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ANA LAURA DA SILVA TEIXEIRA TRABALHO COMO PRINCÍPIO EDUCATIVO: A HISTÓRIA DO DEBATE NO CONTEXTO BRASILEIRO CAMPINAS 2015

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ANA LAURA DA SILVA TEIXEIRA

TRABALHO COMO PRINCÍPIO EDUCATIVO:

A HISTÓRIA DO DEBATE NO CONTEXTO BRASILEIRO

CAMPINAS

2015

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CAMPINAS

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RESUMO

O presente estudo tem como objetivo trazer a conhecimento os debates realizados em torno do

conceito do trabalho como princípio educativo, sendo esse um construto teórico elaborado por

Gramsci, e que vemos também em Saviani grandes apropriações. Para tanto, realizamos uma

exposição das bases materiais brasileiras, em um recorte histórico feito da década de 1980 até

os dias atuais, escolhido, devido ao fato do debate ter se iniciado nessa época, e ao longo da

história ter se apresentado ora com maior, ora com menor visibilidade. Também explanamos

sobre como se configura a educação nesse período, para que possamos entender em que

contexto se dá a elaboração desses trabalhos. Como referencial metodológico, utilizamos o

materialismo histórico dialético, por entender que, as condições materiais traçadas ao longo da

história em nosso país nos permitem compreender as causas desse debate. O objetivo central é

mostrar como se deu a trajetória desses aspectos em território nacional, mencionando alguns

dos expressivos pensadores acerca do tema, entre eles: Paulo Sergio Tumolo, Sérgio Lessa,

Ademir Quintilio Lazarini, Daniel Rodrigues e João Batista Zanardini. O debate tem como

contexto de surgimento a década de 1980 após a ditadura militar, emergindo diante dos meios

de veiculação das ideias pedagógicas, sendo que, nesse período não houve um debate

propriamente dito, em que se confrontassem essas ideias, configurando-se assim, como um

período de elaboração dessas ideias contra-hegemônicas. Conclui-se que, a partir da década de

1990, até os dias atuais, analisamos um contexto de profunda crise nas políticas públicas

brasileiras, com o fracasso do socialismo real e a adesão brasileira aos ditames neoliberais, e a

isso atribuímos o arrefecimento da discussão em torno do trabalho como princípio educativo,

bem como o surgimento de algumas críticas que a ele se referem. Entretanto, essas críticas não

propõem soluções práticas, de maneira que a classe trabalhadora possa se instrumentalizar

mediante a aquisição e apropriação de um conhecimento sistematizado diferente daquele que

tem sido transmitido pela escola formal. Até o presente momento essas críticas parecem que

têm fomentado apenas publicações no meio acadêmico, pouco contribuindo para uma

educação de qualidade a serviço da transformação social.

Palavras-chave: Princípio educativo; Debate; História da Educação

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ABSTRACT

This study aims to bring knowledge to the discussions around the concept of work as an

educational principle, making a theoretical construct elaborated by Gramsci, and that we also

see in Saviani large appropriations. To this end, we held an exhibition of Brazilian material

bases on a historical portrait done of the 1980s to the present day, chosen due to the fact of

having begun debate at that time, and throughout history have presented here more, now less

visible. Also expounded on how to configure education in this period, for us to understand in

what context gives himself to the preparation of these works. As methodological framework,

we will use the dialectical historical materialism, understanding that the material conditions

traced throughout history in our country allow us to understand the causes of this debate. The

main objective is to show how was the trajectory of these aspects in the country, mentioning

some of the significant thinkers on the subject, among them: Paulo Sergio Tumolo, Sergio

Lessa, Ademir Quintilio Lazarini, Daniel Rodrigues and João Batista Zanardini. The debate

has as contexto of outset the 1980s after the military dictatorship, emerging on the means of

disclosure of the pedagogical ideas, and in this period there was no proper debate in which

confront these ideas, and has thus, as a period of elaboration these counter-hegemonic ideas. It

is concluded that , from the 1990s to the present day, we analyse the context of deep crisis in

Brazilian public policies, with the failure of socialism and the Brazilian adherence to the

neoliberal dictates, and this we attribute the cooling the discussion around work as an

educational principle, as well as the emergence of some criticism that refer to it. However,

these criticisms do not propose practical solutions so that the working class can if

instrumentalize by acquisition and appropriation of a different systematic knowledge than has

been transmitted by the formal school. Up to now those criticisms seem to have fostered only

publications in the academia, little contributing to quality education at service of social

transformation.

Keywords: educational principle; debate; History of Education

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SUMÁRIO

Introdução ............................................................................................................................ 17

Perspectiva teórico-metodológica do estudo ....................................................................... 19

O mundo do trabalho no século XX e sua influencia na sociedade ................................... 24

A influencia do mundo do trabalho na Educação ............................................................... 36

Capítulo 1 – Conceito de trabalho e de trabalho como principio educativo ...................... 40

1.1. O trabalho: identidade do homem e fragmentação do homem .................................... 40

1.2. Trabalho enquanto formador de mais-valia ................................................................. 45

1.3. O trabalho como princípio educativo .......................................................................... 47

1.4. Algumas aproximações com Dermeval Saviani ........................................ .. ................60

Capítulo 2 – O promissor ideário pedagógico da década de 1980 ..................................... 66

2.1. Condições materiais brasileiras da década de 1980, década da esperança.................... 66

2.2. Período de grande elaboração no âmbito educacional ................................................. 77

2.3. O trabalho como princípio educativo: o início da discussão no Brasil ....................... 85

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Capítulo 3 – O quadro educacional da década de 1990 e o debate do trabalho como principio

educativo ............................................................................................................................. 96

3.1. Década de 1990 aos dias atuais, a força do projeto neoliberal .................................... 96

3.2. A educação na década de 1990: mudanças ou descontinuidades .............................. 100

3.3. A negação do trabalho como princípio educativo advinda do dogmatismo da teoria

marxiana e um posicionamento político ............................................................................ 107

Conclusão ......................................................................................................................... 119

Referencias Bibliográficas ................................................................................................ 124

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Ao meu esposo Alessandro, que em tudo se faz presente

de maneira ímpar e por dividir comigo suas preocupações

e anseios quanto à educação.

À minha mãe Cleonice, grande educadora,

e companheira da vida inteira.

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AGRADECIMENTOS

À Deus, por ter Nele alguém que está comigo em todos os momentos;

Aos colegas desta Faculdade que no convívio contribuíram para minha formação;

À minha orientadora, Olinda Maria Noronha;

Aos professores que compõe a banca, por aceitarem o convite e disponibilizarem seu

tempo;

E a todos que de maneira direta ou indireta fizeram parte de mais esse processo de

formação.

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INTRODUÇÃO

O presente texto tem como objetivo evidenciar as discussões realizadas em torno à

temática do trabalho como princípio educativo, pensamento este elaborado por Gramsci.

Assim, traremos à baila o conceito de trabalho cunhado por Marx, entendendo este elemento

como uma categoria sociológica central, bem como as contribuições de Gramsci, tratando o

trabalho como norteador do ato educativo. Posteriormente, serão explicitadas as ideias

pedagógicas elaboradas por Saviani – a pedagogia histórico-crítica –, considerando a

inspiração de seu construto teórico, sob a luz do referencial marxista e gramsciano,

consubstanciado na pedagogia histórico-crítica.

A emergência dessas ideias pedagógicas no Brasil data na década de 1980 e, nesse

sentido, os questionamentos que nos fazemos aqui são: em que contexto sociopolítico e

econômico esse debate surgiu no Brasil? Qual a realidade que proporcionou o surgimento

dessas ideias? Sabe-se que, posteriormente, na década de 90, essa temática foi posta de lado;

todavia, algumas críticas à pedagogia histórico-crítica surgiram feitas por pessoas inseridas no

mesmo referencial marxista, entre autores como Paulo Tumolo, Sérgio Lessa e Ademir

Quintilio Lazarini. Nesse momento, tentamos entender, da mesma maneira, o que fez com que

essa temática não continuasse a ser levada em conta e o que fez com que surgissem essas

críticas.

Tentando responder a esses questionamentos, utilizaremos o materialismo histórico

dialético, considerando-o como o método mais adequado para encontrar tais respostas, pois, de

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acordo com esse método de pesquisa, entende-se que cada momento histórico dá origem a

uma forma de pensamento, na intenção de sanar os problemas da referida época. Em outras

palavras, a realidade, situação vivenciada pelo ser, determina o seu pensamento, ou seja, as

relações sociais estabelecidas pelo trabalho, a forma com que a sociedade é organizada,

influenciam nas experiências que homem vivencia e, por sua vez, determinam o seu

pensamento. Fica claro, dessa maneira, que as bases econômicas sociais e políticas, que

permeiam a vida do ser, são a base do entendimento de seu pensamento, todavia veremos

como se estabelece essa relação, mais adiante quando tratarmos a respeito do método. Como

disseram Marx e Engels, na obra “A ideologia alemã” (2001):

A produção das ideias, das representações e da consciência, a princípio, direta e

intimamente ligada à atividade material e ao comércio material dos homens; ela é a

linguagem da vida. As representações, o pensamento, o intelectual dos homens

aparecem aqui ainda como a emanação direta de seu comportamento material

(MARX; ENGELS, 2001, p. 18.).

Por conseguinte, na introdução, trabalharemos com as questões das mudanças no

mundo do trabalho e os principais conceitos que permeiam essas mudanças.

No capítulo I, traremos à baila a importância dos estudos historiográficos, entendendo

que, assim, podemos encontrar respostas para nossas questões. Posteriormente, realizaremos

um breve sobrevoo acerca da história brasileira, desde a década de 1980 até os dias atuais.

Essa delimitação se dá devido à compreensão de que o debate do trabalho como princípio

educativo se efetivou de maneira mais expressiva em território nacional no início dessa

década.

No segundo capítulo, relataremos como se configurou a educação brasileira na década

de 1980 e como se chegou ao debate a respeito do trabalho como princípio educativo. A

exposição se dará dessa forma com a intenção de deixar claro qual era a realidade educacional

e a que esse debate veio se contrapor.

Com a mesma intenção, no terceiro capítulo, apresentaremos a realidade educacional

da década de 1990 até os dias atuais e, posteriormente, a disputa a respeito do trabalho como

princípio educativo. E, finalmente, como meta última, traremos alguns apontamentos para a

conclusão.

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Este trabalho busca tornar conhecido todo o contexto de emergência das ideias

pedagógicas, e mostrar ao leitor que cada momento histórico vem acompanhado por conceitos

que correspondem às bases concretas. Diante disso, queremos esclarecer que, em meio à

situação caótica em que vivemos, as ideias pedagógicas voltam a se apresentar com maior

intensidade. Quer dizer, devido à situação problemática de precarização do ensino, emerge a

necessidade de resolver esse problema, o que por sua vez promove no campo das ideias

pedagógicas a procura de uma alternativa para a educação brasileira.

Temos como destaque e foco de estudo os pensamentos educacionais, que têm como

finalidade servir de mediadores no processo de transformação da sociedade. Portanto, assim se

justifica a necessidade deste trabalho, reconhecendo a educação como um dos elementos a

compor a luta contra o capital, visando uma nova forma de sociedade que não esta, tão

desigual.

Perspectiva teórico-metodológica do estudo

Este trabalho é envolto por uma perspectiva crítico-dialética e, a seguir, tentaremos

elucidar como funciona tal abordagem. Entende-se aqui que essa perspectiva não é apenas o

método de conduzir uma pesquisa, mas também diz respeito a uma postura, a um modo de

perceber o mundo, e não poderia deixar de ser uma maneira de atuar sobre ele (GAMBOA,

2000). A partir disso, é importante responder a perguntas como: como surgiu esse método?

Quem são seus principais pensadores?

Consideram-se indissociáveis os nomes de Karl Marx e de Friedrich Engels, do termo

crítico-dialético, pois foi por meio destes autores que o conceito atingiu um nível mais elevado

de elaboração. Todavia, segundo Frigotto (2000), é necessário também considerar que, apesar

da grande referência desses dois teóricos, eles não foram os primeiros a mencionar tal ideia,

pois há filósofos que os antecedem que já tratavam da dialética, os quais deram contribuições

ímpares para o desenvolvimento da teoria. Alguns nomes relevantes são Zenon de Élea,

Sócrates, Heráclito de Éfeso e, os mais clássicos tratados nessa temática, Hegel e Feuerbach.

Julgamos de grande valia realizar uma breve retomada às ideias de Hegel e Feuerbach,

para que possamos ter uma melhor compreensão da dialética de Marx. Primariamente, cabe

ressaltar que Marx teve sua formação filosófica de acordo com as concepções de Hegel, sendo

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que este investia contra a religião que era vinculada ao Estado. Segundo ele, a grande

dualidade existente na humanidade era justamente entre a religião e o homem. Essa religião

causaria o estranhamento do homem sobre si mesmo e, desse modo, com a religião, o homem

acredita que suas condições não dependem dele mesmo e de suas ações, mas sim de algo

externo a ele. Contudo, contraditoriamente, Hegel entendia que o pensamento exercia

influência sobre todas as coisas e que, por intermédio desse pensamento, as coisas se

tornariam reais (MARX; ENGELS, 2001).

O ser só se constitui como tal através da abstração e o pensar de si sobre si, como se

pudesse afastar-se de si mesmo, ter uma distância metodológica, para analisar a si próprio.

Quer dizer que o indivíduo nada mais é do que sua própria consciência. Para o filósofo em

questão, essa é a essência do homem, concebendo qualquer outra prática como algo à parte do

ser.

A crítica de Marx e Engels (2001) quanto a Hegel é que não há maneiras de entender o

homem sem suas condições concretas, pois é preciso considerar o mundo em que esse homem

está inserido, entendendo-o como ser natural, vivo, dotado de forças vitais e ativas.

Feuerbach também teve contribuições relevantes e, da mesma maneira que Marx e Engels

assimilaram e foram além de Hegel, assim o fizeram também com Feuerbach. Este último

contribuiu no sentido de elucidar a ideia de que, durante todo o percurso histórico, os homens

dependem uns dos outros. Ele ainda traz à baila o raciocínio de que o que o homem produz

contém a sua essência e, nesse sentido, ao despender força de trabalho para produzir um

objeto, o objeto passa a conter em si a força desse homem (GORENDER, 2001).

Em 1847, Marx e Engels ingressam na organização revolucionária, a Liga dos Justos.

Na condição de intelectuais orgânicos, passaram a elaborar uma teoria que fosse ao encontro

dos interesses da classe operária. Isso quer dizer que não foi algo meramente relacionado ao

campo intelectual, mas à prática social e política (GORENDER, 2001.).

A partir da crítica que se faz à dialética hegeliana, há a elaboração da dialética

materialista e, com a valorização da concepção da história, superou-se o socialismo utópico.

Joseph Fontana (1982, apud. GORENDER, 2001) destaca que o materialismo histórico de

Marx e Engels não é uma mistura de conceitos, mas uma concepção completamente nova da

sociedade e de uma nova forma de luta social.

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O marxismo não se limitou a analisar as contradições decorrentes de cada fase do

desenvolvimento histórico moderno, mas também a organizar a classe operária em

força política para dar uma solução progressiva, isto é, revolucionária, a essas

contradições. (COGGIOLA, 1996, p. 124)

A premissa de que se parte toda história do homem é a existência de seres humanos

vivos, e essa é a base principal sobre a qual se edifica o materialismo histórico. Os seres

humanos são determinados pelo modo como vivem e pela maneira como produzem a sua

existência (MARX; ENGELS, 2001).

Portanto, a dialética é um método de pesquisa que explica a dicotomia da sociedade.

Trata-se de uma teoria, uma maneira de atuar, pensar e de conceber o mundo. Consegue,

assim, chegar à raiz dos fenômenos sociais, propondo mudanças e estratégias para efetivar

essa mudança.

Sua postura marcadamente crítica expressa à pretensão de desvendar, mais que o

“conflito das interpretações”, o conflito dos interesses. Essas pesquisas manifestam

um “interesse transformador” das situações ou fenômenos estudados, resgatando sua

dimensão sempre histórica e desvendando suas possibilidades de mudança

(GAMBOA, 2000, p. 96, grifos do autor).

O que torna válido esse referencial é o fato de que ele faz uma crítica ao capitalismo e,

como este ainda está em vigor, não tendo desaparecido seu alvo de estudo e crítica, o

referencial se mostra capaz de propiciar análises e trazer algumas respostas a essa realidade.

Na década de 1990, por sua vez, temos o surgimento do pós-modernismo. Pelo lugar

que ocupa no campo educacional, é relevante detectarmos as bases materiais e históricas sobre

as quais surgiu esse referencial. Consideramos que só o marxismo pode nos remeter à

apreensão desse contexto, pois é sobre as novas formas de relação do capitalismo que surge o

pensamento pós-moderno.

Ao assumir o materialismo histórico como capaz de explicar a realidade na sua forma

mais radical, não desconhecemos a existência de outros referenciais, que, aliás, são abordados

na maior parte dos estudos (GAMBOA, 2000).

Alguns métodos de pesquisa veem a necessidade de separar a pesquisa da crítica, como

se a pesquisa fosse acrítica e não carregasse uma ideologia em si. Esse não é o intuito da

dialética, pois, para ela, nada é neutro, nada pode ser tratado sem conter uma posição em si.

Ela tem o interesse de transformar o que está sendo estudado, além de explicitar as relações

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antagônicas que permeiam os fatos. Para que ocorra tal transformação, propõe-se a prática,

tendo como base a concepção do homem como agente transformador da história.

A ânsia por uma compreensão dos fenômenos educacionais é que instiga as pesquisas

de método dialético. Assim, para algo ser considerado materialista-histórico, tem que abranger

a totalidade, ir das partes ao todo e, enquanto práxis, buscar a transformação. A dialética

materialista se fundamenta na concepção de que as ideias são aparências do que se passa no

exterior, ou seja, na sociedade (FRIGOTTO, 2000).

Marx (2004) faz distinção entre a investigação e exposição. Investigação é o momento

de colher dados a respeito do fenômeno, da realidade como um todo e de suas múltiplas

dimensões, enquanto que a exposição é uma organização lógica e coerente da temática

estudada. E todo esse estudo mostra seu valor quando se refere a uma prática que transforme a

realidade abordada, fazendo a junção entre teoria e prática, ou seja, a práxis – tendo, para a

teoria dialética, a prática como o ponto de partida do conhecimento.

A teoria materialista histórica sustenta que o conhecimento efetivamente se dá na e

pela práxis. A práxis expressa, justamente, a unidade indissolúvel de duas dimensões

distintas, diversas no processo de conhecimento: a teoria e a ação. A reflexão teórica

sobre a realidade não é uma reflexão diletante, mas uma reflexão em função da ação

para transformar (FRIGOTTO, 2000. p. 81).

Por tal pressuposto, a estratégia que adotamos para a elaboração deste trabalho é a

revisão da literatura, pois se faz necessária a retomada dos principais pontos do objeto de

estudo para que possamos avançar na aquisição do conhecimento, no intuito de balizar uma

prática transformadora.

Construir conhecimento se torna ainda mais difícil na medida em que o objeto de

estudo são os processos históricos, sendo esses considerados em sua totalidade, e não como

fatos a serem analisados isoladamente. Para atingir tal objetivo, o historiador deve trabalhar

com um método que priorize as conexões estruturais e que leve em conta a totalidade do fato

que se quer apreender.

Vale também ressaltar aqui que o estudo científico só tem sentido se estiver

relacionado com a construção do conhecimento. Assim, utilizar um método de investigação

em qualquer pesquisa, sem maiores considerações, pode conduzir a mera especulação e

abstração. Isso porque o método a ser utilizado e as indagações dessa investigação que será

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estudada são construídos simultaneamente, ou seja, no momento em que se está apreendendo a

realidade concreta (NORONHA, 2002).

Tendo dito isso, é necessário pensar em uma metodologia rigorosa que possa

problematizar a realidade, levando em conta sua totalidade, todavia, sem se perder nela, e que

também leve em conta a particularidade, sem se ater apenas nesta, que possa nos guiar à

apreensão das conexões estabelecidas pelo objeto de estudo, bem como de seus conceitos

básicos.

Isso, por sua vez, acaba por desenvolver no pesquisador uma perspectiva diferente da

abordagem evolucionista ou linear. E, entre tantos acontecimentos históricos, é necessário

selecionar aqueles que se destacam por sua determinação na história. A princípio, esse fato

pode parecer simples; todavia, é fruto de um complexo de relações históricas, que podem ser

separados com a finalidade de uma investigação rigorosa.

Sendo assim, nesse processo de construção do conhecimento, podemos identificar três

momentos: primeiro, a teoria procura representar o real problematizado de maneira provisória.

Essa realidade problematizada, por sua vez, influencia a teoria, de modo que possa ser

repensada e reformulada. No segundo momento, há a seleção dos fatos, que passam por um

filtro de acordo com a teoria, e esta teoria permite ver elementos que antes estavam

formulados de maneira desordenada. O terceiro momento é aquele no qual o conhecimento

será realmente construído, elaborando uma síntese, encaminhada para a exposição

(NORONHA, 2002).

É necessário recordar que a realidade histórica é complexa e que a intenção é romper

com essa visão linear e evolucionista que se tem colocado, pois, de acordo com esta, a história

segue uma linha de acontecimentos evolutivos, e os acontecimentos vindouros podem ser

previstos de acordo com a trajetória que já vinham traçando. Temos que considerar que existe,

sim, a possibilidade de inovação, da percepção de movimentos criativos e revolucionários na

história. Uma das tendências que está deteriorando este conceito de história, de luta de classes,

de identidade de classes, e outros mais é a pós-modernidade.

Os fenômenos históricos devem passar por um processo de trabalho detido sobre as

testemunhas históricas, no qual as fontes documentais assumem papel de suma importância no

que diz respeito à construção do conhecimento.

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Outro aspecto ao qual devemos nos atentar é a relação que se faz entre história e

historiografia. Em uma visão positivista, a historiografia é tratada como o estudo de dados

fossilizados, no qual o pesquisador apenas contempla a explicação do fato, e isso causa uma

distância entre o sujeito, que é o pesquisador, e o objeto do conhecimento, o fato. Trata-se de

um aspecto congruente com esta ideia, de que a história já está posta de maneira pronta e

acabada, imutável, e que o conhecimento acerca dessa história não é construído, mas apenas

verificado por um pesquisador de igual maneira, imóvel.

O mundo do trabalho no século XX e sua influência na sociedade

A princípio, faz-se necessário mencionar que os modos de produção estão intimamente

relacionados ao desenvolvimento da sociedade e com a vida dos indivíduos em suas

singularidades. Portanto, a cada modo de produção diferente, existe também uma maneira

diversa de organizar a sociedade, no que tange à política, economia, educação, cultura, entre

outros. Sendo assim, é de suma importância analisar o modo e os meios de produção, para que

possamos entender de fato o percurso da educação e os demais elementos sociais que a

influenciam.

Mais detidamente, o trabalho é um processo em que ocorrem simultâneas

transformações, uma vez que, à medida que o homem, por meio de suas ações, modifica a

natureza, ele também é modificado por ela, em um movimento dialético. E esse trabalho não

se dá mediante o instinto do homem, mas é uma ação planejada, anteriormente idealizada, com

um objetivo. Como podemos ver na célebre citação de Marx, no capítulo V de sua obra magna

“O Capital”,

Antes de tudo, o trabalho é um processo entre o homem e a natureza, um processo

em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo

com a natureza. Ele mesmo se defronta com a matéria natural como uma força

natural. Ele põe em movimento as forças naturais pertencentes à sua corporalidade,

braços e pernas, cabeça e mão, a fim de apropriar-se da matéria natural numa forma

útil para sua própria vida (MARX, 1996, p. 297).

O trabalho, ao longo da história, perdeu esse conceito humanizador e passou a adquirir

novos contornos, que o tornam penoso, alienante. Em “A ideologia alemã”, (MARX;

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ENGELS, 2001), podemos constatar que a divisão do trabalho acontece de maneira

propriamente dita quando passa a ocorrer a exploração e, em consequência disso, a divisão

entre trabalho manual e intelectual. A partir desse momento, haveria um indivíduo que

pensasse o trabalho, também o planejasse e concebesse em sua totalidade e, e em

contrapartida, haveria quem executasse esse plano pré-estabelecido e imposto, de maneira que

lhe coubesse apenas a atividade braçal, sem ter conhecimento do objetivo da determinada

atividade.

Podemos citar aqui, como o maior exemplo da divisão do trabalho, o que ocorreu no

padrão de acumulação taylorista/fordista, desenvolvido de maneira mais acentuada no período

pós-guerra, a partir de 1945 (HARVEY, 2013). Esse binômio atuou conjuntamente ao

keynesianismo, em consonância com o sistema capitalista, buscando uma grande expansão

internacional.

Aqui, entende-se o keynesianismo como a intervenção do Estado na economia. John

Maynard Keynes elaborou estratégias administrativas, com a intervenção estatal, que

pudessem estabilizar a crise capitalista. Essa estratégia consistia em combinar políticas fiscais

e monetárias, com vistas a controlar a demanda da sociedade, e utilizando o Estado de bem-

estar social. Isso significa que o Estado passou a dar subsídios às necessidades básicas, como

escola, saúde, transporte, moradia, e outros mecanismos que pudessem auxiliar a classe

trabalhadora. A intenção era fazer com que os trabalhadores tivessem maior possibilidade de

consumir produtos postos no mercado, tornando-se consumidores e colaborando com a

economia do país. Uma vez controlando a demanda e produção com as políticas monetárias e

fiscais, e ofertando a possibilidade de consumo, a crise ocasionada por superprodução estaria

próxima do término.

O Estado, por sua vez, assumia uma variedade de obrigações. Na medida em que a

produção de massa, que envolvia pesados investimentos em capital fixo requeria

condições de demanda relativamente estáveis para ser lucrativa, o Estado se

esforçava por controlar ciclos econômicos com uma combinação apropriada de

politicas fiscais e monetárias no período pós-guerra. Essas politicas eram dirigidas

para áreas de investimento publico – em setores como o transporte, os equipamentos

públicos e etc. – vitais para o crescimento da produção e do consumo de massa e que

também garantiam um emprego relativamente pleno. Os governos também buscavam

fornecer um forte complemento ao salário social em gastos de seguridade social,

assistência médica, educação, habitação etc. Além disso, o poder estatal era exercido

direta ou indiretamente sobre os acordos salariais e os direitos dos trabalhadores na

produção (HARVEY, 2013, p.129).

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Mas, o que era esse binômio taylorismo/fordismo? Frederick Winsloe Taylor estudou o

processo produtivo, a partir do qual mudou a maneira organizacional da fábrica, introduzindo

a fragmentação nos mecanismos de trabalho, levando em conta a racionalização do tempo e o

estudo de cada movimento dos funcionários, pois, dessa forma, poderia aumentar

potencialmente a produção em menor tempo. Trouxe também a ideia de heterogestão, a

separação entre gerência, supervisão e o trabalho mais braçal, partindo da concepção da

divisão entre trabalho manual e intelectual. Evidenciou, assim, essa lógica para dentro do

ambiente fabril, cindindo ainda mais a divisão do trabalho. Desse modo, uns obteriam o

conhecimento quanto à teoria, cabendo a outros apenas a prática, o que caracteriza a negação

do saber desses a quem cabe somente a execução (GOUNET, 1999).

Partindo do raciocínio de Taylor, Henry Ford elaborou um sistema de produção que

vem carregando seu nome, o fordismo. A característica mais marcante desse sistema de

produção é a fragmentação do trabalho: um operário sempre faz uma parte limitada da

produção, com gestos repetitivos e a presença da esteira no chão da fábrica, como forma de

controlar o ritmo da produção, tendo esta fábrica uma planta vertical, na qual se produz desde

a primeira até a última peça do produto a ser confeccionado. A produção é feita em massa, de

modo a ocorrer a padronização das peças, para não necessitar perder tempo com adaptações,

realizando-se a automatização da fábrica. A fábrica comandada por Ford era, em particular,

uma montadora de carros, os quais eram feitos em grande escala, realizando assim o acúmulo

de grandes estoques, produzindo-se o veículo, modelo T (GOUNET, 1999).

Na verdade, Ford não realizou uma drástica mudança na organização do trabalho, mas,

ao fazer com que o trabalhador ficasse em posição fixa, conseguiu elevar grandemente o nível

de produtividade. Quer dizer que Ford acabou por dar uma nova roupagem à organização do

trabalho anterior, pensada por Taylor. O que Ford fez foi perceber que uma produção em

massa requer um consumo em massa e, assim, uma nova organização do trabalho exige nova

psicologia, nova estética, ou seja, uma mudança em toda a sociedade, que seja modernista e

populista (HARVEY, 2003.).

Gramsci, líder comunista italiano, já descobrira qual a intenção desse americanismo e

do fordismo: produzir, como nunca visto antes, um homem de consciência diferente, um novo

tipo de homem e de trabalhador, pois uma maneira nova de trabalhar é inseparável de uma

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maneira nova de pensar e viver. Assim as questões como sexualidade, família, consumismo e

Estado estariam sendo formadas em um novo tipo de trabalhador.

A intencionalidade do dia de oito horas de trabalho era, por um lado, fazer com que o

trabalhador adquirisse disciplina para desempenhar suas atividades na linha de montagem e,

por outro, proporcionar ao trabalhador tempo de lazer e renda suficiente para comprar os

produtos produzidos (HARVEY, 2003).

O taylorismo/fordismo entrou em crise com o esgotamento do estado de bem-estar

social, ou keynesianismo, pois esse era um plano que não poderia durar muito. Por certo

tempo, o Estado conseguiu auxiliar nas necessidades básicas dos trabalhadores, em forma de

programas assistencialistas, com vistas a que se tornassem consumidores; todavia esse

montante dispensado para os trabalhadores se tornou demasiadamente pesado para a

economia. Isso porque havia rigidez nos investimentos de capital morto e capital vivo, o que

comprimia o desenvolvimento da base fiscal. Entretanto, sob pressão, o Estado mantinha os

gastos públicos com programas de assistência. Uma vez o Estado não arrecadando capital e

mantendo os gastos como dantes, instaura-se uma crise, pois ele não era mais capaz de gastar

tal montante com programas assistencialistas. Outro agravante nesse momento foi a

organização dos trabalhadores em sindicatos, que lutavam contra a desqualificação do

trabalhador e contra as formas de precarização do trabalho.

De modo mais geral, o período de 1965 a 1973 tornou cada vez mais evidente a

incapacidade do fordismo e do keynesianismo de conter as contradições inerentes ao

capitalismo. Na superfície, essas dificuldades podem ser melhor apreendidas por uma

palavra: rigidez. Havia problemas com a rigidez dos investimentos de capital fixo de

larga escala e de longo prazo em sistemas de produção em massa que impediam

muita flexibilidade de planejamento e presumiam crescimento estável em mercados

de consumo invariantes. Havia problemas de rigidez nos mercados, na alocação e nos

contratos de trabalho (especialmente no chamado setor “monopolista”). E toda

tentativa de superar esses problemas de rigidez encontrava a força aparentemente

invencível do poder profundamente entrincheirado da classe trabalhadora – o que

explica as ondas de greve e os problemas trabalhistas do período 1968-1972. A

rigidez dos compromissos do Estado foi se intensificando à medida que programas

de assistência (seguridade social, direitos de pensão etc.) aumentavam sobre pressão

para manter a legitimidade num momento em que a rigidez na produção restringia

expansões de base fiscal para gastos públicos. O único instrumento de resposta

flexível estava na politica monetária, na capacidade de imprimir moeda em qualquer

montante que parecesse necessário para manter a economia estável. E, assim,

começou a onda inflacionária que acabaria por afundar a expansão do pós-guerra

(HARVEY, 2003, p. 135).

