toxicomaniaesuasfaces

14
Revista Eletrônica de Psicologia Ano IV Número 1 Edição 7 Jul./Dez. de 2010 Periodicidade Semestral Revista Científica de Psicologia Coordenação Pedagógica do Curso de Psicologia do CESMAC Maceió - Alagoas - Brasil ISSN 1981-7371 TOXICOMANIAS E SUAS FACES Jaciane Brandão E-mail: [email protected] COMO REFERENCIAR ESTE ARTIGO RESUMO A dimensão do vazio e a sensação de abandono que existe psiquicamente no sujeito, implicam numa formulação de estratégias para elucidar suas frustrações e angústias. O sujeito sente o desejo de encontrar uma solução rápida, para isto, busca tamponar com uso de substâncias tóxicas, pois esta lhe dá uma falsa ilusão de prazer, um bem estar, um alívio instantâneo que é proporcionado por algum tempo, servindo como fuga de sua própria realidade, que é o sofrimento psíquico. PALAVRAS - CHAVE: Vazio. Abandono. Toxicômano. Angústia. RESUMÉ Ce qu'il s'est rendu évident pour moi est à la dimension du vide et de l'abando laquelle existe psychiquement dans le sujet, en impliquant dans une formulation de stratégies, pour élucider Bacharela e estudante de Psicologia do CESMAC, Capacitação em Psicopatologia dos Transtornos Mentais (UNCISAL), Estudante do Núcleo de Estudos e Clínica Psicanalítica Lacaniana (NECPL) (in curso). Bacharela e estudante de Psicologia do CESMAC, Capacitação em Psicopatologia dos Transtornos Mentais (UNCISAL), Estudante do Núcleo de Estudos e Clínica Psicanalítica Lacaniana (NECPL) (in curso).

Transcript of toxicomaniaesuasfaces

Page 1: toxicomaniaesuasfaces

Revista Eletrônica

de Psicologia Ano IV Número 1

Edição 7 Jul./Dez. de 2010

Periodicidade Semestral

Revista Científica de Psicologia Coordenação Pedagógica do Curso de Psicologia do CESMAC

Maceió - Alagoas - Brasil

ISSN

1981-7371

TOXICOMANIAS E SUAS FACES

Jaciane Brandão

E-mail: [email protected]

COMO REFERENCIAR ESTE ARTIGO

RESUMO

A dimensão do vazio e a sensação de abandono que existe psiquicamente no sujeito,

implicam numa formulação de estratégias para elucidar suas frustrações e angústias. O sujeito sente o

desejo de encontrar uma solução rápida, para isto, busca tamponar com uso de substâncias tóxicas,

pois esta lhe dá uma falsa ilusão de prazer, um bem estar, um alívio instantâneo que é proporcionado

por algum tempo, servindo como fuga de sua própria realidade, que é o sofrimento psíquico.

PALAVRAS - CHAVE: Vazio. Abandono. Toxicômano. Angústia.

RESUMÉ

Ce qu'il s'est rendu évident pour moi est à la dimension du vide et de l'abando laquelle

existe psychiquement dans le sujet, en impliquant dans une formulation de stratégies, pour élucider

Bacharela e estudante de Psicologia do CESMAC, Capacitação em Psicopatologia dos Transtornos Mentais (UNCISAL), Estudante do Núcleo de Estudos e Clínica Psicanalítica Lacaniana (NECPL) (in curso).

Bacharela e estudante de Psicologia do CESMAC, Capacitação em Psicopatologia dos Transtornos Mentais (UNCISAL), Estudante do Núcleo de Estudos e Clínica Psicanalítica Lacaniana (NECPL) (in curso).

Page 2: toxicomaniaesuasfaces

ces frustrations et anguste, le sujet sent le désir de trouver une solution rapide, pour ceci, chercher

fermer avec l’utilisation des substances toxiques, donc celle-ci donne une fausse illusion de plaisir, un

bien-être, un soulage instantané qui est proportionné pendent quelque temps, agissant comme un vol

de sa propre réalité que c'est la souffrance psychique.

MOT - CLÉ : Vide. Abandon. Toxicomane. Afflige.

INTRODUÇÃO

A história relata episódios em que as substâncias estão ligadas a vários fatores que

impulsionam o homem a usar, como: as festividades e os encontros sociais e um desejo de sentir-se

bem. Os fatos históricos descritos por alguns teóricos dão uma idéia do lugar que a droga chegou a

ocupar na sociedade contemporânea, sendo uma conseqüência imediata da emergência de um novo

utilitarismo.

É importante ressaltar que, o sentimento de abandono e o vazio relatado pelos toxicômanos

se tornam um forte motivo para dar início ao uso de drogas, assim entendo que a teoria analítica vem

no papel da escuta do inconsciente do sujeito, compreendendo seu mal entendido de forma expansiva.

