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TEORIAS DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: PROBLEMAS METODOLOGICOS JOSt PASTORE':- "Portanto. " nenhum conhecimento precede a expe- riência e -todos principiam com a experiêttoie." - E. KANT. INTRODUÇÃO FRANK KNIGHT afirmou que a tentativa de elaborar ou validar teorias no campo da ciência econômica através de observações empíricas era tarefa vã porque "tôdas as ciên- cias sociais são empíricas ... mas os princípios da economia são conhecidos intuitivamente ... ".1 O objetivo dêsse artigo é refutar a posição de F. KNIGHT e demonstrar que, pelo menos na área do desenvolvimento econômico, as "teorias" existentes são de pouca valia quan- do se pretende utilizá-las como instrumentos para previsão precisamente porque a indução e a investigação empírica têm sido negligenciadas ou não têm sido combinadas de forma adequada com os procedimentos dedutivos corres- pondentes. Portanto, parafraseando KNIGHT, estamo-nos lançando numa "tarefa vã". As teorias de desenvolvimento econômico tendem a rela- cionar um composto de diversos parâmetros através de si- logismos lógicos. Todavia, sabemos que as "teorias" exis- tentes não explicam de maneira satisfatória porque um país X se desenvolveu e o país Y permanece economica- ,~ josé PASTORE- Instrutor da Cadeira de Estatística Aplicada da Faculda- de de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. 1) F. KNIGHT, Economics and Anthropology, Journal oi Politicel Economy, VoI. 49, 1941, págs. 511 e 512.

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TEORIAS DE DESENVOLVIMENTOECONÔMICO: PROBLEMAS

METODOLOGICOSJOSt PASTORE':-

"Portanto. " nenhum conhecimento precede a expe-riência e -todos principiam com a experiêttoie." -E. KANT.

INTRODUÇÃO

FRANK KNIGHT afirmou que a tentativa de elaborar ouvalidar teorias no campo da ciência econômica através deobservações empíricas era tarefa vã porque "tôdas as ciên-cias sociais são empíricas ... mas os princípios da economiasão conhecidos intuitivamente ... ".1

O objetivo dêsse artigo é refutar a posição de F. KNIGHTe demonstrar que, pelo menos na área do desenvolvimentoeconômico, as "teorias" existentes são de pouca valia quan-do se pretende utilizá-las como instrumentos para previsãoprecisamente porque a indução e a investigação empíricatêm sido negligenciadas ou não têm sido combinadas deforma adequada com os procedimentos dedutivos corres-pondentes. Portanto, parafraseando KNIGHT, estamo-noslançando numa "tarefa vã".

As teorias de desenvolvimento econômico tendem a rela-cionar um composto de diversos parâmetros através de si-logismos lógicos. Todavia, sabemos que as "teorias" exis-tentes não explicam de maneira satisfatória porque umpaís X se desenvolveu e o país Y permanece economica-

,~ josé PASTORE- Instrutor da Cadeira de Estatística Aplicada da Faculda-de de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo.

1) F. KNIGHT, Economics and Anthropology, Journal oi Politicel Economy,VoI. 49, 1941, págs. 511 e 512.

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mente estagnado. Por isso encontramos o lamento cons-tante dos responsáveis pela elaboração de diretrizes de quea feitura de planos para o desenvolvimento não pode ba-sear-se totalmente nas referidas "teorias", pois estas nãose adaptam adequadamente às condições específicas devários sistemas sociais. Observam a propósito que as "teo-rias" de desenvolvimento econômica são dotadas de peque-no valor explicativo e oferecem poucas possibilidades deprevisão, sendo conseqüentemente de aplicação mais doque problemática.

Não são apenas os responsáveis pela elaboração das dire-trizes e os planejadores mas os próprios economistas quereconhecem em primeiro lugar, que as teorias são dotadasde reduzida capacidade de previsão, apesar do grande es-fôrço para descobrir as causas do crescimento econômicoem nossos dias,"

Reconhecemos que teorias de baixo poder d~ previsão doseventos não constituem monopólio da economia, mas sãocomuns a tôdas as demais ciências sociais. Porém, nesteartigo focalizaremos o problema específico que nos parecemais agudo no processo de teorização, na área do desen-volvimento econômico. Mais modestamente, nos concen-traremos em três problemas básicos da formação de teoriassôbre o desenvolvimento econômico: 1) problemas de de-finição do quantificador universal e constância dos demaisfatôres (coeteris paribus); 2) problemas relativos à elabo-ração de relações de tipo causal; 3) problemas relaciona-dos com os métodos de verificação.

o QUANTIFICADOR UNIVERSAL E A CONSTÂNCIA DOS DEMAISFATÔRES (COETERIS PARIBUS)

Se bem que as proposições teóricas possam ser expressassob diversas formas verbais, os metodólogos afirmam quetôdas as proposições científicas são, intrinsecamente, "con-

2) G. GARB, "The Problem of Causality in Economics", Kyklos, Vol, XVII,1064. vált. 595.

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dicionais genéricas" que podem ser representadas sob asimples formulação: "Para todo X, se X é a, então X é b.3

A cláusula introduzida pelo conectivo se é conhecida comoantecedente, e a cláusula introduzida por então é conse-qüente. O prefixo "Para todo X" é o quantificador univer-sal, expressando os limites dentro dos quais a conexãoentre a e b é válida. Atrás desta cláusula explícita encon-tra-se sempre uma oculta, a da constância dos demais la-tôres (coeteris peribus'), ou seja, a consideração de quetodos os demais elementos permaneçam constantes.

É claro que a formulação indicada no parágrafo anterioré a estrutura mais simples de uma proposição teórica econtém as exigências mínimas de um juízo científico. Asformulações mais sofisticadas incluem prefixos, do tipo"incremento" tal como se a aumenta, b também aumentará.

