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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE COMUNICAÇÃO, TURISMO E ARTES
Departamento de Comunicação
Curso de Comunicação
Habilitação em Jornalismo
Jéssica Maria B. Figueiredo
Todos saúdam o rei:
análise da transformação do personagem Walter White
na série de TV Breaking Bad
João Pessoa
2014
Jéssica Maria B. Figueiredo
Todos saúdam o rei:
análise da transformação do personagem Walter White
na série de TV Breaking Bad
Monografia apresentada ao curso de
Comunicação da Universidade Federal da Paraíba
(UFPB), no período 2014.1, para obtenção do
grau de Bacharel em Jornalismo.
Orientador: Prof. Dr. Marcel Vieira
João Pessoa
2014
AGRADECIMENTOS
Agradeço de coração a todos os professores e amigos que me guiaram até aqui, acreditando na
minha ideia e me dando apoio para seguir em frente. Agradeço especialmente ao professor
Marcel Vieira, por me dar suporte e nortear minhas ideias nesta análise.
Também quero agradecer especialmente a todas as pessoas da turma Jornalismo 2010.2, que
direta ou indiretamente, me ajudaram no processo de composição e organização desta análise.
Àqueles que seguiram no mesmo ramo que eu, falando sobre séries, e aqueles que estavam ali
apenas pra trocar uma ideia, muito obrigada.
Também agradeço a minha mãe, Andrea Figueiredo, por me dar apoio e me incentivar a
continuar estudando. Por fim, agradeço de coração ao meu amor maior do mundo, Rodrigo do
Amaral, por me dar carinho e suporte durante todo o processo.
“I have lived under the threat of death for a year
now. And because of that, I have made choices. I
alone should suffer the consequences of those
choices, no one else”.
(Walter White)
RESUMO
A monografia contém uma análise crítica e descritiva do personagem Walter White e sua
transformação apresentada ao longo da série de televisão Breaking Bad. A pesquisa analisa a
presença do personagem na narrativa; descreve as situações em que a transformação do
personagem se faz mais presente e observa as estratégias usadas pelo enredo para construir
esta transformação. Além disso, a dissertação também analisa, ainda que superficialmente, a
importância dos personagens secundários para a narrativa e sua influência na transformação
do protagonista. A elaboração do projeto partiu da ideia inicial de analisar a transformação de
um personagem apresentada em um meio de comunicação de massa, a TV. Foram escolhidos
determinados episódios para desenvolver a análise e ao final, concluímos que a metamorfose
do personagem provocou uma mudança na forma de construir narrativas para a TV.
Palavras-chave: Personagem. Narrativa seriada. Breaking Bad. Séries norte-americanas.
Enredo.
ABSTRACT
The monograph contains a review and descriptive analysis of the character Walter White and
his transformation presented throughout the television series Breaking Bad. The research
analyzes the presence of the character in the narrative; describes the situations in which the
transformation of the character is more visualized; and observes the strategies used by the plot
to build his transformation. Furthermore, the dissertation also examines, albeit superficially,
the importance of secondary characters for narrative and its influence on the transformation of
the main character. The project design started from the initial idea to analyze the
transformation of a character presented in a medium of mass communication, the TV. Certain
episodes were chosen to develop the analysis and at the end, we conclude that the
metamorphosis of character brought about a change in the way of constructing narratives for
television.
Palavras-chave: Personagem. Narrativa seriada. Breaking Bad. Séries norte-americanas.
Enredo.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................................ 8
1 DE QUANDO O CONTEÚDO IMPORTA MAIS QUE O MEIO...................................... 10
1.1 A série Premium do canal básico........................................................................... 12
1.2 Complexidade na televisão..................................................................................... 14
2 O PERSONAGEM NA FICÇÃO......................................................................................... 17
2.1 Elementos fundamentais para a narrativa............................................................... 18
2.2 Categorização dos personagens.............................................................................. 22
2.2.1 Planos e Redondos................................................................................... 22
2.2.2. Protagonistas e antagonistas................................................................... 24
2.2.3. Heróis e anti-heróis................................................................................. 25
3 DECISÕES E SUAS CONSEQUÊNCIAS .......................................................................... 29
4 CRESCIMENTO, DECLÍNIO E TRANSFORMAÇÃO..................................................... 34
4.1 Princípios morais de Walter White........................................................................ 37
4.2 O começo da ascensão de Heisenberg.................................................................. 39
4.3 Heisenberg nas entrelinhas..................................................................................... 41
4.4 Falsa redenção........................................................................................................ 44
4.5 Breaking Bad e a manipulação............................................................................... 47
4.6 Declínio e solidão................................................................................................... 54
CONCLUSÃO......................................................................................................................... 56
REFERÊNCIA......................................................................................................................... 58
8
INTRODUÇÃO
Romances, novelas, filmes e séries, ainda que sejam histórias fictícias, são capazes de
provocar em nós sensações verdadeiras. Quando lemos um livro ou assistimos a um filme,
logo nos envolvemos com a história e começamos a criar sentimentos pelos personagens.
Numa narrativa seriada, esse envolvimento acontece de forma gradual, porém muito mais
intensa – uma vez que aquelas “pessoas” não ficam conosco durante algumas horas, mas nos
acompanham durante anos, décadas.
Ao longo dos anos da história da televisão, muitos de nós nos apegamos a personagens
de diferentes tipos e nos envolvermos com narrativas diversas. Falando principalmente de
séries, shows como Dallas, Arquivo X e The Sopranos marcaram a trajetória da televisão
justamente por apresentarem personagens complexos, cujas atitudes muitas vezes eram
imprevisíveis, mas que por conta disso se tornavam personagens extremamente verossímeis.
Hoje, vemos uma intensa produção de novas séries, principalmente norte-americanas, que
buscam contar histórias com personagens deste perfil.
Em meio às muitas séries presentes no meio audiovisual contemporâneo, este projeto
destaca a narrativa Breaking Bad, e toma como foco principal a transformação do
personagem. Criada por Vince Gilligan, a série conta a história de Walter White, professor de
química que decide se transformar num chefão do tráfico de metanfetamina do Novo México.
Sob a alcunha de Heisenberg, o personagem inicia sua carreira na criminalidade com a
justificativa de conseguir dinheiro para a sua família, mas logo é tomado pelo desejo de se
tornar um homem poderoso e finda sua vida como um exilado.
A partir de uma observação crítica e descritiva, esta dissertação averigua os momentos
da série em que a transformação do personagem se faz mais presente, analisando tanto a
construção da narrativa quanto o desenvolvimento do personagem. Não coube a nós, neste
trabalho, descrever minuciosamente todos os episódios da série – mas observar quais
momentos cruciais da narrativa a transformação de Walter White em Heisenberg se mostra
mais evidente. É fundamental observarmos também que, ainda que os personagens
secundários tenham grande importância para a série e para o desenvolvimento do
protagonista, eles foram analisados de forma superficial, dessa forma evitando que a
dissertação fuja do seu ponto principal.
9
Para que o leitor possa se familiarizar com a presente pesquisa e com o momento atual
em que ela se estabelece, começamos o projeto comentando, ainda que superficialmente,
sobre as novas mídias e formas de consumir conteúdos audiovisuais produzidos para a
televisão. Porém, devemos frisar que a TV brasileira não foi levada em conta. Uma vez que se
trata da análise de um produto norte-americano, priorizamos as estratégias de mídia e aos
resultados da audiência nos Estados Unidos.
Num segundo momento, o leitor será inserido no contexto dos conceitos teóricos
referentes a personagens, apresentados em constatações e estudos de autores da área.
Categorizações de personagens planos e redondos, protagonistas e antagonistas, heróis e anti-
heróis são analisados a fundo nesta parte do projeto, que dão embasamento para a descrição e
a análise crítica da série.
Já no terceiro momento, o leitor poderá conferir a análise desenvolvida de forma
detalhada da série e assim, acompanhar o pensamento da autora do projeto em averiguar como
acontece a transformação do personagem ao longo da narrativa seriada. Ao todo, a trama uma
média de 12 a 16 episódios, divididos em cinco temporadas já finalizadas. Para o estudo do
projeto, todos os episódios foram assistidos, investigados e destrinchados pela autora.
Entretanto, como forma de tornar a análise mais sucinta, apenas alguns episódios foram
escolhidos e aparecem ao longo do texto.
Por fim, a análise observa os aspectos da transformação de Walter White e conclui que
este personagem hoje ocupa um lugar de destaque entre as produções audiovisuais continuas
para a TV, pois a forma como sua transformação é construída é algo inédito para a história da
televisão norte-americana.
10
1 DE QUANDO O CONTEÚDO IMPORTA MAIS DO QUE O MEIO
Segundo Hollywood Reporter (2013), o episódio final de Breaking Bad, exibido no último
domingo de setembro de 2013, alcançou mais de 10 milhões de espectadores. Ainda que não
tenha ultrapassado a audiência do mais recente final de The Walking Dead1, série também
transmitida pela AMC, o número foi uma surpresa para Breaking Bad, que caminhava com
cerca de 1.4 milhões de espectadores durante suas primeiras temporadas. De acordo com Josef
Adalian (2013), aproximadamente seis milhões de pessoas assistiram a temporada final de
Breaking Bad, exatamente o dobro da audiência que acompanhou a season anterior e quase o
quádruplo de pessoas que assistiram o início da série em 2008.
Diversos jornalistas especialistas em televisão identificaram a principal razão para a
explosão de audiência ao final da série: Netflix. Segundo Adalian (2013), o maior ganho de
audiência de Breaking Bad veio quando a plataforma de transmissão online disponibilizou as
três primeiras temporadas da série – permitindo que espectadores pudessem facilmente assistir
a todos os episódios no ritmo que escolhessem.
No discurso da premiação do Emmy Awards por Melhor Série Dramática de 2013, Vince
Gilligan, criador da série, afirmou:
Acredito que o Netflix nos manteve no ar. Não acho que o nosso show teria
durado além da segunda temporada se não fosse pelos serviços de vídeo por
demanda, e também a internet, onde pessoas podiam conversar [sobre a
série]. Esses fatores realmente mantiveram nossa posição. É uma nova era da
televisão, e televisão mudou muito nos últimos seis anos. É um novo
momento e somos felizes em colher os frutos (GILLIGAN, 2013, tradução
nossa) 2.
De fato, existe algo novo acontecendo na televisão. Hoje, tornou-se prático e fácil
assistir o que quiser, onde quiser. Não temos mais a necessidade de ter um aparelho de TV em
casa para assistir programas, séries e filmes. Com uma conexão básica de internet,
conseguimos fazer downloads ou assistir via streaming (em português: transmissão em tempo
real) o que quisermos. E não importa se os downloads são ilegais.
1 Aqui nos referimos ao episódio final da terceira temporada da série que, de acordo com Hollywood Reporter
(2013), alcançou 15.7 milhões de espectadores. 2 I don't think our show would have even lasted beyond season two if it wasn't for streaming video on demand,
and also the Internet component of it where folks get to chat. It really has held us in good stead. It's a bold new
era in television, and television has changed a lot in six years. I think Netflix kept us on the air. It's a new era and
we've been very fortunate to reap the benefits.
11
Aliás, a pirataria na internet também foi um fator determinante que manteve Breaking
Bad em exibição. De acordo com o Torrent Freak (2013), o show de Vince Gilligan foi o
segundo mais baixado de 2013, perdendo apenas para Game of Thrones. Ainda que queiram
manter a exibição da série reservada à HBO, a companhia não trata a pirataria como algo
negativo para a série. Do contrário: David Petrarca, um dos diretores da série, afirmou que a
pirataria na internet gera um “rumor cultural”, algo essencial para a continuidade do show.
Conforme a análise de Robert Bianco (2009), esta pode ser uma década importante
para a televisão. Mas não estamos falando do aparelho de TV. “Da perspectiva dos negócios,
essa década pode mostrar uma importância maior para o que é assistido do que quando e
como é assistido”, afirmou Bianco (2009) 3. Ainda que esteja se tornando cada vez mais
comum, o número de assinantes do Netflix não ultrapassa o número de casas norte-
americanas com televisão a cabo. Segundo o Mashable (2014), 99% das famílias dos Estados
Unidos (ou seja, uma considerável audiência de 115 milhões de pessoas) têm televisão e 56%
contam com algum pacote a cabo. Já o Netflix conta com mais de 48 milhões de membros em
todo o mundo. Se formos comparar, toda a audiência global do Netflix sequer se aproxima de
metade da audiência da televisão a cabo apenas nos Estados Unidos (MASHABLE, 2014).
Em números, é certo que a quantidade de assinantes do Netflix não supera a da
televisão a cabo. Mas ainda assim devemos observar que o consumo de conteúdo televisivo
em outras plataformas tem se tornado algo muito comum, principalmente entre pessoas que
possuem uma internet com boa velocidade. De acordo com Huffington Post (2014), um
estudo do Marketing Services mostrou que em apenas três anos, o numero de famílias que
decidiram cancelar a assinatura das suas televisões a cabo para ficar apenas com os serviços
por demanda aumentou 44% - ou seja, de 5.1 para 7.6 milhões. Segundo o portal de notícias,
ao menos um quinto de americanos que usam Netflix ou Hulu não assinam televisão a cabo.
Ainda segundo Post (2014), um dos motivos para as pessoas deixarem de assinar
televisão a cabo e passarem a ter apenas Netflix, Hulu, Amazon ou qualquer outro tipo de
plataforma streaming, são os altos preços pagos por pacotes de TV. De acordo com uma
pesquisa realizada pela SNL Kagan (2014), o preço médio da TV a cabo – fora tarifas,
promoções ou taxas – aumentou praticamente 97% nos últimos 14 anos.
3 From a business standpoint, this decade may end up mattering less for what we watched than for when and
where we watched.
12
Com essas considerações, podemos observar claramente uma reconfiguração da forma
como assistimos à televisão. Além da diferença de preço, é nas plataformas por demanda que
os espectadores podem escolher filmes ou shows de TV de diferentes tipos, e assisti-los sem
interrupções ou sem aguardar os horários programados pelas emissoras. Além disso, os
serviços por demanda oferecem algo que já conhecíamos desde a época dos videocassetes: a
possibilidade de voltar o programa, de rever cenas e repetir episódios inteiros com um clique.
