalho que atentam claramente contra a sua dignidade, mostrando-se submissos

e dependentes. Mostra-se clara, portanto, a precarização de trabalho tendo em vista os baixos

salários, a ausência de condições de higiene e segurança bem como as jornadas exaustivas.

Mostra-se evidente o desrespeito a direitos trabalhistas conquistados após intensas e sofridas

lutas, como ilustra Dinaura Godinho Gomes:

Essa mudança na forma de trabalho dominante traz consigo novos modos de

exploração humana, com o aumento do trabalho precário, a agravar a pobreza, ao

mesmo tempo em que põe a intelectualidade do trabalho vivo e cooperante no centro

da valorização econômica e social. [...] Todo esse processo tem por objetivo criar uma

nova ordem jurídica para atender ao sistema econômico multinacional, no qual a

autoridade e o crescimento da empresa possam ser fortalecidos, ao mesmo tempo em

que se reduzem as possíveis intervenções do Estado na economia e se minimizam

direitos que assegurem proteção social ao trabalhador. E aqui esse modelo econômico

mais revela a separação existente entre o capitalismo e os ideais de democracia, eis

que impõe como um dever dos economicamente aptos a retirarem os ineptos dos

negócios. Eis, aqui, seu lado perverso, desagregador, revelado pelo capitalismo

multinacional, sem fronteiras e sem pátria, que faz desencadear um processo

desenfreado de automação da produção, com o crescimento profundo da divisão da

sociedade, incapaz de oferecer soluções aos problemas do desemprego, da

4 DELGADO, Mauricio Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego: entre o paradigma da destruição e os caminhos de

reconstrução. São Paulo: LTr, 2007, p.21. 5 MIRAGLIA, Lívia Mendes Moreira. A Terceirização Trabalhista no Brasil. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p.52.

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desigualdade de renda, da violência sexual e da miséria que afligem as diversas

nações6.

Em suma, vê-se claramente que as políticas neoliberais acarretaram em uma “exclusão"

do Estado no que diz respeito à promoção de direitos sociais em prol de um maior

desenvolvimento econômico, o que gerou uma forte e nova ameaça aos trabalhadores, que se

viram, mais uma vez, desamparados pela máquina estatal. Verificou-se que o primado do

trabalho e emprego foi agredido de maneira frontal e que vários dos conclamados direitos

sociais foram esvaziados e aniquilados, comprometendo a “maturação do processo

democratizante brasileiro em face do recrudescimento do liberalismo e de sua matriz

remercantilizadora no País7”.

O capital parece derrubar fronteiras. As empresas querem crescer, dominar o mercado,

controlar a economia, monopolizar a produção, não importa de que forma nem a custa de quem.

Surgiu, então, a figura do dumping, ardilosa prática comercial que ocorre quando uma empresa

reduz drasticamente o preço de seus produtos e serviços, com a intenção de ganhar espaço no

mercado, superando o número de vendas das empresas concorrentes. Conceitua Juliana

Machado Massi:

[...] compreende-se dumping como uma forma de concorrência desleal de caráter

internacional, que consiste na venda de produtos pelo país exportador com preços

abaixo do valor normal, não necessariamente abaixo do preço de custo, praticado no

mercado interno do país exportador, podendo causar ou ameaçar causar danos às

empresas estabelecidas no país importador ou prejudicar o estabelecimento de novas

indústrias no mesmo ramo neste país8.

A principal finalidade do dumping, portanto, é eliminar os fabricantes de produtos

similares, concorrentes diretos ou indiretos no local, dominando o mercado para,

posteriormente, elevar os preços, estabelecendo um monopólio. Ele tem sido controlado pela

Organização Mundial do Comércio, mediante sanções previstas em acordos internacionais de

práticas anti dumping.

6 GOMES, Dinaura Godinho Pimentel. Direito do Trabalho e dignidade da pessoa humana no contexto da globalização

econômica: problemas e perspectivas. São Paulo: LTr, 2005, p.90. 7 MELLO, Roberta Dantas de. O Renascimento do Direito do Trabalho no século XXI: a experiência brasileira de 2003 a

2010. In: Trabalho e justiça social: um tributo a Mauricio Godinho Delgado. São Paulo: LTr, 2013. p.138. 8 MASSI, Juliana Machado. O Dumping e a Concorrência Empresarial. Disponível em:

<http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/XIVCongresso/075.pdf> Acesso em: 07/10/2014, 11h51min.

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Ocorre que o meio mais fácil e lucrativo de fortalecer o capital foi aumentando e

aprofundando a exploração do trabalhador. Nesse momento, ganha espaço uma modalidade de

dumping conhecida como dumping social, que consiste em reduzir direitos trabalhistas como

forma de diminuir os custos da produção e assim possibilitar a comercialização a preços abaixo

do padrão de mercado, ocasionando uma concorrência desleal entre empresas do mesmo ramo.

3 DUMPING SOCIAL E SEUS DANOS MULTI REFLEXOS: UM VERDADEIRO

DANO SOCIAL

A prática do dumping social é muito mais grave do que aparentemente pode

transparecer. Na verdade, trata-se de um dano social multi reflexo, pois os prejuízos vão além

dos individualmente causados aos trabalhadores explorados. Toda a sociedade arca com as

práticas gananciosas dessas empresas que acabam por comprometer a própria ordem econômica

capitalista. Aduz Jorge Luiz Souto Maior:

Não estamos, pois, tratando de mera delinquência patronal, de um ato que tenha

repercussão apenas nas esferas individuais do agressor e o ofendido, ainda que receba

repúdio social. Trata-se de uma prática organizada, deliberada, que atinge,

reflexamente, o sistema econômico, com prejuízo difuso para toda a sociedade9.

Desse modo, o dumping social figura como uma espécie de dano social, pois, além de

extrapolar as esferas jurídicas individuais dos trabalhadores lesionados, fere a estrutura do

Estado Democrático pautado na justiça social e do próprio modelo capitalista, vez que

representa obtenção de vantagem indevida perante a concorrência. Em outras palavras, é um

dano social porque, além de prejudicar direitos fundamentais dos trabalhadores, implica em

danos a outros empregadores que cumprem corretamente as obrigações trabalhistas, ou que

passam a se ver forçados a agir da mesma forma, resultando em uma completa precarização das

relações sociais.

Diariamente, um número incalculável de trabalhadores são lesados por empresas que

desconsideram, reiteradamente, direitos constitucionalmente garantidos com a finalidade de

auferir lucros cada vez maiores. Esses empresários se apoiam na morosidade processual e no

fato de que, ao realizar uma análise de custo-benefício, ainda se mostra mais vantajoso para

9SOUTO MAIOR, Jorge Luiz; MOREIRA, Ranúlio Mendes; SEVERO, Valdete Souto. Dumping Social nas Relações de

Trabalho. 2ª ed. São Paulo: LTr, 2014, p. 20.

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eles pagar uma condenação diante de uma reclamação trabalhista do que se enquadrar

corretamente à legislação, o que aumentaria consideravelmente seus custos de produção.

Com a internacionalização da economia e a fim de viabilizar a prática do dumping

social, muitas empresas transferem sua produção para locais onde a proteção jurídica do

trabalhador é mais flexível, onde é possível contratar sem assinar a carteira de trabalho e

emprego, extrapolar a duração do trabalho, pagar salários irrisórios, desconsiderar o pagamento

de horas extras, não conceder férias, dispensar sem custos em caso de acidente, ou seja, onde é

possível submeter os trabalhadores a condições precárias e injustas de trabalho. Trata-se de um

trabalho análogo à condição de escravo, prejudicando o trabalhador física, moral e

financeiramente. Sobre a questão, exemplifica Jorge Luiz Souto Maior:

A Nike vende tênis produzido em países asiáticos, explorando mão de obra aviltada.

Um levantamento feito junto a 4 mil trabalhadores de uma fábrica que serve a empresa

na Indonésia, revelou que 56% queixaram-se de receber insultos verbais, 15,7% das

mulheres reclamam de bolinas e 13,7% contam que sofrem coerção física em serviço.

Outro levantamento feito no Vietnã mostrou que os trabalhadores ganham U$ 1,60

por dia e teriam que gastar U$ 2,10 para fazer três refeições diárias. Só podem usar o

banheiro uma vez por dia e tomar água apenas duas vezes. Contam ainda que o

descumprimento de normas, como o uso de uniforme, é púnico com corridas

compulsórias. Em outros casos, o trabalhador é obrigado a ficar de castigo

ajoelhado10.

O dumping social, como dito anteriormente, é uma forma de agressão frontal e direta

aos direitos sociais incorporados à Constituição Federal da República. Como se sabe, tais

direitos têm o condão de concretizar a justiça social dentro de uma sociedade capitalista,

estabelecendo um capitalismo socialmente responsável, com condições mínimas de vida e de

trabalho para seus cidadãos. Dessa forma, a prática causa danos a toda a sociedade e não apenas

aos empregados diretamente envolvidos, tendo em vista que tais atos ilícitos representam uma

verdadeira ameaça ao próprio Estado Social.

A fim de ilustrar o dano social mencionado, pode-se citar a ausência de depósitos do

Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Nessa perspectiva, alega Jorge Luiz Souto

Maior:

É fácil, ademais, perceber o prejuízo gerado à sociedade em geral pelas condutas

reiteradas de desrespeito à ordem jurídica trabalhista. Lembre-se, a propósito, por

exemplo, que é a partir do custo social do FGTS que varias iniciativas de políticas

10 Idem, p.46.

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públicas são adotadas, incluindo a própria concessão do beneficio do seguro

desemprego.

Além disso, os recolhimentos previdenciários servem igualmente ao custeio da

Seguridade Social, que inclui a prestação de serviços de saúde pública. Ora, se vários

empregadores, por estratégias fraudulentas, deixam de cumprir com as obrigações

trabalhistas das quais esses custos decorrem, é mais que evidente que vai faltar

dinheiro para a realização desses projetos do Estado Social e todos, não apenas os

trabalhadores diretamente atingidos, serão prejudicados11.

Como outro exemplo, pode-se citar que o descumprimento a normas de medicina e

segurança do trabalho gera um aumento considerável no número de acidentes de trabalho,

onerando, consequentemente, os gastos da Previdência Social que, saliente-se, é custeada por

toda a comunidade e não apenas pela empresa que infringiu tais normas. Ademais, o dano social

pode ser percebido pelo fato de que toda a sociedade é obrigada a suportar os custos para

manutenção do Poder Judiciário trabalhista, que é superlotado com inúmeras reclamações

trabalhistas semelhantes.

O texto Constitucional de 1988, em seu art. 1°, IV e art. 170, caput, estabelece o respeito

aos valores sociais do trabalho e a garantia de existência digna de acordo com os ditames da

justiça social como fundamentos da ordem econômica brasileira.

Nessa ótica, o desenvolvimento econômico não pode ignorar a livre concorrência, livre

iniciativa, valorização do trabalho humano, dignidade da pessoa humana e direitos sociais.

Ocorre que a prática do dumping social representa uma infração deliberada à ordem

econômica nacional, de acordo com a Lei n° 12.529/2011, uma vez que desrespeitando direitos

trabalhistas, a empresa atua em condições de desigualdade com outras empresas do mesmo

ramo, praticando concorrência desleal.

Ademais, além de danos causados a outros empresários que cumprem a legislação

trabalhista, e ficam, portanto, submetidos a uma concorrência desleal, a prática do dumping

acarreta em prejuízos para o próprio consumidor que, a longo prazo, será obrigado a consumir

o produto monopolizado, independentemente de seu valor. Nesse sentido, segundo Jean

Eduardo Aguiar Caristina e Ricardo Hasson Sayeg:

O dumping perpetrado por longo período gera transtornos à economia, pois, num

primeiro momento, o consumidor pode até se encantar com os preços praticados por

determinado ofertante, porém, ao longo do tempo, teoricamente, não sendo combatida

esta competição injusta, a concorrência tende a desaparecer, restando o consumidor à

11 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz; MOREIRA, Ranúlio Mendes; SEVERO, Valdete Souto. Dumping Social nas Relações de

Trabalho. 2ª ed. São Paulo: LTr, 2014, p. 71.

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mercê de um mercado mono ou oligopolizado, que o obrigará a consumir no preço,

forma e condições de oferta monopolísticas que tendem naturalmente a serem mais

elevados ao máximo de sua elasticidade12.

As normas de proteção ao trabalhador, inegavelmente, acarretam um aumento

considerável dos custos das empresas, o que faz com que elas burlem a legislação protetiva sob

o argumento de que tais custos prejudicam sua capacidade financeira.

Nessa ótica, ganha espaço a discussão acerca da flexibilização das leis trabalhistas como

forma acompanhar o crescimento econômico do mundo globalizado e garantir a permanência

das empresas em seu território bem como a empregabilidade da população.

Importante esclarecer, de início, que não há uma posição doutrinária uniforme quanto à

flexibilização – nem mesmo quanto ao seu conceito -, havendo doutrinadores que a defendem,

sob alegação de que ela é uma necessidade para adaptar-se às novas realidades econômicas, e

outros que a refutam, alegando que a flexibilização representa um retrocesso aos direitos sociais

e que apenas servem de justificativa para beneficiar os donos dos meios de produção. Na

tentativa de conceituar o instituto, aduz Gracielle Auxiliadora dos Santos:

Definir flexibilização é tarefa complexa e complicada, já que o termo é usado em

diversos sentidos. Ao extremo há os que defendem “flexibilização” ser sinônimo de

“desregulamentação”, o que representaria o fim da norma protetora, o sistema ficaria

a cargo de estabelecer as condições do contrato trabalhista. Outros defendem que é

preciso garantir o mínimo de direitos trabalhistas, porém dar maiores possibilidades

de negociação entre as partes envolvidas no pacto jus laboral. Assim, em termos

gerais, flexibilizar seria dar maior maleabilidade aos limites que regem a relação

trabalhista13.

Não obstante a intensa discussão quanto à flexibilização de direitos trabalhista, mostra-

se muito perigoso alegar que a saída para a crise do desemprego é, justamente, flexibilizar

direitos de trabalhadores que foram conquistados após árduas e intensas batalhas. Diante de

uma Constituição pautada na justiça social, não se mostra razoável buscar formas de beneficiar

os donos dos meios de produção responsabilizando a classe trabalhadora por crises econômicas.

