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Autora Marta Morais da Costa 2008 Teoria da Literatura II Esse material é parte integrante do Videoaulas on-line do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.videoaulasonline.com.br

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AutoraMarta Morais da Costa

2008

Teoria da Literatura II

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C837 Costa, Marta Morais da. / Teoria da Literatura II. / Marta Morais da Costa. — Curitiba : IESDE Brasil

S.A., 2008.212 p.

ISBN: 978-85-7638-860-9

1. Língua Portuguesa – Redação. 2. Literatura Épica. 3. Nar-rativa – Literatura. 4. Análise do Discurso. I.Título.

CDD 808.0469

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Sumário

Natureza do fenômeno literário | 7Os conceitos do discurso literário | 7O discurso literário: características | 12

Gêneros literários: conceituação histórica | 19O que é gênero literário? | 19O conceito na Antigüidade clássica e medieval | 21O conceito no Renascimento | 23O conceito no Romantismo | 23Conceitos ao longo dos séculos XIX e XX | 24A perspectiva da atualidade | 26

Gêneros literários: o lírico | 31O que é poesia lírica? | 31A concepção musical da Antigüidade | 34Lirismo, subjetividade e sentimento | 35Lirismo e visualidade | 37

Gêneros literários: o épico ou narrativo | 45O que é o gênero épico? | 45Preceitos aristotélicos sobre a epopéia | 47A passagem do épico ao romance | 48Os tipos de epopéias | 50

Gêneros literários: o dramático | 57A teoria aristotélica do trágico | 57A dramaturgia épica | 61As duas linguagens do gênero dramático | 62Texto dramático e texto cênico | 64Formas principais do gênero dramático | 66

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Gêneros literários: o ensaístico | 75O gênero de fronteira | 75O ensaio | 76A crítica literária e suas funções | 78O ensaio no discurso literário: a metaficção e a metapoesia | 79

A linguagem poética: poema x poesia | 85O objeto e funções da poesia | 85A metáfora e a metonímia | 91Poemas de forma fixa | 92

A linguagem poética: o ritmo e a rima | 103Palavra poética e música | 103Versos e ritmos | 104Versos e estrofes | 113Rimas e figuras de efeito sonoro | 114

A estrutura da narrativa: romance | 127Nascimento e evolução do romance | 127Ficção e realidade | 129Tipologia do romance | 131

A estrutura da narrativa: elementos do romance | 145O foco narrativo | 145Ação: história e discurso | 149Espaço e tempo: realismo e imaginário | 151As personagens e modos de representação | 153

A estrutura da narrativa: conto e novela | 161Características de conto e da novela | 161A ação e a representação da realidade no texto narrativo | 165Tipologia da narrativa curta | 169

A estrutura da narrativa: crônica e ensaio | 175Crônica, tempo e realidade | 175A importância literária da crônica | 177O ensaio como literatura | 182

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Apresentação

O estudo teórico da literatura implica conhecer os modelos que orientaram, explícita ou implicitamente, a criação de textos literários ao longo da história da cultura. Assim, uma disciplina que se proponha a investigar os gêneros literários, como esta que ora apresentamos, procu-ra trazer informações que esclareçam a origem de termos e conceitos, os textos mais importantes dos diferentes gêneros e subgêneros, bem como a classificação e as diferenças e semelhanças estabelecidas entre os tex-tos, na medida em que eles foram se espelhando e interagindo uns com os outros.

O primeiro objetivo da disciplina é apresentar as linhas gerais que definem os três gêneros literários clássicos: o lírico, o épico e o dramáti-co. Ao mesmo tempo, os conteúdos mostram que essa classificação não é definitiva e permanente, em especial na atualidade, momento em que a cultura e a literatura passam por alterações profundas dos paradigmas da ciência e da arte.

Um segundo objetivo é o de tratar em forma mais minuciosa as principais características desses três gêneros, e as possíveis classificações de subgêneros que eles contêm. Para atender a esse objetivo, também são tratados tópicos teóricos que abordam os aspectos de identidade de cada gênero, seja os relativos aos conteúdos e à contextualização histórica , seja aqueles que dizem respeito aos aspectos discursivos.

Um terceiro objetivo é o de apresentar as idéias manifestas em tex-tos literários, com sua transcrição parcial, acompanhada de comentários sintéticos e objetivos. Privilegia-se, portanto, o estudo do texto literário como base para melhor compreensão das idéias teóricas expostas. Afinal, a literatura é composta pelos textos literários; a teoria lhes é posterior e explicativa.

Um último objetivo é o de expandir o sentido da leitura da litera-tura para outras expressões artísticas, criando relações entre literatura e artes, como a música, o teatro, as artes plásticas e o cinema. A intenção é favorecer a ampliação do sentido da literatura para integrá-la à cultura humana e ao momento histórico.