Atualmente o sujeito toxicômano é aquele chamado de adicto, dependente químico, viciado,

que tem uma relação compulsiva com a droga, que sente um desejo pulsional pela necessidade de

satisfazer e preencher o seu vazio, querendo a qualquer custo sentir prazer, não encontrando outra

maneira, a não ser pela droga, pois ela substitui o seu vazio e sentimento de abandono por algum

tempo.

Para a psicanálise o que é viável ao entendimento é a forma como o sujeito funciona

através do seu discurso, dentro de suas limitações do seu inconsciente, em especial aqui o

toxicômano, pois a compreensão subjetiva se dá através da sua estrutura de personalidade e da

relação prazerosa pela compulsão ao uso de droga. Os toxicômanos necessitam de uma escuta mais

apurada, uma vez que seu discurso não sai da referência pela droga. Na prática clínica o que se

percebe é a maneira que o toxicômano mantém em continuar em só falar do prazer que sente ao usar

a droga, não se sentem preparados para falar sobre suas angústias, expressam um medo em refletir

sobre seus conflitos.

Mas, diante disso, ele possa refletir sobre sua situação existencial, pois não querem tomar

uma postura de responsabilidade. A satisfação pelo uso da droga é uma distinção entre necessidade,

demanda e desejo, à mãe ou um substituto confere um sentido à necessidade orgânica, pois o

Page 3: toxicomaniaesuasfaces

toxicômano tem um sentimento de abandono, quando relata um vazio sem explicação, a satisfação

obtida pela resposta induz à repetição, e assim o sujeito investe em uma demanda pulsional.

Os toxicômanos não conseguem lidar com suas frustrações, pois existe um sentimento de

melancolia que transporta desde sua infância até a idade adulta, desestruturando todo o seu

psiquismo. O sujeito é estruturado de acordo com os papéis representativos da família, e que neste

mesmo contexto absorve tudo que lhe é ensinado e assim ficando registrado em seu inconsciente, tal

aprendizagem é mais tarde relatado como um sentimento de vazio e abandono pela maneira que foi

tratado pela família.

O fato é que os toxicômanos não conseguem lidar com suas frustrações, dominar seus

conflitos familiares e apaziguar suas angústias pela sensação de abandono para que possa ter êxito.

SOBRE O TOXICÔMANO

O que Freud escreveu sobre a cocaína, foi tido como sendo uma manifestação necessária

para que as investigações sobre a droga tivessem início, e seus estudos sobre a clínica já não fosse

isolada para os toxicômanos.

A dor do psiquismo talvez seja forte demais para determinados sujeitos, e para sanar essa

dor o sujeito constitui uma via de acesso que lhe proporcione prazer imediato, algo que seja substituto

de alguma incapacidade, como se estivesse com uma forte depressão e sentimento de fracasso. “A

depressão, como qualquer outra manifestação neurótica, rebaixa a sensação de energia e de

virilidade: a cocaína restaura”. (FREUD 1884 apud JONES 1975, p.110).

Na Psiquiatria, o diagnóstico de dependência química é dado a partir de uma tríade às

drogas que inclui:

1) a dependência psicológica ou fissura e o conseqüente comportamento compulsivo de busca pela droga, 2) a dependência fisiológica, no qual se manifestam os sintomas físicos característicos de cada substância e os sintomas de abstinência quando do desuso da droga e 3) a tolerância, que se define pela necessidade cada vez maior de drogas para a obtenção do mesmo efeito. (CAMINHA et al. 2003, p. 193).

O DSM-IV utiliza a denominação “transtorno” para designar os diferentes quadros clínicos.

No CID – 10 é chamado de “transtornos relacionados a substâncias” e os critérios que permitem

avaliar o transtorno em abuso ou dependência são:

1) Consumo contínuo, apenas de problemas sociais ou interpessoais persistentes ou recorrentes,

causados ou aumentados pelos efeitos da substância;

Page 4: toxicomaniaesuasfaces

2) Uso recorrente em situações nas quais isto representa um perigo físico;

3) Uso recorrente que resulta em negligência de obrigações no trabalho, escola ou em casa;

4) Problemas recorrentes relacionados a questões legais.

Para a Psicanálise a toxicomania apresenta-se como uma patologia determinada no

psiquismo, mas deflagrada artificialmente. “A existência de uma relação com a droga é, pois, uma

condição necessária, mas não suficiente, já que, na origem de toda toxicomania, agem fatores

psíquicos particulares”. (SANTIAGO 2001, p. 122).