Nesta seção pretendemos nos deter em alguns problemasconcernentes à formulação do quantificador universal e àgeneralidade da cláusula coeteris paribus.

li O quantificador universal é a condição necessária elimitativa para que possam ser analisadas as relações entrea e b. Isto significa que nenhuma teoria é "desvinculada"ou um universal isolado. A universalidade e a validade delima proposição científica se manterão apenas na medidaem que as características de X forem conhecidas, definidase claramente enunciadas.

A literatura do desenvolvimento econômico é rica de pro-posições que aparentemente não obedecem às exigênciasexpostas. Oferecemos alguns exemplos, tomados ao acaso,de proposições tiradas da economia:

1)

X: em qualquer sociedade,

a: se encontramos uma ilimitada disponibilidade demão-de-obra,

3) E. NAGEL, The Structure of the Science, Nova Iorque: Hurcourt Braçeand Company, 1961, pág. 47.

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b: então teremos aumentos nos lucros e na taxa deacumulação de capital.'

2)

X: Em qualquer sociedade,

a: se existir talento empresarial,

b: então, assistiremos ao desenvolvimento econômico,"

3)

X: Em qualquer sociedade,

a: se houver um aumento em s (poupança) e em p (re-lação capital-produto), dado r (taxa de eficiência mar-ginal do capital),

b: então, teremos um aumento na taxa de crescimento,"

Até que ponto estas proposições e outras do mesmo tipo,constituem "teorias científicas"? Antes de entrarmos na dis-cussão do problema, caracterizaremos uma "proposição ci-entífica" nos limites da cláusula da constância dos demaisfatôres (coeteris peribus) .

• A enumeração completa de tôdas as condições e ca-racterísticas do quantificador universal dentro das quais ae b ocorrem é dificultada por muitas barreiras de naturezaprática e conceitual. Mesmo nas ciências físicas a cláusulada constância dos demais fatôres (coeteris peribus) é rara-mente verificada de maneira absoluta. Os fenômenos em-píricos sempre ocorrem de maneira estreitamente relacio-nada, nunca isoladamente, e isto é particularmente verdadedo mundo social. A cadeia de variáveis e de relações éportanto inumerável.

4) W. A. LEWIS, "Economic Development with Unlimited Supplies ofLabour", in A. N. Agarawla e S. P. Singh, The Economics oi Unâer-development, Nova Iorque: Oxiord University Press, 1963, pág. 418.

5) E. E'- HAGEN, On the T'heory oi Social Cha'nge, New Jersey: DorseyPress, 1962.

6) H. W. SINGER, "The Mechanics of Development" in A. N. Agarawlae S. P. Singh, op, cit., pág. 396.

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A impossibilidade do cientista manusear tôdas estas rela-ções ao mesmo tempo exige eliminações arbitrárias na rea-lidade (para que se possa especificar X) e para permitiro estudo dos fenômenos que têm lugar dentro da área ar-bitràriamente determinada. Desta maneira o cientistaopera apoiado em duas hipóteses bastante ousadas: de quea "eliminação", apesar de arbitrária, mantém as caracte-rísticas essenciais da realidade e que dentro da área sele-cionada existem algumas variáveis independentes que per-manecem constantes, enquanto as variáveis dependentesse modificam.Contudo, a arbitrariedade destas hipóteses é habitualmenteatenuada pela intrcdução de descrições das característi-cas daquela parte da realidade que foi "eliminada", ouseja, X.Agora, estamos em condições de reformular a questão le-vantada anteriormente até que ponto as proposições daciência econômica sôbre desenvolvimento econômico cons-tituem realmente teorias ou sistemas de teorias? Primei-ramente, deve-se notar que os parâmetros envolvidos noquantificador universal (X) são raramente explicitadosnas teorias do desenvolvimento econômico. "Sociedadehumana","economia", "sistema econômico" são geralmenteum X oculto nas teorias existentes. Pelo fato de SINGERnão especificar que tipo de X é considerado em sua teoria,pode-se inferir um quantificador universal bastante gené-rico, como qualquer sociedade. A partir daí surge o pro-blema de que fatôres de X devem ser considerados cons-tantes para que se possam prever as relações entre a e b?SINGERprovàvelmente responderia: não há necessidadede caracterização de X, pois pressupõem-se um coeteris pe-ribus .ampla ou seja, "todos os,demais fatôres permanecemconstantes". Mas o maior problema com uma coeteris pa-ribus tão amplo é que quanto maior fôr o número de variá-veis presentes, maior será também a probabilidade de suasvariações e menor o poder explicativo da teoria. É plena-mente justificado que se espere uma variação maior de1000 variáveis do que de 10. Em outras palavras, se fôrpressuposto um número infinito ou desconhecido de variá-

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veis na coetetis paribus, surge a obrigatoriedade de admitir-se ser pouco improvável que um número infinito de va-riáveis se mantenha sempre constante. Se tal fôr o caso,as relações entre a e b não serão mais válidas e não seterá chegado a nenhuma teoria.

A crítica dirigida às teorias econômicas não é de formaalguma nova. Desde 1930 até 1950 os antropólogos e so-ciólogos têm afirmado que as leis gerais da economiaestavam baseadas em pressupostos como o "homem racio-nal", a "maximização dos lucros", etc. que não eram válidospara qualquer sociedade, nem mesmo nas consideradassociedades onde predomina uma economia de mercado.Em nossos dias a culpa imputada aos economistas adqui-riu um caráter mais refinado, porém no fundo é a mesma.Os próprios economistas reconheceram recentemente aslimitações envolvidas na utilização de um quantificadoruniversal extremamente amplo, afirmando que os modeloseconômicos só poderiam ser transferidos para sistemas so-ciais diversos daqueles em que haviam sido elaboradosapós reformulação. Apesar desta "autocrítica" não temosassistido a grandes esforços para limitar a extensão doquantificador universal ou para tornar mais claras suasimplicações no processo de elaboração de teorias sôbre de-senvolvimento econômico.

