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Teoria do Desenvolvimento: considerações sobre os Cepalinos e Breve Análise do Perfil de Inserção Externa Brasileira - A Existência de Caminhos Alternativos Autor: Volney Aparecido de Gouveia
“Se fundássemos na razão nossas verdadeiras escolhas, não haveria escolha, tudo estaria predeterminado”. Celso Furtado
Introdução
O padrão de desenvolvimento entre nações segue trajetória distinta. Cada
processo se configura como único na medida em que as experiências econômicas,
sociais, políticas, culturais e históricas de cada país sobrepujam proposições de
modelos de desenvolvimento único aplicáveis a todos os países indistintamente,
sem a devida análise de suas idiossincrasias históricas.
O Brasil, a partir dos anos 30, inicia um processo de industrialização que
passa a transformar a dinâmica econômica do país e a colocar em evidência os seus
problemas associados, notadamente o perfil da industrialização, caracterizada por
restrições externas e mecanismos de concentração de renda.
O presente artigo procura apresentar a abordagem teórica da Cepal e de
alguns pioneiros (Singer, Kelechi, Prebisch e Furtado) sobre a teoria do
desenvolvimento econômico e as nuances desse desenvolvimento no Brasil
especificamente. Há um pano de fundo histórico sobre o qual os autores vão se
apoiar para refutar os diagnósticos tradicionais que se baseiam na perspectiva da
realidade dos próprios países ricos, e suas influências no pensamento mainstream
brasileiro. Também são discutidos brevemente alguns dos aspectos do
subdesenvolvimento na visão dos pioneiros e alguns elementos da tese-síntese de
Prebisch sobre a dinâmica centro-periferia. Em seguida são feitas algumas
considerações sobre a participação da indústria no PIB brasileiro no período 1962-
2016 de forma a identificar o perfil de sua evolução e traçar alguns paralelos com
algumas concepções dos pioneiros. Por último é discutido o padrão de inserção
externa do Brasil a partir de um quadro comparativo de exportações e importações.
A ideia é identificar se o país avançou na diversificação de seus produtos
comercializáveis ou se continua na “degradação secular” dos termos de troca,
conforme proposto por Prebisch. Nesta mesma oportunidade são elencadas
algumas alternativas de políticas de desenvolvimento que podem contribuir para a
superação do quadro de restrições econômicas e sociais internas a partir das
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reflexões dos pioneiros, mais especificamente de Celso Furtado. Ao final são
apresentadas algumas considerações finais.
1. A Questão do Desenvolvimento para a CEPAL
Até meados do século XX não havia uma preocupação com uma “teoria do
desenvolvimento” porque não havia uma preocupação com o tema. A partir de
então, a análise econômica passaria então a compreender os processos de
elevação da produtividade social e suas formas de financiamento. Singer (1950), um
precursor da teoria do desenvolvimento, apontava que “desenvolvimento se faz em
casa”, ressaltando em sua obra a necessidade de intervenção governamental para
redirecionar a economia para um maior nível de emprego.
A taxa de crescimento da economia é resultado de um esforço de acumulação
e da eficácia no uso dos recursos produtivos. O acúmulo de capital depende da taxa
de poupança, que depende de decisões políticas. O trabalho seminal da CEPAL
sobre desenvolvimento, notadamente o da América Latina, surge em 1948 com a
publicação do trabalho “O desenvolvimento econômico da América Latina e Alguns
de Seus Problemas”, de Raúl Prebisch. Nele, conforme apontaria Furtado
posteriormente, estão as questões sobre a industrialização que buscavam
estabelecer os padrões objetivos e desafiadores para garantir a transformação
produtiva (financiamento e recursos para acumulação) e a obtenção de
equipamentos para garantir a oferta num tempo requerido para aumentar a própria
produção. Para Prebisch e Furtado, mudança de comportamento dos consumidores,
a partir do aumento da renda, ocasionaria alterações nos preços relativos e exigiria a
identificação de coeficientes de importação de cada setor da economia para se
estruturar a oferta global e evitar, assim, pressões inflacionárias por exemplo. Assim,
o ponto de partida para a acumulação estaria no comércio externo, que permitiria
aumentar a produtividade sem a necessidade de acumulação prévia. O aumento da
renda obtido poderia ser o ponto de partida do processo de acumulação. Mas o
aumento da renda não poderia se concentrar em poucas mãos, pois isto tiraria
dinamismo do desenvolvimento e aprofundaria as formas modernas de consumo das
classes mais ricas.