O não conseguir romper com esse gozo lhe trás frustrações, pois a droga lhe serve como

moderador de um mal-estar e da infelicidade. É obvio que o que causa tranqüilidade para o sujeito

será difícil desvincular do seu pensamento, ele o tem como necessidade básica, para ele não importa

mais a comida, o que importa é tamponar um vazio existencial, psíquico, assim, a droga assume um

caráter de um objeto insubstituível, de valor absoluto.

A forma de procurar estabelecer o equilíbrio emocional se dá pela busca compulsiva do

uso abusivo da droga, e que é caracterizado como sendo uma pulsão, uma vez que a pulsão é uma

representação psíquica de uma fonte de ordens de estimulação e contínua, o toxicômano sente uma

pressão forte demais para buscar o que lhe falta, caracterizando como se fosse uma força para atingir

o que procura, de origem inconsciente e, portanto, difícil de controlar. Essa compulsão leva o sujeito a

se colocar repetitivamente em situações dolorosas. Para certos sujeitos a droga chega a princípio por

curiosidade, talvez uma curiosidade em relação a querer sentir seu efeito como forma de vivenciar a

sensação do prazer, pois seus sentimentos ainda não foram elaborados a respeito de suas angústias,

geralmente sentindo essa necessidade no início da puberdade.

Seria um bom direcionamento, se pudesse perceber por um simples semblante o que

passa interiormente no sujeito e com isso poder solucionar de forma mais eficaz o seu desejo em

relação a sua falta, ao seu vazio, pela sensação de ter sido abandonado, ou a sua angústia por não

conseguir elaborar suas frustrações.

A droga vem como uma desculpa, uma busca pelo encontro de si mesmo, capaz de

minimizar sofrimentos recalcados, tendo por necessidade acabar de vez com o que lhe incomoda e

assim sendo solução imediata.

O sujeito solicita a felicidade como fonte de princípio de prazer e que esta é caracterizada

para ele como uma influência do mundo externo, como as necessidades a serem supridas, precisando

ele de moradia, sustento, tranqüilidade, necessidade de ter algo que lhe satisfaça e preencha

justamente este vazio e essa sensação de abandono, pelo objeto que foi perdido.

Este sujeito participa de um convívio social e todos eles pensam de igual maneira, visto que

se torna mais difícil a saída das drogas, uma interminável busca pelo prazer se torna necessária, pois

Page 5: toxicomaniaesuasfaces

para ele está inserido em determinados grupos caracteriza uma necessidade que tem de não se sentir

abandonado, excluído.

Geralmente se encontram presos a situações conflitantes dentro de sua realidade e que

muitas vezes a família não compreende, portanto, acabam deteriorando seu relacionamento social e

familiar, levando assim a procurar alívio mental com o uso de drogas. Essa busca adversa traz

conseqüências oriundas que por ausência de informação e fraqueza emocional se deparam à

problemática do seu universo psíquico.

CONSTITUIÇÃO FAMILIAR

A família vem passando por modificações ao longo dos tempos. A relação afetiva familiar

vem enfrentando muitos desafios como: lidar com as ansiedades e temores frente à violência e ao

desemprego, gerando desta forma uma sociedade sempre em busca de algo, como se houvesse

necessidade em tamponar um vazio e com essa busca os componentes da família acabam por

desenvolver uma angústia.

Entre os grupos que se relaciona, a família se estabelece inicialmente pelo campo biológico,

porque existe uma corrente hereditária costurando o que é natural e sanguíneo, gerando formas de se

comunicarem verbalmente fazendo uma construção coletiva que constitui uma cultura onde influencia

o social e o psiquismo. Sendo transmissor de artifícios que faz o individuo se estruturar através de

experiências afetivas condicionadas pelo meio em que vive cuja produção se estabelece na condição

da descendência psicológica e em suas relações sociais, gerando uma informação pela compreensão

do que é família humana, tendo como objeto as circunstâncias psíquicas e certos complexos.

Para Lacan (1938, p. 11):

A família surge inicialmente como um grupo natural de indivíduos unidos por uma dupla relação biológica: a geração, que dá os componentes do grupo; as condições do meio que o desenvolvimento dos jovens postula e que mantém o grupo na medida em que os adultos geradores asseguram sua função.

É através da família que o sujeito se estrutura, sendo ele rodeado de todas as limitações, o

que lhe é dado de forma instrutiva, de como é feita a construção afetiva entre a relação familiar no

meio em que ele está inserido. De acordo com essa base é importante perceber que a criança será

apenas o adulto que lhe foi oferecido pelos ensinamentos condicionados e isso reflete na sua própria

condição de assimilar e projetar aspectos que são relevantes para a vida futura.

A imago[1] da família revoluciona a psicologia para uma possível definição do que é essa

Page 6: toxicomaniaesuasfaces

instituição. Provavelmente tudo o que é ensinado, e apresentado à criança fica registrado em seu

inconsciente e os fenômenos psíquicos acontecem de forma que se possa analisar ou justificar certos

comportamentos.

