Trabalho - Sumula Vinculante e Uniformização Jurisprudencial

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2. DA UNIFORMIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA 2.1. Considerações iniciais O presente estudo refere-se, em suma, à importância, à função e aos mecanismos de uniformização de jurisprudência no ordenamento jurídico pátrio, notadamente aqueles pertinentes à processualística civil, com especial enfoque para a influência que o precedente jurisprudencial assume nos dias atuais. Cumpre tecer, desde logo, breves comentários acerca da importância da uniformização jurisprudencial. Regra geral, a jurisprudência padronizada resulta na confiança da sociedade quanto aos seus direitos, bem como no estrito conhecimento sobre a exegese das normas materiais e formais vigentes. Acarreta, portanto, em segurança jurídica. Saliente-se ainda que outra benesse naturalmente decorrente da aplicação deste instituto é a redução da provocação do Poder Judiciário, vez que a sociedade, conhecendo de maneira pretérita e abstrata as possibilidades de obtenção da tutela jurisdicional, deixa de instaurar litígios em que se conhece previamente a possibilidade de insucesso. Outro benefício louvável da utilização deste instituto é o de que a existência de entendimento jurisprudencial pacífico acerca da matéria litigiosa constitui um sólido embasamento à decisão do juiz monocrático. Usualmente, o precedente consolidado resulta no exaurimento da função jurisdicional, inclusive com a manifestação dos nossos

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2. DA UNIFORMIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA

2.1. Considerações iniciais

O presente estudo refere-se, em suma, à importância, à função e aos

mecanismos de uniformização de jurisprudência no ordenamento jurídico pátrio,

notadamente aqueles pertinentes à processualística civil, com especial enfoque para

a influência que o precedente jurisprudencial assume nos dias atuais.

Cumpre tecer, desde logo, breves comentários acerca da importância da

uniformização jurisprudencial. Regra geral, a jurisprudência padronizada resulta na

confiança da sociedade quanto aos seus direitos, bem como no estrito conhecimento

sobre a exegese das normas materiais e formais vigentes. Acarreta, portanto, em

segurança jurídica.

Saliente-se ainda que outra benesse naturalmente decorrente da

aplicação deste instituto é a redução da provocação do Poder Judiciário, vez que a

sociedade, conhecendo de maneira pretérita e abstrata as possibilidades de

obtenção da tutela jurisdicional, deixa de instaurar litígios em que se conhece

previamente a possibilidade de insucesso.

Outro benefício louvável da utilização deste instituto é o de que a

existência de entendimento jurisprudencial pacífico acerca da matéria litigiosa

constitui um sólido embasamento à decisão do juiz monocrático. Usualmente, o

precedente consolidado resulta no exaurimento da função jurisdicional, inclusive

com a manifestação dos nossos Tribunais Superiores, servindo de referência segura

a todos os julgadores monocráticos de casos semelhantes.

Todavia, não se pode deixar de considerar (e essa é a grande crítica à

adoção deste sistema) que o esforço excessivo em se criar uma jurisprudência

uniformizada poderia resultar na subversão da supremacia da lei que vigora no

ordenamento jurídico brasileiro. A Garantia Constitucional de acesso à Justiça

(artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal), está intimamente atrelada à prerrogativa

do magistrado de julgar o caso fático em tela, sendo que nada, exceto à lei, poderia

vincular a sua decisão.

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Têm-se, portanto, que os que defendem a padronização da jurisprudência

apontam seus benefícios práticos, que podem ser desde ordem econômica até de

ordem social. Aqueles que se posicionam contrariamente à adoção deste instituto

alertam para os perigos formais que a uniformização jurisprudencial pode trazer

consigo, posto que a vinculação de magistrados monocráticos a decisões colegiadas

de órgãos superiores acabaria por ferir a supremacia da legislação e subvertendo o

preceito fundamental da separação dos poderes, transferindo ao Judiciário função

de cunho tipicamente legislativo que não lhe foi outorgada pela Constituição Federal

de 1988.

