Temas+de+Psicologia+ +Entrevista+e+Grupos+

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Teoria e técnica na entrevista e nos grupos Ensino Superior Bureau Juridico Nesta obra! Bleger aborda! do ponto de vista teórico e técnico! dois temas fundamentais da psicologia. Sobre o primeiro! a entrevista psicológica! é feita uma apresentação de indicações práticas para sua realização! um ensaio de categorização e um estudo dos aspectos psicológicos da entrevista. Sobre os grupos! o segundotema! o autor estuda os grupos operativos no ensino! O problema do grupo nas instituições e como instituição e! finalmente! a administração das técnicas nos planos de prevenção ou! em outros termos! a estratégia com grupos. José Bleger TEMAS DE PSICOLOGIA Tradução RITA MARIA M. DE MORAES Revisão LUÍS LORENZO RIVERA CAPA Projeto gráfico Alexandre Marlins Fontes Kalia Harumi Terasaka Ilustração Rex Design Martins Fontes São Paulo 2003

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  • Teoria e tcnica na entrevistae nos grupos

    Ensino Superior Bureau Juridico

    Nesta obra! Bleger aborda! do ponto

    de vista terico e tcnico! dois temas

    fundamentais da psicologia.

    Sobre o primeiro! a entrevista

    psicolgica! feita uma apresentao

    de indicaes prticas para sua

    realizao! um ensaio de

    categorizao e um estudo dos

    aspectos psicolgicos da entrevista.

    Sobre os grupos! o segundotema! o

    autor estuda os grupos operativos no

    ensino! O problema do grupo nas

    instituies e como instituio e!

    finalmente! a administrao das

    tcnicas nos planos de preveno ou!

    em outros termos! a estratgia com

    grupos.

    Jos BlegerTEMAS DE

    PSICOLOGIA

    Traduo RITA MARIA M. DE MORAESReviso LUS LORENZO RIVERA

    CAPAProjeto grfico Alexandre Marlins Fontes

    Kalia Harumi TerasakaIlustrao Rex Design

    Martins FontesSo Paulo 2003

  • EnsinoSuperior 8ureau J~kl;c

    Ttulo original: TEMAS DE PSICOLOGA (ENTREVISTAS Y GRUPOS)Copyright by Ediciones Nueva Visin SAlC, Buenos Aires, 1979

    Copyright 1980, Livraria Marfins Fontes Editora Ltda.,So Paulo, para a presente edio.

    1" edioabril de 19807 tiragem

    abril de 19952 edio

    maio de 19983tiragem

    outubro de 2003

    Reviso da traduoLuis Loremo RiveraReviso grfica

    Rosngela Ramos da SilvaProduo grfica

    Geraldo AlvesPaginaolFotolitos

    Studio 3 Desenvolvimento EditorialCapa

    Alexandre Martins FontesKatia Harumi Terasaka

    A entrevista psicolgicaSeu emprego no diagnstico e na investigaoEnsaio de categorizao da entrevista 49Grupos operativos no ensino 59Ogrupo como instituio e o gruponas instituies 101Administrao das tcnicas e dosconhecimentos de grupo 123Dados Internacionais de Catalogao na Pnblieao (CIP)

    (Cmara Brasileira do Livro, 8P, Brasil)

    Bleger, JosTemas de psicologia: entrevista e grupos I Jos Bleger ; traduo

    Rita Maria M. de Maraes ; reviso Luis Lorenzo Rivera. - 2i! ed. -So Paulo: Martins Fontes, 1998. - (Pscologia e pedagogia)

    ndices para catlogo sistemtico:1. Psicologia 150

    Todos os direitos desta edio reservados Livraria Marfins Fontes Editora Ltda.

    Rua Conselheiro Ramalho. 330/340 01325-000 So Paulo SP BrasilTel. (lI) 3241.3677 Fax (lI) 3105.6867

    e-mail: [email protected] hltp://www.martinsfontes.com.br

  • A entrevista psicolgicaSeu emprego no diagnstico e na investigao

    Publicado pelo Departamento de Psicologia daFaculdade de Filosofia e Letras. Universidadede Buenos Aires, 1964.

    A entrevista um instrumento fundamental do m-todo clnico e , portanto, uma tcnica de investigaocientfica em psicologia. Como tcnica tem seus pr-prios procedimentos ou regras empricas com os quaisno s se amplia e se verifica como tambm, ao mesmotempo, se aplica o conhecimento cientfico. Como ve-remos, essa dupla face da tcnica tem especial gravita-o no caso da entrevista porque, entre outras razes,identifica ou faz coexistir no psiclogo as funes deinvestigador e de profissional, j que a tcnica o pon-to de interao entre a cincia e as necessidades prti-cas; assim que a entrevista alcana a aplicao de co-nhecimentos cientficos e, ao mesmo tempo, obtm oupossibilita levar a vida diria do ser humano ao nvel doconhecimento e da elaborao cientfica. E tudo issoem um processo ininterrupto de interao.

    A entrevista um instrumento muito difundido edevemos delimitar o seu alcance, tanto como o enqua-

  • 2 Temasdepsicologia A entrevistapsicolgica 3

    dramento da presente exposio. A entrevista pode terem seus mltiplos usos uma grande variedade de obje-tivos, como no caso do jornalista, chefe de empresa, di-retor de escola, professor, juiz etc. Aqui nos interessa aentrevista psicolgica, entendida como aquela na qualse buscam objetivos psicolgicos (investigao, diagns-tico, terapia, etc.). Dessa maneira, nosso objetivo ficalimitado ao estudo da entrevista psicolgica, no so-mente para assinalar algumas das regras prticas quepossibilitam seu emprego eficaz e correto, como tam-bm para desenvolver em certa medida o estudo psico-lgico da entrevista psicolgica. Nesse sentido, boa par-te do que se desenvolver aqui pode ser utilizado ouaplicado em todo tipo de entrevista, porque em todaselas intervm inevitavelmente fatores ou dinamismospsicolgicos. A entrevista psicolgica, dessa maneira,deriva sua denominao exclusivamente de seus objeti-vos ou finalidades, tal como j assinalei.

    Na considerao da entrevista psicolgica como tc-nica, inclumos dois aspectos: um o das regras ou in-dicaes prticas de sua execuo, e o outro a psico-logia da entrevista psicolgica, que fundamenta as pri-meiras. Em outros termos, inclumos a tcnica e a teo-ria da tcnica da entrevista psicolgica.

    Circunscrita dessa maneira, a entrevista psicolgi-ca o instrumento fundamental de trabalho no somen-te para o psiclogo, como tambm para outros profis-sionais (psiquiatra, assistente social, socilogo, etc.).

    A entrevista pode ser de dois tipos fundamentais:aberta e fechada. Na segunda as perguntas j esto pre-vistas, assim como a ordem e a maneira de formul-Ias,e o entrevistador no pode alterar nenhuma destas dis-posies. Na entrevista aberta, pelo contrrio, o entre-vistador tem ampla liberdade para as perguntas ou parasuas intervenes, permitindo-se toda a flexibilidadenecessria em cada caso particular. A entrevista fecha-da , na realidade, um questionrio que passa a ter umarelao estreita com a entrevista, na medida em que umamanipulao de certos princpios e regras facilita e pos-sibilita a aplicao do questionrio.

    Contudo, a entrevista aberta no se caracteriza es-sencialmente pela liberdade de colocar perguntas, por-que, como veremos mais adiante, o fundamento da en-trevista psicolgica no consiste em perguntar, nem nopropsito de recolher dados da histria do entrevistado.Embora os fundamentos sejam apresentados um poucomais adiante, devemos desde j sublinhar que a liberda-de do entrevistador, no caso da entrevista aberta, residenuma flexibilidade suficiente para permitir, na medidado possvel, que o entrevistado configure o campo daentrevista segundo sua estrutura psicolgica particular,ou - dito de outra maneira - que o campo da entrevistase configure, o mximo possvel, pelas variveis quedependem da personalidade do entrevistado.

    Considerada dessa maneira, a entrevista abertapossibilita uma investigao mais ampla e profunda dapersonalidade do entrevistado, embora a entrevista fe-

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    chada permita uma melhor comparao sistemtica dedados, alm de outras vantagens prprias de todo mto-do padronizado.

    De outro ponto de vista, considerando o nmero departicipantes, distingue-se a entrevista em individual egrupal, segundo sejam um ou mais os entrevistadorese/ou os entrevistados. A realidade que, em todos oscasos, a entrevista sempre um fenmeno grupal,j quemesmo com a participao de um s entrevistado suarelao com o entrevistador deve ser considerada emfuno da psicologia e da dinmica de grupo.

    Pode-se diferenciar tambm as entrevistas segundoo beneficirio do resultado; assim, podemos distinguir: a)a entrevista que se realiza em beneficio do entrevistado -que o caso da consulta psicolgica ou psiquitrica; b) aentrevista cujo objetivo a pesquisa, na qual importamos resultados cientficos; c) a entrevista que se realizapara um terceiro (uma instituio). Cada uma delas im-plica variveis distintas a serem levadas em conta, j quemodificam ou atuam sobre a atitude do entrevistador as-. 'SIm como do entrevistado, e sobre o campo total da en-trevista. Uma diferena fundamental que, excetuandoo primeiro tipo de entrevista, os dois outros requeremque o entrevistador desperte interesse e participao,que "motive" o entrevistado.

    Tanto o mtodo clnico como a tcnica da entrevis-ta procedem do campo da medicina, porm a prtica m-dica inclui procedimentos semelhantes que sem dvidano devem ser confundidos com a entrevista psicolgi-ca, nem superpostos a ela.

    A consulta consiste na solicitao da assistncia tc-nica ou profissional, que pode ser prestada ou satisfeitade formas diversas, uma das quais pode ser a entrevis-ta. Consulta no sinnimo de entrevista; esta ltima apenas um dos procedimentos de que o tcnico ou pro-fissional, psiclogo ou mdico, dispe para atender auma consulta.

    Em segundo lugar, a entrevista no uma anamne-se. Esta implica uma compilao de dados preestabele-cidos, de tal amplitude e detalhe, que permita obter umasntese tanto da situao presente como da histria deum indivduo, de sua doena e de sua sade. Emborauma boa anamnese se faa com base na utilizao cor-reta dos princpios que regem a entrevista, esta ltima, sem dvida, algo muito diferente. Na anamnese a preo-cupao e a finalidade residem na compilao de da-dos, e o paciente fica reduzido a um mediador entre suaenfermidade, sua vida e seus dados por um lado, e omdico por outro. Se o paciente no fornece informa-es, elas devem ser "extradas" dele. Mas alm dos da-dos que o mdico previu como necessrios, toda contri-buio do paciente considerada como uma perturba-

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    o da anamnese, freqentemente tolerada por corte-sia, porm considerada como suprflua ou desnecess-ria. No so poucas as ocasies em que a anamnese feita por razes estatsticas ou para cumprir obrigaesregulamentares de uma instituio; nesses casos ficaem mos de pessoal auxiliar.