Em Romances Familiares, Freud (1909 [1908], p. 115) explica que o sujeito está

estigmatizado ao crescimento, “cujo curso de sua trajetória se encontra nas mãos da autoridade dos

pais e seu desenvolvimento se dá através de um rompimento de conhecimentos assimilados”.

Na época de Freud e na cultura atual os pais tinham a difícil tarefa de servir como exemplo

para seus filhos, estes pais se tornavam espelhos de aprendizagens. Assim as crianças em seus

primeiros anos sofriam influências negativas e ou positivas. Os pais são figuras que se tornam

símbolos como ídolos para os filhos, e que mais adiante conforme irão sendo castrados por esses

pais, os filhos tendem a vê-los como figuras cruéis, e conforme a construção de seu desenvolvimento

começam a perceber que existe algo errado nessa relação.

Então, este vínculo familiar, para a criança, é uma fase de elaborar fantasias e desejos, de

tal maneira que a criança passa a ter sentimento de raiva ou vingança e que é desenvolvido através

de suas próprias fantasias podendo comprometer o seu comportamento.

Para Freud, (1905, p. 210) “durante todo o período de latência a criança aprende a amar

outras pessoas que a ajudam em seu desamparo e satisfazem suas necessidades”, e o faz segundo o

modelo de sua relação de lactente com a ama dando continuidade a ele. Conforme essa relação dual

se pode fazer uma analogia acerca das possíveis causas relacionadas à toxicomania, que é uma

possível falha da relação mãe-bebê, da forma como foi elaborada a afetividade e de como marcou a

quebra da amamentação formando, desta maneira um sentimento de abandono que se instala no seu

psiquismo.

Ora, se a relação dual mãe-bebê está marcada pela fase da alimentação e esta sendo

fixada no psiquismo da criança de forma primordial; para a sua garantia de satisfação, entende-se que

a fase do desmame irá lhe proporcionar um trauma, gerando um vazio e a sensação de abandono por

não ter sido saciado e pela falta do prazer que a mãe, no entanto lhe proporcionava.

A expectativa da satisfação postulado por Freud como imagem do objeto externo

satisfatório - a mãe - capaz de dar um fim a tensões internas da fome, é responsável pela construção

do desejo e pela contínua busca do objeto que consiga repetir esta experiência primal.

Fica claro entender porque o sujeito toxicômano sempre busca saciar o que lhe falta,

preencher o vazio que sente, sendo uma conseqüência marcante por uma necessidade da busca por

algo perdido, a droga funciona então como um laço que une o sentimento de abandono do toxicômano

ao encontro do objeto perdido.

É justamente na criança recém nascida que este ciclo é desenvolvido, de forma primitiva na busca

Page 7: toxicomaniaesuasfaces

pelo prazer, onde este prazer está contido como forma de objeto externo - a mãe - cujo seio é a

experiência do prazer e quando este lhe é extraído há uma tendência ao sofrimento por causa de sua

origem interna devendo ser saciado, entretanto sua busca ainda é pelo externo o que traz prazer,

sendo assim um efeito do princípio da realidade que deve exercer influências sobre o desenvolvimento

futuro. “Essa satisfação surge com os sinais de maior plenitude com que possa ser preenchido o

desejo humano, por pouco que se considere a criança ligada à mama”. (LACAN, 1938, p. 25).

Fica claro compreender que a relação do externo e do interno da criança recém nascida são

vistos como influência psíquica, e que existe uma ameaça quando a criança experimenta a sensação

do desprazer, de forma que não foi saciada, sendo ponto de partida para diversos distúrbios

patológicos.

A criança busca pela saciação no seio da mãe e a proteção do pai, uma vez que a família

tem como prioridade proporcionar essa necessidade ao sujeito para a formação de sua estrutura.

A imago do seio materno domina toda a vida do homem, isto quer dizer que há uma relação

na fase que a criança está mais ligada à mãe pela necessidade inata, “a lactação”, é neste momento

que lhe é proporcionado o preenchimento, essa idealização faz com que a criança busque sempre

uma fantasia a respeito dessa relação dual.

Falar de toxicômano é falar de uma figura de gozo num sentido amplo. No aleitamento, no

abraço e na contemplação da criança, a mãe, ao mesmo tempo, recebe e satisfaz o mais primitivo de

todos os desejos.

Durante a elaboração da fantasia vem à necessidade de permanecer no gozo, cujo

pensamento evidencia atitudes que o faz apresentar fenômeno singular no interior de seu discurso

emocional, isto quer dizer que, quando a criança constrói em seu pensamento ilusões, diz respeito à

relação dual com sua mãe, pelo desejo de ser desejado por ela e mais tarde tem a sensação de ter

perdido o que lhe preenchia, no caso o seio materno, ficando a sensação da falta. E esta relação do

toxicômano com a droga é uma forma de achar o que foi perdido, então à droga serve como fonte de

alimentação desse desejo.

