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R.Adm., São Paulo, v.45, n.3, p.221-237, jul./ago/set. 2010 221 RESUMO Tendências da cooperação em redes horizontais de empresas: o exemplo das redes varejistas na Alemanha A Alemanha é um dos países em que a cooperação empresarial alcançou os maiores desenvolvimento e organização, especialmente sob a forma de redes horizontais de empresas. O número de arran- jos cooperativos e os resultados alcançados pelas redes ao longo de várias décadas em atividade são significativos, servindo como interessante exemplo para as redes brasileiras. Neste artigo, apre- senta-se o cenário atual da cooperação em redes horizontais na Alemanha, bem como as tendências para a organização e a gestão dessas redes no futuro. O estudo foi realizado com base em dados secundários e entrevistas em profundidade com especialistas ale- mães no tema, notadamente acadêmicos, consultores organiza- cionais, gestores de redes e representantes de entidades selecio- nados em função de seu conhecimento sobre o assunto. Os resul- tados demonstram o alto grau de profissionalismo da gestão das redes, a tendência a uma governança centralizada como alternativa para coordenar grandes redes e a tendência a modelos mistos de organização, combinando o sistema cooperativo com o sistema de filiais e o sistema de franquias. A formação de alianças entre redes, a fusão de grupos cooperativos e a busca da internacionalização são outras tendências que merecem destaque na opinião dos espe- cialistas, contribuindo não só para a metamorfose dos modelos de cooperação empresarial, mas também para a sua manutenção como importante estratégia de sobrevivência e aumento da competiti- vidade de empresas independentes na Alemanha. Palavras-chave: cooperação, redes empresariais, redes horizontais, estratégia. 1. INTROUÇÃO De acordo com a Zentralverband Gewerblicher Verbundgruppen (ZGV) (1) , atualmente há cerca de 200 mil empresas do varejo vinculadas a algum tipo de cooperação na Alemanha, reunidas em mais de 320 grupos ou redes empresa- Douglas Wegner, Graduado em Administração e Pós-Graduado Lato Sensu em Gestão Estratégica Empresarial pela Universidade de Santa Cruz do Sul, Mestre em Administração pela Universidade Federal de Santa Maria, é Doutorando em Administração na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (CEP 90010-460 Porto Alegre/RS, Brasil). E-mail: [email protected] Endereço: Universidade Federal do Rio Grande do Sul Escola de Administração Rua Washington Luis, 855 90010-460 Porto Alegre RS Antonio Domingos Padula, Doutor em Ciências de Gestão pela École Supérieure des Affaires da Universidade de Grenoble-II, França, é Professor Adjunto do Departamento de Ciências Administrativas e do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (CEP 90010-460 Porto Alegre/RS, Brasil). E-mail: [email protected] Douglas Wegner Antonio Domingos Padula Recebido em 13/setembro/2009 Aprovado em 16/julho/2010 Sistema de Avaliação: Double Blind Review Editor Científico: Nicolau Reinhard This is an Open Access article under the CC BY license.

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Tendências da cooperação em redeshorizontais de empresas: o exemplo dasredes varejistas na Alemanha

A Alemanha é um dos países em que a cooperação empresarialalcançou os maiores desenvolvimento e organização, especialmentesob a forma de redes horizontais de empresas. O número de arran-jos cooperativos e os resultados alcançados pelas redes ao longode várias décadas em atividade são significativos, servindo comointeressante exemplo para as redes brasileiras. Neste artigo, apre-senta-se o cenário atual da cooperação em redes horizontais naAlemanha, bem como as tendências para a organização e a gestãodessas redes no futuro. O estudo foi realizado com base em dadossecundários e entrevistas em profundidade com especialistas ale-mães no tema, notadamente acadêmicos, consultores organiza-cionais, gestores de redes e representantes de entidades selecio-nados em função de seu conhecimento sobre o assunto. Os resul-tados demonstram o alto grau de profissionalismo da gestão dasredes, a tendência a uma governança centralizada como alternativapara coordenar grandes redes e a tendência a modelos mistos deorganização, combinando o sistema cooperativo com o sistema defiliais e o sistema de franquias. A formação de alianças entre redes,a fusão de grupos cooperativos e a busca da internacionalizaçãosão outras tendências que merecem destaque na opinião dos espe-cialistas, contribuindo não só para a metamorfose dos modelos decooperação empresarial, mas também para a sua manutenção comoimportante estratégia de sobrevivência e aumento da competiti-vidade de empresas independentes na Alemanha.

Palavras-chave: cooperação, redes empresariais, redes horizontais,estratégia.

1. INTROUÇÃO

De acordo com a Zentralverband Gewerblicher Verbundgruppen (ZGV)(1),atualmente há cerca de 200 mil empresas do varejo vinculadas a algum tipo decooperação na Alemanha, reunidas em mais de 320 grupos ou redes empresa-

Douglas Wegner, Graduado em Administração ePós-Graduado Lato Sensu em Gestão EstratégicaEmpresarial pela Universidade de Santa Cruz do Sul,Mestre em Administração pela Universidade Federalde Santa Maria, é Doutorando em Administração naUniversidade Federal do Rio Grande do Sul(CEP 90010-460 − Porto Alegre/RS, Brasil).E-mail: [email protected]ço:Universidade Federal do Rio Grande do SulEscola de AdministraçãoRua Washington Luis, 85590010-460 − Porto Alegre − RS

Antonio Domingos Padula, Doutor em Ciências deGestão pela École Supérieure des Affaires daUniversidade de Grenoble-II, França, é ProfessorAdjunto do Departamento de Ciências Administrativase do Programa de Pós-Graduação em Administraçãoda Universidade Federal do Rio Grande do Sul(CEP 90010-460 − Porto Alegre/RS, Brasil).E-mail: [email protected]

Douglas WegnerAntonio Domingos Padula

Recebido em 13/setembro/2009Aprovado em 16/julho/2010

Sistema de Avaliação: Double Blind ReviewEditor Científico: Nicolau Reinhard

This is an Open Access article under the CC BY license.

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riais. Trata-se de empresas de mais de 45 ramos de atividadeque empregam em torno de 2,4 milhões de trabalhadores emtempo integral, oferecem 440 mil postos de formação profissio-nal e representam um faturamento anual de 350 bilhões deeuros (VELTMANN, 2009). Entre os setores com o maior nú-mero de redes horizontais de empresas varejistas destacam-seos de varejo de alimentos (38 redes), móveis (32 redes), mate-riais de construção (24 redes), vestuário (24 redes), autopeçase acessórios (24 redes), eletrodomésticos e comunicação (22redes).

Nos setores de varejo de materiais de construção e varejode móveis, por exemplo, as redes têm um papel de domínio,respectivamente com 76% e 62% do mercado alemão, assimcomo exercem um papel importante nos setores de eletroele-trônicos, atacado de medicamentos, artigos esportivos e óti-cas (DANNENMAIER, SAALFRANK e LINDEBNER, 2003).Algumas dessas redes possuem mais de um século de existên-cia e a maioria delas foi construída ao longo de muitas décadasde trabalho coletivo e adaptações nos sistemas de governançae gestão para acompanhar as mudanças no mercado. A repre-sentatividade das redes empresariais em diversos segmentosda economia alemã indica o êxito da estratégia cooperativa esua capacidade de adaptação.

A forma de constituição dessas redes de empresas é concei-tualmente parecida com o modelo de redes horizontais de em-presas ou redes de cooperação existente no Brasil. Segundoos autores alemães Zentes, Morschett e Neidhart (2003), porsistemas de cooperação horizontal entendem-se as formas decooperação em que empresas legalmente independentes, deum mesmo setor de atividade, muitas vezes atuais ou poten-ciais concorrentes, atuam coletivamente com o objetivo dereforçar sua posição competitiva em relação a seus concorren-tes ou em relação a elos anteriores ou posteriores da cadeia.Da mesma forma, no modelo brasileiro de redes horizontaisinexiste o papel de empresa focal que coordena as demais.Apesar de cooperarem, as empresas que formam redes man-têm sua individualidade e sua independência, realizando emconjunto atividades predeterminadas e que visam atingir ob-jetivos comuns (VERSCHOORE, 2006).

Os conceitos revelam as características similares das re-des horizontais no Brasil e na Alemanha: empresas de um mes-mo setor que permanecem legalmente independentes e coope-ram em aspectos predefinidos. Cada rede, além de possuir umsistema de governança cujo objetivo é garantir que os interes-ses dos associados sejam atendidos, adota uma estrutura epráticas de gestão que permitam o alcance dos objetivos esti-pulados pelas empresas integrantes. O sucesso alcançadopelas redes de empresas alemãs pode gerar indicativos de ten-dências ou, ao menos, oportunidades de reflexão para gestoresde redes de empresas em processo de crescimento e desen-volvimento.

Com base nessas observações, neste artigo se parte daseguinte problemática: quais as soluções encontradas pelas

redes varejistas alemãs em termos de governança e gestãopara se manterem eficientes e competitivas em uma economiaaltamente competitiva e que tendências podem ser verificadasno que se refere à forma de estruturação e de atuação dessasredes no mercado nos próximos anos? Do ponto de vista teó-rico, o estudo tem como objetivo analisar a governança e ges-tão das redes varejistas alemãs e tendências de organizaçãodessas redes no futuro. Do ponto de vista gerencial, o artigotem como objetivo descrever como a forma de organizaçãodas redes contribuiu para aumentar sua eficiência e obter re-sultados que colocam as redes como arranjos organizacionaiscompetitivos no mercado alemão. A opção pela análise dasredes varejistas – e não outros modelos de cooperação – deve--se ao grau de organização dessas redes na Alemanha, à faci-lidade de acesso a dados consolidados e de contatos comseus representantes e entidades.