    Diferentemente da consulta e da anamnese, a entre-vista psicolgica objetiva o estudo e a utilizao do com-portamento total do indivduo em todo o curso da rela-o estabelecida com o tcnico, durante o tempo em queessa relao durar.

    Na prtica mdica extremamente til levar em con-ta e utilizar os conhecimentos da tcnica da entrevista etudo o que se refere relao interpessoal. Uma parte dotempo de uma consulta deve ser empregada como entre-vista e a outra para completar a indagao ou os dadosnecessrios para a anarnnese, porm no existem razespara que ela se transforme em um "interrogatrio".

    A entrevista psicolgica uma relao, com carac-tersticas particulares, que se estabelece entre duas oumais pessoas. O especfico ou particular dessa relaoreside em que um dos integrantes um tcnico da psi-cologia, que deve atuar nesse papel, e o outro - ou osoutros - necessita de sua interveno tcnica. Porm -e isso um ponto fundamental-, o tcnico no s utili-za a entrevista para aplicar seus conhecimentos psico-lgicos no entrevistado, como tambm essa aplicaose produz precisamente atravs de seu prprio compor-tamento no decorrer da entrevista. A entrevista psicol-

    gica ento uma relao entre duas ou mais pessoas emque estas intervm como tais. Para sublinhar o aspectofundamental da entrevista poder-se-ia dizer, de outramaneira, que ela consiste em uma relao humana naqual um dos integrantes deve procurar saber o que estacontecendo e deve atuar segundo esse conhecimento. Arealizao dos objetivos possveis da entrevista (inves-tigao, diagnstico, orientao, etc.) depende desse sa-ber e da atuao de acordo com esse saber.

    Dessa teoria da entrevista originam-se algumas orien-taes para sua realizao. A regra bsica j no consisteem obter dados completos da vida total de uma pessoa,mas em obter dados completos de seu comportamentototal no decorrer da entrevista. Esse comportamento to-tal inclui o que recolheremos aplicando nossa funo deescutar, porm tambm nossa funo de vivenciar e obser-var, de tal maneira que ficam includas as trs reas docomportamento do entrevistado.

    A teoria da entrevista foi enormemente influencia-da por conhecimentos provenientes da psicanlise, daGestalt, da topologia e do behaviorismo. Ainda que nopossamos selecionar especificamente a contribuio decada um deles, convm assinalar sumariamente que apsicanlise influenciou com o conhecimento da dimen-so inconsciente do comportamento, da transferncia econtratransferncia, da resistncia e represso, da pro-jeo e introjeo, etc. A Gestalt reforou a compreen-so da entrevista como um todo no qual o entrevistador um de seus integrantes, considerando o comportamen-

  • to deste como um dos elementos da totalidade. A topo-logia levou a delinear e reconhecer o campo psicolgicoe suas leis, assim como o enfoque situaciona1. O beha-viorismo influenciou com a importncia da observaodo comportamento. Tudo isso conduziu possibilidadede realizar a entrevista em condies metodolgicas maisrestritas, convertendo-a em instrumento cientfico no quala "arte da entrevista" foi reduzida em funo de uma sis-tematizao das variveis, e esta sistematizao quepossibilita um maior rigor em sua aplicao e em seusresultados. Pode-se ensinar e aprender a realizar entre-vistas sem que se tenha de depender de um dom ou virtu-de imponderve1. O estudo cientfico da entrevista (a pes-quisa do instrumento) tem reduzido sua proporo de artee incrementado sua operacionalidade e utilizao comotcnica cientfica.

    A investigao cientfica do instrumento tem feitocom que a entrevista incorpore algumas das exignciasdo mtodo experimental; mas tambm faz com que aentrevista psicolgica, em geral, constitua um procedi-mento de observao em condies controladas ou, pe-lo menos, em condies conhecidas. Dessa maneira a,entrevista pode ser considerada, em certa medida, damesma forma que o tubo de ensaio para o qumico, se-gundo uma comparao feliz de Young.

    Dessa teoria da tcnica da entrevista (que continua-remos desenvolvendo) dependem as regras prticas ouempricas; esta a nica forma racional de compreen-d-Ias, aprend-Ias, aplic-Ias e enriquec-Ias.

    O empenho em diferenciar a entrevista da anamne-se provm do interesse em constituir um campo com ca-ractersticas definidas, ideais para a investigao da per-sonalidade. Como na anamnese, temos, na entrevista, umcampo configurado, e com isso queremos dizer que entreos participantes se estrutura uma relao da qual dependetudo que nela acontece. A diferena bsica, neste sentido,entre entrevista e qualquer outro tipo de relao interpes-soal (como a anamnese) que a regra fundamental da en-trevista sob este aspecto procurar fazer com que o cam-po seja configurado especialmente (e em seu maior grau)pelas variveis que dependem do entrevistado.

    Apesar de todo emergente ser sempre situacionalou, dito em outras palavras, provir de um campo, dize-mos que na entrevista tal campo est determinado, pre-dominantemente, pelas modalidades da personalidadedo entrevistado. De outra forma, poder-se-ia dizer queo entrevistador controla a entrevista, porm quem adirige o entrevistado. A relao entre ambos delimitae determina o campo da entrevista e tudo o que nelaacontece, porm, o entrevistador deve permitir que ocampo da relao interpessoal seja predominantementeestabelecido e configurado pelo entrevistado.

    Todo ser humano tem sua personalidade sistemati-zada em uma srie de pautas ou em um conjunto ou re-pertrio de possibilidades, e so estas que esperamosque atuem ou se exteriorizem durante a entrevista. As-

  • sim, pois, a entrevista funciona como uma situao emque se observa parte da vida do paciente, que se desen-volve em relao a ns e diante de ns.

    Nenhuma situao pode conseguir a emergncia datotalidade do repertrio de condutas de uma pessoa e,portanto, nenhuma entrevista pode esgotar a personali-dade do paciente, mas somente um segmento dela. A en-trevista no pode substituir nem excluir outros procedi-mentos de investigao da personalidade, porm elestambm no podem prescindir da entrevista. De modo es-pecfico, a entrevista no pode suprir o conhecimento e ainvestigao de carter muito mais extenso e profundoque se obtm, por exemplo, em um tratamento psicanalti-co, o qual, no decorrer de um tempo prolongado, permitea emergncia e a manifestao dos ncleos e segmentosmais diferentes da personalidade.

    Para obter o campo particular de entrevista que des-crevi, devemos contar com um enquadramento rgido, queconsiste em transformar um conjunto de variveis emconstantes. Dentro deste enquadramento, incluem-se noapenas a atitude tcnica e o papel do entrevistador talcomo assinalei, como tambm os objetivos, o lugar e otempo da entrevista. O enquadramento funciona comouma espcie de padronizao da situao estmulo queoferecemos ao entrevistador; com isso no pretendemosque esta situao deixe de atuar como estmulo para ele,mas que deixe de oscilar como varivel para o entrevista-dor. Se o enquadramento se modifica (por exemplo, por-que a entrevista se realiza em um local diferente), esta mo-

    dificao deve ser considerada como uma varivel su-jeita a observao, tanto como o o entrevistado. Cadaentrevista tem um contexto definido (conjunto de cons-tantes e variveis) em funo do qual ocorrem os emer-gentes, que s tm sentido em funo de tal contexto!.

    O campo da entrevista tambm no fixo e sim din-mico, o que significa que ele est sujeito a uma perma-nente mudana e que a observao se deve estender docampo especfico existente em cada momento continui-dade e sentido destas mudanas. Na realidade poder-se-iadizer que a observao da continuidade e da contigidadedas mudanas o que permite completar a observao einferir a estrutura e o sentido de cada campo; responden-do a esta modalidade do processo real, deve-se dizer queo campo da entrevista cobre a sua totalidade, embora "ca-da" campo no seja seno um momento desse campo to-tal e da sua dinmica (Gestaltung)2.

    Uma sistematizao que permite o estudo detalhadoda entrevista como campo consiste em centrar o estudosobre: a) o entrevistador, incluindo sua atitude, sua dis-sociao instrumental, contratransferncia, identificaoetc.; b) o entrevistado, incluindo-se aqui transferncia,estruturas de comportamento, traos de carter, ansie-dades, defesas etc.; c) a relao interpessoal, na qual se

    1. Contexto ou enquadramento foram estudados em J. Eleger, "Psi-coan1isis dei enquadre psicoanaltico", em Simbiosis e ambigedad, Pai-ds, Buenos Aires, 1967.

    2. Gestaltung: processo de formao de Gestalten.

  • inclui a interao entre os participantes, o processo decomunicao (projeo, introjeo, identificao etc.),o problema da ansiedade, etc. Embora no pretendaaprofundar aqui cada um dos fenmenos assinalados,porque isso abarcaria, em grande parte, quase toda apsicologia e psicopatologia, estes aspectos esto inclu-dos nas consideraes que se seguem.

    vida atual que mantero, entre si, relao de complemen-tao ou de contradio.

    As lacunas, dissociaes e contradies que indi-quei levam alguns pesquisadores a considerar a entre-vista como instrumento no muito confivel. Sem dvi-da, nesses casos, o instrumento no faz mais que refletiro que corresponde a caractersticas do objeto de estudo.As dissociaes e contradies que observamos corres-pondem a dissociaes e contradies da prpria perso-nalidade e, ao refleti-Ias, a entrevista permite-nos tra-balhar com elas; se elas sero trabalhadas ou no, ir de-pender da intensidade da angstia que se pode provocare da tolerncia do entrevistado a essa angstia. Igual-mente, os conflitos trazidos pelo entrevistado podem noser os conflitos fundamentais, assim como as motiva-es que alega so, geralmente, racionalizaes.

    A simulao perde o valor que tem na anamnese co-mo fator de perturbao, j que na entrevista a simula-o deve ser considerada como uma parte dissociada dapersonalidade que o entrevistado no reconhece total-mente como sua. Pode acontecer que o mesmo entre-vistador ou diferentes entrevistadores recolham, em mo-mentos diferentes, partes distintas e ainda contraditriasda mesma personalidade. Os dados no devem ser ava-liados em funo de certo ou errado, mas como grausou fenmenos de dissociao da personalidade. Uma si-tuao tpica, e em certa medida inversa que comento, a do entrevistado que tem rigidamente organizada suahistria e seu esquema de vida presente, como meio de

    Uma diferena fundamental entre entrevista e anam-nese, no que diz respeito teoria da personalidade e teoria da tcnica, reside em que, na anamnese, trabalha-se com a suposio de que o paciente conhece sua vidae est capacitado, portanto, para fornecer dados sobreela, enquanto a hiptese da entrevista que cada ser hu-mano tem organizada uma histria de sua vida e um es-quema de seu presente, e desta histria e deste esquematemos de deduzir o que ele no sabe. Em segundo lu-gar, aquilo que no nos pode dar como conhecimentoexplcito, nos oferecido ou emerge atravs do seu com-portamento no-verbal; e este ltimo pode informar so-bre sua histria ou seu presente em graus muito vari-veis de coincidncia ou contradio com o que expressade modo verbal e consciente. Por outro lado alm disso, ,em diferentes entrevistas, o entrevistado pode oferecer-nos diferentes histrias ou diferentes esquemas de sua

  • defesa contra a penetrao do entrevistador e ao seu pr-prio contato com reas de conflito de sua situao reale de sua personalidade; esse tipo de entrevistado repetea mesma histria estereotipada em diferentes entrevistas,seja com o mesmo ou com diferentes entrevistadores.