Na tentativa de querer elucidar um mal-estar, relacionados aos seus sentimentos mais

profundos e a sensação de abandono, evidencia sua frustração diante do seu corpo, tudo gira em

torno de si próprio, se tornando um sujeito propício a ser desequilibrado emocionalmente, como se por

um instante perdesse sua inteligência e razão quando encontra na droga o prazer de ser saciado.

A METÁFORA PATERNA E O FRACASSO DA METÁFORA PATERNA

Há uma relação de ordem metafórica entre o falo, no vértice do ternário imaginário, e o pai,

Page 8: toxicomaniaesuasfaces

no vértice do ternário simbólico. A posição do significante paterno no simbólico é fundadora da posição

do falo do plano imaginário.

A criança passa por estágios diferentes para a identificação do falo. O desejo da mãe vai

além do real e para atingir há uma intervenção dada pelo pai na ordem simbólica. A criança passa por

diversas formas de identificação, como: o fetichismo, que mantém certa relação além do desejo

materno, funciona como substituto de um falo e o travestismo onde ela se identifica com o falo

escondido sob as roupas da mãe. (MILLER, 1996).

O pai é aquele que priva a mãe do desejo do seu desejo, desempenhando um papel

fundamental para o desenvolvimento do complexo de Édipo e a criança por sua vez, aceita ou não

essa privação, se existir uma recusa há uma queda no Édipo.

Lacan (1938, p. 47):

O movimento do Édipo se opera, com efeito, através de um conflito triangular do sujeito; já vimos o jogo das tendências provenientes do desmame produzir uma formação dessa espécie; também é a mãe, objeto primeiro dessas tendências, como alimento a absorver, e mesmo como seio onde se reabsorve que se propõe inicialmente ao desejo edipiano.

Para que haja a possibilidade da castração o pai efetua a privação do falo pela mãe, na

medida em que não aceita a privação, ela mantém uma identificação com o objeto da mãe, um objeto

rival e nessa demanda de aceitar ou não, está o complexo da castração.

Parte dessa premissa, a formação do menino e da menina, ou seja, se torna essencial e

necessário a possibilidade da castração, e que o pai tem o papel fundamental nessa construção.

É importante que a mãe apóie o pai como mediador, aquele que está acima da lei dela, seja

ele quem realmente exerça a lei. Assim a criança aceita ou não o pai como aquele que priva.

Segundo Miller, (1996) para que se possa compreender o complexo de Édipo, deve-se

considerar três tempos: No primeiro tempo (a criança busca como desejo pelo desejo, é poder

satisfazer o desejo da mãe, sendo o objeto de desejo da mãe); no segundo tempo (no plano

imaginário, o pai intervém como privador da mãe. Aquele que desvincula o sujeito de sua identificação

liga-o, ao mesmo tempo, ao primeiro aparecimento da lei. O caráter decisivo do Édipo deve ser isolado

como relação, não com o pai, mas com a palavra do pai. O pai que tem o poder absoluto é aquele que

priva a mãe, no segundo tempo); e por fim no terceiro tempo, o pai pode dar a mãe o que ela deseja,

porque o possui.

Para Door (1989, p. 98), “... o advento de uma promoção estrutural no registro do desejo é,

do mesmo modo, suspenso, afundado em uma organização arcaica onde a criança permanece cativa

Page 9: toxicomaniaesuasfaces

da relação dual imaginária com a mãe”.

A relação dual entre mãe e filho acaba gerando um desejo no filho pela mãe, e que este

não é castrado pelo fracasso do pai, situação que gera sentimentos de agressividade pelo pai, dando

partida ao Édipo. A criança será colocada não apenas como um filho de sua genitora mais agora se

rivalizando com seu pai pelo amor de sua mãe, sua angústia maior é então superá-lo, pois a força do

pai concretiza uma revolta por sentir-se castrado.

Aqui houve um fracasso da ordem do pai, como se o direito paterno fosse extinto, perdendo

também seu poder de marido uma vez que a mulher sentiu a necessidade de ter uma profissão,

praticamente o controle ficou dividido, com a ausência paterna e os filhos ficaram sob as ordens da

figura maternal.

Então, conforme essa observação de Lacan é importante frisar que a relação que a criança

tem com a mãe e esta sendo seu primeiro contato como fonte de alimentação favorece o prazer.

