Tombamento Protecaodo Pratrimonino Historico a Luz Da Cf 88

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Impressão de Publicações Tombamento: Proteção do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional à luz da Constituição Federal... Tombamento: Proteção do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional à Luz da Constituição Federal, Dec.-Lei n. 25 de 30/11/37 e Lei n. 3.924 de 20/07/61. Fernanda Schimitt Bacharela em Direito pela UFSM Com o presente trabalho propõem-se breve análise sobre a restrição imposta à propriedade privada na forma de Tombamento. Despertou-nos interesse o tema em razão de ser pouco difundido e muito temido, pois repercute diretamente no direito à propriedade privada, por conseqüência, é um tema que, não explorado, gera insegurança à sociedade. Busca-se o aprofundamento do tema, sem a pretensão de esgotá-lo, através de uma perspectiva teórica, com base na doutrina e legislativa, calcado na Constituição Federal, Decreto-lei n.º 25, de 30/11/37 e Lei n.º 3.924, de 20/07/61. Sabe-se que ao Estado compete a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, pois estes refletem a identidade da nação brasileira e, por conseqüência, devem ser preservados. A Carta Maior de 1988, no art. art. 226 e incisos estabelece o que constitui o patrimônio cultural brasileiro. Art. 226. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem; I- as formas de expressão; II- os modos de criar, fazer e viver; III- as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV- as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V- os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. Menciona ainda a Constituição Federal no §1º do art. acima transcrito, que compete ao Poder Público com o auxílio da comunidade, promover e proteger o patrimônio cultural brasileiro por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, bem como acautelamento e preservação. Já o art. 1º do Decreto-lei n.º 25 estabelece o que constitui o patrimônio histórico e artístico nacional: “Constitui o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no País e cuja conservação seja do interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico. A partir desse intróito, passa-se ao desenvolvimento do tema proposto. Precipuamente, cabe relatar que a expressão Tombamento e Livro de Tombo, segundo ensinamento de Hely Lopes Meirelles, provém do Direito Português, onde a palavra tombar significava inventariar, arrolar ou inscrever nos arquivos do Reino, os quais eram guardados na Torre do Tombo. O Estado de forma extraordinária pode intervir na propriedade regulando bens (coisas ou locais) particulares ou públicos em razão da supremacia do interesse público, por conter esses bens, inestimável valor histórico e cultural. Por conseqüência do tombamento, têm-se bens privados integrando o patrimônio histórico e artístico da nação porquanto esses bens possuem inarredável valor para a sociedade, merecendo, por conseqüência, proteção do Estado. Segundo Diogenes Gasparini o tombamento nada mais é do que uma servidão administrativa, porém, com outro nome, instituída sempre que o Poder Público deseja preservar determinado bem, seja público ou particular. Afirma ainda, o renomado doutrinador, que o assunto recebe tratamento diferenciado em razão de sua relevância, mas isso não significa qualquer nova espécie de intervenção na propriedade. Considera-se patrimônio histórico e artístico nacional bens móveis ou imóveis cuja conservação seja de interesse social, por possuírem vinculação com fatos da história ou por excepcional valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico ou ambiental. Consoante art. 3º do Dec.-lei n.