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Todavia, o que apontamos até agora são apenas aspectos superficiais da crise estrutural

do capitalismo. O que faz com que o capital esteja sempre vivenciando crises cíclicas é o seu

próprio caráter contraditório, uma vez que as crises são sempre oriundas da exacerbada

exploração do trabalho e, em consequência disso, da superprodução (FRIGOTTO, 2003).

A crise se dá num contexto mais amplo, sendo suscitada pela derrocada do socialismo

real e pelo esgotamento de acumulação capitalista. Todavia, a crise se origina em questões

mais profundas, vinda da própria natureza do capitalismo, bem como da dominação do capital

e da exploração do trabalho, pois, mediante a concorrência, o objetivo é de acumulação de

capital a qualquer custo e da concentração de capital, que é possível conforme a extração de

mais-valia.

E, para permanecer em condições de concorrer no mercado, esse princípio é

fundamental, inserindo, dessa maneira, maior quantidade de capital morto – a maquinaria – em

detrimento do capital vivo – força de trabalho – barateando a mercadoria e aumentando a

extração de mais-valia. Porém, ao mesmo tempo que, a mais-valia é extraída do trabalhador, o

capital o exclui do processo de produção, acentuando ainda mais a miséria na classe que vive

do trabalho. Então, por um lado, o capital eleva a potências cada vez maiores a sua produção

e, por outro, é incapaz de socializar aquilo que produz. Uma vez excluindo o trabalhador da

produção e não comprando sua força de trabalho, essa massa não pode ser consumidora do que

está sendo produzido.

O caráter contraditório (de crise, portanto) do modo de produção capitalista explicita-

se, historicamente e em formações sociais específicas, de forma e conteúdo diversos,

porém inexoravelmente, pela sua própria virtude de potenciar as forças produtivas e

por sua impossibilidade de romper com as relações sociais de exclusão e socializar o

resultado do trabalho humano para satisfazer as necessidades sociais coletivas

(FRIGOTTO, 2003, p. 65).

Mas, ainda podemos citar um dos aspectos conjunturais da crise e sinal de esgotamento do

fordismo, que vem ao encontro das mudanças no mundo do trabalho, no meio fabril. São as

mudanças na base técnica do trabalho e investimento de fundo público, no capital privado. A

nova tecnologia, gerando novos recursos na produção, substitui uma tecnologia rígida por uma

flexível e, por conseguinte, modifica a organização do trabalho, como veremos mais adiante

(FRIGOTTO, 2003).

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Em 1970, com a crise do capital instaurada, emergiram as chamadas batalhas urbanas.

Então, houve uma experiência relevante em Nova York, pois a cidade ficou destruída com a

crise, e a insatisfação popular crescia. A geração de empregos e expansão dos serviços

públicos foi considerada a salvação, o que levou o então presidente Nixon a declarar a

superação da crise. Tal declaração fez com que diminuísse a ajuda federal. Entretanto, a

recessão crescia e, por algum tempo, os banqueiros conseguiram suprir a carência, mas,

posteriormente, recusaram-se a protelar o pagamento da dívida e declararam falência técnica

(HARVEY, 2013).

A administração da crise fiscal de Nova York abriu pioneiramente o caminho para

práticas neoliberais, tanto domesticamente, sob Reagan, como internacionalmente

por meio do FMI na década de 1980. Estabeleceu o principio de que, no caso de um

conflito entre integridade das instituições financeiras e os rendimentos dos detentores

de títulos, de um lado, e o bem-estar dos cidadãos, de outro, os primeiros devem

prevalecer. Acentuou que o papel do governo é criar um clima de negócios favorável

e não cuidar das necessidades e do bem-estar da população em geral (HARVEY,

2013, p. 58).

Ronald Reagan realizou esse mesmo plano, a nível nacional, mas, para que isso se

consolidasse efetivamente, foi preciso impedir a participação de organizações trabalhistas nos

conselhos internos de governo e, como o desemprego crescia, era adequado o momento para

atacar o trabalho organizado e lhes tirar os benefícios.

Na Grã-Bretanha, o Estado de bem-estar social instaurado não agradava a todos;

portanto, começavam a surgir fortes críticas na mídia, por parte dos que defendiam o interesse

financeiro. E o neoliberalismo de Frederich Hayek ganhava defensores nas universidades, que,

juntamente ao compromisso dos meios de veiculação de informação, compromissados com o

neoliberalismo, alcançou a opinião popular. Assim, movimentos jovens começavam a tomar

grande proporção, como a cultura pop e alguns movimentos de esquerda, que apoiavam o

individualismo, a liberdade de expressão e criticavam os privilégios de classe (HARVEY,

2013).

A mídia também fez atacar os sindicatos tidos como gananciosos e perturbadores da

ordem pública, o que colaborou para que o apoio aos trabalhadores diminuísse e reforçasse os

planos de Margareth Thatcher. A medida adotada, então, para a superação da crise foram as

altas taxas de juros, que se traduziu em alta índice de desemprego, o que diminuiu ainda mais

o poder de negociação da classe trabalhadora. Houve também a diminuição dos gastos

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públicos, criando o exército de reserva, assim denominado por Marx. Tal conceito traduzia a

ideia de que era útil que uma parte da população estivesse desempregada, pois isso diminuía a

força dos trabalhadores e mantinha a mão de obra barata.

Tendo assim o neoliberalismo se consolidado para os ingleses, ficou indissociável

encarar como o capitalismo passou a funcionar internacionalmente, e em outras partes do

mundo essa virada neoliberal funcionou, não apenas por coação anglo-saxônica, mas por

motivos internos e externos.

Portanto, na ânsia por superar essa crise, deu-se início a um novo processo de

reestruturação capitalista, com uma nova organização política e ideológica: o neoliberalismo,

que vem fortemente marcado pela privatização do Estado, pela desregulamentação dos direitos

trabalhistas, bem como pela decomposição do setor produtivo estatal, aliado a um novo regime

de acumulação.

As características desse regime são bem diferentes do fordismo, concebido na fábrica

da Toyota, e por isso carrega seu nome. É caracterizado pelo estoque mínimo, pois a produção

é puxada pela demanda; isso porque o espaço geográfico disposto no Japão é limitado,

portanto a fábrica se torna horizontal, o que quer dizer que existe uma fábrica matriz e as

satélites que abastecem a primeira. Há o surgimento de modos organizacionais, como o

kanbane o just in time. O Kanban é uma placa que tem a função de indicar a necessidade de

reposição de peças, precisando que a fábrica satélite reabasteça a matriz, e just in time se

refere ao modo de funcionamento fabril, que Gounet denominou de cinco zeros: Zero atrasos,

a produção puxada pela demanda; Zero estoque, apenas são permitidas pequenas reservas;

Zero defeitos, cada parte do processo de trabalho controla a qualidade do processo de trabalho

anterior; Zero panes, as máquinas nunca são usadas em sua potência máxima, e são escolhidas

de acordo com sua função, uma máquina simples para uma atividade simples; e, por fim, zero

papéis, o kanban reduz as atividades burocráticas em geral. Esse é o pilar sobre o qual se

sustenta o toyotismo.

Essa nova forma de produção representa uma nova divisão do trabalho; portanto, novos

conteúdos, nova forma de gerir as demais instâncias sociais, bem como os indivíduos. O

operário passa a ser polivalente, quer dizer, desempenha várias funções, e passa a se exigir

novos saberes para esse trabalho, com outras capacidades e renovadas competências. As

principais competências requeridas são a capacidade de abstração, autonomia e iniciativa, que

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fazem com que o indivíduo possa detectar e solucionar prontamente os problemas que surgem

na produção. Podemos ainda mencionar a responsabilidade e o trabalho em grupo (RAMOS,

2002).

Nessa reestruturação produtiva, obtemos um novo conceito de trabalho, de qualificação

e de competência. No tocante ao Brasil, em 1990, novas maneiras de qualificação são exigidas

pelo trabalho, entre as quais podemos citar: escolaridade básica, adaptação à diferentes

situações, compreensão do trabalho como um todo, trato e interpretação de informações,

atenção, responsabilidade, criatividade e comunicação em grupo. Tudo isso faz parte de uma

estratégia capitalista em busca da restruturação na relação trabalho/capital (MANFREDI,

1998).

Não se pode deixar de mencionar, ainda, o Círculo de Controle de Qualidade (CCQ),

presente no toyotismo, que consiste no afinco da organização dos trabalhadores, na intenção

de serem produtivos ao máximo, maneira pela qual eles podem assegurar a total qualidade do

produto (GOUNET, 1999). Nisto, podemos notar mais uma das contradições do capital:

quanto mais qualidade no trabalho, menor é o tempo de durabilidade do produto, para que –

dessa forma – ele possa ser substituído no mercado. Trata-se de uma obsolescência

programada, pois, de acordo com a lógica destrutiva do capital, a qualidade precisa ser

coerente com a demanda (ANTUNES, 1999).

A necessidade imperiosa de reduzir o tempo de vida útil dos produtos, visando

aumentar a velocidade do circuito produtivo e desse modo ampliar a velocidade da

produção de valores de troca, faz com que a “qualidade total” seja, na maior parte

das vezes, o invólucro, a aparência ou o aprimoramento do supérfluo, uma vez que os

produtos devem durar pouco e ter uma reposição ágil no mercado (ANTUNES, 1999,

p. 50).

O que se configura é uma nova forma de dominação do capital sobre o trabalhador: “O

que existe na verdade, é uma crise mais geral do processo civilizatório, materializada de um

lado pelo colapso do socialismo real e, de outro, pelo esgotamento do mais longo e bem-

sucedido período de acumulação capitalista” (FRIGOTTO, 2003, p.60).

Nessa internacionalização do capital, o toyotismo mescla também objetivos nacionais,

o que dá mais ênfase a seu caráter flexível. Neste, também, há apenas uma aparente

qualificação do indivíduo, pois o trabalhador passa a desempenhar várias funções, sendo

polivalente e intensificando o trabalho, o que configura um momento de cisão entre o

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fordismo e o toyotismo. Esse novo padrão de acumulação também incentiva o operário a

participar de projetos de produtos com suas sugestões, o que ainda é uma nova maneira de se

apropriar das forças de trabalho sem custos.

Porém, apesar dessas mudanças, o operário continua a ser desqualificado de fato, pois

o trabalhador se mantém privado do conhecimento a respeito de todo o processo de produção.

Todavia, é certo que o indivíduo não se vê nessa condição de desqualificação, pois agora ele

pode realizar várias tarefas diferentes, operando múltiplas máquinas e desempenhando muitas

funções ao mesmo tempo, diferente do modelo anterior, em que se aprendia a exercer apenas

uma atividade, de maneira parcelada, reduzida. Agora, ele se sente como um colaborador da

empresa em que trabalha, para o bom andamento da produção. Esse é o ideário transmitido

pelo capital, para que o trabalhador não perceba que é explorado, que é expropriado do saber,

e se sinta bem em colaborar com o desenvolvimento da fábrica. Há ainda uma importante

estratégia no meio fabril, que ataca diretamente os trabalhadores enquanto classe: trata-se do

controle de qualidade. A estratégia analisada é a de que os funcionários possam supervisionar

uns aos outros, zelando pela qualidade da produção, o que acaba por colocar os trabalhadores

uns contra os outros, comportando-se como inimigos, concorrentes, e não como um coletivo.

E este é o grande trunfo da reestruturação produtiva: explorar a classe trabalhadora

com seu consentimento, pois, devido a essa aparente qualificação e outras melhorias, o

trabalhador está convencido de que essa é a melhor maneira de viver e dar uma vida decente

aos seus filhos, acabando com qualquer movimentação que reivindicasse os direitos da classe

trabalhadora.

Na verdade, a principal estratégia de captura de consentimento operário do toyotismo

é emulação individual pelas estruturas “estimulantes” dos mercados internos, do

emprego vitalício, e, hoje, particularmente, pelos novos sistemas de pagamento

(salário por antiguidade, dos bônus de produtividade ou participação dos lucros e

resultados) (ALVES, 2000, p. 51).

Todavia, de acordo com a lógica do capital, o objetivo é acelerar a acumulação

capitalista por meio da exploração da mão de obra da classe trabalhadora (ALVES, 2000).

Apesar de o capital, por um lado, promover de certa forma algumas bem feitorias à classe

trabalhadora, como salário, condições de trabalho etc., por outro lado vem retirando seus

direitos legais e realizando a criação do exército de reserva, que consiste em deixar fora do

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mercado de trabalho uma parte desse contingente de trabalhadores. A meta é que, dessa forma,

a mão de obra possa ser comprada a preços irrisórios. Tal aspecto nos remete à lei de oferta e

da procura: quanto maior a oferta de determinado produto no mercado, mais barato ele se

torna, devido à concorrência. É o que acontece com a força de trabalho nesse caso (SINGER,

2000).

Isso se dá mediante à flexibilização nos contratos, que direciona as leis de acordo com

seus objetivos. Praticamente, isso quer dizer empregos temporários, estágio sem direitos

trabalhistas, manipulação de contratos, entre outros.

Como mencionado anteriormente, com a ideia da internacionalização, temos o

surgimento de um processo de integração das áreas econômica, social, cultural e política,

sendo esse um mecanismo que ganhou muito terreno e se mostra fortemente estabelecido: a

globalização. Todavia, compreende-se que, embutida nessa concepção de internacionalização,

há intenções mais complexas.

A globalização vem se evidenciando no mundo como uma nova fase do capitalismo, na

qual está incluso um modo de produção, bem como uma organização mundial. Sendo assim,

abarca todas as esferas da sociedade, mostrando-se como algo amplo e complexo. Podemos

dizer que o mundo todo se aglutina em um bloco e, nesse sentido, as diferenças entre países e

seus regimes políticos ou padrões de acumulação se diluem diante da globalização, que se

edifica sobre a égide do neoliberalismo. Isso pode também ser notado desde a queda do Muro

de Berlim, em 1989, que representava um mundo bipolar (IANNI, 1997).

Esse termo começou a ser utilizado na década de 1980, em escolas americanas de

administração de empresas e, nesse momento de surgimento do termo, a intenção era dizer que

a expansão de mercado não tinha limites, era sem fronteiras: em todo lugar do qual que se

possa extrair lucros, pode haver atividades que os extraia. O avanço na tecnologia, no que se

refere à comunicação, possibilita um formidável instrumento de controle, permitindo assim

uma reorganização dos negócios a nível mundial. A indústria japonesa, uma das grandes

potências industriais, apodera-se do termo, pois, para eles, incentivar a globalização significa

chamar os dirigentes americanos e europeus para se atentarem aos interesses comuns e

cooperarem entre si. A parceria e a colaboração entre as grandes potências comerciais garante

a expansão comercial internacional.

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O que significa dizer que essas palavras – globalização, internacionalização,

mundialização – não são neutras, mas sim carregadas de conotações que atendem a

determinados interesses. São termos que contêm tantos significados diferentes que podem ser

apropriados em vários contextos, o que permite imputar a eles o conteúdo ideológico desejado.

Apesar disso, de maneira mais geral, a globalização vende a ideia de ser um processo bom e

necessário, fazendo-se entender que há a grande necessidade da sociedade se adaptar e esse

processo, a essa transformação. Adaptar-se a essa ideia significa colocar em prática a

liberalização e a desregulamentação, para que as empresas tenham total liberdade de interferir

nos diversos elementos da sociedade, da política, da economia e da cultura, chegando à vida

subjetiva do indivíduo (CHESNAIS, 1996).

Apesar desses termos – globalização, mundialização, internacionalização – serem tão

difundidos hoje em dia, devemos nos atentar para o fato de que eles não são atuais, pois Lênin

já sinalizava isso em 1916, no clássico Imperialismo, fase superior do capitalismo,

mencionando que a ampliação do capitalismo criou um mercado mundial. Assim, nota-se que

o termo globalização se refere à expansão capitalista. Essa questão também foi abordada por

Marx no Manifesto Comunista em 1872, apontando para a ampliação a nível global, das

necessidades materiais e intelectuais do ser humano (NORONHA, 2008).

Quer dizer que esse era um processo que já vinha se fazendo presente como estratégia

de expansão capitalista havia muito tempo; todavia, agora, o que já vinha acontecendo ganha

mais força e começa a fazer parte do discurso capitalista, no tocante a convencer a sociedade

de que é um processo que os fará interagir com o resto do mundo.

No que diz respeito à nova divisão do trabalho, as empresas estão sendo espalhadas

pelo mundo todo e, uma vez ditando a maneira como irá ocorrer o trabalho no interior das

empresas, essa organização do trabalho atinge outras áreas da sociedade, como a educação.

Consonante a isso, o fordismo, pelo mundo, foi dando lugar – ou sendo mesclado – ao

padrão flexível, que combina produtividade, capacidade de inovação e competitividade, no

caso do Brasil por exemplo. A forma de trabalho também muda: com a flexibilização, são

combinados trabalhadores de várias especificidades diferentes e, dessa forma, constitui-se um

grupo de trabalhadores que agem coletivamente, cada um contribuindo conforme sua

capacidade. Com a globalização e essa organização social mundial, desaparecem as fronteiras

entre os países, dando lugar às diretrizes oriundas dos grandes centros de poder regionais e

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mundiais. Essa organização pode nortear, assim, as ações desses estados-nações, bem como os

sujeitos, classes, movimentos sociais, a política e o senso comum. E isso é feito basicamente

pelas mudanças realizadas no mundo do trabalho. A população se vê, aos poucos, envolvida

nesse mundo do trabalho, fazendo parte da venda da mão de obra, bem como da compra e

venda de mercadorias, o que culmina em uma acumulação do capital de maneira acentuada.

A sociedade global não é somente uma realidade em constituição, que apenas

começa a mover-se como tal, por sobre nações e impérios, fronteiras e geopolíticas,

dependências e interdependências. Revela-se visível e incógnita, presente e

presumível, indiscutível e fugaz, real e imaginária. De fato, está em constituição,

apenas esboçada aqui e acolá, ainda que em outros lugares apareça inquestionável,

evidente. São muitos os que têm dúvidas e certezas, convicções e ceticismo sobre ela

(IANNI, 1997, p. 25).

Não podemos esquecer também que essa sociedade global tem como ponto forte o

surgimento da informática que, com a eletrônica, dinamiza as relações, desterritorializando o

mercado, as ideias, as práticas humanas, suas expectativas e volatizando tudo o mais que se

possa pensar em termos do que é inerente ao ser humano, bem como suas relações. A palavra

que define a vida humana, cultura e consumo é nômade, fazendo toda e qualquer coisa, em

qualquer espaço, até mesmo se alimentar, de maneira a não perder tempo. O que predomina

são os aparelhos e objetos eletrônicos que, aparentemente, rompem barreiras de espaço

geográfico, cultural, linguístico e outras. O que passa a ser foco das atenções são as imagens e

as palavras, na medida em que essas se tornam signos. Diante de tal mobilidade, muitas

correntes de pensamento, políticas e religiosas tentam se firmar e buscar autonomia.

A sociedade globalizada pode ser comparada a um caleidoscópio que, em sua

diversidade de cores, ainda se mescla, fundindo assim culturas. Ao mesmo tempo, provoca

diversidades e fragmentações, pois, ao mesmo tempo que se aglutinam concepções, culturas,

políticas, formas de pensar e outros, dessa aglutinação surgem novas concepções, novas

formas de pensar e novas culturas (IANNI, 1997).

No tocante ao Brasil, como esse novo padrão de acumulação, juntamente às suas

ideologias, pode ser absorvido? O Estado nacional entrou em crise na década de 1980 e 1990,

com o esgotamento do Estado de bem-estar social, que coincide com a posse de Fernando

Collor de Mello, e a redefinição desse Estado. Quer dizer que o neoliberalismo de Thatcher,

maneira pela qual tentavam sair da crise antes instaurada, vem a fazer parte do quadro

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brasileiro com o governo Collor, e essa inserção neoliberal se seguiu ao longo dos demais

governos.

Como principal feito do governo Fernando Henrique Cardoso, devemos citar a reforma

do Estado que, através de uma Emenda Constitucional, minimiza as atribuições do Poder

Público e, ainda, sua gradual transição para a esfera privada. Além disso, há outras medidas,

como o Plano Real, a flexibilização das relações de trabalho, a reforma da previdência, a

reforma educacional com a nova LDB, o ajuste fiscal e o controle do déficit público, pois esta

passou a ser uma exigência do FMI (Fundo Monetário Internacional) depois da moratória

Russa (CASTANHO, 2009).

A influência do mundo do trabalho na educação

A educação está intimamente ligada à organização do trabalho na sociedade, pois é

essa organização que a norteia; é de acordo com ela que a educação ganhará uma direção a

respeito do tipo de indivíduo que precisa formar.

Mediante o taylorismo/fordismo, um tipo de indivíduo era exigido para que pudesse atender às

necessidades do capital. Nesse momento, então, é elaborada a Teoria do Capital Humano

(TCH). Seu autor foi Theodore Schultz, que mais tarde ganhou o prêmio Nobel por tal feito.

Sua defesa era a de que a educação poderia ser extremamente rentável; assim, os

investimentos feitos à educação trariam maiores retornos ao capital (BAZILIO, 1993). Isso

porque mão de obra qualificada significa trabalhadores mais aptos a realizar suas tarefas de

maneira a aumentar a produção. Além dessa função – a qualificação – a educação para o

trabalho também tem o papel de segregar aqueles que não conseguirem se inserir nela. Sendo

assim, cria-se a disputa para o mercado de trabalho. Ainda nas ideias de Schultz, mediante a

educação, os trabalhadores poderiam ascender na sociedade, e esse fato traria mudanças

positivas para a economia. A educação não é mais vista como uma despesa, mas como um

investimento (BAZILIO, 1993).

As diretrizes da TCH eram bastante simples: [...] “o país que conseguisse combinar

crescimento econômico com ampliação da rede escolar passaria a ser mais rico e com renda

melhor distribuída” [...] (BAZILIO, 1993, p. 19).

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Segundo Bazilio (1993), na década de 1970, as ideias de Schultz já faziam parte do senso

comum e dos cursos de educação. Nesse mesmo ensejo, no Brasil, foram publicados muitos

materiais que seguiam a mesma tendência teórica. Grandes organizações como UNESCO

( Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), ONU (Organização

das Nações Unidas), OIT (Organização Internacional do Trabalho), entre outras, colaboraram

com a construção desse material. Outras obras começaram a lançar edições, como a de Taylor,

“Princípios de Administração Cientifica”.

Nessa época, essas ideias a respeito da educação começaram a ser veiculadas em nosso

país e, para tal, foram criando grupos de estudo e debates nas universidades. Pensamentos

críticos a esse novo modo de pensar a educação – a pedagogia tecnicista – começavam a ser

publicados. E, nesse contexto, segundo Bazílio (1993), os equívocos da teoria de Schultz

começaram a ser apontados por pesquisadores, como Wagner Rossi e Bárbara Freitag, que

defendiam a ideia de que a educação realmente potencializaria o trabalho, fazendo com que

aumentasse a produção. Formava-se, dessa maneira, a mão de obra e robusteciam-se os

mecanismos de exploração do capital. Ambos não delegavam à educação um papel redentor,

como se ela pudesse amenizar os problemas sociais, criticando o fato de a escola prestar um

desfavor ao trabalhador por lhe oferecer um ensino precário, e apenas ser útil ao aumento da

capacidade produtiva.

Todavia, ainda existem autores que discordavam desse serviço que a escola prestava ao

capital. Claudio Salm, por exemplo, menciona que o capital não precisa da escola como

formadora de trabalhadores, pois o próprio mundo do trabalho lhe daria essa formação,

caracterizando assim uma escola improdutiva, o que faz com que a instituição-escola caia em

total descrédito para esse autor.

Pensando nessa temática, em 1985, Gaudêncio Frigotto escreve “A produtividade da

escola improdutiva”, mencionando as duas facetas da escola. A escola se mostra produtiva por

estar colaborando com a acumulação de capital, por fornecer maior velocidade e qualidade à

produção e, por esse mesmo motivo, torna-se improdutiva, pois aliena o trabalhador e o

expropria do saber.

O que todas essas ideias significavam então? Primeiramente, significava que o campo

das ideias – os debates a respeito dos rumos da educação – está ligado de maneira inseparável

à organização do trabalho na sociedade. O que acontece no meio educacional é um reflexo da

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maneira como está se organizando a economia e o trabalho. Depois, é importante lembrar que,

na educação, também se apresenta o conflito de classes, motivo pelo qual surgiram opiniões

contra-hegemônicas, questionando e refutando as novas estratégias educacionais.

Mas, como trabalho, economia e política estão atrelados? No Brasil, com o advento do

neoliberalismo, e o padrão de acumulação fordista mesclado ao toyotismo, a tendência

pedagógica que acompanhava essa estrutura organizacional ficou conhecida como tecnicismo,

que começou a ser implementado nas escolas na década de 1960. Os conceitos básicos para a

educação nessa época eram eficiência e eficácia, pois, da mesma maneira que ocorre no

trabalho na fábrica, pretende-se com a educação. Esta era organizada de maneira racional e até

mesmo se mecanizava o processo, de forma que as intervenções subjetivas fossem

minimizadas o máximo possível, já que isso poderia prejudicar a eficiência do trabalho

pedagógico. O trabalho pedagógico passa a ser dividido, surgindo as especializações de

funções, aglomerando no ambiente escolar uma gama de profissionais, das mais diversas

ocupações.

Como pressupostos dessa pedagogia, podemos citar o behaviorismo, a engenharia

comportamental, a ergonomia, a informática e a cibernética, que têm seu referencial filosófico

no neopositivismo e no método funcionalista. Para a pedagogia tecnicista, o lema era aprender

a fazer. Como podemos perceber, a pedagogia tecnicista está intimamente relacionada com o

sistema produtivo, pois corresponde ao taylorismo/fordismo. Assim, podemos notar várias

semelhanças do trabalho fabril com o trabalho escolar. Da mesma maneira que o fordismo

passou a exigir um trabalhador que dominasse determinado tipo de atividade, assim ocorre

com o profissional da educação, que passou a ser especializado em determinado tipo de

atividade, e ambos estão desprovidos do trabalho como um todo, sendo expropriados de uma

parte do saber.

Todavia, com a substituição do padrão de acumulação, do fordismo para o toyotismo, o

trabalho se modifica e passa a exigir outro tipo de trabalhador; com isso, na escola, as

mudanças também ocorrem, pois agora ela necessita formar outro tipo de mão de obra.

A escola passa a transmitir ao aluno a lógica de funcionamento do mercado de

trabalho, e a consciência de que o indivíduo deve ser empregável, qualificado, tendo assim

condições de competir nesse mercado, pois não há lugar para todos. Quer dizer que uma

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grande parte dos indivíduos que atingem idade para estar no mercado não chegam a participar

dele, caracterizando assim um mercado com base na exclusão.

A base didático-pedagógica desse momento é a corrente neo-escolanovista, com o

famoso lema “aprender a aprender”. Neste o papel do professor não é mais ensinar o aluno,

mas o de levá-lo a aprender. O contexto educacional passa a ser centrado no aluno. Esse lema

também se relaciona à noção de flexibilidade, tendo a necessidade de mudar constantemente,

acompanhando o mercado.

Como se percebe, a educação é indissociável do trabalho, que se constitui aqui como

categoria central. Uma vez o trabalho sendo categoria central na sociedade, ele é considerado

por vários autores como um princípio educativo. O que isso quer dizer? Ora, se a função da

escola é transmitir ao educando os conhecimentos acumulados ao longo da história, bem como

ensinar como se dá a organização da sociedade em que vivemos, e essa organização se deu e

ainda se dá mediante o trabalho, então, é claro pensar que a educação deve ter como principio

norteador o trabalho. Ainda com base nesse mesmo raciocínio do trabalho como princípio

educativo, autores do campo da esquerda vêm discutindo sobre como pode erigir uma

educação baseada no trabalho como princípio educativo – nomenclatura esta utilizada por

Gramsci – que possa romper com a lógica capitalista. Teóricos do marxismo se dividem na

implantação dessa ideia e na sua suposta incapacidade de funcionar em pleno capitalismo.

Discussões desse cunho vêm sendo travada com mais afinco desde a década de 1980,

momento crucial de divulgação de pensamentos a respeito da pedagogia, principalmente no

que se refere às concepções contra-hegemônicas.

Saviani, autor de uma dessas pedagogias contra-hegemônicas, em entrevista que serviu

de material para uma dissertação de mestrado, “Gramsci: sua teoria, incidência no Brasil,

influência no serviço social” (1993), cuja autora é Ivete Semionato, relata que esse debate –

que teve seu auge na década de 1970 e 1980 – se viu esfriar posteriormente, pelas mudanças

ocorridas no âmbito histórico e social, como a crise do socialismo real, e as mudanças que

vinham acontecendo na URSS, que acabou por preconizar as discussões de cunho marxista.

Todavia, esse debate tem retornado, e a intenção aqui é tentar responder: quais são

esses debates? Por que estão sendo retomados agora? São motivos semelhantes aos que

fizeram com que esse debate fosse acalorado anteriormente? É o que veremos a seguir.

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CAPÍTULO I

CONCEITO DE TRABALHO E DE

TRABALHO COMO PRINCÍPIO EDUCATIVO

Este capítulo tem por objetivo mostrar ao leitor os conceitos que fundamentam a

presente pesquisa e, sendo assim, tentaremos explicitar o conceito de trabalho, com base nos

escritos de Karl Marx e Friedrich Engels, bem como trazer à baila a ideia de trabalho como

princípio educativo, tendo como referência os escritos de Antonio Gramsci. Com o desvelar de

tais definições, o debate que os envolve se tornará mais passível de entendimento.

1.1. O trabalho: identidade do homem e fragmentação no percurso histórico

O primeiro pressuposto de que partem Karl Marx e Friedrich Engels (2001), ao

analisarem a história, é a existência dos seres humanos. Mas, de que modo existem?

Produzindo sua própria existência através do trabalho. Os homens podem se diferenciar dos

animais por diversas formas, como afirmou Marx (1996), no capitulo V de “O Capital”.

Homens e animais podem ser diferenciados por tudo que se queira, mas se diferenciam

fundamentalmente pela produção de sua existência, ou seja, o homem, ao se contrapor ao

animal, produz indiretamente sua vida material através de seu trabalho. E o que podemos

declarar a respeito dos animais é que eles se mantêm vivos caçando seus alimentos,

impulsionados simplesmente por instintos, enquanto os homens, ao adquirirem seus alimentos,

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realizam uma atividade orientada a um fim, ou seja, de forma planejada, capacidade essa não

encontrada em animais.

Pressupomos o trabalho numa forma em que pertence exclusivamente ao homem.

Uma aranha executa operações semelhantes as do tecelão, e a abelha envergonha

mais de um arquiteto humano com a construção de favos da sua colmeia. Mas o que

distingue, de antemão, o pior arquiteto da melhor abelha é que ele construiu o favo

em sua cabeça, antes de construí-lo em cera. No fim do processo de trabalho obtém-

se um resultado que já no inicio deste existiu na imaginação do trabalhador, e,

portanto idealmente (MARX, 1996, p. 297).

Quer dizer, o trabalho não é uma atividade de sobrevivência instintiva, mas planejada,

elaborada anteriormente e a produção que os indivíduos realizam – a ação do trabalho – é a

maneira com que refletem o seu modo de vida e, ao mesmo tempo, refletem o que são,

dependendo, todavia, das condições materiais dessa produção, bem como das condições em

que trabalham. Ao atuar sobre a natureza, trabalhando, o ser a modifica e se modifica

simultaneamente, constitui-se como homem e se identifica com o seu trabalho, pois se trata de

uma atividade genuinamente humana, que faz com que o ser seja reconhecido como tal.