A esta introdução, segue uma revisão teórica a respeito degovernança e gestão de redes horizontais de empresas, visan-do situar o leitor sobre dois temas centrais na discussão dopresente artigo. Na terceira seção, apresenta-se a metodologiade pesquisa utilizada, sendo os resultados do estudo expos-tos na quarta seção. Uma discussão e reflexão sobre os princi-pais aspectos levantados compõem a quinta seção e as consi-derações finais do estudo são apresentadas na sexta seção doartigo.

2. COOPERAÇÃO, GOVERNANÇA E GESTÃO DEREDES INTERORGANIZACIONAIS

A discussão sobre redes horizontais de empresas propostaneste estudo baseia-se em três marcos teóricos: a estratégiacooperativa, a governança de redes de empresas e a gestão derelações interorganizacionais. O primeiro aspecto refere-se àdecisão de cooperar, visto que essa é uma alternativa estraté-gica que concorre com outras possibilidades de organizaçãodas atividades empresariais. Isto é, a cooperação não deve sertomada como a única ou a melhor solução para qualquer orga-nização, em todas as ocasiões. Em cada situação, existem pos-sibilidades estratégicas alternativas que podem ser mais ade-quadas e podem conduzir a resultados superiores. Em vez decooperar, uma empresa pode, por exemplo, optar pela integraçãovertical, pela aquisição de recursos e tecnologias ou simples-mente continuar atuando individualmente no mercado.

Devido ao expressivo número de estudos destacando osbenefícios da cooperação tanto no Brasil (VERSCHOORE eBALESTRIN, 2008; BALESTRIN, VERSCHOORE e REYES,2010) como em outros países (PROVAN e MILWARD, 1995;HUMAN e PROVAN, 1997; PODOLNY e PAGE, 1998; OLIVERe EBERS, 1998), pode-se concluir equivocadamente que cola-borar com outras empresas sempre é a estratégia mais adequa-da. Os resultados de muitos estudos, embora demonstrem ospontos positivos das estratégias colaborativas, encobrem ofato de que o sucesso da cooperação resulta de significativos

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esforços de constituição, coordenação e manutenção. Apesardisso, ainda é pequeno o número de estudos que se preocu-pam com aspectos críticos da cooperação interorganizacional,como a governança e a gestão (PEREIRA e PEDROZO, 2004;PROVAN, FISH e SYDOW, 2007).

Uma vez tomada a decisão de cooperar e essa tenha sidoescolhida como a melhor estratégia para determinada situa-ção, passa a ser necessário organizar o arranjo cooperativopara que os resultados esperados sejam atingidos. É um equí-voco acreditar que a constituição de uma rede cooperativa,por si só, seja suficiente para que os objetivos coletivos sejamalcançados (VERSCHOORE, 2006), sendo indispensável criarum sistema de governança e organizar a gestão da rede demaneira que os resultados obtidos coletivamente sejam supe-riores àqueles possíveis a cada empresa alcançar atuando in-dividualmente. Esses são dois aspectos críticos que podemdeterminar as chances de que os resultados esperados sejamrealmente alcançados por meio da estratégica cooperativa.

2.1. Governança de redes de empresas

A governança de redes de empresas difere da governançacorporativa no sentido de que os atores governados são fir-mas, não indivíduos. A estrutura de governança cooperativaé, portanto, resultado de um processo de barganha entre asempresas participantes do arranjo ou entre os gestores des-sas empresas, cada um considerando os benefícios de fazerparte da cooperação e com isso atingir seus objetivos indivi-duais. Essas empresas concordam em abrir mão da liberdadeindividual em alguma medida e permitir ao arranjo cooperativocoordenar certos aspectos de seu negócio sob o regime dasregras criadas pelo grupo (ALBERS, 2005). As regras de gover-nança precisam equilibrar interesses conflitantes para asse-gurar a viabilidade de longo prazo da rede, especialmente quan-do há atores com interesses divergentes ou potencialmentediferentes e assimetria de informações (THEURL, 2005).

De maneira objetiva, a governança da rede refere-se à for-ma como essa rede será estruturada e organizada, seus meca-nismos regulatórios e de tomada de decisão, para garantir osinteresses dos membros e assegurar que as normas estabele-cidas sejam cumpridas tanto pelos gestores quanto pelos par-ticipantes. Theurl (2005) destaca que as regras envolvem pro-cedimentos para a gestão da cooperação, mecanismos para atomada de decisões, formas de solucionar conflitos e manei-ras de adaptar a cooperação, incluindo regras de entradas esaídas, bem como estruturas de comunicação. Ao mesmo tem-po em que esse sistema de governança precisa ser aceito pe-los membros (no sentido que eles se sintam satisfeitos com oslimites de seus direitos decisórios), ele deve garantir à rede aagilidade e a flexibilidade necessárias para a tomada de deci-são em um mercado altamente competitivo.

Em uma perspectiva macro de organização de redes deempresas, Provan e Kenis (2007) descrevem três modelos bá-

sicos de governança, que podem ser combinados e a partirdos quais podem surgir modelos híbridos. Esses modelos sãodenominados de governança compartilhada, governança comorganização líder e governança por meio de uma organizaçãoadministrativa da rede (OAR). Os modelos possuem vanta-gens e desvantagens que se tornam mais latentes de acordocom as características da relação interorganizacional em análi-se. Um modelo não é necessariamente superior ao outro, maspode ser mais adequado dependendo das condições em queserá empregado, as características dos participantes e o ambi-ente de negócios em que a rede está inserida.

Redes que adotam o modelo de governança compartilhadaconsistem em grupos de organizações que não possuem umaestrutura administrativa formal e exclusiva. A tomada de deci-sões e organização da rede ocorre por meio de reuniões dosrepresentantes das empresas. A efetividade desse modelo degovernança depende em grande parte do envolvimento e com-prometimento das organizações participantes, sendo elas pró-prias responsáveis pelo gerenciamento dos relacionamentosinternos da rede e com os atores externos. Nessa estrutura, ospróprios parceiros tomam todas as decisões, implementam egerenciam as atividades da parceria. Não há uma entidade ad-ministrativa formal e distinta, embora certas atividades admi-nistrativas e de coordenação possam ser realizadas por umconjunto de participantes. Esse modelo pode ter como pontosfortes a inclusão e o envolvimento de todos os parceiros natomada de decisões, bem como a flexibilidade e a responsivi-dade da rede às necessidades dos participantes, mas podenão ser muito eficiente porque depende dos esforços de ato-res com muitos outros comprometimentos de recursos e tempo.

Um segundo modelo de governança descrito por Provan eKenis (2007) é denominado modelo da organização líder, quetipicamente ocorre em relacionamentos verticais, de cliente--fornecedor, nos quais há uma organização maior e mais pode-rosa e um conjunto de firmas menores e mais fracas. O modelotambém pode ocorrer em redes horizontais multilaterais, quan-do uma organização possui recursos suficientes e legitimida-de para exercer uma posição de liderança. Nessa estrutura, osmembros da rede compartilham ao menos alguns objetivoscomuns ao interagir uns com os outros, ao mesmo tempo emque mantêm objetivos individuais. Essa estrutura de gover-nança pode ser identificada nos keiretsu japoneses (TODEVA,2006), em redes verticais (CASAROTTO FILHO e PIRES, 1999)e redes estratégicas (JARILLO, 1988) em que uma organizaçãoassume o papel de coordenadora.

Provan e Kenis (2007) denominam o terceiro modo degovernança como modelo de organização administrativa darede (OAR), no qual uma entidade administrativa é criada es-pecificamente para gerenciar as atividades da rede. No entan-to, a OAR não é uma nova firma ou agência, estabelecida paramanufaturar os próprios bens ou oferecer seus serviços. Agestão de uma rede nesse modelo tende a ser mais eficiente,especialmente quando comparada com a governança compar-

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tilhada, que pode tornar-se extremamente complexa quando onúmero de participantes aumenta. A OAR pode ser modestaou uma forma organizacional mais complexa, que coordena asatividades e decisões-chave por meio de uma entidade sepa-rada. As vantagens desse modelo são sua eficiência, susten-tabilidade e legitimidade, especialmente para os atores exter-nos à rede.

A partir desses três modos básicos de governança de re-des, podem surgir formas híbridas. Participantes de uma redecom governança compartilhada podem, por exemplo, instituiruma OAR para lidar com aspectos e atividades específicas, aomesmo tempo em que mantêm a governança compartilhadapara que continue havendo um nível mínimo de envolvimentoe participação dos atores da rede nas decisões. Para Provan eKenis (2007), algumas formas de governança podem ser estru-turas transitórias, modificadas à medida que a rede se desen-volve. O crescimento e desenvolvimento da rede podem levarà necessidade de uma estrutura mais formalizada. Em um estu-do de uma rede interorganizacional, Knight e Pye (2005) ob-servaram que ela se iniciou com uma organização informal egovernança compartilhada, estruturando uma OAR formal como passar do tempo, em função do próprio crescimento e de-senvolvimento da rede.