º25, as obras de origem estrangeiras estão excluídas do patrimônio histórico e artístico nacional. O Tombamento pode ser definido como sendo a submissão de certo bem público ou particular a um regime especial de uso, gozo, disposição ou destruição em razão de seu valor histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico. Perfaz finalidade do tombamento a proteção a própria identidade nacional, logo, o Estado intervém na propriedade privada em prol da coletividade. O órgão administrativo incumbido da atribuição de apontar bens passíveis de tombamento, proclama-os tombáveis, mas não está afastada a possibilidade de irresignação do proprietário que, visando o afastar do tombamento, socorre-se ao Poder Judiciário, valendo-se, para tanto, de meios periciais adequados, cabendo ao Juízo apreciar tão-somente a legalidade do ato administrativo, à luz da legislação pertinente. Consoante à Constituição Federal cabe a todos os entes administrativos o dever de preservação dos bens de valor histórico e cultural. Assim expressa o art.23, III, da Constituição Federal: Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: III- proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e Página 1

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Tombamento: Proteção do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional à Luz da Constituição Federal, Dec.-Lei n. 25 de30/11/37 e Lei n. 3.924 de 20/07/61. Fernanda Schimitt Bacharela em Direito pela UFSM Com o presente trabalhopropõem-se breve análise sobre a restrição imposta à propriedade privada na forma de Tombamento. Despertou-nosinteresse o tema em razão de ser pouco difundido e muito temido, pois repercute diretamente no direito à propriedadeprivada, por conseqüência, é um tema que, não explorado, gera insegurança à sociedade. Busca-se oaprofundamento do tema, sem a pretensão de esgotá-lo, através de uma perspectiva teórica, com base na doutrina e legislativa, calcado na Constituição Federal, Decreto-lei n.º 25, de 30/11/37 e Lei n.º 3.924, de 20/07/61. Sabe-se queao Estado compete a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, pois estes refletem a identidade da naçãobrasileira e, por conseqüência, devem ser preservados. A Carta Maior de 1988, no art. art. 226 e incisos estabelece oque constitui o patrimônio cultural brasileiro. Art. 226. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de naturezamaterial e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memóriados diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem; I- as formas de expressão; II- osmodos de criar, fazer e viver; III- as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV- as obras, objetos, documentos,edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V- os conjuntos urbanos e sítios devalor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. Menciona ainda aConstituição Federal no §1º do art. acima transcrito, que compete ao Poder Público com o auxílio da comunidade,promover e proteger o patrimônio cultural brasileiro por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento edesapropriação, bem como acautelamento e preservação. Já o art. 1º do Decreto-lei n.º 25 estabelece o que constituio patrimônio histórico e artístico nacional: “Constitui o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bensmóveis e imóveis existentes no País e cuja conservação seja do interesse público, quer por sua vinculação a fatosmemoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico. A partir desse intróito, passa-se ao desenvolvimento do tema proposto. Precipuamente, cabe relatar que a expressãoTombamento e Livro de Tombo, segundo ensinamento de Hely Lopes Meirelles, provém do Direito Português, onde apalavra tombar significava inventariar, arrolar ou inscrever nos arquivos do Reino, os quais eram guardados na Torre doTombo. O Estado de forma extraordinária pode intervir na propriedade regulando bens (coisas ou locais) particularesou públicos em razão da supremacia do interesse público, por conter esses bens, inestimável valor histórico e cultural. Por conseqüência do tombamento, têm-se bens privados integrando o patrimônio histórico e artístico da naçãoporquanto esses bens possuem inarredável valor para a sociedade, merecendo, por conseqüência, proteção doEstado. Segundo Diogenes Gasparini o tombamento nada mais é do que uma servidão administrativa, porém, comoutro nome, instituída sempre que o Poder Público deseja preservar determinado bem, seja público ou particular.Afirma ainda, o renomado doutrinador, que o assunto recebe tratamento diferenciado em razão de sua relevância, masisso não significa qualquer nova espécie de intervenção na propriedade. Considera-se patrimônio histórico eartístico nacional bens móveis ou imóveis cuja conservação seja de interesse social, por possuírem vinculação comfatos da história ou por excepcional valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico ou ambiental. Consoante art.3º do Dec.