Terra Livre 33
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TERRA LIVRE PARA A CRIAÇÃO DE UM COLECTIVO AÇORIANO DE ECOLOGIA SOCIAL
BOLETIM Nº 33 JUNHO DE 2011
Condecoração de Veríssimo Borges: Justiça e hipocrisia
A incineração agrava a mudança climática
Afinal, o que são os “transgénicos”?
Visita à Quinta da Torre
Economia social e humana
2
No próximo dia 13 de Junho, a
Assembleia Legislativa da Região
Autónoma dos Açores vai condecorar
algumas pessoas e instituições. Entre
elas, consta Veríssimo Borges, antigo
dirigente da Quercus, dinamizador do
SOS-Lagoas e membro dos Amigos dos
Açores.
Como o espaço que me é concedido
pelo Correio dos Açores não permite
elaborar um texto onde possa registar
tudo o que é do meu conhecimento da
actividade do Veríssimo em prol de uns
Açores mais solidários e
ecologicamente sustentáveis, deixo aqui
apenas alguns apontamentos.
A militância ambientalista do Veríssimo
terá começado quase em simultâneo
com a sua adesão aos Amigos dos
Açores, em Junho de 1993, onde chegou
a estar presente em reuniões da direcção
como convidado, e com o surgimento
do movimento SOS- Lagoas, que surgiu
com o objectivo de alertar a opinião
pública para o estado de degradação das
Lagoas dos Açores, nomeadamente da
Lagoa das Furnas. As acções do SOS-
Lagoas foram esporádicas no tempo
(92-94 e 99), sendo, curiosamente, os
pontos mais altos coincidentes com as
visitas dos Presidentes da República
(Mário Soares e Jorge Sampaio) aos
Açores.
A criação do Núcleo de São Miguel da
Quercus, terá ocorrido em 1994, por
iniciativa da Direcção Nacional daquela
associação. Com efeito, o presidente
dos Amigos dos Açores, foi contactado
por Viriato Soromenho Marques que
propôs a transformação daquela
associação regional em núcleo da
Quercus, sugestão que chegou a ser
discutida e que foi rejeitada. Aquando
da presidência aberta de Mário Soares
sobre ambiente, durante um jantar nas
Furnas, que contou com a presença do
presidente nacional da Quercus, Teófilo
Braga voltou a afirmar a sua não
intenção de dirigir o núcleo dos Açores
da Quercus e na altura apresentou, a
Viriato Soromenho Marques, Veríssimo
Borges, mencionando que seria a pessoa
ideal para liderar a Quercus na Região.
Condecoração de Veríssimo Borges: Justiça e hipocrisia
3
Desde que conheci o Veríssimo mantive
com ele um contacto regular. Com
efeito, desde então trocávamos opiniões
sobre os mais diversos temas e tínhamos
um “acordo tácito”, isto é a Quercus
ficava com os temas resíduos e lagoas
enquanto a temática das áreas
protegidas e a da educação ambiental
ficavam sob a alçada dos Amigos dos
Açores, o que não impedia que qualquer
associação se pronunciasse sobre
qualquer assunto desde que o achasse
por bem.
O Veríssimo nunca se deixou embalar
pelo canto daqueles que achavam que
era importante a criação, nos Açores, de
uma Federação Regional de
Associações Ambientalistas e da Defesa
do Património, apesar das várias
tentativas que terão sido “induzidas”
pelo próprio Governo Regional. Sendo
duvidosas ou limitadas as vantagens da
existência de uma Federação, a grande
desvantagem seria o completo controlo
por parte do estado que teria como
interlocutor apenas uma voz cuja
existência só seria possível com o apoio
daquele, já que as diversas associações
existentes debatiam-se e debatem-se
com falta de recursos e com diminuta
capacidade organizativa.
