TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

83
KÁTIA TEIXEIRA VIEGAS COLISÃO DE DIREITOS CONSTITUCIONAIS E A POSTURA DA AÇÃO MÉDICA QUANTO À TRANFUSÃO DE SANGUE EM TESTEMUNHAS DE JEOVÁ Trabalho de curso apresentado à Universidade de Franca, como exigência parcial para a obtenção do grau no curso de Direito. Orientador: Prof. Marcelo Toffano FRANCA

Transcript of TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

Page 1: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

1

KÁTIA TEIXEIRA VIEGAS

COLISÃO DE DIREITOS CONSTITUCIONAIS E A POSTURA DA AÇÃO MÉDICA QUANTO À TRANFUSÃO DE SANGUE EM

TESTEMUNHAS DE JEOVÁ Trabalho de curso apresentado à Universidade de Franca, como exigência parcial para a obtenção do grau no curso de Direito. Orientador: Prof. Marcelo Toffano

FRANCA

Page 2: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

2

2010

Page 3: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

3

KÁTIA TEIXEIRA VIEGAS

COLISÃO DE DIREITOS CONSTITUCIONAIS E A POSTURA DA AÇÃO MÉDICA QUANTO À TRANSFUSÃO DE SANGUE EM TESTEMUNHAS DE JEOVÁ

Orientador: ____________________________________________

Nome: Prof. Marcelo Toffano Instituição: Universidade de Franca

Examinador(a): _________________________________________

Nome: Instituição: Universidade de Franca

Examinador(a): __________________________________________

Nome: Instituição: Universidade de Franca

Franca, ___ /___ /___.

Page 4: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

4

AGRADEÇO: A Deus por esse sonho realizado; ao Professor e orientador Marcelo Toffano pelo apoio e encorajamentos contínuos na pesquisa; aos demais Mestres da casa pelos conhecimentos transmitidos, à Diretoria do Curso de Direito da Universidade de Franca. Em especial, agradeço ao Dr. Renato A. Del Bianco, especialista em cirugia cardíaca e marido que tanto contribuiu na decisão deste tema; ao Dr. Tomás Salerno da Universidade de Miami, que me orientou e colaborou com tantas informações para a realização deste trabalho, dando tanta atenção e sempre com muita paciência; ao MM. Juiz Lázaro José da Silva pela entrevista fornecida; ao Dr. Lávirio Nilton Camarin, Médico e Conselheiro do CRM pela entrevista fornecida; à Sra. Elisabete Ferreira Viegas pela entrevista fornecida e ao amigo e Advogado Dr. José Jackson Dojas Filho.

Page 5: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

5

DEDICO este trabalho ao meu amado marido, Renato Antônio Del Bianco, às minhas lindas filhas Ana Beatriz e Ana Júlia, ao meu pai Walter Ribeiro Viegas que tanto acreditou e confiou em mim, à minha mãe Mária Teixeira Viegas que sempre me ensinou o certo e errado, ao meu irmão Káique Teixeira Viegas. Vocês são a Família que DEUS escolheu para mim. Saibam que são pessoas amadas e que, esteja onde estiver, sempre os amarei! Dedico também à minha sogra Thelma Salerno Del Bianco e à sua Mãe Silvéria Salerno. Vocês depositaram confiança e acreditaram em minha competência, dando estímulo a dedicar-me mais profundamente na realização deste trabalho.

Page 6: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

6

RESUMO

VIEGAS, Kátia Teixeira. Colisão de direitos constitucionais e a postura médica quanto à transfusão de sangue em testemunhas de jeová. 2010. 82 f. Trabalho de curso (Graduação em Direito) – Universidade de Franca, Franca.

O presente trabalho teve como escopo principal, o estudo dos direitos e garantias fundamentais do indivíduo no que tange ao direito da vida versus direito à crença, em virtude de se tratar de um problema polêmico, visto que envolve o direito de autonomia do ser humano em si, de decidir o que fazer de sua vida como bem lhe aprouver. Porém o prisma central da polêmica consiste nos cristãos da denominação evangélica ―Testemunhas de Jeová‖ que colocam como obste ao direito à vida, o seu direito garantido pela constituição a liberdade de crença. Esta liberdade de crença nem sempre é motivo de discórdia, porém quando incorre no risco de vida para o cristão e este se recusa a receber como tratamento a transfusão de sangue, surge o conflito não somente social, mas coloca de frente duas normas constitucionais essenciais à vida e a convivência social sustentável. Quando há esse conflito, os profissionais da saúde vêem-se acuados diante de tal situação por carregarem consigo do dever de salvaguarda, como consta no código de ética médica. O objetivo dessa pesquisa foi fazer um estudo sobre a colisão de direitos fundamentais. Neste trabalho estudamos, aprofundamos sobre qual aplicabilidade tem sido feita em questão da transfusão de sangue em testemunhas de Jeová, e quais efeitos acarretam a não observância de um direito fundamental. Os princípios da legalidade, da privacidade, bioéticos e o princípio da dignidade da pessoa humana. Explicamos a razão da rejeição por adeptos à Testemunha de Jeová, suas bases e argumentações. Para o desenvolvimento desta pesquisa foi feito análise de textos, leitura e interpretação, fichamento de material bibliográfico, pesquisa de campo, etc. Dentre eles serão definidos artigos de sites jurídicos da Internet, bibliográfia com sistematização e discriminação de livros, pareceres do CRM, entrevistas com juristas, médicos e testemunhas de Jeová e principalmente estudos das decisões dos tribunais brasileiros sobre os aspectos que giram em torno dessa questão. Esta pesquisa foi feita por método dedutivo. Foram feitas perguntas e respostas, por meio de entrevistas, de forma que trouxesse aos leitores uma noção desta realidade.

Palavras chaves: direito à vida; direito a crença; liberdade; transfusão de sangue.

Page 7: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

7

ABSTRACT

VIEGAS, Kátia Teixeira. Colisão de direitos constitucionais e a postura médica quanto à transfusão de sangue em testemunhas de jeová. 2010. 82 f. Trabalho de curso (Graduação em Direito) – Universidade de Franca, Franca.

This work had as its main scope, the study of fundamental rights and guarantees of the individual in relation to the law of life versus the right belief, because it is a controversial issue since it involves the right of human autonomy in themselves to decide what to do with your life as it thinks fit. But the central prism of the controversy is the Christian evangelical denomination "Witnesses" who pose as obstruct the right to life, his constitutionally protected right to freedom of belief. This freedom of belief is not always cause for discord, but when it runs the risk of life for the Christian and he refuses to receive treatment as blood transfusion, conflict arises not only social, but puts forward two constitutional requirements needed to life and the social development. When there is this conflict, health professionals find themselves trapped by this situation before I can carry the duty to safeguard, as indicated in the code of medical ethics. The objective of this research was a study on the collision of fundamental rights. We study, which deepened on applicability has been done in a matter of blood transfusion in Jehovah's Witnesses, and what effects result in a failure to respect a fundamental right. The principles of legality, privacy, bioethics and the principle of human dignity. We explain the reason for rejection by the Jehovah's Witness adherents, their bases and arguments. To develop this research was done text analysis, reading and interpretation, filing of publications, field research, etc.. Among them will be defined articles of legal Internet sites, bibliography and systematic discrimination of books, CRM's opinions, interviews with lawyers, doctors and Jehovah's Witnesses and mainly studies of Brazilian courts' decisions on the issues that revolve around this question. This research was conducted by the deductive method. We asked questions and answers in interviews, in order to bring to readers a sense of reality.

Key words: right to life, right belief, freedom; blood transfusion.

Page 8: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

8

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 8

1 DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ........................................................... 9

1.1 DO SURGIMENTO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ........................... 10

1.1.1 A primeira geração dos direitos fundamentais .......................................... 10

1.1.2 Direitos humanos de segunda geração .................................................... 11

1.1.3 Dos direitos fundamentais da terceira geração ........................................ 12

1.1.4 Das demais gerações aos direitos fundamentais ..................................... 13

1.2 DAS CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ................ 14

1.2.1 Historicidade ............................................................................................. 14

1.2.2 Universalidade .......................................................................................... 15

1.2.3 Limitabilidade ............................................................................................ 15

1.2.4 Concorrência ............................................................................................ 16

1.2.5 Irrenunciabilidade ..................................................................................... 17

1.2.6 Das demais características doutrinárias ................................................... 17

1.3 DIREITOS X GARANTIAS FUNDAMENTAIS .......................................... 18

1.4 DIREITO À VIDA ...................................................................................... 19

1.5 DIREITO À LIBERDADE RELIGIOSA E SUA LIVRE MANIFESTAÇÃO .. 20

1.6 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE .................................................................. 21

1.7 PRINCÍPIO DA PRIVACIDADE ................................................................ 22

1.8 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA .............................. 22

1.9 PRINCÍPIOS BIOÉTICOS ........................................................................ 23

2 COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS ............................................ 26

2.1 DO DIREITO À VIDA ................................................................................ 27

2.2 DO DIREITO À LIBERDADE .................................................................... 29

2.3 A HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL ................................................. 31

2.4 PRINCÍPIOS DA INTER PRETAÇÃO CONSTITUCIONAL ...................... 33

2.4.1 Dos Princípios da unidade da Constituição .............................................. 33

2.4.2 Princípio da Concordância prática ou harmonização ............................... 34

Page 9: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

9

2.4.3 Do princípio da proporcionalidade ............................................................ 35

3 LEGISLAÇÃO .......................................................................................... 37

4 EVOLUÇÃO TECNOLOGICA E TRATAMENTOS ALTERNATIVOS .... 40

5 A RESPONSABILIDADE DO MÉDICO ................................................... 42

6 A VISÃO DOS ADEPTOS A TESTEMUNHAS DE JEOVÁ ..................... 46

7 A VISÃO DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA ............................. 48

8 A TRANSFUSÃO DE SANGUE NA VISÃO DOS TRIBUNAIS ............... 50

9 COMENTÁRIOS SOBRE ENTREVISTAS FEITAS COM POSICIONAMENTO DE PROFISSIONAIS MÉDICOS, JUIZ, ADVOGADO E ADPTO A RELIGIÃO TESTEMUNHAS DE JEOVÁ ...... 53

CONCLUSÃO ......................................................................................................... 56

REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 58

ANEXOS ................................................................................................................. 62

Page 10: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

10

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como escopo o estudo dos direitos

fundamentais versus o direito de autonomia do indivíduo como pessoa titular destes

direitos que confrontam o direito à vida e também o direito à liberdade de crença.

Através de um estudo de pesquisa aprofundado, pretende-se

demonstrar os conceitos de direitos fundamentais, quais são estes direitos e quem

pode exercê-los. Poderia o ser humano dispor de sua vida em virtude de sua cultura

religiosa, afrontando assim os preceitos arguidos e presentes na Constituição

Federal de 1988 pelo legislador pátrio?

Prende-se como objetivo principal buscar esclarecimento através de

entrevistas com profissionais da área, médicos, juristas e religiosos envolvidos neste

conflito jurídico-religioso-ético, como meio de formar um conceito a respeito da

importância do respeito à vida, à autonomia de decisão do paciente e, neste conflito,

em que posição está pacificada a jurisprudência.

Enquanto não houver uma norma regulamentadora da situação nas

transfusões de sangue em ―Testemunhas de Jeová‖ e se houver posteriore

regulamentação, é um assunto sempre muito pertinente, visto que envolve direitos

constitucionais garantidos como de fundamental importância à existência do ser

humano e também neste mesmo contexto o direito de expressão da crença religiosa

também dispostos na mesma lei, a Constituição Federal.

Buscando fundamentações em doutrinas jurídicas, resoluções do

Conselho Federal de Medicina e a Fundamentação religiosa em que se baseiam

seus adeptos, o presente trabalho buscará um posicionamento ético-jurídico

sustentável ao conflito existente.

Page 11: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

11

1 DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os direitos fundamentais são direitos inerentes a qualquer ser humano

numa sociedade justa e humana. Consiste em direitos fundamentais, não somente o

direito à vida, à liberdade, mas também direitos com os quais o indivíduo participa

ativamente da sociedade em que vive, no que tange à liberdade de expressão,

pensamento, de locomoção e também nos direitos de exercer a cidadania através do

voto, escolhendo assim os destinos da nação, tornando-se componente fundamental

nos rumos de um futuro melhor.

Francisco de Salles Almeida Mafra Filho, ensina:

São liberdades públicas de direitos humanos ou individuais que visam, num primeiro momento, a inibir o poder estatal no sentido de proteger os interesses do indivíduo, exonerando-o de seus deveres nesses campos

1.

Os direitos fundamentais são um meio de limitação do poder Estatal

perante o povo, visto que o Estado com poderes ilimitados poderia tolher direitos a

uma vida digna, humana e pacífica.

José Afonso da Silva, brilhantemente explana que:

Direitos fundamentais são aqueles que reconhecem autonomia aos particulares, garantindo iniciativa e independência aos indivíduos diante dos demais membros da sociedade política e do próprio Estado; por isso são reconhecidos como direitos individuais, como é de tradição do direito constitucional brasileiro, e ainda por liberdades civis

2.

Os direitos fundamentais são os que garantem aos particulares o poder

de iniciativa, é o respaldo da lei na garantia de que o indivíduo não sofra do Estado

1 FILHO, Francisco de Salles Almeida Mafra. Direitos e garantias fundamentais: um conceito.

Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/. php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=798>. Acesso em: 29. maio 2010. 2SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional Positivo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 1998.

p. 161.

Page 12: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

12

um obste a direitos fundamentais garantidos por normas internacionais do qual o

Brasil é signatário.

Para João Antonio Wiegerinck:

Os direitos e garantias fundamentais se constituem em um amplo rol em que estão inseridos os direitos de defesa do indivíduo perante o Estado, os direitos políticos, os relativos à nacionalidade e os direitos sociais dentre outros. Os direitos fundamentais têm por finalidade proteger a dignidade humana em todas as dimensões

3.

Infere-se do prelecionado que os direitos fundamentais se constituem

em um rol exemplificativo, porém não taxativo, como forma de garantir meios do

indivíduo se defender de possíveis abusos do Estado contra o seu povo.

1.1 DO SURGIMENTO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os direitos fundamentais não surgiram de forma instantânea. A

conquista dos direitos fundamentais ocorreu ao longo da história de tal forma que

podemos identificar diversas gerações de direitos que nada mais são que a

representação de momentos históricos e os direitos ali conquistados. As gerações

de direitos também podem ser denominadas dimensões de direitos fundamentais,

termo que deixa mais claro o fato de que as gerações não são superadas, mas sim

incorporadas às novas gerações de direitos fundamentais.

1.1.1 A primeira geração dos direitos fundamentais

O ilustre mestre Pedro Lenza denomina esta primeira geração de

direitos fundamentais de Direitos humanos de primeira geração, destarte que:

3 WIEGERINCK, João Antonio. Direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Barros & Fisher

Associados, 2005, p. 3.

Page 13: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

13

Alguns documentos históricos são marcantes para configuração emergência do que os autores chamam de direitos humanos de primeira geração (séculos XVII, XVII e XIX): (1) Magna Carta de 1215, assinada pelo rei ―João Sem Terra‖; (2) Paz de Westfália (1648); (3) Habeas Corpus Act (1679);(4)Bill of Rights (1688);(5) Declarações, seja a americana (1776), seja a francesa (1789). Mencionados direitos dizem respeito às liberdades públicas e aos direitos políticos, ou seja, direitos civis e políticos e traduzirem o valor de liberdade

4

Conforme o apresentado, conclui-se que a primeira geração dos

direitos fundamentais têm suas raízes na evolução humana em sociedade, porém é

conceito entre os mais diversos autores que seu início data da Revolução Francesa,

visto que ocorre no século XVIII, sendo que todos os direitos conquistados à época

tinham cunho negativo, ou seja, o status negativus. Tal se deve ao fato de tratar-se

de obrigações de omissão por parte do Estado, uma obrigação de abstenção, do

não fazer e traziam em seus bojos direito civis e políticos.

1.1.2 Direitos humanos de segunda geração

Nesta segunda geração dos direitos humanos fica caracterizada a

necessidade da tutela Estatal em defesa da aplicação dos direitos fundamentais.

Neste contento ensina Irapuã Gonçalves de Lima Beltrão:

Os ora chamados direitos sociais, econômicos e culturais, onde passou a exigir do Estado sua intervenção para que a liberdade do homem fosse protegida totalmente (o direito à saúde, ao trabalho, à educação, o direito de greve, entre outros). Veio atrelado ao Estado Social da primeira metade do século passado. A natureza do comportamento perante o Estado serviu de critério distintivo entre as gerações, eis que os de primeira geração exigiam do Estado abstenções (prestações negativas), enquanto os de segunda exigem uma prestação positiva

5.

4 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 670.

