Texto 01 - Conceito de Organização

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Construção e uso de conceitos em estudos organizacionais: por uma perspectiva social e histórica

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    Construo e uso de conceitos em estudos organizacionais: por uma perspectiva social e histrica

    Queila regina Souza MatitzUniversidade Positivo

    Fabio VizeuUniversidade Positivo

    O objetivo central deste trabalho consiste em discutir o problema da definio conceitual no campo de estudos organizacionais das perspectivas social e histrica. Para tanto, partimos de reflexes mais abrangentes a respeito do ato de conceituar no fazer cientfico, passando pelo estudo da formao do lxico especializado, da sociologia da linguagem e pela descrio de aspectos referentes histori-cidade dos conceitos. Assim, o conceito considerado, ao mesmo tempo, um fenmeno socialmente referente e historicamente (re)construdo, capaz de revelar diferentes estruturas sociais e sua relao com o lxico de significaes que se constitui ao longo do tempo. Para dar fora a nossos argumentos, discutimos exemplarmente o conceito de organizao, tal qual foi constitudo social e historicamente pelos socilogos norte-americanos fundadores da rea denominada teoria das organizaes. Nas consideraes finais, apontamos problemas prticos que envolvem a maneira como os pesquisadores organizacionais definem os conceitos que articulam a prtica cientfica no campo.

    Palavras-chave: historicidade dos conceitos; prtica cientfica; estudos organizacionais; conceito de organizao.

    Construction and use of concepts in organization studies: towards a social and historical per-spectiveThe aim of this paper is to discuss the problem of conceptual definition in the organizational studies field, under the social and historical viewpoints. To this end, we start from broader reflections about the act of conceptualizing the scientific work studying the formation of the specialized vocabulary of the sociology of language and the description of aspects concerning the historicity of concepts. Ac-cordingly, the concept is simultaneously considered a phenomenon socially related and historically (re) constructed, capable of revealing different social structures and their relationship to the lexicon of meanings that was constituted throughout time. In order to support our arguments, we exemplar-

    Artigo recebido em nov. 2010 e aceito em jun. 2011.

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    ily argue about the concept of organization, as it was socially and historically composed by American sociologists and founders of the theory of organizations field. For final remarks, we point out practical problems that involve the way researchers define organizational concepts that articulate the scientific practice in the field.

    Key words: historicity of concepts; scientific practice; organizational studies; concept of organization.

    1. Introduo

    Nos ltimos anos, intensificou-se a preocupao na comunidade acadmica brasileira da rea de estudos organizacionais (EOR) quanto s questes epistemolgicas. A recente criao de um tema especfico na mais importante academia brasileira de administrao para tratar desse assunto reflete essa crescente preocupao. Na verdade, o interesse pelas discusses epistemolgicas em estudos organizacionais se explica, em parte, pela forma heterognea de articulao da rea, onde diferentes disciplinas e perspectivas se mesclaram para constituir o entendimento plural que atualmente se tem sobre a realidade organizacional (Burrell e Mor-gan, 1979). Entretanto, mesmo considerando os benefcios da multi e interdisciplinaridade no campo, h de se considerar que nem sempre os benefcios da diversidade significaram uma preocupao equivalente com o uso adequado de teorias ou conceitos emprestado de outras reas (Whetten, Felin e King, 2009). Neste sentido, um dos grandes desafios da produo de conhecimento acadmico de qualidade a ampliao do entendimento crtico e reflexivo so-bre esse processo, bem como sobre os problemas a ele associados.

    Como afirmam Tsoukas e Knudsen (2003), sendo os pesquisadores de cincias sociais ao mesmo tempo participantes e observadores do campo investigado, esses so habilitados por sua capacidade reflexiva a enxergar possveis ameaas validade da produo de co-nhecimento proposta por sua rea de estudos. E ainda, como lembram os autores, h certa obviedade no fato de que a produo do conhecimento uma atividade social, a qual envolve no apenas o trabalho em si, mas tambm constante interao comunicativa. Esta ltima, por sua vez, permite o compartilhamento de significados por uma determinada comunidade, por meio do domnio de uma linguagem, de um conjunto de procedimentos e de um conjunto de objetos de estudo.

    Atentamos aqui, particularmente, para a questo da atribuio de significado aos fe-nmenos observados no contexto da linguagem cientfica e do modo como as circunstncias histricas condicionam o desenvolvimento, o uso e o compartilhamento de conceitos por uma determinada comunidade cientfica, mais especificamente, a comunidade cientfica que se ocupa dos estudos organizacionais. Ainda, nos detemos particularmente no estudo do con-ceito de organizao, objeto dessa rea de estudos e, conforme lembram Tsoukas e Knudsen (2003), um objeto conceitualmente dependente, cuja definio deriva de um conjunto par-ticular e socialmente definido de interpretaes e significados. Dessa forma, sujeito e objeto so espaos conceituais simtricos, pois ambos so constitudos pela linguagem. E, voltando

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    questo da validade da produo de conhecimento na rea de estudos organizacionais, torna-se essencial uma reflexo especfica sobre aspectos potencialmente influentes na forma como a linguagem cientfica social e historicamente produzida, utilizada, compartilhada e interpretada.

    O objetivo deste trabalho, portanto, discutir o problema da definio conceitual den-tro do campo de estudos organizacionais, de uma perspectiva social e histrica. Para tanto, partimos de reflexes mais abrangentes a respeito do ato de conceituar no fazer cientfico, passando pelo estudo da formao do lxico especializado, da sociologia da linguagem e pela descrio de aspectos referentes historicidade dos conceitos. Alm disso, considerando-se que o conceito duplamente um fato lingustico e um indicativo de um especfico contexto so-cial (Koselleck, 1992), somente pode ser apreendido quando considerado em sua dupla natu-reza sincrnica e diacrnica. Assim, o conceito , ao mesmo tempo, um fenmeno socialmente referente e historicamente (re)construdo, capaz de revelar diferentes estruturas sociais em sua relao com o lxico de significaes que se constitui ao longo do tempo.

    O presente trabalho se justifica, pois, de acordo com Koselleck (1992), h um problema quando usamos os conceitos de forma ingnua, a partir de uma semntica a priori. Conside-rando-se que conceitos devem prestar-se interpretao de material emprico, e no o oposto, novas situaes e fenmenos no devem ser forados a se submeterem linguagem ou a um conjunto ortodoxo de conceitos e categorias. Em outras palavras, alm de esforarmo-nos a compreender as variaes semnticas prprias ao uso de um determinado conceito ao longo de sua histria, tambm devemos respeitar as interaes entre apreenso lingustica e realida-de dos fatos, de forma a evitar distores de significado e de representao simblica. Assim, este ensaio foi estruturado de maneira a revelar questes fundamentais acerca dos problemas e da dinmica de produo e uso de conceitos na comunidade acadmico-cientfica. Essas questes tratadas por teorias de estudo do lxico especializado revelam aspectos complexos da relao entre formao lexical e formao do campo cientfico. Neste sentido, os conceitos assumem um papel fundamental na construo e reconstruo do campo acadmico moderno (Foucault, 1999); por outro lado, a atividade social que se processa dentro do campo cientfi-co tambm condiciona a formao e transformao dos conceitos, afetando, por conseguinte, a prpria natureza do saber produzido pela comunidade cientfica.