2.2. Da conceituação do termo jurídico “súmula”

Antes de conceituar e explicar o que é exatamente e como se procede a

uniformização da jurisprudência, cumpre conceituar e explanar o significado do

termo jurídico “súmula”, posto que o resultado final de todo e qualquer incidente de

uniformização jurisprudencial (como veremos mais adiante), não é outro senão a

edição de uma súmula.

A palavra "súmula" é originária de summula, do latim, que significa

"sumário" ou "resumo". Juridicamente, as súmulas podem referir-se ao teor

abreviado de determinado julgamento (como sinônimo de ementa), ou ao enunciado

jurisprudencial que reflete entendimento pacificado de determinado tribunal (como

sinônimo do termo súmula propriamente dito).

A primeira acepção do termo, a título exemplificativo, é mencionada no

Código de Processo Civil em seu artigo 506, que conta com a seguinte redação:

Art. 506. O prazo para a interposição do recurso, aplicável em todos os casos o

disposto no art. 184 e seus parágrafos, contar-se-á da data:

(...)

III - da publicação da súmula do acórdão no órgão oficial. (grifo nosso)

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No dispositivo supra, portanto, vislumbra-se nossa Lei de Ritos referir-se

à palavra súmula como sinônimo de ementa (resumo) dos julgamentos proferidos

nas instâncias superiores.

Para o presente estudo, porém, mais relevante é a segunda acepção da

palavra, que Costa e Aquaroli (1999, p. 269) assim definem com maestria:

“Na jurisprudência (súmula), indica a condensação de série de acórdãos do

mesmo tribunal, revelando sua orientação para casos análogos".

As súmulas, portanto, representam a formalização pelos tribunais de seus

entendimentos jurisprudenciais, da padronização de seu entendimento quanto a

determinadas matérias de direito;

Objetivamente falando, as súmulas são julgamentos revestidos de maior

presunção de consonância do tribunal quanto à matéria tratada, haja vista a

exigência de que a uniformização decorra do voto da maioria absoluta dos membros

do colegiado em questão, conforme predispõe o artigo 479 do CPC, procedimento

do qual trataremos na sequencia e, que pelo seu grau acentuado de formalismo,

confere ao entendimento sumular uma confiabilidade e segurança maiores que

aqueles comumente conferidos aos julgamentos costumeiros de acórdãos,

embargos infringentes, etc., tudo em função do elevado interesse público envolvido

em procedimento desta natureza.

2.3. Do conceito e natureza jurídica da uniformização jurisprudencial

O termo “uniformização jurisprudencial” encontra diversas definições

pelos mais variados doutrinadores pátrios, cabendo aqui colacionar aquelas

consideradas mais elucidativas.

Na concepção doutrinária de Wambier, Almeida e Talamini (1999, p.

742), a uniformização de jurisprudência:

"é um expediente cujo objeto é evitar a desarmonia de interpretação de teses

jurídicas, uniformizando, assim, a jurisprudência interna dos tribunais". (grifo

nosso)

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Da análise do conceito retro, percebe-se que ou doutrinadores se

utilizaram do termo “expediente” para definir a natureza jurídica deste instituto,

atribuindo-lhe natureza tipicamente instrumental incidental.

Nery Junior e Nery (2001, p. 476), na sequencia do raciocínio, lecionam

que esse incidente de uniformização de jurisprudência:

"é destinado a fazer com que seja mantida a unidade da jurisprudência interna

de determinado tribunal".

Ora, pois, diante de tais informações é possível concluir que a

uniformização de jurisprudência não é recurso e sequer sucedâneo recursal, mas

um meio disciplinador de um incidente cujo objetivo é extinguir uma divergência

jurisprudencial.

É, outrossim, um procedimento, de natureza incidental (aos recursos),

que visa a padronização do entendimento de determinado tribunal quanto a

determinadas matérias de direito, almejando, ao final, a edição de uma súmula sobre

a divergência suscitada.

