Temporada lírica de 1922: os cenários do Rio de Janeiro, Europa e América do Sul
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VI SIM_UFRJ 2015& COLÓQUIO INTERNACIONAL IAI / UdK 2015
Temporada lírica de 1922: os cenários do Rio de Janeiro, Europa e América do Sul
Maria Aparecida dos Reis Valiatti PassamaeUniversidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ
ResumoEste trabalho apresenta e discute as análises críticas de Oscar Guanabarino abordando os cenários mundial e brasileiro relativo ao teatro lírico em 1922. O autor analisa a situação mundial da perspectiva da perda do prestígio e dos prenúncios da decadência do canto lírico, baseado na visível falta de renovação das grandes vozes que já dificultava a montagem de certas obras que requeriam um maior preparo técnico. No caso brasileiro, especificamente o do Rio de Janeiro, sua análise se articula em três eixos: a questão da demanda, a dos recursos humanos e a da infraestrutura física. Neste contexto, verifica duas hipóteses possíveis para a continuidade da música lírica: a primeira, na compatibilização entre as temporadas europeias com uma temporada sul-americana envolvendo o Brasil, o Uruguai, a Argentina e o Chile e a segunda, articulando uma estrutura local complementada por algumas montagens de companhias europeias com o propósito de intercâmbio para a elevação e manutenção da qualidade das montagens locais. Palavras-chaveCanto lírico – Integração de temporadas europeia e sul-americana – Oscar Guanabarino.
The Opera season of 1922: the scenarios of Rio de Janeiro, Europe and South
America
AbstractThis paper presents and discusses the Oscar Guanabarino's critical analyzes which addressing the global and Brazilian scenarios for the opera singing in 1922. The author analyzes the world situation from the perspective of prestige loss and the foreshadowing of opera singing decay, based on the perceived lack of renovation of the great voices that have made it difficult to stage some works requiring more technical preparation. In Brazil, specifically in Rio de Janeiro, his analysis is articulated into three axes: the issue of demand, the human resources requirements and the physical infrastructure. In this context, there are two possible hypotheses for the continuity of local lyrical music: the first one is reconciling the European season with a South American season involving Brazil, Uruguay, Argentina and Chile and the second one is articulating a local structure complemented by some European opera staging to exchange and making the local staging quality higher.KeywordsOpera singing - Integration of European and South American seasons - Oscar Guanabarino.
1. Introdução
A condição para que um país participasse do Congresso de Viena (1814 –
1815) era a de que possuísse governo em seu próprio território. Para que Portugal cujo
governo funcionava no Brasil desde 1808, pudesse participar do Congresso, o príncipe
regente, em 1815, por um decreto, elevou a colônia à condição de Reino Unido de
Portugal, Brasil e Algarves. Em 1822 ocorreu a independência política com a criação do
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Império do Brasil e, em 1922, o governo, já republicano, promoveu uma série de
eventos em comemoração ao Centenário da Independência.
O Rio de Janeiro, a capital, passara por fortes transformações no início do
século XX para readequar a cidade ao formato das capitais dos países importantes do
mundo, no modelo parisiense de urbanização, inclusive para romper com o passado
colonial e imperial. Uma parte dos eventos programados consistia num vasto programa
cultural, circunscrito à cidade do Rio, então e ainda, também a capital cultural do país.
Um importante crítico de artes da época, Oscar Guanabarino de Sousa Silva,
procedeu, na ocasião, uma consistente análise do cenário artístico geral, principalmente
do que se referia ao teatro lírico, notadamente do teatro de ópera italiano e seus reflexos
no mundo e no Brasil. Guanabarino era um grande entusiasta dessa modalidade artística
e admirador da ópera italiana.
O objetivo deste trabalho é apresentar e discutir o cenário mostrado pelo
crítico e as iniciativas para superar as dificuldades das grandes companhias de canto
lírico em atuar no Brasil e em outras cidades da América do Sul como Montevidéu,
Buenos Aires e Santiago do Chile.