Neste sentido, a estratégia de atuação governamental no planejamento do
desenvolvimento deveria seguir as seguintes etapas, segundo Furtado: 1) realizar
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um diagnóstico da situação econômica do país; 2) estudar as técnicas de
propagação e 3) organizar e planejar o desenvolvimento. Furtado (1989, p. 135)
1.1. Influência de Keynes e a Crítica à Ortodoxia
As interpretações acerca da realidade, apesar do reconhecimento de que ela
é dinâmica, sempre são concebidas estaticamente. Para Furtado (1989, p. 225), “o
conhecimento econômico é de natureza científica, mas o campo que ele explora é
delimitado por motivações ideológicas”. Furtado parece delimitar o campo de
discussões da teoria econômica tentando não enquadrá-la em modelos previamente
definidos, exatamente porque os resultados econômicos são resultados das diversas
inter-relações entre atores (firmas, consumidores, governos, entidades, etc). Neste
sentido, Furtado ressalta a importância dos elementos políticos nas decisões
econômicas. Diz ele: “A obra de economia que se extravia do terreno delineado
pelas preocupações políticas de sua época não é boa nem ruim, é simplesmente
irrelevante” Furtado (1989, p. 225). O que Furtado quer dizer é que não se pode
interpretar a realidade econômica a partir de premissas que não consideram a
própria dinâmica da sociedade, o que exige dos cientistas sociais uma compreensão
muito além daquela simplificada que retrata o pleno emprego como resultado da
interação entre oferta e demanda, como a preconizada pelo pensamento ortodoxo.
No âmbito no desenvolvimentismo e da nova interpretação centro-periferia,
Furtado ressaltava a confluência do pensamento econômico às ideias keynesianas,
e esta “devolvia a visão global dos processos econômicos” e se opunha ao
“espontaneísmo implícito do pensamento neoclássico”. Ao pensar o
desenvolvimento brasileiro, Furtado fugiu à ideia de oferta e demanda, que carregam
uma conotação de equilíbrio, e utilizou o conceito de oferta potencial (ideia implícita
da Lei de Say). O planejamento da industrialização poderia, assim, determinar a
oferta potencial a partir da análise das elasticidades-renda da demanda (o quanto
que aumenta a demanda quando ocorre uma variação da renda), pois o aumento do
emprego eleva a exigência de importações de artigos de consumo imediato e
duradouro e de matérias primas e de bens de capital, exigindo formas de atuação do
Estado na transformação da matriz produtiva e sua reorientação para um padrão de
menor dependência externa.
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1.2. O Derrotismo Congênito
As proposições da CEPAL vão encontrar fortes reações nos meios
acadêmicos mainstream. Furtado, fazendo referência a um artigo do prof. Eugênio
Gudin Filho (Ministro do Governo Café Filho) intitulado “O Caso das Nações
Subdesenvolvidas”, já mostrava o tom derrotista e de subserviência intelectual às
alternativas de desenvolvimento proposta pelos cepalinos. Gudin apud Furtado
(1989, p. 157) dizia: “são compreensíveis a irritação e a impaciência dos países
pobres porque, por mais que se esforcem, não conseguem sair do atoleiro da
pobreza”. E complementava que não seria necessário políticas econômicas novas e
nem novos enfoques teóricos. Furtado ainda cita uma reunião na qual participava
com vários economistas americanos para tratar da temática “desenvolvimento”,
quando diz: “ao calor da lenha que queimava como era possível que aqueles jovens,
educados em universidades norte-americanas, tivessem um horizonte de
preocupações limitado. A maioria pensava em buscar trabalho nos Estados Unidos,
caso a CEPAL não perdurasse” Furtado (1989, p.55).
A cultura do país de não pensar seu próprio desenvolvimento chamou a
atenção até do economista americano Hirschman (1958), que criticaria o hábito dos
políticos e acadêmicos de países pobres em “importar” conselhos de política
econômica de países ricos, cujas teses vinham com ares de “validade universal”.