12 CARISTINA, Jean Eduardo Aguiar; SAYEG, Ricardo Hasson. DUMPING SOCIAL: INFRAÇÃO DA ORDEM

ECONÔMICA HUMANISTA. Lex Humana, v.6, n.1, jul. 2014. Disponível em:

http://seer.ucp.br/seer/index.php?journal=LexHumana&page=article&op=view&path[]=511> Acesso em: 28/10/2014,

11h24min>. 13 SANTOS, Gracielle Auxiliadora dos. O Direito do Trabalho em face à flexibilização das normas trabalhistas – Avanço

ou Retrocesso?. Belo Horizonte, 2011. Disponível em:

<https://docs.google.com/document/d/1yljx0mY1ocG1tHveObElXT4Ku1my2qn3il2qXb-vcWc/edit?pli=1> Acesso em:

30/10/2014, 11h53min>.

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Mais uma vez, oportuno trazer à tona posicionamento convicto do Juiz do Trabalho Jorge Luiz

Souto Maior:

O que a humanidade espera dos juízes, consequentemente, é que não flexibilizem os

conceitos pertinentes aos direitos humanos (intimidade, privacidade, liberdade, não

discriminação, dignidade), assim como os preceitos insertos no Direito Social (direito

à vida, à saúde, à educação, ao trabalho digno, à infância, à maternidade, ao descanso,

ao lazer), pois as conveniências políticas podem conduzir à criação de leis que

satisfaçam interesses espúrios, flexibilidade esta da qual, aliás, aproveitam-se os

regimes ditatoriais para florescer. Neste sentido, entendemos com grande convicção

que as normas que fixam e garantem os direitos sociais são imantadas pela segurança

das cláusulas pétreas, para protegê-las da ação corrosiva do legislador ordinário e

reformista.

Os direitos sociais, portanto, não podem ser reduzidos a uma questão de custo. Não é

próprio desse modelo de sociedade enxergar meramente saídas imediatistas de

diminuição de custo da produção, pois isso significa quebrar o projeto de sociedade

sem pôr outro em seu lugar. É o caos das próprias razoes. Afinal, há muito se sabe: a

soma da satisfação dos interesses particulares não é capaz de criar um projeto de

sociedade14.

De fato, se hoje, sendo o Direito do Trabalho Brasileiro considerado formalista e

protetivo, muito trabalhadores continuam sendo reduzidos a meras mercadorias e explorados a

toda sorte, imaginemos a situação em um sistema mais brando e flexibilizado. Certamente, a

hipossuficiência do trabalhador se mostraria ainda mais latente, o que até poderia fomentar o

desenvolvimento econômico, mas representaria, sem sombra de dúvidas, um verdadeiro retorno

à barbárie.

4 O COMBATE AO DANO SOCIAL: EVOLUÇÃO PROCESSUAL OU RESPEITO

A REGRAS PROCEDIMENTAIS?

Não há, no ordenamento jurídico brasileiro, regulamentação específica que delimite a

atuação do Estado diante dos danos sociais causados pela prática do dumping, motivo pelo qual

a problemática se alastra.

Alguns doutrinadores defendem a atuação somente a cargo do Ministério Público do

Trabalho, enquanto guardião dos interesses coletivos, por meio da ação civil pública. A outra

corrente doutrinária, encabeçada por Jorge Luiz Souto Maior, entende, com base no Enunciado

14 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz; MOREIRA, Ranúlio Mendes; SEVERO, Valdete Souto. Dumping Social nas Relações de

Trabalho. 2ª ed. São Paulo: LTr, 2014, p. 36.

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nº 04 da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, que, diante da gravidade

e alastramento da prática, deve haver uma extensão dos poderes do Juiz a fim de desestimular

satisfatoriamente o dumping social, baseando-se nas condenações punitivas existentes no

direito comparado. Nesse sentido, está em trâmite, inclusive, o Projeto de Lei nº 1615/2011,

que visa regulamentar a prática reconhecendo tal entendimento. Nas palavras de Souto Maior:

Não é mais possível conviver com o dano social provocado por empresas que lesam

diariamente um grande número de trabalhadores, com a prática reiterada de condutas

ilegais, que utilizam o tempo do processo e as infinitas possibilidades recursais para

se eximir de suas obrigações. Não é razoável permitir condutas processuais

flagrantemente temerárias ou procrastinatórias, especialmente quando estamos

lidando com direitos de natureza alimentar.

Notícia vinculada no site do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região sobre a

condenação de uma empresa por violação sucessiva de direitos trabalhistas relata:

A primeira reclamada possui mais de 1.502 processos ativos na comarca de Porto

Alegre. Todas as semanas (para não dizer todos os dias de pauta) são instruídos

processos envolvendo não apenas o mesmo grupo econômico, como também as

mesmas pretensões: horas extras não pagas, distorções salariais insustentáveis. Trata-

se, pois, de empreendimento que pratica macrolesões, na medida em que o desrespeito

aos mais elementares direitos constitucionais trabalhistas é reiteradamente trazido ao

conhecimento do Poder Judiciário, sem que nada seja feito, pela empresa, para alterar

a situação15.

O que se verifica, na prática, é o abarrotamento do Judiciário Trabalhista com o

ajuizamento de milhares de ações da mesma natureza, contra as mesmas reclamadas, tendo em

vista que essas, ao fazer uma análise de custo-benefício, percebem que é mais vantajoso

financeiramente não cumprir às normas trabalhistas e pagar as condenações diante de

reclamações trabalhistas do que respeitar fielmente os preceitos legais. Nos autos do processo

00495.2009.191.18.00-5, proveniente da Vara do Trabalho de Mineiros – GO, o juiz assim se

manifestou:

Este magistrado ficou impressionado com o número de ações em face da mesma

reclamada ao longo de um ano na Vara do Trabalho de Mineiros. O MM. Juiz Ari

Pedro Lorenzetti, por exemplo, prolatou 200 sentenças em um só dia em face da ré,

além de muitas outras em outros dias. [...] Mesmo assim, diante de centenas de

15 Notícia veiculada no site oficial do TRT4. Disponível em:

<http://www.trt4.jus.br/portal/portal/trt4/comunicacao/noticia/info/NoticiaWindow?cod=418305&action=2&destaque=false>

Acesso em 20/11/2014, 21h50min.

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pronunciamentos no sentido de condenar a reclamada ao pagamento das horas extras

pela supressão do intervalo de descanso térmico, a reclamada permanece

desrespeitando a legislação, como se não existisse Lei, fiscalização do trabalho,

Ministério Público do Trabalho e Justiça do Trabalho, abarrotando a pauta da Vara do

Trabalho de Mineiros e obrigando o Estado a desembolsar muito dinheiro e tempo

para lotar um juiz extra para a Vara, agravando a situação de milhares de

jurisdicionados, que se veem prejudicados em virtude de o Estado ter que colocar à

disposição da reclamada toda uma infraestrutura para dizer, redizer, confirmar e

reiterar que a ré deve pagar pelo intervalo intrajornada não concedido. É como se a

reclamada tivesse um juiz e meia Secretaria só para ela.

Além de mostrar-se mais vantajoso descumprir a legislação, as penalidades impostas

pela Consolidação das Leis do Trabalho em caso de descumprimento de preceitos legais16

mostram-se irrisórias para as grandes empresas. A fiscalização dessas práticas, por sua vez,

mostra-se insuficiente e as condenações individuais, na realidade, pouco repercutem no

patrimônio das empresas, de forma que não representam uma resposta eficiente do Estado

Social no combate ao dumping social. Jorge Luiz assim explica:

Muitas vezes as lesões não têm uma repercussão econômica muito grande e os lesados,

individualmente, não se sentem estimulados a ingressar com ações em juízo. Outras

vezes, mesmo tendo repercussão jurídica palpável, muitos trabalhadores deixam de

ingressar em juízo com medo de não conseguirem novo emprego, pois impera em

nossa realidade a cultura de que mover ação na justiça é ato de rebeldia. O agressor

da ordem jurídica trabalhista conta, portanto, com o fato conhecido de que nem todos

os trabalhadores lhe acionam na Justiça (na verdade os que o fazem sequer são a

maioria). Conta, ainda, com: o prazo prescricional de 05 (cinco) anos; a possibilidade

de acordo (pelo qual acaba pagando bem menos do que devia); e a demora processual.

Assim, mesmo considerando os juros trabalhistas de 1% ao mês não capitalizados e a

correção monetária, não cumprir, adequadamente, os direitos trabalhistas, tornou-se

entre nós uma espécie de “bom negócio”17.

O Ministério Público do Trabalho é o órgão responsável pela defesa da ordem jurídica

trabalhista observando precipuamente o interesse público. Em outras palavras, cabe a ele zelar

pela dignidade da pessoa humana nas relações de trabalho, pelos direitos sociais e “atuar na

defesa dos direitos difusos, coletivos e individuais indisponíveis na área trabalhista18”.

A prática do dumping, por representar uma ofensa direta aos conclamados direitos

sociais acarreta em danos a toda a coletividade, gerando, portanto, um dano moral coletivo

16 Como exemplo, citamos a penalidade imposta pelo art. 137 da CLT: Sempre que as férias forem concedidas após o prazo de

que trata o art. 134, o empregador pagará em dobro a respectiva remuneração. 17 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. O dano social e sua reparação. Revista LTr, v.71, n.11: São Paulo, 2007, p.1320. 18 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 10ª ed. São Paulo: LTr, 2012, p. 165.

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passível de reparação, pois “se o dano moral atinge a própria coletividade, é justo e razoável

que o Direito admita a reparação decorrente desses interesses coletivos19”.

Em outras palavras, pode-se afirmar que o dano moral coletivo está presente quando

valores socialmente relevantes são violados, ferindo a esfera moral de uma dada comunidade e

o basilar princípio da dignidade da pessoa humana. A título de ilustração, segue decisão do TRT

da 8ª Região:

DANO MORAL COLETIVO. TRABALHO EM CONDIÇÕES DEGRADANTES.

CARACTERIZAÇÃO. Afigura-se perfeitamente possível a ocorrência de dano moral

coletivo proveniente de perversas relações de trabalho, quando em detrimento da

dignidade da pessoa humana e de sua liberdade, na hipótese de restar configurado o

trabalho em condições análogas à escravidão, em razão de sua ampla repercussão

perante a sociedade mundial e o transtorno social causado [...]20.

Nesse contexto, o Ministério Público do Trabalho, como defensor dos direitos

transindividuais, deve atuar, a pedido do Juiz ou por sua própria iniciativa, nos moldes do artigo

83 da Lei Complementar 75/1993. Logo, seguindo a lógica do referido dispositivo, caso o Juiz,

em uma reclamação trabalhista, observe a prática do dumping social, deve oficiar o Ministério

Público do Trabalho para que ele tome as providências cabíveis a fim de coibi-la, seja firmando

um Termo de Ajustamento de Conduta com a empresa, o que se dá administrativamente, ou por

meio de uma Ação Civil Pública, no âmbito judicial. De acordo com Nadia Soraggi:

São várias as razões, no universo do processo do trabalho, que ensejam o uso da ação

civil pública na proteção dos interesses ou direitos transindividuais. relaciona-se com

a compatibilidade das ações coletivas com a natureza das relações de trabalho,

praticamente sempre transindividuais, envolventes que são de um grupo de

trabalhadores que laboram em situação homogênea, diante do contratante; a segunda

coincide com a já referida existência de um descumprimento reiterado e generalizado

aos direitos dos trabalhadores, contra o qual não há condições de defesa individual

efetiva por parte do trabalhador seja pela inadequação técnica da via individual ou por

tratar-se de direitos difusos21.

Na prática, a ação civil pública vem sendo comumente intentada com o objetivo de

coibir os danos sociais causados pela prática do dumping social, fixando um valor a titulo de

19 SCHIAVI, Mauro. Ações de reparação por danos morais decorrentes da relação de trabalho. 4ª ed. São Paulo: LTr,

2011, p.192. 20Decisão do TRT da 8ª Região, 2ª turma, prolatada pelo Desembargador Federal do Trabalho Herbert Tadeu Pereira de Matos,

nos autos do Processo nº 0061100-07.2004.5.08.0118. Publicada em Diário Oficial em 20 de janeiro de 2006. 21 FERNANDES, Nadia Soraggi. Ação civil pública trabalhista: forma célere e efetiva de proteção dos direitos

fundamentais dos trabalhadores. São Paulo: LTr, 2010, p.62.

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danos morais coletivos a ser destinado ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), responsável

por custear o Programa do Seguro Desemprego e do Abono Salarial e por financiar programas

de educação profissional e tecnológica e de desenvolvimento econômico, consoante prevê o

artigo 10 da Lei nº 7.998/90, que instituiu o FAT.

Em decisão prolatada em novembro de 2013, o Tribunal Regional do Trabalho da 15ª

Região, nos autos do Processo Nº 0001993-11.2011.5.15.0015, manteve a condenação do

Magazine Luiza ao pagamento de R$ 1,5 milhão pela prática de dumping social. Foi ajuizada

ação civil pública pelo Ministério Público do Trabalho após verificar que a empresa fora alvo

de 87 autuações e 2 Termos de Ajustamento de Conduta, principalmente por submeter

funcionários a jornadas exaustivas de trabalho, sem respeitar os intervalos mínimos devidos.

Na primeira instância, o juiz do Trabalho acatou os argumentos do MPT e impôs a condenação

de R$ 1,5 milhão a titulo de danos morais coletivos. A empresa recorreu da decisão, mas o

Tribunal manteve a condenação. Para o relator, Desembargador João Alberto Alves Machado:

“A indenização nos casos de dumping social objetiva não apenas reparar o dano causado

diretamente aos empregados, mas também proteger a sociedade como um todo, já que o valor

da indenização também servirá para coibir a continuidade da prática ilícita da empresa22”.

O que se verifica, na prática, é que condutas irregulares que afetam interesses

transindividuais, violando direitos sociais, criam a obrigação de indenizar pelo dano moral

coletivo, o que se dá por meio de Ação Civil Pública, sendo inegável, nessa seara, o papel do

Ministério Público do Trabalho como defensor da sociedade e dos direitos fundamentais.

