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1 TRABALHO COMPLETO Eixo Temático: Metodologias de ensino-aprendizagem IMERSIDÃO: exercício de imagens da Psicologia no Direito Lisandra Espíndula Moreira Universidade Federal de Minas Gerais [email protected] Julia Somberg Alves Universidade Federal de Minas Gerais [email protected] Gabriela Souza Conrado Universidade Federal de Minas Gerais [email protected] Resumo: A experiência relatada neste artigo refere-se à proposta feita aos estudantes do curso de Direito, na disciplina de Psicologia Jurídica para que produzissem imagens sobre a Psicologia. Levando em consideração o desafio da docência em disciplina que articula dois campos distintos de saber: Psicologia e Direito, o exercício da produção de imagens teve como objetivo sensibilizar para a amplitude e diversidade do que pode ser considerado “Psicologia” para os estudantes do curso de Direito, além de propor uma nova metodologia avaliativa. A atividade foi realizada no período inicial do semestre e teve como inspiração a poesia “O fotógrafo” de Manoel de Barros. Na sequência, foi possível selecionar dentre as imagens enviadas, algumas para compor uma exposição que fez parte da Semana de Saúde Mental da UFMG, ampliando o debate entre Psicologia, Direito e Saúde Mental. Palavras-chave: Psicologia; Direito; Imagens; Exposição; Saúde Mental.

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TRABALHO COMPLETO

Eixo Temático: Metodologias de ensino-aprendizagem

IMERSIDÃO: exercício de imagens da Psicologia no Direito

Lisandra Espíndula Moreira Universidade Federal de Minas Gerais

[email protected]

Julia Somberg Alves Universidade Federal de Minas Gerais

[email protected]

Gabriela Souza Conrado Universidade Federal de Minas Gerais

[email protected]

Resumo: A experiência relatada neste artigo refere-se à proposta feita aos estudantes do curso de Direito, na disciplina de Psicologia Jurídica para que produzissem imagens sobre a Psicologia. Levando em consideração o desafio da docência em disciplina que articula dois campos distintos de saber: Psicologia e Direito, o exercício da produção de imagens teve como objetivo sensibilizar para a amplitude e diversidade do que pode ser considerado “Psicologia” para os estudantes do curso de Direito, além de propor uma nova metodologia avaliativa. A atividade foi realizada no período inicial do semestre e teve como inspiração a poesia “O fotógrafo” de Manoel de Barros. Na sequência, foi possível selecionar dentre as imagens enviadas, algumas para compor uma exposição que fez parte da Semana de Saúde Mental da UFMG, ampliando o debate entre Psicologia, Direito e Saúde Mental. Palavras-chave: Psicologia; Direito; Imagens; Exposição; Saúde Mental.

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1. INTRODUÇÃO

A atividade aqui relatada surgiu, por meio de uma proposta feita aos alunos do terceiro

período da Faculdade de Direito da UFMG, no primeiro semestre de 2018. O objetivo

desse exercício era ampliar os significados associados à Psicologia, especialmente

numa disciplina aplicada a outro curso e que, nas várias articulações entre esses dois

campos de saber, a Psicologia torna-se frequentemente uma ferramenta limitada de

significados.

A proposta foi feita na primeira aula da disciplina de Psicologia Jurídica, atualmente

disciplina obrigatória, localizada no terceiro período do curso de Direito da

Universidade Federal de Minas Gerais. A atividade consistia na criação de uma

imagem, a partir do questionamento “o que é a psicologia?”. Propor como primeiro

exercício da disciplina tinha a intenção de evitar que fossem feitas imagens, baseada

em conceitos teóricos mais elaborados, e sim, com uma reflexão mais liberada de

constructos acadêmicos. Buscando instigar diferentes formas de ver e transformar em

imagens, a proposta foi associada à leitura da poesia de Manoel de Barros, onde o

poeta objetiva fotografar o que, num primeiro olhar, nos pareceria infotografável ou

impossível de capturar em imagens.

O Fotógrafo

Difícil fotografar o silêncio.

Entretanto tentei. Eu conto:

Madrugada a minha aldeia estava morta.

Não se ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas. Eu estava saindo de uma festa.

Eram quase quatro da manhã.

Ia o Silêncio pela rua carregando um bêbado.

Preparei minha máquina.

O silêncio era um carregador?

Fotografei esse carregador.

Tive outras visões naquela madrugada.

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Preparei minha máquina de novo.

