Tese - Angelo Abrunhosa.pdf

download Tese - Angelo Abrunhosa.pdf

of 360

Transcript of Tese - Angelo Abrunhosa.pdf

  • 7/23/2019 Tese - Angelo Abrunhosa.pdf

    1/359

    1

    UNIVERSIDADE DE SANTIAGO DE COMPOSTELA

    FACULDADE DE DIREITO

    PRECEDENTES HISTRICO-TERICOS

    DOS

    REGIONALISMOS DOS AORES E DA GALIZA

    Tese de Doutoramento apresentada pelo

    Licenciado em Direito (Bolseiro da Fundao

    para a Cincia e Tecnologia Programa

    Praxis XXI) MANUEL NGELO GOMES

    ABRUNHOSA MARQUES DE ALMEIDA,

    realizada sob a direco do Professor Doutor

    D. FRANCISCO PUY MUOZ, Catedrtico

    Emrito de Direito Natural e Filosofia do

    Direito da Faculdade de Direito da

    Universidade de Santiago de Compostela.

    V. B.

    El Director

    SANTIAGO DE COMPOSTELA

    2007

  • 7/23/2019 Tese - Angelo Abrunhosa.pdf

    2/359

    2

    SIGLAS E ABREVIATURAS

    A.A.F.D.L. - Associao Acadmica da Faculdade de Direito de Lisboa.A.C.M.L. - Arquivo da Cmara Municipal de Lisboa

    A.D.C. - Anuario de Derecho Civil

    A.D.S. - Colleco da Legislao Portugueza desde a ltima compilao

    das ordenaes, redigida pelo Desenbargador Antnio Delgado

    da Silva 1750-1790, 1833. Lisboa: Typografia Maigrense,

    1830 1844.

    A.F.D. - Anuario de Filosofia del DerechoA.H. - Angra do Herosmo

    A.H.D.E. - Anuario de Historia del Derecho Espaol

    A.L.R.A. - Assembleia Legislativa Regional dos Aores

    A.N.A.F.R.E.- Associao Nacional de Freguesias

    A.N.T.T. - Arquivo Nacional da Torre do Tombo

    B.F.D.U.C. - Boletim Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

    B.N.L. - Biblioteca Nacional de Lisboa

    B.O.C.X. - Boletin Oficial das Cortes Xerais

    B.O.E. - Boletin Oficial del Estado

    B.P.M.P. - Biblioteca Pblica Municipal do Porto

    C.E.F.A. - Centro de Estudos e Formao Autrquica

    C.L.D.A. - Colleco das Leys, Decretos e Alvaras que comprehende o

    feliz reinado Del Rei Fidelssimo D. Jos o I 1750-1790.

    Lisboa: Officina de Miguel Rodrigues, 1770-[1796], Tomos I-V.

    C.O.L.P. - Colleco Official da Legislao Portugueza redigida pelo

    Desembargador Antnio Delgado da Silva, 1850-1930. Lisboa:

    Imprensa Nacional, 1842-1935.

    C.R.P. Constituio da Repblica Portuguesa

    D.H.P. - Dicionrio de Histria de Portugal

    D.P.O. - Deputacin Provincial de Ourense.

    E.A.P.G. - Escola de Admnistracin Publica Galega

    F.A.B. - Fundacin Alfredo Braas

  • 7/23/2019 Tese - Angelo Abrunhosa.pdf

    3/359

    3

    F.C.C. - Fundacin Cnovas del Castillo

    F.C.G. - Fundao Calouste Gulbenkian

    G.G. - Gaceta de Galcia

    I.A.C. - Instituto Aoreano de Cultura

    I.C.A.L.P. - Instituto Cultural Aoreano de Lngua Portuguesa

    I.C.P.D. - Instituto Cultural de Ponta Delgada

    J.C. - Jornal de Cultura

    P.D. - Ponta Delgada

    P.U.C. - Pontifcia Universidade Catlica

    Q.C.A. - Quadro Comunitrio de Apoio

    R.A.P. - Revista de Administracin Pblica

    R.D.P. - Revista de Derecho Poltico

    R.F.D.L. - Revista da Faculdade de Direito de Lisboa

    R.H.I. - Revista de Histria das Ideias

    R.J.U.P. - Revista Jurdica da Universidade Portucalense

    R.M. - Revista Michaelense

    R.P.H. - Revista Portuguesa de Histria

    S. J. - Scientia Jurdica

    T.C.A. - Tombo da Cmara de Angra

    U. A. - Universidade dos Aores

    U.S.C. - Universidade de Santiago de Compostela

    X.G. - Xunta de Galcia

  • 7/23/2019 Tese - Angelo Abrunhosa.pdf

    4/359

    4

    APRESENTAO

    Temos a perfeita conscincia de que um homem no uma ilhae, nessa

    medida, todas as pessoas e experincias que se cruzam no nosso caminho

    acabam por, indirectamente, influenciar o que somos e o que produzimos. H

    pessoas, no entanto, que tiveram uma influncia muito directa, neste trabalho,

    pelo apoio que nos deram, e que merecem, por isso, um agradecimento muito

    especial.

    A primeira palavra de agradecimento vai, necessariamente, para aqueles

    que nos deram o ser, pois sem o seu suporte nunca esta tarefa teria chegado a

    bom porto. Tambm temos que agradecer Fundao para a Cincia e

    Tecnologia (F.C.T.) que, atravs do programa Praxis XXI, financiou todo o

    doutoramento, de forma sempre exemplar e pontual. Pela disponibilidade

    manifestada, agradecemos aos Exmos. Srs. Dr. Fraga Iribarne e Dr. Emlio

    Perez Tourio (Presidentes da Junta da Galiza), Dr. Carlos Csar (Presidente

    do Governo Regional dos Aores), Dr. Fernando Meneses (Presidente da

    Assembleia Legislativa Regional dos Aores) e Dr. Sampaio da Nvoa (Ministro

    da Repblica para os Aores). Pela colaborao e auxlio prestados, no

    podemos deixar de referir o Exmo. Sr. Dr. Jos Tavares Rebelo (Presidente da

    Casa dos Aores do Norte - CAN), verdadeiramente incansvel, bem como a

    instituio a que to dignamente preside, e tambm a Cmara Municipal de

    Arganil. Pelo incentivo, uma palavra tambm amiga para o Exmo. Sr. Professor

    Doutor Costa Duro. Pela preciosssima ajuda dada, queremos agradecer

    muito reconhecidamente, aos Exmos. Srs. Professor Doutor Jos Adelino

    Maltez, Professor Doutor lvaro Lpez Mira e Professora Doutora Milagros

    Otero Parga. Um agradecimento especial vai para os Exmos. Srs. Professor

  • 7/23/2019 Tese - Angelo Abrunhosa.pdf

    5/359

    5

    Doutor Paulo Ferreira da Cunha e Professor Doutor Antnio-Carlos Pereira

    Menaut. Alm de amigos, foram tambm modelo e referncia. Uma ltima

    palavra, mas, seguramente, a fundamental, para o Exmo. Sr. Professor

    Doutor Francisco Puy Muoz, pela forma generosa, incentivadora, paciente e,

    sobretudo, muito amiga com que assumiu a orientao da presente

    dissertao. Ao contributo inestimvel que deu para que a presente tese

    chegasse a bom porto, acrescem o privilgio e a honra de conhecer de perto

    um dos maiores pensadores do Direito, a nvel mundial.

    Desiluda-se quem pretenda encontrar no presente trabalho um tratado de

    sapincia, absoluto e definitivo, com resposta para todas as questes

    relacionadas com o Regionalismo e a Regionalizao. Temos a noo de que a

    investigao cientfica um processo permanentemente inacabado, que

    deveria comear quando parece aproximar-se do fim. No redundaremos num

    s sei que nada sei, mas sempre nos atrevemos a afirmar que, na maior parte

    dos casos, muito pouco sabem aqueles que julgam tudo saber. Apenas temos

    um objectivo, assumido com esta obra, lanar pistas de reflexo na mente de

    quem a l.

    Ao longo dos ltimos dezasseis anos, o Direito tem inundado a nossa

    vida. J fizemos de tudo um pouco: estudmos, ensinmos e exercitmos o

    Direito; lemos e escrevemos. Faltava o passo seguinte, o mais arriscado e, por

    isso mesmo, o mais aliciante de todos, a investigao jurdica; mal ou bem, o

    que est a acontecer agora, apenas tendo a certeza de que o melhor do nosso

    labor e do nosso suor est plasmado neste trabalho. Como achamos que

    qualquer casa mais bela se tiver as janelas abertas para o exterior, o nosso

    estudo procura fazer isso mesmo, ou seja, libertar-se do positivismo tcnico-

    jurdico e tentar descobrir a conscincia profunda de duas das mais belasregies do nosso mundo: os Aores e a Galiza. Consideramos que este o

    grande escopo desta dissertao. o oceano que nos leva at ao belo

    arquiplago, a autovia que nos leva regio mais portuguesa que no

    Portugal, o espao onde se tenta discorrer sobre o mago e onde se apela

    reflexo. onde se procura dar sentido a expresses como, por exemplo,

    solidariedade territorial, conscincia demo-regional, linguagem e lingustica,

    comunidade, autonomia, sentimento e espao regional, caridade e justia,aorianidade e galeguidade. Terminamos esta apresentao do trabalho tal

  • 7/23/2019 Tese - Angelo Abrunhosa.pdf

    6/359

    6

    como a comemos, pelo que apenas diremos que nos sentiremos frustrados

    se algum, depois de o ler, considerar que encontrou um ponto de chegada,

    mas muito realizados se algum achar que pode ter encontrado um ponto de

    partida.

  • 7/23/2019 Tese - Angelo Abrunhosa.pdf

    7/359

    7

    INTRODUO

    A cincia progride com a aquisio de novas verdades ou com a

    reposio crtica de velhas verdades relegadas para o olvido. hoje vulgar

    dissertar-se sobre centralizao, desconcentrao e descentralizao, quase

    sempre na perspectiva do constitudo ou do estatudo, embora com a nobre

    ideia democrtica de preservar a Nao face ao Estado. Os trs vocbulos

    serviriam para equacionarmos a relao Estado-Poder / Estado-Comunidade; a

    ttulo exemplificativo, na centralizao, os problemas dos Aores so decididos

    por Lisboa e os da Galiza por Madrid; na desconcentrao, esses problemas

    so decididos in loco, mas por pessoas nomeadas, respectivamente, por

    Lisboa e Madrid; finalmente, na descentralizao, os mesmos problemas so

    decididos in loco por pessoas eleitas pelos Aorianos e pelos Galegos, sem

    dependncia ou autorizao vindas de Lisboa ou de Madrid. Todavia, o nosso

    trabalho no ser divulgar teses ou nomes que j dissertaram brilhantemente

    sobre circunscries territoriais administrativasou poltico-administrativas, mas

    sim investigar a sua causalidade profunda registada pela Histria.

    Condensaremos o nosso labor, essencialmente, nos precedentes histrico-

    tericos dos regionalismos dos Aores e da Galiza, a fim de demonstrarmos,

    com os dois exemplos, que o Estado democrtico forte quando as suas

    razes so bem aliceradas e locais. Wilson, da Pensilvnia, estava certo em

    1787, quando defendia a construo da pirmide federal a uma altitude

    considervel e, por essa razo, pretendia dar-lhe uma base to ampla quanto

    possvel1. Um alto nvel de autonomia para as localidades e os grupos no

    Estado essencial para a liberdade numa democracia2.

    1

    CRICK, Bernard Democracy, 2002. A Democracia, traduo portuguesa por Carla Hilrio Quevedo.Vila Nova de Famalico: Quasi Edies, 2006, p. 19.2Ibidem, p. 120.

  • 7/23/2019 Tese - Angelo Abrunhosa.pdf

    8/359

    8

    Dividiremos a dissertao em oito captulos.

