Teologia Do Antigo Testamento

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Curso de Pós-Graduação Lato Sensu a Distância Cultura Teológica Teologia do Antigo Testamento Autor: Blanca Martín Salvago EAD Educação a Distância Parceria Universidade Católica Dom Bosco e Portal Educação

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Teologia Do Antigo Testamento

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  • Curso de Ps-Graduao Lato Sensu a Distncia

    Cultura Teolgica

    Teologia do Antigo Testamento

    Autor: Blanca Martn Salvago

    EAD Educao a Distncia Parceria Universidade Catlica Dom Bosco e Portal Educao

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    SUMRIO

    UNIDADE 1 NOES PRELIMINARES.............................................................. 05 1.1 Bblia, coleo de livros ..................................................................................... 05

    1.2 Bblia, Palavra de Deus ..................................................................................... 07

    1.3 A autoria na Bblia ............................................................................................. 10

    1.4 A interpretao da Bblia ................................................................................... 11

    1.5 Critrios bsicos da leitura crist ....................................................................... 13

    1.6 Situao geogrfica de Israel ........................................................................... 16

    1.7 Israel e seu entorno ........................................................................................... 17

    UNIDADE 2 AS ORIGENS Gn 1-11 ................................................................. 21 2.1 O Gnesis ......................................................................................................... 23

    2.2 Os textos da Criao ......................................................................................... 24

    2.3 Conflito Bblia x Cincia .................................................................................. 32

    2.4 Caim e Abel Gn 4,1-16 ................................................................................... 34

    2.5 O dilvio Gn 6-9 ............................................................................................. 36

    2.6 A Torre de Babel Gn 11,1-9 ........................................................................... 38

    UNIDADE 3 O DEUS LIBERTADOR E O DEUS DA ALIANA: O LIVRO DO XODO ................................................................................................................... 43 3.1Israel escravo no Egito (Ex 1,1-15,21) ............................................................... 44

    3.2 Pragas e Pscoa ............................................................................................... 48

    3.3 Caminhada pelo deserto ................................................................................... 50

    3.4 Aliana............................................................................................................... 53

    3.5 Os Dez Mandamentos ....................................................................................... 54

    UNIDADE 4 O MOVIMENTO PROFTICO ......................................................... 63 4.1 Caractersticas dos profetas .............................................................................. 64

    4.2 Verdadeiros e falsos profetas ............................................................................ 65

    4.3 Contedo da pregao dos Profetas ................................................................. 67

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    UNIDADE 5 OS LIVROS SAPIENCIAIS E OS SALMOS .................................... 71 5.1 Conceito bblico de sabedoria e de sbio .......................................................... 72

    5.2 Os Salmos ......................................................................................................... 73

    REFERNCIAS ....................................................................................................... 75

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    INTRODUO

    No temos a pretenso de fazer uma abordagem completa da Teologia do Antigo Testamento, pois o Antigo Testamento muito amplo e so muitos os temas

    que mereceriam a nossa ateno.

    Este material didtico comea com uma unidade introdutria em que se

    abordam alguns assuntos preliminares que estabelecem as bases para a

    compreenso das outras unidades, assim como as outras disciplinas de teologia

    bblica.

    Decidimos dedicar mais espao abordagem das origens (Gnesis) e da

    sada do Egito (xodo), por serem livros que contm temas fundamentais para a

    Teologia do Antigo Testamento: a Criao, a revelao do Deus libertador, a

    celebrao da Pscoa e a Aliana entre Deus e o povo.

    Dedicaremos tambm um breve espao para falarmos a respeito do

    movimento proftico, para entender o que so os profetas, quais as caractersticas

    destes personagens to importantes para a teologia bblica.

    Por ltimo apresenta-se, tambm de maneira muito breve, a natureza dos

    livros sapienciais e dos Salmos para entender o que a sabedoria e quais os

    principais objetivos dos livros do corpo sapiencial.

    Espero que este material ajude voc a se introduzir no apaixonante mundo do

    Antigo Testamento e se deixe envolver pelo Esprito do Deus Criador e Libertador,

    que continua falando por meio dos Profetas para semear e espalhar a sabedoria de

    vida entre todos ns.

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    UNIDADE 1 NOES PRELIMINARES

    O objetivo desta unidade introduzir o aluno no mundo da Bblia,

    apresentando alguns conceitos bsicos e noes introdutrias quanto importncia

    da Bblia para os cristos e para o mundo de hoje, assim como algumas noes

    quanto sua correta interpretao.

    1.1 Bblia, coleo de livros

    Todos, ou quase todos, temos Bblia em casa, e quase todos tambm

    conseguem narrar algumas histrias contidas na Bblia. Desde crianas escutamos

    falar a respeito da Bblia e da Histria Sagrada. Mas infelizmente no podemos dizer

    que quase todos temos uma compreenso ampla e correta dos livros bblicos. Que

    seja o livro mais vendido no quer dizer que seja o mais lido e muito menos o mais

    conhecido. Tem livros da Bblia que so

    praticamente desconhecidos: voc j

    escutou falar do pequeno livro de

    Abdias? De que fala o livro de Esdras?

    Muito se fala do final do mundo, mas

    qual o correto significado do livro do

    Apocalipse? Trata-se de um livro que

    fala do final do mundo?

    Fonte: http://migre.me/ffSNx

    Poderamos fazer muitas perguntas e seria difcil conseguir responder a

    todas. A Bblia muito extensa e apresenta a mensagem divina em contextos

    histricos e sociais muitos diferentes. Alguns livros so mais conhecidos, at por

    conta das histrias que escutamos de crianas, como, por exemplo, o livro de Jonas

    ou a histria do xodo, mas outros ficam no esquecimento.

    Em primeiro lugar, vamos tentar

    entender o que significa a palavra Bblia. Bblia: trata-se de palavra grega, que significa livros (no plural).

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    Estamos acostumados a relacionar a Bblia com um livro, mas ser que isso

    correto? Na realidade, a Bblia no um livro, mas uma coleo de muitos livros, escritos ao longo de muitos sculos, por autores muito diversos e com

    intencionalidades tambm diferentes.

    Figura 1 A Bblia na linha do tempo Fonte: http://migre.me/fgsXj

    Veja a seguir uma representao grfica da coleo de livros que contm a

    Bblia:

    Figura 2 Livros da Bblia

    Fonte: http://migre.me/ffT4J

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    O Antigo Testamento tambm livro sagrado para os judeus. Trata-se dos

    livros escritos antes do nascimento de Jesus. Porm, o Novo Testamento, isto , os

    livros escritos aps o nascimento de Jesus, so considerados como inspirados

    apenas pelos cristos.

    Porm, tem mais uma diferena entre o

    cnon judeu e o cnon cristo. Os livros do Antigo Testamento que foram escritos em grego

    tambm no entraram no cnon dos judeus. Eles

    aceitaram como inspirados apenas os livros

    escritos em hebraico. Enquanto que os catlicos aceitam como inspirados tambm 7

    livros escritos em grego.

    Quando da Reforma Protestante, Lutero adotou como lista de livros

    sagrados o cnon judeu. Da a diferena que existe at hoje entre a Bblia

    Evanglica e a Bblia Catlica.

    Livros que se encontram apenas na Bblia Catlica: Tobias, Judite, 1 e 2 Macabeus, Baruc, Eclesistico e Sabedoria. Algumas partes dos livros de Daniel e de Ester, escritos em grego, tambm ficaram fora da Bblia Evanglica.

    Perceba que as diferenas se referem apenas ao Antigo Testamento, o

    Novo Testamento tem os mesmos livros nos dois casos.

    1.2 Bblia, Palavra de Deus

    Ento, a Bblia a coleo de livros cannicos, livros normativos. Isso quer

    dizer que so considerados inspirados por conterem a revelao de Deus ao povo.

    Deus quer se manifestar, se comunica, revelando seu plano de salvao para com a

    humanidade. Veja que no estamos falando apenas de comunicao ao povo de

    Israel, povo eleito, mas a toda a humanidade. Isto , a Bblia foi escrita com o

    intuito de ser um guia para cada um de ns, homens e mulheres de qualquer nao

    e de todos os tempos.

    Cnon: palavra de origem grega, que significa cana, modelo, norma. Isto , trata-se da lista de livros que uma religio considera sagrados e, por isso, so normativos para os seus seguidores.

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    O objeto da revelao divina pode se resumir em duas palavras: f e moral.

    Isto , o objetivo da revelao levar as pessoas a se religar a Deus, estabelecer

    uma relao com Deus de maneira que essa adeso possa moldar sua conduta

    (moral) de acordo com a vontade de Deus.

    Portanto, no adequado entender a Bblia como um livro de histria ou

    como um livro de cincia. No so respostas de cunho cientfico que temos que

    procurar na Bblia, pois no foi escrita por cientistas, mas por pessoas simples de

    muitos sculos atrs que tinham a inteno de dar uma catequese, partilhar uma

    experincia de f.

    Por mais que a revelao bblica se manifesta atravs da histria do povo de

    Israel, a Bblia no um livro de histria no sentido moderno da palavra; no

    podemos esperar rigor histrico nesse sentido. Por exemplo, nos primeiros captulos

    do livro do xodo, quando se fala da escravido, o autor no menciona qual o nome

    do Fara que oprimia Israel. Isso seria inconcebvel em um livro de histria moderno.

    Resumindo, podemos dizer, com as palavras de Gass (2012):

    A leitura da Bblia quer nos ajudar em nossos dias a perceber a presena viva de Deus, do seu sonho de vida e esperana, de paz e solidariedade. Por isso, a Palavra de Deus , acima de tudo, como a luz de um farol que indica o caminho por onde andar. Mas no apenas ilumina. tambm luz que aquece nossa esperana. Nela encontramos sentido para nossas vidas (GASS, 2012, p.09).

    Mas temos que evitar uma concepo mgica da Bblia: trata-se de Palavra

    de Deus, mas escrita por homens. Homens

    inspirados por Deus, que iluminam seu presente

    a partir da experincia de Deus que eles tm.

    lgico que essas pessoas inspiradas por Deus

    no so neutras; elas pertencem a momentos

    histricos concretos, tinham costumes tpicos da

    poca, viviam em um contexto socioeconmico

    particular, tinham a imagem de Deus influenciada

    pelo momento histrico e religioso de cada um.

    Fonte: http://migre.me/ffT9O

    Alexandre Rocha Alves

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    Portanto, a Bblia no um livro cado do cu. Como muito bem esclarece

    Mannucci (1995, p.75): A Bblia no foi ditada por nenhum anjo, mas foi escrita por

    dezenas de autores [...] que tiveram em comum a preocupao de narrar e

    testemunhar os feitos milenares do seu povo [...].

    Fonte: http://migre.me/fifcw

    A ao do Esprito Santo como a

    chuva. Ela cai do alto e, junto com a

    terra c embaixo, ajuda a semente a

    germinar, de modo que se transforme

    em planta, floresa e frutifique (GASS,

    2012, p.29).

