TENDÊNCIAS E PERSPECTIVAS SUMÁRIO 1 Relações...

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TENDÊNCIAS E PERSPECTIVAS SUMÁRIO 1 Relações sistêmicas Conceito de Sistema e de Estado - Relação Estado x capital - Relação Capital x sociedade - Relação Estado x sociedade 2 Contradições e degenerescências do mundo do capital Fenômenos “telúricos” – Mercados derivativos - Economia da droga - Precauções no coração do poder central - Poder e inconsistências da ‘Tríade’ 3 Tendências universalizadas Tendências notórias - Cavaleiros do apocalipse, versão mo- derna - Utilitarismos e limitações da ciência 4 Perspectivas globais Condições para mudança de sistema - Cenários futuros – Destaques finais

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TENDÊNCIAS E PERSPECTIVAS

SUMÁRIO

1 Relações sistêmicas

Conceito de Sistema e de Estado - Relação Estado x capital - Relação Capital x sociedade - Relação Estado x sociedade

2 Contradições e degenerescências do mundo do capital

Fenômenos “telúricos” – Mercados derivativos - Economia da droga - Precauções no coração do poder central - Poder e inconsistências da ‘Tríade’

3 Tendências universalizadas

Tendências notórias - Cavaleiros do apocalipse, versão mo-derna - Utilitarismos e limitações da ciência

4 Perspectivas globais

Condições para mudança de sistema - Cenários futuros – Destaques finais

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“...e vereis se levantar povo contra povo e reino contra rei-no e haverá pestes, fome e tremores de terra em diversos lugares e todas essas coisas serão apenas o começo das dores.” Mateus, cap. XXIV, v.7/8.

1 Relações sistêmicas.

Além das inter-relações entre os três sistemas básicos das rela-ções capitalistas (Estado, sociedade e capital) e as suas corres-pondentes tensões, é preciso considerar as fricções não menos significativas existentes dentro de cada um deles, que decorrem da complexidade dos relacionamentos entre cada subsistema consti-tutivo do sistema maior.

Pelo que temos visto em incontáveis estudos, inclusive neste en-saio, é fácil constatar o acelerado processo de degradação e dege-neração da maioria dessas relações intra e intersistêmicas, em decorrência do modelo capitalista acumulador de riquezas, concen-trador de renda, socialmente excludente que temos hoje. Acresça-se a isso, os sistemas de Estado cada vez mais frágeis e prisionei-ros dos interesses das classes dominantes.

Claro está que, tendo em vista as condições de equilíbrio do siste-ma capitalista, que abrange o conjunto todo, isso é perfeitamente compreensível, mesmo sendo inaceitável, execrável e desastroso para o futuro da humanidade. Ao crescimento do poder de um dos componentes (o capital), evidentemente corresponde o encolhi-mento dos outros (Estado e sociedade).

François Chesnais(*), por exemplo, destaca a significativa mudança sistêmica na relação entre a financeirização crescente do capital e a produção capitalista, no processo de globalização atual.

“Estamos diante de um novo modo de funcionamento sistê-mico do capitalismo mundial ou, em outros termos, de uma nova modalidade de regime de acumulação. Por trás do ter-

(*) Economista francês, um dos principais teóricos da gênese e dos efeitos da globalização e, também, um de seus maiores críticos.

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mo vago de “mundialização” encontra-se um novo regime de acumulação, ao qual dou o nome de “regime mundializado sob égide financeira” (...) [Este regime ] vive, muito mais do que em 1914 ou 1929, à sombra de um capital financeiro al-tamente concentrado. A mundialização financeira tornou a ser ao menos tão importante quanto a mundialização do ca-pital produtivo. As carteiras de investimento são novamente tão ou mais importantes que o investimento direto. Nisso, o regime atual está mais próximo do imperialismo clássico. (...) O capital financeiro “puro” sempre teve fortes traços pa-rasitários e hoje também são muitas as suas ligações com o narco-capital e outras fontes ilícitas”.i

Conceitos de Sistema e de Estado

Por Sistema entendemos um conjunto que tem objetivos ou fins específicos e tem as seguintes características:

1. possui identidade própria, podendo ser identificado, ain-da que de forma difusa.

2. as suas partes mantém determinadas relações entre si.

3. o conjunto realiza funções que as partes não podem rea-lizar por si próprias.

Por isso, um dos princípios de análise sistêmica afirma que um sistema sempre mantém relação com outro(s) e contém ou está contido em um outro sistema.

Os principais tipos de sistemas são: humanos, sociais, políticos, econômicos, biológicos, tecnológicos, físicos etc. Os sistemas são dinâmicos quando evoluem no tempo e estáticos quando suas ca-racterísticas permanecem relativamente estáveis, podendo ser, ainda, classificados conforme seu grau de complexidade.

Um dos tipos de sistemas mais interessantes é constituído pelos sistemas dinâmicos complexos, cujos exemplos são: o homem, os seres vivos de um modo geral, as organizações sociais etc.

No caso das organizações em que o elemento básico é o ser hu-mano, é importante ressaltar que este (o homem) é, por sua vez, também um sistema dinâmico complexo e possui capacidade de autodeterminação. Isso nos leva à conclusão que os objetivos das organizações humanas devem ser compartilhados pelos indivíduos participantes, sem o que a organização não sobrevive.

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No sistema capitalista, as inter-relações se dão pelas interações entre os sistemas que o constituem, ou seja:

sistemas do capital;

sistemas políticos e administrativos do Estado;

sistemas sociais.

É indispensável para os objetivos deste estudo que destaquemos, dentre esses três sistemas, o Estado para ser simplificadamente conceituado. Trata-se de um sistema constituído por três elemen-tos organizativos, também sistêmicos: a organização da popula-ção, do território e do governo. Este, por incorporar a prerrogativa de autoridade capaz de organizar e dirigir a sociedade, é normal-mente confundido com o Estado. Mas Estado e governo, como vemos, não são sinônimos porque este está contido naquele.

O Estado foi a forma organizativa e sistêmica que o homem encon-trou para ser o agente civilizador e ordenador das suas relações de convivência política. A definição filosófica de Estado tem desafiado os pensadores em muitos momentos da sua história. Assim, tive-mos o Estado absoluto de Hobbes, o constitucional de Locke, o racional de Kant, o ético de Hegel e, finalmente, o de direito.

O Estado de direito foi o modelo mais acabado que foi concebido na direção da democracia e da possibilidade de agente regulador das relações da sociedade. A História, entretanto, tem demonstra-do que essa perspectiva não se realizou, tendo sido impedida pelos interesses do capital.

Por isso mesmo, a História também acabou por confirmar a con-cepção de Marx de que o Estado existe devido aos antagonismos irreconciliáveis entre as classes sociais e está sempre a serviço da classe mais forte e dominante. Constitui, portanto, um instrumento de dominação de uma classe sobre outra e cumpre o papel de im-por uma ordem social que refreie os conflitos de classes. Em uma sociedade socialista perfeita ou, mais apropriadamente conforme a teoria de Marx e Engels, uma sociedade comunista, o Estado per-deria totalmente o sentido e deixaria de existir.

Relação Estado x capital

As relações entre o Estado e os agentes do grande capital tem ca-minhado cada vez mais para o “Estado privatizado”, muito além do “Estado privatista”, isto é, um Estado inteiramente a serviço do capital.

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A relação do Estado neoliberal com os centros de poder dos siste-mas do capital é prioritária e majoritariamente submissa e obedi-ente aos princípios dos favorecimentos recíprocos.

No caso do Brasil e dos países periféricos do capitalismo e depen-dentes dos países hegemônicos, os conceitos de Atkinson e Cole-man para os fatores de governabilidade (concentração de po-der, autonomia administrativa e mobilização dos setores econômi-cos) podem ser úteis na análise da conjuntura, conforme destaca Philippe Faucherii

A combinação desses fatores pode caracterizar um Estado em ero-são, frágil, servil, como é o caso do Brasil ou de um país em pro-cesso real de desenvolvimento, como é o exemplo da China, da Índia e dos tigres asiáticos.

A concentração de poder se refere à “autoridade reconhecida e à capacidade de tomadas de decisão em instâncias que detém res-ponsabilidades claramente definidas em um domínio de interven-ção, sem multiplicação de órgãos e superposição de jurisdições, os quais facilitam a manipulação partidária e clientelista”.

A autonomia administrativa se refere à “existência de um espaço público reservado, distinto da organização da sociedade civil, onde as agências governamentais são depositárias de um mandato defi-nido em função de uma noção de interesse público partilhada e sustentada pelo sistema político”.

A mobilização dos setores econômicos é a “capacidade que esses setores têm de participarem da formulação e aplicação da política que lhe diz respeito e que depende de fatores de diferenciação de grupos, da concentração, da representação, da estrutura e dos recursos da organização”.

Com base nesses conceitos não é tarefa difícil classificar países com realidades tais como as do Brasil no grupo dos fracos, subme-tidos profundamente aos interesses dominantes. Isso ficou notório na análise especial que fazemos do nosso país no Caderno 02, Brasil, da dependência à subserviência.

Citados por Faucher, os economistas Atkinson e Coleman ensina-vam em 1989:

“Quando o Estado está infiltrado por grupos setoriais de inte-resses, a administração conta com pouca autonomia. Os fun-cionários do governo olham os grupos setoriais como clientes

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e, por conseguinte, atendem às necessidades desses grupos, em vez de responder ao interesse público mais amplo. A or-ganização de um Estado fraco dispersa informações cruciais por um grande número de autoridades ou deixa essas infor-mações nas mãos das empresas ou de associações do setor. O resultado é uma relação de dependência.”

Parece que descreviam o Brasil...! Na verdade estavam explicitan-do os pré-requisitos para um cenário adequado à instalação de qualquer projeto neoliberal bem sucedido, em qualquer país.

Tendo em vista essa prevalência das atenções do Estado neoliberal para com os tais grupos de interesses, é facilmente compreensível o desprezo dos governantes de países como o Brasil para com as necessidades da sociedade.

Relação capital x sociedade

No sistema capitalista, a base das relações sistêmicas é constituída pelos mecanismos de trocas de bens e serviços, através da moeda. Normalmente, cada moeda representa um país e deve estar vincu-lada, portanto, a um poder estatal. O dólar é tido como a moeda de referência mundial mas a primeira moeda que tenta ser comum a vários países é o Euro, a moeda que está sendo usada na União Européia. Talvez por isso mesmo é que esteja encontrando dificul-dades em se estabelecer efetivamente.

Uma moeda não é forte ou fraca em si mesma porque sua força depende do poder real da economia que representa. No caso do Brasil, a fragilidade do Real decorre também desse princípio, den-tre outros fatores.

As empresas, sustentáculo do capitalismo, deviam ter como obje-tivo precípuo a produção de bens e serviços. Entretanto, se é que algum dia esse princípio realmente existiu, ao longo da história ele foi se degenerando porque a moeda passou a ser, ela mesma, uma das mercadorias mais importantes nas transações dos sistemas globalizados de trocas.

Em decorrência da crescente monetarização e financeirização dos mercados, é cada vez maior o contingente de pessoas excluídas do acesso aos bens e serviços, pelo empobrecimento.

O Professor Atílio Borón(∗) sintetiza magistralmente os efeitos do

(∗) Professor da Universidade de Buenos Aires, Diretor do Instituto de In-

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modelo excludente do neoliberalismo.

“O resultado mais duradouro do neoliberalismo tem sido a constituição de uma sociedade dual, estruturada em duas ve-locidades que se coagulam num verdadeiro apart-heid social. Ou seja, um modelo em que existe um pequeno setor de in-tegrados (cujo tamanho varia segundo as distintas socieda-des) e outro setor (majoritário na América Latina) de pessoas que vão ficando inteiramente excluídas, provavelmente de forma irrecuperável no curto prazo. Aqui se coloca uma ques-tão nada marginal para consolidação do regime democrático: o que fazer com as vítimas produzidas pelo neoliberalismo, para as quais este não teve - e não tem - qualquer solução? Como construir uma democracia sólida e estável sobre fun-damentos sociais tão precários?” iii

A resposta que podemos dar à primeira pergunta do professor Bo-rón é substituir, o mais urgentemente possível, o sistema vigente por outro que priorize os interesses das maiorias. A resposta para a segunda pergunta vai também de “bate-pronto”: Isso é impossí-vel!.

Quanto à relação Estado x capital x trabalho x sindicatos, por se tratar de uma questão mais específica, a sua discussão foi proce-dida no Caderno 03, Crise do mundo do trabalho.

Relação Estado x sociedade

O Estado é - ou deveria ser - formado a partir dos interesses da sociedade, os quais deve organizar, representar e administrar de modo equânime. Teria, portanto, poderes delegados estritamente no sentido dos interesses de toda a sociedade e não de partes ou setores dela.

A realidade atual, entretanto, confirma integralmente o conceito e a opinião de Marx a respeito do Estado burguês no modelo capita-lista, o qual existe e subsiste tão somente para obedecer aos di-tames capitalistas e aos interesses das minorias, tanto nacionais como internacionais. Principalmente destas, como é o caso de países como o Brasil.

Até a democracia, sistema vital para os destinos das relações sis-têmicas de uma sociedade, tem sido atingida pela degenerescência dessas relações. vestigaciones Europeo-Latinoamericanas - EURAL

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As razões para tal são bem percebidas no ensaio de Raimundo Franco Parellada, “Contribuições das ciências naturais à possibili-dade de democracia”, contido no livro Fim do capitalismo glo-bal. Ele caracteriza a democracia como um sistema dinâmico com-plexo dentro da evolução das organizações sociais dos seres hu-manos e que, como tal, deve se reger pelas leis do desenvolvimen-to universal.

“Evolui [a democracia] do simples para o complexo e adqui-re através de sua maior complexidade uma maior capacidade adaptativa às mudanças de seu entorno, o qual, em última instância decide sobre suas possibilidades de sobrevivência”.

Ora, se a democracia também é um sistema inserido num meio sistêmico em degradação, ela será afetada por esse meio, fatal e inexoravelmente, até na sua própria sobrevivência.

Nessa perspectiva, não existe democracia real na face do planeta, pela simples razão de que é impossível realizá-la no interior de um sistema capitalista, conforme a resposta que demos à pergunta do professor Atilio Borón, linhas atrás.

Aliás, o verdadeiro conceito de democracia dispensa qualquer qua-lificativo, do tipo democracia representativa, participativa, solidá-ria, plena, real etc. Por isso, dizemos no subtítulo deste ensaio que perseguimos um sistema que permita o exercício pleno da demo-cracia, sem necessidade de adjetivá-la.

O professor Dieterich, no entanto, conceitua democracia real como sendo a única democracia possível, mediante a ausência absoluta de exploração, dominação e alienação. O inverso, isto é, a presen-ça completa dessas três variáveis, caracteriza o capitalismo.

Donde, então, a conclusão fica bem à mostra: é total e absoluta a incompatibilidade entre democracia e capitalismo. E vice-versa.

2 Contradições e degenerescências do mundo do capi-

tal

O processo de dominação dos países ditos centrais ou desenvolvi-dos sobre os periféricos (subdesenvolvidos ou em desenvolvimen-to) continua o mesmo, porém de sinal trocado. Antes, era pela exportação dos modelos de desenvolvimento e agora é pela neces-sidade de capitais que migram rapidamente da periferia para o

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centro ao menor sinal de aumento dos juros em qualquer país rico. Ou, também, em decorrência de instabilidade econômica ou políti-ca em algum país periférico.

Tal foi, por exemplo, o que aconteceu ao final de 94, quando pe-quenos acréscimos de juros nos EUA, enxugaram brutalmente os capitais que financiavam o México e quebraram a economia do país. Naquela oportunidade, partiu dos centros de decisão do po-der econômico mundial uma orientação fria, calculista, cruel: “está na hora de comprar o México”. E compraram. Os capitais, que vol-taram como “socorro”, lucraram duplamente porque se apodera-ram, como garantia, de todas as reservas petrolíferas mexicanas, conhecidas e a conhecer. E nem foi necessário privatizar a empre-sa petrolífera mexicana.

Também no Brasil são constantes e significativas as revoadas de recursos que saem do país, sem a menor possibilidade de controle, criando dificuldades até para as nossas reservas não apenas de divisas mas também de dignidade e de soberania nacionais.

Fenômenos ‘”telúricos”

Como sabemos, o passeio diário do capital nas Bolsas segue a tra-jetória do sol. Quando fecham as bolsas européias, abrem-se as das Américas que são, por sua vez, substituídas pelas do oriente, em especial a de Tokio e a de Hong Kong. E, assim, indefinida-mente, enquanto o sol iluminar e aquecer o capital e queimar ou escurecer e esfriar os resultados do trabalho, na ciranda do capita-lismo mundial. Por isso, qualquer agitação em qualquer desses mercados essencialmente financeiros, repercute como uma onda de ressaca pelo mundo todo.