Numa outra conversa entre Furtado e o sociólogo mexicano José Medina
Echavarria, este fala sobre a França quando perguntado a respeito das discussões
de ideias sobre desenvolvimento: “o que importa lá [França] é que pensar vale, é
uma forma de agir; por aqui é simples ato gratuito” (Echavarria apud Furtado, 1989,
p.117).
As relações históricas entre centro e periferia produziram nos países
subdesenvolvidos a mentalidade de “verdade universal” sobre as coisas vinda dos
países ricos. A CEPAL se propôs a romper com isto, procurando explorar o real
significado do subdesenvolvimento.
2. O Subdesenvolvimento e sua Superação
O subdesenvolvimento é caracterizado pelo desperdício de mão de obra em
função da insuficiência de capital e dos baixos níveis de produtividade dos fatores
(Furtado, 1989). Para o autor, o desafio é compor uma oferta de bens de consumo
aderente às preferências da coletividade. A diferença essencial entre países
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desenvolvidos e subdesenvolvidos, segundo o autor, está no fato de que os
problemas de acumulação dos países ricos se concentram na acumulação de
“novos conhecimento e sua aplicação”; ao passo que nos países pobres é um
problema de “assimilação da técnica prevalecente na época”, que é dada por
deficiência na utilização de fatores decorrente da escassez relativa de capital
(Furtado, 1989, p. 150).
Para Kalechi, o problema nos países subdesenvolvidos passa pela superação
da ampliação da capacidade produtiva e da renda nacional, pois não se trata apenas
de subutilização da capacidade instalada, mas sobretudo da sua insuficiência. O
mais importante é obter progressivo aumento da produtividade média, otimizando a
utilização do capital a partir das limitações proporcionadas pelo comércio externo,
pelo baixo nível de poupança, pelo ingresso de capitais e pelos padrões de consumo
da sociedade.
Já nos anos 80, a teoria do subdesenvolvimento, que ganha impulso neste
período no âmbito da CEPAL, sugere que os países subdesenvolvidos deveriam
completar a industrialização e corrigir suas disparidades regionais. Haveria um
desajuste estrutural no qual países pobres absorveriam técnicas simples de
produção, provocando desemprego e perpetuando a dependência, pois se antes a
dependência estava associada às desvantagens nos termos de troca, agora ela está
associada à dependência externa. Esta dependência associa-se ao padrão de
consumo emulado das camadas mais ricas da população1, que acaba por estimular
a concentração de recursos na produção de bens de luxo, cujos investimentos são
intensivos em capitais e “poupadores” de mão de obra. Estaria assim este padrão
produzindo tendências ao desequilíbrio por meio de crises do balanço de
pagamentos (importação de bens de luxo e remessa de lucros às matrizes
multinacionais) e inflação (baixa oferta de alimentos em razão dos desvios de
investimento para setores intensivos em capital).
A alternativa para reverter o quadro de dependência estaria então na
execução de reformas estruturais, modificando os padrões de consumo e dando
maior flexibilidade para a oferta de bens. Esta modificação implicaria na alteração
da dominação política e cultural, exigindo alterações das forças políticas internas.
1 Trata-se do chamado “consumo conspícuo”, já explorado por Thorstein Veblen em sua clássica obra
Teoria da Classe Ociosa, de 1899.
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Prebisch (1963) destacava a importância da reforma agrária e da progressiva
distribuição da renda como formas de garantir a robustez do “sistema dependente de
desenvolvimento”.
O conjunto de proposições também seria defendido por Kalechi (1968), que
propunha a intervenção do governo planejando o volume e estrutura dos
investimentos, a realização de reformas institucionais (modificações na estrutura
fundiária) e a tributação das parcelas mais ricas da sociedade. Diz o autor: “quando
o investimento está aquém do nível necessário para manter a demanda efetiva, a
lacuna é coberta pelas despesas governamentais” (Kalechi, 1968, pag. 130). A
tributação adequada, segundo este autor, deveria ser de caráter progressivo, ainda
que nos países subdesenvolvidos este caminho fosse mais difícil, porque o nível de
sonegação seria grande.
De todo modo, todos estes autores reconheciam a importância da
industrialização, mas assinalavam os seus limites. Para levá-la adiante se requeriam
poupança e divisas, sem o que as pressões inflacionárias seriam prováveis.