Contudo, diante da proliferação da prática do dumping social e de seus desdobramentos, a

tutela, por parte do Parquet, não tem se mostrado amplamente satisfatória, fazendo com que o

Estado Social clame por uma atuação mais ativista do Judiciário Trabalhista com o intuito de

desestimular, de uma vez por todas, prática tão maléfica e antagônica ao modelo constitucional

vigente no País.

A prática do dumping social, como já demonstrado anteriormente, afronta de forma

brutal a dignidade humana, uma vez que desvaloriza e reduz o trabalhador à mero instrumento

na obtenção do lucro. Ademais, a ausência de trabalho digno afeta, além do trabalhador, seu

grupo familiar e social. Não pode, portanto, o Poder Público, manter-se alheio e inerte diante

de violações a direitos fundamentais basilares. Para Celso Antônio Bandeira de Melo:

22Decisão do TRT da 15ª Região, prolatada pelo Desembargador Federal do Trabalho João Alberto Alves Machado, nos autos

do Processo nº 0001993-11.2011.5.15.0015, em 04 de novembro de 2013.

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O respeito à dignidade humana, estampado entre os fundamentos da República, é

patrimônio de suprema valia e faz parte, tanto ou mais que algum outro, do acervo

histórico, moral, jurídico e cultural de um povo. O Estado, enquanto seu guardião, não

pode amesquinhá-lo, corroê-lo, dilapidá-lo ou dissipá-lo23.

Conforme entende Souto Maior:

O que se espera do Poder Judiciário é que faça valer todo o aparato jurídico para

manter a autoridade do ordenamento jurídico no aspecto da eficácia das normas do

Direito Social, não fazendo vistas grossas para a realidade, não fingindo que

desconhece a realidade em que vive, e não permitindo que as fraudes à legislação

trabalhista tenham êxito. Sobretudo, exige-se do Judiciário que reconheça ser sua a

obrigação de tentar mudar a realidade quando em desacordo com o Direito24.

Nesse contexto e com vista a garantir a efetivação dos direitos sociais, a Associação

Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA) aprovou, em 2007, na 1ª

Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho, enunciado com o seguinte teor:

DUMPING SOCIAL. DANO À SOCIEDADE. INDENIZAÇÃO SUPLEMENTAR.

As agressões reincidentes e inescusáveis aos direitos trabalhistas geram um dano à

sociedade, pois com tal prática desconsidera-se, propositalmente, a estrutura do

Estado social e do próprio modelo capitalista com a obtenção de vantagem indevida

perante a concorrência. A prática, portanto, reflete o conhecido “dumping social”,

motivando a necessária reação do Judiciário trabalhista para corrigi-la. O dano à

sociedade configura ato ilícito, por exercício abusivo do direito, já que extrapola

limites econômicos e sociais, nos exatos termos dos arts. 186, 187 e 927 do Código

Civil. Encontra-se no art. 404, parágrafo único do Código Civil, o fundamento de

ordem positiva para impingir ao agressor costumaz uma indenização suplementar,

como, aliás, já previam os arts. 652, d, e 832, §1º, da CLT.

No mesmo sentido do referido Enunciado, tendo em vista que o dumping social não está

previsto na legislação trabalhista brasileira, foi apresentado, em 15 de junho de 2011, pelo

Deputado Federal Carlos Gomes Bezerra, o Projeto de Lei nº 1.615 que visa regulamentar a

prática do dumping social no âmbito trabalhista nacional. A Lei visa fixar uma indenização e

multa administrativa à empresa que, reiteradamente, descumprir a legislação trabalhista para

oferecer seus produtos e serviços a preços mais atraentes, praticando concorrência desleal com

empresas do mesmo ramo.

23 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Eficácia das normas constitucionais e direitos sociais. São Paulo: Malheiros,

2010, p.36. 24 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. O dano social e sua reparação. Revista LTr, v.71, n.11: São Paulo, 2007, p.1323.

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Porém, enquanto a matéria não for devidamente regulamentada e uniformizada,

permearão os posicionamentos contrários sobre o tema, pois o referido Enunciado carece de

força vinculante, servindo apenas como uma proposta de interpretação de leis já existentes. Na

prática, a utilização do Enunciado representa uma resposta dos magistrados à constante

proliferação de semelhantes litígios na Justiça do Trabalho, perante mesmos empregadores que,

não obstante terem, muitas vezes, já sido autuados, multados e até alvo de ação civil pública,

insistem em desrespeitar direitos basilares de seus subordinados.

De acordo com o Enunciado, diante de situações dessa natureza, a indenização

suplementar seria fixada de ofício pelo Juiz, ou seja, sem que haja pedido especifico pelo

trabalhador autor da reclamação trabalhista, de forma paralela ao ressarcimento individual

pleiteado e teria, ao mesmo tempo, a finalidade de sanção, pela violação deliberada dos direitos

sociais e do próprio ordenamento jurídico, e de prevenção, a fim de desestimular a prática,

demonstrando ao ofensor e a outros empregadores que não é mais economicamente viável

violar direitos de seus trabalhadores. Assegura Souto Maior:

O dever incontornável de agir preventivamente também a se aplica ao juiz, que, diante

da violação dos direitos humanos fundamentais trabalhistas e da reiterada prática da

delinquência patronal, deve promover as tutelas de remoção do ilícito, ressarcitória e

dissuasória, ainda que sem pedido da parte, para resguardar a eficácia e a higidez do

ordenamento jurídico e, principalmente dos princípios que norteiam o Estado

Democrático do Direito25.

Os críticos à utilização do Enunciado da ANAMATRA para coibir a prática do dumping

social alegam justamente que o mesmo não merece prosperar no ordenamento jurídico pátrio,

tendo em vista que se baseia no instituto dos punitive damages que, por sua vez, é utilizado por

países filiados ao sistema do Common Law, como o direito inglês e o norte-americano, ou seja,

sistema jurídico completamente diverso do sistema do Civil Law, adotado no Brasil. Assegura

Rodrigo Trindade:

Não são poucas as criticas manejadas pela doutrina e jurisprudência para utilização de

punitive damages na realidade jurídica brasileira. São naturais os receios de utilização

25 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz; MOREIRA, Ranúlio Mendes; SEVERO, Valdete Souto. Dumping Social nas Relações de

Trabalho. 2ª ed. São Paulo: LTr, 2014, p.61.

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indiscriminada de institutos de direito estrangeiro, especialmente oriundos de países

que não compartilham do mesmo tronco do sistema nacional brasileiro26.

De fato, a utilização do instituto dos punitive damages causa receio no ordenamento

nacional, pois as características do sistema jurídico que o adota são contrárias as do sistema

jurídico brasileiro. Como se sabe, o Common Law, baseado em precedentes judiciais, possui

uma filosofia pragmática, permitindo uma postura mais proativa do juiz. Porém, os defensores

das condenações punitivas entendem que cabe adaptá-lo ao Direito pátrio, pois, uma vez

inserindo-o nos moldes da realidade brasileira, é um instituto eficiente no combate ao dumping

e à proteção dos direitos sociais, que é, no fim das contas, mais importante do que a análise de

meras regras procedimentais.

Outro argumento importante é que, atualmente, a fronteira entre o Civil Law e o

Commom Law estão cada vez mais tênues, tanto os estados de origem inglesa tem a cada dia

mais se apoiado em regulamentação escrita, como os países de tronco romano tem se

aproximado da tendência e força dos precedentes judiciais. Isso tem possibilitado um diálogo

maior e a construção de uma complementaridade salutar aos sistemas jurídicos. Ainda nesse

sentido, Trindade, para quem:

A utilidade que tem essa fórmula não pode ser descartada sob alegações de absolutas

incompatibilidades, principalmente quando se propõe o interprete a manejá-la em

associação com a realidade do sistema nacional e, principalmente, com as

peculiaridades que a situação em análise exigir27.

As críticas à utilização do instituto se fundam basicamente em três motivos: proibição

do ativismo judicial, vedação ao enriquecimento sem causa e impossibilidade de imposição de

pena sem prévia cominação legal.

O ativismo judicial diz respeito a uma atuação mais proativa do Poder Judiciário, pois

o juiz estaria autorizado a agir de oficio fixando uma indenização suplementar, tendo em vista

a ausência de normas que reprimam satisfatoriamente o dano social gerado pela conduta lesiva.

Não há que se falar, nessa seara, em afronta ao princípio da separação dos Poderes e ao princípio

dispositivo, pois, diante da evolução histórica e social e diante, sobretudo, da complexidade dos

26 SOUZA, Rodrigo Trindade de. Punitive Damages e o Direito do Trabalho Brasileiro: adequação das condenações

punitivas para a necessária repressão da delinquência patronal. Disponível em: <http://livros-e-

revistas.vlex.com.br/vid/punitive-damages-trabalho-punitivas-521372546> Acesso em 24/11/2014, 14h12min. 27Idem.

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conflitos, que passam a ser transindividuais, essa limitação precisar ser superada, com base,

inclusive, na própria Carta Magna. Segundo Souto Maior:

O principio dispositivo, portanto, não pode mais ser examinado à luz do ideal

iluminista que desconfia do juiz e que para ele reserva a função de mero aplicador da

lei, sem possibilidade sequer de interpretá-la. Não se trata – é conveniente sublinhar

– de outorgar ao juiz a possibilidade de subverter a ordem processual ou adotar

medidas, se assim desejar. Trata-se tão somente de admitir que o juiz tem o dever de

atuar no processo utilizando-se do ordenamento jurídico vigente de sorte a conferir-

lhe a máxima eficácia

[...]

Além do mais, a Constituição da República é clara ao afirmar em principio estampado

no art. 5º, XXXV, que “a lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou

ameaça a direito”. Ora, se a lei não poderá impedir que o poder judiciário aprecie lesão

ou até ameaça a direito, com muito maior razão a ausência de lei não poderá fazê-lo28.

A corrente doutrinária adversa à condenação punitiva assevera, ainda, que ela vai de

encontro à vedação legal do enriquecimento sem causa, uma vez que no instituto dos punitive

damages os valores da indenização suplementar são destinados ao autor da ação individual.

Logo, ao ser utilizado no sistema jurídico nacional, geraria um indiscriminado enriquecimento

ilícito da parte. Porém, o Enunciado da ANAMATRA não determinou a destinação da

condenação punitiva e que, fazendo as adequações ao sistema jurídico pátrio, a indenização

deve ser revertida para fundos públicos, como o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), por

exemplo.

Em relação, por fim, à crítica acerca da impossibilidade de imposição de pena sem a

prévia cominação legal, os críticos à utilização dos punitive damages entendem que ela, ao

desrespeitar o artigo 5º, XXXIX, violaria o principio da legalidade. Os defensores, por sua vez,

alegam que a condenação suplementar é aplicável, pois ela se fundamenta no principio da

dignidade humana, fundamento máximo do próprio Direito, o qual não necessita de qualquer

previsão especifica de punição quando violado. Ademais, a corrente defensora baseia-se, ainda,

em diversos dispositivos legais que permitem a condenação punitiva.

Primeiramente, destaca-se o disposto no artigo 652, “d”, da Consolidação das Leis do

Trabalho que autoriza o julgador a impor multa e demais penalidades, sem se referir,

necessariamente, a pedido da parte29.

28 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz; MOREIRA, Ranúlio Mendes; SEVERO, Valdete Souto. Dumping Social nas Relações de

Trabalho. 2ª ed. São Paulo: LTr, 2014, p.126 e 127. 29 Art. 652 - Compete às Juntas de Conciliação e Julgamento: [...] d)impor multas e demais penalidades relativas aos atos de

sua competência.

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O fundamento advém, outrossim, do artigo 461 do Código de Processo Civil. Ao

analisar o referido dispositivo, enxerga-se uma evolução do próprio processo, que deve ser cada

vez mais voltado e efetivo para a realização do projeto social. Em suma, diante da realidade de

atingir a efetividade máxima do processo, conceitos tradicionais merecem ser reinterpretados.

Luiz Fux, por exemplo, ao analisar o dispositivo transcrito, além de admitir a possibilidade de

tutela antecipada de oficio, entende que concedê-la muitas vezes é dever do juiz, a fim de atingir

a real efetividade do processo. Segundo ele: “A atuação ex officio é mais do que concebível: é

dever inerente ao poder jurisdicional e à responsabilidade judicial pelas pessoas e coisas

submetidas ao juízo30”.

O Enunciado da ANAMATRA ainda fundamenta a possibilidade de aplicação da

indenização suplementar com base no artigo 404, parágrafo único, do Código Civil31. Segundo

a corrente defensora, não obstante o dispositivo se referir aos juros de mora, ele deve ser

interpretado no sentido de que, diante da gravidade e amplitude dos prejuízos e da insuficiência

do valor da condenação, o juiz poderia conceder a indenização suplementar por dano social.

Ademais, para eles, o dispositivo do direito comum pode muito bem ser utilizado, com

autorização do artigo 8° da própria CLT, que dispõe sobre o uso do direito comum como fonte

subsidiária do Direito do Trabalho. Verifique-se a ementa abaixo:

DANO À SOCIEDADE (DUMPING SOCIAL). INDENIZAÇÃO SUPLEMENTAR.

JUSTIÇA DO TRABALHO. APLICAÇÃO. As agressões reincidentes e inescusáveis

aos direitos trabalhistas geram um dano à sociedade, pois com tal prática

desconsidera-se, propositalmente, a estrutura do Estado Social e do próprio modelo

capitalista com a obtenção de vantagem indevida perante a concorrência. A prática,

portanto, reflete o conhecido “dumping social”, motivando a necessária reação do

Judiciário trabalhista para corrigi-la. O dano à sociedade configura ato ilícito, por

exercício abusivo do direito, já que extrapola limites econômicos e sociais, nos exatos

termos dos arts. 186, 187 e 927 do Código Civil. Encontra-se no art. 404, parágrafo

único do Código Civil, o fundamento de ordem positiva para impingir ao agressor

contumaz uma indenização suplementar, como, aliás, já previam os arts. 652, “d”, e

832, §1°, da CLT (Súmula n. 4, da primeira Jornada de Direito Material e Processual

na Justiça do Trabalho, em 23.11.2007)32.

