Trabalho Estilística

21
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ – UECE CURSO DE LETRAS ANÁLISE ESTILÍSTICA DA MÚSICA “ALAGADOS” ISTEFERSON ROSA DE MELO FORTALEZA 2015 ISTEFERSON ROSA DE MELO ANÁLISE ESTILÍSTICA DA MÚSICA “ALAGADOS”

description

Análise da música Alagados, Paralamas do Sucesso

Transcript of Trabalho Estilística

Page 1: Trabalho Estilística

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ – UECE

CURSO DE LETRAS

ANÁLISE ESTILÍSTICA DA MÚSICA “ALAGADOS”

ISTEFERSON ROSA DE MELO

FORTALEZA

2015

ISTEFERSON ROSA DE MELO

ANÁLISE ESTILÍSTICA DA MÚSICA “ALAGADOS”

Page 2: Trabalho Estilística

Trabalho apresentado ao Curso de Letras da Universidade Estadual do Ceará – UECE -, como requisito parcial para aprovação na disciplina de Estilística, ministradapelo Prof. José Haroldo Nascimento.

FORTALEZA

2015

RESUMO

O presente trabalho analisa a música "Alagados", da banda Os Paralamas do

Sucesso, a fim de compreender e assimilar as mensagens presentes em seu denso

núcleo. Para tal, investigará através do contexto musical em que a canção surgiu, o

contexto socioeconômico, a identificação e classificação das rimas presentes e por

Page 3: Trabalho Estilística

fim faz uma análise estilística da canção. Apesar de existir uma vasta gama de

possibilidades analíticas, centraliza a atenção apenas nas mais pertinentes.

Demonstra como o mundo da arte é fecundo através da constatação de que mesmo

em poucos versos, dezessete ao total incluindo o refrão, é possível inferir conceitos

diversos acerca de temas como desigualdade social, fé e individualismo. Apesar

da forte capacidade expressiva da canção e de seu grande sucesso na época, nota-

se que seus efeitos não foram muito relevantes para uma conscientização maior por

parte da sociedade brasileira, pois quase duas décadas depois de seu lançamento,

o país ainda encontra-se em situação parecida no que diz respeito à situação dos

mais desfavorecidos, apenas com uma leve atenuada nos sintomas mais graves.

Palavras-chave: Alagados; análise estilística; canção.

Page 4: Trabalho Estilística

SUMÁRIO

Page 5: Trabalho Estilística

1 INTRODUÇÃO.....................................................................................................01

2 O ESTILO............................................................................................................02

2.1 Breve conceito...................................................................................................02

3 MÚSICA...............................................................................................................03

3.1 Dados da música...............................................................................................03

3.2 Contexto do cenário musical.............................................................................03

3.3 Contexto socioeconômico..................................................................................04

4 RIMAS.................................................................................................................05

4.1 Posição no verso...............................................................................................05

4.2 Tonicidade.........................................................................................................07

4.3 Sonoridade........................................................................................................08

4.4 Valores morfológicos.........................................................................................09

5 ANÁLISE ESTILÍSTICA.......................................................................................10

5.1 Estilística léxica..................................................................................................11

5.2 Figuras de linguagem........................................................................................11

6 CONCLUSÃO......................................................................................................16

Page 6: Trabalho Estilística

7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................17

Page 7: Trabalho Estilística

7

INTRODUÇÃO

O corrente trabalho terá como cerne a análise estilística da música

"Alagados", da banda Os Paralamas do Sucesso, lançada no início da segunda

metade da década de 80 e que teve enorme repercussão tanto comercial quanto

para o enriquecimento da abordagem social da época que, diga-se de passagem,

continua bem atual.

Nós seres humanos, assim como todos os outros entes da natureza que se

manifestam através da vida, atuamos tanto de forma individual como de forma

coletiva. No âmbito coletivo, podemos ressaltar as desigualdades sociais como um

dos aspectos basilares para uma análise mais panorâmica das mazelas que atrasam

o desenvolvimento humano enquanto sociedade. Outro aspecto que nos é precioso

é a capacidade de criar e desenvolver arte através do nosso incrível dom de

apreendermos pelos "poros" - leia-se sentidos - e representarmos através da

criatividade e subjetividade que nos é particular não somente o que vem de fora,

mas o que vem de dentro também. A música, uma das partes constituintes desse

infindo mosaico que é a arte, há muito aborda e denuncia de forma muito notável as

desigualdades sociais referidas acima, fazendo-se fundamental a tradução desse

diálogo música/sociedade seja em que época for.