    No primeiro captulo, sobre a Solidariedade Territorial, aventaremos a

    premissa de que a terra o teatro da actividade humana e que o homem

    encontra nela o mesmo papel que a alma no corpo3. O territrio, no aspecto

    sociolgico, um factor muito importante para a integrao de uma

    Comunidade, porque delimita um mundo comum de experincias de vida e de

    vivncias espirituais. O binmio dialctico espao-povo imprime marcas

    indelveis ao povoamento, ao aproveitamento do solo, s vias de circulao,

    ao comrcio, indstria e comunho de valores que caracterizam a

    conscincia, a linguagem e o comportamento colectivo.

    No segundo captulo, tambm um pressuposto gnsico, iremos

    descoberta da Conscincia Regional. As informaes mentais, afectivas e

    culturais possuem estruturas peculiares; apresentam tipos e formas, intrnsecas

    e extrnsecas, que nascem, transformam-se e do lugar a novas formaes. A

    cada regio corresponde uma ontologia regionalprpria, em que os elementos

    possuem a sua maneira de ser; importa intu-los e represent-los com

    fidelidade, de maneira a encontrar a autntica ipseidade regional.

    No terceiro captulo, subordinado ao tema Do Estado-Comunidade ao

    Estado-Soberano, a ideia dominante ser a construo histrica do Estado na

    lgica do poder poltico centralizado e quanto mais unipessoal melhor.

    Francisco Elas de Tejada, no horizonte da conhecida oposio por ele traada

    entre Cristandade e Europa, fala de cinco fracturas sucessivas entre 1517 e

    1648, cinco horas de parto e criao da Europa, cinco punhais na carne

    histrica da Cristandade: a ruptura religiosa do luteranismo, a ruptura tica do

    maquiavelismo, a ruptura poltica do bodinismo, a ruptura jurdica do

    hobbesianismo e a ruptura social dos Tratados de Westflia4. De tal maneiraque Hobbes (1588-1679) falara das corporaescomo vermes nas entranhas

    do corpo poltico; Rousseau (1712-1778) odiava os grupos intermedirios

    entre o Estado e os direitos individuais como relquias feudais, que subvertiam

    3Cf. MARTONNE, Emmanuel de "Trait de Gographie Physique", in Panorama da Geografia, vol. I.Lisboa: Cosmos, 1953, pp. 14-21. Remontam aos antigos as preocupaes geogrficas; mas foi com osdescobrimentos que surgiu um prodigioso alargamento do horizonte geogrfico, se desenvolveu acartografia e progrediram os conhecimentos fsicos auxiliares da Geografia. Todavia, s no sculo XIX, a

    Geografia assumiu dignidade cientfica.4ELAS DE TEJADA, Francisco La Monarquia Tradicional. Madrid: Rialp, 1954, p.37

  • 7/23/2019 Tese - Angelo Abrunhosa.pdf

    9/359

    9

    a vontade geral do povo; e Bentham (1748-1832) agrupou-os como interesses

    sinistros que obstruam a legislao uniforme e racional5. Veremos que a

    construo do Estado Soberano, homloga em Portugal e Espanha, foi contra

    os poderes locais.

    O sculo XIX, que abordaremos no quarto captulo, com o ttulo

    Movimento Constitucional em Espanha e Portugal, parece reflectir a

    contradio entre o governo revolucionrio, sado das revolues liberais, e o

    governo constitucional. O objectivo do governo constitucional o de preservar

    a repblica, mas o do governo revolucionrio cri-la. A revoluo consiste na

    guerra entre a liberdade e os seus inimigos; a constituio o regime da

    liberdade vitorioso e pacfico6. No obstante o notvel confronto de ideias, em

    oitocentos, veremos que foram efmeras as constituies menos

    centralizadoras 1812, 1837, 1869 e 1931, em Espanha, e 1822, 1838 e 1911,

    em Portugal apesar da sua maior densidade democrtica, sistemas eleitorais

    mais amplos e efectivos, razes sociais mais alargadas e titularidade do poder

    simplesmente outorgada ao povo. Todavia, o liberalismo iria triunfar,

    definitivamente, aps a Revoluo de 1848, republicana e democrtica de

    pendor socialista, que esteva na gnese da Segunda Repblica francesa. Foi

    uma revoluo que se repercutiu em quase toda a Europa. Nesse mesmo ano

    de 1848, a Sua adoptou uma Constituio federal. Os movimentos

    republicano, socialista e federalista ganharam cada vez mais proslitos; a

    Comuna de Paris (18 de Maro 28 de Maio de 1871) comoveu o mundo

    inteiro; proclamou-se a Primeira Repblica, em Espanha (Fevereiro de 1873); a

    influncia anrquica de Proudhon (1809-1865) conquistou a intelectualidade

    mais jovem e, a nvel de princpios, o centralismo e o uniformismo

    administrativo do Estado Liberal, da primeira metade do sculo XIX, ficou,irremediavelmente, abalado.

    Foi neste contexto, como veremos nos quinto e sexto captulos, que

    surgiram e cresceram os movimentos autonmicos na Galiza e nos Aores. O

    nacionalismo galego, partindo do Provincianismo, ou seja, do ressurgimento do

    Antigo Reino da Galiza, logrou o seu primeiro momento alto, embora fugaz, em

    1873, com a repercusso do Projecto de Constituio Federal da Primeira

    5CRICK, Bernard, op. cit., p. 68.6Ibidem, p. 59.

  • 7/23/2019 Tese - Angelo Abrunhosa.pdf

    10/359

    10

    Repblica (1873-1874). O segundo momento, tambm inconsequente, surgiu

    com a proclamao da Segunda Repblica (1931-1936), que implantou um

    Estado Integral Regional. J nos Aores, o movimento autonomista, de mbito

    meramente distrital, comeou com o Decreto Ditatorial de 2 de Maro de 1895

    e, apenas a partir de 1955, houve progresso para uma conscincia regional

    com o Instituto Aoriano de Cultura.

    No stimo captulo, patentearemos as convergnciase divergnciasque

    foram surgindo ao longo dos precedentes histrico-tericos dos Aores e da

    Galiza.

    Finalmente, no oitavo e ltimo captulo, realaremos como as actuais

    Constituies de Espanha e de Portugal e os vigentes Estatutos Autonmicos

    das duas regies assumiram no texto positivo essas semelhanas e diferenas,

    j no contexto do Estado Social e da Unio Europeia.

  • 7/23/2019 Tese - Angelo Abrunhosa.pdf

    11/359

    11

    CAPTULO I

    SOLIDARIEDADE REGIONAL

    Neste primeiro captulo, partimos da premissa de que a terra o teatro

    da actividade humana e que o homem encontra nela o mesmo papel que a

    alma no corpo. O territrio, no aspecto sociolgico, um factor muito

    importante para a integrao de uma Comunidade, porque delimita um mundo

    comum de experincias de vida e de vivncias espirituais. O binmio dialctico

    espao-povo imprime marcas indelveis ao povoamento, ao aproveitamento do

    solo, s vias de circulao, ao comrcio, indstria e comunho de valores

    que caracterizam a conscincia, a linguagem e o comportamento colectivo.

    1. Princpio da Solidariedade Territorial

    Esvai-se na penumbra dos tempos a memria longnqua dos povos que

    ocuparam a Galiza, na Pennsula Ibrica, e as Ilhas Adjacentes dos Aores.

    V-lo-emos, oportunamente. Por ora, adiantamos, apenas, que as

    comunidades em anlise, correspondem a reas socio-culturais especficas,

    com trajectrias histricas diferentes, mas com um advento poltico comum, j

    no ltimo quartel do sculo XX - o Regionalismo. Foi um marco importante, no

    processo democrtico dos dois pases ibricos - Portugal e Espanha. Em

    Portugal, somente em 1976, pela Constituio aprovada em 2 de Abril, seriam

    includas nas autarquias locais do Continente as regies administrativas e

  • 7/23/2019 Tese - Angelo Abrunhosa.pdf

    12/359

    12

    institudas as regies autnomasdos arquiplagos dos Aores e da Madeira7.

    Em Espanha, aps vrias tentativas frustradas8, o Estado das Autonomias

    logrou xito um pouco mais tarde, com a aprovao da Constituio

    actualmente em vigor, no ms de Dezembro de 19789.

    No princpio, estes seres colectivos que so as regies advm,

    principalmente, de agrupamentos centrados em vnculos pessoais: identidade

    de provenincia, unies de famlias e migraes de povos. Assim, num

    aoriano corre, certamente, sangue luso, flamengo, italiano, africano,

    americano e muito outro, com origem incgnita. Num galego, podemos

    pressentir sangue celta, hebreu, fencio, grego, romano, suevo, visigtico,

    mouro e normando.

    Com o tempo, o princpio do vnculo pessoal cede ao princpio da

    territorialidade, sobrepondo-se o territrio regional s relaes pessoais,

    familiares ou de provenincia. As diferenas de origem submergem, para

    darem lugar a um sentimento de solidariedade territorial, expressa na

    circunstncia de os indivduos serem designados e se designarem naturais de

    ou residentes numa localidade. Primeiro, surge a conscincia local de

    nascimento/residncia e, depois, desenvolve-se a conscincia regional, que faz

    a unidade das diversidades locais. To galego o habitante da Corunha, como

    o de Pontevedra, de Ourense ou de Lugo. E to aoreano o habitante de So

    Miguel, como o das Flores e das restantes ilhas do arquiplago.

    Aristteles (384 - 322 a. C.), realista, preconizando que a melhor forma de

    conhecer as coisas compostas decomp-las e analis-las nos seus

    elementos mais simples10, foi sensvel teoria patriarcal, que faz derivar,

    historicamente, o poder poltico da famlia ou de um conjunto de famlias. "A

    principal das sociedades naturais, segundo o Estagirita, que a famlia,formou-se, pois, da dupla reunio do homem e da mulher... A sociedade que,

    seguidamente, se formou com vrias casas chama-se aldeia e assemelha-se,

    7Vd. artigos 225 a 234, 235 a 243 e 255 a 262, todos da C.R.P..8No projecto da Constituio Federal de La Republica, de 18 de Julho de 1873, consagrava-se um EstadoFederal constitudo por 17 Estados Federados, mas no foi promulgada. E na Constituio de La

    Republica Espaola, de 9 de Dezembro de 1931, consagrava-se um Estado integral constitudo porRegies Autnomas.9Vd. artigos 137, 143 e ss. da Constitucin Espaola, de 6 de Dezembro de 1978.10

    ARISTTELES - Tratado da Poltica. Trad. de M. de Campos. Mem Martins: Publicaes Europa -Amrica, Lda., 1977, Introduo, p. 5.

  • 7/23/2019 Tese - Angelo Abrunhosa.pdf

    13/359

    13

    perfeitamente, primeira sociedade natural... A sociedade que se formou da

    juno de vrias aldeias constitui a cidade, que tem a faculdade de se bastar a

    si prpria sendo organizada, no somente para conservar a existncia, mas

    tambm para procurar o bem-estar"11. Para Aristteles, os factos histricos

    evocados ( paradigmtico o exemplo do velho Estado romano)12 no

    proporcionavam apenas uma compreenso causal; antes visionava neles um

    pressuposto metafsico do direito natural, segundo o qual eram manifestao

    de um sentidoe de uma finalidade. De tal maneira que toda a cidadepertence

    natureza e que o homem naturalmente feito para a sociedade poltica.

    Aquele que, pela sua natureza e no como consequncia do acaso, existisse

    sem qualquer ptria, seria um indivduo detestvel, muito acima ou muito

    abaixo do homem"13. convico do filsofo grego que os homens nascem,

    ontologicamente, cidados; que o seu status naturae social e civilis,

    deduzindo-se das suas palavras que a conscincia familiar e local precedem a

    conscincia da polis.