Antes de tudo, o trabalho é um processo entre o homem e a natureza, um processo

em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo

com a natureza. Ele mesmo se defronta com a matéria natural como uma força

natural. Ele põe em movimento as forças naturais pertencentes à sua corporalidade,

braços e pernas, cabeça e mão, a fim de apropriar-se da matéria natural numa forma

útil para sua própria vida. (MARX, 1996, p. 297).

Produzindo assim a sua existência, então:

A primeira condição de toda história humana é, naturalmente a existência de seres

humanos vivos. A primeira situação a constatar é, portanto, a constituição corporal

desses indivíduos e as relações que ela gera entre eles e o restante da natureza

(MARX; ENGELS, 2001, p. 13).

Portanto, o trabalho é a ação do homem sobre a natureza. Assim, ele modifica a

natureza e também se modifica: a natureza é seu meio de produção e sua matéria-prima, da

qual subtrai sua vida como trabalhador, referindo-se à questão física e social. Então, podemos

chamar de matéria-prima todo objeto que já foi tratado, arrancado de seu meio, por exemplo, a

madeira que é retirada da floresta. O meio de produção é uma coisa ou uma série de coisas que

se põe entre o homem e o objeto de trabalho, e é também meio de trabalho. O objeto do qual o

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trabalhador se apodera diretamente, como as ferramentas, por exemplo, é o seu meio de

trabalho. Esses meios são mediadores do grau de desenvolvimento da mão-de-obra e são

indicadores das condições de trabalho. Há, ainda, a mediação, que não entra diretamente no

processo e que já contém em si um trabalho, como as estradas, os prédios como local de

trabalho, entre outros. O meio e o objeto aparecem como meios de produção. Então, podemos

dizer que, analisando as ferramentas que o homem usa para trabalhar, o local em que atua e a

matéria-prima com que tem que lidar, podemos determinar sua condição de trabalho.

Esse tipo de trabalho, em que o homem usa aquilo que produz, Marx intitulou como

trabalho concreto, ou seja, o trabalho em que o homem se reconhece, no qual firma sua

identidade e consome o que produziu, gerando assim valor de uso. Porém, quando essa força é

dominada por outrem, o trabalho muda de caráter; a força de trabalho não pertence mais ao

trabalhador, tornando-se mercadoria ao ser comprada. O homem passa, então, a desconhecer,

ficando alienado ao processo e ao produto, em um mecanismo a que Marx chamou de trabalho

abstrato.

[...] o produto do trabalho também já se transformou em nossas mãos. Se abstraímos

o seu valor de uso, abstraímos também os componentes e formas corpóreas que

fazem dele valor de uso. Deixa já de ser mesa ou casa ou fio ou qualquer outra coisa

útil. Todas as suas qualidades sensoriais se apagaram. Também já não é o produto do

trabalho do marceneiro ou do pedreiro ou do fiandeiro ou de qualquer outro trabalho

produtivo determinado. Ao desaparecer o caráter útil dos produtos do trabalho,

desaparece o caráter útil dos trabalhos neles representados, e desaparecem também,

portanto, as diferentes formas concretas desses trabalhos, que deixam de diferenciar-

se um do outro para reduzir-se em sua totalidade a igual trabalho humano, a trabalho

humano abstrato (MARX, 1996, p.167).

Na concepção materialista-histórica, o trabalho enquanto força natural, agindo sobre a

natureza, de forma a ser a produção das necessidades básicas do homem, é a primeira coisa a

ser analisada em toda sua complexidade. A segunda é que, tendo saciado as necessidades

básicas, surgem outras demandas. O terceiro elemento a ser analisado diz respeito à família, já

que é através desta que há o aumento populacional e que, por sua vez, gera novas necessidades

(MARX; ENGELS, 2001).

Esses aspectos devem ser tratados como momentos que coexistiram desde o princípio

da história e, que ainda se manifestam nela. A quarta reflexão se refere a um modo de se

organizar a sociedade, e esse modo é baseado na força produtiva – no trabalho e nos meios de

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trabalho – incluindo aí as relações que esse trabalho estabelece. Quer dizer que essas relações

de trabalho determinam o estado social. Logo, a história dos homens está intimamente ligada à

história das indústrias.

Disso decorre que um modo de produção ou um estágio industrial determinados são

constantemente ligados a um modo de cooperação ou a um estágio social

determinados, e que esse modo de cooperação é, ele próprio uma “força produtiva”;

decorre igualmente que a massa das forças produtivas acessíveis aos homens

determina o estado social, e que se deve por conseguinte estudar e elaborar

incessantemente a “história dos homens”e conexão com a história da industria e das

trocas (MARX; ENGELS, 2001, p 24).

O homem, para realizar o seu trabalho, insere-se em relações sociais, e essas é que

determinam sua consciência. Por que as relações sociais determinam o pensamento do

homem? Ora, o homem faz projeções mentais a respeito de coisas que vivencia, os

pensamentos não lhes são postos repentinamente, vindos de parte alguma. O começo da

consciência é marcado pelo fato de o homem entender sua necessidade de relação com o outro

e se desenvolve com o aumento da produtividade, das necessidades e também da evolução

populacional. A abstração do homem está ligada à sua atividade material e ao seu comércio

(MARX; ENGELS, 2001).

Dito isto, há que se considerar que, no processo histórico, o trabalho sofre uma

mudança. Assim como já apresentado na introdução deste estudo, a divisão do trabalho

propriamente dita é a divisão entre o trabalho manual e o intelectual. Dessa forma, a divisão de

trabalho e a propriedade são coisas idênticas, sendo a escravidão a primeira forma de

propriedade, além de já existir a posse sobre a força de trabalho do outro. Essa força, então,

passou a ser considerada como uma mercadoria de que se podia dispor no mercado, pois o

homem começou a vendê-la a outro homem, detentor dos meios de produção.

Adam Smith ainda fez estudos acerca da propriedade privada, chegando à conclusão de

que a propriedade privada, enquanto trabalho, está dentro do homem. Porém, como denuncia

Marx (2004) nos “Manuscritos econômico-filosóficos”, essa ideia apenas mantém a aparência

de reconhecimento do homem como autônomo, senhor de toda sua força produtiva, pois nada

mais é do que sua negação, já que ele tornou-se a essência da propriedade privada. Desse

modo, tenta-se dar a aparência de que o homem é detentor da força de trabalho, que ele

carrega dentro de si esse valor, o que Marx coloca em xeque, dizendo que o homem não é

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dono de sua própria força de trabalho, pois ele mesmo é uma propriedade privada. Quando

reduzimos a riqueza exterior a um elemento simples – o trabalho –, estamos a um passo de

reconhecer que a essência geral da riqueza é o trabalho em sua forma mais absoluta: a abstrata.

Explicita, assim, que a riqueza não provém da terra, mas é proveniente do trabalho abstrato,

explorado, pois, para os fisiocratas, o trabalho nada mais é do que a essência da propriedade

fundiária. Esse é um processo científico de reconhecimento do trabalho, já que primeiro

aparece como trabalho agrícola e depois como trabalho em geral.

As condições de vida com a indústria se reduziram a duas: o trabalho acumulado e a

propriedade de um lado e, de outro, o trabalho real. Se uma dessas condições desaparecerem,

desaparecerá também a troca (MARX, 2004).

A divisão do trabalho significa, também, uma divisão das condições de trabalho.

Assim, reparte-se o capital acumulado entre diversos proprietários e, à medida que o trabalho é

mais fracionado, há um maior acúmulo desse capital. Esse trabalho fragmentado é tratado

como algo à parte do indivíduo, desvencilhando-se de todo o conteúdo de suas vidas. Tal

trabalho só tem seu valor no comércio.

Além disso, a divisão do trabalho implica também a contradição entre o interesse do

indivíduo isolado ou da família isolada e o interesse coletivo de todos os indivíduos

que mantêm relações entre si; e, ainda mais, esse interesse comunitário não existe

somente, digamos, na representação, como “universal”, mas primeiramente na

realidade concreta, como dependência recíproca dos indivíduos entre os quais o

trabalho é dividido (MARX; ENGELS, 2001, p. 29).

Porém, no “Manifesto Comunista” (MARX, 1998), percebemos que a relação

capital/trabalho não é casual. Juntamente ao desenvolvimento da burguesia, desenvolveu-se

também o proletariado, constituído pela classe operária moderna, a qual vive de seu trabalho

assalariado e só possui esse trabalho enquanto estiver funcionando como produtora de mais-

valia. Os trabalhadores são coagidos a vender-se, comparados a qualquer outra mercadoria que

se queira e sujeitos a todas as manobras de mercado. Além de serem oprimidos pelo

fabricante, ainda são submissos ao senhorio, ao varejista, ao penhorista, entre outros.

A organização do operariado em classe é sufocada pela concorrência interna, entre si,

gerada pelo sistema político e, nesse sentido, os trabalhadores estão sempre disputando, com

seus companheiros, um emprego para o sustento de sua família; porém sempre se refazem

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enquanto classe, cada vez mais sólida. Para Marx (1998), é asqueroso o discurso capitalista

sobre o doce laço familiar, sendo que a indústria destrói tais laços e faz dos filhos dos

operários meros artigos de comércio.

1.2. Trabalho enquanto formador de mais-valia

Em sua obra “Salário, preço e lucro”, Marx (2006) relata como se dá o processo de

valoração e de obtenção de mais-valia. Trata-se do contato do produto com o trabalho vivo –

trabalho humano –, que faz com que haja a conservação e geração de valor de uso. Portanto, o

trabalho é a ação orientada a um fim, que gera valor de uso e faz a mediação entre o homem e

a natureza.

Observamos duas formas de mais-valia: a absoluta e a relativa. A primeira consiste no

aumento das horas trabalhadas e a segunda no aumento da produtividade; porém, em ambas, a

remuneração não se altera. O trabalhador acrescenta à mercadoria o valor exato que

corresponde ao que a ele foi pago, mas o processo de valoração é completamente diferente do

processo de trabalho (MARX, 1996).

Nessa forma de trabalho, a abstrata, podemos ainda ressaltar a divisão do trabalho, sua

fragmentação, o que o tornou ainda mais estranhado, parcelando a atividade do ser, sendo que

dessa forma não obteriam conhecimento sobre o todo do trabalho. Afinal, para o capitalista,

isso nada importa: o que se faz relevante é apenas a obtenção de mais-valia.

O intuito do capitalista é produzir algo que tenha valor de uso e valor de troca, para que

possa ser vendido, ou seja, uma mercadoria. O valor dessa mercadoria tem que ser maior que o

valor que o capitalista gasta para produzi-la, pois o objetivo é lucrar. Como na produção

ocorre o processo de valoração de uso e de valor, então, na produção observamos duas

unidades: a do trabalho e a da formação de valor.

O capitalista compra do trabalhador um dia de dispêndio de força de trabalho, sendo

que apenas meio dia, por exemplo, é necessário para esse trabalhador ser ressarcido

suficientemente para a sua sobrevivência. O quantum de trabalho não pago, que corresponde à

outra metade do dia trabalhado, é o que chamamos de mais-valia.

Podemos encontrar na obra “O capital” (MARX, 1996) que essa é a obtenção de mais-

valia – o excedente do tempo não pago –, ou seja, a mais-valia é obtida pelo trabalho não pago

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pelo capitalista. Se o operário trabalha doze horas, ele recebe, no exemplo dado, o equivalente

a seis horas.

O capitalista, para obter um maior grau de mais-valia, suga ao máximo o operário.

Com a superprodução, o valor do trabalho diminui; porém, ao mesmo tempo, o salário

aumenta, mas não na mesma proporção em que a força de trabalho se esgota. Ao lutar pelo

aumento de salário correspondente à intensidade do trabalho, o operário age contra a

depreciação de seu trabalho.

Em período de crise ou estagnação do capital, é comum que os trabalhadores tenham o

salário diminuído, ou que sejam desempregados. Nessa época, há que se combinar com o

capitalista uma diminuição coerente dos salários e, no momento de prosperidade, exigir

aumento. Do contrário, não receberia nem a média do valor de seu salário (MARX, 1996).

Todavia, é um corpo coletivo que está ligado à produção de mercadorias: uns

trabalham mais com o físico e outros com o intelecto, porém, ambos participam diretamente

da produção.

Há também o caso em que o indivíduo que vende sua força de trabalho é assalariado,

mas não é trabalhador produtivo. Assim, seu trabalho é utilizado pelo valor de uso que tem,

como o docente, por exemplo. Entretanto, podemos notar dualidades, como no fato de que há

trabalhos improdutivos que fazem parte da produção e podem ser encontrados no produto final

(MARX, 1996).

O valor do trabalho depende de dois elementos básicos: o físico e o histórico-social. O

primeiro se refere ao fato de o trabalhador se manter vivo como indivíduo. O segundo se

refere ao padrão de vida tradicional de cada local, e este pode aumentar, diminuir ou se

extinguir. Nesse valor histórico social, podemos incluir a lei da oferta e da procura. Um meio

bastante comum de driblar essa lei e desvalorizar o trabalho é a inserção da maquinaria

(MARX, apud. ANTUNES, 1999).

Karl Marx, nos seus manuscritos, revela a crueldade com a qual os capitalistas tratam

os trabalhadores na incessante obtenção de mais-valia.

Cada indivíduo especula sobre o modo de criar no outro uma nova necessidade para

obrigá-lo a um novo sacrifício, para levá-lo a uma dependência, para desviá-lo para

uma nova forma de gozo e com isso, da ruína econômica. Cada qual trata de criar

uma força essencial estranha sobre o outro, para encontrar assim satisfação para seu

próprio carecimento egoísta (MARX, 2004. p. 182).

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Em suma, isso significa que o capital forçosamente faz com que as coisas estejam ao

seu favor; porém, não quer dizer que os trabalhadores devam parar de lutar, já que, se isso

acontecer, estarão fadados à miséria.

Como vimos, o trabalho é a fonte de existência do homem, já que é através dele que se

estabelecem as relações sociais. Diante disso, o trabalho aqui é encarado como categoria

sociológica central.

1.3. O trabalho como princípio educativo

A princípio, faremos uma breve apresentação de Gramsci, para que possamos

compreender melhor como se deu a elaboração de suas ideias. E, posteriormente, tendo

elucidado o que entendemos por trabalho, trataremos então o trabalho como base do processo

educativo. Como o trabalho se relaciona com a educação? Por que essa relação é importante?

Qual o conceito de trabalho como princípio educativo por Gramsci?

Antonio Gramsci nasceu no dia 22 de janeiro de 1891, em Ales, sendo o quarto entre

sete filhos. Desde pequeno, sempre teve uma saúde frágil e uma infância difícil, com a família

passando por dificuldades financeiras. Terminou o curso primário em 1902, e teve que deixar

a escola para trabalhar em um cartório e ajudar a família. Porém, conseguiu retomar os

estudos, com a ajuda de sua mãe e suas irmãs. Enquanto estudava, passou a morar com o

irmão mais velho, que era secretário de seção do PSI (Partido Socialista Italiano). Criando um

contato com o partido, Gramsci passa a fazer parte dos grupos juvenis do partido, discutindo

os problemas econômicos e sociais da Sardenha. Em tal processo, ele desenvolve uma rebelião

contra os ricos, conjuntamente a um orgulho regionalista. Dessas suas opiniões, em 1910

publica seu primeiro artigo, “L’Unione Sarda”. É nessa época também que tem seu primeiro

contato com as leituras de Marx. Ao longo de sua juventude, tenta se formar no ensino

superior, embora sua saúde sempre frágil dificulte esse seu desejo. Então, dedica-se a escrever

artigos de cunho socialista, na condição de jornalista (COUTINHO, apud. GRAMSCI, 1999).

Em 1917, torna-se secretário da Comissão Executiva Provisória da seção turinense do

PSI e assume a direção do “Il Grido Del Popolo”. Já em 1919, juntamente a outros

companheiros na militância, cria a revista “L’OdineNuovo” por meio da qual Gramsci traria

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grandes contribuições teóricas. Em 1921, cria-se a seção italiana da Internacional Comunista e

Gramsci participa compondo o novo Comitê Central do Novo Partido, passando a liderar o

PCI (Partido Comunista Italiano).

Gramsci casou-se em 1923 e teve dois filhos. No ano de 1926, é levado preso pelo

regime fascista com a acusação de conspiração, mas no ano de 1934 consegue liberdade

condicional para tratar de sua saúde. Foi internado em uma clínica, na qual passou o resto de

seus dias, vindo a falecer em 1937.

É importante ainda mencionar que, na época do cárcere, Gramsci continua a realizar

seus estudos e análises, e escreve considerações a respeito de diversos temas, pois assim o foi

permitido. Ele se comunicava através de cartas com a família, sempre preocupado em estar

inteirado do que estava acontecendo no país e com a educação de seus filhos (um dos motivos

pelos quais se volta para a educação). Lia também o jornal e os livros que seus familiares lhes

mandavam (COUTINHO, apud. GRAMSCI, 1999).

Faz-se necessário esclarecer o momento histórico no qual Gramsci estava pensando a

questão da educação. Na Itália, já vivenciavam a organização do trabalho baseada na produção

em massa do fordismo, e sentiam todos os efeitos dessa forma de organização fabril nos outros

setores da vida em sociedade. O trabalho era intenso, a fábrica tinha um alcance que ia além

de seus muros, mas tentava controlar toda a vida do operário, para que ele fosse mais rentável.

Nas escolas, era ensinado às crianças meramente o necessário para serem empregáveis nessas

fábricas; a escola não era mais formadora de humanidades, mas de trabalhadores alienados.

Com isso, o ensino se tornou pobre em conteúdos teóricos, ensinando apenas a prática,

separando o saber como um todo.

A tendência educacional do momento estava diluindo os conteúdos de ensino,

precarizando assim a aprendizagem. Com um ar novidadeiro, havia uma supervalorização dos

desejos e anseios das crianças, permitindo que elas brincassem mais tempo, vindo com um

discurso de valorização da infância e do brincar, bem como de um ensino prazeroso e lúdico,

deixando a criança senhora de sua própria aprendizagem, pois esta agora era o centro do

ensino, em detrimento de uma educação que transmitisse o saber de forma sistematizada. A

educação estava voltada para a formação de mão de obra, com um ensino profissionalizante,

tendência essa chamada de escolanovismo, que veremos mais detidamente. O contraponto

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dessas tendências era a escola clássica que, apesar de alguns pontos dos quais Gramsci

discordava, a seu ver ainda era a mais viável.

Esse favoritismo à escola clássica que, naquele contexto, significava pensar em

disciplina mental, formação cívica e consciência histórica, passou a compor parte dos

Cadernos do Cárcere, obra mais importante de Gramsci, escrita durante o tempo em que ficou

preso, como sugere o nome. Essa discussão a respeito da escola clássica está intimamente

relacionada com a denúncia do aspecto técnico de ensino, e com uma proposta educacional

que diferisse daquela em vigor na Itália. Gramsci criticava o próprio partido socialista pela

ausência dessa proposta e, em tal sentido, outro aspecto a que deve se tomar nota nas críticas

ao modelo de educação é quanto à divisão de gênero que ocorria nesse ensino. Segundo

Manacorda (2008):

O fato é que, observava Gramsci, partindo de uma consideração vagamente marxista,

a ‘especialização não-natural’ dos homens, não baseada na capacidade, obriga os

proletários a se atirarem às escolas técnicas e profissionais, quando para o

proletariado é necessária uma escola desinteressada, uma escola humanística, em

suma, como a pretendia os antigos e os homens mais recentes do renascimento

(MANACORDA, 2008, p. 37).

Essa obrigatoriedade do proletariado a se atirar nas escolas técnicas se deve ao fato de

o trabalho não poder mais assumir plenamente seu caráter ontológico, concreto, em que o

trabalhador se reconhece nele. Mas, por assumir um caráter abstrato, em que a força de

trabalho não pertence mais ao trabalhador, ela tem um dono – um comprador – e essa força de

trabalho precisa atender às necessidades desse comprador. Assim, pretendia-se uma escola

desinteressada, que não pretendesse manipular de alguma maneira a formação dos indivíduos

em detrimento das necessidades gananciosas de um grupo, defendia-se uma escola humanista,

que desenvolvesse o individuo em todas as suas potencialidades.

Segundo Manacorda (2008), originariamente a respeito da cultura é que Gramsci

desenvolve seu raciocínio acerca da educação. Anteriormente, o debate acalorado se refere à

concepção de cultura, uma vez que, para ele, a cultura não é algo dado naturalmente, que está

inserido no interior de cada homem. Ela é criada e também adquire caráter objetivo, que é a

sua propagação. Por isso, propõe uma organização ativa e voluntária de uma cultura que possa

auxiliar no desenvolvimento político e econômico. E é com esse intuito que Gramsci se

interessa pela educação, sendo ela um instrumento que pode justamente organizar essa cultura.

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Essa defesa à organização da cultura também se remete ao acesso a essa organização: o acesso

à escola. Assim, Gramsci reivindica o acesso à cultura pelo proletariado e, mais que isso,

reivindica uma autonomia cultural em relação à burguesia. Mas, já em seus textos, Gramsci

aponta para o domínio ideológico burguês nas escolas, apoiado pelo Estado, enquanto, de

outro lado, nessa época havia a forte influência do clero no ensino e a grande pretensão de

monopolizar o que era ensinado. Por isso, defendia-se que a escola deveria ser livre do

controle do Estado, organizada pela iniciativa privada (referindo-se a entidades locais,

associações, sindicatos, partidos) e pelas comunidades. Cabe lembrar aqui que o sentido de

privado não é como vemos hoje, relacionando-o diretamente a grandes monopólios industriais,

ou bancos internacionais.

Nesse sentido, Gramsci ainda não chega a propor uma escola unitária; a

intencionalidade aqui é apenas de uma escola profissional diferente, um ensino que possa ser

educativo e não meramente formativo. Posteriormente a esse momento, em 1919, a Itália sofre

a influência soviética e finalmente organiza o partido comunista italiano. Gramsci está no

cerne dessa organização e surge com o primeiro Ordine Nuovo, estando inserido nesse a

atividade de organizar e promover a cultura.

De acordo com Manacorda (2008) as cartas que escrevia a seus familiares diziam

respeito, no geral, à luta contra o senso comum, bem como à degradação intelectual da

sociedade como um todo, no passar de geração para geração. Era notório que os adultos já não

se ocupavam por tanto tempo com atividades de cunho intelectual e, por sua vez, não

transmitiam essas práticas às crianças, que estavam sendo educadas de maneira

descompromissada, pois agora se dava valor ao ser criança, ou seja, a permitir que exercessem

sua infância, oferecendo-lhes mais tempo de diversão e não lhes cobrando os estudos. Assim,

deixavam de lhes incentivar o desenvolvimento intelectual, relegando-as à liberdade de seu

espontaneísmo. O que Gramsci percebe é que as crianças daquela geração, devido a essa

supervalorização da infância, mostravam-se um tanto quanto imaturas intelectualmente em

correspondência às crianças de outrora.

Toda atitude de respeito à espontaneidade, em sua carência de respeito pela natureza

da criança, é, na realidade, renúncia a educar, a formar o homem segundo um plano

humano; é o abandono completo da criança ao autoritarismo, ou seja, a pressão

exercida objetivamente pelo ambiente. Esta é a conclusão amadurecida a que chega

Gramsci (MANACORDA, 2008, p. 86).

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Nos anos que seguem, em pleno regime fascista, a escola italiana toma rumos cada vez

mais preocupantes, o que faz com que Gramsci tenha atitudes de repúdio quanto à escola,

sendo que anteriormente enfatizava o ensino da cultura tradicional. Agora não a vê mais dessa

maneira; pelo contrário, entende a necessidade de ir em busca de novos conteúdos.

Se recordarmos que Gramsci havia começado reivindicando uma escola

desinteressada para o proletariado, identificando-a com a escola da tradição

humanística, pode-se medir o caminho por ele percorrido até chegar a esse repúdio: a

recuperação crítica da instrução desinteressada será possível somente muitos anos

depois. É ainda perceptível, aqui, segundo me parece, uma certa permanência de uma

oposição intransigente ao patrimônio cultural tradicional, ao menos em nível escolar,

o que demonstra a durável influência exercida sobre Gramsci pelo Proletkult; mas já

sabemos como ele complementa e qualifica essa influência com a busca positiva de

novos conteúdos culturais (MANACORDA, 2008, p. 53).

Uma das coisas que impulsionava o pensamento de Gramsci com relação à escola era o

conhecimento que ele tinha a respeito da escola soviética1, sobre a qual ele adquiriu

informações tempos antes e que, no momento em que escrevia os “Cadernos do Cárcere”, em

1930, estava passando por uma outra fase.

A escola soviética estava tentando novamente impulsionar o assim chamado

politecnicismo, quer dizer, a escola única do trabalho, que era uma tentativa de ser fiel às

hipóteses marxistas e leninianas.

Escrevendo à mulher na União Soviética, Gramsci deveria estar bem consciente de

que não estava enunciando um princípio, em si, novo ou original; toda a

reformulação soviética sobre as posições marxistas em torno da instrução centrava-

se, essencialmente nesse objetivo de formação de homens harmoniosa, total,

omnilitarelmente desenvolvidos. Lênin, que ainda jovem fora o primeiro leitor

inteligente da pedagogia marxista, escreverá que, no socialismo, se passará a

supressão da divisão do trabalho entre os homens, à educação, instrução, preparação,

de homens omnilateralmente desenvolvidos e omnilateralmente preparados, de

homens capazes de tudo (MANACORDA, 2008. p. 110).

Outra ideia que Gramsci amadurece, e que se torna muito importante no que se refere

as suas reflexões sobre educação, é a noção de “trama privada”, a classe dominante exerce

1Segundo Manacorda (2010), no início do século XX, a União Soviética realizava experiências na educação, no

intento de colocar em prática uma escola de bases socialistas. Lênin, sua esposa Krupskaya e Makarenko são

grandes nomes que atuaram na concepção dessa escola.

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uma manipulação ideológica, utilizando a seu favor o Estado, e, como espaço dessa

manipulação, não se menciona apenas a escola.

A hegemonia que a classe dominante ou, em seu favor, o Estado, exerce pelos

intelectuais, é aqui vista em seu aspecto mais geral de relação política; não se fala

mais de escola, como a propósito dos moradores, mas da ‘trama privada’ do Estado.

Gramsci logo irá colocar – como veremos – ao lado das organizações políticas,

também todas as outras instituições educativas de consenso, e entre estas, a escola. O

tema do ‘governo’ e do ‘consenso’ não é, aliás, outro senão o tema já expresso nas

páginas precedentes como ‘domínio’ e ‘direção’, dos quais já conhecemos os

equivalentes nos planos molecular-pedagógico e universal-político (MANACORDA,

2008, p.139).

Gramsci passa a analisar essa trama privada na educação, pois para ele o americanismo

representava e elaboração de um novo tipo de ser humano, o que mais tarde chamaria de

‘racionalização da população’.

De acordo com Manacorda:

O americanismo é, portanto, no mundo de hoje, uma concepção do mundo e uma

ação real que modifica tanto a realidade externa e a cultura quanto o homem interior,

criando um futuro que a ele se conforma. Indubitavelmente, Gramsci aprendeu a

lição marxista e leninista sobre ‘a função civilizadora do capital’ e, frente à

destruição dos velhos hábitos e modos de vida, realizada pelo industrialismo, não se

refugia na lamúria conservadora, nem lhe contrapõe projetos utópicos. Em vez disso,

retornará bem rapidamente a recordação da experiência ‘americanista’ do Ordine

Nuovo, seu orgulho recorrente (MANACORDA, 2008, p.146).

Uma maneira de superar essa concepção é a existência da escola unitária. A discussão

sobre tal conceito surgiu do pensamento de intelectualizar a prática e colocar em prática a

teoria e, a essa discussão, nos “Cadernos do Cárcere”, Gramsci intitulou de “A Escola

unitária”. Quer dizer que essa escola une a teoria e a prática, ou seja, práxis, conceito esse já

apresentado por Marx e por Lênin. Pois não há atividade puramente prática, assim como não

há atividade puramente intelectual. Prática e teoria são indissociáveis no fazer do ser humano

e, por isso, devem estar inseridas também no processo educativo.

Marx já alertava sobre esse caráter da divisão do trabalho, entre material e intelectual,

que está fundamentada sobre a divisão de classes e os interesses do capital de um lado, e os

interesses do trabalho assalariado de outro.

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[...] pela divisão do trabalho, torna-se possível, ou melhor, acontece efetivamente que

a atividade intelectual e a atividade material – o gozo e o trabalho, a produção e o

consumo – acabam sendo destinados a indivíduos diferentes; então a possibilidade de

esses elementos não entrarem em conflito reside unicamente no fato de se abolir

novamente a divisão do trabalho (MARX, 2001. p. 27).

Ainda não podemos deixar de mencionar, também, a íntima relação entre a divisão do

trabalho e o surgimento da propriedade privada, pois a partir do momento em que começou a

haver a propriedade privada é que a divisão do trabalho se deu de fato, uma vez que, como

mencionamos anteriormente, a primeira forma de propriedade privada é o escravo. O seu dono

planejava o trabalho e o mandava executar; nesse exemplo simples podemos ver a divisão

entre o trabalho intelectual do proprietário e o trabalho braçal do escravo, relacionando assim

a posse de um sobre o outro.

Qual a relação dessa divisão do trabalho com a escola unitária? Unitária, justamente

por reunir em si a instrução prática/manual e a instrução teórica/intelectual, como forma de

superar e abolir essa divisão do trabalho, conforme sugerido por Marx. Assim, o ensino não

deixa de ser uma frente de luta para a derrocada do capitalismo, tentando diluir a

desigualdade, sobre a qual ele se sustenta.

Ainda pensando como deve ser essa escola, a primeira preocupação de Gramsci

quanto a sua elaboração é refletir acerca dos vários graus escolares a serem fixados, que

devem ser adequados aos fatores psicológicos e ao objetivo de introduzir o jovem na vida

social. O que dá base para esse pensamento é a escola clássica da Itália, que possuía quatro

níveis: elementar, ginásio, liceu e universidade.

Adentraremos agora no cerne da questão educacional para Gramsci, analisando os

escritos do Caderno 12 (2001), que discorre a respeito do intelectual e do princípio educativo.

Gramsci inicia esse caderno falando das várias formas pelas quais os intelectuais vêm se

apresentando ao longo do curso da história. São duas as mais importantes.

Primeiro: todo grupo social que aparece mediante uma função, em meio à produção

econômica, cria para si uma ou mais camadas de intelectuais que lhe conscientizam da própria

função nos campos, econômico, social e político. Por exemplo: o capital cria o empresário,

que por sua vez cria o técnico da indústria, o estudioso das políticas econômicas, entre outros.

O empresário é caracterizado por uma capacidade dirigente e técnica mais elevada; esse

conhecimento deve ir além do âmbito de suas atividades e, minimamente, atingir outros

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âmbitos mais próximos das atividades que exerce. Ao menos uma elite desses empresários

deve possuir essa capacidade de gerir a sociedade em geral, tendo em vista a expansão da

própria classe. Do contrário, deve pelo menos selecionar os candidatos capazes de realizar as

tarefas de maneira confiável. Tendo em vista isso, percebe-se que a nova classe cria

especializações em seu desenvolvimento progressivo.

Segundo: todo grupo que surge através de uma estrutura econômica anterior aparece

como representante de uma continuidade histórica. Como exemplo típico, temos os clérigos,

que durante muito tempo detiveram o controle da filosofia, ciência, escola, instrução moral,

justiça, assistência etc. Esses são os grupos de intelectuais tradicionais.