O estoque total de títulos negociados nas Bolsas de Valores em todo o mundo soma, segundo alguns autores e analistas, cerca de US$ 10 trilhões. Outros avaliam que chega a US$ 14 trilhões, co-mo se essa diferençazinha de US$ 4 trilhões fosse do mesmo porte e significado de uma eventual diferença entre o preço do cafezinho no boteco da esquina e no ‘shopping center’. Imprecisões desse nível e significado dizem bem da impossibilidade de avaliar o mon-tante de capitais especulativos hoje existentes nos mercados mun-diais e, em conseqüência, das dificuldades de ser exercido qual-quer tipo de controle sobre eles.

Por qualquer forma e em qualquer montante, entretanto, predomi-na apenas a circulação de papel pintado ou escrito - muitas vezes

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substituído por simples teclar em computadores - gerando riqueza virtual e escritural, sem produzir um prego ou um alfinete sequer.

Em decorrência disso, a agitação do mundo financeiro nas bolsas de valores e de futuros são movimentos similares a fenômenos de natureza telúrica tais como os ‘icebergs’, os vulcões, os furacões ou os terremotos. De todas essas imagens, a do ‘iceberg’ talvez seja a menos representativa do fenômeno. É que, no movimento dos capitais, o gelo está apenas nos corações e nas mentes daque-les que tomam decisões sem a menor consideração com as suas eventuais conseqüências econômicas, políticas e sociais. Com um simples comando, emitido através de um terminal das redes tele-máticas, é possível comprar, vender ou quebrar um país.

A imagem do vulcão, a do terremoto ou a do furacão são mais a-dequadas. Esses fenômenos tem três características similares ao atual movimento dos capitais: 1 - incomensurável poder destruti-vo; 2 - incontrolabilidade; 3 - uma vez iniciado, o movimento não faz distinção entre as vítimas, podendo ser a Yamaichi Securities (na época a quarta maior empresa financeira do Japão), o México, a Rússia, o Brasil ou a quitanda da esquina. Os fenômenos guar-dam, porém, uma diferença essencial: o furacão, o terremoto e o vulcão são autóctones, isto é, são gerados por forças telúricas e não podem ser provocados ou direcionados pela vontade humana. Já os movimentos do capital financeiro podem ser - e muitas vezes o são - induzidos para atingir e vulnerar tanto empresas como paí-ses.

Mercados derivativos

Do estoque total de títulos negociados nas Bolsas de Valores em todo o mundo a Bolsa de Nova Yorque representa perto de 40%. O que ali ocorre torna-se um referencial determinante para todo mo-vimento mundial de capitais. As Bolsas no Brasil ocupam destaca-da posição no ‘ranking’ mundial, sendo que o movimento da Bolsa de Mercadorias e Futuros de São Paulo já superou em várias opor-tunidades a Bolsa de Londres.

As transações mundiais diárias nos mercados de trocas eram US$ 0,3 trilhões em 86, US$ 0,7 em US$ 90, US$ 1,0 em 91/92, US$ 1,3 em 94 e US$ 1,5 trilhões em 97, sendo maior do que o dobro das reservas cambiais dos Bancos Centrais do conjunto dos cerca de 30 países mais ricos do mundo, participantes da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Significa também que, num ano, o montante é mais de 15 vezes o PIB total

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desses países. Desses fantásticos valores, dizem os especialistas, menos de 5% estão relacionados com atividades produtivas de riqueza, sendo que o restante das transações se destinam unica-mente à especulação.

A maior especulação ocorre nos mercados a prazo, ou de futuros ou derivativos. Estas são transações que se fazem no futuro, com data e preço fixados antecipadamente, em contratos fechados ou opcionais, isto é, onde não há a obrigação de exercer o direito de compra. Em todos os casos, o contrato é realizado com base num ativo real, seja uma mercadoria ou uma ação com lastro patrimo-nial de alguma empresa. A partir daí, entretanto, esse contrato passa a ser um “produto” com vida e mercado próprios e pode seguir uma trajetória completamente autônoma, passando por tantas transações quantas os especuladores estejam dispostos a realizar. Em resumo, tratas-se apenas de papel gerando riqueza, sem qualquer relação com a base física inicial.

Não é fantástico? Quem paga a conta no final? Como essas tran-sações, direta ou indiretamente, estão lastreadas em papéis ofici-ais de governos de países tomadores de capital nos mercados in-ternacionais, a resposta se torna óbvia: o povo desses países paga a conta. Por outro lado, os capitalistas têm mecanismos quase in-falíveis de autoproteção, inclusive com subsídios de recursos públi-cos, da sociedade em geral.

Quando, em consonância com seus princípios de soberania, um governo de algum país endividado toma medidas drásticas de con-fronto com os especuladores, o país passa a sofrer toda sorte de pressões e bloqueios.

É comum dar-se grande destaque aos tantos pontos percentuais que subiu (ou desceu) a bolsa de locais bastante desconhecidos do grande público, por exemplo, Jacarta. O que tem a ver o nosso cidadão comum com a Bolsa de Valores de Jacarta? Com todo o respeito aos indonésios, a imensa maioria da população do Brasil – e também do mundo - não sabe onde fica a Indonésia, nem a sua capital e nem a sua Bolsa de Valores. Na verdade, esse cidadão jamais passou sequer pela frente de uma bolsa de valores em qualquer parte do mundo e nem sabe o que é e nem como funcio-na.

A gangorra das bolsas de valores, de mercadorias e de futuros tem interesse apenas para os especuladores, para os quais funcionam

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como se fosse um cassino mundial globalizado. Para nós outros, pobres (em todos os sentidos) mortais, repercutem apenas os mo-vimentos generalizados e “globais” de quedas, porque os países dependentes de capitais especulativos, tal como o Brasil, são atin-gidos por essas ondas de ressaca. E sempre o povo em geral é que acaba pagando essa conta.

Economia da droga e paraísos fiscais

Na década de 70 os petrodólares permitiram a criação, ou pelo menos a ampliação, da dívida dos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, hoje classificados como periféricos. Os narcodó-lares, a partir dos anos 80, vieram substitui-los para assegurar uma parte do pagamento dessa dívida.

O volume de negócios do mercado da droga representa cerca de US$ 300 bilhões anuais e tem feito a glória de cerca de 50 países cujas virtudes principais são: 1 - pouca ou nenhuma regulação fiscal; 2 - um sistema eficaz de comunicações; 3 - respeito à con-fidencialidade das transações. Os 7 principais paraísos fiscais (Pa-namá, Hong-Kong, Libéria, Bahamas, Antilhas Holandesas, Ilhas Cayman e Bermudas) concentram cerca de 20% dos depósitos bancários mundiais. Somente na colônia britânica das Ilhas Cay-man existem em torno de US$ 250 bilhões de depósitos bancários, o que corresponde aproximadamente ao montante dos depósitos dos bancos centrais da Alemanha ou da França. Por aí, dá para compreender a mistificação e a falsidade dos alardeados propósi-tos de combate ao narcotráfico bem como de legalização do con-sumo e do mercado das drogas. Entretanto, como se trata de um mercado essencialmente mafioso e especulativo, portanto incon-trolável, os países centrais oscilam entre a vista grossa e a preo-cupação com o que isso pode vir a significar no futuro.iv

Preocupações no coração do poder central Em função dos formidáveis interesses em jogo, são crescentes as inquietações por parte dos países capitalistas centrais, porque os seus governos tem pouco ou quase nenhum controle sobre esses mercados, o que está dificultando o controle das suas próprias políticas monetárias e, em conseqüência, também de suas políticas econômicas.

Claro está que há muita encenação e jogo para a platéia de bobo-cas subdesenvolvidos, mas as preocupações e principalmente as disenções entre as grandes eminências do capital mundial tem

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aflorado muito nitidamente, nos últimos tempos. Uma demonstra-ção das preocupações dos centros de poder econômico e político mundiais pode ser constatada nas reuniões de cúpula, cada vez mais freqüentes.

A partir de 1995 alguns fóruns começaram a ser realizados com mais ênfase e periodicidade, onde essas preocupações tem sido repetidamente manifestadas. Por exemplo:

• Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Social - Março/95 - Co-penhagem

• 36ª Reunião do Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID - Abril/95 - Jerusalém

• Conferência da ONU sobre Assentamentos Humanos - Habitat II - Junho/96 - Istambul

• Cúpula Mundial da Alimentação - Novembro/96 - Roma

• Conferência Mundial de Comércio - (reune-se anualmente em locais diferentes)

• Fórum Econômico Mundial (reúne-se anualmente, sempre em Davos, Suíça)

• Cúpula da União Européia (reúne-se semestralmente, em locais diferentes).

Durante a reunião da Cúpula da UE de 1997, em Luxemburgo, as-sim como na anterior, houve uma grande “marcha pelo emprego”, com mais de 20 mil pessoas vindas de vários países, andando a pé, no estilo MST. Isso forçou a Cúpula a introduzir o tema do em-prego como uma prioridade da agenda permanente do Fórum.

No Brasil, tivemos algumas discussões de natureza similar, sendo realizados alguns eventos importantes nesse sentido em 1997 e 1998. Depois disso, talvez em decorrência da reeleição de FHC, as elites devem ter considerado dispensável esse tipo de discussão, por terem sido alcançados os objetivos. O raciocínio deve ter sido do tipo: “já que estamos submetidos diretamente ao FMI e à Casa Branca, por que nos preocuparmos em discutir essas coisas?” ou “se tudo aquilo de que precisamos já nos é fornecido pronto e aca-bado, para que perder nosso tempo?”. Eis alguns exemplos de re-uniões nesse período:

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• “Fórum Permanente de Lideres”, organizado pelo jornal Gazeta Mercantil - Belo Horizonte - março/97.

• “Agenda Brasil 21: A Utopia Concreta” - Brasília - março/97.

• “Seminário Internacional Sociedade e a Reforma do Estado” - São Paulo - março/98

Em todos os fóruns internacionais tem havido muito destaque para os sinais de alerta quanto aos perigos que os rumos atuais do ca-pitalismo apresentam ao seu próprio futuro e à continuação do domínio das elites econômicas mundiais. Em que pese as imensas possibilidades mutantes do capitalismo para superar suas crises, está se tornando cada vez mais difícil encontrar saídas. Além dis-so, o discurso é uma coisa e a prática é bem outra.

Divergências vêm se manifestando também entre FMI, BID e BIRD, por exemplo, sendo suas finalidades e competências muito questionadas dentro do próprio grupo dos ricos. Um exemplo é o caso dos países asiáticos, onde a receita do FMI só foi seguida pela Tailândia, com os desastrosos resultados que conhecemos. Japão e os demais “tigres” não seguiram integralmente o receituário.

No Brasil, fingindo desconhecer a realidade mundial, a nossa com-petente mídia martela todo o dia nossos olhos e ouvidos com as excelências e maravilhas de um sistema que, comprovadamente, não deu certo em qualquer parte do mundo, tanto desenvolvido como subdesenvolvido. Entretanto, a partir das crises do sudeste asiático, em meados de 1997, algumas dessas vozes mudaram de posição e começaram a se juntar a aqueles que já levantavam questionamentos cada vez mais fortes e constantes.

Poder e inconsistências da “Tríade”

O capital hoje está de tal forma globalizado que não mais obedece aos conceitos clássicos de geografia política ou econômica. Nem os grupos de países dominantes, os chamados países centrais, tem conseguido obter consensos firmes e duradouros como eram os obtidos quando haviam referências claras de hegemonia e lideran-ça, reconhecidas pelos demais. Como foram, por exemplo, as lide-ranças dos EUA e da URSS nos tempos da guerra fria.

Hoje há uma tentativa de hegemonia defensiva em torno de blocos regionais, onde prevalece a ‘Tríade’: NAFTA, UE e Japão, este co-adjuvado pelos tigres asiáticos. Esse tripé, que domina atualmente a economia mundial, não tem e não pode ter qualquer tipo de uni-

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dade. Ao contrário, constitui uma arena para as mais ferozes dis-putas pelo mercado globalizado.

União Européia. É composta por países economicamente sedi-mentados e com moedas estáveis. As maiores dificuldades e preo-cupações do bloco são: a) a sua própria consolidação, inclusive quanto à moeda única, o Euro, dadas algumas fortes diversidades culturais e estruturais dos países membros; b) o desemprego que já se tornou grave problema na maior parte dos países da UE; c) a competição com os EUA e com o bloco asiático, razão primária da organização pretendida.

No século 20, mais especialmente após a segunda guerra mundial, tem havido na Europa manifestações pontuais de oposição às polí-ticas americanas. Assim ocorreu por ocasião da criação da OTAN, da guerra do Vietnã, dos conflitos árabes, dos apoios norte-americanos às ditaduras latino-americanas etc.

Alguns pensadores como Ignacio Ramonet e Antônio Negriv, tem levantado a tese de que agora, efetivamente, estão havendo posi-ções antiamericanistas na Europa que são ideológicas, isto é, não são movidas apenas por questões econômicas ou de simples críti-cas ao chamado ‘american way of life’ (Coca-cola, McDonalds, Hol-lywood, música pop etc). Aspectos mais profundos são questiona-dos e dizem respeito a valores culturais americanos que antes e-ram aceitos mais ou menos pacificamente pelo resto do mundo, tais como a concepção americana de direitos humanos, de traba-lho, de liberdade, de mercado, de monetarismo, de riqueza, de propriedade. Em síntese, os valores capitalistas mais substantivos agora começam a ser postos em cheque. E já não era sem tempo!

Sudeste da Ásia. Países onde o capitalismo obteve mais êxito nas últimas décadas do século 20, tais como o Japão e a Coréia, vinham sendo os menos neoliberais dentre as economias mais de-senvolvidas, apesar das pressões norte-americanas. Ao contrário, aumentaram o gasto público com saúde e educação, investiram em pesquisa e desenvolvimento e incentivaram as exportações com subsídios.

A pergunta que se fazia até pouco tempo atrás era: “por quanto tempo poderão resistir - e se conseguirão resistir - à avalanche da onda neoliberal?” A resposta parece que já foi dada, a partir de meados de 97. Mesmo assim, há indicativos fortes de recomposi-ção de alguns países desse bloco.

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É o caso, por exemplo, da pequenina Malásia, que tem emitido manifestações muito claras de soberania e proteção dos interesses nacionais e do seu povo. A conferir, no futuro, a manutenção des-sa posição contra os ataques do poder financeiro internacional. De qualquer modo, porém, são posicionamentos tomados por uma nação que é territorialmente menor do que a maioria dos estados brasileiros.(∗)

Por outro lado, a tão propalada e decantada pujança econômica e financeira dos ‘tigres’ apresenta indícios de ter a estabilidade equi-valente a uma casa de chá, para resistir aos furacões financeiros e especulativos. Robert Kurz, por exemplo, já tratava desse assunto em dois textos escritos bem antes dos últimos vendavais asiáticos: “O fictício milagre japonês” e “A ruína iminente de um ameaçador tigre asiático”, este referindo-se à Coréia do Sul.vi

É de se ressaltar, entretanto, que vários países do bloco asiático passaram a tomar medidas corretivas para reverter essas tendên-cias. Por exemplo: 1 - deixarem fluir uma natural acomodação dos valores de ativos de empresas e de ativos imobiliários que esta-vam ficticiamente supervalorizados; 2 - desvalorizarem suas mo-edas (inclusive o iene japonês) para manter ou melhorar o nível de competição de seus produtos de exportação, com o conseqüente reeqüilíbrio ou superávit da sua balança comercial.

De qualquer modo, porém, tornam-se cada vez mais fortes e sóli-dos os questionamentos ao atual modelo capitalista e se confirma a virulência e a incontrolabilidade dos movimentos do capital fi-nanceiro e especulativo. Confirma-se também a mistificação, indu-zida ou presumida, quanto à fortaleza de alguns sistemas econô-micos tão decantados como vitoriosos e modelares.

NAFTA. É inegável a pujança da economia canadense, situada entre as oito maiores do mundo, um país com o melhor índice mundial de qualidade de vida etc. Os EUA, porém, são o ponto central do bloco e, mais que isso, são o próprio ponto central da economia mundial. O México, economicamente falando, é somente um apêndice da economia americana, especialmente após a crise de 1994.

As informações que a grande mídia divulga e os comentários dos analistas (quantos conseguem ser isentos?) dão conta de que a

(∗) Ver resumo no Caderno 01 a respeito da questão da Malásia.