    2. Conscincia e Linguagem Demo-Regional

    A histria do regionalismo tpica, como se infere do texto anterior; o

    que vai em ttulos como Histria dos Aores, Histria da Galiza e outros

    quejandos. No so menos expressivas, porm, as designaes Histria do

    Povo Aoriano, Histria do Povo Galego e outras anlogas. Se o territrio

    molde fsico aglutinante, o povo a conscincia constituinte e,

    progressivamente, constituda. So duas faces da regio, que importa

    conhecer, no na perspectiva dualista da res extensa e res cogitans(parafraseando Descartes), mas sim na busca de uma entidade to singular,

    que no se confunde com qualquer outra.

    11Ibidem, p.612No velho Estado romano, a diviso em gentes, criase tribosleva-nos a admitir uma fuso de grandesfamlias patriarcais e grupos destas famlias ou gentilidades. Segundo a tradio, uma cria eraconstituda por 10 gentes; 10 crias formavam uma tribo; e 3 tribos eram as que se fundiam na Cidade deRoma. Lembre-se que, at ao sculo XV, predominou a famlia como linhagem de tipo patriarcal,principalmente entre a nobreza. No princpio da Idade Moderna, passou-se da famlia como linhagem famlia nuclear constituda pelos pais e filhos, uma mdia de 5 ou 6 por famlia.13ARISTTELES, op.cit.,p.8.

  • 7/23/2019 Tese - Angelo Abrunhosa.pdf

    14/359

    14

    Os Aores e a Galiza so substantivos prprios; so regies cada uma

    com o seu bilhete de identidade real e formal. No impossvel identificar o

    seu nascimento remoto e acompanhar o seu crescimento at maioridade

    democrtica, com a assuno da autonomia. pela linguagemque os homens

    comunicam entre si, tornando comuns os seus valores e conceitos. No pelo

    facto de um aoreano ou um galego transmitir a outro os seus sentimentos ou

    ideias, que os perde; pelo contrrio, continuam pertena do emissor e vo

    fazer, igualmente, parte do receptor. So sentimentos e ideias que passam a

    ser comuns aos dois.

    Se pensarmos que os vrios interlocutores transmitem, indefinidamente,

    essa conscinciaa outros falantes, resulta, finalmente, que transita para todos,

    sem deixar de pertencer aos que, gradualmente, a foram veiculando. A lngua

    o trao por excelncia que vai presidir formao da comunidade, seja ela

    portuguesa, espanhola, francesa, italiana, romena, de origem latina ou no;

    ser tambm a base fundamental da sua unio. Nenhuma colectividade poder

    formar-se e sobreviver sem a existncia de vrios pontos em comum, como os

    mesmos ideais, os mesmos sentimentos, os mesmos desejos, a mesma

    Histria e, sobretudo, a mesma lngua14.

    Mas dentro da mesma comunidade lingustica, so vrios os sujeitos

    falantes, com diversidade de pronncias, de vocabulrioe at de construes

    frsicas. Pela variante dialectal, se conhece o portugus dos Aores, da

    Madeira, do Alentejo, do Algarve, do Minho ou de qualquer outra zona de

    Portugal. E o galego inconfundvel com o castelhano, o catalo, o basco ou

    qualquer outra lngua de Espanha.

    Porqu este mltiplo lingustico? Ser que o sentido da Histria a

    unidade na diversidade? No caso portugus, apesar de ser uma das lnguasmais homogneas do mundo, so notrias as diferenas geogrficas no s na

    morfologia e lxico, mas tambm na fontica. A regio do antigo galaico-

    portugus, do ponto de vista fontico, mais arcaizante e conservadora do que

    o sul, pese embora que as diferenas se tm vindo a desvanecer, devido a

    14 CASTELO BRANCO, Maria Ins - Pequeno Curso da Lngua Portuguesa. Lisboa: Edio daFundao Calouste Gulbenkian, 1984, p. 8.

  • 7/23/2019 Tese - Angelo Abrunhosa.pdf

    15/359

    15

    diversos factores: vias de comunicao cada vez mais facilitadas, a rdio e a

    televiso.

    Sabemos que as lnguas romnicas so as vrias formas que o latim

    vulgar15 tomou, a partir da Alta Idade Mdia, com as invases brbaras e

    consequente queda do Imprio Romano do Ocidente, em 476 d.C.. Mas, antes

    da entrada dos romanos na Pennsula Ibrica, no ano de 218 a.C., com o

    desembarque no porto de Amprias, perto de Barcelona, j havia um mosaico

    de lnguas, com origens bastante diversas, consoante os povos que habitavam

    as vrias regies ou a elas afluam.

    Pouco se sabe sobre as lnguas dos primitivos povos da Pennsula, mas o

    estudo de velhos escritores, as inscries j do perodo romano e as

    concluses de alguns estudiosos, levam a pensar que o elemento celta foi

    preponderante16. Se pensarmos na diversidade de povos que habitavam a

    Pennsula, desde as Astrias e Galiza at Andaluzia, e que a conquista

    romana destas terras se deu em pocas diferentes, patente se torna que o

    latim vulgar, embora generalizado no sculo I d.C., iria assumir matizes

    diversos de regio para regio. Assim, a Btica (a Andaluzia) aceitou, segundo

    Estrabo17, o latim popular, quase espontaneamente, as leis e a cultura dos

    conquistadores; j na Lusitnia, na Galiza e noutras zonas de difcil acesso,

    cujos povos eram, particularmente, aguerridos, houve muito derramamento de

    sangue, antes da capitulao.

    Um estudo comparativo das vrias lnguas da Pennsula Ibrica aponta

    para esta diversificao das condies de conquista, pelos romanos, e do

    modo de ser dos povos conquistados. O latim falado na regio de Sevilha

    (Hispalis para os romanos) seria muito mais elaborado do que o falado na

    Lusitnia ou na Galiza. No obstante esta diversidade, o latim vulgar tornou-se

    15Designa-se latim vulgaro latim trazido para a Pennsula Ibrica por soldados integrados no exrcitoromano, funcionrios administrativos e outra gente sem grande cultura; no era um latim muito correcto,apresentando as caractersticas do povo (vulgus) que o falava. Deve-se ao linguista suo, Ferdinand deSaussure (1857 - 1913) esta viso histrica que refere a formao da lngua desde os tempos maisremotos, procurando relacionar a sua evoluo com os factos histricos, as correntes culturais e ocontacto com outras. Saussure tomou, como exemplo, a rvore cujo corte vertical no tronco permite umaanlise evolutiva, diacrnica, e o corte horizontal permite uma viso hic et nunc, sincrnica, de todas assuas caractersticas actuais. Cf.SAUSSURE, Ferdinand de - Cours de Linguistique Gnrale. Paris: Ed.Payot, 1969. Esta obra foi publicada em 1916, pelos discpulos.16CASTELO BRANCO, Maria Ins - Pequeno Curso de Lngua Portuguesa, op.cit., p. 13.17Cf.ESTRABO - GeografiaIII, 1, 6 e III, 4, 17-18. O historiador e gegrafo grego ter morrido noano de 19 d.C..

  • 7/23/2019 Tese - Angelo Abrunhosa.pdf

    16/359

    16

    a lngua de toda a Pennsula Ibrica. Todavia, muitos vocbulos, existentes

    antes da chegada dos romanos, acabaram por sobreviver, misturados, depois,

    com a lngua dos invasores18.

    Nos primeiros anos do Sculo V d.C., entram na Pennsula outros povos,

    como os vndalos, os suevos19 e os alanos. E so outros brbaros, os

    visigodos, que, chamados pelos romanos defesa da Pennsula Ibrica,

    acabam por dominar, iniciando o Reino Visigtico20. Se os romanos foram

    vencidos politicamente, culturalmente saram vencedores, dada a superioridade

    da sua lngua, da sua cultura, dos seus costumes e das suas leis, rapidamente

    assimilados pelos visigodos. Alis, o mesmo tinha acontecido com os

    Romanos, quando conquistaram a Grcia, no sculo II a.C., donde saram,

    culturalmente, vencidos. A superioridade do latim vulgar (sermo plebeius) -

    cada vez mais adulterado, porque a sua transmisso era, sobretudo, oral - no

    obstou influncia visigtica, presente em vocbulos referentes guerra

    (guerra, guarda, escaramua, bando, etc.) ou a nomes de pessoas e lugares

    (Afonso, Henrique, Mendo, Rodrigo, etc.).

    A partir da primeira invaso rabe, em 711 d.C., comea a Islamizao da

    Hispania, juntando-se lngua falada um novo superestrato - o elemento rabe.

    Apesar da permanncia rabe, em Portugal at ao sculo XIII e em Espanha

    at ao sculo XV21, a lngua falada pelos habitantes da Pennsula continuou a

    18 Costuma designar-se por substrato este fenmeno de sobrevivncia dos elementos lingusticos dospovos primitivos da Pennsula, no latim vulgar, que os assimilou. Estrato, linguisticamente, designa acamada principal; no caso vertente, o latim vulgar o estrato do portugus, do espanhol e das restanteslnguas romnicas. Superestratos so as influncias lingusticas que, aps a queda do Imprio Romano doOcidente e o declnio do latim, vo penetrar as vrias lnguas.19Os Vndalos e os Alanos pouco tempo se detiveram na Pennsula. Ficaram os Suevos estabelecidos aNorte do Rio Douro, onde constituram um Reino. No incio do reinado de Requirio (448 d.C), de

    arianos converteram-se ao catolicismo.20Por acordo entre Valia, Rei dos Visigodos e o Imperador Romano do Ocidente, aqueles fixaram-se naGlia. Foi uma espcie de recompensa pelo auxlio prestado na luta contra Vndalos e Alanos. No reinadode Eurico (466-484), aproveitando o caos criado pela queda do Imprio Romano do Ocidente, osVisigodos comearam a ocupar, sistematicamente, o territrio da Pennsula. Alarico II (485 - 507),sucessor de Eurico, estendeu o domnio visigtico a toda a Hispania, com ocupao do Reino Suevo,fixando a capital em Toledo. Aps a morte de Alarico II, os Visigodos perdem toda a Glia, confinando-se o Reino VIsigtico, praticamente, Pennsula Hispnica, com excepo do Reino Suvico, quereconquistou a Independncia. Em 576, o Rei Leovigildo lanou nova campanha contra os Suevos,anexando, definitivamente, os seus territrios em 585. Toda a Pennsula passou a ser visigtica, comexcepo da zona sul, que continuou a formar uma espcie de provncia do Imprio Romano do Oriente.Nos comeos do sculo VII (620 d.C.), os Bizantinos foram, definitivamente, expulsos da Pennsula, ondeocupavam apenas o Algarve. Como os Suevos, antes da converso de Requirio, tambm os Visigodos

    eram arianos; mas Recaredo converteu-se ao catolicismo, solenemente, no III Conclio Nacional deToledo, em 589.21O Algarve foi, definitivamente, conquistado aos rabes, em 1249, no Reinado de D. Afonso III; mas o

  • 7/23/2019 Tese - Angelo Abrunhosa.pdf

    17/359

    17

    ter como base fundamental o sermo plebeius. No entanto, este com o seu

    lxico enriquecido pelas influncias locais anteriores ao latim, pelas influncias

    germnicas e ainda pela lngua rabe, deu origem, no sculo IX, ao romance

    (do advrbio romanice), lngua viva (loqui romanicej no era loqui latine), com

    forte individualidade como instrumento de comunicao. Evoluindo, margem

    de cnones gramaticais e com disperso territorial, deu origem na Pennsula

    Ibrica, s conhecidas variantes regionais: o aragonse o catalo, a Oriente; o

    Leons, o Asturianoe o Galego, a Ocidente; separados pelo castelhanoque,

    segundo M. Pidal, avanando do Pas Basco para o Sul, teria fendido como

    uma cunha o romano peninsular comum22. Mesmo quando o latim deixou de

    ser lngua viva, continuou a ser usado nas chancelarias e nos cartrios23, cada

    vez mais distante do latim clssico e cada vez mais prximo da lngua falada

    pelo povo - o chamado latim brbaro, em que o castelhano e o portugus

    proto-histrico transluzem a cada passo.