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A tarefa de atingir a esses objetivos permite que, em cada assunto tratado, as informações trazidas favoreçam a reflexão do leitor e o desejo de conhecer melhor as obras citadas. Estas constituem uma biblioteca mínima para o aprofundamento dos tópicos desenvolvidos, dado que a aprendizagem integral se faz também com a continuidade dos estu-dos, fora dos limites da orientação do profissional docente, quando o estudante se lança, por desejo e vontade próprios, à leitura e à pesquisa complementares.

Por fim, a teoria da literatura que trata dos gêneros literários auxi-lia fortemente na compreensão do fato literário e nas razões que orienta-ram os escritores a criar poemas, narrativas e peças de teatro filiados de alguma maneira a textos anteriores e a concepções discursivas que fo-ram se repetindo ao longo dos tempos. É a permanência de algumas ca-racterísticas que, guardadas as devidas proporções e contextualizações, continuam a direcionar o pensamento criativo ou a serem combatidas por esse pensamento, na busca de novas formas de expressão escrita.

A leitura de poemas, peças teatrais ou narrativas, realizadas com o embasamento teórico correspondente e atualizado, cresce e se dina-miza, capacitando o leitor a se comunicar com qualidade com os tex-tos literários, prioritariamente, e depois com o mundo que esses textos apresentam, representam e presentificam. Porque, teoria e prática são os fundamentos da aprendizagem, do conhecimento e do refinamento da sensibilidade e do senso estético.

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Natureza do fenômeno literário

Marta Morais da Costa*Para tratar da natureza do fenômeno literário, convém lembrar que ele é uma criação histórica,

ideológica e mutante. Isso se deve a vários fatores: o primeiro deles diz respeito à idéia que se faz sobre a constituição do que seja um texto literário, que resulta em uma unidade completa e polissêmica. Para tanto, convém analisar a natureza do texto literário para que seja possível estabelecer alguns parâme-tros de avaliação e julgamento.

Os conceitos do discurso literárioOs sentidos atribuídos ao termo literatura variaram ao longo da história e apresentam variáveis

em cada leitor. As diferentes acepções do termo não se referem apenas ao caráter singular de cada indi-víduo ou de cada época histórica. São inerentes à natureza do objeto que estudamos.

O texto literário se qualifica muito mais pelas diferenças que apresenta quando comparado aos não-literários do que por seu próprio e mutável modo de ser. Portanto, tratar de textos literários implica conhecer as infinitas nuances que eles vão assumindo na obra de um mesmo autor, nos autores de uma mesma geração, na sucessão de autores, obras e épocas literárias e artísticas.

Apesar da dificuldade decorrente dessa mutabilidade, é possível verificar que algumas caracte-rísticas permanecem ao longo do tempo. É sobre essas qualidades permanentes que este capítulo vai discorrer.

Manuel Bandeira (1886-1968), poeta brasileiro, escreveu no poema “Testamento” a seguinte estrofe:

* Doutora em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (USP). Licenciada em Letras Português–Francês pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).

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[...]Vi terras da minha terra,Por outras terras andei.Mas o que ficou marcadoNo meu olhar fatigado,Foram terras que inventei. [...]

(BANDEIRA, 1970)

É possível encontrar nesses poucos versos uma das razões da existência da literatura: ver terras, andar por espaços reais deixam marcas no ser humano viajante, mas o que realmente tem importân-cia é a invenção, aquilo que, se não existe em algum lugar, existe no desejo do escritor. E é o fato mais importante, mais real do que a própria realidade. Essa condição de criação de realidades, a partir de es-tímulos do concreto, do referencial, do observável, é a condição básica da literatura. Mesmo que esteja lastreada no real, é pela capacidade de recriação, de refeitura, de tradução em palavras que o mundo ganha existência.

Mais concretamente, a literatura se apóia necessariamente em cinco elementos indispensáveis: um autor, um leitor, um texto, uma língua e um referente (COMPAGNON, 1999). Essa associação é a base de qualquer reflexão teórica, que pode tratar do todo ou de partes específicas de cada um desses elementos.

Do ponto de vista da autoria, é cada vez mais freqüente a separação entre a biografia do autor e o texto literário que escreveu. Roland Barthes, em artigo de 1968, intitulado “La mort de l’auteur” (A morte do autor), trata o produtor do texto como um “personagem moderno”, encarnação do indivíduo burguês, contaminado pela ideologia do capitalismo, o proprietário do texto (COMPAGNON, 1999). Para Barthes, deve-se levar em consideração a linguagem, impessoal e anônima, portanto valorizando mais a transformação do escritor em discurso, isto é, numa organização textual histórica e ideologicamente marcada na linguagem. É com linguagem que o leitor conhece o autor. Portanto, o que ele viveu e pen-sou na sua realidade pessoal pode não ter originado ou aparecer na íntegra naquilo que escreveu e no assunto ou tema de que tratou. Cabe ao leitor compreender no texto o que ele diz, independentemente das intenções do autor. O new criticism norte-americano considerava a relação texto–intenção do autor como intentional fallacy, ou “ilusão intencional” ou “erro intencional”. Em 1969, o filósofo Michel Foucault na conferência “Qu’est-ce qu’un auteur?” (O que é um autor?) também tratou dessa questão e concluiu que a atividade do leitor pode acontecer mesmo que ele nada saiba sobre o autor e suas intenções. O foco principal da literatura é o texto: dele sairão os sentidos, as relações do interior do texto e do texto com os demais textos da realidade.