2.4. DO INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA

2.4.1. Da legitimidade para propositura e hipóteses de cabimento

Como mencionado anteriormente, a uniformização da jurisprudencial é

manejável através de instrumento processual que possui natureza incidental.

Não podendo ser diferente, faz o nosso Código de Processo Civil previsão

expressa a despeito da maneira pela qual tal incidente deve tramitar junto aos

tribunais deste País em seus artigos 476, 477, 478 e 479.

Da análise do artigo 476 do Código de Processo Civil, observa-se que o

incidente de uniformização de jurisprudência pode ser instaurado pelo juiz, ou pela

parte, incluindo-se aqui o Ministério Público, desde que este atue no processo.

Por sua vez, as hipóteses de cabimento encontram previsão nos incisos I

e II do artigo 476 do CPC, quais sejam:

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Art. 476. Compete ao juiz, ao dar o voto na turma, câmara, ou grupo de câmaras,

solicitar o pronunciamento prévio do tribunal acerca da interpretação do direito,

quando:

I – verificar que, a seu respeito, ocorre divergência;

II – no julgamento recorrido a interpretação for diversa do que lhe haja dado

outra turma, câmara, grupo de câmaras ou câmaras cíveis reunidas.

No parágrafo único do mesmo artigo, é garantido o direito da parte de

também promover o requerimento do incidente:

Art. 476. (...)

Parágrafo único. A parte poderá, ao arrazoar o recurso ou em petição avulsa,

requerer, fundamentalmente, que o julgamento obedeça ao disposto neste

artigo.

Saliente, porém, que muito embora a redação do caput do artigo 476 do

CPC indique que "compete ao juiz" suscitar o incidente em questão (quando

verificadas as hipóteses acima elencadas), o que faz parecer que os

desembargadores ou ministros teriam a obrigação de efetuar a instauração do

incidente de uniformização quando configuradas as hipóteses de cabimento, os

Tribunais pátrios consagraram o entendimento de que a instauração se trata apenas

de uma faculdade do magistrado. Nesse sentido: RSTJ 17/452 e STJ-RT 664/175.

2.4.2. Do juízo de admissibilidade

Quando suscitado o incidente de uniformização, o órgão julgador

competente pelo caso fático que o ensejou deverá emitir juízo de admissibilidade,

que se fundará na existência da divergência, segundo as hipóteses de cabimento

anteriormente mencionadas, lavrando um acórdão acerca da questão.

Na sequência, os autos seguem ao presidente do tribunal para que seja

marcada data de julgamento do incidente. É a sequencia de tramites predisposta no

artigo 477 do Código de Processo Civil:

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Art. 477. Reconhecida a divergência, será lavrado o acórdão, indo os autos ao

presidente do tribunal para designar a sessão de julgamento. A secretaria

distribuirá a todos os juízes cópia do acórdão.

Saliente-se que o acórdão de que trata o dispositivo mencionado presta-

se tão somente a reconhecer o cabimento do incidente de uniformização. É acórdão

que não discute o mérito da questão, mas só expõe a controvérsia (que deverá ser

unicamente de direito) e os julgamentos divergentes ao órgão competente para o

julgamento (tal competência é geralmente definida pelos regimentos internos dos

tribunais).

Cumpre asseverar, por fim, que o incidente só será admitido quando a

divergência for ativa, ou seja, nas hipóteses em que haja decisões recentes com

entendimento contrário. Por essa razão, os Tribunais têm rejeitado o incidente

quando a divergência apontada encontra-se superada. Nesse sentido: RT 605/137,

RJTJESP 128/253.

2.4.3. Do julgamento do incidente

Recebidos os autos do incidente, o Presidente do Tribunal designará

sessão de julgamento, na qual necessariamente deverá ser alcançada a maioria

absoluta dos seus membros (art.479), sob pena de impossibilidade de fixação de

súmula acerca da matéria em questão.

O parágrafo único do artigo 478 exige também o parecer do Ministério

Público acerca da matéria, na função de custus legis, senão veja-se:

Art. 478. (...)