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economia americana vai de vento em popa. O desemprego tem tido tendências decrescentes, abstraídos os valores numéricos dos índices, porque os critérios são maquiados como os do IBGE e muito diferentes dos critérios vigentes na Europa. A pujança norte-americana é verdadeiramente profunda? Ou existirá bastante mis-tificação e muito ‘marqueting’? Não sabemos ao certo mas temos razões para desconfiar.

O jornalista Clovis Rossi, da Folha de São Paulo, na sua coluna da edição de 29/01/1997, acompanhando uma reunião em Zurique, na Suiça, relata que em 1996 a inflação nos EUA foi a mais baixa em 31 anos, o menor índice de desemprego em 23 anos, a maior redução do déficit público em 22 anos, um crescimento ininterrup-to há 70 anos. Entretanto, cita declarações de Robert Reich, na época nada mais nada menos do que o Secretário do Trabalho do governo Clinton:

“A riqueza é ainda mais desigualmente distribuída do que a ren-da. Não apenas os 20% mais ricos ficam com a fatia do leão da riqueza total como, no período 1983/92, esse grupo abocanhou cerca de 99% do ganho total em riqueza gerado pelo país”.

E, na mesma oportunidade, Bob Herbert, colunista do Times de Nova Iorque, comentava: “Não se pode sustentar o sonho ameri-cano com esse tipo de números”.

O presidente do Federal Reserve, o Banco Central americano, vem falando constantemente que as ações das empresas e os fundos de investimento nas bolsas de valores estão supervalorizados e que isso é muito perigoso. Parece que ninguém está interessado em assimilar tal advertência.

O que não é dito mas sabemos ser real, é que as autoridades eco-nômicas dos EUA curtem uma dupla e contraditória sensação: por um lado se comprazem com as dificuldades de seus competidores asiáticos e europeus mas, por outro, devem estar preocupados que aflore para o mundo alguma fragilidade própria, muito bem escon-dida.

Assim, é fatal que, no momento em que acontecer um sopro mais forte e generalizado no castelo de papel em que se transformou o sistema capitalista especulativo, ocorrerá um ‘pluft-pluft-zum’, indo tudo pelos ares, inclusive o dólar, aquela notinha verde-água com o símbolo da águia, que tem tido tanto poder e despertado tanta cobiça.

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3 Tendêncas universalizadas

A desagregação não está atingindo apenas o macrocosmo do mundo do trabalho, do mundo do capital, do mundo da política, da economia, das finanças. Também foi ferozmente atingido o micro-cosmo do indivíduo, do ser humano, tanto em si mesmo como nas suas relações mais próximas e restritas, a família, por exemplo.

O economista americano e consultor de empresas para assuntos de tendências econômicas, Jeremy Rifkinvii faz extensa análise da situação dos empregos nos EUA e no mundo. Vale a pena citar algumas das suas conclusões e advertências.

“Níveis crescentes de desemprego e o aumento da polarização entre ricos e pobres estão criando as condições para levantes sociais e conflitos de classes, em proporções jamais vistas na era moderna. Crime, violência aleatória e distúrbios sociais es-tão crescendo e mostram todos os sinais de que deverão cres-cer expressivamente nos próximos anos. Uma nova forma de barbarismo espera às portas do mundo moderno. Além de cal-mos subúrbios, regiões semi-rurais e enclaves urbanos dos ricos e quase-ricos, estão milhões de seres humanos desesperados e destituídos. Angustiados, irados e com poucas esperanças de escapar de sua sorte são os potenciais niveladores, as massas cujos clamores por justiça e inclusão foram ignorados. Suas fi-leiras continuam crescendo, na medida em que milhões de tra-balhadores vão sendo demitidos e, súbita e irrevogavelmente, excluídos da nova aldeia global de alta tecnologia.”

O mesmo Rifkin, em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, de 06/07/97 (“Tecnologia reduz vagas, diz Rifkin”), enfatiza:

“A revolução tecnológica pode criar dois tipos de sociedade: a do crime institucionalizado ou uma nova renascença, na qual as pes-soas trabalharão menos e se divertirão mais. O resultado depende da opção certa das sociedades”.

É indispensável perguntar: - O que pensam a respeito de seus prognósticos os empresários para os quais Rifkin presta consultori-a?

Cremos que a resposta seja algo parecida com a conhecida estori-nha do escorpião (que queria atravessar o rio) e do sapo (a quem o escorpião pediu “carona”). Assim como é da natureza do escor-

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pião aferroar quem dele se aproxima até para ajudá-lo, assim também é da natureza do capital explorar o trabalho, sem medir ou considerar as conseqüências.

Viviane Forrester(∗), no seu livro O horror econômico, manifesta de forma mordaz, aguda e contundente a sua indignação com a situação econômica, política e social vigente no mundo nos tempos atuais. Com nosso pedido de desculpas pela extensão da citação - porque é necessária para prevenir mal-interpretações descontex-tualizadas -, vejamos uma das passagens de grande atualidade analítica.

“Eles [os homens de decisão do nosso tempo] não são ferozes, nem mesmo indiferentes. São inatingíveis e se lembram de nós vagamente como parentes pobres deixados lá no passado, no mundo pesado do trabalho, naquele mundo dos “empregos”. Por acaso cruzamos com eles? Nada orgulhosos, eles nos ace-nam com sinais de seu mundo de sinais e voltam a jogar entre si aqueles jogos apaixonantes que condicionam este planeta, cuja existência fora de sua rede acabam ignorando. Eles gover-nam a economia globalizada por cima de todas as fronteiras e todos os governos. Os países, para eles, fazem o papel de mu-nicipalidades.

É nesse império - parece sonho! -, que trabalhadores pobres-coitados ainda imaginam poder encaixar seu ‘mercado do em-prego’! É de chorar de rir. Antes bastava-lhes manter-se em seu lugar. Eles precisam aprender a não ter nenhum: essa é a men-sagem que, ainda discretamente, lhes é insinuada. Mensagem que não se quer, que não se ousa decifrar com medo de imagi-nar suas possíveis conseqüências.

A tendência, entretanto, é exatamente essa. Uma quantidade importante de seres humanos já não é mais necessária ao pe-queno número que molda a economia e detém o poder. Segun-do a lógica reinante, uma multidão de seres humanos encontra-se assim sem razão razoável para viver neste mundo, onde, en-tretanto, eles encontraram a vida.”

Tendências notórias

(∗) Romancista e ensaísta francesa, crítica literária do jornal Le Monde.

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Excluídos x incluídos. São notórias as tendências que vão ao encontro e endossam os argumentos de Mme. Forrester, como os crescentes quantitativos das pessoas excluídas (os ‘sem’) em con-traposição aos incluídos (os ‘com’), cada vez em menor número, ao longo do tempo, com muito mais ênfase na atualidade.

Os valores morais, éticos, sociais ou mesmo materiais ou monetá-rios nos quais o conflito “com x sem” se manifesta dramatica-mente são, entre outros:

Alimento, Auto-estima, Cidadania, Cultura, Dinheiro, Educação, Emprego, Família, Futuro, Ganância, Lar, Liberdade, Perspectiva de vida, Poder econômico, Poder político, Saúde, Terra, Teto, Tra-balho.

É assustadoramente crescente a quantidade de pessoas que se enquadram com a classificação ‘sem’em muitos e até - quem sa-be? - em todos os ítens da lista acima.

No que se refere a outros valores, tais como solidariedade, moral, dignidade, honestidade, indignação, consciência e tantos mais, a situação se inverte, isto é os ‘com’ passam a ‘sem’ e vice-versa.

A dicotomia entre esses dois conceitos (com e sem) tem adquirido grande relevância nos últimos tempos, pelas novas dimensões que assumem quando qualificados com sentidos de valores morais, éticos ou, mesmo, materiais.

Quando nos permitimos meditar sobre o real sentido de excludên-cia que sobressai de tal análise, a impressão que permanece é muito marcante e desagradável. Exceto para os homens de deci-são do nosso tempo, a quem nada abala ou comove.

Perspectivas inquietantes. A importante questão central a ser destacada é que incontáveis estudos e análises tem demonstrado perspectivas muito inquietantes com relação ao futuro da humani-dade. Em suma, além do dados numéricos que são estarrecedores, as tendências se apresenta apavorantes. Citemos alguns exem-plos, apenas para pontuar a questão:

1. Considerados os extratos sociais, na maioria dos países, inclusi-ve os mais desenvolvidos, a seqüência histórica indica uma re-gressão na distribuição de renda e nas prioridades sociais, em correlação direta com os avanços do neoliberalismo. Em conse-qüência, os índices de distribuição de renda estão mostrando si-tuações cada vez mais perversas.

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2. Na relação renda x consumo de diferentes extratos sociais, ten-do em consideração níveis de poder aquisitivo, fica ressaltado que, a partir de certo valor de renda, o consumo se torna ine-lástico em relação à renda, isto é, a capacidade de consumo não mais acompanha o crescimento da renda. Assim, fica difícil compreender, por exemplo, o que o Bill Gates faz com a renda da sua fortuna pessoal de dezenas de bilhões de dólares.(∗)

3. E o que fazem, também, os componentes do seleto grupo dos 400 maiores multibilionários, cuja riqueza total equivale a quase 50% da riqueza de toda a população do planeta? Esses números indicam que, numa extremidade da escala de riqueza estão uns poucos privilegiados e, na outra, estão quase 3 bilhões de seres humanos que pouco ou nada possuem.

4. No que diz respeito às empresas, um fenômeno atual do capita-lismo moderno é a relação, significativamente crescente, entre as receitas financeiras (muitas vezes oriundas da “caixa 2”) e as receitas decorrentes da operação normal da empresa, quer seja industrial, comercial ou de serviços. Muitos bilhões de dólares mudam de dono diariamente, sendo que mais de 90% dessas transações se dão de forma apenas especulativa. A relação en-tre a renda de juros e o lucro oriundo da produção em 1960 era de 7% e hoje é de 60%, ou seja, hoje mais da metade da acu-mulação de renda é de origem puramente financeira.

5. O PIB mundial é superior a US$ 25 trilhões, sendo que 80% pertencem aos países desenvolvidos, onde viviem apenas 20% da população mundial. Numa proporção exatamente inversa, os outros 80% dos habitantes do planeta tem de se contentar com os restantes 20% do PIB mundial.

6. A renda dos 20% mais pobres diminuiu de 2,3% para 1,4% de 1970 a 1990 e a renda dos 20% mais ricos aumentou de 74% para 83% no mesmo período. A renda anual de um proprietário de mina na África do Sul é três vezes maior do que a dos 5 mi-

(∗) É notável que, por ocasião do ‘crash’ das bolsas de valores decorrente dos agitos na Bolsa de Hong Kong, em outubro/97, a grande mídia brasi-leira deu muita ênfase à notícia de que Bill Gates havia “perdido” US$ 1,6 bilhões. No entanto, é muito estranho que nunca a imprensa tenha dado igual destaque para quanto e quantas vezes ele ganhou! Então, as pes-soas que não tem dinheiro para comprar comida e muito menos o jornal que estampou a manchete, ficam com um dó danado do “coitadinho” do Bil Gates!

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lhões de habitantes do Chade. Diretores de grandes multinacio-nais ganham em 1 minuto mais do que as pessoas dos países pobres em toda a sua vida.

7. Estudos do Banco Mundial concluíram que 1 bilhão e 300 mi-lhões de pessoas sobrevivem - não se sabe bem como - com a renda de apenas 1 dolar por dia. Esse fato, comparado com a existência dos 400 multibilionários, significa dizer que uma pes-soa teria o direito e as condições para - caso isso fosse possível - comer, beber, vestir, divertir-se, enfim fazer quaisquer coisas, na proporção de 1 milhão de vezes mais do que outra. Será que estamos falando de um mesmo tipo de ser humano ou de tipos diferentes? Será que alguns desses privilegiados são seres transcendentais ou de outras galáxias, com necessidades, inclu-sive de poder, infinitamente acima dos seres humanos? De qualquer forma, em nome de que direitos, temporais ou divinos, podem ser justificadas tais disparidades? Será o direito à pro-priedade, em nome do qual são assassinadas tantas pessoas? Ou em nome do direito à herança? Ou à livre iniciativa? Ou di-reitos decorrentes da competência ou do saber? Todas as justi-ficativas que se possa usar para tais desníveis serão sempre ab-surdamente frágeis.

8. Dados da OIT afirmam que 30% da força de trabalho, ou seja cerca de 1 bilhão de pessoas, estão desempregadas. No Brasil 43% da força de trabalho está na economia formal e 48% na chamada economia informal, eufemismo que serve para deno-minar aqueles que estão “se virando ou quebrando o galho” pa-ra sobreviver honestamente.

9. Há 100 anos atrás o trabalho de 4 camponeses alimentava um habitante da cidade; hoje apenas um camponês alimenta 25 habitantes urbanos. Mas quem realmente ganha com os resul-tados do desenvolvimento tecnológico e com os incrementos da produtividade? A resposta é fácil: apenas os donos do capital.

10. A miséria hoje não tem delimitações geográficas, não se cir-cunscreve a regiões da África, da Ásia ou da América Latina ou a qualquer país pobre de qualquer região do planeta. Ela se en-contra, de forma crescente em amplitude e gravidade, também no âmago dos países ricos. No terceiro mundo 2/3 das pessoas são pobres, mas nos países ricos quase 1/3 já chegaram ou es-tão chegando ao limiar do nível de pobreza. Na União Européia, 44 milhões (14%) são pobres e nos EUA, 10% dos brancos e

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31% dos negros são considerados dentro do limiar de pobreza.

11. Hoje, dos 6 bilhões de habitantes do mundo 10% vivem em abundância, 30% em prosperidade, 45% são miseráveis e 15% passam fome.

12. Desde 1945, 600 milhões de pessoas (equivalente a 10 vezes a quantidade de vítimas da segunda guerra mundial) morreram de fome. Quarenta mil crianças morrem diariamente no mun-do, inclusive de fome.

Muitos termos, que se tornaram ou vem se tornando moda ou mo-dismo hoje em dia, passaram a ter sentidos ou conceitos um pou-co - ou até muito - diferentes daqueles usuais. Como foi visto no Caderno 03, uma mesma palavra às vezes tem sentidos ou concei-tos contrários, dependendo do tipo de discurso do grupo de inte-resses do momento. Acrescentemos outros exemplos aos que já foram explicitados:

Exploração, até algum tempo atrás, era a palavra mais usada no cotidiano político e econômico tanto pela esquerda quanto pela direita, com significados contrários, obviamente. Nos últimos tem-pos, a palavra da moda é exclusão, tanto no sentido econômico como social.

A exploração pressupõe uma relação biunívoca entre o sujeito ex-plorador e o objeto explorado (mesmo que este seja um ser hu-mano). Trata-se de uma relação de domínio, de prevalência, mas é de qualquer modo uma relação.

A exclusão, entretanto, no sentido social e/ou econômico hoje vi-gente, pressupõe uma não-relação, uma negação, uma abstração da existência do outro, uma indiferença. Dispensa, portanto, a existência de um sujeito coercitivo externo. Neste grau, a exclusão significa uma auto-exclusão, um verdadeiro suicídio social e eco-nômico a que estão sendo submetidos todos os seres humanos hoje caracterizados como excluídos. Trata-se de um dos marcos mais radicais e cruéis da lógica do capital.

Os conceitos de estratos sociais, popularmente caraterizados como classes “A”, “B”, “C” etc, tem se modificado profundamente, nos últimos tempos. Assim, por exemplo, a classe média é a cada dia menos média e a classe alta é cada vez mais alta. E no final das escalas sociais e econômicas foi necessário agregar outros concei-tos, com contingentes populacionais cada vez maiores.

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Os desassistidos são aqueles a quem não é dado acesso aos bene-fícios sociais como educação, saúde, habitação, etc. Posteriormen-te foi necessário criar a categoria dos excluídos, contingente que, só no Brasil, foi estimado em 32 milhões, conforme o Mapa da Fo-me/90 do IPEA.

Ultimamente, foi introduzido o conceito de sobrantes que corres-ponde a populações praticamente inteiras de alguns países, espe-cialmente da chamada “África inútil’’, onde os organismos de fi-nanciamento (BID, BIRD, FMI) decidiram que não vale a pena in-vestir. Em outras palavras, na visão dos donos do capital mundial, esses países devem sobreviver sozinhos, buscar auxilio na solida-riedade mundial ou, então, que seus povos morram de vez.

Este parece ser um novo mecanismo de redução do crescimento da população da terra, em adição às dezenas de guerras étnicas e religiosas e às doenças epidêmicas existentes no mundo hoje. Vez por outra escapa no noticiário da grande imprensa alguma infor-mação sobre essas barbaridades, de forma não muito ampla nem explícita ou repetitiva. Esse tipo de informação é dosada de modo a não despertar a nossa desconfiança que isso possa acontecer no nosso próprio quintal. Se atentarmos para fatos, em vez das ver-sões que nos são mostradas todos os dias, veremos que essa ter-rível perspectiva não é exagerada. O que já está acontecendo em algumas regiões do norte e nordeste do Brasil e com as crianças em geral não é mera coincidência.