Quanto ao leitor, seu lugar é o da compreensão e da interpretação do discurso literário. A evo-lução histórica da importância atribuída ao papel do leitor demonstra que houve, a partir da segunda metade do século XX, a valorização cada vez mais intensa de sua atividade. Surge em 1967, no discurso de Hans Robert Jauss, na abertura do ano letivo da Universidade de Constança, na Alemanha, a “estética da recepção”, uma corrente da teoria que reavalia a história da literatura a partir dos modos de ler e do desempenho interpretativo do leitor. O aspecto mais significativo dessa teoria é o de que o texto já con-tém, na sua organização verbal, a pressuposição do trabalho do leitor. Em outras palavras, ao escrever a obra o autor já visualiza sua recepção, já compõe no próprio texto literário uma figura de leitor, prevê as

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reações dele no modo como descreve, por exemplo, uma cena romântica, ou de suspense, ou de humor. Há, quando se considera a organização verbal da obra, um certo controle sobre o modo como o leitor entenderá o texto e reagirá a ele. Esses componentes de previsão da recepção do texto, outro teórico da “estética da recepção”, Wolfgang Iser (1996), denominará “leitor implícito”. (ISER, 1996)

A linguagem como distinção entre discurso literário e não-literárioQuanto ao componente “língua” de uma obra literária, Compagnon explica que, mesmo em se

tratando de neologismos, o texto literário somente será compreensível se houver um conhecimento lingüístico mais ou menos comum aos dois sujeitos do diálogo literário: o autor e o leitor. Mais do que uma compreensão lingüística do texto (sintaxe, léxico, morfologia, semântica), o discurso literário fará uso subversivo das normas da língua, buscando a expressão que melhor se ajuste à rede de sentidos que o texto quer criar. Rede que terá como objetivo a recriação da língua cotidiana, o estabelecimento de patamares poéticos, que criam uma camada mais densa de significados e, principalmente, coloca esses significados em uma proposital rede de relações semânticas hiper-significativa.

Ah! toda alma num cárcere anda presa,Soluçando nas trevas, entre as gradesDo calabouço olhando imensidades,Mares, estrelas, tardes, natureza.

(CRUZ E SOUSA, 1981)

Nesse fragmento de poema de Cruz e Sousa, pode-se observar como a descrição da natureza físi-ca (trevas, mares, estrelas, tardes) não se referem a sua forma concreta, mas devem ser entendidas como metáforas, figuras que apontam para modos de ser íntimos, da alma. Entre as palavras ali apresentadas, também se observa uma relação de correspondência de sentidos: as trevas da noite são as trevas da alma (a dor, o sofrimento, a angústia e outros). O calabouço é mais a prisão do corpo, que evita que a alma possa subir às imensidades do espírito.

A linguagem cotidiana visa mais a ação e a informação, para atingir o nível da compreensão, mas dificilmente pede atitude interpretativa, como o faz sempre a literatura.

Vejamos como isso ocorre em textos concretos.

A mesma engenharia que encurtou assombrosamente as distâncias entulhou o mundo com automóveis que atra-vancam as vias expressas e cuja fumaça promete esturricar o planeta. Na tentativa de compreender os mistérios que permeiam uma estranha economia na qual mais e menos não se anulam, muitos se puseram a analisar seus eventos capitais – especialmente a Segunda Guerra Mundial, aquele que talvez seja o mais importante dos acontecimentos do século XX (CASTRO, 2007).

As informações fornecidas são o objetivo principal do texto: as conseqüências negativas do avan-ço tecnológico, a existência de pesquisadores que tentam compreender o fenômeno, a Segunda Guerra Mundial, como acontecimento histórico importante.

Outra é a intenção de Carlos Drummond de Andrade ao enfocar o mesmo momento histórico quando escreve “Carta a Stalingrado”, sobre um dos episódios épicos, heróicos da Segunda Grande Guerra: a resistência extrema, até a total destruição da cidade de Stalingrado (hoje Volgogrado), para não se render ao exército alemão nazista.

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Stalingrado...Depois de Madri e de Londres, ainda há grandes cidades!O mundo não acabou, pois que entre as ruínas Outros homens surgem, a face negra de pó e de pólvora,E o hálito selvagem da liberdadeDilata os seus peitos que estalam e caemEnquanto outros, vingadores, se elevam.

A poesia fugiu dos livros, agora está nos jornais.Os telegramas de Moscou repetem Homero.Mas Homero é velho. Os telegramas cantam um mundo novoQue nós, na escuridão, ignorávamos.

