Trabalho Estilística
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ – UECE
CURSO DE LETRAS
ANÁLISE ESTILÍSTICA DA MÚSICA “ALAGADOS”
ISTEFERSON ROSA DE MELO
FORTALEZA
2015
ISTEFERSON ROSA DE MELO
ANÁLISE ESTILÍSTICA DA MÚSICA “ALAGADOS”
Trabalho apresentado ao Curso de Letras da Universidade Estadual do Ceará – UECE -, como requisito parcial para aprovação na disciplina de Estilística, ministradapelo Prof. José Haroldo Nascimento.
FORTALEZA
2015
RESUMO
O presente trabalho analisa a música "Alagados", da banda Os Paralamas do
Sucesso, a fim de compreender e assimilar as mensagens presentes em seu denso
núcleo. Para tal, investigará através do contexto musical em que a canção surgiu, o
contexto socioeconômico, a identificação e classificação das rimas presentes e por
fim faz uma análise estilística da canção. Apesar de existir uma vasta gama de
possibilidades analíticas, centraliza a atenção apenas nas mais pertinentes.
Demonstra como o mundo da arte é fecundo através da constatação de que mesmo
em poucos versos, dezessete ao total incluindo o refrão, é possível inferir conceitos
diversos acerca de temas como desigualdade social, fé e individualismo. Apesar
da forte capacidade expressiva da canção e de seu grande sucesso na época, nota-
se que seus efeitos não foram muito relevantes para uma conscientização maior por
parte da sociedade brasileira, pois quase duas décadas depois de seu lançamento,
o país ainda encontra-se em situação parecida no que diz respeito à situação dos
mais desfavorecidos, apenas com uma leve atenuada nos sintomas mais graves.
Palavras-chave: Alagados; análise estilística; canção.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.....................................................................................................01
2 O ESTILO............................................................................................................02
2.1 Breve conceito...................................................................................................02
3 MÚSICA...............................................................................................................03
3.1 Dados da música...............................................................................................03
3.2 Contexto do cenário musical.............................................................................03
3.3 Contexto socioeconômico..................................................................................04
4 RIMAS.................................................................................................................05
4.1 Posição no verso...............................................................................................05
4.2 Tonicidade.........................................................................................................07
4.3 Sonoridade........................................................................................................08
4.4 Valores morfológicos.........................................................................................09
5 ANÁLISE ESTILÍSTICA.......................................................................................10
5.1 Estilística léxica..................................................................................................11
5.2 Figuras de linguagem........................................................................................11
6 CONCLUSÃO......................................................................................................16
7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................17
7
INTRODUÇÃO
O corrente trabalho terá como cerne a análise estilística da música
"Alagados", da banda Os Paralamas do Sucesso, lançada no início da segunda
metade da década de 80 e que teve enorme repercussão tanto comercial quanto
para o enriquecimento da abordagem social da época que, diga-se de passagem,
continua bem atual.
Nós seres humanos, assim como todos os outros entes da natureza que se
manifestam através da vida, atuamos tanto de forma individual como de forma
coletiva. No âmbito coletivo, podemos ressaltar as desigualdades sociais como um
dos aspectos basilares para uma análise mais panorâmica das mazelas que atrasam
o desenvolvimento humano enquanto sociedade. Outro aspecto que nos é precioso
é a capacidade de criar e desenvolver arte através do nosso incrível dom de
apreendermos pelos "poros" - leia-se sentidos - e representarmos através da
criatividade e subjetividade que nos é particular não somente o que vem de fora,
mas o que vem de dentro também. A música, uma das partes constituintes desse
infindo mosaico que é a arte, há muito aborda e denuncia de forma muito notável as
desigualdades sociais referidas acima, fazendo-se fundamental a tradução desse
diálogo música/sociedade seja em que época for.
Serão apresentados aspectos introdutórios acerca das categorias estilísticas,
assim como também apresentarei informações relevantes sobre a música e o
contexto histórico em que foi composta, tipos de rimas que foram utilizadas e
concluirei com uma análise do estilo da música.
2 – O ESTILO
2.1 Breve conceito e suas categorias
A palavra estilo advém do latim stilus, que designava originalmente uma
pequena haste usada para escrever, um tipo de caneta antiga e que, em associação
8
com essa ideia de escrita, passa a designar a maneira específica de escrever ou
falar de uma pessoa ou de um grupo.