Não obstante os dispositivos legais mencionados que, segundo os defensores, autorizam

a atitude proativa do juiz diante de danos sociais que extrapolam a esfera individual do autor da

30 FUX, Luiz. Tutela de segurança e tutela da evidência. São Paulo: Saraiva, 1996, p.150. 31 Art. 404 - [...] Parágrafo único. Provado que os juros da mora não cobrem o prejuízo, e não havendo pena convencional,

pode o juiz conceder ao credor indenização suplementar. 32 Decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 16ª REGIÃO, 2ª TURMA. PROCESSO RO N. 00394-2008-003-16-00-3.

Relatora ILKA ESDRA SILVA ARAÚJO, em 09/10/2009.

Page 158: Temas Selecionados de Direito Público

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demanda, a própria corrente afirma que as condenações punitivas devem ser manejadas em

hipóteses de significativa reprovação social, a fim de desencorajar, de uma vez por todas, a

reiteração deliberada das posturas delinquentes bem como demonstrar, a outras empresas do

mesmo ramo, que tais atitudes, no fim das contas, são economicamente inviáveis, evitando

assim a precarização dos direitos dos trabalhadores.

Ademais, o juiz deve verificar se as empresas já foram alvo de medidas mais amplas,

ou seja, acordos com sindicatos, termos de ajuste de conduta com o Ministério Público do

Trabalho, condenações em ações coletivas, enfim, a condenação punitiva pelo juiz se daria

como último meio diante da ineficiência das repressões anteriores. Assegura Barroso33 que o

Poder Judiciário pode e deve agir, aplicando a Constituição Federal, quando estão em jogo

direitos fundamentais, diante da inexistência de lei ordinária razoável regendo a matéria. Segue

interessante posicionamento do Tribunal Regional do Trabalho de Campinas:

INDENIZAÇÃO SUPLEMENTAR. DANO SOCIAL. CABIMENTO. Não obstante

já exista eficiente intervenção do Ministério Público do Trabalho na função de

guardião do interesse público, não há como deixar de observar e atuar o julgador como

fiscal da lei. Neste caso restou evidenciado que as Reclamadas, cada qual com sua

razão, participaram de um processo produtivo onde foi explorada mão de obra de

trabalhadores que não viram seus direitos trabalhistas reconhecidos. Não é admissível

que o desenvolvimento de qualquer atividade econômica se dê ao custo de se ignorar

os ditames que regem as relações de trabalho34.

Sendo assim, o ordenamento jurídico brasileiro, interpretado à luz do paradigma social,

autoriza a atitude comprometida do juiz diante de danos sociais. A competência do Ministério

Público do Trabalho como guardião dos interesses da sociedade não é negada nem mitigada.

Por outro lado, segundo Jorge Luiz:

O fato de o Ministério Público do Trabalho ter legitimidade para propor ação coletiva

pretendendo o pagamento de indenizações que coíbam a reiteração de práticas de

dumping social não retira do juiz a mesma função. Trata-se de uma ação conjunta em

prol da concretização do projeto constitucional de sociedade inclusiva e

comprometida com o bem de todos35.

33 BARROSO, Luis Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Disponível em: <

http://www.plataformademocratica.org/Publicacoes/12685_Cached.pdf> Acesso em 26/11/2014, 10h22min. 34 Decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª REGIÃO, 5ª TURMA, 9ª CÂMARA. PROCESSO N. RO 0043200-

77.2007.5.15.0096. Relator FÁBIO ALLEGRETTI COOPER. 35 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz; MOREIRA, Ranúlio Mendes; SEVERO, Valdete Souto. Dumping Social nas Relações de

Trabalho. 2ª ed. São Paulo: LTr, 2014, p 12.

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Destaca ainda o autor:

A segurança jurídica de todos (a certeza de que a Constituição não é uma falácia, mas

algo em construção, algo que constitui e identifica o Estado) é mais importante do que

a segurança jurídica de uma minoria que lucra com o descumprimento da legislação e

não observa que a propriedade deve cumprir sua função social36.

É certo que enquanto a matéria não for devidamente regulamentada, seja com a

aprovação ou não do Projeto de Lei n° 1.615/2011, permearão os posicionamentos contrários

acerca da matéria. A utilização das condenações punitivas e a consequente potencialização do

papel do juiz, de fato, causam grande impacto à luz do direito processual clássico. Contudo, o

processo, como meio de transformação social, deve buscar, sobretudo, a consolidação do

projeto constitucional, fazendo com que os direitos sociais dos trabalhadores, frutos de tantas

lutas, não representem mera retórica e se tornem, a cada vez que são aplicados e priorizados em

uma relação processual, de fato realidade.

5 CONCLUSÕES

O dumping social, como demonstrado ao longo do estudo, representa uma prática que

extrapola a esfera individual do trabalhador lesionado, uma vez que fere as bases sobre as quais

se sustenta a ordem econômica brasileira e o próprio Estado Social de Direito, pois o golpe

atinge diretamente princípios e fundamentos basilares como a dignidade da pessoa humana e a

valorização do trabalho. A prática acarreta, portanto, verdadeiros danos sociais, e deve ser

devidamente reprimida e cessada sob o viés do Trabalho Decente.

Diante disso, a atuação do Poder Público, enquanto agente social, deve ganhar maior

efetividade. Não se mostra justo com a própria sociedade flexibilizar direitos trabalhistas como

meio de acompanhar os avanços da globalização ou conter crises econômicas. A Constituição

Federal estipula direitos e garantias mínimas do trabalhador. Em outras palavras, flexibilizar o

que já é mínimo significa retroceder na história e privilegiar o aumento da competitividade no

mercado em detrimento da pessoa humana do hipossuficiente.

Ante a indiscutível nocividade do dumping social, deve ser reconhecida a possibilidade

de uma atuação mais firme pelo Judiciário a fim de demonstrar à essas ardilosas empresas que

36 Idem, p. 145.

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não é mais economicamente viável angariar vantagens de mercado através de práticas

insistentes e injustificadas de violações a direitos humanos tão basilares.

A atuação do Ministério Público do Trabalho não é, de forma alguma, desvalorizada.

Ao contrário, é indiscutível sua importância na proteção dos direitos da coletividade. Porém, a

prática do dumping social tem se mostrado tão arteira e contumaz que a ação do Parquet não

tem sido suficientemente satisfatória. Restou demonstrado que muitas empresas insistem em

descumprir injustificadamente a legislação não obstante as inúmeras condenações diante de

reclamações trabalhistas individuais, diversas autuações pelo órgão fiscalizatório, incessantes

termos de ajustamento de conduta.

Na prática, parcela do Judiciário trabalhista já engatinha na direção de uma possível

forma de desestimular, de uma vez por todas, a prática do dumping social. Foi aprovado, pela

Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA, o Enunciado nº

04, que possibilita o Juiz do Trabalho a, diante de reiteradas, graves e injustificadas violações

a direitos trabalhistas básicos, impor uma indenização suplementar de ofício com caráter

punitivo e pedagógico, demonstrando à empresa violadora e às outras do mesmo ramo que elas

serão, de fato, penalizadas de forma considerável caso insistam na prática, o que vai ser

indubitavelmente mais prejudicial economicamente para elas. Tal entendimento é objeto do

Projeto de Lei nº 1.1615/2011, em trâmite no Congresso Nacional, que, caso aprovado,

regulamentará a matéria reconhecendo a referida indenização por parte do Juiz do Trabalho.

A corrente contrária à fixação da indenização de ofício pelo magistrado alega que o

ordenamento jurídico brasileiro é incompatível com o instituto das condenações punitivas

(punitive damages), utilizadas em países filiados ao Common Law, e que sua utilização no

direito nacional ocasionaria, portanto, violações a regras processuais já consagradas. Ocorre

que, na prática, o instituto dos punitives damages pode ser adaptado ao ordenamento pátrio e a

utilidade que tem essa fórmula não pode ser descartada diante de condutas sintomáticas de

extrema reprovação social.

A adaptação das condenações punitivas pode ser realizada por meio de interpretações

de diversos dispositivos processuais, como o artigo 652, “d”, da Consolidação das Leis do

Trabalho, o artigo 461 do Código de Processo Civil e o artigo 404, parágrafo único, do Código

Civil, além de buscar sua essência no próprio referencial normativo constitucional, que

privilegia, acima de tudo, o valor social do trabalho e a dignidade da pessoa humana. Tais

condenações seriam estipuladas de ofício pelo Juiz do Trabalho, independentemente da

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condenação diante da reclamação trabalhista ajuizada, e seriam destinadas a um fundo coletivo,

como o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), em prol de toda a sociedade, haja vista que

almeja reparar um dano social percebido por todos.

O que se defende é que, embora em um primeiro momento a repressão ao dumping deva

ser buscada pelo Ministério Público do Trabalho, com seus instrumentos de ação, o combate à

uma prática tão inescrupulosa e devastadora não deve ficar a cargo apenas do Parquet, que se

demonstra na realidade insuficiente diante do incontrolável número de casos e da abrangência

do incidente. É preciso ousar, evoluir. Defende-se que, diante da insistência em precarizar

direitos tão elementares, mesmo após várias respostas do Poder Público, seja reconhecida uma

atuação comprometida e pragmática do Juiz do Trabalho como forma de efetivar, de fato, os

conclamados direitos sociais. Valores que representam o próprio fundamento da República

devem estar acima de meras regras processuais e procedimentais que, embora importantes,

podem se moldar na busca da afirmação e segurança jurídica do paradigma constitucional.

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em: 28/10/2014, 11h24min.

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<https://docs.google.com/document/d/1yljx0mY1ocG1tHveObElXT4Ku1my2qn3il2qXb-

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em 24/11/2014, 14h12min.

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MONITORAMENTO ELETRÔNICO DO TEOR DE ÁLCOOL EM SERES

HUMANOS: REALIDADE NO DIREITO COMPARADO E NECESSIDADE DE

IMPLEMENTAÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Meryelen Estrela da Silva1

Félix Araújo Neto2

Sumário: 1 Introdução. 2 Conceitos de Drogas Psicotrópicas e alcoolismo. 3 Fatores

associados ao consumo de álcool e outras drogas psicoativas e a criminalidade. 4 O

uso do monitoramento eletrônico como meio de avaliar o consumo de bebidas

alcoólicas. 5 O monitoramento eletrônico de álcool em apenados como uma medida

eficaz para a ressocialização. 6 Pena Autônoma com uso de monitoramento eletrônico

de condenados sob a influência de álcool. 7 Conclusão. Referência.

1 INTRODUÇÃO

O monitoramento eletrônico de presos é considerado um tema relativamente recente no âmbito

jurídico brasileiro, sendo implementado através das Leis nº 12.258/10, (no campo da execução penal),

e da Lei nº 12.403/11 como medida cautelar autônoma e substitutiva da prisão (Código de Processo

Penal art. 319, inc. IX).

No meio acadêmico, a importância sobre a temática permeia ante as divergências que imperam

quando tratam de tal assunto, em especial às relacionadas com a possível inconstitucionalidade do uso

desse tipo de mecanismo.

Nesse sentido, este estudo visa analisar a partir do direito comparado a seguinte problemática:

é possível a criação da uma pena autônoma de monitoramento eletrônico mediante o uso de tecnologia

que possibilite controlar o teor de álcool do condenado? Esta medida deve ser adotada nos casos de

crimes de menor potencial ofensivo que tenham relação com bebidas alcoólicas? Deve-se aliar tal forma

de monitoramento com um acompanhamento psicológico em grupos de apoio de alcoólicos?

Todavia, sendo pouco explorada a produção acadêmica nacional a respeito do assunto, é

relevante, neste prisma, para acadêmicos de direito e juristas, empreender estudo a respeito da

operacionalidade do monitoramento e suas implicações concernentes à aplicação para o controle

contínuo do nível de álcool em apenados.

1 Advogada. Graduada em Direito pela UEPB. Pós Graduada em Prática Judicante pela ESMA/UEPB. E-mail:

[email protected]. Integrante do Núcleo de Estudos em Criminologia e Ciências Criminais da Facisa. 2 Doutor em Direito Penal e Política Criminal (cum laude) pela Universidade de Granada, Espanha. Título

revalidado pela UERJ. Professor do Máster en Derecho Penal Económico do Instituto de Altos Estudios

Universitários de Barcelona (IAEU). Coordenador Operacional do Doutorado Interinstitucional em Direito

(DINTER - UERJ/UEPB) e do Núcleo de Estudos em Criminologia e Ciências Criminais da Facisa. Professor da

UEPB, Facisa/PB, ATAME (unidade de Brasília) e ESMA/PB. Advogado Criminalista.

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Na prática, contudo, o monitoramento eletrônico de presos, é utilizado intensamente em suas

mais variadas formas, demonstrando resultados eficazes em diversos países estrangeiros, notadamente

nos Estados Unidos, tais como na cidade e condado de Denver, e nos estados americanos da Dakota do

Sul e do Norte, onde se aplicam o monitoramento eletrônico de álcool e drogas, e são constatados

resultados clarificadores das decisões judiciais que fazem uso desse artifício.

Portanto, no meio social, o uso dessa ferramenta eletrônica reflete no aprimoramento do sistema

penal, tornando-o mais humanizado, gerando reflexões sobre o sistema penitenciário vigente, ante os

tratamentos desumanos e degradantes aos quais os condenados são submetidos.

Tendo em vista ser necessário buscar meios para amenizar os efeitos dessocialiadores da prisão

tradicional e humanizar a pena, é objetivo deste estudo discutir soluções alternativas ao método

tradicional de encarceramento. Sendo assim, o método de monitoramente surge como uma importante

ferramenta que pode colaborar com o controle da execução de medidas judiciais e com a ressocialização

sem, entretanto, marginalizar o delinquente, podendo, influir na diminuição dos índices de criminalidade

e reincidência dos delitos causados sob a influência de bebidas alcoólicas.