(DRUMMOND, 1971, p. 130)

Mais do que o assunto, o que sobressai é a seqüência de imagens com intenção de exaltar o foco de resistência (“homens, a face negra de pó e de pólvora”), a poética metáfora (“o hálito selvagem da liberdade”), o conflito em imagens de morte e vida, contraditórias e humanas (“seus peitos que estalam e caem” opostos a “outros, vingadores, se elevam”), a sonoridade do jogo de palavras (pó e pólvora) e a seqüência de verbos que dinamiza o verso (estalam, caem, elevam). Esses procedimentos comprovam que o texto busca outros efeitos que não são apenas os de informar o leitor.

Além dessas qualidades, a percepção de que a literatura de teor lírico e estético recua ante o hor-ror da guerra, substituída pelo texto não-literário do jornal, mais objetivo e informativo.

Vemos, portanto, na comparação entre os dois textos, aparecerem características e funções dife-rentes que permitem compreender que a literatura tem uma natureza própria e uma função que ultra-passa a notícia ou fato, obrigando o leitor a interpretar o que lê, não apenas a conhecer o assunto de que o texto trata. Essa diferença exemplifica bem a afirmação de que a “literatura é tradicionalmente uma arte verbal”.

É exatamente nas palavras – no verbal – que podemos encontrar e valorizar o caráter estético da literatura. A linguagem entendida como “todo sistema de comunicação que utiliza signos organizados de modo particular” no dizer do lingüista Iuri Lotman ( apud PROENÇA FILHO, 1986). A língua é um siste-ma de signos e a linguagem é uma atividade produzida pelo falante-escritor sobre esse sistema. Portan-to, a investigação sobre a natureza da literatura não pode, em hipótese alguma, ignorar a atividade do escritor sobre o sistema da língua. É na linguagem que se revela a qualidade do texto literário. É dessa atividade, exercida de modo pessoal e particular, que se forma o estilo individual de cada escritor.

Pode-se concluir que uma das distinções entre o discurso literário e o não-literário é que o primei-ro, enquanto objeto lingüístico, está apoiado na conotação, na plurissignificação (em que os sentidos se multiplicam pela força da interpretação do leitor), enquanto o texto não-literário é monossignificativo, de sentido mais fixo e comum a todos os leitores.

A literatura enquanto criação: o autor e o leitorA partir do século XIX, o critério de valoração do texto literário recebeu impulso com a defesa da

idéia de que a busca do novo era um padrão indispensável aos textos denominados literários. As no-

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ções de criatividade, individualidade e subjetividade introduzem o pensamento de que o texto literário somente mereceria valor se apresentasse qualidades de inovação.

O autorO caráter criativo do texto literário decorre do exercício de liberdade do artista, seja na questão da

linguagem e da multiplicação dos sentidos, seja porque, por estar inserida em uma cultura, a literatura realiza um movimento duplo de respeito à tradição cultural dos povos e a busca de romper com essa tradição, instaurando o novo, o diferente, o incomum.

Essa perspectiva dialética pode ser conferida na sucessão dos estilos de época – ou períodos literários ou tendências estéticas – ao longo da história. Eles correspondem às respostas que a arte li-terária foi atribuindo ao modo diferente de interpretar o mundo, próprio de cada época histórica. Esse movimento contínuo e motivado pela necessidade e pela urgência de dar respostas aos desafios do cotidiano, às manifestações do pensamento e aos impulsos do inconsciente e do imaginário, produz o aparecimento de diferentes gêneros literários, de diferentes modos de expressão narrativa e poética, de diferente entendimento das funções da literatura, de alterações substanciais dos modos de escrita e organização dos textos literários.

A criação literária não é, portanto, apenas um desejo individual do escritor, mas está relacionada à ideologia, às condições de produção, às mudanças nas expectativas do público leitor, ao papel do es-critor na cultura, às necessidades humanas de expressão, à capacidade reflexiva dos criadores.

No início do século XIX, o movimento artístico do Romantismo opôs-se ao Neoclassicismo do perí-odo anterior, não pela necessidade de renovação simplesmente, mas porque o Neoclassicismo não con-seguiu mais responder aos anseios da sociedade industrial nascente, à nova percepção da natureza – seja física, seja emocional – da sociedade burguesa, que ascendia ao poder. A linguagem literária romântica manifesta o desejo de liberdade dessa outra visão de mundo (cosmovisão), exigindo a quebra dos pa-drões da língua e da linguagem figurada, almejando uma sintonia maior com a emergência das novas nacionalidades políticas, da curiosidade por outras terras, culturas e épocas históricas. O Romantismo não apenas reage a essas alterações externas, como também cria uma nova sensibilidade, mais emotiva, mais questionadora, menos acomodada à tradição, como ficou comprovado na influência exercida pelo romance As Aventuras do Jovem Werther, de Goethe (1785), que incentivou, sem o querer, uma seqüência trágica de suicídio de jovens, identificados e se reconhecendo no personagem Werther. O Romantismo criou uma literatura que, por força da repetição de padrões ao longo dos anos em que teve vigência, formou a sensibilidade emotiva e rebelde que passou a identificar artistas, leitores e escritores no século XIX. Tome-se o exemplo de Byron, Victor Hugo, Musset, Álvares de Azevedo e Castro Alves.

