Trabalho interdisciplinar

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1. LOUCOS INFRATORES: O DESCASO DO ESTADO COM UMA POPULAO ESQUECIDA NOS MANICMIOS JUDICIRIOS Aluna: Joice Amaro da Cruz 1. INTRODUO De acordo com o nosso ordenamento jurdico, so considerados inimputveis os agentes que possuem doenas mentais ou desenvolvimento mental incompleto (Art. 26. CP), sendo assim, os chamados "loucos infratores" so encaminhados atravs de medidas de segurana aos manicmios judicirios, atualmente conhecidos como hospitais de custdia e tratamento psiquitrico. O que ocorre que na maioria das vezes esses indivduos no recebem o tratamento necessrio e permanecem presos at o final de suas vidas, violando os direitos fundamentais de qualquer ser humano, principalmente os que necessitam de um tratamento especfico. 2. A INCAPACIDADE DO DEFICIENTE MENTAL A personalidade civil formada a partir do nascimento com vida, juntamente com a capacidade de gozar de seus direitos e deveres. Entretanto, alguns indivduos so considerados absolutamente incapazes de responder pelos atos da vida civil por si s, "II - os que por enfermidade ou deficincia mental, no tiverem o necessrio discernimento para a prtica desses atos; III - os que, mesmo por causa transitria, no puderem exprimir sua vontade" (Art. 3, incisos II e III, C.C). Portanto, os absolutamente incapazes s tero a capacidade de contrair direitos, sem aptido para exerc-los, podendo ser representados atravs da interdio, um processo judicial 2. onde o portador de enfermidades mentais analisado por um perito mdico, declarado civilmente incapaz e analisado pelo juiz. Aps a interdio, necessrio declarar um representante do agente, podendo ser um familiar, e na ausncia dos mesmos, algum indicado pelo juiz. 3. MEDIDAS DE SEGURANA 3.1. CONCEITO Trata-se de uma espcie de sano penal, aplicando do devido tratamento aos indivduos inimputveis que vem a infringir as normas penais. " o meio empregado defesa social e o tratamento do indivduo que comete crime e considerado inimputvel" (Curso de Direito Penal, p. 252). Em regra, aplica-se a medida de segurana detentiva, que poder ser substituda pelo tratamento ambulatorial, onde so oferecidos os cuidados mdicos ao indivduo. 3.2. ESPCIES DE MEDIDAS DE SEGURANA O Cdigo Penal dispe duas espcies de medidas de segurana, sendo elas: "Internao em hospitais de custdia e tratamento psiquitrico ou, falta, em outro estabelecimento adequado; II - sujeio a tratamento ambulatorial" (Art. 96, incisos I e II, CP). Em relao ao prazo, a lei diz que ser o mnimo de 1 (um) a 3 (trs) anos, e o mximo ser por tempo indeterminado, enquanto no for feita a averiguao por meio de percia mdica at cessao de periculosidade. 3. 4. ASPECTOS GERAIS 4.1. LEVANTAMENTO HISTRICO DOS HOSPITAIS DE CUSTDIA E TRATAMENTO PSIQUIATRICO NO BRASIL Os hospitais intrnsecos para receber os "loucos infratores" surgiram no Brasil ao longo do sculo XX, os HCTPs (Hospital de Custdia e Tratamento Psiquitrico) inicialmente chamados de manicmios judicirios, criados na dcada de 1920, tinha como objetivo retirar os indivduos das ruas e da Santa Casa de Misericrdia, surgindo assim o primeiro hospital psiquitrico no Brasil - o Hospcio de Pedro II, em 1921 e a partir da, os HCTPs incumbiram-se pelo cumprimento das medidas de segurana. Atualmente, existem 26 hospitais de custdia funcionando no pas, em 2011 uma pesquisa informou que os estados de Maranho, Acre, Gois, Mato Grosso do Sul, Tocantins, Amap e Roraima no possuam HCTP. No Sudeste se encontram 38% dos estabelecimentos, seguido por Nordeste, com 31%. O Sul e o Norte possuem 12%, j O Centro-Oeste apenas 8%. 4.2. REFORMA PSIQUITRICA Os hospitais de custdia resistiram Reforma Psiquitrica, que surgiu aps a promulgao da Lei n 10.216, de 6 de abril de 2001, qual dispe em seus artigos um novo modelo de sade mental, frisando os direitos e as protees dos indivduos portadores de transtornos mentais. Aps a lei, o Brasil se tornou integrante de um grupo de pases com uma legislao em 4. plena harmonia com as OPAS (Organizao Mundial da Sade e seu Escritrio Regional para as Amricas), estabelecendo diversos direitos e um novo rumo para a assistncia psiquitrica, regulamentando as internaes involuntrias que foram colocadas sob o controle do Ministrio Pblico. 