    Para dar fora a nossos argumentos, discutimos ao final do texto pontos seleciona-dos a partir da discusso anterior e tendo por referncia o conceito de organizao, tal qual foi constitudo social e historicamente pelos socilogos norte-americanos fundadores da rea denominada teoria das organizaes. Neste exerccio, buscamos refletir sobre como o con-ceito organizao e seus qualificadores carregaram diacronicamente a trajetria de constru-o do campo acadmico de estudos organizacionais, bem como sua articulao com outras reas disciplinares. Nas consideraes finais, apontamos problemas prticos que envolvem a maneira como os pesquisadores organizacionais definem os conceitos que articulam a prti-ca cientfica no campo. A partir desta considerao, apontamos tambm potenciais reas de estudos dentro da linha de estudos de conceitos e da construo lexical da rea de estudos organizacionais.

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    2. O conceito no contexto do fazer cientfico

    Goode e Hatt (1979:56) apresentam uma discusso inicial a respeito do conceito enquanto elemento bsico do mtodo cientfico e lembram que s vezes esquecido que os conceitos so criaes lgicas criadas a partir de impresses sensoriais, percepes ou, mesmo, experi-ncias bem complexas. Conceitos, portanto, no devem ser confundidos com os fenmenos aos quais fazem referncia. Alm disso, conceitos s adquirem significado dentro de um de-terminado sistema terico ou esquema de pensamento (Koselleck, 1992). O carter simblico do conceito demonstra sua utilidade no fazer cientfico na medida em que, ao possibilitar a existncia do pensamento, torna possvel estudar, organizar, isolar e comparar propriedades dos objetos da experincia sensorial.

    Ainda, ao possibilitar o pensamento, os conceitos permitem a comunicao humana e, portanto, so tambm os elementos essenciais da comunicao cientfica: Como, porm, a cincia exige maior preciso da comunicao, o processo de conceptualizao deve ser muito mais conscientemente uma parte da cincia do que da maioria dos contextos do senso comum e da vida diria (Goode e Hatt, 1979:57). Outro atributo dos conceitos no campo cientfico merece destaque: a capacidade de resumir uma quantidade significativa de informao. Dessa forma, se torna dispensvel a reconstruo contnua da complexidade abstrada dos objetos de estudo da cincia e de suas inter-relaes tericas.

    Por outro lado, conceitos podem criar problemas comunicativos quando um mesmo termo utilizado simultaneamente por quadros de referncia distintos. Por exemplo, pode-se citar o caso de burocracia, o qual assume distintos significados quando definido por soci-logos ou por leigos, no sentido conferido pelo senso comum. E, ainda, preciso considerar a possibilidade de mudana dos conceitos, na medida em que o conhecimento em torno de de-terminado fenmeno se aperfeioa ou se modifica. Uma das principais tendncias nesse senti-do seria a substituio de um conceito mais amplo por conceitos mais especficos, resultantes de uma melhor compreenso a respeito das mltiplas facetas de um mesmo fenmeno.

    Finalmente, tem-se a questo do nvel de generalizao do conceito. Ou seja, conceitos podem variar em relao ao grau de concretude dos fenmenos aos quais fazem referncia. Dessa forma, cincia cabe a tarefa de relacionar com fecundidade o abstrato e o concreto, o geral e o especfico, o abrangente e o restrito. Cabe cincia, ainda, esclarecer conceitos que fazem parte da definio de outros conceitos, buscar a integrao entre diferentes nveis tericos, alm de desenvolver os mtodos apropriados de operacionalizao e mensurao de conceitos.

    Para o cientista social, um conceito uma abstrao a partir da percepo de fenme-nos ou eventos ou, ainda, uma representao resumida de uma diversidade de fatos (Selttiz et al., 1974). Esta natureza agregadora dos conceitos particularmente relevante para as cincias sociais, pois contribui para a simplificao do pensamento em diversos graus de apro-ximao em relao aos objetos ou fatos que representa. Ao conceituar, o indivduo capaz de agrupar e ao mesmo tempo diferenciar caractersticas dos objetos sob observao. E, quanto

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    mais elevado o nvel de abstrao do processo de conceituao, mais distante o conceito se torna em relao ao referente concreto.

    Conceitos de alto grau de abstrao so tambm chamados construtos, uma vez que so construdos a partir de conceitos de nvel inferior de abstrao. Construtos, portanto, so tipos de conceitos e demandam maior cuidado na sua definio: Quanto maior a distncia entre os conceitos e os fatos empricos a que pretendem fazer referncia, maior a possibilidade de tais conceitos serem mal compreendidos ou mal empregados, e maior o cuidado necessrio para sua definio (Selttiz et al., 1974:49). Gellner (1986:232) tambm explica o desafio do uso dos conceitos nas cincias sociais: Os debates sobre conceitos nas cincias sociais tendem a ser um problema de escolha de termos e, o que mais importante, de suas definies. Pode-se falar da descoberta ou da inveno de conceitos; e tambm da substituio ou desenvolvimen-to de conceitos. Finalmente, a realizao de pesquisas empricas e a criao de teoria tambm contribuem para esclarecer e reformular conceitos. Ao escolher indicadores (ou indcios con-cretos) representativos do conceito abstrato, o prprio conceito pode ser revisto, ampliado, reformulado.

    Em resumo, conceitos so essenciais no campo cientfico por possibilitarem a discrimi-nao entre fenmenos e, ainda, a realizao de operaes de medio e classificao, enfim, o estabelecimento de relaes entre esses fenmenos. E, para sistematizar o uso e a evoluo dos conceitos nos campos cientficos, um corpo de disciplinas especializadas no estudo do l-xico, entre essas a terminologia e a socioterminologia, buscam contribuir para a compreenso da constituio e funcionamento dos lxicos especializados. No prximo subitem discutimos as principais contribuies dessas reas de estudos.

    3. As cincias do lxico e o estudo do lxico especializado

    De acordo com Krieger e Finatto (2004), o interesse dos linguistas sobre a constituio e o funcionamento dos termos tcnico-cientficos recente e pode ser situado na ltima dcada do sculo XX. Enquanto campo de estudos, a terminologia tem como objeto de estudo o lxico especializado. Sob o ponto de vista dessa disciplina, uma cincia s passa a existir na medida em que identifica, denomina e impe seus conceitos. Ou seja, a legitimidade de uma cincia est intrinsecamente ligada denominao de seus objetos, os quais, consequentemente, po-dem ento servir realizao de inferncias e construo de teorias baseadas em relaes entre conceitos. Ao mesmo tempo, a definio terminolgica constitui objeto de estudo da terminologia. Devido sua herana lgico-filosfica, o estudo das definies terminolgicas no campo da terminologia tem como objetivo central a verificao da correo lgica e/ou de suas condies de verdade.

    Neste sentido, a terminologia uma disciplina de compreenso epistemolgica, j que se ocupa do estudo pormenorizado do lxico de cada rea especfica do conhecimento hu-mano: A terminologia pressupe uma teoria da referncia, ou seja, uma correlao entre a estrutura geral do conhecimento e o cdigo lingustico correspondente (Biderman, 2001:19).