AS RELAÇÕES DE CAUSALIDAD.E NAS TEORIAS DEDESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

O problema da causalidade ainda constitui uma questãoaberta no campo da economia. Há também economistasque, seguindo a posição de DAVIDHUME a propósito dacausalidade - isto é, de que a causalidade é simples atri-buto mental sem correspondência na realidade exterior àinteligência -, deixam de reconhecer a importância dasproposições causais para que suas teorias permitam preveras etapas posteriores do processo; e dentre êles FRIEDMANsurge como o mais importante representante,"

7) M. FRIEDMAN, "The Methodology of Positive Economics" in Essays inPositive Economics, Chicago: The University oi Chicago Press, 1953.

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Isto, todavia, não serve para negar o fato de que a maioriados economistas ainda trate os problemas de formaexplícita ou não, através de proposições do tipo causal,seguindo a tradição dos melhores economistas clássicos.]OHN STUARTMILL disse ser "o objetivo da economiapolítica a busca das causas que governam a produção e adistribuição da riqueza"." Desta forma a questão funda-mental das ciências sociais será "descobrir as leis segundoas quais a situação da sociedade num determinado momen-to produz o estado que lhe é posterior e o substitui"," Amesma tendência pode ser encontrada entre outros eco-nomistas como KARLMARX,ADAMSMITH e DAVIDRI-CARDO,embora por razões diversas. Os teóricos modernoscomo WOLD,SIMON,OCCURT,SINGER,FOURASTIÉe CEL-SOFURTADOtêm dedicado grandes esforços a fim de es-clarecer o conceito de causalidade na análise econômica.As teorias de desenvolvimento econômico, mais do queoutros campos científicos, são particularmente permeadaspelo conceito de causalidade. ARTHURLEWIS diz clara-mente que há três causas "próximas" do desenvolvimento:o esfôrço para poupar; o aumento do conhecimento e suaaplicação; bem como, o aumento de capital e outros re-cursos per cepite." Porém, o ponto crucial está em expli-car quais os fatôres responsáveis pelo desenvolvimento deuma nação, ou mais precisamente, quais as causas do de-senvolvimento.BENJAMIN HIGGINSobserva que "a tarefa fundamentalda análise econômica do problema do desenvolvimento édescobrir quais dos círculos viciosos são os causadores dosdemais, e que deverão ser prontamente rompidos, bemcomo, os que podem ser convertidos em mecanismos re-alimentadores (feedback mechanisms) provocando o cres-cimento contínuo (sustained growth).l1

8) ]. S. MILL, Principies of Politicel Economy, Londres: LonlZmans, Green,1920, pág. 1.

9) J. S. MILL, A Syotem of Logic, Londres: Longmans, Green, 1900,pág. 295.

10) W. A. LEWIS, The Theory of Economic Grcwth, Homewood: RicberâD. Itwin, 1955, pág. 1.

11) B. HIGGINS, Economic DeveIopment, Nova Iorque: Norton and Co.,1959, pág. 24.

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Parafraseando MACIVERpoderíamos dizer que qualquerque seja a diferença na taxa de crescimento de um país,existirão diferenças nos fatôres responsáveis por essa mes-ma taxa." Resumidamente, todo evento tem uma causae não é possível prever acontecimentos futuros se os fatô-res que os produzem permanecerem desconhecidos. Esta-mos aqui admitindo explicitamente que lidar com propo-sições do tipo causal é condição necessária para podermoselaborar teorias realmente explicativas da realidade.

Quais são as exigências fundamentais dos modelos causais,e em que medida as teorias de desenvolvimento baseadasno conceito de causalidade satisfazem estas exigências?

BURGEaponta que o elemento essencial no conceito cien-tífico de causa é a idéia de produçêo." Quando afirmamosque X é a causa de Y, temos presente em nossa menteque uma mudança em X produz uma mudança em Y enão que uma mudança em X é seguida ou está associadaa uma modificação em y.14 Na verdade tal concepção dacausalidade tem sua origem numa idéia de bom-senso:"a causa é o que faz com que uma coisa aconteça"." Masquando SINGERafirma que "o aumento na taxa de pou-pança líquida do índice capital-renda produz maiordesenvolvimento econômico, mantida constante a taxa decrescimento da população", êle está, pelo menos implicita-mente, aceitando a idéia de causalidade. Até que ponto arelação apontada é uma medida válida da qualidade pro-dutora de uma causa?

Uma análise detida do modêlo de SINGERrevela que estáinteiramente baseado na equação D =sp - r, ou seja, numarelação absolutamente simétrica e irreversível que. pode serinterpretada de duas maneiras, o que acaba sendo feito

12) R. M. MACIVER, Social Causation, Nova Iorque: Ginn, Press, 1942,págs. 1 a 21.

13) M. BURGE, Causa~ity, Cambridge: Harvard University Press, 1949,págs. 46 a 48 .

14) H. H. BLALOCK, Causal InJerences in Non-Experimental ReSEi3.rch,Chapel Hill: University 01 North Carolina Press, 1964, pág. 9.

15) S. L. STEBBING, Moder Logic, Nova Iorque: Torche Books, 1961,pág. 260.

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pelo próprio SINGER.Desta forma a equação que de acôr-do com o autor em questão proporciona um grande es-clarecimento sôbre o mecanismo do desenvolvimento nãopode ser utilizada como uma proposição explicativa detipo causal, uma vez que a qualidade produtora das pro-posições causais pode ser encontrada apenas em relaçõesassimétricas. O modêlo de SINGERdeve ser consideradoapenas como uma definição de desenvolvimento econô-mico e não como um sistema explicativo do mecanismode desenvolvimentc. Sob êste aspecto, a fórmula deSINGERaparece como uma verdadeira tautologia e nãocomo uma. semi teutologie, como o próprio autor parecereconhecer. Embora concordemos que as tautologias sãoimportantes para o processo de elaboração de conceitos,elas tomam-se inúteis como fundamento para proposiçõesexplicativas.