5 BELTRÃO, Irapuã Gonçalves de Lima. Conceitos iniciais sobre direitos e garantias

fundamentais na constituição. Disponível em: <http://www.vemconcursos.com/opiniao/index.phtml?page_id=1936>. Acesso em 30. mai. 2010.

Page 14: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

14

Neste linear, segue João Antônio Wiegerinck:

São aqueles que tratam da satisfação das necessidades mínimas para que haja dignidade e sentido na vida humana. Exigem uma atividade prestacional do Estado. Ex: os direitos sociais, os econômicos e os culturais

6.

Trata-se de consenso entre os autores que a segunda geração dos

direitos humanos fundamentais traz consigo a exigência de que o Estado tutele as

garantias e direitos inerentes aos indivíduos. Se na primeira geração cabia ao

Estado a condição de abstenção, na segunda geração o papel do Estado é positivo,

ou seja, de intervenção para a garantia dos direitos fundamentais.

1.1.3 Dos direitos fundamentais da terceira geração

Os direitos fundamentais da terceira geração trazem consigo a

existência do ser humano, ligando-o ao destino da humanidade, tendo o ser humano

como conquista o direito à paz, ou ao menos que este possa almejá-la, à

preservação do meio ambiente.

Assim João Antonio Wiegerinck explana acerca dos direitos

fundamentais da terceira geração: ―São aqueles relativos à existência do ser

humano, ao destino da humanidade, à solidariedade (ex: direito à paz, à

preservação do meio ambiente)‖7.

Norberto Bobbio, em seus ensinamentos, disserta que na terceira

geração dos direitos fundamentais o ser humano é inserido em uma coletividade e

passa a ter direitos de solidariedade: ―O ser humano é inserido em uma coletividade

e passa a ter direitos de solidariedade‖8.

6 WIEGERINCK, João Antonio. Direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Barros & Fisher

Associados, 2005, p. 5. 7 WIEGERINCK, João Antonio. Direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Barros & Fisher

Associados, 2005, p. 5. 8 BOBBIO, Norberto apud LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13. ed. São Paulo:

Saraiva, 2009. p. 670

Page 15: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

15

Tem-se então, ao vislumbrar dos ilustres autores, uma tendência da

humanidade à solidariedade, da busca do bem comum. Neste ditame discorre o

ilustre mestre Paulo Bonavides: ―A terceira geração, dos direitos fundamentais tem

como fundamentos intrínsecos o direito ao desenvolvimento, o direito à paz, o direito

ao meio ambiente, o direito de propriedade sobre o patrimônio comum da

humanidade e o direito de comunicação‖9.

Fica claro e evidente que à terceira geração é a humanização, a

conscientização do homem ao seu meio, ao meio em que vive e transforma no dia a

dia. Fica óbvio, visto que o direito à convivência pacifica, o direito a um meio

ambiente ideal ao seu desenvolvimento remonta à solidariedade do coletivo.

1.1.4 Das Demais gerações aos direitos fundamentais

São controvertidos, entre os mais diversos autores de Direito

Constitucional no Brasil, a existência de uma quarta, ou demais gerações dos

direitos fundamentais, visto que de acordo com João Antonio Wiegerinck: ―Alguns

doutrinadores defendem a existência de uma quarta geração de direitos

fundamentais, onde estariam inseridos campos como o do bio-direito e a identidade

sexual‖10.

Neste consenso, também segue a citação de Pedro Lenza ao mestre

Norberto Bobbio, explanando que a quarta geração dos direitos fundamentais seriam

os avanços tecnológicos de engenharia genética que, segundo o autor, coloca em

risco a própria existência do ser humano: ―Já se apresentam novas exigências que

só poderiam chamar-se de direitos de quarta geração, referentes aos efeitos cada

vez mais traumáticos da pesquisa biológica, que permitira manipulações do

patrimônio genético de cada indivíduo‖11.

Já no conceito do ilustre mestre Paulo Bonavides, os direitos

fundamentais da quarta geração coadunam na existência no direito à democracia,

9 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 523

10 WIEGERINCK, João Antonio. Direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Barros & Fisher

Associados, 2005, p. 5. 11

BOBBIO, Norberto apud Lenza, Pedro Direito constitucional esquematizado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 670.

Page 16: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

16

no direito à informação e ao pluralismo. Não obstante o presente trabalho não

pretenda trazer à baila tórrida discussão acerca dos direitos fundamentais, apenas

conceituar, para que esta sirva de alicerce a uma pesquisa sólida e calcada em

fundamentos constitucionais a fundamentar o foco principal do presente trabalho de

conclusão.

1.2 DAS CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Há uma entre os mais renomados autores acerca das principais

características dos direitos fundamentais, tem-se então:

1.2.1 Historicidade

Esta característica se deve principalmente ao caráter histórico e sua

evolução, visto que os direitos fundamentais tiveram sua evolução histórica, assim

como o homem, a religião e continuará a evoluir ao longo da história.

Neste liame, Pedro Lenza disserta: ―Possuem caráter histórico,

nascendo com o Cristianismo, passando pelas diversas revoluções e chegando aos

dias atuais‖12.

João Antônio Wiegerinck ensina: ―Os direitos fundamentais possuem

caráter histórico; nasceram com o Cristianismo, perpassando pelos Direitos

Humanos, e hoje ainda se encontram em plena discussão. É um processo que não

possui epílogo‖13.

O ilustre autor, citado anteriormente, ensina que a historicidade nos

direitos fundamentais é intrínseca, visto que há um processo contínuo em sua

formação, não há um fim.

12

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 672 13

WIEGERINCK, João Antonio. Direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Barros & Fisher Associados, 2005, p. 5.

Page 17: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

17

A contento, ainda Flávia Martins André da Silva: ―os direitos são

criados em um contexto histórico e, quando colocados na Constituição, se tornam

Direitos Fundamentais‖14.

1.2.2 Universalidade

Pela denominação desta característica, já se vislumbra o seu

significado aos direitos fundamentais:

Flávia Martins André da Silva assim explana: ―os Direitos

Fundamentais são dirigidos a todo ser humano em geral sem restrições,

independente de sua raça, credo, nacionalidade ou convicção política‖15.

Neste liame são também os ensinamentos do mestre João Antonio

Wiegerinck: ―Por esse critério, os direitos fundamentais são dirigidos a todos os

seres humanos‖16.

A universalidade dos direitos fundamentais é essencial para que estes

não se restrinjam a pequenos grupos, a determinadas castas sociais. Os direitos

fundamentais devem ser universais, abrangendo a todos os seres humanos,

indiferentes aos credos, raças ou qualquer discriminação.

1.2.3 Limitabilidade

Através destas características, alguns dos direitos fundamentais

sofrem restrições, ou melhor dizendo, limitações, porém fique claro que são apenas

alguns dos direitos fundamentais, visto que não se pode impor limitação ao direito à

vida do indivíduo.

Porém, há entre outros um confronto entre direitos. Nesta ceara ensina

14

SILVA, Flávia Martins André da. Direitos fundamentais. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2627/Direitos-Fundamentais>. Acesso em: 04. jun. 2010. 15

Ibidem 16

WIEGERINCK, João Antonio. Direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Barros & Fisher Associados, 2005, p. 5.

Page 18: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

18

Pedro Lenza:

Os direitos fundamentais não são absolutos (relatividade), havendo, muitas vezes, no caso concreto, confronto, conflito de interesses. A solução ou vem discriminada na própria constituição (ex: direito de propriedade versus desapropriação), ou caberá ao intérprete, ou magistrado, no caso concreto, decidir qual direito deverá prevalecer, levando em consideração a regra da máxima observância dos direitos fundamentais envolvidos, conjugando-a com a sua mínima restrição

17.

É impossível imaginar uma relativização do direito à vida. Muito

embora em outros países a justiça decida entre a vida e morte do indivíduo, cabe

salientar na presente pesquisa a norma constitucional pátria, que infere o direito à

vida como o primeiro direito do indivíduo, vedando a pena de morte veementemente.

João Antônio Wiegerinck ensina neste sentido: ―Os direitos

fundamentais não são absolutos, podendo haver um choque de direitos, em que o

exercício de um implicará a invasão do âmbito de proteção do outro (ex: choque

entre o direito de informação e à privacidade)‖18.

Como visto, a limitabilidade dos direitos fundamentais restringe-se a

direitos secundários, ou seja, aqueles que não atingem a dignidade do homem, que

não imponham humilhação ou qualquer tipo de discriminação, limitam aqueles

direitos disponíveis e que de alguma forma beneficie uma das partes em detrimento

de outras, como é o caso do direito à informação em detrimento da privacidade do

indivíduo em alguns casos, outrora também o direito de propriedade relativizado em

virtude de desapropriação em face de um bem coletivo.

1.2.4 Concorrência

A concorrência está presente na conduta ou na ação do indivíduo que

pode exercer vários direitos ao mesmo tempo. Exemplo citado por diversos

doutrinadores está o jornalista que, após noticiar o fato jornalístico, emite sua

17

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 672 18

WIEGERINCK, João Antonio. Direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Barros & Fisher Associados, 2005, p. 5.

Page 19: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

19

opinião, discorrendo sobre sua forma de pensar.

Assim Pedro Lenza afirma: ―Podem ser exercidos cumulativamente

quando, por exemplo, o jornalista transmite uma notícia (direito de informação) e,

juntamente, emite uma opinião (direito de opinião)‖19.

1.2.5 Irrenunciabilidade

Este é a principal característica dentre as já citadas nos direitos

fundamentais. Visto que os direitos são inerentes ao seres humanos, estes já

nascem com tais direitos, não podendo desfazer-se deles durante a vida.

Assim João Antonio Wiegerinck disserta: ―Os direitos fundamentais são

irrenunciáveis, o que implica que os indivíduos não podem deles dispor‖20.

O ilustre Pedro Lenza salienta que o indivíduo pode não exercer o seu

direito fundamental, porém nunca renunciá-lo.

1.2.6 Das demais características doutrinarias

O mestre José Afonso da Silva ainda aponta outras duas

características: a inalienabilidade, coadunando a outras correntes doutrinárias, visto

que se o direito não pode ser alvo de renúncia por parte de seu detentor, também

não poderá ser alienado, e a imprescritibilidade, visto que só se prescrevem os

direitos de cunho material, não aqueles de intuito personae21.

1.3 DIREITOS X GARANTIAS FUNDAMENTAIS

19

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 672 20

WIEGERINCK, João Antonio. Direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Barros & Fisher Associados, 2005, p. 5. 21

SILVA, José Afonso da Silva. Curso de direito constitucional positivo. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.p. 282

Page 20: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

20

Faz-se necessário dar um conceito abrangente da diferença entre os

direitos fundamentais e as garantias fundamentais.

Para o ilustre Pedro Lenza assim são diferenciados os direitos das

garantias fundamentais:

Direitos são bens e vantagens prescritos na norma constitucional, enquanto as garantias são os instrumentos através dos quais se assegura o exercício dos aludidos direitos (preventivamente) ou prontamente os repara, caso violados

22.

Essa disposição do ilustre autor deriva já da doutrina do ilustre Rui

Barbosa que descrevia os direitos como disposições declaratórias, e as garantias,

disposições assecuratórias23.

Assim vislumbrando os dois conceitos, segue exemplo dado por

Gabriel Denzen Junior:

O direito é o que se protege, o bem da vida guardado pela Constituição, é o que o documento constitucional atribui ou assegura. A garantia é o mecanismo criado pela constituição para defender o direito. Como exemplo, é direito o de locomoção, e é a sua garantia correspondente a ação de habeas corpus

24.

Neste prisma, pode se afirmar que os direitos são as normas, o direito

positivo regulamentador que dispõe os direitos inerentes ao indivíduo. Já a garantia

é o meio através do qual se exterioriza o direito.

1.4 DIREITO À VIDA

O direito a vida é um direito intrínseco ao ser humano desde o

momento que este nasce, arrazoado e garantido pela Constituição Federal de 1988.

22

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 671. 23

BARBOSA, Rui apud JUNIOR, Gabriel Denzen. Direito constitucional. Brasília: Vestcon, 2008. p. 17. 24

JUNIOR, Gabriel Denzen. Direito constitucional. Brasília: Vestcon, 2008, p. 17.

Page 21: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

21

Disciplinado pelo art. 5º da referida carta magna, trata-se de cláusula pétrea, não

podendo esta ser modificada ou suprimida em virtude de lei complementar ou

decreto.

Neste liame dita o art. 5º constitucional:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade"

25.

Acerca do direito à vida escreveu Aleksandro Clemente:

O direito à vida é um direito fundamental do homem, porque é dele que decorrem todos os outros direitos. É também um direito natural, inerente à condição de ser humano. Por isso, a Constituição Federal do Brasil declara que o direito à vida é inviolável

26.

É clara e evidente a importância da vida, tão importante que o

legislador primou, como vislumbrado no art. 5º pela vida em primazia. Denota-se

deste princípio que a vida é o ponto central, de onde nascem todos os outros direitos

concernentes à vida do indivíduo.

Não obstante a conceituação do legislador pátrio, José Afonso da Silva

foi além e muito mais abrangente, visto que assim ensina:

A palavra vida no texto constitucional (art. 5

o, caput) não será considerada

apenas no seu sentido biológico de incessante auto-Atividade funcional, peculiar à matéria orgânica, mas na sua acepção biográfica mais compreensiva. Sua riqueza significativa é de difícil apreensão porque é algo dinâmico, que se transforma incessantemente sem perder sua própria identidade

27.

25

Constituição Federal, Art. 5º Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em 23. Jun. 2010. 26 CLEMENTE, Aleksandro. O Direito à vida e a questão do aborto. Disponível em:

<http://www.portaldafamilia.org.br/artigos/artigo400.shtml>. Acesso em 23 jun. 2010. 27

SILVA, José. Afonso. Da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 251.

Page 22: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

22

Vislumbra-se a partir deste conceito dissertado por José Afonso da

Silva que a vida não é apenas o direito de nascer, mas estão compreendidos nesse

direito também todos os atos de conservação da vida do indivíduo, como uma boa

alimentação, direito à saúde e ao bem estar.

Assim o direito à vida não se restringe apenas ao direito de nascer,

mas também, ninguém poderá tirar-lhe a vida, ou privar-se de necessidades básicas

que possam de alguma forma a prejudicarem ou até mesmo ceifar a vida. Assim

cabe ainda dizer que o direito a vida é irrenunciável, o indivíduo não tem o direito de

tirar a vida alheia, e também não possui o direito de renunciar a própria vida.

1.5 DIREITO À LIBERDADE RELIGIOSA E SUA LIVRE MANIFESTAÇÃO

O Brasil é um país laico, ou seja, não possui uma religião oficial. Cabe

a cada indivíduo, dentro do seu conceito de vida, cultura, dentre outros aspectos,

escolher a religião que melhor lhe aprouver, não podendo em hipótese alguma o

Estado interferir no direito de crença e na sua livre manifestação. Salvo nas

hipóteses em que a liberdade de crença e religião infrinja direitos fundamentais tidos

pela constituição como pedra fundamental na construção da nação. A exemplificar,

podemos citar como infração dos direitos fundamentais cultos e ritos que resultem

no sacrifício de vida humana. Como visto anteriormente, a vida é um direito

fundamental e universal do indivíduo.

Assim está disposto o texto acerca da liberdade religiosa na

constituição: ―é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado

o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos

locais de culto e a suas liturgias.‖

Ensina o mestre Alexandre de Moraes: ―Constituição Federal assegura

o livre exercício do culto religioso, enquanto não for contrário à ordem, tranqüilidade

e sossego públicos, bem como compatível com os bons costumes‖28

Assim, é garantido ao indivíduo a liberdade de expressão religiosa, de

cultuar seus santos ou deuses, sendo esta garantia destacada pela norma

28

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 13 ed. São Paulo. 2003. p. 25.

Page 23: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

23

constitucional, entendendo-se esta aos locais de prática aos cultos e também às

liturgias.

Há, no entan, que se destacar que o indivíduo não poderá alegar

motivos de crença religiosa para abster-se de obrigações a todos imposta.

Há no país a liberdade de culto e manifestação religiosa, contudo é

importante salientar que nesta liberdade há limites e estes não devem ser vistos

como censura, apenas uma limitação que garanta o livre exercício da democracia e

o Estado de Direito. Neste há a liberdade, porém esta deve sempre respeitar os

costumes sociais e não atentar contra o direito positivo vigente.

1.6 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

O princípio da legalidade é a oposição a qualquer método de poder

autoritário ou antidemocrático.

De acordo com o mestre Pedro Lenza ―o princípio da legalidade surge

com o estabelecimento do Estado de Direito, opondo-se a toda e qualquer forma de

poder autoritário, antidemocrático‖29.

O princípio da legalidade nada mais é que o cumprimento da lei, ou

seja, a obediência ao direito positivo, as normas de direito com imposição sobre

todos os indivíduos, ou seja, erga omnes.