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    Em outras palavras, a terminologia busca estabelecer uma relao entre estrutura conceitual e estrutura lexical da lngua. Ocupa-se, portanto, a partir de um processo onomasiolgico, da natureza do conceito, das relaes conceituais, da relao termo-conceito e da atribuio de termos aos conceitos.

    A terminologia chama a ateno para o carter ao mesmo tempo necessrio e limitante da lngua em relao ao registro e transmisso do conhecimento. Ou seja, No espao con-tnuo do conhecimento, a funo referencial da linguagem mapeia um repertrio discreto e enumervel de smbolos o lxico (Biderman, 2001:20). Ainda, enquanto seja relativamen-te simples o ato de atribuir termos a conceitos, difcil especificar os limites da conceituao, gerando atribuies referenciais mltiplas e no coincidentes em relao a fenmenos e even-tos do universo cognoscvel. Para minimizar este problema, prope-se, no campo da termino-logia, uma normalizao que garanta aos termos cientficos significados nicos. Trata-se de garantir eficcia comunicao cientfica.

    Ao mesmo tempo, surge uma preocupao com o respeito devido s variantes termi-nolgicas decorrentes de espaos socioculturais e lingusticos especficos, os quais propiciam diversas manifestaes terminolgicas na forma como um determinado conceito se apresenta. A ideia de harmonizar surge nesse contexto, ao sugerir um mtodo de normalizao que busca pr em correspondncia os termos uns com os outros no seio da mesma lngua e entre lnguas, gerenciando os usos (Faulstich, 2006:28). A teoria da variao terminolgica, portanto, admi-te que os termos assumem funes especficas nas lnguas de especialidade, de acordo com o contexto de uso. Ou seja, uma lngua pode sofrer mudanas decorrentes do tempo histrico, da origem geogrfica ou social e dos contextos em que se encontram os locutores.

    No contexto da socioterminologia, principalmente em funo de suas origens no cruza-mento da sociologia da linguagem com a harmonizao lingustica, se defende a abordagem do funcionalismo lingustico como aquele que mais se adequa ao estudo da terminologia nas lnguas de especialidade, especialmente na medida em que assume uma postura mais descri-tiva e menos prescritiva. Ainda sob este ponto de vista, os fenmenos lingusticos variveis so-mente podem ser avaliados a partir de um corpus textual, de preferncia especializado. Dessa forma, possvel estudar quais termos variam e como variam. Alm disso, possvel estudar os termos a partir das condies de circulao do termo no funcionamento da linguagem, assim como estudar o termo sob a perspectiva lingustica na interao social. A compreenso da mudana terminolgica como mecanismo resultante da pragmtica discursiva torna-se, portanto, o objetivo central da socioterminologia:

    (...) a pesquisa socioterminolgica dever considerar que os termos, no meio lingustico e social, so entidades passveis de variao e de mudana e que as comunicaes entre membros da so-ciedade so capazes de gerar conceitos interacionais para um mesmo termo ou de gerar termos diferentes para um mesmo conceito. (Faulstich, 2006:30)

    A fonte natural de onde emergem os termos usados nas comunicaes entre profissio-nais so os discursos de natureza cientfica, tcnica e vulgar (Faulstich, 2006). Entretanto,

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    na interface entre esses discursos, que, dado os atributos distintivos dos espaos sociais que os produzem, se estabelece o prprio saber do cientista, a despeito da especificidade do seu lxico conceitual e terminolgico e do papel deste na prpria definio do campo cientfico. A compreenso do processo de formao do lxico especializado, discutido a seguir, pode con-tribuir para esclarecer esses aspectos.

    4. Conceitos, termos e definies terminolgicas: a formao do lxico especializado

    Cada campo cientfico organizado por uma estrutura de conceitos referentes aos processos e objetos mais importantes a serem estudados. Esses conceitos, por sua vez, so mencionados e transmitidos sob a forma de termos, formando um vocabulrio dinmico e especializado da rea. Por conseguinte, a principal tarefa em qualquer cincia desenvolver um sistema de classificao, uma estrutura de conceitos, um conjunto cada vez mais preciso de definies para esses termos (Goode e Hatt, 1979:14). O sistema terico de uma cincia pode ser con-siderado, portanto, um sistema conceitual.

    Conceitos so smbolos que correspondem ao significado de termos, embora no se constituam em entidades lingusticas no sentido restrito. Conceito, portanto, no sinnimo de palavra (Koselleck, 1992). Conceitos so transmitidos por meio de palavras ou termos , as quais lhes conferem materialidade comunicativa. Os termos, conforme explica Faulstich (2006:28), so:

    (i) signos que encontram sua funcionalidade nas linguagens de especialidade, de acordo com a dinmica das lnguas; (ii) entidades variantes, porque fazem parte de situaes comunicativas distintas; (iii) itens do lxico especializado que passam por evolues, por isso devem ser anali-sados no plano sincrnico e no plano diacrnico das lnguas.

    Definies terminolgicas so tipos especficos de definies em sentido mais amplo e esto diretamente relacionadas ao significado de termos ou expresses no contexto de uma determinada cincia. Representaes conceituais vinculadas a saberes cientficos, por-tanto, constituem manifestaes de estruturas conceituais compartilhadas entre os membros de uma comunidade cientfica. O ato de definir , ao mesmo tempo, um ato de incluso e de excluso, na medida em que determina fronteiras de significao em torno de categorias de objetos, eventos, fenmenos, enfim, dos elementos sobre os quais se propem teorias, hip-teses e relaes.

    A definio ocupa um lugar central em todas as cincias. O ato de definir essen-cial, por exemplo, ao estabelecimento de relaes entre coisas e ideias (Foucault, 1999). Em Aristteles, encontramos a ideia de discurso de limitaes, a qual tem sido traduzida por definio. Em sentido estrito, uma definio deveria ser capaz de abranger todos os usos da palavra em determinada poca, alm de permitir distingui-la de outras palavras, incluindo

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    suas equivalentes semnticas. E, ao contrrio das definies lingusticas polissmicas utiliza-das na lngua comum, espera-se que o uso dos termos no contexto cientfico seja restrito a um nico significado, permitindo o estabelecimento de relaes e a comparao entre fenmenos (Sager, 2000; Rey, 2000).

    A qualidade da relao entre definio terminolgica e conceito depende das condies de apreenso do significado do objeto e de sua consequente traduo em termos lingusti-cos, evitando-se a tautologia. Trata-se, portanto, de um problema secular: o da relao entre a semntica da linguagem natural e a construo de ferramentas de significao teis e ne-cessrias ao desenvolvimento do pensamento cientfico. O ideal, de acordo com Pascal, por exemplo, seria o uso estrito da linguagem matemtica para uso cientfico. Entretanto, con-forme lembra Rey (2000), a teoria da definio passa por uma mudana importante quando passa a usar a definio como forma de explicar a natureza do objeto no na forma como , mas na forma como concebido (Foucault, 1999). o movimento da ontologia em direo psicologia cognitiva, particularmente importante para estudos de produo e transferncia de conhecimento. Trata-se, portanto, da necessidade de definir critrios para o uso da lingua-gem, com base nos objetivos desse uso.