-lei n.º25, as obras de origem estrangeiras estão excluídas do patrimônio histórico e artístico nacional. OTombamento pode ser definido como sendo a submissão de certo bem público ou particular a um regime especial deuso, gozo, disposição ou destruição em razão de seu valor histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico. Perfazfinalidade do tombamento a proteção a própria identidade nacional, logo, o Estado intervém na propriedade privada emprol da coletividade. O órgão administrativo incumbido da atribuição de apontar bens passíveis de tombamento,proclama-os tombáveis, mas não está afastada a possibilidade de irresignação do proprietário que, visando o afastardo tombamento, socorre-se ao Poder Judiciário, valendo-se, para tanto, de meios periciais adequados, cabendo aoJuízo apreciar tão-somente a legalidade do ato administrativo, à luz da legislação pertinente. Consoante àConstituição Federal cabe a todos os entes administrativos o dever de preservação dos bens de valor histórico ecultural. Assim expressa o art.23, III, da Constituição Federal: Art. 23. É competência comum da União, dos Estados,do Distrito Federal e dos Municípios: III- proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e

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cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos; Com relação à competêncialegislativa, estabelece-se que esta é concorrente entre a União, os Estados e o Distrito Federal, cabendo à União aedição de normas gerais, as quais os Estados e o Distrito Federal deverão observar. Quanto aos Municípios, aConstituição Federal não assegurou qualquer competência legislativa, cabendo-lhes apenas “promover a proteção dopatrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual”. Por oportuno,transcreve-se os artigos referidos: Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislarconcorrentemente sobre: VII- proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico; Art. 30.Compete aos Municípios: II- suplementara legislação federal e estadual no que couber; IX- promover a proteção dopatrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual. Repisa-se que otombamento efetiva-se na Constituição Federal à luz do §1º art.216. Cabe ao Poder Público dispor sobre tombamento,coseqüentemente, qualquer entidade federada está autorizada através de órgão competente para fazer a declaraçãodo bem, pertencente à pessoa natural ou à pessoa jurídica de direito privado ou público, como sendo patrimôniohistórico-cultural, desde que respeitado o procedimento administrativo. Na esfera federal o órgão responsável pelotombo é o IPHAN- Instituto Brasileiro do Patrimônio Histórico Artístico Nacional que é uma autarquia federal que sevincula ao Ministério da Cultura. No âmbito estadual e municipal a atribuição será conferida a órgão criado para essemister. Compete à lei definir abstratamente o tombamento, mas é o ato administrativo que efetiva o tombo, o qualdeve restrita obediência ao que prevê a norma nacional , expressa no Decreto-lei n.º 25, de 30/11/37. Destarte, otombamento é procedimento administrativo, vez que não se realiza em um só ato, mas em uma sucessão de atospreparatórios, essenciais à validade do ato final que somente se efetiva após o registro do objeto tombado no Livro doTombo. Quanto ao Livro do Tombo é significativo aludir que quatro são os Livros, sendo estes: Livro do TomboArqueológico, Etnográfico e Paisagístico, Livro do Tombo Histórico, Livro do Tombo das Belas-Artes e Livro do Tombo das Artes Aplicadas, os quais estão dispostos no Dec.-lei n.