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Delosmar Mendonça Elaine Harzheim Macedo Sergio Torres Teixeira Wellington Pacheco Barros 3.ª edição / 2009 Tutela Diferenciada Esse material é parte integrante do Aulas Particulares do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.aulasparticularesiesde.com.br

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Delosmar Mendonça

Elaine Harzheim Macedo

Sergio Torres Teixeira

Wellington Pacheco Barros

3.ª edição / 2009

Tutela Diferenciada

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M543 Mendonça, Delosmar. / Tutela Diferenciada. / Delos-mar Mendonça et al. 3. ed. — Curitiba : IESDE Brasil

S.A. , 2009. [Atualizado até abril de 2009]292 p.

ISBN: 978-85-387-0493-5

1. Tutela. 2. Processo Cautelar. 3. Antecipação de Tutela. 4. Ação Cautelar. I. Título. II. Macedo, Elaine Harzheim. III. Teixeira, Sergio Torres. IV. Barros, Wellington Pacheco.

CDD 342.164

IESDE Brasil S.A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br

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Doutor em Direto Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Mestre em Direito pela Universidade Federal de Per-nambuco (UFPE). Professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e do Centro Universitário de João Pessoa (Unipê). Procurador do Estado da Paraíba. Advogado.

Delosmar Mendonça

Doutora em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisi-nos). Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Professora do curso de Pós-Graduação da Universidade Lute-rana do Brasil (Ulbra). Colaboradora dos cursos de Especialização em Processo Civil da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), do Instituto de Desenvolvimento Cultural (IDC-RS), da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (AJURIS-RS), da Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul (ESMP-RS) e do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul (IARGS). Desem-bargadora do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.

Elaine Harzheim Macedo

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Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Professor do curso de Pós-Graduação do Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter) e da Escola Superior da Magistratura da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (AJURIS). Desembargador aposentado do Tribunal de Justi-ça do Estado do Rio Grande do Sul. Advogado.

Wellington Pacheco Barros

Doutor em Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Professor de Graduação e Pós-Graduação da UFPE. Professor da Escola da Magistratura de Pernambuco (Esmape) e Coordenador da Escola Superior da Ma-gistratura Trabalhista de Pernambuco (Esmatra). Professor adjunto de Graduação e Pós-Graduação da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). Professor titular de Graduação e Pós-Graduação da Faculdade Boa Viagem (FBV). Membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho (ANDT). Juiz do Trabalho da 6.ª Região.

Sergio Torres Teixeira

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Sumário

Introdução à tutela de urgência ......................................... 11

Introdução ................................................................................................................................... 11

Instrumentalidade processual e efetividade do processo.......................................... 13

Busca por um processo de resultados e evolução do modelo processual brasileiro ................................................................... 21

Tempo e processo ..................................................................................................................... 25

Tutela de urgência .................................................................................................................... 28

Tutela cautelar ........................................................................... 35

Introdução ................................................................................................................................... 35

Institutos da tutela cautelar .................................................................................................. 36

Fundamentos da tutela cautelar ......................................................................................... 38

Finalidade da tutela cautelar ................................................................................................ 39

Características da tutela cautelar......................................................................................... 40

Oportunidade de concessão da tutela cautelar ............................................................. 42

Concessão ex officio da medida cautelar .......................................................................... 43

Pressupostos básicos da tutela cautelar ........................................................................... 44

Processo cautelar ...................................................................... 49

Introdução ................................................................................................................................... 49

Espécies de processo segundo a tutela pretendida ..................................................... 50

Generalidades do processo cautelar .................................................................................. 51

Elementos subjetivos do processo cautelar .................................................................... 52

Elementos objetivos do processo cautelar ...................................................................... 53

Procedimentos no processo cautelar ................................................................................ 55

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Fases do procedimento cautelar comum ......................................................................... 57

Cessação da eficácia da medida cautelar ........................................................................ 61

Antecipação de tutela: generalidades .............................. 65

Introdução .................................................................................................................................. 65

Modalidades de tutela de urgência .................................................................................... 67

Nomenclatura: denominação do instituto ...................................................................... 70

Origem institucional ............................................................................................................... 72