    O lxico de uma lngua natural, assim, corresponde ao conjunto das palavras utiliza-das para nomear objetivos e fenmenos. E, ao nomear os resultados de sua percepo sobre a realidade, o homem inicia simultaneamente um processo de classificao desses mesmos objetos e fenmenos. Nomeao, portanto, pode ser considerada como a primeira etapa no percurso cientfico do conhecimento. A gerao do lxico, assim, corresponde a um processo de observao de semelhanas e diferenas, em atos sucessivos de cognio e de categoriza-o da experincia.

    Sob esse ponto de vista, os conceitos so modos de ordenao e estruturao dos da-dos sensoriais sob a forma de signos lexicais. Pode-se supor, portanto, que a ampliao da capacidade de observao e de identificao de semelhanas e diferenas entre os fenmenos seguida por uma ampliao correspondente do lxico das lnguas naturais. Dessa forma, o lxico corresponde a um sistema aberto (Biderman, 2001).

    No caso do lxico especializado, considera-se ao mesmo tempo a dimenso cognitiva e a dimenso lingustica dos termos utilizados em cada rea do conhecimento. Em outras pala-vras, faz parte do estabelecimento da legitimidade de um campo cientfico a identificao de seus objetos sua dimenso cognitiva e a denominao de seus objetos sua dimenso lingustica. E, ainda, cite-se a funo comunicativa dos termos, ao representar e transmitir o saber cientfico e tcnico. Idealmente, os termos tcnico-cientficos deveriam privilegiar a preciso conceitual ao serem considerados como signos lingusticos de valor monossmico, caracterizados pela monorreferencialidade, veiculantes dos significados especficos de cada rea (Krieger e Finatto, 2004). Entretanto, conforme observado na concluso do subitem an-terior, os termos usados nas comunicaes profissionais sofrem influncias de outros campos lingusticos, de outras reas do conhecimento, de outros contextos, de outras pocas, enfim, no esto imunes s interferncias externas que motivam, por exemplo, a polissemia dos con-ceitos mais essenciais a cada rea de estudos e, em particular, rea de cincias sociais.

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    5. A historicidade dos conceitos: anacronismo e condio histrica do intrprete

    Outro aspecto problemtico dentro da anlise de construo social dos conceitos a negao de sua historicidade. Neste sentido, seguimos o mesmo entendimento daqueles que defendem a relatividade histrica dos conceitos dentro do lxico especializado de grupos sociais. Na ver-dade, dizer que os conceitos apresentam um sentido para determinado grupo historicamente situado ou seja, um grupo social especfico no tempo e no espao significa que, para outro grupo social, este conceito tem outro sentido, ou, de maneira mais radical, no existe. Isso porque, quando grupos sociais historicamente distintos se referem mesma palavra, isso no equivale a dizer que a palavra utilizada para referir o mesmo conceito, pois este est vinculado ao contexto scio-histrico de constituio e desenvolvimento da comunidade lin-gustica de referncia.

    por isso que, para Koselleck (1992), principal proponente da chamada histria concei-tual, preciso distinguir entre palavra e conceito. Enquanto cada palavra remete a um sentido ou contedo, conceitos demandam ao mesmo tempo uma formulao e uma interpretao terica, reflexiva. Conceitos, portanto, envolvem graus de teorizao/abstrao necessrios ao desenvolvimento de expresses capazes de conter de forma sintetizada e abstrata uma teoria acerca de um fenmeno concreto. O conceito generalizante o suficiente para assumir o significado que vai alm do fato isolado e surge a partir de um processo de abstrao e agregao. O conceito permite, ao mesmo tempo, apreender/compreender o fato concreto e, posteriormente, atuar sobre o mesmo.

    Koselleck (1992) apresenta ainda a ideia de que todo conceito s pode enquanto tal ser pensado e falado/expressado uma nica vez. Ou seja, para cada formulao terica/abstrata expressa sob uma forma lingustica corresponde uma situao concreta que nica. E, embo-ra os conceitos e os termos pelos quais so expressos possam ser utilizados em pocas e situaes diversas, seu contedo altera-se substancialmente. H que se ter cuidado, portanto, com o carter nico (einmalig), articulado ao momento de sua utilizao.

    Ao mesmo tempo, tudo o que se disser s ser compreensvel na medida em que hou-ver conhecimento prvio da semntica, pois sem o conhecimento prvio do significado das palavras nada ser compreendido. A semntica , assim, imprescindvel para a comunicao lingustica (Sprachhandlung) e para o uso pragmtico da lngua. Em outras palavras, a dia-cronia est sempre contida na sincronia, o que permite e justifica uma histria dos conceitos. Como afirma Koselleck (1992:139), ela [a histrica dos conceitos] pode ser escrita, posto que em cada utilizao especfica (situative Verwendung) de um conceito, esto contidas for-as diacrnicas sobre as quais eu no tenho nenhum poder e que se expressam pela semn-tica. A durao da semntica, portanto, um tema de suma importncia para a construo da histria dos conceitos, principalmente sob o ponto de vista metodolgico. Para tanto, ou seja, para possibilitar a mensurao da diacronia, Koselleck prope a descrio sistemtica das estruturas temporais de trs grupos de fontes (textos), de forma a apreender estruturas repetitivas indicativas de foras diacrnicas ou ocasies de uso no repetitivo da semntica. Esses trs grupos de fontes seriam constitudos por (a) fontes da linguagem do cotidiano (car-

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    tas, jornais, documentos etc.), (b) dicionrios e enciclopdias, principalmente comparando-se alteraes de significado ou inovaes e sentido em diferentes lnguas e (c) obras textuais inalteradas no decorrer de suas sucessivas edies, tais como a obra de um filsofo, a Bblia, as obras poticas, enfim, os textos clssicos de diferentes campos do saber.

    Se para a histria conceitual interessa problematizar o processo do surgimento de con-ceitos a partir de procedimentos de teorizao, da mesma forma que caro a essa disciplina situar os contextos lingusticos originais de formao terica das ideias das quais derivam os conceitos, tambm o identificar a trajetria histrica de reconstruo dos conceitos, especial-mente quanto identificao da interseco entre diferentes campos disciplinares e contextos histrico-culturais distintos. No caso da histria conceitual de Koselleck, esta preocupao com a trajetria histrica dos conceitos remete a uma dvida com a hermenutica de Gadamer, que considera a relao entre texto, contexto e interpretao o cerne da compreenso das ideias, entre essas, o conceito (Jasmin, 2005).