A análise de Oscar Guanabarino, após uma breve abordagem do que julgava
ser a grande questão da arte lírica mundial, articula-se, da perspectiva desta expressão
artística no Brasil, segundo três eixos principais: a questão da demanda, a questão dos
recursos humanos e a questão da infraestrutura física. Vale reafirmar que, ao mencionar
a arte no Brasil, refere-se, sempre, à situação no Rio de Janeiro, caudatário dos maiores
investimentos estatais na área.
2. O cenário mundial do canto lírico em 1922
A falta de renovação dos grandes cantores líricos que brilharam em fins do
século XIX e início do século XX prenunciava, no íntimo de Guanabarino, a decadência
do canto lírico já em andamento, mas que procurava não reconhecer. É essa não
renovação das grandes vozes que ocasiona a crise no teatro Scala de Milão de onde, na
opinião do crítico, se originavam as grandes estrelas do teatro lírico. A desorganização
daquela instituição e a crescente demanda dos Estados Unidos determinaram uma
mudança do eixo na audiência e na formação dos valores pagos aos cantores
(PASSAMAE, 2013, p. 85).
A entrada dos Estados Unidos no circuito lírico agravou de maneira aguda,
de início, até que se tornasse crônica, a crise do teatro lírico na Itália e, por conseguinte,
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na Europa. Isso não significa, entretanto, a decadência da arte. Óperas, como o Profeta,
de Meyerbeer, deixaram de ser apresentadas por falta de cantores capazes de executá-la
adequadamente, principalmente depois do desaparecimento do tenor Tamagno
(PASSAMAE, 2013, p. 85).
O processo de envelhecimento da expressão artística rebate em “[...] casos
excepcionais, como [o de Mattia] Battistini”, que se mantiveram “em exercício até
avançada idade”.1 Mas não é a regra geral: “[...] em regra a vida ativa de um cantor
moderno é relativamente curta”,2 devido ao esforço dos órgãos vocais para a prática
teatral (o uso de microfonação era impensável na época), “[...] como também pelas
exigências dos compositores com as tessituras agrupadas e incômodas” que vêm
ocorrendo com frequência “[...] de certo tempo para cá”.3 Guanabarino observa que
muitas óperas foram retiradas do repertório das temporadas por falta de cantores
adequados (PASSAMAE, 2013, p. 85).
3. O cenário do canto lírico no Rio de Janeiro em 1922
Configurado o cenário da arte lírica no nível internacional, Guanabarino
passa a abordar a questão da infraestrutura para a realização de espetáculos no Rio. Uma
das questões é de saúde pública: a febre amarela que vitimou muitos artistas, “[...] entre
eles o maviosíssimo tenor Santinelli”,4 encarecia a produção, pois encontrava
rebatimento no valor dos cachets pagos aos artistas estrangeiros. Tamagno, por
exemplo, cantou no Rio de Janeiro com o pagamento de extraordinários “[...] quatro
contos de réis o espetáculo, ao passo que trinta anos depois Caruso recebia cerca de
vinte e quatro contos por noite, motivo pelo qual o primeiro deixou uma pequena
fortuna enquanto o tenor napolitano faleceu arquimilionário”.5 As dificuldades para a
produção que atendesse a eventos, como o do Centenário da Independência, eram
enormes (PASSAMAE, 2013, p. 86).
A questão é, todavia, muito mais ampla. Trata-se de avaliar a capacidade do
Rio de Janeiro de manter uma estrutura autônoma para suas temporadas líricas. Nessa
perspectiva, há, portanto, três linhas possíveis de reflexão: a primeira é uma análise da
demanda; a segunda, a dos recursos humanos; e a terceira, a análise da infraestrutura
física.1 Jornal do Commercio: 15-2-1922, quarta-feira, p. 2. [Pelo Mundo das Artes].2Jornal do Commercio: 15-2-1922, quarta-feira, p. 2. [Pelo Mundo das Artes]. 3Jornal do Commercio: 15-2-1922, quarta-feira, p. 2. [Pelo Mundo das Artes]. 4Jornal do Commercio: 15-2-1922, quarta-feira, p. 2. [Pelo Mundo das Artes].5Jornal do Commercio: 15-2-1922, quarta-feira, p. 2. [Pelo Mundo das Artes].
