Trabalho - Edição em Jornalismo Impresso - Rose Esquenazi

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O médico botafoguense Luiz Paulo Lyra, de 55 anos, era jovem quando leu no Jornal do Brasil (JB) sobre a derrota do Flamengo para o Bonsucesso, no Maracanã, durante a disputa pela Taça Guanabara de 1968. O time rubro-negro era o mais bem colocado no ranking, enquanto o adversário ocupava a última posição. Lyra não esperava que, por conta do resultado, o Botafogo ainda fosse jogar contra o Flamengo e levar a Taça Guanabara. Interessado por notícias, ele lembra que o jornal impresso era um meio de comunicação presente tanto na casa da mãe, onde tinha à disposição o JB, quanto na do avô, assinante do jornal O Globo. Para ele, o diferencial entre os dois era o Caderno B, suplemento cultural. ”Era muito superior ao d’O Globo. Muita coisa interessante na área de literatura e filmes”, conta Lyra, que também aponta “a noticia de uma forma mais opinativa” como outra desvantagem daquela época para o jornal da família Marinho. Com o declínio do JB, Lyra passou a assinar o jornal O Globo, que, para ele, “mudou a linha editorial e se tornou menos tendencioso”. As lembranças do jornal, porém, continuam na memória. Ele recorda, ainda, que o exemplar para assinantes do JB não noticiou a morte do músico John Lennon, em dezembro de 1980. “Passei na banca e estava escrito que o John Lennon morreu. Aconteceu à noite em Nova York, Estados Unidos, e eles não colocavam na capa. Comprei na banca e estava tudo igual por dentro, só a primeira página que mudou”, afirma.

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O médico botafoguense Luiz Paulo Lyra, de 55 anos, era jovem quando leu

no Jornal do Brasil (JB) sobre a derrota do Flamengo para o Bonsucesso, no

Maracanã, durante a disputa pela Taça Guanabara de 1968. O time rubro-

negro era o mais bem colocado no ranking, enquanto o adversário ocupava a

última posição. Lyra não esperava que, por conta do resultado, o Botafogo

ainda fosse jogar contra o Flamengo e levar a Taça Guanabara. Interessado

por notícias, ele lembra que o jornal impresso era um meio de comunicação

presente tanto na casa da mãe, onde tinha à disposição o JB, quanto na do

avô, assinante do jornal O Globo. Para ele, o diferencial entre os dois era o

Caderno B, suplemento cultural. ”Era muito superior ao d’O Globo. Muita

coisa interessante na área de literatura e filmes”, conta Lyra, que também

aponta “a noticia de uma forma mais opinativa” como outra desvantagem

daquela época para o jornal da família Marinho.

Com o declínio do JB, Lyra passou a assinar o jornal O Globo, que, para ele,

“mudou a linha editorial e se tornou menos tendencioso”. As lembranças do

jornal, porém, continuam na memória. Ele recorda, ainda, que o exemplar

para assinantes do JB não noticiou a morte do músico John Lennon, em

dezembro de 1980. “Passei na banca e estava escrito que o John Lennon

morreu. Aconteceu à noite em Nova York, Estados Unidos, e eles não

colocavam na capa. Comprei na banca e estava tudo igual por dentro, só a

primeira página que mudou”, afirma.

Além da vida de Lyra, o JB marcou jornalistas, diagramadores, entre outros,

que trabalharam na redação localizada, durante o auge, no número 500 da

Avenida Brasil. Um deles foi o fotógrafo Evandro Teixeira, de 78, sendo 47

anos no JB. Evandro credita à “infraestrutura inacreditável” o sucesso e a

credibilidade do jornal que foi “um dos mais importantes do país”. Ele conta,

ainda, que pagava-se viagens para matérias nos Estados Unidos, na França,

na Coreia e até no Japão. “Os jornais de hoje não tem a infraestrutura. Você

não viaja mais. Você fica na redação, e as agências fazem o trabalho”,

ressalva.