Esta crítica pode ser estendida a outros economistas quebaseiam suas formulações apenas em "conjunção, constan-te". Se bem que esta possa ser uma parte da causalidade,a conjunção por si mesma, não é suficiente para que sedistinga uma relação causal de outros tipos de associação.Sugerimos que o economista opte pelo abandono implícitocu explícito do estilo causal de suas generalizações sôbreo desenvolvimento econômico ou melhore a sua estratégiametodológica para poder atingir a explicação de tipo causal.

Parte da obscuridade das teorias econômicas modernastem sua origem na falta de precisão com que se definemEiS classes de variáveis discutidas no tópico sôbre o Quan-tificador Universal e a Constância dos Demais Fatôres.Uma teoria explicativa de tipo causal deverá conter pelomenos quatro tipos diversos de variáveis.

• Variáveis independentes ou dependentes: são as queinteressam diretamente ao economista e que são passíveisde manipulação. Exemplificando: sendo o desenvolvimen-to econômico a variável dependente, serão variáveis inde-pendentes a taxa de crescimento da população, a taxa depoupança, a taxa de investimento em bens de capital, a

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taxa de investimento em recursos humanos, o índice itnput--output, etc.• Causas potenciais: são as variáveis que exercem in-fluência causal nos fenômenos em observação mas nãovariam durante a observação da variável dependente.Exemplificando: a taxa de inovação empresarial (entre-pretteurship'), a estabilidade política da sociedade, etc.,podem ser fontes importantes de alterações nas variáveisdependentes e/ou independentes.• A terceira classe de variáveis é constituída por tôdasaquelas que não estão sob ccntrôle e são responsáveis pormodificações nas variáveis dependentes durante o períodode observação, mas que são irrelevantes para as variáveisexplicativas. Exemplificando: o preço, de produtos agrí-colas no mercado internacional pode ser uma variável nãodiretamente relacionada às variáveis explicativas tais comoa taxa de crescimento da população, que pode desempe-nhar papel importante na determinação do desenvolvi-mento econômico de um país.•• A quarta classe de variáveis inclui aquelas cujos efei-tos estão, embora de maneira desconhecida, sistemàtica-mente relacionados às variáveis explicativas. As influên-cias das variáveis desconhecidas confundirão os efeitosproduzidos pelas variáveis explicativas. Exemplificando:o treinamento no local de trabalho (in setvice training)pcde ser confundido com o aumento na taxa de investi-mento em recursos humanos.A primeira classe de variáveis pode ser controlada pelaprópria estruturação que se der à análise. Todavia, o con-trôle dos outros tipos de variáveis exigirá: 1) que o "sis-tema fechado" de variáveis escolhido com X realmentecontenha as dimensões causais fundamentais; 2) um co-nhecimento geral das variáveis circundantes do sistema;3) e finalmente um conhecimento geral da natureza e dacomposição de cada variável explicativa e das possíveisvariáveis correlatas.O trabalho com tipos diferentes de variáveis ou mesmo oseu simples enunciado são acontecimentos raros nas teo-

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rias sôbre desenvolvimento econômico. A ausência de ati-vidade interdisciplinar constitui sério fator que impede asatisfação da segunda e da terceira condição que acabamosde mencionar. Uma estrutura rigorosa, para que se pro-cedam às especulações, é ainda hoje negligenciada na áreado desenvolvimnto econômico e como conseqüência asteorias tendem a ser "válidas" apenas no âmbito de rea-lidades não empíricas. LEWIS sugere que em certas cir-cunstâncias a inflação pode ser utilizada para financiamen-to do desenvolvimento desde que ela possa ser reabsor-vida." Porém, o poder explicativo desta proposião reduz--se dràsticamente quando outras dimensões necessáriassão introduzidas em seu modêlo do que parece ter-se aper-cebido MYINT, quando menciona dimensões extra-econô-micas dos processos inflacionários. Nas economias inflacio-nárias "tão logo se cria a expectativa da alta de preços,surge um fator inibidor da poupança", o que equivale aafirmar que a inflação não será reabsorvida, isto porquea incerteza psicológica, a instabilidade política e a tensãosocial constituem componentes inevitáveis da síndromeinflacionária. Na verdade, tedos êstes fatôres tendem acompensar e/ou neutralizar os eventuais efeitos positivosda inflação. Portanto, certas circunstâncias apontadas porLEWIS raramente serão válidas em X, e se isto é verdadepodemos concluir pela inutilidade de seu modêlo. Talvezseja válido apenas cemo um "tipo ideal" a ser atingidoatravés de diretrizes econômicas, mas tal aspecto ultra-passa os limites dêste artigo.

Convém observar, a esta altura, que não aceitamos a idéiade que o desenvolvimento econômico, enquanto objeto deespeculação científica, constitui um "composto econômico",mas sim uma constelação complexa de fatôres econômicose não-econômicos. Assim, a utilização de "leis gerais" nãoempíricas, pode não ser adequada ao estudo dos fenôme-nos que não seguem uma seqüência racional e lógica. Con-cordamos plenamente com SCHOEFLER que diz serem os

16) H. MVINT, The Economies of the Developing Countries, Nova Iorque:Preeger, 1965, pág. 145.