5. A TRISTE REALIDADE DENTRO DOS MANICMIOS E A VIOLAO DOS DIREITOS HUMANOS A excluso e o preconceito com os indivduos portadores de deficincias mentais existem h muitos anos, hodiernamente, isso no tem mudado muito. Os mesmos continuam invisveis perante o Estado, a sociedade e at mesmo por seus familiares, pois entrar em um manicmio pode ser considerado um caminho sem volta. De acordo com o Art. 150, 1 do Cdigo de Processo Penal, o prazo de espera do laudo psiquitrico de 45 dias, mas, em mdia, o tempo que se espera pelo mesmo so dez meses e 41% dos exames de cessao de periculosidade tambm se encontram atrasados. A invisibilidade desses sujeitos pode ser reconhecida facilmente, em pouco mais de nove dcadas de histria dos manicmios judicirios no Brasil, a contagem dos internados no havia sido efetuada. Mas o descaso no acaba por a: em uma visita realizada pelo CNMP (Conselho Nacional do Ministrio Pblico) a Penitenciria Feminina, onde possuem presas em regime de cumprimento de pena fechado e semiaberto, foi revelado que as internas que possuam transtornos mentais conviviam juntamente com as outras, e sem diferena nenhuma em seu tratamento, na espera do resultado do laudo mdico. Em crcere privado algo que muito marcante a perda de identidade. O esquecimento e a falta de perspectiva faz com que os presos se sintam mortos, j que a sociedade no tem lugar para os mesmos. Desprovidos de suas vestes, de seus direitos de ir e vir, maltratados, controlados compulsoriamente e entregues a altssimas doses de remdios, os encarcerados perdem pouco a pouco sua individualidade. 5. A situao em que se encontram os HCTPs catica, o descaso com os pacientes muito grande e mesmo aps a reforma psiquitrica, o tratamento continua desumano, sem recursos, esquecido pelas autoridades e mostrando a incapacidade do sistema em garantir ao menos as condies legais em relao a direito e proteo. 5.1. A INJUSTIA CONTIDA NA OBRIGATORIEDADE DA INTERNAO O agente inimputvel que comete atos antijurdicos obrigado por lei a ser internado e sancionado com recluso, o que visivelmente injusto. Um agente que possui uma famlia que tenha condies suficientes de cuidar e dar o suporte necessrio para seu tratamento, no tem necessidade de ser internado, caberia ento a ele aplicao de algo mais adequado como o tratamento ambulatorial. A questo que deve ser analisada a deficincia do agente e no apenas a gravidade de suas aes, uma vez que possuem uma anomalia psquica que precisa ser tratada, o que no ocorre nos hospitais de custdia e o mesmo recebe a pena igual de um indivduo absolutamente capaz. 5.2. PRISO PERPTUA Segundo o Dicionrio, perptuo aquilo que no cessa; que dura para sempre, e baseado nisso que muito dos chamados "loucos infratores" vivem. Mas ao contrrio do que se pode parecer, o limite mximo da pena no Brasil de 30 anos e a priso perptua expressamente proibida pela Constituio Federal em seu Art. 5, inciso XLVII, alnea B. De acordo com o Censo indito realizado em 2011, entre homens e mulheres internados somam um total de 3.989 indivduos, dentre estes, 741 j deveriam estar em liberdade, porm, 6. continuam cumprindo a pena a muito mais tempo do que o previsto e 0,5% esto encarcerados h mais de 30 anos. Ainda sobre esse aspecto, Eugenio Zaffaroni diz que "no constitucionalmente aceitvel que, a ttulo de tratamento, se estabelea a possibilidade de uma privao de liberdade perptua, como coero penal. no constitucionalmente aceitvel que, a ttulo de tratamento, se estabelea uma privao de liberdade perptua Se a lei no estabelece o limite mximo, o intrprete quem tem a obrigao de faz-lo" (ZAFFARONI, 1998, p. 858). 6. FILME-DOCUMENTRIO "A CASA DOS MORTOS" A Casa dos Mortos um documentrio curta-metragem realizado com a direo e roteiro da antroploga, documentarista, professora da Universidade de Braslia e pesquisadora do Instituto de Biotica, Direitos Humanos e Gnero (ANIS) Debora Diniz, que mostra exatamente o dia-a-dia dos internados nos hospitais de custdia. Possuindo apenas 24 minutos, o filme-documentrio dividido em trs cenas que abordam vrios temas, como por exemplo, o comportamento agressivo, as condies que levam a cometer o suicdio, o vicioso ciclo de remdios, a ausncia de tratamento adequado e as penas excessivas. Juntamente com o filme, narrado um poema escrito durante as filmagens por Bubu, um poeta com 12 internaes em manicmios judicirios, que possui um laudo comprovando sua sanidade mental e mostra que o mesmo no foi o suficiente para sua liberdade. Em um trecho do poema, Bubu mostra a realidade em que vive, e que os manicmios fazem jus ao nome dado por ele, "a casa dos mortos": E, ainda sobre as 3 cenas: so 3 cenas de um mesmo filme-documentrio: Cena 1, das mortes sem batidas de sino; Cena 2, das overdoses usuais e ditas legais; Cena 3, das vidas sem cmbios l fora que se reescrevam, ento, Os Infernos de Dante Alighieri; mas, aqui a realidade manicomial! 