As grandes batalhas do Veríssimo
foram a defesa das lagoas e a
implementação de um sistema de gestão
de resíduos sólidos que tivesse em conta
a política dos três R (Reduzir,
Recuperar e Reciclar). Se a primeira
ainda não está ganha, a segunda parece-
nos perdida. Assim, considero que, em
lugar da sociedade sustentável que ele
defendia, com as políticas que
continuam a ser implementadas está a
ser construída uma sociedade
insuportável. Daí que, se considero mais
do que justa a condecoração que ele vai
receber, também considero revoltante
assistir a esta homenagem no momento
em que a Região se prepara para
implementar o projecto que ele mais
combatia: a incineração de resíduos
sólidos urbanos.
Teófilo Braga
4
As emissões da incineração não se
devem comparar com aterros sanitários
de dez anos atrás mas sim com as
emissões da reciclagem, da reutilização,
da compostagem ou da redução de
resíduos.
Joan Marc Simón
Europa / Ecologia – O que é melhor
para o meio ambiente, as emissões
resultantes da produção de um produto
ou as emissões resultantes da produção
do mesmo produto duas vezes? A
resposta desta simples pergunta nos
permite entender por que a incineração
agrava a mudança climática: é
impossível lutar contra o aquecimento
global , queimando um resíduo que
poderia ser reciclado ou reutilizado,
pela simples razão de que se deve
adicionar as emissões resultantes de
produzir o produto de novo (extração,
produção, transporte, etc...) às emissões
da queima.
Na atualidade, estima-se que a
porcentagem reciclável, reutilizável ou
compostável se situa entre um 60% e
um 90% dos resíduos totais. Em
Flandes, Bélgica, reciclam um 75% dos
resíduos. Se na Espanha (cuja
porcentagem de reciclado se situa em
torno a 30%) houvesse a vontade
política de chegar a porcentagens
similares, o debate sobre a necessidade
de incineração ficaria automaticamente
obsoleto. 25% dos resíduos restantes
podem ser estabilizados biologicamente
(obtendo energia no processo) e ser
enviados ao aterro enquanto se
desenvolvem estratégias para reduzir
paulatinamente a fração residual.
O debate sobre a incineração e a
mudança climática só favorece à
indústria incineradora , prejudicando o
erário público, os cidadãos, as gerações
futuras e o clima. A indústria
incineradora se empenha em comparar a
incineração com os aterros de dez anos
atrás, onde a matéria putrescible
apodrecia sem controle, emitindo
metano (bem mais prejudicial que o
CO2).
Este cenário já não é válido, pois a
diretoria dos aterros (99/31/CE)
encarregou-se de reduzir a matéria
orgânica nos mesmos. Além disso,
quando a indústria incineradora publica
suas emissões deduz um 60% [1] do
carbono emitido por ele ser biogênico
(por exemplo, o que contém a matéria
A Incineração agrava a mudança climática
5
orgânica dos resíduos). Este fato
"esconde" 60% das emissões e não
considera que quando há uma boa
separação da matéria orgânica e o papel
se recicla, a parte biogênica se reduz
consideravelmente. A própria indústria
incineradora admite que, hoje, depois da
coleta seletiva, a porcentagem de carvão
biogênico representaria entre um 35% e
um 48%. Este "matiz" faz com que as
emissões de uma incineradora igualem
às de uma planta de gás. Se
incluíssemos todo o carbono biogênico
na equação (tal e como exigem os
cientistas do IPCC quando se comparam
fontes de energia) veríamos como as
emissões das incineradoras superam as
de uma usina de energia que utiliza
carvão [2].
Mas mesmo que fosse verdadeira a
presença de um 60% de carvão
biogênico nos resíduos, continua sendo
um erro considerar estas emissões como
neutrais, sob o ponto de vista do CO2,
pois se a fração biogênica (sobretudo
orgânica e papel) se compostasse,
primeiro retirando energia com digestão
anaeróbica e depois devolvendo o
composto à terra, poderíamos ganhar
um tempo precioso na luta contra a
mudança climática. O que nos interessa
é reduzir as emissões de CO2 o mais
rapidamente possível, enquanto
descarbonizamos nosso estilo de vida
para atrasar a elevação da temperatura
da Terra. Se o resíduo se queima, todo o
carbono é levado diretamente à
atmosfera; com a compostagem
consegue-se atrasar este processo
"seqüestrando-o" durante bons anos.