Parágrafo único. Em qualquer caso, será ouvido o chefe do Ministério Público

que funciona perante o tribunal.

Saliente-se que o julgamento do incidente deve decidir por maioria a

edição da súmula, caso contrário, o julgamento que não obtiver maioria absoluta dos

juízes titulares com direito a voto valerá apenas para o caso concreto, devendo ser

obedecido pela turma que julgar o recurso original.

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Ao final, fixada a interpretação do direito pela maioria absoluta dos

membros do tribunal, é elaborada a súmula, que nada mais é que uma síntese da

tese consolidada pelo julgamento. É o que determina o artigo 479 do nosso Código

de Ritos:

Art. 479. O julgamento, tomado pelo voto da maioria absoluta dos membros que

integram o tribunal, será objeto de súmula e constituirá precedente na

uniformização da jurisprudência.

Parágrafo único. Os regimentos internos disporão sobre a publicação no órgão

oficial das súmulas de jurisprudência dominante.

Finda a consumação da finalidade uniformizadora do incidente, após seu

julgamento retornam os autos para a Câmara, Turma ou Grupo de Câmaras

competente para decidir o caso originário, o qual deverá observar o entendimento

recém firmado pelo pleno do tribunal.

2.4.4. Dos efeitos da decisão sumulada

Os efeitos da fixação de jurisprudência promovida pelo tribunal pleno

devem ser considerados quanto ao caso fático que ensejou o incidente e quanto ao

poder vinculante quanto aos casos futuros que debateram no Judiciário sobre o

mesmo tema de direito uniformizado

No que tange aos autos originários (os autos do recurso em que foi

instaurado o incidente de uniformização), a vinculação da decisão proferida no

julgamento do incidente é obrigatória, devendo a tese vencedora ser aplicada ao

caso concreto de maneira cogente.

Já em relação aos casos futuros relativos à mesma matéria apreciada,

retoma-se a polêmica acerca da imperatividade dos precedentes jurisprudenciais

sobre a qual discorremos no introito desta narrativa.

Pela regra geral constitucional, inexiste efeito vinculante em relação à

tese firmada pelo Tribunal pleno (tal efeito só existe na constituição para as sumulas

expedidas pelo pleno do STF). O tradicional doutrinador processualista Vicente

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Greco Filho leciona com maestria e esclarece um pouco sobre o assunto com as

seguintes lições (p. 348):

O valor desse precedente é relativo. Ele tem força vinculante para o caso

concreto cujo julgamento está em curso, porque o processo, voltando à Câmara,

Turma ou Grupo de Câmaras para aplicar a lei ao caso concreto, só pode seguir

o entendimento fixado pelo pleno, mas para os casos futuros terá apenas a

autoridade de uma decisão já tomada pelo órgão mais elevado do tribunal.

Cumpre esclarecer, porém, que muito embora o a doutrina sinalize que o

precedente não possui tal eficácia vinculante, em atenção ao Princípio da Primazia

Legislativa que norteia o Ordenamento Jurídico brasileiro, muitos tribunais têm

acrescentado em seus regimentos internos a proibição de que os julgamentos de

seus órgãos sustentem tese superada por súmula. Tal impedimento recursal

encontra-se estampado ainda em dispositivos legais inseridos no Código de

Processo Civil, dentre eles o artigo 518 § 1º que oferece impeditivo de

admissibilidade ao conhecimento do recurso de apelação quando a causa tiver sido

julgada pelo juízo a quo em consonância a entendimento sumulado por tribunal

superior.

Tais situações legais e jurisprudências nada mais fazem do que na

prática, ainda que meticulosamente, atribuir efeito vinculante aos entendimentos

sumulados, transferindo ao jurisdicionado parcela de poder legislativo.

2.5. Considerações finais

Tem-se reconhecido cada vez mais a importância da jurisprudência no

ordenamento jurídico pátrio, mormente quando se discute alternativas para

desembaraçar o Poder Judiciário. Isso porque, o que se percebe da prática diária

forense é a cada vez maior utilização pelos magistrados de julgados emitidos por

Órgãos hierarquicamente superiores no embasamento de suas decisões.