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3.1. A questão da demanda
Para implantar um programa autossuficiente, seria, então, imprescindível
adensar a demanda de tal forma que se obtivesse a massa crítica necessária para tornar o
programa comercialmente rentável. A plateia carioca, em número, era suficiente.
Entretanto, a demanda esbarrava no tamanho do Teatro Municipal que não é muito
grande. Uma solução poderia ser a implantação da récita em duas sessões, ou seja, o
público poderia “[frequentar] o Municipal por turnos, visto que a sua instalação é
reduzida”.6 Esse procedimento – ou modelo de gestão – viabilizava comercialmente o
empreendimento (PASSAMAE, 2013, p. 86).
Ocorre, porém que a plateia carioca possuía uma característica
comportamental que não se alinhava com esse modelo: todos queriam frequentar
somente a primeira sessão. Como se verá adiante, havia iniciativas para incrementar a
demanda por meio de inscrições para assinaturas firmes, cativas. “Inscreveram-se
muitos assinantes novos, mas para o primeiro turno, exclusivamente, e como não
obtiveram vagas [para a primeira sessão] desistiram”.7 Esse comportamento constata
que os tais “[...] novos assinantes que dariam para encher o segundo turno, não visavam
os espetáculos líricos, mas unicamente um ponto de reunião social”8 (PASSAMAE,
2013, p. 86).
Outro comportamento esperado pelos empreendedores se referia à prática
usual das plateias de outras importantes cidades do mundo de assistirem ao mesmo
espetáculo mais de uma vez. Esse procedimento não se efetivou como prática da plateia
carioca: “[...] os assinantes do Municipal não admitem que as óperas sejam repetidas
para eles que se contentam em ‘ver’ uma única vez dramas completamente novos para
nós”.9 Tendo, por exemplo, a oportunidade de presenciar a tetralogia completa de
Wagner – O Anel dos Nibelungos – os cariocas não se interessam em repetir a audição,
contentando-se em assistir uma única vez obras-primas como as Walquírias, Siegfried
ou o Crepúsculo dos Deuses (PASSAMAE, 2013, p. 87).
Portanto, nessa perspectiva, o número de espectadores cariocas
musicalmente educados não seria, assim, suficiente para a sustentação de grandes
temporadas líricas. Os planos da companhia de Walter Mocchi para a temporada em
6Jornal do Commercio: 22-11-1922, quarta-feira, p. 2. [Pelo Mundo das Artes]. 7 Jornal do Commercio: 22-11-1922, quarta-feira, p. 2. [Pelo Mundo das Artes]. 8 Jornal do Commercio: 22-11-1922, quarta-feira, p. 2. [Pelo Mundo das Artes]. 9 Jornal do Commercio: 22-11-1922, quarta-feira, p. 2. [Pelo Mundo das Artes].
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1922 são extensos: comporta vinte diferentes óperas em uma única sessão. Os
espetáculos não poderiam, dessa forma, terem os preços acessíveis como teriam caso
houvesse duas seções. A companhia estava disposta a montar o projeto, mas precisava
obter inscrições firmes para a temporada (reserva antecipada de ingressos) que
minimizassem os riscos. No caso de as inscrições não se efetivarem, ao invés da
montagem carioca, a companhia ofereceria uma seção extra em Buenos Aires para
melhorar o desempenho comercial das montagens. O Rio perderia, neste caso, a sua
temporada lírica em 1922. A reputação do Rio e do Brasil com o fracasso desses
empreendimentos aprofundaria, segundo o crítico, o hiato cultural do País e
desestimularia empreendimentos análogos (PASSAMAE, 2013, p. 87).