Além disso, devolver o carbono à terra
ajuda a lutar contra a desertificação num
país como a Espanha, onde os solos são
paupérrimos em matéria orgânica. Não
esqueçamos que o desflorestamento é
responsável por um 25% da mudança
climática.
É surpreendente que alguns Estados
como a Espanha dêem primas às
incineradoras por sua produção de
"energia renovável". Quando o que
fazem é queimar resíduos que poderiam
ser reciclados ou compostados (estima-
se que um mínimo do 50% dos resíduos
queimados ou enterrados na União
Européia são recicláveis [3]) com a
conseguiente economia energética e de
recursos, assim como o melhor efeito
sobre o meio ambiente que significa a
reciclagem.
As emissões da incineração não devem
ser comparadas com os aterros de dez
anos atrás, senão com as emissões da
reciclagem, reutilização, compostagem
ou da redução de resíduos. Além disso,
6
no século XXI deve-se promover
formas eficientes para gerar energia;
uma incineradora tem uma eficiência
energética de 30% diante dos 80% da
energia solar [4]. Por outro lado, as
incineradoras são uma forma de
incentivar a geração de resíduos, algo
insustentável num mundo com recursos
finitos e no qual tanto a UE como o
Estado espanhol afirmam querer
desacoplar o crescimento econômico da
geração de resíduos. Finalmente, o
objetivo de querer vender a queima de
resíduos como benéfica para o meio
ambiente está baseado exclusivamente
em interesses empresariais e não de luta
contra a mudança climática ou a favor
de uma sociedade mais sustentável. É
de vital importância que as autoridades
deixem de cair continuamente em
operações tão claras de greenwashing
(lavado verde). A incineração contribui
direta e indiretamente à mudança
climática.
[1] "Waste-to-Energy and the revision
of the waste framework directive"
CEWEP, by Kees Wielenga Fact.
(February 2008).
[2] "A Changing Climate for Energy
from Waste?", EUNOMIA, Dominic
Hogg, March 6, 2006.
[3]
http://www.foe.co.uk/resource/reports/g
one_to_waste.pdf
[4] Murphy, J.D. and E. McKeogh
(2004) "Technical Economic and
environmental analysis of energy
production from municipal solid waste",
Renewable Energy 29 (7): 1043-1057.
_______________
Joan Marc Simón é coordenador de
GAIA (Global Alliance for Incineration
Alternatives) na Europa. Publicado em
www.sinpermiso.info
FONTE:
http://www.miradaglobal.com/index.php?option
=com_content&view=article&id=1286%3Ala-
incineracion-agrava-el-cambio-
climatico&catid=32%3Aecologia&Itemid=36&l
ang=pt
7
O que são Organismos Geneticamente
Modificados, OGMs (GMOs em inglês) ou
Transgénicos?
Os transgénicos, são seres vivos - plantas,
animais, microrganismos - que foram
sujeitos a técnicas de engenharia genética.
Esta tecnologia permite que os genes
(pedaços de uma moléculas chamada DNA
e que têm informação importante para o
funcionamento das células) sejam extraídos
de um organismo, alterados, agregados de
novas formas e depois injectados num outro
organismo, que vai adquirir novas
características e transmiti-las a toda a sua
descendência. De acordo com a Directiva
2001/18, os OGM são "qualquer organismo,
com excepção do ser humano, cujo material
genético tenha sido modificado de uma
forma que não ocorreria naturalmente.
Os novos genes podem derivar de espécies
diferentes e são “agrafados” à cadeia
genética original. O objectivo é
conseguir “variedades” com propriedades
especiais. Um exemplo: retirar genes
“anticongelamento” de peixes e colocá-los
em tomates ou morangos, para lhes
aumentar a resistência à geada.
