Tensoes Experiencias Um Retrato Das Trabalhadoras Domestic As Brasilia Salvador

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Tenses e experincias:um retrato das trabalhadoras domsticas de Braslia e Salvador

Natalia Mori Soraya FleiScher aNgela Figueiredo Joaze BerNardiNo-coSta tNia cruzorganizador@s

centro Feminista de estudos e assessoria

Tenses e experincias:Um retrato das trabalhadoras domsticas de Braslia e Salvador

Este livro resultado da parceria entre as seguintes instituies:

Centro Feminista de Estudos e Assessoria www.cfemea.org.br Telefone: (61) 3224-1791

Federao Nacional das Trabalhadoras Domsticas [email protected] Telefone: (71) 3322-3871/ 3334-6310

Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada www.ipea.gov.br Telefone: (61) 3315-5282

Organizao Internacional do Trabalho Escritrio no Brasil www.oit.org.br Telefone: 55 (61) 2106-4600

Entidade das Naes Unidas para a Igualdade de Gnero e Empoderamento das Mulheres www.unifem.org.br Telefone: (61) 3038-9280

Tenses e experincias:Um retrato das trabalhadoras domsticas de Braslia e Salvador

Natalia Mori Soraya FleiScher aNgela FigUeiredo Joaze BerNardiNo-coSta tNia crUzorganizador@s

1 edio centro Feminista de estudos e assessoria Braslia 2011

FICHA TCNICA Organizao do livro Natalia Mori, Soraya Fleischer, Angela Figueiredo, Joaze Bernardino-Costa e Tnia Cruz Textos Angela Figueiredo, Claudia Pedroza, Danielle Valverde, Joaze Bernardino-Costa, Luana Pinheiro, Natlia Fontoura, Natalia Mori, Rafaela Egg, Renato Mendes, Soraya Fleischer e Tnia Cruz Reviso final Daniela de Lima Pinto, Natalia Mori e Soraya Fleischer Projeto Grfico e diagramao Ars Ventura Imagem & Comunicao Centro Feminista de Estudo e Assessoria Endereo: SCS Quadra 02, Edifcio Gois sala 602/04 Braslia DF 70317-900 Telefone: (61) 3224-1791 www.cfemea.org.br Apoio Fundo Holands para a Meta de Desenvolvimento do Milnio 3

Departamento de Trabalho dos Estados Unidos da Amrica - USDOL

Instituies parceiras Entidade das Naes Unidas para a Igualdade de Gnero e Empoderamento das Mulheres (ONU Mulheres), Organizao Internacional do Trabalho (OIT), Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (IPEA), Federao Nacional de Trabalhadoras Domsticas (FENATRAD) Tenses e experincias: um retrato das trabalhadoras domsticas de Braslia e Salvador. Natalia Mori, Soraya Fleischer, Angela Figueiredo, Joaze Bernardino-Costa, e Tnia Cruz. Orgs. Braslia: CFEMEA: MDG3 Fund, 2011 232p. 1 ed. 1. Pesquisa qualitativa sobre trabalho domstico: Distrito Federal e Salvador. 2. Mulheres trabalhadoras domsticas. 3. Condies profissionais do trabalho domstico. 4. Discriminao social, racial e de gnero, trabalho decente/trabalho infantil. I. Ttulo. II. CFEMEA ISBN 978-85-86119-08-8 2011, by CFEMEA Centro Feminista de Estudos e Assessoria O contedo desta publicao pode ser reproduzido e difundido desde que citada a fonte. O livro tambm pode ser encontrado em sua verso eletrnica, no stio: www.cfemea.org.br

SUMrio7 9 15APRESENTAO Marcio Pochmann PREFCIO Danielle Valverde, Rafaela Egg e Renato Mendes INTRODUO Natalia Mori, Joaze Bernardino-Costa e Soraya Fleischer

PARTE I

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Histria de vida Rosa Maria Mota de Jesus Situao atual das trabalhadoras domsticas no pas Luana Pinheiro, Natlia Fontoura e Cludia Pedrosa

PARTE II

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Histria de vida Regina Semio Trilha metodolgica da pesquisa: uma abordagem a partir das falas e vivncias das trabalhadoras domsticas das regies metropolitanas de Salvador e Braslia Tnia Cruz Condies e contradies do trabalho domstico em Salvador Angela Figueiredo Trabalhadoras domsticas no Distrito Federal e suas condies de trabalho Joaze Bernardino-Costa

89 133

PARTE III

182 185 199 203 211

Histria de vida Marinalva Barbosa Concluses do Seminrio sobre a Pesquisa Qualitativa Soraya Fleischer e Natalia Mori Recomendaes OIT e ONU Mulheres

Referncias bibliogrficas Autoras e autores

Anexos

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Roteiro de entrevista A pesquisa qualitativa sobre trabalho domstico: Distrito Federal e Salvador Questionrio A pesquisa qualitativa sobre trabalho domstico: Distrito Federal e Salvador

apreSeNtaoMarcio pochMaNNpresidente do instituto de pesquisa econmica aplicada

apreSeNtao

O tema do trabalho domstico desperta grande interesse por ser capaz de engendrar importantes reflexes acerca das desigualdades de gnero, de raa e de classe que ainda marcam a sociedade brasileira, bem como sobre questes que dizem respeito a temas como (in)justia social, explorao do trabalho, submisso e servido. Todas essas questes esto na agenda do Ipea que, com base em sua misso institucional, tem se pautado pela produo e divulgao de conhecimentos que possibilitem o aperfeioamento das polticas pblicas implementadas e a consequente reduo das desigualdades e da pobreza. Neste sentido, o Ipea busca, permanentemente, ampliar o seu leque de atuao, integrando ao rol de estudos e pesquisas desenvolvidos pela Instituio, novas temticas postas em pauta pelo governo ou pela sociedade civil, a exemplo do que tem acontecido com o tema do trabalho domstico. com esta determinao que o Instituto tem se dedicado, cada vez mais, a analisar as temticas de gnero e raa, entendendo estas como plos estruturantes das desigualdades sociais brasileiras. A parceria estabelecida junto ao Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), Organizao Internacional do Trabalho (OIT) e Entidade das Naes Unidas para a Igualdade de Gnero e o Empoderamento das Mulheres (ONU Mulheres), com o objetivo de aprofundar as reflexes acerca do trabalho domstico remunerado se enquadra neste esforo institucional e reafirma a disposio do Ipea em trabalhar junto aos movimentos sociais e aos organismos internacionais presentes no pas. O resultado desta parceria, que garantiu o envolvimento de profissionais com diferentes formaes e perspectivas de atuao, alm do know how inerente a cada uma

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das instituies, ora apresentado a toda a sociedade. A investigao desenvolvida com base em mtodos qualitativos de pesquisa, complementados por estatsticas oficiais com as quais o Ipea trabalha rotineiramente, contribui para adensar o debate e revelar novos elementos de importncia fundamental para a compreenso da realidade vivenciada, hoje, pelas milhes de trabalhadoras domsticas brasileiras. Tal compreenso da realidade contribuir de forma decisiva para a elaborao e o aprimoramento de polticas pblicas, de forma que promovam, por meio da valorizao do trabalho domstico, o acesso a direitos e a igualdade de gnero e de raa. Este sem dvida um passo necessrio para o aprimoramento do desenvolvimento brasileiro que tem sido o objetivo primordial da atuao do Ipea. Boa Leitura! As opinies emitidas nesta publicao so de exclusiva e inteira responsabilidade dos autores, no exprimindo, necessariamente, o ponto de vista do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada, ou da Secretaria de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica

apreSeNtao

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preFciodaNielle oliveira valverdeentidade das Naes Unidades para a igualdade de gnero e o empoderamento das Mulheres oNU Mulheres

raFaela egg reNato MeNdeSorganizao internacional do trabalho Brasil

preFcio

Como uma das profisses mais antigas em numerosos pases, o trabalho domstico a porta de entrada para o mercado de trabalho e uma significativa fonte de ocupao para muitas mulheres no mundo, em especial para as mais pobres. Fundamenta-se na lgica patriarcal da diviso sexual do trabalho em que as atividades produtivas, economicamente valoradas, seriam exercidas por homens e o trabalho reprodutivo, relacionado cadeia de cuidados e atividades domsticas, seria desempenhado por mulheres. Historicamente o trabalho domstico se estrutura nos processos de escravido e colonialismo, onde as relaes de trabalho foram organizadas com base no racismo e tambm no patriarcalismo. Esses sistemas, responsveis pela subalternizao de africanos e povos indgenas nas Amricas, engendraram relaes onde as mulheres escravizadas respondiam, principalmente, pelos servios domsticos e de cuidados, como mucamas, amas de leite e criadas. Transcorrido mais de um sculo da abolio da escravido no Brasil, o servio domstico ainda se apresenta como a ocupao com o maior nmero de mulheres negras no pas e de mulheres indgenas em outros pases da Amrica Latina. O trabalho domstico, em escala mundial, perpetua as hierarquias baseadas no gnero, na raa, na etnia e/ou nacionalidade. A subvalorizao econmica e social dos trabalhos de cuidado e do papel da mulher na sociedade tem efeitos diretos sobre a condio do trabalho domstico. Ele percebido como um trabalho naturalmente

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apreendido pelas mulheres dentro da famlia de origem, sendo tambm desvalorizado por compreender um processo de aquisio de competncias que, geralmente, ocorre fora das instituies formais de formao. O trabalho domstico raramente reconhecido e valorizado por quem dele se beneficia e sua importncia e necessidade s so percebidas quando no realizado ou quando realizado de forma insatisfatria. Estas concepes contribuem para que esta atividade no seja percebida como uma profisso como todas as outras, sendo marcado pela precarizao e desvalorizao. Apesar de ser uma atividade laboral essencial no apenas para o funcionamento dos lares, como tambm para as economias, o trabalho domstico pouco regulamentado, sendo uma das ocupaes que apresenta os maiores dficits de trabalho decente. A constatao de que ainda existe no trabalho domstico violao dos direitos humanos e dos direitos fundamentais do trabalho, como: o trabalho forado; o trabalho infantil; a discriminao marcada pelo pertencimento tnico-racial, geracional e de gnero; as violncias fsica e sexual, ou ainda, a precarizao das condies e da relao de trabalho, requer da comunidade internacional a adoo de medidas para transformar essa realidade. Atualmente, observa-se que a demanda pelo trabalho domstico remunerado tem crescido no mundo. Mudanas na estrutura familiar e na organizao do trabalho como consequncia do processo da globalizao, contribuem para isso. A entrada massiva das mulheres no mercado de trabalho e a, consequente, insuficincia ou ausncia de polticas pblicas, programas e aes que promovam a conciliao entre o trabalho e a vida familiar, a crise do modelo tradicional dos cuidados so aspectos marcantes destas mudanas. Contribuem ainda para este quadro o envelhecimento da populao e a intensificao da jornada de trabalho nos anos mais recentes. Considerando esse contexto, desde a sua criao, a misso da OIT a promoo dos direitos no trabalho, do emprego de qualidade para homens e mulheres, da extenso da proteo social e do dilogo social e da promoo da proteo da criana e do adolescente contra o trabalho infantil, em especial nas suas piores formas. A partir de 1999, essa misso histrica passou a se sintetizar por meio do conceito do trabalho decente, considerado uma condio fundamental para a superao da pobreza, a reduo das desigualdades sociais, a garantia da governabilidade democrtica e o desenvolvimento sustentvel.