    Quando vrios integrantes de um grupo ou instituio(em famlia, escola, fbrica, etc.) so entrevistados, essasdivergncias e contradies so muito mais freqentes enotrias e constituem dados muito importantes sobre co-mo cada um de seus membros organiza, numa mesma rea-lidade, um campo psicolgico que lhe especfico. A to-talidade nos d um ndice fiel do carter do grupo ou dainstituio, de suas tenses ou conflitos, tanto como desua organizao particular e dinmica psicolgica.

    De tudo o que foi exposto, deduz-se facilmente que atcnica e sua teoria esto estreitamente entrelaadas com ateoria da personalidade com a qual se trabalha; o grau deinterao que um entrevistador capaz de conseguir entreelas d o modelo de sua operacionalidade como investiga-dor. A entrevista no consiste em "aplicar" instrues, masem investigar a personalidade do entrevistado, ao mesmotempo que nossas teorias e instrumentos de trabalho.

    N as cincias da natureza, segundo o ponto de vistatradicional, a observao cientfica objetiva, no senti-

    do de que o observador registra o que ocorre, os fen-menos que so externos e independentes dele, com abs-trao ou excluso total de suas impresses, sensaes,sentimentos e de todo estado subjetivo; um registro detal tipo o que permite a verificao do observado porterceiros que podem reconstruir as condies da obser-vao. No interessa, agora, discutir a validade desteesquema que j se mostrou estreito e ingnuo tambmpara as mesmas cincias naturais. Interessa-me, em com-pensao, observar que na entrevista o entrevistador parte do campo, quer dizer, em certa medida condicionaos fenmenos que ele mesmo vai registrar. Coloca-se,ento, a questo da validade dos dados assim obtidos.

    Tal summum de objetividade na investigao no secumpre em nenhum outro campo cientfico, e menos ain-da em psicologia, na qual o objeto de estudo o homem.Em compensao, a mxima objetividade s pode seralcanada quando se incorpora o sujeito observador co-mo uma das variveis do campo.

    Se o observador est condicionando o fenmeno queobserva, pode-se objetar que, neste caso, no estamosestudando o fenmeno tal como ele , mas sim em rela-o com a nossa presena, e, assim, j no se faz umaobservao em condies naturais.

    A isso se pode responder, de modo global, dizendoque esse tipo de objeo no vlido, porque se baseiaem uma quantidade de pressuposies incorretas. Veja-mos algumas dessas pressuposies.

  • o que se quer dizer com a expresso "observao emcondies naturais"? Certamente, refere-se a uma observa-o realizada nas mesmas condies em que se d real-mente o fenmeno. As consideraes ontolgicas super-pem-se s de tipo gnosiolgico; nas primeiras admite-se aexistncia de um mundo objetivo, que existe por si, inde-pendentemente de que o conheamos ou no. J nas se-gundas somos ns que conhecemos, e por isso temos denos incluir necessariamente no processo do conhecimento,tal como ocorre na realidade. Esta segunda afirmao noinvalida de nenhuma maneira a primeira, porque ambas sereferem a coisas diferentes: uma, existncia dos fenme-nos, e outra, ao conhecimento que deles se obtm.

    Mas, alm disso, as condies naturais da condutahumana so as condies humanas ... Toda conduta sed sempre num contexto de vnculos e relaes huma-nas, e a entrevista no uma distoro das pretendidascondies naturais e sim o contrrio: a entrevista asituao "natural" em que se d o fenmeno que, preci-samente, nos interessa estudar: o fenmeno psicolgi-co. Desta maneira o enfoque ontolgico e gnosiolgicocoincidem e so a mesma coisa.

    Poder-se- insistir, ainda, em que a entrevista notem validade de instrumento cientfico porque as mani-festaes do objeto que estudamos dependem, nessecaso, da relao que se estabelea com o entrevistador,e portanto todos os fenmenos que aparecem esto con-dicionados por essa relao. Esse tipo de objeo derivade uma concepo metafisica do mundo: o supor que ca-

    da objeto tem qualidades que dependem de sua naturezainterna prpria e que determinadas relaes modificamou subvertem essa pureza ontolgica ou essas qualida-des naturais. O certo que as qualidades de todo objetoso sempre relacionais; derivam das condies e rela-es nas quais se acha cada objeto em cada momento.

    Cada situao humana sempre original e nica,portanto a entrevista tambm o , porm isso no regesomente os fenmenos humanos como tambm os fe-nmenos da natureza: coisa que Herclito j sabia. Essaoriginalidade de cada acontecimento no impede o es-tabelecimento de constantes gerais, quer dizer, das con-dies que se repetem com mais freqncia. O indivi-dual no exclui o geral, nem a possibilidade de introdu-zir a abstrao e categorias de anlise.. I~s? se op~ a um .narcisismo subjacente ao campo

    c~ent1fIco da pSIcologIa: cada ser humano considera aSI mesmo como um ser distinto e nico, resultado deuma diferena particular (de Deus, do destino ou da na-tureza). O ser humano descobre paulatinamente, e comassombro, que tem as mesmas vsceras que seus seme-lhantes, assim como descobre (ou resiste a descobrir)que sua vida pessoal se tece sobre um fundo comum atodos os seres humanos. No caso da entrevista isso no. '

    VIgora apenas para o narcisismo do entrevistado comotambm para o do entrevistador, que tambm deve as-sumir a sua condio humana e no se sentir acima doentrevistado ou em situao privilegiada diante dele. Eisso, que fcil dizer, no nada fcil realizar.

  • Uma certa concepo aristocrtica ou monopolistada cincia tem feito supor que a investigao tarefa deeleitos que esto acima ou alm dos fatos cotidianos ecomuns. Assim, a entrevista , nesta concepo, uminstrumento ou uma tcnica da "prtica" com a qual sepretende diagnosticar, isto , aplicar conhecimentos cien-tficos que, em si mesmos, so provenientes de outrasfontes: a investigao cientfica.

    O certo que no h possibilidade de uma entrevis-ta correta e frutfera se no se incluir a investigao. Emoutros termos, a entrevista um campo de trabalho noqual se investiga a conduta e a personalidade de sereshumanos. Que isto se realize ou no, coisa que j nodepende do instrumento, do mesmo modo como no in-validamos ou duvidamos do mtodo experimental pelofato de que um investigador possa utilizar o laboratriosem se ater s exigncias do mtodo experimental. Umautilizao correta da entrevista integra na mesma pes-soa e no mesmo ato o profissional e o pesquisador.

    A chave fundamental da entrevista est na investiga-o que se realiza durante o seu transcurso. As obser-vaes so sempre registradas em funo de hiptesesque o observador vai emitindo. Esclareamos melhor oque se quer dizer com isso. Afirma-se, geralmente demaneira muito formal, que a investigao consta de eta-pas ntidas e sucessivas que se escalonam, uma aps aoutra, na seguinte ordem: primeiro intervm a observa-

    o, depois a hiptese e posteriormente a verificao.O certo, contudo, que a observao se realiza sempreem funo de certos pressupostos e que, quando estesso conscientes e utilizados como tais, a observao seenriquece. Assim, a forma de observar bem ir formu-lando hipteses enquanto se observa, e durante a entre-vista verificar e retificar as hipteses no momento mesmoem que ocorrem em funo das observaes subseqen-tes, que por sua vez se enriquecem com as hiptesesprvias. Observar, pensar e imaginar coincidem total-mente e formam parte de um s e nico processo dial-tico. Quem no utiliza a sua fantasia poder ser um bomverificador de dados, porm nunca um investigador.

    Em todas as aes humanas, deve-se pensar sobre oque se est fazendo e, quando isso acontece sistematica-mente em um campo de trabalho definido, submetendo-se verificao o que se pensou, est sendo realizadauma investigao. O trabalho profissional do psiclogo,do psiquiatra e do mdico somente adquire sua real en-vergadura e transcendncia quando nele coincide a inves-tigao e a tarefa profissional, porque estas so as uni-dades de uma prxis que resguarda da desumanizao atarefa mais humana: compreender e ajudar outros sereshumanos. Indagao e atuao, teoria e prtica, devemser manejadas como momentos inseparveis, forman-do parte de um s processo.

    Com freqncia, alega-se falta de tempo para realizarentrevistas exaustivas (ou corretas). Aconselho reali-zar bem pelo menos uma entrevista, peridica e regular-

  • _2_0 Temas de psicologia

    vista, o entrevistador observa como e atravs do que oentrevistado condiciona, sem o saber, efeitos dos quaisele mesmo se queixa ou vtima. Interessam particular-mente os momentos de mudana na comunicao e assituaes e temas ante os quais ocorrem, assim comoas inibies, interceptaes e bloqueios.

    Ruesch estabeleceu uma classificao da persona-lidade baseada nos sistemas predominantes que cadaindivduo pe emjogo na comunicao.

    Porm, o tipo de comunicao no importante ape-nas por oferecer dados de observao direta que, inclu-sive, podem ser registrados, mas porque o fenmeno-chave de toda a relao interpessoal, que, por sua vez,pode ser manipulado pelo entrevistador e, assim, gra-duar ou orientar a entrevista.

    mente: descobrir-se-, rapidamente, como til no tertempo e como fcil racionalizar e negar as dificuldades.

    Entrevistador e entrevistado formam um grupo, ouseja, um conjunto ou uma totalidade, na qual os integran-tes esto inter-relacionados e em que a conduta de ambos interdependente. Diferencia-se de outros grupos pelofato de que um de seus integrantes assume um papel es-pecfico e tende a cumprir determinados objetivos.

    A interdependncia e a inter-relao, o condicio-namento recproco de suas respectivas condutas, reali-zam-se atravs do processo da comunicao, entenden-do-se por isso o fato de que a conduta de um (conscien-te ou no) atua (de forma intencional ou no) comoestmulo para a conduta do outro, que por sua vez rea-tua como estmulo para as manifestaes do primeiro.Nesse processo, a palavra tem um papel de enorme gra-vitao, no entanto tambm a comunicao pr-verbalintervm ativamente: atitudes, timbre e tonalidade afe-tiva da voz etc.