O leitorA literatura considerada fenômeno artístico de criação não afeta exclusivamente o artista criador,

mas estabelece exigências também quanto ao processo de sua recepção pelo leitor. Devido à associa-ção necessária entre autor e leitor (é o leitor que dá vida à obra literária, pois um livro não lido existe somente enquanto um objeto), qualquer alteração inovadora nos padrões tradicionais da escrita lite-rária acaba se refletindo na mudança de sua forma de recepção. A quebras das normas da tragédia clássica francesa do século XVII com a representação do “Le Cid” (1636), de Pierre Corneille, deu origem

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à longa “Querela dos Antigos e dos Modernos”(1653-1715), uma polêmica travada entre os intelectuais franceses partidários da escrita clássica e os que acreditavam na alteração dos padrões dessa escrita, defendendo a modernidade.

Da mesma maneira, o século XX foi pródigo em manifestos e explicações sobre novas maneiras de escrever e ler a literatura; entre eles, o Futurismo (1910), o Cubismo (1924), a Poesia Pau-Brasil (1924), a Poesia Concreta (1956).

A quebra dos padrões tradicionais da leitura afeta o que a estética da recepção (1967), corrente da Teoria Literária que estuda a leitura e os modos de ler, denomina “horizonte de expectativas”, isto é, modos de ler aprendidos ao longo de experiências anteriores de leitura de textos formam um modo pessoal de ler. O leitor compreende romances, por exemplo, a partir da aprendizagem construída em experiências de leituras anteriores de textos semelhantes. Em cada novo texto, o leitor pretende aplicar seus conhecimentos e ser bem sucedido na tarefa, aplicando padrões de leitura conhecidos. Quando o texto é inovador, o leitor reage com desconfiança, insegurança, curiosidade ou recusa. Há, portanto, da parte do leitor, a necessidade de ajustes do “horizonte de expectativas” diante dos textos criativos. Uma obra de criação que propõe um “estranhamento”, termo com que caracterizavam a literariedade os Formalistas Russos no início do século XX, também tem que ser entendida como estranha pelo leitor. Assim, o ciclo da criação se completa e se efetiva.

O discurso literário: característicasDepois das explanações sobre a conceituação de literatura como uma arte que se desenvolve na

linguagem e das preocupações do autor com a precisão dos termos e a escolha dos efeitos que possam vir a ser provocados no leitor, convém estudarmos de modo aproximativo como se verificam na lingua-gem os procedimentos que formam a literariedade de um texto.

Características do discurso literárioPara Domício Proença Filho (1986), a distinção entre discurso literário e não-literário passa por um

conjunto de características interdependentes. Para esse pesquisador, a literatura se manifesta como tal por agregar complexidade, multissignificação, predomínio da conotação, liberdade na criação, ênfase no significante e variabilidade.

A complexidadePor complexidade, Proença Filho entende a capacidade da literatura ultrapassar a reprodução da

realidade e atingir “espaços de universalidade”. Para tal, a literatura obedece a um duplo movimento: debruça-se sobre si mesma, pensando e expressando seu modo de fazer e criando essencialmente um “puro objeto de linguagem”. Nesse caso, o mundo e sua realidade são traduzidos em forma de palavras e papel, formando uma outra realidade com leis e regulamentos próprios, os da poética.

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O segundo movimento se relaciona com a capacidade da literatura expressar e questionar o mundo exterior. Esse poder de representação, denominado mimese1, demonstra a ligação do artista-escritor com a realidade do mundo exterior e da interioridade das pessoas. Essa ligação tende a ser representada pelo discurso literário, que funciona como resposta às grandes questões, dúvidas e perturbações da vida.

MultissignificaçãoTambém denominada em alguns outros estudos como plurissignificação. Domício Proença quer

entender como tal a força da literatura para criar e amplificar tanto os significantes (por exemplo, a pa-lavra enquanto letras e sons) e os significados (isto é, as idéias que as palavras expressam). A literatura proporciona desvios “mais ou menos acentuados em relação ao uso lingüístico comum”.

Para a potencialização do caráter multissignificativo do discurso literário contribuem as relações estabelecidas pelo texto com o âmbito sociocultural, o momento histórico, a relação com “espaços míticos e arquetípicos” da tradição da língua e da arte. Essa intervenção no status da língua produz uma desaco-modação dos sentidos e permite que sejam várias e múltiplas as interpretações para um mesmo texto.”

Predomínio da conotaçãoQuanto ao predomínio da conotação, a reflexão de Proença Filho se detém a expor o quanto a lin-

guagem literária transcende o sentido informativo para atingir o nível poético e estético da linguagem, sem que a informação ou a poeticidade existam separadamente. O escritor simultaneamente trata da realidade e a ultrapassa para mostrar o quanto a linguagem pode criar sentidos superiores de significa-ção e beleza.

A liberdade de criaçãoEssa qualidade diz respeito à ruptura de normas historicamente estabelecidas pelo discurso lite-

rário. A inserção de novas formas de dizer, muito mais do que a introdução de novos assuntos, desloca os marcos da história da literatura. Cada escritor que renova a literatura, faz com que o todo do sistema seja repensado e realocado.