Cavaleiros do Apocalipse, versão moderna

No sentido figurado, os quatro Cavaleiros do Apocalipse(∗) eram a Peste, a Fome, a Guerra e a Morte. Modernamente, essas quatro figuras podem ser identificadas por situações um tanto diferentes, mas ainda terrivelmente significantes. Essas situações, aliás, são resultado direto e indireto dos processos de dominação, exploração e exclusão, produzidos pelo sistema econômico, político e social vigente. Além disso, esse sistema criou, por conta própria, um quinto personagem muito representativo dos tais tempos “de mo-dernidade”.

(∗) “Cavaleiros do Apocalipse” foi a denominação de uma sociedade mística fundada em Roma em 1694 para defender a Igreja Católica com relação ao Anti-Cristo, ou seja, para defendê-la dos ataques de opositores ou dis-cordantes.

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Peste. O desenvolvimento da ciência fez com que as pestes epi-dêmicas que antes vitimavam maciçamente as populações já não existam mais. Mesmo as gripes, que às vezes ainda se “globali-zam” por várias regiões do mundo, não têm mais o poder de dizi-mação que tinham antes. Esse personagem, portanto, moderna-mente corresponde apenas às doenças que, de forma dispersa porém com terrível efetividade, mais tem produzido vítimas no mundo todo na atualidade, tais como as doenças do coração, o câncer e a AIDS, por exemplo.(∗∗)

As doenças mais comuns atualmente correspondem a desarranjos no funcionamento de algum tipo de célula, que é produzido por ações de agentes externos ou internos ao corpo. A gripe e a AIDS são exemplos de doenças produzidas por efeito de agentes exter-nos (vírus). As doenças do coração e o câncer são decorrentes de deficiências geradas nas células do próprio organismo, por razões diversas. O câncer, por exemplo, é o comportamento desordenado de um tipo de célula que se reproduz fora de padrão, seguindo apenas, aparentemente, seu próprio DNA enlouquecido. Ninguém sabe ainda ao certo como e porque isso acontece.

A quantidade total de células do corpo humano é estimada em 50 trilhões e todas elas obedecem às regras de formação contidas no DNA, desde o momento da concepção. Assim, cada célula do corpo contém, o tempo todo, todas a características e possibilidades do DNA, desde a concepção até a morte da pessoa.

Segundo o filósofo grego Heráclito não podemos entrar num rio duas vezes no mesmo lugar, porque suas águas estão em constan-te mudança. Com nosso corpo acontece algo semelhante: 90% dos átomos que o compõe mudam em três meses; a pele se renova todo o mês; o revestimento do estômago a cada quatro dias; o fígado se renova a cada seis semanas. Tudo se passa como se fôs-semos uma edificação cuja estrutura é trocada quase totalmente a cada ano. Como é obedecido o mesmo projeto, o prédio continua

(∗∗) O desenvolvimento do tema deste Cavaleiro está apoiado fortemente, quanto a dados e conceitos da ciência médica moderna, no livro A cura quântica, do médico imunologista e oncologista indiano, Dr. Deepack Chopra. O Dr. Chopra, que trabalha nos EUA há vários anos, é um dos defensores e aplicadores da medicina holística, com base na antiga medi-cina Ayurvédica indiana, isto é, no princípio que considera o conjunto mente-corpo do indivíduo e não apenas uma visão voltada para a doença em si.

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parecendo o mesmo.

A reconstrução celular é feita de forma perfeitamente ordenada porque obedece a uma “inteligência” que assume o controle para que o “edifício” não se torne uma simples pilha de tijolos e de ou-tros materiais de construção. Mas, se existe essa inteligência no controle e se o corpo humano é um sistema tão complexo quanto perfeito na sua concepção e funcionamento, por que acontecem os desajustes, isto é as doenças? A resposta completa e definitiva ainda não foi encontrada.

Os neurônios constituem um dos poucos tipos de células que não são substituídas. Porém a sua perda (18 milhões/ano ou mais ou menos 1 bilhão durante a vida toda, não chega a preocupar porque nosso cérebro contem cerca de 15 bilhões de neurônios. Além dis-so, a perda é compensada pelas dendrides (árvore, em grego), que são pontos de contato entre os neurônios, para envio de men-sagens, como nas redes telefônicas.

Os neurotransmissores são substâncias químicas formadas instan-taneamente que se encarregam de levar as mensagens do cérebro a todo o corpo e trazer as mensagens do corpo para o cérebro. Até algum tempo atrás supunha-se que esse mecanismo era baseado em impulsos elétricos; hoje sabe-se que são reações químicas.

A diminuição da capacidade de memória na velhice, pela perda de neurônios, é uma verdade apenas parcial. Na velhice é reduzida somente a capacidade de retenção de novas informações, não de manutenção das antigas. A redução da memória e da capacidade cerebral decorre mais de outras condições do organismo do que da perda de neurônios e pode ocorrer em qualquer estágio da vida.

Depois que passamos a conhecer mais profundamente a respeito do DNA, tem sido aceito que o corpo tem uma memória própria. Teorias mais recentes tem levantado a hipótese de que o corpo tem também mente própria, porque o nosso organismo sabe, por exemplo, como curar um corte na pele, ligar um osso quebrado ou eliminar um tumor incipiente, não maligno. No entanto, apenas os corpos de poucas pessoas têm sabido como curar o seu próprio câncer. Qual a diferença? Ainda não se sabe ao certo, mas casos perfeitamente documentados permitem supor que as ações e ati-tudes da mente, muitas vezes não percebidas, ajudam a fazer a diferença.

O corpo humano vivo é a maior e mais completa farmácia inventa-

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da até hoje. A prescrição é feita pelo cérebro mas as indicações estão contidas na droga natural fabricada, como parte da sua inte-ligência própria. Além disso, as substâncias químicas produzidas pelo próprio organismo humano sabem exatamente como e a que receptores devem se ligar. As produzidas artificialmente, nem sempre. Quando uma droga fabricada entra no organismo, atua como um estrangeiro numa terra em que todos são parentes de sangue. Nunca será igual e nem partilhará de todo o conhecimen-to que os “nativos” já têm ao nascer.

Experiências como a do imunologista francês, Jacques Benveniste, replicada por outros pesquisadores, indicam a existência de uma memória na célula que é capaz de viver mais tempo do que a pró-pria célula. Em linguagem mais popular podemos perguntar, como o próprio doutor Benveniste, se não existe um “fantasma” da me-mória da célula (ou, diríamos nós, um “espírito” ou “alma”) da cé-lula que permanece quando essa célula já não está mais ali.

Parece que podemos, como o doutor Chopra, formular três conclu-sões: 1a. - há uma inteligência presente em qualquer parte do nosso corpo; 2a. - essa inteligência supera qualquer outra que seja imposta do exterior; 3a. - a inteligência da célula é mais importan-te que a própria matéria, já que sem ela a matéria se tornaria i-nerte ou dispersa e caótica.

Para finalizar, podemos dizer que o nosso embate com as versões modernas desse Cavaleiro do Apocalipse continua em pleno desen-rolar, com algumas batalhas vencidas e outras perdidas, sendo que dentre estas, em algumas temos sido e continuamos sendo derrotados por estreiteza de visão por parte da ciência. Voltaremos a este tema mais adiante.

Fome. Por definição, a fome é a reação à ausência de alimentos de fontes externas. Diferencia-se de desnutrição que é o resultado da fome, ou seja, da carência de aporte balanceado de nutrientes contidos nos alimentos. A falta de alimentos mata após 40 a 50 dias; sem água a pessoa morre após 4 ou 5 dias.

Essa desgraça, a fome, hoje aflige um contingente avaliado em 1,3 bilhões de pessoas no mundo todo, ou seja, cerca de 20% da po-pulação da terra. O Brasil, lamentavelmente, está dentro desse nível médio mundial. Conforme o Mapa da Fome elaborado pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Avançadas - IPEA em 1992, havia 32 milhões de brasileiros vivendo abaixo da linha da miséria,

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isto é, com menos do que 1 Salário Mínimo mensal por família. Hoje não sabemos qual o quantitativo real porque o governo não divulga esses dados e, mesmo que divulgasse, não seriam confiá-veis. Possivelmente nem o IPEA é confiável desde que seu ex-sociólogo foi ser presidente da República e sua ex-presidente pas-sou a ser a primeira dama. E também a presidente da Comunidade Solidária, o tão badalado quanto ineficiente programa de políticas compensatórias do governo FHC, destinado a servir apenas como maquiagem para a inexistência de políticas sociais.

Os dados que alinhamos em vários pontos deste ensaio, adiciona-dos a todos os informativos que os meios de comunicação não poupam nos seus noticários, dispensam a necessidade de argu-mentação adicional para ressaltar a dimensão que vem adquirindo, crescentemente, esse Cavaleiro na sua moderna versão.

Guerra. Hoje, felizmente, não temos grandes guerras e, ao que parece, não temos também perspectivas reais de que venha a o-correr outra guerra - a terceira - de amplitude mundial. As guerras hoje vigentes, no seu sentido mais amplo, são as de cunho religio-so, étnico e político, quase todas com vistas a algum tipo de ocu-pação colonialista. Têm surgido, entretanto, outras ‘guerras’ de menor amplitude, mas com incidência e/ou intensidade cada vez maior. Enquadram-se nesta classificação, por exemplo, as “guer-ras” decorrentes da violência de grupos formados com variadas finalidades, cuja enorme quantidade está constituindo, no seu to-do, um processo de incomensuráveis dimensões, tendo em vista o quantitativo de vítimas que tem produzido. As ‘guerras’ de exter-mínio de “sobrantes” e de excluídos pela fome, como as da Somá-lia, Guiné, Serra Leoa e tantos outros povos, é outro braço desse Cavaleiro.

As “guerras santas” mais recentes são, por exemplo, as da Bósnia, da Iugoslávia (Sérvia), do Afeganistão e de algumas repúblicas que se independizaram da ex-Rússia socialista. Também ainda temos algumas escaramuças, sempre permanentes, na pseudo guerra santa Israel x Palestina. E ainda não foram totalmente su-peradas e esquecidas as “guerras mais econômicas do que san-tas”, como a do Irã (leia-se EUA) x Iraque.

Terrorismo. As ações terroristas sem razão aparente - se é que ações terroristas podem ter razões aparentes - estão cada vez mais freqüentes. Eis alguns exemplos, aleatoriamente escolhidos apenas para pontuar a questão:

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1. em Luksor, no Egito, onde 70 turistas morreram em um atenta-do terrorista.

2. em Oklahoma City, nos EUA, quando um edifício foi implodido quase por inteiro por terroristas americanos e não por terroris-tas estrangeiros, especialmente islâmicos, como foi suposto ini-cialmente.

3. no Japão, a tentativa de seqüestro de um avião, com 500 pas-sageiros, por um jovem que queria “apenas pôr em prática” os exercícios de pilotagem que fazia no computador! Ele matou com uma faca o comandante, mas foi dominado e preso pelo co-piloto, que conseguiu aterrizar o aparelho sem outras víti-mas.

4. em Dever, Colorado, EUA, aquela chacina de estudantes, perpe-trada pelos adolescentes Eric Harris e Dylan Klebold, autodeno-minados membros de uma tal “Máfia da capa preta”.

E o que podemos dizer das ‘gangs’, tanto da classe média quanto das classes de menor renda, engalfinhados em batalhas urbanas? E das torcidas organizadas para a violência e não para torcer pelos seus clubes?

Isso se enquadra na análise que Robert Kurz faz no capítulo A sín-drome do obscurantismo do livro Os últimos combates, texto publicado também como artigo no Caderno Mais! da Folha de São Paulo, de 5 de novembro de 1995, no qual cita o escritor alemão Hans Magnus Enzensberger: “Cidadãos discretos transformam-se da noite para o dia em ‘hoooligans’, incendiários, fanáticos raivo-sos, ‘serial killers’ e franco atiradores”.

Por que será que existe, no Brasil e em outros países com muita miséria, a tolerância e até a proteção das comunidades para com as respectivas ‘gangs’ do tráfico de drogas? Será apenas pela “pro-teção” e pela ajuda recebidas ou será pela falta de perspectivas e de um entendimento claro a respeito das estruturas que propor-cionam todo esse estado de coisas?

Violência. Nas relações interpessoais e sociais tem sobressaído, cada vez mais nos últimos tempos, a questão da violência. Vamos, então, tomá-la como um estudo de caso para uma sucinta análise dessas inter-relações.

Kurz, no texto citado, critica a lógica do neoliberalismo, com o seu caráter quase religioso, comparando-a ao fundamentalismo: “Os

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empresários, assim como os pregadores supostamente iluminados, são ávidos por dinheiro. Os pregadores, assim como os políticos, são ávidos por aparecer na televisão”.

Ele destaca que o desaparecimento do socialismo fez também de-saparecer uma espécie de filtro ético e a lógica do mercado acabou criando um “culto à maldade”. Na argumentação, Kurz cita o soci-ólogo Alexander Schuller que, no seu livro Renascimento do Mal, afirma: “Não é mais o progresso e a razão que povoam nosso coti-diano e nossa fantasia, mas sim o mal. Desde a queda do socia-lismo, é possível verificar um aumento empírico da crueldade, e por toda a parte impera uma maldade incompreensível”.

A violência, em seus múltiplos aspectos é, de fato, um dos compo-nentes da guerra moderna. Nos dicionários, violência é conceitua-da como opressão, tirania, constrangimento, coação mas também é definida como grande força ou ímpeto, impetuosidade, intensi-dade, entre outros sentidos. Portanto, a violência pode ser enten-dida tanto negativa como positivamente. Além disso, é uma carac-terística importante da espécie humana e tem influenciado o pro-cesso de desenvolvimento da humanidade através dos tempos. Claro que é também uma característica dos animais em geral, mas os seres humanos é que são capazes de usar a violência em senti-do produtivo ou construtivo, supondo-se que tenham feito isso desde a fase do ‘homo habilis’.

A violência, porém, no sentido em que é subliminar e popularmen-te entendida hoje, tem no seu contexto de negatividade a conota-ção da manifestação de instintos do ‘animal-homem’. Nesse enfo-que, fica obliterada, no imaginário popular, a essência ‘não-animal’ do homem, ou seja, o sentido da divindade do ser humano.

Daí decorrem as manifestações não só de apoio verbal como até de ações efetivas de vingança e de represálias a atos de violação da liberdade e da integridade humanas, como são os seqüestros, os estupros, os atentados terroristas e outros atos similares.

Por que a mídia sensacionalista, e até mesmo a grande imprensa pretensamente mais equilibrada, faz grande estardalhaço para qualquer notícia de atos de violência? Será apenas porque a soci-edade, especialmente no Brasil, se apraz em consumir esse tipo de produto? Qual o componente aí embutido que se refere à motiva-ção intrínseca do homem para a violência, idéia que a mídia tem tentado passar, com tanta insisitência, para a sociedade? Qual o

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componente relativo à motivação que é induzida pela própria mí-dia, dentro do processo ideológico de aculturação do povo para o consumo e a aceitação de tudo aquilo que atende aos interesses das elites?

Todas essas perguntas tem sido formuladas mas não respondidas. Uma questão que perpassa por todas elas precisa ser dirimida a priori: o ser humano é, afinal, intrinsecamente bom ou intrinseca-mente mau? Ou às vezes sim e às vezes não?

O homem busca, em suma, a felicidade que corresponde à satisfa-ção de suas necessidades de várias naturezas. E, para isso, luta pela sobrevivência, tanto a própria como a do seu grupo, seja ele constituído pela família ou pela tribo, povo ou até a humanidade inteira.

Sem ter que adentrar por profundas digressões filosóficas e/ou discutir juízos de valor ou conceitos morais, vamos afirmar que a maldade é externa ao homem, sendo portanto um fator exógeno, um produto do meio que o cerca, podendo até ser induzida ideolo-gicamente, com finalidades de dominação e exploração capitalis-tas.

Esses fatores são constituídos pelos condicionantes e agregados culturais decorrentes das inter-relações do homem com os siste-mas econômicos, políticos e sociais que o cercam ou o envolvem, como conseqüência dos processos ideológicos de dominação.

São extrínsecos ao homem os condicionantes para as “maldades humanas” (moderna Caixa de Pandora?), entre elas a violência, o egoísmo, o individualismo e todos os seus desdobramentos tais como a desonestidade, a corrupção, a falta de ética. Concluímos, assim, que a correção dessas distorções deve ser buscada no meio que envolve e condiciona o comportamento humano, ou seja, nas inter-relações e intra-relações sistêmicas do ser humano e da soci-edade.