    Prosseguindo nesta perspectiva diacrnica da linguagem demo-regional,

    de realar, ainda, a influncia francesa, trazida por cavaleiros, que preferiram

    combater os rabes em terra estranha a deix-los penetrar no seu pas. Foi o

    caso dos primos Raimundo e Henrique, que vieram a ser, respectivamente,

    condes da Galizae do Territrio Portucalense. Tambm as Ordens religiosas

    de Cluny e Cister, atravs dos seus mosteiros, deixaram vestgios indelveis no

    plano lingustico. A partir do sculo XV, vm os descobrimentos, a imprensa, o

    contacto com admirveis mundos novos, a emigrao, os meios de

    comunicao e difuso e a evoluo lingustica continua, hoje mais do que

    nunca, marcada por superestratos com um espectro amplamente diversificado.

    Com a Reconquista Crist, reacenderam-se os regionalismos lingusticos,

    mormente, o galego, o castelhano e o catalo. As vicissitudes polticasacabariam, todavia, por iar a hegemonia do castelhano, reduzindo as outras

    linguagens a simples falas regionais. Porm, na primeira fase da Reconquista,

    ltimo reduto mouro, na Pennsula, o de Granada, soobrou, apenas, em 1492, ano em que Colombo, aoservio dos Reis Catlicos, se preparava para partir descoberta do Novo Mundo.22 SARAIVA, Jos Antnio; LOPES, scar - Histria da Literatura Portuguesa. 2 ed.. Porto: PortoEditora, Lda. [s.d.], p. 21-22.23Certamente, o costume de redigir em latim os documentos pblicos, contratos, doaes, testamentos,etc., tem a ver com o facto de no ter desaparecido, inteiramente, a prtica do direito romano e tambm

    porque os seus redactores eram formados nas escolas eclesisticas, onde continuou a ensinar-se latim e ausar-se na liturgia.

  • 7/23/2019 Tese - Angelo Abrunhosa.pdf

    18/359

    18

    o Galego, geogrfica e linguisticamente, mais afastado do castelhano, usufruiu

    do prestgio cultural e religioso que Santiago de Compostela impunha aos

    restantes Reinos Cristos24.

    Lembre-se quea principios do sculo IX, durante o reinado de Afonso II,

    o Casto, comezaron a se espallar novas de que, in finibus Amaee (nos confns

    da Maa, num lugar desabitado pero vecio igrxa de San Fiz de Solovio, un

    ermitn e, logo, o bispo iriense Teodomiro descubriron os restos dun pequeno

    edculo que identificaron co sartego de Santiago o Maior. Com independencia

    da certeza ou non da presencia dos restos do Apstolo no tal edculo, axia

    convertido en templo, importante sublia-la rapidez com que se difundiu o

    culto xacobeo. [..] Nasceu as Compostela, ncleo urbano vinculado

    estreitamente locus sanctus onde estaba soterrado un Apstolo e que tivo,

    por isto, un marcado carcter episcopal25

    Ainda em finais do sculo XI, a Galiza estendia-se, politicamente, at ao

    Mondego ou ainda mais para o Sul, com uma grande homogeneidade tnica e

    lingustica. Da que, na sua primeira fase histrica, at meados do sculo XIV,

    o portugus literrio aparea como um falar galego. Rodrigues Lapa, ao

    caracterizar o lirismo portugus medieval, designa-o como lirismo galego-

    portugus, porque: [...] as primeiras manifestaes da arte trovadoresca e at

    os maiores trovadores, tirante D. Dinis, acusam o predomnio evidente do

    elemento galego sobre o elemento portugus, o que pode fazer supr que o

    foco irradiador da nova poesia esteja, sobretudo, na regio de Alm-Minho.

    Pelo menos, a procedncia averiguada da maior parte dos trovadores assim o

    indica26.

    Os mais antigos documentos conhecidos so em galego-portugus, o que

    leva a crer que a Norte e a Sul do Rio Minho se desenvolveu uma lnguasubstancialmente uniforme, embora, talvez, desde sempre com algumas

    24Cf., no mesmo sentido, BARATA QUINTS, Daniel La Cultura Gallega en el ano 2000, in LaGalicia del ano 2000. Madrid: Fundacin Cnovas del Castillo, 1993, p. 39: "Tenemos una lengua, hijadel latn, hermana del castellano y madre del portugus. Nuestra lengua es la creacin genuina del pueblogallego... est viva en el pueblo. El gallego, procedente del latn militar y del latn medieval, se ajusta a laterra y a su historia: la tierra y la lengua son los elementos profundos de la comunidade gallega. Sabidoes, as mismo, de todos que el gallego fue la primera lengua peninsular que goz de enorme prestigiocultural y en ella Afonso X, el unico rey sabio... expres lo mejor de su espritu".25

    Cf.VILLARES, Ramn Historia de Galicia.Vigo: Edicins Obradoiro, S.A./Santillana, 1998, p. 25.26RODRIGUES LAPA, Manuel - Lies de Literatura Portuguesa. poca Medieval. 5 ed.. Coimbra:Coimbra Ed., Lda., 1964, p. 103.

  • 7/23/2019 Tese - Angelo Abrunhosa.pdf

    19/359

    19

    particularidades dialectais. Mas, como o mapa poltico se repercute no mapa

    lingustico, Portugal, independente desde o sculo XII, acabou por converter as

    suas vetustas particularidades dialectais em idioma de nao autnoma,

    polarizada mais a sul. E o galego teve a sorte da Galiza; perdida a sua antiga

    hegemonia cultural e poltica, retraiu-se no Noroeste peninsular como fala

    regional, devido ao processo histrico de assimilao cultural e lingustico,

    dirigido por Castela. Contudo, o povo continuou a atravessar, como

    hodiernamente, o Minho e a procurar no territrio luso o que lhe faltava na sua

    terra27. A presena dos galegos em Portugal ainda hoje perdura na memria do

    povo em frases evocativas da sua capacidade laboriosa, como esta: "trabalha

    que nem um galego". De facto, mourejavam, arduamente, como carregadores,

    moos de fretes, criados, serviais e aguadeiros, mas tambm como

    catedrticos, advogados, mdicos, capites, etc.. Ao findar o sculo XVIII,

    contar-se-iam cerca de 80.000 galegos espalhados pelos portos e cidades de

    Portugal, estando metade em Lisboa.

    3. Comunidade Regional. Solidariedade Horizontal e Vertical.

    Sem solidariedade no h comunidade, solidariedade entre os vivos

    (horizontal) e destes com os mortos (vertical). Qualquer das regies em apreo

    compe-se mais de mortos do que de vivos. a solidariedade que une o

    passado com o presente; e a dispora aoriana e galega, mesmo emigrada do

    seu mundo regional ad multos annos, sobrevive, porque permanece unida e

    solidria com o seu povo de origem.

    Andou bem avisado o deputado Vital Moreira, ao propor a meno dasolidariedade, no artigo 227, n2 da C.R.P., que a Assembleia Constituinte

    aprovou por unanimidade28. No entanto, esta referncia solidariedade, em

    sede de princpios fundamentais, apenas surgiu, em 1989, com a alterao do

    artigo 1 da C.R.P.; deixou de se afirmar Portugal uma Repblica soberana,

    27TORRES, Ruy d'Abreu Galegos em Portugal, in SERRO, Joel, dir. Dicionrio da Histria dePortugal, vol. II. Porto: Livraria Figueirinha, 1971, pp. 320-321.28Dirio, n 124, reunio de 23 de Maro de 1976, p. 4113.

  • 7/23/2019 Tese - Angelo Abrunhosa.pdf

    20/359

    20

    baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada

    na sua transformao numa sociedade sem classes, para se passar a dizer

    Portugal uma Repblica soberana, baseada na dignidade da pessoa

    humana e na vontade popular e empenhada na construo de uma sociedade

    livre, justa e solidria. que, como sublinha o Professor Jorge Miranda, toda

    a vida social pressupe ou determina solidariedade enquanto convivncia,

    segurana comum e reciprocidade de servios. Mas nem todas as sociedades

    acolhem um princpio de solidariedade como princpio modelador de relaes e

    situaes em funo de novos equilbrios, ou de mais justia e igualdade, ou de

    maior crescimento humano. Uma coisa a solidariedade dos socilogos, outra

    coisa a solidariedade dos filsofos e tambm a das Constituies que intentam

    conformar e reconformar as comunidades a que se dirigem. Numa perspectiva

    jurdico-poltica apenas esta importa29.

    A regio surge como uma comunidade afectiva natural, resultante da

    Histria, reconhecida por cada um dos seus membros, que prossegue um

    destino comum30. O Individualismo Iluminista do sculo XVIII, atomista e

    mecanicista, reduzia todos os agrupamentos humanos aos indivduos isolados

    e s relaes contratuais ou quase-contratuais entre eles. O Romantismo e a

    escola sociolgica31, holsticos e estruturalistas, despertaram a conscincia de

    que a comunidade algo mais do que uma mera soma aritmtica das partes

    componentes. Uma instituio no um amontoado ou conjunto amorfo de

    pessoas, mas uma estrutura permanente de valores e ideais em realizao

    29 MIRANDA, Jorge Solidariedade e Autonomia, in Autonomia no Plano Jurdico Actas doCongresso do I Centenrio da Autonomia dos Aores. Ponta Delgada: Jornal de Cultura, 1995, p. 53.30 Vide como Vitorino Nemsio, aoriano, reconhece esta comunho afectiva, numa carta enviada aArmando Crtes-Rodrigues: Quanto mais me afasto das nossas ilhas pelos interesses espirituais, mais

    ligado a elas me sinto, no fundo insubornvel. Um dia, darei a frmula de um regionalismo que no est espera de bandeira e hino para ser uma forma de amor essencial ao bero e s nuvens que cobrem obero... Mesmo sem nos vermos, comungamos mesa dos Aores - comungamos no mar. No ?" Cf. MAIA GOUVEIA, Margarida - Vitorino Nemsio e Ceclia Meireles.A Ilha Ancestral. Porto: FundaoEng. Antnio de Almeida / Casa dos Aores do Norte, 2001, pp. 65-66.31 A palavra "sociologia" foi criada em 1823 por Augusto Comte (1798 - 1857), que reconhecia terhavido, antes dele, um acervo de reflexes sobre fenmenos sociais. Ele prprio foi secretrio de Saint-Simon (1760-1825), de quem aproveitou a lei dos trs estdios, desenvolvida no seu Cours dePhilosophie Positive (1839-1842): estdio teolgico, estdio metafsico e, finalmente, estdio positivo.Mas no deve confundir-se a Histria da Sociologia com a Histria das Ideias Sociais, pois estas noconsideravam a sociedade como um objecto especfico de investigao, susceptvel de uma anlisemetdica, cujas uniformidades pudessem ser investigadas, sistematicamente. A sociologia surgiu, sob oponto de vista terico do conhecimento, como reaco emprica s teorias individualistas do direito

    natural e do contrato social; sob o ponto de vista sociolgico, configurou-se como cincia de contestaoda burguesia ascendente. Cfr.EISERMANN, Gottfried - Sociologia. 2 ed.. Lisboa: Fundao CalousteGulbenkian, 1969, pp. 3-20

  • 7/23/2019 Tese - Angelo Abrunhosa.pdf

    21/359

    21

    contnua32.

    A comunidade regional no perde a sua identidade pelo facto de todos os

    seus membros antigos terem fenecido; pelo contrrio, os membros actuais

    orgulham-se dos mritos dos antigos, sentem-nos como prprios (solidariedade

    vertical) e lutam por ir mais alm33. Isso mesmo, podemos divisar nas palavras

    de Manuel Fraga Iribarne, Presidente da Xunta de Galicia:

    Galicia no es una obra terminada en la historia. Galicia est en buena

    parte por hacer. Galicia no ha dicho todava su ultima palabra en el concierto

    de los pueblos. Tiene muchas cosas que decir y que hacer, antes y despus

    del ao 2000. Pues bien, yo quiero que Galicia sea ms cada dia. Yo deseo

    que Galicia triunfe en la competencia con las otras regiones de Espaa y

    Europa. Yo quiero que Galicia cambie para mejor. Y creo firmemente que todo

    eso no es ningn imposible34.