º 25, art. 4º. O procedimento do tombo se encerra com oregistro do bem no Livro de Tombo, entretanto, para que os efeitos do tombamento alcancem terceiros, bem como paraque o Estado possa exercer o direito de preferência, em caso de alienação, é imprescindível a transcrição no Registrode Imóveis, averbando-se o tombamento ao lado da transcrição do domínio. Com relação ao tombamento de bensmóveis, afirma a Profª. Di Pietro que “embora a lei federal não contenha norma semelhante, deduz-se do §2º do mesmodispositivo que a transcrição deve ser feita em registro público, no caso o Registro de Títulos e Documentos”. Ressalta-se que a transcrição do tombamento no registro do imóvel não integra o procedimento administrativo, pois otombo, por conseguinte, os seus efeitos, independem da averbação na matrícula do imóvel, sendo está necessáriatão-somente para produzir efeitos a terceiros e para que o Poder Público possa exercer o direito de preferência sobre obem tombado. Em parecer da Consultoria Geral da República, aprovado por despacho presidenciável ficou decidido:“o eventual descumprimento pelo IPHAN, do dever de promover o registro dos bens particulares, definitivamentetombados, resulta em prejuízo de interesses das entidades públicas em exercer a preferência na aquisição deles eexonera o adquirente da obrigação de notificá-las. Mas, ainda assim, no plano do direito administrativo, o tombamentoproduzirá seus efeitos, facultando ao IPHAN praticar, nos limites de sua competência, os atos tendentes á vigilância eproteção dos bens “tombados”’ (in RDA120:406). Afirma Gasparini que o fundamento da atribuição de tomar é tríplice,pois é político, na medida que compete ao Poder Público exercer o imperium sobre os administrados, vez que possuiexercício sobre todos as coisas, bens e pessoas em seu território; é constitucional, por estar o tombamento previsto naLei Maior e legal em razão de existir legislação própria a amparar o tombo. Como do tombamento decorremrestrições ao direito de propriedade privada, o procedimento administrativo deverá oportunizar ao proprietário do bem odireito ao devido processo legal, com ampla defesa, na forma da lei, sendo que a desobediência as garantias previstasenseja à nulidade do procedimento a ser declarada pelo Poder Judiciário, em ação própria, na qual serão analisados,segundo expressa o Prof. Meirelles, “a legalidade dos motivos, bem como a regularidade do procedimentoadministrativo”. O tombamento pode gerar restrições individuais ou gerais. São individuais as limitações quandoatingem determinado bem, reduzindo o direito de propriedade ou impondo-lhe encargos. Já os efeitos gerais ocorremquando as limitações impostas por decorrência do tombamento atingem toda a coletividade, obrigando-a a respeitarpadrões urbanísticos ou arquitetônicos, a exemplo do tombamento de locais históricos. Faz-se necessário brevemanifestação quanto aos efeitos individuais, pois muito embora diretamente atinjam somente o proprietário do bem,reflexivamente terceiros também são atingidos, pois sofrem limitações indiretas, a exemplo de não poder construir de

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modo a sobrepor o bem tombado ou mesmo quando possuem o dever de preservá-lo. Ressalta-se que otombamento não é instrumento adequado à proteção da fauna e da flora, do que decorre o entendimento de que seutilizado tal procedimento este será indevido, pois para a proteção da fauna e da flora existem legislações próprias quesão, respectivamente, o Código Florestal e o Código de Caça. O ato administrativo que declara e registra otombamento pode ser feito de ofício, voluntário ou compulsoriamente. O tombo será de ofício quando o bem declaradode valor histórico- cultural for público, decorrendo os efeitos do tombo a partir da notificação à entidade a que o bempertence. Será voluntário quando o proprietário do bem solicita a declaração de tombamento do bem, sendo necessárioque este possua os requisitos para a declaração de interesse social, a juízo do órgão competente ou que o proprietáriono momento em que for notificado pelo órgão competente a respeito do tombamento expressar anuência, por escrito,ao procedimento e por fim, será compulsório quando o tombo é realizado por iniciativa do Poder Público ainda que nãocorresponda a vontade do proprietário (Salienta-se que o procedimento para o tombamento compulsório estáestipulado no art. 9º do Dec.-lei n.