    O tipo de comunicao que se estabelece alta-mente significativo da personalidade do entrevistado,especialmente do carter de suas relaes interpessoais,ou seja, da modalidade do seu relacionamento com seussemelhantes. Nesse processo que se produz na entre-

    Na relao que se estabelece na entrevista, deve-secontar com dois fenmenos altamente significativos: atransferncia e a contratransferncia. A primeira refere-se atualizao, na entrevista, de sentimentos, atitudes e con-dutas inconscientes, por parte do entrevistado, que corres-pondem a modelos que este estabeleceu no curso do de-senvolvimento, especialmente na relao interpessoal comseu meio familiar. Distingue-se a transferncia negativa dapositiva, porm ambas coexistem sempre, embora com

  • um predomnio relativo, estvel ou alternante, de uma so-bre a outra. Integram a parte irracional ou inconsciente daconduta e constituem aspectos no controlados pelo pa-ciente. Uma outra noo similar acentua, na transfern-cia, as atitudes afetivas que o entrevistado vivencia ouatualiza em relao ao entrevistador. A observao des-ses fenmenos coloca-nos em contato com aspectos daconduta e da personalidade do entrevistado que no seincluem entre os elementos que ele pode referir ou trazervoluntria ou conscientemente, mas que acrescentam umadimenso importante ao conhecimento da estrutura de suapersonalidade e ao carter de seus conflitos.

    N a transferncia o entrevistado atribui papis ao en-trevistador e comporta-se em funo deles. Em outrostermos, transfere situaes e modelos para uma realida-de presente e desconhecida, e tende a configur-Ia co-mo situao j conhecida, repetitiva.

    Com a transferncia o entrevistado fornece aspec-tos irracionais ou imaturos de sua personalidade, seugrau de dependncia, sua onipotncia e seu pensamen-to mgico. neles que o entrevistador poder descobriraquilo que o entrevistado espera dele, sua fantasia daentrevista, sua fantasia de ajuda, ou seja, o que acreditaque ser ajudado e estar so, includas as fantasias pa-tolgicas de cura, que so, com muita freqncia, aspi-raes neurticas. Poder-se- igualmente despistar outrofator importante, que o da resistncia entrevista ouo de ser ajudado ou curado, e a inteno de satisfazerdesejos frustrados de dependncia ou de proteo.

    Na contratransferncia incluem-se todos os fen-menos que aparecem no entrevistador como emergen-tes do campo psicolgico que se configura na entrevis-ta: so as respostas do entrevistador s manifestaesdo entrevistado, o efeito que tm sobre eles. Dependemem alto grau da histria pessoal do entrevistador, porm,se elas aparecem ou se atualizam em um dado momentoda entrevista porque nesse momento existem fatoresque agem para que isso acontea. Durante muito tempoforam considerados como elementos perturbadores daentrevista, porm progressivamente reconheceu-se queso indefectveis e iniludveis em seu aparecimento, e oentrevistador deve tambm registr-Ios como emergen-tes da situao presente e das reaes que o entrevista-do provoca. Portanto, observao na entrevista acres-centa-se tambm a auto-observao.

    A contratransferncia no constitui uma percepo,em sentido rigoroso ou limitado do termo, mas sim umindcio de grande significao e valor para orientar oentrevistador no estudo que realiza. No entanto, no de fcil manejo e requer uma boa preparao, experin-cia e um alto grau de equilbrio mental, para que possaser utilizada com alguma validade e eficincia.

    Transferncia e contratransferncia so fenmenosque aparecem em toda relao interpessoal e, por issomesmo, tambm ocorrem na entrevista. A diferena que na entrevista devem ser utilizados como instrumen-tos tcnicos de observao e compreenso. A interaotransferncia-contratransferncia pode tambm ser estu-

  • 25A entrevista psicolgica ~dada como uma atribuio de papis por parte do entre-vistado e uma percepo deles por parte do entrevista-dor. Se, por exemplo, a atitude do entrevistado irrita eprovoca rejeio no entrevistador, ele deve procurar es-tudar e observar sua reao como efeito do comporta-mento do entrevistado, para ajud-Io a corrigir aquelaconduta de cujos resultados ele mesmo pode queixar-, .se (por exemplo, de que no tem amigos e de que mn-gum gosta dele). Se o entrevistador no for capaz deobjetivar e estudar sua reao, ou reagir com irritao erejeio (assumindo o papel projetado), indicar que amanipulao que faz da contratransferncia est pertur-bada e que, portanto, est se saindo mal na entrevista.

    A ansiedade constitui um indicador do desenvolvi-mento de uma entrevista e deve ser atentamente acompa-nhada pelo entrevistador, tanto a que se produz nele co-mo a que aparece no entrevistado. Deve-se estar atentono somente ao seu aparecimento como tambm ao seugrau ou intensidade, porque, embora dentro de determi-nados limites a ansiedade seja um agente motor da re-lao interpessoal, pode perturb-Ia totalmente e fugircompletamente ao controle se ultrapassar certo nvel. Porisso o limite de tolerncia ansiedade deve ser perma-,nentemente detectado. Se entrevistado e entrevistador

    defrontarem com uma situao desconhecida ante a qualainda no estabilizaram linhas reacionais adequadas, eessa situao no organizada implicar certa desorgani-zao da personalidade de cada um dos participantes, taldesorganizao a ansiedade.

    O entrevistado solicita ajuda tcnica ou profissio-nal quando sente ansiedade ou se v perturbado por me-canismos defensivos diante dela. Durante a entrevistatanto sua ansiedade como seus mecanismos de defesapodem aumentar, porque o desconhecido que enfrentano somente a situao externa nova, mas tambm operigo daquilo que desconhece em sua prpria perso-nalidade. Se esses fatores no se apresentam, faz parteda funo do entrevistador motivar o entrevistado, con-seguir que apaream em uma certa medida na entrevis-ta. Em alguns casos, a ansiedade acha-se delegada ouprojetada em outra pessoa, que quem solicita a entre-vista e manifesta interesse em que ela se realize.

    A ansiedade do entrevistador um dos fatores maisdificeis de manipular, porque o motor do interesse nainvestigao e do interesse em penetrar no desconheci-do. Toda investigao implica a presena de ansiedadediante do desconhecido, e o investigador deve ter capa-cidade para toler-Ia e poder instrumentaliz-Ia, sem oque se fecha a possibilidade de uma investigao eficaz;isso ocorre tambm quando o investigador se v opri-mido pela ansiedade ou recorre a mecanismos de defe-sa ante ela (racionalizao, formalismo, etc.).

  • que o objeto que deve estudar outro ser humano de tal,maneira que, ao examinar a vida dos demais, se acha di-retamente implicada a reviso e o exame de sua prpriavida, de sua personalidade, conflitos e frustraes.

    A vida e a vocao de psiclogo, de mdico e de psi-quiatra merecem um estudo detalhado que no empreen-derei agora; quero, porm, lembrar que so os tcnicosencarregados profissionalmente de estar todos os diasem contato estreito e direto com o submundo da doena,dos conflitos, da destruio e da morte. Foi necessriorecorrer simulao e dissociao para o desenvolvi-mento e exerccio da psicologia e da medicina: ocupar-se de seres humanos como se no o fossem. O treina-mento do mdico, inconsciente e defensivamente tende,a isto, ao iniciar toda aprendizagem pelo contato com ocadver. Quando queremos nos ocupar da doena emseres humanos considerados como tal, nossas ansieda-des aumentam, mas, ao mesmo tempo, precisamos prde lado o bloqueio e as defesas. Por tudo isto a psicolo-gia demorou tanto para se desenvolver e infiltrar-se namedicina e na psiquiatria. Isso seria paradoxal se noconsiderssemos os processos defensivos; porm, omdico, cuja profisso tratar doentes, quem, propor-cionalmente, mais escotomiza ou nega suas prpriasdoenas ou as de seus familiares. Em psiquiatria, emmedicina psicossomtica e em psicologia, tudo isto jno possvel; o contato direto com seres humanos co-,mo tais, coloca o tcnico diante da sua prpria vida, suaprpria sade ou doena, seus prprios conflitos e frus-

    Diante da ansiedade do entrevistado, no se deve re-correr a nenhum procedimento que a dissimule ou repri-ma, como o apoio direto ou o conselho. A ansiedade so-mente deve ser trabalhada quando se compreende os fa-tores pelos quais ela aparece e quando se atua segundoessa compreenso. Se o que predomina so os mecanis-mos de defesa diante dela, a tarefa do entrevistador "desarmar" em certa medida estas defesas para que apa-rea certo grau de ansiedade, o que ser um indicador dapossibilidade de atualizao dos conflitos. Toda essa ma-nipulao tcnica da ansiedade deve ser feita tendo-sesempre em conta a personalidade do entrevistado e, so-bretudo, o beneficio que para ele pode significar a mobi-lizao da ansiedade, de tal forma que, mesmo diante desituaes muito claras, no se deve ser ativo se isso sig-nificar oprimir o entrevistado com conflitos que no po-der tolerar. Isso corresponde a um aspecto muito dificil:o do denominado timing da entrevista, que o tempoprprio ou pessoal do entrevistado - que depende dograu e tipo de organizao de sua personalidade - paraenfrentar seus conflitos e para resolv-Ios.

    O instrumento de trabalho do entrevistador elemesmo, sua prpria personalidade, que participa inevi-tavelmente da relao interpessoal, com a agravante de

  • traes. Caso ele no consiga graduar este impacto, suatarefa torna-se impossvel: ou tem muita ansiedade e,ento, no pode atuar, ou bloqueia a ansiedade e suatarefa estril.

    Na sua atuao, o entrevistador deve estar dissocia-do: em parte, atuar com uma identificao projetiva como entrevistado e, em parte, permanecer fora desta iden-tificao, observando e controlando o que ocorre, de ma-neira a graduar o impacto emocional e a desorganizaoansiosa. Nesse sentido, seria necessrio desenvolver es-tudos tanto sobre a psicologia e a psicopatologia do psi-quiatra e do psiclogo, como sobre o problema de suaformao profissional e de seu equilbrio mental.

    Essa dissociao com que o entrevistador trabalha ,por sua vez, funcional ou dinmica, no sentido de que pro-jeo e introjeo devem atuar permanentemente, e deveser suficientemente plstica ou "porosa" para que possapermanecer nos limites de uma atitude profissionaL Emsua tarefa, o psiclogo pode oscilar facilmente entre a an-siedade e o bloqueio, sem que isto a perturbe, desde quepossa resolver ambos na medida em que surjam.

    Na entrevista, a passagem do normal ao patolgicoacontece de modo imperceptvel. Uma m dissociao,com ansiedade intensa e permanente, leva o psiclogo adesenvolver condutas fbicas ou obsessivas ante os en-trevistados, evitando as entrevistas ou interpondo instru-mentos e testes para evitar o contato pessoal e a ansieda-de conseqente. A clssica aflio do mdico, que tantose emprega na stira, uma permanente fuga fbica aos

    doentes. Por outro lado, a defesa obsessiva manifesta-seem entrevistas estereotipadas nas quais tudo regradoe previsto, na elaborao rotineira de histrias clnicas,ou seja, o instrumento de trabalho, a entrevista, transfor-ma-se num ritual. Por trs disso est o bloqueio, que fazcom que sempre aplique e diga a mesma coisa, sempre ve-ja a mesma coisa, aplique o que sabe e sinta-se seguro.A pressa em fazer diagnsticos e a compulso a empre-gar drogas so outros dos elementos desta fuga e desteritual do mdico diante do doente. Nisso se desenvolvea alienao do psiclogo e do psiquiatra e a alienaodo paciente, e toda a estrutura hospitalar e de sanatriopassa a ter o efeito de um fator alienante a mais. Outroperigo o da projeo dos prprios conflitos do tera-peuta sobre o entrevistado e uma certa compulso a cen-trar seu interesse, sua investigao ou a encontrar per-turbaes justamente na esfera na qual nega que tenhaperturbaes. A rigidez e a projeo levam a encontrarsomente o que se busca e se necessita, e a condicionar oque se encontra tanto como o que no se encontra. Umexemplo muito ilustrativo de tudo isto, mas bastante co-mum, o caso de um jovem mdico que iniciava seutreinamento em psiquiatria e que, presenciando uma en-trevista e o diagnstico de um caso de fobia, disse que noera isso, que o paciente no tinha nem fobia nem doena,porque ele tambm a tinha.