    So mltiplos os elementos de profunda solidariedade regional, mas

    todos convergentes geogrfica, sociolgica e culturalmente, sobretudo, so

    elementos reconhecidos e vividos. Eis o sentimento vivo de um galego, h

    alguns anos: Para los gallegos, nuestra responsabilidad espaola se llama

    Galicia; nuestro peculiar modo de ser espaoles es ser gallegos. Lo somos por

    naturaleza, por nacimiento, tenemos pues el imperativo moral de ser fieles a

    nuestro origen, a nuestro nacimiento, de ser bien nacidos; pero tenemos,

    adems, la responsabilidad espaola de ser buenos gallegos, porque la

    Espaa del Noroeste peninsular es Galicia35.

    32H dois nomes, no mbito da sociologia, na transio do sculo XIX para o sculo XX, que tm de serdestacados: Emile Durkheim (1858-1917) e Max Webber (1864-1920). Tambm eles interagiram com acomunidade cultural a que pertenciam - Durkheim em Frana e Webber na Alemanha. Em Frana, naesteira de Comte, a sociologia afirmava-se, opondo-se e negando o estatuto de cincias economia,

    histria e psicologia; Durkheim continuou a preocupao de distanciar a sociologia da psicologia,considerando que aquela deve tratar os factos sociaiscomo coisas, sendo o mtodo tanto mais cientficoquanto mais prximo do mtodo da fsica da poca. Facto social era toda a maneira de fazer, fixada ouno, susceptvel de exercer sobre o indivduo uma coero do exterior. Pelo contrrio, na Alemanha,Webber foi confrontado com a polmica em curso, que defendia a especificidade das cincias do esprito,relativamente s cincias da natureza. Neste contexto, Webber optou por no tomar como mtodo omodelo das cincias da natureza e por no pretender construir uma teoria completa do social. ParaWebber, a sociologia a cincia que se prope compreender, por interpretao, a aco social,explicando causalmente o seu desenvolvimento e os seus efeitos. Aco social toda aquela que se orientapara outrem, ou seja, quando se processa no seio de sistemas de interaco ou de interdependnciasociais. Cfr.ALVES PINTO, Conceio - Sociologia da Escola. Alfragide: editora M. C. Graw - Hill dePortugal, Lda., 1995, pp. 74-88.33Mais adiante, afloraremos a influncia da sociologia na concepo do direito.34

    FRAGA IRIBARNE, Manuel Camino y Meta de la Galicia del ao 2000, in La Galicia del ao2000. Madrid: Fundacin Cnovas del Castillo, 1993, p.21.35FERNNDEZ ALBOR, Gerardo Galicia en la Europa del ao 2000 , inLA Galicia del ao 2000.

  • 7/23/2019 Tese - Angelo Abrunhosa.pdf

    22/359

    22

    Nos Aores, regio com uma configurao mpar, caracterizada pela sua

    natureza de arquiplago, composto por nove ilhas que se estendem por 600

    Km, em pleno Oceano Atlntico, a marca profunda da sua identidade cultural e

    sociolgica, o isolamento e o mar. Os fluxos de pessoas e de mercadorias

    desenvolvem-se, necessariamente, por mar ou pelo ar, o que obriga a que

    cada ilha tenha o seu porto e aeroporto, transportes martimos e areos. A

    conscincia colectiva aoreana, desenvolvida nestes parmetros geogrficos,

    foi sedimentando, ao longo da histria, sentimentos prprios em que avulta o

    imaginrio de filhos do mar.

    4. Espao Regional

    Para Ritter (1779 - 1859), a terra o teatro da actividade humana e o

    homem encontra nela o mesmo papel que a alma no corpo36. Esta frase,

    aparentemente ousada, encerra uma velha ideia, a das relaes do Homem

    com o meio. No sculo XVI, Bodin, no seu Methodus ad Facilem Historiarum

    Cognitionem(1566), chamou ateno para o facto de as diferenas entre os

    Estados serem determinadas pelo clima, fertilidade do solo e restantes

    particularidades geogrficas do pas37. Em 1748, Montesquieu retomou, nos

    livros XIV a XVII, de L'Esprit des Lois, o mesmo pensamento, esboando um

    quadro grandioso do condicionamento das leis pelas realidades naturais. Na

    transio do sculo XIX para o sculo XX, a escola alem de geografia,

    liderada por Frdric Ratzel, que foi autor de uma Geografia Poltica38 e a

    escola francesa da Geografia Humana, fundada por Vidal de La Blache e Jean

    Brunhes, aprofundaram estas ideias.A cincia est em reviso contnua; o certo de hoje o provisrio de

    Madrid: Fundacin Cnovas del Castillo, 1993, p. 50.36Cf.MARTONNE, Emmanuel de "Trait de Gographie Physique", in Panorama da Geografia, vol. I.Lisboa: Cosmos, 1953, pp. 14-21. Remontam aos antigos as preocupaes geogrficas; mas foi com osdescobrimentos que surgiu um prodigioso alargamento do horizonte geogrfico, se desenvolveu acartografia e progrediram os conhecimentos fsicos auxiliares da Geografia. Todavia, s no sculo XIX, aGeografia assumiu dignidade cientfica com Humboldt (1766-1859) e Ritter (1779-1859), que mostraram,claramente, o caminho a percorrer. Cerca de meio sculo depois, o zologo alemo Ratzel e o historiadorfrancs Vidal de La Blache estruturaram as bases de uma geografia nova - A Geografia Humana -

    verdadeira cincia das relaes entre o homem e a natureza.37Videa mesma ideia no vol. I dosSix Livres de La Republique(1577).38Os discpulos de Ratzel chamariam, mais tarde, Geopoltica disciplina introduzida pelo mestre.

  • 7/23/2019 Tese - Angelo Abrunhosa.pdf

    23/359

    23

    amanh; mas a relao homem-espao jamais se apagar ou perder

    interesse, como testemunha Vitorino Nemsio: Mas voltando relao

    forosa que possa haver entre umas ilhas onde me criei e as coisas que penso

    e escrevo: Em Bruxelas, a cujo ambiente civil e espiritual tanto devo [...],

    concebi e gizei um romance de ambiente ilhu que dormiu anos na gaveta e s

    agora acabei. Intitula-se MAU TEMPO NO CANAL. A aco passa-se no Faial,

    no Pico e em So Jorge, com um longo captulo de desfecho na Terceira, em

    Angra. Mas o ncleo da intriga desenvolve-se na Horta39.

    Relativamente Galiza, so de preocupao as palavras do seu anterior

    Presidente de la Xunta, Fraga Iribarne: La orografa de Galicia origina

    dificultades tcnicas e financeras a los caminos de asfalto y de hierro

    ciertamente difciles de superar. Esa carencia de autovas y ferrocarriles

    interiores y, en general, de buenas comunicaciones para el comercio nos

    ha retrasado y no poco. [...] Galicia ha estado incomunicada durante toda la

    modernidad com el resto del mundo porque ha tenido cegadas casi

    completamente por los cuatro puntos cardinales sus vas de salida al exterior y

    de penetracin al interior. Por el Este, el dursimo cerco de montaas, slo

    penetrables com las tecnologas y los capitales actuales, nos priv hasta ahora

    de autovas que nos unieran aceptablemente com Asturias y Castilla Len y,

    a su travs, con el resto de Espaa y de Europa.Por el Oeste y por el Norte, la

    peligrosa Costa de la Muerte ha incomunicado el cabotaje entre nuestros dos

    mares, el Cantbrico y el Atlntico. Y adems, por el gran alejamiento de la

    costa que exige la seguridad a las derrotas nuticas, el acantilado finisterrano

    nos ha marginado de las rutas martimas internacionales y en especial de las

    sudamericanas y centroeuropeas40.

    No concernente aos Aores, temos uma configurao geogrfica muitocaracterstica. O arquiplago, situado em pleno Oceano Atlntico, a cerca de

    1500 km da costa portuguesa e 3600 km da costa da Amrica do Norte,

    compe-se de nove ilhas e alguns ilhus, que constituem trs grupos: Grupo

    Oriental - Santa Maria e So Miguel; Grupo Central - Terceira, Graciosa, So

    Jorge, Pico e Faial; Grupo Ocidental - Flores e Corvo. A rea total dos Aores

    39

    Cf. MAIA GOUVEIA, Margarida - Vitorino Nemsio e Ceclia Meireles.A Ilha Ancestral,op. cit., p.24.40FRAGA IRIBARNE, Manuel Camino y Meta de la Galicia del ao 2000, op. cit., pp. 24-25.

  • 7/23/2019 Tese - Angelo Abrunhosa.pdf

    24/359

    24

    de 2300 km2, onde vivem cerca de 260.000 habitantes, ou seja, apresentam a

    dimenso de um centro urbano continental e mdia dimenso. excepo do

    Grupo Central, as ilhas so relativamente distantes entre si, variando bastante

    em rea e populao. A ilha de maior superfcie a de So Miguel, com 747

    Km2, e a mais pequena a do Corvo, com 17,5 Km2. Esta ltima ilha um

    exguo povoado, pois nunca atingiu os 400 habitantes. Apesar de tudo, a

    localizao dos Aores confere-lhe um papel relevante, em termos geo-

    estratgicos. O PRODESA (Programa Operacional para o Desenvolvimento

    Econmico e Social dos Aores), atinente ao perodo 2000-2006, no mbito do

    Quadro Comunitrio de Apoio III, levou em considerao esta situao

    geogrfica peculiar41.

    Concluindo, a identidadede cada uma destas regies indissocivel da

    sua geografia, que o espao fsico onde se desenvolve a solidariedadeentre

    os que nele nascem e crescem, gerando uma certa conscincia regional.

    41 Cf. QCA III, Portugal 2000-2006, in "O Comrcio do Porto", n 202, de 20 de Setembro de 2000.Portugal beneficiou, como, alis, a Espanha, desde 1986, de apoio financeiro comunitrio regular, com afinalidade de reduzir as disparidades face aos padres mdios europeus, correspondendo a fases distintas:a primeira relativa ao perodo de 1986-1988, designada deAnterior Regulamento; a segunda, referente ao

    QCA 1989-1993 (QCA I); a terceira, referente ao QCA 1994-1999 (QCA II). A quarta fase (Quadro deApoio Comunitrio III)abrange o perodo em curso de 2000 a 2006.

  • 7/23/2019 Tese - Angelo Abrunhosa.pdf

    25/359

    25

    CAPTULO II

    CONSCINCIA REGIONAL

    Decompondo o termo justo, na esteira do pensamento do Professor

    Doutor Francisco Puy Muoz, apreendemos o seu real significado: el adjectivo

    iustus apone dos races fuertes: iustus y sto. Este ltimo trmino significa lo

    que se mantiene firme, parado y slido, sin haber sido doblegado, echado a

    rodar o violado. Lo justo es cualidad de un ius que se mantiene inviolado42.

    Justo , pois, a aglutinao de ius e de sto, o direito que permanece.

    Consequentemente, o justo o real escondido, o direito natural permanente

    que o legislador deve conhecer e positivar.

    Se para os idealistas platnicos o sujeito cognoscente descobre o justo

    dentro de si mesmo, para os realistas aristotlicos o sujeito cognoscente deve

    sair de si prprio e adequar-se realidade, que a Escolstica Medieval veio a

    entender como expresso de vontade e ordem divinas. Finalmente, Kant, numa

    conciliao de idealismo e realismo, cogitou que o conhecimento era o

    fenmeno real (e s o fenmeno) moldado pelas formas e categorias a priorido

    sujeito. Pergunta-se, ento: no acto de conhecer, qual o peso do sujeito, o

    peso do real e o peso da relao gnsica sujeito-real? Em sntese, este

    captulo uma breve dissertao sobre a epistemologia do direito, a propsito

    da conscincia regional.

