Texto Argumantativo Aluno

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LÍNGUA PORTUGUESA Leia o texto argumentativo a seguir e responda às questões propostas. Maioridade penal e hipocrisia Nossa alma "generosa" dorme melhor com a idéia de que a prisão é reeducativa Contardo Calligaris Um adolescente de 16 anos fazia parte da quadrilha que arrastou o corpo de João Hélio, 6 anos, pelas ruas do Rio. A cada vez que um menor comete um crime repugnante (homicídio, estupro, latrocínio), volta o debate sobre a maioridade penal. Em geral, o essencial é dito e repetido. E não acontece nada. Aos poucos, o horror do crime é esquecido. Não é por preguiça, é por hipocrisia. Preferimos deixar para lá, até a próxima, covardemente, porque custamos a contrariar alguns lugares-comuns de nossa maneira de pensar. A prisão é uma instituição hipócrita desde sua invenção moderna. Ela protege o cidadão, evitando que os lobos circulem pelas ruas, e pune o criminoso, constrangendo seu corpo. Mas nossa alma "generosa" dorme melhor com a idéia de que a prisão é um empreendimento reeducativo, no qual a sociedade emenda suas ovelhas desgarradas. A versão nacional dessa hipocrisia diz que a reeducação falha porque nosso sistema carcerário é brutal e inadequado. Essa caracterização é exata, mas qualquer pesquisa, pelo mundo afora, reconhece que mesmo o melhor sistema carcerário só consegue "recuperar" (eventualmente) os criminosos responsáveis por crimes não-hediondos. Quanto aos outros, a prisão serve para punir o réu e proteger a sociedade. Essa constatação frustra as ambições do poder moderno, que (como mostrou Michel Foucault em "Vigiar e Punir") aposta na capacidade de educar e reeducar os espíritos. A idéia de apenassegregar os criminosos nos repugna porque diz que somos incapazes de convertê-los. Detalhe: Foucault

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LÍNGUA PORTUGUESA

Leia o texto argumentativo a seguir e responda às questões propostas.

Maioridade penal e hipocrisiaNossa alma "generosa" dorme melhor com a idéia de que a prisão é reeducativa

Contardo Calligaris

Um adolescente de 16 anos fazia parte da quadrilha que arrastou o corpo de João Hélio, 6 anos, pelas ruas do Rio. A cada vez que um menor comete um crime repugnante (homicídio, estupro, latrocínio), volta o debate sobre a maioridade penal.

Em geral, o essencial é dito e repetido. E não acontece nada. Aos poucos, o horror do crime é esquecido. Não é por preguiça, é por hipocrisia. Preferimos deixar para lá, até a próxima, covardemente, porque custamos a contrariar alguns lugares-comuns de nossa maneira de pensar.

A prisão é uma instituição hipócrita desde sua invenção moderna. Ela protege o cidadão, evitando que os lobos circulem pelas ruas, e pune o criminoso, constrangendo seu corpo. Mas nossa alma "generosa" dorme melhor com a idéia de que a prisão é um empreendimento reeducativo, no qual a sociedade emenda suas ovelhas desgarradas.

A versão nacional dessa hipocrisia diz que a reeducação falha porque nosso sistema carcerário é brutal e inadequado. Essa caracterização é exata, mas qualquer pesquisa, pelo mundo afora, reconhece que mesmo o melhor sistema carcerário só consegue "recuperar" (eventualmente) os criminosos responsáveis por crimes não-hediondos. Quanto aos outros, a prisão serve para punir o réu e proteger a sociedade.

Essa constatação frustra as ambições do poder moderno, que (como mostrou Michel Foucault em "Vigiar e Punir") aposta na capacidade de educar e reeducar os espíritos. A idéia de apenassegregar os criminosos nos repugna porque diz que somos incapazes de convertê-los. Detalhe: Foucault denunciou (com razão) a instituição carcerária, mas, na hora de propor alternativas (conferência de Montreal, em 1975), sua contribuição era balbuciante.

Em geral, para evitarmos admitir que a prisão serve para punir e proteger a sociedade (e não para educar), muda-se o foco da atenção: "Esqueça a prisão, pense nas causas". Preferimos, em suma, a má consciência pela desigualdade social à má consciência por punir e segregar os criminosos. Ora, a miséria pode ser a causa de crimes leves contra o patrimônio, mas o psicopata, que estupra e mata para roubar, não é fruto da dureza de sua vida. Por exemplo, no último número da "Revista de Psiquiatria Clínica" (v.33, 2006), uma pesquisa de Schmitt, Pinto, Gomes, Quevedo e

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Stein mostra que "adolescentes infratores graves (autores de homicídio, estupro e latrocínio) possuem personalidade psicopática e risco aumentado de reincidência criminal, mas não apresentam maior prevalência de história de abuso na infância do que outros adolescentes infratores".