    Se num dado momento a projeo com que o tcni-co atua muito intensa, pode aparecer uma reao f-bica no prprio campo de trabalho. Pelo contrrio, se

  • for excessivamente, bloqueada, haver uma alienao eno se entender o que ocorre.

    Diferentes tipos de pessoas podem provocar reaescontratransferenciais tpicas no entrevistador, e este de-ve, continuamente, poder observ-Ias e resolv-Ias parapoder utiliz-Ias como informao e instrumento duran-te a entrevista.

    Pode-se, de outra maneira, descrever esta dissociaodizendo que o entrevistador tem de desempenhar os pa-pis que lhe so fomentados pelo entrevistado, mas semassumi-Ios totalmente. Se, por exemplo, sentir rejeio, as-sumir o papel seria mostrar e atuar a rejeio, rejeitandoefetivamente o entrevistado, seja verbalmente ou com aatitude ou de qualquer outra maneira; desempenhar o pa-pel significa perceber a rejeio, compreend-Ia, encon-trar os elementos que a motivam, as motivaes do en-trevistado para que isso acontea e utilizar toda esta infor-mao, que agora possui, para esclarecer o problema ouprovocar sua modificao no entrevistado. Quanto maispsicopata for o entrevistado, maior a possibilidade de queo entrevistador assuma e represente os papis. Assumir opapel implicar a ruptura do enquadramento da entrevis-ta. Fastio, cansao, sono, irritao, bloqueio, compaixo,carinho, rejeio, seduo etc. so indcios contratrans-ferenciais que o entrevistador deve perceber como tais medida que se produzem, e ter de resolv-Ios anali-sando-os consigo mesmo em funo da personalidadedo entrevistado, da sua prpria, do contexto e do momen-to em que aparecem na comunicao.

    o psiquiatra inseguro ou pouco experiente no sa-ber o que fazer com todos estes dados, e para no ficarvexado recorrer, com freqncia, receita, interpondoentre ele e seu paciente os medicamentos; nestas condi-es a farmacologia torna-se um fator alienante porquefomenta a magia no paciente e no mdico e os dissocianovamente de seus respectivos conflitos. Algo muito se-melhante o que o psiclogo faz freqentemente com ostestes. Para combater isto importante - e mesmo im-prescindvel- que o psiquiatra e psiclogo no trabalhemisolados, que formem, pelo menos, grupos de estudo ede discusso nos quais o trabalho que se realiza seja re-visto; para cair na estereotipia no h clima melhor doque o do isolamento profissional, porque o isolamentoacaba encobrindo as dificuldades com a onipotncia.

    Examinar as contingncias de uma entrevista signi-ficaria simplesmente passar em revista toda a psicolo-gia, psiquiatria e psicopatologia, por isso s me referireiaqui a algumas situaes tpicas no campo da psicologiaclnica e, em especial, quelas que habitualmente noso consideradas e, no entanto, so muito importantes.

    De modo geral, para que uma pessoa procure umaentrevista, necessrio que tenha chegado a uma certapreocupao ou insight de que algo no est bem, de que

  • algo mudou ou se modificou, ou ento perceba suas pr-prias ansiedades ou temores. Esses ltimos podem serto intensos ou intolerveis que poder recorrer, na en-trevista, a uma negao e resistncia sistemtica, de mo-do que se assegurre logicamente de que no est acon-tecendo nada, conseguindo fazer com que o tcnico noperceba nada anormal nela. Em algum lugar j se defi-niu o doente como toda pessoa que solicita uma consul-ta; fazendo-se abstrao de que tal definio carece devalor real, sem dvida certo que o entrevistador deveaceitar esse critrio, ainda que somente como incentivopara questionar detalhadamente o que est por trs das re-presses e negaes ou escotomizaes do entrevistado.

    Schilder classificou em cinco grupos os indivduosque procuram o mdico, ou porque esto sofrendo ou fa-zendo os outros sofrer; so eles: a) os que acorrem porproblemas corporais; b) por problemas mentais; c) por fal-ta de xito; d) por dificuldades na vida diria; e) por quei-xas de outras pessoas.

    Seguindo, por outro lado, a diviso de E. Pichon-Riviere das reas da conduta, podemos considerar trsgrupos, conforme o predomnio de inibies, sintomas,queixas ou protestos recaia mais sobre a rea da mente,do corpo ou do mundo exterior. O paciente pode apre-sentar queixas, lamentaes ou acusaes; no primeirocaso predomina a ansiedade depressiva, enquanto no se-gundo, a ansiedade paranide.

    Esses agrupamentos no tendem a diferenciar osdoentes orgnicos dos doentes mentais, nem as doenas

    orgnicas das funcionais ou psicogenticas. Aplicam-sea todos os tipos de entrevistados que procuram um es-pecialista e tendem mais a uma orientao sobre a per-sonalidade do sujeito, pela forma com que procura re-duzir suas tenses, aliviar ou resolver seus conflitos.

    Podemos reconhecer e distinguir entre o entrevista-do que vem consultar e o que trazido ou aquele a quem"mandaram". Nessas atitudes j temos um ndice de im-portncia, embora esteja longe de ser sistemtico ou pa-tognomnico. Aquele que vem tem um certo insight oupercepo da sua doena e corresponde ao paciente neu-rtico, enquanto o psictico trazido. Aquele que notem motivos para vir, mas vem porque o mandaram, cor-responde psicopatia: o que faz o outro atuar e delegaaos outros suas preocupaes e mal-estares.

    Temos, entre outros, o caso daquele que vem con-sultar por um familiar. Nesse caso, realizamos a entre-vista com o que vem, indagando sobre sua personalida-de e conduta. Com isso, j passamos do entrevistado aogrupo familiar. Caso o entrevistado sej a precedido porum informante, deve-se comunicar a este que o que eledisser sobre o paciente ser-Ihe- comunicado, dizendoisso antes que ele d qualquer informao. Isto tendera "limpar o campo" e a romper com divises muito dif-ceis de trabalhar posteriormente.

    Aquele que vem consulta sempre um emergentedos conflitos grupais da famlia; diferenciamos, almdisso, entre o que vem s e o que vem acompanhado,que representam grupos familiares diferentes.

  • 35A entrevista psicolgica ~~~~~~~~~~~~~-

    o que vem sozinho o representante de um grupofamiliar esquizide, em que a comunicao entre seusmembros muito precria: vivem dispersos ou separa-dos, com um grau acentuado de bloqueio afetivo. Comfreqncia, diante destes, o tcnico tende a perguntar-se com quem pode falar, ou a quem informar. Outro gru-po familiar, de carter oposto a este, aquele no qualcomparecem vrios membros consulta, e o tcnico temnecessidade de perguntar quem o entrevistado ou porquem eles vm; o grupo epileptide, viscoso ou agluti-nado, no qual h uma falta ou dficit na personificaode seus membros, com um alto grau de simbiose ou in-terdependncia. Assim como no caso anterior o doenteest isolado e abandonado, neste caso ele est excessiva-mente rodeado por um cuidado exagerado ou asfixiante.

    Esses dois tipos polares podem ser encontrados emsuas formas extremas, ou em formas menos caracteri-zadas, ou mistas. Outro tipo o que vem acompanhadopor uma pessoa, familiar ou amigo; o caso do fbicoque necessita do acompanhante. O caso dos casais cujosintegrantes se culpam mutuamente de neurose, infide-lidade, etc. outra situao na qual, como em todas asanteriores, a entrevista se realiza com todos os que vie-ram, procedendo-se como com um grupo diagnsticoque - como veremos - sempre, em parte, teraputico;nesse, o tcnico atua como observador participante, in-tervindo em momentos de tenso, ou quando a comuni-cao interrompida, ou para assinalar entrecruzamen-tos projetivos.

    Nos grupos que vm consulta, o psiclogo notem por que aceitar o critrio da famlia sobre quem odoente, mas deve atuar considerando todos os seus mem-bros como implicados e o grupo como doente. Nessecaso, o estudo do interjogo de papis e da dinmica dogrupo so os elementos que serviro de orientao parafazer com que todo o grupo obtenha um insight da si-tuao. O equilbrio da doena em um grupo familiar de grande importncia. Por exemplo, em um casal emque um fbico e o outro seu acompanhante, quando oprimeiro apresenta melhora ou se cura, aparece a fobiano segundo. O acompanhante do fbico ento, tambm,um fbico, contudo distribuem os papis entre o casal.

    Em outras ocasies, a famlia s aparece quando otratamento de um paciente j est adiantado e ele me-lhorou ou est em vias de faz-Io; a normalizao dopaciente faz com que a tenso do grupo familiar j nose "descarregue" mais atravs dele, e aparece ento odesequilbrio ou a doena no grupo familiar.

    Tudo isso explica em grande parte um fenmeno como qual se deve contar na famlia de um doente: a culpa,elemento que deve ser devidamente levado em conta paravaloriz-Io e trabalh-Io adequadamente. muito maisclara no caso da doena mental em crianas ou em defi-cientes intelectuais. Isso se relaciona tambm com o fen-meno que foi chamado "a criana errada", em que os paistrazem consulta o filho mais sadio e, depois de se asse-gurarem de que o tcnico no os culpa nem acusa, podemfalar ou consultar sobre o filho mais doente.

  • _3_6 Temas de psicologia 37A entrevista psicolgica _

    Aqui, e em relao a todos estes fenmenos, a psico-logia grupal - seu conhecimento e sua utilizao - temuma importncia fundamental, no somente para as entre-vistas diagnsticas e teraputicas, mas tambm para ava-liar as curas ou decidir sobre a alta de uma intemao, etc.

    es comerciais ou de amizade, nem pretender outro be-neficio da entrevista que no sejam os seus honorriose o seu interesse cientfico ou profissional. Tampoucoa entrevista deve ser utilizada como uma gratificao nar-cisista na qual se representa o mgico com uma de-monstrao de onipotncia. A curiosidade deve limitar-se ao necessrio para o beneficio do entrevistado. Tudoo que sinta ou viva como reao contratransferencial de-ve ser considerado como um dado da entrevista, no sedevendo responder nem atuar diante da rejeio, da ri-validade ou da inveja do entrevistado. A petulncia oua atitude arrogante ou agressiva do entrevistado no de-vem ser "domadas" nem subjugadas; no se trata nemde triunfar nem de impor-se ao entrevistado. O que noscompete averiguar a que se devem, como funcioname quais os efeitos que acarretam para o entrevistado.Esse ltimo tem direito, embora tomemos nota disso, afazer uso, por exemplo, de sua represso ou sua descon-fiana. Com muitssima freqncia, o grau de repres-so do entrevistado depende muito do grau de repressodo entrevistador em relao a determinados temas (se-xualidade, inveja etc.). Quando fazemos uma interven-o com perguntas, elas devem ser diretas e sem subter-fgios, sem segundas intenes, adequadas situao eao grau de tolerncia do ego do entrevistado.