Como isso pode ser feito é um dos grandes desafios dos nossos tempos. Tanto é assim, que hoje proliferam os processos de auto-ajuda na literatura, nos cursos e consultas a gurus e xamãs, nas religiões e “seitas de rebanho”, na música, nas artes etc. Tudo conduz à caracterização de um novo processo cultural em expan-são bastante acelerada, o qual não se sabe ainda ao certo para onde vai.

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As pessoas pertencentes aos extratos mais elevados da sociedade, em termos culturais, econômicos e sociais, buscam informação nas livrarias. Nestas, as estantes com literatura esotérica e de auto-ajuda vêm crescendo constantemente e as listas de ‘best-sellers’ estão cada vez mais repletas de livros com esses conteúdos. As camadas mais baixas, sem condições de aquisição e talvez de as-similação de tais leituras, tornam-se vulneráveis aos mercantilis-mos e explorações dos mentores das religiões e seitas de rebanho.

Por quê? Em primeiro lugar porque há uma grande demanda de-corrente das necessidades e dificuldades que as pessoas têm de entender o que está se passando com elas, em particular, e com o mundo, em geral. Em outras palavras, é o produto da desinforma-ção combinada com a angústia produzida pelas dificuldades de sobrevivência em condições de dignidade e de cidadania. Conse-qüentemente, há um mercado em expansão e, em decorrência disso, surgem as possibilidades e as condições objetivas para a exploração mercantilista.

Morte. A morte poderia ser entendida, em parte, como o resulta-do da ação predatória dos outros três Cavaleiros. Modernamente, porém, podemos admitir também um sentido próprio para esse Cavaleiro: uma possível dizimação drástica, dramática e generali-zada da espécie humana.

Na história da formação do nosso planeta e das espécies vivas que nele habitam, inclusive o homem, são conhecidas algumas ocor-rências de catástrofes significantes, tão amplas que produziram mudanças profundas na fisionomia do planeta e na vida dos seus habitantes.

A mais antiga grande crise conhecida ocorreu há cerca de 440 mi-lhões de anos, no fim do período Ordoviciano. A seguinte ocorreu no Devoniano superior, há 365 milhões de anos, outra foi no fim do Permiano, há 250 milhões de anos e outra foi há 210 milhões de anos, no Triássico superior.

A catástrofe mais badalada e mais conhecida do grande público, entretanto, ocorreu no fim do período Cretáceo, há 65 milhões de anos, da qual falamos um pouco no Caderno 01, quando tratamos da pré-história. Como se recorda, o impacto de um meteoro de 10 km de diâmetro, teria provocado um “inverno nuclear”, cuja ação

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teria durado 500 mil anos e aniquilado grande parte dos seres vi-vos da época, inclusive os dinossauros.(∗)

Vamos abrir um parênteses para destacar que os nossos moder-nistas neoliberais gostam de atribuir a designação de “jurássicos” a todos aqueles que se opõem ao pensamento único da tal “mo-dernidade”. No entender dos arautos neoliberais a qualificação teria, pretensamente, um sentido pejorativo fulminante porque estaria incluindo todos nós, discordantes, no rol dos seres pré-históricos, como arautos do atraso e contemporâneos da extinção dos dinossauros.

Incorrem, entretanto, esses desinformados mistificadores, em um erro histórico de “apenas” algo em torno de 60 milhões de anos, porque o período Jurássico foi um dos três períodos da era Meso-zóica, situado entre o Triássico e o Cretáceo, este sim, o período em que mais se desenvolveram e, inclusive, acabaram sendo ex-tintos os dinossauros, pelas razões acima.

Cabe ressaltar que essas informações, com desprezíveis variações, estão disponíveis em qualquer enciclopédia de consulta para estu-dantes do segundo grau. Veja-se no que dá quando esses apres-sadinhos neoliberais tentam mostrar sabedoria e fazer frases de efeito, baseados apenas nos “rigorismos científicos” dos filmes do Spielberg e na presunção de que são ilhas de sapiência, cercadas de ignorância e de ignorantes por todos os lados!

Precessão dos equinócios. O movimento de rotação da Terra se dá em torno de um eixo que apresenta dois movimentos: um de pre-cessão e outro de nutação. A precessão é o movimento desse eixo que gera um cone com abertura de aproximadamente 46 graus e 54 minutos, executado como se a Terra fosse um pião que estives-se começando a bambolear, completando uma rotação em 25.826,53 anos. A metade da amplitude dessa abertura (23 graus e 27 minutos) corresponde à inclinação da eclíptica em relação ao plano da linha do equador terrestre.(∗) A nutação é um movimento (∗) Cf. artigo de Christiane Galus, do jornal Le Monde, intitulado A revolu-ção pela catástrofe, publicado na Folha de São Paulo, Cad. Mais!, 26/12/99. (∗) O plano descrito pelo movimento aparente do Sol em torno da Terra se denomina eclíptica e tem uma inclinação de 23 graus e 27 minutos em relação ao plano do equador terrestre. Ao oscilar entre os trópicos de Câncer e de Capricórnio, o sol “passa” duas vezes ao ano pelo equador, quando a duração do dia é igual à da noite, o que se chama de equinócio.

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de amplitude pequena e variável (da ordem de meio minuto), exe-cutado em 18,6 anos.

Esse “bamboleio” pode produzir - e há evidências de que já ocorre-ram fenômenos assim em outras eras - mutações radicais na pola-ridade da Terra, com conseqüentes mutações de regiões glaciais, tropicais e equatoriais, que trocaram suas posições geográficas.

Tudo somado e diminuído, podemos supor, com razoável racionali-dade, que é possível, se não provável, a ocorrência de grandes desajustes geofísicos na Terra num futuro que pode ser remoto ou não. Esses desajustes, caso sejam na magnitude e condições que tem sido anunciadas, mesmo as mais brandas, poderão produzir a morte súbita de contingentes inavaliáveis de seres terrestres, in-clusive humanos.

Estudos não apenas esotéricos e místicos mas também científicos dão como real a possibilidade de cataclismas e catástrofes telúri-cas decorrentes de desajustes no equilíbrio e na própria trajetória do planeta Terra.

Por exemplo, há um corpo celeste, por enquanto denominado “As-tro X”, que tem uma trajetória muito ampla que passa pela traje-tória da Terra, sendo possível que já tenha dela se aproximado em outras oportunidades há milhares ou milhões de anos. Esse astro tem uma dimensão similar a de Júpiter e densidade significativa-mente maior (cerca de 3.000 vezes) que a do nosso planeta.

Parece amplamente aceito que esse astro, em sua longa trajetória, se aproxima da Terra e, mesmo que não venha a ocorrer uma coli-são direta, poderá produzir notáveis ou terríveis efeitos desestabi-lizadores sobre o nosso planeta. Os cientistas não têm ainda opini-ão unânime ou consensada - sendo muito difícil que venham a tê-la a curto prazo - a respeito desse corpo celeste e de seus efeitos sobre a vida em geral do nosso planeta, assim como a época em que isso poderá se dar.

Por outro lado, no campo esotérico, temos que admitir que exis-tem certas predições e profecias anunciadas há muito tempo que caminham para algumas convergências e confirmações recíprocas. Assim acontece com as profecias dos antigos profetas bíblicos e de outros credos, as de Nostradamus, as aparições de Maria em Sa-lette e Fátima, as profecias dos Maias e outras, que tem corrobo-rado essas previsões. Dentre as mais recentes, destacam-se as de alguns sensitivos e médiuns de comprovada idoneidade moral e

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honestidade intelectual, tais como Pietro Ubaldi, Edgar Cayce e o nosso Francisco Xavier.

Quanto às datas ou épocas prováveis de algum acontecimento ca-tastrófico, não há consenso. Além do fato de que as mensagens proféticas usam formas e linguagens simbólicas ou metafóricas, há uma grande dificuldade na interpretação de épocas ou datas, por-que os tempos dessas linguagens não são, necessariamente, os mesmos tempos medidos pelos nossos meios de mensuração. Con-forme foi visto no Caderno 01, os calendários que hoje utilizamos seguem diferentes orientações e princípios, a maioria baseada a-penas em convenções e não em bases científicas. Alem disso, até nas determinações astronômicas são cometidos equívocos. Todos devemos estar lembrados do fiasco que foi a última previsão de “aproximação” do Cometa de Halley.

Quinto Cavaleiro. Tudo - absolutamente tudo! - aquilo que tem existência material no nosso planeta - inclusive os próprios seres humanos - provém dos elementos físico-químicos existentes na Terra. Daí, ser exata e profunda a expressão “mãe-terra” e temos que assumir a realidade de que o nosso planeta, sendo um sistema integrante do Universo, é também um sistema vivo.

Alguns pensadores e estudiosos do tema, que consideram a Terra dessa forma, chamam-na de Gaia. Assim, vamos dar o nome de Feridas de Gaia(∗) ao novo Cavaleiro do Apocalipse, ou seja, o conjunto de todas as ações do Homem que produzem a destruição do seu ‘habitat’.

É inadmissível, desastroso e criminoso o que se está fazendo com a nossa “mãe”, tão dedicada, prestativa, “maternal”, por assim dizer. Até quando ela suportará paciente e pacificamente tanta agressão é uma questão de difícil resposta. Não será absurdo su-por que, em algum momento e por alguma forma violenta, ela possa reagir.

Podemos interpretar como parte dessa reação o aumento da fre-qüência e o agravamento da violência de algumas manifestações telúricas que vem ocorrendo ultimamente: furacões, tornados,

(∗) Em 1979 o químico James Lovelock e a micro-bióloga Lynn Margulis sugeriram que vários fenômenos terrestres só poderiam ser explicados se a Terra fosse considerada como um ser vivo. Por isso, chamaram-na de Gaia, nome da deusa que representava o planeta Terra na mitologia gre-ga.

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terremotos, vulcões, maremotos, ressacas, degelo de massas po-lares, “El Niño”, “La Niña”, mudanças de temperaturas e de condi-ções climáticas em circunstâncias não usuais, o “buraco de ozô-nio”, entre outros fenômenos.

O Homem - com amplitude e gravidade proporcionais à ganância e ao poder econômico de cada indivíduo - parece insensível aos re-sultados atuais e futuros da sua ação agressora e predatória com relação ao meio ambiente, bem como aos prejuízos decorrentes para si e para as gerações futuras.

As pessoas agem como se não dependesse delas mesmas a con-servação e o legado do habitat futuro de seus próprios descenden-tes. O egoísmo, a ganância sem limites, a absoluta precedência e prioridade de seus exclusivos e geralmente escusos interesses so-bre os da coletividade, estão produzindo a degenerescência dos ecossistemas vitais à própria sobrevivência da espécie humana e das demais espécies vivas do planeta Terra.

Para nossos propósitos, não será necessário estender a argumen-tação nem aprofundar a discussão para explicitar o nosso libelo e a nossa indignação contra essa tendência destruidora das condições de vida na Terra e nossa advertência quanto aos resultados terrí-veis que poderão advir se o Homem não entender e nem se cons-cientizar dos perigos que estão batendo à sua porta.

Uma pergunta se impõe neste ponto da análise: o que pode o Ho-mem fazer a respeito? Podemos repetir Krishnamurti e ficar ape-nas com a pergunta ou tentar garimpar algumas respostas.

Utilitarismos e limitações da ciência

A história do desenvolvimento humano, em especial o do conheci-mento científico, pode ser dividida em três grandes fases culturais ou, por outras palavras, em três “culturas”.

Como síntese da trajetória dessas culturas, daremos maior ênfase apenas aos aspectos sociopolíticos e econômicos mais marcantes do desenvolvimento humano. São pontos que podem ser conside-rados como de inflexão marcante na construção histórica das cul-turas que a humanidade desenvolveu.

A primeira cultura foi a da natureza, nascida com o ‘homo sapi-ens’. A segunda foi a cultura científica, desenvolvida esparsamente desde o final da Idade Antiga e consolidada com a revolução cien-tífica ocorrida a partir do século 15. A terceira é a fronteira atual,

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em expansão, do conhecimento em áreas como a biologia evolu-cionária, a genética, a bioengenharia, a neurofisiologia, a psicolo-gia, a física, a cosmologia, a informática, a metafísica. Inserem-se nessa cultura também as incursões sérias no campo do esoteris-mo, em grande expansão nos dias atuais, campo em que é neces-sário tomar cuidados especiais com as mistificações e as “picareta-gens”. A terceira cultura, na verdade, é uma síntese dialética da primeira e da segunda culturas, mediante algumas correções nesta e alguns retornos àquela. Uma nova filosofia e uma nova ciência naturais estão nascendo com base em reconcepções de complexi-dade e de evolução do ser humano. Constituem a origem de um novo conjunto de princípios para tentar novas redescrições de nós mesmos, de nossas mentes, donde viemos, para onde vamos, do universo e de tudo que nele e dele conhecemos.

Primeira cultura. A cultura da natureza é constituída pela relação do homem com os elementos naturais com os quais convive. As sociedades primitivas eram compostas por grupos isolados, que faziam suas próprias coisas e viviam suas vidas do seu próprio jeito. De qualquer modo, porém, o homem primitivo desde muito cedo já teve que interpretar, à sua maneira, os elementos naturais do seu meio ambiente.

As primeiras raízes da ciência se encontram no campo da magia do homem primitivo. Foi a forma mais natural que ele encontrou para tentar expressar a sua interpretação do mundo e das formas de se relacionar com esse mundo.

Por isso, o mago ou curandeiro se tornou uma das figuras mais importantes e de maior poder nas comunidades primitivas. Por processos mentais puramente empíricos para os padrões científi-cos atuais - há hipóteses de que em alguns casos não foram tão empíricos assim -, o mago intuía a existência de alguma chave que permitisse controlar as forças da natureza. Como diz Agamenon R.E.Oliveira no seu caderno temático Ciência e sociedade, pági-na16:

“Dentro de sua visão limitada para os padrões atuais, ele [o mago] sente que existe alguma conexão entre o homem e o meio que o cerca e intui que, se for conhecido o procedimento correto, estará com a chave que poderá levá-lo a controlar as forças da natureza e, finalmente, colocá-las a seu serviço”.

Ressalte-se que, apesar dos avanços conseguidos, o homem conti-

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nua tentando até hoje intuir como controlar a natureza, inclusive a sua própria.

Agamenon relata também que, no período paleolítico superior (há mais ou menos 20 mil anos), surgia a crença de que o mundo era povoado por espíritos ou forças que, de alguma forma, habitavam as plantas, os animais, o mar, o fogo, o vento. E que era necessá-rio fazer com que mostrassem os seus segredos e poderes. “O grande problema era como fazer com que essas forças misteriosas cooperassem”.

Essa é também uma dificuldade que permanece até hoje. Por isso, não é de todo inusitado que, num inegável retorno ao passado, idéias similares estão recuperando o atenção de estudiosos da as-trologia, da metafísica, do esoterismo e de outros ramos do pen-samento heterodoxo e para-científico, bem como também desafi-ando pesquisadores dos ramos científicos mais ortodoxos, propri-amente ditos.

De qualquer maneira, como já destacamos no Caderno 01, “o ma-go da sociedade primitiva pode ser considerado o primeiro de uma linhagem de investigadores experimentais e o ancestral mais re-moto do cientista moderno”. Ao que tudo indica, porém, alguns cientistas “pós-modernos” hoje estão retomando alguns caminhos que eram considerados como domínio da magia e que foram aban-donados por tanto tempo pelos seus predecessores como sendo algo desprezível e não compatível com a sabedoria científica.

Em um passado remoto, os procedimentos investigativos foram aos poucos tomando um rumo entendido como sendo de sentido cada vez mais “prático e realista”, ou seja, orientados para a ob-tenção de resultados. Assim, a visão animista foi se restringindo apenas ao campo religioso, estabelecendo-se uma divisão cada vez mais nítida e profunda entre os prenúncios do pensamento científi-co e a religião ou a crença religiosa.

Essas duas formas de visão e de interpretação do mundo - a “rea-lista” e a mística ou religiosa - passaram a transitar em caminhos próprios, cada vez mais separados e divergentes.

Essa trajetória continuou no período da Idade Antiga (5.500 a.C. a 476 d.C.), quando floresceram importantes civilizações urbanas primitivas, em decorrência da organização das comunidades em torno de cidades que foram se formando especialmente nos vales e margens de rios como o Nilo (Egito), o Tigre e o Eufrates (Meso-

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potâmia), o Amarelo (China), o Indus (Paquistão) e o Ganges (Ín-dia). Adicionemos a essas civilizações, outras também importan-tes, como as dos fenícios, dos assírios, dos babilônicos, dos cre-tenses, dos gregos propriamente ditos e dos romanos.