3.2. A questão dos recursos humanos
Discutida a questão da demanda, tem-se a segunda linha de análise: recursos
humanos. É necessária uma breve apreciação histórica do cenário vigente para se
revelar as iniciativas que foram levadas a efeito. Empresários como Ferrari, no teatro
Lírico; Sazone que, após anos de trabalho, teve de se retirar paupérrimo; Luiz de Castro
e seu Sindicato; Bonetti, que arrastou, em 1920, “[...] um capitalista desta praça a
avultados prejuízos que se elevaram a centenas de contos de réis”10 além de outros que
acabaram na miséria ou desaparecidos tragicamente, como Marino Mancinelli, que se
suicidou “[...] por falta de recursos”.11 Tudo isso após fracassarem comercialmente em
suas iniciativas para desenvolver o teatro lírico no Rio. Não obstante isso, o
concessionário do Teatro Municipal na época enfrentava grandes dificuldades,
amargando prejuízos nas iniciativas desenvolvidas para ampliar a frequência ao teatro,
objetivando alcançar a massa crítica necessária para obter retornos comerciais que
mantivessem os espetáculos. A crise com os cantores, já mencionada, cujo rebatimento
foi o aumento vertiginoso das suas remunerações, veio a acrescentar mais um viés de
risco aos empreendimentos (PASSAMAE, 2013, p. 88).
Por tudo isso, a Empresa Walter Mocchi resolve tomar a iniciativa de criar a
Escola do Teatro Municipal,12 investe na composição de um corpo permanente de
10 Jornal do Commercio: 22-11-1922, quarta-feira, p. 2. [Pelo Mundo das Artes].11 Jornal do Commercio: 22-11-1922, quarta-feira, p. 2. [Pelo Mundo das Artes].12 Quando foi inaugurado, em 1909, o Theatro Municipal do Rio de Janeiro não possuía os corpos
artísticos. Durante sua primeira década (1909-1919), as companhias vinham completas da Europa, mais precisamente da Itália, com centenas de artistas que formavam o coro e a orquestra, além dos solistas, maestros, pianistas, bailarinos e demais profissionais. As temporadas líricas e de ballet eram organizadas pelos grandes empresários da época – Faustino da Rosa, Walter Mocchi, Ottavio Scotto. Na década seguinte (1920-1929), os empresários passaram a contratar artistas locais para completar suas
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músicos e cantores, como já acontecia em Buenos Aires. Esses procedimentos
significaram uma busca incessante de um modelo de gestão que pudesse tornar viável a
concessão do Municipal pela empresa. Guanabarino deduz que a empresa Walter
Mocchi considerou, em seus cálculos, a população flutuante que estaria no Rio de
Janeiro para as festas do Centenário da Independência. A chamada população adventícia
foi, segundo o crítico, “[...] tão explorada que abandonou a Capital e desistiu das festas,
que, afinal de contas, foram e têm sido vulgares e insignificantes”.13 Admite, a certo
ponto, que Walter Mocchi já estivesse “[...] desenganado com o Rio de Janeiro e que
pretendia desistir das ‘grandes vantagens’ que lhe oferece o Municipal”.14 Infere que
“[...] a [...] situação exige a revisão do contrato com a Prefeitura”,15 pois o contrato é tão
oneroso que, de uma forma ou de outra, terminará por afastar outros empresários,
mesmo os concorrentes de Mocchi que sejam “[...] capazes de organizar temporadas
decentes”16 (PASSAMAE, 2013, p. 88).
Aborda também a necessidade de uma orquestra profissional para a cidade.
Entende que a orquestra não poderá ser formada ou estabelecida em menos de três anos.
A festa do Centenário da Independência seria uma boa oportunidade de se confrontar
uma orquestra nacional com a excelente Filarmônica de Viena que, sob o comando do
maestro Weingartner, se apresentou no Rio e em São Paulo durante as festividades17
(PASSAMAE, 2013, p. 89).