2.2. Gestão de redes de empresas

No que se refere à gestão, significa compreender a redecomo uma nova firma que necessita ser gerenciada. No limite,a gestão de uma rede terá como objetivo perpetuar o arranjointerorganizacional, o que somente será possível à medida queos empresários percebam a participação na rede como positi-va e necessária para suas empresas. É fundamental ressaltarque diferentes empresários podem ter motivações diversaspara integrar a rede, sendo relevante que ela mantenha a capa-cidade de suprir essas motivações de maneira satisfatória.Embora as motivações econômicas possivelmente estejamentre as mais importantes para o ingresso e permanência deuma empresa na rede, não se devem ignorar outros aspectoscomo status ou necessidade de legitimação.

A gestão de uma rede interorganizacional, segundo Hibbert,Huxham e Smith Ring (2008), refere-se a uma série de proces-sos e práticas realizadas por um time de indivíduos, focadatanto na definição da direção a ser tomada por uma entidadeinterorganizacional quanto na alocação e implementação derecursos para alcançar esses fins. Infelizmente, nem sempre osparticipantes de uma rede compreendem a necessidade de es-tabelecer uma estrutura de gestão para a entidade cooperati-va, criando meios para efetivamente alcançar os objetivos pro-postos. Conforme Verschoore (2006), isso faz com que a redede formato associativo muitas vezes seja vista como uma tá-bua de salvação para a superação de dificuldades das empre-sas isoladas e solução para as crises enfrentadas, sem os es-forços gerenciais esperados para o alcance dos resultados.

Hage e Alter (1997) acreditam que a gestão de redes deempresas se torna mais problemática à medida que as redes setornam mais complexas. Isso ocorre porque tarefas de comple-xidade crescente são realizadas por meio de estruturas em rede;as redes de empresas cada vez mais estão ultrapassando oslimites de fronteiras definidas, sendo em muitos casos multis-setoriais; empresas muitas vezes fazem parte de mais de umarede de negócios; a diversidade dos participantes de redesvem aumentando consideravelmente. Além disso, Sydow(2006) ressalta que, comparada com a de organizações indivi-duais e corporações, a gestão de redes de organizações impli-ca mudanças significativas das funções e papéis da gestãotradicional. Os gestores não podem preocupar-se tão somenteem desenvolver e implementar estratégias no nível das empre-sas individuais ou no nível das áreas de negócio. A essa tarefajunta-se a necessidade de formular e implementar estratégiascoletivas, que atendam aos interesses dos participantes.

Entre as atividades desenvolvidas pela gestão de redesinterorganizacionais está a oferta de serviços às empresas as-sociadas e o desenvolvimento de estratégias de crescimento,especialmente no caso de redes varejistas, em que o volumede negócios é um dos fatores centrais para a competitividade.Uma rede que não alcança um porte mínimo que lhe garantalegitimidade para obter benefícios com os parceiros corre orisco de que os participantes não obtenham os resultados espe-rados e não percebam a cooperação como fundamental paraseu negócio. Segundo Olesch e Ewig (2003), embora existamredes de pequeno porte, baseadas nos argumentos de flexibi-lidade e agilidade, os resultados mostram que no varejo o tem-po de existência dessas redes geralmente é limitado, devido aopequeno volume de compras e a sua incapacidade de atenderàs expectativas dos associados por serviços e apoio gerenciale mercadológico. Não só a possibilidade de obter ganhos nanegociação com fornecedores fica ameaçada, como a oferta deserviços torna-se limitada ou inviabilizada se não houver umnúmero suficientemente grande de participantes para arcar comos custos.

Groβ (2003) descreve duas estratégias de crescimento consi-deradas básicas e que objetivam o crescimento da rede a partirde seus negócios atuais: penetração de mercado e aumento deeficiência. Tais estratégias não implicam mudanças significati-vas nas atividades que a rede já vem desempenhando.

A estratégia de penetração de mercado refere-se a captarnovos associados e otimizar os resultados com os associadosatuais, procurando aumentar a fidelidade destes com a rede,desenvolver marcas próprias, conquistar novos fornecedorese melhorar o portfolio de serviços oferecidos pela rede aosassociados. Outras ações referem-se a fortalecer o comprome-timento dos associados, obter maior homogeneidade na apre-sentação ao mercado ou até mesmo criar conceitos de negóciodiferentes dentro da mesma rede.

A segunda estratégica básica consiste em aumentar a efi-ciência da rede, ou seja, oferecer aos associados um portfolio

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de serviços da maneira mais eficiente possível. Isso implica,por exemplo, homogeneizar o sortimento de produtos dos as-sociados e focar em um grupo de fornecedores para obtermelhores condições. Em paralelo, a rede também pode desen-volver ações que tornem mais eficientes seus processos decompra, logística, gestão e regulação central.

Como alternativa ou complemento às estratégias básicas,Groβ (2003) apresenta outras com foco externo à rede: diversi-ficação, horizontalização, verticalização e internacionalização.A diversificação implica acrescentar à rede associados emnovos segmentos de negócio, correlatos ao negócio original eque permitam gerar sinergias, ou então ampliar o sortimentode produtos e a atuação da rede com os atuais associados(GROβ, 2003). Em contrapartida, a estratégia de horizontaliza-ção é executada por meio de cooperações com outras redes,fusões e aquisições de redes já existentes, gerando crescimentocom menores riscos, porque internaliza a experiência dos no-vos parceiros nos respectivos mercados.

Outra estratégia de crescimento é a internacionalização,quando a rede já atingiu uma expansão significativa no merca-do interno. Pode ser implementada pela conquista de associa-dos em outros países, cooperação com redes de empresas deoutros países, abertura de filiais da rede no exterior ou pormeio de uma organização supranacional (GROβ, 2003). Averticalização é igualmente uma estratégia de crescimento pos-sível para redes de empresas, com o objetivo de integrar ou-tros elos da cadeia de valor e com isso melhorar sua posiçãocompetitiva (GROβ, 2003). Redes de empresas podem, por exem-plo, optar por estabelecer empresas que desempenhem fun-ções industriais e sejam fornecedoras de produtos específi-cos a seus associados, substituindo fornecedores parceiros eabsorvendo a margem desses em favor da própria rede. Aindacomo estratégia de verticalização, redes podem optar pelo es-tabelecimento de filiais próprias ou sistemas de franquias, rea-lizando a função exercida pelos próprios associados.

Os conceitos anteriores destacaram dois aspectos de gran-de importância para o desenvolvimento dos arranjos coopera-tivos (governança e gestão) e que, por isso, merecem atençãodos gestores e dos participantes. Pode-se acrescentar que asredes são estruturas dinâmicas, em constante modificação.Redes interorganizacionais são sujeitas à evolução dinâmicaporque as formas, resultados e avaliações dos atores envolvi-dos mudam ao longo do tempo. As próprias mudanças nosresultados obtidos com a cooperação geram processos dinâ-micos de desenvolvimento das redes (EBERS e GRANDORI,1999). Processos de reavaliação, aprendizagem e adaptaçãopodem levar a ajustes internos da relação cooperativa e, inclu-sive, à possibilidade de finalização das relações interorgani-zacionais originalmente estabelecidas.

De acordo com Ebers e Grandori (1999), a dinâmica dasrelações interorganizacionais pode ser explicada a partir demudanças na base de recursos, na base informacional e nasexpectativas dos atores que compõem as redes. Isso implica

que gestores ou responsáveis pela condução das atividadesprecisam ser capazes de promover as alterações no sistema degovernança, na forma de gerenciar a rede e nos serviços ofere-cidos aos associados, para que eles se mantenham interessa-dos na cooperação e percebam os benefícios. Um quarto fator,não citado por Ebers e Grandori (1999), poderia ser acrescen-tado: os resultados e a efetividade da rede também influen-ciam a dinâmica das relações. Resultados satisfatórios impac-tam na disposição dos participantes em colaborar e inclusiveem aceitar mudanças no sistema de governança e gestão darede. Quando os resultados são insatisfatórios, os empresá-rios podem ficar receosos em abrir mão de seus direitos decisó-rios ou permitir que a gestão da rede seja mais autônoma.

O princípio básico para a continuidade da existência deuma rede, conforme Jarillo (1988), é que os ganhos provenien-tes da cooperação sejam superiores, no longo prazo, aos lu-cros que podem ser obtidos fora da rede. Por sua vez, a manu-tenção de ganhos superiores ao longo do tempo deve exigirdos participantes e gestores a capacidade de realizar mudan-ças na estrutura da rede, nas práticas de gestão e no sistemade governança. Assim como a gestão de uma organização pre-cisa estar atenta às alterações internas e pressões ambientais,cabe aos responsáveis pela coordenação de redes empresariasdetectar a necessidade de modificações para que os resulta-dos sejam mantidos ou ampliados.

A revisão teórica apresentada serve como base para a des-crição e a análise das redes de empresas alemãs, a partir doesquema teórico-conceitual proposto na figura 1. O ponto cen-tral está na compreensão de como essas redes estruturaramsua governança e sua gestão para manter a competitividade,bem como as tendências para o futuro em relação a essasvariáveis. Um aspecto importante é que governança e gestão,ainda que sejam conceitos distintos, estão relacionados e in-fluenciam-se mutuamente, impactando na competitividade darede e das empresas do arranjo.

3. ASPECTOS METODOLÓGICOS

O estudo tem caráter exploratório e foi realizado com oobjetivo de analisar a governança e a gestão das redes varejis-tas alemãs e as tendências de organização dessas redes nofuturo. A escolha da Alemanha deve-se à existência de grandenúmero de redes de empresas nesse país, muitas delas comdécadas de existência e com estruturas de gestão estabelecidase gestores profissionais. As redes varejistas estão organiza-das em uma associação que as representa e defende seus inte-resses, gerando dados consolidados sobre o conjunto dasredes. O fato de várias redes ocuparem posição de destaqueem seu mercado de atuação e contarem com grande número deassociados sinaliza o seu grau de competitividade e a eficiên-cia das estratégias cooperativas adotadas.