º 25). De extrema relevância é a verificação da natureza jurídica do tombamento. Muito embora exista posicionamento em contrário, o tombamento é ato discricionário, pois apesar de estar previsto naConstituição Federal quais os bens que constituem patrimônio histórico-cultural passíveis de tombamento, ao executivofoi facultado a análise do caso concreto, podendo afastar a incidência do tombo. Destarte, tem-se hipótese em que obem perfaz as exigências contidas na lei maior e na própria legislação infraconstitucional, porém, o Poder Público, deforma motivada, afasta-o do tombo, sob o fundamento de prevalência do interesse público. Nota-se então a existênciade interesses públicos conflitantes, conferindo-se ao executivo a possibilidade de escolha. Ao encontro do que semenciona, bem expressa Di Pietro: “Ocorre que o patrimônio cultural não é o único bem que compete ao Estadoproteger. Entre dois valores em conflito, a Administração terá que zelar pela conservação daquele que de forma maisintensa afete os interesses da coletividade. Essa apreciação terá que ser feita no momento da decisão, diante do casoconcreto; evidentemente, se nenhuma razão de interesse público obstar o tombamento, este deve ser feito; por issomesmo, a recusa em fazê-lo há de ser motivada, sob pena de transformar-se a discricionariedade em arbítrio queafronta a própria Constituição, na parte em que proteje os bens de interesse público”. Quanto ao tombamentoconstituir servidão administrativa ou limitação administrativa à propriedade, há expressiva divergência doutrinária,sendo que Di Pietro prefere considerar o tombamento como categoria própria, pois muito embora o tombo possuasemelhança com a limitação administrativa pelo fato de que é imposta ao proprietário em benefício do interessepúblico, dela se afasta por que no tombo há a individualização do imóvel. No comparativo com a servidão o tombo seaproxima pelo fato de que em ambos o bem é individualizado, contudo, afasta-se por que falta no tombo a principalcaracterística existente na servidão, qual seja: coisa dominante. Como já referido o tombamento decorre de umprocedimento administrativo, passemos, pois, a analisá-lo: A abertura do procedimento de tombamento decorreexclusivamente de deliberação do órgão competente, sendo que, desde o momento da declaração do tombo, com adevida notificação do proprietário, até a decisão final, o bem estará protegido, ficando sustada qualquer modificação oudestruição do mesmo. A decisão definitiva sobre o tombamento compete ao órgão que declarou a necessidade depreservação do bem, que deve, necessariamente, proferir decisão em sessenta dias. A sustação de alteração do bem,decorrência da declaração do tombo é o que se chama de tombamento provisório, “cujos efeitos são equiparados aosdo tombamento definitivo”, à exceção do registro no cartório imobiliário e ao direito de preferência reservado ao PoderPúblico, que decorrem exclusivamente da fase final do procedimento em que o bem é definitivamente tombado com ainclusão no Livro de Tombo. O desrespeito ao prazo de sessenta dias para conclusão definitiva do procedimentoadministrativo de tombamento, seja por omissão do órgão competente ou por retardamento, configura abuso de poder,sanável por intermédio do Poder Judiciário. Caso seja deferido o tombamento pelo órgão responsável- IPHAN, emâmbito federal, deverá ocorrer necessariamente a homologação pelo Ministro da Cultura. Da decisão pelotombamento definitivo caberá recurso ao Presidente da República, com previsão no Dec.-lei 3.866/41, visando orecorrente o cancelamento do registro do bem no Livro de Tombo, sendo que poderá o Presidente, de ofício, cancelar oregistro do bem tombado, sob a alegação de atender aos motivos de interesse público. Esta via recursal é muitocriticada doutrinariamente, vez que é flagrante a discricionariedade concedida ao chefe do executivo nacional, pois emmatéria histórica e artística seu juízo particular se sobrepõe a decisão do órgão competente. Di Pietro não comungada crítica acima expressa, manifestando-se contrária pelos seguintes fundamentos: “Não nos parece procedente acrítica, tendo em vista que o dispositivo só autoriza o cancelamento “por motivos de interesse público”, o que exige