2.1. A Dinâmica do Sistema centro-periferia
A realidade de dependência econômica da América Latina no pós-guerra,
aliada às necessidades de recuperação econômica dos países do Leste Europeu,
fez surgir nova interpretação sobre o padrão dependente dos países pobres. Como
apontou Prebisch, “a realidade está destruindo na América Latina aquele velho
sistema de divisão internacional do trabalho” (Prebisch apud Furtado, 1989, p. 60).
Prebisch (1948) desenvolve sua teoria central quando estabelece os termos
da dinâmica centro-periferia. A tese da “degradação secular” dos preços relativos,
defendida por Prebisch, Singer e outros, seria o ponto de partida de uma nova
interpretação. Tratava-se de conceito estrutural porque o surgimento do progresso
técnico impactou negativamente nos países pobres na medida em que havia
inadequação da tecnologia dos países ricos à dotação de recursos da periferia.2
Dado que o progresso tecnológico era irreversível, a alternativa seria absorvê-lo,
mas não de modo passivo. Adicionalmente, Furtado aponta os processos de
mudanças culturais, sugerindo que os países pobres sofrem influência dos padrões
2 Vale descrever a reação de Furtado à circunstância do acesso ao primeiro texto de Prebisch sobre o
desenvolvimento latino americano: “A linguagem agora era a de um manifesto que conclamava os países latino-americanos a engajar-se na industrialização“ (Furtado, 1989, p.60)
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de consumo dos países ricos, o que altera o seu coeficiente de importação e os
mantém historicamente dependentes, exigindo esforços contínuos de produção e
exportação de produtos agrícolas para gerar divisas que serão utilizadas na
aquisição dos bens de consumo elaborados (Prebisch apud Furtado, 1989, p. 149).
Para superar o subdesenvolvimento, dever-se-ia estabelecer um
protecionismo transitório de tal forma que pudesse gerar um desenvolvimento
industrial e utilizar as exportações para financiar as importações. O capital externo
teria uma função de “ajuda transitória" (impulso) na promoção do desenvolvimento,
não devendo os países fechar suas economias por meio de políticas exclusivas de
substituição de importações3. Já Singer (1950), apontava que a especialização das
nações subdesenvolvidas em produtos primários não tinha efeitos positivos no
desenvolvimento, pois havia desvio dos países subdesenvolvidos das atividades
produtivas mais complexas, com tendência desfavorável aos exportadores de bens
primários.
Surge assim a doutrina da industrialização orientada para a substituição de
importações (PSI), baseada na ideia de que os padrões de consumo entre centro e
periferia são distintos e, portanto, tornava-se necessária uma ação dos países
subdesenvolvidos para produzir internamente o que antes era importado, devendo-
se utilizar do próprio comércio externo para o fomento à industrialização. Como
aponta Furtado (1989, p. 79):
“...a propagação do progresso técnico à periferia requer ação deliberada, pois a dinâmica do sistema é insuficiente para impulsioná-la. Se a absorção da sobra de mão de obra requer medidas protecionistas, a tendência ao desequilíbrio exige a aplicação de critérios seletivos de importação” Furtado (1989, p.79).
Ainda segundo Furtado, “a maior dificuldade para levar adiante uma política
de industrialização está na insuficiência de poupança interna e na excessiva
propensão a consumir dos grupos de altas rendas no Brasil” Furtado (1989, p.62).
Para se evitar desequilíbrios externos e internos, o desenvolvimento requeriria uma
política preventiva, qual seja a de promover modificações na composição das
importações. No entanto, as contradições do PSI promoveram a concentração de
renda, e a industrialização, per se, não foi capaz de superar a pobreza. Seria
3 Para Prebisch, os países pobres deveriam aproveitar o comércio exterior para extrair “os elementos
propulsores do desenvolvimento econômico” (Prebisch, 2000, pag. 73).
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necessário requalificar a inserção externa do país. O problema estaria no fato de
que o aumento das importações crescia a um ritmo maior que a capacidade de
diversificação das exportações, o que produzia dificuldades de financiamento das
importações. O dilema associava-se ao fato de que o avanço do PSI produzia
maiores dificuldades na capacidade de importar.