Leandro Cadenas assim ensina que o princípio da legalidade é a

obediência à lei.30

Porém, é consentânea à Constituição, precisamente no inciso II do art.

5º, a seguinte redação: ―ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma

coisa senão em virtude de lei‖.

29

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 671 30

CADENAS, Leandro. Princípio da legalidade. Disponível em: <http://www.algosobre.com.br/direito-

administrativo/princípio-da-legalidade.html>. Acesso em: 25 jun. 2010.

Page 24: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

24

1.7 PRINCÍPIO DA PRIVACIDADE

O princípio da privacidade, como o próprio vocábulo suscita; é o

respeito à intimidade do indivíduo.

Privacidade é a limitação do acesso às informações de uma dada pessoa, ao acesso à própria pessoa, à sua intimidade, envolvendo as questões de anonimato, sigilo, afastamento ou solidão. É a liberdade que o paciente tem de não ser observado sem autorização

31.

Em se tratando de privacidade e liberdade à intimidade o indivíduo tem

o direito de não ter sua vida, suas coisas, suas intimidades reveladas a todos, ou

seja, o que ele faz na sua intimidade só lhe diz respeito e a ninguém mais. O

princípio da privacidade é bem abrangente e não se restringe apenas à liberdade

individual do cidadão dentro de sua casa, no seu recanto, mas também a

privacidade nas questões de sua vida em geral, como o direito que o indivíduo tem

de não ser observado sem sua autorização pelo médico.

1.8 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Este princípio se traduz no direito de acesso às condições

mínimas de uma vida digna (moradia, alimento, vestimenta) e ao livre exercício de

pensamento, expressão, inclusive a educação32.

O ilustre Alexandre Moraes assim ensina:

A dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que apenas

31 GOLDIM, José Roberto apud FILHO, José Roberto Moreira. Relação médico paciente. Disponível

em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2745>. Acesso em: 1 Jul. 2010. 32

WIEGERINCK, João Antonio. Direito constitucional. 4 ed. São Paulo: Barros & Fisher Associados, 2005, p. 3.

Page 25: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

25

excepcionalmente possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos

33.

Assim, de acordo com este princípio o valor da pessoa humana

enquanto ser humano é inestimável, sendo o indivíduo o valor mais precioso perante

a Constituição e assim deverá ser perante a sociedade brasileira.

1.9 PRINCÍPIOS BIOÉTICOS

Os princípios bioéticos são aqueles de valorização do ser humano na

sua conduta, haja vista, que o surgimento de novas tecnologias muitas vezes não

impõe limites ao agir do ser humano.

De acordo com Darlei Dall‘Agnol os princípios bioéticos são:

Princípio do respeito à autonomia; Princípio da não maleficência; Princípio da justiça

34.

No que tange ao princípio do respeito à autonomia, é o respeito do

médico para com o paciente, respeitando suas crenças, os aspectos socioculturais

em que o indivíduo foi gerado, acima de tudo, reconhecendo no indivíduo o direito

de este decidir sobre sua vida e a sua privacidade. Surgem então vários aspectos

controversos, em relação às discussões sobre o direito de o indivíduo decidir sobre

assuntos polêmicos, tais como, o aborto, a eutanásia. Ou ainda o direito de decidir

sobre sua própria vida, quando a Constituição brasileira trata a vida como um direito,

um bem irrenunciável do ser humano.

Neste sentido, vislumbra o mestre Darlei Dall‘Agnol: ―O princípio do

respeito à autonomia prescreve, basicamente, que um paciente ou um sujeito de

pesquisa, sendo uma pessoa, tem o direito de deliberar e participar das decisões

33

MORAES, Alexandre apud LIMA, Renata Fernandes. Princípio da dignidade da pessoa humana. Disponível em: <http://www.webartigos.com/articles/14076/1/princípio-da-dignidade-da-pessoa-humana-/pagina1.html#ixzz0u9nn9sBw>. Acesso em 09. Jul. 2010. 34

AGNOL, Darlei Dall‘l Disponível em: <http://www.cfh.ufsc.br/~darlei/biossegu.html>. Acesso em: 11 Jul. 2010.

Page 26: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

26

para escolher o curso de tratamento ou se pretende participar ou não de uma

pesquisa‖35.

De acordo com Tereza Rodrigues Vieira, o princípio da não

maleficência disciplina a não prática de atos nocivos a seres humanos envolvidos

em tratamento, ou até mesmo uma pesquisa.

Princípio da não maleficência: assegura que sejam minorados ou evitados danos físicos aos sujeitos da pesquisa ou pacientes. Riscos da pesquisa são as possibilidades de danos de dimensão física, psíquica, moral, intelectual, social, cultural ou espiritual do ser humano, em qualquer fase de uma pesquisa e dela decorrente. Dano associado ou decorrente da pesquisa é o agravo imediato ou tardio, ao indivíduo ou à coletividade, com nexo causal comprovado, direto ou indireto, decorrente do estudo científico

36.

Todo indivíduo que se submete a pesquisa ou tratamento médico, está

sujeito a ocorrências que por sua natureza, sucintamente, o risco pode vir a causar

graves danos ao indivíduo. O princípio da maleficência visa assegurar que os danos

físicos sejam ao máximo minorados ao paciente.

O princípio da justiça, nada mais é que a exigência de lisura na forma

de distribuir quaisquer benefícios que incentivem setores envolvidos com a

pesquisa, seja ela nas ciências exatas ou biológicas. Trata-se da equidade, do igual

tratamento.

Nos ensinamentos de Tereza Rodrigues Vieira:

Princípio da justiça: exige eqüidade na distribuição de bens e benefícios em qualquer setor da ciência, como por exemplo: medicina, ciências da saúde, ciências da vida, do meio ambiente, etc

37.

Para Darlei Dall‘Agnol:

O princípio da justiça prescreve tratamento eqüitativo entre as pessoas. Por isso, os benefícios da pesquisa com células embrionárias precisam ser

35

AGNOL, Darlei Dall‘l Princípios bioéticos e a lei de biossegurança. Disponível em: <http://www.cfh.ufsc.br/~darlei/biossegu.html>. Acesso em: 11 Jul. 2010. 36

VIEIRA, Tereza Rodrigues. O que é bioética. Disponível em: <http://pt.shvoong.com/social-sciences/1783810-que-%C3%A9-bio%C3%A9tica/>. Acesso em: 13 Jul. 2010. 37

Ibidem

Page 27: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

27

distribuídos igualmente. Assim, a engenharia genética não pode transformar-se numa nova base de discriminação social

38.

Neste princípio, a justiça está ligada diretamente a distribuição de

recursos para as pesquisas e tratamentos, e também no tratamento igualitário para

com os pacientes.

O princípio da proporcionalidade é o equilíbrio, a razão entre os

benefícios e também os riscos. Trata-se do princípio que busca equilibrar para que a

pesquisa ou tratamento traga cada vez mais benefícios, sendo cada vez menos os

riscos ao paciente.

Os princípios bioéticos são bases nas quais os médicos e

pesquisadores devem se focar de modo a realizar suas pesquisas e tratamentos, a

fim de causar mais benefícios do que riscos aos pacientes, com a equidade da

justiça e acima de tudo a reverência e o respeito à vida.

38

VIEIRA, Tereza Rodrigues. O que é bioética. Disponível em: <http://pt.shvoong.com/social-sciences/1783810-que-%C3%A9-bio%C3%A9tica/>. Acesso em: 13 Jul. 2010.

Page 28: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

28

2 COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

A expressão correta deste tópico seria a colisão entre os direitos

fundamentais. Neste aspecto, explana Ana Carolina Reis Paes Lemes: ―A colisão de

direitos fundamentais dá-se quando, no momento do exercício destes direitos, há o

confronto entre os mesmos ou, entre eles e outros bens jurídicos protegidos

constitucionalmente‖39.

Quando da elaboração da Constituição Federal do Brasil e em sua

promulgação, o legislador pátrio deixou claro uma relevância de alguns direitos

fundamentais sobre outros, em virtude de seu grande valor ao indivíduo como ser

humano.

Destarte, cabe aqui uma releitura do caput do art. 5º no que tange à

relevância dos princípios fundamentais:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes [...].

Há que se analisar a cronologia e disposição dos princípios

constitucionais no texto do presente artigo, visto que eles não foram objeto de uma

mera colocação ao acaso no texto constitucional. Eles estão dispostos no presente

artigo de forma cronológica a sua importância, ao legislador pátrio e à sociedade

brasileira. No entanto, surge aí de acordo com a interpretação de cada um e sua

necessidade ao caso concreto.

Ainda neste ditame, dispõe Ana Carolina Reis Paes Lemes:

O legislador pode resolver esse confronto na medida em que cria a "reserva de lei" na Constituição, ou seja, quando restringe o exercício de um direito à observância do outro. Por outro lado, em se tratando de direitos

39

LEMES, Ana Carolina Reis Paes. Transfusão de sangue em testemunhas de Jeová. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6545&p=1>. Acesso em: 15 jul. 2010.

Page 29: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

29

fundamentais não acobertados pela "reserva de lei", a solução fica a cargo da jurisprudência, a qual deve realizar a "ponderação dos bens envolvidos", com o intuito de resolver a colisão por meio do "sacrifício mínimo dos direitos em jogo

40

O confronto entre os direitos fundamentais nos quais deve fundar o

estudo vislumbra o direito à vida, o direito à liberdade que compõe a liberdade de

escolha, o direito à intimidade e a privacidade do indivíduo. É importante dizer que

não cabe ao presente estudo vislumbrar todos os prismas sobre os direitos

fundamentais elencados no artigo 5º da Constituição Brasileira, mas apenas

dissecar os conceitos entre o direito à vida e o de liberdade, visto que o último

engloba a liberdade de crença, pensamento, expressão, religioão, etc.

Cabe neste ponto da pesquisa iniciar uma exegese acerca do conteúdo

normativo constitucional e da disposição normativa no que tange aos direitos

fundamentais dentro do direito à vida, e também o direito à liberdade, sua

conceituação e interpretações. Até onde o indivíduo tem o direito de decidir sua

privacidade e intimidade? Sabendo que a saúde é um dever do Estado e um direito

do indivíduo, terá direito o ser humano de escolha sobre um tratamento que pode

decidir sobre sua vida ou morte?

Há neste contento a colisão entre o dever do Estado em garantir a vida

do cidadão, dando lhe condições dignas de sobreviver nos quesitos de direitos

fundamentais e sociais, garantindo lhe a vida no mais abrangente conceito possível.

Assim, cabe aqui a conceituação sobre o que é o direito a vida, e o

direito à liberdade. Teria direito o indivíduo de evocar o direito à liberdade em

detrimento à sua própria vida?

2.1 DO DIREITO À VIDA

Saulo Steffanone Alle, especialista em Direito Constitucional, assim

explana a respeito do direito à vida:

40

FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de Direitos: a honra, a vida privada e a imagem versus a liberdade expressão e informação. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1996. p. 155.

Page 30: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

30

O caput do art. 5º da Constituição faz referência à inviolabilidade do direito à vida. A palavra vida deve ser entendida sob dois aspectos: o aspecto material que engloba os elementos físicos e psíquicos do indivíduo e o aspecto imaterial composto pelo elemento espiritual. Por isso, o direito à vida, consagrado no texto constitucional, se projeta em três níveis distintos: Direito de não ser morto – art. 5º, XLVII, a, que proíbe a pena de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos da Constituição; Direito à sobrevivência – arts 6º e 7º. O art. 6º estabelece os direitos sociais e o art. 7º estabelece os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais; Direito a tratamento digno – art. 5º, II, XLVII,b,c,d,e

41.

Através do prisma apresentado pelo ilustre autor, o direito à vida tem

um conceito complexo, visto que não abrange apenas o direito de não ser morto, ou

seja, apenas o conceito literal da norma, mas traz consigo o direito de proteção a

direitos que garantam sua sobrevivência de forma digna e concisa no que tange a

trabalho que propicie uma vida razoável ao indivíduo e seus dependentes,

tratamento digno no que pode ser vislumbrado pelo prisma da igualdade entre todos,

no acesso aos bens utéis à vida, à saúde que também atinge o direito à vida.

Assim, no contexto apresentado, Pedro Lenza disserta: ―O direito à

vida, prevista de forma genérica no art. 5º., caput, abrange tanto o direito de ser

morto, privado da vida, portanto, o direito de continuar vivo, como também o direito

de ter um vida digna‖42.

Ainda na conceituação de Lenza:

Em decorrência do seu primeiro desdobramento (direito de não se ver privado da vida de modo artificial), encontramos a proibição da pena de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XiX. Assim mesmo por emenda Constitucional é vedada a instituição da pena de morte no Brasil, sob pena de se ferir a cláusula pétrea do art. 60, § 4º., IV. O segundo desdobramento, ou seja, o direito a uma vida digna, garantindo-se as necessidades vitais básicas do ser humano e proibindo qualquer tratamento indigno, como a tortura, penas de caráter perpétuo, trabalhos forçados, cruéis, etc

43.

O direito à vida não pode ser meramente interpretado de acordo com a

litera seca, da norma Constitucional, e sim vislumbrado por um prisma complexo,

tratando a vida não apenas com a materialidade do corpo humano, mas também

41

ALLE, Saulo Steffanone. Direito Constitucional: dos direitos e garantias fundamentais. 1 ed. São Paulo: Proconcurso, 2009. p. 180. 42

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 678. 43

Ibidem, p. 678.

Page 31: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

31

todas as condições inerentes a propiciar vida digna e condizente ao ser humano,

dentro dos princípios éticos, morais, sociais e da dignidade da pessoa humana.

2.2 DO DIREITO À LIBERDADE

O direito à liberdade, assim como direito à vida também possui

nuanças que ultrapassam o mero e simples significado do vocábulo. A liberdade

alcança horizontes inimagináveis ao indivíduo, visto que é sinônimo de que pode o

ser humano fazer, deixar de fazer, enfim, manter-se restrito à sua vida, a intimidade

de seus atos, ou divulgá-los. Contudo, há que se vislumbrar que nenhum direito é

absoluto.

O direito à liberdade está disposto na Constituição, no que tange à

liberdade da manifestação de pensamento no art. 5º, IV e V:

Art. 5º [...] IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem.

À liberdade de expressão, como todos os princípios Constitucionais,

não goza de liberdade absoluta, visto que o legislador pátrio permite ao indivíduo ter

liberdade na manifestação de pensamento, mas veda seu anonimato e, tendo a

manifestação de pensamento agravado a terceiro, resguarda a Constituição o direito

de resposta proporcionalmente ao dano causado.

Consagra-se o princípio da liberdade no que tange ao indivíduo poder

se manifestar livremente, contudo não gozando de liberdade absoluta, visto que a lei

impõe limites à manifestação. Este limite é demarcado pelo direito de resposta

quando a liberdade de um ultrapassar o limite de outrem.

Consentâneo à liberdade de manifestação e pensamento está a

liberdade de exercício da atividade intelectual, artística, cientifica ou de comunicação

e indenização em caso de dano que esta disposto no art. 5º, IX e X:

Page 32: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

32

Art. 5º [...] IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

A Constituição Federal neste quesito vislumbra a livre expressão da

atividade artística ou intelectual ou qualquer manifestação no exercício artístico,

livrando de censura como acontecia em tempos idos no Brasil. O indivíduo tem o

direito ao exercício de sua profissão, sendo ela intelectual ou artística, logicamente

interligado com os preceitos da liberdade de manifestação de pensamento.

Entretanto, resguarda-se o direito de resposta proporcional ao agravo. Em outras

palavras, está garantida a liberdade intelectual e artística dos cidadãos brasileiros

dentro dos limites toleráveis, culturalmente e socialmente.

Porém, há que ressaltar que estes conceitos explanados serviram

apenas de alicerce ao ponto principal da presente pesquisa, haja vista a colisão

entre direitos fundamentais. Neste prisma, está inserida a liberdade de consciência,

crença e culto, dispositivo do art. 5º, VI a VIII da Constituição Federal Brasileira.

Art. 5º VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva; VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;

Fica assegurado aos brasileiros o direito ao exercício de sua religião,

aos locais de culto, exercendo sua crença livremente sem censura ou perseguição.

Pedro Lenza, nesse sentido: ―Ninguém será privado de direitos por

motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar

para eximir-se de obrigação legal a todos imposta‖44.

44

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 685.

Page 33: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

33

Evoca-se aqui o tema principal da pesquisa, visto que ninguém poderá

invocar a religião para eximir-se de obrigação a todos imposta.

Há de acordo com alguns doutrinadores um conflito, uma colisão entre

esses direitos fundamentais, ou seja, como colidir o direito a vida com à liberdade

religiosa.