    A metfora da planta muito sugestiva: s com gua, a planta no

    consegue viver, mas s com terra, tambm no daria certo. A gua que vem do cu

    (a inspirao do Esprito) fundamental para poder dar fruto; o Esprito ilumina e

    assiste e, junto com a terra, que na metfora seria a contribuio humana (a

    percepo do ser humano, sua experincia de Deus), faz com que o autor sagrado

    consiga comunicar a Palavra de Deus, inserido sempre em um contexto cultural,

    social, econmico e poltico concreto.

    A ao do Esprito Santo, a inspirao, no deve ser entendida como um

    ditado. Ele assistia os autores, como fora e guia para estimular seu pensamento e

    sua escrita.

    Mas em todos os testemunhos deixados

    pelos diferentes hagigrafos, por mais diferentes que possam ser os seus contextos, podemos

    encontrar um denominador comum, uma preocupao fundamental que perpassa a

    Bblia toda e que lhe d unidade e fora. Usando de novo as palavras de Gass

    (2012, p.12):

    O critrio fundamental, a principal chave de interpretao para ler as Escrituras a pessoa de Jesus Cristo. [...] E ele mesmo diz qual o critrio para compreender a Palavra de Deus presente nas palavras humanas, escritas pelo povo de Israel. [...] O critrio central que Jesus nos fornece a defesa da vida. Defesa da vida em qualquer

    Hagigrafo: palavra de origem grega, que significa autor sagrado, inspirado.

    Alexandre Rocha Alves

    Alexandre Rocha Alves

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    situao em que ela se encontre diminuda, seja na doena, na excluso, na pobreza, na prpria morte.

    Portanto o ponto fundamental da Bblia e seu critrio de interpretao

    Jesus e sua defesa da vida. Mas ateno, no se trata apenas de defender a vida,

    mas lutar para que todos tenham vida em abundncia. Essa frase de Jesus deixa claro que a defesa da vida fsica muito pouco. E nos evangelhos vemos Jesus

    defendendo qualquer tipo de excluso, tentando garantir a dignidade da pessoa

    integral.

    Por isso no podemos separar, como s vezes se faz, o seguimento de

    Jesus do compromisso social. Pois, afinal:

    1.3 A autoria na Bblia So poucos os livros da Bblia dos quais temos certeza de quem foi o autor.

    Isso se deve a que naquela poca a questo da autoria no se entendia como hoje.

    Atualmente a questo dos direitos autorais coisa sria e ningum pensa em

    escrever ou publicar o livro com o nome de outra pessoa. Porm, na antiguidade as

    coisas se entendiam de maneira diferente e escrever atribuindo a autoria a algum

    personagem do passado que gozasse de autoridade e crdito dentro da comunidade

    era prtica normal. Era uma maneira de homenagear o mestre, de um lado, e dar

    autoridade ao contedo, do outro.

    Eu vim para que todos tenham vida e vida em abundncia (Jo 10,10)

    [...] Eu vos asseguro: o que fizestes a estes meus irmos menores, a mim o fizestes (Mt 25)

    Hagigrafo: palavra de origem grega, que significa autor sagrado, inspirado.

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    Os autores aos quais so atribudos os livros da Bblia devem ser

    considerados mais como patronos ou iniciadores de uma corrente de escritos

    (GASS, 2012, p.27).

    A Moiss, por exemplo, atribuda a Lei, mesmo que sejam leis que

    surgiram muito depois da morte de Moiss, mas como Moiss era considerado pelo

    povo como o legislador (cf. os 10 Mandamentos: Ex 20), a ele eram atribudas as

    leis, mesmo posteriores a ele.

    Os Salmos so atribudos a Davi, que tinha fama de ser poeta e ter

    habilidade tocando instrumentos (1 Sm 16,23: [...] Davi pegava a harpa e tocava

    com a sua mo; ento Saul sentia alvio, e se achava melhor, e o esprito mau se

    retirava dele).

    Alguns livros sapienciais so atribudos a Salomo, por ser considerado pelo

    povo um rei sbio (1 Rs 4,9-10: Deus concedeu a Salomo sabedoria e inteligncia,

    [...] A sabedoria de Salomo superou a dos sbios do Oriente e do Egito).

    Porm, no passam de meras atribuies, so escritos, na sua maioria,

    muito posteriores a esses personagens patronos. Da maioria dos livros da Bblia

    no conhecemos o nome do(s) autor(es).

    1.4 A interpretao da Bblia J dissemos que o nosso critrio fundamental deve ser a pessoa de Jesus e

    os valores evanglicos pelos quais ele deu inclusive a vida. Mas como devemos

    interpretar a Bblia? Basta l-la e interpret-la ao p da letra?

    Os livros da Bblia foram escritos

    muitos sculos atrs, por pessoas de cultura

    muito diferente nossa e em terras muito

    distantes da nossa. Portanto, faz-se

    necessrio um trabalho de interpretao para

    no cair na interpretao literal,

    fundamentalista.

    Fonte: http://migre.me/fhDSN

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    Vamos colocar um exemplo simples. Na nossa lngua portuguesa, utilizamos

    expresses no nosso dia a dia que so entendidas por todos, mas no poderiam ser

    entendidas ao p da letra. Por exemplo:

    Minha irm e eu somos unha e carne

    Fulano entrou pelo cano

    Ficou enchendo linguia

    Se eu escrever hoje um livro e disser que minha irm e eu somos unha e

    carne, qualquer contemporneo nosso vai entender que estou querendo dizer que

    h muita intimidade entre ns duas. No verdade? Mas, com o passar do tempo,

    essa expresso pode cair em desuso e pode que as pessoas das prximas

    geraes no entendam essa expresso e precisem de uma nota de rodap que

    explique que na poca em que a autora escreveu, essas palavras expressavam uma

    estreita intimidade entre duas pessoas. Deu para entender?

    isso o que acontece com certas expresses e costumes que encontramos

    na Bblia e que no podem ser adequadamente entendidas sem uma explicao. s

    vezes o erro pode ser ficarmos apenas na superficialidade da mensagem, mas

    outras vezes, o erro pode ser grosseiro e podemos chegar a entender at o contrrio

    do que os autores pretendiam expressar, como o caso do que acontece com

    algumas expresses numricas do livro do Apocalipse. Um livro que pretende ser

    uma mensagem de esperana e de conforto, s vezes, por ser mal interpretado,

    acaba assustando e levando as pessoas a ter medo de sua mensagem.

    A partir da letra do texto temos que conseguir descobrir o seu sentido real,

    seu esprito, isto precisamos descobrir qual foi a inteno do autor, qual a

    mensagem que ele quis transmitir.

    Nesse sentido, a Dei Verbum, Constituio Dogmtica sobre a Revelao

    Divina, no seu nmero 12, diz:

    [...] a letra mata, mas o Esprito que d a vida (2 Cor 3,6)

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    12. Como, porm, Deus na Sagrada Escritura falou por meio dos homens e maneira humana, o intrprete da Sagrada Escritura, para saber o que Ele quis comunicar-nos, deve investigar com ateno o que os hagigrafos realmente quiseram significar e que aprouve a Deus manifestar por meio das suas palavras. Para descobrir a inteno dos hagigrafos, devem ser tidos tambm em conta, entre outras coisas, os gneros literrios. [...] Importa, alm disso, que o intrprete busque o sentido que o hagigrafo em determinadas circunstncias, segundo as condies do seu tempo e da sua cultura, pretendeu exprimir e de fato exprimiu servindo-se dos gneros literrios ento usados. [...]

    importante que o leitor busque ir alm da interpretao literal ou textual.

    Fazendo uma correta interpretao da Palavra e evitando, assim, deturpar a

    mensagem bblica.

    1.5 Critrios bsicos da leitura crist

    A Conferncia dos Religiosos do Brasil aponta trs critrios bsicos da leitura

    crist da Bblia. Trata-se de uma prtica simples e profundamente fiel mais antiga

    Tradio das Igrejas (CRB, 2000, p.19):

    1. Ler a Bblia a partir da Realidade. Lembrando que a opo preferencial deve ser sempre pelos mais pobres e excludos.

    2. Leitura feita em Comunidade.

    3. Ler a Bblia respeitando o Texto, colocando-se escuta do que Deus quer realmente comunicar, abrindo-se converso ou mudana para adequar a

    nossa vida sua mensagem.

    Vamos entender melhor estes critrios utilizando um texto bblico muito

    conhecido: a passagem dos Discpulos de Emas (Lc 24,13-35).

    A passagem comea apresentando a situao de dois discpulos que se

    encontram desnorteados, sem rumo, sem esperana. Jesus se aproxima deles e

    pergunta: De que esto falando? (Lc 14,21). Jesus quer se aproximar da realidade

    deles (primeiro passo): o que ser que os aflige? Qual seu problema? O que fez com

    que eles perdessem a esperana? Da, eles respondem: Ns espervamos que ele

    Alexandre Rocha Alves

    Alexandre Rocha Alves

    Alexandre Rocha Alves

    Alexandre Rocha Alves

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    fosse o libertador, mas [...] (Lc 14,21). A morte de Jesus deixa eles desanimados,

    achando que tudo estava acabado.

    Nos versculos seguintes (Lc 24, 25-27), vemos que Jesus utiliza a Bblia

    para iluminar o problema, isto , para trazer luz sobre a sua realidade e poder

    mostrar que havia motivos de esperana. Portanto, o segundo passo seria

    transformar a cruz, sinal de morte, em sinal de vida e de esperana [...] Condio

    para poder fazer este segundo passo ter familiaridade com a Bblia (CRB, 2000,

    p.20).

    Mas ainda tem o terceiro passo:

    A Bblia, por si, no abre os olhos. Mas faz arder o corao! (Lc 24,32). O que abre os olhos e faz os dois amigos perceberem a presena de Jesus o partir do po, o gesto comunitrio da partilha, a celebrao. [...] O terceiro passo saber criar um ambiente orante de f e de fraternidade, onda possa atuar o Esprito que nos faz entender o sentido das coisas que Jesus falou (CRB, 2000, p.20)

    Podemos, ento, resumir os trs critrios na figura a seguir:

    Figura 3 Os trs critrios da leitura orante da Bblia Fonte: Adaptado de CRB (2000, p.19)

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    Exerccio 1 1. A respeito do cnon bblico, analise os enunciados a seguir: I. H diferenas entre o cnon Evanglico e o cnon Catlico no Antigo e no Novo Testamento. II. No cnon Evanglico no entraram os livros do Antigo Testamento escritos em grego. III. O cnon Catlico e o Evanglico so idnticos. a) Apenas o enunciado I est correto. b) Apenas o enunciado II est correto. c) Apenas o enunciado III est correto. d) Nenhum enunciado est correto. 2. A respeito da autoria na Bblia, analise os enunciados a seguir: I. Conhecemos o autor da maioria dos livros bblicos. II. O nico autor da Bblia Deus, portanto podemos ignorar a autoria humana. III. Alguns livros so atribudos a personagens importantes do passado, a modo de homenagem. a) Apenas os enunciados II e III esto corretos. b) Apenas os enunciados I e II esto corretos. c) Apenas o enunciado II est correto. d) Apenas o enunciado III est correto. 3. Responda verdadeiro ou falso: I. A Bblia de fcil compreenso por ser Palavra de Deus, basta ler para entender. II. Os autores bblicos pertencem a outro tempo e outra cultura diferente da nossa. III. Uma correta interpretao deve levar em conta qual foi a inteno do autor. IV. A interpretao da Bblia ao p da letra pode levar a erros grosseiros.