A metodologia adotada consiste no método hipotético-dedutivo e a técnica utilizada é a pesquisa

bibliográfica, que segundo Marconi e Lakatos (2001, p. 43-44) “é o levantamento de toda a bibliografia

já publicada, em forma de livros, revistas, publicações avulsas e imprensa escrita e documentos

eletrônicos”. Logo, foram utilizados no desenvolvimento da pesquisa a análises de doutrinas, artigos

científicos de revistas nacionais e internacionais, e internet, indispensáveis para a compreensão e estudo

do mencionado assunto.

2 CONCEITOS DE DROGAS PSICOTRÓPICAS E ALCOOLISMO

De acordo com os relatos históricos existentes, alguns povos antigos já faziam uso de

substâncias alucinógenas em alguns de seus rituais.

Segundo o Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID) a

terminologia droga tem a seguinte significação:

Sua origem advém na palavra droog (holândes antigo) que significa folha seca; isso

porque antigamente quase todos os medicamentos eram feitos à base de vegetais.

Atualmente, a medicina define droga como qualquer substância capaz de modificar a

função dos organismos vivos, resultando em mudanças fisiológicas ou de

comportamento. 3

3CENTRO BRASILEIRO DE INFORMAÇÕES SOBRE DROGAS PSICOTRÓPICAS, CEBRID. Livreto

Informativo sobre Drogas Psicotrópicas. Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina.

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O dicionário define drogas como: “Medicamento ou substância entorpecente alucinógena,

excitante, etc, ingerido em geral, como o fito de alterar transitoriamente a personalidade”.4 Nesse

sentido, ainda, podemos definir droga, consoante a Organização Mundial da Saúde (OMS) “como

qualquer substância não produzida pelo organismo que tem a propriedade de atuar sobre um ou mais de

seus sistemas, produzindo alterações em seu funcionamento” 5.

Portanto, drogas psicotrópicas são consideradas como aquelas substâncias que age sobre o

cérebro, alterando/desorganizando o psiquismo humano.

Nesse diapasão, as drogas psicotrópicas podem ser classificadas nos seguintes grupos:

Depressores da Atividade do Sistema Nervoso Central (diminuem a atividade do cérebro); estimulantes

da atividade do sistema nervoso central (estimulam o funcionamento fazendo com que o usuário fique

"ligado", "elétrico", sem sono) e perturbadores da atividade do sistema nervoso central (constituído por

aquelas drogas que agem modificando qualitativamente a atividade do cérebro do usuário, ou seja, a

mente fica perturbada) 6.

As drogas podem ser ainda classificadas sob o ponto de vista legal, as lícitas e as ilícitas. No

Brasil, são contempladas como drogas ilícitas aquelas no qual o comércio e consumo são proibidos na

forma da lei pátria, tais como: a maconha, a heroína, cocaína o crack, dentre outros.

Não obstante, a droga psicoativa mais utilizada pela humanidade é o álcool, sendo uma das

poucas drogas que o seu consumo não é considerado ilícito. Estima-se que “registros arqueológicos

revelam que os primeiros indícios sobre o consumo de álcool pelo ser humano datam de

aproximadamente 6000 a.C., sendo, portanto, um costume extremamente antigo e que tem persistido

por milhares de anos”.7

Ademais, a história do consumo de bebidas alcoólicas, aquelas que possuem etanol em sua

fórmula, mescla-se com a história do desenvolvimento das sociedades e seus ciclos comerciais,

econômicos e culturais8

Departamento de Psicobiologia da Unifesp. 2008. p. 7. Disponível em:< http://www.cebrid.epm.br/index.php>.

Acesso em: 15 de fevereiro de 2014.

4 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. 3. ed. rev. e atual.

Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009, p. 93. 5ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. CID-10 - Critérios diagnósticos para pesquisas. Porto Alegre:

Artes Médicas Sul, 1997, p.12.

6 Centro brasileiro de informações sobre drogas psicotrópicas, op. cit., p. 8. 7 Idem Ibidem, op. cit., p. 13. 8CARNEIRO, Henrique Soares. Bebidas alcoólicas e outras drogas na época moderna. Economia e

embriaguez do século XVI ao XVIII. In: PARANA. Secretaria de Estado da Educação. Prevenção ao uso

indevido de drogas. Curitiba: Cadernos Temáticos dos Desafios Educacionais Contemporâneos, 2008, p. 41

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Porém, foi com o advento da revolução industrial que o consumo de bebidas alcoólicas

aumentou impetuosamente, e, continua extremamente presente na atualidade acarretando enormes

problemas decorrentes do seu uso excessivo.

Os efeitos sentidos no organismo com a ingestão de álcool estão diretamente relacionados com

a quantidade de doses consumidas, uma vez que a concentração de álcool no organismo, ou nível de

álcool no sangue (NAS), ou alcoolemia, indica os sintomas típicos, partindo de uma euforia leve e

desinibição, evoluindo para tonturas, desorientação, prejuízo de raciocínio e de coordenação9.

Desta feita, denomina-se de alcoolismo as perturbações orgânicas e mentais resultantes do abuso

de álcool. Os fatores que podem acarretar o alcoolismo são variados, e podem envolver aspectos de

ordem biológica, psicológica, e, também, sociocultural.

Nesse sentido, o uso de drogas psicotrópicas, notadamente o álcool, vem contribuindo para o

crescimento descomedido da criminalidade em todos os ramos da sociedade, como veremos no tópico a

seguir.

3 FATORES ASSOCIADOS AO CONSUMO DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS

PSICOATIVAS E A CRIMINALIDADE

A criminalidade aumenta a cada dia no país e dentre os fatores que contribuem para a violência

hodierna encontra-se o uso indiscriminado de substâncias psicoativas, conforme tem sido apontado em

diversos estudos. É nesse contexto que a discussão sobre a questão do uso de drogas lícitas e ilícitas

ganha uma maior dimensão nas sociedades modernas. Em que pese desde os primórdios da humanidade,

verifica-se que as drogas acompanham a vida evolutiva dos seres humanos.

No Brasil até o ano de 1920 não havia nenhum controle estatal a respeito da venda ou uso de

produtos psicotrópicos. Somente em 1961 foi assinado na ONU, um documento que embasou a reforma

da lei antidroga no Brasil em 1967.10

9SILVA, Izabella Alvarenga. Consumo de bebidas alcoólicas por estudantes do ensino médio e características

do grupo de pares. Marília, 2010, p.19.

10 FRANCISQUINHO, Sérgio; FREITAS, Solange Pinheiro de. A influencia das drogas na criminalidade. 85.f

Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Especialização em Formulação de Gestão de Políticas

Públicas), Universidade Estadual de Londrina, Londrina-Paraná, 2008, p. 37. Disponível em:

<http://www.escoladegoverno.pr.gov.br/arquivos/File/artigos/seguranca/a_influencia_das_drogas_na_criminalid

ade.pdf>. Acesso em: 16 de fevereiro de 2014.

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No entanto, a partir da década de 80, houve um aumento vertiginoso da criminalidade,

notadamente o número de delitos relacionados com drogas (tráfico e uso). Em 1985, o tráfico e o uso de

drogas foram responsáveis por três vezes mais condenações que há 20 anos11.

Segundo dados emitidos pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC):

Temos hoje uma população mundial em torno de 6,6 bilhões de pessoas; dentre essas,

4,2 bilhões têm entre 15 e 64 anos; desse universo, 208 milhões já fizeram uso de

drogas em algum momento da vida, o que representa 4,8% da população mundial;

foram 112 milhões os que fizeram uso de alguma droga no último mês; a faixa da

população entre 15 e 64 anos que apresenta uso problemático de drogas, 26 milhões,

representa 0,6% da população mundial. Dessas pessoas, 3,9% são usuárias de

maconha; 0,4% de cocaína e derivados; 0,8% de estimulantes como anfetaminas.12

Destarte, a nível mundial, houve um aumento na produção e uso indevido de novas substâncias

psicoativas. Contudo, a produção e o uso de substâncias que estão sob controle internacional

permanecem em grande parte estáveis em comparação com 2009.13

Resta salientar que a criminalidade não se encontra associada, apenas, ao uso de drogas

consideradas ilícitas, mas principalmente ao uso de álcool. No século XIV, Chaucer “já se referia ao

álcool como uma substância que leva o indivíduo à perda do controle sobre os seus atos”.14

Uma vez que o álcool atua como fator determinante sobre as lesões psíquicas preexistentes no

indivíduo15. Logo, as bebidas alcoólicas (álcool etílico/etanol) e as demais drogas são consideradas

substâncias químicas que agem sob o sistema nervoso central, interferindo veemente a função cerebral

dos indivíduos.

Desta feita, a toxicodependência consiste em um grande problema de cunho social no panorama

atual, estando diretamente ligado à delinquência, haja vista que é crescente o aumento de delitos

cometidos por usuários, cujo objetivo é alimentar seus vícios, acarretando consequentemente o

crescimento da população carcerária.

11CHALUB, Miguel; TELLES, Lisieux E. de Borba. Álcool, drogas e Crime. Rev. Bras.

Psiquiatr. vol.28 suppl.2 São Paulo Oct. 2006. Disponível em:http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1516-

44462006000600004&script=sci_arttext. Acesso em: 16 de fevereiro de 2014. 12 CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Subjetividade do consumo de álcool e outras drogas e as

políticas públicas brasileiras / Conselho Federal de Psicologia. —Brasília: CFP, 2010.

13 WORLD DRUG REPORT. United nations office on drugs and crime (Escritório da ONU para Drogas e

Crime), 2013, p. 1. 14 MILLER N. S apud MARQUES, Ana Cecília Petta Roselli. O uso de álcool e a evolução do conceito de

dependência de álcool e outras drogas e tratamento. Revista IMESC, nº 3. 2001. p. 74. Disponível em:

http://www.imesc.sp.gov.br/pdf/artigo.pdf. Acesso em 16 de fevereiro de 2014. 15 PANUCCI, Laís Flávia Arfeli. Aumento da Criminalidade-Causa. 57.f. Trabalho de Conclusão de Curso

(Graduação Direito). Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toledo, Faculdade de Direito de Presidente

Prudente, São Paulo, 2004, p. 43.

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Conforme, verifica Inciardi (2001) ao exprimir o modelo teórico de sua autoria que explica a

relação entre droga e crime, o denominado modelo de compulsão econômica para a violência que

objetiva explicar crimes violentos contra o patrimônio como os roubos e os furtos, que frequentemente

nestes crimes os usuários estão em busca de dinheiro para financiar e sustentar sua dependência química.

16

Neste norte, como bem observa Gomes e Capponi:

Ao prestarmos atenção ao que é veiculado na mídia diariamente sobre o uso de drogas,

a impressão que se tem é que a situação mostra-se como uma epidemia: extremamente

grave, perigosa e que exige ações rápidas e enérgicas, sob o temor de que o país seja

dominado pelos usuários dessa droga, denunciando grave problema de fundo

essencialmente social. 17

Nesse diapasão, o uso/abuso de substâncias psicoativas causam graves comprometimentos

orgânicos, psíquicos e sociais tais como: doenças motivada pelo uso excessivo de bebidas alcoólicas,

transmissão de doenças infecto-contagiosas e, notadamente, a ocorrência de atos violentos.

Dentre os vários danos sociais ocasionados pelo consumo de bebidas alcoólicas, sobressaem, os

acidentes de trânsito, a violência ocasionada pela ocorrência de brigas, dentre elas os delitos contra a

pessoa como homicídios, tentativas de homicídios e lesões corporais, bem como abusos sexuais,

violência doméstica, além, da prática de outros ilícitos penais. Uma vez que segundo Melcop (2011)

“estudos revelam que o uso do álcool provoca e reforça os comportamentos de transgressão, de

agressividade e de risco no trânsito” 18.

Por seu turno, o poder de dependência das substâncias psicoativas tem como características

primordial a presença de um conjunto de sintomas cognitivos, comportamentais e fisiológicos, que

evidencia que o indivíduo continua a utilizar uma determinada substância, apesar dos problemas

significativos relacionados à mesma tanto em termos de saúde quanto pessoais e sociais.19

16 INCIARDI James apud WELLAUSEN, Rafael Stella. Avaliação dos fatores associados ao uso de álcool e

drogas na criminalidade: Um estudo no sistema penitenciário. 136.f Dissertação (mestrado em Psicologia)

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Psicologia, Porto Alegre, 2009, p. 13.

17 GOMES; Bruno Ramos; CAPPONI, Marilia. Álcool e Outras Drogas. Conselho Regional de Psicologia da 6ª

Região. – São Paulo: CRPSP, 2011, p. 10.

18 MELCOP, Ana Glória Toledo. O consumo de álcool e os acidentes de trânsito: pesquisa sobre a associação

entre o consumo de álcool e os acidentados de trânsito nas cinco regiões brasileiras. CCS Gráfica e Editora:

Recife, 2011, p.12. 19 OLIVEIRA, Cinthya Brito de. Dependência química do 'crack' como gerador da criminalidade no âmbito

patrimonial. Revista Brasileira de Direito e Gestão Pública. v. 1, Pombal- Paraíba. 2013. p. 3.

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Nesse ínterim, constata-se que do uso de bebidas alcoólicas não é considerado um ilícito penal,

e o seu consumo pode ser totalmente admitido para os maiores de 18 anos, sem mencionar que é

amplamente incentivado, principalmente pela sociedade, inclusive através da publicidade e mídias

sociais.

Em face dessa realidade, metade dos brasileiros consome bebidas alcoólicas, identificou o

Levantamento Nacional de Álcool e Drogas 2012 (Lenad), realizado pelo Instituto Nacional de Políticas

Públicas do Álcool e Outras Drogas (Inpad), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)20

Pode-se ponderar, como supracitado, que o alcoolismo é considerado um fator criminógeno,

haja vista que vez que acarreta desinibição ou prejuízo cognitivo, uma vez que, conforme, preconiza

Howard “prejudica o julgamento, entorpece a razão e enfraquece a vontade; ao mesmo tempo, excita os

sentidos, inflama as paixões e libera a mais primitiva ‘fera’, antes contida pelas restrições sociais” 21.