Evidentemente, a formação dos recursos humanos necessários para a
consolidação do polo cultural permanente no Rio de Janeiro era questão fundamental.
Entretanto, Oscar Guanabarino julgava absolutamente necessário o desenvolvimento
técnico para o estabelecimento de, pelo menos, uma grande orquestra nacional no
padrão das orquestras profissionais europeias. Por isso sua constante preocupação de
chamar a atenção para o desempenho da Filarmônica de Viena e para a direção do
maestro Weingartner. A orquestra deve ser considerada, ela própria, como um
instrumento, como uma fonte única de sons. De volta à Filarmônica de Viena, observa
que esta “[...] não prima só pelo valor individual de cada um de seus membros”. Na
companhias, em especial para a orquestra. Isso só foi possível porque, nesse tempo, a cidade já contava com orquestras locais destinadas ao gênero sinfônico, como as da Sociedade de Concertos Populares, fundada pelo maestro Carlos de Mesquita, em 1887, e a Orquestra da Sociedade de Concertos Sinfônicos, fundada em 1901, e que tinha como principal regente o maestro Francisco Braga (Theatro Municipal do Rio de Janeiro, 2012).
13 Jornal do Commercio: 22-11-1922, quarta-feira, p. 2. [Pelo Mundo das Artes].14 Jornal do Commercio: 22-11-1922, quarta-feira, p. 2. [Pelo Mundo das Artes]. 15 Jornal do Commercio: 22-11-1922, quarta-feira, p. 2. [Pelo Mundo das Artes]. 16Jornal do Commercio: 22-11-1922, quarta-feira, p. 2. [Pelo Mundo das Artes]. 17 Jornal do Commercio: 5-4-1922, quarta-feira, p. 2. [Pelo Mundo das Artes].
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verdade, em seu entendimento, a sua grande importância encontra-se “[...] no seu
conjunto, na sua unidade, na formação desse instrumento chamado orquestra, o que
depende de ensaios diários e prolongados durante alguns anos”18 (PASSAMAE, 2013,
p. 89)
É nesse contexto que imagina que pudesse ser relativamente mais fácil a
criação de um teatro lírico brasileiro a partir da iniciativa da fundação da Escola do
Teatro Municipal. Essa facilidade relativa advém do embasamento e, por que não dizer,
do interesse comercial de Walter Mocchi com vistas às festividades do Centenário.
Bastaria, para tanto, a manutenção de um processo de continuidade (PASSAMAE,
2013, p. 93).
É dessa perspectiva que Guanabarino declara apoio à resolução da Câmara
de Vereadores do Rio (o Conselho Municipal) que concede uma subvenção de 800
contos para a Sociedade de Concertos Sinfônicos.19 Acrescenta as iniciativas altruístas
de Walter Mocchi com sua escola de música no Municipal e daqueles empresários já
citados – a maioria delas fracassadas. É necessário, insiste Guanabarino, um sistema
permanente de subvenções e investimentos (públicos e privados) para alcançar os
objetivos desejados (PASSAMAE, 2013, p. 89).
Seu apoio irrestrito à subvenção do governo municipal objetivava a
profissionalização da Orquestra do Rio. A subvenção municipal evitaria o desvio
observado no período em que a orquestra entrava em recesso que durava quatro meses.
