Texto 1 - Bases histórico-sociais das políticas educacionais no Brasil - síntese muito geral

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BASES HISTÓRICO-SOCIAIS DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO BRASIL - SÍNTESE MUITO GERAL Claudemir de Quadros 1 Um dos primeiros detalhes que convém destacar em relação às palavras do título - bases histórico-sociais, políticas educacionais - é que elas querem dizer muitas coisas ao mesmo tempo. Afirma-se isso para chamar atenção do seguinte: quando, no cotidiano, seja na rua, em casa ou mesmo no corredor do prédio universidade se diz: história, sociedade, política, educação, toma-se essas palavras em sentidos mais relacionados ao senso comum ou coisas corriqueiras. - Quando se diz história, no geral, quer-se referir ao que supostamente passou, a fato ou evento do passado que está distante de nossa memória individual ou coletiva e com o que não se tem mais relação. Com algo, enfim, que é contado pelos livros. - Quando se diz sociedade talvez alguns pensem na organização da cidade, nos modos como se vive. No geral, não é algo fácil de se definir. - Quando se diz política quer-se referir a eleições, partidos, candidatos. Nesse caso vem a nossa lembrança nome de pessoas. Às vezes lembra-se de coisas negativas, como corrupção. - Quando se diz educação o que de mais imediato vem é escola ou escolarização. Às vezes, pode nos ocorrer também uma forma de comportar-se de modo civilizado - “o fulano é uma pessoa muito 1 Professor na Universidade Federal de Santa Maria. 1

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BASES HISTRICO-SOCIAIS DAS POLTICAS EDUCACIONAIS NO BRASIL - SNTESE MUITO GERAL Claudemir de Quadros1Um dos primeiros detalhes que convm destacar em relao s palavras do ttulo -

bases histrico-sociais, polticas educacionais - que elas querem dizer muitas coisasao mesmo tempo. Afirma-se isso para chamar ateno do seguinte: quando, no cotidiano, seja na rua, em casa ou mesmo no corredor do prdio universidade se diz: histria, sociedade, poltica, educao, toma-se essas palavras em sentidos mais relacionados ao senso comum ou coisas corriqueiras. - Quando se diz histria, no geral, quer-se referir ao que supostamente passou, a fato ou evento do passado que est distante de nossa memria individual ou coletiva e com o que no se tem mais relao. Com algo, enfim, que contado pelos livros. - Quando se diz sociedade talvez alguns pensem na organizao da cidade, nos modos como se vive. No geral, no algo fcil de se definir. - Quando se diz poltica quer-se referir a eleies, partidos, candidatos. Nesse caso vem a nossa lembrana nome de pessoas. s vezes lembra-se de coisas negativas, como corrupo. - Quando se diz educao o que de mais imediato vem escola ou escolarizao. s vezes, pode nos ocorrer tambm uma forma de comportar-se de modo civilizado - o fulano uma pessoa muito educada. Em termos gerais, educao quase sinnimo de escola. Nesse caso, escola o lugar privilegiado para as pessoas educarem-se, aprenderem coisas. Isso nem sempre foi assim e nem tampouco a nica possibilidade. O fenmeno da escolarizao no mundo ocidental tem uns 200 anos, um pouco mais um pouco menos, e na atualidade h vrias formas de se pautar a educao que no necessariamente pela escolarizao. Educao , ento, uma palavra muito forte e tem vrias acepes. um conceito. Porm, convm entender essas palavras num sentido mais aprofundado e, principalmente, perceber as possveis relaes com outras dimenses e contextos. Ao se

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Professor na Universidade Federal de Santa Maria. 1