    Gadamer aponta como fundamental para a compreenso do conhecimento e seu pro-cesso de construo social a condio histrica do intrprete. Contrapondo-se radicalmente perspectiva do contextualismo lingustico ingls, que v na inteno original do autor do texto o mecanismo essencial para se evitar o problema do anacronismo (Jasmin, 2005), Gadamer aponta para a centralidade da experincia histrica no processo de construo, transmisso e interpretao do saber. Referindo-se s diferenas entre a postura histrica privilegiada do lei-tor de um texto passado em relao quela assumida pelo autor, Gadamer revela o verdadeiro lugar da experincia histrica no processo de (re)construo do contexto lingustico:

    O fato de que a compreenso ulterior possua uma superioridade de princpio face produo originria e possa, por isso, ser formulada como um compreender melhor, no repousa, na ver-dade, sobre um tornar consciente posterior, capaz de equiparar o intrprete com o autor original (...), mas, ao contrrio, reporta a uma diferena insupervel entre o intrprete e o autor, dife-rena que dada pela distncia histrica. Cada poca tem de entender um texto transmitido de uma maneira peculiar, pois o texto forma parte do todo da tradio, na qual cada poca tem um interesse pautado na coisa e onde tambm ela procura compreender-se a si mesma. O verdadeiro sentido de um texto, tal como este se apresenta ao seu intrprete, no depende do aspecto pura-mente ocasional que representam o autor e seu pblico originrio. Ou pelo menos, no se esgota nisso. Pois esse sentido est sempre determinado tambm pela situao histrica do intrprete, e, por consequncia, por todo processo objetivo histrico. (Gadamer, 1997:443-444)

    Assim, o contextualismo lingustico defendido pela histria conceitual une a dimenso social de interpretao sincrnica aquilo que costuma denominar por intersubjetividade com a dimenso diacrnica dos conceitos, tendo em vista que estes representam um saber herdado do passado, no mesmo sentido que o presente um saber interpretado coletivamente por uma mesma comunidade lingustica. por este motivo que, para a histria dos concei-tos, no importa o conceito em si mesmo este no uma verdade absoluta, uma entidade independente, como gostariam os essencialistas , importa a histria por trs dos conceitos,

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    na qual se acessa o verdadeiro tema de interesse do historiador, ou seja, a sociedade. Como afirma Jasmin (2005:32), no registro da histria conceitual, possvel afirmar, rigorosamen-te, que os conceitos em si no tm histria; mas tambm possvel afirmar, com rigor, que a sua recepo tem.

    6. Situando o problema da construo e do uso dos conceitos em EOR sob uma perspectiva social e histrica

    De uma perspectiva social e histrica de construo e uso de conceitos, a dinmica do fazer cientfico nos estudos organizacionais e sua consequente produo de conhecimento podem ser observadas a partir de problemas especficos, que refletem, antes de tudo, as prprias especificidades deste campo social. O primeiro deles se articula como reflexo da diversidade temtica e o consequente intercmbio entre o campo de estudos organizacionais e outras es-pecialidades acadmicas, originrias de diferentes reas disciplinares. Esse intercmbio leva a uma dinmica especfica, onde se pratica uma espcie de emprstimo terico-conceitual frouxo entre estes diferentes campos disciplinares (Whetten, Felin e King, 2009). O problema desta prtica de fazer cientfico justamente a dificuldade em se formar adequadamente um lxico especializado para estudos organizacionais capaz de precisar seu universo lingusti-co prprio, se no pela formao/criao de termos nicos, pelo menos pela construo de definies terminolgicas originais. De certa forma, este problema j foi apontado antes por Ramos (1989), por meio da ideia de colocao inapropriada de conceitos, vista como algo perigoso para a identidade e capacidade reflexiva da rea de estudos organizacionais. Assim afirma o autor:

    O campo da teoria da organizao tem sido to indiscriminadamente receptivo a influncias vindas de tantas reas diferentes de conhecimento que parece agora ter perdido a conscincia de sua misso especfica. Embora um relacionamento cruzado entre as disciplinas seja, de modo ge-ral, positivo e mesmo necessrio criatividade, hora de uma sria avaliao da condio desse campo, para que ele no se transforme numa mera confuso de divagaes abstratas, desprovi-das de fora e direo. Toda disciplina deve ter um mnimo de intolerncia em suas transaes com as outras, ou perder sua razo de ser. Ter identidade e carter , num certo sentido, ser intolerante. (Ramos, 1989:69)

    A intolerncia defendida por Ramos para a rea de estudos organizacionais pode ser entendida como a busca por maior especificidade do contedo lxico da rea. Como foi ob-servado, alm de representar um elemento importante para a formao do campo acadmi-co-cientfico enquanto grupo social delimitado, esta identidade lingustica necessria para orientar a maneira pela qual se constri o saber cientfico deste campo. Este duplo esforo claramente observado no ensaio de Emile Durkheim sobre as regras do mtodo sociolgico, em que esse autor considerado um dos fundadores da sociologia pretendeu delimitar, ao

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    mesmo tempo, a especificidade do campo disciplinar e a forma de conduo do fazer cientfico deste campo. Para tanto, Durkheim (1995) tece composies terminolgicas fundamentais de orientao lxica, como o conceito de fato social.

    Outro problema referente maneira pela qual se constituem as referncias terico-conceituais em estudos organizacionais diz respeito forte presena neste campo acadmico de um discurso pragmtico de natureza no acadmica. Observando-se a trajetria histrica de formao do campo, percebe-se facilmente o quanto somos devedores dos pragmticos da administrao, os engenheiros da organizao (Wahrlich, 1986:9), especialmente daqueles que articularam os movimentos doutrinrios fundadores do Management (Taylor o mais lembrado, mas no o nico, to pouco o seu movimento de Scientific Management), onde os problemas teorizados e os conceitos advindos deste esforo eram definidos exclusivamente por questes prticas de controle e eficincia do trabalho (labor) em organizaes econmicas da virada do sculo XIX para o sculo XX (Vizeu, 2008).

    De certo modo, a transmisso de saberes e o esforo de definio conceitual por no acadmicos, bem como a legitimao dessa prtica por parte dos acadmicos da rea de estu-dos organizacionais contribuem para a imagem frouxa que se faz quanto impreciso do lxi-co especializado nessa rea. claro que no se defende aqui a elitizao da produo do saber em administrao, nem a ideia de que a produo conceitual empreendida exclusivamente por acadmicos superior quela empreendida pelo senso comum dos no acadmicos; apenas se aponta para o problema de que o saber cientfico se constitui especialmente pelos processos de delimitao lexicogrfica na qual as prticas cientficas de construo do conhecimento so re-levantes. Ora, so justamente tais prticas aquelas abandonadas pelos no acadmicos em seu fazer conceitual. Por vezes, a falta de delimitao clara entre os discursos cientficos, tcnicos e vulgares na produo do conhecimento acadmico de estudos organizacionais buscada no sentido de aproximar o universo prtico da administrao de organizaes e a academia interessada na construo do saber cientificamente orientado desse fenmeno, mas tem por nus a descontinuidade lxica e a falta de identidade acadmica, muitas vezes lembrada por acadmicos de outras especialidades, como a sociologia e a antropologia.

    Outra questo importante diz respeito a um vis dos pesquisadores da rea, ao consti-turem uma perspectiva que desprivilegia a histria na produo do conhecimento sobre or-ganizaes e administrao. Essa tendncia foi apontada por Vizeu (2010) como uma herana do funcionalismo sociolgico, uma abordagem presente desde as primeiras sistematizaes tericas que assinalaram decisivamente a formao do campo de estudos organizacionais, e que ainda corresponde epistemologia predominante na rea. O campo de estudos orga-nizacionais herdou do funcionalismo sociolgico a tendncia de privilegiar o conhecimento universal, ou seja, aquele que reflete caractersticas e/ou princpios supostamente gerais, que se manifestam na realidade social independentemente das peculiaridades do contexto es-pao-temporal. desta premissa que Vizeu (2010) indica advir a perspectiva a-histrica do campo, que se manifesta especialmente na universalizao de conceitos que, se observados com cautela, so historicamente situados. Este problema nada mais do que a tendncia ao anacronismo conceitual e terico.