Como objeto de estudo definiram-se as redes alemãs dovarejo e, em específico, a estrutura de governança, as práticas

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de gestão e a organização dessas redes. Foram analisadas asseguintes variáveis, delineadas a partir da revisão teórica apre-sentada na seção anterior e sintetizadas na figura 1: os mode-los e mecanismos de governança e a organização dos proces-sos decisórios das redes de empresas; as práticas de gestão eestratégias de crescimento utilizadas. Os dados da pesquisaempírica foram coletados a partir de duas fontes: dados se-cundários, obtidos de estudos sobre redes de empresas naAlemanha, e informações consolidadas a respeito das redesalemãs, disponíveis em bancos de dados e publicações acadê-micas; e realização de entrevistas em profundidade com qua-tro especialistas no tema redes de empresas na Alemanha. Aopção pela realização de entrevistas semiestruturadas deve--se à flexibilidade da técnica, que permite ao entrevistador es-clarecer perguntas, formular de maneira diferente e especificarsignificados (COLIN e KNOBEL, 2008), atendendo às necessi-dades do estudo. O roteiro de perguntas baseou-se nas variá-veis descritas no início deste parágrafo, notadamente em rela-ção a organização, governança e gestão atual das redes ale-mãs e tendências em relação a esses aspectos, na opinião dosentrevistados.

As entrevistas ocorreram em junho e julho de 2009 com odiretor-geral da Federação das Redes de Empresas Varejistasda Alemanha (ZGV), um pesquisador do Instituto de Pesquisassobre o Varejo da Universidade de Colônia, especializado notema cooperação, e o presidente da consultoria Kompetenz-zentrum Netzwerkmanagement (KNM), dedicada ao desenvol-vimento e ao apoio a redes de empresas na Alemanha. Entre-

vistou-se, ainda, o presidente da maior rede de lojas de artigosesportivos do país (Rede Intersport), com 1.400 pontos de ven-da, e vice-presidente da organização internacional à qual a redeestá associada, presente em 25 países. Os entrevistados sãoespecialistas que representam diferentes perspectivas sobre otema cooperação em redes e permitiram o cruzamento de infor-mações acerca das variáveis propostas no estudo.

Cada entrevista durou entre 60 e 90 minutos, sendo poste-riormente transcrita e analisada, identificando-se as opiniõesdos especialistas em relação às variáveis do estudo. Tanto osdados secundários quanto as informações das entrevistasforam agrupados em temas para melhor compreensão dagovernança, gestão e organização das redes de empresas. Nasequência do artigo, esses temas são apresentados e posterior-mente discutidos, gerando insights sobre o desenvolvimentodas redes e tendências para a cooperação empresarial em re-des varejistas.

4. COOPERAÇÃO EM REDES HORIZONTAIS NAALEMANHA: DESENVOLVIMENTO E TENDÊNCIAS

O desenvolvimento da cooperação interorganizacional naAlemanha está fortemente relacionado ao processo de indus-trialização do país e à dinâmica competitiva emergente desseprocesso. Com o crescimento das indústrias e a criação degrandes empresas varejistas já no final do século XIX, os pe-quenos varejistas viram-se em situação desvantajosa no mer-cado, sendo obrigados a cooperar para melhorar sua posição

Figura 1: Esquema Teórico-Conceitual

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TENDÊNCIAS DA COOPERAÇÃO EM REDES HORIZONTAIS DE EMPRESAS: O EXEMPLO DAS REDES VAREJISTAS NA ALEMANHA

competitiva e reduzir as desvantagens em relação às grandesempresas e seu modelo de filiais (OLESCH e EWIG, 2003). Alémdisso, o crescimento das empresas industriais impôs dificul-dades aos varejistas de pequeno e médio porte. Em muitoscasos, a indústria simplesmente negava-se a fornecer produ-tos às pequenas empresas, selecionando seus parceiros e pre-ferindo acordos com grandes varejistas e redes de filiais.

Nas palavras do presidente da KNM, deve-se considerartambém que as primeiras experiências de cooperação na áreade crédito, iniciadas e difundidas por Friedrich Raiffeisen(2) naAlemanha a partir de 1864, serviram de inspiração para as em-presas. Em um primeiro momento, o processo de desenvolvi-mento dos acordos cooperativos entre varejistas procurouaumentar o poder de compra das pequenas empresas com osgrandes atacadistas ou com a indústria. Esse é, por exemplo, ocaso da rede de varejo de alimentos Edeka, criada no início doséculo XX e atualmente líder do mercado alemão. Num segun-do momento, essas redes passaram a oferecer serviços paraseus associados e somente mais tarde se transformaram emgrupos de marketing, com o desenvolvimento de uma marcaconjunta e padronização visual. Trata-se da mudança de umaperspectiva de defesa de mercado nos primeiros tempos deexistência das redes para uma perspectiva de proatividade nomercado (OLESCH e EWIG, 2003).

Atualmente, há um grande número de setores na economiaalemã, especialmente aqueles tradicionais e nos quais existeuma forte competição, em que não é possível a empresas depequeno e médio porte sobreviver atuando independentemen-te. Aquelas empresas que não atingem o porte mínimo paranegociar em boas condições com os fornecedores precisamcooperar com seus pares. Segundo o presidente da ZGV, o va-rejo de alimentos e de outros setores tradicionais, por exemplo,• “não é viável para uma empresa individual de pequeno ou

médio porte, sem se unir a alguma associação cooperativa”.

Com o desenvolvimento e a consolidação das redes, umamudança significativa ocorreu gradativamente: elas transfor-maram-se em sistemas fortemente integrados, com importantesconsequências para a relação entre os associados e a centralda rede. Esse é um desafio e um processo que ainda está emandamento em muitas redes varejistas, conforme o presidenteda ZGV. À medida que a gestão central da rede assumiu maisfunções, aumentou também seu poder, o qual se revela interna-mente por meio de um controle mais forte sobre a gestão e aorganização da rede e, externamente, por uma imagem mais ho-mogênea para o mercado, como indica a pesquisa de Olesch eEwig (2003). Em um processo de desenvolvimento histórico, asredes horizontais de empresas na Alemanha passaram de umconceito de simples central de compras no final do século XIXpara um conceito de prestação de serviços para seus associa-dos e maior homogeneidade na apresentação para o mercado.

Em muitos casos, as redes alcançaram um grau de padroni-zação e homogeneização de seus membros que é difícil dife-

renciar uma rede de caráter cooperativo de um sistema de fran-quias. A convergência é tão grande que muitas vezes “o con-sumidor terá dificuldades para identificar a forma organizacionalque está por trás da rede”, segundo o pesquisador da Univer-sidade de Colônia. Atualmente, considerando a realidade domercado alemão, as redes cooperativas utilizam praticamenteo mesmo instrumental de gestão que as redes de filiais ousistemas de franquias, como mostra o estudo de Olesch e Ewig(2003).

Nas próximas subseções detalham-se aspectos sobre odesenvolvimento das redes de empresas na Alemanha, relacio-nados a sua governança e gestão, assim como tendências naorganização dessas redes, segundo dados coletados nas en-trevistas e fontes secundárias.

4.1. Governança de redes horizontais de empresas

De acordo com o presidente da rede Intersport, o cresci-mento do volume de negócios de qualquer rede é uma neces-sidade diante da consolidação do mercado e do avanço degrupos concorrentes, confirmando a importância da adoçãode estratégias de crescimento pelas redes (OLESCH e EWIG,2003). Há um espaço limitado para redes de pequeno porte nomercado alemão, especialmente devido à estabilização da eco-nomia e à presença de grandes grupos nos principais segmen-tos de mercado. Novas redes têm um período de tempo relati-vamente curto para crescer e alcançar o porte que garanta suasustentação.

Embora a utilização de estratégias de crescimento estejarelacionada ao eixo de gestão da rede, o crescimento das redesem termos de número de associados e dispersão geográficatambém tem implicações sobre sua governança e forma de or-ganização. Tanto seu sistema de governança quanto sua ges-tão e oferta de serviços aos associados precisam ser adapta-dos e acompanhar esse crescimento. Para o consultor da KNM,• “quando aumenta o número de asssociados, é imprescindivel

que aumente a centralização da rede ou então que haja umadivisão das empresas por segmentos para facilitar a coorde-nação”.

Em uma rede regional, com pequeno número de associa-dos, uma governança participativa, pouco formalizada e comprocessos decisórios descentralizados é viável e tende a serdesejada pelos participantes, aproximando-se da ideia de go-vernança compartilhada descrita por Provan e Kenis (2007).Entretanto, essa mesma rede poderá enfrentar dificuldades paracoordenar as ações e tomar decisões quando houver um nú-mero bem maior de participantes, obrigando a criação de mei-os para equacionar satisfatoriamente a nova realidade no sis-tema de governança.

A experiência de várias décadas das redes cooperativasmostrou erros e acertos dos sistemas de governança. Em rela-ção aos processos decisórios, segundo o presidente da ZGV,

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Douglas Wegner e Antonio Domingos Padula

• “houve um tempo em que o processo era concebido de ma-neira extremamente democrática e participativa [em muitasredes]; todos podiam participar das decisões e discutir to-dos os aspectos, mas a ligação e a padronização entre osmembros da rede era muito limitada”.