Serão apresentados aspectos introdutórios acerca das categorias estilísticas,

assim como também apresentarei informações relevantes sobre a música e o

contexto histórico em que foi composta, tipos de rimas que foram utilizadas e

concluirei com uma análise do estilo da música.

2 – O ESTILO

2.1 Breve conceito e suas categorias

A palavra estilo advém do latim stilus, que designava originalmente uma

pequena haste usada para escrever, um tipo de caneta antiga e que, em associação

Page 8: Trabalho Estilística

8

com essa ideia de escrita, passa a designar a maneira específica de escrever ou

falar de uma pessoa ou de um grupo.

Ainda no século XIX, a palavra estilística já era utilizada, mas foi tão somente

nas primeiras décadas século XX que ela surge como disciplina veiculada à

linguística. Charles Bally (1865-1947) e Leo Spitzer (1887-1960) são os percussores

da estilística da língua e estilística literária, respectivamente, e que foram de suma

importância para o estabelecimento da estilística como ciência ao invés de arte,

como era tratada a retórica para os gregos. Após Bally e Spitzer, outros estudos

foram desenvolvidos por teóricos como Enkvist (1974), Guiraud (1970), Riffaterre

(1971) e Mattoso Câmara Jr. (1978), em que apareceram numerosas definições

acerca de estilo, tanto que cada um procura classificá-las de acordo com os critérios

em que se fundamentam especificamente.

Em suma, a estilística é uma ciência moderna que busca analisar os recursos

afetivo-expressivos de uma determinada língua e sua capacidade de emocionar

através do estilo que, por sua vez, entende-se não somente como uma forma de

escrever, mas também, como a maneira de produzir de um escritor, de uma escola

artística, de uma época, de um gênero ou de um sistema cultural em que o mesmo

está inserido. Temos então que: “A estilística […] não é mais que o estudo da

expressão linguística; e a palavra estilo, reduzida a sua definição básica, nada mais

é que uma maneira de exprimir o pensamento por intermédio da linguagem”.

(GUIRAUD, 1970, p.11).

3 - MÚSICA "ALAGADOS"

3.1 Dados da música

"Alagados" é uma canção composta por Herbert Viana, Bi Ribeiro e João

Barone, atuais membros da banda Os Paralamas do Sucesso. A música está

inserida no álbum "Selvagem?", lançado em 1986. Possui um vídeo clipe que

contém imagens que casam perfeitamente com a letra, onde aparecem moradias em

condições irregulares e precárias, catadores de lixo e todas as formas de condições

degradantes desses "passageiros da agonia" retratados na letra, possibilitando

assim uma relação intersemiótica entre música e vídeo. Por ter se destacado não

Page 9: Trabalho Estilística

9

somente no âmbito comercial, mas também, pelo tom crítico e bem elaborado, a

música ficou classificada em 63º lugar na lista das 100 maiores músicas brasileiras

publicada pela revista Rolling Stone.

3.2 Contexto do cenário musical

A década de 80 certamente será eternamente lembrada como a ano do

"estouro" do rock nacional brasileiro, ou como é conhecido na literatura histórica da

música brasileira, o "BRock". É inegável que especificamente o ano de 1982 foi o

estopim para essa popularização do rock nacional e o consequente surgimento de

inúmeras bandas desconhecidas como Legião Urbana, Ultraje a Rigor, Blitz, RPM,

Titãs dentre outras que também merecem destaque, mas que colocariam

definitivamente suas digitais na certidão do rock tupiniquim. Fundamental para esse

impulso no citado ano foram as criações do espaço de cultural Circo Voador (janeiro

de 1982), que no início era apenas uma estrutura modesta coberta por uma lona

(circo) voltada para a apresentação das então bandas desconhecidas, a criação da

Rádio Fluminense (março de 1982), que era voltada para a execução de músicas de

muitas bandas que tocavam no Circo Voador e que foi fundamental para a

divulgação das mesmas, e por fim, mas não menos importante, o Festival Punk de

São Paulo (novembro de 1982) intitulado "O Começo do Fim do Mundo", que teve

como figuras ilustres bandas como Cólera, Os Inocentes, DZK e os Excomungados.