    A abertura da entrevista tambm no deve ser am-bgua, recorrendo-se a frases gerais ou de duplo sentido.A entrevista deve comear por onde comear o entrevis-tado. Deve-se ter em conta o quanto pode ter sido custo-

    Insisti em que o campo da entrevista deve ser con-figurado fundamentalmente pelas variveis da perso-nalidade do entrevistado. Isso implica que aquilo que oentrevistador oferece deve ser suficientemente amb-guo para permitir o maior engajamento da personalidadedo entrevistado.

    Embora tudo isso seja certo, existe entretanto umarea delimitada em que a ambigidade no deve existir,ou, ao contrrio, cujos limites devem ser mantidos e, svezes, defendidos pelo entrevistador; ela abrange todosos fatores que intervm no enquadramento da entrevis-ta: tempo, lugar e papel tcnico do profissional. O tem-po refere-se a um horrio e um limite na extenso da en-trevista; o espao abarca o quadro ou o terreno ambientalno qual se realiza a entrevista. O papel tcnico implicaque, em nenhum caso, o entrevistador deve permitir queseja apresentado como um amigo num encontro fortuito.O entrevistador tambm no deve entrar com suas rea-es nem com o relato de sua vida, nem entrar em rei a-

  • 38 Temasdepsicologia A entrevistapsicolgica 39

    so para ele decidir-se a vir entrevista e o que pode sig-nificar como humilhao e menosprezo. O entrevistadodeve ser recebido cordialmente, porm no efusivamen-te; quando temos informaes sobre o entrevistado for-necidas por outra pessoa, devemos inform-Io, assim co-mo, conforme j dissemos, antecipar ao informante, nocomeo da entrevista, que esses dados que se referem aterceiros no sero mantidos em reserva. Isso tender amanter o enquadramento e a evitar as divises esquizi-des e a atuao psicoptica, assim como a eliminar tudoo que possa travar a espontaneidade do tcnico, que nodeve ter compromissos contrados que pesem negativa-mente sobre a entrevista. A discrio do entrevistadorpara com as informaes que o entrevistado fornece estimplcita na entrevista, e se for fornecido um relato so-bre ela a uma instituio, o entrevistado tambm deveter conhecimento disso. A reserva e o segredo profis-sional vigoram tambm entre os pacientes psicticos eno material de entrevistas com adolescentes ou crian-as; nesse ltimo caso, no nos devemos sentir autori-zados a relatar aos pais, por exemplo, detalhes da entre-vista com seus filhos.

    O silncio do entrevistado o fantasma do entre-vistador principiante, para quem esse silncio pode sig-nificar um fracasso ou uma demonstrao de impercia.Com um mnimo de experincia, no entanto, no h en-trevistas fracassadas; se se observar bem, toda entrevis-ta fornece informaes importantes sobre a personali-dade do entrevistado. necessrio reconhecer os dife-

    rentes tipos de silncio (silncio paranide, depressivo,fbico, confusional etc.) e trabalhar em funo deste co-nhecimento.

    Se o silncio total no o melhor na entrevista (doponto de vista do entrevistador), tampouco o a catarseintensa (do ponto de vista do entrevistado). Com freqn-cia aquele que fala muito, na realidade, deixa de dizer omais importante, porque a linguagem no somenteum meio de transmitir informao mas tambm um po-deroso meio para evit-Ia. Todos esses so, certamente,dados valiosos, que devem ser considerados e valoriza-dos. A "descarga" emocional intensa tambm no omelhor de uma entrevista; com isso geralmente o entre-vistado consegue depositar maciamente sobre o entrevis-tador e logo se distancia e entra numa relao persecut-ria como esta: o confessor transforma-se facilmente emperseguidor.

    Como todo o enquadramento, o fim da entrevista de-ve ser respeitado. A reao separao um dado mui-to importante, assim como a avaliao sobre o estado doentrevistado ao partir e da nossa contratransferncia emrelao a ele.

    Entrevistas bem realizadas consomem um tempomuito grande, do qual, com freqncia, no se dispe,especialmente em instituies (escolas, hospitais, inds-trias etc.). Nesses casos o mais conveniente reservar,do tempo disponvel, um perodo para realizar pelo me-nos uma entrevista diria em condies timas. Isso im-pedir as estereotipias no trabalho e as racionalizaes

  • _4_0 Temas de psicologia A entrevista psicolgica 4_1

    da evitao fbica. Alm disso, importante reservar-seo tempo necessrio para estudar as entrevistas realiza-das, e melhor ainda se isso for feito em grupos de traba-lho. O psiclogo e o psiquiatra no devem trabalhar iso-lados, porque isto favorece sua alienao no trabalho.

    O primeiro fator teraputico sempre a compreensodo entrevistador, que deve comunicar alguns elementosdessa compreenso que possam ser teis ao entrevistado.Na entrevista diagnstica, segundo nossa opinio, deve-se interpretar, sobretudo, cada vez que a comunicaotenda a interromper-se ou distorcer-se. Outro caso mui-to freqente em que temos de intervir para relacionaraquilo que o prprio entrevistado esteve comunicando.Para interpretar, devemos guiar-nos pelo volume de an-siedade que estamos resolvendo e pelo volume de ansie-dade que criamos, tendo-se em conta, tambm, se serodadas outras oportunidades para que o entrevistado pos-sa resolver ansiedades que vamos mobilizar. Em todos oscasos, devemos interpretar somente com base nos emer-gentes, no que realmente est acontecendo no aqui e ago-ra da entrevista.

    Uma indicao fundamental para guiar a interpre-tao sempre o beneficio do entrevistado e no a "des-carga" de uma ansiedade do entrevistador. Alm disso,sempre que se interpreta, deve-se saber que a interpre-tao uma hiptese que deve ser verificada ou retifi-cada no campo de trabalho pela resposta que mobiliza-mos ou condicionamos ao pr em jogo tal hiptese. Con-tudo, convm que o entrevistador principiante se limiteprimeiro, e durante algum tempo, a compreender o en-trevistado, at que adquira experincia e conhecimentosuficientes para utilizar a interpretao. O alcance timode uma entrevista o da entrevista operativa na qual seprocura compreender e esclarecer um problema ou uma

    Uma questo freqente e importante a de saber se sedeve interpretar nas entrevistas realizadas com fins diag-nsticos. Nesse sentido existem posies muito variadas.Entre elas se encontra, por exemplo, a de Rogers, que nosomente no interpreta, como tampouco pergunta, estimu-lando o entrevistado a prosseguir por meio de diferentestcnicas, como, por exemplo, repetir de forma interrogati-va a ltima palavra do entrevistado ou estimul-Io, com umolhar, um gesto ou uma atitude, a prosseguir.

    A entrevista sempre uma experincia vital muitoimportante para o entrevistado; significa, com muita fre-qncia, a nica possibilidade que tem de falar o maissinceramente possvel de si mesmo com algum que noo julgue, mas que o compreenda. Dessa maneira, a en-trevista atua sempre como um fator normativo ou deaprendizagem, embora no se recorra a nenhuma medi-da especial para conseguir isso. Em outros termos, a en-trevista diagnstica sempre, e ao mesmo tempo, emparte, teraputica.

  • _4_2 Temas de psicologia

    situao que o entrevistado traz como sendo o centroou motivo da entrevista. Nesse sentido, freqentementeuma entrevista tem xito quando consegue esclarecerqual o verdadeiro problema que est por trs daquiloque trazido de modo manifesto.

    Aconselho a leitura do artigo de Reik, "O abuso dainterpretao", e a ter presentes pelo menos duas coisas:toda interpretao fora de contexto e de timing umaagresso, e parte da formo do psiclogo consiste, tam-bm, em aprender a calar. E, como "regra de ouro" (se que elas existem), tanto mais necessrio calar-se quan-to maior for a compulso para interpretar.

    quizofrnico (diagnstico psiquitrico), em uma pessoacom insuficincia cardaca (diagnstico mdico) e per-sonalidade obsessiva (diagnstico psicolgico), enten-dendo-se que esse exemplo s serve como tal para dife-renciar os trs tipos de informes, que nem sempre ne-cessariamente ocorrem juntos.

    A ordem em que se redige um informe no tem nadaa ver com a ordem em que foram recolhidos os dados oucom a ordem em que foram sendo feitas as dedues.

    O informe psicolgico tem como finalidade conden-sar ou resumir concluses referentes ao objeto de estudo.Inclumos aqui somente o informe que se refere ao estu-do da personalidade, que pode ser empregado em diferen-tes campos da atividade psicolgica, e em cada um delesse dever ter em conta e responder especificamente aoobjetivo com que tal estudo se efetuou. Trata-se, por outrolado, apenas de um guia e no de formulrios a preencher.

    No campo da medicina, por exemplo, um estudocompleto abrange um trplice diagnstico ou um trpli-ce informe: o diagnstico mdico, o psiquitrico e o psi-colgico. Pode ser o caso, por exemplo, de um surto es-

    1)Dados pessoais: nome, idade, sexo, estado civil,nacionalidade, domiclio, profisso ou oficio.

    2) Procedimentos utilizados: entrevistas (nmeroe freqncia, tcnica utilizada, "clima", lugar emque se realizaram). Testes (especificar os utili-zados), jogo de desempenho de papis, registrosobjetivos (especificar) etc. Questionrios (espe-cificar). Outros procedimentos.

    3) Motivos do estudo: por quem foi solicitado eobjetivos. Atitude do entrevistado e refernciaa suas motivaes conscientes.

    4) Descrio sinttica do grupo familiar e de ou-tros que tiveram ou tm importncia na vida doentrevistado. Relaes do grupo familiar com acomunidade: status socioeconmico, outras re-laes. Constituio, dinmica e papis, comu-nicao e trocas significativas do grupo fami-liar. Sade, acidentes e doenas do grupo e de

  • seus membros. Mortes, idade e ano em que ti-veram lugar, causas. Atitude da famlia ante asmudanas, a doena e o doente. Possibilidadede incluir o grupo em alguma das classificaesreconhecidas.