Tinha um perfume de jasmim num beiral de um sobrado.

Fotografei o perfume.

Vi uma lesma pregada mais na existência do que na pedra.

Fotografei a existência dela.

Vi ainda azul-perdão no olho de um mendigo.

Fotografei o perdão.

Vi uma paisagem velha a desabar sobre uma casa.

Fotografei o sobre.

Foi difícil fotografar o sobre.

Por fim cheguei a Nuvem de calça.

Representou pra mim que ela andava na aldeia de braços com

Maiakovski – seu criador. Fotografei a Nuvem de calça e o poeta.

Ninguém outro poeta no mundo faria uma roupa mais justa para cobrir

sua noiva.

A foto saiu legal. (BARROS, 2000)

Com essa atividade foram recebidas em torno de 150 imagens, entre fotografias e

desenhos. Um conjunto diverso e instigante de produções sobre o que pode estar

associado com o campo de saber PSI. Algumas imagens apresentavam vinculação

com muitas construções sociais sobre a Psicologia, como por exemplo, a prática

clínica de psicoterapia, remontando cenas de atendimento. Outras apresentavam

objetos, paisagens, cenas em que o objeto capturado não poderia ser “explicado” de

maneira muito óbvia, abrindo a possibilidade para a construção de outros significados.

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Figura 1: Fotografia produzida por Gabriela Souza Conrado. Título: Imersidão - a

imersão na sua própria imensidão.

Diante desse conjunto e da potência de reflexões possíveis nesses materiais, surgiu a

ideia de montar uma exposição de imagens. Paralelo a isso, estavam acontecendo

algumas mobilizações para a realização de atividades vinculadas à VI Semana de

Saúde Mental e Inclusão Social da UFMG e, pensando nas articulações dessas

temáticas, foi possível realizar a seleção de algumas imagens para a composição de

uma exposição vinculada à programação da Semana.

Neste relato, além da descrição da atividade, da apresentação de algumas imagens e

de seus desdobramentos, buscamos apresentar algumas discussões sobre o campo

de interlocução entre a Psicologia e o Direito, que se desdobra na formação através da

presença de uma disciplina obrigatória e também de outras formas de articulação,

como projetos de pesquisa e intervenção interdisciplinares. Ademais, tomamos como

referencial importante para essa atividade os estudos que debatem o uso de imagens

e fotografias como ferramentas de intervenção.

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2. REFERENCIAL TEÓRICO

Figura 21: Fotografia produzida por Carlos Eduardo Gonzaga. Título: Como resolver?

Questões para a mente.

O campo de articulação entre Direito e Psicologia não é recente, mas se consolida de

maneira intensa nas últimas décadas como campo profissional interligado,

tensionando a necessidade de aprofundamento teórico também na formação dos

profissionais das duas áreas (BRITO, 2012; SOARES e CARDOSO, 2016; OLIVEIRA,

MOREIRA e NATIVIDADE, no prelo). De maneira geral, a nomeação mais utilizada

para identificar esse campo de articulação tem sido Psicologia Jurídica, entretanto,

“esse modo de se referir à Psicologia no contexto jurídico carrega heranças e

limitações”, sendo interessante “ressignificá-lo, buscando uma problematização

ampliada dessa articulação, em especial com o posicionamento da Psicologia Social”

(OLIVEIRA, MOREIRA e NATIVIDADE, no prelo).

Nessa ampliação do debate, é interessante, inclusive colocar em questão o aumento

das tensões e da interlocução dos objetos do campo jurídico e do campo psicológico,

no que tem sido apontado como judicialização da vida. Como apontam Soares e

Moreira (2016), a maior abrangência de atuação do sistema jurídico sobre aspectos

antes invisibilizados da vida dos sujeitos pode produzir o reconhecimento dessas

demandas, mas também estabelece desafios técnicos e teóricos, pois promovem a

atuação em problemas complexos e de difícil resolução, ou de resolução diferente dos

mecanismos jurídicos, como em situações de conflitos familiares.

Nesse sentido, esse debate tem aparecido como necessário na formação dos

profissionais. Na formação dos profissionais do Direito, a inclusão de disciplina de

Psicologia se vê respaldada pelo Ministério da educação, na Resolução CNE/CES n°

9, de 29 de setembro de 2004, que define as Diretrizes Curriculares Nacionais do

Curso de Graduação em Direito. No artigo 5º, as Diretrizes definem como Eixo de

Formação Fundamental a articulação com outras áreas de saber, “abrangendo dentre 1 Tendo em vista a limitação do tamanho do arquivo, o restante das figuras será apresentado em material complementar.