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A promoo do trabalho decente para as pessoas trabalhadoras domsticas parte integral da agenda da OIT. Considerando a necessidade de complementar as normas gerais j existentes no mbito da OIT com normas especficas para o trabalho domstico, a OIT realizou um processo de dupla discusso sobre trabalho decente para homens e mulheres trabalhadoras domsticas nas 99 (2010) e 100 (2011) Conferncias Internacionais do Trabalho (CIT), que resultou na adoo da conveno sobre o Trabalho Decente para as Trabalhadoras e Trabalhadores Domsticos (n 189), acompanhada de uma Recomendao (n 201). Desta maneira, a OIT contribui, de forma efetiva, para a promoo do trabalho decente para milhes de homens e mulheres trabalhadoras domsticas. Para alm dos instrumentos legais internacionais recentemente aprovados, outras Convenes da OIT contm disposies especficas para promover a proteo aquelas pessoas ocupadas no trabalho domstico como: a conveno n 138 sobre o estabelecimento da Idade Mnima para a Admisso ao Trabalho ou ao Emprego e a conveno n 182 sobre as Piores Formas de Trabalho Infantil. A ONU Mulheres antigo UNIFEM criada, em 2010, no mbito da reforma do Sistema das Naes Unidas, tem a misso de promover a igualdade de gnero e o empoderamento das mulheres, fundamentando sua atuao no cumprimento da Conveno para Eliminao de toda forma de Discriminao contra a Mulher (CEDAW), da Conveno sobre a Eliminao de todas as Formas de Discriminao Racial (CEERD) e da Plataforma de Beijing. O trabalho domstico se conforma como agenda estratgica para a ONU Mulheres, pois o reconhecimento dessa profisso como trabalho decente, bem como a ampliao da garantia de direitos das trabalhadoras domsticas, contribui para a reduo da pobreza, para a eliminao da violncia contra as profissionais trabalhadoras domsticas e tambm para a igualdade de gnero e tnico-racial. A garantia de cumprimento de direitos trabalhistas e a valorizao do trabalho, com ampliao de escolaridade uma das formas de se atingir a autonomia de um grande nmero de mulheres trabalhadoras domsticas. Desde 2002, com a edio n 4 da Revista Maria Maria Trabalhadoras Domsticas: quem so e o que pensam, o na poca UNIFEM abriu espaos para visibilizar a histria de trabalhadoras domsticas e as condies do trabalho domstico no Brasil. Ao longo dos anos, valorizando e reconhecendo o protagonismo das trabalhadoras domsticas, a ONU

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Mulheres vem apoiando aes para: o fortalecimento de organizaes de trabalhadoras domsticas e da sua incidncia em espaos de garantia e ampliao de direitos; a formao de lideranas e o incremento de polticas pblicas para essa categoria profissional. Desde 2009, a ONU Mulheres tem apoiado uma sequncia de aes preparatrias, em mbito nacional e na regio da Amrica Latina, para o fortalecimento da incidncia das trabalhadoras domsticas nas 99 e na 100 Conferncia Internacional do Trabalho da OIT. As aes realizadas em parceria com organismos governamentais, no-governamentais e organizaes internacionais foram decisivas para evidenciar o protagonismo das trabalhadoras domsticas brasileiras nesse processo e, sem dvidas, contriburam para a aprovao dos novos instrumentos internacionais da OIT. A pesquisa que ora se apresenta d voz a mulheres trabalhadoras domsticas de Salvador e do Distrito Federal, adolescentes, jovens e adultas, visibilizando as suas condies de vida e trabalho. Traz ao pblico a trajetria de mulheres que desde a sua mais tenra idade foram submetidas a condies precrias de trabalho e em algumas vezes de trabalho forado, em funo, principalmente, do seu pertencimento tnico-racial e pouca idade, da sua baixa escolaridade e da sua condio scioeconmica. Constata-se que a ausncia de uma poltica pblica focada de desenvolvimento local sustentvel no semi-rido dos estados do nordeste do pas provoca um processo migratrio, principalmente de meninas, por motivos relacionados ao trabalho. A sada da sua cidade de origem em busca de acesso a alimentos e melhores condies de vida, agudiza a violao de direitos fundamentais, a discriminao racial e social de meninas, meninos, adolescentes, jovens e adultas, atravs trabalho domstico nas regies centro-oeste e sudeste do pas.. O relato das trabalhadoras domsticas evidencia o princpio de inviolabilidade absoluta do lar, e reclama d@s legislador@s e da justia do trabalho medidas legais que permitam ser os direitos fundamentais do trabalho, bem como os direitos da criana e do adolescente dois dos fundamentos para preveno de atrocidades no espao privado. Tais atos so ainda mais graves quando ocorrem na relao de trabalho ou de emprego, sobre a qual o Estado tem o dever de administrar e a sociedade de respeit-la. O relato sobre sade e segurana no trabalho, reitera a necessidade de o administrador das relaes do trabalho cumprir com sua misso e reafirma a assertividade do

Decreto n 6481 de 2008 que regulamenta a conveno n 182 da OIT sobre as piores formas de trabalho infantil. O CFEMEA, o IPEA, a OIT e a ONU Mulheres, em parceria com a Fenatrad, esperam, com a presente publicao, contribuir para o aprofundamento do conhecimento sobre as condies de trabalho das trabalhadoras domsticas, para a valorizao e reconhecimento do trabalho domstico como trabalho decente, preconizado na conveno n 189 e sua recomendao n 201 da OIT, assim a tomar de medidas imediatas e em carter de urgncia para eliminar as piores formas de trabalho infantil, tal como estabelece a conveno n 182 e sua recomendao n 190 da OIT. O atual momento histrico mais que oportuno para incitar os debates e impulsionar aes rumo ao enfrentamento ao racismo, ao sexismo, ao trabalho infantil e todas as iniquidades e violncias presentes no trabalho domstico. necessrio ressignificar social e economicamente o trabalho domstico de modo que essa profisso no mais absorva a mo-de-obra infantil e para que se possa ampliar e garantir o cumprimento dos direitos trabalhistas e previdencirios de mulheres e homens que fazem do trabalho domstico a sua profisso, ocupao ou meio de sobrevivncia.

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As denominaes empregadas e a forma como os dados so apresentados, segundo a praxe adotada pela Organizao das Naes Unidas (ONU), no implicam nenhum julgamento por parte da ONU Mulheres e da Organizao Internacional do Trabalho (OIT) sobre a condio jurdica de nenhum pas, zona ou territrio citado ou de suas autoridades e tampouco sobre a delimitao de suas fronteiras. A responsabilidade pelas opinies expressas nos artigos assinados, estudos e outras colaboraes cabe exclusivamente aos seus autores e sua publicao no significa que a ONU Mulheres e a OIT as endosse. Referncias a empresas ou a processos ou produtos comerciais no implicam aprovao por parte da ONU Mulheres e a OIT e o fato de no serem mencionadas empresas ou processos ou produtos comerciais no implica nenhuma desaprovao. Parte da presente pesquisa se realizou no mbito dos Projetos Apoio aos Esforos Nacionais em Prol de um Estado Livre de Trabalho Infantil, Bahia - Brasil e Programa Regional Incorporao das dimenses da igualdade de Gnero, Raa e Etnia nos programas de

combate pobreza em quatro pases da Amrica Latina e Programa Fortalecimento da Liderana das Mulheres Jovens e seu Trabalho em Redes (ONU Mulheres), e respectivamente foi cofinanciada pelo Departamento de Estado de Trabalho dos Estados Unidos (USDOL) e pela Agncia Espanhola de Cooperao e Desenvolvimento (AECID). Essa publicao no reflete necessariamente as polticas do USDOL ou da AECID. De igual maneira, a meno de marcas, produtos comerciais ou organizaes no implica qualquer forma ou endosso do governo dos Estados Unidos ou do governo Espanhol. O uso da linguagem que no discrimine nem estabelea a diferena entre homens e mulheres, meninos e meninas uma preocupao da parceria ONU Mulheres e da OIT com as instituies autoras da presente pesquisa. O uso genrico do feminino ou da linguagem neutra dos termos criana e adolescente ou ainda o uso pela equipe autora do @ foi uma opo inescapvel em muitos casos para visibilizar a necessidade de equidade no tratamento de gnero no decorrer do texto. Mas fica o entendimento de que o uso genrico do feminino se refere a homens e mulheres, e que, por trs dos termos utilizados existem pessoas com rosto, vida, histrias, desejos, sonhos insero social e direitos adquiridos.

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iNtrodUotrabalho domstico desafios para a igualdade e valorizaoNatalia MoriJoaze BerNardiNo-coSta Soraya FleiSchercentro Feminista de estudos e assessoria

1. O QUADRO GERAl Hoje, o trabalho domstico a atividade profissional mais realizada pelas mulheres economicamente ativas no Brasil. Milhes de brasileiras dedicam grande parte do seu dia a limpar e cuidar da casa e da famlia de outras mulheres e homens. Alm disso, tanto essas mulheres quanto aquelas que no so trabalhadoras domsticas formais tambm cuidam das suas prprias casas, fazendo faxina, preparando alimentos, zelando por infantes e idosos, garantindo, assim, a reproduo da vida cotidiana. Ou seja, o trabalho domstico est presente na primeira, segunda e/ou terceira jornada da maior parte das mulheres brasileiras. O trabalho domstico tem uma longa relao com o trabalho das mulheres. Em nossas culturas patriarcais e capitalistas, esse trabalho foi destinado s mulheres como exerccio de atividades naturais do sexo feminino. Sendo assim, um trabalho visto sem necessidade de ser remunerado (ou quando pago, muito mal pago) para aquelas pessoas que o exercem. Ou ainda, concebido pela sociedade, governos e famlias

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como um trabalho que no contribui com as riquezas do pas, mesmo havendo estimativas de que cerca de 12,7% do PIB brasileiro (MELO et al, 2005) advm das atividades domsticas de reproduo social. Essa naturalizao gera ainda hoje discriminaes reais ao exerccio profissional das mulheres. De um lado, dificulta o reconhecimento via direitos de uma das maiores categorias profissionais de mulheres, as trabalhadoras domsticas remuneradas. Elas representam aproximadamente sete milhes de trabalhadoras que menos tm direitos em relao a qualquer outra categoria profissional no pas. Por outro lado, invisibiliza o trabalho de manuteno da vida realizado cotidianamente pela maior parte das mulheres em suas casas, trabalho esse essencial para a prpria organizao da vida produtiva. E ainda, este tipo de trabalho refora uma guetizao profissional das mulheres em atividades ligadas aos cuidados, atividades essas muitas vezes entendidas como uma extenso das qualificaes naturais das mulheres. 2. A IMPORTNCIA DO TEMA: POR QUE DEvEMOs CONTINUAR PEsQUIsANDO E DEbATENDO sObRE O TRAbAlHO DOMsTICO NO bRAsIl? A anlise sobre trabalho domstico, tema to caro para as mulheres meninas, adolescentes e adultas , merece uma reflexo sobre suas implicaes para a vida das mulheres que se dedicam, remuneradamente ou no, a este trabalho. Consideramos primordial levantar questionamentos que nos permitam compreender a difcil tarefa de conquista de direitos para as mulheres, negras, pobres e que exercem atividades profissionais ou no no mundo privado e domstico, espao este j levantado por vrias tericas como o lugar do no-prestgio, da no-cidadania, do no-direito, da no-pessoa. As anlises feminista e antirracista pontuam a articulao entre patriarcado e escravismo na construo social deste trabalho. Estes dois sistemas ideolgicos perversos e fundantes da sociedade brasileira trazem decorrncias at hoje operantes na constituio de uma diviso sexual e racial do trabalho extremamente excludente e desigual. Anbal Quijano (2005) aponta a diviso racial como um dos elementos estruturantes da desigualdade na Amrica Latina. o fruto persistente do processo de colonizao.