Ainda que o Netflix, Hulu, Amazon e outros serviços por demanda estejam dominando
este mercado, muitas emissoras de televisão também possuem suas plataformas online, na
qual você pode assistir a programas inteiros e ainda conferir outras curiosidades sobre filmes,
séries ou programas, como entrevistas, videoclipes e outros materiais extras. Até mesmo os
canais de pacotes básicos, como AMC e Fox, já contam com plataformas online e
disponibilizam – para assinantes e residentes nos Estados Unidos conteúdos completos e
exclusivos.
1.1 A série Premium do canal básico
Por mais que os serviços por demanda e a pirataria tenham tido relevante importância
para a sustentação da audiência de Breaking Bad, a programação da televisão organizada pela
AMC – emissora a cabo norte-americana responsável pela transmissão do show – também
favoreceu o boost de audiência conquistado ao final da série. Segundo a análise de Adalian
(2013), com o intuito de capitalizar o final de Breaking Bad, a AMC transmitiu, durante o
verão norte-americano 4, maratonas ininterruptas com todas as temporadas anteriores da série.
Essas maratonas geraram uma audiência substancial para o show, que ao final da
midseason (em português: metade da temporada), alcançou o marco de 2.6 milhões de
espectadores. Adalian (2013) observa que muitos desses espectadores eram pessoas que já
vinham assistindo a série desde o seu lançamento, mas mesmo assim eles escolheram assistir
o último episódio de Breaking Bad na AMC, não no Netflix. Como afirmou o presidente da
AMC Charlie Collier ao jornalista, “se você estava interessado neste show, nós asseguramos
que você teve uma chance de assisti-lo” (COLLIER, 2013, tradução nossa) 5.
A transmissão em massa da série colaborou para manter os espectadores ligados no
canal, mas outro ponto que devemos observar é que, não fossem determinados aspectos
4 “Verão” é o período de férias dos americanos, que vai de junho a setembro.
5 If you were interested in this show, we made sure you had a chance to see it.
13
explorados ao longo da história da televisão e mudanças nas regulamentações da Federal
Communications Comission (em português: Comissão Federal de Comunicações), talvez
Breaking Bad sequer teria feito sua estreia na TV a cabo (ARAÚJO, 2014).
Breaking Bad é uma série violenta, este fato é notório. Colocar na programação da
televisão um show cuja sinopse trata sobre a história de professor de química comum que se
torna um traficante de metanfetamina, não parece uma tarefa muito simples. Principalmente
em canais como AMC, que não tem uma assinatura exclusiva como a HBO – do contrário,
está nos pacotes básicos da TV a cabo americana. De acordo com João Eduardo Silva de
Araújo (2014), a partir do momento que a FCC reconfigurou as regulamentações em relação à
exibição de conteúdo em canais destes pacotes, a AMC pode ter liberdade para transmitir
Breaking Bad, sem que houvesse proibições por conta da sua violência exacerbada. Isso,
claro, em determinado horário da programação.
Segundo Araújo (2014), outro motivo que permitiu o desenvolvimento e alavancou o
sucesso de Breaking Bad foram as experimentações bem sucedidas realizadas por canais
como HBO, ainda nos anos 80 e 90. Por já ter um histórico de ser um canal premium,
responsável por inovar a cada nova produção, muitas séries da HBO transcenderam as regras
da televisão e com isso, abriram portas para muitas das produções atuais. Deadwood, The
Sopranos, The Wire e muitas outras comprovaram que a televisão não precisava
necessariamente seguir o modelo procedural – ou seja, desenvolver narrativas em que os
episódios contavam histórias isoladas, sem nenhuma ligação com as anteriores ou próximas.
Nesta época, também aconteceu algo que favoreceu muito que a televisão passasse a
adotar o modelo de narrativas mais serializadas: a grande popularização de equipamentos de
videocassete e, mais tarde, de DVDs. Segundo Jason Mittel (2012):
As tecnologias que permitem variação no tempo da exibição, como os
videocassetes e gravadores de vídeo digitais, possibilitam aos espectadores
escolherem quando querem assistir a um programa. E, um dado mais
importante no sentido da construção da narrativa, eles podem rever episódios
ou partes deles para analisar momentos complexos.
Essa perspectiva deu coragem para que muitos roteiristas pudessem prospectar seus
shows nos canais de televisão e assim criar narrativas hiper-serializadas, como Breaking Bad.
Em entrevista ao The New York Times (2011), Gilligan afirmou: “A televisão é muito boa em
proteger sua franquia. (...) Por natureza, shows de TV têm duração indeterminada. Então eu
14
pensei, não seria interessante ter um show que transformasse o protagonista no antagonista?”
(GILLIGAN, 2011) 6.
Esses fatores, unidos ao aumento de famílias com TV a cabo e ao grande número de
emissoras que surgiram a partir dos anos 2000, contribuíram exponencialmente para o sucesso
de Breaking Bad e de muitas outras séries deste século. Segundo Araújo (2014), essa forte
expansão da televisão “levou a um investimento crescente em produções de nicho” – ou seja,
produtoras pequenas passaram a fazer seu próprio conteúdo e vendê-lo às emissoras. No caso
de Breaking Bad, a série foi produzida pela High Bridge Entertainment e pela Gran Via
Productions, duas empresas independentes, em associação com a Sony Pictures Television,
produtora e distribuidora subsidiária da Sony Pictures.
Com essa nova “paisagem institucional”, a AMC – sigla para American Movie
Classics, canal que, como o nome já diz, exibe mais filmes clássicos do que shows de TV –
pode de fato apostar e comissionar séries mais complexas e assim sobressair-se em meio à
competição por audiência das emissoras de rede aberta e de pacotes básicos.
Além de todos esses fatores, a construção da narrativa de Breaking Bad também
favoreceu para que canal e série obtivessem sucesso. Ainda de acordo com a análise de
Araújo (2014), devido ao pequeno número de episódios por temporada, os criadores da série
tinham mais tempo para desenvolver a narrativa, e assim criar uma história mais extensa e
detalhada – algo excelente para a série e para a emissora, pois cada vez que a trama se tornava
mais intrincada, mais interessante ela ficava, e mais espectadores assistiam ao show.
1.2 Complexidade na televisão
Devemos salientar também que, durante os mais de 80 anos de trajetória, a televisão
americana passou por mudanças cruciais. Aconteceu com a saída dos westerns da
programação, em meados dos anos 50, e a entrada dos workplace dramas, séries que se
passavam em locais de trabalho, como delegacias (Hill Street Blues), hospitais (St.
Elsewhere), escritórios de advocacia (L.A. Law) e outros.
Também aconteceu com as séries familiares, que deixaram de mostrar um modelo
ideal de convivência entre pais e filhos (Father Knows Best e The Goldbergs), para se tornar
6 Television was really good at protecting the franchise. (…) By their very nature TV shows are open-ended. So I
thought, wouldn’t it be interesting to have a show that takes the protagonist and transforms him into the
antagonist?
15
um dos principais canais de discussão e crítica sobre o mundo e a sociedade. Neste caso,
podemos citar exemplos como All In The Family, The Cosby Show e os mais recentes
Arrested Development e Community.
Em meados dos anos 1990, algumas produções da TV aberta norte-americana também
começavam a provocar mudanças nos formatos de narrativa instituídos para a televisão. Ainda
que continuassem usando os métodos procedurais – ou seja, construindo historias em que
começavam, se desenvolviam e terminavam num mesmo episódio –, séries como Arquivo X,
Buffy e The West Wing, buscavam relacionar essas tramas com arcos mais extensos, em que
conseguíamos ver um aprofundamento nos personagens.
Mas a grande mudança para as séries dramáticas aconteceu na virada de 1999 para os
anos 2000, com a série mais bem escrita de todos os tempos, segundo o Writers Guild Award
(2013): The Sopranos. Com seus truques de cinematografia e com uma trama diferente de
muito do que já tinha sido produzido até então, a série de David Chase subiu ao pódio das
produções norte-americanas e tornou-se o show mais popular a revolucionar a televisão.
The Sopranos mudou a forma de assistir televisão, criou novos hábitos nos
expectadores, quebrou regras de estilo e de cinematografia e desenvolveu uma narrativa
instigante e diferenciada, em que a história continuava episódio após episódio, temporada
após temporada. A série mostrou que é possível desenvolver uma narrativa dramática sem a
necessidade de seguir o modelo periódico. A história de Tony Soprano e seus conflitos com a
máfia, com a família e consigo mesmo, ganhavam desenvolvimento ao longo das temporadas,
e faziam o espectador se envolver profundamente com a série, acompanhar o
desenvolvimento das tramas e dos personagens, em vez de assistir episódios isolados em
qualquer ordem.
A série de David Chase finalizou em meados de 2007 e até esta data, muitas narrativas
serializadas também foram lançadas na TV, a citar: The Wire (2002 – 2008), Six Feet Under
(2001 – 2005), House M.D. (2004 – 2012), Dexter (2006 – 2013) e a ainda recorrente Mad
Men (2007). Aqui, portanto, devemos observar que quase nenhuma das séries citadas segue o
modelo periódico – a não ser House, que conseguiu mesclar as duas formas de narrativa,
criando uma série com os elementos ideais para um canal aberto e mesmo assim, desenvolver
um arco mais longo e dar profundidade ao personagem.
16
Desse período, outra série que se destaca por sua ousadia na televisão e por usar muito
bem a internet e as plataformas digitais como complementos da narrativa, é Lost (2004 –
2011). Segundo o Bianco (2009), Lost mostrou a possibilidade de compor narrativas
ambiciosas e desenvolver personagens intrincados, sem prender-se às regras da televisão e
continuar em exibição.
Lost foi desenvolvido para criar e incentivar paixão nos espectadores (...). E
essa paixão foi amplificada pelo boom comercial da década: a internet, que
permitiu fãs a focarem (alguns podem dizer obsessivamente) nos mitos e
artifícios do show e permitiu aos roteiristas deixar cada vez mais pistas para
que os fãs pudessem procurá-las (BIANCO, 2009, tradução nossa) 7.
Neste projeto, não pretendemos analisar a fundo as especificidades que caracterizam
uma narrativa complexa. Entretanto, devemos observar que tanto em desenvolvimento de
personagens quanto na forma de contar histórias, as séries sofreram mudanças importantes
dos anos 2000 para os dias de hoje. Ainda que a televisão continue trabalhando e lançando
séries que seguem o modelo procedural, até para manter-se na grade de pacotes de TV a cabo,
podemos observar uma constante produção de conteúdo baseado em narrativas extensas e
detalhadas, em que os arcos são construídos de forma crescente ao longo dos episódios.
Com isso, observamos que de fato estamos passando por outro tipo de transformação
da televisão. Agora, não importa mais se assistido pela emissora, via Netflix ou por download
ilegal. O que deve valer é que o produto seja consumido, independente de como.
7 Lost was designed to create and encourage passion (…). And that passion has been amplified by the decade's
booming commercial arena: the Internet, which enabled fans to focus (some would say obsessively) on the
show's myths and feints and allowed the writers (some would say obsessively) to plant ever more clues for those
fans to find.
17
2 O PERSONAGEM NA FICÇÃO
Ao longo de toda nossa existência, estamos cercados de histórias. Quando pequenos,
nossos pais nos contam histórias de dormir. Quando crescemos, somos nós que contamos a
eles, a nossa história. Uma vida, quando resumida após a morte, torna-se uma história, que
nem sempre precisa ser contada em páginas de livros ou nas cenas de um filme. Na verdade,
quando a história é boa, não importa como ela nos é apresentada, mas o que ela significa para
nós. “Narrar é uma manifestação que acompanha o homem desde sua origem” (GANCHO,
2000, p.4).
Como somos acostumados a ouvir e a contar histórias, também sabemos os elementos
fundamentais para que as histórias se desenvolvam. Em primeiro lugar, precisamos saber o
que aconteceu, para em seguida fazer as três perguntas básicas: Quando? Onde? Como?
Em seguida, faríamos a pergunta fundamental para o crescimento das histórias: Quem
ou com quem? Para que uma narrativa – seja ela oral, escrita ou audiovisual – possa ganhar
ritmo e ter continuidade, é essencial a presença de personagens. Sem eles, a história se torna
um relato, uma descrição.
Geralmente, da leitura de um romance fica a impressão duma série de fatos,
organizados em enredo, e de personagens que vivem estes fatos. É uma
impressão praticamente indissolúvel: quando pensamos no enredo, pensamos
simultaneamente nas personagens; quando pensamos nestas, pensamos
simultaneamente na vida que vivem, nos problemas em que se enredam, na
linha do seu destino — traçada conforme uma certa duração temporal,
referida a determinadas condições de ambiente. O enredo existe através das
personagens; as personagens vivem no enredo. Enredo e personagem
exprimem, ligados, os intuitos do romance, a visão da vida que decorre dele,
os significados e valores que o animam (CANDIDO, 1968, p.51).
Com isso, podemos nos perguntar: Até que ponto os personagens podem influenciar
na continuidade da história? Narrador é personagem? Como se diferenciam os personagens
num enredo? Neste capítulo, vamos procurar responder algumas dessas perguntas e observar o
comportamento dos personagens nas séries de televisão americanas, em especial aquela que é
objeto de estudo deste projeto, Breaking Bad.
18
2.1 Elementos fundamentais para a narrativa
De acordo com Anatol Rosenfeld (1968), usando termos lógicos e ontológicos, uma
narrativa de ficção pode se definir como ela mesma, sem que haja a necessidade de ter um
personagem. “Todavia, o critério revelador mais óbvio é o epistemológico, através da
personagem, mercê da qual se patenteia – às vezes por meio de um discurso especificamente
fictício – a estrutura peculiar da literatura imaginária. Razões mais intimamente
‘poetológicas’ mostram que a personagem realmente constitui a ficção” (ROSENFELD, 1968,
p.18). Segundo ele, uma obra de ficção pode se resumir a descrição de uma paisagem, de um
animal, de um objeto ou de qualquer coisa. Entretanto, o que faz com que a ficção ganhe
corpo e atraia o leitor a continuar a história, é justamente a presença de coisas animadas,
humanizadas – ou seja, personagens.
É essencial que possamos perceber que o autor não exclui a participação da
personagem na obra de ficção, e nem afirma que a ficção não existe sem que haja um
personagem. Ele relata que uma ficção sem o desenvolvimento de um personagem não passa
de um simples relato, uma descrição. “A narração – mesmo a não fictícia –, para não se tornar
em mera descrição ou em relato, exige, portanto, que não haja ausências demasiado
prolongadas do elemento humano (este, naturalmente pode ser substituído por outros seres,
quando antropomorfizados), porque o homem é o único ente que não se situa somente ‘no’
tempo, mas que ‘é’ essencialmente tempo” (ROSENFELD, 1968, p. 19).
