Texto Dia dos Pais Escrito por Batatinha 123 Pesquisador Usp

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Talvez a relação de pai e filho seja feita para isso: para reinventar-se, para reinventa-los. Numa narrativa de permutações incessantes, o choque disruptivo entre filho e pai - os quais embora apresentem uma semelhança sanguínea diferem radicalmente em outros seguimentos rubros - está amíude desencadeando um processo de reinvenções sempre prestes a explodir. A magnitude das explosões que faíscam da atividade paterna torna imprescindível a coragem. Coragem para instituir uma dialética na relação pai e filho que reconheça que o amadurecimento é consonante ao rejuvenescimento, ainda que esse modo petulante de relacionar-se possa acarretar falhas tectônicas & fendas abissais & dolinas setentrionais no ser acomodado a uma relação sem uma constante invocação de novas forma. (No fundo, sempre há a fé cega de que dos escombros, dos fundos dos abismos, há de emergir a verdade). Aristóteles louvava a coragem por acreditar que a coragem é a primeira das qualidades humanas pois garante todas as outras. Sejamos corajosos. Sejamos pai e filho. É possível penetrar ainda em reflexões anteriores a de Aristóteles, retornando assim aos primórdios da filosofia para inferir alguns paralelos com filho e pai. (Sejamos soprados juntos aos ventos balcânicos que sopram a infinidade dos conceitos. Retórica eólica. Ventania sofista.) Parmênides costumava invocar: o que é, é; o que não é, não é. Heráclito replicava: a verdade está na mudança; a verdade se transformar em algo (ou algo se transforma em verdade), depois perde-se novamente, e assim sucessivamente, cessivamente, sivamente, mente… imponderabilidade do devir. O pai não é o filho. O filho é o filho. O filho não é o pai. O pai é o pai. Somente uma confiança surda na substancialização do ser, enquanto unidade (isto é, pai = pai e filho = filho), pode vim a ocultar a permeabilidade das metamorfoses. Enxerguemos, pois a cegueira glaucomatiza a libertação da potência revolucionária dos devires. O pai por vezes busca no filho um espelho de si, cujos reflexos haveriam de semantizar a própria fabulação acerca de si. A devolução da própria imagem de si pelo outro, a imagem do pai pelo filho. O filho, por sua vez, busca não ancorar-se na figura do pai para reproduzí-la até os mínimos gestos. O filho acredita que é necessário assumir uma radicalidade como único meio de constituição de uma imagem autêntica de si. Para isso, o filho entende o pai como uma pedra de toque - não como uma cordilheira cenozóica - que possibilita o salto. O que está em jogo é o voo rebelde daquele que nega a figura do pai para afirmar a si mesmo. Há nisso tudo uma gravidade que só a juventude pode respirar.

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Algo bastante raro pois batatinha escreve apenas aos domingos