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A noo de inferioridade racial construda pelos colonizadores, explicou naquela poca e sustenta ainda hoje, a desvalorizao do trabalho realizado pela populao negra e indgena. Ele argumenta que as formas de explorao do capitalismo colonial associaram o trabalho assalariado e no braal branquitude, que o padro de trabalho que confere dignidade e produz direitos a quem o exerce. Ao articularmos a estes elementos da diviso racial do trabalho, aqueles que operam em termos da diviso sexual do trabalho, ou seja, que relegam s mulheres a responsabilidade quase que exclusiva pelo trabalho domstico e de cuidado com a famlia, ento podemos compreender melhor os mecanismos que esto em pleno funcionamento para desvalorizar, invisibilizar e negar direitos s trabalhadoras domsticas. Acreditamos que a depreciao da atividade profissional do trabalho domstico est diretamente relacionada a quem o realiza (mulheres, na maioria das vezes negras), e ao tipo de trabalho que se faz (domstico, rotineiro, manual, reprodutivo, emocional). Porque, como assinala a feminista Betnia vila (2002: 37-38), o tempo despendido pelas mulheres com a reproduo da vida, com o cuidado de pessoas que no podem se autocuidar (idos@s, crianas, doentes, pessoas com deficincia), com aes essenciais para a prpria manuteno das atividades produtivas como educao, vestimenta, alimentao, sade e abrigo no contabilizado como vlido para a organizao social do trabalho, perodo este fruto da expropriao do trabalho das mulheres. Ou seja, a construo do tempo que validada pelo sistema capitalista empregado para as atividades da produo, aquele gerador de mais valia (com jornadas de trabalho definidas, de lazer contado como parte do tempo que sobra das atividades de produo). O tema do trabalho domstico como um trabalho no-produtivo ou reprodutivo esteve em voga nos anos 70, sobretudo devido s indagaes das feministas marxistas no contexto europeu e norte-americano. A leitura crtica feita pelas feministas marxistas s concepes de Marx reside na reduo do trabalho domstico reproduo, entendida como consumo direto da produo pelos produtores. Portanto, somente seria definido como produto o trabalho que colocasse um bem em circulao no mercado ou o ofcio que produzisse um valor de troca. Alm disso, outra crtica residia

na reduo do trabalho domstico execuo de tarefas simples, definido como a fora de trabalho que na mdia existe no organismo de qualquer indivduo e que no requer treinamento nenhum. Dentro deste raciocnio, o trabalho domstico visto como um tipo de atividade que no requer qualificao e nem treinamento, sendo um atributo natural das mulheres (GUTIERREZ-RODRIGUEZ, 2010). Tanto a reduo do trabalho domstico a trabalho simples quanto a sua diminuio a trabalho reprodutivo explicariam o seu no pagamento, quando realizado pela dona de casa, e o seu baixo valor, quando executado pela trabalhadora domstica. Todavia, a importncia de um bem no naturalmente valorizado ou desvalorizado, mas produto das relaes sociais. Assim, a desvalorizao do trabalho domstico tem a ver no somente com seu carter reprodutivo, mas com a codificao cultural que o v como um trabalho simples, braal, racializado e feminilizado (GUTIERREZ-RODRIGUEZ, 2010). Alm disso, como nos lembra a sociloga espanhola Encarnacin Gutirrez-Rodrguez (2010), durante os anos 1970, pontuava-se, sobretudo o foco no trabalho reprodutivo das atividades realizadas no mbito domstico. J os anos 1990, inspirados pela sociloga estadunidense Arlie Russell Hochschild (1983), passam a incorporar que o trabalho domstico tambm produz trabalho emocional. Eis que desponta a importncia dos laos e relaes de afeto e constituio emocional que o trabalho domstico produz, s para citar alguns exemplos, a socializao de crianas, o cuidado de adoecid@s e deficientes, o apoio em perodos ps-partos e ps-cirrgicos, o acompanhamento de viuvez e luto, domesticar plantas, animais e a prpria estrutura da casa etc. Esse trabalho emocional, to fulcral para a construo social das pessoas, precisa ser considerado e valorizado. Outra importante dimenso do trabalho dessas mulheres o cruzamento entre o trabalho domstico no remunerado feito em suas casas e o trabalho domstico remunerado realizado na residncia de outra famlia. Como diz Betnia vila, As jornadas de trabalho remunerado e no remunerado que caracterizam a experincia de trabalho da grande maioria das mulheres trabalhadoras produzem uma sobrecarga de trabalho que, no cotidiano, afeta a forma de insero

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no mercado de trabalho, a participao poltica cidad, o lazer, as condies para o estudo e o desenvolvimento da profissionalizao, e, ainda, a possibilidade do uso do tempo para si. (VILA, 2009: 29). Assim, o trabalho domstico tem passado, do ponto de vista acadmico, por vrias perspectivas tericas. Mas todas, de diferentes maneiras, tm reforado a localizao central desse trabalho na esfera social e apoiam que se continue o esforo intelectual, financeiro e poltico em pesquisar, compreender e dignificar esse trabalho. Tais aportes tericos so tambm importantes para dar suporte s aes no campo poltico, especialmente dos movimentos de mulheres, feminista, negro e das prprias trabalhadoras organizadas, em prol do reconhecimento e igualdade de direitos. Ainda como afirma Betnia vila, a compreenso terica do trabalho domstico e da diviso sexual do trabalho, a forma como ele se constitui no Brasil sua importncia como mercado de trabalho para um contingente de mais de sete milhes de brasileiras, em sua maioria negras, e sua longa tradio na histria do pas, alm do fato de atualmente ser uma questo na relao entre os pases do Norte e do Sul representam uma contribuio para a prpria prxis do movimento feminista brasileiro que enfrenta as tenses desse trabalho que se expressam como desigualdades entre mulheres no interior do prprio movimento (VILA, 2009: 31). Assim, nos parece que falar sobre direitos sociais para uma profisso essencialmente feminina, negra, com baixa escolaridade e pobre e que se realiza na esfera do mundo privado, aquela esfera em que o Estado tem entendido que no deve legislar ou se intrometer (basta ver os impedimentos para a fiscalizao das relaes de trabalho violentas e discriminatrias que acontecem nas unidades residenciais) no tarefa fcil. Diante de todos os elementos apontados, podemos ter uma melhor compreenso dos padres de desigualdades que configuram o trabalho domstico: seja o trabalho da reproduo social, do cuidado ou do emprego domstico. Por isso, a discusso sobre o tema essencial para a conquista de relaes trabalhistas mais equnimes e igualitrias entre mulheres e homens, empregador@s e trabalhadoras, ric@s e pobres.

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3. UMA bREvE APREsENTAO DOs (MUITOs) NMEROs E DAs (POUCAs) lEIs As pesquisas includas neste livro tero a oportunidade, nos captulos seguintes, de expor seus dados, detalhados e localizados. Por enquanto, nesta Introduo, nosso intuito apresentar um panorama rpido sobre esta categoria profissional, sobretudo no que concernem aos direitos que as trabalhadoras j garantiram e tantos outros que ainda esto longe de seus cotidianos de trabalho. De acordo com a PNAD/2009, o trabalho domstico entendido como trabalho remunerado desempenhado no interior de residncias particulares emprega aproximadamente 7,2 milhes de trabalhador@s, o que corresponde a 7,8% da populao economicamente ativa. Como de amplo conhecimento, trata-se de uma ocupao predominantemente feminina: as mulheres correspondem a 93% dos trabalhadores domsticos no pas, o que corresponde a 6,7 milhes de mulheres ou a 17% da populao economicamente ativa feminina. Por essa razo e tambm s descritas acima sobre a relao entre trabalho domstico e trabalho das mulheres que empregamos o termo no feminino, trabalhadoras domsticas. Trabalhadoras e no Empregadas porque aquele o termo utilizado pela categoria organizada para incidir no debate pblico em prol de seus direitos. O termo trabalhadora tambm tem o intuito de visibilizar que as tarefas domsticas e de cuidado que so feitas cotidianamente pelas mulheres um tipo de trabalho com implicaes para a organizao social do trabalho. Cruzando a quantidade de trabalhadoras domsticas do pas com as categorias raciais, percebe-se que 61,6% das profissionais so negras, enquanto 38,4% so brancas. Embora pelo decreto 6.481/2008, que regulamenta a conveno 182 da OIT sobre as Piores Formas de Trabalho Infantil, o trabalho domstico esteja proibido para menores de 18 anos, ainda foram registrados cerca de 340 mil crianas e adolescentes entre 10 e 17 anos desempenhando o trabalho domstico no pas (IPEA, 2011). A situao das trabalhadoras domsticas no Brasil caracterizada pelo baixo ndice de formalizao e baixos salrios, para mencionar apenas dois traos recorrentemente citados nos estudos sobre esta categoria ocupacional, tem sido informado por um marco jurdico frequentemente restritivo. Obviamente, o sistema jurdico no se configura

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como um espao autnomo, imune s influncias da sociedade mais ampla. Os poucos avanos da lei mais do que serem produtos d@s ator@s jurdic@s, refletem a invisibilidade e desvalorizao do trabalho domstico em si, visto como um trabalho no-produtivo. Em outras palavras, a invisibilidade e desvalorizao do trabalho domstico tm sua expresso no sistema jurdico, possuindo, porm, mltiplas causas que reforam sua invisibilidade, como aventadas na seo anterior. A concepo do trabalho domstico como no-produtivo ou no-econmico pode ser verificada de maneira explcita na prpria lei por exemplo, na Consolidao das Leis Trabalhistas (CLT) ou de maneira implcita nas discusses que os tmidos avanos legais tm provocado. Em 1943, quando a CLT foi aprovada, @s trabalhador@s domstic@s foram excludos sob a alegao de que desempenhavam atividades no-econmicas: Artigo 7 Os preceitos constantes na presente Consolidao, salvo quando for, em cada caso, expressamente determinado em contrrio, no se aplicam: a) aos empregados domsticos, assim considerados, de um modo geral, os que prestam servios de natureza no-econmica pessoa ou famlia, no mbito residencial destas. (SAFFIOTI, 1978, 37). Nesta importante lei para todo o trabalhismo brasileiro, a meno s trabalhadoras domsticas foi somente para a excluso de benefcios, sob o expresso e equivocado argumento de que o servio domstico no possui natureza econmica. Excludas das vantagens conferidas pela CLT, as trabalhadoras domsticas somente seriam alvo de benefcio legal em 1960, com a Lei 3.807, Lei Orgnica da Previdncia Social, que atribua o direito das trabalhadoras domsticas se filiarem previdncia social como seguradas facultativas. Praticamente incua esta lei, haja vista a ausncia de indcios de que as trabalhadoras domsticas efetivamente tenham ingressado no campo da previdncia social. Somente com a Lei 5.859/1972, regulamentada pelo decreto 71.885/1973, que se garantiram os primeiros direitos positivos s trabalhadoras domsticas. Esta lei significou o nascimento jurdico das trabalhadoras domsticas e garantiu os seguintes direitos: carteira de trabalho, 20 dias de frias remuneradas por ano, seguro obrigatrio da