Nesse período, Guanabarino lamenta que, por necessidade de sobrevivência, os músicos
se afastavam das partituras para se dedicarem ao teatro de revista e a operetas que
reputava como uma arte menor, a do entretenimento20 (PASSAMAE, 2013, p. 90)
3.3. A questão da infraestrutura física
No terceiro eixo da análise, Guanabarino articula a avaliação da
infraestrutura dos recursos humanos para a produção de música no Rio de Janeiro com a
infraestrutura física existente. Analisa específica e oportunamente os locais dos grandes
concertos no Rio de Janeiro numa abordagem geral da infraestrutura física dos
equipamentos culturais da cidade, não se limitando ao Teatro Municipal. A base da
18 Jornal do Commercio: 2-8-1922, quarta-feira, p. 2. [Pelo Mundo das Artes].19 Em sua coluna, Guanabarino informa que “[...] uma companhia lírica [...] custava perto de trinta e cinco contos por dia” de apresentação. A escola de canto e coro no Municipal custavam 80 contos por ano” (JORNAL DO COMMERCIO: 2-8-1922). Com esses parâmetros, será possível avaliar o custo diário de uma orquestra.20 Jornal do Commercio: 5-4-1922, quarta-feira, p. 2. [Pelo Mundo das Artes].
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análise é a nota oficial publicada pela comissão encarregada dos eventos culturais para a
festa do Centenário. Aprovou a programação cultural e desaprovou a estrutura física21
(PASSAMAE, 2013, p. 90).
Para tanto, foi a campo testar a adequação dos aludidos locais. Considerou o
Salão do Instituto Nacional de Música imprestável para os concertos: “[...] a
imprestabilidade desse salão é de tal ordem que, no caso da execução de um trecho
musical no movimento metronômico de 120 semínimas por minuto, o público ouvirá ao
mesmo tempo sons produzidos em três compassos distintos”.22 Sugere, portanto, que a
programação planejada e informada à imprensa deve ser modificada, até porque a
imprensa se encarregaria da divulgação da referida programação. Efetuou testes que o
levaram a essa conclusão 23 (PASSAMAE, 2013, p. 90).
Conclui, evidentemente excluindo-se o Teatro Municipal, que o “[...] Rio de
Janeiro [permaneceria] sem um único salão para concertos já que o salão da [...]
Associação dos Empregados do Comércio tem [o] mesmo defeito”, em menor escala e
de mais fácil correção; “[...] mas o do Instituto é tão defeituoso, tão exagerado nos seus
efeitos de ressonância, que se torna completamente inútil para o fim a que se destina”24
(PASSAMAE, 2013, p. 91).
4. O eixo Europa – América do Sul
O aumento desordenado dos custos das produções, principalmente “[...]
depois de 1914, [quando] qualquer tenor recebe mensalmente uma fortuna”,25induziu a
um modelo de produção cuja premissa consistia num plano que consolidava os
mercados do Rio, Buenos Aires, Uruguai e Chile. A ideia era de “[...] que o nosso país,
21 Nota à Imprensa: “A Comissão Executiva examinou minuciosamente o projeto da secção musical da comemoração, apresentado pelo Dr. Abdon Milanez, diretor do Instituto de Música e presidente da subcomissão especial encarregada dos grandes concertos. Segundo ficou resolvido, haverá três grandes concertos sinfônicos na Sala de Festas da Exposição Nacional. Realizar-se-á igualmente, com a possível frequência, uma ‘Hora Musical’, em um dos salões da Exposição, audições que serão especialmente preenchidas com alunos laureados com o 1o prêmio do Instituto.Outros concertos igualmente patrocinados pela Comissão deverão efetuar-se no Salão do Instituto Nacional de Música” (JORNAL DO COMMERCIO: 5-4-1922).22 Jornal do Commercio: 5-4-1922, quarta-feira, p. 2. [Pelo Mundo das Artes].23 “Lá estivemos no dia 31 de março e realizamos várias experiências. Emitíamos uma nota vocal intensa e de curta duração, e a série de ecos era tão persistente que o som emitido se mantinha em ressonância durante cinco segundos, marcados a relógio! A sala é curiosíssima pela produção desse fenômeno de ressonância, mas por isso mesmo completamente imprestável para a música ou mesmo para um simples discurso” (JORNAL DO COMMERCIO: 5-4-1922).24 Jornal do Commercio: 5-4-1922, quarta-feira, p. 2. [Pelo Mundo das Artes].25 Jornal do Commercio: 22-11-1922, quarta-feira, p. 2. [Pelo Mundo das Artes].