Ainda no século XIX, a palavra estilística já era utilizada, mas foi tão somente
nas primeiras décadas século XX que ela surge como disciplina veiculada à
linguística. Charles Bally (1865-1947) e Leo Spitzer (1887-1960) são os percussores
da estilística da língua e estilística literária, respectivamente, e que foram de suma
importância para o estabelecimento da estilística como ciência ao invés de arte,
como era tratada a retórica para os gregos. Após Bally e Spitzer, outros estudos
foram desenvolvidos por teóricos como Enkvist (1974), Guiraud (1970), Riffaterre
(1971) e Mattoso Câmara Jr. (1978), em que apareceram numerosas definições
acerca de estilo, tanto que cada um procura classificá-las de acordo com os critérios
em que se fundamentam especificamente.
Em suma, a estilística é uma ciência moderna que busca analisar os recursos
afetivo-expressivos de uma determinada língua e sua capacidade de emocionar
através do estilo que, por sua vez, entende-se não somente como uma forma de
escrever, mas também, como a maneira de produzir de um escritor, de uma escola
artística, de uma época, de um gênero ou de um sistema cultural em que o mesmo
está inserido. Temos então que: “A estilística […] não é mais que o estudo da
expressão linguística; e a palavra estilo, reduzida a sua definição básica, nada mais
é que uma maneira de exprimir o pensamento por intermédio da linguagem”.
(GUIRAUD, 1970, p.11).
3 - MÚSICA "ALAGADOS"
3.1 Dados da música
"Alagados" é uma canção composta por Herbert Viana, Bi Ribeiro e João
Barone, atuais membros da banda Os Paralamas do Sucesso. A música está
inserida no álbum "Selvagem?", lançado em 1986. Possui um vídeo clipe que
contém imagens que casam perfeitamente com a letra, onde aparecem moradias em
condições irregulares e precárias, catadores de lixo e todas as formas de condições
degradantes desses "passageiros da agonia" retratados na letra, possibilitando
assim uma relação intersemiótica entre música e vídeo. Por ter se destacado não
9
somente no âmbito comercial, mas também, pelo tom crítico e bem elaborado, a
música ficou classificada em 63º lugar na lista das 100 maiores músicas brasileiras
publicada pela revista Rolling Stone.
3.2 Contexto do cenário musical
A década de 80 certamente será eternamente lembrada como a ano do
"estouro" do rock nacional brasileiro, ou como é conhecido na literatura histórica da
música brasileira, o "BRock". É inegável que especificamente o ano de 1982 foi o
estopim para essa popularização do rock nacional e o consequente surgimento de
inúmeras bandas desconhecidas como Legião Urbana, Ultraje a Rigor, Blitz, RPM,
Titãs dentre outras que também merecem destaque, mas que colocariam
definitivamente suas digitais na certidão do rock tupiniquim. Fundamental para esse
impulso no citado ano foram as criações do espaço de cultural Circo Voador (janeiro
de 1982), que no início era apenas uma estrutura modesta coberta por uma lona
(circo) voltada para a apresentação das então bandas desconhecidas, a criação da
Rádio Fluminense (março de 1982), que era voltada para a execução de músicas de
muitas bandas que tocavam no Circo Voador e que foi fundamental para a
divulgação das mesmas, e por fim, mas não menos importante, o Festival Punk de
São Paulo (novembro de 1982) intitulado "O Começo do Fim do Mundo", que teve
como figuras ilustres bandas como Cólera, Os Inocentes, DZK e os Excomungados.
Eis uma frase que poderia ser vista como um tratado revolucionário do Punk
Rock brasileiro proferida por Clemente, vocalista da banda Os Inocentes:
"Nós estamos aqui para revolucionar a música popular brasileira, pintar de
negro a asa branca, atrasar o trem das onze, pisar sobre as flores de Geraldo
Vandré e fazer da Amélia uma mulher qualquer."
O cantor deixa bem claro que estava na hora de tirar o foco da música
brasileira preponderantemente da MPB e criar novos movimentos com novos ideais
e características, daí o tom "depreciativo" com que aborda as referencias musicais
utilizadas na citação, não que não tivessem o seu valor, mas era necessário criar
algo como uma antítese no cenário musical.