Como é cediço que a coercibilidade da norma jurídica como um todo se

encontra justamente na sua efetiva aplicação pelo Poder Judiciário, a uniformização

reforça a segurança no próprio ordenamento jurídico, porque se reconhece desde

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logo pela sociedade a exegese da norma, consagrada pelas súmulas emitidas pelos

nossos Órgãos Colegiados.

À margem da polêmica discussão acerca da constitucionalidade do

chamado efeito vinculante, a uniformização de jurisprudência representa tema de

fundamental importância, independentemente da força cogente que os precedentes

exerçam.

Destaca-se que, a par das exaustivas discussões doutrinárias levantadas

a despeito do assunto, o ordenamento jurídico caminha de maneira inevitável para a

adoção de mais e mais medidas dessa natureza, visando suprir, pela padronização

dos julgados, deficiências de cunho estrutural que tanto atravacam e arrastam os

milhões de procedimentos judiciais nação afora.

Medidas tais como a que se tem notícias de que será adotada pelo novo

Código de Processo Civil (projeto de lei em trâmite em Brasília), que pretende criar

meios de julgamento simultâneo de causas que versem sobre os mesmos assuntos.

A verdade é que, independentemente da Constitucionalidade formal do

instituto, a sociedade como um todo clama pela eficácia da Justiça, e Justiça morosa

é Justiça ineficaz. De maneira tal que quaisquer mecanismos que visem e obtenham

sucesso no acréscimo da celeridade processual, hão de ser aceitos por aclamação e

ratificados pela sociedade como um todo.

3. DA SÚMULA VINCULANTE

3.1. Do conceito

Acrescentado pela Emenda Constitucional de nº 45 do ano de 2004, o art.

103-A da Constituição Federal nos traz a seguinte redação:

Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação,

mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões

sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na

imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder

Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal,

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estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na

forma estabelecida em lei.

§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas

determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários

ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica

e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.

§ 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou

cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a

ação direta de inconstitucionalidade.

§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável

ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal

Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a

decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a

aplicação da súmula, conforme o caso."

Ernane Fidélis Santos (2007, p. 860), em seu Manual de Processo Civil,

afirma que a súmula vinculante foi criada com o intuito de vincular os órgãos do

Poder Judiciário e da Administração Pública, direta e indireta, nas esferas federal,

estadual e municipal, no tocante à sua interpretação em relação à matéria

constitucional. Ou seja, esta possui o escopo de declarar a eficácia e a validade das

normas, dando-lhes a interpretação que o Supremo Tribunal Federal, guardião da

Constituição, julgar mais adequada.

Conforme ensinamento de Pedro Lenza, em sua obra Direito

Constitucional Esquematizado (2009, p. 581), a Lei nº 11.417, de 19/12/2006 foi

criada para regulamentar este instituto, atribuindo competência exclusiva ao STF

para a edição, revisão e o cancelamento do enunciado das súmulas vinculantes.

3.2. Da origem da Súmula Vinculante

Para entendermos a origem da súmula vinculante, segundo Lenza (2009,

p. 578/579), devemos remontar às duas grandes famílias jurídicas existentes: a) a

civil law, modelo do direito codificado, positivado, mais ligado às normas gerais e

organizadoras, enfim, mais centrado na primazia da lei escrita; b) a common law,

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modelo do precedente judicial anglo-saxão, mais ligado aos costumes e centrado na

primazia das decisões judiciais.

O autor ainda nos mostra, citando André Ramos Tavares, que, muito

embora ambos os sistemas sejam radicalmente opostos e aparentemente

incompatíveis, foi a aceitação de parte dos princípios costumeiros e centrados nas

decisões dos juízes do sistema common law pelo direito brasileiro, adepto do

sistema civil law, que proporcionou o surgimento da súmula vinculante em nosso

ordenamento jurídico.