Para muitos empresários, abrir mão de parte de sua autono-mia e aceitar participação menor em determinados processosdecisórios da rede era um grande desafio. Entretanto, o exem-plo de várias redes que se desenvolveram e consolidaram mos-trou que processos decisórios excessivamente participativospodem não trazer os melhores resultados, especialmente quan-do aumenta significativamente o número de associados.

Ainda segundo o entrevistado, cada rede precisa analisaras vantagens de oferecer a todos os membros (às vezes cente-nas de empresas) totais condições de autonomia e participa-ção nas decisões da rede, analisando até que ponto isso épossível sem prejudicar o desempenho da rede. Uma centralda rede com maior autonomia e poder de decisão sobre suasações, desde que profissionalizada, tem melhores condiçõesde responder às necessidades dos membros. Conforme o en-trevistado:• “É sempre necessário encontrar o equilíbrio adequado entre

esses polos [participação dos membros nas decisões da redee centralização das decisões]. O desafio é conseguir organi-zar um processo de decisão participativo, mas também umaforte ligação entre os associados. O empresário precisa es-tar preparado para abrir mão de parte de sua individualida-de, e talvez até ele tenha que abrir mão de uma parte de sualiberdade naqueles aspectos que sejam decisivos para seunegócio. Por outro lado ele ganha em margem, em imagem eem aspectos que podem ser profissionalmente organizadospela central”.

O processo de mudança de um sistema de governançaparticipativo para um outro em que as decisões são mais cen-tralizadas não é rápido nem pode ser imposto. Segundo o pre-sidente da ZGV,• “na rede precisa haver um forte processo de convencimen-

to, para que as decisões tomadas sejam realmente implemen-tadas. O empreendedor tem a característica de criar, de em-preender, de ser individualista, do contrário ele seria funcio-nário. E isso torna o processo em rede desafiador”.

Tanto o presidente da ZGV quando o gestor da rede Inter-sport citaram a importância do perfil dos gestores de redespara o sucesso da cooperação. Trata-se de um perfil que emmuitas situações não condiz com o gestor tradicional, prepara-do para trabalhar em organizações hierárquicas no estilo co-mando e controle. Desenvolver esse profissional é um desafiotanto para as redes quanto para as instituições de ensino.

O aumento na centralização do processo de tomada de de-cisões é uma clara tendência entre as redes alemãs. Um núme-

ro maior de aspectos da rede e de categorias decisórias deixade ser discutido com todos os associados e passa a fazer partedas atribuições dos gestores e da diretoria. Dessa forma, ga-rante-se agilidade, o que não significa que as decisões sejamimpostas. Como destacado anteriormente, a governança darede deve ser adaptada e definida de maneira a garantir a agi-lidade e a flexibilidade necessárias para a tomada de decisão(THEURL, 2005). O consultor da KNM entende que o sucessona implementação de mudanças no sistema de governança deuma rede está relacionado à eficiência da gestão:• “Se a gestão da rede funciona bem e as empresas conse-

guem aumentar sua competitividade com os serviços ofere-cidos por ela, então elas não se importam em ter menos es-paço de participação. (...). Além disso, é muito difícil coorde-nar um grande número de pessoas para participar dos pro-cessos decisórios”.

Para o presidente da rede Intersport, o gestor precisa terhabilidades políticas para compreender os associados e fazeruma leitura adequada do ambiente. Adicionalmente, as redesprocuram criar mecanismos para discussão de propostas eestabelecer um fluxo de comunicação muito claro entre centrale associados, mesmo que as principais decisões fiquem a car-go da gestão da rede. No caso da Intersport, foram criadosgrêmios regionais em que os empresários podem discutir as-pectos da rede, reivindicar ações e encaminhar sugestões aosgestores, evitando que haja um descolamento entre os inte-resses dos associados e as estratégias efetivamente definidase colocadas em prática pelos gestores da rede.

4.2. Gestão de redes horizontais de empresas

Além dos aspectos relacionados à governança das redesvarejistas – estruturas básicas de organização das redes, re-gras e processos decisórios –, nas entrevistas e pesquisasexistentes sobre redes alemãs verifica-se uma série de elemen-tos relacionados à gestão de redes horizontais e, especialmen-te, tendências em termos de organização e adoção de estraté-gias de crescimento.

4.2.1. Estratégias de cooperação entre redes einternacionalização das atividades

Uma das principais estratégias de crescimento utilizadaspelas redes alemãs consiste na cooperação entre cooperações,levando à consolidação, na Alemanha, de redes de empresasem seus respectivos segmentos. Para Dannenmaier, Saalfranke Lindebner (2003), pode-se prever que futuramente em mui-tos setores haverá somente uma ou duas redes cooperativasde alcance nacional, as quais sejam capazes de oferecer a seusmembros todos os serviços e condições esperadas. Essa ten-dência já pode ser observada em vista das fusões de redesque vêm ocorrendo no país, cooperação entre redes para ofer-

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TENDÊNCIAS DA COOPERAÇÃO EM REDES HORIZONTAIS DE EMPRESAS: O EXEMPLO DAS REDES VAREJISTAS NA ALEMANHA

ta ou compartilhamento de serviços e mesmo outros tipos deintegração, como a criação de empresas de interesse por partede duas ou mais redes, refletindo várias estratégias de cresci-mento com foco externo propostas por Groβ (2003).

Um exemplo de cooperação e fusão entre redes é a Ariston--Nord-West-Ring que, atualmente, reúne 1.700 empresas dovarejo de calçados e 800 empresas do varejo de produtos es-portivos. A Nord-West foi criada em 1919, passou por um pro-cesso de fusão com a Ring-Schuh em 1970 e no ano de 2001uniu-se à Ariston Schuh (WELLENBECK, 2001). Com o cresci-mento do grupo e a fusão entre redes, foram desenvolvidosconceitos de negócio que dividem os associados em categori-as, em função do porte da empresa e do segmento específicode atuação. Como consequência de seu porte e estrutura deprestação de serviços, hoje a rede atende não somente a seusassociados, mas também a outras redes não concorrentes quenecessitam de serviços de gestão e apoio.

Muitos setores estão sob pressão de competidores e for-necedores globais, pois a globalização de muitas marcas favo-receu a indústria tornando-a mais poderosa e menos flexívelna negociação com seus clientes. Em casos específicos, ospróprios fornecedores tornam-se concorrentes dos varejistas,estabelecendo lojas próprias, como é o caso de Adidas, Pumae Nike no mercado europeu de materiais esportivos, conformeo presidente da rede Intersport. Ao mesmo tempo em que asredes procuram formar parcerias com os fornecedores, preci-sam aumentar sua competitividade para concorrer com eles.Redes de pequeno porte, nesse caso, tendem a desaparecerou aliar-se umas às outras para fazer frente aos desafios im-postos pelo mercado.

Um fator adicional é que, devido à expansão alcançada,muitas redes alemãs atingiram a saturação no mercado inter-no, reduzindo ou eliminando a possibilidade de crescimentointerno e estimulando a busca da internacionalização. O prin-cipal requisito é atingir um número significativo de associa-dos em cada novo país, seja pelo desenvolvimento próprio darede, seja por parcerias com redes já existentes. Quando onúmero de membros em cada país é satisfatório, há condiçõesde oferecer serviços e apoio levando em consideração as ca-racterísticas específicas do país e concentrando na centralinternacional aquelas atividades ou serviços que não tenhamespecificidades locais. A título de exemplo, a rede Intersportconta com mil membros e 1.400 pontos de venda na Alemanha,mas desde 1968 lidera uma expansão internacional da coope-ração. Atualmente a rede está presente em 25 países e possuicerca de 5.000 membros.

Mais recentemente, redes cooperativas formaram aliançasentre si para alcançar sinergias de compras, de processos ecanais de distribuição. Atualmente essas cooperações estãodeixando de ser apenas no nível nacional para tornar-se alian-ças internacionais. Um exemplo é a aliança de empresas dovarejo de alimentos chamada Europäischen Allianz Selbstän-diger Handelsunternehmen, à qual se juntaram Rewe (Alema-

nha), Colruyd (Bélgica), Conad (Itália), Coop (Suíça) e E. Leclerc(França) sob o nome Coopernic. Por sua vez, a Edeka (redelíder no varejo de alimentos na Alemanha) participa da AliançaInternacional de Distribuidores (Alidis), integrada pelo grupofrancês Intermarché e o espanhol Eroski, constituindo a quar-ta maior rede em poder de compras da Europa. A cooperaçãofoi facilitada pelo fato de ambos os parceiros internacionaisserem também organizações baseadas no cooperativismo.

Os exemplos apresentados mostram a importância de es-tratégias de crescimento com foco externo, descritas por Groβ(2003), utilizadas pelas redes alemãs para ampliar sua compe-titividade. Por meio dessas estratégias, as redes puderam atin-gir o porte necessário, em termos de número de participantes,para negociar com fornecedores globais e oferecer um amploportfolio de serviços a seus associados.

4.2.2. Criação de megacooperações e redes demúltiplos setores

Como destacado anteriormente por Olesch e Ewig (2003),as redes mais desenvolvidas movem-se em direção a um siste-ma mais integrado. Além disso, uma estratégia de crescimentoconsiste na formação de redes com mais de um setor de ativi-dade em sua estrutura, significando um modelo de múltiplossetores que coopera dentro da mesma rede. Essas redes ope-ram em modelos altamente integrados, baseados nas moder-nas tecnologias da informação. A tarefa principal da gestão darede passa a ser que os objetivos da central e dos associadosatinjam um alto grau de convergência. Somente quando issoocorre a rede consegue atingir seus potenciais de sinergia.