fazer essa afirmao, quer-se destacar o carter relacional das coisas, situaes, contextos. Quer-se destacar que perceber as inmeras relaes que existem entre as coisas, no caso aqui entre diferentes palavras, algo importante, porque no dizer muito importante no mbito da formao estudantil ou acadmica, seja no ensino fundamental, no ensino mdio, na graduao ou na ps-graduao. Em sntese, chama-se ateno que essas palavras histria, sociedade, poltica, educao no so palavras simples, comuns, meras expresses desimportantes que povoam o nosso vocabulrio. So palavras importantes, que produzem o nosso modo de agir, de se comportar, de ser e que tem relao, em maior ou em menor grau, com o mundo em que vivemos. So palavras quase que concretas, como se fosse possvel peg-las, toc-las e que se interrelacionam. Mas em sentido isso? Seguem alguns destaques acerca do tema e depois voltamos a essa idia. 1) Em termos clssicos costuma-se periodizar as bases histrico-sociais da educao no Brasil a partir de eventos polticos ou econmicos. Os principais marcos so: perodo colonial (1500-1822), perodo imperial (1882-1889), Primeira Repblica (1889-1930); perodo aps 1930 at 1964 e perodo de 1964 em diante. Perodos colonial e imperial (1500-1889): marcados por modelo econmico que se preocupava com a produo de bens agrcolas em grandes propriedades, com nfase em monoculturas, destinados exportao. O perodo colonial , basicamente, uma poca de explorao, durante o qual a metrpole buscava na colnia bens de consumo. No mbito do pacto colonial, a finalidade da colnia era sustentar a metrpole. Percebe-se uma organizao social pouco complexa (proprietrios e noproprietrios). No geral, os primeiros eram portugueses e brancos e os demais eram escravos, tanto indgenas como africanos. Obviamente que essa organizao tendia a se complexificar com a chegada de imigrantes. Alterou-se muito com a vinda da corte portuguesa em 1808, que trouxe muitas pessoas - comerciantes, militares - e se transformou muito depois de 1850, com a imigrao de italianos, alemes e outros. Nesse perodo no h, propriamente, um sistema educativo. H escolas isoladas mantidas pelos jesutas. Aqui cabe um destaque muito forte: durante muitas dcadas os padres jesutas foram a nica opo de algum tipo de educao no Brasil. O tema2

educao no era objeto de preocupao por parte do governo. No estava, enfim, no horizonte das pessoas preocuparem-se com essa dimenso. No perodo colonial, mesmo entre o estrato social dos proprietrios a necessidade de educao no era sentida. No geral, os jesutas ensinavam a ler, escrever e contar. Marcas do perodo: a) educao como privilgio: a constituio de um ensino de elite, privilgio de apenas uma classe social; b) educao tradicional: reprodutora, dogmtica, avessa ao pensamento crtico, despreocupada com o estudante. O mestreescola, o lente ensinava, transmitia o conhecimento definido ou estabelecido; c) fundamento religioso: difuso da moral crist e do entendimento de que Deus era o centro de tudo (orbis christianus). Essas trs dimenses marcam de forma muito intensa as bases histricas e sociais da educao no Brasil, repercutiram por longo tempo e s comearam a se alterar de forma mais intensa a partir de 1920, com o movimento denominado Escolanovismo ou Escola Nova. 2) O perodo situado entre 1930 e 1964 foi marcado por profundas mudanas estruturais nas reas econmica, poltica, social e por importantes discusses educacionais. O marco dessas transformaes foi a Revoluo da 1930, que representou um ponto de ruptura na sociedade brasileira. uma poca caracterizada pela transio de uma economia agrrio-exportadora para uma economia industrial. At ento, a estrutura econmica do pas baseava-se na monocultura do caf. Porm, a partir dos anos 1920 surgem riscos para a estabilidade do sistema: concorrncia de outros pases produtores, questionamento da poltica de valorizao do caf, crise econmica mundial de 1929, disputas polticas entre as oligarquias paulista, mineira e gacha. A partir de 1964, a reforma educacional configura-se a partir de outras referncias: a) educao e desenvolvimento: formao de mo-de-obra especializada para atender as demandas de um mercado em expanso; b) educao e segurana nacional; c) planejamento educacional. Mais recentemente, em especial a partir do final da dcada de 1980, promoveu-se ampla reformulao legislativa das normas que regem a educao: - Constituio federal e estaduais;3