Nesse sentido, o uso de álcool, quando excessivo, está associado ao aumento de acidentes de

trânsito, segundo dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) os óbitos por acidentes de

trânsito tiveram um rápido crescimento na década 2001/2011: o número de vítimas passou de 30.524

para 43.256, o que representa um aumento de 41,7%.22

Saliente-se, ademais que de acordo com pesquisa do Ministério da Saúde através de um

levantamento feito em 71 hospitais do Sistema Único de Saúde de todo o país, 21% dos acidentes de

trânsitos no Brasil estão relacionados com uso de álcool. Ainda segundo o mesmo estudo, em 40% dos

casos de acidentes no trânsito no país estão envolvidos pessoas na faixa etária entre 20 e 39 anos23

Outrossim, concorde pesquisa comandada pelo Instituto de Medicina Integral Professor

Fernando Figueira (Imip), concluiu que a ingestão de bebidas alcoólicas aumenta em cinco vezes a

gravidade do acidente de trânsito ou as chances de morte em decorrência dele24.

20 DOMINGUEZ, Bruno; BATALHA Elisa; MOROSINI Liseane. Álcool é droga. Revista Radis Comunicação e

Saúde. Fundação Oswaldo Cruz, nº 132, set. 2013. p. 14. Disponível em:

http://www6.ensp.fiocruz.br/radis/sites/default/files/radis132_web.pdf. Acesso em: 16 de fevereiro de 2014. 21 Ainda nesse sentido: “A embriaguez pelo álcool apresenta um estado em que o psiquismo do indivíduo sofre

alterações que podem ir do momento de excitação inicial e graves perturbações de consciência à coma alcoólica e

à morte”. 21 PANUCCI,. op. cit., p. 43.

22 WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da violência 2013: Acidentes de Trânsito e Motocicletas. Rio de Janeiro:

Flasco Brasil, 2013, p. 30. 23 BRAGA, Fernando. Consumo de álcool está relacionado a 21% dos acidentes de trânsito. Correio

Braziliense. Disponível em:

<http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2013/02/19/interna_brasil,350407/consumo-de-alcool-

esta-relacionado-a-21-dos-acidentes-de-transito.shtml>. Acesso em: 16 de fevereiro de 2013 24 DOMINGUEZ; BATALHA; MOROSINI, op. cit. p. 19.

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Uma vez que segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) cerca de 4% das mortes no

mundo são atribuídas a bebidas alcoólicas, superando, inclusive as mortes causadas por HIV/AIDS,

violência e tuberculose25.

Desta forma, conforme os dados supracitados, é evidente o desrespeito a Lei 11.705/2008 que

alterou o Código de Trânsito Nacional, denominada popularmente de “Lei Seca,” no qual pune aqueles

que conduzem veículos motores sob a influência de álcool no sangue, uma vez que a Lei determina uma

postura de “Tolerância Zero”, ou seja, alcoolemia 0 (zero) para a combinação álcool e direção.

Resta olvidar que os números progressivos dos acidentes de trânsito envolvendo condutores que

ingeriram bebidas alcoólicas gera gastos consideráveis ao Poder Público em todas as searas.

A ingesta excessiva de álcool ainda contribui para a violência familiar/doméstica e abuso sexual

nos diferentes grupos econômicos, conforme se extrai do Levantamento Nacional de álcool e Drogas

(Lenad), no qual aponta que o consumo de bebidas alcoólicas está presente em metade das ocorrências

de violência doméstica: o agressor havia bebido em 50% dos casos. Em 20% das ocorrências de

violência física na infância os abusadores haviam bebido26.

Nesta esteira conforme, retro mencionado, é clarividente que o uso de substâncias psicoativas

potencializa o processo da criminalidade/violência, desta forma, é necessário a concomitante

participação da sociedade e do Estado através de uma necessária estruturação e fortalecimento de

medidas que vise pôr fim ou pelo menos atenue essa lastimável realidade.

4 O USO DO MONITORAMENTO ELETRÔNICO COMO MEIO DE AVALIAR O

CONSUMO DE BEBIDAS ALCOÓLICAS

Com o processo cada vez mais acelerado de globalização e das modificações sociais, é

importante o desafio de entender e investir cada vez mais no desenvolvimento tecnológico, para que

aliado com o desenvolvimento humano possa contribuir para os desafios propostos ao direito em

decorrência do advento do mundo moderno.

Como podemos extrair das palavras de Giddens:

Ultimamente, nossa sociedade vem passando por um processo de constantes e

aceleradas modificações, observando-se que as formas de vida e as instituições sociais

o mundo moderno são totalmente diferentes de um passado recente, sendo que durante

um período de apenas dois ou três séculos, equivalentes a um minuto no contexto de

25 WORLD HEALTH ORGANIZATION. Global status report on alcohol and health. Geneva, 2011. 26 INSTITUTO NACIONAL DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA PARA POLÍTICAS PÚBLICAS DO ÁLCOOL E

OUTRAS DROGAS. Levantamento Nacional de Álcool e Drogas: Consumo de Álcool no Brasil: Tendências

entre 2006/2012. Universidade Federal de São Paulo: UNIFESP. Disponível em: http://inpad.org.br/wp-

content/uploads/2013/04/LENAD_ALCOOL_Resultados-Preliminares.pdf. Acesso em 16 de fevereiro de 2014.

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vida humana, desapareceram os tipos de ordem social que tinham servido e modo de

vida das pessoas durante muitos anos.27

Nesse sentido, a globalização decorre de diversos fatores sejam: políticos, econômicos,

jurídicos, sociais e culturais, e, principalmente, pelo desenvolvimento tecnológico. Todavia, todo

processo de globalização traz consigo alguns efeitos nocivos como o aumento da violência e

consequentemente da criminalidade.

Desta maneira, por conta desse crescimento expansivo da criminalidade que deságua no

aumento da superpopulação carcerária, busca-se aliar os meios de tecnologia ao Direito, com a

finalidade de diminuir os efeitos dessocializadores decorrentes do cárcere. Como bem alude Rodriguez-

Magariños:

Há muito tempo a tecnologia funciona como meio utilizado pelo homem para

enfrentar obstáculos tidos, por muito tempo, como instransponíveis. Desse modo, a

ciência mais uma vez veio em socorro ao homem quando este imaginava que a

prisão figurava única solução frente aos delitos, colocando à sua disposição a

oportunidade de optar por outras soluções alternativas. 28

Sendo assim, a unificação da tecnologia ao Direito, notadamente no Direito Penal é

extremamente relevante, haja vista que os meios tecnológicos despontam como um auxílio na busca por

novas formas de aplicação, corrigindo pontos considerados negativos. Como bem aponta Whitefield “a

tecnologia integrada a outras opções se trata da oportunidade de fazer uma intervenção poderosa e

positiva nas vidas dos delinqüentes”. 29

Nesse ínterim, diante de toda revolução tecnológica o monitoramento eletrônico surge como um

meio, que dentre outras funções, ampara de forma útil o direito penitenciário, conforme explana

Japiassú:

Nessa perspectiva apareceu o monitoramento eletrônico que pretende figurar como

instrumento redutor de contingentes carcerários, na medida em que permite que

condenados ou mesmo presos processuais possa ficar fora do ambiente prisional por

meio do controle eletrônico, com a utilização de braceletes, controláveis à distância,

27 GIDDENS, Anthony. Sociologia. Madrid: Alianza Editorial, 2006, p.54.

28 RODRIGUEZ-MAGARIÑOS, Faustino Gudín. Cárcel Eletrónica. Bases para la creación del sistema

penitenciário del siglo XXI. Valencia: Tirant lo Blanch, 2007, p. 27. 29 WHITEFIELD, Dick. As experiências internacionais da vigilância eletrónica. Vigilância Eletrónica. Lisboa:

Instituto de Reinserção Social, 2005.

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172

sendo uma modalidade de restrição de liberdade que não implicaria em

encarceramento.30

Urge trazer a baila, ainda, que o monitoramento eletrônico de presos possui três finalidades

essências tais como: restrição (evitando que o indivíduo frequente determinados locais ou se aproxime

de determinadas pessoas), como detenção (mantendo a pessoa monitorada em local determinado, ou

ainda como vigilância (mantendo a vigilância constante do indivíduo, sem restringir a sua

movimentação).

O sistema de monitoração eletrônica possui três formas de sistemas de tecnologia, e, dentre eles

encontra-se, particularmente no sistema de Posicionamento Global GPS (Global Positioning System),

um aparelho de fabricação americano, produzido pela empresa AMS, chamado de Scram-x31, no qual,

“consiste em uma tornozeleira eletrônica que anexa ao corpo humano consegue medir automaticamente

o consumo de álcool, uma vez que a cada meia hora, o aparelho captura leituras e álcool transdérmico

por amostragem, ou seja, através da transpiração insensível que é capturada a partir do ar acima da pele.

Logo, a tornozeleira mede o álcool que chega através da pele na área em torno de seu tornozelo.” 32

Deste modo, o equipamento/tornozeleira “armazena todos os dados e os envia para uma estação

base, o qual remeterá os dados automaticamente para o seu agente designado em um horário pré-

determinado.” 33 Logo, a estação de base pode usar uma linha telefônica ou um roteador sem fio,

disponível através do seu agente

Outra forma de tecnologia que visa a monitoração de níveis de álcool é o aparelho chamado de

MEMS 3000, desenvolvido pela empresa Elmotech que consiste em uma unidade de monitoramento,

integrando bafômetro (BAT), reconhecimento facial automático e monitoramento de presença por

freqüência de rádio (RF) em uma única unidade domiciliar34

30 JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano. Monitoramento eletrônico: Uma alternativa à prisão? Experiências

internacionais e perspectivas no Brasil. Brasília: CNPC, 2008, p.13.

31 O Scram-x foi utilizado pela atriz norte-americana Lindsay Lohan após ser condenada por portar drogas e dirigir

embriagada. Logo, o aparelho fornece monitoramento 24 horas, sendo fixado ao tornozelo do indivíduo, onde se

comunica com um modem facilmente instalado na casa utilizando linha telefônica normal. A unidade está equipada

com tiras e alarmes seguros que detectam qualquer tentativa de retirada do dispositivo. Disponível em:

<http://www.lcaservices.com/pages/equipment.html> Acesso em: 17 de fevereiro de 2014.

32 Segundo informações do site da empresa. Disponível em: http://www.scramsystems.com/index/clients/scram-

cam/. Acesso em: 17 de fevereiro de 2014. 33 Idem Ibidem, op. cit. 34 Segundo informações do site da empresa. Disponível em: http://www.rseden.org/index.asp?SEC=1012B059-

0E96-4DCC-8235-0BCB4D04E9C3&Type=B_BASIC>. Acesso em: 14 de fevereiro de 2014.

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O MEMS 3000 permite aos órgãos de cumprimento da lei monitorar com precisão os níveis de

álcool dos indivíduos/setenciados, como uma medida independente ou em combinação com um

programa de prisão domiciliar restritiva.35

Logo, o MEMS 3000 apresenta um processo de inscrição rápida que transfere os resultados e

transfere os resultados do teste e imagem do participante para sistema de monitoramento

automaticamente.

Desta maneira, insta asseverar que o monitoramento eletrônico, conforme utilizado como retro

mencionado, ou de outras formas, tem um papel bastante útil seja na localização ou controle de

pessoas/condenados, uma vez que permite minimizar o número de recolhimento à prisão, e evitando a

dessocialização decorrente do ambiente carcerário, e, conseguintemente, permitindo que o apenado

preserve uma vida social e profissional, além de manter a segurança pública.

5 O MONITORAMENTO ELETRÔNICO DE ÁLCOOL EM APENADOS COMO UMA

MEDIDA EFICAZ PARA A RESSOCIALIZAÇÃO

Conforme já explicitado ao longo do estudo, é notório o aumento da criminalidade em nível

mundial, e um dos grandes fatores que elevam esse panorama, é o liame entre a prática de crimes

relacionados ao consumo de substâncias psicoativas, como o álcool, que corrobora com uma realidade

assustadora nos sistemas prisionais que acabam não cumprindo o seu papel ressocializador.

Desse modo, o cumprimento da reprimenda deve atingir a função ressocializadora da pena,

todavia, não é essa a realidade dos sistemas prisionais brasileiro, como bem afirma Silva:

(...) em que pese a definição da reinclusão social como meta principal da execução

penal, o alcance de tal objetivo esbarra na incompatibilidade entre uma ação

pedagógica ressocializadora e o castigo que necessariamente deriva a privação da

liberdade (...) Entretanto, mesmo reconhecido o fracasso da meta ressoacializadora da

pena privativa de liberdade, tal argumento não tem sido suficiente para a adoção , com

maior ênfase, de alternativas à prisão, estas ainda tímidas no ordenamento jurídico

brasileiro, de forma que as deletérias conseqüências do encarceramento devem ser

atenuadas a partir da individualização e da humanização da execução penal.36

35 Segundo informações o site da empresa. Disponível em: http://<www.rseden.org/vertical/sites/{DA9B4451-

BE96-4DC8-9BDC-9E2F2EF71EA1}/uploads/Mems.pdf>. Acesso em 17 de fevereiro de 2014. 36 SILVA, Haroldo Caetano da. Ensaio sobre a pena de prisão. Curitiba: Juruá, 2009, p. 29.

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Nessa contextura, resta nítido a busca por novas alternativas a pena de prisão que conforme,

preleciona Morillas Cueva “Este é um tema extremadamente sério, problemático, delicado e na

atualidade de difícil solução.” 37

Diante desse contexto, o monitoramento eletrônico de álcool surge como um mecanismo capaz

de auxiliar na diminuição dos efeitos dessocializadores acarretado pela prisão, notadamente, de

condenados que sejam considerados de baixa periculosidade, uma vez que com essa espécie de

monitoramento, é possível manter os vínculos sociais com o trabalho, estudo e também os laços

familiares, além de permitir um acompanhamento psicológico, através de grupos de apoio de alcoólicos

e toxicômanos e a participações em cursos e debates sobre as consequências do uso de substâncias

psicoativas.

Observa-se, que a utilização da monitoração eletrônica aos delitos cometidos por indivíduos sob

o efeito de substâncias psicoativas como o álcool, já é aplicada de forma efetiva em países estrangeiros,

no direito comparado, tais como: Estados Unidos e Suécia.