Dessa formulação, faz compreender que o toxicômano tenha uma disposição a ir ao

alcance da sensação de preenchimento e completude no momento que ficou sem a mãe e sobre os

efeitos negativos causados pelo Édipo. Portanto, encontrando na droga uma forma de acalmar o

desejo, e de ter passado pela repressão de forma fracassada, utilizando a droga como objeto

indispensável na tentativa de desatar os nós de seus desejos, uma vez que suas fantasias da infância

não tenham sido sublimadas. Para definir no plano psicológico essa gênese da repressão, devemos

reconhecer na fantasia de castração o jogo imaginário que condiciona na mãe o objeto que a

determina.

A função do pai deve ser entendida pela presença paterna, assim como suas imposições

em relação às leis impostas. Essa relação irá quebrar a alienação que a criança tem com a mãe, onde

resulta em perdas e o que se perde é o seio materno, e assim no sujeito se estruturando como falta.

A privação que a criança sofre se dá como uma construção imaginária, onde está

assujeitada a uma falta, e que o processo da metáfora paterna esta ligada ao Édipo e quando este é

fracassado, a metáfora paterna cai.

Para que o processo da metáfora paterna possa ser tomado como uma explicação mais

completa de um inconsciente que se estruture a partir da linguagem, é preciso observar a princípio o

objeto fálico, que é uma constituição pela libido, sendo uma referência ao pai.

Então a criança tende a transformar essa experiência que para ela é negativa e

desagradável, em uma forma de substituir simbolicamente a mãe, sustentada pela metáfora do pai

através do recalque originário que aparece como um processo estruturante através da simbolização da

lei.

Sendo a metáfora paterna uma função estruturante, uma vez que é iniciadora do psiquismo

Page 10: toxicomaniaesuasfaces

do sujeito, se vier a ter falhas, há um fracasso no recalque originário, portanto a metáfora paterna não

ocorre.

TAMPONAR O VAZIO, DE QUE FORMA?

As experiências vivenciais do vazio constituem uma indiferença dos ideais do toxicômano,

um conflito psíquico que predomina no seu ego pelo objeto perdido, a mãe. A frustração mal sucedida

tem como conseqüência a sensação do vazio, de que lhe falta algo para lhe completar, o toxicômano

reivindica por sentimentos que estão perdidos, anseia por atingir a satisfação o mais breve possível,

agindo precipitadamente quando vai à busca da droga.

O recurso droga faz-se, pois, como uma ação substitutiva, no momento em que o sintoma

se mostra insuficiente como resposta para o sujeito. Sentimentos como a fragilidade e a melancolia,

produzem no toxicômano o desejo pelo objeto droga, como forma de substituir sentimentos negativos,

por querer obter uma paz imaginária, quando o toxicômano se vê sem ela, sente como se estivesse no

fundo do poço.

A droga se fixa no psiquismo do sujeito com a função de dominá-lo. O toxicômano sente-se

preso à droga como se estivesse num relacionamento amoroso, e quando se refere à droga, sua fala

sempre é colocando-a como a poderosa, que não consegue vencer, que é ela que sempre o chama,

não consegue dizer não, a droga é quem destruiu a sua vida.

Essa relação amorosa é mencionada como sendo seu destino, comparada a uma relação

sexual gerando desta maneira uma satisfação, um gozo. Não encontra forças para mudar ou deixá-la,

chegando a dizer que o gosto da droga na boca lhe traz prazer, bem estar e que é difícil deixar, porque

gosta do seu efeito; o que não gosta é quando passa o efeito, pois fica sonolento e depressivo e para

não continuar com esse sentimento busca novamente, gerando um ciclo vicioso, uma pulsão.

Então, a pulsão[2]·, é uma repetição, diz respeito à libido psíquica, cuja origem é interna

pelas necessidades do sujeito que não consegue reprimir suas angústias e usa artifícios para fugir de

situações externas, sendo uma representação endossomática que fluem continuamente.

Freud (1912. p.171 apud SANTIAGO, 2001) , “supõe que o bebedor não tem nenhuma

necessidade de mudar freqüentemente de bebida, porque se assim fizesse, logo se cansaria dessa

outra, como se fosse à mesma”. A problemática são todas as substâncias devastadoras, como a

maconha, crack, cocaína e o cigarro, entre outros.

Chega a ser uma relação estreita entre a droga e o toxicômano, já que a droga não deseja

nada dele, ele sim que é dependente dela; uma dependência necessária e constante, pois quando os

Page 11: toxicomaniaesuasfaces

sentimentos são empobrecidos, surgem com eles à necessidade de sentir o alívio imediato, sentir

prazer a qualquer custo.

Aqui a droga exerce uma função vital, que é de eliminar o trauma relacionado à falta de

maneira veloz. A droga para o toxicômano se torna remédio para seu sintoma, um efeito

phármakon[3]. O sujeito busca no mundo externo soluções que favoreçam o equilíbrio no seu mundo

interno. Ele busca um remédio como resultado de um cuidar de si próprio, substituindo em seu

psiquismo as figuras primárias de sua criação, neste caso a mãe.