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outros, estudos que envolvam conteúdos essenciais sobre Antropologia, Ciência

Política, Economia, Ética, Filosofia, História, Psicologia e Sociologia” (BRASIL, 2004).

Na universidade em questão, a articulação com a Psicologia está inserida na formação

através da disciplina obrigatória de Psicologia Jurídica. A disciplina está ofertada no

terceiro período da graduação de Direito, com a carga horária de 30 horas.

Semestralmente, são oferecidas quatro turmas de em média 50 alunos, com

disponibilidade de 60 vagas.

3. OBJETIVOS EDUCACIONAIS E USO DE IMAGENS

O objetivo principal da atividade foi instigar os alunos a compreensão da Psicologia em

toda sua diversidade e evitar a instrumentalização ou a sua sujeição, como apenas

uma ferramenta no campo da justiça.

Diante de um campo de embate entre Direito e Psicologia, esta, muitas vezes,

enfrenta diversos desafios. Muitos estudantes ingressantes no curso de direito estão

ansiosos pelas discussões práticas e específicas do Direito e, por vezes, entendem a

Psicologia como uma dispersão de seus interesses jurídicos. Esse descompasso,

dificulta a compreensão da Psicologia na sua diversidade, direcionando os debates

apenas para as ferramentas técnicas e teóricas da Psicologia que estão em

articulação com o campo da justiça.

Nesse sentido, atividade proposta objetivou instigar os alunos da disciplina de

Psicologia Jurídica a apresentarem imagens que os remetesse à ideia do que, então,

seria a Psicologia. Uma forma de vivenciar a articulação entre os campos de saber,

como já apontam Soares e Cardoso (2016). A partir dessa proposta, tivemos o intuito

de expandir a atividade avaliativa para além do lugar comum de produção de um texto

argumentativo padrão, levando outras formas de expressão para dentro da sala de

aula.

A fotografia se torna um "objeto" estratégico em intervenções que buscam desnaturalizar práticas instituídas, podendo fazer expressar, ao mesmo tempo, um sujeito e uma realidade (...) Mais do que isso, ela é capaz de trazer a experiência do conhecimento situado para o

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interior dos regimes de verdade que tomam como coisas separadas o sujeito e o objeto do conhecimento. Por esta razão, a aposta que se faz é a de que fotografar pode ser uma estratégia de tensionar práticas instituídas através de um processo que envolve a cognição inventiva, pois carrega um potencial de fazer com que sujeitos e instituições possam diferir-se de si mesmos. (MAURENTE, 2015, p. 114)

Figura 3: Desenho feito por Julian Batista.

O segundo objetivo da atividade seria de apresentar uma forma avaliativa diferente no

curso de Direito que, geralmente, se limitam a três formatos: uma pergunta teórica

sobre os conceitos estudados na disciplina; um caso concreto em que o discente deve

argumentar contra ou a favor e, por fim, provas objetivas na qual o aluno deve marcar

a alternativa correta. A criação da imagem alcança outras áreas cognitivas e utiliza

outras formas de expressão. Ademais, ressalta-se que a pontuação da atividade

pautou-se apenas na participação, diferenciando dos padrões meritocráticos de

ensino.

O uso de imagens como forma de intervenção, seja em pesquisa, extensão ou ensino

tem se mostrado uma ferramenta interessante. Há diferentes formas de utilização de

imagens nesses espaços, como salienta Tittoni (2015), algumas formas mais

tradicionais, fixadas em noções positivistas de ciência utilizam imagens como

comprovação, ilustração e/ou representação de uma realidade. Entretanto, há

inúmeros outros usos possíveis. Na experiência aqui relatada, nos aproximamos de

uma perspectiva mais interventiva. Nesta perspectiva buscamos, em consonância com

Tittoni (2015), aberturas de novas passagens, indicando caminhos que se bifurcam,

que se produzem nos desvios das moralidades acadêmicas ocupadas no cumprimento

das prescrições cientificistas” (p. 90)

Figura 4: Fotografia produzida por Mariana Vieira Melillo. Título: Perspectivas - Fluxo

permanente, movimento ininterrupto, que dissolve, cria e transforma todas as

realidades existentes; devenir, vir a ser.