2.3 A HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL

Interpretar a norma Constitucional acerca da presente pesquisa é

vislumbrar o que o legislador pátrio dispôs ao elaborar os direitos fundamentais,

garantidos e inerentes à vida humana, e a liberdade de dispor de alguns bens por

parte do ser humano em virtude de costumes, baseado sempre na cultura e crença.

Para o mestre Carlos Ernani Constantino, o grande problema da

interpretação constitucional é quanto à omissão da lei na atual Constituição, visto

que no direito anterior à Constituição de 1988, havia uma condição expressa na lei

que assim dizia:

O direito de que ora tratamos tinha uma redação muito precisa no direito anterior: ‗é plena a liberdade de consciência e fica assegurado aos crentes o exercício dos cultos religiosos que não contrariem a ordem pública e os bons costumes

45

Na concepção do ilustre autor, a Constituição Federal de 1988, falha ao

não explicitar que embora haja direito de crença e de culto, não se pode arguir o

direito à liberdade de crença, confrontar o direito à vida. Muito embora não necessite

vir expressa, visto que os doutrinadores são unânimes, até mesmo pelo poder

hierárquico do direito à vida, em relação aos outros direitos fundamentais na

presente Constituição.

Contudo, como toda norma, há que se manter sempre o bom senso,

haja vista o surgimento de novas tecnologias e tratamentos alternativos, o que pode

sanar tal divergência.

45

CONSTANTINO, Carlos Ernani. Transfusão de sangue e omissão de socorro. Disponível em:<http://www.acta-diurna.com.br/biblioteca/doutrina/d36.htm>. Acesso em: 22 Jul. 2010.

Page 34: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

34

Neste prisma, Ana Carolina Reis Paes Lemes brilhantemente escreveu:

A solução é, então, buscar estes critérios para resolver a aparente colisão de direitos fundamentais, diante de um caso concreto, nos princípios informadores da Hermenêutica Constitucional, já que não há um critério dogmático a priori, e balizar a ponderação de tais valores na supremacia da dignidade humana, fundamento do nosso Estado de Direito democrático e social e princípio informador de qualquer interpretação de direitos fundamentais

46.

Não se deve simplesmente ignorar a crença, os costumes e a cultura

do povo brasileiro, como também não poderá o indivíduo arguir a religião para

ignorar os preceitos já existentes no país. Há que se buscar sempre soluções

alternativas e, caso não haja, que prevaleçam os preceitos constitucionais. Porém,

sempre a respeitar os limites e direitos individuais do cidadão, desde que estes

estejam e prevaleçam dentro do limite tolerável, inferindo sempre que a vida está

em um plano acima dos outros direitos fundamentais.

46

LEMES, Ana Carolina Reis Paes. Transfusão de sangue em testemunhas de Jeová. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6545&p=1>. Acesso em: 22 Jul. 2010.

Page 35: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

35

2.4 PRINCÍPIOS DA INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL

Toda interpretação Constitucional é calcada sempre em princípios

sólidos que são instituídos de forma a delimitar e buscar sempre que a lei, enquanto

norma, atenda os seus objetivos sociais e a demanda sócio-cultural dos indivíduos a

que esta serve.

Assim, neste vislumbrar Ana Carolina Reis Paes Lemes cita os

seguintes princípios como principais e norteadores da interpretação Constitucional

sobre o presente estudo:

Princípios da unidade da Constituição;

Concordância prática ou harmonização;

Proporcionalidade.

2.4.1 Dos Princípios da unidade da Constituição

Este princípio define que a Constituição deve ser interpretada sobre o

seu todo, claramente respeitando e tentando compatibilizar os conflitos que surgem

do cotidiano, e confrontam direitos e normas existentes entre si. Cabe, pois, uma

interpretação de forma a respeitar os princípios legais e normativos e também sem

que estes firam os bons costumes e atentem contra a ordem pública.

À luz do explanado e consoante a dissertação de Ana Carolina Reis

Paes Lemes: ―O princípio da unidade da constituição determina a análise do texto

constitucional como um todo, como um sistema que necessita "compatibilizar

preceitos discrepantes‖47.

47

LEMES, Ana Carolina Reis Paes. Transfusão de sangue em testemunhas de Jeová. Disponível em:<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6545&p=1>. Acesso em: 22. Jul. 2010.

Page 36: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

36

Também ilustra desse modo, Edilsom Pereira citando Konrad Hesse:

As normas constitucionais devem ser interpretadas de maneira que se evitem contradições com outras normas constitucionais e que a única solução coerente com este princípio é a que se encontra em consonância com as decisões básicas da Constituição e evite sua limitação unilateral a aspectos parciais

48.

A interpretação das normas Constitucionais deve ter como preceito

acima de tudo o respeito à norma escrita, contudo também respeitando os direitos

humanos e a liberdade que esta mesma dá ao ser humano. É necessário, contudo,

expor que isto não significa que o indivíduo tenha autonomia para fazer o que bem

entende. Faz-se necessária, diante de tantos conflitos, uma interpretação perspicaz

de modo a não prejudicar cidadãos diretamente em seus direitos e não afrontar o

sistema normativo vigente.

2.4.2 Princípio da Concordância prática ou harmonização

Ana Carolina Reis Paes Lemes assim descreve o presente princípio:

A concordância prática, ou princípio da harmonização, expressa uma consequência lógica do princípio da unidade da constituição, pois, conforme aqueles, os valores e direitos fundamentais devem ser harmonizados, no caso concreto, por meio de juízos de ponderação que vise concretizar ao máximo os direitos constitucionalmente protegidos, não se devendo por meio de uma precipitada ponderação de bens ou valores in abstrato, desprezar um direito à custa da prevalência do outro

49.

48

HESSE, Konrad FARIAS apud FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de direitos: a honra, a vida privada e a imagem versus a liberdade expressão e informação. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1996. p. 98. 49

LEMES, Ana Carolina Reis Paes. Transfusão de sangue em testemunhas de Jeová. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6545&p=1>. Acesso em: 22 jul. 2010.

Page 37: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

37

O princípio da concordância prática ou também descrito como princípio

da harmonização é propriamente, como diz o vocábulo, harmonia, é a ponderação

de bens e valores de modo a proteger os bens e direitos tutelados pela Constituição,

buscando uniformizar e dirimir os conflitos existentes.

2.4.3 Do princípio da proporcionalidade

Explica Ana Carolina Reis Paes Lemes que o princípio da

proporcionalidade é a ponderação entre a proporção e a razoabilidade, visto que,

segundo a autora, é o sopesar entre os meios que se empregam para atingir

determinado fim.

O princípio da proporcionalidade caminha junto com o princípio da razoabilidade, formam uma espécie de parceria: significam a ponderação entre os meios empregados e os fins atingidos; é a busca do razoável. O princípio da proporcionalidade manifesta-se como um senso de justiça, balizador do juízo de ponderação a ser realizado pelo intérprete no caso sub examine

50.

Neste contexto, infere-se que o princípio da proporcionalidade é a

aplicação razoável da norma de forma proporcional à sua aplicação para se

conseguir os fins almejados, de forma a não afetar nenhuma das partes envolvidas.

Trazendo o princípio da proporcionalidade e aplicando ao caso em

estudo, infere-se que o Estado deverá sim proporcionar ao indivíduo tratamento

digno de saúde, garantindo lhe o direito de acesso a um tratamento digno e justo no

que tange à sua saúde, porém deve salvaguardar o direito autônomo de escolha do

indivíduo quando o tratamento tradicional afrontar os costumes, a cultura ou até

mesmo a religião da pessoa.

Os meios empregados devem estar alinhados aos fins almejados,

porém é sabido que nem sempre isto será possível. Entretanto, deve ser sempre o

50

LEMES, Ana Carolina Reis Paes. Transfusão de sangue em testemunhas de Jeová. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6545&p=1>. Acesso em: 3 ago. 2010

Page 38: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

38

objetivo a se buscar para que não ocorra a desproporcionalidade de satisfação a

apenas uma das partes.

Page 39: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

39

3 LEGISLAÇÃO

A transfusão de sangue, como meio de salvar e manter a vida humana,

é uma técnica médica difundida em todo o planeta. Tal procedimento é aplicado pela

medicina em seus pacientes como meio de preservar a vida humana em virtude de

várias patologias inerentes ao ser humano.

Contudo, é sabido que, em decorrência de vários fatores, dentre eles a

religião, pacientes, muitas vezes em risco de vida ou até mesmo em estado terminal,

representados por seus entes queridos, recusam o tratamento que em sua maioria

pode definir a diferença entre a vida e a morte dos mesmos. Diante disto, surge o

conflito de interesses e acima de tudo do dever que tem o Estado em preservar a

vida de seu povo, garantindo lhes o direito a uma vida digna, afrontado pelo direito

garantido pela Constituição Brasileira ao livre exercício de sua religião, crença e a

prática de suas liturgias.

Diante do presente dilema, cabe consultar o que aduz a legislação em

vigor.

No que tange ao estudo da legislação vigente, no que diz respeito à

transfusão de sangue, é preciso salientar em primeiro lugar a carta magna e a sua

interpretação no que diz respeito à saúde do indivíduo, principalmente quando o que

em discussão é a vida ou a morte.

Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a

inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à

propriedade.

Como já vislumbrado e destacado nos capítulos anteriores, o legislador

pátrio, quando da elaboração da Constituição Federal de 1988, priorizou alguns

direitos fundamentais que para a sociedade brasileira são considerados essenciais,

sendo elencados neste conceito a essencialidade e a indisponibilidade do direito à

Page 40: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

40

vida. Contudo, quando se vislumbra o direito à vida, explana o conceito que o

indivíduo tem o direito a ter uma vida digna e saudável como também o direito de

fazer desta o que melhor lhe aprouver. No entanto, não está em suas mãos decidir

entre viver ou morrer.

O Constituinte de 1988, ainda no art. 5º, assim dispôs em alguns

incisos referentes à vida do cidadão brasileiro:

Art. 5º [...] II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei

51

De acordo com os preceitos constitucionais, não pode ninguém ser

obrigado a alguma conduta ou atitude se esta não estiver disposta em lei, não

podendo assim ser privado de seus direitos em virtude de sua crença religiosa ou de

suas convicções no que tange à política ou filosofia.

A constituição garante ao indivíduo o direito ao livre exercício religioso,

de crença, e para praticar suas liturgias, assim como a liberdade para abertura de

seus templos, mas há uma ressalva nesta garantia: não poderá o indivíduo, imbuído

de seus direitos, alegá-los para eximir-se de obrigações a todos imposta.

Ainda discorrendo sobre as normas legais brasileiras, assim disciplina

o Código Civil brasileiro de 2002, em seu art. 15: ―Ninguém pode ser constrangido a

submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica‖.

O artigo 15 do Código Civil, promulgado em 2002, preleciona que

ninguém poderá ser obrigado a submeter-se a tratamento médico ou a sofrer

intervenção cirúrgica quando estes procedimentos incorrerem em riscos para sua

vida. Ou seja, infere-se que, quando os procedimentos cirúrgicos ou intervenção

médica possam causar danos à saúde, tendo como consequência riscos à vida do

paciente, este não será obrigado a submeter-se a tal tratamento ou cirurgia.

51

Grifo Nosso.

Page 41: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

41

A Constituição Federal, promulgada em 1988, garantiu a todas as

pessoas, independentemente brasileiros ou estrangeiros, um tratamento digno e

humano. Garantiu também a liberdade de expressão, de consciência e de crença

entre outras garantias. No entanto, há que salientar que em toda garantia há um

limite.

Assim como o direito à vida sofre restrições, como no disposto na

alínea ―a‖ do inciso XLVII do Art. 5º constitucional, que prevê a pena de morte nos

casos em que o Brasil estiver em guerra declarada com outra nação, trazendo assim

uma ressalva ao direito à vida. O direito à liberdade de crença também deverá sofrer

restrições, sempre que alguém arguir sua religiosidade para livrar-se de qualquer

tratamento aludido a todos, como forma de proteção à sua vida, e deve ser elidido

para que seja o direito à vida o bem maior desta nação. Claro que, se houver

tratamentos alternativos, não há como obrigar o paciente a utilizar este ou aquele

tratamento. Ele deverá submeter-se ao tratamento que melhor lhe aprouver, a não

ser que a transfusão de sangue seja a última solução para salvaguardar a vida

humana.

Page 42: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

42

4 EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA E TRATAMENTOS ALTERNATIVOS

A evolução tecnológica se faz presente em todas as áreas e não seria

diferente na medicina. O conflito de interesses instituído entre os que defendem a

transfusão de sangue como meio de preservação da vida e os que não aceitam este

método como meio seguro para preservação da saúde fez com que ao longo dos

últimos 30 anos surgissem tratamentos alternativos.

Eric Diniz Casimiro assevera em seu trabalho de pesquisa alguns

tratamentos alternativos à transfusão de sangue de acordo com a Comissão

Presidencial dos Estados Unidos da América:

Pré-depósito do sangue do próprio paciente; O reaproveitamento do seu próprio sangue durante a cirurgia (transfusão

autóloga intraoperatória); Técnicas de diluição sanguínea (hemodiluição);

E o reaproveitamento do pós-operatória para reinfusão (recuperação

pós-operatória).52

Ainda de acordo com a dissertação de Casimiro, baseada nos estudos

técnicos da Comissão Presidencial Norte Americana, os conceitos dos tratamentos

alternativos citados acima:

O método da hemodiluição induzida consiste em diluir o sangue do paciente durante a cirurgia. Assim, no início da operação, os médicos desviam parte do sangue para recipientes de armazenagem fora do corpo do paciente e o substituem por fluidos não sanguíneos; depois, permite-se que o sangue flua dos recipientes de volta para o paciente. Visto que as Testemunhas de Jeová não permitem que seu sangue seja estocado, alguns médicos têm adaptado esse método, fazendo o equipamento funcionar num circuito que é constantemente ligado ao sistema circulatório do paciente123. No caso de recuperação intraoperatória, envolve recuperar e reutilizar o sangue durante

52

CASIMIRO, Eric Diniz. Direito do paciente a tratamento médico alternativo, referente à transfusão de sangue. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/26794/Direito_Paciente_Eric%20Diniz.pdf?sequence=1>. Acesso em: 05. Ago. 2010 apud Report of the Presidential Commission on the HumanIimmunodeficiency Virus Epidemic, op. cit., p. 78-84.

Page 43: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

43

uma cirurgia. Usa-se um equipamento para aspirar o sangue da incisão, bombeá-lo através de um filtro (para remover coágulos ou resíduos) ou de um centrifugador (para eliminar fluidos), e daí reinjetá-lo no paciente. Nesse caso, não há a interrupção do fluxo sanguíneo

53.

Todos estes tratamentos da medicina moderna têm surtido resultados

satisfatórios, principalmente a solucionar conflitos instaurados entre religiosos e o

Estado. Há que salientar, entretanto, que a classe médica posiciona-se a favor de

tratamentos alternativos quando há condições para isto, conquanto não se possa

esquecer da extensão geográfica do Brasil e o desnível social existente nos mais

equidistantes recantos do país. Muitos Estados da Federação não possuem

recursos para a instalação de tais aparelhos e treinamento da equipe médica.

Tais afirmações podem ser constatadas ao analisar as condições de

tratamento e os recursos da saúde brasileira à disposição de seus cidadãos. Se não

há tratamento médico suficiente para patologias simples, quanto mais a tratamentos

delicados que necessitam de tecnologia e mão de obra treinada e cada vez mais

qualificada.

Analisar estes aspectos nos EUA, ou em grandes centros espalhados

pelo mundo é fácil, difícil é a sua implantação em um país com as diversidades

encontradas no Brasil.

53

CASIMIRO, Eric Diniz. Direito do paciente a tratamento médico alternativo, referente à transfusão de sangue. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/26794/Direito_Paciente_Eric%20Diniz.pdf?sequence=1>. Acesso em: 5 ago. 2010 apud Report of the Presidential Commission on the HumanIimmunodeficiency Virus Epidemic, 1988, p. 78

Page 44: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

44

5 A RESPONSABILIDADE DO MÉDICO

Neste conflito entre a obrigação do Estado em garantir o direito à vida e

o direito do paciente em exercer sua crença, religiosidade, esquece-se do principal

envolvido em toda esta questão: o médico.

O médico tem como objetivo principal salvar a vida do paciente e para

este escopo principal, deve utilizar os meios necessários a atingir esta meta. Em

muitos procedimentos para se salvar a vida do paciente, o médico utiliza-se de

meios cirúrgicos como último recurso de garantir a vida do paciente.

Jandira Thibes ensina que:

A intenção do médico é de salvar o paciente, e não de feri-lo. Entretanto, este posicionamento sofre uma forçosa crítica: fatalmente ao submeter o paciente à intervenção cirúrgica, o médico age com o animus de cortar, ainda que, obviamente, não haja com o dolo prescrito pelo tipo penal de lesões corporais, pois o profissional está agindo terapeuticamente

54.