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previdncia social, dando-lhes o direito de aposentadoria1. Outro captulo de avano na legislao pertinente s trabalhadoras domsticas ocorreria na promulgao da Constituio Federal de 1988. Paradoxalmente, essa carta legal maior da nao, conhecida como a Constituio Cidad, novamente no garantiu a igualdade de direitos para as trabalhadoras, a despeito da grande mobilizao feita pelas trabalhadoras domsticas organizadas que entregaram publicamente uma carta aos constituintes demandando sua isonomia. Assim, a ampliao de direitos s/aos trabalhador@s domstic@s se deu com ressalvas. Dos 34 direitos expressos no Artigo 7, somente nove se aplicam s/aos trabalhador@s domstic@s. Esta restrio foi expressa no pargrafo nico deste artigo: Pargrafo nico So assegurados categoria dos trabalhadores domsticos os seguintes direitos previstos nos incisos IV, VI, VIII, XV, XVII, XVIII, XIX, XXI e XXIV, bem como sua integrao previdncia social (CONSTITUIO FEDERAL, 1988: Artigo 7, Pargrafo nico). Portanto, os direitos so os seguintes: IV salrio-mnimo (); VI irredutibilidade do salrio; VIII 13 salrio; XV repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos; XVII gozo de frias anuais remuneradas com, pelo menos, um tero a mais do salrio normal;

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Entre as reaes mais conservadoras e discriminatrias aprovao da Lei 5.859/72, encontrou-se na seo Opinies do Estado de So Paulo, da edio de 23 de outubro de 1972, a seguinte matria, intitulada Ainda o Trabalho Domstico: Nos maiores centros urbanos do pas, os resultados da iniciativa se ela for avante no tardaro de se manifestar. A prostituio aumentaria rapidamente. Seria a sada inevitvel para muitas moas, que vindas das zonas rurais mais pobres, encontram soluo para seus problemas nos empregos domsticos. () No preciso ser Cassandra para prever a enorme reduo de empregos domsticos na classe media, se o projeto do Sr. Ministro do Trabalho for transformado em lei. A contribuio de Cr$ 43,00 mensais para a previdncia provocaria uma queda brusca na oferta de empregos. (KOFES, 2001: 291). Importante lembrar que tal argumento conservador da perda de empregos ainda hoje utilizado quando se discute publicamente a ampliao de direitos.

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XVIII licena gestante, sem prejuzo do emprego e do salrio, com a durao de 120 dias; XIX licena-paternidade (); XXI aviso prvio (); XXIV aposentadoria (CONSTITUIO FEDERAL, 1988: Artigo 7). Alm destes direitos, a Constituio Federal assegurou s trabalhadoras domsticas o direito sindicalizao, expresso no artigo 8. Somente em 2006, com a Lei 11.324, garantiu-se expressamente: (a) 30 dias de frias, com o acrscimo de 1/3 a mais do salrio normal; (b) proibio da dispensa arbitrria ou sem justa causa da trabalhadora domstica desde a confirmao da gravidez at cinco meses aps o parto; (c) proibio de descontos no salrio por fornecimento de alimentao, vesturio, higiene e moradia. Ainda nesta lei, com a inteno de aumentar o ndice de formalizao do emprego domstico, garantiu-se /ao empregador/a a possibilidade de descontar do seu Imposto de Renda a contribuio paga pelo INSS de uma trabalhadora domstica, relativo ao valor pago previdncia social por um salrio mnimo. Embora bem intencionada, esta renncia fiscal do Estado no pode ser vista como ampliao de direitos da categoria, posto que beneficia @ empregador/a, ao invs da trabalhadora domstica. Importante dizer que essa legislao foi bastante discutida pelo movimento feminista e pelas trabalhadoras domsticas organizadas na Federao Nacional das Trabalhadoras Domsticas (FENATRAD). Na ocasio, se demandava primeiramente a igualdade de direitos antes de se beneficiar o patronato. Alertava-se para a preocupao de que a limitao a um salrio-mnimo poderia trazer prejuzos s trabalhadoras que recebem mais de um salrio-mnimo, o que tem acontecido na prtica e ainda demandou-se do governo federal o retorno da possvel formalizao que o desconto no Imposto de Renda traria, o que significou nmeros nfimos. O Congresso Nacional tambm aprovou, no mbito dessa lei de 2006, o salrio-famlia e o FGTS obrigatrio, que acabaram sendo vetados pelo Executivo Federal, com o mesmo argumento conservador utilizado nos

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anos 1970 de que a ampliao desses direitos levaria a um possvel aumento do desemprego dessas trabalhadoras. A mais recente conquista legal da categoria foi alcanada pelo j citado decreto 6.481/2008, que regulamenta a conveno 182 da OIT, listando o trabalho domstico infantil como uma das piores formas de explorao do trabalho infantil, proibindo menores de 18 anos de exercerem esta atividade profissional. Todavia no campo legal, trs questes esto na pauta de reivindicao do movimento das trabalhadoras domsticas: o FGTS obrigatrio (atualmente facultativo), a extenso dos direitos trabalhistas conquistados s diaristas e a igualdade de direitos com relao aos/s demais trabalhador@s, tais como jornada de trabalho regulada em lei, hora extra, salrio-famlia, direitos de negociao coletiva, dentre outros. Apesar das reivindicaes histricas das trabalhadoras domsticas (Cf. BERNARDINO-COSTA, 2007) pelo FGTS obrigatrio, em 2001, desconsiderando o dilogo com as trabalhadoras domsticas e com o movimento feminista, o governo aprovou a Lei 10.208/2001, estabelecendo o direito facultativo ao FGTS, sendo a escolha por pagar ou no concedida ao/ empregador/a e sem nenhum tipo de simplificao para que o recolhimento seja vivel. Nestes termos, a lei tem se mostrado ineficaz, tendo um nmero irrisrio de trabalhadoras contribudo como o FGTS. O acesso ao FGTS e ao consequente seguro-desemprego tema recorrente de debate tambm entre Legislativo e Executivo. Atualmente, est em jogo no Legislativo a proposta de torn-lo obrigatrio, mas com a iseno da multa rescisria para @s empregador@s. Mais uma vez, vivenciamos a histria de direitos pela metade para essa categoria. Ora, se o poder pblico quer propor a dispensa da multa para @s empregador@s por que no ele mesmo assumir tal pagamento? Se os cofres pblicos podem arcar com os custos de iseno no imposto de renda do patronado, por que no poder arcar tambm com esse custo que visa garantir o direito da trabalhadora? Quanto s diaristas, os juristas negam a extenso das conquistas legais a estas trabalhadoras, fundamentados na Lei 5.859/1792, que define o trabalhador domstico como aquele que presta servios de natureza contnua e de finalidade no lucrativa pessoa ou famlia, no mbito residencial destas (Lei 5.859/1972, artigo 1). O ponto da discrdia reside na interpretao do significado do termo natureza contnua da referida

lei. Em estudo realizado por Dultra e Mori (2008) sobre decises judiciais tomadas pelos vrios Tribunais Regionais do Trabalho, tm se constatado que somente os trabalhos exercidos em trs dias ou mais, sem intervalo e com pagamentos mensais, puderam ter o vnculo de emprego reconhecido, sendo, portanto contemplados pelos direitos j adquiridos pelas trabalhadoras domsticas. (DULTRA E MORI, 2008: 56). preciso reconhecer, sobretudo, que esta longa jornada de poucas e insuficientes conquistas jurdicas resulta de um ativismo das trabalhadoras domsticas, iniciado na dcada de 1930. Tanto as discusses da CLT na dcada de 1940, a Lei 5.859/1972, os avanos da Constituio Federal de 1988, quanto a Lei 11.324 de 2006, embora insuficientes, foram resultados do ativismo das trabalhadoras domsticas. Inicialmente, desde 1936, organizadas em associaes profissionais, e posteriormente, a partir de 1988, em sindicatos, as trabalhadoras domsticas tm sido importantes atoras nas conquistas legais mencionadas. Atualmente quase 133 mil trabalhadoras domsticas encontram-se filiadas a sindicatos da categoria (IPEA, 2011). Em um primeiro olhar este nmero soa como bastante nfimo, entretanto, preciso considerar que a categoria vive num isolamento intramuro, no possui imposto sindical, no h dispensa do trabalho para o exerccio poltico-sindical, enfrenta um forte imaginrio social de desvalorizao da profisso etc. A despeito destas adversidades, a atuao dos sindicatos tem sido fundamental para o avano dos direitos da categoria e para o cumprimento dos direitos j existentes (BERNARDINO-COSTA, 2007). 4. A ORGANIzAO DEsTE lIvRO O presente livro tem, por principal objetivo, reunir resultados de projetos e experincias de vida sobre o trabalho domstico. Os dados esto organizados em dois blocos, uma pesquisa realizada pelo IPEA e outra, pelo CFEMEA, em parceria com a OIT e a ONU Mulheres, com pesquisadores da Universidade de Braslia e da Universidade Federal do Recncavo da Bahia. Os dois estudos, recentes, nos mostram realidades complementares sobre o trabalho domstico. O IPEA apresenta uma excelente sistematizao de dados quantitativos. O segundo corpo de pesquisadores aprofundou-se numa mirada

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qualitativa em dois contextos especficos, ao realizar entrevistas com trabalhadoras domsticas em Braslia/DF e em Salvador/BA. Dada a importncia que o tema tem para ativistas feministas e de direitos humanos, essa iniciativa tem o mrito de agregar diferentes atores sociais que vm lutando para o reconhecimento e valorizao do trabalho domstico nos mais diferentes mbitos desde a luta travada diante do Congresso Nacional e do Executivo Federal para a ampliao de direitos, a exemplo do CFEMEA e da FENATRAD; at a produo de conhecimento sobre o tema realizado por pesquisador@s da academia, institutos de pesquisa e do movimento social; o apoio de organismos do sistema das Naes Unidas que promovem dilogos e propem polticas pblicas. A partir da iniciativa do CFEMEA, que pretendia realizar uma pesquisa piloto em Braslia com carter qualitativo sobre o tema, esses demais atores se juntaram ao desafio de pensar, elaborar e ampliar seu escopo, com vistas a contribuir para a efetiva ampliao de direitos das trabalhadoras, discutindo suas vivncias desse trabalho, a relao (ou no) com os sindicatos, bem como a presena ainda vigente do trabalho infantil. Toda a pesquisa coordenada por trs professor@s interessados no tema, Angela Figueiredo (Universidade Federal do Recncavo da Bahia), Tnia Cristina Cruz e Joaze Bernardino-Costa (ambos da Universidade de Braslia). As experincias de vida aparecem ao longo da pesquisa qualitativa, mas tambm se optou por privilegiar, em primeira pessoa, as narrativas de algumas das trabalhadoras domsticas que acompanharam todo o percurso da referida pesquisa, bem como do projeto que, em maior escala, possibilitou as atividades aqui envolvidas: a pesquisa, o livro e o evento. O propsito foi conferir destaque para essas verses autobiogrficas resumidas e, assim, incluir estas partcipes tambm no produto impresso de todo esse percurso, bem como trazer descries inteiras (embora, infelizmente jamais completas) de uma mesma mulher trabalhadora domstica, j que, nos artigos, as vozes aparecem estrategicamente recortadas e analisadas. O projeto, Pesquisa qualitativa sobre trabalho domstico: Distrito Federal e Salvador, conduzido pelo CFEMEA com apoio direto do MDG 3 (Fundo Holands para a Meta de Desenvolvimento do Milnio 3), juntamente com o projeto Desbravando questes e percepes sobre o trabalho domstico remunerado a partir de pesquisa qualitativa no Distrito Federal e na Bahia, apoiado pela ONU Mulheres e OIT, compreendeu as reunies