Sem desprezar a contribuição trazida por outras civilizações, é ine-gável que o desenvolvimento obtido pela Grécia antiga, especial-mente por Atenas a partir do século quinto a.C., foi um grande marco em vários campos do desenvolvimento humano. O impulso dado pela civilização ateniense às ciências, às artes e à filosofia, foi extraordinário e sua influência se reflete até hoje.

No decorrer da evolução dessas civilizações, foi se dando a transi-ção da primeira para a segunda cultura, ou seja, o nascimento da cultura científica e o conseqüente abandono da cultura da nature-za.

Cristalizou-se, então, o divórcio entre o científico e o sagrado, mui-to mais nas civilizações ditas ocidentais do que nas civilizações orientais. Hoje temos algumas razões para concluir que esse pro-ceder introduziu vantagens mas também limitações para um de-senvolvimento mais completo e mais “humano” das sociedades modernas. Tanto que começam a ocorrer tentativas de retorno a uma convergência sob novas bases, ou seja, apoiada no acúmulo do conhecimento promovido pelo desenvolvimento científico e pa-ra-científico.

Também alguns estudiosos da história econômica têm chamado nossa atenção para o fato de que, nessa fase, a economia equiva-lente se transmutou para economia não equivalente, uma mudan-ça de rumo fundamental na trajetória degenerativa nos sistemas econômicos supervenientes, inclusive o capitalismo.

Segunda cultura. Em nome do “realismo” e da “praticidade”, o conhecimento humano através das ciências foi deslizando, de mo-do intencional ou não, para a elaboração de mecanismos de domi-nação e de exploração do homem pelo homem. E esse princípio se tornou a raiz de todos o processos de guerra, de dominação terri-torial e de todos os mais sofisticados tipos de invenções para sub-jugar o seu semelhante e, inclusive e principalmente, para explo-rar a sua força de trabalho, desde a mais simples até a mais espe-cializada.

Durante o período da Idade Média, quando politicamente imperava o feudalismo, os princípios obscurantistas, tanto culturais quanto

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religiosos, deixaram o desenvolvimento científico meio soterrado, porque ele não era interessante nem ao senhores feudais, nem ao clero.

A revolução das ciências, que consolidou o método científico, se deu em três fases de um mesmo processo. O transcurso desse processo coincidiu com o período de transição do regime feudal para o regime capitalista e se situou entre o final da Idade Média e o início da Idade Moderna: o Renascimento (1440 - 1540), as guerras religiosas (1540 - 1650) e a restauração (1650 -1690)

O fato da cultura científica ter obtido forte impulso mais ou menos na mesma época do advento do capitalismo não foi mera coinci-dência nem obra do acaso. Para a burguesia, classe que estava passando a ser dominante, era necessário mudar o modo de pen-sar para permitir as mudanças no modo de produção e, assim, desenvolver o nascente sistema capitalista.

A partir do século 19, concomitantemente com a consolidação da burguesia e do capitalismo, o conhecimento científico passou a ter um desenvolvimento muito grande, o qual se tornou vertiginoso no século 20.

As características do conhecimento científico ou da ciência, em tese, são as seguintes: descritiva, analítica e racionalizadora quan-to aos fatos; especializada; clara e precisa; comunicável; verificá-vel; metódica; sistêmica; universal; explicativa; preditiva; não doutrinária; útil.(∗)

Dizemos que essas características são em tese porque não estão presentes em todos os processos científicos. Cada vez mais, o de-senvolvimento das ciências tem se tornado caudatário dos interes-ses comerciais, econômicos, financeiros, políticos, enfim, de poder. Também tem sido crescentemente posto a serviço das classes e/ou dos Estados dominantes. Os exemplos são incontáveis e as di-mensões, incomensuráveis, desde a bomba atômica e a descida do homem na Lua até os transgênicos, a clonagem de seres vivos, o seqüenciamento do DNA, indo até o uso dos genes do escorpião para tornar o tomate imune a pragas. E outras coisas também es-tranhas.

(∗) Os conceitos e descrições de cada uma dessas características se encon-tram sintetizados, porém bastante precisos, no texto de Agamenon Rodri-gues, já referido.

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Podemos acrescentar, então, outras características para esse tipo de ciência, algumas que até entram em contradição ou negam as características citadas acima: reducionista, paradigmática, mer-cantilista, não isenta, não priorizadora dos interesses dos seres humanos em geral. Entre outras mais.

Marcelo Gleiser,(∗) de cujos ensinamentos temos lançado mão em diversos pontos deste estudo, tem emitido vários comentários crí-ticos aos desvios da ciência em relação às questões morais e éti-cas, à democratização da informação científica e ao primado dos interesses gerais da sociedade. O seu artigo Ciência e moralidade, publicado no Caderno Mais! de 25.06.2000, tem um fecho primo-roso, na nossa opinião:

“As decisões morais devem partir da honestidade de cada ci-entista em alertar a sociedade para as conseqüências de suas invenções, acima de compromissos políticos. Para isso, a soci-edade tem de estar preparada para optar pelo seu próprio fu-turo. Moralidade parte do indivíduo e termina em uma socie-dade educada.”

É tão notório quanto deprimente e desastroso o fato de que um incontável número de pesquisadores e cientistas em todo o mundo tem optado por se submeter ao jugo dos valores econômicos e financeiros, colocando o seu saber a serviço dos interesses da a-cumulação capitalista, sem qualquer consideração ou preocupação com os resultados, as conseqüências e o tipo de uso que é dado ao seu trabalho.

A pesquisa científica, como sabemos, pode ser básica ou aplicada. A pesquisa básica é aquela que é realizada nas universidades. Des-taque-se que em muitos países, inclusive os desenvolvidos, as u-niversidades são predominantemente mantidas, direta ou indire-tamente, com recursos públicos. Este tipo de pesquisa não visa, em princípio, aplicação imediata em tecnologias ou aplicações con-cretas e diretas na produção de bens ou serviços para a sociedade. Esta função pertence ao campo da pesquisa aplicada, a qual é de-senvolvida pelos setores privados e visa diretamente o mercado, o (∗) Brasileiro, professor de física teórica do Dartmouth College (USA), con-ferencista requisitado no mundo todo também pelo estilo que desenvol-veu, leve e agradável, no trato de temas normalmente áridos para o grande público. Também é autor de livros como A dança do Universo e Retalhos cósmicos e articulista de ciências do Caderno Mais!, da Folha de São Paulo.

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que, num sistema capitalista, significa produzir acumulação de capital. Não há nada de estraordinário nesses princípios porque é da lógica capitalista que estes setores se movam por objetivos voltados para a obtenção do lucro. O que é inconcebível é que isso é feito também à custa da destruição dos seres que habitam o pla-neta, inclusive o homem.

A rigor, não há uma separação muito nítida entre pesquisa básica e pesquisa aplicada. Esse tipo de simbiose tem o sentido de uma relação promíscua, da qual se aproveitam as elites dominantes para inserir mecanismos de acúmulo financeiro, econômico ou de poder político, através do aproveitamento dos avanços científicos que são realizados com recursos de toda a sociedade, preponde-rantemente.

Além disso, para atingir determinados objetivos quanto ao apro-fundamento do conhecimento científico, a metodologia que foi sendo paulatinamente adotada caminhou para procedimentos e processos de estudo cada vez mais recortados. Esse fatiamento na abordagem e no estudo dos fatos e dos problemas, por um lado facilitou o aprofundamento da análise mas, por outro, conduziu a um crescente reducionismo e estanqueidade. Em boa parte de si-tuações, ocorreu bloqueio da visão mais abrangente e universalis-ta, que é indispensável para o progresso da ciência.

O treinamento científico foi se tornando cada vez mais especializa-do e rigoroso, colecionando experiências e construindo modelos. Esses modelos, por sua vez, servem para doutrinações de mais construtores de modelos, que também se integram ao sistema, reproduzindo e expandindo o processo. De sorte que, desta forma, temos uma espécie de moto-contínuo na formação de leis imutá-veis.

Terceira cultura. Mas há gente transitando em outra direção. Por exemplo, em 1984 um seleto grupo de cientistas fundou e traba-lha, desde então, no Instituto Santa Fé, na cidade de Santa Fé, Novo México, EUA. Esse centro de pesquisa, considerado um dos templos dos gênios rebeldes, está dedicado ao desenvolvimento de idéias avançadas, dentro de uma concepção diferenciada de pes-quisa científica, ou seja: a) contestar o princípio reducionista, vi-gente desde o século 15, que estabeleceu o método de simplificar os problemas científicos para compreendê-los mais facilmente; b) derrubar as fronteiras estabelecidas entre as áreas da ciência. As-sim, eles se propõem a examinar qualquer questão científica por

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inteiro e sob múltiplos ângulos. O instituto tornou-se irradiador de novas teorias e está ganhando milhares de adeptos no mundo to-do.

No seu livro O ponto de mutação, Fritjof Capra, um “físico expe-riente e digno de confiança”, no dizer de James Lovelock, faz uma análise profunda e detalhada da ciência e da metaciência na cultu-ra contemporânea, isto é, aquela que estamos chamando de “se-gunda cultura”. Ele também faz uma crítica aos padrões modelis-tas e reducionistas da ciência e defende uma visão sistêmica para as ciências de um modo geral e, em especial, para as que tratam do ser humano e do meio ambiente que o circunda.

Uma das perspectivas da terceira cultura aponta, necessariamente, para a demolição de paradigmas que mais entravam do que pro-movem o desenvolvimento do ser humano. Aponta, assim, para a necessidade de existirem mais e mais demolidores de paradigmas os quais, necessariamente, não precisam ser do porte e do signifi-cado dos grandes referenciais da história do desenvolvimento hu-mano. Dentre tantos exemplos desses referenciais, podemos citar a revolução do pensamento, produzida na Grécia antiga; as circu-navegações que demonstraram a esfericidade da Terra; a teoria heliocêntrica referente ao sistema solar, de Nicolau Copérnico e Giordano Bruno(∗), em oposição ao geocentrismo que vinha desde os antigos pensadores gregos; a teoria da evolução das espécies, de Charles Darwin; as teorias de Marx e Engels; a psicanálise de Freud; a teoria da relatividade de Albert Einstein e a teoria quânti-ca de Max Planck, que se contrapõem às leis da mecânica de New-ton.

Os novos, tanto atuais como futuros, processos demolidores de paradigmas certamente serão em quantidade infinitamente maior. Podem não ser tão marcantes quanto os exemplos citados, mas o seu efeito, de qualquer modo, deverá ser arrasador para muitas concepções atuais. Não dirão respeito apenas às fronteiras da ci-

(∗) Giordano Bruno (1548-1600) foi monge beneditino até ser excomunga-do por suas contestações a dogmas da Igreja. Foi queimado vivo, em par-te pela ousadia de reafirmar e aprofundar a tese de Copérnico e não se retratar perante a Igreja, mas também por continuar reafirmando outras “heresias”, tais como duvidar da virgindade de Maria, mãe de Jesus. Gali-leu Galilei, no entanto, foi mais um plagiador dos estudos de Bruno do que um teorizador. Além disso, renegou as suas idéias perante a Igreja para não ter o mesmo destino de Giordano.

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ência mas a todos os dogmas e bloqueios que o homem impôs a si mesmo por conveniência, incompetência ou por tomar caminhos e concepções equivocadas.

Os resultados decorrentes das inovações e das mudanças radicais de rumo na organização do pensamento científico, filosófico e cul-tural devem ser marcos fundamentais na “nova cultura” que esta-mos tentando discutir. Um desses marcos será constituído por uma crescente redução, até a sua extinção total, da “face escura e obscura da ciência”. Estamos assim chamando a cultura que vem desconsiderando as questões morais e éticas e o respeito aos inte-resses mais gerais das sociedades humanas, bem como a preser-vação das demais espécies vivas, do meio ambiente e da vida, enfim, sobre o nosso planeta. Em contraposição, assistiremos o concomitante crescimento da “face iluminada e transparente” não apenas da ciência mas de todo o comportamento humano, o que constituirá um contributo fundamental para a transição da segunda para a terceira cultura, a cultura do terceiro milênio.

Limitações da ciência. O conhecimento a respeito da origem, formação, idade e desenvolvimento do universo, dos sistemas ga-láticos e dos sistemas estelares e planetários, tem se desenvolvido muito mas não o suficiente para que possamos compreender todos os fenômenos referentes a esses temas. Assim também ocorre com relação ao nosso planeta e a todos os seres que o habitam, inclusive e principalmente o homem.

Uma das razões, talvez a mais importante, para tal é o fato do conhecimento científico ter se pautado, primordialmente, por pes-quisar fenômenos atinentes a aspectos materiais, ou seja, somen-te aquilo que pode ser acomodado em modelos físicos ou matemá-ticos. Poucos cientistas (tomemos Einstein como modelo para me-lhor visualização) têm avançado suas pesquisas além do campo tridimensional do espaço material e/ou do binômio espaço-tempo.

Dentro dessa visão materializada, um dos grandes mistérios inex-plicados se refere ao que teria sido pré-existente à formação no universo como hoje ele é concebido, fato que teria ocorrido com o “big-bang” há mais ou menos 13 bilhões de anos. O que existia antes? Era matéria, era antimatéria, era energia, era o quê, afinal? Cremos que essa questão não pode ser explicada pelas nossas concepções usuais, tridimensionais; do contrário, já teria sido ex-plicada e demonstrada. De igual forma, outras questões ainda permanecem insolúveis, tais como a origem da vida (como a co-

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nhecemos na Terra), o pensamento humano, a consciência, a inte-ligência, a morte, o “pós-morte” etc.

O pensamento, por exemplo, para o homem é o espelho do mundo e a ciência não tem meios para observar tal fenômeno, que é, ao mesmo tempo, vivo e infinito. Além disso, o corpo humano não interrompe toda a sua atividade interna para que o estudem de modo integral. Portanto, os modelos de laboratório são imprecisos e a ciência não pode se surpreender nem estranhar quando a rea-lidade foge da teoria. Mesmo assim, a ciência costuma estranhar e, pretensiosamente muitas vezes negar a realidade quando ela escapa dos padrões previsíveis.

A vida, sob a luz da bioquímica e da biologia molecular, é “um pro-cesso químico com milhares de reações metabólicas, ou seja, transformações de energia e matéria em células, tecidos e órgãos de um ser vivo”. Mas essa definição caracteriza apenas uma das formas de como a vida se manifesta e nada nos diz sobre como ela se produz. Assim, esse conceito, adicionado ao fato de que máqui-nas também transformam energia e matéria em força e movimen-to, tornam muito limitada essa definição bioquímica do que seja a vida.

Na imensa maioria das situações é perfeitamente possível discer-nirmos entre o vivo e o não-vivo mas existe um espaço indefinido e indefinível entre os dois mundos. Nesse espaço estão incluídos, por exemplo, os vírus. Isolados, eles não mostram sinal de vida, mas quando se introduzem em uma célula viva, apresentam as mesmas propriedades de um ser vivo.

Uma das propriedades mais fundamentais dos seres vivos é a sua capacidade de reprodução, ou seja, de criação (ou recriação) da vida, inclusive com a possibilidade de introduzir mutações genéti-cas. Essas qualidades, por um lado, justificaram a teoria darwinia-na da evolução das espécies. Por outro lado, tendem a confirmar novas teorias como a da inteligência própria das celúlas vivas e, por extensão, a inteligência do próprio corpo dos seres vivos, em especial dos humanos.

Não se supõe possível que alguém possa encontrar um partícula que esteja rotulada “inteligência”, ainda que o maior dirigente mental-químico do organismo - o DNA -, seja admitido como por-tador de inteligência e memória. Fisicamente, porém, o DNA não passa de fios de açúcar, aminoácidos e outros componentes sim-

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ples, que não têm demonstrado, isoladamente, quaisquer sinais de inteligência. Como a inteligência está presente no corpo, ela deve vir de algum lugar. Qual lugar? Qual a sua origem?

A ciência já concluiu que a vida na Terra deve ter começado “logo depois” (algo entre 500 milhões a 1 bilhão de anos!) do surgimen-to do planeta, assim que condições ambientais tais como tempera-tura, água, oxigênio, carbono, nitrogênio etc, o permitiram. Já o momento em que se deu o surgimento da inteligência é bem mais “impreciso”, até o estágio atual da ciência. Diz Marcelo Gleiser no seu artigo“Onde estão os ETs” (Caderno Mais!, Folha de São Paulo, 23.07.2000):

“Podemos mesmo dizer que, se a história da vida, ao menos a que podemos imaginar, é um experimento evolucionário que depende delicadamente de condições muito particulares, a his-tória da vida inteligente depende de uma combinação de fato-res que a torna extremamente rara.”