Características da antecipação de tutela .......................................................................... 74

Distinções entre a medida cautelar e a medida antecipatória e a fungibilidade entre as medidas .................................. 77

Antecipação de tutela: espécies e requisitos de concessão ................................... 83

Introdução ................................................................................................................................... 83

Classificação das medidas antecipatórias ........................................................................ 84

Modalidades de antecipação de tutela previstas em lei, segundo a doutrina tradicional .......................................................... 86

Requisitos de concessão da antecipação de tutela ...................................................... 90

Antecipação de tutela: efetivação e peculiaridades ................................................105

Introdução .................................................................................................................................105

Efetivação do provimento antecipatório ........................................................................106

Tutela cautelar versus tutela antecipada ........................125

Movimento histórico ..............................................................................................................126

Fungibilidade das medidas cautelares e fungibilidade entre medida cautelar e antecipação de tutela ............................127

Características comuns às tutelas cautelar e antecipatória .....................................128

Características exclusivas da tutela cautelar .................................................................130

Tutela cautelar e processo cautelar do Livro III do CPC .............................................131

Tutelas antecipadas ou provimentos antecipatórios no processo de conhecimento .............................................................132

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Momento da antecipação ...................................................................................................133

Natureza do ato judicial que decide o pleito de urgência .......................................134

Poder geral de cautela e poder cautelar genérico do juiz.....................................149

Noção de fumus boni iuris e do periculum in mora ......................................................150

Restrições ao poder geral de cautela ...............................................................................153

Possibilidade de concessão de cautela nos próprios autos do processo principal, independentemente de postulação da parte e procedimento autônomo ..................................................154

Procedimento da cautela atípica ou inominada ..........................................................155

Recursos ......................................................................................................................................158

Provimentos antecipatórios em espécie ........................165

“Liminar” ou “antecipação de tutela” nas ações possessórias ..................................166

Ordem de pagamento nas ações monitórias ................................................................169

Ação de consignação em pagamento: depósito .........................................................170

Liminar no mandado de segurança ..................................................................................171

Liminar na ação de alimentos .............................................................................................172

Execução provisória ................................................................................................................173

Competência no processo cautelar .................................187

Jurisdição e processo .............................................................................................................187

Jurisdição, juiz natural e competência ............................................................................189

Competência funcional .........................................................................................................190

Competência na ação cautelar ...........................................................................................191

Cessação, modificação e revogação da medida cautelar ......................................199

Tutela de urgência e a provisoriedade da medida cautelar no âmbito do sistema processual ..............................................199

Cessação .....................................................................................................................................201

Desnecessidade .......................................................................................................................201

Revogação .................................................................................................................................205

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Sentença e coisa julgada no processo cautelar .............................................................209

A sentença no processo cautelar: aspectos gerais ......................................................209

O mérito do processo cautelar ...........................................................................................210

Sentença cautelar e tutelas mandamental e executiva .............................................213

Coisa julgada e processo cautelar .....................................................................................214

Responsabilidade objetiva nas tutelas de urgência ........................................................217

Responsabilidade objetiva...................................................................................................217

A tutela de urgência como atividade de risco ..............................................................218

A responsabilidade objetiva na ação cautelar ..............................................................220

Liquidação e efetivação ........................................................................................................222

Ações cautelares específicas I ............................................225

Introdução .................................................................................................................................225

Arresto .........................................................................................................................................226

Sequestro ...................................................................................................................................228

Caução .........................................................................................................................................230

Ações cautelares específicas II ...........................................235

Busca e apreensão ..................................................................................................................235

Exibição .......................................................................................................................................238

Produção antecipada de provas ........................................................................................239

Ações cautelares específicas III ..........................................243

Alimentos provisionais ..........................................................................................................243

Arrolamento de bens .............................................................................................................244

Posse em nome do nascituro ..............................................................................................245

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Tutela específica .....................................................................249

Introdução .................................................................................................................................249

Espécies tradicionais de classificação da tutela jurisdicional cognitiva .........................................................................................252

Tutela sancionatória ...............................................................................................................253

Tutela preventiva e tutela inibitória .................................................................................254

Tutela reparatória ....................................................................................................................257