O novo também desacomoda o leitor e traz a possibilidade de alterações posteriores na literatura de uma época, quando os seguidores do criador original se põem a imitar, no todo ou em partes, a arte do mestre.

A ênfase no significanteNovamente, retorna a discussão sobre a importância da linguagem no texto literário. A criação

verbal está relacionada diretamente à potencialização dos recursos lingüísticos colocados à disposição do escritor: o som, o desenho da letra, a musicalidade da frase, a ambigüidade e multissignificação de palavras e frases, as relações semânticas estabelecidas pela rede de palavras em correspondência e en-tre partes diferentes do texto, a exploração semântica de alterações sintáticas e outros mais. A poesia, mais do que as narrativas, explora esses recursos lingüísticos.

1 Termo utilizado por Aristóteles na obra “Poética”, do V a.C., com o significado de “imitação”.

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“Pálida à luz da lâmpada sombria” é um verso de um dos sonetos sem título do poeta brasileiro Álvares de Azevedo. Nele, a repetição da letra e do som do grafema/fonema “l” acentua a cor tênue do rosto e da luz artificial, ajudando a criar um clima fantasmagórico e de sonho, de realidade atenuada, que será fundamental para o entendimento de todo o poema. Recai, portanto, sobre o som e a letra o reforço semântico do verso: o significante torna-se ainda mais material e importante.

VariabilidadeA noção de variabilidade integra indissociavelmente o modo de ser da literatura e diz respeito

às mutações que o discurso literário e seu entendimento sofreram e sofrem em diferentes culturas e épocas, e na mesma cultura em diferentes épocas da História. A noção de literatura como discurso com características específicas e próprias somente surge no século XIX. Até essa época, poesias e narrati-vas integravam os escritos culturais, indistintamente. “Antes de 1800, literatura e termos análogos em outras línguas européias significavam ’textos escritos’ ou ’conhecimento de livros’. (...) Eram exemplos de uma categoria mais ampla de práticas exemplares de escrita e pensamento, que incluía discursos, sermões, história e filosofia” (CULLER, 1999).

A variação do conceito de literatura se apóia tanto nas mudanças formais quanto na sua repre-sentatividade dentro da(s) cultura(s).

Vimos, portanto, neste capítulo, como a literatura se apresenta enquanto construção lingüística e discursiva diferenciada dos demais textos da cultura, a sua relação com a idéia de criação e recepti-vidade e quais as características apresentadas pelo discurso literário para se tornar distinto dos não-literários.

Texto complementar

O livro, seu valor e a análise literária(TEIXEIRA, 2006)

Beleza, estilo, modernidade, relação com a vida... A que deve se apegar o crítico?

Há muitos critérios pelos quais o leitor produz o sentido de um texto. A história da crítica lite-rária, nessa acepção, será o conjunto de transformações dos métodos e técnicas para a construção do sentido. Por livro pode-se entender o objeto que o autor escreveu; por trabalho de arte, o mo-vimento das imagens desencadeadas pelo ato de leitura. Ler é formular hipóteses sobre o modo correto de transformar o livro em obra de arte. Assim, o conhecimento do livro arremata a produção iniciada pelo artista. As obras de arte não existem sem enquadramento num sistema de referência interpretativa. Falar de uma obra não é falar apenas dela, mas dos sentidos que se agregaram a ela ao longo de sua existência como artefato verbal e como evento cultural. A história de um livro é a

Teoria da Literatura II

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15|Natureza do fenômeno literário