Essa é uma bela síntese de nosso próprio entendimento do assun-to, mesmo sem termos um embasamento científico qualificado como o do professor Gleiser. Apenas não concordamos com sua pergunta subseqüente, que fecha o artigo: “Quem sabe não sere-mos nós a civilização que irá colonizar a galáxia?”. Claro que se trata de uma frase de efeito, dentro do estilo leve que ele coloca em suas abordagens científicas destinadas aos leigos. Essa é uma possibilidade na qual nem ele, como físico, e nem nós podemos acreditar. Colonizar a nossa galáxia, a Via Láctea, já seria muita pretensão e uma tarefa exagerada para seres tão ínfimos, compa-rativamente à grandiosidade do cosmo, sem cogitar de outras con-cepções no campo da filosofia, da metafísica ou das crenças religi-osas.

O conhecimento do DNA, que está virando quase uma panacéia, na verdade explica muitas coisas mas não explica tudo. O apro-fundamento do conhecimento a respeito do DNA tem trazido mui-tas esperanças de avanços na iluminação de espaços escuros na compreensão dos mistérios ainda existentes. Mas tem trazido também muitas conclusões embaraçosas, que mais confundem do que explicam, quando vistas à luz da ciência ortodoxa. Por exem-plo:

1. O DNA humano é apenas 1,1% diferente do DNA do chipanzé, o que parece muito pouco para explicar as imensas diferenças en-

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tre as duas espécies.

2. Alguns tipos de insetos de uma mesma família tem semelhanças físicas muito maiores do que as que existem entre o homem e o macaco, mas seus DNA’s são bem mais diferenciados.

3. Uma flor, como a margarida, tem cem vezes mais DNA do que o homem.

4. São conhecidas as funções de apenas 1% do material genético do DNA. A ciência desconhece as funções ou razões de ser dos os restantes 99%.

5. Existem hipóteses de que o DNA contenha mais “fitas”, além das duas que a ciência descobriu e está esmuiçando. Essas, ca-so existam, não estão visíveis para os nossos mecanismos de análise, disponíveis no atual estágio de desenvolvimento tecno-lógico e científico, ou seja, para uma visão estritamente tridi-mensional.

6. Além dos aspectos misteriosos ou desconhecidos do DNA, a ci-ência também desconhece a maior parte do significado dos cromossomos.

Há muitos desajustes no funcionamento do organismo humano que a ciência não consegue explicar, como vimos ao tratarmos das “pestes modernas”. O cérebro, por exemplo, é complexo demais para ser transformado em modelo como os que a ciência consegue produzir. Um dos paradigmas que vigorava e que já foi derrubado, afirmava que o cérebro não era capaz de ser curado. Hoje se sabe que o cérebro não apenas pode ser curado como até aceita im-plante de tecidos de outros órgãos.

Uma linha de raciocínio lógico - como é muito do gosto dos méto-dos científicos - nos leva à seguinte questão: se todas as células do corpo humano são derivadas de uma única célula inicial, isto é, o óvulo fecundado por um espermatozóide, por que os diversos tipos de células teriam que se diferenciar de modo tão absoluto a ponto de “esquecer a memória inicial”? A falta de aceitação, du-rante tanto tempo, de que isso poderia ser possível, é algo que deve ser creditado - ou debitado - à conta dos métodos reducionis-tas que o utilitarismo da ciência introduziu no estudo dos fenôme-nos da natureza.

A ação da mente sobre o corpo é um dos mistérios ainda não bem entendidos e muito menos explicados pela biologia ou pela fisiolo-

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gia, porque essas ciências trabalham no domínio e no contexto das estruturas materiais. A mente é imaterial mas a mente própria do corpo tem uma maneira de se projetar materialmente através de substâncias químicas como, por exemplo, os neuropeptídeos. Co-mo se dá esse processo, no entanto, ainda não é conhecido pela ciência ortodoxa.

Outro fenômeno ainda inexplicado é o reduzidíssimo uso (menos de 10%) que o homem faz da sua capacidade mental e intelectual. Apenas raros indivíduos a exercitam 15% ou mais, como Einstein, do qual se diz ter chegado ao nível de 20% de uso do seu intelec-to. Alguns neurocientistas, como Antonio Damazio (Mistérios da Mente), aceitam a existência de diferenciações mas dizem que é bobagem tentar quantificá-las.

A parcela ainda inatingida da mente e da capacidade de inteligên-cia poderá ter correlação com os desconhecidos 99% do DNA ou com as suas possíveis “fitas”ocultas? Assim também os espaços de expansão da consciência, que vários experimentos já demons-traram, terão correlações similares? São questões que estão pos-tas como desafios para a terceira cultura.

Teorias materialistas e atéias dizem que Deus é o limite da igno-rância humana, ou seja, quando acaba o espaço ocupado pelo co-nhecimento científico material, começa o espaço da ignorância do homem, o espaço de Deus. Em outras palavras, há um limite ten-cionado e em contínua expansão que separa o conhecido do des-conhecido, sendo este - o desconhecido - o espaço que correspon-de ao Deus dos ignorantes. Deus, portanto, seria o substrato da ignorância humana, em contínuo processo de minimização pela ampliação do conhecimento.

Aceitando essa linha de raciocínio, apenas para argumentar e, nu-ma tentativa de síntese dialética, podemos dizer que o limite entre o “não-Deus” e o Deus seria um vazio, uma espécie de “espaço quântico do conhecimento”, de tal forma que as nossas limitações científicas e filosóficas nos colocariam sob condições de escolha entre duas opções apenas: saltar sobre ele ou negar a sua exis-tência. Mas será que tem de ser assim? Esse espaço escuro e obs-curo, que nem a ciência nem a filosofia conseguiram ainda ilumi-nar, só pode ser enfrentado por essas duas formas, na base do crê ou morre?

Do ponto de vista dos métodos científicos e devido aos mecanis-

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mos limitados que a ciência dispõe nesse campo de análise, não tem sido ainda possível iluminar esse espaço nebuloso entre o ma-terial e o imaterial de modo a atravessá-lo com firmeza e seguran-ça. Do ponto de vista das diversas religiões, basta-nos saltá-lo amparados apenas na crença em um Deus onipotente, caracteriza-do de variadas formas, como um pai ou um rei soberano e absolu-to do Universo inteiro.

Na nossa visão, em particular, não temos necessidade nem de a-travessá-lo nem de proceder a um ‘jamp’ porque, na verdade, não existe esse espaço de transição entre o explicado e o inexplicado pela ciência, entre o material e o divino, entre real e o mágico, entre o secular e o religioso, entre o “não-Deus” e o Deus.

Em outras palavras, não existe um umbral separando o físico do metafísico. Existe tão somente a nossa limitação de percepção condicionada ao tridimensional e ao contexto material do espaço-tempo, o que não significa negar a existêcnia de outras realidades, tidas como misteriosas, divinas, mágicas, metafísicas e outros qualificativos. Estas realidades se situam em dimensões de outras ordens, ainda inacessíveis ao homem, até o estagio atual de sua evolução, exceto em circunstâncias muito especiais e restritas e com indivíduos também muito especiais.

As condições em que eventualmente isso se dá – a cada dia que passa, está se tornando menos eventual – não são ainda compro-váveis pelos métodos e mecanismos científicos. Em função disso, os ramos preciosistas e dogmáticos da ciência, costumam ocultar a sua incompetência – que não é culpa direta da ciência – através de processos comodistas tais como a negação, pura e simples. A pro-pósito, esse método faz-nos lembrar daquela piada do cientista e da girafa. Caso o(a) leitor(a) desconheça ou não esteja lembrado, vamos rememorá-la. Dizem que um cientista foi chamado para analisar e dar um parecer sobre a girafa. Após medições, cálculos complicados, processamentos computacionais e até consultas aos ‘sites’ da Internet, concluiu inapelavelmente: “Esse bicho não exis-te!”.

Há, porém, ressalvas a fazer, mesmo não sendo essa uma genera-lização. Como exemplo, podemos citar a teoria da relatividade, a teoria dos quanta e a teoria da partícula Bóson de Higgs. Explici-temos, sucintamente, esta última porque supomos ser bastante desconhecida por parte do grande público.

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O nome foi dado em homenagem ao teórico escocês Peter Higgs que deduziu a existência da partícula em 1964, com o uso das e-quações formuladas em 1923 pelo outro homenageado, o físico e matemático indiano Satyendra Nath Bose (1894 - 1974).

Essas partículas atravessam qualquer objeto, inclusive o corpo humano. Mas elas como que “se enroscam” nas partículas que compõem os átomos - os quarks e os elétrons - e, como se fossem um mel viscoso, atrapalham os seus movimentos não permitindo que se movam à velocidade da luz, que é a velocidade máxima admitida como existente no Universo. Em outras palavras, são os bósons que dão peso a tudo e permitem a diferenciação de tudo o que existe no Universo, sob o ponto de vista material. O bom hu-mor de Leon Lederman, da Universidade de Stanford, EUA, criou para a partícula bóson o apelido de “partícula-Deus”.

Por que “particula-Deus”? Porque explica a existência bem como aparência física da matéria conforme a percebemos. Como já te-mos exaustivamente destacado, a limitação da nossa percepção através dos sentidos, mesmo aprimorados com o uso dos avanços tecnológicos da ciência, continua sendo estritamente uma percep-ção materializada. Um exemplo singelo são os imensos espaços vazios do átomo, proporcionalmente falando, apenas percebidos através de deduções matemáticas e com o auxílio de equipamen-tos sofisticados e poderosíssimos, acessíveis somente a pouquís-simos pesquisadores e estudiosos.

Nós outros, jamais presenciamos tal fenômeno. Por que, então, acreditamos nele e não cremos em outras evidências que também não são visíveis? Por que cremos apenas naquilo que a ciência tra-dicional demonstra e, às vezes o faz de modo tão parcial e precário em determinados campos? Por que temos sempre que duvidar de experimentos apenas analisados e avalizados pelas ciências hete-rodoxas? Por que temos de sempre descrer de hipóteses e possibi-lidades que nenhuma ciência do homem ainda aprofundou? Va-mos ficar com as perguntas ou procurar as respostas?

4 Perspectivas globais

Condições de mudança de sistema

Os quantitativos cada vez mais crescentes de seres humanos ex-cluídos indicam que será impossível evitar o desenvolvimento de posturas e ações orientadas no sentido de subverter esse estado

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de coisas. E, realmente já estão ocorrendo, ainda em âmbito res-trito e pontual, aqui e acolá, indicativos claros de que o processo para uma nova ordem econômica, política e social está em anda-mento.

No artigo Filosofia como farsa, publicado na Folha de São Paulo de 09.07.2000, Robert Kurz, sociólogo alemão várias vezes citado neste nosso trabalho e uma das atuais vozes que mais vêm se contrapondo ao capitalismo moderno, faz uma crítica ao compor-tamento da sociedade pós-moderna, onde uma filosofia da “vida-bem-sucedida”, do pensamento normativo da ética e da arte de viver, do indivíduo como uma “obra-de-arte” de si mesmo, virou uma triste farsa, porque ignora a crise da metafísica moderna. Diz Kurz:

“O desenvolvimento técnico é incompatível com a moderna metafísica do dinheiro.(...) Bem no momento em que o totali-tarismo do dinheiro domina como nunca a realidade, a própria teoria social é denunciada como totalitária em seus propósitos. (...) O sombrio desfecho do desenvolvimento moderno é ab-surdamente festejado como transição para um ‘pragmatismo livre de ilusões’. Junto com a crítica social, é o pensamento re-flexivo que chega ao fim.”

Reafirmamos que, de nossa parte, o “pensamento reflexivo” ainda não chegou ao fim. E que, dialeticamente, estamos tentando ca-minhar no sentido de uma contraposição ao ‘status quo’ vigente, mediante uma nova metafísica para uma nova sociedade, sob um “pragmatismo repleto de ilusões”. Esperamos que esse seja o no-vo ciclo que está em processo de substituição ao ciclo socioeconô-mico em vigência, que ainda tenta resistir, envelhecido, degene-rescente e superado.

Da teoria dos ciclos sabe-se que, antes que um ciclo se esgote totalmente e ocorra a inversão completa de sua trajetória, os valo-res e parâmetros do ciclo vigente entram em decréscimo e se ini-cia a influência do ciclo seguinte. O exemplo clássico é o movimen-to pendular, um movimento com amplitude e força variáveis, cuja representação gráfica e matemática é dada, como sabemos, pelas equações da senóide ou da co-senóide.

Quanto aos ciclos sociais, sabemos que obedecem à seguinte se-qüência dialética:

1. Transição do velho para o novo

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- início do processo de transformação ou ruptura - morte do velho e gestação do novo - nascimento do novo

2. Infância - superação das últimas influências do velho - desabrochar do novo

3. Maturidade - plenitude do novo ciclo - primeiras crises

4. Auto-questionamento e ajustes - perda da fantasia da perfeição - auto-crítica - tentativas de pequenas correções

5. Envelhecimento - envelhecimento lento inicial

- envelhecimento acelerado: desânimo, descrença, medo do futuro, saudosismo.

6. Transição para o “novo” novo - últimas reações - início da gestação do “novo” novo - redução das resistências

A recorrência a uma teoria da matemática e algumas leis ou prin-cípios da física também podem ajudar no raciocínio que estamos desenvolvendo.

Da matemática, sabemos que nas funções tendentes ao infinito, como as exponenciais, quando o + infinito é atingido, imediata-mente se estabelece o - infinito. E vice-versa.

Estes dois pontos (mais infinito e menos infinito) também se to-cam nas tendências humanas. Por exemplo, no caso da crescente degeneração de comportamentos, podem ocorrer mudanças ou inversões drásticas de rumo, até de modo repentino.

Na trajetória em que as pessoas e, conseqüentemente, as socie-dades estão indo, haverá fatalmente um ponto de inflexão, um final de ciclo, com uma reversão que pode ser drástica nos com-portamentos humanos e sociais, passando rapidamente do - (ne-gativo) ao + (positivo). Ou ao contrário, conforme o caso. Quanto maior for a demora para atingir esse ponto de inflexão, tanto mais

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dramática e até catastrófica poderá ser a transição. Neste caso, a transição se dará pela radicalização da ruptura.

Da física, sabemos que “a toda ação se contrapõe uma reação i-gual e contrária” e isso tem similaridade com determinadas ações e reações humanas e sociais. Há, porém, uma sensível diferença: as reações provocadas podem ser maiores do que as ações huma-nas e sociais que as provocam, sendo este um dos principais fato-res dos conflitos pessoais e coletivos, inclusive das revoluções.

Essas metáforas matemáticas e físicas nos ajudam a concluir que, para resolvermos as crises econômicas, políticas e sociais em que estamos mergulhados, parece só restar um caminho: ir profunda-mente na direção da essencialidade do ser humano porque o seu eu contém a essência da mutação. É de lá que devemos retirar forças e valores que tem estado submersos pela ação crescente e continuada de poderosas influências indutivas, oriundas de fatores externos. Cabe ao Homem evoluir ou involuir, a seu livre arbítrio.

Outro conceito importante, o da comunicação tanto interpessoal como de massa, nos diz que uma idéia, para se transformar em ação, tem a seguinte trajetória: 1. inspiração -> 2. assimila-ção/compreensão -> 3. formulação -> 4. emissão -> 5. codifica-ção -> 6. transmissão -> 7. decodificação - >8. recepção -> 9. assimilação/compreensão -> 10. ação

As etapas 1 a 3 constituem a formulação da mensagem. As etapas 4 a 10 constituem o processo lógico da comunicação, cujos meca-nismos materiais são o emissor (a pessoa), o codificador (tradução para a linguagem do emissor), o canal (meio físico), o decodifica-dor (tradução para a linguagem do receptor) e o receptor (outra pessoa).

Quando ocorre interrupção ou dificuldade em qualquer etapa ou mecanismo do processo a comunicação não se completa ou se dis-torce. Em qualquer caso, a mensagem é prejudicada.

Os sistemas de comunicação de massa são controlados pelos cen-tros de poder, constituem um braço poderoso desses centros e estão cada vez mais a serviço da ideologia capitalista do mercado. Assim, fica extremamente difícil desenvolver qualquer processo de contraposição aos sistemas de dominação vigentes. Fica difícil, mas não será impossível.

As condições de enfrentamento e confronto com a hegemonia de

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sistemas políticos e econômicos vigentes - o sistema capitalista neoliberal, no nosso caso - só acontecem quando ocorre, de modo iterativo, a conjugação de dois processos:

I. a elevação do grau de degenerescência, de contradição e de fragilidade do sistema existente;

II. a mobilização por parte das extensas parcelas da sociedade, atingidas pelo processo degenerativo.

De modo genérico, um processo de confronto de tal natureza pas-sa por cinco fases de preparação, no interior de uma sociedade, mais precisamente no seio das massas populares:

1. assimilação das informações quanto à situação vigorante;

2. conscientização quanto aos prejuízos que advirão da continui-dade dessa situação;

3. preocupação de cada indivíduo pelo que será atingido no seu próprio espaço;

4. indignação com tudo o que está acontecendo;

5. mobilização das massas.