    42PUY MUOZ, Francisco El Tpico de lo Justo Natural, in Direito Natural, Justia e Poltica, vol.I. Faculdade de Direito da Universidade do Porto: Coimbra Editora, 2005, pp. 531-532.

  • 7/23/2019 Tese - Angelo Abrunhosa.pdf

    26/359

    26

    1.Gnose Regional

    A descoberta da conscincia regional to significativa como a

    descoberta da natureza fsica da regio. As informaes mentais, afectivas e

    culturais possuem estruturas que lhe so peculiares; apresentam tipos e

    formas, intrnsecas e extrnsecas, que nascem, se transformam e do lugar a

    novas formaes. A cada regio corresponde uma ontologia regional prpria,

    em que os elementos possuem a sua maneira de ser; importa intu-los e

    represent-los com fidelidade, de maneira a encontrar a autntica ipseidade

    regional. Parafraseando Alexandre Herculano, acerca da investigao

    histrica43, a regio pode comparar-se a uma coluna polgona de mrmore.

    Quem quiser examin-la deve andar em redor dela, contempl-la em todas as

    suas faces. No basta olhar para um dos lados; preciso contar-lhe os veios,

    medir-lhe a altura e no ficar por uma aresta. Ainda que, para alcanar este

    objectivo, tenhamos de ser radicais, segundo Husserl44, e recusar

    impressionar-nos com os mais famosos nomes, "entregando-nos livremente

    aos prprios problemas e aos postulados que deles partem". A gnose radical

    tem de proceder, tambm, radicalmente e a todos os respeitos. "Somos

    demasiado dominados por preconceitos - continua Husserl45 - que provm,

    ainda, da Renascena. Aquele que deveras independente de preconceitos,

    no se importa com uma averiguao ter a sua origem em Kant ou Toms de

    Aquino, em Darwin ou em Aristteles, em Helmholtz ou Paracelso".

    Sem querermos alongar demasiado esta reflexo, no resistimos a evocar

    o pensamento de Jean Ullmo: "Plato e Aristteles, por tantos ttulos diferentes,

    tiveram em comum uma concepo radical do racionalismo, que desempenhou

    um papel decisivo na histria do pensamento e cujas repercusses esto aindalonge de estar esgotadas; as ideias de Plato, as essncias de Aristteles

    constituem um Mundo Inteligvel intemporal ao qual tem acesso, pela sua

    natureza, a razo. O mundo da experincia ou dos fenmenos apenas o

    reflexo do mundo inteligvel cujas entidades racionais se realizam nele mais ou

    43 HERCULANO, Alexandre Cartas sobre a Histria de Portugal, in Opsculos, vol. V, 5 ed..Lisboa, s.d., pp. 98-105.44

    HUSSERL, Edmundo - A Filosofia como Cincia de Rigor, trad. de Albin Beau, 2 ed.. Coimbra:Atlntida, 1965, p. 72.45Ibidem, p. 73.

  • 7/23/2019 Tese - Angelo Abrunhosa.pdf

    27/359

    27

    menos imperfeitamente; a razo domina o mundo fenomenal na medida em

    que nele encontra as imagens dessas entidades conceptuais que so o seu

    domnio prprio"46.

    Todos os que permaneceram ligados aos mtodos de Aristteles, ao

    primado da lgica, ao realismo das classes, explorao do universo do

    discurso, tiveram de abandonar a sua pretenso de apreender imediatamente o

    real pela anlise da linguagem47. Com Descartes e Galileu, desenvolveu-se a

    concepo, j vislumbrada no realismo platnico, de que o mundo fenomenal

    ordenado por leis matemticas e assim submetido razo. Segundo

    Descartes, estaramos seguros em compreender o mundo. Porqu? que as

    leis da natureza so as mesmas do pensamento, porque ambas so

    projeces de uma mesma razo divina - Razo Absoluta. Mas, nos princpios

    do sculo XIX, o racionalismo absoluto de Descartes havia j dado lugar ao

    racionalismo crtico de Kant. Para este, a natureza deve moldar-se aos

    quadros, s leis da razo, para se tornar conhecida. Os racionalismos de

    Descartes e de Kant tm em comum acreditar num contedo da razo:

    evidnciasou naturezas simples, em Descartes; categorias, formas a priorida

    intuio, em Kant48.

    Para a cincia moderna, a razo no tem contedo permanente; a razo

    no um conjunto de princpios, , essencialmente, uma actividade. Hoje, o

    racionalismo a convico de que a actividade racional sabe construir

    sistemas, abstraindo regras da experincia e traduzindo-as em operaes

    mentais. A razo no um dado que se imponha natureza; antes uma

    actividade instruda pela natureza que, a pouco e pouco, se revela razo.

    Como corolrio, temos que o pensamento cientfico intransigente e condena

    qualquer atitude ligada a noes ultrapassadas; sabendo, porm, do esforoque teve que fazer para adquirir novas estruturas, tem plena conscincia de

    que este esforo no est ainda acabado e que uma estrutura mais abstracta

    se esconde ainda por detrs da que acaba de alcanar, reconhecendo-lhe,

    assim, o seu carcter provisrio. Esta dialctica entre a certeza e a dvida,

    certeza de progredir e dvida de ter chegado j ao fim , talvez, a caracterstica

    46 ULLMO, Jean - O Pensamento Cientfico Moderno, trad. de Mrio Augusto da Silva. Coimbra:

    Coimbra Editora, Lda., 1967, pp. 305 - 306.47SERRUS, Ch. -La Langue, le Sens, la Pense. Paris: P.U.F., 1941, p. 163.48ULLMO, Jean op. cit., p. 308.

  • 7/23/2019 Tese - Angelo Abrunhosa.pdf

    28/359

    28

    mais essencial do esprito cientfico49. O processo do conhecimento uma

    constante remodelao, porque o progresso surge, a maior parte das vezes, de

    estruturas novas que substituem e contradizem as estruturas precedentes.

    2. Crise da Lgica Aristotlica e da Fundamentao Jurdico

    Poltica

    Pela repercusso que teve nas categorias conceituais e silogsticas da

    dogmtica jurdica moderna, oportuna uma breve referncia Lgica de

    Aristteles que, durante dois mil anos, forneceu o modelo do conhecimento

    racional. Ainda hoje o prestgio aristotlico se manifesta, mais ou menos

    conscientemente, no ideal de uma deduo integralcriadora de verdade, o que

    obsta, sem dvida, a que o pensamento cientfico se desprenda das antigas

    concepes. No realismo metafsico de Aristteles, embora conseguido pelo

    mtodo indutivo, inverteu-se, depois, a natural ordem do conhecimento, que

    parte do particular para o geral, do concreto para o abstracto. O Estagirita

    substituiu esta ordem natural do conhecimento pela ordem metafsica do ser,

    na qual as essncias so tomadas como ponto de partida do esprito, capaz de

    descer do geral ao particular, do abstracto ao concreto. Os conceitos

    aristotlicos so definidos, pela sua compreenso, como essncias, que se

    hierarquizam a partir do conceito mais geral e menos compreensivo de ser

    puro. Assim, mortalfaz parte da compreenso do conceito de homem; logo,

    um predicado da essncia do homem. Pela simples anlise da compreenso

    de um conceito chega-se a especificaes, isto , a subdivises sustentadas

    por certas classes de seres reais. Ou seja, nos gneros com maior extenso emenor compreenso intuem-se as espcies com menor extenso e maior

    compreenso. O silogismo exprime esta anlise encadeada dos conceitos; e

    da mesma maneira que essas essncias, consideradas como realidades

    metafsicas de um mundo inteligvel, eram dotadas do poder de se incarnarem

    nos seres reais, tambm a deduo era capaz de tirar pela anlise dessas

    essncias, as propriedades verdadeiras destes seres50. Este substrato

    49ULLMO, Jean op. cit., p. 308.50ULLMO, Jean - op. cit., pp. 262-263.

  • 7/23/2019 Tese - Angelo Abrunhosa.pdf

    29/359

    29

    metafsico da lgica clssica, puramente tautolgica, nada ensina que j se no

    saiba; no criador, apenas facilita a ordenao e exposio.

    Daqui o interesse, hoje, pelo silogismo hipottico, em vez do silogismo

    categrico de Aristteles. J no se pe, categoricamente, a verdade das

    premissas, mas supe-se como hiptese de labor, exercendo-se toda a

    ateno sobre a verdade formal do raciocnio. Em concluso, o esprito no

    pretende j alcanar o realpelo nico esforo do pensamento, a se ipso; mas

    procura apenas respeitar os princpios lgicos, permanecendo de acordo

    consigo mesmo.

    No mbito do Direito da modernidade, pelo contrrio, pem-se,

    categoricamente (no se supemapenas), como premissas verdadeiras:

    Uma certa forma de contratualismo, a ideia de liberdade, voluntarismo e

    proprietarismo51.

    Mas, como as formas jurdicas tm a virtualidade de, por seu turno,

    contaminarem outros nveis da vida social e, como bvio, imediatamente se

    estenderem, quanto mais no fosse por analogia, vida poltica, vai da desse

    contratualismo de base civilstica e, depois, mercantil, se passar, a no muito

    longo trecho, ao contratualismo poltico, com a reinveno do Contrato Social

    como mtico pacto fundador da sociedade, com a representatividade como

    mandato.

    No se poder negar que boa parte do aparente jusnaturalismo, mesmo

    clssico ou clssico renovado (como no caso da Segunda Escolstica

    Hispnica, designadamente com SUAREZ), trazia (e algum ainda transporta

    consigo) preconceitos metodolgicos modernos, voluntaristas, e at

    racionalistas, que teriam a sua apoteose no positivismo.

    No limite, e em resumo, com matizes diversos embora, praticamente todosse baseavam numa ingnua crena na descoberta de um real pr-estabelecido,

    cujo conhecimento s ganharia em tornar-se objectivo.

    De todo o modo, o que ainda impera na verdade, o positivismo jurdico,

    muito pragmtico e, adaptando-se, em metamorfose, a todas as teorias

    (mesmo s jusnaturalistas). Por outro lado, da banda da justificao e

    51No no sentido do que prprio e reside nas coisas, como no Direito Romano, mas que as coisas sopropriedade de algum, em sentido subjectivista e individualista.

  • 7/23/2019 Tese - Angelo Abrunhosa.pdf

    30/359

    30

    funcionamento do poder, o que de melhor se encontra ainda o contratualismo

    poltico, por mais que tudo em volta tenha mudado52.

    3. O Pensamento Jurdico-Poltico prisioneiro da linguagem

    O nico verdadeiro pensamento o pensamento expresso; mas a

    linguagem, que o fixa, corre o risco de ser um corpo sem alma. que se o

    pensamento sem palavra apenas um possvel sem realidade, acontece, por

    vezes, que a palavra pode subsistir como um cadver, isto , um corpo sem

    animus. A linguagem no apenas um elemento da cultura, entre outros; ,

    sobretudo, o veculo de todas as aprendizagens culturais. As obrigaes e as

    interdies, os usos e os costumes, as regras morais e as crenas, antes de

    tudo, so palavras que se ouvem ou se lem e se aprendem. O homem

    aparece como o lugar da linguagem, muito mais do que o seu autor. Uma

    linguagem explicativa do mundo, uma cosmoviso, quando socialmente

    reproduzida e tendo conquistado as mentalidades, pode repercutir-se por todas

    as manifestaes da humanidade53.A linguagem de que se serviram Plato,

    Aristteles, Toms de Aquino, Descartes ou Kant invadiu de tal maneira a

    nossa cultura que, inconscientemente, dela ficamos prisioneiros. A sua filosofia

    erigiu as particularidades da sua linguagem em condies necessrias e

    universais do pensamento e o discurso passou a revestir a iluso de uma

    realidade metafsica. Cristvo Colombo procurou a Amrica, orientando-se

    pela cartografia dos seus predecessores, o que foi um obstculo descoberta

    da ndia Oriental. Tambm a linguagem estabelecida aparece como um

    obstculo renovao do pensamento.O discurso jurdico-poltico aparenta um mundo inteligvel dotado do poder

    de se encarnar na realidade. uma espcie de intemporalidade e

    inespacialidade a assumir a temporalidade e a espacialidade do hic et nunc.