Esses intelectuais devem ser reconhecidos pelas relações sociais que estabelecem, que

o caracterizam como tal, e não apenas por sua atividade. Como o empresário, que é

reconhecido pelas relações que estabelece de modo geral, e não pelas atividades que

realiza.Pode-se dizer que todos os homens são intelectuais, embora nem todos eles exerçam

essa função de intelectual na sociedade. Dessa maneira, ao longo da história, formaram-se

categorias para essa função social do intelectual. A organização da escola medieval reflete a

importância dessa função social e como se buscou aprimorá-la, aumentando o número de

especializações para, assim, aperfeiçoá-las. Quer dizer que a escola funciona como formadora

desses intelectuais, sendo até mesmo vista como um parâmetro para a cultura de determinado

Estado, pois, quão maiores forem os graus de aprendizado, quer dizer, maior o grau de

especialização da escola, e maior for a quantidade dessas escolas, mais elevado será o nível

cultural desse determinado Estado.

A escola é instrumento para elaborar os intelectuais de diversos níveis. A

complexidade da função intelectual nos vários Estados pode ser objetivamente

medida pela quantidade de escolas especializadas e pela sua hierarquização: quanto

mais extensa for a “área” escolar e quanto mais numerosos forem os “graus”

“verticais” da escola, tão mais complexo será o mundo cultural, a civilização, de um

determinado Estado (GRAMSCI, 2001, p. 19.).

Uma importante observação a respeito da elaboração da organização da escola unitária

é quanto ao seu currículo, de acordo com a idade e com o desenvolvimento intelectual e moral

da criança, bem como de acordo com o objetivo que a escola pretende alcançar. E esse

objetivo deveria ser inserir o jovem na vida social, assim que ele tiver alcançado a capacidade

de criação intelectual e que, na prática, tenha certo grau de autonomia e iniciativa.

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Dependendo das condições gerais da economia, pode ser que os jovens tenham a

responsabilidade de prestar um retorno produtivo imediato. Segundo Gramsci, o ideal seria

que a escola fosse bancada pelo Estado, e não que estivesse na mão de iniciativas privadas.

A escola unitária requer que o estado possa assumir as despesas que hoje estão a

cargo da família no que toca à manutenção dos escolares, isto é, requer que seja

completamente transformado o orçamento do ministério da educação nacional,

ampliando-o enormemente e tornando-o mais complexo: a inteira função de

educação e formação das novas gerações, sem divisões de grupos ou castas. Mas esta

transformação da atividade escolar requer uma enorme ampliação da organização

prática da escola, isto é, dos prédios, do material científico, do corpo docente etc

(GRAMSCI, 2001, p. 36).

Nesta passagem Gramsci menciona a necessidade do Estado ter a responsabilidade

sobre a escola unitária, devido às demandas de cunho estrutural dessa escola, embora antes

tivesse mencionado a não intervenção do Estado na educação, mas o que podemos perceber

aqui é a necessidade das questões materiais que esta escola demanda necessitando do Estado,

porém não se admite a intervenção no que se refere a manipulação ideológica do ensino.

Para atender às intenções dessa escola, é necessária uma estrutura mais complexa, pois

ela deveria ser uma escola de tempo integral, contendo dormitórios, refeitórios, bibliotecas e

salas adequadas para seminários. É por isso que, a princípio, a escola unitária deve contemplar

apenas uma parte dos jovens, que seriam escolhidos mediante concurso ou indicados por

instituições adequadas. Basicamente, Gramsci divide o período escolar, mencionando que o

nível elementar deveria ter a duração de três a quatro anos, contendo nesse tempo o ensino das

primeiras noções de leitura, escrita, operações matemáticas, noções básicas de geografia e

história, juntamente ao desenvolvimento das noções de direitos e deveres, ou seja, noções

mínimas de Estado e Sociedade. O restante do curso não deveria atingir mais que seis anos de

duração, sendo que, assim, o jovem de quinze anos poderia ter concluído todo o ensino da

escola unitária.

Mas, para Gramsci, o principal problema no que se refere à educação está no liceu –

ensino médio – pois este não tem se diferenciado dos demais ensinos anteriores, a não ser pelo

suposto amadurecimento intelectual e moral que o ensino médio pressupõe. Todavia, há um

grande salto do ensino médio para a universidade e, no que se refere à vida social do

indivíduo, do ensino em que se predominam as funções da memória, passa-se para a exigência

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de criação autônoma, transitando da rotina escolar que exigia disciplina de maneira imposta,

para uma fase de trabalho e estudo em que a autodisciplina intelectual e moral exerce papel

fundamental. Isso ocorre conjuntamente às crises morais da puberdade. Tentando dar cabo a

tal problema, na escola unitária, nessa fase é muito importante que se criem os valores do

humanismo, da autodisciplina intelectual e da autonomia moral, que serão necessários à

continuidade das especializações, quer o aluno se especialize nos estudos universitários, quer

seja em cursos mais práticos e técnicos.

O advento da escola unitária significa o início de novas relações entre trabalho

intelectual e trabalho industrial não apenas na escola, mas em toda a vida social. O

princípio unitário, por isso, irá se refletir em todos os organismos de cultura,

transformando-os e emprestando-lhes um novo conteúdo (GRAMSCI, 2001, p. 40).

Aqui podemos perceber as mesmas intenções de Marx, ao formar – de maneira ampla e

completa – o ser humano, em todas as suas potencialidades, no que envolve trabalho, cultura e

vida social.

[...] na sociedade comunista, em que cada um não tem uma esfera de atividade

exclusiva, mas pode se aperfeiçoar no ramo que lhe agradar, a sociedade regulamenta

a produção geral, o que cria para mim a possibilidade de hoje fazer uma coisa,

amanhã outra, caçar de manhã, pescar na parte da tarde, cuidar do gado ao anoitecer,

fazer crítica após as refeições são meu bel prazer, sem nunca me tornar caçador,

pescador ou crítico (MARX; ENGELS, p. 28. 2001).

Gramsci ainda menciona que a principal função dessa escola é lutar contra o folclore,

ou seja, o senso comum, direcionando o indivíduo para uma concepção mais moderna.

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Com o seu ensino, a escola luta contra o folclore, contra todas as sedimentações

tradicionais de concepções do mundo, a fim de difundir uma concepção mais

moderna, cujos elementos primitivos e fundamentais são dados pela aprendizagem da

existência de leis naturais como algo objetivo e rebelde, às quais é preciso adaptar-se

para dominá-las, e de leis civis e estatais, produto de uma atividade humana, que são

estabelecidas pelo homem e podem ser por ele modificadas tendo em vista seu

desenvolvimento coletivo; a lei civil e estatal organiza os homens do modo

historicamente mais adequado a dominar as leis da natureza, isto é, a tornar mais

fácil seu trabalho, que é a forma própria através da qual o homem participa

ativamente na vida da natureza, visando a transformá-la e socializá-la cada vez mais

profunda e extensamente. Pode-se dizer, por isso, que o princípio educativo no qual

se baseavam as escolas primárias era o conceito de trabalho, que não pode se realizar

em todo o seu poder de expansão e de produtividade sem um conhecimento exato e

realista das leis naturais e sem uma ordem legal que regule organicamente a vida dos

homens entre si, ordem que deve ser respeitada por convicção espontânea e não

apenas por imposição externa, por necessidade reconhecida e proposta a si mesmo

como liberdade e não por simples coerção. O conceito e o fato do trabalho (da

atividade teórico-prática) é o princípio educativo imanente à escola primária, já que a

ordem social e estatal (direitos e deveres) é introduzida e identificada na ordem

natural pelo trabalho (GRAMSCI, 2001, p. 42).

O trabalho é uma categoria sociológica central, isto é, a força vital da sociedade, seja

qual for sua maneira de organização, pois é a fonte da existência humana. A escola tendo o

objetivo de transmitir o conhecimento ao aluno, de forma a prepará-lo para estar inserido na

sociedade, e a sociedade funcionando mediante o trabalho: como não ser esse o princípio

educativo? Caso não o seja, não conseguimos aqui vislumbrar um outro princípio para se

educar, que não a razão da própria existência humana e do convívio em sociedade. Uma vez

que, a partir do trabalho, se organiza toda a sociedade, este princípio organizativo, deve

organizar também a educação, para que o individuo possa participar plenamente da vida em

sociedade. Proporcionando um ensino que vá da instrução ao trabalho prático, e para tanto é

necessário o domínio do conhecimento a respeitos das leis naturais, sobre as quais a ação

laboral atua, bem como o domínio do conhecimento sobre as leis humanas, que regem a

sociedade e são criadas a partir do trabalho.

Se a sociedade é organizada mediante o trabalho, então a escola deve ensinar como se

dá essa organização da sociedade, levando a conhecimento a sociedade em que o indivíduo

está inserido, deve ensinar a respeito do processo de trabalho e as relações que este estabelece

no processo de trabalho. Tratando dos aspectos sociais, políticos e práticos desse trabalho.

Ensinando-lhes o ofício propriamente dito, com as oficinas e laboratórios, bem como

explicitando o funcionamento das relações de trabalho.

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A pretendida escola unitária tem como intuito transmitir o conhecimento de acordo

com a práxis – teoria e prática – de determinado conhecimento. Sendo o trabalho o princípio

educativo, é sobre ele que a práxis irá se debruçar, de modo a transmitir ao aluno o

conhecimento prático e teórico do trabalho, para que ele possa viver em sociedade com leis

que regulem essa vida, absorvendo dessa lei uma convicção espontânea, e não lhes sendo

imposta, como mencionou Gramsci.

No que se refere às condições para que essa reforma na educação aconteça, ele faz uma

pergunta no caderno oito: pode-se realizar uma mudança na cultura sem que haja mudança

econômica? E responde que essas transformações estão intimamente ligadas.

Por isso a reforma intelectual está sempre ligada a um programa de reforma

econômica, ou melhor, o programa de reforma econômica é o modo concreto com o

qual se apresenta toda reforma intelectual e moral (MANACORDA 2008, p. 223).

Quer dizer que uma reforma na educação está ligada a mudanças na economia de

maneira indissociável; a educação sustenta o sistema e o sistema dita as normas para a

educação. Assim sendo, a educação tem um importante papel na caminhada para a ruptura

com o sistema capitalista, constituindo-se como um campo de luta extremamente importante.

Segundo Semionato (1995), no Brasil, a inserção das ideias de Gramsci se dá por volta

dos anos 60, em pleno estabelecimento da ditadura militar. Nesse momento, ainda há uma

pequena liberdade cultural e filosófica, mas que ainda não era o suficiente para suscitar

debates com esse referencial.

Porém, de maneira um pouco mais sólida, as ideias de Gramsci passam a fazer parte do

cenário nacional, no âmbito acadêmico e nos partidos de esquerda, devido à iniciativa de

alguns teóricos em traduzirem suas obras, entre eles, Carlos Nelson Coutinho, Leandro Conder

e Luiz Mário Gazzaneo.

Segue a sequência das primeiras obras publicadas em terreno nacional: “Materialismo

Histórico e a filosofia de Benedetto Croce” (por problemas de censura foi publicado com o

título de “Concepção dialética da História”) e as “Cartas do Cárcere” datam de 1966; em 1968

são publicados “Os Intelectuais e a Organização da Cultura”, “Literatura e Vida Nacional” e

“Maquiavel, a política de Estado moderno”. Com esse contexto político, apesar das

publicações, as ideias de Gramsci ainda não conquistam grande aderência nos pensamentos

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contra-hegemônicos, pois são obras densas. Não ocorrem tantos debates nessa época, e ele

ainda não é considerado como autor relacionado a um projeto político (SEMIONATO, 1995).

O que a priori se constata é que, ainda nas décadas de 60 e 70, a ditadura exercia sobre a

universidade um controle muito rígido; não se podiam realizar discussões de cunho político,

professores foram cassados e os estudantes que se contrapunham ao regime formavam a maior

parte dos presos políticos, sendo torturados e assassinados.

O primeiro momento em que se tratou acerca de Gramsci no ensino superior foi com

Oliveira S. Ferreira, ministrando a disciplina “O conceito de hegemonia em Ciência Política”,

na década de 60, no curso de pós-graduação oferecido pela USP, em São Paulo. Todavia,

ressalta-se que ainda não ganha muita repercussão. Anos mais tarde, outro professor ministrou

disciplinas, incluindo a literatura de Gramsci: Francisco Welffort, também na USP. As

universidades que davam abertura a Gramsci eram principalmente a USP e a UNICAMP,

trabalhando esse autor não apenas no âmbito político, como estava ocorrendo, mas agora

passando a vê-lo nas disciplinas de filosofia. Até mesmo na história e antropologia Gramsci

passou a ser mencionado. Os primeiros a publicarem obras que se referiam aos “Cadernos do

Cárcere” no Brasil foram Michel Löwy, Leandro Konder e Carlos Nelson Coutinho

(SEMIONATO, 1995).

Em 1978, essa discussão começa a ser realizada na PUC – São Paulo, Dermeval

Saviani, ministrando uma disciplina na pós-graduação, intitulada Teoria da Educação, que

tinha por objetivo estudar os escritos de Gramsci. Todavia, Saviani reconhece que a discussão

já havia sido feita anteriormente, em outras áreas, como política e sociologia. A disciplina

dada por Saviani não tinha como objetivo estudar apenas Gramsci e suas concepções, mas

estudar quais eram as contribuições dele para o campo educacional. Segundo Saviani, nessa

disciplina ele optou em partir de um breve panorama sobre a concepção de homem,

articulando isso às demais categorias gramscianas de bloco histórico, de classe, das relações

de força, de Estado, sociedade política e sociedade civil, partido político e ideológico, do papel

dos intelectuais e por fim chegando a escola, quer dizer que procurava se responder, como

Gramsci elucidava a questão do novo bloco histórico, qual seria o lugar da escola na busca

pela hegemonia, na manutenção do bloco histórico corrente na sua transformação

(SEMIONATO, 1995).

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Saviani ainda ressalta que não se trata de encaixá-lo dentro da perspectiva gramsciana,

mas que ele encontra algumas afinidades de pensamento nos textos de Gramsci na tentativa de

solucionar alguns anseios a cerca da educação (SEMIONATO, 1995).

Além de Saviani outros professores também trouxeram o debate de Gramsci para sua

disciplina de pós-graduação na PUC-SP, como Evaldo A. Vieira. Esses debates passaram a ser

cada vez mais acentuados pelo fato de que estes traziam conteúdos a cerca da luta pela

hegemonia, colocando nesse contexto a escola como central.

1.4. Algumas aproximações com Dermeval Saviani

Realizaremos aqui a exposição sobre formação humana de Saviani, considerando este

um teórico que traz grandes contribuições a uma educação que visa transformar a sociedade,

pois a pedagogia histórico-crítica que o tem como principal idealizador, foi elaborada

mediante as contribuições gramscianas, marxistas e vigotskiyanas para a educação. Na

sequência realizaremos um breve relato de algumas experiência de Saviani para que possamos

entender como se constituiu seu pensamento a respeito da educação.

O primeiro texto que organiza o pensamento de Saviani a respeito da educação se

intitula “Escola e democracia: para além da teoria da curvatura da vara” (2009), publicado

inicialmente em 1982, texto este que em 1983 veio compor o livro “Escola e democracia”.

Sendo este um dos textos mais importantes para compreender a pedagogia histórico-crítica,

traremos à tona as ideias nele contidas.

No primeiro capítulo que compõe esse livro, Saviani traz discussões em torno à

marginalidade no que tange a educação. O problema, inicial tratado por ele é a evasão escolar,

que nos países da América latina significa cerca de 50% dos alunos do nível primário.

Levando em conta que esses números nem contabilizam as crianças que nem possuem acesso

a escola. Com relação a este assunto, há dois grupos de teorias pedagógicas que tentam

analisar essa dada realidade, um grupo se refere à educação como elemento capaz de erradicar

essa marginalidade, o outro grupo entende a educação como um elemento criador de

discriminação social, ou seja, a própria escola como produtora de desigualdade (SAVIANI,

2009).

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Saviani denominou o primeiro grupo de ideias de teorias não-críticas e, contrariamente,

o segundo grupo de teorias críticas.

Tomando como critério de criticidade a percepção dos condicionantes objetivos,

denominarei as teorias do primeiro grupo de “teorias não-críticas”, já que encaram a

educação como autônoma e buscam compreendê-la a partir dela mesma.

Inversamente, aquelas do segundo grupo são críticas, uma vez que se empenham em

compreender a educação remetendo-a sempre em seus condicionantes objetivos, isto

é, á estrutura sócio econômica que determina a forma de manifestação do fenômeno

educativo (SAVIANI, 2009, p 5).

As tendências pedagógicas pertencentes ao primeiro grupo são as tendências,

tradicional, pedagogia nova e tecnicista. No segundo grupo temos a teoria do sistema de

ensino como violência simbólica, e teoria da escola como aparelho ideológico do Estado,

teoria da escola dualista. Veremos de forma mais detida cada uma dessas tendências no

capitulo seguinte, nos referindo ao surgimento dessas tendências no contexto brasileiro.

Mas é de suma importância mencionar aqui uma diferença na organização das ideias

desses dois grupos. Saviani alerta para o fato de que, quando realizou a exposição das ideias

não-críticas, o fez de forma que, relatasse não apenas a base teórica em que essas pedagogias

se estruturam, mas também a organização e funcionamento da escola, mediante cada uma

dessas tendências. Porém essa mesma exposição da organização e funcionamento da escola,

não se dá, quando se tratada das ideias pedagogias críticas. Mas porque? Porque essas teorias

não relatam de maneira mais concreta, uma proposta pedagógica, mas apenas realizam uma

análise sobre o funcionamento dessa escola.

Em outros termos, pelo seu caráter, reprodutivista, essas teorias consideram que a

escola não poderia ser diferente do que é. Empenham-se, pois, em mostrar a

necessidade lógica, social e histórica da escola existente na sociedade capitalista,

pondo em evidência aquilo que ela desconhece e mascara: seus determinantes sociais

(SAVIANI, 2009, p. 27).

É importante registrar aqui o motivo do surgimento de várias tendências pedagógicas.

Estas surgiram tentando dar resposta, a uma dada realidade, de maneira que cada classe social

elabora suas ideias de acordo com seus interesses e faz suas propostas de acordo com os

mesmos. No decorrer das exposições das ideias tentaremos concomitantemente trazer o

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motivo pelo qual elas foram pensadas, com base em que realidade? Trazendo respostas a quais

problemas?

Levando em consideração essa problemática e na tentativa de dar soluções a problemas

concretos, como este da evasão escolar, é que Saviani se propõe a pensar em uma nova

elaboração teórica.

No segundo capítulo, “Escola e democracia I: A teoria da curvatura da vara”, Saviani,

traz a problemática da escola de primeiro grau, pensando, qual o papel que esse ensino vem

desempenhando. A tendência que rege a escola nesse momento histórico é a tendência da

pedagogia nova, alvo da discussão. Essa tendência pedagógica surgiu como um contraponto da

pedagogia tradicional, entendendo esta como obsoleta. Pois era uma educação centrada no

professor, que não levava em consideração a vivência do aluno, tendo valor apenas a aquisição

do conhecimento, daqueles conteúdos selecionados como relevantes. As aulas eram

conduzidas apenas de maneira expositiva.

A escola nova passa a relacionar a escola tradicional, como algo completamente

ultrapassado, relacionando-a, ao período medieval, considerando essa pedagogia até mesmo

como anticientífica. O que não é real. Pois a escola tradicional não é anticientífica, e nem

medieval, pois se constituiu após a revolução industrial.

A escola nova, por sua vez, encara o processo educativo, como um processo de

pesquisa, por exemplo, quando diante de uma atividade proposta surge um obstáculo à frente,

professor e alunos são movidos a sair à procura de dados de todas as espécies. A análise destes

dados permite elaborar algumas hipóteses, que por sua vez são experimentadas.

De maneira diferente, o ensino tradicional se propunha a transmitir ao aluno o saber

científico, já organizado. Por isto, essa forma de ensino tem como base o professor e os

conteúdos. Com isso, Saviani considera que essa forma de conduzir a educação, da escola

nova, acaba por misturar o papel da pesquisa e ensino, assim o ensino fica precarizado e a

pesquisa se torna inviável.

Tendo mostrado minimamente essas duas tendências, o que Saviani quis dizer com

curvatura da vara, título do capítulo? Entendendo essas pedagogias como pontos que se

posicionam contrariamente, a vara esta curva, para o lado da pedagogia nova, pois esta é a

tendência pedagógica em vigor nesse momento histórico, a vara, no entanto, deveria se curvar

de modo a se posicionar no centro entre essas duas tendências.

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O ponto seria, valorizar os conteúdos como a escola tradicional, mas como a escola

nova, levar em conta o aluno e sua vivência, apontando assim para uma pedagogia

revolucionária.

Indo assim além dessas duas tendências, como sugere o terceiro capítulo de seu livro,

“Escola e democracia II: para além da teoria da curvatura da vara”. Para isso, ele considera

cinco passos, o primeiro é, ter como ponto de partida para o ensino a prática social, o segundo

passo seria problematizar essa prática social e identificar quais conhecimentos são necessários

nessa ocasião. O terceiro passo seria justamente a apropriação de ferramentas teóricas que

possam ajudar a intervir nesses problemas da prática social. O quarto passo se refere a

utilização dessas ferramentas como elementos que possam transformar a realidade. O último

ponto, diz respeito ao entendimento desse aluno, bem como do professor sobre a prática

social, pois nesse processo o aluno deve ser capaz de realizar análises a respeito da prática

social, elevando seu conhecimento ao nível do professor. Partindo assim, de um ensino que se

inicia de maneira desigual, no ponto de vista do saber e seu ponto de chegada igualitária.

Neste texto Saviani coloca como ponto de partida e chegada para o processo

educativo, a prática social, aqui entendemos essa prática social, como a vivência em sociedade

em todas as suas nuances. Se as relações sociais são estabelecidas por meio da organização do

trabalho, quer dizer que consideramos aqui uma aproximação com a temática do trabalho

como princípio educativo.

No fim desse capítulo, o autor chama a atenção pra a intenção dessa nova proposta e

para o papel do professor nesse processo, primeiramente, essa nova proposta visa o processo

de transformação da sociedade em que os alunos estão inseridos, sendo assim, qual o papel do

professor nesse processo?

Exemplificando: um professor de história ou matemática, ciência [...] etc. tem cada

um uma contribuição específica a dar, em vista da democratização da sociedade

brasileira, do atendimento aos interesses das camadas populares, da transformação

estrutural da sociedade. [...] (SAVIANI, 2009, p. 72).

Com base então, argumenta que a educação deve ser encarada como ato político, pois

deve estar a serviço de desalienar a classe trabalhadora.

Dessa maneira, inicia o capítulo seguinte, tratando essa questão, da educação enquanto

ato político, formulando as seguintes perguntas: “educação e política equivalem-se,

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identificam-se? Se são diferentes em que consiste a diferença?” (SAVIANI, 2009, p. 73). Para

ele, educação e política, embora intimamente relacionadas, são coisas distintas, cada uma com

suas especificidades.

Outro texto importante de Saviani sobre a referida temática, se intitula “O trabalho

como princípio educativo frente às novas tecnologias” (1994), que nos traz algumas projeções

a respeito da escola unitária. Como subsídio para essas projeções, Saviani expõe a contradição

no interior do processo educativo. Com o que se chama de revolução da informática, estamos

vivenciando um momento em que as máquinas não só substituem o trabalho braçal humano,

mas agora passaram a substituir o trabalho intelectual, temos as chamadas máquinas

inteligentes, isso faz com que desapareçam as atividades intelectuais mais específicas, o que

por sua vez eleva o grau de exigência para a formação desse novo trabalhador. Inclusive

empresários admitem a necessidade de uma formação geral mais concisa e o desenvolvimento

da habilidade de lidar com conceitos e desenvolvimento do pensamento abstrato. Agora o

próprio sistema exige mais da escola, que antes proporcionava o acesso ao saber em doses

elementares, pois é sabido que o ser de posse do saber o transforma em força material, a

ciência é convertida em força produtiva. E, de acordo com o sistema capitalista, a quem

pertencem as forças produtivas? Ora, ao próprio capital, sendo assim, não pode estar em poder

da classe trabalhadora, portanto, não convinha que o trabalhador soubesse além do

estritamente necessário. Daí a contradição, ao mesmo tempo que o sistema capitalista nega o

acesso ao saber, agora com a mudança nos meios de produção, é necessário que o trabalhador

tenha acesso a um saber mais conciso e elaborado.

Levando em conta que tudo que pertence ao cunho educativo é delegado à instituição

escolar, logo, essa formação deve acontecer no ambiente escolar. Essa nova necessidade,

então, aponta para a escola unitária de período integral para a formação dessa mão de obra,

que é uma exigência do sistema produtivo. Mas o que faz com que essa escola ainda não tenha

sido colocada em prática? As relações sociais vigentes criam entraves para que o processo

produtivo seja plenamente automatizado e isto, por sua vez, atrasa a efetivação desse tipo de

escola.

Espera-se que a inserção dessa tecnologia nas indústrias brasileiras acentue a urgência

da necessidade de uma outra escola, que atenda as necessidades do novo momento vivido.

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Uma vez feita a exposição das concepções norteadoras do nosso trabalho, cabe aqui,

esclarecer a leitura que fazemos de tais elaborações. O trabalho é a ação orientada a um fim,

que visa a prover a existência dos seres humanos. Por meio dessa atividade, o trabalho, são

dadas as relações na sociedade, é mediante a forma de organizar o trabalho, que se organiza

também a sociedade.

Tendo em vista esse princípio do trabalho como categoria sociológica central,

relacionamos o construto de Gramsci que nos traz o trabalho como principal elemento que

deve permear a educação, contando com uma educação que una a teoria e a prática, saber esse

negado pelos ditames capitalistas. Tendo como fim, desalienar a classe trabalhadora e que esse

saber sirva de instrumento para transformar a realidade em que o aluno vive.

No capítulo seguinte traremos as condições materiais da década de 1980, como base

para o surgimento das ideias pedagógicas contra hegemônicas e o surgimento do trabalho

como principio educativo.

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CAPÍTULO II

O PROMISSOR IDEARIO PEDAGÓGICO DA DÉCADA DE 1980

Neste capítulo, a intenção é realizar a contextualização histórica do Brasil na década de

1980, realizando um breve relato do quadro econômico e sociopolítico, pois entende-se que

essa base material é capaz de nos levar ao entendimento dos entraves ideológicos no interior

do campo educacional. Posteriormente discorreremos a respeito da realidade educacional,

relatando o início da influência neoliberal na política que rege a educação, e trazendo à tona a

organização de grupos de pesquisadores que mais tarde viriam a compor o debate a respeito do

papel da escola e da proposta de um princípio balizador para a educação, foco de nossos

estudos.

2.1. Condições materiais brasileiras da década de 1980, década da esperança

A década de 1980 foi muito importante para o Brasil, uma vez que estava sendo

superada a ditadura militar, a onda de greves iniciada em maio de 1978 ainda tinha força.

Porém, a palavra greve nessa época deveria ser dita com discrição, pois do contrário, os

trabalhadores poderiam ser descobertos pela polícia política infiltrada nos locais de trabalho.

Este foi o período em que mais houve greves no país e no qual a organização dos

trabalhadores esteve mais intensa (GIANOTTI, 2009).

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Enquanto isso, no cenário mundial, grandes mudanças ocorriam, a União Soviética

deixou de ser um grande pólo político e, a partir disso, o mundo passou a sofrer influências de

maneira mais acentuada do império estadunidense.

Segundo Gianotti (2009), mundialmente nesta década houve o enfraquecimento dos

partidos comunistas e segmentos de várias ordens favoreciam o neoliberalismo emergente.

Assim, podem-se destacar algumas eleições que tiveram grande significado, nesse momento

histórico, para a deterioração das ideias de esquerda, com incentivo às ideias neoliberais. Uma

delas foi a eleição do papa João Paulo II em 1978, um conservador e definitivamente

anticomunista, começou a perseguição dos religiosos da igreja católica que apoiavam a luta do

povo, um desses perseguidos foi o brasileiro Leonardo Boff. Inovando, assim, o catolicismo

com a chamada “renovação carismática”, que valoriza a experiência pessoal com Deus,

totalmente o oposto do cunho coletivo que era levado por Leonardo Boff e outros religiosos da

teologia da libertação.

Outra eleição que veio para marcar época foi a da primeira-ministra da Inglaterra,

Margareth Thatcher, em 1979, fundamental para a disseminação do neoliberalismo, e

significou uma derrota para os trabalhadores do Reino Unido, com privatizações, retiradas de

direitos trabalhistas e sociais. E, a partir disso, passamos a ter um modelo para o resto do

mundo capitalista.

A terceira eleição consideravelmente relevante é de Ronald Reagan em 1980,

seguindo a mesma ideia de Thatcher, seu plano de economia era a redução de gastos com a

esfera social. As ideias neoliberais de Thatcher e Reagan tiveram impacto a nível mundial,

com a ajuda da globalização.

E, segundo essa ideologia, é o mercado que deve controlar todas as esferas da

sociedade. Um conceito que vem sendo fortemente trabalhado pelo neoliberalismo é o de

qualidade total, que nada mais é que a ânsia por produzir mais com menos custos. O

trabalhador, por sua vez, vê-se como um supervisor, incorporando esse conceito. Quer dizer

que não estão em questão a dignidade e os valores humanos, a não ser que de alguma maneira

isso contribua para a aquisição de lucro. Passa-se a ideia também de que a livre iniciativa é

portadora de todas as virtudes e capaz de recuperar a sociedade e a democracia. Em

contrapartida, omite-se que o fato de a política estar tomando tais rumos é de responsabilidade

das mesmas, em meio a tanta corrupção, suborno e outros dessa natureza. Políticas essas das

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quais as ideias liberais são as grandes propulsoras, pois estas ideias são representadas no

Estado (DAlAROSA, 2009).

Induzem a sociedade a pensar que a privatização e o abandono da educação pública

se justificam pelo simples fato de o Estado ser ineficiente. Sequer é questionado o

fato de o Estado não estar representando os interesses da própria sociedade e sim de

uma pequena parcela – os donos do capital (DALAROSA, 2009, p. 200).

Em nível mundial, o fordismo foi dando lugar, ou sendo mesclado com o padrão

flexível, como ocorreu no Brasil, bem como nos demais países latino-americanos. Segundo

Souza (1987), a ideia que teve predominância a respeito do desenvolvimento do Brasil, bem

como as mudanças no cenário do mundo do trabalho, é a de que as mudanças ocorridas nesse

cenário, por meio da adesão à flexibilização, atingiram uma pequena parte das empresas

brasileiras, estas ligadas ao capital internacional.

Porém, contrariamente a essas mudanças ocorrendo em âmbito global, o Brasil desfruta

de uma época em que os trabalhadores mais estiveram organizados, época esta em que surge o

PT (Partido dos Trabalhadores), em meio a tantas greves e movimentos, sua proposta era

transformar a sociedade, e em suas campanhas o PT utilizava lemas como “um partido sem

patrões”, “trabalhador vota em trabalhador”. Esse novo partido falava de socialismo, mas se

mantinha afastado da social democracia europeia, bem como do comunismo. Lançava

candidatos próprios nas eleições e priorizava as lutas dos movimentos sociais. Suas lutas

sindicais eram sempre lideradas pela CUT (Central Única dos Trabalhadores), uma central

sindical com uma proposta totalmente diferente, não seguindo as tendências europeias e sem a

intenção de se filiar às grandes centrais internacionais. Juntamente com a CUT e o PT, estava

também o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) (SOUZA, 1987).