No dissertar do art. 5º do Código de Ética Médica: ―O médico deve

aprimorar continuamente seus conhecimentos e usar o melhor do progresso

científico em benefício do paciente‖55.

Em consonância com o explanado, José Eberienos Assad ensina que:

Em um contexto como este, o médico deve estar sempre ampliando e reciclando seus conhecimentos, deve ser capaz de aplicar novos desenvolvimentos em sua prática, contribuir quando possível para o seu desenvolvimento através da relação cientifica com seus colegas de profissão e com a sociedade em que vive

56.

54

THIBES, Jandira. Transfusão de sangue em testemunhas de jeová x transfusão de sangue. Revista de Direito: v. 12, n. 16, 2009. p. 30. Disponível em: <http://sare.unianhanguera.edu.br/index.php/rdire/article/viewFile/900/733>. Acesso em: 9 ago. 2010. 55

MÉDICA, Código de Ética. Resolução CFM nº 1.246/88, DE 08.01.88. Disponível em: <http://www.abctran.com.br/Conteudo/codigo_etica_medica.pdf>. Acesso em: 9. Ago. 2010 56

ASSAD, José Eberienos. Desafios Éticos: Conselho Federal de Medicina. Brasilia, 1993. p. 198.

Page 45: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

45

O médico é um ser humano comum como todos os outros, apenas com

a predileção de ter uma profissão que esta sempre em uma luta constante entre a

vida e a morte. Ele deve sempre buscar medidas e tratamentos alternativos aos

tratamentos tradicionais, o que no mundo de hoje não é tão difícil, visto que novas

tecnologias surgem a todo instante. E como vislumbrado no presente trabalho, há

alguns tratamentos alternativos à transfusão de sangue em caso de recusa do

paciente ou seu responsável, visto que os arts. 46; 55 e 56 do Código de Ética

Médica assim disciplina:

É vedado ao médico: [...] Art. 46 - Efetuar qualquer procedimento médico sem o esclarecimento e consentimento prévios do paciente ou de seu responsável legal, salvo iminente perigo de vida; Art. 55 - Usar da profissão para corromper os costumes, cometer ou favorecer crime. É vedado ao médico: [...] Art. 56 - Desrespeitar o direito do paciente de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente perigo de vida.

Dentre os deveres juramentados dos profissionais da medicina em sua

formatura está a preservação da vida. Este princípio básico intrínseco da

Constituição Federal de 1988 e de todas as normas infraconstitucionais é ainda

salvaguardado pelo Código de Ética Médica que preleciona que ante a algum

procedimento terapêutico ou cirúrgico, o paciente deverá ser consultado. Entretanto,

quando se cogita a transfusão de sangue em determinado paciente, infere-se que

todas as alternativas possíveis a este tratamento foram esgotadas e não há outra

alternativa de que o médico possa se socorrer para salvar a vida do paciente.

Seria praticado pelo médico o crime tipificado no Código Penal por

constrangimento ilegal, visto que submeteu o enfermo a procedimento cirúrgico

contrariando sua vontade?

Vislumbremos o que diz o art. 146 do Código Penal brasileiro:

Art. 146 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de

Page 46: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

46

resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda: Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.

Não incorre o médico nas primeiras tipificações do artigo, como

violência ou grave ameaça, porém o médico através de sedativos pode reduzir no

paciente a capacidade de resistência.

É contundente, no entanto, o que disse o legislador no discorrer do art.

146 do Código Penal, visto que, no § 3º do presente artigo em estudo, elimina

qualquer hipótese de constrangimento ilegal:

Art. 146 [...] § 3º - Não se compreendem na disposição deste artigo: I - a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida; [...]

Ou seja, o § 3º do art. 146 desqualifica o crime de constrangimento

ilegal do médico que, embora desrespeitando o não consentimento da transfusão de

sangue por parte do paciente, age justificado por iminente perigo da vida daquele,

legitimando assim sua ação e respaldado pela norma penal.

O ilustre Carlos Ernani Constantino assim ensina:

Face a este dispositivo, o médico deve agir da seguinte forma, nos casos abaixo elencados, sempre que houver iminente perigo de vida ou de saúde para o paciente e independentemente de qualquer outra providência (como pedir autorização judicial, etc.): Se o paciente se recusar a receber a transfusão de sangue, o médico deve aplicar-lhe um sedativo e ministrar-lhe o referido tratamento, mesmo contra sua vontade; Se o paciente estiver inconsciente ou tratar-se de uma criança e seus parentes ou representantes legais disserem que não desejam que se faça transfusão de sangue, o médico deve fazê-la, mesmo contra a vontade deles; Se o paciente estiver inconsciente e desacompanhado, encontrando-se com ele uma carteira de identificação de membro da seita, em que se solicite a não transfusão de sangue, o médico deve ir contra a presumível vontade do paciente

57.

57

CONSTANTINO, Carlos Ernani. Transfusão de sangue e omissão de socorro. Disponível em: <http://www.acta-diurna.com.br/biblioteca/doutrina/d36.htm>. Acesso em: 9 ago.. 2010.

Page 47: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

47

De acordo com o dissertar do ilustre autor, o médico, mesmo com a

recusa dos familiares ou do próprio paciente em virtude de qualquer motivo, até

mesmo por motivos religiosos, deverá proceder o tratamento que estará embasado

na lei pátria, asseverando ainda que deverá agir não só quando a vida estiver em

risco, mas também quando a saúde do indivíduo correr riscos. No entanto, se não

houver riscos à vida ou à saúde do paciente, o médico deverá se abster e respeitar

a vontade do paciente:

Embora o art. 146, § 3º, I, do CP, se refira apenas a ―iminente perigo de vida‖, se existir iminente perigo de saúde para a vítima, há que se fazer in casu uma analogia in bonam partem em favor do médico, uma vez que são situações semelhantes. Por outro lado, se não houver iminente perigo de vida ou saúde para a pessoa, então deve o médico respeitar o pensamento religioso de seu paciente (ainda que absurdo e errôneo)

58.

A ação do médico deverá sempre se basear no estado do paciente,

buscando sempre o bem estar deste respeitando sempre que possível a sua

vontade, salvo se esta for contrária à continuidade de sua própria vida.

58

CONSTANTINO, Carlos Ernani. Transfusão de sangue e omissão de socorro. Disponível em: <http://www.acta-diurna.com.br/biblioteca/doutrina/d36.htm>. Acesso em: 9 ago. 2010.

Page 48: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

48

6 A VISÃO DOS ADEPTOS A TESTEMUNHAS DE JEOVÁ

Os religiosos adeptos da denominação Testemunhas de Jeová

buscam fundamentar sua crença na interpretação da Bíblia Cristã. O grande

problema nesta interpretação é que todos os religiosos, independente de

denominação, buscam interpretar a Bíblia Sagrada de acordo com sua visão e suas

convicções.

Sergio Brandanini explica que há várias interpretações acerca do livro

sagrado aos cristãos e se iniciaram com o protestantismo de Martinho Lutero nos

idos do século XVI. A partir desse momento da história, começam a surgir no mundo

várias denominações cristãs, das quais o grande princípio era a interpretação bíblica

e a inclusão das doutrinas bíblicas ao que melhor se adequasse à realidade dos

fiéis. Isto posto, os fiéis passam a procurar na igreja uma doutrina na qual aliam sua

cultura e crenças à doutrina bíblica, obtida através de interpretações da

denominação escolhida59.

Pode se buscar uma exemplificação no explanado ao vislumbrar a

doutrina de algumas igrejas evangélicas, como a doutrina dos adventistas do 7º dia

que não trabalham e não realizam nenhuma atividade no sábado, visto que segundo

os adeptos, na interpretação bíblica, ―Deus criou o mundo em seis dias e no sétimo

descansou‖. Então acreditam os Adventistas do sétimo dia que o sétimo dia da

semana que recai no sábado deve ser o dia de adoração ao senhor60.

Outras denominações também possuem suas peculiaridades como o

fato de mulheres não usarem determinado tipo de vestimenta, não podem cortar o

cabelo, ou até mesmo utilizar cosméticos61.

Todas estas doutrinas são usuais de denominações cristãs, assim

como as Testemunhas de Jeová que neste caso buscam sua fundamentação de

59

BRANDANINI, Sergio. O protestantismo e as igrejas da reforma. Disponível em: <http://www.pime.org.br/mundoemissao/religcrentes2.htm>. Acesso em: 12 ago. 2010. 60

SAGRADA, Biblia. Livro de gênesis. Disponível em: <http://www.vatican.va/archive/bible/genesis/documents/bible_genesis_po.html>. Acesso em: 12 ago. 2010. 61

SANTANA, Adão. A mulher cristã não pode mais cortar o cabelo? Disponível em: <http://adbrasil.ning.com/forum/topics/a-mulher-crista-nao-pode-mais>. Acesso em: 12 ago. 2010.

Page 49: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

49

acordo com o discorrer nos Capítulos da Bíblia Sagrada. Esta fundamentação está

no livro de Gênesis, em seu capítulo 9, nos versículos 3 e 4: ―Todo animal movente

que está vivo pode servir-vos de alimento. Como no caso da vegetação verde,

deveras vos dou tudo. Somente a carne com sua alma - seu sangue - não deveis

comer‖62.

Neste versículo disposto no livro de Gênesis, se verificado ipsis literis,

vislumbra-se que, de acordo com o prelecionado pela BÍblia Sagrada, o ser humano

não pode comer da carne de seus semelhantes e também não beber o seu sangue,

o que derruba por terra qualquer insinuação de religiosos contra a posição

desfavorável à transfusão sanguínea.

Ainda de acordo com o livro sagrado, em Levitico 17:10-14 e também o

livro de Atos dos Apóstolos 15:28,29:

Quando qualquer homem da casa de Israel ou algum residente forasteiro

que reside no vosso meio, que comer qualquer espécie de sangue, eu

certamente porei minha face contra a alma que comer o sangue, e deveras

o deceparei dentre seu povo63

.

Na interpretação dos Testemunhas de Jeová, quando o livro sagrado

ensina que o ser humano não deverá comer nem a carne nem o sangue de seu

semelhante, segundo interpretação da denominação, está doutrinando que nem

mesmo a transfusão de sangue deve acontecer.

Há, contudo, que delinear que em momento algum há ensinamentos ou

doutrina no livro sagrado cristão que incorram na proibição ou na tipificação da

transfusão de sangue como pecado, e que afronte significativamente a crença

religiosa. O que há de concreto são as interpretações ambíguas a respeito da Bíblia

que acabam acarretando vários apontamentos diferentes nas mais variadas

denominações cristãs.

62

SAGRADA, Biblia. Livro de Gênesis. Disponível em: <http://www.jesusvoltara.com.br/biblia/00Biblia.htm>. Acesso em: 13 ago. 2010. 63

SAGRADA, Biblia. Livro de Levitico e Atos dos Apóstolos. Disponível em: <http://www.jesusvoltara.com.br/biblia/00Biblia.htm>. Acesso em: 13 ago. 2010.

Page 50: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

50

7 A VISÃO DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA

O posicionamento do Conselho Federal de Medicina foi formado com

base em uma resolução de 1980, anterior à promulgação da Constituição Federal de

1988, que dispôs o direito à crença como uma das maiores conquistas do cidadão

brasileiro.

Assim, de acordo com a resolução 1021 de 26 de setembro de 1980, o

posicionamento do Conselho Federal de Medicina é de afirmar a vontade do

paciente desde que a não utilização do tratamento não incorra em perigo à vida do

paciente64.

O problema criado para o médico, pela recusa dos adeptos da Testemunha de Jeová em permitir a transfusão sangüínea, deverá ser encarada sob duas circunstâncias: 1 - A transfusão de sangue teria precisa indicação e seria a terapêutica mais rápida e segura para a melhora ou cura do paciente. Não haveria, contudo, qualquer perigo imediato para a vida do paciente se ela deixasse de ser praticada. Nessas condições, deveria o médico atender o pedido de seu paciente, abstendo-se de realizar a transfusão de sangue. Não poderá o médico proceder de modo contrário, pois tal lhe é vedado pelo disposto no artigo 32, letra "f" do Código de Ética Médica: "Não é permitido ao médico: f) exercer sua autoridade de maneira a limitar o direito do paciente resolver sobre sua pessoa e seu bem-estar". 2 - O paciente se encontra em iminente perigo de vida e a transfusão de sangue é a terapêutica indispensável para salvá-lo. Em tais condições, não deverá o médico deixar de praticá-la apesar da oposição do paciente ou de seus responsáveis em permiti-la

65.

Há um consenso geral, tanto no que tange aos desígnios da lei quanto

às resoluções do Conselho Federal de Medicina, órgão seccional regulamentador de

64

CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução nº 1.021/80 de 26 de setembro de 1980. Dispões sobre casos de pacientes que, por motivos diversos, inclusive os de ordem religiosa, recusam a transfusão de sangue. Legislação. Disponível em: <http://www.cfm.org.br/resoluca/1021-80.html>. Acesso em: 22 ago. 2010. 65

FERREIRA, Telmo Reis. Resolução CFM 1021/80. Disponível em: <http://www.saude.caop.mp.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=307>. Acesso em: 22 ago. 2010.

Page 51: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

51

todos os Conselhos Regionais de Medicina no Brasil, de que a vontade do paciente,

desde que esta não coloque sua vida em risco, deverá ser respeitada.

A transfusão de sangue é um tratamento que só deverá ser utilizado

neste tipo de paciente quando verdadeiramente sua vida estiver em risco.

Page 52: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

52

8 A TRANSFUSÃO DE SANGUE NA VISÃO DOS TRIBUNAIS

Também é consentâneo entre os Tribunais de Justiça da federação

brasileira que, em caso de perigo à vida do paciente, este deverá ser submetido à

transfusão de sangue, haja vista que o direito à vida deve prevalecer com prioridade.

Assim em decisão do ilustre Desembargador Maia Cunha do Tribunal

de Justiça do Estado de São Paulo:

Embora a regra seja a de que a cautelar seja preparatória, admite-se, excepcionalmente, tenha natureza satisfativa quando a liminar, necessária diante do risco de dano irreparável, esgota o objeto da ação principal. Preliminar rejeitada. Ação cautelar inominada. Hospital que solicita autorização judicial para realizar transfusão de sangue em paciente que se encontra na UTI, com risco de morte, e que se recusa a autorizá-la por motivos religiosos. Liminar bem concedida porque a Constituição Federal preserva, antes de tudo, como bem primeiro, inviolável e preponderante, a vida dos cidadãos

66.

Incluso no acórdão do brilhante relator está a decisão de submeter o

paciente à transfusão de sangue como tratamento, visto que primeiramente sua vida

está sob risco de morte, e, em segundo, vislumbrando o posicionamento da Carta

Magna Brasileira que predispõe o direito fundamental à vida, como pilar basilar da

sociedade brasileira.

Esta decisão demonstra o posicionamento do Tribunal de Justiça do

Estado de São Paulo em favor da transfusão de sangue, privilegiando o direito á

vida em detrimento do direito à crença. É possível vislumbrar esta afirmação através

de outros julgados do mesmo tribunal:

Reparação de danos - Testemunha de Jeová - Recebimento de transfusão de sangue quando de sua internação – Convicções religiosas que não podem prevalecer perante o bem maior tutelado peta Constituição federal

66

CUNHA, Maia. Agravo de Instrumento: 994031132419. Disponível em: <http://esaj.tj.sp.gov.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=1944233&vlCaptcha=dkxkt>. Acesso em: 22. ago. 2010.

Page 53: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

53

que é a vida - Conduta dos médicos, por outro lado, que se pautaram dentro da lei e ética profissional, posto que somente efetuaram as transfusões sangüíneas após esgotados todos os tratamentos alternativos - Inexistência, ademais, de recusa expressa a receber transfusão de sangue quando da internação da autora — Ressarcimento, por outro lado, de despesas efetuadas com exames médicos, entre outras, que não merece acolhido, posto não terem sido os valores despendidos pela apelante - Recurso improvido

67.

Assim como no primeiro acórdão, neste figura a prevalência do direito

a vida em relação ao direito à crença. No presente acórdão, buscava o requerente

indenização por ter sido submetido à transfusão de sangue contra suas convicções e

crença. No entanto entendeu o tribunal, através das alegações da entidade médica,

que o requerente correria sério risco de morte sem o devido procedimento médico.