Desta forma, para garantir a segurança jurídica e evitar o risco de

instabilidade, haja vista que os juízes poderiam decidir de diversas maneiras

diferentes, criando leis contraditórias, surgiu o instituto dos precedentes, conforme o

qual todos os juízes deverão julgar os casos concretos de acordo com as decisões

do órgão hierarquicamente superior.

Podemos observar, ainda, que a súmula vinculante tem sua origem em

países como os Estados Unidos, que, por seu sistema federalista juridicamente

descentralizado, provocava diversas discussões em relação a determinados temas

de repercussão, o que forçou ao judiciário daquele país a adotar o efeito vinculante

aos precedentes judiciais, uniformizando as decisões, tal qual ocorre com a súmula

vinculante brasileira.

Há ainda, segundo Lenza, certa influência do direito português, que, em

seu ordenamento constitucional de 1976, consagrou a idéia de “vinculação geral” e

de “força de lei” às decisões de seu Tribunal Constitucional no controle das leis, fato

que indubitavelmente inspirou o legislador brasileiro.

3.3 Da legitimidade para provocação da Súmula Vinculante

De acordo com Fidélis Santos (2007, p. 861), a edição de uma nova

súmula vinculante pode ser de ofício, provocado pelo próprio STF, feito por qualquer

um de seus onze ministros, para que o próprio órgão delibere, preliminarmente, se

deve ou não proceder ao julgamento da questão.

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O parágrafo segundo do art. 103-A da Constituição Federal enuncia que

todos aqueles que possuem legitimidade para propor ação direta de

inconstitucionalidade podem provocar a elaboração de uma súmula vinculante, tal

relação também se encontra no art. 2º, I a IX da Lei nº 9.868/99:

Art. 2o Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade:

I - o Presidente da República;

II - a Mesa do Senado Federal;

III - a Mesa da Câmara dos Deputados;

IV - a Mesa de Assembléia Legislativa ou a Mesa da Câmara Legislativa do

Distrito Federal;

V - o Governador de Estado ou o Governador do Distrito Federal;

VI - o Procurador-Geral da República;

VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;

VIII - partido político com representação no Congresso Nacional;

IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

Por sua vez, a Lei n. 11.417/2006, em seu art. 3º, VI a XI, estendeu tal

legitimidade:

Art. 3o  São legitimados a propor a edição, a revisão ou o cancelamento de

enunciado de súmula vinculante:

(...)

VI - o Defensor Público-Geral da União;

VII – partido político com representação no Congresso Nacional;

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VIII – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional;

IX – a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito

Federal;

X - o Governador de Estado ou do Distrito Federal;

XI - os Tribunais Superiores, os Tribunais de Justiça de Estados ou do Distrito

Federal e Territórios, os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais Regionais do

Trabalho, os Tribunais Regionais Eleitorais e os Tribunais Militares.

Sendo tal acréscimo válido, haja vista que o parágrafo primeiro do art.

103-A de nossa Carta Magna ressalva tal possibilidade.

Vale salientar ainda que, para a edição de uma súmula vinculante, requer-

se que haja reiteradas decisões a respeito de matéria constitucional inerente às

normas as quais exista, entre órgãos judiciais ou entre estes e os entes da

administração pública, controvérsia atual que culmine em grave insegurança jurídica

e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica, é o que Lenza (2009,

p. 584) nos traz.

3.4. Da produção, revisão e cancelamento da Súmula Vinculante

Como já visto anteriormente, a competência para edição, revisão e

cancelamento de súmulas vinculantes é exclusiva do Supremo Tribunal Federal, que

o faz de ofício ou mediante provocação. Aprofundando-se na questão do

procedimento de elaboração da súmula, Lenza (2009, p. 584) mostra que haverá

sempre a manifestação do Procurador-Geral da República para que tal seja feita,

com exceção das propostas que este mesmo tiver formulado, conforme art. 2º, § 2º

da Lei nº 11.417/2006.