A NECESSIDADE DO SUJEITO TOXICÔMANO

A busca pelo prazer no uso da droga, muitas vezes é negada pela família e subestimada

pela sociedade, uma vez que existe um preconceito muito forte acerca dos sujeitos que se drogam e

os valores da família e da sociedade não permitem tal fascínio.

A princípio a droga lhe trará momentos felizes, instantes de prazer, de preenchimento pelo

vazio e pela sensação do abandono que passa a não mais existir por alguns minutos. Segundo

Santiago (2001, p.22), “... a droga aparece como uma figura de apaziguamento e de satisfação, ou

mesmo como imagem de dissipação da dor, da tristeza ou ainda da cólera”.

À medida que o sujeito consome a droga, esta lhe proporciona uma sensação de prazer que

gera uma estimulação a compulsão e a repetição, permitindo um encontro com seu eu, pois

terminantemente se percebe com sentimentos de infelicidade e angústias. O toxicômano sente como

se fosse uma pessoa sem perspectiva de vida nenhuma, sua realidade não é mais interessante e sim

dolorosa, a não aceitação e o não conseguir confrontar com esta realidade lhe empurra a querer mais

a droga.

Encontrar um caminho direto e mais rápido para atingir o seu prazer, é achado na droga,

pela facilidade em comprar e pela rapidez em sentir as sensações que alivia seus sentimentos mais

fortes e destrutivos.

Esses produtos atualmente são comercializados nas ruas pelos traficantes, que a priori não

estão preocupados com as conseqüências que a droga causa e sim pelo poder que ela proporciona.

Sendo assim, a nossa cultura, tende a estigmatizar as pessoas que usam a droga como marginais e

pessoas anormais, pois entende que a droga leva a morte, referindo sempre a essa pergunta: como

uma pessoa normal pode usar droga?

É preciso esclarecer qual o sentido que a droga possui para o toxicômano sem que haja

preconceitos, pois os efeitos que causam são devastadores. É um caminho de ilusão mais curto para

chegar à sensação do prazer, a sensação do distanciamento de sua própria realidade; o sujeito tem

Page 12: toxicomaniaesuasfaces

um sentido de satisfação de preenchimento do vazio, uma viagem alucinatória, um sonho, no qual não

quer acordar.

O toxicômano não tem capacidade de suportar as frustrações, essas mesmas frustrações

dificultam colocar seus pensamentos em ordem e as representações verbais ficam retidas. Com esse

comportamento há um processo rápido para a intoxicação, a dependência.

Existe a princípio um bom relacionamento com a droga, trazendo alegria, felicidade, bem

estar, um prazer, um sentido como se fosse para a vida toda, ficando registrados em sua memória

todos esses sentimentos equivocados pelo toxicômano, e ele se fecha no seu mundo, não se interessa

pelo convívio social. É uma forma de regressão no seu mundo imaginário intra-uterino, saboreando o

seu prazer com a droga.

Para Santiago (2001, p. 104):

Entre as técnicas vitais que visam à felicidade e à evitação do sofrimento, figura, enfim, o uso de drogas. A especificidade desse meio de satisfação evidencia-se na sua ação sobre o próprio corpo. Ao contrário de outras técnicas vitais, esse uso caracteriza-se por um procedimento de proteção agindo no plano de aparelho da sensibilidade.

A droga começa a proporcionar fantasias, depois aparece à dura realidade da dependência,

então, os toxicômanos se sentem presos, sem ter forças para deixar o vício, comparando sua

dificuldade com a chegada no fundo do poço.

CONSIDERAÇÃO FINAL

Ao considerar a predominância da toxicomania, este momento diz respeito a lançar

manifestações sobre os estudos que se pode transcorrer para a contribuição de posteriores trabalhos,

por esse motivo, enfatizo o desafio de reconhecer o mundo interno, o conteúdo subjetivo, ao qual pode

ser explorado de forma pertinente. A importância do ato da clínica do toxicomaníaco e a notória

expressão pela compreensão de suas angústias fazem-se revelar a busca pela felicidade, pelo desejo

de sair do mal-estar, da vontade de preencher o vazio e o sentimento de abandono que lhe atormenta,

criando artifícios na maneira de articular o seu gozo.

Desta forma, é necessário admitir que esses fenômenos subjetivos postulam o

entendimento na figura da analista, aqui como terapeuta. O valor que identifica o toxicômano à droga

se torna possível a partir do entendimento da relação do vazio e o sentimento de abandono, sendo

causa de um efeito significativo que produz a necessidade do gozo, do prazer.