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progressos das teorias sôbre desenvolvimento econômicotão lentos e penosos, porque os modelos, conceitos e instru-mentos de análise empregados pelos economistas são fun-damentalmente incompatíveis com o objeto de estudo."Isto equivale a dizer que "os economistas têm de aceitaro fato de que uma atividade econômica tem lugar numaestrutura orgânica na qual tôdas as partes estão intima-mente relacionadas, influenciam-se mutuamente e são in-terdependentes ... " . 18

PROBLEMAS DE VERIFICAÇÃO EM TEORIA DEDESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

Todo cientista é obrigado a satisfazer as exigências dapossibilidade da verificação, quando apresenta proposiçõesgerais sôbre um fenômeno como um conjunto dedutivo deafirmações. O processo de verificação do conhecimentocientífico envolve várias problemas. Todavia, nos restrin-giremos ao exame de dois tipos fundamentais de proble-mas que têm lugar no processo de elaboração de teoriassôbre o desenvolvimento econômico ou seja, os que dizemrespeito à adequação das técnicas de verificação e aosproblemas de mensuração.

Técnicas de Verificação - Entendemos por verificação oprocedimento ou conjunto de procedimentos elaboradospara descobrir se os dados referentes a uma situação realsão adequados ao conjunto de generalizações sôbre a refe-rida situação ou sôbre um tipo ideal de situações reais queincluam a primeira."

Em economia, acreditamos serem possíveis três posiçõesdiversas no que diz respeito à questão da verificação.

• Os "aprioristas" que defendem a posição de que a eco-nomia é um sistema a priori de verdades, um produto da

17) S. SCHOEFFLER,The Failures oi Economics, Cambridge: Harvard Uni-versity Press, 1955. Provê bibliografia pràticamente completa sôbreproblemas de metodologia econômica. Vide especialmente págs, 209 a 245.

18) W. I. GREENWALD,"Common Irrelevances in Contemporary Theorizingby Economists" in Kyklos, Vol. 10, 1957, págs, 302 a 315.

19) F.MACMLUP, "The Problem of Verification in Econornics", in SouthernEconornic Jaurnal, VaI. 22, 1955, págs. 1 a 21.

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razão, uma ciência, "não sujeita à verificação ou à refuta-ção com base na experiência"," "uma ciência exata quealcança leis tão universais como a matemática'Yl Yumsistema de deduções a partir de uma série de postulados"."Portanto, qualquer verificação, se necessária, terá de serrealizada apenas ao nível da lógica formal."

G A seguir, temos os "ultra-empíricos" que afirmam se-rem "os pressupostas fundamentais da economia imaginá-rios, não verificáveis e irreais ... e que. .. as investiga-ções deveriam principiar pelos fatos e não por pressu-postos" ... 24

fi Entre estas duas posições extremadas existe uma"tendência composta" que, evidentemente, insiste numaverificação do tipo empírico-dedutivo. Esta posição por suavez se subdivide em duas ramificações com economistascomo MACHLUP que enfatizam os processos "indutivo-de-dutivcs" enquanto outros, dentreêles LANGE, enfatizam oprocedimento do tipo "dedutivo-indutivo".

De qualquer forma os economistas contemporâneos con-cordariam ser a coerência lógica, condição necessária masnão suficiente para a validade da verificação das teoriaselaboradas. As teorias sôbre o desenvolvimento econômicoparece, contudo, ter conseguido atingir, em grande parte,as exigências da coerência lógica, mas não as exigênciasda coerência empírica. Embora exagerando, GoRDON afir-ma que as teorias de desenvolvimento econômico são for-malmente válidas, mas inúteis,"

20) L. VON MIESE, Human Action: A Treatise on Economics, New Haven:Vale Uruversity Press, 1949, pág. 858.

21) F. KNIGHT, "The Limitations of Scientific Method in Economics", inR. G. Tugwell, Ed'., The Trend of Eoonomics, Nova Iorque: AppletonCetitury Crafts, 1930, pág. 256.

22) L. ROBINS, An Essay on the Neture and Signiiicence oi EconotnicScietice, Londres: McMillan, 1935, pág , 99.

23) K. H. PARSONS, "Tha Logical Foundations of Economic Research" in]oumal oi Farm Economics, Vol. 31, 1949, pág. 661.

24) T. W. HUTCHISON,The Significance end Besic Postulares oi EconomicTheory, Loridres : McMilIan, 1938, pág. 166.

25) D. F. GORDON,"Operational Propositions in Economic Theory in The]oumal of Political Economy, Vai. 62, 1955, págs. 150 a 161.

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Atentando para o problema das técnicas empíricas de ve-rificação para a elaboração de teorias do desenvolvimento,e examinando as teorias existentes, tentaremos ver até queponto elas são passíveis de um rigoroso processo de veri-ficação empírica.

No estado atual do conhecimento, duas técnicas de veri-ficação empírica parecem ser usadas "intuitivamente" naárea do desenvolvimento econômico: a ex-post-iecto e ada. análise comparativa. Inicialmente, poderíamos obser-var que estas duas técnicas não são mutuamente exclusi-vas, a última podendo ser considerada uma variação daprimeira.

A técnica ex-post-iecto tenta verificar se um conjunto deeventos, ou se OI conjunto das características do desenvol-vimento econômico está causalmente relacionado, e quala extensão dêste relacionamento no sentido de provocarmodificações num dado sistema." Os especialistas em me-todologia parecem concordar que as verificações ex-post--Iecto satisfazem de maneira geral as exigências para o ccn-trôle da pesquisa empírica, mas apresentam alguns pro-blemas. Na área específica do desenvolvimento econômicoos problemas principais são:

1) Os que dizem respeito: à identificação e definiçãodas variáveis explicativas relevantes; à seleção de dadospara uma amostragem significativa, ao encontro de dadosque permitam uma inferência confiável a ser extraída dascomparações ou de várias classes de dados da amostraetc. Nossa opinião é que nenhum dos problemas foramresolvidos pelos teóricos do desenvolvimento e nem sequerdevidamente enfrentados. Um levantamento da biblio-grafia utilizada não demonstrou um único trabalho sôbredesenvolvimento econômico que incluísse um capítulo sô-bre os problemas e a metodologia das verificações. Assimnunca sabemos que variáveis ou indicadores devem serselecionados para verificar a validade empírica de umateoria. Também se ignora quantos e que tipos de sistemas

26) E. NAGEL, op. cits., pág. 457.