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ou mais acertadamente, a nossa Capital, pudesse manter, como em Buenos Aires,
grandes e regulares temporadas teatrais” 26 (PASSAMAE, 2013, p. 86).
O modelo se baseava na hipótese corrente de que os mercados desses países
eram consumidores, prioritariamente, da produção artística musical predominantemente
europeia, além da incapacidade do Brasil de produzir, consistentemente, uma arte lírica
própria. O termo consistente é, neste caso, crítico. O Brasil produzia peças para o teatro
lírico de qualidade elevada, visto as obras de Antônio Carlos Gomes produzidas ainda
no século XIX e outros compositores brasileiros da época do Centenário.
Importante personagem deste processo foi Walter Mocchi (1870-1955), já
citado anteriormente como o fundador da Escola de Música do Teatro Municipal do Rio
de Janeiro do qual era concessionário. Mocchi não só empresariou grandes personagens
da música lírica como Arturo Toscanini, Serafin, Vitale, De Angelis, Pietro Mascagni e
Richard Strauss que foram maestros agenciados por ele, como também teatros na Itália e
na América do Sul. Iniciou como empresário do Teatro Adriano e veio, na sequência,
tornar-se o arrendatário do (Teatro dell’Opera) Costanzi fazendo de sua primeira esposa,
Emma Carelli, uma prima donna do Scala, a Diretora. O Constanzi progrediu tanto que
chegou a rivalizar com o Scala. “Rival, mas não adversário porque Mocchi conseguiu
que os dois teatros tivessem um intercâmbio tal que se homogeneizassem pelo alto a
qualidade dos espetáculos”. Era um admirador de Brasil e Argentina, antevendo uma
harmonização, no estilo Constanzi-Scala, entre os programas da Itália, do Brasil e da
Argentina. Com espírito empreendedor, Mocchi foi derrubando fronteiras e integrando
grupos numa escala internacional, encantando brasileiros, argentinos e uruguaios
(CLEMENTE, 2004, p. 108).
As inaugurações do Teatro Colón, em 1908 e do Teatro Municipal do Rio
de Janeiro, em 1909, abrem-se as perspectivas para a integração e a empresa La Teatral
de Mocchi, “foi a primeira a se apresentar com temporada de ópera no Municipal” entre
os dias 20-fev a 08-ago-1910. Com novos elencos, voltará a se apresentar até 1926,
inclusive no Colón e no Coliseo de Buenos Aires (CLEMENTE, 2004, p. 109).
O autor cita trecho de uma nota do jornal Gazzetta del Teatri de Milão
comentando a formação do grupo que veio para a América do Sul: o elenco de artistas compõe-se se vinte e nove participantes; sete alemães, cinco argentinos, dois espanhóis e dez italianos. Fechando a conta dezenove estrangeiros e dez dos nossos. E a respeito dos maestros; dois italianos e um alemão (o alemão era Richard Strauss) (CLEMENTE, 2004, p. 110).
26 Jornal do Commercio: 22-11-1922, quarta-feira, p. 2. [Pelo Mundo das Artes].
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Mocchi era um visionário grandioso. Em 1913, trouxe ao Brasil dos Ballets
Russes de Diaghilev, a temporada de Enrico Caruso (1873- 1912) na América Latina,
em 1917 e, “a première de Parsifal (1882) de Richard Wagner (1813-1883) fora da
Alemanha”. Casou-se em segundas núpcias com Bidu Sayão (1902-1999), la piccola
brasiliana como era chamada pelo maestro Arturo Toscanini (GOLDBERG, 2007, p. 68
– 69).
Investia também em talentos locais. Viabilizou a estreia mundial da ópera O
Rei Galaor do gaúcho Araújo Viana, em setembro de 1922, sob a direção de Francisco
Braga no Teatro Municipal do Rio de Janeiro (CLEMENTE, 2004, p. 107) e trouxe a
Companhia Lírica do Teatro Colón se apresentar no Teatro Municipal em 18 de agosto
de 1916 (MARIANO, 2008, p. 72).