Tutela específica e tutela inespecífica ..............................................................................258

Liminares contra o Poder Público .....................................267

Considerações gerais .............................................................................................................267

Conceito de Poder Público...................................................................................................267

E o que é uma liminar? ..........................................................................................................269

Abrangência do conceito de liminar ................................................................................269

A liminar como forma de controle do Poder Judiciário contra o Poder Público...................................................................272

Pressupostos para a concessão de liminares contra o Poder Público .................................................................................273

Limitações para concessão de liminares contra o Poder Público .................................................................................276

Conclusão ...................................................................................................................................278

Referências ................................................................................281

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Sergio Torres Teixeira

IntroduçãoO processo jurisdicional, considerada a típica forma de heterocomposição

estatal de conflitos, corresponde ao instrumento por meio do qual o Estado- -juiz exerce a jurisdição e as partes exercem o direito de ação.

São nesse sentido os conceitos encontrados na doutrina processual pátria, como a definição apresentada pelos coautores de Teoria Geral do Processo (2002, p. 277) (Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel Dinamarco e Antônio Carlos Araújo Cintra), segundo os quais o processo é “instrumento através do qual a jurisdição opera (instrumento para a positivação do poder)”. Moacyr Amaral Santos (2002, p. 270-271), por sua vez, igualmente o define, no plano institucional, como instrumento da jurisdição, destacando que o processo serve de “meio de que se vale o Estado para exercer sua função jurisdicional, isto é, para resoluções das lides e, em consequência, das pretensões”, como também, numa visão mais materialista, como um “complexo de atos coorde-nados, tendentes ao exercício da função jurisdicional”.

No campo do Direito Processual, assim, o termo “processo” revela múlti-plas acepções. Pode representar uma ação humana que se projeta no tempo, um objeto jurídico ideal oriundo do pensamento dos juristas acerca de um fenômeno temporal e espacial, ou, mesmo, um conjunto de documentos (os autos do processo judicial). Materialmente compreendido apenas como uma mera sucessão de atos, o processo judicial é reconhecido pela doutrina moderna sob um duplo aspecto: como um complexo de atos praticados pelos protagonistas do processo e, concomitantemente, como uma relação jurídica de múltiplas ligações entre os sujeitos processuais.

Introdução à tutela de urgência

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Tutela Diferenciada

O processo jurisdicional, destarte, representa o instrumento por meio do qual o Estado exerce a jurisdição e o postulante seu direito de ação, materializando-se por meio de um conjunto de atos coordenados, tendentes à atuação da vontade do legislador aos conflitos submetidos à apreciação do Estado-juiz.

Ocorre que, por se tratar de um instrumento concebido, desenvolvido e, às vezes, manipulado pelo homem, o processo jurisdicional é, da mesma forma como seu criador, falível e cercado de limitações.

Se, segundo o ditado popular, “nada é mais desumano de que a perfeição e nada mais humano de que a imperfeição”, é natural e absolutamente inevitável que o processo jurisdicional, enquanto instrumento fabricado e manuseado pelo ser humano, seja marcado por deficiências que podem comprometer a conse-cução dos seus objetivos. São falhas próprias do mecanismo do sistema proces-sual, enquanto complexo de atos, bem como inerentes às limitações próprias dos sujeitos da relação processual.

O Estado não pode assegurar às partes processuais e tampouco à sociedade que o resultado final de um processo judicial retratará, com 100% de fidelidade, a justiça oriunda da “verdade real” daquele caso concreto, ou seja, daquilo que real-mente aconteceu dentro do contexto da respectiva lide que foi deduzida em juízo. Não há como proporcionar garantia absoluta de acerto, isto é, de justiça concreta.

Uma pequena falha, um pequeno deslize, por menor que seja, pode compro-meter irremediavelmente o resultado final de um processo judicial.

Suficiente é que uma prova crucial não tenha sido produzida oportunamente por qualquer uma das partes; ou que uma testemunha não tenha informado cor-retamente um dado relevante da lide; que o perito nomeado pelo juiz tenha exa-minado de forma errada o objeto da respectiva diligência probatória; ou ainda que o magistrado tenha examinado de forma equivocada uma prova ou interpre-tado inadequadamente uma norma jurídica. Basta uma falha em tais moldes para todo o resultado daquele caso sub iudice restar comprometido.