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    Uma prtica comum na produo do conhecimento em estudos organizacionais re-flete emblematicamente esse anacronismo conceitual. Na construo dos quadros tericos de referncia dos trabalhos da rea observa-se o hbito de reunir definies terminolgi-cas de autores de diferentes contextos histricos. Nessa prtica, no fica evidente alguma preocupao em situar historicamente os autores, e os diferentes conceitos so conjugados indiscriminadamente, sem ateno para o sentido dado por autores de diferentes pocas ou mesmo de variados contextos nacionais. No Brasil, observa-se essa prtica especial-mente em trabalhos de dissertao de mestrado e de doutorado. Ou seja, comum nesses trabalhos que se comparem definies de autores do incio do sculo passado e outros contemporneos, sem nenhuma considerao para com as discrepncias que tais defini-es possam apresentar em relao ao distanciamento histrico entre os autores. Como observamos acima, o anacronismo se estabelece pela leitura indevida das representaes do passado, onde estas so consideradas com os olhos do presente (Jasmin, 2005). Muitas vezes, para dar sentido s discrepncias evidentes que esta juno indiscriminada de ideias advindas de diferentes contextos lingusticos possa provocar, os pesquisadores de estudos organizacionais se valem de interpretaes livres das ideias dos autores, o que intensifica a percepo quanto falta de preciso no ato de definir conceitos nesta rea. Isso apon-tado especialmente por acadmicos membros das comunidades lingusticas originrias dos conceitos emprestados, que se levantam contra tais interpretaes livres e descompromis-sadas. Na literatura de estudos organizacionais comum encontrarmos textos endereados a essa defesa lexical, como aquela referente ao conceito de cultura tal qual foi concebido na antropologia (Aktouf, 1994).

    7. Um exerccio de compreenso do lxico especializado em estudos organizacionais: o conceito de organizao no contexto de formao do campo de teoria das organizaes

    No sentido de realizar um exerccio mental capaz de sinalizar os pontos abordados pelo pre-sente ensaio, seguimos com a reflexo acerca de um conceito em particular no campo de estu-dos organizacionais. Sem pretenso de realizar uma investigao exaustiva e empiricamente profunda, esse esforo visa, antes, apontar as mltiplas dimenses que envolvem a anlise da formao do lxico especializado no campo, bem como a historicidade da produo e reproduo de conceitos centrais a esse campo em particular. Para tanto, escolhemos aquele que talvez seja o conceito mais caro para o campo de teorias organizacionais, o conceito de organizao. Quanto formao vernacular do termo, pode-se afirmar, inicialmente, que a formao e a adoo de termos nos domnios de especialidade reflexo da constante renova-o lexical que se processa em cada rea do conhecimento. Entre os processos vernaculares de formao lexical destacam-se a derivao tanto sufixal como prefixal e a composio, quando dois termos so usados de forma composta. No caso de termos formados com o sufixo -o, trata-se de um caso de derivao cujo contedo correspondente consiste na ideia de

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    ao, processo (Alves, 2006). Organizao, portanto, um termo que denota a ideia de ao e de processo.

    Trata-se, ainda, de um caso de emprstimo semntico, o qual ocorre quando um termo migra de um lxico mais geral para um domnio especfico ou por termos que migram de um domnio a outro, em razo de um trao comum (Alves, 2006:33). Nesse caso, observamos o emprstimo do radical organismo, originrio da biologia, e que pode ser definido como um sistema vivo de partes mutuamente adaptadas que funcionam juntamente para manter um todo unitrio (Hoebel, 1986:841). A esse tipo de elemento, o organismo, so atribudas funes como reproduo, crescimento, reao, adaptao, entre outras. A ideia de organismo e organizao utilizada em diversas cincias biologia, psicologia, psicologia social, antro-pologia, economia para explicar processos relacionados ao desenvolvimento. Organismo, ainda, implica a ideia de unidade composta de partes que interagem entre si e possuem uma finalidade comum.

    Ainda de acordo com Alves (2006), uma das caractersticas da formao lexical dos domnios de especialidade a criao de termos sintagmticos, nos quais um termo determi-nado expandido por um adjetivo ou um sintagma preposicional. Desse modo, a partir do termo genrico organizao, surgiram derivaes, como exemplificam Boudon e Bourricard (1993:409, grifos do autor): Sob o termo nico de organizao se acham designadas formas de cooperao e de coordenao totalmente diferentes. (...) Somos levados assim a distinguir e a classificar vrias espcies de organizao: as organizaes burocrticas, as organizaes econmicas e os que os americanos chamam de non profit organizations.

    7.1. Organismo social e organizao social

    Particularmente em cincias sociais, o conceito de organismo utilizado como analogia para os sistemas sociais. Como lembra Hoebel (1986:842): em muitos aspectos os problemas apresentados para a cincia biolgica e a cincia social so fundamentalmente anlogos: a) problemas de estrutura e funes dos sistemas orgnicos e sociais; b) problemas de origem e desenvolvimento dos sistemas orgnicos e sociais evoluo biolgica e cultural. E, no de-correr da histria da filosofia e da poltica social, a ideia de organismo social ganha destaque, principalmente para explicar e justificar o conceito de Estado como entidade integrada por indivduos interdependentes, cuja misso consiste em alcanar a justia e o aperfeioamento moral dos homens (Lpez, 1986). Com o tempo, somam-se novos sentidos para a concepo de organismo social, com foco nas manifestaes culturais do todo orgnico sob a forma de criaes do direito, da literatura, das artes, entre outras.

    A ideia de organismo social e sua analogia com os organismos biolgicos tambm adota pelos fundadores da sociologia e da antropologia no incio do sculo XX, em particular Comte, Taylor, Morgan e Spencer: surgem ento os conceitos de diferenciao interna, espe-cializao, interdependncia, funo, estrutura.

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    Quanto ao termo organizao social, possvel encontrar razes histricas e tericas na antropologia e na sociologia. No sentido antropolgico, diz respeito aos agrupamentos sociais, suas funes e suas instituies. O foco dos estudos antropolgicos ao mesmo tempo o sistema ordenado de relaes de obrigaes intragrupos e entre grupos, alm dos papis e posies dos indivduos e grupos dentro de sistemas mais amplos de relaes (Morris, 1986; Faris, 1986). Na sociologia, a organizao social designa ao mesmo tempo uma estrutura e um processo:

    Como estrutura, uma organizao qualquer padro estvel de inter-relaes de partes com-ponentes, padro esse que forma um todo que possui caractersticas no manifestas nas partes consideradas isoladamente. Assim, uma molcula, uma gua-viva ou uma empresa comercial podem ser englobadas nessa definio geral. Como processo, o termo organizao usado com referncia ao modo pelo qual se formam essas entidades. (Faris, 1986:847)

    Uma organizao social, portanto, um conjunto de componentes (pessoas ou grupos), cujas caractersticas no so encontradas em suas partes. As organizaes sociais evoluem e possuem como uma de suas caractersticas o desempenho de funes relativamente dura-douras e mais eficientes do que se estivessem sendo desempenhadas por pessoas ou grupos no organizados. Considera-se, ainda, que as funes so determinantes das formas organi-zacionais sociais e tambm que estabilidade e mudana so caractersticas da necessidade de adaptao organizacional.