Assim como acontece na vida, que não seria plena se não houvesse outras pessoas para
dividirmos nossas experiências, ou se não houvéssemos nós para viver nossas próprias
histórias, uma narrativa de ficção não deve existir sem a presença de personagens. E essa
participação se torna ainda mais essencial quando a ficção é adaptada de uma narrativa escrita
(um romance, um conto, uma crônica) para o roteiro de uma peça de teatro, para as cenas de
um filme ou para uma série de televisão. “A função narrativa, que no texto dramático se
mantém humildemente nas rubricas, extingue-se totalmente no palco, o qual, com os atores e
cenários, intervém para assumi-la” (ROSENFELD, 1968, p.21). Aqui, obviamente, estamos
falando de outro tipo de arte – a do teatro, do cinema, da TV. Entretanto, ambas as formas de
construir uma ficção possuem semelhanças, o que nos leva a um natural entendimento de
todas as artes, que podem atuar em conjunto mesmo que em formatos independentes.
O que difere primordialmente as duas formas de contar uma história é essa
necessidade fundamental de se ter personagens. Como seriam as peças de teatro, os filmes de
19
ficção ou as séries de televisão, sem pessoas para atuar e interpretar aquilo que o autor do
romance quis passar? Como seria Breaking Bad sem os conflitos e as decisões tomadas por
Walter White? Aqui, já conseguimos entender claramente que para uma narrativa de ficção se
sustentar, se desenvolver, chegar a um clímax e finalizar, é imprescindível a presença de
personagens. “Em todas as artes literárias e nas que exprimem, narram ou representam um
estado ou estória, a personagem realmente ‘constitui’ a ficção” (ROSENFELD, 1968, p.23).
Outro elemento essencial para constituir um enredo de ficção é o narrador. Segundo
Gancho (2000), “não existe narrativa sem narrador, pois ele é o elemento estruturador da
história”. Nos romances literários, o narrador é aquele que, através das palavras, constrói as
personagens e seu ambiente. No teatro, o narrador muitas vezes não se mostra necessário, mas
sabemos que a sua posição está lá. Ele está inserido nos diálogos das personagens, que
absorvem as palavras do texto e constroem a narrativa através das falas. Já no cinema e na
televisão, a câmera que costuma assumir o papel do narrador. Assim como acontece nos
romances literários, em que o narrador, através das orações, estimula nossa mente a imaginar
cenários, acontecimentos e até mesmo a focar em certos objetos ou feições, no cinema quem
opera esse papel é a câmera. “(...) a câmera, através de seu movimento, exerce no cinema uma
função nitidamente narrativa (...). Focaliza, comenta, recorta, aproxima, expõe, descreve. O
close up, o travelling, o “panoranomizar” são recursos tipicamente narrativos”
(ROSENFELD, 1968, p.22).
Seja na literatura, no teatro ou em produtos audiovisuais, os narradores podem se
apresentar de duas formas: 1) imparcial à história, onisciente, que apenas descreve os
acontecimentos – o narrador em terceira pessoa; 2) e aquele que complementa a história,
participa do enredo, colocando o seu ponto de vista como foco da narrativa – o narrador em
primeira pessoa (GANCHO, 2000). Na literatura, é mais fácil observar a presença de um
narrador em primeira pessoa, pois o próprio romance usa pronomes neste tempo verbal, além
de sempre colocar em evidência os pensamentos e sentimentos do personagem-narrador. No
audiovisual, o narrador em primeira pessoa pode vir tanto como um personagem que fala em
direção à câmera, quanto em forma de “voz over”, aparecendo ou não durante a história.
São diversos os exemplos nas séries de televisão que mostram a câmera não somente
como um narrador, mas também como aquela que seleciona os momentos do episódio e os
apresenta ao telespectador, numa forma de delinear o enredo e apresentar o ponto de foco da
narrativa – ou seja, o personagem ou o acontecimento principal que irá traçar o fio para
20
desenrolar a história. Segundo Flávio de Campos (2007, p.47), “narrador é um recurso de
narrativa que, a partir de um ponto de vista, percebe, interpreta, seleciona, organiza e, por fim,
narra os pontos de foco que selecionou de uma massa de estória”. Independente se literária,
teatral ou audiovisual, uma narrativa não se sustenta sem a presença de um narrador.
Nos primeiros minutos de todos os episódios da série Hill Street Blues (1981-1987),
uma câmera nervosa e trepidante mostra um escritório cheio de policiais, que entre cigarros,
café e rosquinhas, conversam e discutem casos e crimes. Nessa cena, o olhar do espectador é
inserido no cotidiano dos personagens a partir do posicionamento e do método utilizado com
a câmera. Aqui, podemos observar um exemplo da câmera como narrador e também como
personagem. Ao mesmo tempo em que mostra a rotina dos policiais, a câmera também parece
se inserir naquele ambiente, adotando um posicionamento frenético, quase como se
acompanhasse o olhar de uma pessoa ali dentro. É a forma de inserir o espectador na
narrativa, de convidá-lo a participar da rotina intensa dos policiais. Como Robert J. Thompson
(1996) define:
Todos os episódios [de Hill Street Blues] iniciavam com a cena de uma
manhã de trabalho na estação Hill Street, uma delegacia situada num gueto
de uma grande cidade sem nome. Diferente das limpas, paradas e belas cenas
da programação televisiva, entretanto, esse parecia mais com um
documentário de baixo custo. Câmeras agitadas passeavam pelo local em
busca de particularidades, às vezes corrigindo o foco bem aos nossos olhos.
A trilha sonora era caótica (THOMPSON, 1996, p.68, tradução nossa) 8.
Neste exemplo, fica claro que o ponto de foco da narrativa é a rotina dos policiais
daquela delegacia. Entretanto, ao longo da construção do episódio, esse foco vai se afunilando
e naturalmente, colocando certos personagens como destaque do enredo. Afinal, são eles os
principais que irão desenrolar a narrativa e desenvolver os temas da série. De acordo com
Campos (2007), existem outros tipos de narrativas em que os personagens podem não ser o
ponto de foco do narrador (ou da câmera como narrador). Entretanto, como já discutimos
antes neste projeto, para que um enredo possa se desenvolver, é fundamental a presença de
personagens – e personagens como o foco da narrativa. Campos (2007) disserta:
8 Each episode [of Hill Street Blues] opened with a scene of the morning roll call at Hill Street station, the law
enforcement center of a ghetto precinct in a big unnamed city. Unlike the clean, steady, beautifully lit scenes of
network television, however, this one had the look of a low-budget documentary. Shaking câmeras seemed to be
roaming around the room in search of subjects, sometimes correcting their focus right before our eyes. The
sound track was just as chaotic.
21
Na imensa maioria dos casos, o principal ponto de foco do narrador é um
personagem. Se você tem um tema por ponto de foco principal – “o amor”,
“os pecados capitais”, “a podridão da humanidade” – esse tema deverá ser
materializado num ou mais personagens. Não é possível narrar um tema em
seu estado puro: não produzimos dissertações teóricas (CAMPOS, 2007).
Com o passar do tempo, os métodos utilizados pela câmera, pela edição e montagem
dos seriados, se tornaram recursos estilísticos – e as produções audiovisuais que ganhavam
destaque eram aquelas que procuravam revolucionar não apenas no conteúdo, mas também na
estética. O exemplo citado de Hill Street Blues, inclusive, já mostra a utilização de estilos de
edição e montagem que representam uma mudança nas produções audiovisuais comuns dos
anos 80. Entretanto, embora os recursos estilísticos e a estética visual representada fizessem
com que as séries ganhassem destaque, é a história dos personagens que o espectador ainda
irá se atrair e é o desenvolvimento e sua transformação, que irá fazer da série um célebre
sucesso.
Vamos tomar como exemplo a série estudada nesta monografia: Breaking Bad. Além
das premiações aos atores pelos excelentes papéis interpretados e ao criador, pelo brilhante
roteiro e desenvolvimento do enredo, a cinematografia – os recursos de câmera, edição e
montagem – também chamou muita atenção, principalmente da crítica. Ao longo das cinco
temporadas, Breaking Bad foi nominado várias vezes e levou três Emmys por conta do seu
estilo cinematográfico. Essas premiações mostram que, além de conduzir a narrativa com
maestria, a série também obteve grande sucesso justamente por usar recursos
cinematográficos revolucionários durante sua exibição e feitura.
Não pretendo aqui tecer mais detalhes sobre os conceitos específicos de filmagem e
cinematografia. Entretanto, é importante que possamos entender como o jogo de cenas
(também conhecido como mise-en-scène) e os recursos utilizados pelas câmeras dão um tom
diferente a cada narrativa seriada, e dessa forma constroem o desenvolvimento dos
personagens no enredo. São elementos assim que comprovam a ideia de que, quando falamos
sobre produção audiovisual, é a câmera que toma a posição do narrador. Como descrito por
Schager (2013), “assim como o protagonista, o estilo de Breaking Bad regularmente aposta
entre o mundano e o ultrajante, projetando as várias emoções e circunstâncias, psicológicas e
22
logísticas, dos personagens através de uma mistura excitante de um bom trabalho de câmera,
composições espaciais tensas, ângulos visuais evocativos e o vibrante uso de luz e sombra”. 9
2.2 Categorização dos personagens
2.2.1 Planos e Redondos
De acordo com Cândido (1968, p.57), ao longo dos anos, personagens passaram a se
comportar de duas formas dentro de uma narrativa: “1) como seres íntegros e facilmente
delimitáveis, marcados duma vez por todas com certos traços que os caracterizam; 2) como
seres complicados, que não se esgotam nos traços característicos, mas têm certos poços
profundos, de onde pode jorrar a cada instante o desconhecido e o mistério”. Nessa breve
descrição, Cândido define o que hoje conhecemos como “personagens planos” e “personagens
redondos”. Termos mais que comuns no nosso vocabulário atualmente, a categorização de
personagens como “planos” e “redondos” foi instituída pelo autor inglês E.M. Forster, no
livro Aspectos do Romance (2002).
Forster observa que as personagens planas podem ser definidas em apenas uma linha,
uma frase ou uma fala. Elas são “construídas a partir de uma única ideia ou qualidade” e agem
de acordo com características e traços determinados e rapidamente percebidos pelo espectador
ou leitor. O autor também observa que as “personagens planas”, por terem as mesmas
características durante toda a narrativa, são as mais lembradas pelo público. “Elas
permanecem inalteradas na mente [do leitor], porque não mudam com as circunstâncias; elas
se movem através das circunstâncias” (FORSTER, 2000, tradução nossa) 10
.
Embora não seja uma regra, ainda hoje conseguimos notar que as personagens planas
estão mais presentes em narrativas de comédia. Forster explica que, no século 17, essas
personagens eram chamadas de “humorísticas”, de caricaturas – justamente por serem mais
exploradas em produções desse gênero. Um dos motivos para essas personagens estarem
presentes em narrativas desse tipo, é justamente o fato de elas não serem construídas com a
mesma complexidade de uma personagem “redonda”.
9 Like its protagonist, Breaking Bad's style is one that regularly segues between the mundane and the outrageous,
charting its various characters' emotional, psychological and logistical circumstances through an exciting blend
of anxious handheld camerawork, tense spatial compositions, evocative visual angles, and vibrant use of shadow
and light. 10
They remain in his mind as unalterable for the reason that they were not changed by circumstances; they
moved through circumstances (...).
23
A profundidade do personagem apresentada ao espectador depende da sua importância
na narrativa. Porém, os personagens cujas características não se transformam também
exercem um papel fundamental no enredo. A série estudada neste projeto traz bons exemplos
de “personagens planos”, que não sofrem mudanças, mas têm papel essencial na história. É o
caso, por exemplo, de Marie Schrader (Betsy Brandt), irmã de Skyler White (Anna Gunn).
Numa análise empírica, percebemos que Marie apresenta características definidas e
facilmente reconhecíveis. Ela é a principal fonte de conforto e suporte à irmã e ao marido,
Hank Schrader, cunhado de Walter White – protagonista da série e objeto de estudo deste
trabalho. Embora ela se mostre compreensiva, muitas vezes interfere demais nos assuntos da
família White, chegando até a irritar a própria irmã (S05E03). Mesmo no momento em que a
série tenta criar nela um transtorno obsessivo de cleptomania, o que significaria uma espécie
de tentativa de dar profundidade à personagem, Marie continua a mesma mulher bem de vida,
esposa de um agente policial e preocupada com a família até o fim da série.
Outro personagem fundamental para Breaking Bad, que não sofre grandes mudanças
ao longo da narrativa, é Mike Ehrmantraut (Jonathan Banks). Ex-policial, Mike surge no
seriado com uma função clara e objetiva: seguir as ordens do seu superior. Durante sua
passagem, Mike obedece ao supremo fornecedor de metanfetamina e inimigo rival de Walter
White, Gus Fring. Mesmo quando seu chefe morre, no primoroso episódio Face Off
(S04E03), Mike continua com seu comportamento calmo e calculista, até mesmo no momento
da sua própria morte, quando não mostra nenhum remorso ou ódio por Walter (S05E07).
Naturalmente, os personagens complexos e mais profundos são os chamados
“personagens redondos”, como pede a nomenclatura adotada por Forster. De acordo com o
autor, um “personagem redondo” é capaz de surpreender, se contradizer e mudar; eles são
representações dos seres humanos em toda sua complexidade. (FORSTER, 2002). O autor
não define claramente o que são as “personagens redondas”, mas as compara com o
entendimento que temos dos seres humanos em si – e afirma que uma forma de criar uma obra
de arte é fazer com que as personagens nunca fiquem condicionadas a algumas características,
que esteja sempre se transformando.