    5) Problemtica vital: relato sucinto de sua vida econflitos atuais, de seu desenvolvimento, aquisi-es, perdas, mudanas, temores, aspiraes, ini-bies e do modo como os enfrenta ou suporta.Diferenciar aquilo que afirmado pelo entrevis-tado e por outras pessoas de seu meio daquiloque inferido pelo psiclogo. Diferenciar o quese afirma daquilo que se postula como provvel.Quando houver algum dado de valor muito espe-cial, especificar a tcnica atravs da qual se infe-riu ou detectou esse dado. Incluir uma resenha dassituaes vitais mais significativas (presentes epassadas), especialmente aquelas que assumemo carter de situaes conflitivas e/ou repetitivas.

    6) Descrio de padres de conduta, diferencian-do os predominantes dos acessrios. Mudanasobservadas.

    7) Descrio de traos de carter e de personali-dade, incluindo a dinmica psicolgica (ansieda-de, defesas), citando a organizao patogrfica(se houver). Incluir uma avaliao do grau de ma-turidade da personalidade. Constituio (citar atipologia empregada). Caractersticas emocio-nais e intelectuais, incluindo: manipulao da lin-

    guagem (lxica e sintxica etc.), nvel de concei-tuao, emisso de juzos, antecipao e planeja-mento de situaes, canal preferido na comuni-cao, nvel ou grau de coordenao, diferenasentre comportamento verbal e motor, capacidadede observao, anlise e sntese, grau de atenoe concentrao. Relaes entre o desempenhointelectual, social, profissional e emocional e ou-tros itens significativos em cada caso particular.Considerar as particularidades e alteraes do de-senvolvimento psicossexual, mudanas na perso-nalidade e na conduta.

    8) No caso de um informe muito detalhado ou mui-to rigoroso (por exemplo, um informe pericial),incluir os resultados de cada teste e de cada exa-me complementar realizado.

    9) Concluso: diagnstico e caracterizao psico-lgica do indivduo e do seu grupo. Responderespecificamente aos objetivos do estudo (porexemplo, no caso da seleo de pessoal, orien-tao vocacional, informe escolar etc.).

    10) Incluir uma possibilidade prognstica do pontode vista psicolgico, fundamentando os elemen-tos sobre os quais se baseia.

    11) Orientao possvel: indicar se so necessriosnovos exames e de que tipo. Indicar a forma pos-svel de remediar, aliviar ou orientar o entrevis-tado, de acordo com o motivo do estudo ou se-gundo as necessidades da instituio que soli-citou o informe.

  • A entrevista psicolgica ~ ~~ ~~ 4_7

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    Sntese da exposio realizada na Reunio Cien-tfica de 8 de julho de 1969 na Associao Psi-canaltica Argentina.

    o Centro de Orientao e Investigao E. Racker daAssociao Psicanaltica Argentina props-se, desde suafundao, preencher tambm uma funo social, dentrodas seguintes linhas: a) oferecer a possibilidade de um tra-tamento psicanaltico limitado a um ano de durao a car-go de Candidatos do Instituto de Psicanlise; b) podiamser admitidos como pacientes pessoas sem muitos recur-sos econmicos e cujo exerccio profissional envolvesse ocontato com outras pessoas, de tal maneira que o benefI-cio de um tratamento psicanaltico limitado a um ano pu-desse redundar, indiretamente, num beneficio para as pes-soas que estivessem em contato profissional com elas(professores, enfermeiros etc.); c) os honorrios para es-ses tratamentos eram baixos e quem os recebia era o Cen-tro Racker e no o Candidato encarregado do tratamento;d) o Candidato obtinha uma superviso semanal gratuita attulo de aprendizagem; e) dadas essas condies funda-mentais, decidiu-se que no seriam admitidos pacientes

  • que apresentassem, clinicamente, perverses sexuais,psicose, psicopatias e caracteropatias ou - em geral- per-turbaes ou estruturas que no pudessem obter beneficiocom um ano de tratamento.

    A seleo de pacientes passou por diferentes alter-nativas, porm, fundamentalmente, foi realizada sem-pre com base em entrevistas; em alguns casos ou pero-dos, acrescentou-se o psicodiagnstico de Rorschach eum pequeno questionrio prvio. O primeiro diretor doCentro Racker foi o dr. David Liberman, o segundo foia dra. Marie Langer e o terceiro fui eu.

    Ao encarregar-me da Direo do Centro Racker, en-tre outras atividades, propus uma avaliao dos resulta-dos do tratamento psicanaltico efetuado em condiesto particulares, tanto como o estudo dos critrios impl-citos na aceitao ou recusa dos pacientes nas entrevis-tas, de forma a poder chegar a um esboo de categoriza-o das entrevistas.

    Esse esboo foi elaborado, basicamente, durante osestudos das entrevistas e dos protocolos de entrevistas deanos anteriores e tambm durante os Ateneus Clnicos se-manais, nos quais se contou com a valiosa colaborao dosdrs. Benito Lpez e Carlos Paz. No se chegou a resultadostotalmente satisfatrios ou completos porque, sem esperara avaliao que estvamos realizando, uma Assemblia daAssociao Psicanaltica, reunida para deliberar sobre asfunes do Centro Racker, resolveu suprimir essa ativida-de e portanto a experincia ficou truncada.

    A apresentao, agora, deste esboo inconcluso eno submetido a uma prova totalmente satisfatria re-

    flete o desejo de que possa servir tambm como guia pa-ra a seleo de pacientes para a psicoterapia curta ouanaliticamente orientada; sem dvida um problema degrande importncia para o qual temos a impresso de queesse esboo pode ser til.

    Alguns autores vem o diagnstico de modo depre-ciativo, consideram-no como - para a psicanlise e apsiquiatria dinmica - prolongamento de um "hobbyde psiquiatras", como diz 1.M. Thiel. No tratamos des-se problema, embora tenhamos consultado a literaturacorrespondente.

    Outra avaliao da experincia do Centro Racker foirealizada separadamente sob a direo da dra. Lily S.Bleger e a colaborao dos drs. Sheila Navarro de L-pez, Carlos Paz e Vera Campos.

    No se deve esquecer, em momento algum, o fato deque o esboo que apresentamos aqui foi elaborado combase numa amostra particular, constituda por pacientescom as caractersticas assinaladas anteriormente e entre,elas, um ponto fundamental a excluso de pacientes compsicose clnica, vcio em drogas, perverses, psicopatiasou caracteropatias graves, por considerar a priori inade-quado para eles o tratamento psicanaltico limitado a umano, tal como o Centro o havia organizado. Nosso proble-ma era escolher pacientes que pudessem beneficiar-secom um ano de tratamento psicanaltico, mas, alm dis-so, devamos ter a garantia, at onde isso fosse possvel,de que o tratamento psicanaltico no iria provocar ne-

  • les distrbios psicticos ou psicopticos, perverses outentativas de suicdio, at ento encobertos ou desco-nhecidos pelo paciente; procurou-se evitar tambm ospacientes que, com um ano de tratamento, comearam ater condies de poder continuar, com xito ou produti-vamente, seu tratamento psicanaltico.

    Paciente e analista tinham - ao trmino do ano - aliberdade de estabelecer um novo contrato com honor-rios iguais ou no, se isso conviesse a ambos; mas tam-bm ignorvamos se isto constitua uma condio dese-jvel ou no.

    No vou me ocupar das caractersticas, condies outcnica com as quais se realizavam as entrevistas; direisomente que elas se efetuavam de acordo com as diretri-zes assinaladas no captulo "Entrevista psicolgica".

    Era evidente, para ns, que os diagnsticos psiqui-tricos tradicionais no nos ajudariam a resolver nossoproblema, ou seja: a) selecionar os pacientes para o tra-tamento psicanaltico de tempo limitado, e b) avaliar oseventuais beneficios obtidos com esses tratamentos ou,em todo caso, saber o que estava acontecendo ou haviaacontecido quando se fazia o que estvamos fazendo ataquele momento.

    O estudo final para o qual nos encaminhvamos erade carter estatstico, e o especialista contratado peloCentro Racker para esta funo necessitava dos dadosque tnhamos de fornecer. Este projeto tinha tambm oseguinte objetivo: prover os tcnicos dos elementos ne-cessrios para que pudessem trabalhar estatisticamente.

    Dadas as reformas que foram introduzidas, o estudo es-tatstico tampouco pde ser concludo.

    Em sntese, queramos elaborar um instrumento pa-ra poder chegar a saber o que aconteceu, considerando-sea maneira como se procedeu na seleo dos pacientes e amodalidade da realizao do tratamento psicanaltico detempo limitado. Com isso quero sublinhar que no se tra-ta de apresentar um "quadro diagnstico" ou um "perfilde personalidade", mas sim da apresentao de vetores,parmetros ou indicadores com os quais se poderia, even-tualmente, chegar a um estudo estatstico.

    Creio que, atualmente, e ainda com a experinciafrustrada, esse esboo possa servir para a seleo depacientes em terapias de tempo limitado e, quando che-gar o momento, para avaliao de tais tratamentos.

    Devemos tambm levar em considerao que o es-quema que elaboramos nos servia, em parte, para aceitarou recusar pacientes, mas que, alm disso, era um instru-mento a posteriori, isto , um estudo dos fatores pelosquais, em anos anteriores, haviam sido admitidos ou recu-sados pacientes, e do grau ou tipo de beneficio obtido.

    O esquema elaborado baseia-se no conhecimentodas partes neurtica e psictica da personalidade, cha-madas em seu conjunto, respectivamente, neurotismo epsicotismo, cada um deles dividido, por sua vez, em umacerta quantidade de indicadoresl.

    1.Depois de adotadas as denominaes de neurotismo e psicotismo,observei que havia utilizado uma terminologia empregada por Eysenck;

  • _5_4 Temas de psicologia

    Nossos pressupostos tericos eram que, quantomaispredominasse o neurotismo, melhor seria o prognsticoem uma terapia de tempo limitado; e que tambm, quan-to maior fosse a flexibilidade, o prognstico e o benefI-cio de um tratamento nas condies assinaladas seriamtambm melhores. O oposto acontece com o psicotismoe a rigidez (ou estereotipia).

    Depois de tentar longas listagens, chegamos a estesdois itens que denominamos neurotismo e psicotismo.Cada um deles (neurotismo e psicotismo) se situava, porsua vez, em uma escala de porcentagens e, alm disso,divididos em rigidez ou flexibilidade.

    Desenvolvi em outros escritos o que entendo porpartes neurtica e psictica da personalidade; pode-sedizer que tudo o que mostra desenvolvimento do ego,discriminao, estabelecimento das posies esquizo-paranide e depressiva inclui-se dentro do neurotismo,e tudo o que demonstre estar em nvel de fuso, falta oudficit de discriminao (fundamentalmente entre eu eno-eu) inclui-se dentro do que denomino psicotismo.