para preparao do projeto, a pesquisa de campo, as reunies para anlise dos dados. Depois, o mesmo projeto previu que esses resultados fossem apresentados, de forma preliminar, no seminrio Que trabalho domstico queremos para o sculo XXI?, sediado no Auditrio do IPEA no dia 29 de junho de 2011, em Braslia. O seminrio contou com dezenas de participantes, dos movimentos sindicais, das organizaes feministas, dos parceiros institucionais envolvidos, das universidades locais, da mdia, do Executivo e do Legislativo federais etc. Tentou-se que todo esse percurso fosse polifnico e tambm assim desejamos que se apresente esse livro. Vrias vozes, vrias miradas, vrias propostas no caminho de um trabalho domstico mais digno e humano. 5. UM lIvRO, MUITAs EsPERANAs Assim, enquanto tantas mulheres se dedicam a cuidar da residncia, dos filh@s, dos animais de estimao e da famlia de outras mulheres e homens, o cuidado de suas prprias casas e vidas precisa ser remanejado. Na prtica, isso quer dizer, deixar seus filh@s com outras mulheres; deixar seus pais e/ou sogr@s assistidos por outras mulheres, s vezes parentes; zelar pela sua casa depois do trabalho, j nos momentos mais cansativos do dia ou nos finais de semana, quando a maior parte da populao se dedica a momentos de lazer e descanso. As trabalhadoras domsticas, para manter seus postos, precisam terceirizar sua vida pessoal, tudo aquilo que fica para trs quando fecham a porta de casa para ir trabalhar todo dia de manh. Se no contam com filhas maiores, parentas ou vizinhas que tambm reproduzem a naturalizao entre as ideias de cuidado, feminino, voluntariado e gratuidade , precisam contratar outras trabalhadoras domsticas para essas tarefas em sua prpria casa. Enquanto lutam por direitos trabalhistas, to importantes, tambm ficam pendentes as questes: Quem so @s cuidador@s dessas cuidadoras? Que tipo de cuidado recebero? Mais do que direitos, estamos falando de dignidade, afeto, respeito, tempo para viver. Encarnacin Gutirrez-Rodrguez nos ensina algo muito importante. O trabalho domstico, pelo fato de acontecer em um espao de intimidade e domesticidade, lida com relaes sociais muito bsicas: me e filh@, pai e filh@, irm/o com irm/o, marido

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e esposa, consanguneo e afim, vizinh@ com vizinh@, trabalhador e empregador/a etc. So todas bsicas no sentido de representarem relaes que encontramos em outros espaos, relaes que se replicam e se ampliam em esferas outras que a casa. Segundo Gutirrez-Rodrguez, o trabalho domstico funda formas de convivncia entre pessoas diferentes. Assim, exemplos positivos e justos de trabalho domstico podem servir como modelos de convivncia para a sociedade como um todo. Deste microcosmo que a casa, podemos lanar padres de profissionalismo e respeito humano a serem seguidos no macrocosmo social brasileiro. 6. AGRADECIMENTOs Por fim, gostaramos de registrar nossos agradecimentos a vrias pessoas que foram fundamentais nesse processo. As trabalhadoras domsticas que estiveram presentes em todas as etapas do projeto: Rosa Maria de Jesus, Nila Cordeiro, Regina Semio, Cleide Silva e Marinalva Barbosa e outras companheiras da FENATRAD como sua presidenta, Creusa Maria de Oliveira. O CFEMEA, como principal organizao realizadora desta iniciativa, nas pessoas de Natalia Mori, como coordenadora geral do projeto, Patrcia Rangel, Fernanda Feitosa e Soraya Fleischer como consultoras, Leila Rebouas, Guacira Csar de Oliveira, Francisco Rodrigues Silva, Mirla de Oliveira Maciel e, principalmente, Sarah Reis que viabilizaram todo o apoio, logstica e tranquilidade para o dia-a-dia do projeto acontecer. Ainda, Daniela Lima e Paulo Roberto, da Ars Ventura, foram impecveis ao preparar os originais para a impresso. Sem o suporte financeiro e a confiana do MDG 3 (Fundo Holands para a Meta de Desenvolvimento do Milnio 3), e tambm o apoio da FENATRAD, IPEA, ONU Mulheres e OIT/Programa Internacional para a Eliminao do Trabalho Infantil, teria sido impossvel concluir esse projeto. Agradecemos, nominalmente, Natlia Fontoura, Luana Pinheiro, Cludia Mara Pedrosa, Maria Aparecida Abreu e Elizabeth Marins, do IPEA, Danielle Valverde, Ana Carolina Querino, Juliana Maia, Susana Martinez, Paula Pallares e Cleiton Lima, da ONU Mulheres e Maria Cludia Falco, Renato Mendes, Rafaela Egg, Mrcia Vasconcelos, da OIT. A todas que estiveram conosco, nosso muito obrigada. A todas que estaro conosco nas prximas pginas, boa leitura e boa inspirao, afinal, a luta continua.

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PARTE I

hiStria de vidaroSa Maria Mota de JeSUSSindicato das trabalhadoras domsticas de Franca, Sp

Meu nome Rosa Maria Mota de Jesus, 47 anos, trabalhadora domstica, nascida aos 26 dias do ms de novembro de 1963, na cidade de Guapu, SP. Cresci na fazenda e, com sete anos, j trabalhava na roa. Trabalhei at a idade de dez anos capinando arroz e milho, quebrando cana, batendo feijo e at no terreiro esparramando caf para secar. Em julho de 1975, perdi meu pai. Eu estava com dez anos e oito meses. ramos sete irms/os. Minha irm caula tinha um ano e seis meses. Depois que meu pai morreu, perdemos tudo que tnhamos na fazenda, ento fomos obrigados a deixar a fazenda sem nada e mudamos para a cidade de Franca, SP. Fomos morar num bairro chamado Vila Europa, em uma casa de taipa com cisterna, e o banheiro era um buraco no cho. Tomvamos banho na bacia, no tinha chuveiro. Diante da situao, minha me, que nunca trabalhou, s cuidava dos filhos, teve que trabalhar. O primeiro emprego dela foi numa fbrica de bolsas. Meu irmo com 12 anos foi trabalhar na fbrica de calados, e eu cuidava d@s minhas/meus irms/os enquanto mame estava no emprego. Um ano depois, a fbrica que mame trabalhava sofreu um incndio. Minha me teve queimaduras por todo corpo, ficando de cama por um ano, at que melhorou.

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Ento, tambm fui atuar na fbrica de calados, trabalhei por um perodo, depois fui trabalhar de bab. Sa desta casa que trabalhei como bab e fui executar atividades de domstica na casa de mdicos. Eu lavava, passava, arrumava, cozinhava e cuidava de duas crianas, porque minha patroa trabalhava fora. Meu horrio era das 7h da manh s 18h. Fiquei nesta casa por nove anos e meio e depois pedi demisso. Ento fui para outra residncia, o servio era dobrado, eu ia embora quase 10h da noite. Meus patres eram pessoas muito rgidas, mas eu sabia onde era meu lugar. Alguns anos depois, comecei com problemas de sade por causa dos trabalhos forados. Tive uma doena chamada espandiloartrose-cervical. Fiquei por quase 30 dias no hospital, passei at por cirurgia. Neste emprego eu sofri demais por causa de preconceitos, no tive coragem de denunciar. Trabalhei nesta casa nove anos, depois que fiquei doente no voltei mais neste emprego e nem trabalhei em outro como domstica. Hoje sou uma dirigente sindical, atuo no Sindicato das Trabalhadoras Domsticas de Franca, onde luto para que no haja preconceito e discriminao no trabalho domstico. Franca, SP, 9 de maio de 2011.

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SitUao atUal daS traBalhadoraS doMSticaS No paS*lUaNa piNheiro Natlia FoNtoUra clUdia pedroSa

1. INTRODUO O presente captulo dedica-se anlise das condies de vida e de trabalho das trabalhadoras domsticas, que representam uma importante parcela das mulheres brasileiras ocupadas. A partir dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios (PNAD), realizada anualmente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), busca-se apresentar um panorama atual do perfil dessas trabalhadoras, bem como analisar a evoluo dos principais indicadores relativos ao trabalho domstico na ltima dcada. Apesar de constituir-se em uma realidade para muitas mulheres desde a poca colonial, o trabalho domstico remunerado somente foi reconhecido como profisso em 1972, com a promulgao da lei n 5.859. De acordo com esta legislao, o trabalho domstico passa a ser definido como aquele realizado por pessoa maior de 16 anos que presta servios de natureza contnua e de finalidade no-lucrativa pessoa ou famlia, no mbito residencial destas 1.* As autoras agradecem a inestimvel colaborao de Cristiane Ala Diniz, responsvel pela produo dos dados, e de Marcelo Galiza, pela leitura atenta e ricos comentrios. 1 Compem a categoria, na legislao brasileira, as pessoas que trabalham como cozinheir@, governanta, bab, lavadeira, faxineir@, vigia, motorista particular, jardineir@, acompanhante de idos@s, entre outras. @ caseir@ tambm considerad@ empregad@ domstic@, quando o stio ou local onde exerce a sua atividade no possui finalidade lucrativa. SANCHES (2009, p.880)

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Isso significa, portanto, que at a dcada de 1970 as trabalhadoras domsticas eram desconsideradas como grupo produtor de um trabalho e objeto de direitos trabalhistas e sociais. A partir deste entendimento, foi instituda a Consolidao das Leis do Trabalho (CLT) em 1943, ignorando a existncia desta ocupao profissional que, j naquele momento, empregava milhes de brasileiras, responsveis pelas tarefas de cuidados com casas e famlias de suas/seus empregador@s. Este tratamento desigual foi reafirmado e reforado pela Constituio Federal de 1988, que, apesar de garantir conquistas como o salrio-mnimo, o 13 salrio e a licena-maternidade de 120 dias, deixou de garantir s trabalhadoras domsticas o mesmo rol de direitos assegurados aos demais trabalhadores brasileiros. De fato, ao elencar, em seu artigo 7, os direitos d@s trabalhador@s urban@s e rurais, a Constituio restringe, por meio da incluso de um pargrafo nico, quais seriam os direitos assegurados categoria d@s trabalhador@s domstic@s. Tentativas de reverso desse quadro foram empreendidas, a partir do esforo de mobilizao da categoria, com intuito de equiparao de direitos. Entre as conquistas alcanadas, destaca-se a lei n 10.208/20012, que criou o Fundo de Garantia por Tempo de Servio (FGTS) e o seguro-desemprego para a categoria, que so, no entanto, facultativos, a depender da escolha d@ empregador/a. Cabe ressaltar, tambm, a Lei 11.324/20063, por meio da qual foram finalmente garantidos os direitos a frias de 30 dias (anteriormente estabelecida em 20 dias), estabilidade para gestantes, direito aos feriados civis e religiosos, e proibio de descontos de moradia, alimentao e produtos de higiene pessoal utilizados no local de trabalho, bem como o estabelecimento de incentivo fiscal, possibilitando ao contribuinte o abatimento dos valores devidos previdncia social na qualidade de empregador/a4, medida que vigorar at 2012, ano-calendrio 2011. Os esforos empreendidos tambm no campo do Executivo para o aperfeioamento da legislao que rege o trabalho domstico, na direo de ampliao de

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BRASIL, lei n 10.208, de 23 de maro de 2001. BRASIL, lei n 11.324, de julho de 2006. BRASIL, Ministrio do Trabalho e Emprego (2007).