Cândido também faz uma boa análise das “personagens redondas”, as quais são
apresentadas como “personagens de natureza” no livro A Personagem de Ficção (1968). De
acordo com o autor, a cada nova ação do personagem, uma de suas características é
reavaliada, causando surpresa no espectador e uma transformação na personagem. “As
24
‘personagens de natureza’ são apresentadas, além dos traços superficiais, pelo seu modo
íntimo de ser, e isto impede que tenham a regularidade dos outros. Não são imediatamente
identificáveis, e o autor precisa, a cada mudança no seu modo de ser, lançar mão de uma
caracterização diferente, geralmente analítica, não pitoresca” (CANDIDO, 1968, p.58). Para
Forster, existe uma forma de identificar personagens planos e redondos numa narrativa: “Se
nunca surpreender, é plana. Se não convencer, é plana com pretensão à esférica. Ela traz em si
a imprevisibilidade da vida, traz a vida dentro das páginas de um livro” (FORSTER, 2002).
Observando estas características, conseguimos perceber que o personagem mais complexo da
série estudada é também o seu protagonista, Walter White. Apesar de não ser uma regra, na
maioria dos casos, os “personagens redondos” são os protagonistas das histórias, uma vez que
sua transformação é o ponto de foco principal do enredo.
2.2.2 Protagonistas e antagonistas
Analisando a partir do papel desempenhado pelo personagem no enredo, existem duas
categorias de personagens, como define Gancho (2000): os protagonistas e os antagonistas. O
protagonista é o personagem principal. Este não necessariamente precisa ser o narrador da
história, mas é o que realiza as ações e que tem mais presença no enredo. O protagonista pode
apresentar-se a si mesmo, como acontece na série House of Cards (2013), em que o
personagem fala em direção à câmera e se introduz ao público. Como também pode aparecer
sendo visto pelo olhar de um personagem secundário, como acontece no romance de Sherlock
Holmes (BRAITT, 1985, p.65), ou pelo próprio desenrolar da história, a partir da seleção de
cenas que o coloca em destaque no enredo, como em Breaking Bad. Já o antagonista é
definido pela autora como “o personagem que se opõe ao protagonista, seja por sua ação que
atrapalha, seja por suas características, diametralmente opostas às do protagonista. Enfim,
seria o vilão da história” (GANCHO, 2000, p.12). Na narrativa seriada analisada neste
projeto, podemos observar claramente a figura de anti-herói no protagonista, Walter White, e
a figura de antagonista no personagem Gus Fring.
Segundo Gancho (2000), podemos identificar duas subcategorias nos protagonistas: os
heróis e os anti-heróis. Para ela, o herói “é o protagonista com características superiores às de
seu grupo”; o anti-herói “é o protagonista que tem características iguais ou inferiores às de seu
grupo, mas que por algum motivo está na posição de herói, só que sem competência para
tanto” (GANCHO, 2000, p. 11-12). Embora essa seja uma definição clara, sabemos que
25
heróis e anti-heróis apresentam características diferenciadas e muito mais complexas,
principalmente quando construídos numa narrativa seriada.
2.2.3 Heróis e anti-heróis
Antes de começarmos a nos aprofundar na análise dos anti-heróis, é importante
observarmos, de forma breve, as definições que um herói exerce dentro da narrativa. Os
heróis existem desde a literatura grega e são caracterizados por realizarem feitos
extraordinários. Segundo Aldinéia Cardoso Arantes (2008), desde os poemas de Ilíada e da
Odisséia, os heróis sempre estiveram posicionados numa categoria acima, como seres
superiores e excepcionais, cujas ações eram louvadas e se houvesse alguma obscuridade, seria
ofuscada ou colocada em segundo plano. Essas características foram se fixando no intelectual
humano, até que, com o passar do tempo, sofreram alterações, nos quais os heróis passaram a
se tornar ou indivíduos com superpoderes (no caso dos super-heróis), ou personagens mais
complexos, nos quais suas falhas e dúvidas eram apresentadas ao espectador/leitor. A autora
afirma que “o herói clássico foi canonizado pela literatura: todas as suas características foram
imitadas, celebradas e repetidas com exaustão” (ARANTES, 2008, p.24). Os heróis greco-
romanos criaram um estereótipo clássico, que procurava representar a sociedade daquela
época e criar um personagem com características míticas. Entretanto, logo se tornou um
modelo ultrapassado, e os heróis começaram a se mostrar mais humanizados. “A figura do
herói e sua representação na literatura não mudaram repentinamente, mas passaram por um
processo que refletiu a história da transformação do próprio homem na sociedade.”
(ARANTES, 2008, p.24)
Ainda segundo a autora, os heróis clássicos se tornaram heróis modernos e seus
defeitos, dúvidas e conflitos internos agora eram expostos ao espectador/leitor, criando uma
sensação de verossimilhança maior do que os heróis da literatura grega. Eles se tornaram
“heróis problemáticos”, termo usado por Georg Luckás no livro A Teoria do Romance (2000),
e já não eram mais perfeitos – tinham identidade fragmentada e estavam em constante
confronto com o mundo em que viviam. “O herói da epopeia é substituído pelo ‘herói
problemático’, personagem cuja existência e valores o situam perante questões emergentes
das quais ele não é capaz de expressar consciência clara e rigorosa” (ARANTES, 2008, p.25).
Para Brait (1985), “o herói problemático, também denominado demoníaco, está ao mesmo
tempo em comunhão e em oposição ao mundo” (BRAITT, 1985, p.40).
26
Este comportamento complexo e paradoxal ajudou os heróis problemáticos a
ganharem a alcunha de “anti-heróis”. Segundo Arantes (2008), a presença dos anti-heróis nas
produções midiáticas resultou na progressiva desmistificação da figura heroica histórica, e
deu um caráter mais humanizado às obras de ficção. Por serem mais semelhantes aos seres
humanos, os anti-heróis passaram a assumir comportamentos também humanos – ou seja,
contraditórios, emocionais e duvidosos. Entretanto, para que houvesse conflitos mais
profundos, os anti-heróis também mostravam uma clara desobediência à autoridade, as
instituições, as leis e aos princípios estabelecidos. “O anti-herói carrega características de um
perturbador e de um agitador, seu modo subversivo o coloca à margem, contrariamente ao
modelo do herói tradicional que é louvado e aclamado por todos, já que defende interesses de
um grupo específico que domina e no qual também está inserido.” (ARANTES, 2008, p.26).
No livro Homens Difíceis (2013), o autor Brett Martin descreve:
Esses eram personagens que, como diriam as tradições, os americanos
jamais permitiriam dentro das suas salas de estar: infelizes, moralmente
comprometidos, complicados, profundamente humanos (MARTIN, 2013,
tradução nossa) 11
.
Embora fossem mais vistos como os “caras maus” das obras de ficção, os anti-heróis
também tinham um lado cativante, inexplicavelmente humano, que às vezes os colocavam na
posição de heróis. Ainda que fossem contestadores, eles eram capazes de demonstrar amor,
confiança e coragem de uma forma tão verdadeira, que beira o realismo da vida. Porém, da
mesma forma que podem ser exemplares pais de família (Walter White) ou excelentes
profissionais (House, Dexter, Don Drapper), eles também podem ser traficantes, assassinos ou
traidores.
Isso acontece porque o anti-herói sempre terá um conflito na sua história que ele
precisa resolver. Vamos pegar, por exemplo, o objeto de estudo deste trabalho: Walter White.
Pai de família comum, amável, professor de química, já teve seus momentos de sucesso no
passado, e agora vive uma fase difícil, na qual não tem dinheiro sequer para consertar o
aquecedor do chuveiro da sua casa. Quando descobre que está com câncer inoperável, Walter
tem um colapso, e toma uma decisão que mudará para sempre a sua vida e a vida da sua
11
These were characters whom, conventional wisdom had once insisted, Americans would never allow into their
living rooms: unhappy, morally compromised, complicated, deeply human.
27
família. Ele se torna um imperador no tráfico de metanfetamina. São atitudes como essa que
colocam o anti-herói num papel dúbio, muito mais complexo que um personagem de comédia,
em que o espectador assimila facilmente e aprecia aquelas mesmas características ao longo de
toda a série.
Outro ponto importante que devemos compreender é que, além de se envolverem com
as leis federais, os anti-heróis sempre terão um comportamento mais reflexivo. Uma vez que
sua história é muito próxima a nossa realidade, o anti-herói sempre terá conflitos internos,
dúvidas, arrependimentos, sentimento de vingança, raiva, assim como amor, preocupação e
respeito. Por assumir um papel complexo, eles são capazes de fazer o espectador colocar-se
no seu lugar e assim gerar uma reflexão.
Assim como nós, os anti-heróis estão envoltos, rodeados de questionamentos muitas
vezes sem respostas. E, também assim como nós, a partir do momento que o personagem
percebe o problema, ele fará qualquer coisa para resolver, ou ao menos procurar conviver com
o problema.
O anti-herói vem revestido, portanto, de algumas das tensões inquietantes do
espírito humano: conflitos entre valores individuais e coletivos,
descontinuidades temáticas e históricas, resistência ao conformismo,
questionamentos radicais da autoridade, intentos de novas atribuições de
autoridade e também a subversão delas. Destarte, a presença desse herói
contraditório não é gratuita, seja qual for o seu aspecto representativo, ele
sempre surge para questionar, satirizar, denunciar, criticar algum aspecto da
sociedade – sua aparição faz brotar das mentes mais simples um pensamento
crítico que instiga e induz à reflexão. (ARANTES, 2008, p.28-29)
Exatamente por estimularem o espectador a refletir sobre suas condutas morais da
sociedade e do ser humano, que os anti-heróis são os favoritos do público. Eles colocam uma
“pulga atrás da orelha” do espectador e fazem com que mesmo as leis federais não os
impeçam de ir atrás do seu objetivo. São personagens capazes de brincar com o espectador,
hora assustando-o por suas ações imorais, hora atraindo-os por seu lado humano muitas vezes
inexplicável. “É esse tipo de predisposição imprevisível e perigosa, que quando combinada
com um fragmento de simpatia e sentimento humano, empurra ao mesmo tempo em que puxa
o leitor para dentro da história” (Hajducky, 2013, tradução nossa) 12
.
12
It’s that type of unpredictable and dangerous predisposition, when coupled with a smidge of sympathetic
humanity, which pushes readers away as much as it draws them in.
28
O personagem que objeto de estudo deste projeto é um dos poucos anti-heróis da
ficção televisiva que consegue conciliar tanto o papel de um homem subversivo, que vive à
margem da sua sociedade, quanto o de um homem comum, com uma família para cuidar
enquanto morre de câncer. “Ao longo de cinco temporadas de ‘Breaking Bad’, Walt produziu
uma das transições de moralidade à depravação mais complexas jamais vista em obras de
ficção. O professor do ensino médio que anseia por uma vida de significado muito estranha
para ele, é precisamente o tipo de personagem que queremos torcer, porque, de certa forma,
todos nós nos relacionamos com o desânimo de Walt.” (JACOBS, 2013, tradução nossa) 13
.
13
Over the course of "Breaking Bad's" five seasons, Walt has produced one of the most layered transitions from
morality to depravity ever featured in fiction. The milquetoast high school teacher who longs for a life of
significance that feels foreign to him is precisely the sort of character we want to root for because, in some ways,
we all relate to Walt's despondency.
29
3 DECISÕES E SUAS CONSEQUÊNCIAS
Lançado em 2008 no canal da AMC, Breaking Bad tornou-se uma das mais brilhantes
séries dos últimos tempos, segundo a análise de muitos jornalistas e críticos ao redor do
mundo, entre eles, Maureeen Ryan (2013), Chuck Klosterman (2013), Hank Stuever (2013) e
os brasileiros Marco Túlio Pires (2013) e Ana Maria Bahiana (2013). A trama criada por
Vince Gilligan apresentou à audiência uma história instigante, diferente de muitas já criadas
para a televisão, que prendia o espectador com reviravoltas inteligentes e muito bem
construídas. Breaking Bad construiu personagens complexos, capaz de tomar atitudes
completamente inesperadas – o que, de certa forma, também fazia com que o próprio
espectador refletisse sobre suas atitudes e conceitos morais. Esse e vários outros motivos
fizeram com que o show ficasse no mesmo patamar de grandes produções da televisão, como
The Sopranos (1999 – 2007) e Mad Men (2007 – atualmente).
São muitos os aspectos que fizeram deste show excelente. Para Ryan (2013), além do
visual artístico, da trama surpreendente e do excelente trabalho dos atores, a narrativa de
Vince Gilligan chega ao pódio por apresentar um personagem moralmente perturbado. Em
meio a uma intensa produção de narrativas dramáticas com personagens complexos,
conflituosos e anti-heroicos, Breaking Bad consegue se sobressair e apresenta ao espectador
algo inédito na televisão americana: a transformação de um homem.
Todos nós somos boas pessoas, certo? Pagamos nossos impostos,
nossas contas. Não ultrapassamos pessoas no trânsito. Mas talvez,
aquela única vez, você recebeu troco a mais e não devolveu. (…)
Todos nós já fizemos coisas ruins e encontramos maneiras de dizer a
nós mesmos que aquelas ações não foram tão más assim. (RYAN,
2013). 14
Segundo a autora, o protagonista de Breaking Bad, Walter White, é uma “boa pessoa”.
Ele tenta não criar situações conflituosas, procura seguir as leis federais e parece estar sempre
aceitando a vida como ela é. Mas algo acontece com Walter no momento que ele começa a
quebrar pequenas regras. Para Ryan (2013), Walter se sente viciado numa espécie de
sentimento de transgressão e superioridade conseguido apenas por tomar atitudes ilegais.
14
We're all good people, right? We pay our taxes. We pay our bills. We don't cut people off in traffic. But
maybe, that one time, you got too much change and didn't give it back. Because we've all done bad things and
found ways to tell ourselves those actions weren't that bad.
30
Um pouco da sensação de transgressão por estar fazer algo fora da lei nos é
apresentada nas primeiras cenas de “A No-Rough-Stuff-Type Deal” (S01E07), em que Walter
e sua esposa, Skyler White, têm um surpreendente momento de intimidade. Após a escola que
Walter trabalha descobrir que alguns equipamentos do laboratório de química, semelhantes
àqueles usados para produção de metanfetamina, foram roubados, acontece uma reunião com
todos os professores e pais dos alunos. Na ocasião, Walter se aproxima de Skyler de uma
forma sexual, e mais tarde eles terminam fazendo sexo dentro do carro de Walter. É neste
momento que Skyler pergunta:
“De onde veio isso? E porque é tão bom?”
“Porque é ilegal”, Walter responde.