- Lei de diretrizes e bases; - Plano nacional de educao; - decretos, resolues, portarias; - Conferncia nacional de educao (2010). Nesse contexto, h uma ampla reestruturao em curso, que se fundamenta em princpios em fins da educao: I - igualdade de condies para o acesso e permanncia na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de idias e de concepes pedaggicas, e coexistncia de instituies pblicas e privadas de ensino; IV - gratuidade do ensino pblico em estabelecimentos oficiais; V - valorizao dos profissionais do ensino, garantidos, na forma da lei, planos de carreira para o magistrio pblico, com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente por concurso pblico de provas e ttulos, assegurado regime jurdico nico para todas as instituies mantidas pela Unio; VI - gesto democrtica; VII - garantia de padro de qualidade; VIII - respeito liberdade e o apreo tolerncia, coexistncia das instituies pblicas e privadas de ensino, valorizao da experincia extra-escolar e vinculao entre a educao escolar, o trabalho e prticas sociais. Quais os fundamentos dessa re-estruturao? - relaes entre o Estado e organismos internacionais (Banco Mundial, FMI, BID, OMC, OEA, ONU-Unesco, OCDE): Esses organismos internacionais assumiram a responsabilidade pela elaborao e divulgao de diretrizes orientadoras das reformas do Estado, e em especial, do setor educacional. Nesse contexto, so trs os argumentos principais: a) necessidade de redistribuio do poder e das responsabilidades para ampliar a autonomia institucional que garanta a liberdade dos governos locais e das escolas, com4

vistas a maior eficincia do sistema educacional e democratizao dos processos de tomada de deciso nos diferentes nveis; b) necessidade de maximizao da eficincia e reduo de custos do sistema educativo; c) necessidade de aproximao dos contedos escolares s culturas locais. Cabe dizer que o Estado e as polticas educacionais esto relacionadas a instncias de regulao supranacional, o que implica considerar que, cada vez mais, a autonomia dos Estados nacionais desafiada e constrangida pelos processos de globalizao e de transnacionalizao do capitalismo.

No estamos sozinhos no mundo, h uma ampla rede de interdependncia entre os estados e governos e pautas de ateno em relao educao so definidas a partir de relaes internacionais.

Aumentou-se a complexidade: quando se diz bases histrico-sociais da poltica e gesto educacional no Brasil preciso perceber, preciso relacionar essas instncias, que parecem distantes de ns, com o contexto internacional, com a globalizao, com a internacionalizao. Ou seja, ao se relacionar, tem-se o potencial de complexificar a razo: preciso pensar no processo de construo histrica dos Estados-nao, suas relaes com a educao, com a ideia de cidadania, com a redefinio do papel do Estado por influncia de processos de globalizao econmica, poltica, cultural e de transnacionalizao do capitalismo. Se estabelecermos relaes e fazemos aparecer mais palavras - globalizao, transnacionalizao, capitalismo - h o potencial desenvolvermos uma percepo mais aguada ou crtica em relao ao mundo em que se vive. Outro elemento a observar o imprio do novo. A partir dessa legislao, uma srie de elementos novos foram chamados a participao na discusso:

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- a educao um elemento estratgico para a construo de um novo modelo de desenvolvimento para o Brasil; - novo sistema de financiamento para atender a todas as etapas da educao bsica; - novos currculos e processos pedaggicos; - novos projetos para valorizao do ensino tcnico, tecnolgico e profissionalizante; - novo sistema nacional de educao superior. Outros novos: - nova postura; - novas prticas; - novos comportamentos; - novas aes; - novas tecnologias; - nova qualificao; - nova concepo; - nova educao pblica; - novas parcerias; - novo cidado; - novos materiais didticos; - novas polticas;

- nova concepo de qualidade... Est associado, tambm, ideia de que s a formao de profissionais dinmicos e adaptveis s rpidas mudanas no mundo do trabalho e s demandas do mercado de trabalho poder responder aos problemas de emprego e de ocupao profissional. Uma vez que estamos inseridos num mundo relacional, pode-se perguntar: quais as relaes entre histria e sociedade com: - polticas e pressupostos da gesto educacional propostas pelo Estado? - atuao de organismos internacionais? - que coisas so potencializadas ou escondidas por esse discurso? - como isso tratado nas instituies educativas? O que se quer insistir que as coisas no so simples. Que as palavras tm fortes significados e conformam nosso campo de ao. Que h, enfim, fortes relaes entre histria, sociedade, poltica, educao.

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Sites importantes relacionados com polticas educacionais http://www.lpp-uerj.net/olped/cined

http://www.siteal.iipe-oei.org

http://www.siteal.iipe-oei.org

http://www.foro-latino.org

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