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2. PERFIl GERAl DO TRAbAlHO DOMsTICO 1999/2009 O trabalho domstico remunerado empregava, em 2009, cerca de 7,2 milhes de trabalhador@s, ou 7,8% do total de ocupad@s no pas. Esta atividade, porm, no tem a mesma importncia para homens e mulheres, ou para negros e brancos. De fato, o trabalho domstico e sempre foi uma ocupao desempenhada majoritariamente por mulheres e negras. O perfil dessa ocupao remonta no s s razes escravistas da sociedade brasileira, mas tambm s tradicionais concepes de gnero, que representam o

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direitos, melhoria da qualidade da ocupao e reduo das desigualdades, ainda produzem resultados tmidos que apontam para a necessidade de que sejam pensados, pelo menos, trs aspectos relevantes: i) as especificidades da ocupao que, ao se realizar no domiclio, dificulta, por exemplo, a inspeo pelo Ministrio do Trabalho e Emprego do cumprimento das obrigaes trabalhistas e a organizao das trabalhadoras que desempenham suas atividades de forma isolada; ii) a permanncia de laos pessoais no ambiente de trabalho, influenciado pelas origens patriarcais e escravistas do servio domstico no Brasil e marcando essa ocupao como um espao desvalorizado e desqualificado, pleno de explorao, discriminaes e excluso; e iii) o surgimento de novas formas deste trabalho, a exemplo das diaristas, que, se por um lado podem apontar para uma maior profissionalizao da ocupao, de outro tambm trazem maiores riscos de desproteo social. A ideia deste texto apresentar algumas anlises sobre a evoluo do trabalho domstico ao longo da ltima dcada (1999-2009), que permitam identificar movimentos relevantes tanto no que se refere importncia desta ocupao no conjunto da economia, quanto na qualidade e nas condies de trabalho vivenciadas por este grande contingente de mulheres brasileiras. Para esta anlise importante considerar que existem distines internas ao campo do trabalho domstico remunerado que devem ser consideradas. Alm das diferenas existentes em funo da raa/cor ou da regio de trabalho destas mulheres, sero consideradas as caractersticas inerentes aos diversos tipos de vnculos estabelecidos entre trabalhadoras e empregador@s, como o fato de morar ou no no local de trabalho e prestar servio em um ou em mais de um domiclio.

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trabalho domstico como uma habilidade natural das mulheres. O emprego domstico tem, assim, ocupado posio central nas possibilidades de incorporao das mulheres ao mercado de trabalho, particularmente das negras, pobres e sem escolaridade ou qualificao profissional. As mulheres correspondem a 93% do total de trabalhador@s domstic@s proporo que no variou ao longo da dcada e as negras a 61,6% do total de mulheres ocupadas nesta profisso. A importncia quantitativa do grupo de profissionais negras entre as trabalhadoras domsticas tornou-se maior ao longo dos dez anos aqui analisados, uma vez que, em 1999, este mesmo grupo respondia por 55% do total de trabalhadoras. Tal constatao, muito provavelmente, reflete as mudanas na forma de autodeclarao, que so verificadas para a populao como um todo. Do conjunto das mulheres ocupadas em 2009, 17%, ou 6,7 milhes, tinham o trabalho domstico como principal fonte de renda, valor que alcana quase 20% entre as ocupadas da regio Centro-Oeste e 18% entre as do Nordeste. Entre os homens, esta proporo no alcanava 1% (ver grfico 1)5. Se, para a populao masculina, o peso do trabalho domstico manteve-se exatamente o mesmo ao longo dos anos, para as mulheres possvel identificar duas alteraes durante o perodo de anlise. Desde 2001, quando a proporo de mulheres ocupadas no trabalho domstico era de aproximadamente 18% podia-se perceber um movimento contnuo de reduo da importncia desta ocupao que, em 2008, respondia por 15,8% do total das ocupadas. No entanto, em 2009, pode-se verificar uma mudana que contraria esta tendncia: apenas entre 2008 e 2009, houve uma elevao de 1,2 pontos percentuais na proporo de mulheres que estavam neste tipo de ocupao, valor que alcana 17%. Esta modificao foi mais intensa entre as trabalhadoras domsticas das regies Nordeste e Centro-Oeste e menos intenso entre as do Sul e do Sudeste.

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Interessante considerar que, alm de estarem presentes em magnitude bastante diferenciada no emprego domstico, homens e mulheres desempenham atividades tambm bastante diferentes neste campo. Enquanto s trabalhadoras cabem as tarefas de cuidados com a casa e as pessoas, como limpeza e alimentao, executadas no espao interno dos domiclios, aos homens fica a responsabilidade por atividades desempenhadas no espao externo da casa, como jardineiros, motoristas e caseiros.

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GRFICO 1 PROPORO DE OCUPAD@s QUE sO TRAbAlHADOR@s DOMsTIC@s, sEGUNDO sExO. bRAsIl, 1999 A 2009.20 18 16 14 12 10 8 6 4 2 0 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 0,9 0,95 7,5 7,8 Feminino Masculino TotalFonte: PNAD/ IBGE Elaborao: IPEA

18,0 17,2 17,4

17,3 17,1

16,9 16,7

16,4 15,8

17,0

2.1. CARACTERsTICAs DAs TRAbAlHADORAs DOMsTICAs O trabalho domstico ainda mais importante para as trabalhadoras negras, respondendo, em 2009, por 21,8% da ocupao das mulheres deste grupo racial contra 12,6% no caso das trabalhadoras brancas. Este fenmeno est, tal como mencionado anteriormente, relacionado a uma herana escravista da sociedade brasileira que combinou-se com a construo de um cenrio de desigualdade em que as mulheres negras tm menor escolaridade e maior nvel de pobreza e no qual o trabalho domstico desqualificado, desregulado e de baixos salrios constitui-se numa das poucas opes de emprego. Ao se observarem os dados regionais, interessante notar que esta funo torna-se ainda mais importante para as mulheres negras do Sudeste e do Sul, respondendo por cerca de, respectivamente, 25,1% e 24,5% da ocupao destes grupos, aindaSitUao atUal daS traBalhadoraS doMSticaS No paS

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que, ao longo da dcada, tenha se verificado uma queda substantiva nestas propores, superando, inclusive, a queda verificada entre as mulheres brancas. Ao longo dos ltimos anos possvel identificar outro fenmeno interessante no grupo das trabalhadoras domsticas: o envelhecimento deste segmento, com a queda proporcional nas faixas etrias mais jovens especialmente at 24 anos e um aumento entre as mais velhas (ver grfico 2). O trabalho domstico infantil entre crianas e jovens de at 17 anos considerado pelo decreto n 6.481/2008, que regulamenta a conveno 182 da OIT, como uma das piores formas de trabalho infantil, sendo seu exerccio, portanto, proibido em territrio nacional. Ainda assim, em 2009 existiam cerca de 340 mil crianas e adolescentes de 10 a 17 anos no trabalho domstico, o que equivalia a 5% do total de trabalhadoras declaradas naquele ano. Vale registrar, porm, que tem se verificado uma queda contnua e expressiva neste indicador entre 1999 e 2009: naquele ano, eram cerca de 490 mil jovens ocupadas em emprego domstico, correspondendo a uma proporo de 9,7% do total das trabalhadoras domsticas existentes6. O mesmo movimento de queda tambm verificado entre as jovens de 18 a 24 anos: se, em 1999, elas correspondiam a quase 22% do total de jovens em emprego domstico, em 2009, este valor caiu para 11%. Uma das hipteses aventadas para explicar este fenmeno reside no crescente aumento da escolaridade das jovens mulheres que, com maior qualificao, sentem-se capazes de buscar novas possibilidades de insero no mercado de trabalho, diferentes do socialmente desvalorizado trabalho domstico7. Este, com baixas remuneraes, alto grau de precarizao e carregado de6 A queda no trabalho domstico infantil em especial das adolescentes de at 17 anos deve, porm, ser acompanhada de outras aes por parte do Estado, que ofeream alternativas de sobrevivncia para estas meninas. Tal como apontam Dultra e Mori (2008, p.53): Resta saber se, ao proteger essas adolescentes de um trabalho inadequado, esto sendo criadas outras oportunidades de ocupao, polticas pblicas que investem e garantem acesso escola, qualificao profissional. A proteo s ser completa se ao retir-las de espaos insalubres de trabalho, no se inviabilize sua sobrevivncia. 7 Considerando que as oportunidades educacionais so mais abertas populao branca do que negra, mais jovens negras encontram-se ocupadas no emprego domstico do que brancas (12,6%, contra 10,5%). Evidencia-se, mais uma vez, a importncia desta atividade como alternativa de acesso renda para a populao negra.

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estigmas, parece se configurar como alternativa momentnea somente na ausncia de outras oportunidades. Esta hiptese ganha fora, pois, neste mesmo perodo, houve um aumento na quantidade de jovens mulheres de 18 a 24 anos que estavam disponveis para o mercado de trabalho, seja ocupadas, seja em busca de uma ocupao. Estas mulheres, porm, tm sido mais absorvidas em outras posies que no mais o trabalho domstico, reforando a ideia de que este cada vez mais rechaado por elas.

GRFICO 2 DIsTRIbUIO DAs TRAbAlHADORAs DOMsTICAs, sEGUNDO FAIxA ETRIA. bRAsIl, 1999 E 2009.

3,1% 16,5%

3,7%

26,5%

60 anos ou mais 45 a 59 anos 30 a 44 anos

36,9% 42,5% 12,2% 11,1% 11,1% 2,6% 2,5%

25 a 29 anos 18 a 24 anos 16 a 17 anosSitUao atUal daS traBalhadoraS doMSticaS No paS

21,7% 5,3% 4,4%

10 a 15 anosFonte: PNAD/ IBGE

1999

2009

Elaborao: IPEA

Com a reduo do trabalho domstico infantil e a abertura de outras oportunidades de emprego para as jovens mulheres, as trabalhadoras com idade acima de 30 anos passam a ter cada vez mais importncia neste grupo. De fato, enquanto em 1999 este grupo respondia por 56,5% do total de trabalhadoras domsticas, em 2009 este valor saltou para impressionantes 72,7%. Somente as trabalhadoras com 45 anos ou mais

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lUaNa piNheiro, Natlia FoNtoUra e clUdia pedroSa

respondiam, sozinhas, por mais de 30% da categoria, em 2009. O fato que os dados apontam para a inexistncia de uma reposio geracional desta profisso, o que significa que o ofcio tem sido sustentado por um estoque de trabalhadoras que tende a se reduzir cada vez mais, seja pelo prprio aspecto demogrfico, seja porque conseguem aposentar-se e retirar-se do mercado. Assim, possvel pensar que, dado o processo de envelhecimento populacional e o surgimento de novas possibilidades ocupacionais para as jovens trabalhadoras, o trabalho domstico, da forma como conhecemos hoje, tende a reduzir-se drasticamente. Em relao escolaridade deste grupo ocupacional, nota-se que, acompanhando o movimento de ampliao da atividade escolar da populao brasileira em geral, as trabalhadoras domsticas saltaram de uma mdia de 4,7 anos de estudo, em 1999, para 6,1 anos, em 2009, um aumento mdio de 1,4 ano de estudo no prazo de uma dcada. Este crescimento, porm, no s no foi capaz de aproximar a escolaridade mdia das trabalhadoras domsticas da escolaridade observada para o conjunto de mulheres ocupadas (excluindo-se as trabalhadoras domsticas), como at mesmo ampliou essa desigualdade, j que, entre 1999 e 2009, o conjunto de mulheres trabalhadoras ampliou sua escolaridade em 1,9 ano de estudo, passando de 7,4 anos, em 1999, para 9,3, em 2009 (ver grfico 3). As diferenas regionais encontradas no so to expressivas, sendo que as trabalhadoras domsticas possuem melhor escolaridade no Norte 6,4 anos de estudo e pior no Nordeste 5,8 anos. Tal como nas demais ocupaes do mercado de trabalho, as trabalhadoras domsticas negras possuem escolaridade inferior das brancas. Em 2009, as primeiras possuam cerca de 6,4 anos de estudo, em mdia, contra 6,0 das mulheres negras. Esta desigualdade reduziu-se ao longo do perodo analisado, o que converge com o observado para a populao de forma geral e reflete o maior acesso aos bancos escolares, provocado especialmente pela universalizao do ensino fundamental, que beneficia, inicialmente em maior intensidade, aqueles que mais estavam fora destes espaos, ou seja, as populaes negras. Nota-se, ainda, que as desigualdades raciais na escolaridade das trabalhadoras domsticas so significativamente menores que aquelas encontradas para as ocupadas de forma geral (que alcana 1,9 ano de estudo em favor das mulheres brancas), o que aponta para uma homogeneidade maior do grupo das trabalhadoras domsticas, marcado indiscutivelmente pela baixa escolaridade.