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deveriam ser considerados para verificação do conheci-mento teórico existente no campo do conhecimento eco-nômico.

2 ) Outro problema crucial é O< relativo à natureza daevidência necessária para que se possa conceder uma sig-nificância válida às correlações existentes entre os dados.A sofisticação estatística dos economistas modernos sãoseguros indicadores de estarem atentos ao fato de que estascorrelações não. significam obrigatôriaments, a existênciade causalidade. Porém, como já indicamos anteriormente,isto não parece ocorrer quando os teóricos trabalham naárea do desenvolvimento econômico. A conjunção e asilustrações concomitantes são freqüentemente usadas como"testes empíricos" para a validação. de teorias. O problemareal é que, não se estabelecendo. um critério evidente arespeito dos dados necessários para validar uma teoria,poderá dizer-se que as "reconstruções" existentes servemapenas como ilustrações e não como. verificações. Nestesentido a teoria de ROSTOW é um bom exemplo, O referi-do autor levanta em sua obra uma questão teórica extre-mamente pertinente, isto é, ". .. como se explica quealguns sistemas econômicos tenham abandonado a estag-nação ... e partido para uma situação em que o. cresci-mento. passou a ser a condição econômica normal?"." Aresposta de ROSTOW é que a "decolagem" (take-off) é ofenômeno crucial na realização do desenvolvimento eco-nômico a curto prazo. em muitos países. As evidências"verificáveis" desta proposição são obtidas de estudos decasos como a Suécia, o Canadá etc. Porém, o. materialestatístico apresentado não assegura evidência de que a"decolagem" (take-oft) seja um precedente ou uma causarelativamente isolada do desenvolvimento econômico. Naverdade, poder-se-ia afirmar que a "decolagem" (take-off)poderia ser utilizada perfeitamente como definição do pro-cesso de desenvolvimento. econômico em si. Como observaHIRSCHMAN, atribuir uma função causal aos acontecimen-

27) W. W. ROSTOw, "The Take-Off into Self-Sustaiued Gorwth" in A. N.Agarwala e S. P. Singh, op. cit., pág. 156.

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tos passados, exige que, entre outras coisas, se especifiqueem que "quantidade" a condição em questão estêve pre-sente no desencadeamento do processe."

KUTZNETS compara as características dos países avança-dos econômicamente no estágio anterior à "decolagem"(take-oif) com os países subdesenvolvidos contemporâ-neos. Embora mostre algumas diferenças interessantes,particularmente no que se refere às tendências populacio-nais, sua análise reduz-se a uma descrição, pois não sãoestabelecidos vínculos de causalidade entre os fenômenos."

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Resumindo, estamos tentando demonstrar que não -existemrazões a prioti que fazem a abordagem histórica inútil aoentendimento do processo de desenvolvimento econômico.Mas para que a história econômica contribua de maneirapositiva, ela deve conter mais do que simples descriçõesou ilustrações do que aconteceu no momento em que asnações, hoje desenvolvidas, começaram o seu processo dedesenvolvimento. " ... A descrição (do processo de desen-volvimento econômico) que nos diz o que aconteceu, damesma forma que se descreve o processo de crescimentodos indivíduos, acaba por excluir a importante questão dacausa da ocorrência das mudanças." 30 Os historiadores deeconomia têm realizado trabalho essencialmente cronoló-gíco, com pequeníssima análise histórica; sabendo-se quea cronologia não pode fornecer mais do que descrições,permanece a lacuna das explicações.

3) Outro problema importante é o da estrutura dainvestigação. A que melhor se presta à validação externaé evidentemente aquela que se faz sob forma de experi-mentação controlada na qual um programa de desenvol-vimento seria construído com base em hipóteses, e pos-

28) A. O. HIRSCHMAN, "Obstacles to Development: A Classification anda Quasi-Vanishing Act", in Economic Development and Cultural Change,Vol. 13, 1965, págs, 385 a 393.

29) S o KUTZNETS, "Underdeveloped Countries and the Pre-Industrial Phasein the Advanced Countries.: an Attempt at Comparison", (1954) inA o No Agarw2ia e S o P o Singh, op . cito, págs , 135 a 153 o

30) S o ENKE, Economics ior Development, New ]ersey: Prentlce Hell,1964, pág o 190 o

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teriormente implementada e julgada. Entretanto, tal tipode estruturação não é factível para os problemas do de-senvolvimento devido limitações óbvias. Por isso o recursomais accessível para a validação empírica consiste na in-trodução de generalizações parciais de uma teoria ou con-junto de teorias nas diretrizes econômicas. Aqui, nova-mente, surge o problema de saber-se até que ponto as"generalizações parciais" são representativas da doutrinacomo um todo. As diretrizes mistas parecem denotar obje-tivos conflitantes e/ou mutuamente exclusivos. EISEN-STADTobserva que as diretrizes introduzidas pelos colo-nialistas nas áreas subdesenvolvidas são de natureza con-traditória. Por um lado, enfatizam as modificações de tiporacional para a economia, a tributação e a administraçãosistemática. Em oposição exigem lealdade política, obe-diência passiva e identificação completa que são indis-cutivelmente sérios obstáculos às modificações que pre-tendem introduzir.

4) Uma quarta dificuldade para a validação externasurge não ao nível dos procedimentos, mas no domínioda lógica. Há economistas que partem do pressuposto daprimazia do sistema econômico na sociedade. CELSOFUR-TADOdiz que as "inovações tecnológicas, que constituema essência do desenvolvimento econômico, não apenas pro-vocam mudanças na estrutura do sistema de produção, ...mas as modificações na estrutura econômica tendem a in-troduzir mudanças na estrutura sccial como um todo ... ".31

A teoria do "crescimento desequilibrado" (unbalancedgrowth) de HIRSCHMANbaseia-se no mesmo pressuposto.