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motivação, constrastável perante o Judiciário, por parte do Presidente da República. Se é verdade que a proteção dopatrimônio cultural é dever do Estado precisamente pelo seu interesse público, não é menos verdade que esseinteresse pode, em determinado momento, conflitar com outros, também relevantes e merecedores de proteção; umdeles terá que ser sacrificado, a critério da autoridade a quem a lei conferiu o poder de decisão”. Ressalta-se que orecurso ao Presidente da República só é cabível quando o órgão administrativo que decretou o tombamento for órgãofederal, no caso, o IPHAN, pois se a declaração de tombamento emanar de órgão estadual ou municipal, só caberárecurso se previsto em legislação própria, sendo que será interposto perante o chefe do executivo local, governador ouprefeito. Os efeitos produzidos ao proprietário do bem inscrito no Livro do Tombo, como também aos bens sujeitos aotombamento provisório são expressivos, pois, embora o bem permaneça no domínio e posse do proprietário, este nãopoderá em caso algum demolir, destruir ou mutilar, pintar ou reparar o bem, sem prévia autorização do Poder Público,sob pena de multa de 50 % do dano causado. No mesmo sentido restritivo ao direito de propriedade está o fato deque nula será a alienação de bens tombados que se fizer sem comunicação ao Poder Público, decorrência do direito depreferência. Igualmente limita-se a saída de bens tombados do país, condicionando-a à prévia autorização da União,Estado ou Município. As limitações ao bem tombado, como já aludido, estendem-se à vizinhança, pois esta nãopoderá construir de modo a impedir a visibilidade do bem tombado. A interpretação do alcance da expressão “reduçãode visibilidade”, está, com precisão, definida na obra do Prof. Meirelles: “redução de visibilidade é muito ampla, poisabrange não só a tirada da vista da coisa tombada como a modificação do ambiente ou da paisagem adjacente, adiferença de estilo arquitetônico e tudo o mais que contraste ou afronte a harmonia do conjunto, tirando o valor históricoou a beleza original da obra ou do sítio protegido”. Expressa o art. 18 do Dec.-lei 25, quanto as restrições aos imóveisvizinhos: Sem prévia autorização do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, não se poderá, navizinhança da coisa tombada, fazer construção que lhe impeça ou reduza a visibilidade, nem nela colocar anúncios oucartazes, sob pena de ser mandada destruir a obra ou retirar o objeto, impondo-se neste caso multa de cinqüenta porcento do valor do objeto”. Aduz a Profª. Di Pietro que as restrições aos imóveis vizinhos consistem “servidãoadministrativa em que dominante é a coisa tombada e, serviente, os prédios vizinhos. É servidão que resultaautomaticamente do ato do tombamento e impõe aos proprietários dos prédios servientes obrigação negativa de nãofazer construção que impeça ou reduza a visibilidade da coisa tombada e de não colocar cartazes ou anúncios; a esseencargo não corresponde qualquer indenização”. A Profª. menciona ainda que o art. 18, acima transcrito, muitoembora institua uma servidão não delimita o seu campo de incidência, deixando ao critério subjetivo de determinadoórgão a decisão quanto ao alcance da restrição em cada caso, gerando, em decorrência disso, flagrante insegurança,pois os vizinhos do prédio tombado não possuem certeza quanto ao alcance da limitação que surge em suapropriedade. É relevante salientar que pela existência de interesse local a competência para autorização deconstruções é municipal, já tendo ocorrido situações em que, “aprovada pela Prefeitura, vem depois a construção a serimpugnada pelo IPHAN (cf. parecer in RDA 93:379). Sugere a Profª. Di Pietro que “para assegurar a um só tempo, orespeito ao artigo 18 do Decreto-lei n.