    7.2 Organizaes e teoria das organizaes

    Segundo Rios (1986), o termo organizaes tem, em geral, duplo sentido: um primeiro ligado ideia de ordem, de sistematizao, e um segundo ligado ao resultado de um processo social de coordenao do trabalho. Sob o ponto de vista da teoria das organizaes, interessa o se-gundo sentido, o da formao e funcionamento de empresas e rgos pblicos, assim como os agrupamentos de organizaes. As organizaes so reconhecidamente importantes em fun-o de se constiturem em espaos de concentrao de recursos econmicos e sociais. Passam a ser, portanto, centros de poder e de influncia sobre outras formas e nveis de organizao social.

    Em Weber, o termo organizao significa um sistema de atividade contnua e inten-cional de um tipo especfico, que tem conexo com grupos corporativos e sua administrao (Morris, 1986:847). O termo passa, portanto, a relacionar-se diretamente com a atividade econmica e com o uso dos meios de produo. A nova cincia das organizaes, nas pala-vras de Ramos (1989), passou a estudar fenmenos relacionados organizao, entre esses: a questo da produtividade e da eficincia, o conceito de burocracia, a gesto, a tecnologia, a estrutura organizacional, a racionalizao e a diviso do trabalho, a motivao, a liderana, a comunicao, a mudana, a cultura, os grupos formais e informais, o conflito e o consenso. De

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    base multidisciplinar, a teoria das organizaes e tambm as prprias organizaes passaram a ser objeto de interesse e de crtica ao longo do sculo XX e incio do sculo XXI.

    Embora o fundamento da teoria das organizaes seja frequentemente atribudo teo-ria da burocracia de Weber, a esta faltam elementos considerados por conceitos modernos de organizao, tais como os mencionados qualificadores (formais e informais, funcionais e no funcionais). Ou seja, aos critrios de eficincia exclusivamente racionais foram adicionados outros elementos caracterizadores das formas organizacionais. A rigor, a chamada teoria mo-derna da organizao nasce com base no conceito de organizao originado na teoria dos sis-temas de Bertalanffy, conforme apontado por Etzioni (1973). O autor tambm indica o fato de que a teoria da organizao acusada de no levar em conta o aspecto histrico das organiza-es e as diferenas entre os diversos tipos de organizaes e seus respectivos ambientes.

    7.3 Uma anlise scio-histrica do conceito de organizaes em teoria das organizaes: o ponto de vista funcionalista-estruturalista dos receptores de Parsons

    Para realizar a anlise scio-histrica do conceito de organizao no campo de estudos or-ganizacionais, a primeira tarefa delimitar o corte histrico a ser investigado. Isso porque, ao longo da breve histria de formao desse campo acadmico, encontramos diferentes debates tericos acerca do conceito. A maneira pela qual podemos delimitar historicamente um destes momentos justamente reconhecendo o papel central da busca por uma definio conceitual mais precisa ou inovadora, de tal forma que permita situar lexicamente o campo acadmico de teorizao e investigao social. Assim, optamos por definir o corte histrico da anlise no perodo de meados do sculo XX, quando um grupo de socilogos norte-americanos, influen-ciados pela recepo feita por Parsons obra de Weber, vislumbram na ideia de burocracia deste ltimo autor a delimitao de um novo campo de estudos da sociologia. Para delimitar este campo disciplinar, elencou-se o termo organizao, o qual, alm de ter sido utilizado como qualificador da nova disciplina teoria da organizao (tambm reconhecida como sociologia da organizao), foi objeto de intenso esforo terico.

    Apesar de no ser possvel afirmar que o campo dos estudos organizacionais se inau-gura neste esforo, correto pensar que a partir dele que a rea ganha contornos mais aca-dmicos. Isso porque, se antes o conceito de organizao era objeto de interesse apenas dos engenheiros industriais e administradores profissionais, estes o fizeram de maneira a atender minimamente prescrio de princpios e mtodos de trabalho prtico, sem grande preocupa-o com a profunda teorizao a respeito (Wahrlich, 1986). Com o advento dos socilogos, a reflexo terica sobre o que a organizao ganha um novo contorno, dado, especialmente, pela formao funcionalista-estruturalista de seus proponentes. Neste sentido, a preciso na definio de organizao foi buscada como um elemento articulador do campo, como suge-re o trecho extrado de um importante texto deste perodo:

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    As organizaes so unidades sociais (ou agrupamentos humanos) intencionalmente construdas e reconstrudas, a fim de atingir objetivos especficos. Incluem-se as corporaes, os exrcitos, as escolas, os hospitais, as igrejas e as prises; excluem-se as tribos, as classes, os grupos tnicos, os grupos de amigos e as famlias. As organizaes caracterizam-se por: 1) divises de trabalho, poder e responsabilidades de comunicao, que no so causais ou estabelecidas pela tradio, mas planejadas intencionalmente a fim de intensificar a realizao de objetivos especficos; 2) a presena de um ou mais centros de poder que controlam os esforos combinados da organizao e os dirigem para seus objetivos; esses centros de poder precisam, tambm, reexaminar conti-nuamente a realizao da organizao e, quando necessrio, reordenar sua estrutura, a fim de aumentar sua eficincia; 3) substituio do pessoal, isto , as pessoas pouco satisfatrias podem ser demitidas e designadas outras para as suas tarefas. A organizao tambm pode recombinar seu pessoal, atravs de transferncia e promoes. (...) O plano deste livro acompanha nos-sa definio de organizaes como unidades sociais que procuram atingir objetivos especficos. (Etzioni, 1973:9-11)

    Interessante notar que o autor acima revela a preocupao em prover um programa de investigao (expresso na ideia de plano de livro) derivado dos qualificadores do conceito de organizao definido por ele. Isso fundamental tendo-se em conta que o autor enderea seu texto para uma audincia especfica, que ir receber suas ideias ou no, dependendo da compatibilidade destas com seu campo semntico referencial, mesmo que, nestas ideias, exista algo novo. Neste caso, a orientao teleolgica da organizao tal qual definida acima refora o entendimento de que o paradigma fundador dos tericos organizacionais o funcionalista: ao definir organizao, o autor se preocupa em atribuir qualificadores estruturais distintos deste objeto, que sejam capazes de representar esta entidade universalmente, a despeito das especificidades de cada caso emprico. O autor do trecho anterior, o socilogo Amitai Etzioni, indica ainda ser sua conceituao referida definio de Talcott Parsons, o grande mentor do funcionalismo sociolgico desta poca. Realmente, Parsons lembrado por muitos revisionis-tas do campo de estudos organizacionais como a grande referncia intelectual da rea naque-le perodo (Burrell e Morgan, 1979), j que, mesmo tendo em conta a relevncia do conceito weberiano de burocracia sobre os tericos organizacionais, o acesso a este conceito se deu via Parsons e sua interpretao obra do clebre socilogo alemo.