O teórico que adota a primazia do econômico coloca-sediante de um dilema. Admitamos primeiramente que estaprimazia fôsse uma verdade. Seria então necessário reco-nhecer que a implementação de um plano de desenvolvi-mento, baseado numa teoria, provocaria atritos e irritaçõesde outros segmentos do sistema. Se êste fôr o caso, o teó-rico terá de assumir uma posição técnica para distinguir

31) C. FURTADO, Dielética do Desenvolvimento, Rio de Janeiro: EdiçõesFundo de Cultura, 1964, pág. 29.

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até que ponto as reverberações do sistema atingem o plano,introduzindo mudanças nas condições iniciais do modêlo.Inversamente, se o pressuposto de que a primazia do eco-nômico é falsa, não terão lugar modificações em outrossegmentos do sistema e será evidente que apesar da defi-nição de desenvolvimento econômico que foi usada, êstenão ocorreu e tôda e qualquer possibilidade de validaçãoexterna é eliminada.Ignoramos qualquer esfôrço sistemático que tenha sidorealizado para a solução do dilema apontado. Os econo-mistas têm aceitado como evidente o que permanece comomatéria obscura para as demais ciências sociais.

Somos forçado a reconhecer que parte da dificuldade en-contrada pelos economistas tem' sua origem no fato deque as ciências sociais ainda não atingiram um conjuntode conhecimentos, aceitáveis sem maiores discussões, sôbreo funcionamento das relações das várias partes do própriosistema social. Por outro lado, se insistimos no êrro doseconomistas, não-nos negamos a reconhecer que os próprioseconomistas sentem-se incapazes de verificar a validadeexterna de suas teorias pela falta de conhecimento quedeveria ser provido por sociólogos, antropólogos e demaiscientistas sociais. Talvez o desenvolvimento, de uma so-ciologia da história seja uma das tarefas mais urgentesde nossos dias.Problemas de Mensuração - O segundo grupo de proble-mas importantes envolvidos no processo de verificação é oda mensuração que na verdade constitui sempre uma fontede dificuldades para qualquer ciência. Porém, algumasciências, como é o caso das ciências físicas, conseguiramestabelecer sistemas de contrôle bastante razoáveis, o quenão ocorreu com outras ciências, entre as quais listaríamosas sociais. Os sistemas de contrôle diminuem os efeitosnegativos das distorções do processo de mensuração. Den-tre as ciências sociais a economia é, talvez, aquela em quemaiores avanços foram realizados no sentido de precisaras técnicas de medição, porém, isto não é verdadeiro paratôdas as áreas da economia. As questões referentes ao de-

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senvolvimento econômico enfrentam graves problemas demedição, semelhantes aos encontradiços em tôdas as outrasciências sociais, e suficientes para ameaçar a validade dasgeneralizações.

Entendemos por validade a extensão correspondente entreum indicador e uma definição. A validade perfeita signi-fica que o indicador tenha o mesmo objetivo e o mesmoconteúdo da definição." GUTTMAN reconhece no proble-ma da validade dois aspectos: a "validade interna" e a"validade externa". A primeira expressa uma relação detipo lógico, enquanto a segunda expressa uma relação detipo lógico, enquanto a segunda outra de tipo empírico, ouseja, com a realidade externa ao, sujeito que pensa."

.l ) Admitamos uma definição de "desenvolvimento eco-nômico", representada por um círculo cheio.

oAdmitamos também que os indicadores (medidas econô-micas sôbre renda nacional, taxa de crescimento popula-cional, etc.), sejam representados por um círculo pon-tilhado.

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32) H. L. ZETTERBERG, On T'heory ar.rl Verilication in Sociology, Totowa:T'he Bedtninster Press, 1965, Capítulo 7.

33) L. GUTTMAN, "The Problem of Attitude and Opinion Measurement",in S. A. Stouffer, Messurement and Ptediction, New ]ersey: PrincetonUniversity Press, 1950, págs. 57 a 59.

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Há vários problemas envolvidos na questão do ajustamen-to entre os indicadores e a definição. Talvez a mais im-portante, na área do desenvolvimento econômico, seja quea definição amplie o indicador e acabe por adicionar algoque não está contido no indicador.

Êste seria o caso de utilizar-se o aumento da renda percapita como a definição operacional de desenvolvimentoeconômico. A definição ultrapassa o que está contido noindicador, pois uma distribuição mais equânime da rendaestá implícita na definição nominal de desenvolvimentoeconômico mas êste aspecto não é coberto pelo indicador,que se refere apenas ao aumento da renda per capita emtêrmos agregados. Por outro lado, o indicador reflete ape-nas alguns aspectos do fenômeno como êle é definido.Evidentemente esta não-identidade entre definição e indi-cador afetará diretamente a validade das generalizações.

2 ) Com relação ao problema da "validade externa",apesar de já discutida anteriormente, acrescentaríamos queos economistas do desenvolvimento subestimam o pro-blema e suas sérias implicações, como a falta de informa-ções, a inadequação dos dados disponíveis, etc., para quese possa obter a validação externa das generalizaçõesenunciadas. PAUUWobserva que grande parte da pesquisana área do desenvolvimento econômico enfrenta sériosproblemas com relação aos dados, porque os países sub-desenvolvidos oferecem poucos dados sôbre sua situaçãosocial e econômica, e nem sempre exatos, o que diminui

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bastante a confiança que nêles pode depositar o pesqui-sador ávido de encontrar fundamento para suas genera-lizações."

Assistimos a uma limitação prática dos esforços dos teo-rizadores e também a um uso inadequado dos dados exis-tentes. SEERS afirma que "entre os erros mais comuns co-metidos pelos economistas que trabalham em países quenão os seus, encontra-se a tentativa de construir com ummodêlo excessivamente elaborado, . . . a partir de informa-ção estatística incompleta e, portanto, pouco confiável;mais incompleta, inclusive, do que os economistas treina-dos em países industrializados possam imaginar ... Naverdade, muitos dos mais elegantes modelos, que se têmelaborado para vários países subdesenvolvidos, são poucomais que fantasias"."