Para o presidente da ZGV,• “uma vantagem [das redes múltiplas] é que, havendo mais

associados, mesmo que sejam de diferentes setores, pode--se sustentar de maneira mais segura uma central”.

Há serviços oferecidos às empresas da rede que são inde-pendentes de setor – como logística, apoio financeiro, consul-torias em gestão, capacitação e tecnologia da informação –,permitindo obter sinergias. O entrevistado ressalta que,• “quando se olha apenas para compras conjuntas, talvez não

haja grandes vantagens nem as pessoas da gestão da redetenham os conhecimentos para gerir esse processo satisfa-toriamente; mas, quando se olha para outras perspectivasque independem de setor, então passa a ser vantajoso inte-grar vários setores em uma rede”.

Dannenmaier, Saalfrank e Lindebner (2003) acreditam que osurgimento de redes de múltiplos setores se deve à necessida-de de crescimento. Diversas redes desenvolveram centrais deserviços de alto nível e altamente profissionalizadas no apoioaos associados, mas esgotaram seu potencial de crescimentono respectivo setor. Ao expandir sua atuação para setores afins,a rede busca sinergias e a otimização do uso de sua infraes-

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Douglas Wegner e Antonio Domingos Padula

trutura de apoio. Conforme o presidente da rede Intersport, aexpansão da rede para setores relacionados é uma possibilida-de concreta quando a central está bem estabelecida e ofereceserviços que podem ser estendidos a setores correlatos. Essapercepção levou a rede a, recentemente, integrar em sua estru-tura uma rede de lojas de calçados.

Com a integração de mais setores em uma mesma rede, acentral assume a função de holding, realizando as funçõesque independem do setor de atividade. Funções específicasdo setor ficam sob responsabilidade de diretorias especiaispara cada um deles, o que garante o atendimento das necessi-dades específicas, como mostra o estudo de Dannenmaier,Saalfrank e Lindebner (2003). Como mecanismos para agovernança dessas redes, são criados grêmios por setor deatividade ou subdivididos em temas de interesse, acrescidosde conselhos fiscais e de gestão com funções de controle paraa rede como um todo, como ressaltado pelo presidente daIntersport. Um aspecto a ser considerado pelos gestores darede é que os conselhos gerais de gestão e fiscalização real-mente contemplem participantes de todos os setores, sinali-zando claramente a ideia de integração e a busca de sinergiaspelo grupo.

A figura 2 representa a estrutura das redes multissetoriais,com uma gestão separada para cada setor de atividade queintegra a rede. Os associados são reunidos em grêmios seto-riais, uma estrutura informal em que se discutem aspectos rela-cionados a seu setor e que funcionam como um canal de co-municação entre as decisões dos gestores e os associados.

A principal vantagem dessa forma de organização da redeé a possibilidade de oferecer serviços de alta qualidade a cus-

tos baixos, que independem do ramo de atividade. Consultoriasde marketing, consultorias financeiras ou de tecnologia dainformação, técnicas de merchandising e capacitação de pes-soas e gestores são exemplos desses serviços. Dannenmaier,Saalfrank e Lindebner (2003) descrevem casos em que essacentral de serviços se torna a tal ponto profissionalizada eeficiente que passa a ser requisitada como prestadora de ser-viços para outras redes no mercado. Como exemplos de redesmultissetoriais, pode-se citar a própria Intersport (rede queagrega lojas de materiais esportivos e mais recentemente decalçados) e a Ariston-Nord-West-Ring, que também possuiem sua estrutura os setores de material esportivo e calçados(WELLENBECK, 2001).

4.2.3. Serviços ofertados aos associados

Como uma das responsabilidades da gestão de redes in-terorganizacionais, as redes de grande porte têm se preocupa-do em oferecer aos associados um conjunto de serviços quepermita ampliar sua competitividade e facilitar sua adaptaçãoàs mudanças no mercado. Conforme o presidente da ZGV, aideia de compras conjuntas, que deu início ao processo decooperação, avançou em direção à oferta de um conjunto am-plo de serviços, como logística, tecnologia da informação, ges-tão da informação, desenvolvimento de comércio eletrônicopara os associados, consultorias, qualificação dos funcioná-rios em diversos níveis, orientações sobre layout e ilumina-ção, entre outros. Redes com grande número de associadosprocuram, inclusive, oferecer pacotes de serviços diferencia-dos a segmentos específicos de empresas dentro do grupo, de

Figura 2: Estrutura de Governança e Gestão de Redes Multissetoriais

Fonte: Adaptada de Dannenmaier, Saalfrank e Lindebner (2003, p.153).

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TENDÊNCIAS DA COOPERAÇÃO EM REDES HORIZONTAIS DE EMPRESAS: O EXEMPLO DAS REDES VAREJISTAS NA ALEMANHA

acordo com o porte ou o perfil do mercado atendido por cadaum deles.

Ahlert et al. (2006) fizeram uma pesquisa com as 15 maioresredes horizontais na Alemanha e identificaram os principaisserviços que essas redes oferecem (gráfico abaixo). Ao itemcompras de fornecedores parceiros, deve-se acrescentar queas redes utilizam um sistema que vai além da simples negocia-ção com os fornecedores. A rede atua também como garanti-dora, estabelecendo limites de crédito para cada associadonas compras com os fornecedores. A central da rede auto-financia-se retendo percentuais das compras realizadas pelosassociados com os fornecedores conveniados. O estudo mos-tra a preocupação das redes varejistas em ofertar um amploleque de serviços que suporte a competitividade da rede e dasempresas associadas.

Dentro do portfolio de serviços, algumas redes preocu-pam-se com aspectos como a continuidade dos negócios deseus associados e mesmo a formação de novos empreendedo-res. Redes com longa história desenvolveram e oferecemconsultorias e apoio para a transição de negócios de uma ge-ração a outra, como forma de apoiar os novos gestores dasempresas na gestão do negócio e mantê-los interessados narede. Redes como Edeka apóiam, por sua vez, pessoas que seinteressam em ter o próprio negócio. Uma das formas encon-

tradas é estimular empreendedores a assumir lojas da rede eadquiri-las para si. Trata-se de consultorias e serviços de ori-entação para que esse empreendedor possa ser o dono donegócio, em um processo inverso ao da abertura de filiais, masque permite à rede obter recursos para novos investimentos.

4.3. Convergência de modelos interorganizacionais

Uma tendência relatada pelos especialistas nas entrevis-tas e observada nos dados obtidos em publicações é a con-vergência de modelos organizacionais, assim a linha que se-para redes cooperativas, franquias e sistema de filiais é cadavez mais tênue. De acordo com o presidente da ZGV, de umtotal de 320 redes associadas, 40 oferecem o sistema de fran-quias em paralelo às lojas associadas ou difundem a ideia deoferecer franquias em paralelo ao modelo cooperativo. Essatendência também é ressaltada pelo pesquisador da Universi-dade de Colônia, segundo o qual a organização das redescooperativas caminha em direção a um modelo mais integrado,como o sistema de franquias, ou então as redes estão criandoas próprias franquias, em paralelo ao sistema cooperativo.

Com o aumento da competição no mercado, a utilização deum padrão de apresentação entre as lojas, uma marca única euma gestão mais forte e centralizada passam a ser importantes

Serviços Oferecidos pelas 15 Maiores Redes da Alemanha a seus Associados –Porcentagem das Redes que oferecem cada serviço

Fonte: Ahlert et al. (2006).

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Douglas Wegner e Antonio Domingos Padula

para o sucesso da rede. Esse desenvolvimento reflete umanítida aproximação com o sistema de franquias. Conforme opresidente da Intersport, as próprias redes têm optado porcriar sistemas de franquias ou estabelecer empresas e lojaspróprias geridas pela central da rede, o que as coloca cada vezmais como modelos híbridos ou sistemas mistos. A Intersport,por exemplo, passou a ter lojas próprias recentemente, quan-do adquiriu um grande associado que colocou suas opera-ções à venda e a rede corria o risco de ver significativamentediminuído seu tamanho e poder de compra.

Para o pesquisador da Universidade de Colônia, há diver-sos motivos para a opção estratégica por lojas próprias. Umdeles é que a central passa a ter a oportunidade de colocar emprática as próprias ideias em relação ao conceito de negócio,ao sortimento de produtos e mesmo de gestão dessa filial. Emrelação aos membros associados, a central da rede pode ape-nas sugerir suas ideias de organização e gestão, mas a decisãode implantá-las cabe em grande medida a cada empresário.Outro motivo para a instalação de filiais é cobrir espaços demercado ainda não atingidos pela rede e para os quais nãoforam encontrados potenciais associados. Caso os membrosda rede estejam fortemente concentrados em uma ou poucasregiões, a rede pode optar por instalar filiais naquelas regiõesque permanecem sem membros.

Os exemplos da Alemanha (e mesmo de sistemas de fran-quias que optam por lojas próprias, como o MacDonalds)mostram que os modelos organizacionais clássicos não sãomais tão comuns. Existem muito mais os modelos mistos, osquais devem ganhar importância cada vez maior no futuro. Naprática encontram-se várias combinações das formas clássi-cas, algumas delas formadas pelos modelos existentes (redesde cooperação, sistema de franquias, redes de filiais). No casode redes que utilizam também o sistema de franquias ou ummodelo semelhante a franquias, observa-se um modelo de qua-se-franquia. A rede Expert, do setor de eletroeletrônicos, porexemplo, apoia empresas interessadas em expandir ou em abrirnovos mercados, oferecendo um pacote de serviços e concei-tos de loja semelhantes ao modelo de franquia, embora asempresas continuem independentes do ponto de vista legal.