2.2. A Estratégia Bem Sucedida da (des)Industrialização e o Brasil Recente
No ranking de maiores economias publicado pelo Banco Mundial, o Brasil já
ocupava, em 1960, a décima posição, uma classificação favorável. Tal fato devia-se
em parte ao êxito das políticas de industrialização adotadas pelo país desde os anos
30, quando o então presidente Getúlio Vargas decidiu trilhar o caminho da
industrialização para fazer frente ao ambiente hostil de fortes oscilações do mercado
internacional dos preços dos produtos primário-exportadores. O país, no contexto de
dependência agrícola, iniciava um processo de industrialização cujo objetivo era
reduzir a dependência de divisas estrangeiras para atender à demanda interna por
produtos importados. Pode-se dizer que houve uma tentativa de ao menos se
conhecer as especificidades do país e suas potencialidades. Por exemplo, no âmbito
da criação do Plano SALTE, lançado no governo Dutra em 1948, Furtado afirma
que:
“o diagnóstico era tradicional, mas justo: o país havia acumulado considerável atraso em investimentos de infraestrutura e algo devia ser feito de imediato para melhorar os padrões de alimentação e saúde, o que requereria concentrar investimentos na agricultura voltada para o mercado interno e em engenharia sanitária”. Furtado (1989, p.43)
Nos anos 50, o retorno de Getúlio Vargas ao poder e o projeto dos “50 anos
em 5” de Juscelino Kubitschek foram experiências que aprofundaram o processo de
industrialização do país. O empreendimento contou com a participação do capital
nacional, estatal e estrangeiro, sendo o setor automotivo aquele que mais recebeu
investimentos (38% do total) (Caputo & Melo, 2009). É neste período que se amplia
a presença do capital estrangeiro no país, aumentando o poder econômico e político
das multinacionais4. O gráfico 1 mostra a evolução da participação percentual da
4 A Instrução 113 da SUMOC (Superintendência da Moeda e do Crédito), aprovado por Gudin no
Governo Café Filho, visava essencialmente estimular as importações de bens de capital para dar continuidade à industrialização do país sem, no entanto, promover desequilíbrios do balanço de pagamentos (falta de divisas).
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indústria de transformação brasileira em relação ao PIB desde 1947. No período de
1952 a 1961, houve forte expansão da indústria, elevando-se em 5,5 pontos
percentuais no período de 10 anos.
Gráfico 1 : Evolução da Participação da Indústria de Transformação Brasileira no PIB (1947-2016)
Fonte: DEPECON-FIESP (2017)
Por outro lado, apesar do processo de industrialização ganhar novo impulso a
partir de 1964, chegando a indústria a representar 21,8% do PIB em 1985, tal
processo se deu basicamente por meio de endividamento externo e forte processo
de concentração de renda, desvirtuando-se das propostas originais da CEPAL, que
propunham o avanço da industrialização com a diminuição das disparidades
regionais e das desigualdades sociais. O próprio Furtado aponta que o período de
50 ao fim dos anos 70 a industrialização apoiou-se no processo de concentração de
renda (Furtado, 2004).
A partir de 1990, sob o domínio das ideias do Consenso de Washington, a
abertura comercial abrupta e não criteriosa das importações levou a um processo de
redução da participação da indústria e o resultado foi “a desarticulação do mercado
interno e do parque industrial, acuando alguns milhões de brasileiros a buscar
sobrevivência no trabalho informal”5.
Em sua última reflexão antes de seu falecimento, Furtado apontava os
equívocos políticos do país em aderir ao Consenso de Washington e criticava as
5 Furtado, C. Para Onde Caminhamos. Jornal do Brasil, 2004.
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elevadas taxas de juros praticadas pelas autoridades monetárias a partir dos anos
2000 para justificar as baixas taxas de crescimento da economia. Sua critica
centrou-se na lógica de se remunerar o capital estrangeiro para atraí-lo e garantir o
financiamento do crescimento. Mas tal caminho implicava em aumentar
vigorosamente a dívida e agravar a concentração de renda.
2.3. Indicadores do Brasil e Perfil de Inserção Externa
Em 2016, segundo o Banco Mundial, o Brasil ocupava a nona posição de
maior economia do mundo. Em 1960, a posição do país era a décima. Ou seja, nos
últimos 56 anos o país avançou pouco no ranking, sugerindo que no decorrer deste
período o país manteve sua economia relativamente estagnada comparativamente
às 218 nações do mundo. Outro indicador, a renda per capita, também mostra que o
país piorou sua posição relativa, caindo da 59º posição em 1960 para a 76º posição
em 2016. No período de 1960 a 2016, o país ocupava a 61º posição em termos de
taxa percentual acumulada (216% no período), contra, por exemplo, 3.500% da
China.