Eis uma frase que poderia ser vista como um tratado revolucionário do Punk

Rock brasileiro proferida por Clemente, vocalista da banda Os Inocentes:

"Nós estamos aqui para revolucionar a música popular brasileira, pintar de

negro a asa branca, atrasar o trem das onze, pisar sobre as flores de Geraldo

Vandré e fazer da Amélia uma mulher qualquer."

O cantor deixa bem claro que estava na hora de tirar o foco da música

brasileira preponderantemente da MPB e criar novos movimentos com novos ideais

e características, daí o tom "depreciativo" com que aborda as referencias musicais

utilizadas na citação, não que não tivessem o seu valor, mas era necessário criar

algo como uma antítese no cenário musical.

3.3 Contexto socioeconômico

O cenário social no Brasil ainda tinha como pano de fundo a Ditadura Militar,

mas era algo que mudaria até a primeira metade da década. Com a posse do

presidente João Figueiredo houve uma intenção de redemocratização brasileira

lenta, gradual e segura. Logo em seu primeiro ano de mandato, Figueiredo decreta a

Page 10: Trabalho Estilística

10

Lei de Anistia, denominação popular dada à lei n° 6.6831, promulgada após uma

ampla mobilização social. O cenário político então começa a mudar aos poucos,

porém, economicamente a situação não é nada favorável. Notadamente conhecida

como década perdida da economia brasileira, apresentou forte retração do PIB,

aumento do deficit público por causa do crescimento da dívida externa e interna, o

que certamente ocasionou um sofrimento extremamente maior nas camadas sociais

mais inferiores do que nas mais favorecidas.

Em 1983-1984 houve um movimento civil que reivindicava eleições diretas

para o cargo de chefia maior do estado que baseava-se na Emenda Constitucional

Dante de Oliveira, porém, foi rejeitada pelo congresso frustrando os planos da

sociedade brasileira que militava. Entretanto, em janeiro de 1985 pode-se dizer que

houve uma vitória parcial da sociedade, pois o Colégio Eleitoral elegeu Tancredo

Neves para Presidência da República, ato que não se consolidou, pois ele morreu

antes de assumir o cargo, quem assumiu em seu lugar foi o famigerado José

Sarney.

Enfim, após tanta repressão e mortes que nunca serão apagadas dos anais

da memória brasileira, surge enfim no horizonte a possibilidade do "grito"

contestador e denunciador da classe artística, da imprensa e da sociedade como um

todo. Todo esse contexto serviu como germinador para a composição da música

"Alagados", mas certamente o âmago do teor crítico dessa música não se deu

apenas por esses anos, a história de desigualdade e crueldade para com os mais

desfavorecidos é secular, apenas estávamos readquirindo a possibilidade de nos

expressar livremente, e assim o fizemos.

4 – RIMAS

A rima pode ser entendida como uma conformidade ou coincidência de

fonemas, geralmente a partir da última vogal tônica de cada verso. A rima é um

artifício utilizado por estudiosos das letras ao longo dos séculos e presente em

várias escolas literárias e, portanto, sempre foi material de investigação de inúmeros

linguistas e poetas que buscavam uma categorização cada vez mais refinada. Por

se tratar de algo presente em inúmeros contextos e vertentes, sempre foi impossível

colocá-la em uma grade categorizada e fixa devido ao grande poder de criação e

recriação da mente artística humana. Tendo em vista esses conceitos, exporei

algumas rimas encontradas na canção em questão.

4.1 Posições no verso

Page 11: Trabalho Estilística

11

Rima externa: acontece no final do verso.

Ex.: Não têm faltado bocas de serpentes,

(Dessas que amam falar de todo o mundo,

E a todo o mundo ferem, maldizentes)

Que digam: “Mata o teu amor profundo!”

(Olavo Bilac)

Rima interna: acontece dentro do verso.