GRFICO 3 ANOs MDIOs DE EsTUDO DAs TRAbAlHADORAs DOMsTICAs E DAs OCUPADAs*, sEGUNDO RAA/COR. bRAsIl, 1999 A 2009.9,3 9,0 8,0 7,0 6,0 5,1 5,0 4,0 4,7 4,4 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

7,4 6,4 6,1 6,0

Trabalhadoras domsticas negras Trabalhadoras domsticas totalFonte: PNAD/ IBGE Elaborao: IPEA

Trabalhadoras domsticas brancas Trabalhadoras ocupadas

Nota: * Exclusive trabalhadoras domsticas.SitUao atUal daS traBalhadoraS doMSticaS No paS

2.2. CARACTERsTICAs DAs RElAEs DE TRAbAlHO Um primeiro aspecto a ser analisado na relao de trabalho no mbito do emprego domstico se refere sua formalizao, evidenciada pela posse de carteira de trabalho assinada por parte da domstica. Esta , sem dvida, uma caracterstica de relevncia central nas discusses sobre qualidade do emprego domstico, uma vez que o acesso a grande parte dos direitos trabalhistas se d por meio da formalizao do vnculo de trabalho. Para que as trabalhadoras domsticas possam gozar de aposentadoria, licena-maternidade, frias de 30 dias, auxlio doena, aviso prvio, 13 salrio, entre outros,

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necessrio que a relao de trabalho esteja registrada em carteira. Outra opo o pagamento da contribuio previdncia social como autnoma, que garante alguns desses direitos, mas que depende das possibilidades da trabalhadora domstica arcar sozinha com a sua contribuio previdenciria, o que, como se ver adiante, constitui-se em situao ainda muito residual no contexto brasileiro. O Regime Geral de Previdncia Social (RGPS) est previsto no art. 201 da Constituio Federal como regime de carter contributivo, ou seja, o segurado deve contribuir para ter direito aos benefcios. A previdncia social garante a renda do contribuinte e de sua famlia, em casos de doena, acidente, gravidez, priso, morte e velhice. De maneira geral, a proteo se d com a substituio do salrio d@ trabalhador/a contribuinte pela renda que a previdncia transfere a el@ nestas situaes ou a/aos suas/seus dependentes, em caso de sua morte8. No caso das trabalhadoras domsticas, a lei n 5.859/1972, assegura a essa categoria, em seu artigo 4, os benefcios e servios da Lei Orgnica da Previdncia Social. Nesta

8

Os benefcios concedidos pela previdncia social, em geral, so: aposentadoria por idade; por invalidez; por tempo de contribuio e aposentadoria especial; auxlio-doena, acidente e recluso; penso por morte; salrio maternidade e salrio famlia. Porm nem todos estes benefcios so concedidos s trabalhadoras domsticas. A profissional contribuinte no far jus aposentadoria especial, s prestaes por acidente do trabalho e ao salrio-famlia.

lUaNa piNheiro, Natlia FoNtoUra e clUdia pedroSa

9

De acordo com a Portaria Interministerial do Ministrio da Previdncia Social/ Ministrio da Fazenda n 568, de 31 de dezembro de 2010, a tabela de contribuio segue a seguinte porcentagem: Tabela de contribuio dos segurados empregado, trabalhador/a domstic@ e trabalhador/a avuls@, para pagamento de remunerao (a partir de 1 de janeiro) CONTRIbUIO at R$ 1.106,90 de R$ 1.106,91 a R$ 1.844,83 de R$ 1.844,84 at R$ 3.689,66 A RECOlHIMENTO 8,00 9,00 11,00

Fonte: http://www010.dataprev.gov.br/sislex/paginas/65/MF-MPS/2010/568.htm

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SitUao atUal daS traBalhadoraS doMSticaS No paS

categoria profissional, a contribuio ocorre de maneira diferenciada para a previdncia social. A/O empregador/a paga mensalmente 12% sobre o salrio de contribuio de sua(s)/seu(s) trabalhador@(s) domstic@(s) enquanto o recolhimento normal das demais categorias de 20% sobre a folha salarial e a profissional responsvel pelo pagamento do restante da contribuio de 8 a 11%, de acordo com o salrio-contribuio9. Assim, por exemplo, se a trabalhadora ganha R$ 545,00, o salrio mnimo nacional em 2011, so descontados R$ 43,60 (8,0% da empregada) e R$ 65,40 (12% d@ empregador/a), gerando um total de R$ 109,00 a ser pago por meio da Guia da Previdncia Social (GPS). Ao longo da ltima dcada, pde-se verificar um movimento de ampliao da formalizao d@s trabalhador@s de modo geral. Este bom comportamento do mercado de trabalho, porm, esconde situaes de extrema precariedade e excluso. Este o caso das trabalhadoras domsticas que, em 2009, apresentaram ndice de formalizao de apenas 26,3%, o que significa que, do contingente de 6,7 milhes de ocupadas nesta profisso, somente 1,7 milho possua alguma garantia de usufruto de seus direitos. Ainda muito distante da mdia de formalizao das trabalhadoras assalariadas em outros setores (69,9%, em 2009), as trabalhadoras domsticas vivenciaram, ao longo da dcada, um crescimento tmido na proporo daquelas que contavam com carteira assinada, que no foi capaz de reduzir a desigualdade verificada entre elas e as trabalhadoras de outras categorias profissionais (ver grfico 4). A situao de desproteo grave para o conjunto de trabalhadoras domsticas, independentemente de sua cor/raa e da regio de residncia. Para alguns grupos, porm, esta condio ainda mais intensa, evidenciando que, na excluso e desproteo, existem grupos mais afetados e vulnerabilizados. Ao se observar a raa/cor das trabalhadoras, nota-se que a informalidade na ocupao mais expressiva para as mulheres negras, grupo que contava com uma taxa de formalizao de apenas 24,6%, do que para as brancas, cuja taxa alcanava 29,3%. Ao longo do perodo 1999-2009, as trabalhadoras negras conseguiram uma melhora de 3,4 pontos percentuais na sua formalizao, frente a 2,4 pontos entre as brancas, uma nfima aproximao entre dois grupos to precarizados. Na comparao regional, impressionam as desigualdades verificadas e as situaes de extrema excluso e precarizao do emprego domstico vivenciado por estas

GRFICO 4 PROPORO DE TRAbAlHADORAs DOMsTICAs E AssAlARIADAs* COM CARTEIRA DE TRAbAlHO AssINADA, sEGUNDO RAA/COR. bRAsIl, 1999 A 2009.66,4 69,9

26,9 23,7 21,2 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

29,3 26,3 24,6 2009

Trabalhadoras domsticas negras Trabalhadoras domsticas totalFonte: PNAD/ IBGE Elaborao: IPEAlUaNa piNheiro, Natlia FoNtoUra e clUdia pedroSa

Trabalhadoras domsticas brancas Assalariadas

Nota: * Exclusive trabalhadoras domsticas.

mulheres. Enquanto as domsticas do Sul e Sudeste apresentavam taxa de formalizao de 32% e 33%, respectivamente, no Nordeste esta proporo de 13,8% e no Norte alcana meros 12,5%. Isso significa que apenas 12 em cada 100 trabalhadoras nortistas so registradas e contam com a proteo do Estado frente a situaes de vulnerabilidade permanente ou temporria. As nordestinas foram, inclusive, aquelas que menos ganharam ao longo do perodo analisado, passando de um total de 13,0% de trabalhadoras formalizadas para 13,8%, em 2009. No outro extremo, as que mais cresceram no perodo foram aquelas residentes no Centro-Oeste, que saram de 16,3% para 26,4% (ver grfico 5).

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GRFICO 5 PROPORO DE TRAbAlHADORAs DOMsTICAs COM CARTEIRA DE TRAbAlHO AssINADA. bRAsIl E GRANDEs REGIEs, 1999 E 200935 30 25 20 15 10 5 06,3 12,5 13,0 13,8 26,3 23,7 33,3 30,3 32,1 28,2 26,4

16,3

1999 2009

rte

st e

st e

Br as

Su

es

te

il

l

No

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No

Su

Ce nt ro

-O

Fonte: PNAD/ IBGE Elaborao: IPEA

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SitUao atUal daS traBalhadoraS doMSticaS No paS

A alternativa que se abre s trabalhadoras que no desejam ou no conseguem estabelecer qualquer tipo de vnculo com suas/seus empregador@s, sejam elas diaristas ou mesmo mensalistas sem carteira assinada, a filiao previdncia social na condio de contribuintes individuais. Neste caso, o recolhimento da contribuio previdenciria feito exclusivamente pela profissional, ms a ms, de acordo com os seus rendimentos, com as mesmas alquotas referentes contribuio da empregada com carteira assinada (8 a 11%). Esta opo foi adotada por aproximadamente 250 mil trabalhadoras domsticas em 2009, o que elevou a proporo de contribuintes da previdncia para 30,1%, valor que era de 25,9%, em 1999 (ver grfico 6). Assim como verificado para a questo da carteira assinada, as mulheres negras tambm contribuam menos para a previdncia do que as brancas (27,7% frente a 33,9%) e as ocupadas no Norte e Nordeste contribuam menos que as demais, alcanando apenas 13,4% das trabalhadoras no Norte e 38,3% no Sudeste. O reduzido nmero de trabalhadoras que conseguem contornar a desproteo social via contribuio individual aponta para importantes gargalos que devem ser considerados pelos executores das polticas. Em primeiro lugar, h que se levar em conta

GRFICO 6 PROPORO DE TRAbAlHADORAs DOMsTICAs QUE CONTRIbUEM PARA A PREvIDNCIA sOCIAl, sEGUNDO COR/RAA. bRAsIl, 1999 A 2009.36,0 34,0 32,0 30,0 28,0 26,0 24,0 22,0 20,0 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 29,6 25,9 22,8 33,9 30,1 27,8 Brancas Negras TotalFonte: PNAD/ IBGE Elaborao: IPEA

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que, diante dos baixos salrios recebidos pelas trabalhadoras e das precrias condies de trabalho e de vida, o fato de terem que arcar sozinhas com a contribuio previdenciria (correspondente a 8 a 11% da renda) um peso que grande parte destas mulheres no consegue sustentar. Ademais, existe um grande desconhecimento acerca da prpria existncia da possibilidade de contribuio individual. A disseminao macia desse tipo de informao poderia contribuir na incluso de profissionais no registradas pel@s empregador@s, especialmente daquelas que prestam servios em mais de uma residncia e que tm, tal como mencionado anteriormente, dificuldades em estabelecer e/ou comprovar seus vnculos empregatcios. Uma varivel importante para a anlise das condies de trabalho das trabalhadoras domsticas a jornada de trabalho, entendendo-se esta como a soma da jornada no mercado de trabalho horas gastas no trabalho desempenhado para @s empregador@s com o tempo empreendido no trabalho reprodutivo horas gastas com os afazeres domsticos e os cuidados com a prpria famlia. Este aspecto particularmente

9

Ao investigar sobre durao das jornadas, a PNAD pede ao entrevistado que estime quanto tempo gastou em afazeres domsticos e na principal ocupao no mercado de trabalho ao longo de uma semana especfica. Como as atividades domsticas desempenhadas em benefcio prprio, e no como atividade profissional, so difusas, corriqueiras e invisveis, supe-se que os valores declarados estejam subestimados e sejam menores do que as horas efetivamente gastas com estas tarefas.