Os dados acima sugerem duas interpretações possíveis: o copo está meio
cheio ou meio vazio. Numa perspectiva pessimista (copo meio vazio), a posição
relativa (renda per capita) e absoluta (PIB) do país frente a outras nações pouco
mudou nestes últimos 56 anos. Na perspectiva positiva (copo meio cheio), o país
tem mantido uma posição acima da intermediária considerando a comparação com
quase 218 nações. Ou seja, estamos no grupo de 30% dos países que tiveram as
maiores taxas de expansão da renda per capita do mundo.
A experiência de industrialização do Brasil, se não produziu a necessária
independência e a aproximação tecnológica com os países ricos, também não
aprofundou a condição de economia agrário-exportadora. Houve relativa
diversificação do parque produtivo e ampliação na participação do comércio externo.
A figura 1 apresenta um comparativo do perfil das exportações e importações
brasileiras em 1962 e 2016. As exportações aumentaram 147 vezes em termos de
valor exportado (US$ 200 divididos por US$ 1,36) e as importações aumentaram
102 vezes (US$ 145 divididos por US$ 1,42). Se na pauta exportadora houve uma
relativa diversificação dos produtos vendidos, na importação permaneceu o padrão
de compra de produtos de maior valor agregado. A experiência de industrialização
do país a partir dos anos 60 produziu efeitos de longo prazo, como a própria
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diversificação do perfil das exportações e a ampliação do comércio de produtos
exportáveis. A manutenção do perfil das importações tem relação com o próprio
perfil das exportações: o aumento das exportações exigiu a incorporação de
insumos não produzidos pelo país, exigindo-se sua obtenção no mercado externo.
Figura 1 : Comparativo do Perfil das Exportações e Importações do Brasil (1962 e 2016)
Exportações (1962) – US$ 1,36 bi
Importações (1962) – US$ 1,42 bi
Exportações (2016) – US$ 200 bi
Importações (2016) – US$ 145 bi
Fonte: Atlas da Complexidade (2018) – Elaboração do autor
Ao resgatarmos a definição de subdesenvolvimento explorada pelos pioneiros,
qual seja a de uma economia dependente da exportação de bens primários e da
importação de produtos manufaturados, percebe-se que as desvantagens nos
termos de troca, segundo a interpretação de Prebisch, foram em parte superadas
pela diversificação do parque produtivo. A ação do Estado a partir dos anos 60, com
forte papel indutor focado na industrialização, se não modificou as condições
históricas da dependência, também não produziu um retrocesso que levasse o país
às formas coloniais de relação centro-periferia. Outro elemento que deve ser
considerado é que tal processo de industrialização foi catapultado pelo Estado à
custa da concentração fundiária, regional e de renda.
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Os indicadores sociais continuam ruins e os problemas regionais, como o
inchaço urbano e a decorrente piora na qualidade de vida da maioria da população,
são os grandes desafios da atualidade. Sua superação dependerá do
reordenamento de algumas políticas de Estado que podem ser assim resumidas:
1. Gerar excedente de poupança (Furtado, 1989): tributação progressiva de
setores de maior renda via tributos (renda e patrimônio) e operações
financeiras (fundos de investimentos, viagens internacionais, operações de
créditos associados à financiamento de bens de luxo, etc).
2. Reordenar a pauta de comércio externo (Prebisch, 1948) e garantir autonomia
produtiva: estimular a agregação de valor às exportações e substituir
gradativamente os produtos importados por produção interna. Esta alternativa
pressupõe:
a. Mapear as cadeias de valor e entender a forma como elas se integram.
Por exemplo, para produzir determinada quantidade de bens
alimentícios, necessita-se aplicar recursos na agricultura e na indústria
de fertilizantes.
b. Alinhar e integrar os currículos escolares às cadeias de valor para
formação de profissionais direcionados. Por exemplo, se o país
pretende ter autonomia na produção de eletroeletrônicos, devem-se
coordenar os investimentos do Estado (sistema educacional e
financiamento) com os do setor privado, estimular as sinergias com os
institutos de pesquisa e universidades (públicas e privadas) e lançar
programas abrangentes de resgate da educação fundamental.