Preenchidos esses pré-requisitos e avaliadas as correlações de for-ça, pode-se estabelecer as estratégias e táticas de luta. Essa se-qüência vale como uma verdadeira “receita de bolo”. É aplicável, portanto, para o debate que estamos fazendo aqui, sob aspectos teóricos e genéricos.

No processo de confronto, entretanto, é necessário tomar-se al-guns cuidados com os perigos de uma avaliação equivocada, al-guns dos quais são muito comuns. Por exemplo:

• Sectarismo - significa a falta de contato com o povo, confundin-do-se os seus anseios com os anseios de grupos ou setores do mesmo. (“O que nós queremos é o que o povo também quer”)

• Presunção - significa a pretensão de conhecer os anseios do povo sem consultá-lo. (“Nós já sabemos tudo o que o povo quer”).

• Aventureirismo - significa superestimar o próprio poder na cor-relação de forças (“Vamos nessa, que dá!”). Não se pode acele-rar a história além da velocidade natural do processo. As vezes pode-se dar um “empurrãozinho”, porém de forma planejada,

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dentro da estratégia de luta.

• Oportunismo - significa, ao contrário do aventureirismo, subes-timar o próprio poder na correlação de forças e se acomodar para resolver apenas problemas próprios (“Já que não tem jeito, mesmo, vamos resolver só aquilo que nos diz respeito”).

Está claro que estamos falando genericamente de qualquer tipo de luta, em qualquer dimensão, tanto as pequenas batalhas quanto as grandes. Por conseguinte, esta também é uma “receita de bo-lo”.

Robert Kurz, ao tratar do fenômeno sociológico e político que ele chama de estupidez dos vencedores diz que o princípio segundo o qual é aconselhável o vencedor reconhecer a verdade do adversá-rio não foi seguido pelo capitalismo com relação à sua vitória sobre o socialismo e isso pode lhe custar caro.

A análise das tendências, contradições e dificuldades vigentes hoje no interior do sistema capitalista, muitas das quais destacamos ao longo deste estudo, indicam que estamos frente a algo que é mui-to mais profundo do que uma mera questão de ‘estupidez de ven-cedores’. Até porque a supremacia do capitalismo sobre o socia-lismo foi devida em grande parte à fragilidade do sistema socialis-ta, especialmente o implantado na URSS, e não às excelências do sistema capitalista. Também é absurda a tese de deslumbrados, como Francis Fukuyama, sobre o fim dos tempos, com a pereniza-ção (sic!) do capitalismo.

Ao contrário, tudo indica que esta última versão do capitalismo - o neoliberalismo - está em notório processo de desagregação e niti-damente está delineado o esgotamento de um ciclo. O que ainda não está claramente expresso é o novo ciclo. É exatamente disso que estamos tentando tratar neste estudo.

Cenários futuros

Com base nas análises que vêm sendo feitas, é possível imaginar o futuro do capitalismo neoliberal dentro de algumas hipóteses teóri-cas de cenários mais ou menos previsíveis, os quais podem ocorrer de forma alternativa ou combinada.

Cenário I (Vai que ainda dá!). A ação predatória e excludente do capitalismo continua dentro das perspectivas atuais, isto é, com uma ação livre e concentrada prioritariamente nos países da Áfri-ca, da Ásia, do leste europeu e da América Latina e aprofundando

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a sua ação nos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento. Nesta hipótese, ou seja, no caso em que nada aconteça para evitar ou obstaculizar a sua trajetória, o sistema terá fôlego ainda por algum tempo.

Este tempo é difícil de estimar tendo em vista a velocidade com que os fatos econômicos, políticos e sociais vem ocorrendo. Poderá ser, tanto de uma década, como muito menos do que isso.

O que é concreto e fatal é que essa duração será apenas a neces-sária e suficiente para cristalizar a necessidade de mudança de rumo ou para exaurir os recursos dos países periféricos e gerar uma hecatombe econômica, política e social de dimensões e con-seqüências completamente imprevisíveis.

Por essas análises é difícil delinear qual será o sistema superveni-ente após essa fase, porque serão muitas as hipóteses em função dos atores e parâmetros envolvidos. Existe apenas a certeza de que o novo sistema estará apoiado no desenvolvimento tecnológi-co já existente e nos avanços que serão alcançados no mesmo período.

Em razão de um crescente colonialismo e perda de soberania na América Latina, países como Argentina, Equador, Peru, México e Brasil são exemplos que podem ser incluídos neste cenário.

A Argentina praticamente dolarizou a sua economia, com a institu-cionalização da convertibilidade paritária dólar/peso. O Equador adotou diretamente a moeda americana e está passando por grave crise, que se agravou em janeiro/2000, permitindo que os movi-mentos populares ocupassem o poder por exatas três horas. O Peru continua assolado por crises de várias naturezas sob o caos que se aprofundou na era Fujimori. O México virou protetorado dos EUA depois da crise de 1994 e o novo governo Fox não indica mu-danças visíveis. O Brasil, com os desgovernos de Collor e Fernan-do Henrique passou de uma dependência histórica para uma sub-serviência criminosa.

Cenário II (Mudar para sobreviver). O sistema sofre enfrenta-mentos de forças contrárias, mas tenta se manter dentro dos pa-drões atuais. Assim, em alguns casos, o sistema tentará mostrar algumas falsas aparências de correção de rumo, tais como discur-sos a respeito de maior consideração com as necessidades dos excluídos. Os novos governos do México, do Chile e da Argentina são exemplos atuais dessa situação na América Latina.

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No Chile, a vitória do “socialista” Eduardo Lagos indica apenas uma continuidade do governo anterior e uma tendência para submissão aos EUA. Na Argentina, a vitória de Raul de La Rua poderia signifi-car uma possível mudança de rumo. Mas isso dificilmente ocorre-rá, dado aprofundamento da crise econômica e a vinculação cada vez mais forte às diretrizes do FMI. E também porque na Argenti-na, dentro dos sistemas institucionais (o Congresso e os governos provinciais, especialmente o de Buenos Aires), a correlação de for-ças ainda pende para os aderentes ao modelo herdado de Menem.

No México houve a derrota da dinastia de sete décadas do PRI, mas as evidências de mudanças são mais de aparência do que de conteúdo político, mais de superfície do que de profundidade.

Por esses exemplos, a estratégia que se manifesta como unificado-ra da perspecitiva visível é caracterizada pelo princípio do “mudar para não mudar”. Enquanto perdurar o engodo para os povos desses países, o sistema terá uma sobrevida, cuja duração será muito variável, caso a caso, porque o processo estará obedecendo ao clássico princípio do “não matar a vaca para continuar a beber o leite”.

Outra situação que pode ser incluída como alternativa nesse cená-rio, é constituída pelos países onde, ao que tudo indica, ocorreram algumas correções de rumo mais efetivas. É o caso da Inglaterra, do Japão, de alguns tigres asiáticos e, ao que parece, também da Rússia.

Cenário III (Salve-se quem puder!). O sistema capitalista entra em um processo de autodegradação por ganância desenfreada, ausência de lastro real, baseado apenas em papéis com valores fictícios e escriturais, sistemas produtivos restritos cada vez mais ao consumo das minorias, contradições e disenções internas e au-sência de respostas para as demandas sociais.

Nesse sentido, o sistema caminha rapidamente para a implosão, sem condições nem tempo para gestar uma nova forma alternativa e substitutiva. Popularmente falando, podemos caracterizar esta hipótese como sendo uma situação em que “alguém chutou o pau da barraca e voaram cacos para todos os lados”.

Cenário IV (A caminho de uma hegemonia popular). As forças populares e defensoras das nações dominadas tomam consciência do processo, ao mesmo tempo espoliativo e degenerativo e lhe opõem resistência com determinação e eficácia. Estancam, assim,

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o processo e invertem as prioridades estabelecidas pelo capital e seus grupos de interesses.

No momento em escrevemos estas notas, na transição do século e do milênio, ainda não há exemplos que indiquem perspectivas concretas de trajetórias nessa direção. A Venezuela, supondo-se serem verdadeiros os conteúdos dos discursos do presidente Chá-vez, pode se tornar um protótipo de transição democrática nesse sentido. Não há, porém, ainda garantias de que isso ocorra. Quan-to à Colômbia e ao México, os movimentos guerrilheiros existentes parecem ainda distantes de uma consolidação como caminho para um projeto de hegemonia popular. Até porque na Colômbia a guerrilha já dura quase quarenta anos sem qualquer definição quanto à tomada do poder e no México, o Subcomandante Marcos diz textualmente que não pretende o poder o que, à distância, nos parece também um tanto incompreensível.

No cenário que estamos analisando é pressuposta a existência real de condições para um confronto direto com o projeto neoliberal. Assim, em tese, é necessário num primeiro momento retomar o princípio dos Estados nacionais e desenvolver projetos próprios para cada país, de tal modo que contemplem as condições intrín-secas mais importantes de cada povo, mas que estejam integrados no espírito da solidariedade universal. O passo seguinte será de-senvolver e executar um projeto abrangente de integração plane-tária, dentro de um espírito de unidade e solidariedade universali-zadas. Será isso impossível e/ou absurdo? Entendemos que não.

Em suma, as perspectivas mais visíveis são:

a) a continuidade, caso a caso, das situações I e II nos países neo-liberalizados.

b) a ocorrência da hipótese III, pura e simples;

c) a combinação de cada um dos cenários I e II com o IV.

É preciso reconhecer que é muito desconfortável a constatação de que, para qualquer das situações previstas para o colapso do capi-talismo, ainda não foi concebido qualquer sistema para ser posto no seu lugar.

Parece que, apesar das muitas evidências, os nossos pensadores não acreditam nessa hipótese. Como não compartilhamos desse entendimento, nem por otimismo nem por acomodação ou aceita-

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ção tácita da ideologia da dominação perene do capitalismo, afir-mamos que:

a) é necessário pensar um novo sistema, com urgência;

b) esse novo sistema estará centrado, inexoravelmente, na preva-lência da essencialidade do ser humano como sua célula-máter.

É justamente nessa direção que desenvolvemos no Caderno se-guinte uma tão singela quanto ambiciosa hipótese de solução.

Destaques finais

1. Por que o Homem é considerado um ser superior, em relação aos demais seres vivos existentes na Terra? Donde provém esse privilégio? Será descabido supor que isso pode provir de um plano supra ou extraterrestre ou cósmico? (∗)

2. Para enfatizar as verdadeiras aberrações produzidas pelo capita-lismo selvagem na concepção e no trato das questões humanas e sociais, vamos desenvolver um raciocínio simples, mas não simplista.

Abstraídas as diferenciações visualmente perceptíveis - e cho-cantes! - qual a diferença, por exemplo, entre o Bil Gates e um habitante da Namíbia ou de qualquer outra região paupérrima do planeta? Sob o ponto de vista da essência humana material, não há diferença alguma, pois ambos são indivíduos da mesma espécie, com origem na mesma fonte genética primaria e pri-mordial, conforme já está demonstrado cientificamente. A dife-rença fundamental é estritamente econômica, porque o Bil Ga-tes ganha em menos de um segundo o equivalente ao que po-derá ganhar o namíbio em toda a sua existência.

Qual linha de argumentação filosófica, sociológica, antropológica ou mesmo econômica será capaz de sustentar e justificar tal absurdo? Absolutamente nenhuma, ou seja, não há argumenta-ção possível, mesmo sofismática, que dê conta da defesa de tal disparate. Absurdos como esse, porém, existem e são realida-des que constatamos a todo o momento e - absurdo dos absur-dos -, são aceitas com naturalidade, como situações triviais.

(∗) Cósmico aqui, à falta de outro termo mais adequado, tem o significado de algo mais amplo e abrangente do que o sentido etimológico usual, que é apenas o relativo a cosmo (do grego Kosmos, mundo).

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Como podemos interpretar essas situações? Várias abordagens feitas ao longo da argumentação desenvolvida neste ensaio, in-clusive com apoio em opiniões de renomados pensadores, po-dem indicar algumas pistas. Todas elas, porém, convergem pa-ra um ponto muito nítido: a dominação, a exploração, a exclu-dência e a degenerescência do sistema capitalista, especialmen-te do seu modelo atual, o neoliberalismo, são responsáveis por aberrações como essas.

3. Não satisfeito com a trajetória de degenerescência das suas inter-relações, o Homem tem promovido com significativa eficá-cia a destruição também de outras espécies do planeta. E vem procedendo de tal modo que, nessa marcha, poderá destruí-lo completamente, incluindo a própria espécie. Claro está que não se trata de uma acusação genérica nem generalizada a todos os seres humanos. As responsabilidades não estão uniformemente distribuídas por todos os habitantes do planeta; ao contrário, elas são diretamente proporcionais às dimensões e às ações do poder econômico e do poder político, onde mais se concentram e onde mais são dominadores, exploradores e alienadores no que se refere às relações e interações sociais.

4. A discussão que vem sendo travada, inclusive neste estudo, permite concluir que o sistema capitalista está em uma zona cinzenta da sua história, onde ainda existe alguma possibilidade de retornos pontuais ou algum desvio para uma readaptação, tal que lhe permita uma sobrevida ou a transmutação em outra forma derivada, como já ocorreu outras vezes na história do ca-pitalismo. Entretanto, tudo está a indicar que o processo já a-vançou muito na sua trajetória crescente de concentração mo-netária e exclusão social e não haverá retorno possível. Nesse rumo, o caos em escala mundial se estabelecerá.

5. Os estudos e leituras que temos realizado e os debates dos quais temos participado, só têm servido quase exclusivamente para constatar as realidades existentes. Ou seja, são apenas análises e diagnósticos das conjunturas e estruturas políticas, econômicas, sociais e humanas vigentes que tem avançado muito pouco e muito lentamente, sem a formulação e apresen-tação de propostas para superar as crises diagnosticadas. Es-sas dificuldades parecem ser devidas também à opressão ideo-lógica produzida para a dominação capitalista, a qual é aceita e assimilada muito além do compreensível.

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O suporte ideológico para a idéia da inexorabilidade, da perfei-ção, da perenidade e da supremacia do sistema capitalista foi muito além do tolerável. O avanço é de tal e tal ordem que, se progredir mais um pouco nessa trajetória, poderá produzir, en-tre outras coisas, a transmutação dos seres humanos em autô-matos hipnotizados ou em “robôs-vivos”. Exagêro? Quem po-derá afirmar com segurança que sim ou que não?

6. Vimos que o próprio desenvolvimento científico está, em boa parte, caudatário do processo de acumulação econômica e fi-nanceira e do poder político. Assim, os objetivos ideológicos de sustentação e manutenção do ‘status quo’ estão presentes no pensamento científico e também no pensamento filosófico.

7. A imensa maioria dos avanços tecnológicos que estão mais ou menos visíveis e previsíveis, se destinará a satisfazer as neces-sidades somente daqueles que detêm condições econômicas e financeiras para adquirir e sustentar essas inovações consumis-tas.

8. Quanto ao trabalho, é notório, que os países pobres estão, de modo crescente, exportando empregos para os países ricos, en-quanto estes exportam desemprego e precarização do trabalho.

9. O crescimento da produtividade do trabalho tem sido muito maior do que o crescimento da remuneração dos trabalhadores, o que significa maior grau de expropriação do trabalho.

10. Os crescentes ganhos do capital pela financeirização, em detri-mento dos sistemas produtivos, fazem com que os institutos do emprego e do salário possam ser destruídos e o capitalismo se torne cada vez mais excludente sob os aspectos humanos e so-ciais.

11. Em suma, esse sistema, como um vírus destrutivo das condi-ções de vida de imensas parcelas da humanidade, se dissemi-nou e se infiltrou de forma tão ampla quanto profunda e ocupou espaços inimagináveis. Não é, porém, invencível e não domina-rá por muito tempo.

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NOTAS

i Cf. entrevista publicada na Folha de São Paulo de 04.11.97. ii Trabalho apresentado no seminário internacional Estratégias Liberais de Refundação: Dilemas Contemporâneos do De-senvolvimento iii In: SADER e GENTILI (1995) iv GLUKSTEIN, Daniel, Alguns dados sobre o imperialismo senil e a marcha para o desmembramento do mercado mundial v Cf. artigo de Antonio Negri publicado na Folha de S.Paulo de

25.10.98, Caderno Mais!. vi KURTZ, Robert, Os últimos combates vii RIFKIN, Jeremy - ..... pg. 312