    Defrontamo-nos logo com o problema de que ne-nhum paciente apresenta absoluta ou totalmente caracte-rsticas prprias do neurotismo ou do psicotismo, que,

    para cada um dos indicadores que utilizamos no se da mesma proporo nem as mesmas caractersticas derigidez ou flexibilidade; vimo-nos, assim, forados acomplicar um quadro que inicialmente parecia relativa-mente simples. Os indicadores para neurotismo e psi-cotismo so os seguintes:

    I) Sintomas neurticos; presena de conflitos neu-rticos e ansiedade

    2) Transferncia neurtica3) Contratransferncia neurtica4) Manuteno da clivagem5) Defesas: fbicas, histricas, obsessivas, parani-

    des. Predomnio de projeo-introjeo6) Insight7) Independncia8) Comunicao simblica

    1Objetos de identificaono destruidos

    9) Identidade, personificao Discriminaohomo- heterossexualSonhos

    fao aqui esta referncia porque quero esclarecer que no existe nenhumasemelhana com o significado dos termos nem com a posio terica e tc-nica adotada por esse autor, da qual estou totalmente afastado. Pareceu-mee ainda me parece absolutamente prejudicial e errneo modificar uma ter-minologia pelo fato de que, com antecedncia, Eysenck a tivesse usadocom objetivo e posies tericas diferentes das que sustento e desenvolvo.

    10) Amplitude do Ego11) Cimes, rivalidade12) Sublimao

  • 1) Doena orgnica atual. Tenso2) Transferncia psictica. Narcisismo3) Contratransferncia de carter psictico4) Clivagem: no conservada ou em perigo de

    perder-se5) Defesas: caracteropticas, hipocondracas, me-

    lanclicas, manacas, perversas. Predomnio deidentificaes proj etivas- introj etivas

    6) Falta de insight7) Dependncia8) Comunicao pr-verbal9) Identidade: disperso, ambigidade, confuso,

    onirismo. Sonhos10) Restrio do Ego11) Inveja

    Obtidos estes indicadores, trabalhou-se com eles,tentando-se diferentes representaes grficas e num-ricas, no se tendo chegado a nenhuma definitiva. Emum dos ensaios, limitvamo-nos a fazer uma lista dos in-dicadores, classificando sua intensidade em uma escalade zero a cem e acrescentando, em cada caso, um sinalpositivo ou negativo para significar seu carter de fle-xibilidade ou estereotipia; esperava-se com isso poderproceder ulteriormente a um cruzamento estatstico dasvariveis. Esses dados passaram tambm a ser represen-tados em grficos; em um deles, uma linha horizontal se-

    57Ensaio de categorizao da entrevista -- _

    para flexibilidade de estereotipia e sobre uma coordena-da estabelece-se uma escala porcentual, anotando-se cadaindicador na dupla especificao de intensidade e fle-xibilidade-estereotipia. Em outra tentativa, uma linha ver-tical separa neurotismo e psicotismo, outra, horizontal,separa flexibilidade de estereotipia e, sobre as coorde-nadas verticais, fixa-se a intensidade de zero a cem.

    J se sabe que uma equao algbrica pode ser re-presentada por um grfico e que, da mesma forma, umgrfico pode ser reduzido a uma equao algbrica. Pen-svamos que poderamos chegar a um ponto no qual aavaliao poderia ser representada algebricamente. Nes-te ponto as possibilidades ficaram totalmente abertaspara serem desenvolvidas.

    Ficou tambm pendente nosso propsito de confec-cionar um "Manual do Tabulador" que teria de surgir deum consenso da equipe que, em certa medida, j chega-ra a t-lo.

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    o grupo operativo, segundo a definio do inicia-dor do mtodo, Enrique J. Pichon-Riviere, " um con-junto de pessoas com um objetivo comum" que procuramabordar trabalhando como equipe. A estrutura de equi-pe s se consegue na medida em que opera; grande par-te do trabalho do grupo operativo consiste, em resumo,no treinamento para trabalhar como equipe.

    No campo do ensino, o grupo prepara-se para apren-der e isto s se alcana enquanto se aprende, quer dizer,enquanto se trabalha.

    O grupo operativo tem objetivos, problemas, recur-sos e conflitos que devem ser estudados e consideradospelo prprio grupo medida que vo aparecendo; seroexaminados em relao com a tarefa e em funo dosobjetivos propostos.

    Atravs de sua atividade, os seres humanos entramem determinadas relaes entre si e com as coisas, almda mera vinculao tcnica com a tarefa a realizar, e este

  • _6_0~~~~~~~~~~~~~~~ Temasdepsicologia

    complexo de elementos subjetivos e de relao consti-tui o seu fator humano mais especfico.

    No ensino, o grupo operativo trabalha sobre um t-pico de estudo dado, porm, enquanto o desenvolve, seforma nos diferentes aspectos do fator humano. Embo-ra o grupo esteja concretamente aplicado a uma tarefa,o fator humano tem importncia primordial, j que cons-titui o "instrumento de todos os instrumentos". No exis-te nenhum instrumento que funcione sem o ser humano.Opomo-nos velha iluso, to difundida, de que uma ta-refa mais bem realizada quando so excludos os chama-dos fatores subjetivos e ela considerada apenas "obje-tivamente"; pelo contrrio, afirmamos e garantimos, naprtica, que o mais alto grau de eficincia em uma tare-fa obtido quando se incorpora sistematicamente a ela oser humano total. Por outro lado, e com isto estamos ape-nas aceitando os fatos como so, incorporamos o ser hu-mano na teoria e na conduo operativa da tarefa porquej estava includo de fato. Porm esta incluso agora"desalienante", de tal maneira que o todo fique integradoe que a tarefa e as coisas no acabem absorvendo (alie-nando) os seres humanos. No mundo humano, alcana-semaior objetividade ao incorporar-se o ser humano (inclu-sive os fatores subjetivos), quer dizer, tomando as coisastal como acontecem, para entend-Ias e poder fazer comque aconteam da melhor maneira.

    De modo algum estas consideraes saem do nossotema, porque entre os instrumentos sociais de alienao

    est, em lugar relevante, o ensino e a forma com que - emgeral- se realiza: desumanizada e desumanizante.

    Para a presente exposio, baseei-me na "Experin-cia Rosrio", na experincia de grupos operativos da Es-cola Privada de Psiquiatria (que j completou trs anosde experincia) e na experincia realizada em diferen-tes ctedras em vrias faculdades 1

    Embora sem seguir estritamente esta ordem, vouprocurar desenvolver as seguintes questes: a) como serealiza a aprendizagem nos grupos operativos; b) porquese procede assim; c) a experincia obtida; e d) de modogeral, o que se pode dizer sobre a aprendizagem em fun-o desta experincia com grupos operativos.

    Trata-se de grupos de aprendizagem ou grupos de en-sino? Na realidade, de ambas as coisas, e este um pontofundamental de nossa colocao. Ensino e aprendizagemconstituem passos dialticos inseparveis, integrantes deum processo nico em permanente movimento, pormno s pelo fato de que, quando existe algum que apren-de, tem de haver outro que ensina, como tambm em vir-tude do princpio segundo o qual no se pode ensinar cor-

    1. E. Pichon-Riviere e colab., "Tcnica de 10s grupos operativos",Acta Neuropsiquitrica Argentina, 6, p. 32, 1960.

  • _6_2 Temas de psicologia

    retamente enquanto no se aprende e durante a prpriatarefa de ensinar. Este processo de interao deve resta-belecer-se plenamente no emprego do grupo operativo.

    Na proposio tradicional, existe uma pessoa ou gru-po (um status) que ensina e outro que aprende. Esta dis-sociao deve ser suprimida, porm, tal supresso crianecessariamente ansiedade, devido mudana e aban-dono de uma conduta estereotipada. De fato, as normasso, nos seres humanos, condutas, e toda conduta sem-pre um papel; a manuteno e repetio das mesmascondutas e normas - de modo ritual- acarreta a vanta-gem de no se enfrentarem mudanas nem coisas novase, assim, evitar-se a ansiedade. Porm, o preo dessa se-gurana e tranqilidade o bloqueio do ensino e daaprendizagem, e a transformao desses instrumentos nooposto daquilo que devem ser: um meio de alienao doser humano.

    Em uma ctedra ou em uma equipe de trabalho, asimples colocao da necessidade da interao entre en-sino e aprendizagem ameaa romper esteretipos e pro-voca o aparecimento de ansiedades. O mesmo acontecequando se abordam mudanas nos cursos magistraisestereotipados e naqueles em que "tudo j est correto"e nos quais sempre se repete o mesmo; esta reao im-plica um bloqueio, uma verdadeira neurose do learning,que, por sua vez, incide sobre os estudantes como dis-toro da aprendizagem. No se pode pretender organi-zar o ensino em grupos operativos sem que o pessoal do-cente entre no mesmo processo dialtico que os estu-

    dantes, sem dinamizar e relativizar os papis e sem abriramplamente a possibilidade de um ensino e de uma apren-dizagem mtua e recproca. O corpo docente teme a rup-tura do status e o conseqente caos e, nesse sentido, necessrio analisar as ansiedades de ficar "nu", sem sta-tus, diante do estudante, que aparece, ento, com toda amagnitude de um verdadeiro objeto persecutrio; deve-se criar conscincia de que a melhor "defesa" conhe-cer o que se vai ensinar e ser honesto na valorizao doque se sabe e do que se desconhece. Um ponto culmi-nante desse processo o momento em que aquele queensina pode dizer "no sei" e admitir assim que realmen-te desconhece algum tema ou tpico. Esse momento desuma importncia, porque implica - entre outras coisas- o abandono da atitude de onipotncia, a reduo donarcisismo, a adoo de atitudes adequadas na relaointerpessoal, a indagao e a aprendizagem, e a coloca-o como ser humano diante de outros seres humanos edas coisas tais como elas so.

    O nvel do "no sei" atingido quando se toma poss-vel problematizar e quando se possui os instrumentos ne-cessrios para resolver os problemas suscitados. No es-tou defendendo nem fazendo proselitismo da ignorncia,mas enfatizando a necessidade de colocar as coisas dentrodo limite do humano e assinalando, com isso, a possibili-dade de uma maior integrao e aperfeioamento na tare-fa. A imagem realizada do professor onipotente e onis-ciente perturba a aprendizagem, em primeiro lugar, doprprio professor. O mais importante em todo campo

  • 65Grupos operativos no ensino _do conhecimento no dispor de informao acabada,mas possuir instrumentos para resolver os problemas quese apresentam em tal campo; quem se sentir possuidor deinformao acabada tem esgotadas suas possibilidadesde aprender e de ensinar de forma realmente proveitosa.

    No ensino e na aprendizagem em grupos operativos,no se trata s de transmitir informao, mas tambmde conseguir que seus integrantes incorporem e mani-pulem os instrumentos de indagao. E isto s poss-vel depois que o corpo docente j o tiver conseguidopara si. Sublinho que o mais importante em um campocientfico no o acmulo de conhecimentos adquiri-dos, mas a sua utilizao como instrumento para indagare atuar sobre a realidade. Existe grande diferena entreo conhecimento acumulado e o utilizado; o primeiro alie-na (inclusive o sbio), o segundo enriquece a tarefa e oser humano. Seguindo em parte Montesquieu, pode-sevoltar a dizer que encher cabeas no o mesmo que for-mar cabeas. E menos ainda formar tant