No início da década de 1980 quem governava o país era João Baptista de Oliveira

Figueiredo, em seu governo aumenta o arrocho salarial, baixando-os em 30%. A crise nesse

momento atinge principalmente os setores automobilísticos, Volkswagen, GM, Mercedes e

Fiat demitiram milhares de trabalhadores, o que ocasionou greves intensas. Em contrapartida

aos levantes da esquerda foi criada a UDR (União Democrática Ruralista), com a intenção de

impedir a reforma agrária de qualquer maneira, as grandes indústrias se organizam

intensamente. Com a agroindústria, a concentração de terras ficava nas mãos de poucos, à

medida que esse setor expandia, os camponeses eram expulsos de suas terras, tornando-se sem

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terras ou favelados. E, com o avanço do capitalismo, as condições de trabalho na cidade e no

campo se agravaram muito, isso acabou por gerar uma forte politização no início da década de

1980 (Gianotti, 2009).

Com o governo de Figueiredo, a frente contra o regime ganhou mais corpo, o

presidente realizou a anistia2 política deixando cair no esquecimento os crimes cometidos

pelos torturadores da ditadura. Bem como conferindo de volta os direitos daqueles que haviam

sido exilados. Acabou também com o bipartidarismo, permitindo que houvesse a existência

assim, de vários partidos em nosso país (KONDER, 2003.).

Segundo Singer (1985), anteriormente a 1983, o Brasil estava inserido em uma crise e

que posteriormente a esse período o Brasil passou a apresentar dados espantosos no que diz

respeito à economia, dados favoráveis a esta. Esses dados positivos se mantiveram nos dois

anos seguintes, níveis nunca antes obtidos no país, mas como isso aconteceu? Como se deu

essa mudança na economia, que fez com que o Brasil apresentasse tais dados?

Em termos mais gerais, houve a redução das importações e aumento das exportações, o

Brasil estava exportando o dobro do que importava. Desse modo, a cada dois dólares que ele

vendia, comprava apenas um, e o outro dólar era transferido para o pagamento dos juros da

dívida externa. Essa estratégia é clássica na economia brasileira, porém, nunca foi realizada

com tal intensidade e em prazo tão curto. Vale ainda mencionar que as exportações

aumentaram significativamente. O que proporcionou isso foram as mudanças decorrentes da

crise, como a desvalorização do cruzeiro, o que fez com que nossos produtos fossem vendidos

mais baratos. E, este foi um dos motivos que deu um incentivo ao país no que diz respeito ao

livre comércio, focando a economia na abertura do mercado brasileiro. Há um segmento da

burguesia muito interessado em que as exportações continuassem progredindo, fazendo o

possível para que pudessem vender nossos produtos. Então o setor da burguesia, responsável

por isso, passa a exercer força sobre a economia do país, tendo como aliados os importadores,

pois isto significa livre comércio, que por sua vez nos remete ao processo de

internacionalização da economia, globalização.

2Extinção das consequências de um ato punível, geralmente atribuída a crimes políticos. Medida utilizada

para pacificar uma dada situação após motins, revoluções.

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Isso nos mostra que a Nova República estava contando com uma economia organizada,

e ainda com o arrocho salarial, porém, a população agora teria condições favoráveis para

desfazer esse arrocho. As condições estavam favoráveis à luta dos trabalhadores e as suas

reivindicações, pois nessa época se findava o regime militar. Com essa nova força emergente,

os trabalhadores conquistam o aumento salarial, os salários não chegam a ficar como estavam

antes do primeiro arrocho, mas ganham um aumento significativo.

A expectativa das massas, nesse momento, é que o governo e a economia viessem a

atender às necessidades de população, ainda mais com a grande produção de bens de consumo,

que acabou por fomentar ainda mais essa expectativa. E, para que este crescimento viesse a ter

continuidade, seria necessário continuar aumentando os salários e fazendo com que o governo

investisse mais no âmbito social, como, moradia, transporte, saneamento básico, entre outros.

Todavia, mesmo com a economia crescendo significativamente, os juros eram

exorbitantes, essa contrariedade se explica no fato de que os lucros que as empresas

obtiveram, não eram maiores que a taxa de juros cobrada, ou seja, enquanto a taxa de juros

não baixasse, a taxa de lucro também não baixaria. Entretanto, com a conquista do aumento

salarial, para que se mantivesse a lucratividade, as empresas começaram a remarcar os preços.

Isso significa que as empresas recuperariam todo o aumento que concederam, o que resultou

no crescimento inflacionário. Devido a isso, a conclusão que se tem é que os juros deveriam

baixar, porém, ainda não se vislumbrava maneira de fazê-lo.

O governo é quem mais toma dinheiro emprestado, portanto, o que mais paga juros,

sendo assim, por que não diminuir os juros? A dívida interna está aumentando

demasiadamente, e quando esses juros são pagos, é a população quem o faz, uma vez que o

governo dispõe apenas de recursos fiscais, os contribuintes são os pagadores dessa dívida. O

argumento para que a taxa de juros não baixe é de que, se assim o fizessem haveria migração

de capital para o exterior, pois os capitalistas aplicariam seu capital em locais em que as taxas

de juros estivessem mais elevadas.

O que a economia nacional nos apresenta diante desse quadro é a contradição na forma

de conceber o crescimento econômico. De um lado, o país se prepara para crescer no exterior e

pagar a dívida externa; por outro lado, a organização dos trabalhadores e as lutas dos

sindicatos fazem um esforço para que a economia adote um modelo voltado para sanar os

problemas do interior do país, pois essa forma de encaminhamento era considerada mais

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adequada para a realidade brasileira, de país semi-industrializado. Mesmo assim, os

trabalhadores não tiveram força o suficiente para mudar a política econômica de governo

(SINGER, 1985).

Neste momento também houve grande mobilização para que as eleições ocorressem de

forma direta, o movimento ficou conhecido como “Diretas já”. O movimento, que ocorreu

entre os anos de 1983 e 1984, não teve o resultado esperado no que diz respeito à realização

das eleições, entretanto, conseguiram a eleição de Tancredo Neves, que antes de assumir a

presidência veio a falecer, assumindo então seu vice, José Sarney. Todavia, era com

desconfiança que o povo recebia Sarney já que ele tinha sido a favor do regime e teve contato

com movimentos conservadores. O que deu continuidade ao arrocho salarial, e a inflação

aumentava de maneira desmesurada.

As mobilizações populares no Brasil em torno das eleições diretas para a presidência

da República trouxeram uma força surpreendente. A derrota do projeto almejado,

porém, abriu caminho para um novo pacto da elite, em que tanto setores da oposição

quanto outros originários da ditadura se uniram para escolher, em 1985, o mineiro

Tancredo Neves como seu candidato, considerado mais moderado que Ulysses

Guimarães – na ocasião o líder da oposição democrática. Tancredo Neves foi

apoiado por José Sarney, que, até pouco tempo antes, presidia o partido da ditadura,

a Aliança Renovadora Nacional (Arena). Configurou-se desse modo a natureza da

democracia nascente: um híbrido entre o novo e o velho (SADER, 2010, p. 22).

Benevides (1976) menciona que no momento se falava muito em uma nova

constituição, mas por que uma nova constituição era importante nesse momento? O que se

quer alcançar com isso? Segundo Comparato, o que se quer é legitimar o mesmo sistema de

1964, mas tirando alguns fatores que agora ficaram mais difíceis de serem acatados pelo povo.

A Nova República surgiu fomentando pactos sociais. Primeiro o pacto de Tancredo

Neves, que tinha por objetivo eliminar o controle do governo exercido sobre os sindicatos,

fazendo mudanças na legislação sindical. Isto levando em conta as várias correntes de

pensamentos dentro dos sindicatos, pois várias correntes ideológicas se traduzem em

diversificados interesses. A intenção era, incluindo Estado, capital, representação dos

trabalhadores, considerando suas diferenças, elaborar uma plataforma minimamente unificada.

Posteriormente a esse pacto vieram outros, que nem sempre obtiveram sucesso, como o pacto

com supermercados, pecuaristas, frigoríficos e banqueiros, trabalhadores e empresários, esses

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últimos para estabelecer acordos relativos ao salário e aos preços (MANTEGA, apud.

SANDRONI, 1986).

A intenção de fato, desses acordos era uma nova forma de Estado, uma forma de se

alcançar a hegemonia, a Nova República deve ser encarada como um Estado de transição do

totalitarismo para um governo de representações, que ainda estava por ser delineado.

Por traz desses acordos parciais, vislumbrava-se uma nova forma de Estado e,

sobretudo a tentativa de implementar um novo projeto de hegemonia político-

econômica, acalentado pela burguesia modernizante e seus intelectuais orgânicos nas

cinzas do regime autoritário. Na verdade, a Nova República é um Estado de transição

entre um regime autoritário, com hipertrofia do executivo, exclusão dos

trabalhadores, e domínio quase absoluto da tecnoburocracia civil e militar, a serviço

dos grandes oligopólios nacionais e estrangeiros, e um regime mais representativo,

cujos contornos estão ainda em definição, ao sabor dos confrontos e arranjos entre as

forças políticas em presença (MANTEGA, apud. SANDRONI, 1986, p. 25).

Na Nova República, a concepção é de que se admite a existência de classes

antagônicas com interesses conflitantes, que o Estado tem o dever de conciliar. Aqui não se

trata da contradição como podemos ver no marxismo, mas uma contradição que, com a

utilização da democracia, possa nos levar ao Estado de bem estar social, com maiores salários,

assistência social e participação por parte dos trabalhadores. Nessa perspectiva, as greves são

encaradas com naturalidade e os sindicatos e partidos políticos com mais acesso aos meios de

comunicação.

Inicialmente deve-se assinalar que a Nova República admite explicitamente a

existência de classes sociais com interesses em confronto, que podem e devem ser

conciliados pelo Estado. Não se trata de contradições antagônicas como na

concepção marxista de classes sociais, mas de uma concepção social-democrata de

capitalismo, onde o conflito entre o capital e o trabalho deveriam conduzir ao Estado

de bem-estar social, com salários mais “justos”, maiores dispêndios em assistência

social e maior integração e participação dos trabalhadores (MANTEGA, apud.

SANDRONI, 1986, p. 25).

É necessário salientar que esse processo de transição acontece de maneira gradual e

lenta, com a participação de vários integrantes da velha república agora nesse novo momento,

quem antes faziam parte da ARENA (Aliança Renovadora Nacional), agora falam em

democracia em alto e bom som (MANTEGA, 1986).

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Para conduzir esse momento na Nova República, há duas correntes antagônicas, a mais

conservadora, que conta com parte da burguesia monopolista nacional e internacional, parte do

estamento militar, chefiada por Geisel, que já dava início à abertura política, que aconteceu em

um processo lento e gradativo, continuando no governo Figueiredo, e dos progressistas que é

representado pela burguesia modernizante, economistas do PMDB, e parte da burocracia civil

e militar, que não acreditavam mais no autoritarismo como solução e, que passou a receber os

votos de protesto, este grupo não estava muito presente na sociedade, mas foi o canal por onde

se deram os protestos.

Essas ideias progressistas não são pensadas nesse momento emergente, mas têm sido

planejadas há muito tempo, desde que o “milagre econômico” começou a decair, no momento

em que crescia a resistência liberal e popular contra o autoritarismo e com isso, surgindo as

críticas à economia brasileira. A partir disso, a burguesia brasileira passou a procurar meios

políticos para controlar a classe trabalhadora e saber lidar com as pressões sociais

(MANTEGA, 1986).

No ano de 1978 é redigido o primeiro documento dos Empresários, que traz consigo os

planos de hegemonia de uma burguesia moderna e propõe um grande pacto político, baseado

no fortalecimento industrial, na recuperação do sistema financeiro, no estabelecimento das

instituições democráticas e no afrouxamento das desigualdades sociais.

Para usar temos do Primeiro Documento dos Empresários, “um programa de

investimentos públicos em infra-estrutura urbana... que tente solucionar as carências

gritantes em matéria de saúde, saneamento básico, habitação, educação, transportes

coletivos urbanos e a defesa do meio ambiente... terá um poderoso efeito

dinamizador sobre a indústria de bens de produção, levando a absorção de uma

capacidade ociosa e, em seguida, reativando os investimentos privados e

proporcionando a criação de empregos na proporção exigida pelo crescimento

demográfico” (MANTEGA, 1986, p. 29).

Vale lembrar que a maior parte desses empresários pertencia ao ABDIB (Associação

Brasileira de Infra-Estrutura e Indústria de Base) e claramente seriam beneficiados com essa

nova proposta para a economia. Todavia, não eram necessários apenas os investimentos

públicos para solucionar os problemas de desigualdade social, era necessário soluções que

estivessem no mesmo patamar de uma sociedade moderna, com salários justos e liberdade

sindical.

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A burguesia defendia que estava comprometida com uma política que contava com a

participação de todos, ou seja, que estavam comprometidos com a democracia. Assim, a

burguesia perde alguns meios de manobra, como o arrocho salarial, por exemplo, pois a classe

trabalhadora, agora mais informada sobre seus interesses econômicos e organizada, dificulta

essas manobras da burguesia. Seguindo esse raciocínio, o capitalismo teria desenvolvido

meios de desenvolvimento que não fossem tão rudes como antes, o dito “capitalismo

selvagem”, mas que teria conseguido seu desenvolvimento, juntamente com a elevação da

qualidade de vida da classe trabalhadora.

Na década de 1970, o Brasil passou a ser o oitavo maior parque industrial, conquista

essa, ganha à custa de intensa exploração de mão de obra. Ao longo da década de 1980 o

capitalismo continuou com seus avanços, mesmo a dívida externa tomando parte do lucro.

Todavia, com a crise do sistema capitalista, deu-se o fim do pacto pelo desenvolvimento, pois

apesar do PIB estar crescendo, os salários continuavam injustos apesar de mobilizações a esse

favor, e os juros e a inflação continuavam altos (MANTEGA, 1986).

Na tentativa de descrever o governo Sarney, Sader (1986) menciona as transformações

realizadas pelo governo em dois momentos, primeiro as que dizem respeito à democratização

do país e em um segundo momento, as questões sociais, condição de vida e de trabalho. A

princípio, o autor trata do projeto da constituinte, que a priori viria para substituir uma

constituinte autoritária, por medidas mais amenas, mais democráticas. E, este projeto

inicialmente foi assumido pelo PMDB, mas a questão consistia em saber se esse projeto vinha

para ser uma contraproposta de um sistema elitista ou se era para legitimar o que já estava

posto, o desenvolvimento privatista.

Todavia, da maneira que essa constituinte estava sendo conduzida, servia para

reafirmar o desenvolvimento privatista. A consequência disso seria a despolitização pela

descrença na política, e em consequência disso poderia gerar duas reações, uma revolta e

mobilização contra o regime, ou a esperança em um novo salvador, esperança essa que estava

se concretizando na candidatura de Jânio Quadros.

No que diz respeito às questões sociais, a reforma agrária estava estagnada, já que se

evitava tocar nas terras dos latifundiários, e a maior parte das terras mencionadas nesse plano,

eram públicas. Nas políticas trabalhistas, adotava-se a não-intervenção nos sindicatos e nas

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negociações salariais, pelo governo. Nessa ocasião o estado se abstinha de tomar partido, ou

pelos trabalhadores ou pelos empresários, o que representa a presença de uma filosofia liberal.

No entanto, o liberalismo é meio suspeito quando se trata de um Estado como o

brasileiro. A cada vez que aumentam os subsídios ou as tarifas de luz, água, telefone,

etc. o Estado intervém, aumentando o custo de vida da população. É um liberalismo

que só se aplica quando se trata dos salários, deixando que corra o confronto entre

capitalistas e trabalhadores (SADER, 1986, p. 60).

Da maneira como Sarney encontrou o país, ao assumir o poder, não podia fazer outra

coisa a não ser chamar uma assembleia constituinte, a qual preparou terreno par as eleições

diretas de 1989. Nesta eleição, o povo escolheu para dirigir o país, Fernando Collor de Mello

(KONDER, 2003.). E, este foi o governo que de fato acatou as propostas neoliberais para

reger o país, mas como isso se deu? O que significou? Apresentaremos adiante de maneira

breve, os tramites do Consenso de Washington, evento capaz de dar resposta a esses

questionamentos.

Segundo Batista (1994), no Brasil, a proposta neoliberal apareceu como uma sugestão

do Banco Mundial, acatada por Fernando Collor de Mello. A proposta era vista como algo

capaz de salvar da crise, crise esta que se fez pensar não ter influência externa, mas que sua

origem era apenas da obra da má política nacional.

No mês de novembro de 1979, em Washington, reuniram-se funcionários do governo

estadunidense e representantes do FMI (Fundo Monetário Internacional), Banco Mundial e

BIRD (Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento), a fim de discutirem os

problemas econômicos latino-americanos, as resoluções provenientes desse encontro é que

veio a ficar conhecida como “Consenso de Washington”.

A sugestão norte americana era a adoção do neoliberalismo, que encontrou resistência

apenas no Brasil e Peru. Alguns acontecimentos de importância internacional colaboraram

para a adesão a essas ideias, como a queda do muro de Berlim, a visão estereotipada do

comunismo stalinista, a desintegração da União Soviética, entre outros, causou um clima de

conformismo (BATISTA, 1994).

Essa situação tomou tal proporção, juntamente à crise na América Latina, que os meios

de comunicação passaram a discutir abertamente soluções mais viáveis, atribuindo a culpa à

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inabilidade administrativa do Estado, além de cogitar a possibilidade de recorrer aos

organismos internacionais.

Passou-se a admitir abertamente e sem nuances a tese da falência do Estado, visto

como incapaz de formular política macroeconômica, e à conveniência de se transferir

essa grave responsabilidade a organismos internacionais, tidos por definição como

agentes independentes e desinteressados aos quais tínhamos o direito de recorrer

como sócios. Não se discutia mais apenas, por conseguinte, se o Estado devia ou

podia ser empresário. Se podia, ou devia, monopolizar atividades estratégicas.

Passou-se simplesmente a admitir como premissa que o Estado não estaria mais em

condições de exercer um atributo essencial da soberania, o de fazer política

monetária e fiscal (BATISTA, 1994, p. 9).

É inegável o agravamento da miséria na América Latina e, com a intenção de não

perder o controle das reformas na região, o Banco Mundial, FMI e BIRD começam a incluir

novos elementos políticos e sociais à ordem econômica. Assim, a sugestão para amenizar a

miséria é que, juntamente ao aceite à ajuda externa, haja medidas nacionais de combate à

pobreza. Porém, já não se confia mais no Estado como capaz de realizar tal feito; por isso, o

setor público deve ser descentralizado, relegando aos municípios e organizações não

governamentais estrangeiras.

Sustenta Emmerij que, para garantir a governabilidade e as reformas liberais, seria

necessário, nada menos nada mais, que "desagregar o Estado". Esta seria, na sua

opinião, a única maneira de superar as burocracias nacionais, entendidas como

obstáculo por excelência à modernidade. Por isso, também sugere explicitamente que

o BID assuma a liderança intelectual na definição de uma nova estratégia, cuja

finalidade seria conformar um "Consenso Hemisférico" a respeito de um conjunto

equilibrado de objetivos econômicos e sociais. Com muita franqueza, sem

tergiversação, concita o BID a promover esse novo e mais amplo consenso pelo uso

dos mecanismos de financiamento do Banco (BATISTA, 1994, p.12).

Junto a esses motivos que impeliram o Brasil à virada neoliberal, podemos citar a

somatória da crise latino-americana, com a alta dos juros e incapacidade de pagar a dívida

externa. Na tentativa se sanar a dívida, os organismos internacionais sugeriram em 1982, que o

Brasil refinanciasse o valor devido, cedesse a algumas exigências de seus credores.

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O Consenso de Washington documenta o escancaramento das economias latino-

americanas, mediante processo em que acabou se usando muito mais a persuasão do

que a pressão econômica direta, embora esta constituísse todo o tempo o pano de

fundo do competentíssimo trabalho de convencimento. Certamente, uma versão mais

sofisticada e sutil das antigas políticas colonialistas de open-door nas quais se

apelava, sem maiores constrangimentos, à força das canhoneiras para "abrir os portos

de países amigos". Por serem menos ostensivas, as pressões atuais são mais difíceis

de combater (BATISTA, 1994, p. 26).

Essas posturas só seriam de fato aceitas no Brasil com o governo Collor, pois até o

final do governo de Sarney o Brasil tentara ao máximo aumentar a produção de petróleo, o que

conseguiu por um tempo determinado, fazer com que o país estivesse em dia com o

pagamento da dívida externa. Contudo, as contas públicas eram deixadas de lado, assim, ainda

contavam com o problema da dívida externa e agora interna.

Já com a adesão de Collor ao neoliberalismo, as diretrizes com consenso de Washington foram

colocadas em prática.

Tendo discutido minimamente as condições materiais em que o Brasil se encontrava,

realizamos a seguinte questão: como essas condições influenciaram o quadro educacional

brasileiro? É o que nos propomos a responder a seguir.

2.2. Período de grande elaboração no âmbito educacional

Diante da crise educacional que se tem posto em nossa sociedade, é preciso salientar

que só podemos entendê-la ao apreender de maneira mais geral a crise capitalista que temos

vivenciado, com as especificidades brasileiras, pois esta crise se faz presente em todos os

âmbitos, econômico-social, ideológico, ético-político e educacional. E, o neoliberalismo tem

se colocado como resposta à crise, em todas essas esferas da sociedade.

O conceito de neoliberalismo nos traz obviamente os resquícios do liberalismo de

antes, colocando o mercado como regulador dos interesses de classe. Essas regras de mercado

acabam por penetrar o espaço educacional, sujeitando a educação a este primeiro, entendendo

assim, a educação como uma mercadoria. O sistema de avaliação feito pelo MEC tem como

finalidade rastrear a qualidade total da educação, definida por organizações internacionais que,

como vimos anteriormente, comanda a organização econômica de nosso país.

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Logo no início da década de 1980, a perspectiva educacional que circulava era baseada

na TCH (Teoria do Capital Humano), o tecnicismo. A educação é tratada como um meio de

dominação eficaz. De acordo com Schultz (apud. BAZILIO 1993), o que faz com que uma

nação acumule a riqueza e outra não é o fator H, ou seja, capital humano, responsável por 50%

dessas discrepâncias de nações e de indivíduos. Nesta teoria, ainda está embutida a ideia de

que, uma vez adquiridos novos hábitos, atitudes, disciplina, pode-se produzir mais, pois

aumenta a capacidade de trabalho. O que ganhou mais destaque foram os aspectos cognitivos

e comportamentais, relacionados à polivalência, elencando-se até os mais essenciais, por

agências internacionais. A expectativa, assim, era de que a nação que estivesse investindo em

capital humano investisse em alta produtividade e, desse modo, pudesse ascender a sua

situação econômica, esta que estava recaída sobre o fordismo (FRIGOTTO, 2002).

Como grande dirigente das decisões tomadas em nosso país, inclusive a respeito da

educação, o Banco Mundial tem atuado, devido ao apoio na reconstrução e desenvolvimento

dos países no pós-guerra. O Banco mundial é composto por diversas Instituições, como o

BIRD (International Bank for Reconstruction and Development), IDA (International

Development Association), IFC (Internetional Finance Corporation), e a MIGA (Agência de

Garantia de Investimentos Multilaterais), entre outros. Todavia, as diretrizes não se dão de

forma tão direta, pois há que se considerar as condições históricas do local bem como suas

necessidades, tendo assim, uma maneira de agir em cada localidade. A partir dos anos de

1960, o Banco Mundial se alia a outras agências, que comungam do mesmo objetivo: defender

a acumulação capitalista como o FMI, BID e instituições das Nações Unidas, UNESCO e a

UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância).

A intenção dessas agências, no começo da década de 1980, era tomar alguma medida

que reduzisse o número de pessoas na linha da pobreza. A partir disso, o Banco Mundial

começou a interferir e ampliar suas estratégias sobre as ações políticas sociais e políticas

educacionais. A grande protagonista nesse momento foi a UNESCO, que traçou um plano para

a educação da América Latina e Caribe, a ser realizado entre os anos de 1980 e 2000. Nesse

plano estava incluída a universalização do ensino básico, a erradicação do analfabetismo, a

continuidade das políticas, a participação social e a descentralização administrativa e

financeira (MELO, 1993).

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Segundo Marrach (1996) o neoliberalismo, juntamente à tendência pedagógica

tecnicista, tem três objetivos quanto à educação. O primeiro: são as mudanças que querem

realizar na educação e nas pesquisas, com o argumento de que o âmbito empresarial tem

interesses na educação para que possam ter trabalhadores bem qualificados. Quer dizer que o

indivíduo tem que ter conhecimentos tecnológicos, ser letrado, conhecimentos matemáticos,

capacidade de organização de trabalhar em grupo e raciocínio estratégico. O segundo é quanto

fazer da escola aparelho de veiculação as ideias neoliberais. E, o terceiro é fazer da escola

mais um espaço de mercado.

A pedagogia tecnicista propunha uma organização tal, que não estivesse à mercê de

alguma eventualidade que pudesse prejudicar o ensino, por isso, era preciso até mecanizar o

acesso o quanto possível, daí vieram os enfoques no sistema, tele ensino, instrução

programada, máquina de ensinar, padronização do sistema de ensino, parcelamento do

trabalho pedagógico, com a especialização de função no trabalho docente e planejamento

previamente formulado, de maneira a atender às diferentes modalidades de ensino. A educação

funciona como um organismo a fazer parte do sistema, trazendo para a educação total

equilíbrio e se aliando ao behaviorismo, informática e mecânica. Seu lema é aprender a fazer

(SAVIANI, 2013).

De acordo com essa tendência pedagógica, considera-se que no sistema existem diversas

funções, o que remete a diversas atividades, e estas atividades são interdependentes umas das

outras, portanto, o desempenho de uma delas afetas as outras e, por conseguinte, afeta todo o

sistema, quer dizer que cabe à educação fazer com que essas diversas atividades sejam

efetivadas da melhor maneira, a fim de manter o equilíbrio do sistema, semelhantemente ao

efeito da esteira fordista.

Toda essa organização resultou na escola de maneira bem burocrática. Assim,

impunham instruções minuciosas de como realizar cada atividade, o controle sobre a eficácia

dessas atividades seria feito pelo preenchimento de formulários. O ato de lecionar então

passou a ser um enfadonho ritual burocrático. Quer dizer que, ao tentar implantar na escola a

mesma organização fabril, ignoraram-se as especificidades da educação e o fato de que, a

relação do processo produtivo e a educação acontecem de maneira indireta e por mediações

que não se dão facilmente. Dessa forma essa pedagogia contribuiu pra deixar mais caótico o

campo educacional.

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Todavia, o discurso que se adota para explicar o fracasso escolar é o de que o Estado é

incapaz de gestar o bem comum, dando vazão para a ideia da privatização da educação. Este

momento histórico, entre a década de 1980 e 1990, é difícil de ser caracterizado, devido à

ruptura e descontinuidade de ideias, fazendo o uso de categorias que as precederam, as novas

ideias agora vêm denominadas com os prefixos pós ou neo.

Aparece o neoescolanovismo, que agora é mais flexível para poder atender à

empregabilidade exigida, pois o segredo do sucesso está na adaptação. Portanto, a função da

escola é fazer com que o aluno “aprenda a aprender”. E, este lema está relacionado à constante

atualização do mercado e suas necessidades.

O neoprodutivismo configura-se também como a pedagogia da exclusão, pois se baseia

na concorrência de mercado, admitindo que uma parcela da população não ingressará no

mercado de trabalho, a exclusão aqui também se refere à automação do processo produtivo em

detrimento de capital humano. Dessa maneira, a intenção é preparar o aluno, com cursos de

curta duração e dos mais variados tipos, para se tornar empregável de acordo com as

características flexíveis do modo de produção, escapando assim, da parcela de excluídos do

mercado. Nesse interim ainda se almeja tornar-se microempresário, patrão de si mesmo,

portanto, diante de tantos cursos ofertados e tantas oportunidades de ter o próprio negócio, não

se tornar empregável é uma falha do indivíduo e de suas limitações.

No neoconstrutivismo, desde suas bases originarias, está relacionada a obra de Piaget,

e também está relacionado ao escolanovismo. Há, dessa maneira, uma valorização experiência

cotidiana do professor. A pedagogia das competências, que também se relaciona ao

neoconstrutivismo, como diz o nome, foca-se nas competências que o aluno pode adquirir,

ensinando-os a estarem de acordo com as condições da sociedade, mesmo sendo esta

sociedade desigual.

Apesar dessa forte investida do ideário do capital no âmbito da educação, não foram só

as ideias de interesse do capital que circularam pelo país. Como mencionamos anteriormente,

estávamos passando por um momento muito importante historicamente, em que se falava em

reabertura política, fim da ditadura militar, e o entusiasmo tomava conta da população, o que

também refletiu na educação. O movimento de esquerda começava a ganhar força e suas

tendências se estenderam ao campo educacional, com a elaboração de várias tendências

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pedagógicas, como pedagogia da educação popular, pedagogia da prática, pedagogia crítico-

social dos conteúdos e pedagogia histórico-crítica.

Em meio a tantas coisas acontecendo, no final dos anos 70 e início dos 80, a pós-

graduação passou a ser o principal meio de veiculação das ideias pedagógicas, surgindo várias

associações que auxiliaram na divulgação das ideias, tais como a ANDE (Associação Nacional

de Educação), ANPED (Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação) e

CEDES (Centro de Estudo Educação e Sociedade). A produção acadêmica era muito rica

nessa época, pois o campo educacional estava repleto de debates acerca das pedagogias

contra-hegemônicas. Surgiram também muitos livros, revistas e periódicos que tratavam do

assunto.

Ainda é importante lembrar que os GT’s da ANPED foram criados em quatro

encontros no ano de 1981 e entre os oito primeiros grupos já estava o grupo Educação e

Trabalho, assim, denominado a princípio, trabalhando com a temática citada acima (TREIN,

2014). Podemos dizer que isso foi o surgimento do campo Trabalho e Educação, que contou

com a colaboração de autores tais como Gomes, Frigotto, Arruda, Arroyo e Nosella (TREIN;

CIAVATTA, 2003).

Na educação brasileira, o campo Trabalho e Educação discute sobre a centralidade do

trabalho, pois quando esse campo se constituiu na década de 1980, denominado Educação e

Trabalho, tinha o objetivo de compreender como era a pedagogia exercida pelo capitalismo e

também tinha o compromisso com os interesses da classe trabalhadora. Uma das principais

características, que passou a ser a identidade desse grupo, é o conceito de trabalho, que

basicamente perpassa pela ideia de trabalho como modo de existência e como meio de se

extirpar mais-valia. Quer dizer, a sociedade gira em torno do trabalho e o homem apenas

permanece vivo mediante este trabalho. O trabalho então é tido como elemento central na vida

singular e coletiva. Partindo desse pressuposto, esse campo de estudo passou a discutir o

trabalho como elemento que deve permear o processo educativo, enquanto proposta

pedagógica, com a finalidade de formar o ser intelectual necessário para se adequar ao

desenvolvimento das forças produtivas oriundas da divisão social e técnica do trabalho

(KUENZER, 1998).

Nesta mesma década foram debatidos temas que compreendiam o trabalho como

princípio educativo e a educação politécnica. Com esse tema surgiram inúmeras teses e

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dissertações que possibilitaram o acesso a traduções das contribuições de autores de expressão

internacional tais como Karl Marx, Antonio Gramsci, Mário Alighiero Manacorda, Mariano

Fernandez Enguita, e outros. Ainda, na avaliação de Trein e Ciavatta (2003), a presença de

pesquisadores das ciências econômicas, sociais e políticas vêm enriquecendo o debate.

Portanto, a constituição do campo ocorreu pela opção epistemológica tomada, que

consiste em uma produção do conhecimento encarada como práxis transformadora, que busca

a superação do capitalismo a partir das condições reais brasileiras, pautando seus trabalhos sob

o método materialista histórico dialético. Essa contribuição é inestimável para a pedagogia

brasileira. Kuenzer (1998) ainda destaca o papel fundamental da práxis no GT, que busca fazer

uma relação harmônica de teoria e prática.