"Isto até poderia ser benéfico, se na
natureza não existissem as suas próprias
leis, ás quais o Homem terá que respeitar
com o prejuízo de se as alterar, ocorrerem
transformações ainda mais difíceis de
contornar. Qualquer alteração não estudada
exaustivamente e por longuíssimos prazos,
poderá ter repercussões drásticas e
irreversíveis para todas as espécies e
ecossistemas.
Em todas as grandes transformações,
deveria ser imposta a lei da precaução. Não
é o que tem acontecido.
Ao longo de décadas, numerosas empresas
de vários ramos, têm vindo a comprometer
a sustentabilidade das espécies humanas e
não humanas e ambiente, visando apenas
grandes lucros. Não acostumadas a pagar
pelos grandes erros que têm sido
responsáveis, continuam impunes."
Que transgénicos (declarados) há
actualmente no mundo?
Segundo dados da indústria relativos a
2009, a soja é o transgénico mais produzido
Afinal, o que são os “Transgénicos”?
8
no mundo ( 52% da área cultivada com
transgénicos), seguida pelo milho
transgénico (29%), pelo algodão
transgénico (12%) e pela colza transgénica
(5%).
Que empresas produzem transgénicos?
As principais são a Monsanto, Bayer,
Syngenta, Dow, BASF e Du Pont. A
Monsanto possui mais de 90% de todo o
mercado de sementes transgénicas. E ao
longo dos anos, adquiriu empresas
fornecedoras de sementes não modificadas,
tentando monopolizar o mercado das
sementes.
Porque desconfiar da Monsanto?
A Monsanto ao longo dos anos tem vindo a
acumular um historial inacreditável de
corrupção, envenenamento e mentira. Um
dos tribunais americanos que já a condenou
classificou o seu comportamento como "de
natureza tão inacreditável e a um nível tão
extremo que ultrapassa todos os limites da
decência e deve ser visto como horrível e
liminarmente intolerável numa sociedade
civilizada".
Noutro caso a empresa foi a tribunal por ter
subornado governantes indonésios na
tentativa de mudar uma lei que obrigava à
avaliação de impacto ambiental antes de o
cultivo de transgénicos ser autorizado.
Em 2009, esta multinacional foi condenada
por publicidade enganosa. A Monsanto
publicitava o seu herbicida Roundup,
aquele a que as suas culturas transgénicas
são tolerantes, como sendo
"biodegradável", em que "deixava o solo
limpo". O tribunal concluiu o contrário.
Em 2010 um ex-director da Monsanto India
admitiu que era prática corrente a empresa
falsificar os estudos científicos.
A Monsanto, foi considerada em 2010
como a multinacional menos correcta em
todo o mundo.
Que transgénicos existem?
As empresas estão a trabalhar para obter
autorizações para numerosos alimentos. O
arroz, trigo, peixes, diversas árvores de
fruto e diversas outras espécies agrícolas
(desde a batata às abóboras passando pelo
sorgo e beringela, entre muitos outros).
Destes, o arroz, a batata e o salmão, já têm
autorização. Um desenvolvimento ainda
mais controverso está na produção
(actualmente em fase experimental) de
9
plantas e animais transgénicos que foram
alterados para produzir substâncias não
alimentares, ou seja, os organismos deixam
de ser comestíveis porque sintetizam
químicos não comestíveis, usados na
indústria. Isto inclui medicamentos,
hormonas, enzimas, etc.
Os transgénicos são seguros?
Segundo a indústria que os criou e
comercializa, são dos alimentos mais
seguros que há no mercado. Mas, tem se
acumulado cada vez mais provas do seu
impacto negativo no ambiente, na saúde, na
agricultura, na economia e no
desenvolvimento sustentável. Na verdade,
os transgénicos não possuem estudos
exaustivos e a maioria dos estudos que
existem, foram feitos pelas próprias
empresas produtoras das sementes. Os
estudos feitos de forma independente, não
são publicitados livremente.