tradição de sua leitura. Nesse sentido, toda obra apresenta-se como palimpsesto. Dom Casmurro não foi escrito exclusivamente por Machado de Assis, mas por todos aqueles que procuraram dis-cutir seu sentido a partir da estrutura oferecida pelo autor para que a história a fecundasse com as diversas hipóteses de inclusão ou exclusão semântica. O valor de um livro será diretamente propor-cional à força da obra liberada por ele, a qual decorrerá das imprevisíveis operações que constituem os atos de assimilação e interpretação. A intenção do autor não se comunica senão como índice abstraído das configurações do texto, que poderá produzir maior ou menor número de imagens no universo mental do leitor. Como fenômeno de comunicação, o sentido, apenas latente na face muda do livro sem leitura, depende do leitor, que promoverá as necessárias associações daquele objeto com as imagens e os conceitos de sua experiência intelectual e existencial. Conhecer a crí-tica é dominar o repertório das relações impostas ao leitor, as quais, obedecendo à configuração retórica do texto, oscilam conforme as convicções de cada momento. Assim, um só livro poderia, em princípio, conter toda a história da literatura, posto que muitas poderão ser as alterações de seu significado ao longo dos tempos. A percepção crítica de um livro não foge, teoricamente, à esfera de conhecimento de qualquer objeto, enquadrando-se, portanto, no horizonte da física e da gnosiolo-gia. Se a percepção artística consiste na transformação de estímulos físicos em noções abstratas e se é difícil caracterizar com precisão o valor da mesma coisa em diferentes sociedades, mais difícil será, por certo, determinar as razões da estima de objetos polissêmicos, seja um texto literário, um filme, uma pintura ou uma música. Tradicionalmente, a produção do sentido artístico de um texto decorre da aproximação dele com a idéia de beleza, donde resulta a dimensão de seu valor. Segundo uma visão consagrada, as coisas apresentam qualidades primárias e secundárias. As qualidades primá-rias não sofrem variação no processo de seu conhecimento, mesmo que se alterem as condições de percepção. As secundárias sofrem alteração de acordo com a mudança das circunstâncias em que são percebidas. No escuro, não se alcança a cor de uma folha verde. O valor artístico de um objeto será, então, entendido como qualidade secundária, pois depende intrinsecamente da situação de conhecimento e de juízo. Se a própria física tende a considerar o cérebro humano como componen-te necessário ao conceito de cor, o mesmo deve ser pensado sobre o conceito de belo e de valor artístico, que, pela perspectiva interativa, serão sempre noções relativas e dependentes de repertó-rios e de padrões histórico-sociais que integram a poética cultural dos diversos períodos. Existem críticos que valorizam o livro a partir da observação de traços de estilo e de recorrências temáticas que se deixam interpretar como projeção da personalidade do autor. Conhecido como método psicológico, esse procedimento associa biografia e arte, concebendo, não raro, o artista como um ser doentio, para quem a atividade criadora funciona como sublimação de distúrbios pessoais. Ate-nuando a função da imaginação no processo criativo, tal pressuposto oferece o risco de descarac-terizar o poder de escolha na arte, pois conduz a atenção do crítico para aspectos inconscientes da criação. Vinculado a este seria o critério daqueles que, no livro, procuram marcas da alma coletiva, concebida como essência da nacionalidade. Denominada romântica ou nacionalista, tal hipótese notabilizou-se pela sistematização tradicional do estudo da Literatura Brasileira, que passou a ser dividida em Período Colonial e Nacional. Pode ser considerada variante do mesmo princípio a linha de investigação conhecida como crítica ideológica, que examina possíveis vestígios de classe social na configuração do texto artístico. Por não levar muito em conta a história das formas literárias e suas dimensões intrínsecas, essa diretriz expõe-se ao risco de atribuir à ideologia de classe o que pode pertencer ao gênero artístico. Tal seria, por exemplo, o caso de uma análise que interpretasse o estilo digressivo do narrador de um romance do Segundo Reinado brasileiro como traço da elite escravista do período.

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Há também os críticos que procuram a identidade do texto com certo espírito geral da huma-nidade. Segundo eles, existiriam algumas constantes universais que independem de lugar e tempo, captadas somente por grandes artistas. Uma das dificuldades desse tipo de crítica consiste em que ela interpreta as assimilações de uma cultura por outra como manifestação da onipresença da natu-reza humana, que desconhece a noção de geografia e de história e que, portanto, surge com igual força tanto em comunidades primitivas quanto em comunidades desenvolvidas. Ao eleger tal no-ção como categoria de valor, essa abordagem procura, na prática, aproximar literaturas tidas como menores daquelas que estabelecem o padrão de qualidade europeu. O adjetivo universal tornou-se tão previsível nessa área, que, em vez de descrever qualquer qualidade objetiva do livro, indica, antes, carência de vocabulário crítico. Outra hipótese valorativa muito difundida é a que se detém no grau de realismo das obras, procurando nelas a fidelidade com que se retratam os homens em sua circunstância social e existencial. Essa posição encontra obstáculo na suposição de que a idéia de realidade, não importa a forma que possa assumir, impõe-se como principal objetivo de todos os artistas e tendências. Mesmo aqueles que valorizam o tema da interioridade, da fantasia e do sonho fazem-no em nome de presumíveis verdades essenciais do indivíduo. O brutalismo de Graciliano Ramos também se justifica como apego à noção de existência, entendida tanto em dimensão social quanto psicológica. Assim, o princípio da veracidade, sendo comum à vasta maioria dos artistas e períodos, pode mostrar-se ineficaz na análise valorativa de obras particulares.

Existe ainda a leitura que valoriza a arte pelo critério de atualidade. De acordo com ela, há ar-tistas dotados de poder divinatório, no sentido de fazer em seu tempo o que será consagrado em tempos futuros, propriedade algo metafísica que os torna antecipadores de formas e temas tidos como ótimos na história da arte. Assim, o melhor escritor seria aquele que, superando o diálogo com os contemporâneos, adiantasse possíveis códigos futuros. É corrente o princípio de que certos autores ou tendências preparam a constituição de outras tendências e autores, o que se patenteia pela adoção do prefixo pré, relacionado a nomes de escolas ou indivíduos. Adota-se, nesses casos, o princípio de que uma unidade menos importante existe em função de outra de maior relevo, como se observa na designação pré-modernista aplicada a autores como Lima Barreto ou Monteiro Loba-to, cuja principal função seria preparar as conquistas da arte associada a 1922.