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    1.6 Situao geogrfica de Israel

    A terra de Israel est localizada em uma situao geogrfica estratgica,

    pois une trs continentes: Europa, sia e frica. Veja no mapa a seguir a localizao

    de Israel no mundo:

    Figura 4 Situao geogrfica de Israel

    Fonte: Adaptado de http://migre.me/fjEBd

    No mapa acima, o pas de Israel a pequena poro destacada de cor roxa.

    Trata-se de um pas muito pequeno, especialmente se comparado com o tamanho

    do Brasil: Israel 340 vezes menor que o Brasil, mais ou menos do tamanho do

    Estado de Sergipe!

    O pas pequeno [...] tem a extenso de 200 km (norte-sul) por 80 km (leste-oeste), a que se deve acrescentar uma outra faixa de 40 km na Transjordnia. Ao todo so cerca de 20.000 km2. [...] Para o perodo do Bronze recente, quando o Egito e a Mesopotmia podiam contar com alguns milhes de habitantes, a Palestina nem sequer chegava aos 250 mil habitantes. No pice do

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    desenvolvimento, durante o segundo perodo do Ferro poder chegar a 400 mil pessoas. (LIVERANI, 2003, p.28)

    Lendo a Bblia, voc pode perceber que o Pas onde nasceu e viveu Jesus

    recebe muitos nomes: Terra Santa, Terra Prometida, Israel, Cana, Palestina,

    Judeia... Por que tanta variedade de nomes?

    1.7 Israel e seu entorno

    Lendo a Bblia, voc pode perceber que no se fala apenas de Israel. Fala-

    se de Abrao que saiu da cidade de Ur, da Mesopotmia, da escravido no Egito,

    das tbuas da Lei que o povo recebeu no monte Sinai, de conflitos de Israel com

    povos vizinhos (Moab, Edom, Amon, Sria, Filisteus, etc.), do tempo em que

    Nabucodonosor fez com que o povo tivesse que ir para o exlio na Babilnia, do

    imprio assrio, persa, grego, romano, das sete igrejas da sia Menor do

    Apocalipse...

    So muitos povos e muitas cidades que aparecem e bom sempre termos

    um mapa por perto para identificar esses lugares. Veja mais de perto a regio

    destacada na figura da pgina anterior:

    x Antes da formao do povo de Israel (at 1250 a.C.) essa terra recebia

    o nome de Terra de Cana. x A partir da poca tribal (organizao em tribos), passou a se chamar:

    Israel, Terra Prometida ou Terra Santa. x Aps a morte de Salomo (930 a.C.), o Pas dividiu-se em dois reinos. O

    reino do norte passou a se chamar Reino de Israel e o reino do sul, Reino de Jud.

    x Na poca do imprio romano, aquela regio recebeu o nome de Palestina.

    x As trs provncias mais citadas no Novo Testamento so de norte a sul: Galileia, Samaria e Judeia. (GASS, 2000, p.62).

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    Figura 5 Oriente Antigo

    Fonte: Auth, 2001.

    A maior parte da histria da Bblia se desenvolve em uma rea muito

    pequena do extremo oriental do Mar Mediterrneo, nos pases litorneos que esto

    situados entre o mar e os grandes desertos arbicos.

    O mundo do mar e o mundo do deserto se encontram separados pelo crescente frtil. D-se esse nome a uma faixa de pases bem regados, que se estendem desde o Egito ao sul (com sua civilizao baseada na grande corrente do rio Nilo), que passava por uma zona de chuvas naturais na costa oriental do Mediterrneo, at as terras frteis da Mesopotmia, com seus grandes rios: Tigre e Eufrates. (ALEXANDER, 1987, p.01)

    Dentro dessa faixa, Israel era lugar de

    passagem obrigatria, por estar situada entre as

    potncias do norte, Assria e Babilnia, na

    Mesopotmia, e a potncia do Sul, o Egito.

    Mesopotmia: No se trata de um pas, mas de uma regio. uma palavra de origem grega: meso (meio) potams (rio). Isto , a palavra Mesopotmia se refere regio situada entre os rios Tigre e Eufrates.

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    Figura 6 Crescente frtil Fonte: http://migre.me/fm6Ub

    Essa regio do Crescente Frtil, formada pelos rios Nilo, Jordo, Tigre e

    Eufrates, tambm chamada de Meia lua frtil por causa do arco formado pelas

    regies frteis, como se pode ver no mapa anterior.

    Sugesto de leitura

    Para se aprofundar mais na Introduo Sagrada

    Escritura, sugiro que voc leia o livro:

    GASS, Ildo Bohn (org.). Uma introduo Bblia: porta de entrada. Vol. I. 3. ed. So Paulo: Paulus. So Leopoldo, RS: CEBI, 2012. A linguagem utilizada muito simples e aborda os temas apresentados nesta unidade e outros muitos de interesse para uma introduo Bblia.

    Fonte: http://migre.me/fCUyZ

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    Exerccio 2 1. Relacione as duas colunas:

    1. Nilo Nome de Israel no imprio romano

    2. Cana Rio da Mesopotmia 3. Palestina Rio do Egito 4. Eufrates Regio entre rios 5. Mesopotmia Nome de Israel at 1250

    2. Analise os enunciados a seguir: I. O Crescente frtil e Mesopotmia so sinnimos, indicam a regio entre os rios Tigre e Eufrates.

    II. A terra de Israel encontra-se em situao estratgica: entre trs continentes. III. Israel era um pas grande que nem o Egito. a) Apenas os enunciados I e II esto corretos. b) Apenas os enunciados I e III esto corretos. c) Apenas o enunciado I est correto. d) Apenas o enunciado II est correto.

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    UNIDADE 2 AS ORIGENS Gn 1-11

    O objetivo desta unidade aprofundar nos textos de Gnesis 1-11, que

    abordam a questo da origem do mundo, do ser humano e da origem do mal.

    So textos muito conhecidos no seu teor textual, pois so histrias que

    escutamos desde crianas, mas nem sempre so conhecidos de maneira mais

    aprofundada, indo alm da literalidade e se perguntando qual seria a mensagem real

    e original dos textos no contexto em que foram escritos.

    o que vamos tentar nesta unidade. Mas antes, vamos comear com umas

    palavras a respeito do Pentateuco, que, como voc sabe a primeira parte da nossa

    Bblia.

    Fonte: http://migre.me/flFnW

    Pentateuco uma palavra de origem

    grega: penta (cinco) teukos (estojo, rolo). A palavra teukos se referia ao estojo onde eram guardados os rolos (antigamente no havia livros,

    mas rolos de papiro). A primeira parte da Bblia

    contm cinco livros, que so chamados de Torah

    (Lei) pelos judeus.

    Fonte: http://migre.me/ffSRV

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    Durante muitos sculos,

    pensou-se que o autor do Pentateuco

    era Moiss, mas, como falamos na

    primeira unidade, trata-se apenas de

    uma atribuio para homenagear

    Moiss, lder indiscutvel no perodo de

    caminhada pelo deserto, que teve,

    entre outras funes, a incumbncia de

    guiar o povo quando saiu da escravido

    do Egito, a caminho da Terra Prometida

    e mediou a aliana de povo com Deus.

    E, claro, dessa maneira tambm se

    garantia a autoridade e aceitao das

    leis. Fonte: http://migre.me/fm78a

    Porm, lendo de maneira crtica o Pentateuco, percebemos que

    praticamente impossvel que tenha sido escrito por ele, nem sequer podemos admitir

    que tenha sido escrito por uma nica pessoa. Usa-se vocabulrio muito diferente:

    Deus umas vezes chamado de Elohim e outras de Jav; o sogro de Moiss recebe

    vrios nomes, o monte da revelao tambm aparece umas vezes com o nome de

    Sinai e outras como monte Horeb, etc.

    Algumas passagens so narradas duas vezes. Temos duas vezes a aliana

    de Deus com a Abrao (Gn 15 e Gn 17), dois textos da criao (Gn 1 e Gn 2-3), dois

    textos do chamado de Moiss (Ex 3-4 e Ex 6), etc.

    Por outro lado, vemos que em todos os livros do Pentateuco a narrao na

    terceira pessoa: O Senhor disse a Moiss [...] (Ex 12,43); Moiss chamou [...] (Ex

    12,21). Se fosse Moiss que estivesse escrevendo, encontraramos: O Senhor me

    disse; eu chamei, etc.

    Hoje se sabe que por trs do Pentateuco h vrias tradies de vrias

    pocas diferentes que unidas posteriormente, formaram os cinco primeiros livros.

    Portanto, no se pode falar de um nico autor.

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    2.1 O Gnesis

    A palavra Gnesis uma palavra grega, que significa origem. Ento, o nome

    j est indicando a natureza do contedo desse livro. Fala-se da origem do mundo e

    do ser humano (Gn 1-2), da origem do mal e como este foi se estendendo no mundo

    (Gn 3-11), das origens do povo de Israel e dos povos do seu entorno (Gn 12-50),

    com a histria dos Patriarcas (Gn 12-36) e a

    histria de Jos (Gn 37-50).

    Segundo von Rad (1988), o livro do

    Gnesis no constitui um livro isolado que possa

    ser interpretado prescindindo do resto do

    Hexateuco. O livro est formado por tradies de diferentes pocas histricas, e diversos gneros

    literrios: lenda (o mito) e saga.

    O mito, na histria de um povo, no uma histria mentirosa, mas uma narrao que tenta explicar como este povo deve relacionar-se com Deus e com a natureza que est ao seu redor. Portanto, todo mito tem relao com a realidade, boa ou ruim, que este povo est vivendo [...]. (SARTOREL & PAIXO, 2007, p.13).

    Tudo isso tem que ser levado em conta para poder interpretar esses textos

    de maneira adequada, para poder descobrir qual a verdadeira inteno dos autores,

    superando a interpretao literal ou fundamentalista, sabendo que os autores

    apenas pretendiam dar uma catequese, transmitir uma experincia de f. Portanto,

    temos que lembrar qual o objeto da revelao, como falvamos na unidade anterior:

    questes de f e moral, no um livro de histria (no sentido moderno da palavra)

    nem um livro de cincia. Os autores eram pessoas simples, e s conheciam a

    cincia da observao.

    por isso que podemos ler no livro de Josu uma orao pedindo que o sol

    pare (Js 10, 12). Hoje sabemos que a terra que gira ao redor do sol, mas na poca

    de Josu (sc. XIII a.C.) no sabiam disso, ele apenas observava que quando

    levantava, de manh, o sol estava de um lado e quando escurecia, o sol j estava no

    lado contrrio. Portanto, era normal na poca dele pensar que seria o sol quem

    Hexateuco: Von Rad defende que o primeiro bloco da Bblia deveria incluir o livro de Josu, pois o povo sai do Egito para entrar na Terra Prometida e essa entrada acontece apenas no livro de Josu. Por isso ele prefere falar de Hexateuco, incluindo Josu nesse primeiro bloco da Bblia.