Ilegalidades, imoralidades, violência, tráfico de drogas, assassinatos são alguns dos
temas explorados em Breaking Bad. Em entrevista ao The New York Times, o criador da
série, Vince Gilligan, deu sua razão para escrever uma série que colocasse o mal em tanta
evidência. Segundo Gilligan (2011):
Se não há coisa alguma como justiça cósmica, qual o objetivo em ser
bom? Esta é a única coisa que ninguém nunca me explicou. Porque eu
não devo roubar um banco, especialmente se eu sou inteligente o
suficiente para fazê-lo e ainda sair ileso? O que me impede?
(GILLIGAN, 2011). 15
Algo desta concepção de Gilligan está claro durante toda a trama de Breaking Bad.
Entretanto, a série se faz tão excelente, que não basta Walter apenas cometer crimes e “sair
ileso”. Ele precisa o tempo inteiro encontrar justificativas para suas atitudes, seus conflitos. E
essas explicações, em determinado momento da série, se tornam tolas, pois nós espectadores
sabemos que por trás de cada fala de Walter existe algum sentindo implícito escondido. E este
sentido é o de que ele quer vencer, ele quer ser o soberano, independente de como seja.
Para Ryan (2013), esta foi uma das características que atraiu ela e outros milhares de
espectadores no mundo a acompanhar a série: a ambiguidade moral de Walter White.
Segundo a autora, para o espectador, logo fica claro que Walter é, de fato, um homem cruel.
15
Because if there is no such thing as cosmic justice, what is the point of being good? That’s the one thing that
no one has ever explained to me. Why shouldn’t I go rob a bank, especially if I’m smart enough to get away with
it? What’s stopping me?
31
Entretanto, é importante observar que até o momento que o espectador tem certeza de
que Walter se tornou um homem impiedoso, corrompido por seus próprios atos e violações da
lei, a série traça um longo caminho de dúvidas e incertezas, que colocam tanto o personagem
quanto o espectador em cima do muro. A começar pela sua justificativa em entrar nos
negócios da metanfetamina do Novo México.
Nos primeiros momentos da série, a explicação principal para Walter fazer o que está
fazendo, é o seu câncer no pulmão. Depois de diagnosticado com a doença que lhe deixará
com pouco tempo de vida e consciente de que não terá dinheiro suficiente para arcar com as
despesas do seu tratamento, Walter toma a decisão. A série constrói a narrativa de uma forma
tão verossímil, que fica fácil para o espectador assimilar o conflito de Walter e até concordar
com suas atitudes.
Entretanto, é importante abrir um parêntese para observar um ponto importante.
Apesar de estar passando por todos esses problemas que praticamente causam um colapso
nervoso, após certo tempo, vemos com clareza que Walter está muito certo na sua decisão.
Em vez de esperar por outra oportunidade que Hank Schrader, seu cunhado, o convide a
participar de uma das capturas aos traficantes de metanfetamina, é o próprio Walter quem se
oferece para participar. Mais tarde, é também o próprio Walter que vai ao encontro de Jesse
Pinkman e se oferece para cozinhar metanfetamina. Nestes momentos, torna-se incontestável
o fato de que Walter decidiu, por conta própria, entrar para os negócios de metanfetamina.
Segundo Bhattacharya (2013), a transformação de Walter White é algo inédito para a
televisão, exatamente por que ele decide, ele segue em busca da sua transformação. Ao longo
do século 21, acompanhamos a produção de muitas narrativas seriadas. Compartilhamos
colapsos nervosos com Tony Soprano; relacionamo-nos com os dramas e com as lições de
vida com Dr. House; e ainda hoje estamos vendo a trajetória de um homem em busca de si
mesmo em Mad Men.
Em nenhuma dessas séries, observamos de fato os personagens se transformarem,
deixar de ser quem era no início da série para se tornar alguém completamente diferente.
Ainda que tenham semelhanças, afinal, esses personagens também estão em crise e passam
por diferentes tipos de conflitos, assim como Walter White. Entretanto, eles parecem estar
mais numa jornada de autoconhecimento, que vem sempre acompanhada de alguma história
antiga, algo que ficou no passado do personagem e naquele momento, passa a pesar e fazer
diferença nas suas trajetórias.
32
O que torna Walter White especialmente diferente dos personagens citados – e de
muitos outros anti-heróis presentes nas narrativas seriadas para televisão – é que ele se
transforma. Ao final da série, quando vemos o Walter White isolado numa cabana em alguma
cidade afastada e muito fria, vivendo com outra identidade, sabemos que ele não é o mesmo
professor e pai de família que conhecemos no início da série. Não obstante, além de se
transformar, o personagem também opta por seguir este caminho – ele decide, por conta
própria, se envolver no tráfico de drogas e se tornar Heisenberg. Segundo Bhattachary (2013):
Ele vai de protagonista para antagonista; um homem que se torna um
monstro através da sua própria escolha e vontade. Tony Soprano
sempre foi um assassino e Don Drapper sempre foi um mentiroso, mas
Walter White transformou-se de um impotente homem comum para
um chefão do tráfico de metanfetamina, um homem muito mais
impiedoso do que os dois outros combinados 16
.
É essencial percebermos que, além de decidir, Walter também parece estar muito certo
de todas as suas atitudes. Ainda essa certeza venha disfarçada da justificativa em conseguir
dinheiro para pagar o seu tratamento, Walter demonstra em vários momentos um desejo
estranho pela ilegalidade e pela imoralidade. Aqui, a narrativa começa a brincar com o
espectador e coloca uma dúvida: até que ponto Walter sabia o que ele iria fazer, o que iria
acontecer?
Obviamente que no momento do lançamento da série, nós espectadores não
saberíamos quais caminhos a história iria tomar, quais reviravoltas iriam acontecer.
Entretanto, analisando o conjunto das temporadas e a narrativa como um todo, após a sua
finalização, podemos nos questionar se Walter já tinha calculado todos os passos a serem
seguidos e as atitudes a serem tomadas.
Partindo da análise dos episódios, percebemos que em diversos momentos, Walter não
parece ter tanto controle ou tanta certeza do que estaria fazendo. Esta incerteza surge, por
exemplo, nos minutos finais do episódio piloto, quando Jesse e dois traficantes que
comprariam metanfetamina vão ao deserto ao encontro de Walter. Ao primeiro levantar das
armas, o “cozinheiro” demonstra medo e aflição. Entretanto, acima de qualquer coisa, Walter
White é inteligente, extremamente racional e de pensamento rápido. É com essa armadilha
16
He goes from protagonist to antagonist; a man who becomes a monster, through his own will and choice. Tony
Soprano was always a killer and Don Draper always a liar, but Walter White transforms himself from an
emasculated everyman to the meth kingpin “Heisenberg”, his street name, a more ruthless killer and liar than the
other two combined.
33
que ele consegue enganar os dois traficantes – fingindo que irá ensinar a eles a receita da
droga – e, da mesma forma, mais tarde, vai enganar Jesse, sua família, a si mesmo e ao
espectador.
É justamente essa sagacidade de Walter que o torna um personagem moralmente
dúbio, capaz de atrair o espectador ao mesmo tempo em que afasta e assusta. Embora a sua
justificativa para produzir metanfetamina nos pareça assimilável em primeira ordem, com o
tempo ela se torna apenas uma desculpa para que Walter se transforme num homem soberano.
Durante a observação dos episódios da série, percebemos que o todo episódio piloto é
construído partindo dessa concepção dual do personagem. Embora saibamos que a
justificativa inicial para Walter produzir metanfetamina é conseguir dinheiro para pagar seu
tratamento, é neste mesmo início que também sabemos que Walter não entrará nesse mundo
somente por dinheiro. O primeiro exemplo desta duplicidade é percebido no momento em que
Jesse pergunta a Walter porque ele está fazendo isso.
“Um cara certinho como você, de repente nessa idade, com uns 60 anos, resolve chutar o
balde?”, é a pergunta de Jesse.
“Eu acordei”, responde Walter.
Como forma de lidar com essa dualidade de personalidades, Walter designa a si
mesmo o pseudônimo de Heisenberg, em homenagem ao físico Weiner Heisenberg, inventor
do princípio da incerteza. Embora primeiramente seja apresentado apenas como um
codinome, logo sabemos que Heisenberg é entendido como uma espécie de identidade oculta,
que pareceu sempre estar escondida em Walter – e agora teve sua chance de desabrochar.
34
4 CRESCIMENTO, DECLÍNIO E TRANSFORMAÇÃO
Breaking Bad conta a história de um simples professor de química – pai de família,
morador do subúrbio americano, com uma vida comum e sem muitas perspectivas – que, por
razões que iremos estudar neste projeto, se transforma no maior produtor de metanfetamina
do Novo México.
Logo de início, vemos que a vida de Walter White não tem muitas surpresas. Ele, um
homem comum, branco, suburbano, prestes a completar 50 anos de idade, aparentemente
carrega o mundo em suas costas: um filho com paralisia cerebral, uma mulher de 40 anos
grávida e muitas contas a pagar (BHATTACHARYA, Sanjiv. 2013). A crise financeira dentro
de casa obriga Walter a ter dois trabalhos: como professor numa escola pública e como
funcionário de um lava-jato. Nenhum desses empregos eleva a vida de Walter a um nível de
grandes aspirações – do contrário, a desobediência e falta de respeito de seus alunos, além da
angustiante falta de intimidade com a sua mulher, torna tudo extremamente humilhante.
Quando não poderia ficar pior, Walter é diagnosticado com um câncer no pulmão incurável,
que, com um longo e caríssimo tratamento, lhe daria mais um ou dois anos de vida.
A notícia do câncer e o medo de deixar a família afogada em contas médicas caso ele
morra – e há esse risco – faz com que Walter comece a pensar sobre a sua situação. Quase
como se estivesse montando um quebra-cabeça mental, o professor reflete profundamente e
por fim, decide aplicar seus conhecimentos de química (que não são poucos) na produção de
metanfetamina (BHATTACHARYA, 2013).
Ao acompanhar o seu cunhado Hank Shradder, agente da Drug Enforcement Administration –
DEA (em português, Força Administrativa de Narcóticos) na captura de traficantes que
produzem metanfetamina numa casa de uma vizinhança comum da cidade, Walter, dentro do
carro do cunhado, vê Jesse Pinkman, um de seus ex-alunos, pulando a janela da casa. Cenas
mais tarde, Walter procura Jesse e oferece uma parceria. “Você sabe os negócios, eu sei a
química”, fala Walter ao ex-aluno.
São muitas as razões apresentadas no episódio piloto do seriado que explicam o
motivo por que Walter envolveu-se com o tráfico de drogas americano. A primeira e mais
óbvia, seria a necessidade de sustentar a família e conseguir dinheiro para pagar as contas do
seu tratamento. De início, essa poderia ser uma nobre e possível escolha: arriscar-se no
35
perigoso tráfico de drogas para conseguir dinheiro. (BHATTACHARYA, 2013). Mas há algo
além dessa simples urgência por sustentar a família.
Em “...and the Bag's in the River”, terceiro episódio da primeira temporada, cenas de
flashback mostram Walter White como um professor renomado, apaixonado por sua
profissão. Walter um dia fora reconhecido como excelente químico. Ele já teve orgulho de si
mesmo, já teve seu ego inflado por realizar um trabalho primoroso. Uma realidade bem
diferente do marasmo que ele estava inserido nos últimos anos.
Portanto, além de conseguir dinheiro para resolver os problemas financeiros da sua
família e do seu tratamento, Walter também parece estar numa espécie de busca por
autonomia, por liderança e principalmente pelo orgulho que sentia anos atrás. Em meio ao
marasmo de uma vida sem perspectiva, afundado em dívidas e ainda diagnosticado com um
câncer terminal, o comum professor de química, pai de família e marido respeitável, está em
busca de transformação. É neste momento que ele “acorda”, e decide tornar-se um soberano.
Algo desse desejo em ser supremo e principalmente do orgulho guardado durante anos
em Walter surge no episódio “Gray Matters” (S01E05). Em entrevista à Esquire, Vince
Gilligan, criador de Breaking Bad, explica que ele e sua equipe de roteiristas queriam que
Walter continuasse a produzir metanfetamina, mas não queriam que isso se tornasse algo que
o personagem pudesse recorrer sempre que tivesse com alguma dívida, como uma espécie de
“poupança”. Eles queriam ir mais a fundo. Então, eles decidiram colocar à prova a soberba e a
arrogância de Walter.
Em “Gray Matters”, conhecemos Elliot Schwartz, um antigo amigo de Walter
responsável por montar, junto com o professor, uma importante companhia de tecnologia – a
Gray Matters. Por outros motivos, Walter sai do negócio, torna-se professor, e Elliot faz da
empresa um grande sucesso.
No início deste episódio, Walter e Skyler vão à cerimônia de aniversário do Elliot, que
agora é casado com Gretchen – aparentemente uma ex-namorada de Walter. Em determinado
momento, Elliot e Walter aparecem conversando casualmente. Elliot, então, oferece
gentilmente ao professor uma oportunidade de trabalhar na empresa que ele e o amigo
criaram. Primeiramente, Walter fica surpreso com a oferta. Mas quando seu amigo menciona
que a empresa tem o melhor plano de saúde, Walter começa a mudar de feição e entende a
situação não como uma oportunidade, mas como uma ofensa.
36
Para Gilligan, é nesta parte da série que Walter passa dos limites, que ele se deixa
levar mais por sua presunção do que por sua necessidade. Afinal, Walter poderia muito bem
voltar a trabalhar na empresa que criou, ter plano de saúde para cuidar do seu câncer ainda
receber um bom dinheiro para manter a família. Mas o protagonista, mais uma vez, decide se
manter na ilegalidade e declina a proposta de Elliot.
[Neste momento], a história se torna sobre um egoísta, arruinado e orgulhoso
homem. É um exemplo de orgulho para ele que outros não possam sentir
pena dele ou queiram ajudá-lo. Ele perde toda credibilidade na minha cabeça
naquele ponto, mas ele se torna um personagem exponencialmente mais
interessante (GILLIGAN, 2013) 17
.
Mais tarde, no mesmo episódio, Walter recebe uma intervenção da sua família, que
quer convencê-lo de fazer o tratamento para o câncer. Em meio a uma grande discussão entre
Skyler, Marie (a esposa de Hank) e o seu cunhado, Walter larga a nós, espectadores, uma
chave essencial para o entendimento completo da série. Ele afirma:
Às vezes, sinto como se nunca fiz de verdade nenhuma das minhas próprias
escolhas. Minha vida toda parece que nunca tive voz ativa em nada. Essa
última coisa, o câncer... Só o que me resta é decidir como vou enfrentá-lo.