O elemento central desse GT é a categoria trabalho, tomado esse nas suas dimensões

concreta e abstrata, porém, há quem revogue o discurso do trabalho como categoria central na

sociedade. Já Frigotto (2000) vai além dessa negação ao revelar que o trabalho é uma práxis

humana. Outra categoria relevante no grupo é a educação dos trabalhadores, pois tem que se

pensar uma nova prática pedagógica que abarque esses elementos. Há também uma disputa no

campo Trabalho e Educação, relativa ao conceito de trabalho como princípio educativo, que se

constrói com autores que fazem a crítica a este conceito, tais como Paulo Tumolo, Sérgio

Lessa e Paolo Nosella.

É valido mencionar aqui algumas problemáticas do grupo que são congruentes com

questões que permeiam esse trabalho. Em um artigo intitulado “O percurso teórico e empírico

do GT Trabalho e Educação: uma análise para debate” publicado na Revista Brasileira de

Educação, no ano de 2003, Ciavatta e Trein mencionam a necessidade do foco no método

materialista, pois este é uma das características gerais do GT, alertando contra a utilização de

conceitos desprendidos de contexto e sem relação com o tempo e lugar. Mencionam também

uma defasagem do GT que se refere ao princípio de que a História nos faz compreender o

presente e realizar projeções para o futuro.

Os estudos historiográficos, com documentação de época, remetem à memória de um

passado que ajuda a compreender o presente e a projetar o futuro. Eles são escassos

no GT, seja pela urgência dos problemas do mundo do trabalho no presente, seja pela

insuficiência de tempo, de recursos e de formação para o desenvolvimento da

pesquisa histórica, em arquivos e/ou com outros procedimentos próprios da área

(TREIN; CIAVATTA, 2003, p.159).

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Aqui mencionamos com maior detalhamento o GT da ANPED, por compreender que

no referido momento histórico este grupo teve grande credibilidade entre os estudiosos da

temática e gozou de maior expressão.

O que podemos perceber desse quadro é que a sociedade tentava se recuperar da crise

instaurada na década de 1970 e que nessa tentativa conta-se com o neoliberalismo, a

globalização e os recursos oferecidos pela informática. Ao mesmo tempo em que as ideias

contra hegemônicas ganham espaço em nosso país, essa dicotomia, pode ser sentida no âmbito

educacional, não só neste, mas a crise tem conotações econômico-social, ideológico e ético-

político.

Podemos ainda mencionar as tendências pedagógicas contra hegemônicas que surgiram

nesse ensejo, uma delas é a crítico reprodutivista na década de 70. No âmbito da pós-

graduação, os debates eram intensos e refletiam a contradição da sociedade brasileira, isso fez

com que essas discussões dessem início às ideias de tendência crítico-reprodutivista. Esse

nome se justifica por ser a crítica, entendida como teorias que não compreendem a educação

dissociada dos condicionantes sociais. E, reprodutivista, porque entende que a sociedade

através da educação reproduz as condições sociais (SAVIANI, 2008).

Inspirados na teoria de Louis Althusser, de que a educação é um aparelho ideológico

do estado, esses educadores passaram a denunciar a lógica capitalista de dominação através da

escola. Mas, seu principal mérito foi dar suporte para enfrentar o autoritarismo e a pedagogia

tecnicista. O resultado disso foi o aparecimento de várias publicações do assunto, que serviram

também como arma para lutar contra o regime militar.

A “teoria da escola enquanto aparelho ideológico do Estado” foi esboçada no texto

de Althusser (s/d), Ideologia de aparelhos ideológicos de Estado, publicado como

artigo na revista La pensée, de julho de 1970. Ao analisar a reprodução das

condições produção existentes, Altusserdistingui, no Estado, os aparelho repressivos

e os aparelhos ideológicos. Os primeiros funcionam massivamente pela violência e

secundariamente pela ideologia. Inversamente os segundos funcionam massivamente

pela ideologia e secundariamente pela repressão (SAVIANI, 2008, p. 394).

Ainda é preciso ressaltar que a teoria crítico-reprodutivista é uma teoria sobre a

educação, quer dizer que ela não fala da prática em si. Mas, obviamente quando se discute

uma nova concepção de educação, isso desemboca também na prática.

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Outra pedagogia que surgiu com uma concepção contra a hegemonia, é a pedagogia da

educação popular, essa concepção é pautada na concepção libertadora e, entende que a

liberdade do povo não depende das condições sociais existentes, mas trabalha essa liberdade

de maneira abstrata. Defendia também uma educação que se desse para o povo e por meio do

povo, contrapondo-se à proposta capitalista de uma educação da elite para o povo.

Manejavam, portanto a categoria “povo” em lugar de “classe” e tendiam a conhecer a

autonomia popular de uma forma um tanto metafísica, cuja validade não dependeria

das condições histórico-políticas determinadas, mas seria decorrente, por assim,dizer,

de uma virtude intrínseca aos homens do povo; sua fonte primeira residiria numa

dimensão transcendente designada por Mounier como “a eminente dignidade” das

pessoas unidas numa “continuidade dos destinos” (SAVIANI, 2008, p. 416).

Os princípios anarquistas também se fizeram presente em uma concepção pedagógica,

a Pedagogia da prática. O ato de ensinar é um ato político e deve-se estabelecer uma relação

entre professor, método e aluno para que se alcance um produto. Articulando assim,

politicamente os interesses das camadas populares.

Em um diálogo com “Escola e democracia”, Oder José dos Santos publicou um texto

no ano de 1958, “Esboço para uma pedagogia da prática”, enfatizando que o saber da prática

social é descartado pela escola, mas que é justamente esse saber que deveria norteá-la. No

sentido da prática pedagógica, realiza questões fundamentais, como, educação para quem? A

favor de quem? É mediante a essas perguntas que se dá a escolha dos conteúdos a serem

ensinados, os métodos, a organização escolar, de acordo com os interesses de classe. O

professor deve estar voltado para assumir esse processo educativo, destinado para uma

necessidade prática. Assim, a pedagogia interage com os interesses políticos da classe

dominada.

É preciso alterar radicalmente o eixo “transmissão-assimilação”, preconizando que

“professores e alunos rompam com a atual organização do processo de trabalho

pedagógico” passando a “organizar-se em relações sociais novas para,

conjuntamente, trabalharem sobre a forma de ‘produtores associados’” (SAVIANI,

2008, p. 417).

Ainda citamos aqui, outra concepção pedagógica, a crítico-social dos conteúdos. Esse

nome é influencia direta de George Snyders, que defende que a diferença entre uma concepção

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pedagógica e outra pode ser vista através dos conteúdos, ainda mais, distinguir uma pedagogia

progressista de uma conservadora.

José Carlos Libâneo, inspirando-se nesse autor marxista, entende que a principal

função da escola é socializar o conhecimento concreto e inerente à realidade social,

considerando essa a melhor maneira de colaborar com os interesses populares. Os conteúdos a

serem transmitidos são aqueles de cultura universal pertencente da humanidade, passando pela

avaliação que se dá mediante a realidade social em que o educando esta inserindo, como

critério para selecionar esse conteúdo. Assim, cabe ao professor transmitir esse conhecimento.

Eis, pois, os pressupostos da aprendizagem sobre os quais se assenta essa pedagogia:

a aprendizagem do conhecimento supõe uma estrutura cognitiva já existente na qual

se possa apoiar; caso esse requisito não seja dado, cabe ao professor provê-lo. A

aprendizagem significativa deve partir do que o aluno já sabe, caminhando em

direção à síntese na qual “o aluno supera sua visão parcial e confusa e adquiri uma

visão mais clara e unificadora (SAVIANI, 2008, p. 420).

Por fim, no conjunto das ideias pedagógicas contra hegemônicas, citamos a pedagogia

histórico-crítica, porém, sobre essa, nos deteremos de forma mais acentuada no momento

seguinte.

O que podemos dizer até aqui é que essas pedagogias contra hegemônicas contribuíram

muito com o quadro de ideias educacionais para que visse de maneira crítica o papel da

educação e como esta estava sendo conduzida.

2.3. O trabalho como princípio educativo: o início da discussão no Brasil

Diante da situação, em que o capital toma conta das diretrizes da escola, utilizando

como formadora de mão de obra e alienando o indivíduo, surgem as pedagogias contra-

hegemônicas, como mencionamos anteriormente, todavia, nos deteremos aqui, a fim de

delimitar o estudo, apenas ao conceito de trabalho como princípio educativo. Na tentativa de

responder questões como: no que consiste esse conceito? Como ele se caracterizou no Brasil?

Quais as principais discussões a seu respeito?

No início da década de 1980 no Brasil, a perspectiva marxista e outras influências

contra-hegemônicas começam a ganhar espaço. Dois motivos que davam base para

repercussão dessas ideias foram a presença forte do PT (Partido dos Trabalhadores) e a

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inserção do pensamento de Gramsci, pois alguns intelectuais passaram a usar as categorias

analíticas de Gramsci com a intenção de que este colaborasse numa análise marxista coerente

e combatesse a algumas ideias dogmáticas sobre o marxismo (COUTINHO, 1988).

Além das categorias analíticas de Gramsci, sua contribuição para a educação também

passou a ser discutida por intelectuais brasileiros. A proposta pedagógica de Gramsci, nessa

época de industrialização do país, que traz a questão da separação entre teoria e prática, tenta

superar essa dicotomia, procurando formar o indivíduo por meio do trabalho e para o trabalho,

mas de maneira a superar a distinção saber prático e saber teórico, e lhe conferindo uma

educação que o humanize, formando o ser humano em todas as suas potencialidades.

Mediante uma escola dual, para classe dominante e outra para a classe dominada,

Gramsci (2001) propõe a escola única inicial de cultura geral, humanista, que de maneira justa

equilibrasse o saber para o trabalho manual, bem como para o trabalho intelectual. Depois

dessa escola única e de diversas experiências de orientação profissional, passa-se para uma

escola especializada ou para o trabalho produtivo.

Outro ponto importante a se considerar na constituição da escola unitária foi levar em

conta os vários níveis presentes no currículo escolar, de modo que esteja atento e condizente

com os níveis de desenvolvimento intelectual e moral da criança. Essa escola de formação

humanista deveria depois de elevar o aluno a certo grau de intelectualidade, saber prático,

maturidade moral e certa autonomia na orientação e criação, levar o aluno à inserção na

sociedade. O pré-estabelecimento de idade escolar obrigatória está intimamente ligado com a

situação econômica, já que esta pode exigir que o jovem preste serviços de maneira imediata

(GRAMSCI, 2001).

Esta escola pressupõe que o financiamento, necessário para manter-se venha do

Estado, que o corpo docente fosse aumentado e que os prédios tivessem melhor estrutura,

tendo em vista que a escola é de período integral, necessitando de dormitórios, refeitórios,

bibliotecas especializadas, salas para seminários e etc. Sendo assim, a princípio essa escola

seria para poucos, jovens escolhidos por concurso ou indicados por instituições sérias. Essa

escola abrangeria as séries iniciais e o ensino médio. As, hoje, chamadas séries iniciais

deveriam ter a duração de três a quatro anos, ensinando as primeiras noções que seriam ler,

escrever, realizar operações matemáticas, noções de Geografia e História, deveria, assim,

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também, desenvolver o saber no que diz respeito aos direitos e deveres, às noções de Estado e

sociedade.

A escola unitária deveria corresponder ao período representado hoje pelas escolas

primarias e médias, reorganizadas não somente no que diz respeito ao método de

ensino, mas também no que toca a disposição dos vários graus da carreira escolar

(GRAMSCI, 2001, p. 37).

O resto do ensino não deveria durar mais de seis anos, pois dessa forma o indivíduo

aos quinze ou dezesseis anos já teria concluído todo o curso oferecido pela escola unitária. É

certo que a estada nessa escola unitária seja mais rápida para alguns que para outros, pois há,

como complemento, a educação no seio da família que lhes possibilitem chegar à escola e

obter maior absorção daquilo que se está aprendendo. Portanto, a organização da escola

unitária deve criar espaços, paralelamente, em que esses saberes prévios ou complementares

possam ser oferecidos, como creches, por exemplo, e que nestas as crianças antes mesmo da

idade escolar possam aprender a se habituar a uma disciplina coletiva e obtendo algumas

noções pré-escolares. Esta escola também pressupõe um ensino livre dessa forma atual de

conduzir as disciplinas, o estudo deve ser feito coletivamente dirigido pelo professor e com o

auxílio dos melhores alunos, mesmo nos estudos ditos individuais.

Todavia, Gramsci aponta para o fato de que a escola na Itália e o ensino superior são

discrepantes, não apresentam uma forma de continuidade como deveria, pois do ensino

basicamente dogmático, no sentido de que não há reflexão sobre o que se aprende e de que a

capacidade de decorar é elemento fundamental desse período, passa-se para um modelo

completamente diferente de maneira brusca, agora uma fase criadora e autônoma. Toda essa

mudança ocorre em meio à crise da puberdade, na qual a consciência moral ainda está em

formação.

Para que haja então essa ligação da escola com a universidade, a capacidade criadora

deve ser suscitada nessa última fase e não ficando só a cargo das universidades, bem como a

autodisciplina intelectual, moral, posteriormente uma especialização, de caráter acadêmico ou

prático.

A escola unitária, então, tenta unir o trabalho intelectual ao trabalho industrial, e este

princípio unitário estaria presente em outros organismos da cultura, lhes emprestando um novo

conteúdo. As academias, ensino superior, unindo saber prático e saber intelectual deveriam ser

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uma organização cultural (de sistematização, expansão e criação intelectual). A universidade,

assim, muda todo seu caráter, pois agregaria várias instituições existentes, locais, provinciais,

rurais e urbanas, concentrando também vários tipos de organizações culturais como, instituto

de cultura, círculos filosóficos, e outros, com atividades que se relacionem com a vida social,

bem como a produção e ao trabalho. E, nesses espaços também organizados as conferencias

industriais, a cientificidade do trabalho e laboratórios das fábricas. Serão desenvolvidos

também mecanismos que propiciem o desenvolvimento de capacidades individuais nas

massas.

Portanto, essa estrutura de escola unitária deveria ser encarada como um embrião que

faria parte de toda e qualquer instituição cultural. Para Gramsci a escola tem a função de se

contrapor ao que é folclórico, ao que é de senso comum, entendendo a existência de leis não

como algo dado naturalmente, mas como elaborada por homens e que pode ser por estes

mudadas, pensadas, assim, com base nas mudanças sociais.

Mediante esse conceito por Gramsci elaborado, várias discussões dentro do próprio

referencial marxista foram suscitadas, citaremos aqui como principal teórico da educação que

utiliza o conceito do trabalho como princípio educativo, Dermeval Saviani, pois a pedagogia

histórico-crítica que o tem como principal idealizador foi elaborada mediante as contribuições

gramscianas, marxistas e vigotskiyanas para a educação.

Saviani passou a elaborar o que viria mais tarde a ser a pedagogia histórico-crítica, a

partir de suas experiências como docente de Filosofia no ensino médio, que lhe serviam de

laboratório para suas reflexões como professor do ensino superior (SAVIANI, 2011). Com o

intuito de oferecer aos alunos um aprendizado significativo, que levassem em conta suas

condições materiais determinadas, e lhes conferissem um saber crítico. Neste momento

também Saviani ministra aula na pós-graduação da PUC-SP, que traz para a discussão da

educação o autor comunista italiano, Antonio Gramsci. A primeira sistematização

metodológica da pedagogia histórico-crítica foi exposta no texto “Escola e Democracia II:

para além da teoria da curvatura da vara”, publicado no ano de 1982 e em 83 viria a compor o

livro “Escola e Democracia”. Apenas em 84 é que se denominou de pedagogia histórico-

crítica (SAVIANI, 2011).

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Essa pedagogia busca fazer com que o aluno tenha acesso ao saber sistematizado,

historicamente acumulado pela sociedade, bem como um olhar crítico sobre esse saber, dando

importância às condições materiais historicamente determinadas.

Em outros termos, o que eu quero traduzir com a expressão “Pedagogia Histórico-

crítica” é o empenho em compreender a questão educacional a partir do

desenvolvimento histórico objetivo. Portanto, a concepção pressuposta nesta visão da

Pedagogia histórico-crítica, ou seja, a compreensão da História a partir do

desenvolvimento material, da determinação das condições materiais da existência

humana (SAVIANI, 2000. p. 102.).

Para tanto, se assinala aqui a importância dos clássicos na formação do aluno, o

clássico aqui é entendido como algo que resiste ao tempo se mostrando válido para outros

momentos além do que confere a sua elaboração. E, o acesso a esses clássicos é o acesso à

compreensão das indagações humanas. Clássico, aqui, se refere a ideias, autores que vão além

de seu tempo (SAVIANI, 2000).

Podemos ainda explorar as contribuições de um dos textos mais conhecidos de Saviani

a respeito do trabalho como princípio educativo, que se intitula, “O choque teórico da

politecnia (2003)”. As considerações deste texto foram elaboradas no seminário “Choque

Teórico” realizado em 1987 no Rio de Janeiro, na condição de expositor, o autor realizou uma

exposição oral, a qual foi gravada, transcrita e publicada em 1989.

Este autor explica o trabalho como princípio em termos e argumentações simples,

porém, carregada de significado. Relata que toda educação é organizada e se dá a partir do

conceito do trabalho, porque o homem é o resultado de seu próprio trabalho. Como o trabalho

em suas relações determina a vida em sociedade, o capitalismo passa a incorporar em sua

organização a escrita, a partir de então, os trabalhadores precisam dominar esse código escrito,

e é dessa necessidade que se origina a proposta de universalização da escola. Segundo Saviani,

[...] Pode-se, pois, dizer que o currículo escolar, desde a escola elementar, guia-se pelo

princípio do trabalho como o processo através do qual os homens transformam a natureza

(SAVIANI, 2003, p.135).

Esses conhecimentos que compõe o currículo escolar são chamados de científicos, isso

porque para obtê-los são necessários métodos sistematizados de aquisição desse

conhecimento. E, na sociedade contemporânea a ciência se transforma em potência material

quando somada ao trabalho produtivo. Por isso o domínio da ciência esta relacionada à

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produtividade. Dessa forma são necessários para a produção alguns conhecimentos no

currículo escolar, tais como, linguagem , matemática, ciências naturais e sociais.

Do decorrer do processo escolar chega o momento de explicitar de forma mais clara

como se caracteriza o processo do trabalho, entendendo que o ensino médio deveria realizar

essa função, de aproximar o estudante das relações de trabalho de nossa sociedade, como

defendeu Gramsci anteriormente (SAVIANI, 2003).

No que se refere à práxis, Saviani nos traz a contradição da escola, pois vimos que não

há saber puramente prático, nem saber puramente teórico, então como o capital delega ao

trabalhador apenas o saber prático? O capital permite ser transmitido ao trabalhador um saber

intelectual de forma reduzida e fragmentada. Ao mesmo tempo em que expropria o saber do

trabalhador, ele precisa que este trabalhador tenha determinado tipo de saber para que possa

trabalhar, ou seja, um saber reduzido e manipulado. Neste sentido Saviani, como Gramsci,

coloca como alternativa para essa contradição do capital, a união entre teoria e prática, e não

um saber manipulado, mas desinteressado.

A educação então se ocupa de proporcionar ao indivíduo o saber sistematicamente

organizado, que foi produzido pelo homem ao longo da história, para que estes indivíduos

também se tornem humanizados, e juntamente com isto descobrir a maneira mais adequada de

passar esse conhecimento. Quanto aos elementos culturais que devem ser transmitidos, deve se

pensar em quais são prioridades, quais são essenciais. E, nisto é importante salientar a noção

de clássico, que não é sinônimo de tradicional, nem antônimo de moderno, pois é aquilo que

se consolidou como básico, fundamental. A partir disso pode se selecionar os conteúdos para o

trabalho pedagógico (SAVIANI, 2003).

Agora, quanto à organização de como transmitir esse conteúdo, trata-se de organizar os

meios, como espaço, tempo, materiais disponíveis e outros. E, estas coisas todas ocorrem no

espaço institucional da escola, isto porque a escola é dotada de características próprias, o que

torna possível sua institucionalização.

Todavia, em contrapartida, a escola se relaciona com interesses corporativistas e

clientelistas, à medida que se transformou em um mercado de trabalho alvo de diversos

profissionais como nutricionistas, dentistas, fonoaudiólogos, psicólogos e outros. Mas, se a

escola nova recebe todas essas críticas o ideal seria retrocedermos à escola tradicional? Não.

Saviani citando Gramsci explica que o ideário escolanovista trouxe também grandes

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expectativas se tornando um tanto quanto romântica essas ideias, mas Gramsci já mencionava

que seria necessário sair da fase romântica e entrar na fase clássica, que consiste na fase em

que se conseguiu desanuviar das polêmicas e focar naquilo que é de caráter permanente, que

sobrevive às polêmicas. Pode-se dizer que ainda não entramos nessa fase clássica, que ainda

estamos romanceando no que diz respeito à educação (SAVIANI, 2000).

Podemos citar aqui, também, como um texto de grande expressão elaborado no final da

década de 80 o “Ensino do 2° Grau: o trabalho como princípio educativo”, de Acacia Kuenzer

(2001). Antes de chegar ao cerne da questão do trabalho como princípio educativo, Kuenzer

chama a atenção para o papel que a escola vem desempenhando, bem como sobre, qual a

função da escola. E declara o ambiente escolar, nas atuais condições, como o único espaço

alternativo no qual a classe trabalhadora pode ter a oportunidade de se apropriar do saber

construído ao longo da história, e sistematizado. Na contramão de formar apenas homens para

o trabalho, objetivo capitalista no que se refere à escola, a função desta escola deveria ser

transmitir esse conhecimento sistematizado.

Mas esse problema da escola, em não transmitir o saber sistematizado, não se dá de

maneira simples, e tão pouco pode ser facilmente solucionado com algumas mudanças

curriculares e metodológicas. Mas por quê? Porque essa contradição é própria do sistema

capitalista em que vivemos, que redireciona de acordo com seu interesse a função da escola,

que passa a ser formar mão de obra. Mas ainda que mencionando os objetivos do sistema

capitalista frente à escola, nem mesmo os objetivos da burguesia o atual sistema de ensino,

vem conseguindo atender. Mais adiante discorreremos sobre essa disfunção.

Para construir uma proposta pedagógica que esteja mais articulada com os interesses da

classe trabalhadora é necessário entender a escola contemporânea, entender qual o principio

balizador da educação, identificar se este se aproxima ou se afasta da proposta da hegemonia.

Kuenzer apresenta sua pesquisa, que foi realizada na região metropolitana de Curitiba, na

década de 1980, em 12 escolas que oferecem o segundo grau para a classe trabalhadora.

Pesquisa feita por meio de questionários aplicados aos alunos, 389 no total, contando ainda

com observações. A pesquisa tinha o intuito de entender a relação educação e trabalho, da

maneira como ela é percebida pela classe trabalhadora.

O que na pesquisa apareceu de maneira explicita, é a incongruência da proposta de

ensino do segundo grau com as necessidades e anseios do jovem trabalhador. A autora lista

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algumas dessas incongruências entre a proposta da escola e as necessidades reais das pessoas

que essa escola atende.

A forma com a qual a escola diurna é organizada visa atender aos interesses das classes

médias e burguesas, ignorando as necessidades do aluno trabalhador; a organização e

propostas a respeito do currículo, não levam em consideração a concepção de mundo, o saber

apropriado ao trabalho e as experiências culturais vividas pelos alunos trabalhadores; outro

fator listado foi a prática docente, que não tem atingido seus objetivos, levando em conta a

precária condição de trabalho dos professores, assim a atividade docente tem sido

desmotivadora e não respeitada pelos alunos; e por último, menciona as condições materiais

precárias da escola, não possuem espaço físico adequado, bibliotecas atualizadas, laboratórios,

material didático, entre outras coisas.

Pensando na finalidade da escola de segundo grau, nesta ser articulada aos interesses

da classe trabalhadora e atender às necessidades do jovem trabalhador, é necessário avançar na

compreensão de como o trabalho deve estar presente nessa fase do processo de formação.

Segundo Kuenzer, o que se abstraiu de tal pesquisa é que a classe trabalhadora busca

um saber que permita conhecer o mundo no qual esta inserida, e suas relações sociais, bem

como, capacitá-la a fazer parte do processo de trabalho, a ser inserida neste mercado. Levando

em consideração que o aprendizado da atividade produtiva propriamente dita ocorra no

interior da fábrica, o que já ocorre de maneira dividida, cindindo trabalho manual e intelectual,

espera-se que a escola ofereça esse saber metodológico, esse saber teórico que é negado na

fábrica.

Isso aponta para uma escola que ofereça ao aluno o saber metodológico, científico, que

fundamenta o trabalho, reunificando assim teoria e prática. Todavia a autora apontou como

grande questão nesse ínterim, como unificar teoria e prática na escola que a divisão de

trabalho reproduzida, todavia este é o desafio que a escola deve enfrentar – superar essa

separação entre teoria e prática.

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Resgatar a articulação entre escola e trabalho através da criação de uma proposta

pedagógica que permita o acesso ao saber enquanto totalidade, e, ao mesmo tempo

teórico e prático, é tarefa que se impõe. Não enfrentá-la, continuando a oferecer ou

treinamentos estreitos ou formação geral superficial e inadequada a partir da

transformação da teoria ratificada, é um desserviço à classe trabalhadora, na medida

em que, para ela, a apropriação do saber sobre o trabalho, em seu caráter de

totalidade, é uma das mediações para a superação de sua situação subalterna na

sociedade (KUNZER, 2001. p. 106).

Essa questão tinha sido apontada anteriormente por Gramsci (2001) nos “Cadernos do

cárcere”, com a escola unitária. Outra proximidade com Gramsci, além da escola unitária, que

une teoria e prática, Kuenzer também se vale desse referencial para mencionar a escola como

espaço de formação dos intelectuais de classe. A divisão do trabalho na sociedade também

proporciona o surgimento de grupos sociais diferenciados, e por sua vez, produz também

intelectuais que representam os interesses desses grupos, os intelectuais, então, serão

responsáveis pela organização desse grupo, sua consciência e sua função no campo

econômico, social e político.

A função da escola é formar o intelectual da classe trabalhadora, e para isso deve ter

claro qual seu princípio fundamentador, para definir isto. Seu parâmetro deve ser as funções

que essa classe exerce na sociedade e o que está dialeticamente relacionada à produção

econômica, bem como suas relações superestruturais, o trabalho.

Anteriormente podia se perceber a dualidade estrutural da escola, uma escola

humanista de cultura geral, era destinada àqueles que pensariam o trabalho enquanto outros

apenas executariam. Simultaneamente ao funcionamento desse modelo de escola se

desenvolvia escolas técnicas, voltadas à prática, funções instrumentais, destinadas à classe que

apenas executaria o trabalho.

Porém, como já enunciado por Gramsci, não existe atividade puramente pratica, tão

pouco, atividade puramente intelectual, pois mesmo o trabalho prático exige atividade

intelectual e o trabalho intelectual exige uma materialidade. E com o desenvolvimento da

sociedade e da tecnologia, essa dualidade estrutural da escola entra em colapso, pois o próprio

trabalho exige mais do trabalhador, um saber mais complexo, devido à complexidade do

processo de trabalho.

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No âmbito da educação, esta contradição se expressa através do fato de que o capital,

ao se desenvolver, exige cada vez menos qualificação do trabalhador; no entanto,

como resultado desse mesmo desenvolvimento, criam-se relações sociais e formas de

viver que exigem que este mesmo trabalhador tenha cada vez mais conhecimentos,

que lhe permitam compreender manipular e usufruir dos benefícios do avanço

tecnológico (KUENZER, 2001, p. 122).

Nesse novo momento, na sociedade pós-moderna, surge um novo tipo de intelectual,

que Gramsci chama de intelectual moderno, que podemos ver como exemplo o técnico da

indústria moderna, que ao mesmo tempo possui habilidades técnicas e de dirigente.

Devido a essa linha de pensamento, e segundo Kuenzer, o princípio educativo do

trabalho se impõe por algumas constatações: é indissociável o caráter teórico/prático de todo

trabalho, o técnico é o novo tipo de intelectual, o saber prático e científico do trabalho se uniu

à concepção humanístico/histórica nesse momento do desenvolvimento da sociedade e as

atividades do trabalho se tornam complexas exigindo um saber mais complexo.

A partir dessa base teórica Kuenzer constrói uma proposta para o ensino de segundo

grau, na qual será levada a cabo a dualidade estrutural da escola, o conteúdo deverá

proporcionar o conhecimento tecnológico-científico, que proporcione o saber a respeito da

produção e das relações sociais, o método deverá ser teórico/prático, a gestão democrática,

com espaço físico adequado a essas necessidades contando com bibliotecas, e laboratórios,

entre outros.

Em suma as propostas que se constituem uma alternativa à educação que atende aos

interesses capitalistas, desde Marx, passando por Gramsci e Saviani, surgiram como forma de

superar a cisão entre teoria e prática, dar andamento à construção de uma outra sociedade, que

não capitalista, e que formasse o homem em todos os seus aspectos. Pensando nisso é que fica

claro a validade dessas propostas, pois essa dicotomia entre saber e prática ainda está presente

no ideário educacional, a sociedade capitalista, que ela veio denunciar e superar ainda está em

vigor e o indivíduo ainda é formado nessa sociedade apenas como força de trabalho em

potencial, necessitando ter um ensino mais humanizador. É sobre esses argumentos que se

validam essas propostas, já que o foco de suas críticas ainda não findaram, isso faz dela uma

teoria atual, que nos aponta para a superação dessa sociedade dividida em classes, quem tem

como princípio e exploração de uma sobre a outra. Portanto, Gramsci é um autor atualíssimo,

que responde às nossas necessidades e inclusive às especificidades brasileiras, que não se

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apresenta de forma tão discrepante diante de outras realidades nesse mundo globalizado.

Entretanto é importante mencionar que, a escola por si só não é capaz de romper com os

enlaces da sociedade capitalista, todavia, é um importante espaço de luta, mediante o processo

de transformação da sociedade, para uma outra fase mais justa.

Até aqui, tentamos trazer a baila o surgimento das pedagogias contra-hegemônicas em

nosso país, tendo como ponto de partida as condições materiais para que tal pensamento

pudesse ser elaborado. Entendendo este momento histórico, da década de 1980, como o

surgimento. Dos estudos realizados até então, não se constata discussões contundentes entre

uma concepção pedagógica e outra, assim, o momento se caracteriza mesmo, como o

surgimento dessas ideias.

No capítulo seguinte analisaremos a década de 1990 aos dias atuais, levando em conta

sua base material, sua influência no campo pedagógico e o debate a respeito do trabalho

educativo.

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CAPITULO III

O QUADRO EDUCACIONAL DA DÉCADA DE 1990

E O DEBATE DO TRABALHO COMO PRINCÍPIO EDUCATIVO

Neste último capítulo traremos o contexto sócio político e econômico da década 1990

aos dias atuais, bem como sua influência para a educação, para que possa balizar a emergência

do debate contemporâneo sobre trabalho como princípio educativo. Como participantes desse

debate elucidaremos os construtos teórico de Paulo Tumolo, Sergio Lessa, João Batista

Zanardini, Daniel Rodrigues e Ademir Quintilio Lazarini. De antemão, relatamos aqui a

dificuldade de encontrar trabalhos que representem uma pesquisa mais aprofundada sobre o

tema, portanto, escolhemos esses autores por apresentarem profundidade no debate.