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4. METODOLOGIA E ANÁLISE 4.1. Produção de imagens

A atividade foi proposta na primeira aula da disciplina de Psicologia Jurídica, nas

quatro turmas ofertadas no primeiro semestre de 2018. Como explicado anteriormente,

o objetivo foi realizar um primeiro exercício reflexivo sobre o campo geral da

Psicologia, antes da apresentação de conceitos e fundamentos da disciplina,

buscando assim escapar da preocupação com a correspondência com os parâmetros

acadêmicos e teóricos.

A orientação dada aos estudantes, após a leitura da poesia/provocação de Manoel de

Barros, indicava a necessidade de produção de uma imagem sobre o que é a

Psicologia. Poderia ser qualquer tipo de imagem, fotografia, desenho, pintura. A única

ressalva era que tentassem retratar de maneira autoral, escapando de imagens

ofertadas pela internet.

A ferramenta de envio utilizada foi a plataforma virtual de ensino da universidade, num

link criado especificamente para o envio das imagens. Houve diversidade também nos

formatos apresentados: fotografias, desenhos, pinturas. A ferramenta escolhida não

possibilitava a visualização dos materiais entre os estudantes, apenas o acesso pela

professora.

Figura 5: Desenho feito por Marcela Martins de Oliveira Nóbrega. Título: Olhar com os olhos do próximo.

Partindo da noção de Barthes sobre punktum, Tittoni (2015) alerta para essa potência

da fotografia em interpelar o espectador, “saltando da imagem para afetá-lo… nesta

cena, o olhar se atém, ferido por alguma provocação, por vezes, incompreensível”

(p.100). Entendendo que há uma outra atividade importante em relação às imagens,

que compõem a produção das imagens, que está no olhar a imagem produzida, foi

sendo elaborada a ideia de uma exposição das imagens produzidas.

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4.2 Exposição de imagens e Semana de Saúde Mental e Inclusão Social

Figura 6: Fotografia produzida por Carlos Emílio Martinetti. Título: Logos da geografia interior2

A realização da atividade obteve alguns resultados interessantes. Em um primeiro

momento, o envio das imagens, que foi avaliado em 10 pontos entre os 100

distribuídos na disciplina durante o semestre, obteve uma grande adesão dos alunos.

Foram enviadas aproximadamente 150 imagens.

Num desdobramento não planejado na proposta inicial da atividade, foi proposto para

as turmas a seleção de imagens para a composição de uma exposição. Os alunos

foram convidados a participar da organização da exposição, bem como das atividades

propostas na semana da exposição, que consistiram em duas rodas de conversa: uma

de abertura e outra de encerramento. Essas três atividades não foram avaliadas e

ocorreram em horários distintos ao da disciplina, tendo baixa adesão dos discentes.

Algumas hipóteses podem ser levantadas para pensar esse baixo engajamento,

dentre elas a escolha do horário, tendo em vista que muitos estudantes possuem

outras atividades, ou ainda, o fato da atividade ser totalmente voluntária, não tendo

vinculação com atividades avaliativas.

Diante essa diminuição da participação dos alunos, podemos pensar que, embora os

métodos avaliativos sejam constantemente alvo de críticas pelos discentes, inclusive

sob os argumentos de que não estimulam o raciocínio ou que são extremamente

repetitivos, na oportunidade em que a metodologia foi alterada e expandida para uma

alternativa mais lúdica e que foge dos padrões textuais, envolver os estudantes

permanece um desafio.

Contando com essa pequena comissão, foram selecionadas em torno de 40 imagens.

2 Segundo o discente, a inspiração para a imagem teve relação com a citação: "Todos nós temos, em nossa geografia interior, ruas escuras e pantanosas; algumas para as quais, até mesmo, temos medo de passar; outras que devemos evitar porque, toda vez que entramos, nos ferimos, sujamos ou degradamos. Alguém saudável iluminou todas as ruas que podia da sua geografia interna, e evita aquelas que não poderá melhorar. (Gabriel Rolón)"

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Após a escolha, enviamos e-mails convidando os selecionados para disponibilizar

suas imagens para a Exposição e confirmando a autoria e o consentimento em relação

ao uso da imagem. Ao todo, 21 imagens compuseram a Exposição.