    Alexandre Rocha Alves

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    girasse ao redor da terra e no o contrrio. Pois, afinal, ningum v a terra em

    movimento.

    Isso quer dizer que a Bblia no pode ser pega como verdade de cincia,

    no esse tipo de perguntas que devemos fazer aos textos bblicos, que pretendem

    formar (diferente de informar), transmitir uma experincia de f e o convencimento

    de que Deus a origem de tudo e de todos, que Deus o Criador e ns somos as

    criaturas s quais Ele confiou sua obra.

    2.2 Os textos da Criao Para o leitor s vezes passa despercebido, mas na Bblia no h um texto

    da criao, mas dois (Gn 1,1-2,4a e Gn 2.4b-3,24). E, mesmo que a mensagem seja

    semelhante, entre os dois textos h diferenas significativas:

    x Um texto conta a criao dentro do esquema de uma semana, enquanto que no outro se fala de um paraso, da rvore do bem e do

    mal, Ado e Eva, etc.

    x No primeiro texto, homem e mulher so criados ao mesmo tempo, no final da obra criadora de Deus, enquanto que no segundo, Deus cria

    em primeiro lugar Ado, depois o resto das coisas criadas, at chegar

    no final criao de Eva.

    x No primeiro texto, Deus cria apenas falando, enquanto que no segundo Ado criado da terra e Eva criada pegando a matria-prima de

    Ado.

    x No primeiro texto se fala da criao em seis dias, mas no segundo texto no se fala nada a respeito de quanto tempo foi necessrio.

    x O primeiro texto nem fala do pecado, do mal. Todos os dias da semana acabam com a mesma frase: E Deus viu que era bom (Gn 1,

    10.12.18. 21. 25. 31). Apenas o segundo texto que fala da origem do

    mal e do pecado.

    x No primeiro texto, antes de Deus comear a Criao, havia muita gua: Deus teve que separar as guas abaixo da abbada das guas acima

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    da abbada (Gn 1,2.6-7); enquanto que no segundo texto, o caos era

    a seca, a falta de gua (Gn 2, 5-6).

    Citamos apenas alguns exemplos, mas fazendo uma leitura atenta dos dois

    textos (Gn 1,1-2,4a, de um lado e Gn 2,4b-3,24, do outro), voc mesmo pode

    perceber que h outras muitas diferenas, inclusive o estilo e a linguagem so muito

    diferentes.

    A seguir vamos abordar cada um deles por separado e vamos descobrir que

    a mensagem dos dois basicamente a mesma, mas cada autor, influenciado pela

    sua poca, apresentou a catequese de maneira totalmente diferente.

    2.2.1 Gn 1,1-2,4a

    Este texto nos situa no ambiente do

    exlio na Babilnia (o mesmo contexto do texto do dilvio, como veremos mais adiante).

    Segundo Schwantes (2007), so dois os

    argumentos que permitem esta afirmao:

    a) Em primeiro lugar, o texto d muito destaque ao ritmo semanal e importncia do dia do sbado:

    Se bem que este sbado represente uma tradio antiga, at tribal, foi o exlio que o valorizou sobremodo. Entre os babilnios, o sbado veio a tornar-se um sinal diferenciador. Identificava os deportados. Podemos, pois, situar Gnesis 1 no 6 sculo a.C., entre os deportados, na Babilnia [...]. (SCHWANTES, 2007, p.31).

    Colocar Deus criando (trabalhando) em seis dias e descansando no stimo

    pretendia ser um estmulo e um exemplo para os judeus exilados no sentido de

    valorizar a prtica da observncia do sbado em um contexto que no era favorvel

    a tal prtica, pois os babilnios no adotavam o ritmo da semana. Seus dias festivos

    tinham origem no ritmo da lua e eram quinzenais. E, por outro lado, o trabalho

    forado imposto pelos babilnios exigia atividade contnua (SCHWANTES, 2007,

    p.33).

    Ento, agora fica mais clara a inteno do autor quando decidiu apresentar

    Deus criando em seis dias. Lembre que o segundo texto da criao (Gn 2-3) em

    Exlio: as lideranas do povo de Israel foram deportadas Babilnia no tempo de Nabucodonosor. A primeira deportao foi no ano 597 a.C. e a segunda no ano 586 a.C.

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    nenhum momento menciona quanto tempo levou a obra criadora de Deus, at

    porque os autores, como tambm ns, no tinham esse dado. O autor no pretendia

    dizer quanto tempo Deus dedicou Criao (lembre que no so cientistas que

    escrevem a Bblia, e o objetivo deles no era dar informaes cientficas, mas formar

    pessoas de f, com o convencimento de que tudo vem das mos de Deus).

    Figura 7 Criao de Michelangelo

    Fonte: http://migre.me/ffTe6

    b) Em segundo lugar, evidente tambm a polmica com os deuses da luz (sol, lua e estrelas). Na Babilnia cultuavam como deuses os astros. O autor quer deixar muito claro que o que l era adorado como deuses eram apenas

    criaturas de Deus.

    O autor dedica dois dias da semana a falar dos astros: o primeiro e o quarto.

    No esquema dos sete dias, trata-se de dois momentos muito importantes: o incio e o centro. Da se pode inferir que a temtica dos astros muito relevante para nosso poema. [...] Tem a ver com a religio do imprio babilnico. Os smbolos maiores de sua crena eram os astros. Na capital, o santurio central estava dedicado ao sol. Portanto, todo o imprio se entendia como representante do sol. (SCHWANTES, 2007, p.34)

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    Outro elemento do texto que merece nossa ateno o ltimo dia, quando

    Deus cria o ser humano. interessante perceber que no versculo 27, quando Deus

    cria o ser humano, aparece trs vezes a palavra criar:

    Com a repetio da palavra criou, o autor quer chamar a ateno para o

    ato criador mais importante, a criao por excelncia. Todas as coisas anteriores

    foram criadas pensando na criao do ser humano que vem coroar a obra criadora.

    O homem e a mulher so, portanto, idnticos diante de Deus. Nos mitos

    babilnicos, s os reis eram feitos imagem de Deus, mas aqui a Bblia nos d

    uma certeza: no existe privilgio de nobreza porque toda e qualquer pessoas foi

    feita imagem e semelhana de Deus (SARTOREL & PAIXO, 2007, p. 17)

    Com base neste versculo, ficam desautorizados todo e qualquer tipo de

    excluso, de racismo, preconceito, seja qual for o motivo: gnero, raa, classe

    social, religio, etc. Todos somos criaturas de Deus e todos somos igualmente

    importantes para Deus.

    Nos versculos seguintes (Gn 1,28-30), Deus confia ao ser humano o

    cuidado de todos os outros seres criados. Deus oferece ao ser humano tudo o que

    for necessrio para a vida: entrego todas as rvores que do semente sobre a face

    da terra; e todas as rvores frutferas que do semente vos serviro de alimento

    (Gn 1,30).

    Deus fala de encher a terra, submet-la e domin-la (v.28), mas claro que

    estas palavras devem ser entendidas no sentido de cuidar, preservar, e no no

    sentido de usar e abusar, o domnio no deve ser destruidor, somos chamados a ser

    zeladores da criao. A tarefa dos seres humanos consiste, pois, por um lado, na transformao do ambiente natural em ambiente cultural. O desafio do ser humano justamente transformar em cultura o que simplesmente natural. Nisso reside talvez uma das genunas tarefas criadoras do ser humano: ser co-criador com Deus. Por outro lado, a tarefa do ser humano implica tambm o guardar, isto , no destruir a natureza criada por Deus, mas sim, mant-la em suas bases de

    E Deus criou o homem sua imagem; imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou (Gn 1,27).

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    sustentao e no seu prprio ciclo de vida. (REIMER, 2006, pp.43-44.)

    Ento, fechando o comentrio ao primeiro texto, veja quantas coisas bonitas

    podem ser exploradas numa aula, na catequese, na homilia, ou em qualquer outro

    contexto, a respeito deste texto: todos os seres criados tm sua origem em Deus, o

    descanso bom e querido por Deus (sbado), nenhuma criatura pode se arrogar

    condio divina (como acontecia com os astros na Babilnia), o ser humano (homem

    e mulher) so a coroa da criao, e a eles Deus confia a continuidade da obra

    criadora, cuidando e preservando a natureza.

    2.2.2 Gn 2,4b-3,24 O contexto agrcola, da roa o que marca este texto. Schwantes (2007,

    p.59), destaca que enquanto Gn 1,1 falava da criao dos cus e da terra, Gn 2,4b

    refere-se criao da terra e dos cus. Portanto, em 2,4b a terra mais

    importante. Outros indcios do contexto agrcola: o caos apresentado como a falta

    de gua, a seca (2,5), que o maior drama do campons; Deus cria o homem do

    barro, da terra (2,7); o paraso consiste em um pomar cheio de rvores frutferas;

    quando da expulso do paraso, Ado ter que ser lavrador da terra (3,17-23).

    Portanto, podemos concluir que um texto escrito desde a tica do lavrador

    (SCHWANTES, 2007).

    Outro elemento importante no texto a serpente, que nas culturas que

    circundam Israel representa foras hostis ao plano de

    Deus, a personificao do mal e da idolatria. Esse

    detalhe importante para a adequada datao do texto,

    que, segundo Schwantes (2007), no combina com o

    sc. X (na poca de Salomo), como muitas vezes se

    pensou, pois no uma poca especialmente marcada

    pela luta contra a idolatria. J, na poca de Elias (sc.

    VIII a.C.), sabemos que a luta foi acirrada (1 Rs 18) e

    tambm com Oseias e Isaas, que so profetas do

    mesmo sculo.

    Fonte: http://migre.me/fmn6u

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    Outro indcio, segundo o mesmo autor, que faz pensar nessa poca do sc.

    VIII a importncia dada lei. A obedincia lei (2,16-17) sustenta a vida, enquanto

    que a transgresso leva morte: A lei, a torah, uma proposta antiga. Mas o movimento deuteronmico do final do sc. VIII a.C. que d nfase especial e

    decisiva lei (2007, p.60).

    No cap. 2 se apresenta a possibilidade de vida sendo fiis ao projeto de

    Deus. Dessa maneira, o homem pode usufruir do paraso feito por Deus para que ele

    possa ter vida e vida em abundncia (emprestando aqui as palavras de Jo 10,10).

    Mas no cap. 3 se apresenta o outro lado da moeda: a morte, caso o homem no

    aceite sua condio de criatura que dependente do seu Criador e tem que

    respeitar sua submisso a Ele e sua dependncia. nisso que consiste o temor de

    Deus: em saber-se criaturas, que dependem do seu Criador e aceitar as regras do

    jogo, que seria o cumprimento da Lei.

    isso que significa no comer da rvore do conhecimento do bem e do

    mal (Gn 2,17). O ser humano tem que respeitar a lei de Deus porque Ele que

    sabe discernir entre o bem e o mal. Comer da rvore seria querer ser igual a Deus,

    ocupar seu lugar com arrogncia e prepotncia. A tradio se encarregou de

    associar a rvore proibida com um p de ma, mas o texto bblico no fala nada

    disso. De qualquer maneira, importante perceber que a proibio se refere a uma

    nica rvore, enquanto que o homem poderia comer e usufruir de todas as rvores.