Além do Rio de Janeiro, havia atividades de teatro lírico em capitais de
outros estados, como Porto Alegre e São Paulo cujo Teatro Municipal era o mais
importante, embora se apresentassem teatro lírico nos teatros “Politeama, Santana, São
José e Colombo, no largo da Concórdia, favorito da comunidade italiana”. As atividades
eram intensas. Walter Mocchi encenou, apenas no Municipal de São Paulo, entre 1912 e
1926, “88 óperas de 41 compositores, sendo dezessete italianos, dez franceses, oito
brasileiros, quatro alemães e dois russos, compreendendo o repertório geral das
temporadas nada menos de 270 espetáculos” (LEITE, 2011, p. 35).
5. Conclusão
No Rio, o teatro brasileiro sofre a concorrência das companhias estrangeiras
nas melhores épocas do ano e o público dá preferência às operetas e revistas que
chegam da Europa. É quando se “[...] estabelece [...] a ilusão do contato com a arte dos
países de além mar”.27 Quando chega o verão, o público já está fatigado e sem qualquer
vontade de suportar “[...] o calor intenso que afugentou os artistas de operetas e
revistas” 28 (PASSAMAE, 2013, p. 93).
A infraestrutura artística do Rio de Janeiro, a capital, era considerada
inadequada, tanto do ponto de vista geográfico – verões muito quentes – quanto do
ponto de vista dos recursos humanos – público predisposto mais a eventos sociais que
culturais; quanto aos artistas que se dedicavam a outras atividades; e, finalmente, quanto
à inadequação aos equipamentos culturais – muito pequenos ou acusticamente
27 Jornal do Commercio: 22-3-1922, quarta-feira, p. 2. [Pelo Mundo das Artes]. 28 Jornal do Commercio: 22-3-1922, quarta-feira, p. 2. [Pelo Mundo das Artes].
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ineficazes, etc. É evidente, e foi o que se apreendeu nos textos pesquisados, que não se
cria uma cultura nacional sem os dois últimos e uma adequação do primeiro item. O que
se verifica é que não havia a capacidade de o Rio – e o Brasil – manter uma estrutura
cultural autônoma (PASSAMAE, 2013, p. 103).
A infraestrutura precária, a urbanização europeia num país tropical, a má
formação dos estudantes de artes musicais, etc., refletem, basicamente, uma questão
política da intervenção do Estado nas escolas de música e nas subvenções a companhias
que intermediavam peças de características europeias, além da entrada dos Estados
Unidos como demandante de produções culturais da Europa, acarretavam grandes
dificuldades de se estabelecer temporadas líricas consistentemente contínuas
(PASSAMAE, 2013, p. 1031).
A intensa atuação de Walter Mocchi no circuito Europa – América do Sul
proporcionou, não apenas a integração de programas do teatro lírico entre os
continentes, proporcionando ao público apreciar obras consagradas como também
conhecer as tendências mais atualizadas da produção europeia. Por outro lado,
proporcionou aos europeus, conhecerem a produção sul-americana.
Referências
CLEMENTE, Elvo. (organizador). Integração: história, cultura e ciência. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004.
GOLDBERG, Luiz Guilherme. Um Garatuja entre Wotan e Fauno: Alberto Nepomuceno e o Modernismo musical brasileiro. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007.
LEITE, Edson. Antonietta, Guiomar e Magdalena: pianistas no Brasil. São Paulo: Acquerello, 2011.
MARIANO, Maira. Um resgate do Teatro Nacional: o teatro brasileiro nas revistas de São Paulo (1901 – 1922), Dissertação (Mestrado em Letras) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.
PASSAMAE, Maria Aparecida dos Reis Valiatti. Oscar Guanabarino e sua produção crítica de 1922: 2013. Dissertação (Mestrado em Musicologia) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.