3.3 Contexto socioeconômico
O cenário social no Brasil ainda tinha como pano de fundo a Ditadura Militar,
mas era algo que mudaria até a primeira metade da década. Com a posse do
presidente João Figueiredo houve uma intenção de redemocratização brasileira
lenta, gradual e segura. Logo em seu primeiro ano de mandato, Figueiredo decreta a
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Lei de Anistia, denominação popular dada à lei n° 6.6831, promulgada após uma
ampla mobilização social. O cenário político então começa a mudar aos poucos,
porém, economicamente a situação não é nada favorável. Notadamente conhecida
como década perdida da economia brasileira, apresentou forte retração do PIB,
aumento do deficit público por causa do crescimento da dívida externa e interna, o
que certamente ocasionou um sofrimento extremamente maior nas camadas sociais
mais inferiores do que nas mais favorecidas.
Em 1983-1984 houve um movimento civil que reivindicava eleições diretas
para o cargo de chefia maior do estado que baseava-se na Emenda Constitucional
Dante de Oliveira, porém, foi rejeitada pelo congresso frustrando os planos da
sociedade brasileira que militava. Entretanto, em janeiro de 1985 pode-se dizer que
houve uma vitória parcial da sociedade, pois o Colégio Eleitoral elegeu Tancredo
Neves para Presidência da República, ato que não se consolidou, pois ele morreu
antes de assumir o cargo, quem assumiu em seu lugar foi o famigerado José
Sarney.
Enfim, após tanta repressão e mortes que nunca serão apagadas dos anais
da memória brasileira, surge enfim no horizonte a possibilidade do "grito"
contestador e denunciador da classe artística, da imprensa e da sociedade como um
todo. Todo esse contexto serviu como germinador para a composição da música
"Alagados", mas certamente o âmago do teor crítico dessa música não se deu
apenas por esses anos, a história de desigualdade e crueldade para com os mais
desfavorecidos é secular, apenas estávamos readquirindo a possibilidade de nos
expressar livremente, e assim o fizemos.
4 – RIMAS
A rima pode ser entendida como uma conformidade ou coincidência de
fonemas, geralmente a partir da última vogal tônica de cada verso. A rima é um
artifício utilizado por estudiosos das letras ao longo dos séculos e presente em
várias escolas literárias e, portanto, sempre foi material de investigação de inúmeros
linguistas e poetas que buscavam uma categorização cada vez mais refinada. Por
se tratar de algo presente em inúmeros contextos e vertentes, sempre foi impossível
colocá-la em uma grade categorizada e fixa devido ao grande poder de criação e
recriação da mente artística humana. Tendo em vista esses conceitos, exporei
algumas rimas encontradas na canção em questão.
4.1 Posições no verso
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Rima externa: acontece no final do verso.
Ex.: Não têm faltado bocas de serpentes,
(Dessas que amam falar de todo o mundo,
E a todo o mundo ferem, maldizentes)
Que digam: “Mata o teu amor profundo!”
(Olavo Bilac)
Rima interna: acontece dentro do verso.
Ex.: Outubro
No fim da alameda
há raios e papagaios
de papel de seda.
(Guilherme de Almeida)
- Análise da letra nesse quesito:
1ª ESTROFE - SEXTILHA
Todo dia o sol da manhã
A) Vem e lhes desafia - externa
Traz do sonho pro mundo
A) Quem já não o queria - externa
Palafitas, trapiches, farrapos
A) Filhos da mesma agonia - externa
2ª ESTROFE - QUINTILHA
E a cidade que tem braços abertos
A) Num cartão postal - externa
A) Com os punhos fechados da vida real - externa
Lhes nega oportunidades
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A) Mostra a face dura do mal - externa
REFRÃO
A) Alagados, Trenchtown, Favela da Maré - externa
A esperança não vem do mar
B) Nem das antenas de tevê - externa
A) A arte de viver da fé - externa
B) Só não se sabe fé em quê - externa
A) A arte de viver da fé - externa
B) Só não se sabe fé em quê - externa
Como podemos ver a letra da canção não possui rimas internas, apenas externas.
4.2 Tonicidade
Agudas ou masculinas: Quando a rima acontece entre palavras oxítonas ou
monossilábicas.
Ex: valor / amor; és / viés
Graves ou femininas: Quando a rima acontece entre palavras paroxítonas.
Ex: santa / planta; mala / sala; toque / choque.