Nos Estados Unidos, notadamente no estado da Dakota do Norte, o consumo de álcool

desempenha um papel significativo na criminalidade, uma vez que esse estado tem uma das

mais altas taxas de consumo de bebidas alcoólicas, onde que mais da metade dos acidentes

fatais envolvendo veículos a motor e 30% das agressões físicas, tem relação com o uso dessa

substância psicoativa.38

Assim, nessa contextura foi criado no estado da Dakota do Norte o denominado “Programa

Sobriedade 24/7” onde exige que as pessoas acusadas ou condenadas por dirigir embriagado ou por

delito relacionado com álcool participem do monitoramento contínuo de álcool39.

A eficácia do sistema de monitoramento eletrônico de álcool e drogas, também é observada no

estado americano da Dakota do Sul, tendo em vista que em fevereiro de 2005, o Gabinete do Procurador-

Geral, com sede na cidade do Capitólio de Pierre, também lançou, no estado da Dakota do Sul o “Projeto

Sobriedade 24/7” em seus diversos municípios, e, desde então, o programa ganhou grande força

operacional em cerca de 90% de todo estado40. Segundo, o coordenador do projeto Bill Mickelson, “esse

37 Es cierto que actualmente no se vislumbran alternativas a la pena de prisión de larga duración. Éste es un tema

extremadamente serio, problemático, delicado y, en actualidad, de difícil solución. MORILLAS CUEVA,

Lorenzo. En AAVV. «Sobre las difíciles alternativas a las penas de prisión», en La implementación de penas

alternativas: experiencias comparadas de Cuba y BrasiL, La Habana, 2006, p. 216

38 Segundo informações disponíveis em: <http://www.scramsystems.com/index/case-studies/view/burleigh-

county-sherriff-uses-cam-to-create-an-effective-alcohol-progr/> Acesso em: 17 de fevereiro de 2014. 39 Idem, ibidem. 40 Segundo informações disponíveis em:

<http://www.scramsystems.com/ams_files/case_studies/cs09_sdakota.pdf> Acesso em: 17 de fevereiro de 2014.

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programa até agora tem mantido quase 100 pessoas por dia fora da cadeia em cada um de nossos dois

maiores municípios.” 41

Desta forma, é observado que o “Projeto Sobriedade 24/7” nestes Estados americanos vêem

contribuindo na ressocialização dos infratores, pois permite um maior convívio social e familiar, além

de conferir uma maior economia aos cofres públicos, em relação aos custos do encarceramento

tradicional.

Como na maioria das áreas metropolitanas, atualmente a cidade de San Diego, localizada no sul

da Califórnia, tem sido contestada com a criminalidade, relacionada principalmente com o uso de álcool.

A partir de 2011 todos os tribunais de San Diego County instituíram o Monitoramento Contínuo de

Álcool, onde os promotores solicitam no momento da acusação ou como condição de liberdade

condicional42.

Ressalte-se que a eficácia das decisões judiciais, dos países acima citados, que utilizam a

monitoração eletrônica de álcool, vem gerando resultados incontestáveis como: a redução da

superpopulação, a resolução dos casos de maneira mais rápida e eficiente, além do aumento da segurança

pública.

Ainda nesse contexto, deve ser destacadas a cidade e condado de Denver, a capital, e a cidade

mais populosa, e um dos 64 condados do estado norte-americano do Colorado, que também têm seus

desafios relacionados entre a prática de crimes e abuso de substâncias psicoativas. No entanto, a partir

de 1991, para enfrentar esse aumento da criminalidade foi instituído na cidade o programa de

monitoramento eletrônico. Contudo, foi em 2004 que o condado começou efetivamente a utilizar o

monitoramento, com a tecnologia Scram-x de variadas, formas como: para os infratores que dirige sob

a influência de álcool, da mesma maneira para os reincidentes, em situações domésticas e em outros

crimes onde o álcool está envolvido43.

Desse modo, segundo Rosenberg Marilyn, Diretor Eletrônico do Programa de Monitoramento

da cidade e condado de Denver :

O monitoramento eletrônico (Scram-x) é visto como uma maneira de dar a

oportunidade aos infratores de sair do sistema, obter a ajuda de que necessitam, e

seguir em frente com suas vidas, pois, é uma ferramenta excelente para começar um

tratamento, pois ajuda a criar uma consciência da magnitude de seu problema.44

Por sua vez, ainda afirma Rosenberg Marilyn que:

41 Idem, ibidem. 42 Segundo informações disponíveis em: <http://www.scramsystems.com/index/case-studies/view/san-diego-

county-da-scram-program-yields-high-compliance-drunk-drivers/>. Acesso em 17 de fevereiro de 2014. 43 Idem, ibidem. 44 Idem, ibidem.

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Enquanto os infratores estão sendo monitorado, o seu cumprimento é considerado

excelente, uma vez que menos de 3% dos nossos ofensores bebem enquanto estão

sendo monitorados, pois eles sabem se fizerem isso há uma boa chance de voltar para

a cadeia. 45

Saliente-se, ademais, que a Suécia incorporou o monitoramento eletrônico em 1994, com o

escopo de analisar o impacto da redução de custos relacionado à redução do encarceramento e a

influências nos condenados, com o intuito de saber se a medida seria uma punição mais humana em

comparação à privação de liberdade.46

Nesse sentido, vislumbra-se que hodiernamente, sua utilização mais frequente se dá em relação

aos agentes condenados por uso de álcool ou drogas, que são submetidos a treinamento realizado por

grupos comunitários, devendo se abster de utilizar tais substâncias.47 Como bem aponta Oliveira:

O monitoramento tem relevância ímpar na consecução desses objetivos, na medida

em que, havendo obrigação de recolhimento domiciliar, caso ocorra descumprimento,

gera um sinal comunicando o fato à central, ocasião em que as coordenadas do

monitorado são remetidas ao agente do serviço socioeducativo que buscará saber das

razões que o levaram a descumprir a medida quando, então, o apenado pode vir a até

mesmo a ser encarcerado.48

Os condenados que podem participar do programa são aqueles cuja pena seja de até 3 (três)

meses de prisão e que comprovem residência estável, além de possuir uma ocupação comprovada

(trabalho ou frequência em instituição educacional). Logo, os participantes não podem de maneira

nenhuma fazer uso de nenhuma substância psicoativa. Concorde, as palavras de Cisneros:

A medida é acompanhada por um programa de supervisão intensiva, além da condição

de absoluta abstinência de álcool e drogas e pressupõe uma rigorosa seleção dos

candidatos, levando em conta a disponibilidade de domicilio com eletricidade e

telefone, a condição de trabalhador, estudante ou candidato a emprego, além da

vontade de aderir a um programa motivacional se a administração julgar

conveniente.49

45 Idem, ibidem. 46 REIS, Fabio A. S. Monitoramento Eletrônico de Prisioneiros: breve análise comparativa entre as

experiências inglesa e sueca. In: III CONGRESSO INTERNACIONAL DE DIREITO E TECNOLOGIAS DA

INFORMAÇÃO, Salvador. Anais do III CIBERCON. Salvador, BA: IBDI, 2004, p. 20. Disponível em:

<http://www.mj.gov.br/depen/publicacoes/cibercon.pdf>. Acesso em: 17 de fevereiro de 2014.

47 OLIVEIRA, Edmundo. Direito Penal do Futuro. A prisão Virtual. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p.44.

48 Idem, ibidem, op.cit. p. 44. 49 La medida se acompaña de um programa de supervisión intensiva, se somente la condición de absoluta

abstinência en el consumo de alcohol y drogas y presupone uma rigurosa selección de la problación candidata

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Desse modo, o programa tem como requisito a voluntariedade que ocorre mediante

consentimento expresso por escrito, tendo grande aceitação por partes dos infratores, conforme podemos

extrair das palavras de Fonseca apud Cisneros:

Registre-se que a metade dos agentes submetidos à vigilância são apenados pelo crime

de conduzir veículos sob o efeito de álcool, possuindo a medida custo de setenta e

cinco dólares por dia, possuindo este país índice de 92% de cumprimento da medida,

fato que explica a boa acolhida e continuidade do programa, objeto de evolução

permanente pelo Conselho Nacional de prevenção do delito.50

Outrossim, diante de todas as louváveis experiências supracitadas, e o reconhecimento da

eficácia nas decisões judiciais nos países que fazem uso dessa tecnologia, resta salientar, que formidável

seria a adaptação desse sistema de monitoração em nossa legislação penal, uma vez que a utilização

desses avanços tecnológicos abrandaria os efeitos dessocializadores ocasionados pelo atual modelo

punitivo. Apesar, de toda a sensação de insegurança que os meios não carcerários, ainda geram nos

cidadãos51. A busca por novas alternativas prisionais se torna a maneira mais eficaz hodiernamente.

É notório que os danos oriundos da pena privativa de liberdade, são inumeráveis e, por vezes,

não reversíveis, apesar de a nossa legislação penal apregoar a chamada ressocialização, na realidade,

pode ser observado que essa ideia, não passa de um grande sofisma, ou seja, uma ilusão da verdade, que

não se coaduna com o que efetivamente existe no nosso sistema prisional.

Nesse sentido as palavras de Hassemer apud Fonseca:

Observa-se que os defensores do ideal ressocializador asseveram que a pena deve ser

usada com o fim de melhorar o agente a fim de que, após cumprida sua sanção, tenha

condições de retornar ao convívio social. Contudo, as penas, notadamente as

privativas de liberdade, estigmatizam e desabitam, uma vez que mantêm os presos

isolados não só em um espaço, mas também socialmente, ressaltando-se que educar

para liberdade através da privação da liberdade expressa o claro paradoxo das teorias

da pena, na medida em que o preso é levado a sofrer uma privação ampla se seus

contatos íntimos e sociais, sendo colocado em um ambiente do cárcere, retornado, ao

teniendo em cuenta la disponibilidad de alojamiento con luz y telefono, la condición de trbajador, estudiante o

demandante de empleo y la voluntad de incorporación a un programa motivacional si la Administración lo estima

conveniente. CISNEROS, María Poza. Las nuevas tecnologias en el ámbito penal. Revista del Poder Judicial,

nº 65, p.60, 2002, p.78.

50 CISNEROS, apud FONSECA, André Luiz Filo-Creão da. O monitoramento eletrônico e sua utilização como

meio minimizador da dessocialização decorrente da prisão. Porto Alegre: Núria Fabris. ed., 2012, p. 74. 51 MORILLAS CUEVA, Lorenzo. Alternativas a la prisión. Cuaderno de Derecho Judicial, núm. XXII, Madrid,

2006, p. 65.

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final da pena, desabituado e estigmatizado a um mundo que, no ambiente extracárcere,

desenvolveu-se de forma totalmente diferente daquela encontrada na prisão52.

Sendo assim, é evidente que a pena privativa de liberdade, nem de perto tem o condão de

recuperar o condenado, haja vista que, na maioria, das prisões brasileiras muitos dos aprisionados

encontram-se, literalmente, amontoados sem nenhuma classificação e enfrentando incontáveis mazelas.

Nesse sentido, como bem salienta Fragoso “parece ilusório pretender a recuperação social do

delinquente através das penas privativas de liberdade” 53. Devem-se buscar outras vias de recuperação

social.

Conforme já foi salientado, emerge diante das várias abordagens, sobre o aumento da

criminalidade e uso de substâncias psicoativas, e, consequentemente o caos que se encontra o sistema

prisional brasileiro, a necessidade de serem tomadas medidas que visem minimizar os efeitos nocivos

do cárcere, notadamente para aqueles condenados por delitos em decorrência do uso de substância

etílica, tais como: aos condutores que são condenados por dirigir veículos motores sob a influência de

álcool, e os crimes de cunho domésticos que decorrem da ingestão de bebidas alcoólicas, quando o crime

for considerado de menor potencial ofensivo.

Nessa conjuntura, conforme veremos a seguir, defendemos a utilização do monitoramento

eletrônico do teor de álcool em apenados como uma pena autônoma de localização permanente,

acompanhado da participação em grupos de apoio para alcoólicos e toxicômanos, com ênfase na

reabilitação psicossocial e na inclusão social, como forma de possibilitar que a execução da pena seja

mais justa e humana atendendo à finalidade preventiva especial da pena.

6 PENA AUTÔNOMA COM USO DE MONITORAMENTO ELETRÔNICO DE

CONDENADOS SOB A INFLUÊNCIA DE ÁLCOOL

Com o grande desenvolvimento tecnológico do monitoramento eletrônico e o desmedido desafio

social de controlar a criminalidade, necessário se fazem a busca por novas formas de penalidades frente

52 HASSEMER apud FONSECA, op.cit., p.45.

53 FRAGOSO, Heleno Claúdio. Lições de direito penal, parte geral .ed. rev. por Fernando Fragoso. 16.ed. Rio de

Janeiro, Editorial Forense, 2004, p. 82.

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os delitos tidos de menor gravidade, com a finalidade de auxiliar na diminuição dos efeitos

dessocilizador dos estabelecimentos prisionais.

Neste norte, defendemos neste estudo, a utilização da localização permanente sob vigilância

telemática como uma espécie de pena autônoma, nos casos de crimes de menor potencial ofensivo, cuja

pena não seja superior a 06 (seis) meses e que tenham relação com bebidas alcoólicas a fim de garantir

o cumprimento da pena.