7. [...] Isto um veredicto! tomara que fosse um ultimatum casa dos mortos! 7. CONCLUSO fcil perceber que a questo dos infratores portadores de anomalia psquica vem acompanhada de uma justia criminal falha, do descaso do Estado e as autoridades, excluso e preconceito da sociedade, e o mais triste de todos que o abandono. Um Estado democrtico de direito que dispe em sua Constituio a prevalncia dos direitos humanos jamais poderia ser omisso a essa questo. O que se pode ver que ao se tratar de um "louco infrator", a justia reconhece apenas a delinquncia, e se esquece de que a medida de segurana no apenas sancionar e sim aplicar o tratamento necessrio. O ciclo de internaes e remdios de alta dosagem vicioso, os casos de suicdios dentro dos manicmios so muitos, mostrando que muitos preferem a morte ao continuarem presos nesses locais sem estrutura. O documentrio citado acima mostra com clareza que esses indivduos cometem atos antijurdicos por no possurem discernimento mental, que necessitam de cuidados especiais com eficcia, e que priv-los de seus direitos, de sua liberdade nem sempre so as melhores solues. Segundo Luigi Ferrajoli: Acima de qualquer argumento utilitrio, o valor da pessoa humana impe uma limitao fundamental em relao quantidade da pena. este o valor sobre o qual se funda, irredutivelmente, o rechao da pena de morte, das penas corporais, das penas infames e, por outro lado, da priso perptua e das penas privativas de liberdade excessivamente extensas. [...] um Estado que mata, que tortura, que humilha um cidado no s perde qualquer legitimidade, se no que contradiz sua razo de ser, colocando-se ao mesmo nvel dos mesmos delinquentes. (FERRAJOLI, 2002, p.318). A situao em que se encontram os manicmios judicirios pode ser considerada inconstitucional, pois totalmente contrria a vrios princpios fundamentais do nosso ordenamento jurdico e mostram que precisam da ateno e do suporte do Estado. Uma vez que o tratamento no realizado, a cessao de periculosidade nunca acontecer, entretanto, mesmo 8. aqueles que j possuem o laudo provando sua capacidade, continuam condenados a passar o resto de suas vidas privados de sua liberdade. necessrio ento que se entenda que, quando se tem o poder no difcil retirar do convvio social os indivduos indesejados pela sociedade, pois segundo Foucault, o sistema deixa viver quem importante e morrer quem no interessa, e exatamente essa a atual realidade dos Hospitais de Custdia e Tratamento Psiquitrico no Brasil. BIBLIOGRAFIA MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de direito penal, volume 1 : parte geral, arts. 1 a 120 do CP / Julio Fabbrini. - 25. ed. rev. e atual. at 11 de maro de 2009. - So Paulo : Atlas, 2009. MOSSIN, Herclito Antnio. Curso de processo penal, volume 1 / Herclito Antnio Mossin. - So Paulo : Atlas, 1996. NUCCI, Guilherme de Souza. Cdigo penal comentado / Guilherme de Souza Nucci. - 10. ed. rev., atual e ampl. - So Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2010. KAPLAN, Harold I. Compndio de psiquiatria: cincias do comportamento e psiquiatria clnica / Harold I. Kaplan, Benjamin J. Sadock e Jack A. Greb; trad. Dayse Batista. - 7. ed. - Porto Alegre : Artmed, 1997. Brasil, Lei 10.216, de 6 de abril de 2001. Dispe sobre a proteo e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em sade mental. Dirio Oficial da Unio, 9 abr. 2011. Disponvel em: . Acessado em: 28 abr. 2014. JESUS, Damsio de. Direito penal, volume 1 : parte geral / Damsio de Jesus. - 32. ed. - So Paulo : Saraiva, 2011. 9. DINIZ, Debora. A custdia e o tratamento psiquitrico no Brasil: censo 2011 [recurso eletrnico] / Debora Diniz. - Braslia : LetrasLivres : Editora Universidade de Braslia, 2013. Disponvel em: . Acessado em 27 abr. 2014. FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razo : teoria do garantismo penal / Luigi Ferrajoli. - So Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2002. UNB CINCIA. Censo indito aponta violaes aos direitos humanos nos manicmios judicirios do pas. 14 dez. 2012. Disponvel em: . Acessado em 24 abr. 2014. REVISTA DA SJRJ - JUSTIA FEDERAL. A criminalizao da loucura no modelo jurdico- teraputico-punitivo-prisional dos hospitais de custdia e tratamento psiquitrico. . Acessado em 20 abr. 2014. BRASIL. Constituio (1988). Constituio da Repblica Federativa do Brasil. Braslia, DF: Senado, 1988. "A CASA DOS MORTOS". Disponvel em: Acessado em 20 abr. 2014. FOUCAULT, Michel. Histria da loucura na Idade Clssica. Disponvel em: . Acessado em 22 abr. 2014.