A má consciência por punir e segregar é especialmente ativa quando se trata de menores criminosos, pois, com crianças e adolescentes, temos uma ambição ortopédica desmedida: queremos acreditar que podemos educá-los e reeducá-los, sempre e rapidamente, viu? No fim de 2003, outra quadrilha, liderada por um adolescente, massacrou dois jovens, Liana e Felipe, que passavam o fim de semana numa barraca, no Embu-Guaçu. Depois desse crime, na mesma "Revista de Psiquiatria Clínica" (v.31, 2004), Jorge Wohney Ferreira Amaro publicou uma crítica fundamentada e radical do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Resumindo suas conclusões: ou o menor é consciente de seu ato, e, portanto, imputável como um adulto; ou seu desenvolvimento é incompleto, e, nesse caso, nada garante que ele se complete num máximo de três anos; ou, então, o jovem sofre de um Transtorno da Personalidade Anti-Social (psicopatia), cuja cura (quando acontece) exige raramente menos de uma década de esforços.

Em suma, a maioridade penal poderia ser reduzida para 16 ou 14 anos, mas não é isso que realmente importa. A hipocrisia está no artigo 121 do Estatuto da Criança e do Adolescente, segundo o qual, para um menor, "em nenhuma hipótese, o período máximo de internação excederá a três anos".

Ora, a decência, o bom senso e a coerência pedem que uma comissão, um juiz especializado ou mesmo um júri popular decidam, antes de mais nada, se o menor acusado deve ser julgado como adulto ou não. Caso ele seja reconhecido como menor ou como portador de um transtorno da personalidade, o jovem só deveria ser devolvido à sociedade uma vez "completado" seu desenvolvimento ou sua cura ― que isso leve três anos, ou dez, ou 50.

São Paulo, domingo, 18 de fevereiro de 2007 Disponível em http://www.blogdoalon.com/ftp/callig.pdf. Acesso em 5 abr.

2010.

1. Como costuma acontecer nos textos argumentativos, a tese

defendida pelo locutor representa seu ponto de vista frente a uma

questão polêmica.

Qual é a questão polêmica ou tema discutido pelo locutor?

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2. O texto é uma matéria assinada, originalmente publicada pelo

jornal Folha de São Paulo. O locutor representa a voz do autor, que

deseja convencer seus leitores de determinado ponto de vista.

Assinale a alternativa que MELHOR interpreta esse ponto de vista.

a) A lei deveria ser mudada, e a maioridade penal rebaixada para que

os menores infratores possam ser julgados como adultos.

b) A hipocrisia e a ilusão de poder nos impedem de dar tratamento

adequado aos menores responsáveis por crimes hediondos.

c) A deficiência do sistema carcerário, que se limita a segregar os

criminosos, é

responsável pela crescente criminalidade.

d) O Estatuto da Criança e do Adolescente, lei que regula o

tratamento aos menores infratores, deve ser abolido.

3. Indicamos, nas alternativas, os parágrafos do texto que

correspondem às etapas de uma seqüência argumentativa.

Releia cada uma das partes; organize a idéia central e elabore um

resumo de cada uma das etapas. (NO CADERNO OU NO ESPAÇO DO FINAL

DO EXERCÍCIO)

a) Primeiro parágrafo: introdução do tema

b) Segundo parágrafo: proposição da tese

c) Do terceiro ao décimo parágrafos: argumentação ou prova

d) Dois últimos parágrafos: conclusão

4. Todas as alternativas relacionam-se com o que o autor chama de lugares-comuns ou hipocrisias, EXCETO

a) a dificuldade em admitir que a prisão não recupera, mas apenas pune e segrega.

b) a tendência a considerar todos os crimes como conseqüência da miséria.

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c) a existência de leis inadequadas, que protegem as crianças e adolescentes responsáveis por crimes hediondos.

d) o mal-estar e o sentimento de frustração provocado pela punição e segregação de crianças e adolescentes.

6. A principal estratégia de argumentação usada pelo autor do texto é :

a) a referência a autores e estudos científicos.

b) a persuasão baseada no apelo emocional.

c) a reafirmação de lugares-comuns.

d) o relato de crimes chocantes.

7. No subtítulo do texto, a palavra generosa aparece entre aspas. Por quê?

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Edilene Leal.