A pena de localização permanente já é prevista no Direito Espanhol através da Lei Orgânica

5/2010, como pena e, também, como medida de segurança. Desta forma, determina o Código Penal

Espanhol que a “pena de localização permanente é prevista como espécie de pena privativa de liberdade

aplicável em caráter principal ou substitutivo, consistente em obrigar o condenado a permanecer em seu

domicílio ou em outro lugar determinado pelo juiz em sentença ou posteriormente em decisão

motivada.” 54

Logo, essa penalidade pode ser cumprida tanto no domicílio do condenado ou em outro lugar

fixado pelo juiz. Onde, o agente sentenciado fica recolhido em sua residência por um determinado

período de tempo, conforme, ordenado pelo juiz, ou poderá ter sua liberdade restringida à outra área

previamente estabelecida pelo magistrado, como, por exemplo, em hipóteses especiais, como no caso

de violência doméstica, em que obviamente se mostra inviável a convivência entre agressor e vítima.55

Deve-se observar que, a pena de localização permanente seja no domicílio ou em outro lugar,

permite ainda que o condenado possa frequentar lugares que contribua para sua ressocialização, como a

participação em programas de reinserção social, como bem assevera Río e Parente:

A pena de localização permanente em “domicílio” ou outro “lugar” não obriga que o

condenado tenha que permanecer constantemente e de forma continuada nestes locais,

acreditamos que, com a devida autorização judicial, pode realizar saídas para obter

comidas, assistir as suas práticas religiosas, ir a consultas médicas, participar de

terapias ou outros programas de formação, bem como por qualquer outro motivo

justificado, ou seja, aquele que é justo e razoável em termos de avaliação ética e

social.56

54 ALBUQUERQUE, José Candido Lustosa Bittencourt de. Monitoramento eletrônico da privação da

liberdade no Direito Comparado. Revista da Faculdade de Direito, Fortaleza, v. 34, n. 1, p. 241-270, jan./jun.

2013, p.10, 11. Disponível em: <http://www.revistadireito.ufc.br/index.php/revdir/article/view/33>. Acesso em:

18 de fevereiro de 2014. 55 Idem Ibidem, op. cit., p. 11. 56La pena de localización permanente en el “domicilio” u outro “lugar” no obliga a que el condenado tenga que

permanecer constantemente y de forma continuada en esos lugares; estimamos que, con la debida autorización

judicial, puede efectuar salidas para procurarse alimentos, asistir a sus práticas religiosas, acudir a consultas

médicas, participar de terapias u outros programas formativos, así como por cualquier otra causa justificada,

entendiendo por tal, aquella que sea justa y razonable en términos de valoración ética y social. RÍO, Miguel Ángel

Iglesias; PARENTE, Juan Antonio Pérez. La pena de localización permanente y su seguimiento con médios

de control eletrónico. Anuario de derecho constitucional latinoamericano: tomo II, 2006, p.1075.

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Além disso, na Inglaterra o monitoramento eletrônico também é admitido como prisão

domiciliar, pena autônoma e como complemento de outras medidas. Entretanto, para a aplicação da

vigilância é necessário o consentimento do apenado, que deverá ter mais de dezesseis anos. Tendo como

duração média entre cem dias, limitando-se entre dois a doze horas por dia, durante no máximo de seis

meses, com possibilidade de determinar dias livres, para que não se interfira nas práticas acadêmicas,

laborais e religiosas do condenado.57

Nessa perspectiva, a utilização do monitoramento eletrônico como pena autônoma de

localização permanente, além de permitir a medição contínua do teor de álcool dos apenados por crimes

que sejam cometidos sob a influência de tais substâncias etílicas, ainda, torna possível a participação

desse indivíduo em grupos de apoio para recuperação de alcoólicos, com o fito de reafirmar sua

identidade social e profissional.

Ademais, a pena autônoma de localização permanente, além de garantir o real cumprimento da

pena, ainda contribui na redução dos efeitos acarretados pela prisão, tornando possível substituir os

encarceramentos de curta duração, conforme verificamos nas palavras de Río e Parente:

A pena de localização permanente é uma pena privativa de liberdade que não envolve

os efeitos peniciosos de penas de curta duração, uma vez que, pelo seu cumprimento

peculiar, não é dessocializadora, nem produz “contágio carcerário” algum.58.

Assim, essa penalidade não só permite a medição dos níveis de álcool, como também mostra a

localização exata do indivíduo. Nesse diapasão, possibilita ao condenado um exercício vasto de suas

atividades sociais, pois não o retira de seu vínculo social, com a família e com a sociedade em geral, ou

seja, prega a ressocialização para que o mesmo não volte a reincidir.

Portanto, com a aplicação em caráter principal da pena autônoma de monitoração eletrônica de

localização permanente aos condenados por delitos sob a influência de álcool, com a obrigação de não

uso dessas substâncias psicoativas, pode-se fazer uso da tecnologia GPS (Global Positioning System),

tendo em vista que tanto os aparelhos de monitoração dos níveis de álcool Scram-x e o MEMS 3000

utilizam tal tecnologia. Nesse sentido, a opção de qual tecnologia será utilizada e o seu modo de

operação, deve ser feito de acordo com o propósito buscado pelo sistema vigilância eletrônico.

Todavia, na hipótese do indivíduo tentar violar de alguma maneira a execução da pena, seja

danificando ou até mesmo removendo o equipamento, ou voltando a ingerir bebida alcoólica, poderá ter

a autorização da pena autônoma revogada e cumprir a pena na prisão tradicional.

57 CISNEROS, apud FONSECA, op. cit., p.73. 58 La pena de localizacíon permanente se trata de una pena privativa de libertad que no conlleva los peniciosos

efectos de las penas cortas de prisión, toda vez que, por su peculiar cumplimiento, no es desocializadora, ni produce

“contagio carcelario” alguno. Idem Ibidem, op. cit., p. 1075.

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Portanto, o monitoramento eletrônico de forma contínua ou permanente, pode não só apontar a

exata localização do sujeito, como também trazer informações adicionais relacionadas ao

comportamento dos indivíduos como o consumo de álcool ou outras substâncias ilícitas, como assim

demonstra Cisneros:

Basicamente, por meio da vigilância eletrônica podemos controlar onde uma pessoa

envolvida em processo penal, mas, a partir dessa premissa, é aberta uma ampla gama

de variantes, porque a vigilância pode ser contínua ou não, permitindo a exata

localização ou a não aproximação em relação a determinados lugares ou de terceiras

pessoas, pode ser usado em distintas fases do processo e também oferecer informações

de caráter não-espacial relativas a conduta do indivíduo, como seu consumo de álcool

ou, até mesmo seus sinais vitais.59

Em que pese o monitoramento eletrônico do teor de álcool como uma pena autônoma,

possibilitaria uma maneira de garantir quanto à aplicação da pena, o ideal mais humanizador, permitindo

contribuir na reinserção social, buscando corrigir a conduta socialmente reprovável do condenado, e,

assim, afirmando os ditames da finalidade preventiva especial da pena.

Conforme já observado neste estudo, é grande a ligação entre o uso de bebidas alcoólicas e a

criminalidade, desse modo o monitoramento eletrônico de álcool visto como uma pena autônoma de

localização permanente, para os presos considerados de baixa periculosidade, é um meio eficaz para

abrandar sensivelmente os efeitos dessocializadores da prisão, uma vez que admite a manutenção dos

laços familiares e seus vínculos sociais como o trabalho e estudos, sem afrontar os direitos fundamentais

estabelecidos na Constituição Federal de 1988.

Nesse sentido, resta clarividente que a utilização do monitoramento eletrônico para medir o teor

de substâncias psicoativas em seres humanos já encontra bastante eficácia nas decisões judiciais nos

países que utilizam tal tecnologia, gerando viabilidade econômica e aumentando a segurança pública.

Todavia, diante dos problemas estruturais existentes no país, esse tipo de monitoração eletrônica

pode até encontrar dificuldades de implementação no ordenamento pátrio. Porém, não podemos olvidar

que o Brasil dispõe de diversos parques tecnológicos que podem desenvolver tais dispositivos

eletrônicos, assim, se nosso país utilizasse essa forma de tecnologia, haveria uma grande contribuição

no desafogamento do sistema prisional, além de tornar a pena mais justa.

59Básicamente, a través de la vigilancia electrónica podemos controlar dónde se encuentra uma persona implicada

en um proceso penal pero, desde esta premisa, se abre un amplio abanico de variantes, por cuanto la vigilancia

puede ser continua o no, permitir la exacta localización o solo el no alenjamiento o aproximacíon em relacíon, en

este caso, con determinados lugares o con terceras personas, puede utilizarse en distintas fases del proceso y

ofrecer, además, información de caráter no espacial relativa a la conducta del individuo, como su consumo de

alcohol o, incluso, sus constantes vitales. CISNEROS, op.cit., p. 61.

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Tendo em vista que segundo as tendências modernas da política criminal deve haver uma

restrição a pena privativa de liberdade, conforme, afirma Rodriguez-Magariños “deve-se passar a

valorizar medidas de tratamento que efetivamente preparem para a liberdade, por intermédio de medidas

que se desenvolvam extramuros, distantes dos ambientes de reclusão”.60

Desse modo, o monitoramento eletrônico como pena autônoma de vigilância permanente com

a obrigação do não uso de bebidas alcoólicas, cuja conduta criminosa está relacionada ao uso dessas

substâncias, atuaria como uma eficaz e dinâmica medida no contexto político criminal brasileiro, posto

que contribuiria para a redução da superpopulação carcerária e, consequentemente os custos decorrentes

desse sistema.

Entretanto, pode-se observar uma lacuna na legislação brasileira, ante a total ausência de

previsão legislativa, sobre a utilização da ferramenta de vigilância eletrônica abordada nesse estudo,

para os delitos de menor potencial ofensivo onde o álcool está envolvido, uma vez que no Brasil o

monitoramento eletrônico encontra-se inserido no ordenamento pátrio, apenas, na hipótese de saída

temporária em regime semiaberto e prisão domiciliar (Lei 12.258/2010) e, como medida cautelar

substitutiva da prisão processual (Lei 12.403/2011). Restando nítido, portanto, o retrocesso do Direito

Penal Brasileiro em não adotar esse tipo de monitoração, que já é realidade no direito alienígena.

Desse modo, a utilização do monitoramento eletrônico do teor de álcool em apenados como

uma pena autônoma de localização permanente, acompanhado da participação em grupos de apoio para

alcoólicos, com ênfase na reabilitação psicossocial e na inclusão social os apenados, visa atenuar os

malefícios desumanos advindo do cárcere tradicional, beneficiando o combate a superpopulação e

contribuindo para que a pena atinja a sua finalidade que é a ressocialização do condenado.

7 CONCLUSÃO

Como visto no decorrer deste estudo, verifica-se que, apesar de toda evolução da pena, e o

direito brasileiro perfilhe o ideal ressocializador, ainda, é notória a falência da atual estrutura

penitenciária, uma vez que a não se consegue responder eficientemente aos problemas causados pela

forma tradicional de encarceramento, especialmente pelo crescente número da população carcerária. São

várias as máculas negativas que impossibilitam o cumprimento da função ressocializadora da pena no

âmbito da execução penal.

Nas últimas décadas, a violência tem alcançado patamares atemorizantes no Brasil, tendo como

causa, em grande medida, o consumo de álcool. Neste aspecto, pode-se afirmar que há uma íntima

relação entre os níveis da criminalidade e o uso de álcool e droga. Basta constatar os dados de acidentes

60 RODRIGUEZ-MAGARIÑOS, op. cit., p. 152.

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de trânsitos ou até mesmo, em outras formas de violência, os números relativos a agressões

doméstica/familiar.

Desse modo, diante da necessidade de serem obtidos meios que visem atenuar os altos índices

de criminalidade, imprescindível se faz a inserção de um olhar político-criminal em busca de penas mais

justas e humanas. Nesse sentido, ao ter em conta que o sistema penitenciário fracassou em seus objetivos

declarados, a monitoração eletrônica de presos pode ser uma alternativa viável, pelo menos a ser

aplicável a crimes de menor gravidade.

Todavia, embora a vigilância eletrônica já tenha sido inserida no ordenamento jurídico pátrio,

através da Lei nº 12.258/10 e da Lei nº 12.403/11, ou seja, na execução penal e como medida cautelar,

respectivamente, seria de bom alvitre que nossa legislação, também, utilizasse o sistema de monitoração

eletrônica mediante outros enfoques, como a monitoração eletrônica do teor de álcool em apenados

como uma pena autônoma de localização permanente.

Além do acompanhado da participação em grupos de apoio para alcoólicos e toxicômanos, com

ênfase na reabilitação psicossocial e na inclusão social os apenados, conforme, são utilizados no direito

comparado, permitindo que os legisladores brasileiros corrijam os pontos negativos das leis estrangeiras,

trazendo-os a realidade nacional.

Ademais, ao longo desse estudo, foram analisadas as experiências estrangeiras, através dos

meios tecnológicos existentes para medir os níveis de álcool no corpo humano, tais como os aparelhos

denominados Scram-x e o MEMS 3000 e seus resultados positivos nas decisões judiciais dos países que

utilizam a monitoração contínua de álcool.

Nesse diapasão, embora a utilização da vigilância eletrônica em suas várias finalidades seja

questionada por contrariar princípios tidos como constitucionais, resta patente que a monitoração

eletrônica de condenados por delitos cometidos por indivíduos sob o efeito de bebidas alcoólicas

apresenta-se como uma alternativa real a substituição da pena privativa de liberdade, notadamente, de

condenados que sejam considerados de baixa periculosidade, uma vez que se apresenta como uma pena

humanizada.

Nesse ínterim, verifica-se que a implementação do monitoramento eletrônico de álcool como

pena autônoma a ser aplicável a condenados, dentro da nossa conjuntura legislativa, é possível, mediante

alteração legal, constituindo em instrumento eficaz para identificação dos níveis de álcool no corpo

humano, permitindo controlar também a execução da pena meio do controle permanente da localização

do monitorado.

Desse modo, atuando como uma maneira apta de cumprimento da pena fora do ambiente

carcerário, além de tornar efetiva a finalidade preventiva especial positiva que visa a ressocialização do

apenado, atendendo, sobretudo, aos preceitos inerentes à pessoa humana, firmados pelo Estado

Democrático de Direito.

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Dessarte, a monitoramento eletrônico de álcool em apenados deve ser utilizado juntamente

como um acompanhamento e participação em grupos de apoio para alcoólicos toxicômanos, com ênfase

na reabilitação psicossocial e na inclusão social dos apenados.

Desse modo, a união dos avanços tecnológicos e do Direito Penal permite trazer benefícios para

toda a sociedade, funcionando como um meio eficiente para atacar os problemas do sistema carcerário

nacional, uma vez que possibilita garantir uma maior segurança jurídica e, evitando os efeitos

dessocializadores do cárcere e permitindo que o apenado conserve sua vida social e profissional.

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