- Análise da letra nesse quesito:
1ª ESTROFE - SEXTILHA
Todo dia o sol da manhã
A) Vem e lhes desafia - grave
Traz do sonho pro mundo
A) Quem já não o queria - grave
Palafitas, trapiches, farrapos
A) Filhos da mesma agonia - grave
2ª ESTROFE - QUINTILHA
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E a cidade que tem braços abertos
A) Num cartão postal - agudo
A) Com os punhos fechados da vida real - agudo
Lhes nega oportunidades
A) Mostra a face dura do mal - agudo
REFRÃO
A) Alagados, Trenchtown, Favela da Maré - agudo
A esperança não vem do mar
B) Nem das antenas de tevê - agudo
A) A arte de viver da fé - agudo
B) Só não se sabe fé em quê - agudo
A) A arte de viver da fé - agudo
B) Só não se sabe fé em quê - agudo
Na primeira estrofe da música temos rimas graves, mas na segunda estrofe e no
refrão temos rimas agudas.
4.3 Sonoridade
Perfeitas (consoantes, soantes): Há uma perfeita identidade dos sons finais,
assim como uma semelhança entre as últimas vogais e consoantes.
Ex: tento / vento; peso / teso
Imperfeitas (assonantes , toantes): Quando, ou há identidade apenas entre as
vogais finais, não havendo necessariamente identidade entre os sons finais,
ou quando a sonoridade é semelhante, mas a grafia das palavras é diferente.
Ex: âmbar / amar; estrela / vela
- Análise da letra nesse quesito:
2ª ESTROFE - QUINTILHA
E a cidade que tem braços abertos
A) Num cartão postal - perfeita
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A) Com os punhos fechados da vida real - perfeita
Lhes nega oportunidades
A) Mostra a face dura do mal - perfeita
REFRÃO
A) Alagados, Trenchtown, Favela da Maré - perfeita
A esperança não vem do mar
B) Nem das antenas de tevê - perfeita
A) A arte de viver da fé - perfeita
B) Só não se sabe fé em quê - perfeita
A) A arte de viver da fé - perfeita
B) Só não se sabe fé em quê - perfeita
4.4 Valores morfológicos
Pobres: Quando a rima acontece entre palavras da mesma classe gramatical
Ex: Falar / amar; o calor / o sabor; bonito / bendito
Ricas: Quando a rima acontece entre palavras de classes gramaticais
diferentes.
Ex: Cantando / bando; mar / navegar; vagos / lagos; quem / tem.
- Análise da letra nesse quesito:
1ª ESTROFE - SEXTILHA
Todo dia o sol da manhã
2) Vem e lhes desafia - pobre
Traz do sonho pro mundo
4) Quem já não o queria - pobre
Palafitas, trapiches, farrapos
6) Filhos da mesma agonia - rica
2ª ESTROFE - QUINTILHA
E a cidade que tem braços abertos
2) Num cartão postal - pobre
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3) Com os punhos fechados da vida real - pobre
Lhes nega oportunidades
5) Mostra a face dura do mal - rica
As estrofes variam seus versos em rimas pobres e ricas. Na primeira estrofe,
os versos 2 e 4 possuem rimas pobres, enquanto versos 4 e 6 possuem uma rima
rica. Na segunda estrofe os versos 2 e 3 possuem rima pobre, enquanto os versos 3
e 5 possuem rima rica, o que demonstra uma irregularidade entre as rimas dos
versos nesse quesito.
5 - ANÁLISE ESTILÍSTICA
5.1 Estilística léxica
Trata da investigação dos inúmeros processos de expressão das palavras
ligados aos seus aspectos morfológicos, semânticos e sintáticos de acordo com
suas formas de uso com um todo, não sendo possível a análise de uma expressão
isolada sem antes analisar o contexto em que foi utilizada, como a carga emotiva ou
sentimental que o autor quis imprimir. Analisa as formas comumente aceitas pela
gramática normativa, o uso de gírias, estrangeirismos ou linguagem figurada,
explorando o vasto campo das diferenças entre denotação e conotação.
Apontarei a seguir as figuras de linguagem mais relevantes presentes na letra
da música em questão.