    E o que afinal o jardim, o paraso? Veja as palavras de Sartorel e Paixo:

    O jardim est no oriente, de onde tem origem a luz a e a vida. Onde precisamente? Os quatro rios que so nomeados contornam um territrio to grande que compreende o mundo todo, garantindo a vida pela abundncia da gua. O jardim est aqui, o pas onde a gente mora, um pas bom como o ouro de Hvila. Ento, o jardim no outra coisa a no ser o nosso mundo humano! (SARTOREL & PAIXO, 2007, p.26).

    Portanto, o campo (jardim) o mundo e Ado qualquer homem, porque na

    realidade se refere a toda a humanidade.

    Mas Deus percebe a solido de Ado e Deus disse: No bom [...]. Neste

    sentido, muito interessante a observao de Sartorel e Paixo (2007), pois at

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    agora Deus sempre tinha dito que tudo era muito bom (Gn 1), mas percebe que h

    uma coisa errada: a solido do homem. Ento Deus decide fazer uma companheira

    e o texto diz que foi tirada do lado de Ado: nem da cabea (para no se sentir

    superior), nem dos ps (para no se sentir inferior ao homem), mas do lado, para

    que ela seja adequada para poder formar uma s carne junto com ela (v.24). s

    dela que Ado pode dizer: Essa sim osso dos meus ossos e carne da minha

    carne (2,23). O ser humano no foi criado para viver s, mas em comunidade, em

    famlia.

    Como voc j deve ter percebido, neste segundo texto, no se fala nada a

    respeito do tempo da criao, como j falamos no incio desta unidade. Tambm no

    se menciona a criao dos astros, pois no eram preocupao na poca deste

    autor.

    Porm outros elementos presentes no primeiro texto esto igualmente

    presentes no segundo, mas de maneira diversa, com palavras diferentes. Vamos ver

    alguns exemplos:

    x Jav Deus tomou o homem e o colocou no jardim de den, para que o cultivasse e guardasse (2,15). O homem deu nome a todos os animais

    (2,20). O homem tem domnio sobre a criao. Isto , Deus criou a terra

    para que o ser humano usufrua dela e de tudo o que ela contm.

    Portanto, aqui o ser humano tambm apresentado como coroa da

    criao e com misso especial como continuador da obra criadora,

    cuidando e preservando.

    x Fica tambm evidente que h entre Deus e o homem uma relao especial ( imagem e semelhana), diferente das outras criaturas:

    soprou-lhe nas narinas um sopro de vida (2,7) S o ser humano

    modelado com as mos de Deus, tanto o homem (2,7), quanto a mulher

    (2,22).

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    Origem do mal (Gn 3)

    No cap. 2 vemos como poderia ser a vida do ser humano em harmonia com

    ele mesmo, com seu prximo (homem e mulher), com a natureza e com Deus, se o

    homem respeitasse e fosse fiel a Deus e seu projeto de vida.

    Porm, no cap. 3 vemos as consequncias da ruptura, que acontece pela

    influncia negativa da serpente, que, deturpando as palavras de Deus, quer levar o

    ser humano infidelidade, ruptura da relao com Deus. Deus dissera que o

    homem no podia comer apenas de uma rvore, enquanto que a serpente diz:

    verdade que Deus disse que vocs no podem comer de nenhuma rvore do

    jardim? (3,1).

    Fica evidente a inteno da serpente de exagerar a proibio divina, para

    despertar o desejo da desobedincia. Quer dizer, a serpente faz propaganda

    enganosa, querendo que o homem e a mulher pensem que desobedecendo a Deus,

    eles mesmos conseguiriam ser iguais a Ele, e desse jeito, chama a ateno do ser

    humano para seu maior desejo: criar sua prpria lei e acabar com a condio de

    criaturas dependentes do seu Criador.

    A serpente de Gnesis 3 provm do mundo cultural e religioso dos egpcios. O fara dominava sob o signo da serpente. Desde o segundo milnio, o culto mediado pela simbologia da serpente era conhecido em Cana. E depois no deixou de marcar presena [...] a devoo serpente era difundida no Israel do tempo dos reis (SCHWANTES, 2007, p.65).

    Os israelitas conviviam com os povos cananeus. Nesse contexto, a serpente

    simbolizava a tentao e a atrao que os cultos cananeus supunham para os

    israelitas, at o ponto de cair na idolatria e na infidelidade a Deus e seu projeto.

    As consequncias do pecado sero diversas, mas todas mostram que

    acabou a harmonia do incio:

    x Ruptura com Deus: o homem sente medo e se esconde (3,10)

    x Ruptura entre homem e a mulher (3,12)

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    x Inimizade entre homens e animais (3,14)

    x A relao do homem com a natureza se transforma, acaba a harmonia com a natureza: o homem ter que trabalhar com fadiga, encontrar

    espinhos e ervas daninhas. A mulher por sua vez, dar luz com dores

    (3,17-19)

    O pecado acaba com a harmonia em todos os sentidos: entre os seres

    humanos, com a natureza e com Deus e tambm do homem com ele mesmo

    (vergonha: vv.10-11).

    2.3 Conflito Bblia x Cincia Colocamos a palavra conflito entre aspas porque, na realidade, no h ou

    no deveria haver conflito, pois, como j dissemos, a Bblia no um livro de

    Cincia, apenas pretende dar uma catequese e transmitir verdades de f. A Bblia

    no responde a questionamentos cientficos. Desse jeito ficaramos frustrados

    procurando respostas cientficas na Bblia, pois no foram cientistas que a

    escreveram e sim pessoas de f.

    De outro lado, vimos como temos dois textos que apresentam a criao de

    maneira muito diferente e em alguns casos at contrria (por exemplo: o

    entendimento do caos, a ordem da criao). Ento, se pegamos uma verso como

    a verdadeira do ponto de vista cientfico, teramos que concluir a no verdade do

    outro. Tomando o exemplo da ordem da criao: se canonizamos a ordem de Gn 1

    (homem e mulher ao mesmo tempo e por ltimo), temos que desautorizar a ordem

    apresentada no segundo texto (primeiro o homem, depois todos os outros seres e

    por ltimo a mulher).

    Portanto, impe-se uma nica soluo: extrair dos textos a bonita

    mensagem apresentada acima e deixar que os cientistas continuem pesquisando

    para dar resposta aos questionamentos cientficos.

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    Exerccio 3 1. Analise os enunciados a seguir: I. O livro do Gnesis se refere s origens apenas do povo de Israel. II. Os textos da Criao apresentam uma catequese a respeito das origens do mundo e do homem. III. Os textos da Criao devem ser entendidos como verdades de f, mas no como relatos com validade cientfica. a) Apenas os enunciados I e III esto corretos. b) Apenas os enunciados I e II esto corretos. c) Apenas os enunciados II e III esto corretos. d) Todos os enunciados esto corretos. 2. Indique se os enunciados a seguir so verdadeiros (V) ou falsos (F): I. Segundo o texto bblico, a rvore proibida era um p de ma. II. Homem e mulher so criados para se fazerem companhia, como complemento um do outro. III. Misso do ser humano dominar a natureza, no sentido de cuidar e preservar a Criao. IV. O fato de apresentar a criao em seis dias influncia do contexto cultural do exlio na Babilnia, onde no adotavam o ritmo da semana. V. O contexto de Gn 2 claramente agrcola. VI. Existem muitas diferenas entre os dois textos da criao, mas os dois coincidem na mensagem fundamental: Deus criou tudo e todos e o ser humano o principal de todos os seres. VII. Todo cristo deve aceitar a ordem da criao do segundo relato como verdade de f. VIII. Bblia e cincia se complementam, cada uma tem intenes e objetivos diferentes. IX. Bom cristo deve rejeitar a cincia, devem bastar os relatos bblicos.

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    2.4 Caim e Abel Gn 4,1-16

    Para entender este texto temos que continuar superando a interpretao

    literal e tentando ir alm, descobrindo os indcios que o prprio texto oferece para

    uma interpretao mais adequada, lendo nas entrelinhas do texto.

    Trata-se de um texto que muitas vezes leva as pessoas a um beco sem

    sada. Afinal, lendo ao p da letra: Ado e Eva tiveram dois filhos, um mata o outro,

    resta apenas um. Como pode vir o resto da humanidade apenas dessa

    descendncia?

    Mas, como j vimos, Ado e Eva representam toda a humanidade. Deus no

    criou apenas um homem e uma mulher, mas todo homem e toda mulher de todos os

    tempos. Ento, isso j um indicador de que Caim e Abel podem tambm ser

    indivduos que esto representando grupos mais amplos. No ?

    Segundo o v.2, Abel tornou-se pastor de ovelhas e Caim cultivava o solo.

    Cada um apresenta uma oferta a Deus: Caim apresentou produtos do solo (v.3),

    pois ele cultivava o solo, enquanto que Abel ofereceu os primognitos e a gordura

    do seu rebanho (v.4a), pois ele era pastor. E aqui se apresenta o problema que vai

    provocar o cime ou a inveja de Caim: Jav gostou de Abel e de sua oferta, e no

    gostou de Caim e da oferta dele (Gn 2, 4b-5a).

    Para entender o pano de fundo do texto, veja as palavras de Sartorel e

    Paixo:

    Caim e Abel representam o conflito entre dois grupos diferentes, mas de economia paralela. De um lado, temos o pastor (Abel), do outro o lavrador (Caim). [...] Aps a colheita, os rebanhos pastavam sobre a terra cultivvel. Quando chegavam as chuvas, perodo em que a terra era preparada para o plantio, os rebanhos tinham que se distanciar, ocupando regies ridas e desrticas. Nos perodos de seca os pastores precisavam achegar-se ao mundo dos agricultores, da o conflito. (SARTOREL & PAIXO, 2007, p.41)

    Ento, temos como pano de fundo a briga entre sedentrios (instalados nas

    cidades ou aldeias) e os nmades ou seminmades, que tinham rebanhos, mas no

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    tinham terras e viviam se deslocando procura de pastagens para o gado,

    sobretudo na poca da seca.

    Caim mata Abel porque no suporta sentir-se preterido. Mais ainda quando o

    texto diz que Caim nascera em primeiro lugar. Deus escolhe o ltimo, em lugar do

    primognito, como percebemos que acontece na histria dos patriarcas: Isaac e

    Jac no so os primognitos.

    Mas, por que Deus preferiu a oferta de Abel? Deus sempre se inclina para o

    lado do mais fraco e aqui temos mais um exemplo de essa preferncia: os nmades

    tinham menos segurana, estavam desprotegidos, tinham m fama entre os

    sedentrios. O texto no explicita o motivo da preferncia divina, no se fala da

    qualidade da oferenda, portanto o problema no a oferenda e sim quem a

    apresenta.