Em consonância com o Tribunal de Justiça de São Paulo, também

seguem os julgados do Tribunal do Distrito Federal:

AGRAVO DE INSTRUMENTO - TRANSFUSÃO DE SANGUE EM MENOR - PAIS SEGUIDORES DA RELIGIÃO 'TESTEMUNHAS DE JEOVÁ' - AUTORIZAÇÃO DADA AO HOSPITAL PELO JUÍZO DA INFÂNCIA E JUVENTUDE - APELAÇÃO - FUNGIBILIDADE RECURSAL - INTEMPESTIVIDADE DO RECURSO. 1.A AUTORIZAÇÃO PARA TRANSFUSÃO DE SANGUE EM MENOR, DADA PELO JUÍZO DA INFÂNCIA E JUVENTUDE, DESAFIA A APELAÇÃO. NÃO CONSTITUI, PORÉM, ERRO GROSSEIRO A INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO, CUJO PRAZO RECURSAL É O MESMO DA APELAÇÃO PREVISTA NO ECA, SENDO APLICÁVEL À FUNGIBILIDADE RECURSAL. 2. A CIÊNCIA INEQUÍVOCA DOS PAIS ACERCA DA TRANSFUSÃO SANGUÍNEA ANTES DA INTIMAÇÃO FORMAL DO ADVOGADO CONSTITUÍDO ELIDE A EXIGÊNCIA DE FAZER CONSTAR EXPRESSAMENTE NA PROCURAÇÃO 'ET EXTRA' OS PODERES ESPECIAIS PARA CITAÇÃO. NA HIPÓTESE, O PRAZO DO RECURSO DEVE TER INÍCIO A PARTIR DA INTIMAÇÃO DO ADVOGADO NOS AUTOS.

3. RECURSO NÃO CONHECIDO. UNÂNIME68.

Prende-se no presente agravo de instrumento elevado ao Tribunal de

Justiça do Distrito Federal, o pedido de autorização para efetivação do procedimento

67

PINHEIRO, Flávio. Apelação com revisão 994990067748. Disponível em: <http://esaj.tj.sp.gov.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=1542703>. Acesso em: 22. ago. 2010. 68

SANTIS, Sandra de. Agravo de Instrumento: 2006 00 2 004500-4 AGI - 0004500-36.2006.807.0000 (Res.65 - CNJ). Disponível em: <http://tjdf19.tjdft.jus.br/cgi-bin/tjcgi1?DOCNUM=1&PGATU=1&l=20&ID=61960,61084,23606&MGWLPN=SERVIDOR1&NXTPGM=jrhtm03&OPT=&ORIGEM=INTER>. Acesso em. 22. ago. 2010.

Page 54: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

54

médico por parte do hospital em menor de idade, também autorizando o referido

procedimento cirúrgico, preservando o direito à vida do paciente.

Em qualquer dos Tribunal da Federação Brasileira há decisões

unânimes, embora haja e sempre haverá rejeição do procedimento de transfusão de

sangue por parte dos religiosos da denominação ―Testemunhas de Jeová‖. Há uma

uniformização de decisões dos tribunais em privilegiar sempre o direito a vida em

detrimento da liberdade de crença do indivíduo.

Fica claro, pois, que as decisões judiciais são sempre favoráveis aos

devidos procedimentos médicos quando houver risco de morte aos pacientes. Caso

contrário, não haverá necessidade de transfusão de sangue.

Page 55: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

55

9 COMENTÁRIOS SOBRE ENTREVISTAS FEITAS COM POSICIONAMENTO DE PROFISSIONAIS MÉDICOS, JUIZ, ADVOGADO E ADÉPTO DA RELIGIÃO TESTEMUNHAS DE JEOVÁ

O presente estudo evidenciou claramente a grande polêmica que

envolve a hemotransfusão em pacientes da denominação ―Testemunhas de Jeová‖.

É uma questão complexa, visto que envolvem questões religiosas, de saúde pública,

a liberdade do indivíduo e também coloca o médico em situação desconfortável.

Assim, para não explanar conceitos deveras injustos para com as

partes envolvidas, é de suma importância ouvir os profissionais diretamente

envolvidos nesta desconfortável situação.

Em entrevista com Dr. Lavínio Nilton Camarin, médico e conselheiro do

Conselho Regional de Medicina em Franca – SP, afirmou ser esta uma situação que

deixa o médico com muitas dúvidas e temeroso, porém ressalta que a autonomia do

paciente deverá sempre ser respeitada, a não ser que a vida deste esteja em risco.

O médico ainda asseverou a posição do CRM no sentido de sempre

informar os pacientes sobre as necessidades reais ou não de transfusão de sangue.

De acordo com o Dr. Lavínio, o CRM, reconhecendo a polêmica que envolve o

assunto elaborou algumas resoluções e dispôs alguns pareceres acerca do tema.

Entretanto, ressalta o médico que a autonomia do paciente é e sempre deverá ser

respeitada, salvo em caso de risco de morte.

O médico diz nunca ter presenciado nenhum caso próprio ou de colega

profissional na referida polêmica, mas acredita já ter perdido alguns pacientes em

virtude de não ser da denominação ―Testemunhas de Jeová‖, haja vista que já há

entre os médicos profissionais pertencentes à denominação.

Para Dr. Lavínio, a questão da hemotransfusão é muito mais

abrangente e transcende o campo legislativo no que tange a possível

regulamentação no âmbito da União, mas defende que qualquer esforço se torna

válido.

Para o Dr José Jackson Dojas Filho, advogado militante na cidade de

Guará, este conflito é uma situação pertinente e sempre passível de discussão. Para

ele, o princípio do direito à vida vem sempre em primeiro lugar e da vida surgem os

Page 56: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

56

outros direitos. Preleciona ainda que os tribunais têm pacificado em favor dos

médicos que agem no exercício de sua profissão, isentando-os de qualquer

responsabilização civil.

Também para o Dr. Thomas Salerno, Médico -Professor de cirurgia,

chefe da Divisão de Cirurgia Cardiotorácica e vice-presidente da DeWitt Daughtry

Family Department of Surgery, Professor Responsável pelo serviço de Cirurgia

Cardíaca na University of Miami Miller School of Medicine em entrevista, disse já ter

passado por situação envolvendo religiosos da igreja ―Testemunhas de Jeová‖.

Segundo ele, o paciente não o alertou ser pertencente àquela denominação religiosa

e, tendo sido aplicada a transfusão de sangue, após 3 cirurgias o paciente veio a

óbito. Segundo Dr. Thomas, também um colega profissional passou pelo mesmo

transtorno, porém foi alertado e tendo sido autorizado a realizar o procedimento pela

família, livrou-se de ser processado e responsabilizado judicialmente.

Na visão do Dr Salerno, não há necessidade de se criar ou modificar o

sistema legislativo existente. Para ele sempre deverá prevalecer a vontade e

autonomia do paciente de decidir acerca de sua própria vida.

Médico especialista em cirurgia cardiovascular, Renato Antonio

Del Bianco, compartilha da opinião do Dr. Salerno, ressaltando o posicionamento do

CRM de respeito à vontade do paciente e que, diante de pacientes da referida

denominação, sempre os encaminhou a um profissional pertencente à mesma

religião.

Del Bianco disse já ter atendido pacientes desta denominação, porém

sempre em casos eletivos, de não urgência, o que lhe permitiu optar por encaminhar

os pacientes.

Del Bianco acredita que um debate seria benéfico, mas ao seu ver

deveria haver uma emenda constucional específica aos adeptos de Testemunhas

de Jeová para resolver o problema. Apresentou ainda alguns julgados,

demonstrando a tamanha insegurança que a classe médica vive diante desta

polêmica.

O Juiz de Brasília, MM. Lázaro José da Silva, um profissional

experiente, diz que não se resolve a colisão entre dois princípios suprimindo um em

favor do outro. A colisão será solucionada levando-se em conta o peso ou

importância relativa de cada princípio, a fim de escolher qual deles no caso concreto

prevalecerá ou sofrerá menos constrição do que o outro. Entende também que ―A

Page 57: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

57

vida é bem supremo‖ e que, entre o direito à liberdade religiosa e o direito à vida,

deve prevalecer o direito à vida.

Explica em entrevista amicus curiae – cuida-se de assistência

qualificada, desponta como auxiliar da Justiça.

Portanto, certamente usaria essa intervenção anômala de terceiros

para formar o convencimento motivado no julgamento de causa onde ocorresse

colisão entre direitos fundamentais, já que sua contribuição seria indispensável para

o acerto e aprimoramento técnico-jurídico da decisão judicial.

Em entrevista com Elisabete Ferreira Viegas, estudiosa da Bíblia

Sagrada há mais de 20 anos, sendo adepta da religião Testemunhas de Jeová,

comenta ela que, desde o início de tudo, desde as primeiras escrituras sagradas, já

se dizia não poder comer o sangue de irmãos, pois o sangue é a alma.

Sra. Viegas afirma que os Testemunhas de Jeová não se posicionam

em desfavor à vida, mas, sim exigem que sejam aplicados meios alternativos à

transfusão sanguínea. Diz que nenhum irmão que optar receber o sangue sofrerá

qualquer discriminação, quer seja perante à família, quer seja ao Salão do Reino.

Diz que as pessoas não podem ferir a escolha do paciente em não

querer algum tratamento e acredita que alguém que for lesado em seu direito de

escolha sofrerá abalos emocionais.

Em questão de mudanças mais claras para assegurar o direito

resguardado pela Constituição, diz que não tem que ser mudado e não vê nenhuma

colisão entre Direitos. Estando tudo bem claro, tanto na Constituição, como no

código de ética médica e na Bíblia, que o paciente tem o direito de escolha.

Percebe-se um consenso entre os profissionais da área médica e

juristas, e não se esperava atitude diferente, em posicionarem-se de conformidade

com a vontade do paciente. Entretanto, há que salientar que a vontade do paciente

deverá prevalecer somente enquanto sua vida não estiver em risco, em caso eletivo.

Quando da urgência no tratamento, existindo risco de morte para o paciente, o

médico deverá proceder a favor da transfusão de sangue, visto que os tribunais têm

jurisprudência pacificada em favor da vida.

Page 58: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

58

CONCLUSÃO

Questões éticas e religiosas sempre foram motivos de desavenças

entre os povos no mundo. Porém com o evoluir das sociedades e o surgimento de

normas pacificadoras e normatizadoras foram minimizando estes conflitos.

Entretanto, o que fazer quando a norma cria o conflito?

Conflitos entre direitos advêm das liberdades concedidas pela lei aos

seus cidadãos. Não são propriamente conflitos criados pela lei, mas sim a sua

interpretação errônea.

A questão da transfusão de sangue em adeptos de ―Testemunhas de

Jeová‖ é uma destas situações emergentes da interpretação normativa que colocou

de, um lado, religiosos defendendo o seu direito de crença, legitimado pela

Constituição Federal de 1988, e, de outro, o eterno, pétreo e fundamental, o direito à

vida, também pressuposto basilar instituído pela mesma carta magna .

O presente trabalho de pesquisa procurou salientar a hierarquia dos

direitos fundamentais e sua importância para a formação e desenvolvimento do

cidadão. O direito à vida e de suma importância, visto que dele surgem todos os

outros. Não há direito à crença se não houver vida.

Contudo, entre a classe médica e também na visão jurídica, é claro o

posicionamento a favor do paciente quando for possível eleger prioridades, quando

a vida humana não estiver em risco. No entanto, é salutar destacar que, se a

transfusão de sangue for a única solução para salvar a vida do paciente, mesmo que

este coloque empecilho ao tratamento, o médico deverá, se possível e houver tempo

hábil, solicitar autorização ao juízo de plantão e caso não haja o tempo para isso,

executar o processo de transfusão e salvar a vida do paciente.

Os tribunais pacificaram jurisprudência e não têm responsabilizado os

médicos quando a vida do paciente está em risco e há uma ação de transfusão de

sangue por parte do médico contrariando a vontade da família e do próprio paciente

em virtude de conceitos religiosos. Esta posição foi consolidada pelos tribunais

calcada na constituição, na ética e nos princípios da dignidade humana, salientando

Page 59: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

59

que a vida humana prevalecerá sobre quaisquer conceitos, sejam estes oriundos de

quaisquer dicernimentos culturais.

Consente-se assim que o direito à vida é primordial e o direito à crença

deverá ser alijado diante do primeiro, visto que da vida advém a liberdade de

expressão de crença e de liturgia. Fica claro que, ausência de vida, não há motivo

de outros direitos, pois não haverá quem os exerça ou os exija.

Page 60: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

60

REFERÊNCIAS

AGNOL, Darlei Dall‘l Princípios bioéticos e a lei de biossegurança. Disponível em: <http://www.cfh.ufsc.br/~darlei/biossegu.html>. Acesso em: 11 Jul. 2010. ALLE, Saulo Steffanone. Direito Constitucional: dos direitos e garantias fundamentais. São Paulo: Proconcurso, 2009. ASSAD, José Eberienos. Desafios Éticos: Conselho Federal de Medicina. Brasilia, 1993. BARBOSA, Rui apud JUNIOR, Gabriel Denzen. Direito constitucional. Brasília: Vestcon, 2008. BELTRÃO, Irapuã Gonçalves de Lima. Conceitos iniciais sobre direitos e garantias fundamentais na constituição. Disponível em: <http://www.vemconcursos.com/opiniao/index.phtml?page_id=1936>. Acesso em 30. mai. 2010. BOBBIO, Norberto apud LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 1999. BRANDANINI, Sergio. O protestantismo e as igrejas da reforma. Disponível em: <http://www.pime.org.br/mundoemissao/religcrentes2.htm>. Acesso em: 12 ago. 2010. CADENAS, Leandro. Princípio da legalidade. Disponível em: <http://www.algosobre.com.br/direito-administrativo/princípio-da-legalidade.html>. Acesso em: 25 jun. 2010.

Page 61: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

61

CASIMIRO, Eric Diniz. Direito do paciente a tratamento médico alternativo, referente à transfusão de sangue. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/26794/Direito_Paciente_Eric%20Diniz.pdf?sequence=1>. Acesso em: 5 ago. 2010 CASIMIRO, Eric Diniz. Direito do paciente a tratamento médico alternativo, referente à transfusão de sangue. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/26794/Direito_Paciente_Eric%20Diniz.pdf?sequence=1>. Acesso em: 5 ago. 2010 apud Report of the Presidential Commission on the HumanIimmunodeficiency Virus Epidemic, 1988. CLEMENTE, Aleksandro. O Direito à vida e a questão do aborto. Disponível em: <http://www.portaldafamilia.org.br/artigos/artigo400.shtml>. Acesso em 23 jun. 2010. CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução nº 1.021/80 de 26 de setembro de 1980. Dispões sobre casos de pacientes que, por motivos diversos, inclusive os de ordem religiosa, recusam a transfusão de sangue. Legislação. Disponível em: <http://www.cfm.org.br/resoluca/1021-80.html>. Acesso em: 22 ago. 2010. CONSTANTINO, Carlos Ernani. Transfusão de sangue e omissão de socorro. Disponível em:<http://www.acta-diurna.com.br/biblioteca/doutrina/d36.htm>. Acesso em: 22 Jul. 2010. CONSTITUIÇÃO Federal, Art. 5º Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em 23. Jun. 2010. CUNHA, Maia. Agravo de Instrumento: 994031132419. Disponível em: <http://esaj.tj.sp.gov.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=1944233&vlCaptcha=dkxkt>. Acesso em: 22. ago. 2010. FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de Direitos: a honra, a vida privada e a imagem versus a liberdade expressão e informação. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris, 1996. FERREIRA, Telmo Reis. Resolução CFM 1021/80. Disponível em: <http://www.saude.caop.mp.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=307>. Acesso em: 22 ago. 2010.

Page 62: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

62

FILHO, Francisco de Salles Almeida Mafra. Direitos e garantias fundamentais: um conceito. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/. php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=798>. Acesso em: 29. maio 2010. GOLDIM, José Roberto apud FILHO, José Roberto Moreira. Relação médico paciente. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2745>. Acesso em: 1 Jul. 2010. HESSE, Konrad FARIAS apud FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de direitos: a honra, a vida privada e a imagem versus a liberdade expressão e informação. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris, 1996. JUNIOR DENZEN, Gabriel. Direito constitucional. Brasília: Vestcon, 2008. LEMES, Ana Carolina Reis Paes. Transfusão de sangue em testemunhas de Jeová. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6545&p=1>. Acesso em: 15 jul. 2010. LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. MÉDICA, Código de Ética. Resolução CFM nº 1.246/88, DE 08.01.88. Disponível em: <http://www.abctran.com.br/Conteudo/codigo_etica_medica.pdf>. Acesso em: 9. Ago. 2010 MORAES, Alexandre apud LIMA, Renata Fernandes. Princípio da dignidade da pessoa humana. Disponível em: <http://www.webartigos.com/articles/14076/1/princípio-da-dignidade-da-pessoa-humana-/pagina1.html#ixzz0u9nn9sBw>. Acesso em 09. Jul. 2010. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo. 2003. PINHEIRO, Flávio. Apelação com revisão 994990067748. Disponível em: <http://esaj.tj.sp.gov.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=1542703>. Acesso em: 22. ago. 2010. SAGRADA, Bíblia. Livro de Gênesis. Disponível em: <http://www.jesusvoltara.com.br/biblia/00Biblia.htm>. Acesso em: 13 ago. 2010.