3.1. Década de 1990 aos dias atuais, a força do projeto neoliberal

No começo da década de 1990, Fernando Collor de Mello assume o governo, suas

principais ações dizem respeito à diminuição de gastos públicos e aumento de impostos. Como

principais medidas podemos citar: fim das tarifas alfandegárias, valorização de produtos

importados, investimento de capital estrangeiro no Brasil, privatização de todos os serviços

públicos, aniquilação do Estado intervencionista, ataque aos direitos trabalhistas e

desindustrialização, o que resultou em desemprego. Todas essas mudanças resultaram da ideia

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de modernização. Trata-se de planos neoliberais, que tiveram influência no “Plano Brasil

Novo”, “Plano Collor”, entre outros (GIANNOTTI, 2009).

Nesse período se acentuam as parcerias das empresas privadas com o Estado. A tão

mencionada tecnologia e sua inserção no mercado não se deram de forma completa e tão

avassaladora quanto a princípio se pensava, pois a difusão dessa tecnologia em território

brasileiro se mostrou relativamente baixa, entretanto, no que se refere às mudanças

organizacionais desse trabalho, pode-se dizer que foram significativas. Contudo, o que se pode

dizer sobre a realidade brasileira é que o toyotismo acabou assumindo outras características,

adequando-se à realidade nacional (SOUZA, 1987).

A mobilização da classe trabalhadora era pouco articulada nesse período, em São Paulo

algumas, centrais saíram às ruas para denunciar esses planos do governo. Um dos sindicatos

apareceu com uma faixa escrita “Fora Collor”, frase esta que só ganhará força em 1991. Nesta

época também surgiram várias greves contra a terceirização, incluindo a participação de

moradores ribeirinhos que viriam a sofrer com a construção de hidrelétricas.

A partir desse momento as greves se tornam mais intensas, aparecem denúncias de

corrupção do governo Collor e as manifestações, para que este deixe a presidência, aumentam

demasiadamente. No ano de 1992, Collor sofreu um impeachment, assumindo seu lugar,

Itamar Franco (KONDER, 2003). Em 1993 é realizado um plebiscito para decidir qual sistema

de governo seria adotado no Brasil, parlamentarismo ou presidencialismo, com o apoio da

esquerda vence o presidencialismo. No ano seguinte foi lançado o plano de uma moeda nova,

Plano Real, que prometia congelar os salários, baixar taxas de inflação e estabilizar a

economia, plano este que acabou dando a vitória na presidência da república, ao então

ministro da economia, Fernando Henrique Cardoso (GIANNOTTI, 2009).

Porém, mesmo com esse controle da inflação, com o país se submetendo às regras do

“Consenso de Washington”, fica desacreditada toda a ideia de mudança do crescimento

econômico e da distribuição de renda, pois de acordo com tais regras, os países adeptos a esse

acordo, mediante ajuda financeira, ficam reféns do controle de grandes organizações como

FMI e BID. Suas propostas eram uma gama de políticas de desregulamentação do mercado, de

abertura comercial e financeira e a diminuição da intervenção do Estado. Mas, por que se

subjugar a essas regras? O Brasil precisava de empréstimo financeiro, esse concedido pelo

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FMI, que para conceder o empréstimo, impunha essa política como condição (MATTOSO,

2010).

Em 1995, a derrota da greve dos petroleiros foi marcante para a política neoliberal,

devido à intenção de atacar o direito dos trabalhadores, seguindo, dessa maneira, a cartilha de

Margareth Thatcher.

Devido à situação de sucessivas crises econômicas no país, surgia um impulso por uma

maior subordinação aos financiamentos internacionais, já que a cada crise o Brasil recorria à

concessão de créditos internacionais. Ainda podemos mencionar como ideia propulsora a

argumentação de que o país já não conseguia resolver seus problemas, e se autogerir,

necessitando entregar a direção na mão de organismos mais competentes, sendo que estar

subjugado pelas políticas internacionais era visto como uma solução viável aos problemas,

nacionais.

Nos governos de Collor e de FHC investiu-se na iniciativa privada na educação,

tendendo a tirar a responsabilidade do Estado e sendo entregue esta à boa vontade pública.

Referente a isso, Souza (1987) menciona que de acordo com as ações neoliberais no Brasil,

pretendeu-se:

[...] privatizar todos os serviços prestados a população, pelo Estado: educação, saúde,

telecomunicações, saneamento etc. Em contrapartida esse mesmo governo negligente

com as questões sociais utiliza o fundo público para sanear as dívidas do setor

bancário, comprando suas moedas podres ou simplesmente repassando o dinheiro

público para socorrê-los. O Plano Real, assim, a exemplo dos planos econômicos do

México e da Argentina, tem-se traduzido em uma expressão concreta da versão

subdesenvolvida da redefinição do modelo de desenvolvimento do capital, sob a

hegemonia do receituário neoliberal (SOUZA, 1987, p. 108).

A adoção dessa política de governo neoliberal, a priori, resgatou a estabilidade da

economia, congelou o processo de hiperinflação e nos trouxe de volta a moeda nacional.

Porém, tudo isso teve um custo, o aumento do desemprego, a diminuição dos salários e o

aumento da exclusão social. Assim, a única explicação para a venda de bens de consumo foi o

aumento do crédito para o consumidor, mas, com isto os consumidores contraíram dívidas e

estavam sendo submetidos à taxa de mais de 70% de juros ao ano. Vale ainda mencionar que

no que dizia respeito às relações de trabalho, o contrato temporário serviu ao capital como a

maneira mais adequada de atender às necessidades dessa produção flexível. O que se obteve

com essa política na década de 1990, foi o endividamento público, agravamento da dívida

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externa, bem como o aumento da dívida pública da União, dos estados e municípios. No

intuito de desacelerar o crescimento dessa dívida, as empresas estatais foram sendo vendidas,

entretanto, esse recurso não foi eficaz (SOUZA 1987).

Com a reeleição de Fernando Henrique Cardoso, reafirmam-se os vínculos com o

capital internacional.

Em janeiro começa novo mandato FHC e, logo em seguida, o real é desvalorizado.

Seu valor artificial, de 1/1 com o dólar, mostrou-se completamente irreal.

Gradativamente, o valor da moeda americana chega a quase R$ 4,00. Com a eleição

já realizada, aos poucos vem a público o apoio garantido pelo FMI ao seu candidato

FHC. O alto executivo do próprio Fundo, Josef Stiglitz, escreve, num livro, que o

FMI facilitara um empréstimo de quarenta a bilhões de dólares ao Brasil. Foi dessa

maneira que o governo conseguiu segurar artificialmente o valor do dólar, antes da

eleição. Em troca FHC deveria realizar todas as reformas, estruturais que o Fundo

exigia (GIANOTTI, 2009, p. 304).

Portanto, no período de 1994 a 2000, o país esteve sobre constante pressão devido à

ameaça da perda de capital e do surgimento de crises, isso fez com que ele estivesse sobre

total controle do mercado financeiro interno e externo. E, é neste contexto de dominação do

capital bancário que o PT assume a liderança do país em 2003 (SOUZA, 1987).

Quando o PT assume o governo, não aconteceram grandes mudanças na política, pois

ainda contamos com as diretrizes gerais do governo FHC, para impedir o crescimento da

inflação, superávits primários e câmbio flutuante, entretanto, em seu segundo mandato é

possível observar certa flexibilização nessa organização econômica. Essa flexibilização pode

ser vista na adoção de medidas de crédito ao consumidor e ao mutuário, o aumento do salário

mínimo, criação de programas, para acelerar o crescimento e incentivo ao investimento

público e privado, bem como medidas de combate a crise desde 2009, a criação de programa

de transferência de renda, como bolsa escola, bolsa alimentação, auxilio gás, entre outros.

Além desses programas, de alcance mais geral, foram criados auxilio que atendiam

interesses da população de forma mais específica, como Luz para todos, de eletrificação das

áreas rurais, regularização das propriedades quilombolas, e construção de cisternas em

terrenos semiáridos, entre outros (SINGER, 2009).

O tripé formado pela Bolsa Família, pelo salário mínimo e pela expansão do crédito,

somado aos referidos programas, específicos, resultaram em uma diminuição

significativa da pobreza a partir de 2004, quando a economia voltou a crescer e o

emprego a aumentar (SINGER, 2009, p. 93).

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Contudo, vemos nos encaminhamentos do governo essas características de políticas

socialistas, mas, também se percebe uma maneira de gerir a economia sobre os ditames do

neoliberalismo.

O fato é que o governo preferiu conter a subida dos preços pelo caminho ortodoxo,

aprofundando as receitas neoliberais, como foi o caso da combinação de corte no

gasto público e aumento de juros em 2003. [...] O presidente vocalizou, então, o

discurso conservador de que o seu governo não adotaria qualquer plano que pusesse

em risco a estabilidade, preferindo administrar a economia com a “prudência de uma

dona de casa”. Se ao fazê-lo estabelecia um hiato em relação ao seu próprio partido,

em troca criava uma ponte ideológica com os mais pobres (SINGER, 2009, p. 97).

O que podemos mencionar sobre o governo de Dilma Vana Rousseff é que não

ocorreram mudanças que destoam da intenção primária dos governos anteriores, a continuação

de políticas neoliberais, apenas com algumas, variações, estas por sua vez não alteram de

forma significativa a organização brasileira. Vale ainda mencionar a dificuldade de se tratar de

um período histórico que ainda está em curso, como o governo de Dilma Vana Rousseff.

Sendo assim, é um tanto quanto complexo realizar grandes análises sobre esse período que

ainda está em pleno processo.

Contudo, ainda podemos levar em conta o caos que se encontra os serviços públicos e

as constantes revoltas, expressadas através de grandes manifestações pelo país, por ser um

momento histórico ainda em curso, é difícil realizar projeções acerca de que caminho estamos

trilhando. Diante de uma época de crise, surgem pensamentos que tentam analisar e propor

novos caminhos. Considera-se ser este o contexto das atuais ideias que estão em circulação

pelo país, uma tentativa de explicar a crise e superá-la, é levando em conta esse movimento

que apresentaremos as ideias pedagógicas dos anos de 1990 aos dias atuais.

Tendo realizado esta breve contextualização do Brasil nesse período histórico que

elegemos a fins de delimitação do objeto, no próximo momento explicitaremos como essas

políticas econômicas influenciaram na organização da educação brasileira.

3.2. A educação na década de 1990: mudanças ou continuidades?

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Certamente que junto com a crise da sociedade instaurada pelo neoliberalismo, agrega-

se a crise no campo teórico, este principalmente se instaura com a pós-modernidade e segundo

Chaui esta crise se manifesta pela negação de alguns elementos: a negação da objetividade,

coletividade, a negação da continuidade temporal da história e a negação de categorias gerais

como universalidade, objetividade, ideologia, verdade.

O neoliberalismo, enraizado no país na década de 1990, traz essas novas concepções

fragmentárias com base na fluidez do pós-modernismo, fazendo com que a historicidade em

geral esteja submersa em descrédito. A consequência disso é que se instaura um pessimismo

quanto às mudanças da sociedade.

Segundo Frigotto (2002) talvez nenhuma outra corrente teórica tenha sofrido tantos

ataques quanto o marxismo, o argumento é comum contra este referencial, pois o

neoliberalismo se empenha em salientar que esta é uma teoria que já caiu por terra devido aos

problemas, históricos dessa teoria, como a queda do socialismo real, a queda do muro de

Berlim, tão mencionada pelos meios de veiculação da comunicação, tendo isto como um

ganho para a sociedade.

Portanto, é necessário compreender que os fracassos políticos da implementação do

socialismo e alguns equívocos de interpretação dessa teoria, não faz com sua validade seja

revogada. Os referencias teóricos não se tornam inválidos pelas dificuldades de ordem real e

prática que enfrentam, mas, se tornam obsoletos quando não servem mais para explicar essa

realidade. O alvo do marxismo é a crítica quanto ao sistema capitalista e por mais que tenha

adquirido novos contornos, o capitalismo ainda é vigente, sendo assim, não pode se tornar

obsoleta uma teoria que o critica e tem a intenção de dar cabo nessa forma de organização da

sociedade, ela ainda sendo existente, obviamente.

A crise econômica que se vivencia nos anos de 1990, é a crise do padrão de

acumulação fordista e de regulação social, entra em crise o Estado de bem-estar social. Estes

deram subsídio para a exploração capitalista nos últimos 50 anos. Incorporando algumas,

medidas de assistência social, como: direitos sociais de educação, saúde, transporte, moradia,

garantias de emprego e seguro desemprego. Quer dizer, o dispêndio econômico era grande

enquanto o retorno era muito menor, assim, claramente recai a crise sobre essa forma de

organização do trabalho. Assim, como forma de superar a crise emerge o neoliberalismo,

como relatamos pormenorizadamente na introdução.

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O neoliberalismo tenta criar a ilusão de que a crise é passageira, e mais que isso tenta

mostrar que a única forma de relação social possível, é a capitalista. No liberalismo de Hayek,

a busca pela igualdade leva à servidão, essa era a sentença máxima. O mercado é que passa a

gerar os interesses e as relações sociais de maneira livre, igualitária e justa. Todavia, ao longo

da história podemos perceber que a livre concorrência é uma ilusão, pois a imensa

desigualdade gerada por esse sistema o colocou em apuros, sendo que na tentativa de sanar

essa crise, a saída encontrada foi a forte intervenção estatal. Apesar disso a ideia mantenedora

do neoliberalismo é a de que o estado é responsável pela crise, devido sua ineficiência. Desse

raciocínio provém a tese do Estado mínimo e a necessidade de liquidar com todas as

conquistas sociais, como o direto a estabilidade no emprego, a saúde, educação, transporte

público e etc. Tudo isso passa a ser gestado pela lógica de mercado. Em outras palavras, o

Estado mínimo apenas interessa ao capital.

Essa concepção do papel do Estado vem sendo amplamente divulgada pela mídia.

Partindo disso, fica evidente a dificuldade em construir uma democracia de fato e os meios de

veiculação da informação se tornam grandes provedores da exclusão social. Esse dispêndio de

artilharia pesada no ideário brasileiro resulta na desesperança e na extinção da utopia de uma

resistência social organizada pela classe trabalhadora, e isso é inculcado de tal forma que é

tomado como um processo natural a extinção de grupos e populações.

Sobre essa lógica de mercado no campo educacional se fragmentam os processos

educativos, relacionando-os a pós-modernidade, que carregam os conceitos de particularidade

e subjetivismo. Portanto, negam a possibilidade de construir algo universal, no conhecimento,

na cultura, na política e nas demais esferas da nossa sociedade. Seguindo essa lógica, as

avaliações realizadas pelo MEC (Ministério da Educação), revelam que o que impera é a

lógica do mercado competitivo, ao garantir prêmios às escolas que alcançarem melhores

resultados.

Por trás de tudo isso há o discurso ludibriador da autonomia, descentralização,

flexibilidade, individualização, pluralidade, poder local e outros. Todavia, isso resulta na

fragmentação da educação, bem como dos processos de conhecimento. Além de refletir em

políticas que precarizam ainda mais o sistema educacional, como por exemplo, o subsídio

dado pelo Estado a instituições privadas, apoiando o sistema escolar particular em conjunto

com grandes empresas como escola do Bradesco, da Rede Globo, das empreiteiras.

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Outra iniciativa foi a de incentivar escolas cooperativas, baseada na tese de teóricos

neoliberais como Milton Friedman (apud. FRIGOTTO, 2002). Segundo ele, a educação

também é um negócio, portanto, deve ser regulada pelo mercado. O Estado ainda deveria

conceder uma espécie de bolsa, em dinheiro, para que o aluno tivesse o direito de consumir no

mercado educacional como bem lhe parecesse. Há também o incentivo da parceria escola

pública e empresas.

Quer dizer que não é por acaso que há um abandono do discurso da educação pública

de qualidade, da democratização desse ensino e na equalização do campo social e educacional.

O abandono desse discurso é oriundo do neoliberalismo, o princípio, ao qual todos os setores

da sociedade deverá atender, é a lógica de mercado, sendo este o único meio justo capaz de

atender aqueles capazes de desenvolver um trabalho com qualidade.

Como marco dessa década referente ao meio educacional, podemos citar a elaboração

da LDB de 1996, que no momento ficou conhecido como substitutivo Jorge Hage, elaboração

esta em que Saviani teve o intento de realizar algumas contribuições.

Segundo Saviani (1988) a LDB de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases), discutida na

década de 1980 e posta em vigor em 1996, deve estabelecer a finalidade da educação, sendo

um norteador, no qual todo o país possa buscar uma direção, juntamente com isto, deve indicar

quais os meios mais adequados para se atingir essas finalidades. E, indicar esses rumos não se

restringe apenas a compreender o momento atual, mas, ter em mente o que se quer alcançar,

ou seja, traçar o tipo de sociedade que se quer futuramente.

Para tanto se considera a íntima relação que há entre a sociedade em seu processo de

desenvolvimento histórico. Sendo assim, a educação é indissociável da sociedade, e se origina

do mesmo processo que se origina o homem, ou seja, do viver em sociedade. O homem se faz

em seu convívio social, por meio da educação.

Tentaremos citar aqui os principais apontamentos feitos por Saviani com o intuito de

nortear as discussões sobre a nova LDB. Primeiramente ele cita a formação omnilateral, que

deveria ser a finalidade da educação, quer dizer, uma formação humana em todos os seus

aspectos, de maneira a torná-lo completo. Sugere também que o ensino seja articulado pelas

redes federal, estadual, municipal e particular, supervisionando assim, as instituições

particulares de igual maneira (SAVIANI, 1988).

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A organização da escola está centrada no trabalho, o que acaba por influenciar no

currículo. Se no primeiro grau o vínculo com o trabalho é tratado de forma sutil, no segundo

grau deverá ser bem direta. E, o papel desse ensino é justamente recuperar este vínculo que

vem sendo negligenciado ainda nos dias atuais. Agora se trata de mostrar como o saber teórico

se transforma em potência material no processo de trabalho. Portanto, este ensino contará com

o envolvimento dos alunos em oficinas, nas quais eles poderão manipular e conhecer os

processos básicos da produção, o que se deve buscar é ensinar ao aluno os fundamentos das

técnicas diversificadas de produção e não o mero adestramento nessa atividade, formando

politécnicos, quer dizer obter o conhecimento de várias técnicas. E, esta é uma formação

necessária a todos, independentemente da ocupação que venha a praticar na sociedade.

Para a educação do terceiro grau, também se propõe uma concepção diferenciada.

Além do ensino superior, propõe-se que o terceiro grau dê condições para que o indivíduo

tenha a capacidade de discutir os problemas, inerentes ao homem contemporâneo. Teria como

função também organizar o desenvolvimento cultural dos trabalhadores e que possam

participar das discussões sobre a sociedade, de igual maneira à dos universitários. Aqui não se

trata da população trabalhadora como receptores passivos, como se tem tratado atualmente na

extensão universitária, mas, como indivíduos que pudessem interagir.

O que se tem sobre conceito de educação, são os vínculos que ela deve ter com as

práticas sociais, com o trabalho e a valorização das práticas educacionais extraescolares. As

leis educacionais sempre estavam atreladas com a ideia de universalização da educação,

todavia, o Brasil tardiamente implantou esse sistema de educação nacional, atrasando-o em

relação a outros países (SAVIANI, 2000).

Devido ao aumento da demanda desse ensino, várias instituições particulares vêm se

organizando na modalidade cursos livres, para que não haja uma fiscalização dessas

instituições, e uma das propostas de Saviani é que se regulamente esse ensino, sendo os órgãos

públicos responsáveis por orientar e estimular as iniciativas que colaborarem com a sociedade

e inibam a atuação dessas instituições que agem de má fé. As instituições particulares que

ofertam o ensino precisam ser regulamentadas para que haja de fato qualidade nesse ensino

ofertado.

Outra criação referente à educação nessa década foi o FUNDEF (Fundo de

Manutenção e Desenvolvimento de Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério),

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criado por uma Emenda Constitucional em 1996, em meio a um regime de colaboração entre a

União, estados e municípios, o que acabou por desobrigar a União à aplicação direta de verba

que erradicasse o analfabetismo. E, a partir dessa política os recursos seriam distribuídos de

maneira equalizada, porém, sem se levar em conta as maiores necessidades de localidades

mais carentes, colaborando assim, com a continuidade da desigualdade social. Não nos

esquecendo de que as políticas educacionais continuam a ser norteadas pelo Banco Mundial e

UNESCO, inda com bases na TCH (Teoria do Capital Humano).

Na discussão sobre a nova LDB, no que diz respeito ao financiamento da educação,

havia uma preocupação com essa desigualdade quanto aos recursos destinados a (à) educação.

Todavia, em 1990 com as eleições, muita coisa mudou no cenário nacional, o neoliberalismo

ganhava força, com isso deu-se impulso à desregulamentação, à privatização e às

terceirizações. Com isso o Estado, antes provedor da educação, passa a gerenciá-la, em ações

supletivas e redistributivas, coordenando os sistemas, de avaliação nacional. Portanto, caberia

a União cobrir a incapacidade financeira das instituições públicas e privadas, visando uma

equalização de recursos (PINTO, apud. DOURADO, 1999).

Após um ano da implantação da FUNDEF, há a divulgação de um balanço deste

programa, “Balanço do primeiro ano do FUNDEF” (1999), essa divulgação, segundo Arelaro

(1999) é obviamente tendenciosa, mencionando a maravilha desse sistema que deu certo em

outras áreas, como a área da saúde, e agora na educação. A partir disso o que se dá a entender

é que tudo está muito bem, todos os alunos matriculados, inclusive os da faixa etária de 7 a 14

anos, em escolas que funcionam adequadamente e com a qualidade de ensino cada vez melhor,

os professores por sua vez, estão satisfeitos com suas condições de trabalho e seus salários.

Como resultado destas iniciativas, a taxa de escolarização líquida, na faixa etária de 7

a 14 anos, aumentou de 93% em 1996 para 95,8% em 1998. Em números absolutos,

este crescimento representou a incorporação ao sistema de ensino regular de mais de

um milhão de crianças que se encontravam fora da escola (BRASIL, 1999, p. 18).

O que se discute ainda a respeito do FUNDEF é o seu funcionamento democrático,

pois, por mais que exista certo monitoramento por parte de conselhos montados para este fim,

estes não são tão transparentes como se esperava, pois seus integrantes ainda não são de

origem federal, estadual ou municipal, portanto, a UNDIME chegou até insistir com o MEC

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para que aceite representantes do ministério público, e auditores do Conselho de Contabilidade

(ARELARO, 1999).

Dado o devido contexto, o que nos mostra os últimos anos é que com o governo Luiz

Inácio Lula da Silva e Dilma Vana Rousseff a educação não mudou em nada suas diretrizes,

pois esse cenário descrito no início da década de 1990 ainda nos é muito familiar, tais

problemáticas apenas atingiram maior grau de aprofundamento, como nas crises ideológicas e

no sucateamento do ensino público, seja na escola regular, seja no ensino superior. Vale ainda

lembrar que devido à contemporaneidade desses dois governos, pouco há publicado a esse

respeito, principalmente no que se refere à situação educacional.

Sobre o ideário pedagógico podemos mencionar que aquelas pedagogias no final da

década de 1980, continuam com grande força nessa década, sobre as quais a característica

mais forte ainda é herdeira da teoria do capital humano, a empregabilidade, fazendo parte

dessas ideias pedagógicas o neo-escolanovismo, neoconstruvismo, neotecnicismo, entre outras

que compartilham do mesmo princípio. Diante deste quadro nos perguntamos a respeito das

pedagogias contra hegemônicas. O que ocorreu com os debates a esse respeito? E o debate a

respeito do trabalho como princípio educativo?

O debate que antes era tão produtivo na década de 1980, depois dos anos 1990 veio

sofrendo um esfriamento. Por quê? Saviani, em uma entrevista dada a Semionato (1995),

argumenta que a derrota do pensamento de esquerda ter caído em descrédito devido à

experiência de alguns países, fez com que os referenciais de orientação marxista fossem postos

de lado, sendo encarado como ineficazes. Isso ainda culminou com a forte investida neoliberal

no âmbito das ideias em nosso país, inserindo o pós-modernismo e suas matrizes em todos os

âmbitos.

Todavia, nos últimos anos o debate a respeito do trabalho como princípio educativo

vem ressurgindo no meio acadêmico, mas, vale lembrar que alguns grupos de estudos nunca

deixaram a temática cair no esquecimento, todavia, não se apresentavam com grande

evidencia.

No início dos anos 2000 começaram aparecer com mais frequência trabalhos com a

temática do trabalho como princípio educativo. Analisaremos alguns trabalhos que apresentam

uma crítica quanto a esse conceito.

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3.3 A negação do trabalho como princípio educativo advinda do dogmatismo da teoria

marxiana e um posicionamento político

Em um primeiro instante analisaremos as críticas ao trabalho como princípio educativo

elaborada por Sérgio Lessa, graduado em filosofia pela Universidade Federal de Alagoas,

possui mestrado em filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais, e doutorado em

Ciências Sociais pela UNICAMP, atualmente professor associado da Universidade Federal de

Alagoas.

Em seu livro “Trabalho e Proletariado no capitalismo contemporâneo”, Lessa (2007)

faz uma crítica a três autores expressivos do marxismo, de áreas distintas do conhecimento, na

aérea de educação, serviço social e sociologia. Respectivamente trata-se de Dermeval Saviani,

Marilda Iamamoto e Ricardo Antunes. A alegação é de que estes teriam dado adeus ao

proletariado no Brasil, afirmando a perda da centralidade da categoria trabalho na sociedade

(LESSA, 2007). Contudo, no que se refere ao trabalho como princípio educativo, analisaremos

apenas as críticas feitas à Saviani, a fim de delimitação do estudo.

A base das críticas de Lessa (2007) se direciona ao livro “Pedagogia histórico-crítica”

(SAVIANI, 2005), que no primeiro texto discorre sobre a natureza da educação. Portanto, é

necessário fazer uma breve elucidação de que se trata tal texto.

Nesta obra, Saviani (2005), configura a educação como um fenômeno próprio do homem,

tendo em vista a apreensão da natureza humana, ou seja, tendo em vista a apreensão do

trabalho concreto, com o qual o homem se constitui como ser humano. Partindo-se desse

contexto, a educação é uma exigência do e para o trabalho, e dessa forma a educação mesmo é

um processo de trabalho.

Sabe-se que a educação é um fenômeno próprio dos seres humanos. Assim, sendo, a

compreensão da natureza da educação passa pela compreensão da natureza humana.

Ora, o que diferencia os homens dos demais fenômenos, o que diferencia dos demais

seres vivos, o que diferencia dos outros animais? A resposta a essas questões também

já é conhecida. Com efeito, sabe-se que, diferentemente dos outros animais, que se

adaptam à realidade natural tendo a sua existência garantida naturalmente, o homem

necessita produzir continuamente sua própria existência. Para tanto, em lugar de se

adaptar a natureza, ele tem que adaptar a natureza, ele tem que adaptar a natureza a

si, isto é, transformá-la. E, isto é feito pelo trabalho. E, o trabalho se instaura a partir

do momento em que seu agente antecipa mentalmente finalidade da ação.

Consequentemente, o trabalho não é qualquer tipo de atividade, mas, uma ação

adequada a finalidades. É pois uma ação intencional (SAVIANI, 2005. p.11 ).

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Antes de efetivar um trabalho, nós o pensamos, o concebemos. A essas ações do

pensamento, como de elaborar conceitos, ideias, valores, hábitos, atitudes e outros elementos

necessários à formação humana, Saviani denominou trabalho não-material. Portanto, a

educação faz parte dele, ao contrário do trabalho material que consiste na produção dos meios

materiais para a existência humana (SAVIANI, 2005).

O trabalho educativo é produzir em cada indivíduo a humanidade construída através da

História e pela sociedade. Quer dizer que é necessário que cada um interiorize os elementos

culturais necessários à humanidade. Por isso a função da escola é a socialização do saber

sistematizado, ou seja, o saber organizado de maneira que possa ser assimilado com coerência.

O currículo escolar se baseia nessa forma de saber, e essa cultura erudita é uma cultura letrada,

por isso que constitui na leitura e na escrita como primeira exigência. Porém, ainda é preciso

dominar os números, a natureza e a linguagem da sociedade, constituindo os conteúdos

fundamentais da escola.

Daí emerge a especificidade do pedagógico que é descobrir esses elementos

necessários à formação humana e à descoberta de formas, adequadas para que o aluno tenha a

compreensão desses elementos (SAVIANI, 2005).

Segundo Lessa (2007), há contradições no texto de Saviani, pois se educação é o

mesmo que trabalho no que diz respeito a ambas serem atividades propriamente humanas, não

há como estas categorias serem fundantes uma da outra, completa, se educação é o trabalho,

como pode ser, a educação, transformação da natureza? E, ainda, afirma mais uma vez que

Saviani conclui que trabalho e educação são a mesma coisa, pois o processo de trabalho exige

educação.

Na primeira parte da frase (“a educação é um fenômeno próprio dos seres humanos

significa afirmar que ela é, ao mesmo tempo, uma exigência do e para o trabalho”)

Saviani reafirma tanto que o trabalho é a categoria fundante como, ainda, a

necessidade primeira da vida em sociedade: a educação teria a sua gênese nas

necessidades do próprio processo de trabalho. Seria, portanto, fundada pelo trabalho.

[...] Identificado fundante e fundado, esta relação pela qual uma categoria funda a

outra é substituída pela relação de identidade. A identidade não pode ser portadora da

relação fundado/fundante no sentido preciso de que não tem qualquer sentido dizer

que qualquer categoria funda a si própria. Se a educação é trabalho, não se pode mais

dizer que este é fundante daquela, pois cair-se-ia na tautologia de postular ser a

educação (ou qualquer categoria) fundante da educação (LESSA, 2007, p. 107).

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Todavia, não é isso que Saviani traz em seu texto, ele considera a diferença entre esses

dois conceitos, defendendo que estão intimamente relacionados, e não que se convertem em

sinônimos.

Lessa (2007) ainda aponta mais uma crítica, a relação entre trabalho e cultura. Em sua

análise da obra de Saviani (2005), além de argumentar que este autor iguala a educação ao

trabalho, também o iguala à cultura, sendo trabalho, educação e cultura o mesmo e, ao tratá-lo

como princípio educativo, ignora, portanto, essa identificação de trabalho com a cultura. Lessa

cita esta parte da obra de Saviani, da qual ele extrai tal conclusão.

Para sobreviver o homem necessita extrair da natureza, ativa e intencionalmente, os

meios de sua subsistência. Ao fazer isso ele inicia o processo de transformação da

natureza, criando um mundo humano (o mundo da cultura) (SAVIANI, 2005, p.11).

Tendo como base o primeiro livro de “O Capital” (MARX, 1985), a definição de

imaterial está relacionada ao que é inexistente, de acordo com isso, afirma que Saviani

inverteu a lógica ao mencionar a educação como uma produção imaterial, pois esta se realiza

na materialidade, ou seja, no campo do que é existente. Para este autor, Saviani nega que a

educação esteja no âmbito da prática, por não ser material. Se a educação não é material e se

as condições materiais pertencem à prática, não há como a educação ser um processo de

trabalho, pois o trabalho é algo material.

Segundo Frigotto (2009) a análise que Lessa realiza, especificamente tomando como

base o livro I de “O Capital”, traduz-se em engessamento dos escritos marxianos, que se

revela como um dogmatismo, pois chega até a contestar o vocábulo trabalho. Lessa ignora as

mudanças ocorridas no interior da classe trabalhadora, o trabalho já não é mais exclusivamente

formal, e sim flexível quanto às contratações precárias. Porém, toda essa desconsideração das

mudanças permite que defina hoje o que é o proletariado, sem levar em conta que o proletário

ao longo da História mudou suas características e é um novo proletariado e não mais o

tradicional (ORGANISTA, 2006). Este mesmo equívoco é cometido por Tumolo como

veremos mais adiante.