Aqui, vemos o Walter White que conhecemos inicialmente. Um homem sem voz,
passivo, incapaz de tomar suas próprias decisões, sempre dependente da opinião da sua
família. Entretanto, também vemos como este homem está mudando, como o câncer pareceu
ter provocado uma transformação na sua forma de encarar a vida. Walter continua:
Esses médicos, falando sobre “sobreviver”, um ano, dois anos, como se fosse
a única coisa que importasse. Que vantagem tem em sobreviver, se eu estou
doente demais pra trabalhar, pra aproveitar uma refeição, pra fazer amor?
Pelo tempo que me sobra, eu quero viver na minha própria casa. Eu quero
dormir na minha própria cama. Eu não quero engolir 30, 40 remédios todos
os dias, perder meu cabelo, e deitar por aí, cansado demais pra me levantar.
Tão enjoado que não consigo nem mexer minha cabeça. Então, esta é a
minha decisão, Skyler. Eu escolho por não fazer o tratamento.
17
It became a story of the character flaws of this egotistical, damaged and prideful man. It’s a point of pride for
him not to be pitied and helped. He loses all credibility in my mind at that point, but he becomes exponentially
more interesting as a character.
37
O dia passa e na manhã seguinte, numa belíssima cena, Walter abraça sua mulher e
aceita fazer o tratamento. Entretanto, nós espectadores, sabemos que essa decisão não é
verdadeira e que será só mais um motivo para ele mentir para sua família e para si mesmo.
Tanto que, ao final do episódio, Walter procura Jesse e pergunta: “Quer cozinhar?”.
4.1 Princípios morais de Walter White
A construção da narrativa de Breaking Bad nos insere num mundo onde todas as
coisas estão acontecendo ao mesmo tempo. Walter está com câncer: desmaia no banheiro,
tosse sangue, sofre de cansaço. Mas ele também precisa matar Krazy-8, traficante arranjado
por Jesse para vender o primeiro pacote de metanfetamina produzido por eles; e limpar todos
os resquícios desse assassinato para que o DEA não descubra. Além disso, Walter tem que
acompanhar Skyler, grávida, nas sessões de ultrassonografia, ajudar seu filho a comprar
calças, dar aula a seus alunos. É um turbilhão de acontecimentos que vão tomando forma ao
longo da primeira temporada e assim, apresentam ao espectador o histórico dos personagens –
sua personalidade, seus conceitos morais e éticos, seu comportamento. Como afirmou
Seppinwall (2013):
Ao longo de quatro temporadas e meia, Breaking Bad nos contou a história
de um homem associável – um homem inteligente, um marido e pai lidando
com pressões que tantos de nós passamos (...), forçado a fazer más escolhas
– e que consistentemente desafiava nossa vontade de perdoar os vários e
terríveis delitos, ao passo que ele se tornava mais arrogante e
inequivocamente maldoso.
Nas primeiras camadas do personagem, conseguimos perceber que Walter é uma “boa
pessoa”, como citou Ryan (2013) anteriormente. Em “And The Bag Is In The River”, Walter
está em confronto com a ideia de matar Krazy-8, e faz uma lista de prós e contras – algo
visualmente incrível, pois deixa claro que o personagem sabe discernir moralmente o que é
certo e do que é errado (Figuras 1 e 2).
38
(Figura 1)
(Figura 2)
De acordo com a análise de Sepinwall (2013), podemos observar que enquanto
estavam no deserto, Walter não hesitou um minuto para prender os Krazy-8 e Emilio dentro
do trailer e asfixiá-los com uma explosão química. Entretanto, quando se vê na iminência de
realmente matar um homem com as próprias mãos, Walter passa por uma tremenda
dificuldade, chegando a deixar o traficante por dias no galpão, alimentando-o e até
conversando com ele. Numa dessas conversas, Krazy-8, calmo e desvalido, convence Walter
a deixá-lo viver. Até o momento em que Walter percebe que o traficante guardou com um
pedaço de um prato quebrado anteriormente, e está esperando só por uma chance para matar o
39
cozinheiro. “Vertendo lágrimas, Walter asfixia Krazy-8 até a morte, e cai em joelhos
chorando e murmurando: ‘Desculpe, desculpe” (SEPPINWALL, 2013).
Na análise dos episódios, verificamos que ao longo de toda a série, circunstâncias
como estas acontecerão com frequência. A moralidade de Walter o tempo inteiro é colocada a
prova, e diversas vezes ele precisa decidir entre fazer “a coisa certa” e fazer o que ele
pretende para alcançar seu objetivo.
4.2 O começo da ascensão de Heisenberg
Em “Crazy Handful of Nothing” (S0106), começamos a perceber que a jornada de
Heisenberg está só começando, e muitas mortes, assassinatos e brutalidade virá no futuro. Ao
longo dos 47 minutos, vemos Walter sofrer cada vez mais por conta da quimioterapia, até o
ponto que ele prefere raspar o próprio cabelo a vê-lo cair aos poucos. Ao surgir com o cabelo
completamente raspado para sua família e ouvir um “badass” do seu filho, Walter também
surge como Heisenberg no escritório de Tuco, seu primeiro antagonista.
Mais cedo no episódio, Jesse e alguns de seus colegas do tráfico se encontram com
Tuco Salamanca, um traficante de alto nível, para negociar um grande pacote de
metanfetamina. A situação não fica muito favorável para Jesse, que é espancado pelo
traficante e termina no hospital. Após tomar conhecimento da situação, Walter decide ir ao
escritório/apartamento de Tuco. É aqui que vemos pela primeira vez, Heisenberg às claras. É
também a primeira vez que seu nome é mencionado (Figura 3).
(Figura 3)
40
Negociando com Tuco naquele apartamento, em algum bairro de periferia da cidade, a
figura do homem comum, passível e fragilizado que vimos antes, não se faz presente. O que
vemos é um homem racional, decidido, certo de suas atitudes e primordialmente, com
controle total da situação. Na conversa com Tuco, Heisenberg recebe ameaças e risadas. Mas
sua resposta é muito mais efetiva que qualquer intimidação (Figura 4 e 5).
(Figura 4)
(Figura 5)
Nesta parte, começo e fim da narrativa se juntam, criando uma interessante unidade –
algo muito recorrente em Breaking Bad. É igualmente fundamental observar que, além da
construção e transformação do personagem, a série torna-se excepcional por explorar estilos
41
narrativos pouco utilizados na televisão. Um dos recursos usados pela série de Vince Gilligan
são os prelúdios – cenas exibidas antes da abertura do episódio, aparentemente sem nenhuma
conexão, mas que antecipam um acontecimento que virá futuramente.
Na primeira temporada, estes prelúdios mostram os acontecimentos que vão se suceder
ao final dos episódios. Entretanto, a partir da segunda, a série coloca cenas aparentemente sem
conexão como abertura de alguns episódios, e dá pequenos bits de informação para algo que
será exibido apenas no final de toda season. O primeiro exemplo deste tipo de prelúdio
acontece em Seven Thirty-Seven (S02E01). Numa cena totalmente em preto e branco, vemos
na piscina da casa de Walter, um globo ocular de plástico flutuar. No fundo da piscina, vemos
um ursinho rosa mergulhado, com apenas um dos olhos. Eles são os únicos objetos coloridos
na cena.
Ao longo da temporada, mais cenas como estas se repetirão, nos episódios Down
(S02E04) e Over (S02E10). Mas é em ABQ (S02E13) que estes prelúdios farão sentido, se
tornando os destroços deixados por um acidente de avião que afeta toda a cidade. Tão
importantes quanto as cenas do ursinho rosa são os títulos dos episódios, que quando
colocados juntos leem: 737 Down Over ABQ, que significa o voo 737 caindo sobre
Albuquerque. Setecentos e trinta e sete é também o valor total que Walter precisa deixar para
que sua família se sustente quando ele supostamente morrer.
Neste projeto, não vamos nos aprofundar na análise de todos esses prelúdios, mas é
interessante vê-los não só como um recurso artístico, mas como uma forma de interligar os
acontecimentos da narrativa, antecipando-os e provocando uma expectativa por algum tipo de
evento grandioso que irá se suceder na série. Como afirmou Emma Dibdin (2013), “Breaking
Bad pode ser lembrado por conta do seu ritmo lento e pelo meticuloso e detalhado storytelling
de personagens, mas a série também condensou tensão melhor do que qualquer outro show
em exibição” 18
.
4.3 Heisenberg nas entrelinhas
Ainda que os episódios citados anteriores mostrem um início da transformação de
Walter White, ela não acontece apressadamente, de um episódio para o outro – do contrário,
vai se delineando ao longo das temporadas. Enquanto molda Walter como um chefão das
drogas nas ruas, a narrativa diversas vezes também coloca o personagem em situações
18
While Breaking Bad might be remembered above all for its slow-paced, meticulously detailed character
storytelling, it also did condensed tension better than just about any other show on the air.
42
vulneráveis, como nas cenas em que vemos Walter fazendo a quimioterapia ou nos momentos
que passa com a mulher e o filho. Esse tipo de construção provoca no espectador uma
dualidade de sensações e interpretações: afinal, devemos gostar de Walter por ele estar se
corrompendo para salvar sua família, ou devemos sentir repulsa por ele estar se tornando um
homem tão inescrupuloso? Em entrevista a Seppinwall (2013), Vince Gilligan afirmou que
esta era uma das reações que ele queria obter ao criar a série. Para o roteirista, a
transformação do professor de química no chefão das drogas acontece de forma progressiva,
gradual, e fica mais evidente nos momentos mais implícitos.
Para mim, esta é uma história sobre entrelinhas. São esses pequenos
momentos em Breaking Bad – o momento de transformação de um homem
bom, cumpridor da lei, num chefão do tráfico de drogas. É uma história
sobre metamorfoses, e metamorfoses na vida real acontecem lentamente.
(GILLIGAN, 2013).
Assim, ao longo da segunda temporada, vamos acompanhando como a figura do
professor amável e respeitoso do início da série vai perdendo força e se tornando cada vez
mais imperceptível. Ainda que na presença da família Walter tente demonstrar um pouco de
compaixão, seu comportamento frio e impaciente deixa pistas para que o espectador comece a
entender as mudanças comportamentais e morais que aquele personagem está passando.
Para Seitz (2013), um dos momentos mais evidentes dessa transformação de Walter
em Heisenberg acontece em “Over” (S02E10), episódio que começa com Skyler organizando
uma pequena festa para a família em casa. Quando está sentado numa mesa com Walter Jr e
Hank, Walter começa a servir doses de alguma bebida alcoólica no copo do seu filho. Quando
chega na terceira dose do filho, Hank se altera e começa uma discussão com Walter, até o
momento que o cozinheiro pragueja: “Meu filho. Minha bebida. Minha casa”. Aqui,
percebemos que nem mesmo em casa, com a família, Walter consegue ser mais o mesmo de
antes (Figura 6).
43
(Figura 6)
É também em “Over” que o câncer de Walter tem uma considerável remissão, dando-
lhe chances de ter mais anos de vida. Com a boa notícia, Walter tem uma justificativa para
sair dos negócios da metanfetamina. Porém, o impulso e o desejo de se tornar um homem
perigoso e autoritário, com controle de tudo, contagia Walter, que mesmo sem produzir a
droga, continua a se comportar como um homem autoritário e infame. “A carreira na
criminalidade de Walter começou a revelar o lado maldoso da sua personalidade, algo que na
verdade sempre esteve lá, mas era coagido pela circunstância” (SEPINWALL, 2013) 19
.
Esse lado perverso do personagem fica extremamente evidente em “Phoenix”
(S02E12), um dos episódios cruciais e mais marcantes da série. Depois de ser chantageado
por Jane, a nova namorada de Jesse, Walter vai ao apartamento do ex-aluno, entregar a
metade da quantia recebida na venda do último pacote de metanfetamina a Gus Fring. Como é
comum, o professor tenta explicar a situação a Jesse, quase como se ele fosse seu filho, mas
logo é interrompido pela namorada do garoto. Cenas mais tarde, Walter volta ao apartamento
e encontra o casal deitado na cama, drogados de heroína.
Na tentativa de acordar o seu parceiro, Walter chacoalha o corpo de Jesse e, por
acidente, o corpo de Jane fica de barriga pra cima na cama. A garota começa a engasgar no
próprio vômito e Walter, por instinto, caminha para o seu lado da cama para virá-la de volta.
19
Walt’s criminal career begins to reveal an ugly side of his personality that was, again, likely aways there, but
constrained by circumstance.
44
Em um segundo de hesitação, Walter interrompe seu movimento e deixa que Jane morra
asfixiada.
Esse é um dos momentos mais cruciais da série. A cena é completamente silenciosa, à
parte dos sons de engasgo da garota. Entretanto, mesmo na ausência de som, o expectador
consegue perceber praticamente todos os pensamentos que passam na cabeça de Walter no
momento que hesita salvar Jane. Foi ela quem ligou para o cozinheiro horas mais tarde,
ameaçando-o de denunciá-lo a polícia e aos jornais. Era ela quem estava inserindo Jesse, seu
parceiro e “sobrinho”, no vício da heroína e afastando-o de Walter cada vez mais. Mas ela era
tão nova, podia ser sua filha... Mais uma vez deixando que seus interesses pessoais
sobressaíssem, Walter hesita e assiste Jane morrer. Como observado pelo Vulture (2012):
Cometer algum crime, ou não evitar que o crime aconteça? Matar alguém
com as próprias mãos ou não fazer nada para evitar que alguém morra? Em
Breaking Bad, a resposta estranha para estas perguntas é que a falta de ação
é a pior escolha. Nós vimos Walt matar pessoas, pôr pessoas próximas em
perigo, ameaçar pessoas, e mesmo assim a overdose de Jane – na qual
Walter testemunhou, mas concretamente não a causou – foi a que nos deixou
pensando: Oh Deus, como ele pode fazer isso?20
E assim como atitudes têm suas consequências, a indeterminação de Walter em salvar
Jane também, de certa forma, provocou o acidente de avião presenciado no episódio final da
segunda temporada. O responsável por controlar o tráfego dos aviões naquele momento era,
justamente, o pai de Jane, que após receber a notícia da morte da filha, se sente
completamente atordoado e num colapso vindo das lembranças da filha, cuja morte poderia
ter sido evitada por Walter, perde o controle dos aviões e provoca a explosão.