Conforme os princípios interpretativos sumariamente apresentados acima, a obra de arte terá tanto mais valor quanto mais convincentemente exprima o ideal de perfeição, a psicologia indivi-dual, o espírito de um povo, os interesses de uma classe, a natureza humana, o homem em suas relações com a vida ou a idéia de modernidade. Apesar de desgastadas, tais hipóteses valorativas ainda se apresentam como modelos possíveis no Brasil. Em perspectiva atual, talvez fosse conve-niente entender o núcleo de suas respectivas matérias como construções culturais associadas ao Estado, à Escola, à Igreja, à Política ou à Ciência, instituições que estabelecem (e fazem correr como verdades mais ou menos naturais) o conceito de beleza, de eu, de nacionalidade, de ideologia, de humanidade, de sociedade e de atualidade, entre outros.

Segundo a visão aqui proposta, a obra de arte literária, sendo fato de linguagem ou ocorrência semiótica, será considerada como manifestação do discurso social de seu tempo, desde que enten-dido como categoria conceitual. Assim, a crítica deveria saber relacionar o discurso singular de um texto com a matriz discursiva de que ele extrai sua fala, estabelecendo homologias entre a configu-ração específica do livro e a generalidade dos enunciados que ela incorpora, seja para corroborar,

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ratificar, recusar ou criticar. O crítico atual não deveria, portanto, limitar-se à procura da possível identidade de um poema com o ideal de beleza, de uma imagem com seu autor, de um romance com seu povo, de um conto com a classe que o compôs, de um verso com a humanidade, de uma descrição com o objeto descrito ou de um autor com a antecipação de outro. Em vez de estabelecer esse tipo de relação, o crítico deverá, sobretudo, reconhecer na obra as estruturas artísticas externas de que ela se apropria ou com as quais dialoga, tais como a noção de gênero literário, de estilo, de formas, espécies, procedimentos, tradições e tópicas. Ao lado de inúmeros outros exemplos como esses, deve-se ter em conta, ainda, o debate cultural de que a obra participa e o conceito de ponto de vista do emissor, que determina o tom da elocução e de cuja percepção depende a correta classi-ficação da modalidade de imitação operada. Nesse sentido, seria igualmente desejável que o crítico conhecesse as doutrinas poéticas e os manifestos de escola, em que se sistematizam os diversos conceitos de arte, que, inevitavelmente, se alteram com o tempo. Oswald de Andrade, a partir de certo momento, deixou de gostar de Olavo Bilac; em compensação, o segundo negaria o estatuto de poeta ao primeiro.

Atividades1. Em grupo, selecione um tema (amizade, cultura, morte, amor, ambição etc.) e selecione três textos

literários e três textos de revistas ou jornais ou científicos. Compare o modo como tratam o tema. Discuta com seu grupo. Escreva as conclusões.

2. Pesquise em livros de Teoria da Literatura, história cultural, artes e dicionários existentes na biblioteca e em textos da internet diferentes conceitos para o termo literatura. Compare esses conceitos. Selecione os que lhe parecerem mais apropriados e faça um quadro, ou gráfico das ocorrências mais freqüentes. Comente os resultados em texto escrito.

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3. Entreviste cinco pessoas sobre o sentido e a função que conferem à literatura. Reproduza as respostas por escrito. Compare com as idéias expostas neste capítulo. Comente o resultado com seu grupo e por escrito

4. A apresentação ao grupo permite nova discussão e a escrita com as conclusões renova a importância do conhecimento da linguagem e da atenção às nuances da conceituação.

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GabaritoNatureza do fenômeno literário

1. A pesquisa implica leitura.::::

Há necessidade de reconhecer as características do discurso literário, tratadas na teoria.::::

A discussão do grupo propicia a avaliação de diferentes interpretações, além de exigir para a ::::consolidação dos dados, a reflexão, a síntese, a argumentação.

A escrita com as conclusões renova a importância do conhecimento da linguagem e da fideli-::::dade ao pensamento do grupo.

2. A pesquisa implica leitura.::::

Há necessidade de discutir os conceitos do discurso literário, tratadas na teoria, após a compa-::::ração.

A pesquisa propicia a avaliação de diferentes interpretações do termo, além de exigir para a ::::consolidação dos dados, a reflexão e a síntese.

A representação em gráfico ou quadro desenvolve mais a habilidade de síntese.::::

A escrita com as conclusões renova a importância do conhecimento da linguagem e da aten-::::ção às nuances da conceituação.

3. :::: A pesquisa implica a interação e a oportunidade de conhecer outros modos de entender o assunto.

A pesquisa propicia a avaliação de diferentes interpretações do termo, além de exigir para a ::::consolidação dos dados, a reflexão e a síntese.

A comparação exigirá o reforço dos conceitos descobertos.::::

A apresentação ao grupo permite nova discussão e a escrita com as conclusões renova a im-::::portância do conhecimento da linguagem e da atenção às nuances da conceituação.

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