    So abstraces, ideias gerais, que os filsofos da Idade Mdia designavam de

    universais; mas que, para os empiristas, so pura iluso. Para os empiristas, a

    52

    VideFERREIRA DA CUNHA, Paulo - Mysteria Iuris. Razes Mitosficas do Pensamento Jurdico-poltico Portugus. Porto: Legis Editora, Lda., 1999, pp. 164-170. 53Ibidem, p. 170.

  • 7/23/2019 Tese - Angelo Abrunhosa.pdf

    31/359

    31

    iluso vem do nome. Assim, quando se pronuncia a palavra homem uma

    imagem sonora que, pelo hbito, ns associamos a diversas imagens visuais

    concretas (de Pedro, Joo, Antnio, etc.). Para estes nominalistas, nas

    referidas ideias gerais, nada mais h do que imagens concretas e um nome.

    Pensamos, com Gaston Bachelard (18841962)54que os nossos sentimentos

    pessoais e as disposies recebidas da tradio social complicam a tarefa da

    actividade e da educao cientfica; que a percepo imediata e vulgar, ou

    seja, a observao empricano fonte da cincia, mas antes um obstculo ao

    conhecimento cientfico, um obstculo epistemolgico, pois, por oposio

    percepo imediata, o conhecimento cientfico transforma as qualidades em

    quantidades(o futuro da cincia o futuro da medida); diversidade emprica

    a cincia substitui a unificao racional; onde a observao imediata v seres,

    a cincia reconhece relaes (por exemplo, o peso depende do campo de

    gravitao, a cor de um objecto da luz que ele reflecte). Para a cincia

    moderna, a razo (tambm a razo jurdico-poltica) uma actividade

    constituinte, como j ficou dito. Lalande distinguia dois aspectos da razo55: a)

    a razo constituinte, isto , um conjunto de exigncias gerais que permanecem

    sempre as mesmas; esta razo segue uma directiva imutvel e universal,

    porque caracteriza a racionalidade humana; b) a razo constituda, isto , um

    corpo de princpios estabelecidos caractersticos de uma mentalidade e de uma

    poca.

    Como corolrio, temos que a razo constituda representa um

    compromisso sempre revogvel entre as exigncias eternas da razo

    constituinte e os dados experimentais de uma poca56. Por vezes, perecem os

    conceitos, restando a palavra; e aqueles que a usam julgam estar a pensar,

    quando mais no fazem do que falar, como o papagaio que reproduz sons semlhes compreender o sentido. Convm denunciar os perigos deste

    verbalismo/psitacismo to frequente no direito e, sobretudo, na poltica. Cabe

    razo constituinte suscitar novos conceitos e at inovar no vocabulrio, para

    resolver as contradies que se revelarem entre os conceitos fenecidos e as

    54HUISMAN, Denis; VERGEZ, Andr Nouveau Court Trait de Philosophie, tome 2, Paris: FernandNathan, 1974, pp. 55-57.55

    FOULQUI, P.; SAINT-JEAN, R. Dictionnaire de la Langue Philosophique. Paris: PUF, 1969, pp.604-605.56HUISMAN, Denis; VERGEZ, Andr op. cit.,p. 221.

  • 7/23/2019 Tese - Angelo Abrunhosa.pdf

    32/359

    32

    experincias novas, ainda que, para alcanar este objecto, tenhamos de ser

    radicais, como nos lembra Edmundo Husserl, na sua Filosofia como Cincia de

    Rigor.

    4. A Conscincia Regional e Poltico-Jurdica

    Littr57, em 1870, considerava a Poltica como a cincia da governao

    dos Estados; cem anos depois, define-se a a Polticacomo a arte e a prtica

    da governao das sociedades humanas. Ambas as definies apontam a

    governao como o objectivo da poltica, com um poder organizado,

    instituies de comando e de coaco. E, se alguns continuam, hoje, aconsiderar a poltica como a cincia do Estado, poder organizado na

    comunidade nacional, a maioria v nela a cincia do poder organizado, em

    todas as comunidades, portanto, tambm na comunidade regional58. Tambm

    no resta dvida de que, actualmente, a poltica muito mais cientfica do que

    no sculo passado, pois os governantes podem utilizar estatsticas, sondagens

    de opinio, tcnicas de auscultao das massas, calculadoras electrnicas,

    etc., que, antes, no tinham mo. Todavia, o sector desta poltica cientfica muito menor do que o da poltica arte e prtica, servida por obreiros

    impreparados e arrogantes, que se baseiam em dados imprecisos, no

    mensurveis, imediatos e irracionais59.

    W. Mackenzie, na sua obra A Cincia Poltica60, destaca os dois pontos de

    vista, cincia do estado e poltica sem estado, justificando-os assim: At

    poca recente a Cincia Poltica, enquanto disciplina universitria, fazia parte

    integrante da tradio ocidental em matria de educao e de governo. [] Otema central da cincia poltica ocidental foi a noo de estado se

    considerarmos que esta palavra controversa designa, em cada poca, a

    instituio pretendente supremacia jurdica e poltica... Esta concepo

    57 mile Littr (1801-1881), discpulo de A. Comte, divulgou os seus princpios filosficos, morais ecientficos.58DUVERGER, Maurice Introduo Poltica. Lisboa: Estdios Cor, 1964, p. 11.59Ibidem, pp. 13-14.60

    MACKENZIE, W. A Cincia Poltica. Trad. por Maria Joo Seixas do ttulo da Ed. FrancesaTendances Principales de la Recherche dans les Sciences Sociales et Humaines. Partie I: SciencesSociales La Science Politique. Amadora: Bertrand, 1975, pp. 19-24.

  • 7/23/2019 Tese - Angelo Abrunhosa.pdf

    33/359

    33

    tradicional da cincia do estado , no entanto, posta em causa por aqueles que

    julgam necessrio estudar a poltica onde quer que ela se encontre.

    um facto que no sculo XIX, a cincia do estado tinha, no seu conjunto,

    um carcter jurdico e que os debates polticos se situaram, por vezes, ao nvel

    do poder legtimo e das formas constitucionais.

    O Estado no existiu sempre, nem to pouco podemos dizer que no

    deixar de existir algum dia. certo que uma sociedade situada como unidade

    relativamente independente num determinado territrio se constitui sempre com

    um sistema de governo comum suprafamiliar. Para designar esta forma de

    existncia social, que sempre existiu e dificilmente pode desaparecer, podemos

    servir-nos da palavra repblicacontanto que a despojemos da sua referncia a

    uma concreta forma de governo e no signifique mais do que o seu sentido

    literal res publica (coisa pblica).O Estado propriamente dito apareceu no

    sculo XVI como reaco superadora da anarquia provocada nalguns povos

    europeus pelas guerras religiosas.

    A Espanha, ao ver-se livre das guerras religiosas, no sentiu

    verdadeiramente necessidade do Estado, e, por isso, a teoria do Estado,

    prpria dos polticos, como ento se dizia, foi mal recebida pelos clssicos dos

    sculos XVII e XVIII e, de facto, o Estado, em Espanha, foi-se realizando com

    grande dificuldade e sempre impulsionado por influncias estrangeiras,

    sobretudo francesas, onde a ideia de Estado alcanou a sua mxima

    nacionalizao, a comear pela obra de Bodin, o primeiro grande terico do

    Estado. Tambm a ciso maquiavlica da tica e da poltica encontrou uma

    legio de impugnadores entre as gentes hispnicas; porm, a construo

    bodiniana da soberania como poder ilimitado, absoluto e perptuo, foi

    determinantemente rechaada pelo jurista aragons Gaspar de Aastro Isunzaao verter em castelhano las repblicas catholicamente emmendadas.

    Entendia Gaspar de Aastro que os espanhis no podiam aceitar a noo de

    soberania, como poder ilimitado por cima dos corpos sociais, devendo ser

    substituda pela noo de suprema auctoritas; era uma das correces

    introduzidas porque, ao contrrio da ideia de ilimitao do poder soberano, a

    autoridade suprema implica que cada corpo poltico, includos os poderes do

    monarca, esteja encerrado dentro de certos limites; nisto residia o eixo dateoria do Estado.

  • 7/23/2019 Tese - Angelo Abrunhosa.pdf

    34/359

    34

    Finalmente, o hobbesianismo enquanto paradigma do contratualismo

    social, pressupe, necessariamente, a substituio da comunidade poltica

    como corpus mythicum por um puro mecanicismo, um corpus mechanicum.

    Trata-se de uma concepo, (retomada e retocada no sentido liberal por Locke

    e, mais tarde, por Montesquieu e Rousseau) meramente voluntria e

    jurisdicizadada conscincia social (em vez de fundar o lao social na natureza

    humana) que passou do absolutismo ao liberalismo e deste democracia.

    Ficou clebre o Esprit des lois(1748), onde Montesquieu examinou largamente

    as instituies polticas tanto da antiguidade como de diversos pases do seu

    tempo, concluindo do exame dos homens que nessa infinita diversidade de leis

    e costumes eles no eram unicamente conduzidos pelas suas fantasias, mas

    pela natureza das coisas. A natureza das coisas consistia num conjunto de

    circunstncias, tais como a geografia fsica, a qualidade dos terrenos, a

    situao do pas, o seu tamanho, as suas inclinaes, o seu comrcio, os seus

    costumes.

    O regionalismo nutre-se na natureza das coisas, numa concepo

    rasgadamente comunitria da poltica, ainda que, a modo de disfarce, se lhe

    sobreponha um regime constitucional de base contratualista. Da que seja

    intuda, nos dias de hoje, uma certa instabilidade dos povos, y que no se debe

    solo a la inadecuacin del constitucionalismo liberal, sino tambin a la propia

    debilidad cuando no inexistncia del Estado"61. A regio uma conscincia

    multifacetada, constituda ao longo do tempo, formatada num espao, e,

    simultaneamente, um projecto de vida em conjunto. A autoridade poltica

    regional o seu governo e o conjunto de estruturas pelas quais se manifesta.

    As disposies legais devem ser inspiradas pela conscincia colectiva da

    regio e pelo referido projecto de vidaem conjunto; o seu ideal de justiadeveser a fora da lei e do direito positivo. Esse ideal de Justia ser, ao mesmo

    tempo, a sua permanente e indelvel instncia crtica62.