5.2 Figuras de linguagem
São as figuras de linguagem as responsáveis por realçar a mensagem que se
quer passar ao receptor de forma conotativa, o que por consequência acaba
valorizando o texto em que está inserida. É um recurso que expressa experiências
comuns de formas distintas atribuindo emotividade, originalidade e poeticidade ao
discurso promovendo criatividade linguística. Os pensamentos empregados em
sentido figurado pertencem ao campo da significação mais ampla e produz um
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estado de graça a expressão utilizada que, de acordo com sua escolha, pode inferir
muito da intenção ou até mesmo traços da personalidade do autor.
Existem as figuras de palavras, que servem para empregar algum sentido
diferente a um termo convencionalmente estabelecido passando a empregar uma
mudança de denotativo para conotativo, ou serve também para generalizar um
termo comum que então passa a representar algo genérico através de uma
ampliação de sentido. Fazem parte dessa categoria a metáfora, comparação,
metonímia, perífrase, sinestesia ou catacrese.
Existem as figuras de construção, que dizem respeito aos desvios em relação
à concordância, causando modificação na estrutura da oração através de repetições
ou omissões. Fazem parte dessa categoria a silepse, anáfora, anacoluto,
onomatopeia, repetição, aliteração, quiasmo, elipse, zeugma, pleonasmo, assíndeto,
polissíndeto e hipérbato.
Existem as figuras de pensamento, que consistem numa alteração deliberada
a fim de tornar a expressão mais lancinante e provocar um maior impacto no
receptor. Porém, esse desvio dá-se mais das ideias que estão por trás desse desvio,
da elaboração mental da expressão, do que pela construção da frase ou norma
gramatical. Constituem essa categoria a antítese, paradoxo, ironia, eufemismo,
hipérbole, gradação, prosopopeia, preterição e prolepse.
PROSOPOPÉIA (PERSONIFICAÇÃO) - Atribui características humanas
(sentimentos, linguagens e ações humanas) a seres inanimados ou abstratos.
Todo dia o sol da manhã
Vem e lhes desafia
Traz do sonho pro mundo
Quem já não o queria
Palafitas, trapiches, farrapos
Filhos da mesma agonia
Acima, nessas estrofes pinçadas, podemos notar a personificação dos
elementos sol e agonia. O sol que lança todos os dias um desafio aos pobres e que
os deslocam do mundo onírico para o material, e a agonia que acaba por se tornar
mãe dos miseráveis através da generalização das mazelas sociais em que estão
inseridos cotidianamente. Afim de expandir mais a área de compreensão dos dois
últimos versos negritados, irei me utilizar de dois trechos de outras obras afim de
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promover uma intertextualidade elucidativa.
Primeiro utilizarei um trecho da música "Relampiano", composição de Lenine
e Paulinho Moska. O primeiro lançou a canção em seu álbum "Na Pressão", de
1999, enquanto o último regravou em seu álbum "Contrassenso", de 2002.
"É mais uma boca dentro do barraco
Mais um quilo de farinha do mesmo saco
Para alimentar um novo João Ninguém"
Agora utilizarei um trecho da abertura do poema "Morte e Vida Severina", do
poeta João Cabral de Melo Neto, lançado em 1955.
"E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte Severina"
Nos dois trechos é possível perceber que seus autores utilizam-se da
generalização da pobreza para tentar ressaltar a planificação das condições
subumanas em que estão inseridos os miseráveis. Para tal efeito nota-se a
utilização da palavra mesma nos fragmentos "...farinha do mesmo saco" e "mesma
morte Severina". Fica claro, pois, que não existem exceções quando o assunto é
miséria e a quase impossibilidade de escapar dela, são todos "farinha do mesmo
saco que compartilham da mesma vida e morte Severina".
ANTÍTESE - Consiste no uso de expressões de sentidos opostos numa
mesma sequência de ideias.
E a cidade que tem braços abertos
Num cartão-postal
Com os punhos fechados da vida real
Aqui a utilização da antítese consiste na intenção do autor em expor de forma
visceral a contradição em que vivemos, não apenas no Rio de Janeiro, mas no Brasil
e no mundo. Enquanto ostentamos orgulhosos e cheios de si uma das sete
maravilhas do mundo moderno, com toda a carga representativa religiosa e política
que carrega a figura do Cristo, damos com os punhos fechados na cara dos que
mais precisam, e que seguramente seriam muito mais assistidos por ele do que por
seus "enferrujados" seguidores que já apresentam, há muito tempo, sintomas de
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algo que pode parecer com um caso de esquizofrenia coletiva crônica ornada de
hipocrisia e egoísmo.