º 25 e a boa-fé de terceiros, necessária seria a adoção das seguintes medidas:fixação de critério objetivo na delimitação do conceito de vizinhança, mediante determinação da área dentro da qualqualquer construção ficaria dependendo de aprovação do IPHAN; e imposição de averbação no Registro de Imóveis daárea onerada com a servidão ou notificação às Prefeituras interessadas para que, ao conferirem licença paraconstrução, não ajam em desacordo com o IPHAN, com evidente prejuízo, ainda, para terceiros interessados naconstrução”. E, por fim, conclui a Profª. com inarredável propriedade: ‘na ausência dessas medidas, incumbe àqueleórgão exercer permanente vigilância sobre as coisas tombadas e respectiva vizinhança, cabendo responsabilidade porperdas e danos quando, por culpa sua, terceiros de boa-fé tiverem suas construções embargadas ou demolidas,embora devidamente aprovadas pela Prefeitura”. Ainda como decorrência dos efeitos do tombo, estão os deveresimputados ao IPHAN, sendo dever deste órgão executar obras de conservação do bem, quando o proprietário nãopuder fazê-lo ou tomar as providências cabíveis ao desapropriamento do bem (não adotando as medidas que lhecompete poderá o proprietário do bem requer o cancelamento do tombo); vigiar e inspecionar permanentemente ascoisas tombadas e providenciar a inscrição do tombamento na matrícula do bem imóvel tombado (do descumprimentodesse dever está a perda do direito de preferência do Poder Público na hipótese de alienação do bem). É oportunomencionar que a legislação federal, visando proteger os bens tombados prevê aos infratores, além de sançõesadministrativas, sanções penais, elencadas no art. 165 do Código Penal. A respeito dos efeitos produzidos pelo

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tombamento, é conclusivo o ensinamento expresso por Odete Medauar, elencando-os com sendo os que seguem:imodificabilidade do bem tombado, limites à alienabilidade, fiscalização do Poder Público, insuscetibilidade dedesapropriação e restrições aos imóveis vizinhos. Observa-se que os monumentos arqueológicos e pré-históricostambém estão sob a égide protetiva do Poder Público, consoante Lei n.º 3.924/61. Esta lei segundo manifestação doProf. Meirelles “além de conceituar o que seja monumento arqueológico ou pré-histórico, sujeita as escavações parafins de pesquisa em terras públicas ou particulares à permissão do Governo Federal, preserva as descobertas fortuitase proíbe a remessa para o Exterior de objetos de interesse arqueológico, pré-histórico, numismático ou artístico semlicença expressa do órgão competente, punindo os infratores por crime contra o patrimônio nacional”. Salienta ainda oaludido Prof. que “os bens tombados só podem ser desapropriados para manter-se o tombamento, jamais para outrafinalidade”. As restrições que incidem sobre o bem após a inscrição no Livro do Tombo são reflexos de que o bemtombado seja móvel ou imóvel, material ou imaterial, público ou privado passa a ser bem de interesse público. Como obem tombado permanece no domínio e na posse do proprietário, este, em regra, não terá direito à indenização, amenos que a limitação da propriedade provoque “interdição” do uso ou que o direito à indenização decorra dos efetivosprejuízos advindos com o tombo. Ressalta-se, pois, que o imóvel tombado não é adquirido pelo Poder Público. AfirmaDi Pietro que o tombamento é sempre restrição parcial, não impedindo o particular o exercício dos direitos inerentes aodomínio. Com extrema propriedade aduz Di Pietro que os direitos sobre o bem tombado não podem ser na totalidaderetirados do proprietário, por que isso fugiria a própria previsão legal, constituindo verdadeira desapropriação indireta.Por esclarecedor transcreve-se manifestação da mencionada doutrinadora: “Diante do § 1º do artigo 216, otombamento é um dos institutos que têm por objeto a tutela do patrimônio histórico e artístico nacional. O dispositivoprevê ainda a desapropriação, que será utilizada quando a restrição afeta integralmente o direito do proprietário; otombamento é sempre restrição parcial, conforme se verifica pela legislação que o disciplina; se acarretar aimpossibilidade total de exercício dos poderes inerentes ao domínio, será ilegal e implicará desapropriação indireta,dando direito à indenização integral dos prejuízos sofridos”. Neste sentido, sempre que ocorrer prejuízo aoproprietário do bem e este for economicamente avaliável, lhe assistirá direito à indenização, podendo ser, inclusive,sobre o valor total do bem, na hipótese de que o tombamento provoque o esvaziamento do valor econômico dapropriedade. É irrefutável que o tombamento encerra verdadeira restrição à propriedade privada, mas não configuraconfisco, pois visa à preservação de interesses coletivos. Diante disso, salienta-se que se o particular for “sacrificado”em