Redes de cooperação concentram-se atualmente em maioreficiência sistêmica, a qual se dá não apenas pelas sinergiasna compra, mas principalmente por uma padronização na apre-sentação ao mercado. Maior unidade e padronização das deci-sões tomadas pelo grupo são os requisitos para isso.

No entanto, a opção por múltiplos modelos interorgani-zacionais pode exigir mudanças na estrutura da rede ou a cria-ção de uma corporação da rede, como afirmam Dannenmaier,Saalfrank e Lindebner (2003). Para esses autores, a estruturado modelo tradicional de rede horizontal cooperativa não éadequada para o sucesso de modelos alternativos, que inclu-am o sistema de filiais e de franquias. O presidente da Intersportrelata, por exemplo, que sua rede realizou uma mudança estru-tural que permitiu a integração de licenciados (participantes

da rede que têm licença para uso da marca e dos serviços, masnão são associados) e que a rede pudesse ter lojas próprias.Essa foi uma quebra de paradigma, pois tradicionalmente re-des cooperativas têm somente associados, e não licenciadosnem lojas próprias.

5. DISCUSSÃO: INSIGHTS DO EXEMPLO ALEMÃO EELEMENTOS PARA O DESENVOLVIMENTO DASREDES HORIZONTAIS DE EMPRESAS

Nas subseções anteriores, apresentaram-se aspectos so-bre governança e gestão das redes de empresas na Alemanhae perspectivas ou tendências de desenvolvimento futuro. Ofio condutor de todos os aspectos discutidos é a mudança nosistema de governança das redes e a ênfase na gestão e ado-ção de estratégias de crescimento, entendendo a rede comouma nova firma para que os resultados esperados pelos parti-cipantes sejam alcançados, corroborando os argumentos deVerschoore (2006). O tempo de existência, número de associa-dos e organização interna das redes alemãs, os avanços obti-dos e sua consolidação no mercado, muitas vezes superandogrupos internacionais e empresas integradas (VELTMANN,2009), oferecem indicativos para redes que estejam em faseinicial de desenvolvimento ou que analisam estratégias quepossam contribuir com sua consolidação no mercado, como éo caso de muitas redes brasileiras. A pesquisa mostrou quegovernança e gestão são elementos importantes para manteras redes competitivas e afetam-se mutuamente.

No quadro a seguir, parte-se de um estudo de Olesch eEwig (2003) sobre as redes varejistas na Alemanha, destacan-do sua forma de organização no passado e as tendências deorganização identificadas por esses autores. São acrescenta-das na terceira coluna as constatações encontradas na pes-quisa empírica deste estudo, projetando perspectivas futurasde governança e gestão de redes horizontais de empresas.

Algumas mudanças fundamentais na governança e na ges-tão de redes de empresas ainda estão em processo e contribu-em para que as redes sejam capazes de manter sua competi-tividade e concorrer em igualdade de condições com sistemasde filiais e de franquias. É importante considerar que a experi-ência alemã se baseia em redes com um longo histórico dedesenvolvimento e que, em sua maioria, possuem centenas deempresas associadas em nível nacional ou até com parceriasinternacionais. Em certos segmentos, empresas varejistas in-dependentes têm como únicas opções a implementação deuma estratégia agressiva de crescimento ou a associação auma rede cooperativa que as torne mais competitivas, comodestacado pelos entrevistados.

Tanto o trabalho de Olesch e Ewig (2003) quanto as infor-mações coletadas nas entrevistas mostram que, sob diversosaspectos, mudanças na estrutura de governança e na gestãoda rede cooperativa são requisitos para manutenção de suaeficiência e da competitividade de seus associados. Uma or-

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TENDÊNCIAS DA COOPERAÇÃO EM REDES HORIZONTAIS DE EMPRESAS: O EXEMPLO DAS REDES VAREJISTAS NA ALEMANHA

ganização simples, horizontal e pouco interdependente preci-sará alcançar um nível maior de integração, e possivelmentede verticalização, para que a coordenação de grande númerode empresas seja possível.

A utilização, por parte das redes, de um modelo de gover-nança compartilhada, em que as decisões são tomadas semprecoletivamente e os próprios empresários são responsáveis pe-las atividades de gestão da rede, não reflete mais a realidadedas redes alemãs. Elas criaram organizações administrativas darede (OAR) como forma de tornar o trabalho coletivo mais efi-ciente e oferecer suporte às estratégias de crescimento, confir-mando as observações de Provan e Kenis (2007).

A centralização dos processos decisórios, com impactospara a estrutura de governança de muitas redes alemãs, citadapelos entrevistados e descrita anteriormente, é resultado deum processo de mudanças. A principal delas foi a profissio-nalização da liderança e da gestão da rede, com a contrataçãode gestores e o estabelecimento de uma OAR com maior auto-

nomia para a tomada de decisões. Quando a gestão da rede eos serviços oferecidos aos associados são percebidos comoeficientes, seus membros tendem a ser menos receosos quan-to a uma redução na participação nas decisões. Por outro lado,a centralização gradativa da governança é uma necessidade àmedida que a rede cresce em número de associados e volumede negócios. Os entrevistados ressaltaram que é impossívelmanter uma estrutura de decisões totalmente participativasem redes de grande porte, o que não significa que as decisõessejam tomadas arbitrariamente e impostas aos associados.

Em nenhum momento a rede associativa pode ignorar queexiste para prover as empresas de soluções e competitividade,atendendo a seus interesses. Uma solução apontada pelo pes-quisador da Universidade de Colônia para que as redes nãopercam seu caráter participativo, apesar do crescimento donúmero de associados, é a criação de grupos informais porproximidade geográfica ou temas de interesse (grêmios). Em-bora tais grupos não tenham influência direta sobre as deci-

Tendências na Governança e na Gestão de Redes Horizontais de Empresas

Passado Tendência Tendência

Segundo Olesch e Ewig (2003) Segundo Olesch e Ewig (2003) Segundo os EspecialistasEntrevistados

Maior poder dos gestores daDecisões descentralizadas e busca Decisões centralizadas, maior rede, mas utilização de

Processos de consenso entre os associados poder dos gestores e diretores mecanismos para consultar eDecisórios da rede; poder reduzido dos para garantir a agilidade dos ouvir os associados da rede,

gestores e diretores. processos decisórios. como grupos regionais ougrêmios por interesse.

Base democrática, orientada para Rigorosa, profissional orientada Profissional, mas comLiderança operações, efetiva. estrategicamente, participativa. sensibilidade para as

expectativas dos associados.

Organização Simples, horizontal, fraca Complexa, vertical, integrativa. Complexa, vertical, integrativa.interdependência.

Regional, nacional, concentração Internacional, sem fronteiras, Internacional, multissetorial (buscaExtensão dos membros. estrutura em rede. de sinergias); cooperação com

outras redes.

Multimídia, foco no grupo, Segmentado, para atender aMarketing Unidimensional, foco individual. segmentado, orientado para grupos específicos de associados.o sistema.

Segmentados, de acordo com

Serviços Tudo para todos, escopo limitado. Orientados para as metas do perfis de associados, competitivosgrupo, competitivos no mercado. no mercado; oferta de serviços a

outras redes.

Comunicação Pessoal, informal, escrita. Baseada em tecnologia de Baseada em tecnologia deinformação, multimídia, on-line. informação, multimídia, on-line.

Fonte: Adaptado de Olesch e Ewig (2003) e com base na pesquisa empírica.

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Douglas Wegner e Antonio Domingos Padula

sões, em sua maioria tomadas pelos gestores e diretores darede, neles podem ser discutidas ideias ou propostas a seremencaminhadas aos gestores. Os grupos ou grêmios tambémestimulam o desenvolvimento do capital social dos membrosda rede e a troca de informações e experiências, evitando aperda de interesse na cooperação. A comunicação multimídia,on-line e baseada em ferramentas de tecnologia da informaçãoé fundamental para que a gestão da rede permaneça em conta-to direto com os associados e reduza incertezas decorrentesde uma menor participação nas atividades de caráter opera-cional e decisões estratégicas.

De maneira geral, as informações coletadas nas entrevis-tas e a partir de dados secundários mostram que redes deempresas têm desafios a superar em seu processo de cresci-mento e desenvolvimento. Talvez o principal deles seja aceitara necessidade de mudanças na organização da rede e no pro-cesso de tomada de decisões, para manter a eficiência da redemesmo com grande número de associados. A redução do cará-ter participativo nas decisões não foi um problema para em-presas associadas a redes alemãs, na medida em que foi acom-panhada de uma profissionalização da gestão e contribuiu paraque os associados atingissem resultados superiores. Isso im-plica aceitação de mudanças no sistema de governança e mes-mo criação de mecanismos que permitam às redes serem ágeis,profissionais e eficientes sem perder o foco cooperativo.

A opção por modelos organizacionais híbridos, que com-binam o sistema cooperativo clássico com os sistemas de fran-quias e filiais, mostrou-se positiva para as redes alemãs. Essapode ser também uma solução a ser adotada no Brasil poraquelas redes que desejam crescer, devido à extensão territoriale às dificuldades em organizar um sistema baseado em toma-das de decisões em nível nacional. Finalmente, a cooperaçãoentre cooperações deve ser entendida como uma forma deampliar os potenciais de ganhos entre os participantes, emespecial no que se refere a poder de barganha com clientes,fornecedores e prestadores de consultorias e serviços.