    61 AYUSO, Miguel Hispanidad y Globalizacin in Anales de la Fundacin Elas de Tejada, anoIX/2003, p.197.62Alguns juristas, imbudos do esprito sociolgico, defendem que a ideia de um direito natural, anterior etranscendente organizao colectiva, pura quimera metafsica. Para eles, o Direito no outra coisaseno o conjunto de normas que tendem a impor-se, espontaneamente, no organismo colectivo; normasessas impossveis de deduzir a partir das exigncias de cada indivduo, ainda que, por hiptese, anterior

    sociedade. Cogitamos que no deve nem pode confundir-se a ideia de direito natural com asreivindicaes egostas e os instintos de cada indivduo; mas, como este sempre viveu e viver emsociedade (ubi societas, ibi ius), o direito natural no mera quimera metafsica; antes o ideal de justia

  • 7/23/2019 Tese - Angelo Abrunhosa.pdf

    35/359

    35

    5. A fraternidade regional e o ideal de ordem

    O ideal de ordem subconsciente na comunidade regional suscitar,

    possivelmente, um sistema de direitos e deveres recprocos, condiesindispensveis solidariedade; mas, apenas a fraternidadepoder ultrapassar

    esse mnimo moral, abstracto de ordem, sublimando a ordem do teue do meu,

    num verdadeiro Ns, atravs de aces concretas e personalizadas, bondosas

    e fraternas. A philia, isto , a fraternidade, o amor das pessoas umas pelas

    outras, muito importante para gerar sentimentos comunitrios e de

    solidariedade. Sabemos, pela Histria, que a fraternidade veio primeiro e a lei

    depois; iniciativas individuais de fraternidade, como a hospitalidade, aassistncia, etc., precederam no tempo as disposies legais que, afinal,

    reconheceram que esses actos eram justos em si mesmos.

    que a Lei Positiva simplesmente preserva uma ordem social; no passa

    de um princpio de conservao e equilbrio; puramente negativa (v.g., no

    prejudicar outrem) ou, quando muito, reparadora (v.g., pagar as dvidas)

    delimita, separa e no une; a fraternidade bondade, solidariza e fomenta a

    comunho espiritual e material. Dante, na Divina Comdia, tem a viso de que

    os condenados mais cruelmente castigados no so os que fizeram o mal, mas

    os que no praticaram o bem. Tambm So Paulo, na sua primeira Epstola

    aos Corntios, adverte que a caridade amor ao prximo e que, se dermos

    todos os nossos bens aos pobres, nada disso conta, se no houver caridade,

    porque acto de egosmo dissimulado63.

    Nestas consideraes sobre fraternidade regional e o ideal de ordem,

    demos um salto do intelecto, no sentido abstracto clssico, para o intelecto no

    sentido emocional, isto , para a inteligncia, como forma vivida de nos

    relacionarmos e interagirmos uns com os outros e com o meio que nosrodeia64.

    essa inteligncia emocional dos Aores e da Galiza, que vamos ver a seguir.

    da sociedade, a sua conscincia moral, universal e desinteressada, constituinte do direito, tpico e crnico,progressivamente constitudo. Cf., para mais desenvolvimento, BATTIFOL, Henri La Philpsophie du

    Droit. 5 ed.. Paris: PUF, 1975.63 Paulo FERREIRA DA CUNHA ubrrimo de referncias notveis sobre a triologia Liberdade,

    Igualdade e FRATERNIDADE, na sua obraMysteria Ivris, cit., pp. 250 e ss..64 GOLEMAN, Daniel Inteligncia Emocional, trad. do original ingls, Emocional Intelligence, porTemas e Debates, Lda.. Lisboa: Presselivre, 2006.

  • 7/23/2019 Tese - Angelo Abrunhosa.pdf

    36/359

    36

    6. Introspeco e Extrospeco da Conscincia Aoriana -

    Insularidade / Aorianidade

    Ningum mais e melhor exprime o sentimento de insularidade do que

    Vitorino Nemsio, ao escrever: a geografia, para ns (aorianos) vale outro

    tanto como a histria... como as sereias, temos uma dupla natureza: somos de

    carne e de pedra. Os nossos ossos mergulham no mar65. , alis, a vivncia

    dos Aorianos nos Aores e dos Aorianos fora dos Aores. Jos Eduardo

    Moniz, director-geral da TVI, em entrevista66, desabafa idntica aorianidade,

    ao responder: os Aorianos tm alguns traos nicos, que so fruto do

    isolamento a que esto voltados, um isolamento que continua a ser vivido por

    quem l ficou, quase uma marca. indiscutvel que o mar liberta, mas, ao

    mesmo tempo, prende, ao mesmo tempo constrange e aprisiona os sonhos.

    [...] A nossa imaginao desenvolve-se muito, quando crescemos num stio em

    que os horizontes esto definidos, partida, quando se sabe que o nosso

    espao fsico termina ali. Depois, havia o outro mundo, o que vamos nos filmes

    e nas fotografias. Essas imagens fizeram-me voar alto .

    Se a insularidade de Vitorino Nemsio e Jos Eduardo Moniz uma

    introspeco muito reale concreta, porque bebida com o leite materno e vivida

    at dispora, no assim a da escritora brasileira Ceclia Meireles, cujo

    fascnio pelos Aores, era um acto de gratido e de ternura devido sua av,

    natural da Ilha de So Miguel. Ceclia Meireles visitou os Aores, pela primeira

    vez e nica, em 1951, tendo confessado no Aeroporto de Santa Maria: se me

    perguntarem o que me traz aos Aores, apenas posso responder: a minha

    infncia. Desejava mesmo que a recebessem no como uma escritora

    brasileira... mas como uma criana antiga que a poesia de So Miguel nutriu,numa infncia de sonho, no regao de uma av dolorida, herica e nobremente

    sentimental67

    Mais conceptualizada a insularidade aoriana que Eduardo Loureno

    extrospectou na sua comunicao apresentada na VIII Semana de Estudos dos

    65Aorianidade, innsula, nos. 7 8. Ponta Delgada, 1932, p. 25.66

    Jos Eduardo Moniz sem barreiras, inReaders Digest Seleces, Julho de 2001, pp. 35 e 36.67 MAIA GOUVEIA, Margarida Vitorino Nemsio e Ceclia Meireles. A Ilha Ancestral. Porto:Fundao Eng. Antnio de Almeida / Casa dos Aores do Norte, 2001,p. 98.

  • 7/23/2019 Tese - Angelo Abrunhosa.pdf

    37/359

    37

    Aores68: ... o paradoxo da Ilha, mesmo menos poderosa que a inglesa: no

    poder ficar dentro dela, ceder ao apelo do largo, emigrar ou exilar-se, de

    mltiplas maneiras, de si mesma. Pela sua situao estratgica, no ltimo meio

    sculo, o arquiplago aoriano foi muitas vezes comparado a uma esquadra

    ancorada no meio do Atlntico. Agora, impe-se mais a imagem de aeroporto.

    Assim, numa s imagem, se sintetizam a sua dupla condio de imobilidade

    imaginariamente movente, a sua realidade contraditria de casa fechada... e

    cais aberto sobre o mundo. De seguida, pergunta se com uma tal situao,

    apesar da mesma lngua, da mesma religio, de idnticas tradies, que a do

    primeiro Portugal, que saiu de casa para nunca mais regressar idntico, no

    engendraria com os sculos, uma sensibillidade particular, um destino prprio...

    em suma, uma identidade aoriana e com ela uma vontade que a exprimisse

    em termos adequados ao que ela , representa e a que aspira, concluindo que

    em ltima anlise, o Continente e o Arquiplago, na sua relao com o mundo

    so duas espcies diversas de realidades insulares.

    Fernando Pessoa lanou na Lusofonia a to repetida frase: A minha

    ptria a lngua portuguesa. A crtica, por vezes, tem sido severa com esta

    afirmao de Fernando Pessoa, porque a lngua portuguesa , hoje, a lngua

    de muitas ptrias e, nestas, falam-se outras lnguas; mas a verdade que

    todas reclamam a Portugalidadena sua mtica ancestralidade. Nos Aores, os

    falantes, marcados pela insularidade e pelo Atlntico, fechados no seu

    isolamento durante sculos, imprimiram lngua uma musicalidadeto singular

    e caracterstica, que este sotaque se tornou um trao configurativo da sua

    aorianidade69, urbi et orbi. No dizer de Reis Leite70, os Aorianos passaram a

    ser um povo de dispora. Espalhados por vrias comunidades, principalmente

    no Novo Mundo (Estados Unidos da Amrica, e Canad), so hoje bem maisdo que os residentes e como no perderam a sua identidade, mesmo nas

    68 LOURENO, Eduardo A autonomia como fenmeno cultural e poltico. In ComunicaesApresentadas na VIII Semana de Estudos dos Aores.Angra do Herosmo: ed. do IAC, 1987, pp. 58 60.69Foi Vitorino Nemsio que, em 1932, lanou o vocbuloAorianidade, naInsulana, tornando-se a ideiamxima de ulteriores estudos e trabalhos. Cf.MAIA GOUVEIA, Margarida Vitorino Nemsio, estudo eantologia. Ponta Delgada: ICALP, 1986, pp. 401-402. Relativamente ao sotaque aoriano, com vriosmatizes nas diversas ilhas e at na mesma ilha, sobretudo em So Miguel, parece ser de origem baixo-alentejana e algarvia; na casa fechada dos Aores, evoluiu, autonomamente, durante 500 anos.70

    REIS LEITE, Jos Guilherme Uma Reflexo sobre a Autonomia dos Aores, in ComunicaesApresentadas na VIII Semana de Estudos dos Aores.Angra do Herosmo: Instituto Aoriano da Cultura,1987, p. 43.

  • 7/23/2019 Tese - Angelo Abrunhosa.pdf

    38/359

    38

    comunidades mais antigas, como a brasileira, no podem deixar de influenciar

    toda e qualquer anlise social e cultural do arquiplago. Onde quer que se

    encontrem, os Aorianos sentem as suas razes, assumem-nas e repensam-

    nas, dando origem a um novo fenmeno cultural.

    7. Introspeco e Extrospeco da Conscincia Galega - Galeguidade

    Galeguidade uma das muitas identidades existentes na Pennsula

    Ibrica. Qualquer que seja a construo integradora, mais restrita a nvel de

    Espanha ou mais alargada a nvel europeu, no pode esquecer-se que esta

    pluralidade de identidades indelvel. Galicia - no olhar de lvaroCunqueiro71 - ao Este esgrevios montes, longas chairas, anchos vales.

    Algunhas pequenas serras chegan deica o mar, que en mutas partes do litoral

    se adentra na terra, formando as fermosas ras, tan caractersticas de Galicia, e

    que son as mis vales fluvias afundidos. Dez mil ros corren pola pel verde de

    Galicia, e si nas montaas oritentais medra a faia e corre o lobo, na ribeira

    occidental frolece a camelia, e dan os seus froitos de ouro o limoeiro e o

    laranxo... Continua o autor, referindo-se ancestralidade da Galiza:o galegode hoxe tem la ilusin de que os seus devanceiros protohistricos foron os

    celtas, aos que prefire a outras razas das que falan os historiadores, e aos que

    atribuie unha nobreza especial entre os pobos antergos, raza vagamunda

    habitadora dos fisterres e das ilhas de Oeste, asentada com sus reises en

    Galicia... Para estes galegos cseque todo nos vem dos celtas, dende a gaita

    muieira72, o sentimento da terra e da morte, as ansias de andar mundo e o

    desexo de retornar.... Como conceito cultural (antropolgico, histrico esociolgico), a identidade galega um modo de ser, um estilo prprio de

    comportamento, uma forma especfica de enfrentar a vida e a morte. Este

    71CUNQUEIRO, lvaro Ollar Galicia. Barcelona: Ediciones Destino, S.L., 1981, pp. 5 e ss.. Escritoren galego e em castelhano, Cunqueiro nasceu en Mondoedo em 1911 e morreu em Vigo em 1981.72A generalidade dos autores filia os seus primrdios no ciclo pastoril, ao qual pertence tambm a flauta,entendendo que, juntando uma destas a um odre de pele, se compreende, sobretudo, em gentes que

    dispusessem de rebanhos. Na Inglaterra, na Esccia e na Irlanda, prevalecem as teses que consideram agaita-de-foles de origem cltica, em face da sua grande difuso em pases dessa ascendncia,designadamente, alm daqueles, no Norte da Pennsula Ibrica e, sobretudo, na Galiza.

  • 7/23/2019 Tese - Angelo Abrunhosa.pdf

    39/359

    39

    modo de ser non se escolle nin se elixe, existe como um producto da historia,

    da familia, da convivencia, da economia e da xeografia73.

    Rosala de Castro74, a quem o americano D.C.Warnest75 chamou Rosa

    Cltica, assumiu essa identidade galega, recuperando-a com a fora do seu

    poder lrico e do seu gnio potico. Comprometida com o destino do seu povo,

    berrou o seu dio contra os castelhanos, afirmando desassombradamente

    que a Galiza nunca deveria chamar-se espanhola. Desfraldou a ban