benefício dos demais será cabível indenização com o intuito de reparar o prejuízo ocasionado pelo tombo. Destarte, conclui-se, pois, que, ordinariamente o tombo não gera ao Poder Público o dever de indenizar, entretanto, sehouver imposição ao proprietário de despesas extras para a conservação do bem ou quando do tombamento resultar àinterdição do uso do bem ou prejudicar sua normal utilização, florescerá ao proprietário o direito à indenização. Aindenização, restrita as hipóteses acima, poderá ser amigável ou efetivada mediante desapropriação que decorrerá porintermédio da própria entidade pública que realizar o tombo, pois é está que irá considerar a hipótese de utilidadepública do bem pela necessidade de “preservação e conservação dos monumentos histórico e artísticos”, como pelofundamento da necessidade da “ proteção de paisagens e locais particulares dotados pela Natureza”. Em decorrência da omissão do Poder Público em proceder ao tombamento poderá intervir tanto o órgão ministerial, através da açãocivil pública, como o cidadão, por meio da ação popular. Questiona a Profª. Di Pietro quanto ao cabimento da açãocivil pública ou ação popular em relação a bens não tombados, pois consoante dispõe o §1º art. 1º do Dec.-lei n.º 25, apossibilidade de propositura dessas ações só seriam cabíveis após a inscrição do bem no Livro do Tombo. Porém,adverte a Profª. pela possibilidade de ajuizamento dessas ações anteriormente ao tombo do bem, em consonância como que reflete o art. 216 da Constituição Federal quando prevê a possibilidade da existência de outras formas deacautelamento e preservação dos bens de interesse público. A este respeito conclui de forma categórica: “Além domais, a ação popular e a ação civil pública são mais úteis, como formas de proteção, precisamente em relação aosbens não tombados, porque, em relação a estes, as restrições e a fiscalização a que se sujeitam já têm por objetivodar-lhes adequada cautela”. Nestas hipóteses caberá ao Judiciário determinar que o Executivo proceda devidaproteção ao bem que se pretende declarar como de patrimônio público. Poderá ainda intervir o Poder Judiciário,anulando procedimento de tombo, quando houver omissão durante a instauração do procedimento administrativo,hipótese em que ocorre flagrante desrespeito aos princípios administrativos, como também sensível prejuízo aointeresse individual. Da sucinta análise do tema, decorre o entendimento de que mudança sensível houve no correr

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dos tempos em se tratando de propriedade, pois a propriedade privada ou pública, de intocável passou a sofrerlimitações em prevalência do interesse social, tendo o Poder Público, seja pela legalidade conferida pela Carta Maiorou através da legitimação outorgada pelos cidadãos, sido incumbido de intervir e limitar a propriedade quando estaencerra valor social relevante, por que traduz a história, os valores e o sentimento do povo brasileiro. Evolui o homemao estabelecer a intervenção do Estado na propriedade como forma de preservação da cultura do seu povo, dando-nosesperanças de que uma sociedade capitalista e extremamente materialista, ao relegar ao ente público a faculdade depreservar a sua identidade, está buscando resgatar o orgulho pela sua origem, pela sua cultura, pelo seu povo, enfim,pela sua história. E, um país que respeita e preserva os seus valores deixa de ser apenas uma nação, passando a ser “a nação”, àquela em que se tem orgulho de pertencer. BIBLIOGRAFIA MEIRELLES, Hely Lopes- DireitoAdministrativo Brasileiro- 26ª edição- Editora Malheiros, 2001; GASPARINI, Diogenes- Direito Administrativo- 6ªedição- Editora Saraiva, 2001; DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella – Direito Administrativo- 10ª edição- Editora Atlas,1999; MEDAUAR, Odete- Direito Administrativo- 3ª edição- Revista dos Tribunais, 1999; JURIS SÍNTESE n.º 24- JUL/AGO de 2000; IPHAN- Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional- Disponível em: http://www.iphan.gov.br;Acesso em 25/08/02; CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL de 05/10/88; DECRETO-LEI n.º25 de 30/11/37; LEI n.º 3.924, de 26/07/61.

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