    No v.12 Deus pronuncia seu castigo a Caim. E o castigo muito

    significativo: Voc andar errante e perdido pelo mundo. Quer dizer, o castigo

    que Caim sinta na pele o que ser nmade e no ter a segurana e proteo que

    tinham os sedentrios. Portanto, o castigo vai ao encontro da interpretao do texto

    na linha do conflito entre sedentrios e

    nmades. Isto , no se trata apenas de

    um assassinato, de um fratricdio: dois

    grupos humanos que deveriam conviver

    como irmos, vivem se hostilizando, com a

    clara primazia dos sedentrios sobre os

    nmades. Quando Deus pergunta a Caim

    pelo irmo, ele responde que no sabe (e

    no quer saber): por acaso eu sou o

    guarda do meu irmo (v.8). Essa resposta

    reflete o descaso e descompromisso de

    uma classe com relao outra.

    Fonte: http://migre.me/fvBsG

    No final do relato, Deus coloca um sinal em Caim (v.15), para que ningum

    se vingue. Deus castiga, mas no abandona, cuida do assassino. A pena de morte

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    no resolve, por grave que seja o pecado cometido, Deus no aprova combater a

    violncia com mais violncia.

    2.5 O dilvio Gn 6-9 Segundo Schwantes (2007), a datao deste texto complicada. So vrios

    os autores que intervm na elaborao do texto, em pocas diferentes. Mas partindo

    do contexto do exlio na Babilnia, o texto faz sentido. Afinal l na Babilnia, havia

    medo contnuo de enchentes por causa dos rios Tigre e Eufrates.

    Segundo o Sl 137, os judeus exilados se assentaram s margens dos rios:

    Junto aos canais da Babilnia nos sentamos e choramos, com saudades de Sio,

    nesse contexto no estranha que o povo tivesse medo de enchente, de dilvio, de

    gua demais.

    Na Babilnia, os exilados entram em contato com as tradies

    mesopotmicas e seus costumes, tambm com seus deuses, que segundo a

    tradio mesopotmica mantinham as comportas dos cus fechadas, mas quando

    os deuses ficavam bravos, eles abriam as comportas do cu e acontecia o dilvio

    (lembre que na Mesopotmia, os deuses eram os astros, que no firmamento

    garantem a ordem, impedindo que as guas de acima do firmamento desabem Gn

    1,6-8). A funo do culto era fazer com que as comportas permanecessem fechadas.

    O primeiro que chama a ateno no texto sua extenso: a maior

    narrao de Gn 1-11.

    Uma histria to longa no surge num repente. Tem em sua base um exerccio de saber e de intelectualidade. Tinham-no os deportados, pois, quando ainda estavam em Jerusalm, j eram conhecedores dos contedos. Desde os assrios do sc. VIII, a elite de Jerusalm estava em contato com as tradies religiosas mesopotmicas. Conhecia, pois, os discursos mesopotmicos a respeito das guas, do firmamento e do dilvio [...] (SCHWANTES, 2007, p. 22).

    Schwantes prope fazer uma comparao entre o texto do dilvio mesopotmico e o texto bblico para perceber as semelhanas e as diferenas.

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    Os textos babilnicos provm dos setores dominantes. Falam a linguagem e pronunciam os interesses do imprio. A histria bblica, ao contrrio, vem do reverso deste mesmo imprio. Representa a fala e os interesses de escravos e escravas que tinham de suar o suor de gente trabalhadora para manter as glrias do estado dominante. (SCHWANTES, 2007, p.23)

    A religio da Babilnia estava baseada no medo: o povo teria que se manter

    na linha e cumprir as leis do imprio para evitar que os deuses ficassem airados e

    abrissem as comportas dos cus, provocando o caos do dilvio.

    Mas, lendo o texto bblico at o final, vemos que a mensagem bblica bem

    diferente. Inicia falando do pecado humano, da gerao perversa (no mais do que

    as outras, ou no mais do que a atual): Deus viu a terra corrompida, porque todo

    homem da terra tinha se corrompido em seu comportamento (Gn 6, 12), a terra

    est cheia de violncia [...] vou destru-los junto com a terra (6,13). Eu vou mandar

    o dilvio sobre a terra, para exterminar todo o ser vivo que respira debaixo do cu

    (v.17).

    Mas seguindo a leitura, vemos que no cap. 7 acontece o dilvio e o captulo

    8 se centra mais na figura de No e na nova criao que comear com ele. No final

    do cap. 8 j temos um indcio de que a histria ter um final diferente: Nunca mais

    amaldioarei a terra por causa do homem, porque os projetos do corao do homem

    so maus desde a sua juventude.

    Nunca mais destruirei todos os seres

    vivos, como fiz (Gn 8,21). Isto , o

    dilvio faz parte do passado, nunca

    mais haver dilvio sobre a terra

    porque afinal no o dilvio que vai

    resolver o problema do corao

    humano. O medo no faz o homem se

    converter. Fonte: http://migre.me/fgv5m

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    Ento o texto bblico aproveita a narrao do dilvio mesopotmico, que j

    era conhecida pelo povo assentado na Babilnia, para tirar o medo do povo: o

    dilvio passou, nunca mais haver dilvio sobre a terra!!

    E o cap. 9 fecha a narrao do dilvio com o sinal da aliana que Deus quer

    fazer de novo com o povo. Repetem-se as ordens dadas na Criao: Deus

    abenoou No e seus filhos, dizendo: Sejam fecundos, multipliquem-se e encham a

    terra (Gn 9,1.7). E repete a promessa de que no precisa ter mais medo, pois [...]

    nada mais ser destrudo pelas guas do dilvio, e nunca mais haver dilvio para

    devastar a terra (Gn 9,11).

    E muito significativo o sinal que Deus escolhe como smbolo dessa

    aliana: o arco-ris. O arco-ris aparece no cu quando acabou a tempestade e

    sinal de que comea a bonana e o

    sol j est aparecendo. Deus no

    quer ser identificado com o dilvio. O

    sinal de seu pacto, de sua aliana,

    ser o arco-ris. Por outro lado, no

    se trata de um sinal exclusivo de

    Israel, mas um sinal universal,

    porque a aliana tambm para

    todos os povos. Fonte: http://migre.me/fgvbp

    2.6 A Torre de Babel Gn 11,1-9 Com este texto chegamos ao ltimo episdio de Gn 1-11. Na narrao,

    comeo e fim claramente se correlacionam: o v.1 e o v.9 se complementam. No

    incio, todos esto juntos e tm uma s lngua. No final, todos esto dispersos,

    falando diferentes lnguas (SCHWANTES, 2007, p.40).

    Durante muito tempo, a maior cidade da antiguidade foi Babel ou Babilnia. Babel significa Portal dos deuses. A cidade tinha construes imponentes. [...] A maior construo em Babilnia era uma torre construda no centro da cidade, sobre um templo muito antigo. Na poca do exlio da Babilnia, os exilados contemplavam

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    esta torre [...] O rei Nabucodonosor levou 43 anos para construir [...] uma torre que simbolizasse suas conquistas. A torre dominava totalmente a cidade. Era vista de qualquer um dos bairros que se estendiam ao longo do rio Eufrates. (MESTERS & OROFINO, 2007, p.73)

    Portanto, a torre simbolizava o

    imprio, suas conquistas e sua poltica.

    smbolo tambm da arrogncia e

    prepotncia (uma torre que chegue at o

    cu, para ficarmos famosos... Gn 11,4).

    Essa prtica dos governantes fazerem

    construes para serem lembrados

    continua at hoje. Fonte: http://migre.me/fvAOH

    A partir desse contexto, podemos entender melhor os primeiros versculos

    da narrao. Estar unidos e falar a mesma lngua, que, em princpio poderia ser

    interpretado como coisa boa, so vistos por Deus como uma ameaa e como algo

    que no bom (v.6). Pois na verdade se refere realidade do exlio, onde os povos

    (Israel entre eles) so obrigados a ficarem na Babilnia e falando a lngua do

    imprio. Esto juntos, mas na marra, se puderem escolher, iriam logo embora, cada

    um para a sua terra. Nesse contexto o estarem juntos j no tem mais um sentido

    positivo. E assim que Deus o interpreta.

    comum interpretarmos o relato da torre de Babel, to somente como uma

    maldio, um castigo de Deus a toda a humanidade, dispersando as pessoas e

    confundindo as lnguas, devido ao orgulho e ganncia dos homens (SARTOREL;

    PAIXO, 2007, p. 47). Porm, lendo com mais ateno, percebe-se que o castigo

    para o imprio: a disperso supe deixar que os povos submetidos possam partir,

    sair da Babilnia. Cada povo poder voltar para a sua terra, falar sua prpria lngua,

    manter sua prpria cultura. Mas para os povos submetidos isso no um castigo,

    pelo contrrio, sua libertao e salvao.

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    Ento, temos que concluir que a unidade aparente, seria mais adequado

    falar de uniformidade. Falar a mesma lngua sinal de imposio cultural e no de

    unidade.

    Gn 11,1-9 o anncio de que Deus no quer o imperialismo, quer que cada

    povo tenha sua identidade (sua lngua) e possa viver livremente na sua terra

    (disperso).

    No v.5 podemos ver uma pitada de ironia. O projeto era chegar aos cus (a

    Deus), porm, o v.5 diz que Deus ainda teve que descer para ver o que os homens

    estavam aprontando. Isto , a pretenso humana absurda, pois o homem sempre

    vai ficar muito aqum do plano divino.

    Podemos resumir a histria esquematicamente como segue:

    X

    Figura 8 Resumo do relato da Torre de Babel

    Fonte: Elaborao prpria

    Em Gn 11,1-4, todas as aes tm como sujeito as pessoas. Enquanto que

    em Gn 11,5-8, as aes tm Deus como sujeito. Deus que transforma o quadro

    inicial de arrogncia do imprio em libertao para os povos.

    Gn 11,1-4

    Uniformidade Todos unidos Querem chegar aos cus Todos falando uma s lngua No se dispersar

    Israel no exlio da Babilnia

    Gn 11,5-8

    Deus desce Disperso Diversidade Cada povo fala sua lngua Castigo para o imprio Libertao para os submetidos

    Fim do exlio: Volta para Israel

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    Sugesto de leitura

    Para se aprofundar mais nos textos de Gn 1-11, sugiro que voc leia o livro:

    SCHWANTES, Milton. Projetos de esperana: meditaes sobre Gn 1-11. 2. ed. So Paulo: Paulinas, 2002.

    Milton Schwantes apresenta de maneira clara e amena a

    teologia dos primeiros livros do Gnesis. Fonte: http://migre.me/fCUAW

    Exerccio 4

    1. Analise os enunciados a seguir:

    I. Caim representa os sedentrios e Abel os nmades.

    II. Deus preferiu a oferenda de Abel porque era de mais qualidade.

    III. O sinal que Deus coloca em Caim para se vingar do culpado.

    a) Apenas os enunciados I e II esto corretos.

    b) Apenas os enunciados I e III esto corretos.

    c) Apenas os enunciados II e III esto corretos.

    d) Apenas o enunciado I est correto.

    e) Apenas o enunciado II est correto.

    2. A respeito do dilvio indique se os enunciados so verdadeiros ou falsos:

    I. O contexto do relato do dilvio o exlio na Babilnia.

    II. Uma das finalidades do relato que o povo tenha medo de Deus.

    III. O arco-ris o sinal da aliana universal que Deus faz com a humanidade.

    IV. Os exilados tinham uma situao privilegiada na Babilnia por pertencerem elite de Jerusalm.

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    V. O arco-ris era representao dos deuses da Babilnia.