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O que procurarei mostrar é que as análises de Lessa e Tumolo, na especificidade e

natureza diversa dos dois trabalhos a que me refiro neste artigo, podem estar

incorrendo nessa impropriedade. Isso pode ter como consequência, ainda que não

intencional, em nome da imanência e da ortodoxia, por um lado, congelar a saturação

histórica das categorias e conceitos e, com isso, o legado fundamental de Marx de

perquirir a relação do estrutural e conjuntural no tempo e no espaço, nas mediações e

contradições singulares, particulares e universais da realidade que queremos

compreender; e, por outro, conduzir ao imobilismo no plano da práxis, ponto nodal

da luta de classes para a superação das relações sociais capitalistas (FRIGOTTO,

2009, p. 177).

Portanto, por uma atenção excessiva ao que é trabalho, Lessa (2007) deixa de analisar a

categoria da contradição e o movimento histórico de como se efetiva o trabalho. E, ao

mencionar a ilusão de Saviani e de outros autores de esquerda quanto à educação, realiza uma

expressão mais retórica que pejorativa. E, todo esse construto teórico de Lessa é para afirmar

que educação não pode ser considerada como trabalho, e que trabalho e educação não

possuem uma relação entre si.

Tendo explicitado o debate teórico entre Sérgio Lessa e Dermeval Saviani,

elucidaremos o construto teórico de Paulo Sergio Tumolo, em sua obra “O trabalho na forma

social do capital e o trabalho como princípio educativo” (2005), que segue a mesma ideia de

Lessa, da negação do trabalho como princípio educativo.

Tumolo (2005) faz uma longa exposição da obra “O Capital”, apenas para explicitar

que o que tem que ser levado em conta é o trabalho abstrato, com a argumentação de que este

acaba por diluir o trabalho concreto. A princípio, ele indaga como seria o trabalho como

categoria fundante no interior do capitalismo. Visto isso é que ele se propõe a explicitar qual é

o sentido do trabalho nesse sistema. Sendo assim, ele faz uma análise da obra “O Capital”,

sequencialmente de acordo com os livros escritos. Trata-se dessa forma dos economistas

clássicos e das fontes de riqueza; o valor de uso e de troca; circulação do dinheiro e a

mercadoria; e, por último, a força de trabalho.

Neste trabalho, o autor realiza seus estudos partindo do conceito de trabalho deixado

por Marx, a fim de explicitar algumas questões relacionadas ao trabalho como princípio

educativo. Assim, Tumolo (2005) o tratou como percebeu Adam Smith, o trabalho é fonte de

riqueza. E, este trabalho é produtor de dois valores, o de uso e o de troca, o primeiro se refere

à produção de um bem que tenha uma utilidade, e o segundo se refere à produção de um bem

que possa ser trocado, que possa ser comercializado. Basicamente o trabalho que produz bens

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para seu próprio uso é o trabalho concreto e o que produz mercadoria é o abstrato. Para

Tumolo (2005) o trabalho concreto é absorvido pelo trabalho abstrato no capitalismo, pois o

valor de uso está contido na mercadoria a ser comercializada.

Ele explica a mercadoria como centro do capitalismo e o dinheiro que a ela é reduzido,

bem como o fetiche posto sobre essas mercadorias. Mais adiante Tumolo (2005) explicita o

porquê da exposição peculiar feita por Marx em “O Capital”, como se deu a organização dos

capítulos. Trata também da relação força de trabalho e meios de produção, na qual uma é

subordinada a outra.

De acordo com Tumolo (2005), toda análise do capítulo V mostra que Marx analisa o

trabalho simples, concreto, isso é necessário, porém, insuficiente para compreender a forma

capitalista de organizar a sociedade e é por isso que Marx retoma a análise da força de

trabalho como mercadoria.

Por que Marx opera essa inversão metodológica? Por que, depois de construir,

consistente e cuidadosamente, as categorias analíticas específicas referentes ao

capital e tecer suas contraditórias relações, o autor efetua uma viragem e lança mão

de categorias analíticas de natureza genérica? Com o intuito de tentar dar respostas a

tais interrogações, sugiro a hipótese segundo a qual o autor está fazendo uma espécie

de digressão, um interregno analítico no curso normal de seu método buscando

atingir, entre outros, dois objetivos: 1) apresentar o último elemento constitutivo da

relação capitalista de produção, a saber, os meios de produção, e 2) explicitar,

distinguir e, ao mesmo tempo, estabelecer a conexão entre processo de trabalho,

processo de formação de valor e processo de valorização (TUMOLO, 2005, p. 247).

Em seguida esse autor parte para outro momento da discussão, sob o título de “O

significado do trabalho na forma capital e o trabalho como princípio educativo” (grifos do

autor). Entretanto, permaneceram as questões tratadas por Marx em “O Capital”, com ênfase

no que diz respeito à extração de mais-valia. Nesse momento, Tumolo (2005) reforça sua ideia

de dar ênfase no trabalho abstrato. Segundo ele, Marx também estava preocupado em analisar

esse tipo de trabalho, pois no início do capítulo XIV, menciona que o trabalho foi tratado de

forma mais geral, de forma abstrata, sem se levar em conta as formas, históricas e que a partir

desse momento o trabalho seria tratado como produtivo. Além disso, defende que o avanço do

processo produtivo se constitui fator determinante na sociedade.

Toda essa revisão lhe permite concluir três coisas: a primeira é que Marx pretende

entender apenas o ser social socialmente construído, a segunda é que a apreensão do trabalho

em sua forma geral, como se dá na sociedade, não serve para compreender a relação capitalista

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e, por último, que o trabalho enquanto criador de sentido da vida se constitui através da

condição de produtor do que é alienante.

O trabalho poderia ser considerado princípio educativo de uma estratégia político-

educativa que tenha como horizonte a transformação revolucionária da ordem do

capital? Ou, diferentemente, o trabalho só poderia ser princípio balizador de uma

proposta de educação que tenha uma perspectiva de emancipação humana numa

sociedade baseada na propriedade social [...] (TUMOLO, 2005, p. 256).

Percebe-se, dessa forma, a negação da dupla dimensão do trabalho. O trabalho ainda é

identidade e meio de existência, mesmo sendo alienante é ele que permite com que o homem

supra as suas necessidades essenciais, como comer, beber, vestir-se, e é o trabalho também

que faz com que o homem se sinta digno. Porém, Tumolo pensa no trabalho apenas como algo

alienante, esquece-se da categoria da contradição inserida no trabalho que permite com que o

trabalho seja a fonte de identidade do ser e ao mesmo tempo a base de exploração desse ser.

Por isso, a impossibilidade de pensar o trabalho como princípio educativo. (FRIGOTTO,

2009).

Analisamos também outra obra de Tumolo (2001), “Da subsunção formal do trabalho à

subsunção real da vida social ao capital: apontamentos de interpretação do capitalismo

contemporâneo”. Esta, como a outra, baseia-se em “O Capital”, e em um primeiro momento

explicita a discussão em torno da divisão do trabalho manufatureira e a divisão social do

trabalho. Num segundo momento menciona o controle do capital sobre o trabalho e por último

uma discussão sobre valor do trabalho. Posteriormente a esse estudo da obra marxista, Tumolo

explicita como se dá o controle da vida do trabalhador por parte do fordismo.

Portanto, para este autor, pensar em uma formação que vá além desse trabalho

alienante, significa pensar em outra sociedade, o trabalho como princípio educativo só será

possível fora do sistema capitalista, pois o que importa para o capitalismo é o trabalho

abstrato, aquele que lhe rende mais-valia.

Tumolo (2001) ainda defende que, se essa outra sociedade existisse, o trabalho não

seria mais o princípio educativo, mas, sim o prazer de viver, já que o trabalho seria uma

categoria minimizada nessa sociedade.

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Sobre nossa leitura, é no mínimo contraditório um autor marxista, segundo Frigotto

(2009) até dogmático, que pense em uma sociedade futura, que tenha como categoria

primordial o tempo livre, o lazer.

Segundo Frigotto (2009) assim, como Lessa, Tumolo apenas analisa as dimensões

históricas do trabalho e não realiza uma análise da realidade, com as condições atualmente

postas. Ambos também afirmam que é uma ilusão dos professores pretender que haja uma

escola de cunho marxista no capitalismo e que o trabalho não se constitui como princípio

educativo. Além disso, o imobilismo apresentado por esses dois autores ao tratarem a cerca do

trabalho, podem congelar as categorias e os conceitos, e assim, excluir o legado de Marx que

nos permite fazer relação com as mediações e contradições. E, também pode-se dizer que ao

considerar apenas uma obra de Marx, só se leva em conta um pensamento, deixando de dar

maior atenção ao movimento desse pensamento.

Esses autores chegam a levantar a questão polissêmica do termo trabalho, emprego e

classe social. Porém, o que Frigotto (2009) deixa claro é que esses conceitos estão sofrendo

mudanças, estão se desenvolvendo por conta das relações histórico-sociais. Como já tratado no

segundo capítulo, a classe trabalhadora vem se modificando, a classe de trabalhadores não se

constitui apenas de trabalhadores formais, de carteira assinada como antes, pois o que mais

encontramos são pessoas que trabalham na informalidade, como o citado por Organista

(2006), o camelô.

Os que são terceirizados, os com empregos temporários, entre outros tipos de empregos

precários, vêm ocupando cada vez mais espaço no mercado devido a esse caráter de

flexibilização da reestruturação produtiva. Devido a essa grande mudança no trabalhador de

novo tipo, na classe trabalhadora. Ainda há controvérsias no que diz respeito à concepção da

classe trabalhadora. Para deixar clara a definição de trabalho que utilizamos nessa pesquisa é a

de Antunes (1995), classe-que-vive-do-trabalho, pois independentemente do tipo de trabalho

que os indivíduos exercem, é o que os mantêm vivos.

Além desses dois autores, outro estudioso da educação entra no debate a respeito da

politecnia, Paolo Nosella, e escreve o texto “Trabalho e perspectiva de formação dos

trabalhadores: para além da formação politécnica” (2006), porém, não discutiremos aqui sua

construção teórica devido a esta se referir de forma mais enfática, a questão polissêmica do

termo politecnia, e este não é o objeto deste trabalho. Todavia ainda se faz importante

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mencionar que Nosella é um expressivo estudioso de Gramsci, tendo escrito “A escola de

Gramsci” (2004), que traz as contribuições de Gramsci para a educação, mencionando a escola

unitária e desinteressada, juntamente com um método analítico baseado nas categorias

gramscianas. Também é valido mencionar que Nosella estava entre os alunos que desfrutariam

da chegada do referencial gramsciano por meio na universidade brasileira, sendo aluno de pós-

graduação do referido momento.

No ano de 2005, Zanardini apresentou um trabalho no colóquio CEMARX intitulado

“O Trabalho como princípio educativo e a Educação Emancipatória: reflexões sobre sua

inviabilidade na sociedade capitalista”. Na época doutorando no programa de pós-graduação

da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina).

Este ao criticar uma proposta pedagógica que busque a emancipação do ser humano,

não confronta os conceitos a priori, dirige a crítica ao educador Dermeval Saviani. E, os

argumentos usados por este autor vão ao encontro dos argumentos utilizados por Tumolo em

seus artigos por nós já citados no capítulo anterior, retomando a problemática do capítulo V de

“O capital”, alegando ser este escrito apenas um recurso metodológico no que se refere à

caracterização do trabalho em geral.

Entretanto, reconhece que o trabalho é contraditório, havendo o trabalho que é

alienador do trabalhador e o trabalho gerador da existência, e justamente por essa ambiguidade

o trabalho não pode ser tomado como princípio educativo. Quando menciona os autores que

fazem a defesa desse conceito, até os apontam com obtentores de uma visão romanceada dos

escritos de Marx a respeito do trabalho, acusando-os de se esquecerem que esse trabalho está

inserido no capitalismo, sendo alienante.

Na concepção de Zanardini tratar o trabalho como princípio educativo no capitalismo é

o mesmo que ser cúmplice deste trabalho explorado, é continuar a contribuir com essa

exploração.

E quanto à educação ser um espaço de luta, ele argumenta que uma vez que a educação

é determinada pelas bases sociais não haveria maneiras da mesma se constituir como campo

revolucionário.

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Deste modo, trata-se de uma postura ideologizante considerar o trabalho enquanto

princípio educativo num universo no qual as condições para o ser humano só se dão

através de seus predicados. E, de certa forma significa tornar-se cúmplice do Capital,

chegando-se até mesmo a sua aceitação apologética por uma via cruel, que

pretensamente propunha a superação deste modo de produzir e de viver

(ZANARDINI, 2005, p. 7).

Um outro autor a compor nossa análise é Daniel Rodrigues, professor adjunto do

Departamento de Fundamentos Sócio-Filosóficos da Educação da Universidade Federal de

Pernambuco. Seu trabalho publicado na revista eletrônica Trabalho Necessário no ano de

2008, tem como título “A impossibilidade da ressignificação das competências numa

perspectiva marxista”.

Sua crítica a uma educação emancipadora se viabiliza pela ressignificação das

competências, segundo ele, ressignificação está fadada ao fracasso diante da própria realidade

na qual estamos inseridos. A problemática de seu trabalho é como ressignificar as

competências a favor do proletariado sendo base das competências a competitividade,

produtividade, agilidade e racionalização de custos?

Para expor suas razões o autor explicita o conceito de competência, citando que este

conceito é historicamente capitalista e que carrega em si toda a divisão do trabalho, e que

tentar recuperar esse conceito incorre no erro de negar a condição material e histórica dialética

do termo.

O nosso esforço de apresentar a competência partindo dos fundamentos capitalistas

tem como objetivo demonstrar que esse conceito existente carrega consigo uma

prática histórica de divisão social do trabalho, a perspectiva não só sob o ângulo de

uma força produtiva, mas, também inserida nas relações sociais capitalistas vigentes

e hegemônicas (RODRIGUES, 2008, p. 3).

Portanto, o conceito de competências faz parte do capital, não podendo ser salvo e

fazer com essas competências que servem ao capital, servirem ao proletariado. Não podendo o

trabalho ser um princípio educativo também, pois assim, como se dá as competências a serviço

do capital, da mesma forma se dá o trabalho.

É fundamental entender que o modelo de competências existe, na prática, mas, que

não é emancipatório, pois está muito bem definido e praticado, por parte dos

capitalistas, em suas finalidades históricas de reprodução do processo de exploração.

São armas, de combate para os próprios trabalhadores competirem entre si e não

contra os capitalistas (RODRIGUES, 2008, p. 10).

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E por último analisaremos a tese de Ademir Quintilio Lazarini, intitulada “A relação

entre capital e educação escolar na obra de Dermeval Saviani: apontamentos críticos” (2010).

Como se pode perceber o objetivo primeiro desse autor não é realizar a crítica quanto ao

trabalho como princípio educativo, mas, a obra de Saviani. Logo em seu primeiro capítulo

Lazarini faz a mesma crítica feita por Lessa, citando a mesma constatação, bem como a

mesma citação analisada por Lessa. A de conferir a Saviani tornar sinônimo os termos

trabalho e educação.

Entendo que as críticas expostas por Lessa no texto em questão atingem o núcleo

teórico-filosófico fundante da tese do “Trabalho como princípio educativo” e

contribuem de maneira decisiva para esclarecer o quanto aqueles fundamentos

problemáticos estão na base das principais proposições educacionais da Pedagogia

Histórico-Crítica. (LAZARINI, 2010, p. 422).

Posteriormente a essa argumentação, igualmente similar às razões apresentadas por

Lessa, Lazarini questiona a posição de Saviani sobre a problemática do trabalho material e

não-material.

De acordo com Lazarini, Saviani estabelece para o trabalho não-material dois

momentos, o primeiro em que, na educação, o produto se separada do produtor, como no caso

de livros e objetos artísticos. E, no segundo, o caso em que produto e produtor não se separam.

E, seria mediante afirmações assim, contraditórias que emergirá a defesa ao trabalho como

princípio educativo.

Lazarini também cita o capítulo V de “O capital” apenas como recurso metodológico,

não podendo se levar ao pé da letra conceituação de trabalho em seu sentido genérico. Assim,

como o fez seu orientador Tumolo. No que diz respeito a tão citada frase do capitulo V do

capital sobre o trabalho ser uma atividade propriamente humana, argumenta que:

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Essa definição genérica, no entanto, mesmo sendo pertinente à categoria que

expressa a relação basilar e imprescindível para o processo de auto construçãosócio-

histórica da humanidade não é capaz, por si mesma, de explicar os fundamentos

sócio organizativos sob os quais se alicerçaram qualquer uma das formações sociais

que os homens tenham construído ou venham construir. Por exemplo, a caça, a pesca

e a coleta no nomadismo, a organização comunal do trabalho primitivo, o escravismo

antigo e o moderno escravismo colonial, a corveia feudal e a mais-valia moderna e

contemporânea não podem ser explicadas a partir daquela definição genérica de

trabalho acima apresentada, ainda que o processo de intercâmbio entre homem

(sociedade) e natureza esteja presente em todas elas. Neste sentido, é necessário

repetir os termos de Marx, expressos no Capítulo XIV (mais-valia absoluta e

relativa) do Livro I, quanto à insuficiência daquela definição genérica de trabalho

(LAZARINI, 2010, p. 442).

Outra questão a ser enfatizada por Lazarini, é quanto ao trabalho, assalariado e

explorado, servir de princípio educativo, segundo ele um trabalho nesses moldes não pode ser

balizador da educação.

[...] nos limites da sociedade capitalista, não existem atividades humanas que, ao se

transformarem em trabalho assalariado, produtivo ou improdutivo de capital, possam

constituir “princípio educativo” de uma concepção de educação que se pretenda

colocar como instrumento em prol da superação da ordem social vigente

(LAZARINI, 2010, p. 449).

Tendo trazido à baila as discussões sobre o trabalho como princípio educativo é

necessário comentar que mediante um breve levantamento de pesquisas realizados com essa

temática, utilizando o currículo lattes como ferramenta para tal, a partir dos anos de 2000 vem

se acentuando as publicações nessa área, das quais pudemos perceber que em sua maioria são

trabalhos que trazem a contribuição do conceito para a realidade educacional. Sendo que os

trabalhos que inviabilizam a prática desse conceito, são incomuns.

O que pudemos considerar até então, dessas críticas feitas ao trabalho como princípio

educativo, é que todas essas críticas e argumentações são realizadas sobre uma ausência da

dialética ao tratar o conceito de trabalho, cristalizando assim este conceito, negando as

contradições do mesmo, pois apesar do trabalho ter a dimensão alienante conferida pela

divisão do trabalho, ele continua a ser meio de existência do ser humano e continua a ser sua

identidade.

Considerando apenas o caráter alienante do trabalho, consideram a impossibilidade da

escola ter um papel crítico frente ao capitalismo, em sua essência advém da incapacidade de

perceber a escola como um dos espaços de luta a ser ocupado, tal como assim, consideram

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alguns pensadores progressistas mencionados no capítulo anterior. Um espaço de disputa entre

as classes e que nós, enquanto indivíduos que lutamos a favor da classe trabalhadora, devemos

ocupar esse espaço e nos posicionar, no intento de fazer com que o saber historicamente

acumulado, sistematizado e transmitido ao aluno, sirva de ferramenta para enfrentar essa

realidade de dominação em que a classe trabalhadora está inserida. Quer dizer, mais que uma

discussão de cunho teórico, se expressa nelas o posicionamento político dos autores quanto ao

papel da educação na sociedade.

No que tange o fato de Saviani não ter se apropriado da teórica marxista devidamente,

segundo esses autores que lhe fazem a crítica, a pedagogia por ele pensada nunca teve o

intento de trazer na sua constituição, a cópia fiel dos pensamentos marxistas, ou gramscianos,

mas, os tomam como inspiração.

Penso que a tarefa da construção de uma pedagogia inspirada no marxismo implica a

apreensão da concepção de fundo (de ordem ontológica, epistemológica e

metodológica) que caracteriza o materialismo histórico. Imbuído dessa concepção,

trata-se de penetrar no interior dos processos pedagógicos que possibilitaram a

reorganização do trabalho educativo da educação [...] (SAVIANI, 2012. p. 81).

Mencionado isso, ainda realizamos a seguinte reflexão, a obra de Marx, assim, como a

de Gramsci, são obras que trazem contribuições para que possamos pensar a realidade em que

vivemos, pois tentar encaixar a obra adequadamente em toda e qualquer realidade significa

negar a categoria da dialética, recusando os desdobramentos que essas contribuições possam

ter diante de uma realidade diferente da qual foram pensadas, já que aqui se considera

dialética, esse movimento da história, em que tudo está em processo de transformação

constante. Não permitir esse movimento à obra significa cristalizá-la.

Faz-se necessário lembrar que não é a intenção desse estudo pôr fim a esse debate,

resolvendo todas as questões colocadas por tais estudiosos, mas, trazer a conhecimento suas

indagações e suas críticas. Posteriormente a isso, no último momento desse trabalho, traremos

algumas, considerações.

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CONCLUSÃO

Ao analisarmos a década de 1980, percebemos que, devido à abertura política e à

repressão militar, a fase era de grande entusiasmo no que se possa pensar sobre o os novos

rumos que o Brasil poderia tomar. Isso fez com que, no âmbito acadêmico, fossem criados

vários meios de veiculação das ideias pedagógicas, ideias essas nas quais o pensamento de

contra-hegemônico mostrou estar fortemente presente. Tais aspectos possibilitaram os

entraves teóricos sobre as pedagogias críticas ao capitalismo e sobre o trabalho enquanto

princípio educativo, conceito este que foi objeto de nossos estudos. Pode ser considerado

como o período de fomentação intensa das ideias críticas na educação.

Em referência à década de 1990, observa-se que veio a consolidar de maneira mais

enfática os planos neoliberais, estes atingindo todas as esferas da sociedade, inclusive os

paradigmas, a crise de paradigmas dessa época a forte investida da corrente pós-moderna

afirmando o fim da história e volatizando todos os conceitos e valores, bem como a derrocada

do socialismo real, juntamente com o pensamento socialista, fez com que as discussões acima

citadas, refrigerassem, caindo em descredito tal tipo de discussão.

Podemos entender aqui que os autores que redigem a crítica ao trabalho como princípio

educativo, exatamente nesse momento histórico em que o socialismo cai em descrédito. Pode-

se assim considerar que a derrocada do socialismo real teve influência no interior do próprio

movimento socialista, causando essas dissensões a respeito dos encaminhamentos para a luta

de classe e sobre sua organização.

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Porém, no início dos anos 2000, as teorias críticas passaram a tomar espaço no meio

acadêmico novamente, pode-se entender que isso se deve ao fato de que os problemas sociais

se intensificaram, com o descaso das políticas públicas. Devido a essa crise, retomou-se a

discussão em busca de uma alternativa educacional diante do quadro caótico posto.

Queremos esclarecer aqui que as ideias surgem devido a condições concretas, devido

às necessidades postas pela realidade, isso quer dizer que tanto o surgimento quanto o

arrefecimento dos entraves do trabalho como princípio educativo tem sua explicação diante da

realidade que se vivencia. E diante deste último período mencionado, é necessário pensar em

uma pedagogia que vá contra o capital, permitindo que o indivíduo tenha um norte em meio ao

caos.

Quer dizer que a respeito da elaboração e agitação em torno das ideias pedagógicas

críticas ao sistema econômico, na década de 1980, seu arrefecimento na década de 1990, e

posteriormente sua retomada nos últimos anos, se deve ao momento histórico pelos quais essas

ideias passaram. Na década de 1980, as ideias contra-hegemônicas estavam emergindo, pode-

se constatar como o período de surgimento dessas ideias, provavelmente, por isso, ainda não

constatamos um debate significante de uma concepção hegemônica com outra que seguisse os

mesmo ideais. Já na década de 1990, essas ideias contra-hegemônicas sofreram um

esmorecimento, de acordo com nossas análises isso se deve ao fato de que nesse período o

neoliberalismo adentrava o país, trazendo consigo um discurso animador, que permeava suas

políticas que, visavam entre outras intenções, atacar os direitos da classe trabalhadora, e as

políticas públicas. Neste quadro ainda contamos com o fim do socialismo real, fato que

ofereceu maior impulso para as políticas neoliberais e que causou um desalento àqueles que

tinham os ideais socialistas como norte. Tal contexto nos é válido para explicar a fase de

moderação dos debates, a respeito de uma pedagogia contra-hegemônica e conseqüentemente,

do trabalho como princípio educativo.

E nos últimos anos? O que fez com que esse debate do trabalho como princípio

educativo fosse retomado? Como mencionado anteriormente, o Brasil tem sofrido um desgaste

acentuado em suas políticas, e isso acaba por causar um quadro de profunda desordem, e em

momentos de crise, surgem novos pensamentos, bem como, outros são retomados, no intento

de trazer uma solução para a crise posta. Este fato nos dá sustentação para entendermos que as

pedagogias críticas e a ideia de trabalho, como princípio educativo, sugiram e foram

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retomadas para dar resposta a essa crise, bem como direcionar um caminho que vise sua

superação.

De acordo com o método materialista que viemos defendendo até então, essa

pedagogia pensada por Saviani, tendo como base o conceito de Gramsci, foi pensada a partir

de pessoas reais, alunos reais e sua prática social, que leva em conta o momento histórico,

político e socioeconômico no qual estão inseridos.

A pedagogia histórico-crítica surgiu como uma alternativa a pedagogia reprodutora do

sistema capitalista, que perpetua a divisão de classes e a exploração de uma dessas classes pela

outra. Com o intuito assim de oferecer uma educação que leve em conta a humanização do

homem, com vistas a uma mudança social. É importante deixar claro também que não se

defende aqui, e nem os autores dessa pedagogia o fizeram, que a educação seja redentora da

sociedade, mas se configura como uns dos espaços de embate de classes, que deve ser

ocupado por nós educadores, e ser encarado como uma das frentes de luta.

É certo que esta pedagogia vem sofrendo várias críticas ao longo dos anos, mas essas

críticas têm como motivação, uma questão política, pois segundo essas a escola é apenas

reprodutora da ordem capitalista, não podendo ser de outra maneira, e ainda em meio ao

capitalismo em que o trabalho é tão alienante, precarizado e explorado, este não pode ser um

balizador da educação. Ou seja, qualquer esforço na direção de uma organização da classe

trabalhadora, acaba sendo inútil diante da tendência dominante.

As críticas são de fundo político, uma vez que se questiona as estratégias da classe

trabalhadora, visando a superar a sua condição de classe dominada. De forma que as demais

argumentações desses autores, que fazem a crítica a uma pedagogia que possa colaborar com a

emancipação da classe, são apenas aspectos superficiais que compõe essa motivação política.

Porém, essas críticas ainda trazem uma suposta incoerência com o referencial marxista

nessa pedagogia, essas incoerências são mal interpretadas, se referem ao conceito de trabalho

material e imaterial. Mencionam também a incoerência da educação de confundir com o

conceito de trabalho. Todavia esses apontamentos se tornam irrelevantes quando pensamos em

um telos para todo esse debate. Com o que realmente contribui? Pois deixam de propor

qualquer outra alternativa para uma educação diferente da hegemônica, uma educação que

busque colaborar com a ruptura do capital. Assim, querendo aplicar conceitos marxistas de

forma exata a nossa realidade, esses autores tão preocupados com a fidelidade ao pensamento

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de Marx, ignoram um dos conceitos base do método materialista histórico dialético, a

dialética, sendo inflexíveis e ignorando o movimento histórico da escola.

É curioso - e decepcionante - como um intelectual internacionalmente reconhecido

por seus estudos no campo da dialética marxista, mostra-se tão pouco dialético ao

analisar tanto a educação escolar como a educação “ao longo de toda a vida”

(DUARTE et. al. 2012, p. 92).

O que consideramos aqui é o papel da escola na luta de classes, reconhecendo a escola

como um espaço de disputa, se é um espaço no qual temos acesso, podemos sim, enquanto

professores, transmitir um conhecimento de forma completa, unindo teoria e prática, que sirva

de ferramenta na luta contra o capital. “O que Saviani afirma é que a socialização do

conhecimento sistematizado é necessária para a organização da classe trabalhadora em sua luta

revolucionária contra as relações capitalistas de produção” (DUARTE, 2012, p. 114).

Aí também reside mais umas das críticas, pois segundo Lazarini, Saviani toma essa

aquisição de conhecimento, revolucionária por si só, mas o que podemos perceber é que a

aquisição desse conhecimento sistematizado serve como instrumento para a organização da

classe trabalhadora, e não tendo um fim em si próprio.

Como pode ser o trabalho alienado e fonte de exploração, um princípio educativo?

Apesar de o trabalho ter adquirido essas características ao longo da história humana, ele ainda

permanece como categoria central na sociedade e ainda é fonte de existência do homem e sua

identidade. Mas, como pode haver uma escola que vá contra o capitalismo, dentro do próprio

capitalismo? Ora, como vêm acontecendo levantes da população contra o capitalismo dentro

do próprio capitalismo? Da mesma forma que sempre houve lutas contra o sistema, assim se

faz a escola, mas uma frente de luta dentro do capitalismo em si.

O trabalho como princípio educativo vincula-se, então, à própria forma de ser dos

seres humanos. Somos parte da natureza e dependemos dela para reproduzir a nossa

vida. E é pela ação vital do trabalho que os seres humanos transformam a natureza

em meios de vida. Se essa é uma condição imperativa, socializar o princípio do

trabalho como produtor de valores de uso, para manter e reproduzir a vida, é crucial e

“educativo” (FRIGOTTO, et. al. 2005 p. 2).

Portanto, esta pedagogia, tendo o objetivo de romper com a lógica do capital, que ainda

está em vigor, e sobre uma perspectiva materialista histórica dialética coerente, ela se torna

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ainda válida para nossos dias de maneira que é um pensamento sistematizado, articulado com

vistas à transformação das condições atuais.

Como saber se essa proposta de educação daria certo? O que podemos pensar é que

estarmos, enquanto classe dominada, estagnados, já foi testado e não operou resultados que

nos favoreçam. Agora, enquanto professores compromissados em transmitir um conhecimento

que sirva como instrumento para a superação do capital, devemos nos organizar.

O que pretendemos endossar neste trabalho é a defesa do trabalho como princípio

educativo, na medida em que o trabalho se constitui como categoria sociológica central, bem

como, meio de sobrevivência, atividade primeira do ser humano. E reconhecendo como

representante dessa forma de pensar a educação, a pedagogia histórico-crítica, que pode ser

colocada em prática em pleno funcionamento do sistema capitalista, considerando para tal

feito a postura dos docentes mediante o processo de ensino, disputando assim o campo do

saber como a ideologia dominante. Assim, se admite aqui a escola como um espaço de luta

que pode ser tomado por nós professores, em favor da classe trabalhadora. Entendendo a

educação como um elemento importante na luta contra a superação do sistema capitalista.

Faz-se necessário ainda mencionar que, em meio a este trabalho, ainda nos deparamos

com outro debate em torno da validade dos escritos de Gramsci, partindo-se de um referencial

materialista histórico-dialético. Debate este que dura mais de 30 anos, entretanto, vem

suscitando novas publicações, no que ainda aparentemente é um impasse, como, por exemplo,

no livro “Gramsci no limiar do século XXI” (2013).

Quer dizer entre os próprios marxistas, não há um acordo sobre a coerência de Gramsci

com os escritos de Marx. Esses entraves datam desde que os escritos de Gramsci começaram a

ser publicados em nosso país. Cabem aqui indagações para um estudo posterior, como, qual a

importância dos principais conceitos formulados por Gramsci, para nossos dias, no contexto

político brasileiro? Desde a recepção das ideias Gramsci no Brasil, há controvérsias quanto a

ele utilizar de fato o referencial materialista histórico-dialético. Como se dão essas

controvérsias e quais as implicações delas para a organização de classe?

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