    Apesar de haver certo grau de integrao neste grupo, os esforos dos tericos da organizao no foram ausentes de debate interno. Isso porque, ainda que servindo-se de um mesmo quadro lexical de referncia (o lxico do funcionalismo sociolgico [Burrell e Morgan, 1979]), havia entre os autores diferentes interpretaes sobre este objeto, que se manifestavam nos diferentes conceitos de organizao feitos poca. Quase sempre, as diferenas entre as definies eram demarcadas por alteraes sintagmticas do conceito, ou seja, outro conceito ou termo ao qual se recorria para delimitar os pontos essenciais da-quela definio. Isso pode ser observado pelo trecho seguinte, retirado de outro conhecido texto da poca:

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    Contrastando com a organizao social que aparece sempre que os seres humanos vivem juntos, existem organizaes estabelecidas, deliberadamente, para um certo fim. (...) Como a carac-terstica distinta dessas organizaes a de que elas foram formalmente estabelecidas com o propsito explcito de conseguir certas finalidades, usa-se o termo organizaes formais para design-las. (Blau e Scott, 1979:17)

    Etzioni, por sua vez, procurou posicionar-se criticamente ao qualificador formal, como sugere a seguinte passagem: Organizao formal refere-se a um conjunto de caractersticas de organizaes. Discutimos, adiante, esse aspecto; aqui, basta dizer que essa expresso no se refere a uma organizao como uma entidade, mas apenas a uma parte dela (Etzioni, 1973:10). Na verdade, alm do qualificador formal apresentado por Blau e Scott (1979), outros termos tambm foram includos pelos socilogos envolvidos neste debate lxico, tais como organizaes modernas e organizaes complexas.

    Outro aspecto referente delimitao do campo pode ser identificado pela definio de organizao formal apresentada acima. Visando qualificar melhor o conceito de organi-zao, essa definio tambm delimita as especificidades entre o objeto de investigao do terico organizacional daquele do terico social. Para isso, os autores contrapem ao conceito de organizao formal (objeto da sociologia das organizaes) o conceito de organizao social (objeto das cincias sociais como um todo). Tambm encontramos nesse qualificador a medida para o contraponto com outras dimenses da organizao, como a ideia de organi-zao informal (Blau e Scott, 1979).

    8. Consideraes finais

    A motivao para o desenvolvimento deste ensaio, conforme apontamos anteriormente, diz respeito necessidade de considerao das circunstncias sociais e histricas que condicio-nam a criao, o emprstimo, o uso e a comunicao de conceitos nos campos cientficos, em particular o campo de estudos organizacionais. Como lembram Clegg e Hardy (1998:30), o campo de estudos organizacionais caracterizado, em parte, por uma srie de conversaes progressivas, com vocabulrios e termos gramaticais emergentes e com vrios graus de des-continuidade. Conversaes estas as quais buscam descrever, analisar, refletir, compreender, interpretar, representar entre tantas outras possibilidades de estudo as fronteiras, re-gras, histrias, recursos, dimenses, atributos, agentes, entre outros elementos caracterizado-res das organizaes. E, ao interpretar, os pesquisadores de organizaes tambm participam dos processos de formao do lxico da rea.

    Entretanto, conforme as reflexes aqui realizadas, o prprio conceito que d origem rea o conceito de organizaes muitas vezes utilizado com base em definies que desconsideram a natureza sincrnica e diacrnica das condies sociais e histricas que con-dicionam seu uso. Desconsidera-se, portanto, no tratamento dado a este e a outros conceitos

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    centrais para a compreenso dos fenmenos que a rea se prope estudar, a necessidade de compreender as limitaes inerentes interpretao de estruturas mentais atuais em relao a fenmenos e conceitos de contextos sociais e/ou histricos distintos.

    Ao mesmo tempo, chamamos a ateno para a importncia da construo do lxico especializado na legitimao dos campos cientficos e para a necessidade de respeitar os fe-nmenos lingusticos dinmicos e criativos caractersticos da linguagem humana por meio da harmonizao lingustica, objetivos aparentemente conflitantes se consideradas as condies de formao, uso e disseminao de conceitos em cincias sociais. Entretanto, em lugar de abandonar iniciativas teis de legitimao e consolidao do campo de estudos organizacio-nais, defendemos a necessidade do no abandono da capacidade reflexiva dos pesquisadores individualmente e tambm como comunidade cientfica , principalmente em relao aos aspectos aqui levantados: (i) a produo do conhecimento uma atividade social que pressu-pe compartilhamento de significados e domnio de uma linguagem da rea; (ii) o problema da definio terminolgica e da conceituao deve ser seriamente considerado das perspecti-vas social e histrica, e considerando-se a natureza sincrnica e diacrnica dos conceitos; (iii) novos fenmenos demandam a construo criativa e dinmica de novos conceitos, capazes de dar conta da realidade; (iv) o lxico de uma rea em construo, tal qual se configura a rea de estudos organizacionais, deve ser objeto de reflexo e estudo, na medida em que reflete modificaes nas formas de apreenso, representao simblica e comunicao dos fenme-nos estudados e dos sentidos a eles atribudos.

    Quanto a uma agenda de pesquisa sobre a perspectiva social e histrica dos conceitos em estudos organizacionais, propomos algumas frentes de trabalho, a saber:

    t Crticas terica, social e historicamente fundamentadas sobre a natureza sincrnica e dia-crnica dos conceitos elementares da rea de estudos organizacionais;

    t Estudos terminolgicos das caractersticas semnticas desses conceitos de acordo com qua-dros tericos e/ou reas de conhecimento distintos(as);

    t Estudos comparativos das variantes terminolgicas da rea de estudos organizacionais, com foco na influncia de espaos socioculturais e lingusticos especficos sobre o surgimen-to dessas variantes;

    t Propostas de reviso crtica da terminologia da rea de estudos organizacionais, com o ob-jetivo de sugerir novas categorias, ampliaes, redues ou reformulaes conceituais;

    t Estudos de recepo de conceitos em contextos e em pocas distintas;

    t Estudos da criao, uso e reformulao de termos sintagmticos na rea de estudos organi-zacionais;

    t Estudos de termos usados para designar diferentes fenmenos; de termos distintos que se referem ao mesmo fenmeno, de termos que apresentam diferentes graus de abstrao ao se referirem a fenmenos inter-relacionados.

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    Por fim, ressaltamos que o pressuposto central deste trabalho que a definio de con-ceitos uma prtica essencial na formao de um campo acadmico cientfico. Os conceitos so elementos centrais da referncia lexical que articula o saber e a prtica cientfica. Estes no podem ser propriamente definidos sem o cuidado com seu contedo diacrnico todo conceito carrega uma trajetria passada de transformao, que reflete seus usos e o prprio intercmbio social (que indica, na verdade, a histria do sujeito que se expressa pela lingua-gem). Alm disso, o membro da comunidade cientfica deve reconhecer que os conceitos re-presentam importantes mecanismos lingusticos de intersubjetividade eles carregam em si uma dimenso sincrnica, ou seja, so referncias de significao que atendem a uma mesma comunidade lingustica. Quando essas duas dimenses no so propriamente reconhecidas no fazer cientfico, este no assume sua principal condio de possibilidade: o saber reflexiva-mente orientado, capaz de promover o entendimento da sociedade e de ns mesmos.

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    Queila Regina Souza Matitz professora do Programa de Mestrado e Doutorado em Administrao da Universidade Positivo. E-mail: [email protected].

    Fabio Vizeu professor do Programa de Mestrado e Doutorado em Administrao da Universidade Positivo. E-mail: [email protected].