Page 13: toxicomaniaesuasfaces

A fragilidade que o sujeito encontra no sentido de não conseguir suportar suas angústias faz

a droga necessária como fonte simbólica e que este lhe dá um sentido pelo encontro do objeto

perdido. E para captar as formas de entrosamento que o toxicômano busca com a droga se faz

entender que o discurso do próprio sujeito irá constituir sua demanda de tratamento.

Em última análise, o efeito da vivência na transferência de uma relação entre o paciente e o

terapeuta favorece a sustentação para uma possível quebra pelo desejo da droga, o toxicômano passa

a dominar seus sentimentos de forma mais segura.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DOOR, Joel. Introdução à Leitura de Lacan: o inconsciente estruturado como linguagem. Porto Alegre: Ed. Artes Médicas, 1989. FREUD, Sigmund. Edição Standard Brasileiras das Obras Psicológicas Completas: O Mal-Estar na Civilização e Outros Escritos. Rio de Janeiro: Ed. Imago Editora, 1927 – 193. vol. XXI. ______. Edição Standard Brasileiras das Obras Psicológicas Completas: Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade. Rio de Janeiro: Ed. Imago Editora, 1905. vol. VII. ______. Edição Standard Brasileiras das Obras Psicológicas Completas: Romances Familiares, Rio de Janeiro:Ed. Imago Editora, 1909 [1908]. vol. IX. JONES, Ernest. Vida e Obra de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Ed. Jorge Zahar, 1975. LACAN, Jacques. Os Complexos Familiares na Formação do Indivíduo. Rio de Janeiro: Ed. Jorge Zahar, 1987. MILLER, Jacques – Alain. Percurso de Lacan: uma introdução. Rio de Janeiro: Ed. Jorge Zahar, 2002. ______. Seminário Inédito, Comentário da 1ª aula de 20/11/1996, O Outro não existe e seus comitês de ética, Maceió, Centro Universitário Cesmac, 2 p. mimeografado. PECHANSKY, Flávio. Encaminhamento de Pessoas Dependentes de Substâncias Psicoativas, módulo 05, Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas – SENAD, Sistema para Detecção do Uso de Substâncias Psicoativas – SUPERA, Brasília, 2008. RAPPAPORT, Clara Regina; HASSAN, Sara Helena; MOLLOY, Carmen Savorani. Psicanálise: introdução à práxis Freud e Lacan. São Paulo: Ed. EPU, 1992. ROUDINNESCO, Elisabeth. A Família em Desordem, Rio de Janeiro: Ed. Jorge Zahar, 2003. ROUDINNESCO, Elisabeth; PLON, Michel. Dicionário de Psicanálise. Rio de Janeiro: Ed. Jorge Zahar, 1998.

Page 14: toxicomaniaesuasfaces

SANTIAGO, Jésus. A Droga do Toxicômano: uma parceria cínica na era da ciência. Rio de Janeiro: Ed. Jorge Zahar, 2001.

[1] Termo derivado do latim (imago: imagem) e introduzido por Carl Gustav Jung, em 1912, para designar uma representação inconsciente através da qual um sujeito designa a imagem que tem de seus pais. (ROUDINESCO e PLON, 1998, p. 371). [2] Termo surgido na França em 1625, derivado do latim pulsio, para designar o ato de impulsionar. Empregado por Sigmund Freud a partir de 1905, definido como a carga energética que se encontra na origem da atividade motora do organismo e do funcionamento psíquico inconsciente do homem. (ROUDINESCO e PLON, 1998, p. 628). [3] O termo grego Phármakon quer dizer droga curativa, remédio, veneno, tintura. Assim encontra-se para phármakon, significados como encanto, filtro, droga, remédio, veneno, e para phármakos, outros como mágico, feiticeiro, envenenador, ou seja, aquele que pode ser imolado em expiação das faltas cometidas na cidade. (E. Boisacz. Dictionnaire etymologique de La langue grecque. SANTIAGO. 2001, P.198).

Formato Documento Eletrônico (ABNT)

BRANDÃO, Jaciane. Toxicomanias e suas faces. Pesquisa Psicológica (Online), Maceió, ano 4, n. 1, jul./dez. de 2010. Disponível em: <http://www.pesquisapsicologica.pro.br>. Acesso em: [--/--/----].

Ψ

Correspondência para:

Coordenação do Curso de Psicologia Faculdade de Ciências Humanas - FCH/CESMAC

Rua Íris Alagoense, 437 - Farol Maceió - Alagoas CEP 57021-370

E-Mail: [email protected]

Voltar ao topo

Desenvolvedor: Prof. José Batista da Rocha

© Copyright - Coordenação Pedagógica do Curso de Psicologia do CESMAC - Todos os direitos

reservados ® Registro no Centro Brasileiro do ISSN - IBICT