Ex.: Outubro

No fim da alameda

há raios e papagaios

de papel de seda.

(Guilherme de Almeida)

- Análise da letra nesse quesito:

1ª ESTROFE - SEXTILHA

Todo dia o sol da manhã

A) Vem e lhes desafia - externa

Traz do sonho pro mundo

A) Quem já não o queria - externa

Palafitas, trapiches, farrapos

A) Filhos da mesma agonia - externa

2ª ESTROFE - QUINTILHA

E a cidade que tem braços abertos

A) Num cartão postal - externa

A) Com os punhos fechados da vida real - externa

Lhes nega oportunidades

Page 12: Trabalho Estilística

12

A) Mostra a face dura do mal - externa

REFRÃO

A) Alagados, Trenchtown, Favela da Maré - externa

A esperança não vem do mar

B) Nem das antenas de tevê - externa

A) A arte de viver da fé - externa

B) Só não se sabe fé em quê - externa

A) A arte de viver da fé - externa

B) Só não se sabe fé em quê - externa

Como podemos ver a letra da canção não possui rimas internas, apenas externas.

4.2 Tonicidade

Agudas ou masculinas: Quando a rima acontece entre palavras oxítonas ou

monossilábicas.

Ex: valor / amor; és / viés

Graves ou femininas: Quando a rima acontece entre palavras paroxítonas.

Ex: santa / planta; mala / sala; toque / choque.

- Análise da letra nesse quesito:

1ª ESTROFE - SEXTILHA

Todo dia o sol da manhã

A) Vem e lhes desafia - grave

Traz do sonho pro mundo

A) Quem já não o queria - grave

Palafitas, trapiches, farrapos

A) Filhos da mesma agonia - grave

2ª ESTROFE - QUINTILHA

Page 13: Trabalho Estilística

13

E a cidade que tem braços abertos

A) Num cartão postal - agudo

A) Com os punhos fechados da vida real - agudo

Lhes nega oportunidades

A) Mostra a face dura do mal - agudo

REFRÃO

A) Alagados, Trenchtown, Favela da Maré - agudo

A esperança não vem do mar

B) Nem das antenas de tevê - agudo

A) A arte de viver da fé - agudo

B) Só não se sabe fé em quê - agudo

A) A arte de viver da fé - agudo

B) Só não se sabe fé em quê - agudo

Na primeira estrofe da música temos rimas graves, mas na segunda estrofe e no

refrão temos rimas agudas.

4.3 Sonoridade

Perfeitas (consoantes, soantes): Há uma perfeita identidade dos sons finais,

assim como uma semelhança entre as últimas vogais e consoantes.

Ex: tento / vento; peso / teso

Imperfeitas (assonantes , toantes): Quando, ou há identidade apenas entre as

vogais finais, não havendo necessariamente identidade entre os sons finais,

ou quando a sonoridade é semelhante, mas a grafia das palavras é diferente.

Ex: âmbar / amar; estrela / vela

- Análise da letra nesse quesito:

2ª ESTROFE - QUINTILHA

E a cidade que tem braços abertos

A) Num cartão postal - perfeita

Page 14: Trabalho Estilística

14

A) Com os punhos fechados da vida real - perfeita

Lhes nega oportunidades

A) Mostra a face dura do mal - perfeita

REFRÃO

A) Alagados, Trenchtown, Favela da Maré - perfeita

A esperança não vem do mar

B) Nem das antenas de tevê - perfeita

A) A arte de viver da fé - perfeita

B) Só não se sabe fé em quê - perfeita

A) A arte de viver da fé - perfeita

B) Só não se sabe fé em quê - perfeita

4.4 Valores morfológicos

Pobres: Quando a rima acontece entre palavras da mesma classe gramatical

Ex: Falar / amar; o calor / o sabor; bonito / bendito

Ricas: Quando a rima acontece entre palavras de classes gramaticais

diferentes.

Ex: Cantando / bando; mar / navegar; vagos / lagos; quem / tem.