    3. Marque a alternativa correta:

    a) A Torre de Babel estava situada em Israel.

    b) A disperso castigo para o imprio e para os povos submetidos.

    c) Falar a mesma lngua interpretado positivamente por Deus.

    d) O texto quer preservar a identidade cultural dos povos e sua liberdade.

    e) A mensagem do texto que Deus quer que todos os povos falem a lngua hebraica.

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    UNIDADE 3 O DEUS LIBERTADOR E O DEUS DA ALIANA: O LIVRO DO XODO

    O objetivo desta unidade introduzir o acadmico no estudo do livro do

    xodo: entender a escravido no Egito, o papel fundamental de Moiss na

    organizao para a libertao, a festa que celebra a sada do Egito e a libertao, a

    Pscoa, e, por ltimo, a Aliana do Sinai.

    Poder-se-ia dizer que o livro do xodo no Antigo Testamento o que os

    Evangelhos so para o Novo Testamento. A importncia deste livro por causa de

    trs grandes temas que perpassam todo o resto do Antigo Testamento e tambm o

    Novo Testamento: a revelao do Deus da vida e da libertao; a festa da Pscoa e

    a Aliana de Deus com seu povo.

    A palavra xodo uma palavra grega, que significa sada. O segundo livro da

    Bblia tem esse nome, fazendo referncia sada do Egito, que representa a maior

    faanha do Deus do Antigo Testamento, revelando-se como o Deus que quer a vida

    em liberdade e que reprova todo tipo de escravido e opresso. O povo sai do Egito

    com a inteno de entrar na terra prometida (Israel), mas entre a sada e a entrada,

    tero que fazer uma longa caminhada pelo deserto. A travessia do deserto muito

    significativa, porque no se trata apenas de sair de um pas para entrar em outro. A

    caminhada no apenas geogrfica, mas , sobretudo, espiritual.

    O caminho do xodo tem um sentido profundamente pedaggico, ou seja, sua histria quer ensinar e manter viva na memria das pessoas uma lio de vida. Nele est presente um projeto de libertao [...] Ao se colocar em marcha, esse grupo ir viver uma experincia singular com seu Deus. O Deus que ir se revelar no deserto um Deus que tambm se pe em marcha com seu povo. [...] Deus peregrino, pois habita em cabanas no meio do seu povo (VILLAC & SCARDELAI, 2011, p. 27).

    O tempo do deserto um tempo de encontro com um Deus diferente

    daquela religio que tinham conhecido no Egito. um tempo para amadurecer como

    povo que quer se estruturar de maneira diferente, viver na liberdade, guiados e

    protegidos por Jav, Deus que se apresenta como uma divindade prxima, que guia

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    e protege. Assim, quando chegarem Terra Prometida, tero condies de se

    organizar como povo com estruturas mais justas e igualitrias. o que Israel vai

    tentar nos quase dois sculos de Tribalismo. Aps o perodo tribal, Israel ter a

    experincia da monarquia, quando, infelizmente, as estruturas de opresso e de

    trabalhos forados voltam a ser uma realidade.

    3.1 Israel escravo no Egito (Ex 1,1-15,21) O xodo no d o nome do Fara ao qual se referem os episdios narrados

    nos primeiros captulos do livro, porm, a informao de Ex 1,11 ([...] construram

    para o Fara as cidades-armazns de Pitom e Ramss), faz com que se possa

    datar o xodo no sculo XIII a.C., na poca do Fara Ramss II.

    Fala-se da escravido de Israel no Egito e da sada deste povo da

    escravido, mas, na realidade, Israel no foi o nico povo a ficar escravo no Egito e

    tambm no podemos identificar o grupo que saiu da escravido com o povo de

    Israel, pois o prprio texto bblico identifica o grupo que saiu do Egito como hebreus

    (Ex 1,16.19; 2,6-7.11; 3,18). Israel o resultado da juno desse grupo que saiu do

    Egito e mais outros grupos que se uniro a eles uma vez assentados na terra de

    Cana.

    O sistema social que se descreve no Gnesis (Gn 47) e que de fato vigorava no Egito era o que os cientistas chamam de Modo de Produo Asitico (MPA). O povo dos campos no era escravo no sentido de ser uma propriedade privada de pessoas ricas que pudessem compr-los ou vend-los a seu bel-prazer. Pelo contrrio, todo o povo devia ao Estado trabalho quando o Estado o exigisse. (PIXLEY, 1987, p.17)

    Sugesto de leitura

    Para saber mais a respeito da formao do povo de Israel e os diferentes grupos que se uniram ao redor do mesmo projeto: vida em liberdade e longe dos grupos dominantes, sugiro a leitura do livro: GASS, Ildo Bohn (org.). Uma introduo Bblia. Formao do povo de Israel. Vol. II. 4.ed. So Paulo:Paulus. So Leopoldo, RS: CEBI, 2003.

    Fonte: http://migre.me/fCUxw

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    Mas que significa hebreu? sinnimo de israelita? Trata-se de um termo

    que no se refere a uma etnia ou nao, mas sim a uma classe social: aquele que

    est fora da lei, o excludo, quem est margem da sociedade. Hebreus e hebreias

    so todos os pobres que tomam conscincia de sua dignidade e lutam para que ela

    se torne realidade (GASS, 2012, p.17).

    E interessante que Deus se apresenta como Deus dos hebreus, Deus

    desse grupo de pessoas excludas, que reivindicam uma vida melhor, longe dos

    opressores:

    3.1.1 Dois projetos contrrios

    Segundo Ex 1,10, com a escravido, o Fara pretendia que o povo no se

    multiplicasse, pois via o povo como uma ameaa. J desde o incio vemos dois

    projetos encontrados:

    x De um lado, j conhecemos o projeto de Deus, que um plano de vida:

    9 Gn 1,28: sejam fecundos, multipliquem-se, encham e submetam a terra.

    9 Quando Deus chama Abrao, diz: Eu farei de voc um grande povo (Gn 12,2).

    x Do outro lado, o Fara quer exatamente o contrrio: que o povo no se multiplique, trata-se de um plano de explorao e morte. E para isso, ele toma trs medidas:

    9 Primeira: a escravido (Gn 1,10). Mas esta estratgia no deu certo, pois, quanto mais oprimiam o povo, tanto mais crescia e

    se multiplicava (Gn 1,12).

    [...] Ento voc ir com eles at o rei do Egito e lhe dir: Jav, o Deus dos hebreus, veio ao nosso encontro [...] (Ex 3,18)

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    9 Segunda: ordena s parteiras que quando elas forem assistir s mulheres hebreias, se for menino, matem; se for menina,

    deixem viver (Gn 1,16). Esta medida tambm no deu certo,

    pois as parteiras temeram a Deus (v.17).

    9 Terceira: o Fara mandou todo o povo: Joguem no rio Nilo todo menino que nascer (Gn 1,22).

    este confronto entre dois planos contrrios que est por trs da primeira

    parte do livro do xodo (Ex 1-15). Os hebreus, no Egito, conheceram a religio do

    fara, que legitimava a opresso. O fara era considerado filho do deus do Egito.

    Portanto, o povo sabia da vontade de deus escutando e obedecendo as leis do

    fara. Desobedecer ao Fara era desobedecer a lei de deus.

    O fara era um deus encarnado, segundo a ideologia religiosa egpcia [...].

    Os reis locais se dirigiam a ele como o Sol de todas as terras e como o deus

    (LIVERANI, 2003, p.38).

    Veja na figura a seguir o lugar que ocupava deus na religio do Egito:

    deus - Fara

    Povo

    Na religio do Egito, deus ficava do lado do Fara, legitimando seus planos,

    e distante do povo.

    Em Ex 3-4 Deus chama Moiss com uma misso:

    3,7: Eu vi muito bem a misria do meu povo que est no Egito. Ouvi o seu clamor contra seus opressores, e conheo seus sofrimentos.

    3,8: Por isso, desci para libert-lo do poder dos egpcios e para faz-lo subir dessa terra para uma terra frtil e espaosa, terra onde corre leite e mel [...].

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    Deus no indiferente ao sofrimento e opresso. Ele v a opresso e decide

    intervir, descer.

    3,10: Por isso, v. Eu envio voc ao Fara, para tirar do Egito o meu povo, os filhos de Israel Isto , a descida de Deus vai se concretizar por meio da figura de

    Moiss, que ser o encarregado de organizar o povo para sair do Egito.

    3,13: Moiss pergunta a Deus qual o seu nome. E Deus responde: [...] Eu

    sou aquele que sou [...]. Mas que significa esse nome? Deus responde com o nome

    Jav, que no hebraico um verbo, que significa

    ser, estar e existir. Esse verbo est conjugado na

    primeira pessoa, isto , teramos que traduzir

    como: eu sou o existente, eu sou aquele que

    est, aquele que realmente , diferente dos dolos, que no so reais, no existem.

    Eu sou aquele que est, ou seja, eu sou aquele que est no meio do povo, aquele

    que guia, que protege, que se compromete com a vida do povo, que no est

    distante, indiferente, mas faz sua tenda no meio do povo. Poderamos traduzir Jav

    com outro nome bem conhecido de Deus: o Emanuel, Deus conosco.

    Nesse momento, em que inicia o processo de libertao e em que Deus diz

    que est disposto a libertar o povo por meio de Moiss, Ele manifesta seu nome que

    tem tudo a ver com essa misso: ao contrrio do que eles conheciam no Egito, Jav

    est no meio do povo, acampa com ele, quer que o povo tenha vida, quer fazer

    aliana com ele para selar esse compromisso. Portanto, agora, a experincia do

    povo com Deus comea a ficar bem diferente:

    Povo - Deus

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    Isto supe uma revoluo religiosa, pois Deus declara que Ele diferente do

    deus do Egito. O povo no pode confundir as coisas, pois a caracterstica de Jav

    que ele no abandona o povo.

    3.2 Pragas e Pscoa O relato sobre as pragas deve ser entendido a partir do pano de fundo do confronto de dois projetos contrrios. O povo conhecia o poder do Fara e de seu

    deus, que se apresentavam como onipotentes e est conhecendo agora o poder de

    Jav. De um lado o projeto de opresso e morte e, do outro lado, o projeto de vida.

    Mas quem tem mais poder? Ser que vale a pena confiar no poder do Deus Jav?

    Ou ser mais inteligente se render ao poder do Fara?

    At agora, Deus tinha tentado resolver o problema de boa maneira, mediante o dilogo do rei com Moiss. Em vista do fracasso, decide atuar [...] (7,4). E comea o grande confronto, expressado atravs das pragas. Se Moiss conta com a ajuda de Deus (a vara prodigiosa), o fara conta com a ajuda de seus magos. (SICRE, 2000, p. 100).

    O relato vai mostrando em sucessivas etapas o poder de Jav, que se

    apresenta como definitivamente superior e invencvel. Os magos do fara,

    representantes de seu poder, conseguem repetir os dois primeiros prodgios (Ex

    7,22; 8,3), mas no conseguem repetir o terceiro prodgio (Ex 8,14), e a partir desse

    momento prevalece o poder de Jav, por meio dos prodgios realizados por Moiss e

    Aaro.