Que alimentos com indicação de possuírem
transgénicos na sua composição é que
existem?
Com a indicação de que os ingredientes são
transgénicos, existem poucos produtos no
supermercado. Isso significa, na prática,
que o grosso dos transgénicos (pelo menos
80%, talvez até mais de 95%) está a ser
canalizado para onde a rotulagem não se
aplica: para as rações animais, em que o
consumidor só vê o produto final (carne,
leite, ovos, peixe de aquacultura) e não é
informado sobre como é que que os animais
foram alimentados. Vale a pena lembrar
que, tal como demonstrado pela doença das
vacas loucas, aquilo que os animais comem
pode ser um problema grave para a nossa
saúde. Grande parte dos produtos
alimentares dos supermercados, há muitos
anos, contém xarope de milho e lecitina de
soja, tudo transgénico.
Compilado por Ana Teresa
Fontes: blogues Plataforma Transgénicos Fora e
Sustentabilidade é Acção
Assine a Petição:
Pela proibição do cultivo de
variedades de organismos
geneticamente modificados (OGM)
na Região Autónoma dos Açores
Aqui:
http://www.peticaopublica.com/?pi=P20
11N9685
10
No passado dia 15 de Maio realizou-se uma
visita à Quinta da Torre, localizada nas
Capelas, ilha de São Miguel, que contou
com a presença de 16 pessoas que de uma
forma ou de outra têm interesse pelos temas
ligados à agricultura. Entre os presentes
estavam técnicos agrícolas, pessoas que
cultivam pequenos pedaços de terra ou os
seus quintais e consumidores de produtos
biológicos.
A quinta tem uma área total de 12 ha. Para
além dum conjunto variado de hortícolas e
fruteiras (anonas, goiabas, maracujás,
citrinos, abacates) existe também produção
pecuária (raça Ramo Grande. Para além do
mencionado, há também a criação de
galinhas, porcos e coelhos.
Tendo em conta que na visita anterior,
realizada a 6 de Julho de 2008, o número de
participantes foi de oito pessoas, podemos
concluir que o interesse por conhecer a
realidade do modo de produção biológico é
crescente entre nós.
A Quinta da Torre é uma das poucas que
tem resistido nos Açores. Com efeito se, em
1999, na Região, existiam 30 explorações,
em 2009, o seu número era apenas 14. Esta
situação é contrária à que se verifica no
todo nacional que regista um crescimento
de explorações que é cerca de 50%.
Em nome do grupo de visitantes e em meu
nome, publicamente, venho agradecer ao
Pedro Pacheco pelo modo como sempre nos
tem acolhido.
T.B.
Visita à Quinta da Torre
11
Indiscutivelmente, não há como refutar uma
assertiva: crescer economicamente é usar o
meio ambiente e, em decorrência desse
atual "uso", crescer significa, grosso modo,
"destruir". Dessa forma, essa premissa pode
ser assim reescrita: "Consome-se, logo,
destrói-se". "Produz-se mais, logo, agride-
se mais".
Pois bem. Numa sociedade centrada no uso
e na força do dinheiro como elemento
potencializador do consumo, outra premissa
tende, por primazia, a se estabelecer: "o
consumo consome o consumidor", como
diz acertadamente Frei Betto em "A Mosca
Azul".
No entanto, paira diante disso uma crucial e
instigadora pergunta: como produzir para
atender a desejos de consumo cada vez
mais ilimitados se há visivelmente limites e
pré-condições impostas e conhecidas pela
natureza que impossibilitam, sobremaneira,
esse atendimento em escala crescente?
Como há desejo de prontamente atender as
necessidades mercadológicas impostas pelo
apelo consumista, por sinal cada vez mais
voraz, deve-se ter em conta aquilo que
Clóvis Cavalcanti chama a atenção com
bastante veemência: "mais economia
implica menos ambiente".