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Talvez a relao de pai e flho seja feita para isso: para reinventar-se, para reinventa-los. Numanarrativa de permutaes incessantes, o choque disruptivo entre flho e pai - os quais emboraapresentem uma semelhana sangunea diferem radicalmente em outros seguimentos rubros -est amude desencadeando um processo de reinvenes sempre prestes a explodir. A magnitude das exploses que fascam da atividade paterna torna imprescindvel a coragem.Coragem para instituir uma dialtica na relao pai e flho que reconhea que o amadurecimento consonante ao rejuvenescimento, ainda que esse modo petulante de relacionar-se possa acarretarfalhas tectnicas & fendas abissais & dolinas setentrionais no ser acomodado a uma relao semuma constante invocao de novas forma. (No fundo, sempre h a f cega de que dos escombros,dos fundos dos abismos, h de emergir a verdade). Aristteles louvava a coragem por acreditarque a coragem a primeira das qualidades humanas pois garante todas as outras. Sejamoscorajosos. Sejamos pai e flho. possvel penetrar ainda em refexes anteriores a de Aristteles, retornando assim aosprimrdios da flosofa para inferir alguns paralelos com flho e pai. (Sejamos soprados juntos aosventos balcnicos que sopram a infnidade dos conceitos. Retrica elica. Ventania sofsta.) Parmnidescostumava invocar: o que , ; o que no , no . Herclito replicava: a verdade est namudana; a verdade se transformar em algo (ou algo se transforma em verdade), depois perde-senovamente, e assim sucessivamente, cessivamente, sivamente, menteimponderabilidade dodevir. O pai no o flho. O flho o flho. O flho no o pai. O pai o pai. Somente umaconfana surda na substancializao do ser, enquanto unidade (isto , pai = pai e flho = flho),pode vim a ocultar a permeabilidade das metamorfoses. Enxerguemos, pois a cegueiraglaucomatiza a libertao da potncia revolucionria dos devires. O pai por vezes busca no flhoum espelho de si, cujos refexos haveriam de semantizar a prpria fabulao acerca de si. Adevoluo da prpria imagem de si pelo outro, a imagem do pai pelo flho. O flho, por sua vez,busca no ancorar-se na fgura do pai para reproduz-la at os mnimos gestos. O flho acreditaque necessrio assumir uma radicalidade como nico meio de constituio de uma imagemautntica de si. Para isso, o flho entende o pai como uma pedra de toque - no como umacordilheira cenozica - que possibilita o salto. O que est em jogo o voo rebelde daquele quenega a fgura do pai para afrmar a si mesmo. H nisso tudo uma gravidade que s a juventudepode respirar. Inconformismo febril como elemento de construo de si. Esttica da existncia.O pai impe o verbo ser, mas o flho tem como tecido a conjuno e e e. H nestaconjuno fora sufciente para sacudir e desenraizar o verbo ser, o substantivo pai. O flho setransforma rebelia das orientaes do pai, mas com um arcabouo valioso de todas asorientaes cartogrfcas que dele recebeu. Pai bussolar. O pai se rebela frente rebelia dasdesorientaes do flho, mas rejuvenesce com as deambulaes onricas do flho, relemebrando ofrescor j no habitual das mais matutinas impresses que tanto experimentou em outros tempos.Nessa no permnencia, nessa incongruencia, reside a nica possibilidade de cincia que liberte.Filho e pai. Pai e Filho. Livres, pela dessolidifcao das estruturas arcaicas familiares, damorbidez, do teatro de sombras, de uma relao pai e flho que no remeta ao novo, aodesconhecido, ao inabitado. Em suma, tudo aquilo que sem o choque fronteirio de flho e paino haveria de ser existir.Se a relao de trincheiras, porque o amor blico. Amor de pai. Amor de flho. Umadinamatao das formas constitudas se sucedem dessa dualidade ambgua. Filho e pai. Pai eflho. Na relao de pai e flho no se designa uma correlao localizvel que vai de uma paraoutra e reciprocamente, mas uma direo perpendicular, um movimento transversal que oscarrega, um e outro, rio sem incio nem fm, que alaga as duas margens e adquire velocidade nomeio. Tal como no Nilo, dos alagamentos se fecundar a reinveno de um e outro, promulgadaem si no liame com o outro, outorgando o eterno: trata-se do perptuo encadeamento dedescendncias, da hereditariedade humana inevitvel, do fuxo ininterrupto de pais e flhoscosturando a eternidade.Gilles Deleuze dizia que devir no imitar. Alm disso, o devir tambm inantecipvel, poisencerra em si uma alteridade. No se pode prever quais nuances de juventude vo proliferar nopai. No se pode precisar quais ensinamentos do pai iro constituir algo do amadurecimento doflho. No entanto, o devir, ao menos no caso especfco do pai e do flho, no completamentedesprovido de sentido, de orientao ou de direo. Simplesmente, o que o afeta umasentimento que entrelaa os movimentos mais sinceros e inconciliveis. Um sentimento que deto contraditrio s pode ser a prpria verdade. O amor. Eis o nico elemento unvoco da relao.S ele constitui a garantia inalienvel de que por mais explosivos que sejam os enfrentamentos,por mais dilacerantes que sejam os contrastes, por mais dilatadas que sejam as distncias, tudoh de ser unifcado, recriado, reinventado. Pai e Filho. Filho de Pai. Feliz Dia dos Pais.-Estava por lhe escrever uma mensagem para o Dia dos Pais e terminei por escrever as linhasensasticas acima, tratando de como as nossas diferenas so capazes de reinventar-nos. Nomais, digo-te:Obrigado pelos ensinamentos e perseverana. Desculpe-me pelas inconsequncias. Sempre lhelevarei como um pai presente e corajoso o bastante para incentivar o seu flho, munido de umacrena inabalvel, mesmo que os caminhos dele, por vezes, levem-o para longe de sua casa, desuas aspiraes, de seus modelos. Essa a maior virtude que eu poderia esperar de voc. Apesar das diferenas - que felizmente nos reinventam incessantemente - no h duvida quesempre carrego algo bastante seu, bastante da minha me, bastante nosso. Seja na tentativa dereconstruo de um passado que eu n habitei da minha v e meu av em Portugal, seja numarelao afetiva que mantenho com tudo que lusitano, seja na tranquilidade de levar a vidaentendendo que tudo se equilibra entre a efemiridade do presente, a inacessibilidade do passadoe futuro e a nossa miudeza frente ao universo e suas determinaes, seja no esprito crtico domodo de olhar para o mundo. Sigo forte & sonhando, sabendo que hei de ser motivo de orgulho para voc e minha me.rodrigo.pintoso paulo.09.08.2015