Consequentemente à deflagração do processo de criação da súmula

vinculante, colhida a manifestação do Procurador-Geral da República, seja esta

admitida ou não por decisão irrecorrível do relator, a manifestação de terceiros no

processo (nos termos do Regimento Interno do STF), a edição, revisão e o

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cancelamento de súmula, com efeito vinculante, dependerão de decisão tomada, por

pelo menos dois terços dos membros do Supremo, em sessão plenária.

Vale lembrar que, conforme art. 6º da referida Lei, a proposta de edição,

revisão ou cancelamento de súmula vinculante não autoriza a suspensão de

processo judicial que trate da mesma matéria discutida pelo STF.

Finalmente, no prazo de dez dias após a sessão em que se editou,

modificou ou cancelou a súmula vinculante, o Supremo deverá publicar, em sessão

oficial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União o enunciado da mesma.

3.5. Dos efeitos

Conforme ensinamento de Lenza (2009, p. 585), a súmula terá efeito

vinculante, a partir da publicação de seu enunciado na imprensa oficial, com relação

às instâncias hierarquicamente inferiores ao STF no Poder Judiciário, além de

repercutir no Poder Executivo e dos demais órgãos da Administração Pública direta

e indireta.

Por uma questão de lógica, a súmula vinculante não repercute no Poder

Legislativo, pois isso o impediria de exercer sua principal função, que é a de editar

as normas jurídicas, assim como esta também não repercute no próprio STF, pois,

se tal ocorresse, impediria o Supremo de revisar ou cancelar a súmula editada,

impedindo a adequação da mesma à evolução da sociedade.

No tocante à restrição dos efeitos da súmula vinculante, Ernane Fidélis

Santos ensina que esta possui eficácia imediata. Contudo, o STF, por dois terços de

seus membros, e ainda que a súmula tenha sido aprovada por unanimidade, poderá

limitar os efeitos vinculantes ou definir a eficácia desta para a partir de uma

determinada data ou momento, atendendo a interesses de ordem econômica, social

ou de segurança pública.

3.6. Considerações finais

Pedro Lenza (2009, p. 589) comenta que a súmula vinculante, introduzida

em nosso ordenamento jurídico pela Reforma do Judiciário, se mostra totalmente

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constitucional, sendo um grande erro relacioná-la a um fenômeno de engessamento

do judiciário, uma vez que a própria norma que a regula prevê a revisão e até

mesmo o cancelamento dos enunciados editados pelo STF.

Vale lembrar, ainda, que o Supremo Tribunal Federal editará súmula

vinculante apenas em relação a matérias e assuntos específicos e desde que sejam

observados os requisitos expostos pelo art. 2º, §1º da Lei nº 11.417/2006, devendo o

enunciado da súmula versar sobre validade, interpretação e eficácia de

ordenamento jurídico determinado, acerca do qual haja frequentes decisões a

respeito de matéria constitucional inerente às normas as quais exista, entre órgãos

judiciais ou entre estes e os entes da administração pública, controvérsia atual que

culmine em grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre

questão idêntica

Diante do exposto, podemos observar que o além de constitucional, a

súmula vinculante é amplamente necessária em nosso ordenamento jurídico,

conforme o mesmo doutrinador, uma vez que visa obter segurança jurídica,

“desafogando”, consequentemente, o Poder Judiciário de milhares de causas que

versam a respeito de matérias repetidas.

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4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

COSTA, Wagner Veneziani; e AQUAROLI, Marcelo. Dicionário Jurídico. São Paulo:

WVC Editora.

NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil

Comentado. 5.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001.

WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Renato Correia de; e TALAMINI, Eduardo.

Curso Avançado de Processo Civil. 2.ed. São Paulo, 1999.

GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro - Volume 2. 11. ed. São

Paulo: Editora Saraiva, 1996.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado - 13. ed. São Paulo: Editora

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SANTOS, Ernani Fidélis. Direito Processual Civil - Volume 1. 12. ed. São Paulo:

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