3. Executar amplo programa de investimento em infraestrutura urbana (moradia,
saneamento e transportes) para recuperar, em curto prazo, as taxas de
crescimento econômico e de geração de emprego e melhorar os indicadores
sociais em longo prazo. O montante de recursos captado pelo Estado deve
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ser injetado nas obras de infraestrutura que tenham correspondência com
outros setores, de tal forma que seja de fato reprodutivo.
A busca por um novo caminho deve contemplar investimentos públicos e
privados de forma a que sejam complementares (o público entra onde o privado não
tem interesse). Deve-se garantir um crescimento adequado da oferta de bens
essenciais de consumo, integrando os setores estratégicos no cumprimento de
metas, e buscar alternativas de modos de produção mais sustentáveis e de inclusão
socioeconômico. Existem caminhos para o avanço na agenda do desenvolvimento.
Considerações Finais
Como sugere Singer (1950), “desenvolvimento se faz em casa”. A
experiência de desenvolvimento industrial brasileiro foi relativamente exitosa na
medida em que permitiu ao país alcançar posições de destaque nos rankings
econômicos internacionais. Esta trajetória de industrialização foi seguida porque
decisões políticas – e não forças exclusivas do livre mercado – foram tomadas com
o intuito de modificar a estrutura produtiva nacional. É verdade que este processo foi
permeado de restrições: perfil de consumo supérfluo das classes mais ricas
restringindo o dinamismo econômico, concentração de renda via salários reais
deprimidos e inflação como forma de poupança forçada, restrições externas no
financiamento das políticas de substituição de importações e, mais recentemente,
políticas econômicas de caráter ortodoxo baseadas no tripé taxa de câmbio
flutuante, juros elevados e superávit fiscal.
A trajetória de industrialização do país acompanhou o processo ocorrido em
diversas outras nações, mas esbarrou em restrições políticas internas (ruptura
institucional, articulação do setor produtivo e financeiro) e externas (financiamento e
crises de balanço de pagamentos), que bloquearam os avanços sociais mais
profundos. É possível observar, todavia, que o país mantém-se como uma das
economias mais industrializadas do mundo e que, se bem pensadas e
implementadas as políticas de desenvolvimento, esta condição pode se fortalecer.
As alternativas de desenvolvimento estão dadas e devem ser levadas adiante,
dentro das perspectivas apresentadas pelos pioneiros (autonomia, projeto de
industrialização, combate às desigualdades regionais e de renda), ainda que num
contexto histórico distinto (forte financeirização da economia e ortodoxia de políticas
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econômicas). É preciso evitar a todo custo o sentimento de “fracassomania”, como
apontado por Hirschman (1958).
Referências
Caputo, A. C., Melo, H. P. A industrialização brasileira nos anos de 1950: uma análise da instrução 113 da SUMOC. Estudos Econômicos, 2009. Disponível em <<
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-41612009000300003>> Acessado em 06 de maio de 2018. Fiesp. Panorama da Indústria de Transformaçao Brasileira, 2017. Disponível em <<http://www.fiesp.com.br/arquivo-download/?id=236253>> Acessado em 06 de maio de 2018. Furtado, C. A. “A Fantasia Organizada”. Ed. Paz e Terra, Rio de Janeiro: 1989. Furtado, C. A. “Para onde caminhamos”. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro: 2004. Harward University. Atlas da Complexidade. Disponível em <http://atlas.cid.harvard.edu/> Acessado em 07 de maio de 2018. Kalecki, M. “A diferença entre os problemas econômicos cruciais das economias capitalistas desenvolvidas e subdesenvolvidas” em Kalecki, Coleção Grandes Cientistas Sociais, Miglioli, Jorge (org.), Editora Ática, ([1968] 1980). Prebisch, R.. “Problemas teóricos e práticos do crescimento econômico” em Bielschowsky, R. (org.), Cinquenta anos de pensamento da CEPAL, Rio de Janeiro: 1963 (2000). Singer, H. W. “O mecanismo do desenvolvimento econômico”. Publicado pelo Banco Mundial. Oxford University Press, 1984 World Bank. All Countries and Economies. Disponível em: <<https://data.worldbank.org/indicator/NY.GDP.MKTP.CD?view=chart&year_low_desc=true> >Acessado em 06 de maio de 2018.