    A sequncia de prodgios acaba com a morte dos primognitos dos egpcios.

    Aqui temos que lembrar que em Ex 1, o fara queria a morte dos meninos dos

    hebreus. No desfecho da histria, a morte bate na porta do fara, ou seja: o feitio

    vira contra o feiticeiro. E fica claro quem o mais poderoso e que o povo pode

    confiar em Jav como um Deus poderoso, que quer a vida do povo.

    A vitria tem que ser celebrada. A Pscoa (Ex 12-13) a festa em que Israel

    vai celebrar a vitria contra os egpcios, que supe a libertao das garras do fara e

    o comeo de uma vida diferente sob a guia de Jav.

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    A palavra Pscoa significa passagem e celebra a sada da escravido e a

    passagem para a liberdade; passagem de estar submetidos ao fara, que escraviza,

    a estar guiados por Jav, que protege. Isso, sem dvida, motivo de muita festa (cf.

    cntico de vitria em Ex 15, 1-21).

    A Pscoa devia ser celebrada em famlia (Ex 12,3). Cada famlia deve pegar

    um cordeiro. Mas, ateno, se a famlia for muito pequena para dar conta de um

    cordeiro, ento, devem chamar os vizinhos para comer junto (Ex 12,4). importante

    que a festa no seja motivo de esbanjo, de desperdcio: o tamanho do animal deve

    ser conforme o nmero de pessoas (v.4), no deixaro restos para o dia seguinte;

    se sobrar alguma coisa, devem queim-la no fogo (Ex 12,10).

    A experincia da libertao era to importante que tinha que ser transmitida

    e atualizada por todas as geraes: Esse dia ser para vocs um memorial, pois

    nele celebraro uma festa de Jav. Vocs o celebraro como um rito permanente,

    de gerao em gerao (Ex 12,14). O rito da festa inclua perguntas e respostas

    que explicassem s novas geraes o sentido da festa: Quando seus filhos

    perguntarem: que rito este? vocs respondero: o sacrifcio da Pscoa de

    Jav (Ex 12,26-27; cf Ex 13,14). importante que as novas geraes entendam a

    importncia da festa e o que significa cada detalhe: Nesse dia voc explicar ao

    seu filho: Tudo isso pelo que Jav

    fez por mim quando eu saa do Egito

    (Ex 13,9).

    Por ltimo, temos que lembrar

    que a pscoa era uma ceia, uma

    refeio. As primeiras comunidades

    crists tambm celebravam a

    eucaristia em uma ceia (1 Cor 11,20-

    21).

    Fonte: http://migre.me/fvB3O

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    3.3 Caminhada pelo deserto

    Em Ex 15,22 comea a caminhada pelo deserto. Ser uma caminhada longa

    at chegar Terra Prometida. A entrada em Cana acontece apenas no livro de

    Josu. Portanto, at o final do Pentateuco, o povo permanece no deserto, umas

    vezes parado (como no Sinai), outras vezes caminhando rumo Terra Prometida.

    O mapa a seguir mostra as possveis trajetrias do povo at a chegada

    Terra Prometida. muito difcil reconstruir o caminho. So vrias as teorias. Confira

    no mapa a seguir.

    Figura 8 Possveis trajetrias do xodo

    Fonte: Auth, 2001.

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    Ser uma caminhada longa e nada fcil. O grupo de hebreus que fugiu do

    fara vai encontrar todo tipo de dificuldades: sede (Ex 15,22-27; 17,1-7), fome (Ex

    16); batalhas com outros grupos (Ex 17,8-16). Mas no para por a, o grupo ter que

    enfrentar tambm sua prpria insegurana, muitas vezes surgem vozes contra o

    movimento de libertao e pensam at em desistir e voltar para o Egito: ser que

    no havia sepulturas l no Egito? Voc nos trouxe ao deserto para morrermos [...]

    (Ex 14,11; cf. Ex 15,24; 16,3; 17,3; etc.).

    A liberdade desejada, mas tem um

    preo e nem sempre o povo est

    disposto a pagar seu preo. A falsa

    segurana do Egito no pode prevalecer,

    custe o que custar. preciso olhar para

    frente, marchar (Ex 14,15b) (VILLAC e

    SCARDELAI, 2011, p.28).

    Fonte: http://migre.me/fvB9g

    A sensao que h momentos em que parece que Deus abandona seu povo! So alguns dos grandes desafios colocados diante do projeto de construo do povo. Na verdade, a pedagogia do deserto para ensinar que as privaes ali experimentadas so para reforar o esprito de solidariedade e a conscincia da liberdade de um povo (VILLAC & SCARDELAI, 2011, p. 29)

    3.3.1 Novas estruturas sociais

    Vamos focar nossa ateno em dois textos muito sugestivos quanto s novas

    estruturas que Jav quer para seu povo.

    Em primeiro lugar, um texto muito conhecido: Ex 16, o man. Israel estava

    com fome, murmura, reclama a Moiss, e Jav acaba resolvendo o problema com o

    man. O man resolve o problema da fome, mas tem algumas orientaes que o

    povo tem que respeitar:

    x Cada um tem que sair e recolher cada dia o quanto lhe basta para comer (Ex 16,16). Eles obedeceram a ordem. Porm, Moiss d mais

    uma ordem, que no obedecida: [...] Ningum guarde para amanh

    seguinte. Mas eles no deram ouvidos a Moiss, e alguns o

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    guardaram para o dia seguinte. Porm, criou vermes e apodreceu. Por

    isso, Moiss ficou indignado contra eles (Ex 16,19-20).

    x No sexto dia, recolhiam o dobro, pois o sbado deve ser dia de descanso, reservado a Jav (Ex 16,22-23). Porm, havia tambm uma

    proibio: Comam hoje, porque hoje um sbado de Jav. Hoje

    vocs no encontraro alimento no campo (Ex 16,25). Porm, alguns

    desobedeceram ordem e saram esperando encontrar man tambm

    no sbado. E nesse caso, Jav que fica irritado com eles (Ex 16, 28).

    O texto quer demostrar mais uma vez a importncia do descanso para

    no cair de novo na escravido a que foram submetidos no Egito.

    O recado desta passagem o mesmo que encontramos no Pai Nosso: pedir

    o nosso po de cada dia e no ficar preocupados demais com as coisas materiais:

    Portanto, no fiquem preocupados, dizendo: O que vamos comer? O que vamos beber? O que vamos vestir? Os pagos que ficam procurando essas coisas. O pai de vocs, que est no cu, sabe que vocs precisam de tudo isso. Pelo contrrio, em primeiro lugar busquem o Reino de Deus e a sua justia, e Deus dar a vocs, em acrscimo, todas essas coisas. Portanto, no se preocupem com o dia de amanh, pois o dia de amanh ter suas preocupaes. Basta a cada dia a prpria dificuldade (Mt 6,31-34).

    O outro texto interessante Ex 18,13-27. O sogro de Moiss, Jetro, saiu ao

    encontro de Moiss no deserto e quando chegou e viu a organizao do povo, faz

    uma crtica ao jeito de Moiss exercer a liderana: O que voc est fazendo no

    est certo. Voc est matando, tanto a si mesmo como ao povo que o companha.

    uma tarefa muito pesada e voc no pode faz-la sozinho (Ex 18,18).

    Afinal, o que foi de to errado que Jetro viu? Ele viu Moiss como liderana

    nica; tudo dependia dele (Ex 18,14). E isso no est certo. A liderana deve ser

    dividida, at para evitar que o lder caia na autossuficincia e na arrogncia.

    Jetro d alguns conselhos que so acolhidos por Moiss com humildade.

    Moiss vai continuar sendo liderana indiscutvel, porm, haver outros lderes

    dividindo a responsabilidade junto com ele. Jetro diz que ele deve escolher esses

    lderes, mas seguindo alguns critrios, no serve qualquer um. O poder pode

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    corromper pessoas que no so aptas para tal. Vamos ver quais so esses critrios.

    Ateno!

    Os critrios so interessantes, at para os dias de hoje. Tem que ser algum

    dentre o povo, no adianta algum que cai de paraquedas, que no conhece a

    realidade e os anseios do povo. Homem (ou mulher) capaz e temente a Deus,

    caractersticas que no devem ser confundidas com ir missa, participar do culto ou

    aparecer em uma procisso, claro que muito mais srio, trata-se de realmente

    serem pessoas comprometidas com o projeto de Deus e com os valores

    evanglicos, ficando sempre de parte dos mais desprotegidos. Pessoas seguras e

    inimigos do suborno, isto , pessoas ntegras, maduras, seguras de si e com

    princpios.

    No basta dividir o poder, as pessoas tm que ser escolhidas com critrio!!!

    Essas dicas tambm valem para hoje!!!

    muito significativo que quem observa o problema algum que no fazia

    parte do movimento, algum que v o problema desde fora. Quem estava com

    Moiss no deserto, no conseguia ver o problema, muito menos a soluo. E isso

    faz pensar nas nossas igrejas: no devemos nos fechar aos comentrios e crticas

    que vm de fora, pois s vezes no conseguimos ver os prprios problemas, no

    conseguimos enxergar que pode ser diferente. E precisamos ter a humildade de

    Moiss: escutar e... por que no, mudar a nossa prtica, quando for necessrio.

    3.4 Aliana Quando pensamos na aliana, logo vem na nossa mente a aliana que

    trocam os casais em sinal do amor e fidelidade. E esse o sentido que tem tambm

    a aliana bblica, s que neste caso, o pacto de amor e fidelidade entre o Deus

    Jav e o povo (os hebreus). Deus se compromete a estar sempre junto com o povo,

    Escolha entre o povo homens capazes e tementes a Deus, que sejam seguros e inimigos do suborno [...] Os assuntos graves eles traro a voc; os assuntos simples, eles prprios resolvero [...] (Ex 18,21-22).

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    proteg-lo e gui-lo; e o povo se compromete a ser fiel a Jav e cumprir os seus

    mandamentos.

    A iniciativa da aliana de Deus (Ex 19,3-4), se o povo aceitar fazer aliana

    com Jav, os prodgios que conheceu no passado (libertao da escravido do

    Egito), podero se repetir no futuro: se me obedecerem e observarem a minha

    aliana, vocs sero minha propriedade

    especial [...] (Ex 19,5). Mas mesmo

    sendo uma coisa boa para o povo, Deus

    no impe, mas prope. O povo ter que

    aceitar, do contrrio no haver aliana.

    Como vemos que acontece tambm nas

    alianas humanas: no basta uma parte

    querer, as duas tm que querer e estar l

    de livre e espontnea vontade.

    Fonte: http://migre.me/fgtGz

    Mas o povo aceita a proposta e disse a Moiss que aceitava a aliana:

    Faremos tudo o que Jav mandou. E Jav transmitiu a Jav a resposta do povo

    (Ex 19,8).

    A partir desse momento, se estabelece entre as duas partes uma comunho

    de vida, uma comunho de interesses e uma relao de propriedade e de

    exclusividade. A partir de agora,