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SitUao atUal daS traBalhadoraS doMSticaS No paS

interessante por, no mnimo, duas razes. A primeira delas remete ao fato de que a Constituio Federal de 1988 no estende s trabalhadoras domsticas o direito a uma jornada de at oito horas dirias e 44 horas semanais. A questo da jornada, portanto, permanece sem qualquer tipo de regulamentao, inviabilizando, entre outras questes, a demanda por pagamento de horas extras e dificultando as negociaes entre trabalhadoras e empregador@s sobre os limites para o tempo de trabalho. A segunda razo reporta to conhecida dupla jornada feminina, caracterizada pela soma do tempo dedicado ao trabalho no mercado e aos afazeres domsticos e cuidado com a famlia. Em 2009, as mulheres ocupadas em emprego domstico tinham uma jornada total de trabalho de 58 horas semanais, na mdia. Este perodo se decompunha em 35,3 horas dedicadas ao exerccio profissional e outras 22,7 horas s atividades de cuidados com a casa e a famlia. O mesmo cenrio podia ser encontrado para as mulheres ocupadas em outras atividades profissionais, que tambm gastavam em torno de 35,3 horas no trabalho dito produtivo e 21,6 horas no dito reprodutivo9. O interessante aqui que, no caso da trabalhadora domstica, o tema da dupla jornada adquire contornos especiais, pois, neste particular, tanto o trabalho produtivo, quanto o reprodutivo esto relacionados exatamente s mesmas atividades. Isso significa, portanto, que estas trabalhadoras ficam submetidas a um tempo quase integral em atividades domsticas, sendo uma parcela destas atividades usualmente remunerada e a outra no. J no caso das trabalhadoras ocupadas em outros setores profissionais, em geral h uma diferenciao entre o tipo de trabalho executado para o mercado e aquele desempenhado para o seu domiclio ou sua famlia. O grfico 7 apresenta as jornadas de trabalho produtivo e reprodutivo para vrios grupos de trabalhadoras domsticas, buscando evidenciar as possveis desigualdades existentes entre elas. De pronto interessante notar que no existem diferenas

significativas quando se trata de analisar as jornadas das trabalhadoras segundo raa ou cor. J na anlise regional, percebe-se uma jornada um pouco mais intensa para as trabalhadoras do Nordeste (60,1 horas semanais), resultado de um maior nmero de horas gastas no trabalho domstico intermediado pelo mercado (37,6 horas, comparadas a uma mdia nacional de 35 horas/semana). GRFICO 7 JORNADA DE TRAbAlHO TOTAl DAs TRAbAlHADORAs DOMsTICAs, sEGUNDO RAA/COR, POR TIPO DE TRAbAlHO. bRAsIl E GRANDEs REGIEs, 2009 (EM HORAs sEMANAIs)Centro-Oeste Sul Sudeste Nordeste Norte Negra Branca Total 0lUaNa piNheiro, Natlia FoNtoUra e clUdia pedroSa

21,97 22,59 23,43 22,57 19,37 22,62 22,87 22,71

33,93 32,83 35,03 37,56 35,94 35,73 34,61 35,31

10

20

30

40

50

60

70

Afazeres domsticos Mercado

Fonte: PNAD/ IBGE Elaborao: IPEA

Especificamente para esta varivel, os dados apresentados recobrem apenas os anos de 2001 a 2009, uma vez que o IBGE somente comeou a coletar informaes sobre as horas gastas de trabalho em afazeres domsticos a partir de 2001. Observando a evoluo da jornada de trabalho ao longo deste perodo, nota-se o estabelecimento de um padro de reduo no tempo dedicado ao trabalho domstico total, seja ele voltado para o mercado, ou no. Se, em 2001, as trabalhadoras domsticas trabalhavam em torno de 63 horas semanais nestas atividades, em 2009, este valor alcanou 58 horas,

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10 A reduo no tempo gasto pelas mulheres em afazeres domsticos pode ser explicada por uma conjuno de fatores dentre os quais se destaca o aumento de sua presena no mercado de trabalho, o acesso a alguns equipamentos, como mquina de lavar roupas e geladeira bem como a servios de infraestrutura social, como energia eltrica e gua, via poltica de cisternas.

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SitUao atUal daS traBalhadoraS doMSticaS No paS

uma reduo de pouco mais de cinco horas no perodo. Esta queda se deve mais variao verificada na jornada de trabalho destinada ao mercado, que foi mais intensa do que aquela percebida nos afazeres domsticos da prpria trabalhadora quatro horas a menos no primeiro caso e 1,2 hora, no segundo. A reduo expressiva no perodo dedicado s atividades profissionais pode estar relacionada ao aumento da proporo de trabalhadoras diaristas que, como se ver a seguir, possuem jornadas inferiores s mensalistas e, especialmente, s residentes no mesmo domiclio de trabalho, grupos que tm perdido importncia ao longo dos anos. Interessante que esta queda na jornada total de trabalho das trabalhadoras domsticas foi acompanhada pelo mesmo fenmeno entre as profissionais ocupadas em outros setores: entre 2009 e 2001 verificou-se reduo de cerca de duas horas semanais no tempo total de trabalho. No entanto, esta alterao foi integralmente resultado da reduo do tempo que as ocupadas despendiam em afazeres domsticos10, j que quando se observa a jornada no mercado houve, inclusive, um aumento de 0,3 horas. Na comparao entre jornada de trabalho das trabalhadoras domsticas com e sem carteira de trabalho assinada destaca-se o fato de que as profissionais com carteira despendem, em mdia, 63 horas semanais em atividades domsticas voltadas para o mercado e para os afazeres domsticos, frente a um total de 56,2 horas gastas por aquelas que no possuem carteira assinada. Esta discrepncia pode ser explicada por uma maior jornada das trabalhadoras formalizadas em atividades dedicadas ao mercado, na qual foram gastas 43 horas semanais, em mdia, ao passo que, entre as sem carteira, esse valor foi de 32,4 horas. Importante destacar que a maior jornada de trabalho no mercado, para as domsticas com carteira, est relacionada ao fato de que estas so, em maior proporo, trabalhadoras que residem nos ambientes em que trabalham e/ ou que prestam servios em apenas um domiclio, distines que, tal como ser visto a seguir, so mais favorveis explorao do tempo de trabalho da categoria.

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A PNAD permite identificar, ainda, o tempo mdio de permanncia d@s trabalhador@s na ocupao em que se encontram empregad@s. Em 2009, as trabalhadoras domsticas encontravam-se empregadas no mesmo domiclio, em mdia, havia 58,2 semanas, ou aproximadamente 14 meses, sendo que entre as mulheres brancas esta mdia chegou a 60,5 semanas, ao passo que entre as trabalhadoras negras era um pouco inferior, de 56,8 semanas. Entre as regies, destaca-se, por um lado, o Norte, onde as domsticas permanecem cerca de 41 semanas no mesmo emprego e, por outro, o Sudeste, que emprega suas trabalhadoras por um perodo de 64,8 semanas. Algumas importantes questes devem ser destacadas nesta anlise. Em primeiro lugar, vale mencionar as significativas diferenas no tempo mdio de permanncia das mulheres ocupadas em emprego domstico ou em outros tipos de atividade. Em 2009, as ocupadas de modo geral ficavam 92,2 semanas no seu trabalho principal, o que corresponde a cerca de oito meses, em mdia, a mais do que as domsticas e evidencia a maior fragilidade do vnculo de trabalho destas trabalhadoras junto a seus empregador@s. H, em qualquer ocupao analisada, uma diferena importante entre mulheres e homens. Neste caso, os homens ocupados em trabalho domstico permaneciam aproximadamente cinco meses a mais em seus empregos do que as mulheres trabalhadoras domsticas, enquanto entre os trabalhadores em geral, essa diferena era de oito semanas. Esta desigualdade resultado, entre outros fatores, da maior precariedade do vnculo de trabalho das mulheres (entre as domsticas, cerca de 75% no possuam carteira e entre os homens na mesma ocupao esse valor era de 55%) e, tambm, dos desligamentos ocasionados pelo ciclo reprodutivo feminino e pelas responsabilidades familiares que ainda recaem majoritariamente sobre as mulheres e so percebidas, pel@s empregador@s, como custos associados ao trabalho feminino. Cabe destacar, ainda, nesta caracterizao do universo de trabalhadoras domsticas brasileiras, o tema da sindicalizao. A associao aos sindicatos e a atuao poltica via organizaes de classe envolviam, em 2009 apenas 18% do total de trabalhador@s e brasileir@s. Se esta proporo j pode ser considerada bastante baixa, a realidade do trabalho domstico ainda mais desanimadora. Os ltimos dados disponibilizados pelo IBGE apontam que nfimos 2% das trabalhadoras domsticas, ou aproximadamente 133,7 mil mulheres, eram filiadas a algum sindicato reconhecido pelo Ministrio do

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SitUao atUal daS traBalhadoraS doMSticaS No paS

Trabalho ou registrado em cartrio como tal. Em 1999, porm, esta proporo era de 0,89% das trabalhadoras, o que mostra, por um lado, uma trajetria de ampliao da sindicalizao, mas, por outro, uma temporalidade que no condiz com as necessidades desta categoria em termos de demandas por direitos e representao. Em termos regionais, as nordestinas foram as que apresentaram maior taxa de sindicalizao (4,3%), e as do Norte as que tiveram menor percentual (0,6%), o que, deve estar relacionado distribuio desigual dos sindicatos por todo o pas. Apesar de tambm apresentarem taxas reduzidas de sindicalizao, 4,1% dos homens ocupados em emprego domstico eram filiados a sindicatos, proporo superior verificada para as mulheres. De fato, as diferenas no tipo de trabalho domstico desempenhado por homens e mulheres explicam boa parte dessa desigualdade. Mas sobretudo a responsabilidade feminina pelas tarefas domsticas relacionadas sua prpria famlia e sua residncia que restringe o tempo livre para atuao nas organizaes de classe e pode explicar, em grande medida, essa desigualdade de gnero no que diz respeito sindicalizao, o que pode ser extrapolado para o conjunto de mulheres brasileiras ocupadas. Alguns estudos apontam, ainda, para o envolvimento das trabalhadoras domsticas com o movimento negro antes de ingressarem no movimento sindical e de defesa da categoria. Pelo fato de ser uma categoria explorada e marcada pelo racismo e pela herana da escravido, a atuao poltica iniciada via organizaes negras ou de mulheres negras parece constituir-se em um caminho importante para a entrada no movimento sindical. Em especial, porque rompe com o isolamento vivenciado pelas trabalhadoras em seu espao de trabalho, favorecendo a conscincia, a mobilizao e a articulao para uma atuao poltica em prol da categoria. Assim, a sindicalizao tem sido mais frequente entre trabalhadoras negras do que brancas: em 2009, 2,2% das primeiras e 1,6% das ltimas encontravam-se filiadas a um sindicato. A baixa taxa de associao a sindicatos o resultado de um conjunto de dific