Outro problema para a validação externa diz respeito àslimitações das medições precisas devidas às reverberaçõesdas variáveis quando submetidas a "tratamento econômi-co". Empresários, consumidores, sindicatos e outros grupos,quando adquirem conhecimento são capazes de modificar,e freqüentemente modificam o seu comportamento e oresultado é a mudança dos dados iniciais a ponto de tornara teoria inaplicável. O efeito do conhecimento ou da apli-cação do conhecimento aos dados conduz o teorizador asituações em que as generalizações não podem ser maisdemonstradas, nem contraditadas" A melhoria das técni-cas de medição, bem como o aperfeiçoamento dos própriosconceitos, constituem a tarefa básica para obter generali-zações dotadas de maior validade.

34) D. S. PAUUW, "Some Frontiers of Empirical Research in EconomicDevelopment" in Economic Dev eloprnent smd Cultural Change, VoI. 9,1961, págs, 180 a 190.

35) D. SEERS, "Why Visiting Economists Fail?" In D. E. Noveck e R.Leckachman, Developrnent nnd Society: The Dynemics oi EconomiaChenge, Nova Iorque: St. Martin Press, 19-64, pág, 381.

36) M. J. LEVY,"Some Bas ic Methodological DifficulKes in Social Science",in Pholosophy oi Science, VoI. 17, 1950, pág. 208.

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CONCLUSÕES

Utilizamos ao longo dêsse artigo a expressão "teoria cien-tífica do desenvolvimento econômico" que signific-a "umsistema dedutivo empiricamente verificado"." Foi nossoobjetivo mostrar que os teóricos do desenvolvimento têmnegligenciado sérios problemas metodológicos, afetando,portanto, a própria validade de suas generalizações.

A despeito da negligência, demonstramos que os economis-tas tendem a insistir na apresentação de suas generaliza-ções, que se tem caracterizado pela pretensão de se exigi-rem em sistemas dotadcs de universalidade, de maneira anão poder ser justificada pela metodologia usada para aaquisição do conhecimento. Observamos uma tendênciageral das várias "teorias" sôbre desenvolvimento para asgeneralizações amplas, apesar dos economistas desconhe-cerem se as hipóteses fundamentais, utilizadas no "sistemafechado" de variáveis, são válidas para qualquer sistema.Também acentuamos uma tendência para tornar maisfáceis a linguagem, o estilo e os tipos de inferências demodeles causais embora cs procedimentos não satisfaçamas exigências dos esquemas de causalidade. Também foinotado que os teoristas tentam elaborar sistemas comple-xos de proposições dedutivas sem que se registre um gran-de esfôrço para o aperfeiçoamento dos métodos de veri-;icação do conhecimento existente.

Contudo, partimos do pressuposto de que as teorias do-tadas de grande possibilidade explicativa - se tal puderser conseguido no campo do desenvolvimento econômico- exigem maior rigor na definição do sistema de variáveiscontidas no quantificador universal, mais precisão noenunciado das condições em que as variáveis devem serestudadas, mais conhecimento empírico que possibilite oestabelecimento de relações assimétricas de forma mais

37) F. S. C. NORTHROP,"The Method and Limited Predictive Power ofClassical Economic Science", in The Logic of the Sciences and theHurnenities, Nova Iorque: Meridian Books, 1959, pág. 23:;.

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adequada entre as variáveis, e, finalmente, mais esfôrçopara que se possa realizar a verificação lógica e empíricadas proposições dedutivas.

Nossa inclinação seria pela conclusão de que a maior partedas teorias existentes não tem satisfeito as exigências queacabamos de enumerar. Conseqüentemente o resultado éque o conhecimento obtido não é simplesmente dotado depequeno poder explicativo, mas também não pode ser sub-metido a processos rigorosos de verificação.

É verdade que tôda a crítica contra a teorização sôbre odesenvolvimento econômico pode ser dirigida nos mesmostêrmos contra tôdas as demais ciências sociais. A sociologia,a antropologia e a ciência política ainda não foram capazesde apresentar uma teoria exaustiva sôbre a mudança social.Todavia, tais argumentos não diminuem a necessidade demaior precisão no campo do desenvolvimento econômico, etorna-se também necessário que os economistas adotemuma posição mais modesta no que diz respeito à validadee à generalidade de suas especulações.

o desenvolvimento econômico é parte de um conjunto deprocessos mais amplo e mais complexo que habitualmentesão estudados sob a designação de mudança social. O iso-lamento existente entre o processo de desenvolvimentoeconômico e o processo de mudança soda I constitui indis-cutivelmente um obstáculo para que se possam atingir ge-neralizações mais válidas. Apesar da posição parecer bas-tante aceita pela maioria dos economistas contemporâneas,não encontramos muitos trabalhos que adotem a aborda-gem referida; e a própria inclusão do processo de desen-volvimento econômico, na mais ampla perspectiva da mu-dança social, não constitui tarefa livre de dificuldades por-que ainda é desconhecida no seu funcionamento e portan-to imprevisível.

Não adotamos a posição de que os economistas devemabandonar o campo e as indagações sôbre o desenvolvi-mento econômico. Ao contrário, insistiríamos que devem

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ter sempre presente os problemas do desenvolvimento, en-tretanto ao mesmo tempo busquem uma metodologia maispsecisa e adequada ao objeto de suas especulações. Se estasugestão é limitativa aos objetivos das generalizações, poroutro lado ela representaria um processo real pela obten-ção de maior precisão. A escolha entre generalidade e pre-cisão é uma imposição. (não desejada) para qualquerciência nova.