A criação de redes empresariais em grande número no Bra-sil não é, por si só, garantia de que todas tenham condições deatuar competitivamente no mercado. Nos últimos anos foramcriadas entre 150 e 200 redes de empresas somente no estadodo Rio Grande do Sul, com o apoio do programa Redes deCooperação, desenvolvido pelo governo gaúcho (SEDAI, 2005).Um mapeamento do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro ePequenas Empresas (Sebrae), realizado em 2008, identificou aexistência de mais de 800 redes de empresas e centrais de negó-cios espalhadas pelo Brasil (SEBRAE, 2008). Muitas delas atu-am no mesmo setor de atividade e têm caráter regional. Apesardos números significativos, não há estimativas precisas sobreo número de redes que continua em atividade ou gera os resul-tados esperados a seus associados. Estimular a cooperaçãoentre as próprias redes, eventualmente consolidando e geran-do fusões entre os grupos, pode ser uma forma de tornar asredes mais competitivas e com maiores chances de sucesso.

Qualquer discussão sobre as mudanças promovidas pelasredes alemãs deve considerar que elas ocorreram por meio deprocessos históricos e negociados. Em outras palavras, mes-mo que tenham se mostrado eficientes ao longo do tempo naAlemanha e as redes se mantenham como estruturas competi-tivas, tais práticas e modelos de governança não podem serautomaticamente transplantados para outras realidades. Mes-mo assim, o estudo contribui com a discussão e a prática derelações interorganizacionais ao apresentar informações quepodem ser úteis a redes empresariais que desejam estabelecerestratégias de crescimento e se preocupam em compreenderos impactos que essas estratégias podem ter sobre sua estru-tura, governança e gestão.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

No presente estudo, apresentou-se um panorama da gover-nança e da gestão de redes horizontais na Alemanha e dastendências futuras de desenvolvimento, por meio de uma pes-quisa em dados secundários e entrevistas com especialistasno tema. Os principais aspectos destacados referem-se às mu-danças implementadas pelas redes de empresas alemãs parase manterem competitivas ao longo do tempo e proporciona-rem a seus associados os resultados esperados. Tendênciasapontam para uma convergência cada vez maior do modelocooperativo de redes com os sistemas de franquias e de filiais,gerando modelos híbridos. A cooperação e a formação de ali-anças entre redes, assim como a internacionalização das redessão estratégias de crescimento adotadas por muitas delas, quebuscam uma escala capaz de mantê-las competitivas.

O estudo gera oportunidades de reflexão para gestores deredes de empresas e direcionamentos para estudos futuros.Do ponto de vista acadêmico, diversas linhas de pesquisacontinuam sendo relevantes para aumentar a compreensãosobre a dinâmica das redes horizontais de empresas e novostemas descortinam-se. Uma possibilidade de estudos refere--se à influência da centralização da governança da rede paraos resultados das empresas participantes, bem como as con-dições nas quais os empresários aceitariam uma redução emseus direitos de participação nas decisões da rede. Ainda nes-se sentido, outra linha de estudos refere-se aos mecanismosde governança que podem ser adotados pelas redes paraviabilizar a expansão sem comprometer o caráter participativoe cooperativo.

Outro ponto praticamente negligenciado pela teoria organi-zacional até o momento refere-se às características dos líderese gestores de redes de empresas. Embora o tema tenha, de ummodo geral, recebido ampla atenção do meio acadêmico, osestudos clássicos baseiam-se na firma como uma organizaçãohierárquica, em que o gestor tem ampla autoridade para tomardecisões e colocá-las em prática. Nas redes de caráter coope-rativo, a autoridade dos gestores e diretores é limitada e aexecução das ideias e planos da rede depende do convenci-

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TENDÊNCIAS DA COOPERAÇÃO EM REDES HORIZONTAIS DE EMPRESAS: O EXEMPLO DAS REDES VAREJISTAS NA ALEMANHA

mento das empresas participantes. Em tais condições, as fun-ções do gestor adquirem novos contornos e exigem novashabilidades que merecem ser exploradas em estudos que en-volvam gestores de redes interorganizacionais.

O desenvolvimento das redes alemãs, no que se refere àestruturação da gestão e mudanças na governança, pode tra-zer aprendizado aos gestores de redes que adotam ou preten-dem adotar estratégias de crescimento. Uma das principaislições refere-se a como organizar a cooperação à medida quecresce o número de participantes, conciliando uma estruturade gestão independente e profissional sem perder de vista osinteresses dos associados. Mesmo que a rede se pareça cadavez mais com franquias ou sistemas de filiais, ela não podeperder a lógica cooperativa de integrar empresas que continu-am legalmente independentes. É de esperar que esses sejamdesafios que as redes brasileiras precisarão enfrentar, caso

queiram alcançar a competitividade necessária para legitimar--se como modelo organizacional.

O artigo não teve como proposta ser prescritivo no senti-do de que existem soluções ou ações corretas para as redesempresariais brasileiras, baseadas no modelo alemão. É preci-so considerar as diferenças no desenvolvimento histórico deambos os países, as diferenças culturais e o tempo de existên-cia das redes em cada caso. As soluções das redes alemãs nãosão necessariamente soluções para a cooperação no Brasil,mas podem servir como indicativo para os desafios que asredes de empresas vão enfrentar no futuro. Adaptações sãopossíveis e bem-vindas, desde que considerem a realidade deonde as ideias são extraídas e de onde serão aplicadas. Apesardo caráter descritivo, espera-se que o artigo sirva de inspira-ção para gestores e acadêmicos interessados no tema da coo-peração interorganizacional no Brasil.�

(1) A Zentralverband Gewerblicher Verbundgruppen(ZGV) é a Federação Alemã de Redes de EmpresasVarejistas e reúne 320 redes horizontais de empre-sas. A entidade atua como prestadora de serviçospara seus associados, realiza negociações com par-ceiros e fornecedores e realiza lobbies para as redesde empresas junto ao Parlamento Europeu e ao Par-lamento Alemão. Além de escritórios em Berlin e Köln,a ZGV possui uma representação em Bruxelas, capi-tal do Parlamento Europeu.

(2) Friedrich Raiffeisen, considerado o criador do con-ceito de cooperativismo de crédito, desenvolveu umsistema de microfinanciamento que buscava prin-cipalmente apoiar as populações rurais pobres naAlemanha. Na época da sua morte, em 1888, as coo-perativas de crédito já tinham se espalhado paraItália, França, Holanda, Inglaterra e Áustria. Em 1913,mais de dois milhões de alemães eram associadosde cooperativas de crédito.(Fonte: <www.cooperativismodecredito.com.br>)

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Cooperation trends in horizontal business networks: the example of retail networks in Germany

Germany is one of the countries where business cooperation has reached the highest level of development andorganization, especially in the form of horizontal business networks. The number of cooperative arrangements andthe results achieved by the business networks over the past several decades are significant. Therefore, they can beused as an interesting example in relation to the recent development of Brazilian networks. This paper presents thestatus of cooperation in horizontal business networks in Germany at present, as well as their future organization andmanagement trends. The study was based on secondary data and in-depth interviews with German experts: academics,organizational consultants, business network managers and representatives of organizations. The results highlight

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TENDÊNCIAS DA COOPERAÇÃO EM REDES HORIZONTAIS DE EMPRESAS: O EXEMPLO DAS REDES VAREJISTAS NA ALEMANHA

the professional management of networks, a trend toward centralized governance as a way to coordinate big networks,and a trend toward mixed models of organization, combining the cooperative system with the branches system andthe franchise system. Other trends highlighted by the experts are the establishment of networks alliances, the mergerof cooperative groups and their internationalization. All these changes contribute to the metamorphosis of businesscooperation models, and maintain these models as an important strategy for the survival and competitiveness ofindependent enterprises in Germany.

Keywords: cooperation, business networks, horizontal networks, strategy.

Tendencias de la cooperación en redes horizontales de empresas: el ejemplo de las redesminoristas en Alemania

Alemania es uno de los países en que la cooperación empresarial alcanzó el mayor desarrollo y organización, especi-almente en la forma de redes horizontales de empresas. El número de acuerdos cooperativos y los resultados alcanzadospor las redes a lo largo de varias décadas en actividad son significativos y sirven como interesante ejemplo para lasredes brasileñas. En este artículo, se presentan el escenario actual de la cooperación en redes horizontales enAlemania y las tendencias para la organización y gestión de dichas redes en el futuro. Se realizó el estudio con baseen datos secundarios y entrevistas en profundidad con especialistas alemanes en el tema, académicos, consultoresorganizacionales, gestores de redes y representantes de entidades, seleccionados en función de su conocimientosobre el asunto. Los resultados demuestran el alto grado de profesionalismo de la gestión de redes, la tendencia a ungobierno centralizado para coordinar grandes redes y la tendencia a modelos mixtos de organización, que combinanel sistema cooperativo con el sistema de filiales y el sistema de franquicias. La formación de alianzas entre redes, lafusión de grupos cooperativos y la busca de la internacionalización son otras tendencias que merecen destaque enla opinión de los especialistas, lo que contribuye no sólo a la metamorfosis de los modelos de cooperación empresa-rial y sino también a su mantenimiento como importante estrategia de supervivencia y aumento de la competitividadde empresas independientes en Alemania.

Palabras clave: cooperación, redes empresariales, redes horizontales, estrategia.

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