Um movimento importante para viabilizar a exposição, já que não tinha sido

programada e não contava com recursos, foi a aproximação com o debate de Saúde

Mental. O debate sobre as questões de saúde mental no contexto universitário tem se

consolidado no âmbito da UFMG, através da Rede de Saúde Mental, que organiza

anualmente uma Semana de atividades sobre a temática3, “fomentando a discussão

na comunidade acadêmica, em parceria com diversas instituições envolvidas na

sustentação da atenção pública psiquiátrica e psicológica a pessoas com sofrimento

mental” (Rede de Saúde Mental UFMG, 2018).

Sendo assim, a atividade foi organizada durante a Semana de Saúde Mental e

Inclusão Social da UFMG e foi inaugurada por uma roda de conversa com os

professores Fabiana Menezes e Giordano Bruno, também reconhecidos pela

proposição de metodologias diversas na formação jurídica. Assim, a articulação com a

discussão da saúde mental na universidade produz também significados interessantes

ao olhar as imagens, que tem relação com a proposta da disciplina, mas também tem

relação com a circulação no espaço da universidade e com os desafios da

permanência dentro do espaço acadêmico e a exigência da rotina de estudos.

Figura 7: Fotografia produzida por Renan Gabriel. Título: A estrada dos tijolos amarelos um passeio pelo mundo de Oz em busca do conhecimento pela

subjetividade.

Foram organizados três murais no hall de entrada da Faculdade de Direito e Ciências

3 A Semana de Saúde Mental e Inclusão Social é promovida anualmente pela Rede Saúde Mental UFMG vinculada à Pró-reitoria de Extensão da UFMG. Em uma perspectiva interdisciplinar (educação, belas artes, direito, educação física, enfermagem, medicina, psicologia, serviço social, terapia ocupacional) aborda a temática da saúde mental com o foco na reforma psiquiátrica e no SUS, com atores sociais relevantes que têm se articulado na construção e defesa da atual política de saúde mental brasileira. Tal política preconiza o protagonismo dos usuários numa luta permanente em defesa da cidadania, da construção de novas formas de lidar e conceber a loucura. (Rede Saúde Mental UFMG, 2018)

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do Estado da UFMG, sendo que cada imagem foi acompanhada de uma legenda

também produzida pelos alunos4. Os murais permaneceram expostos durante uma

semana, aberto ao público. No primeiro mural da exposição, como forma de

apresentar a proposta da atividade, foi exposto um texto introdutório de autoria da

discente Gabriela Souza Conrado:

Dos cubos mergulhados e dos cubos que são nossas cabeças, todos mágicos, somos todas as cores, até as que não foram ainda inventadas. Da janela que guarda o gosto de café nostálgico da infância e é também chamada de janela da alma. Das nossas cabeças que são raízes e dos olhos próximos do próximo. Do fluxo permanente, ininterrupto do fundo de uma parede que reflete, além de cada reflexo. Dos nós que desatamos para descobrir esse eu submerso, dentre as mãos trêmulas e as barbas molhadas. Enquanto ruas de tijolos amarelos se encontram em escadarias escuras. Dos bancos vazios, das paisagens de um homem só, dos animais que sãos vários. Ainda não sabemos o que está imerso no nosso iceberg. Seria esse o xeque mate do viver? Nós somos nosso maior enigma. E nossa grande aflição é que nossos olhos nasceram voltados para fora e não pra dentro. Como me autoconhecer, se não me vejo? Essa seleção de fotos tenta responder, [...]a partir do desafio, “fotografar a psicologia”[...]

5. CONSIDERAÇÕES

Figura 8: Fotografia produzida por Vitória Camargo. Título: Complexidade(s)

O que pode a imagem? Qual a potencialidade de uma atividade que solicita a

produção de imagens, num contexto já tão carregado visualmente? O que há de novo

no ato de produzir uma imagem quando muitos já cansaram de tantos desenhos,

tantas selfies, tantas imagens/produtos feitos para seduzir o olhar? Talvez exista um

pequeno deslocamento possível no uso da fotografia num espaço em que a escrita,

tão formalizada, tem sido a linguagem sacralizada. Talvez o uso das imagens nos

permita retirar o verniz sagrado dos conceitos e dos saberes tão disciplinarizados

4 Após a avaliação cega, incluiremos nesse ponto do texto o link para a reportagem veiculada pela TV UFMG sobre a exposição e o link da programação da Semana com a informação completa da Exposição.

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dentro do espaço acadêmico e possa produzir circulações interessantes em campos

articulados de saberes.