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Já o jornalista Ricardo Gonzalez, de 49, trabalhou no JB durante os bons e

maus tempos. Quando entrou na equipe, em outubro de 1988, o jornal ainda

era um dos quatro maiores do país. Jornalistas renomados, como Zuenir

Ventura e Artur Xexéo, integravam a redação. “Era uma baita de uma

redação. Foi a maior escola de jornalismo que eu tive. Tinha um pessoal que

preferia ganhar, eventualmente, um pouco menos, mas permanecia no JB”,

conta Ricardo.

Nos primeiros oito anos de trabalho, ele se lembra de que jornalistas

conhecidos já começavam a deixar o JB. Nesse período, porém, o periódico

ainda não tinha problemas de pagamento. A exceção foram as

consequências do Plano Collor, que deixou o jornal sem caixa para pagar a

gasolina. Ricardo lembra que ele e o fotógrafo Evandro Teixeira pagaram

com dinheiro do próprio bolso a passagem de ônibus para cobrir o jogo entre

Fluminense e Americano, em Campos de Goytacazes, Norte Fluminense. “Eu

tinha 25 anos e dois anos de empresa. Achei um absurdo na época. Se

Evandro não estava reclamando, quem era eu pra reclamar”, lembra Ricardo,

que depois foi reembolsado.

Quando voltou a trabalhar no JB, em 2007, encontrou a situação diferente.

Faltava carro, motorista, e a orientação era usar mais o telefone e o

computador. A equipe estava cada vez mais reduzida, e ele conta ter ficado

três meses sem receber o salário de editor-executivo, na época no entorno

de R$ 10 mil.

“A gente não tinha salário astronômico para se manter com os pés nas

costas. Tinha que controlar a redação. As pessoas querendo parar. Alguns

foram embora porque não aceitavam. Isso prejudicava tudo. Ninguém fazia

corpo mole, mas é difícil trabalhar naquela condição”, acredita Ricardo, que

ainda luta na Justiça para receber parte do dinheiro.

Antes de entrar para o JB, no fim de 2007, o jornalista Bolivar Torres, de 32,

já tinha noção dos problemas da redação. Ele acreditava, no entanto, numa

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virada. Para ele, assim como para Evandro e Ricardo, a falta de estrutura foi

crucial para o fim do JB. Quando se preparava para entrar no carro do jornal

rumo à Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), ele conta que “queriam

impedir os repórteres de viajar no carro para levar um objeto de decoração”.

Resolvido o problema inicial, não havia dinheiro para pagar a gasolina do

trajeto de volta para o Rio. “O jornal convenceu o fotografo a pagar a gasolina

e poder voltar”, lembra.

Outro momento, também fora da redação, quase deixou o então repórter sem

teto. Numa matéria na Região Serrana, Bolivar conta ter ficado hospedado

numa pousada a mais de uma hora de Nova Friburgo, sem carro, onde

deveria apurar informações para a matéria. Para piorar, conta, o fotógrafo,

que estava encarregado de fazer as fotos de outras matérias na Serra, não

chegaria a tempo de registrar imagens na pousada na qual ele estava

hospedado. “O dono da pousada queria me expulsar. No fim, o carro chegou

na segunda-feira à noite, e eu tinha que sair na segunda de manhã. E eu

ainda estava lá preso”.

Para ele, as últimas mudanças gráficas também colaboraram para o fim do

JB. O corte de papel e o aumento da fonte, além da junção dos suplementos

de carros e motos com o de literatura, “desrespeitavam o leitor”. Já a

interferência de interesses pessoais nas matérias chegavam, conta, a

“ultrapassar todo o bom senso” e distanciavam o conteúdo do jornalismo.

Bolivar acredita que os projetos, como o JB Digital, eram feitos em cima da

hora, sem grandes investimentos e, por isso, não davam certo. Já nos últimos

meses de circulação, poucas bancas vendiam os exemplares. Mesmo os

assinantes não recebiam o jornal.

“Todos os funcionários ficaram sabendo que o JB ia acabar no impresso e

ficar só no digital pelo jornal rival O Globo. Todo mundo ficou se olhando. O

JB passou a informação para o próprio concorrente. Ninguém acreditava que

O Globo tinha noticiado isso, e ninguém tinha sido avisado”, diz.