Na esteira dessa análise, frequentemente
temos visto a incidência de um equívoco
conceitual que impera no seio da economia
tradicional insistindo em não diferenciar
crescimento (aumento - quantitativo) de
desenvolvimento (melhoria - qualitativa).
De um lado têm-se a receita tradicional da
macroeconomia, qual seja: buscar o
crescimento económico ilimitado. Do outro,
têm-se a questão ecológica que atesta a não
existência de recursos naturais em
quantidades disponíveis para a ocorrência
desse tal crescimento.
Conquanto, o que precisa ficar esclarecido é
que uma maior produção económica irá
derrubar mais florestas, irá agredir o solo,
usar mais água, o ar, a energia, pondo em
risco a estabilidade do clima que, por sinal,
já vem capenga dada a agressão constante
do processo produtivo sobre as coisas da
natureza.
Outrossim, crescer além da conta significa
aumentar o intercâmbio global de produtos,
o que resulta enfraquecer substancialmente
o mercado interno em nome do exclusivo
atendimento ao modelo de globalização que
recomenda como "receita de sucesso" que
tenhamos sempre a geladeira repleta de
produtos importados.
Economia Social e Humana
12
Ora, é simplesmente insano fazer com que
um ketchup, por exemplo, vindo dos
Estados Unidos "viaje", às vezes, mais de
10 mil quilómetros para chegar ao mercado
brasileiro quando poderia ser produzido
domesticamente e "viajar" menos de 1.000
km para chegar às mesas dos brasileiros. Há
um gasto energético intenso envolto nessa
"viagem" do ketchup de fora para cá que é
altamente agressivo sobre o meio ambiente
e potencialmente gerador de CO2.
Tomemos outro exemplo: a fruta nectarina
produzida em Badajoz, na Espanha, "viaja"
quase 400 quilómetros de caminhão
queimando combustível até chegar a
Portugal, no Porto de Lisboa. De lá vem ao
Brasil, chegando ao Porto de Santos vinte
dias depois. Imaginemos o quanto não foi
gasto em termos energéticos nesse
processo.
Isso é inadmissível numa sociedade que já
consome em energia e recursos o
equivalente a um planeta e 1/3. Acreditar
nesse modelo é continuar jogando terra
sobre a capacidade de se obter
desenvolvimento, pois isso está longe de
melhorar a qualidade de vida das pessoas.
Portanto, diante disso há outra assertiva que
não pode ser refutada: se a economia desde
seus estudos iniciais emergidos da Filosofia
Moral tem como fito precípuo promover o
bem-estar das pessoas é impossível aceitar
pacificamente que os modelos económicos
continuem ignorando dois elementos
fundamentais, as pessoas e o meio
ambiente.
Definitivamente, a economia (ciência) só
possui sentido de existência se, e somente
se, incorporar em suas análises as pessoas e
passar, de forma definitiva, a tratar com
relevância a questão ambiental, visto que
depende dessa para tudo. Historicamente,
tanto as pessoas como a questão ambiental
tem sido relegadas a um segundo plano,
numa visão míope da economia que se
sobrepuja arrogantemente sobre o meio
ambiente, não reconhecendo ser apenas um
subsistema desse meio ambiente. Não
incorporando em seus modelos e análises as
pessoas e o ecológico, a ciência económica
tende a continuar como está: apenas
respondendo pelo crescimento e fechando
os olhos para o crucial, o desenvolvimento
sócio-ambiental-humano. Não trilhando os
caminhos que conduzem a um sistema
económico mais fraterno e ambientalmente
saudável, fica a economia cada vez mais
longe de seu pressuposto elementar nascido
com o intuito de proporcionar melhoria de
vida a todos.
Marcus Eduardo de Oliveira Fonte:
http://www.diarioliberdade.org/index.php?optio
n=com_content&view=article&id=15450:a-
economia-as-pessoas-e-o-meio-
ambiente&catid=293:economia-social-e-
humana&Itemid=21
http://terralivreacores.blogspot.com/