4.4 Falsa redenção
Enquanto cria uma aproximação da realidade do tráfico de drogas mexicano, com
cenas mais elaboradas mostrando os primos mexicanos se aproximando do Novo México e
sua relação com Gus Fring (“Caballo Sin Nombre”, S03E02), Hector Salamanca se
encontrando com Gus (“I.F.T”, S03E03), entre outros momentos apresentados nos prelúdios
dos episódios, a terceira temporada de Breaking Bad volta a mostrar o lado humano de
20
Doing something bad, or not stopping something bad? Actively murdering someone, or not doing anything to
prevent someone else's death? On BB, the strange answer seems to be that the lack of action is the more
reprehensible choice. We've seen Walt kill people, endanger people, threaten people, and yet Jane's OD — which
Walt witnessed but didn't cause in any concrete way — is the one that leaves us thinking: Oh God, how could
you?
45
Walter, colocando-o como um homem arrependido, desesperado por ter perdido sua família
para o tráfico de metanfetamina.
O primeiro exemplo dessa tentativa de redenção do personagem é apresentado em “No
Más” (S03E01), quando Walter afirma para seu futuro antagonista Gus Fring, que “está
mudando de vida” e não quer mais continuar nos negócios para voltar a sua família. “Eu
venho passando por uma encruzilhada que me trouxe algumas respostas. Eu não sou um
criminoso”, revela o cozinheiro para Gus. Sabendo da necessidade de Walter pelo dinheiro,
Gus dá como contrapartida a oferta de pagá-lo com três milhões de dólares por três meses de
trabalho. Aqui, vemos a ambição de Walter aparecer nos milésimos de segundos que o
personagem fica em silêncio, encarando seu futuro chefe. Mas, ainda assim, Walter declina a
proposta e responde: “Eu tenho dinheiro. Eu tenho tanto dinheiro que não sei como gastar. O
que eu não tenho é a minha família”.
Além do chefão da metanfetamina, para mostrar que realmente quer mudar de vida,
Walter também precisa enfrentar sua mulher – que neste momento já sabe do envolvimento
do cozinheiro com o tráfico e por isso, expulsa Walter de casa e pede divórcio. Entretanto,
Walter mostra-se decidido a pedir perdão por suas atitudes e a voltar à vida com sua família.
Assim, depois de entrar escondido em casa, Walter é recepcionado por Skyler que, num
acesso de raiva, ameaça denunciá-lo para a polícia.
Para um traficante de drogas, com várias mortes, explosões e mais uma série de relatos
incriminadores, ser entregue à polícia pode ser considerado como o maior medo de Walter.
Como analisamos antes, Walter é capaz de dissolver em produto químico o corpo de uma
pessoa só para que não fiquem rastros de quem matou determinada pessoa. Porém, neste
momento, nem mesmo estes fatores influenciam Walter na sua decisão – que responde às
ameaças da mulher com um frio “vá em frente”. Ao final da cena, vemos que Skyler não tem
coragem de denunciar o próprio marido, algo também óbvio de ser percebido nesta cena.
Mesmo assim, é importante observarmos a reação de Walter à ameaça da mulher. Diferente
de situações anteriores, em que o personagem fica em completo desespero quando recebe
qualquer mínima ameaça, neste momento Walter está equilibrado, seguro do que quer, e
mostra-se como o pai mais amoroso do mundo aos policiais.
Ainda que nos convencesse da sua desistência em voltar a produzir metanfetamina, a
redenção de Walter não se prolongaria durante muito tempo. Logo em “Green Light”
(S03E04), vemos o cozinheiro mais uma vez sentir-se demasiadamente ofendido quando vê
46
que Jesse está usando sua fórmula para produzir a droga e voltar aos negócios. Novamente
conduzido por um fator pueril, Walter leva a baixo todo o lado humano construído antes e
volta a tornar-se, desta vez por completo, no egoísta e orgulhoso Heisenberg.
É no diálogo que tem com Gus Fring em “Mas” (S03E05), já no laboratório construído
pelo chefão mexicano, que vemos Walter decidir, mais uma vez, ficar no lado da
criminalidade. Mesmo contando para Gus que o envolvimento com o tráfico destruiu sua
família, a resposta de Fring convence Walter, que retorna à produção de metanfetamina, dessa
vez para bater a quota estabelecida pelo chefão mexicano (Figura 7).
(Figura 7)
Depois desse momento, Walter em nenhum momento da série irá se mostrar como o
homem afetuoso do início. Produzindo metanfetamina ou não, ele continuará se comportando
como um homem autoritário e mais tarde, se tornará por completo o criminoso ameaçador que
admitiu o nome de Heisenberg. Além disso, é na terceira temporada também que vemos a
crueldade de Walter influenciar todos os personagens adjacentes – principalmente Jesse.
Como observou Seitz (2013), “se a temporada anterior foi aquela em que grande parte da
humanidade de Walt ficou submersa dentro de Heisenberg, a terceira temporada é onde Walt
arrasta outras pessoas - incluindo Skyler, Jesse, e Hank - na escuridão moral junto com ele” 21
.
21
If the preceding season was the one in which much of Walt's humanity became submerged within Heisenberg,
season three is where Walt drags other people — including Skyler, Jesse, and Hank — into the moral murk along
with him.
47
De luto após a morte de Jane, o ex-aluno de Walter entra numa clínica de reabilitação
e lá, conhece Andrea, sua próxima namorada e coincidente a irmã mais velha do garoto de 11
anos que mais cedo na série, matou um dos drugdealer (em português, traficante) parceiro de
Jesse. O conhecimento dessa informação leva Jesse – o personagem que, segundo a análise de
Seitz (2013), “sempre teve uma fraqueza sentimental por crianças, talvez porque no fundo ele
ainda seja uma” – a tentar envenenar com ricina, os chefes que mandaram a criança atirar em
Combo. O plano não dá certo, mas Jesse termina por descobrir que esses homens eram
também contratados por Gus, que logo depois descobre da atitude de Jesse e
consequentemente envolve Walter na história. Ao final do desenrolar dos acontecimentos,
Jesse vai de encontro aos dois traficantes, para resolver o problema do jeito dele, até o
momento que Walter aparece e atropela os homens contratados por Gus, salvando a vida de
Jesse. Como observado por Seitz (2013), “(...) todos os infortúnios sofridos pelos personagens
secundários de Breaking Bad são definitivamente causados por Walter. Quando ele não
provoca dor diretamente, através da violência ou de seus esquemas, ele o faz indiretamente
via o metafísico efeito dominó” 22
.
Essa influência de Walter é percebida ao longo da série, mas em nenhum momento o
personagem desiste da sua jornada em tornar-se um homem poderoso. Depois desse
atropelamento, Walter encontra-se com Gus no deserto e aqui, vemos claramente que Walter
não se comporta como apenas um funcionário ou como alguém contratado pelo chefão
mexicano para produzir metanfetamina. Walter está decidido em vencer o jogo, em derrotar
todo e qualquer inimigo que ameace seu reinado como produtor de metanfetamina – e, mais
tarde, como chefão da metanfetamina. Na conversa com Gus, Walter fala de forma racional e
fria sobre a situação do mexicano com ele e com Jesse e por fim, dá duas opções para Gus
escolher: matá-lo naquele momento, sem testemunhas; ou esquecer tudo o que aconteceu e
deixar que Walter volte a produzir, só que dessa vez com outro parceiro. Aqui, o espectador
começa a se perguntar: quem realmente está no comando deste jogo?
4.5 Breaking Bad e a manipulação
Quanto mais se aproxima do final, mais perversa Breaking Bad vai se tornando.
Depois do encontro com Gus no deserto, Walter aceita voltar a trabalhar para o chefão
mexicano com outro assistente. É quando entra em cena Gale Boetticher, peça chave para a
22
(…) all the misfortunes suffered by Breaking Bad's supporting characters are ultimately Walt's fault. When he
doesn't cause their pain directly, through his violence or his schemes, he does it indirectly via the metaphysical
domino effect.
48
investigação de Hank, porém só mais um peão que logo, logo, será derrubado no intrincado
jogo de xadrez de Walter. Após uma sequência de fatos que parecem acontecer “por acaso”,
mas que prendem Walter, Mike e Victor no laboratório, Jesse, o coração da série, leva todo o
seu desespero à porta de Gale e aperta o gatilho.
Agora juntos no laboratório, Walter e Jesse assistem Gus paciente e silenciosamente
trocar sua roupa com todo o cuidado que um homem altamente precavido pode ter. Neste
momento, não vemos mais o homem autoritário e perverso de momentos antes. Walter tenta
explicar-se ao máximo para Gus, praticamente pede desculpas pelo ocorrido e insiste em
querer voltar a cozinhar. O chefão mexicano, entretanto, permanece em silêncio, apenas
paciente e cuidadosamente tira sua roupa e coloca a vestimenta usada no laboratório. Depois
de um longo silêncio apenas ouvindo as justificativas de Walter, Gus pega o estilete verde
(usado por Gale para abrir os materiais do laboratório, no início desse mesmo episódio) e
corta a garganta de Victor (Figura 8).
(Figura 8)
Segundo Sepinwall (2011), quando uma série é analisada por críticos como
“manipulativa”, isso geralmente significa algo negativo. Entretanto, em Breaking Bad, essa
manipulação de sentimentos provocados no expectador torna-se um fator muito positivo. E
realmente, é algo a ser observado: o que de fato sentimos quando vimos Gus cortar a garganta
de Victor na frente de Walter, Jesse e Mike? Repulsa pelo chefão? Medo por Walter e Jesse,
que agora claramente estão na mira de Gus e podem ser os próximos a terem a garganta
cortada? Ou uma espécie de excitação por ver novamente o reinado de Walter ameaçado?
49
Para Sepinwall, momentos assim fazem com que “o espectador sinta emoções que ele não
sabia que podia sentir, ou consegue discernir as emoções que o show queria provocar, mesmo
se não as sentisse” 23
.
Em entrevista ao autor, o criador da série Vince Gilligan afirmou que estas eram
reações que ele e sua equipe queriam que o espectador de fato sentisse. “Mas elas também são
reações que o show conseguiu provocar com muito trabalho, com execução e com paciência
que nos levou a entender cada um dos personagens bem o suficiente para acreditar no que eles
estão fazendo naquele momento” (SEPINWALL, 2011).
Ainda que as recorrentes situações deixem tanto espectador quanto Walter,
amedrontados, a relação do personagem com a família começa a se exaurir. A criminalidade
transformou a índole do personagem e ele não mais se comporta como o homem afetuoso que
era. Aliás, Walter agora se mostra um homem sem medo, e o mínimo de preocupação que
seus familiares possam ter, soa para ele como uma afronta. O momento mais evidente desta
transformação – agora vista de forma plena – acontece em “Cornered” (S04E06). Skyler,
esposa de Walter, a esta altura da série já sabe que Walter está envolvido no tráfico de drogas,
e por isso o tempo todo se mostra com medo de que algo pior possa acontecer. Neste
episódio, Skyler começa a insistir para que Walter fale a ela o que está acontecendo e pede
que ele “admita que está correndo perigo”. É neste momento que o homem autoritário e
ameaçador que Walter apenas admitia nas ruas, sob alcunha de Heisenberg, se apresenta para
sua esposa. Em resposta às reclamações de Skyler, Walter fala uma das citações mais icônicas
da série (Figura 9):
Com quem você está falando? Quem você pensa que vê? (...) Não,
você claramente não sabe com quem está falando, vou lhe dizer. Eu
não estou em perigo, Skyler. Eu sou o perigo. Um cara abre a porta e
leva um tiro e você pensa isso de mim? Não. Eu sou o cara que bate à
porta! 24
23
(…) it made you feel emotions it hadn't earned, or you could tell what emotions it wanted you to feel, even
though you didn't feel them 24
Who are you talking to right now? Who is it you think you see? (…) No, you clearly don't know who you're
talking to, so let me clue you in. I am not in danger, Skyler. I am the danger. A guy opens his door and gets shot
and you think that of me? No. I am the one who knocks!
50
(Figura 9)
Como observado por Seitz (2013), ao longo do tempo, percebemos que o maldoso
Heisenberg vai mergulhando na realidade de Walter, transformando-o por completo.
“Enquanto assistimos o conflito que ocorre dentro de Walter, [vemos como] o show em si
mostra o pesadelo que é a visão de mundo de Heisenberg, a sua mentalidade, sua vibração. A
mente de Heisenberg é um lugar desordenado, um mundo de crueldade e egoísmo” (SEITZ,
2013) 25
.
“End Times” (S04E12) e “Face Off” (S04E13) são episódios que embora sejam
separados, dão continuidade a história do exato momento em que a anterior finalizou – algo
marcante e constante em Breaking Bad desde sua primeira temporada. Neles, a crueldade e o
desejo de ter tudo em suas mãos propaga-se em Walter, e a sequencia de fatos deste episódio
abre espaço para que aconteça sua transformação. Quando vemos Walter sentado na piscina e
a câmera deliberadamente mostra um vaso de lírios do vale, o espectador não espera que algo
daquele nível pudesse acontecer. Mas Walter não é mais o mesmo. Agora ele parece ciente de
tudo o que provocou e será capaz de colocar Jesse Pinkman, antes chamado de “sobrinho” em
“Phoenix” (S02E11), em desespero, propositalmente, apenas como forma de efetuar seu
intrincado plano. A meta final é matar Gus, mas o caminho traçado pelo personagem ao longo
do episódio provoca no expectador uma sensação diferente dos convencionais humores e
dramas da televisão.
25
And as we watch this struggle take place within Walt, the show itself increasingly plays like a nightmarish
projection of Heisenberg's world view, his mentality, his vibe. Heisenberg's mind is a disordered place, a world
of cruelty and selfishness.
51
A narrativa se torna ainda mais interessante a partir do momento que, ao final das
contas, o esquema de Walter não dá certo, e ele novamente terá que deixar que o desespero
tome conta para resolver sua situação. Numa conversa com o advogado Sal Goodman, Walter
descobre que Gus tem um inimigo – coincidentemente, o Tio de Tuco Salamanca, que ele
conheceu no início da segunda temporada, Hector Salamanca. Depois de descoberto o asilo
que o velho estava hospedado, Walter encontra sua chance de vingança. Numa explosão
semelhante aquela apresentada em Tuco no início da série, vemos Gus ser queimado apenas
de um lado – algo que poderia ser interpretado como uma analogia a personalidade dúbia de
Walter (Figura 10).