- Análise da letra nesse quesito:

1ª ESTROFE - SEXTILHA

Todo dia o sol da manhã

2) Vem e lhes desafia - pobre

Traz do sonho pro mundo

4) Quem já não o queria - pobre

Palafitas, trapiches, farrapos

6) Filhos da mesma agonia - rica

2ª ESTROFE - QUINTILHA

E a cidade que tem braços abertos

2) Num cartão postal - pobre

Page 15: Trabalho Estilística

15

3) Com os punhos fechados da vida real - pobre

Lhes nega oportunidades

5) Mostra a face dura do mal - rica

As estrofes variam seus versos em rimas pobres e ricas. Na primeira estrofe,

os versos 2 e 4 possuem rimas pobres, enquanto versos 4 e 6 possuem uma rima

rica. Na segunda estrofe os versos 2 e 3 possuem rima pobre, enquanto os versos 3

e 5 possuem rima rica, o que demonstra uma irregularidade entre as rimas dos

versos nesse quesito.

5 - ANÁLISE ESTILÍSTICA

5.1 Estilística léxica

Trata da investigação dos inúmeros processos de expressão das palavras

ligados aos seus aspectos morfológicos, semânticos e sintáticos de acordo com

suas formas de uso com um todo, não sendo possível a análise de uma expressão

isolada sem antes analisar o contexto em que foi utilizada, como a carga emotiva ou

sentimental que o autor quis imprimir. Analisa as formas comumente aceitas pela

gramática normativa, o uso de gírias, estrangeirismos ou linguagem figurada,

explorando o vasto campo das diferenças entre denotação e conotação.

Apontarei a seguir as figuras de linguagem mais relevantes presentes na letra

da música em questão.

5.2 Figuras de linguagem

São as figuras de linguagem as responsáveis por realçar a mensagem que se

quer passar ao receptor de forma conotativa, o que por consequência acaba

valorizando o texto em que está inserida. É um recurso que expressa experiências

comuns de formas distintas atribuindo emotividade, originalidade e poeticidade ao

discurso promovendo criatividade linguística. Os pensamentos empregados em

sentido figurado pertencem ao campo da significação mais ampla e produz um

Page 16: Trabalho Estilística

16

estado de graça a expressão utilizada que, de acordo com sua escolha, pode inferir

muito da intenção ou até mesmo traços da personalidade do autor.

Existem as figuras de palavras, que servem para empregar algum sentido

diferente a um termo convencionalmente estabelecido passando a empregar uma

mudança de denotativo para conotativo, ou serve também para generalizar um

termo comum que então passa a representar algo genérico através de uma

ampliação de sentido. Fazem parte dessa categoria a metáfora, comparação,

metonímia, perífrase, sinestesia ou catacrese.

Existem as figuras de construção, que dizem respeito aos desvios em relação

à concordância, causando modificação na estrutura da oração através de repetições

ou omissões. Fazem parte dessa categoria a silepse, anáfora, anacoluto,

onomatopeia, repetição, aliteração, quiasmo, elipse, zeugma, pleonasmo, assíndeto,

polissíndeto e hipérbato.

Existem as figuras de pensamento, que consistem numa alteração deliberada

a fim de tornar a expressão mais lancinante e provocar um maior impacto no

receptor. Porém, esse desvio dá-se mais das ideias que estão por trás desse desvio,

da elaboração mental da expressão, do que pela construção da frase ou norma

gramatical. Constituem essa categoria a antítese, paradoxo, ironia, eufemismo,

hipérbole, gradação, prosopopeia, preterição e prolepse.

PROSOPOPÉIA (PERSONIFICAÇÃO) - Atribui características humanas

(sentimentos, linguagens e ações humanas) a seres inanimados ou abstratos.

Todo dia o sol da manhã

Vem e lhes desafia

Traz do sonho pro mundo

Quem já não o queria

Palafitas, trapiches, farrapos

Filhos da mesma agonia

Acima, nessas estrofes pinçadas, podemos notar a personificação dos

elementos sol e agonia. O sol que lança todos os dias um desafio aos pobres e que

os deslocam do mundo onírico para o material, e a agonia que acaba por se tornar

mãe dos miseráveis através da generalização das mazelas sociais em que estão

inseridos cotidianamente. Afim de expandir mais a área de compreensão dos dois

últimos versos negritados, irei me utilizar de dois trechos de outras obras afim de

Page 17: Trabalho Estilística

17

promover uma intertextualidade elucidativa.