Cabe ressaltar, que o debate da educação superior, incluindo metodologias de ensino,

aprendizagem e avaliação se vê confrontado com certas demandas que não

respondem apenas à construção permanente de saber e reflexão acadêmicos, mas

para a preparação profissional, algumas vezes medida em ferramentas muito

específicas. No curso de Direito essas ferramentas de avaliação da preparação

profissional se materializam em concursos para cargos no judiciário ou provas como

da OAB ou Enade. Por essa razão, podemos pensar que a utilização de outras

metodologias desperta também formas diversas de engajamento por parte dos

discentes do direito.

Por isso, objetivando o melhor entendimento da Psicologia e uma inovação

metodológica, a atividade proposta amplia os horizontes do conhecimento, abrindo

possibilidades para o processo criativo e desvinculado de padrões engessados. Assim,

livre da rigidez acadêmica, abriu-se um espaço criativo e propício para a melhor

compreensão da Psicologia. O resultado reflete uma outra linguagem do modo de se

produzir o conhecimento e essa linguagem, pela imagem, é também um modo de dizer

sobre a Psicologia.

Como última consideração/exercício deste artigo que se propõe um relato de

experiência, sugerimos a “leitura” dessa experiência percorrendo as imagens aqui

apresentadas (das 21 imagens, selecionamos apenas 8). Poderia, inclusive, esse

percurso visual construir novas articulações entre esses campos de saber que foram

posicionados separadamente, mostrando:

linhas de visibilidade mais endurecidas que aparecem como expressão do discurso acadêmico nos disciplinamentos entre Direito e Psicologia, mas que se flexibilizam tomando as mais diversas formas nas invenções cotidianas… Desafiando as verdades acadêmicas que se produzem como sínteses de momentos de vida dos grupos, os estudos que se sucedem podem (se) confrontar-se, provocar-se e contradizer-se entre si, pois emergem de condições de possibilidade marcadas pela regularidade do disciplinamento acadêmico, mas transbordando de afetos, de improvisações e de

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criações. (TITTONI, 2015, p. 91).

A tradução de imagens em palavras ás vezes empobrece a experiência. Talvez

percorrer essas imagens permita ver novos significados que não podem ser traduzidos

nas palavras/conceitos que precisamos utilizar na escrita acadêmica.

REFERÊNCIAS BARROS, Manoel. Ensaios fotográficos. Rio de Janeiro: Record, 2000. BRASIL, Ministério da Educação. Resolução CNE/CES n° 9, de 29 de setembro de 2004. Recuperado de http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rces09_04.pdf BRITO, L. M. T. de. (2012). Anotações sobre a Psicologia Jurídica. Psicologia: Ciência e Profissão, 32(esp.), 194-205. Recuperado de http://www.scielo.br/pdf/pcp/v32nspe/v32speca14.pdf MAURENTE, V. Fotografia e Pesquisa-intervenção: construção de estratégias para uma produção acadêmica inventiva. Rev. Polis e Psique, 2015; 5(2): 111 – 122. Disponível em: http://seer.ufrgs.br/index.php/PolisePsique/article/viewFile/46790/pdf_27 OLIVEIRA, R. G.; MOREIRA, L. E.; NATIVIDADE, C. Saberes e fazeres da Psicologia Social no campo da Justiça e dos Direitos. In: MOREIRA, L. E. e SOARES, L. C. E. (org.) Psicologia Social Jurídica, no prelo. SOARES, L. C. E.C.; CARDOSO, F. S. O ensino de Psicologia na Graduação em Direito: uma Proposta de Interlocução. Psicologia: Ensino & Formação, Jan/Jul, 2016, 7 (1): 59-69 SOARES, L. C.E.C., MOREIRA, L. E. Contornos da Judicialização: Reflexões sobre famílias recasadas e abandono afetivo. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 21, n. 3, p. 497-508,jul./set. 2016. http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/PsicolEstud/article/view/32248/pdf TITTONI, J. Fotografia e pesquisa-intervenção: reflexões sobre os modos de ver, falar e viver. Rev. Polis e Psique, 2015; 5(2): 88 - 110. Disponível em: http://seer.ufrgs.br/PolisePsique/article/view/53948/pdf_29 UFMG, Rede de Saúde Mental. VI Semana de Saúde Mental e Inclusão Social, 2018. Disponível em: https://www.ufmg.br/prae/noticias/semana-de-saude-mental-acontece-de-14-a-18-de-maio-nos-diversos-campi-da-ufmg/