Agora utilizarei-me de uma livre interpretação textual dos versos que
compõem o refrão da canção.
Alagados, Trenchtown, Favela da Maré
O primeiro verso do refrão começa citando as favelas de Alagados situada na
Bahia, Trenchtown situada em Kingston, capital da Jamaica, e Favela da Maré
situada no Rio de Janeiro. Aqui o autor visa a universalização da situação em que
encontram-se um sem fim de indivíduos aprisionados em seus guetos alternativos, o
que demonstra que a pobreza não deve ser tratada como problema apenas local,
mas geograficamente geral.
A esperança não do mar
Como as favelas citadas situam-se em localidades litorâneas, o autor quis
mostrar que a esperança para que eles saiam desse contínuo estado de degradação
não virá do imenso mar que os banham, de forma aleatória ou de modo a esmo,
mas que deve ser bem trabalhada e organizada por seus integrantes.
Nem das antenas de tevê
Percebe-se de forma clara que há uma crítica sobre as emissoras de tevê que
há muito entorpece e manipula seus telespectadores, ao invés de agir de forma
idônea e engajada socialmente para o bem comum das populações que fazem
usufruto.
A arte de viver da fé
Só não se sabe fé em quê
A arte de viver da fé
Só não se sabe fé em quê
O autor lança uma questão: como podem viver da fé em algo que nem sequer
têm em mente de forma clara? A fé presente em um sorriso, em momentos de pura
alegria e descontração mesmo vivendo na mais pura e crua necessidade. Creio que
esse questionamento seja um dos pontos mais tocantes da música, posto que o
autor, por nunca ter vivido em tal contexto social, não consegue compreender como
podem esses alagados ainda conseguirem acessar em seus corações as sutilezas
transcendentes da felicidade em meio a tantas adversidades, mesmo que por curtos
espaços de tempo.
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Não foram encontrados na letra musical quaisquer erros gramaticais, assim
como estrangeirismos ou gírias, fazendo com que não haja a necessidade de uma
interpretação contextual de expressões locais.
CONCLUSÃO
Neste trabalho abordei a música "Alagados", da banda Os Paralamas do
Sucesso, que fez um tremendo sucesso nos anos 80 do ponto de vista comercial e
cultural, mostrando-se um produto fonográfico plenamente consistente e
enriquecedor para diversas análises sociológicas não somente de uma época, pois
como funda-se no tema miséria, continua a ser extremamente contemporânea. Para
abarcar os diversos aspectos e nuances da música, utilizei-me de uma gama de
análises que prestigiaram a perspectiva histórica musical da época, o contexto
socioeconômico em que surgiu, a categorização das diferentes espécies de rimas
encontradas em seus versos, assim como uma análise estilística da obra enquanto
portadora de uma mensagem densa, porém necessária para uma mínima
compreensão do seu enfoque. Através desses enfoques pude concluir que as artes
como um todo exercem fortes diálogos que contribuem de forma eficaz para a
exposição de problemas sociais, psicológicos e até mesmo espirituais. Porém,
infelizmente as resultantes desses diálogos com o real ainda não se
tornaram reflexões críticas e ponderadas pela maioria, algo que só tende a piorar,
posto que a reprodução cultural artística encontra-se cada vez mais rasa e carente
de significação. Ainda existem inúmeros artistas de grande qualidade, mas estão
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encobertos e escondidos pela engrenagem do lucro obtido pela ignorância, o que faz
com que a arte de valor encontre grandes dificuldades em exercer seu
papel humanizador, filosófico e poético. Considero que este trabalho foi de enorme
valia para meu desenvolvimento crítico e cultural, pois me confrontou com assuntos
que exigiram certo esforço para aprofundamento e que certamente levarei para toda
a minha vida acadêmica e pessoal.
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http://www.midiaindependente.org/pt/red/2005/02/308819.shtml Acesso em 27 de
Julho de 2015
21
8
9 Folha de S. Paulo, Festival punk de 1982 ganha reedição 20 anos
depois. Disponível
em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u28503.shtml> Acesso em 27
de Julho de 2015
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http://www.lusofoniapoetica.com/artigos/teoria-poetica/rima.html> Acesso em 26 de
Julho de 2015
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http://www.beatrix.pro.br/mofo/clemente.htm Acesso em 26 de Julho de 2015
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