Primeiro utilizarei um trecho da música "Relampiano", composição de Lenine

e Paulinho Moska. O primeiro lançou a canção em seu álbum "Na Pressão", de

1999, enquanto o último regravou em seu álbum "Contrassenso", de 2002.

"É mais uma boca dentro do barraco

Mais um quilo de farinha do mesmo saco

Para alimentar um novo João Ninguém"

Agora utilizarei um trecho da abertura do poema "Morte e Vida Severina", do

poeta João Cabral de Melo Neto, lançado em 1955.

"E se somos Severinos

iguais em tudo na vida,

morremos de morte igual,

mesma morte Severina"

Nos dois trechos é possível perceber que seus autores utilizam-se da

generalização da pobreza para tentar ressaltar a planificação das condições

subumanas em que estão inseridos os miseráveis. Para tal efeito nota-se a

utilização da palavra mesma nos fragmentos "...farinha do mesmo saco" e "mesma

morte Severina". Fica claro, pois, que não existem exceções quando o assunto é

miséria e a quase impossibilidade de escapar dela, são todos "farinha do mesmo

saco que compartilham da mesma vida e morte Severina".

ANTÍTESE - Consiste no uso de expressões de sentidos opostos numa

mesma sequência de ideias.

E a cidade que tem braços abertos

Num cartão-postal

Com os punhos fechados da vida real

Aqui a utilização da antítese consiste na intenção do autor em expor de forma

visceral a contradição em que vivemos, não apenas no Rio de Janeiro, mas no Brasil

e no mundo. Enquanto ostentamos orgulhosos e cheios de si uma das sete

maravilhas do mundo moderno, com toda a carga representativa religiosa e política

que carrega a figura do Cristo, damos com os punhos fechados na cara dos que

mais precisam, e que seguramente seriam muito mais assistidos por ele do que por

seus "enferrujados" seguidores que já apresentam, há muito tempo, sintomas de

Page 18: Trabalho Estilística

18

algo que pode parecer com um caso de esquizofrenia coletiva crônica ornada de

hipocrisia e egoísmo.

Agora utilizarei-me de uma livre interpretação textual dos versos que

compõem o refrão da canção.

Alagados, Trenchtown, Favela da Maré

O primeiro verso do refrão começa citando as favelas de Alagados situada na

Bahia, Trenchtown situada em Kingston, capital da Jamaica, e Favela da Maré

situada no Rio de Janeiro. Aqui o autor visa a universalização da situação em que

encontram-se um sem fim de indivíduos aprisionados em seus guetos alternativos, o

que demonstra que a pobreza não deve ser tratada como problema apenas local,

mas geograficamente geral.

A esperança não do mar

Como as favelas citadas situam-se em localidades litorâneas, o autor quis

mostrar que a esperança para que eles saiam desse contínuo estado de degradação

não virá do imenso mar que os banham, de forma aleatória ou de modo a esmo,

mas que deve ser bem trabalhada e organizada por seus integrantes.

Nem das antenas de tevê

Percebe-se de forma clara que há uma crítica sobre as emissoras de tevê que

há muito entorpece e manipula seus telespectadores, ao invés de agir de forma

idônea e engajada socialmente para o bem comum das populações que fazem

usufruto.

A arte de viver da fé

Só não se sabe fé em quê

A arte de viver da fé

Só não se sabe fé em quê

O autor lança uma questão: como podem viver da fé em algo que nem sequer

têm em mente de forma clara? A fé presente em um sorriso, em momentos de pura

alegria e descontração mesmo vivendo na mais pura e crua necessidade. Creio que

esse questionamento seja um dos pontos mais tocantes da música, posto que o

autor, por nunca ter vivido em tal contexto social, não consegue compreender como

podem esses alagados ainda conseguirem acessar em seus corações as sutilezas

transcendentes da felicidade em meio a tantas adversidades, mesmo que por curtos

espaços de tempo.

Page 19: Trabalho Estilística

19

Não foram encontrados na letra musical quaisquer erros gramaticais, assim

como estrangeirismos ou gírias, fazendo com que não haja a necessidade de uma

interpretação contextual de expressões locais.