Page 63: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

63

______. Livro de Levitico e Atos dos Apóstolos. Disponível em: <http://www.jesusvoltara.com.br/biblia/00Biblia.htm>. Acesso em: 13 ago. 2010. SANTANA, Adão. A mulher cristã não pode mais cortar o cabelo? Disponível em: <http://adbrasil.ning.com/forum/topics/a-mulher-crista-nao-pode-mais>. Acesso em: 12 ago. 2010. SANTIS, Sandra de. Agravo de Instrumento: 2006 00 2 004500-4 AGI - 0004500-36.2006.807.0000 (Res.65 - CNJ). Disponível em: <http://tjdf19.tjdft.jus.br/cgi-bin/tjcgi1?DOCNUM=1&PGATU=1&l=20&ID=61960,61084,23606&MGWLPN=SERVIDOR1&NXTPGM=jrhtm03&OPT=&ORIGEM=INTER>. Acesso em. 22. ago. 2010. SILVA, Flávia Martins André da. Direitos fundamentais. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2627/Direitos-Fundamentais>. Acesso em: 04. jun. 2010. SILVA, José. Afonso. Da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 1999. THIBES, Jandira. Transfusão de sangue em testemunhas de jeová x transfusão de sangue. Revista de Direito: v. 12, n. 16, 2009, Disponível em: <http://sare.unianhanguera.edu.br/index.php/rdire/article/viewFile/900/733>. Acesso em: 9 ago. 2010. VIEIRA, Tereza Rodrigues. O que é bioética. Disponível em: <http://pt.shvoong.com/social-sciences/1783810-que-%C3%A9-bio%C3%A9tica/>. Acesso em: 13 Jul. 2010. WIEGERINCK, João Antonio. Direito constitucional. São Paulo: Barros & Fisher Associados, 2005.

Page 64: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

64

ANEXOS

Page 65: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

65

ANEXO A

ENTREVISTA: PROFISSIONAIS DA ÁREA JURÍDICA

Tema:“COLISÃO DE DIREITOS CONSTITUCIONAIS E A POSTURA DA AÇÃO MÉDICA QUANTO À TRANFUSÃO DE SANGUE EM TESTEMUNHAS DE JEOVÁ”

M M. Lázaro José da Silva - Juiz em Brasilia/DF.

1 – Caso tivesse que julgar uma causa com essa colisão entre direitos

fundamentais, o MM usaria o instrumento Amicus curiae para o seu maior

convencimento?

Resposta: amicus curiae – cuida-se de assistência qualificada, desponta como

auxiliar da Justiça.

Portanto, certamente usaria essa intervenção anômala de terceiros para formar o

convencimento motivado no julgamento de causa onde ocorresse colisão entre

direitos fundamentais, já que sua contribuição seria indispensável para o acerto e

aprimoramento técnico-jurídico da decisão judicial.

2 – Qual a posição que predomina em nossa legislação o direito à vida ou o

direito à liberdade religiosa?

Resposta: Não se resolve a colisão entre dois princípios suprimindo um em favor do

outro. A colisão será solucionada levando-se em conta o peso ou importância

relativa de cada princípio, a fim de escolher qual deles no caso concreto prevalecerá

ou sofrerá menos constrição do que o outro.

―A vida é bem supremo, portanto...‖

Page 66: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

66

Entre o direito à liberdade religiosa e o direito à vida, deve prevalecer o direito à

vida.

A vida é um direito fundamental garantido pela Constituição Federal. ―Bem inviolável

máxime do nosso ordenamento e protegida pelo Estado com prioridade‖.

Quanto à questão da limitação da liberdade, Aldir Guedes Soriano, ao citar

Immanuel Kant, acrescenta que, para este, "o conceito de liberdade é a chave da

explicação da autonomia da vontade".

Atenta, porém, Soriano:

O princípio da autonomia da vontade e o conceito de liberdade, para Kant, não

ilidem a heteronomia. Esta vincula uma vontade impessoal, emanada do poder

legiferante, e imposta, coercitivamente, aos indivíduos (verticalidade). Assim, a

liberdade individual está subordinada à vontade estatal. Portanto, a liberdade não é

um direito absoluto. Alguém já disse que ‗a liberdade termina, quando começa a

liberdade de outrem‘. Cabe à lei determinar esse limite à liberdade.

Assim, da lição de Cretella Junior, absorvemos o seguinte:

―A liberdade religiosa, pela própria natureza de que se reveste, apresenta

modalidades diversas; intimamente qualquer um pode adotar o culto ou a fé que

mais lhe convier, sem que o Estado possa penetrar ou violar os sentimentos

individuais. O mesmo não ocorrerá, porém, quanto às exteriorizações desses

sentimentos religiosos, manifestações que se acham vinculadas aos interesses da

ordem pública, dos bons costumes, dos direitos da coletividade. Determinadas

práticas religiosas, ofensivas à moral e a ordem pública, são necessariamente

proibidas porque podem provocar tumultos que tragam danos ao particular ou à

coletividade‖.

Por seu turno, José Afonso da Silva ensina:

―Vida, no texto constitucional (art. 5o, caput) não será considerada apenas no seu

sentido biológico de incessante auto-atividade funcional, peculiar à matéria orgânica,

mas na sua acepção biográfica mais compreensiva. Sua riqueza significativa é de

Page 67: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

67

difícil apreensão porque é algo dinâmico, que se transforma incessantemente sem

perder sua própria identidade. É mais um processo (processo vital), que se instaura

com a concepção (ou germinação vegetal), transforma-se, progride, mantendo sua

identidade, até que muda de qualidade, deixando então de ser vida para ser morte.

Tudo que interfere em prejuízo deste fluir espontâneo e incessante contraria a vida‖.

Se o direito à vida for considerado como o mais fundamental dos direitos, por dele

derivarem todos os demais direitos, este, então, é regido pelas premissas

constitucionais da inviolabilidade e irrenunciabilidade. Isso significa que o direito à

vida não pode ser desrespeitado por terceiros, tampouco pelo Estado, não podendo

dispor dele o indivíduo almejando sua morte.

3 – Na hipótese de o médico não tomar os procedimentos necessários, ou seja,

não aplicando sangue por respeitar a liberdade religiosa do paciente, quais

seriam as possíveis consequências?

Resposta: No que condiz às situações em que o paciente não corre risco de morte, e

havendo a possibilidade de serem utilizadas outras formas de tratamento, sem

ministrar sangue, a doutrina inclina-se para o entendimento de que a vontade do

paciente, com sustentação no direito fundamental à liberdade religiosa, deve ser

respeitada.

No entanto, quando a situação envolve risco de morte do paciente, a orientação do

Conselho Federal de Medicina, com base resolução 1021/80, é de que o médico

deve transfundir o paciente, mesmo diante de oposição, in verbis: "O paciente se

encontra em iminente perigo de morte e a transfusão é a terapêutica indispensável

para salvá-lo. Em tais condições, não deverá o médico deixar de praticá-la apesar

da oposição do paciente ou de seus responsáveis em permití-la."

E se o médico não tomar os procedimentos necessários?

Se iminente o perigo de morte, é direito e dever do médico empregar todos os

tratamentos, inclusive cirúrgicos, para salvar o paciente, mesmo contra a vontade

deste, de seus familiares e de quem quer que seja, ainda que a oposição seja ditada

por motivos religiosos. Importa ao médico e ao hospital demonstrar que utilizaram a

Page 68: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

68

ciência e a técnica apoiadas em séria literatura médica, mesmo que haja

divergências quanto ao melhor tratamento. O judiciário não serve para diminuir os

riscos da profissão médica ou da atividade hospitalar. Se a transfusão de sangue for

tida como imprescindível, conforme sólida literatura médico-científica (não

importando naturais divergências), deve ser concretizada para salvar a vida do

paciente, mesmo contra a vontade da religião professada, mas desde que haja

urgência e perigo iminente de morte (artigo146, § 3º, inciso I, do Código Penal).

Assim, se o médico não adota todos os procedimentos possíveis poderá responder

por sua omissão, tanto na esfera penal, cível e na administrativa perante seu órgão

de classe.

O Código Penal também traz a figura da omissão de socorro no art. 135, colocando

a vida sob a responsabilidade de qualquer um que a possa salvar:

Art. 135. Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à

criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo e

em grave e iminente perigo; ou não pedir nesses casos o socorro da autoridade

pública. Parágrafo único. A pena é aumentada de metade se a omissão resulta em

lesão corporal de natureza grave, e triplicada se resulta a morte.

4 – O Sr. já teve que passar por alguma situação dessas? Já julgou alguma

causa nessa situação?

Resposta: Não, porém já atuei em alguns processos, proferindo despachos e

decisões, bem como realizando audiências.

5 – Em sua opinião, deveria ocorrer uma discussão sobre esta matéria por

parte do Poder Legislativo no sentido de uma tentativa de resolução desta

celeuma tão grave? Dê sua opinião

Resposta: Não, pois tal discussão não está e refoge do âmbito do legislativo, já que

não possui competência para dizer qual direito deve prevalecer sobre outro, matéria

restrita ao Poder Judiciário. Ademais, nosso ordenamento jurídico, Constituição

Federal, Código Civil e demais Legislações Esparsas já conferem ao Juiz

instrumentos legais para dirimir o conflito. Assim já foram devidamente

Page 69: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

69

regulamentadas pelo Poder Legislativo (Constituinte Originário). Nessa esteira, o

direito individual de cada um deve ser respeitado. Entretanto, no limite do direito

coletivo, a preservação da vida, além de ser um direito individual, é indiscutivelmente

um direito de toda a sociedade, não podendo, portanto, ser individualmente

dispensado. Assim, cláusula pétrea (direito à vida), protegida pela Constituição

Federal, não pode ser matéria de discussão pelo Congresso Nacional, exceto para

conferir-lhe maior proteção.

Page 70: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

70

ANEXO B

Entrevista: ADEPTOS À RELIGIÃO TESTEMUNHAS DE JEOVÁ.

Tema: “COLISÃO DE DIREITOS CONSTITUCIONAIS E A POSTURA DA AÇÃO MÉDICA QUANTO À TRANFUSÃO DE SANGUE EM TESTEMUNHAS DE JEOVÁ”

Elisabete Ferreira Viegas, estudiosa há 20 anos de Testemunha de Jeová.

1 – Quais são as razões que levam os adeptos da religião “Testemunhas de

Jeová” a recusar o sangue a transfusão de sangue ?

Resposta: Nós, Testemunhas de Jeová, seguimos os princípios da Bíblia Sagrada,

desde as antigas escrituras, as hebraícas, em que já diziam: ―Não coma o sangue

de seus irmãos‖. Para Jeová o sangue é sagrado, a alma está no sangue e não na

carne.

2 – Em caso de um acidente de trânsito, se o paciente for adepto de

“Testemunhas de Jeová”, estiver inconsciente, tiver perdido muito sangue,

necessitar de uma transfusão e o Médico a fizer sem saber de sua recusa,

como seria o retorno dessa pessoa à sua família ou ao Salão do Reino?

Resposta: Em primeiro lugar, todo irmão que for batizado como Testemunha de

Jeová tem um documento na carteira, assinado e reconhecido firma em cartório,

dizendo que não aceita sangue por motivos religiosos. Quando acontecer alguma

coisa com um irmão, qualquer um verá esse documento (procuração)e o médico terá

que respeitar a vontade do paciente, pois está na Bíblia, está na Constituição

Federal. Quanto ao retorno do irmão ao seio de sua Família e ao Salão do Reino,

Page 71: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

71

será como antes, sem discriminação alguma, afinal ele fez sua parte em recusar e a

responsabilidade perante Jeová será totalmente do Médico que não respeitou os

seus princípios. Portanto, o acerto de contas será entre quem não seguiu os

princípios, nesse caso o médico. O irmão que recusa jamais responderá a Jeová,

pois ele cumpriu os princípios.

3 – Quando se trata de uma criança menor de 5 anos e ela necessitar de

transfusão de sangue, correndo risco de morte, qual a posição da Fámilia?

Resposta: A criança menor de idade não responde por seus atos e ela está sob a

responsabilidade de seus pais. Portanto eles vão recusar a tranfusão em seus

filhos.

4 – Se um adepto de sua religião for passar por uma cirurgia e, havendo

necessidade de transfusão de sangue, disser ao médico que a aceita, ele

poderá retornar à igreja?

Resposta: Sim, pois já como disse, ele fará o acerto de contas somente com Jeová.

Só Jeová o julgará, não os homens.

5 – Em sua opinião, há uma colisão de direitos fundamentais direito à vida X

direito à manifestação religiosa?

Resposta: Não, para mim está bem claro. Onde quer que você procure, verá que a

vontade do paciente tem que prevalecer, pois está na Biblia, no Código de Ética

Médica, na Constituição, e só não respeita quem não quer. Nós assinamos qualquer

documento para eximir, o médico de qualquer responsabilidade caso o paciente

venha a falecer. Entendemos também que nem sempre o sangue salva a vida, pois

nós, estudiosos sabemos que na maioria das vezes o sangue causa doenças.

Existem muitos meios alternativos para tratar o paciente sem usar o sangue. Na

verdade, nós não recusamos a vida, só queremos um tratamento alternativo à

transfusão sanguínea.

Page 72: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

72

ANEXO C

ENTREVISTA: PROFISSIONAIS DA ÁREA MÉDICA

Tema: COLISÃO DE DIREITOS CONSTITUCIONAIS E A POSTURA DA AÇÃO MÉDICA QUANTO À TRANFUSÃO DE SANGUE EM TESTEMUNHAS DE JEOVÁ

Dr. Dojas Filho, José Jackson – Advogado – Guará/SP.

1 – Que posição predomina em nossa legislação o direito à vida ou o direito à

liberdade religiosa?

Resposta: Primeiramente, considero esta entrevista extremamente pertinente,

agradeço pelo convite e espero contribuir com o desenvolvimento do tema para

futura pacificação e harmonização desse conflito. As questões a mim dirigidas

comportam uma tese de mestrado ou doutorado. Todavia, respondê-las-ei da

maneira mais objetiva possível, por acreditar que esse seja o foco da entrevista.

No terceiro ano da faculdade de direito, o professor Celso Antônio Bandeira de Mello

ensinou que, quando há conflito de direitos, as soluções perambulam por uma região

cinzenta, na penumbra, o que impõe ao operador do direito a busca do núcleo. Para

ele, o princípio é o mandamento nuclear do sistema jurídico, por isso sobrepõe-se às

demais normas. Neste caso, em minha opinião, o direito à vida é o princípio

soberano do sistema, é mais que um direito. Todo sistema depende desse princípio,

a validade do ordenamento jurídico é condicionada à vida humana. Tanto as

religiões, quanto o próprio sistema jurídico, não só têm sua existência vinculada à

proteção da vida humana como também são instituições criadas por ela.

Este conflito tente a acabar. Embora não eterna, mas enquanto viva, a vida é

universal, absoluta, ao passo que as religiões são trocadas cotidianamente. A vida

não pode ser mitigada por nada, pois ela é o fundamento existencial da própria

Page 73: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

73

religião logo, sua prevalência não deveria ser avaliada como um desrespeito à

liberdade religiosa. A vida não pode se adequar à religião. Esta é que deve priorizar

a vida.

Por estas razões, os tribunais não estão responsabilizando civilmente o médico, nem

o hospital, pacificando, assim, o entendimento de que a tutela à vida é mais que um

direito, é o mandamento fundamental do sistema, é o que confere significado ao

universo jurídico, é a inteligência dos demais direitos, aos quais se inclui o direito à

liberdade religiosa.

2 – Na hipótese de o médico não tomar os procedimentos necessários, ou seja,

não aplicando sangue por respeitar a liberdade religiosa do paciente, quais

seriam as possíveis consequências?

Resposta: O médico é um profissional de uma ciência. Fez o juramento de

Hipócrates:

"Eu, solenemente, juro consagrar minha vida a serviço da Humanidade. Darei como reconhecimento a meus mestres, meu respeito e minha gratidão. Praticarei a minha profissão com consciência e dignidade. A saúde dos meus pacientes será a minha primeira preocupação. Respeitarei os segredos a mim confiados. Manterei, a todo custo, no máximo possível, a honra e a tradição da profissão médica. Meus colegas serão meus irmãos. Não permitirei que concepções religiosas, nacionais, raciais, partidárias ou sociais intervenham entre meu dever e meus pacientes. Manterei o mais alto respeito pela vida humana, desde sua concepção. Mesmo sob ameaça, não usarei meu conhecimento médico em princípios contrários às leis da natureza. Faço estas promessas, solene e

livremente, pela minha própria honra." (g. n.).