(Figura 10)
O que vemos nas temporadas seguintes, após a morte de Gus, é um Walter White cada
vez mais ganancioso. Seu desejo e ímpeto de se tornar um homem poderoso parece dominá-lo
por completo. Envolvendo-se cada vez mais com o cartel e com assassinos profissionais,
Walter inicia um processo de produção intensa da droga, até o momento que falta um item da
receita – e eles precisam assaltar um trem para conseguir o produto. Com o plano arquitetado
perfeitamente, os personagens vão ao deserto, param o trem e conseguem roubar a metlamina.
Entretanto, nesta mesma situação, surge do nada um garoto de não mais que 12 anos. Ainda
que a recepção da criança seja cordial, sem hesitar – e seguindo as ordens dadas por Walter
minutos antes – Todd, um dos capangas arranjados por Mike, atira no garoto.
Mais uma vez, vemos Walter provocar indiretamente o acontecimento de um crime.
Mesmo que não tenha dado o tiro propriamente, a série constrói uma narrativa complexa que
52
faz com que o espectador interprete Walter como o culpado pelo assassinato da criança.
Afinal, Todd estava apenas seguindo suas ordens de que ninguém, sem exceção, pode
descobrir que eles estavam ali, roubando o trem. Sem mostrar nenhuma compaixão com a
morte do garoto, Walter encara os fatos de forma fria e calculista, em nenhum momento
deixando de mostrar seu interesse em continuar com a produção de metanfetamina. Depois do
ocorrido, Jesse Pinkman e Mike desistem de continuar no mundo da criminalidade, mas ainda
há assuntos a serem resolvidos.
Antes de se aposentar e sair em viagem, Mike leva Walter e Jesse ao deserto para se
encontrar com dois traficantes que trabalhavam para Gus. No encontro, exibido no episódio
“Say My Name” (S0507), a transformação de Walter está clara e evidente – e algo que torna o
personagem ainda mais grandioso e autoritário é o fato de ele ter assassinado Gus Fring.
Depois de um longo e demorado diálogo, Walter pede que os traficantes, literalmente, digam
o nome dele: Heisenberg. Nessa cena, vemos como o personagem se transformou – não há
aqui nenhum resquício de fragilidade ou vulnerabilidade. Na quinta temporada, Walter White
tornou-se por completo, Heisenberg.
Com sua transformação finalizada, vemos que Walter alcançou seu objetivo:
conquistou seu espaço e marcou seu nome como o novo kingpin do tráfico na fronteira,
eliminou seus inimigos e criou um império. Entretanto, ainda que tenha conseguido completar
o que planejou no início, em “Gliding Over All” (S05E08), vemos Walter entrar num estado
de indiferença plena. Ele passa pelos fatos como se realmente fosse alguém superior, mas tão
acima dos outros que sequer se incomoda em discordar, argumentar – ele apenas sabe que
todos vão fazer o que ele manda. Nesse estado, Walter volta pra casa e é encontrado por
Skyler sentado na piscina. É quando ela o convida para um depósito, que vemos o motivo de
Walter desistir de tudo e começar sua jornada ao declínio, ao fim (Figura 11).
53
(Figura 11)
Situações com outros personagens fazem com que o episódio ganhe corpo e a história
tenha continuidade – afinal, as tramas de Breaking Bad estão conectadas umas com as outras
e nem mesmo a síndrome de cleptomania de Marie parece por acaso. Nos intermeios, vemos
Walter desistir da produção de metanfetamina e voltar a sua família. Até o momento que seu
bem mais precioso – o dinheiro do depósito, agora enterrado em To’hajiilee, vai parar nas
mãos de alguém que ele jamais esperou: Hank Schradder.
É no deserto, quando o seu cunhado lhe coloca algemas e Jesse Pinkman sente prazer
em vê-lo sendo preso, que a queda de Heisenberg começa a acontecer. Primeiro, Walter vê os
capangas que ele mesmo contratou, atirar em Hank na sua frente. Nesse momento, Walter cai
no chão em desespero, quase como se pudesse sentir o peso por ter visto uma parte da sua
família – tão preciosa ao longo de toda a série – finar-se.
Porém, logo em seguida, vemos Walter denunciar Jesse para os capangas e proferir, na
frente do seu parceiro: “Eu assisti Jane morrer. Eu poderia tê-la salvo. Mas não o fiz”. É
importante percebermos que até nas cenas finais da série, Walter oscila entre o bom e o mau,
o afetuoso e o vingativo. Mas seu lado ganancioso já impera no personagem, e não permite
que ele sinta a dor da perda de Hank. Assim como cita o poema de P.B. Shelley, que inspirou
o título deste episódio, Walter tornou-se o “o rei dos reis”.
E no pedestal estão estas palavras: Meu nome é Ozymandias, Rei dos
Reis; Vejam minhas obras, poderosos, e desesperem! Nada mais resta.
Em volta, só a decadência dessa colossal destruição, crua e sem
limites. Apenas solitária areia por toda parte (Shelley, 1818).
54
4.6 Declínio e solidão
O que Breaking Bad provocou em todos nós, afinal? Sentimentos de empatia, de
justiça pelas justificativas de Walter, de medo por ver o professor se transformar na sua
personalidade maligna e criminosa, Heisenberg. A série nos colocou na pele de Jesse
Pinkman, nos acompanhou nos seus crimes, nas suas empreitadas pelo tráfico de
metanfetamina – e nos mostrou que do início ao fim, Jesse sempre foi o inocente garoto
protetor das crianças, amedrontado pela sagacidade e perversidade de Walter/Heisenberg.
Construída a passos lentos, mas de forma muito bem amarrada, o show de Vince
Gilligan definitivamente se destaca perante as diversas séries da atualidade, por uma série de
fatores abordados aqui. Entretanto, sua principal diferença é ter contado uma história sobre
escolhas. Nada teria acontecido se Walter não tivesse decidido produzir metanfetamina e
escolhido ir fundo no tráfico da droga do Novo México.
Com a jornada completa, Breaking Bad termina deixando a nós, espectadores, uma
mensagem: decisões têm consequências. Em situação de desespero, o que você seria capaz de
fazer para manter sua família protegida e sustentá-la? Você seria capaz de roubar, de
assassinar pessoas? São questionamentos como esse que tornam Breaking Bad mais do que
apenas uma história contada para a televisão, mas uma narrativa que nos faz refletir e repensar
sobre nossas atitudes perante nossas próprias vidas. O que está faltando pra ser quem você
quer ser?
Walter puxou o gatinho da criminalidade, e quanto mais se via envolvido com este
mundo, mais se sentia como o homem livre que sempre quis ser. Por mais que durante as
cinco temporadas, o professor tenha colocado sua família como objetivo principal para tudo o
que estava fazendo, a verdade é que ele estava fazendo por si mesmo. “Eu fiz por mim. Eu
gostava. Eu era bom naquilo”, confessa ele para Skyler em “Felina” (S05E16). Walter
assumiu outra personalidade, tornou-se um homem inescrupuloso, e sua transformação
terminou por afetar todas as pessoas ao seu redor. Nem mesmo seu filho, Walter Jr, sente
qualquer tipo de respeito ou afeição pelo pai. A jornada trouxe consequências imperdoáveis, e
todas as peças do jogo de Walter agora estão derrubadas, inclusive ele.
Como um anagrama para a palavra “finale” (em português: final), o último episódio de
Breaking Bad amarrou todas as pontas soltas que Walter tinha deixado após ter “condenado”
sua família por seus atos e crimes hediondos. Ainda que muitas vezes não tenha sido ele quem
55
segurou a arma e lançou o tiro, o cozinheiro provocou danos irrecuperáveis a todos que
estavam ao seu redor – mas ainda assim, precisava encontrar um jeito de entregar o que restou
do seu dinheiro à sua família. É quando vemos o personagem voltar a encontrar-se com o
casal Gretchen & Elliot e ameaçá-los, forçando-os a fazer uma doação à sua família e às
instituições daqueles que sofrem com criminosos e envolvidos no tráfico de metanfetamina.
Mesmo que a aparência mostre Walter quase como um homem derrotado, ele ainda é
brilhantemente inteligente, e por isso aproveita o momento para construir uma metralhadora
automática, instalada na mala do carro que consegue ser ativada pelo botão do alarme.
Quando vai encontrar-se com os mesmos capangas que assassinaram seu cunhado no deserto,
uma enxurrada de tiros destroça a casa e mata todas as pessoas ali presentes – exceto Walter e
Jesse. Com o rosto praticamente desfigurado e com uma aparência de quem passou anos na
prisão, Jesse ainda tenta apontar uma arma para Walter. Mas não há mais necessidade para
dramas e por mais sangue derramado. É o fim de tudo e o melhor a fazer é simplesmente
deixar Walter como está e ir embora.
No final de tudo, é só isso que resta: declínio e solidão. Walter já não pode fazer mais
nada por sua família e nem por si mesmo. O professor não pode sequer se identificar: seu
nome está em todos os lugares da imprensa, tanto que nem mesmo sob o nome de Walter
White o professor sobrevive mais. Numa cena que nos passa uma sensação de nostalgia e
melancolia, vemos o professor caminhar pelo laboratório usado por Jesse e pelos tios de Todd
para produção de metanfetamina. Em determinado momento, o cozinheiro se vê no reflexo de
um dos galões de ferro. É a última vez que ele estará em contato com aqueles equipamentos,
com aquele mundo em que ele era tão bom no que fazia. Walter White findou-se (Figura 12).
(Figura 12)
56
CONCLUSÃO
Ao final da nossa jornada dissertativa, observamos que acima de tudo, Breaking Bad é
uma série sobre personagens. Personagens estes que, a partir de suas decisões e atitudes,
também nos fazem refletir sobre nossa própria vida. Breaking Bad é mais que uma história
sobre um homem que se torna criminoso. É uma história sobre perdas, conquistas, desejos
impetuosos, ganância, vingança – ou seja, sobre vários dos dramas presentes na nossa vida. E,
mais do que tudo, a série de Vince Gilligan é sobre decisões e consequências.
Durante aproximadamente seis anos de narrativa, assistimos a história de Walter
White ser contada a passos lentos, mas nunca entediantes, do contrário. Todos os momentos
da série pareciam ter sido muito bem calculados e planejados, e nada nunca aconteceu por
acaso. Por mais que tenha sido interpretada como lenta no seu início, tudo o que aconteceu em
Breaking Bad teve uma explicação, e nenhuma ponta foi deixada solta ao final das cinco
temporadas.
É a forma como a narrativa vai se construindo ao longo dos anos, e como a história
ganha cada vez mais complexidade, que realmente faz de Breaking Bad uma série exemplar.
Em meados de 1999, The Sopranos nos mostrou que a televisão não precisa ser imediatista e
resumida – quando se trata de shows de TV. Entretanto, o que Breaking Bad trouxe de
diferente para a televisão foi exatamente a forma paciente e muito bem calculada de
desenvolver a narrativa, cuja história é baseada nas atitudes e decisões dos personagens.
Justamente essa sofisticação de personagens que inspirou a feitura deste projeto e
levou a decisão do objeto da análise: a transformação de um personagem numa narrativa
seriada. Primeiramente como fã e depois como observadora crítica, a autora teve oportunidade
de realizar este experimento com a série, e pode comprovar a hipótese de que, em meio às
produções seriadas da atualidade, Breaking Bad se destaca por apresentar como história
principal a transformação não somente de um, mas de todos os personagens participantes
daquele ambiente.
O que ficou mais claro para a autora ao final da análise, é que essa transformação não
acontece apenas com o protagonista, mas também com os personagens secundários, que
compartilhavam do mesmo ecossistema do personagem principal. É certo que ao final da
série, o protagonista está praticamente irreconhecível – comparado a quem era no início da
narrativa. Mas seu parceiro Jesse e todos os membros da sua família, tão preciosa durante
57
todo o percurso, também não eram os mesmos. Com a análise dos episódios propostos, as
descrições e percepções críticas das cenas de Breaking Bad, a autora chega à conclusão de
que a transformação do protagonista aconteceu de forma tão grandiosa, que foi capaz de
provocar mudanças cruciais em todos os personagens adjacentes da série. Narrativas como
essas não são comuns na televisão e por isso, justificaram o desenvolvimento desta análise.
Para que a autora pudesse desenvolver a análise de forma mais objetiva, sem se perder
nos pormenores e nas descrições demasiadas da série, foram escolhidos alguns determinados
episódios – que surgem nos entremeios da análise, não necessariamente seguindo uma
linearidade. Dessa forma, consideramos os principais momentos da série em que a
transformação de Walter White se faz presente, e verificamos diversos momentos de
crescimento e redenção no personagem ao longo da construção da narrativa. Como conclusão,
entendemos que desde o início a série desenvolveu a narrativa como forma de dar esse caráter
de duplicidade no personagem, novamente algo inédito na televisão norte-americana
contemporânea.
A importância do Netflix e de serviços por demanda para Breaking Bad, tópico
debatido neste projeto, também surtiu efeito na autora, que usou a ferramenta para ver e rever
os episódios selecionados, dentre outros que servissem para completar a análise. A partir do
serviço por demanda, a autora teve mais liberdade para analisar os episódios como um todo,
bem como voltar o tempo do episódio e selecionar as cenas mais necessárias para as
descrições e observações críticas presentes na monografia.
Porque Breaking Bad é uma série sobre personagens, foi essencial que este projeto
também buscasse nas constatações e avaliações de estudiosos, o significado do personagem, o
que ele é, o que representa e qual a sua importância numa narrativa ficcional. Assim, a
monografia citou autores, críticos e estudiosos de diferentes áreas, para fazer estas
observações. Protagonistas e antagonistas, heróis e anti-heróis também foram categorias
teoricamente analisadas neste projeto.
O protagonista de Breaking Bad é um anti-herói. Suas justificativas para entrar no
mundo da criminalidade são verdadeiras, quase dignas de um herói. Entretanto, suas atitudes e
seu comportamento nos comprovam o contrário, e o colocam na posição de vilão. Portanto,
como conclusão final, observamos que o personagem se diferencia dos outros
primordialmente por apresentar essa dualidade de personalidades e de caráter em si.
58
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