CONCLUSÃO

Neste trabalho abordei a música "Alagados", da banda Os Paralamas do

Sucesso, que fez um tremendo sucesso nos anos 80 do ponto de vista comercial e

cultural, mostrando-se um produto fonográfico plenamente consistente e

enriquecedor para diversas análises sociológicas não somente de uma época, pois

como funda-se no tema miséria, continua a ser extremamente contemporânea. Para

abarcar os diversos aspectos e nuances da música, utilizei-me de uma gama de

análises que prestigiaram a perspectiva histórica musical da época, o contexto

socioeconômico em que surgiu, a categorização das diferentes espécies de rimas

encontradas em seus versos, assim como uma análise estilística da obra enquanto

portadora de uma mensagem densa, porém necessária para uma mínima

compreensão do seu enfoque. Através desses enfoques pude concluir que as artes

como um todo exercem fortes diálogos que contribuem de forma eficaz para a

exposição de problemas sociais, psicológicos e até mesmo espirituais. Porém,

infelizmente as resultantes desses diálogos com o real ainda não se

tornaram reflexões críticas e ponderadas pela maioria, algo que só tende a piorar,

posto que a reprodução cultural artística encontra-se cada vez mais rasa e carente

de significação. Ainda existem inúmeros artistas de grande qualidade, mas estão

Page 20: Trabalho Estilística

20

encobertos e escondidos pela engrenagem do lucro obtido pela ignorância, o que faz

com que a arte de valor encontre grandes dificuldades em exercer seu

papel humanizador, filosófico e poético. Considero que este trabalho foi de enorme

valia para meu desenvolvimento crítico e cultural, pois me confrontou com assuntos

que exigiram certo esforço para aprofundamento e que certamente levarei para toda

a minha vida acadêmica e pessoal.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Almanaque Cultural, História da música Alagados. Disponível em:

http://dayanebrant-almanaquecultural.blogspot.com.br/2013/08/historia-da-musica-

alagados-paralamas.html Acesso em 26 de Julho de 2015

BECHARA, E. Moderna Gramática Portuguesa. 37ª. Ed. Atualizada pelo Novo

Acordo Ortográfico. Rio de Janeiro: Lucerna: 2009

Cmi Brasil, A crise financeira dos anos 80. Disponível em:

http://www.midiaindependente.org/pt/red/2005/02/308819.shtml Acesso em 27 de

Julho de 2015

Page 21: Trabalho Estilística

21

8

9 Folha de S. Paulo, Festival punk de 1982 ganha reedição 20 anos

depois. Disponível

em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u28503.shtml> Acesso em 27

de Julho de 2015

Lusofonia Poética, Rima. Disponível em:

http://www.lusofoniapoetica.com/artigos/teoria-poetica/rima.html> Acesso em 26 de

Julho de 2015

Mofo, Entrevista com Clemente. Disponível em:

http://www.beatrix.pro.br/mofo/clemente.htm Acesso em 26 de Julho de 2015

Novos horizontes FM, A maldita: História da rádio Fluminense FM vai virar

filme em 2016. Disponível em:

http://www.novoshorizontesfm.com/noticias/view/id/5055/a-maldita-historia-da-radio-

fluminense-fm-vai-vira.html Acesso em 27 de Julho de 2015

Português na veia, Figuras de linguagem. Disponível em:

http://portuguesnaveia.blogspot.com.br/2008/10/figuras-de-linguagem.html Acesso

em 27 de Julho de 2015

Recanto da Letras, Estilística léxica. Disponível em:

http://www.recantodasletras.com.br/artigos/1693157 Acesso em 27 de Julho de 2015

Só História, Ditadura militar. Disponível em

<http://www.sohistoria.com.br/ef2/ditadura/> Acesso em 26 de Julho de 2015.

Wikipédia, Alagados. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Alagados_

%28can%C3%A7%C3%A3o%29> Acesso em 26 de Julho de 2015.

Vagalume, Alagados. Disponível em:http://www.vagalume.com.br/paralamas-do-

sucesso/alagados.html Acesso em 26 Julho de 2015.