Do ponto de vista estritamente jurídico, essa profissão tem sua conduta limitada e

condicionada pelo código de ética médica, estabelecendo que:

“Capítulo I - PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS I - A Medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade e será exercida sem discriminação de nenhuma natureza. II - O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional. (...) VII - O médico exercerá sua profissão com autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência ou a quem não deseje, excetuadas as situações de ausência de outro médico, em caso de urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos à saúde do paciente.

Page 74: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

74

VIII - O médico não pode, em nenhuma circunstância ou sob nenhum pretexto, renunciar à sua liberdade profissional, nem permitir quaisquer restrições ou imposições que possam prejudicar a eficiência e a correção de seu trabalho. (...) X - O trabalho do médico não pode ser explorado por terceiros com objetivos de lucro, finalidade política ou religiosa. (...) Capítulo II - DIREITOS DOS MÉDICOS É direito do médico: I - Exercer a Medicina sem ser discriminado por questões de religião, etnia, sexo, nacionalidade, cor, orientação sexual, idade, condição social, opinião política ou de qualquer outra natureza. II - Indicar o procedimento adequado ao paciente, observadas as práticas cientificamente reconhecidas e respeitada a legislação vigente. (...) Capítulo III - RESPONSABILIDADE PROFISSIONAL É vedado ao médico: Art. 1º Causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência. Parágrafo único. A responsabilidade médica é sempre pessoal e não pode ser presumida.” (g. n.).

A interpretação sistemática deste estatuto revela que a conduta médica deve ser

pautada em critérios científicos comprovados, sem permitir a interferência de

critérios alheios. Em alguns trechos é explicito em repelir a influência religiosa na

atividade desta profissão.

Nestes termos, embora existam mecanismos de defesas suficientes para a ampla

defesa do médico que não realize a transfusão de sangue em respeito à crença

religiosa, ele, primeiramente, poderá ser responsabilizado pelo seu ato – omissão –

mediante a representação de seus colegas,nos termos do seu código:

“Capítulo I - PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

(...)

XVIII - O médico terá, para com os colegas, respeito, consideração e

solidariedade, sem se eximir de denunciar atos que contrariem os

postulados éticos.”

Ademais, qualquer familiar poderá propor demandas judiciais e reclamações

administrativas para responsabilizar esse profissional pelos danos sofridos. A

sociedade tem legitimidade também para salvaguardar a vida, como direito

Page 75: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

75

fundamental, a qual, nessa hipótese, pode ser representada pelo MP, órgão com

legitimidade para processar esse médico.

3 – Qual orientação o Dr. daria a um cliente médico que, em caso de

emergência, tivesse a recusa de um paciente a transfundir o sangue por razões

religiosas, sendo que na sua família há adeptos de “Testemunhas de Jeová” e

de outra religião que permita tal ato?

Resposta: Fizesse em absoluto o procedimento médico padrão, sem a interferência

de qualquer critério alheio à medicina. Fizesse a transfusão. Vivemos num país

laico. Garantiria sua defesa em todas as instâncias se ele buscou salvar a vida.

4 – Em sua opinião, deveria ocorrer uma discussão sobre esta matéria por

parte do Poder Legislativo no sentido de uma tentativa resolução desta

celeuma tão grave? Dê sua opinião

Resposta: O tema é de enfoque casuístico, o que torna difícil sua prescrição em

textos legais, talvez um dos motivos – que acredito ser um dos menos importantes –

da inexistência de lei específica abordando tal assunto.

A medicina poderia ser melhor garantida, o médico poderia trabalhar com mais

segurança e clarividência se este tipo de tema fosse solucionado pelo poder

Legislativo. Acredito que dificilmente veremos este fenômeno. O lobby das igrejas no

Congresso Nacional é extremamente pesado. Além disso, o tema é muito polêmico,

o que acovarda o legislativo de discuti-lo. Assim, mais uma vez a solução fica a

cargo exclusivo do judiciário. Entretanto, como vimos, o médico pode ficar

despreocupado se optar por aplicar o procedimento padrão que lhe for confiado. O

Poder Judiciário possui elementos de sobra para averiguar que a profissão é isenta

de pressões alheias à sua ciência, que o Brasil é um país laico, que o direito à vida é

a razão de ser de nossa sociedade, nação, ordenamento jurídico, religião...

Page 76: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

76

ANEXO D

ENTREVISTA: PROFISSIONAIS DA ÁREA MÉDICA

Tema: COLISÃO DE DIREITOS CONSTITUCIONAIS E A POSTURA DA AÇÃO MÉDICA QUANTO À TRANFUSÃO DE SANGUE EM TESTEMUNHAS DE JEOVÁ

Dr.Lavínio Nilton Camarin – Médico e Conselheiro do CRM de Franca/SP.

1 – Qual é o procedimento adotado pelos profissionais da área médica quando

o paciente (Testemunha de Jeová) necessita receber sangue para resguardar

sua vida e ocorre uma recusa por razões doutrinárias de sua religião?

Resposta: Primeiramente, gostaria de ressaltar que o médico tem muitas dúvidas e

fica muito temeroso quanto está diante de um caso deste. Entretanto, a autonomia

do paciente deve quase sempre ser respeitada, lembrando de exceção como o

iminente risco de morte. Cada médico deve seguir sempre sua consciência ética, de

acordo com os postulados deontológicos do Código de Ética Médica vigente.

2 – Qual a posição do CRM?

Resposta: O CREMESP acredita que a transfusão de sangue em Testemunhas de

Jeová é um assunto de muita polêmica. Tanto que algumas Resoluções e

Pareceres foram elaborados no sentido de nortear "eticamente" as discussões e de

estabelecer um direcionamento para os médicos na sua prática diária. É claro que

muitas questões éticas e bioéticas estão envolvidas neste caso. O médico jamais

deverá omitir ao seu paciente a possibilidade da necessidade de hemotransfusão

em cada procedimento praticado. Muitas vezes, e quase sempre, a autonomia do

paciente deve ser respeitada, existindo algumas exceções, como o já citado "risco

iminente de morte".

Page 77: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

77

Diante disto posso dizer, segundo a Resolução CFM 1021/80, que o médico deve

observar o seguinte: 1- Se não houver iminente perigo de morte, o médico respeitará

a vontade do paciente ou de seus responsáveis, 2- Se houver iminente perigo de

morte, o médico praticará a transfusão de sangue, independentemente de

consentimento do paciente ou de seus responsáveis.

Para terminar, acredito que a ética sempre deve ser preservada.

3 – Na hipótese de o médico não tomar os procedimentos necessários, ou seja,

não aplicando sangue por respeitar a liberdade religiosa do paciente, quais

seriam as possíveis consequências?

Resposta: Pode-se ter consequências ética e legal, sendo que em relação a esta

última compete ao Poder Judiciário decidir. Quanto às consequências éticas, estas

seriam avaliadas pelos Conselhos de Medicina com toda a imparcialidade, focando

na real necessidade de se transfundir sangue, na urgência do caso, no iminente

perigo de morte e, principalmente, na autonomia do paciente. Com isto, seria

balizada a necessidade de abertura, ou não, de um Processo Ético-Profissional,

tendo assim todas as suas implicações e consequências administrativas até um

julgamento final.

4 – O Sr. já teve que passar por alguma situação dessas? Já presenciou algum

colega nesta situação?

Resposta: Não, eu ainda não estive diante ou dentro de uma situação deste tipo (ao

extremo), mas, sempre que atendo um paciente Testemunha de Jeová, procuro me

portar como manda a ética e sempre explico a conduta a ser tomada diante de cada

caso e de uma urgência médica. Com isto, acredito que até perco pacientes, pois

hoje já existem médicos que seguem a mesma crença religiosa.

5 – Em sua opinião, deveria ocorrer uma discussão sobre esta matéria por

parte do Poder Legislativo no sentido de uma tentativa de resolução desta

celeuma tão grave? Dê sua opinião

Resposta: Acredito que esta questão transcende a "Lei". É claro que é importante o

Poder Legislativo cumprir o seu papel, regulamentar através de uma lei aquilo que

envolve a sociedade como um todo e, mais do que isto, poderia abrir uma consulta

pública para ter a real avaliação do que a população pensa e deseja que seja

Page 78: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

78

normatizado em seu benefício. Todavia, eu gostaria de enfatizar que as questões

éticas e bioéticas são amplas e devem nortear os rumos, os debates e a elaboração

desta "Lei".

Page 79: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

79

ANEXO E

ENTREVISTA: PROFISSIONAIS DA ÁREA MÉDICA

Tema: COLISÃO DE DIREITOS CONSTITUCIONAIS E A POSTURA DA AÇÃO MÉDICA QUANTO À TRANFUSÃO DE SANGUE EM TESTEMUNHAS DE JEOVÁ.

Dr. Del Bianco, Renato Antônio – Especialista em Cirurgia Cardiovascular pela SBCCV.

1 – Qual é o procedimento adotado pelos profissionais da área médica quando

o paciente (Testemunha de Jeová) necessita receber sangue para resguardar

sua vida e ocorre uma recusa por razões doutrinárias de sua religião?

Resposta: As condutas medicas devem sempre ser paltadas no Código de Ética

Médica, art. 22, que nos dá um respaldo quanto à conduta a ser tomada. Se não

houver risco iminente de morte, devemos ouvir a vontade do paciente ou de seu

representante legal, caso contrário, devemos agir com o que a medicina nos oferece

de mais moderno e com práticas já consagradas. No caso específico de

Testemunha de Jeová e cirurgia cardíaca, ainda não há substitutos para o sangue,

apenas coadjuvantes para o tratamento. O médico que submete um paciente a uma

cirurgia cardíaca com o rígido propósito de não usar sangue talvez esteja cometendo

um dolo eventual, pois há algumas situações em que só transfusões de sangue

salvam o paciente.

2 – Qual a posição do CRM?

Resposta: O CRM nos orienta a seguir o código de Ética Médica. Os artigos abaixo

por si só respondem às suas perguntas.

Capítulo IV

DIREITOS HUMANOS

É vedado ao médico:

Page 80: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

80

―Art. 22. Deixar de obter o consentimento do paciente ou de seu representante legal

após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco

iminente de morte‖.

Capítulo V

RELAÇÃO COM PACIENTES E FAMILIARES

É vedado ao médico:

Art. 31. Desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir

livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em

caso de iminente risco de morte.

―Art. 32. Deixar de usar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento,

cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente‖.

3 – Na hipótese de o médico não tomar os procedimentos necessários, ou seja, não

aplicando sangue por respeitar a liberdade religiosa do paciente, quais seriam as

possíveis consequências?

Resposta: Se o caso for de urgência, provavelmente o médico seria inocentado em

um suposto processo criminal ou civil, mas, em caso eletivo e negativa do paciente,

provavelmente seria condenado.

4 – Você já teve que passar por alguma situação dessas? Já presenciou algum

colega nesta situação?

Resposta: Sim, por diversas vezes, mas sempre se trataram de cirurgias eletivas. Eu

os encaminho a um cirurgião de São Paulo que também é Testemunha de Jeová.

5 – Em sua opinião, deveria ocorrer uma discussão sobre esta matéria por parte do

Poder Legislativo no sentido de uma tentativa de resolução desta celeuma tão

grave? Dê sua opinião

Resposta: Claro que um debate seria benéfico, mas a meu ver deveria haver uma

emenda constucional, específica a ―Testemunha de Jeová‖, para resolver o

problema. Veja alguns casos a seguir e a insegurança em que nós, médicos,

ficamos.

1 Caso; O juiz Renato Luís Dresch, da 4ª Vara da Fazenda Pública Municipal de

Belo Horizonte/MG, nos autos do processo 024.08.997938-9, indeferiu um pedido de

alvará feito pelo Hospital Odilon Behrens em que solicitava autorização para fazer

uma transfusão de sangue em uma paciente que pertencia à religião ―Testemunhas

de Jeová‖. Em trecho lapidar, o magistrado mencionou que no seu entendimento,

resguardar o direito à vida implica também em preservar os valores morais,

Page 81: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

81

espirituais e psicológicos. O Dr. Dresch citou que, embora não fosse lícito a parte

atentar contra a própria vida, a Constituição, em seu art. 5º, inciso IV, assegura

também a inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença, garantindo o livre

exercício dos cultos religiosos.

2 Caso; Juiz autoriza transfusão de sangue em testemunha de Jeová

Internada em estado grave no Hospital de Base, testemunha de Jeová registrou em

cartório que não queria transfusão de sangue. Para tentar salvar a mãe, filha vai ao

tribunal com o objetivo de autorizar a intervenção.

Um juiz autorizou médicos do Hospital de Base do Distrito Federal (HBDF) que a

realizassem transfusões de sangue na paciente, mesmo contra a vontade dela.

O pedido à Justiça partiu de uma filha da paciente, internada em estado grave e

inconsciente para uma cirurgia na cabeça.

A decisão é rara no histórico do Judiciário brasiliense. Seguidores da religião da

mulher doente resistiam ao tratamento devido à necessidade de ela receber sangue

de outras pessoas, o que contraria princípios da doutrina.

São casos contraditorios, a qual magistrado devemos seguir? Diante de todo esse

imbróglio jurídico o melhor para o medico, em caso de dúvida, é perguntar ao Juiz

de plantão o que fazer!

Page 82: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

82

ANEXO F

ENTREVISTA: PROFISSIONAIS DA ÁREA MÉDICA

Tema: COLISÃO DE DIREITOS CONSTITUCIONAIS E A POSTURA DA AÇÃO MÉDICA QUANTO À TRANFUSÃO DE SANGUE EM TESTEMUNHAS DE JEOVÁ

Dr. Tomas Antônio Salerno - Médico , Professor de cirurgia, chefe da Divisão

de Cirurgia Cardiotorácica e vice-presidente da DeWitt Daughtry Family

Department of Surgery Professor Responsável pelo serviço de Cirurgia

Cardiaca at the University of Miami Miller School of Medicine.

1 – Qual é o procedimento adotado pelos profissionais da área médica quando

o paciente (Testemunha de Jeová) necessita receber sangue para resguardar

sua vida e ocorre uma recusa por razões doutrinárias de sua religião?

Resposta: Quando um paciente adepto da religião ―Testemunha de Jeová‖ é

admitido no hospital, ele é identificado como tal e assina um documento dizendo que

não aceita sangue. Isso fica cadastrado no seu fichário e, de maneira alguma,

sangue será dado ao paciente, sob pena de perda de licença médica, crime de

assalto e prisão. Como adulto, a não ser que seja mentalmente incompetente, isto

não pode ser mudado. No caso de incompetente, o juiz tem que dar a ordem para a

transfusão de sangue.

2 – Qual a posição do CRM?

Resposta: A mesma acima. O médico é protegido por lei a seguir os desejos do

doente, uma vez que é identificado como Testemunha de Jeová.

Page 83: TRANSFUSÃO DE SANGUE TESTEMUNAS DE JEOVÁ

83

3 – Na hipótese de médico não tomar os procedimentos necessários, ou seja,

não aplicando sangue por respeitar a liberdade religiosa do paciente, quais

seriam as possíveis consequências?

Resposta: Não há consequências para o médico desde que o paciente assine um

documento dizendo que não aceita sangue ao ser admitido no hospital e identificado

como ―Testemunha de Jeová‖ (isso só é aplicado para pacientes adultos).

4 – Você já teve que passar por alguma situação dessas? Já presenciou algum

colega nesta situação?

Resposta: Sim, eu, pessoalmente, operei um testemunha que não me disse, apesar

de eu perguntar, se ele estava tomando antiplaqueta, plavix, ele negou. Depois da

cirurgia, sangrou e eu vi o paciente aos poucos morrer, apesar de ser reoperado 3

vezes. Um dos meus colegas deu sangue por ordem da família e também por um

documento que o paciente tinha assinado (power or attorney), Ele foi disciplinado e

quase foi processado e punido. Se o paciente tivesse morrido, nada teria acontecido

pelo fato de não ter recebido sangue; porém, o médico poderia ser levado à justiça

caso tivesse havido erro técnico durante a cirurgia. Se o paciente assinar um

documento em que não aceita transfusão de sangue por ser ―Testemunha de

Jeová‖, o médico fica protegido por não ter realizado o devido procedimento.

5 – Em sua opinião, deveria ocorrer uma discussão sobre esta matéria por

parte do Poder Legislativo no sentido de uma tentativa resolução desta

celeuma tão grave? Dê sua opinião

Resposta: Nada deve ser mudado. O paciente tem direito de receber o tratamento

que quiser, seja cirurgia, tratamento médico ou outro, se for mentalmente

competente. Se ele assina que não quer sangue, o médico tem o direito de não

querer operá-lo. Não se poderá forçar o médico a fazer o que não quer. Se o médico

concordar em operar, não pode dar sangue. Direito humano. Isso só se aplica a

adultos.