Além de limitações decorrentes de eventuais erros praticados pelos sujeitos do processo e de seus colaboradores (como o perito ou a testemunha), existem deficiências próprias do sistema processual em si, como aquelas vinculadas ao fator tempo. São problemas que prejudicam o célere desenvolvimento da relação processual, sejam os inerentes à necessidade de oferecer determinadas garantias aos litigantes que exigem tempo para serem implementadas, sejam os próprios

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Introdução à tutela de urgência

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da complexa vida social, e, ainda, sejam os provocados por atos de deslealdade processual daqueles que ignoram as regras de ética norteadoras da atuação de todos dentro do processo jurisdicional.

Como consequência de tais limitações, torna-se imprescindível a adoção de medidas aptas a neutralizar os efeitos nocivos da passagem do tempo sobre o processo, para proteger este e o seu objeto. O sistema processual, assim, neces-sariamente precisa proporcionar aos sujeitos da relação processual instrumentos idôneos a combater os reflexos negativos da demora na entrega da prestação jurisdicional, assegurando uma tutela efetiva não apenas ao interesse material que serve de objeto do processo, mas ao próprio processo. E, dentre as ferramen-tas capazes de oferecer tal espécie de auxílio, se encontram as medidas de tutela de urgência.

Antes de analisar tal modalidade instrumental, entretanto, torna-se necessário examinar com mais minúcia os institutos denominados pela doutrina processual como instrumentalidade do processo e efetividade do modelo processual.

Instrumentalidade processual e efetividade do processo

As deficiências e limitações que atingem o processo jurisdicional podem com-prometer irremediavelmente o resultado de um determinado caso concreto.

Nem sempre, assim, o processo conseguirá atingir plenamente os seus esco-pos institucionais.

O termo “escopo” significa função, finalidade, objetivo, meta. Na doutrina pro-cessual, quando se fala em “escopos do processo”, está se expondo os objetivos básicos do processo jurisdicional, ou seja, as funções que tal instituto se propõe a cumprir na sua atuação como instrumento da jurisdição e da ação.

Uma análise do moderno modelo processual revela a presença de quatro esco-pos gerais e um escopo magno: este, o fim maior do processo; aqueles, seus obje-tivos nos planos jurídico, político e social.

O escopo jurídico do processo é servir de veículo para a atuação do direito subs-tancial, isto é, proporcionar a realização do direito material que não foi observado espontaneamente por um ou ambos os litigantes. O processo judicial apresenta

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como sua função jurídica, evidentemente, o objetivo de promover a concretiza-ção do direito substancial, fazer atuar a vontade da lei.

A norma abstrata, não observada espontaneamente, é materializada mediante o exercício da jurisdição. Aplicando a lei coercitivamente através dos atos judican-tes do Estado-juiz, o processo cumpre a sua finalidade jurídica.

O escopo político do processo jurisdicional, por seu turno, corresponde ao seu objetivo de conservar a autoridade do ordenamento jurídico e preservar os valo-res fundamentais nele consagrados. Violada a norma integrante da ordem jurí-dica, o processo surge como veículo apto a assegurar que o modelo jurídico será tutelado e o “dano” à sua estrutura será eliminado. O processo, nessa óptica, atua como um instrumento de manutenção da ordem jurídica.

O escopo social do processo jurisdicional, por sua vez, corresponde a uma meta de caráter pedagógico: educar os litigantes e a sociedade em geral acerca do exer-cício dos seus direitos, demonstrando o que é certo e o que é errado, ou melhor, ensinando mediante os seus julgados qual a conduta que deve ser sancionada e qual o comportamento admitido pelo ordenamento jurídico.

Por meio das decisões dos tribunais, não apenas as partes dos respectivos pro-cessos, mas toda a comunidade acaba aprendendo, evidenciando uma atuação pedagógica da jurisdição.

Além dos seus escopos jurídico, político e social, o processo jurisdicional apre-senta um fim maior, um objetivo primordial, um escopo magno que resume toda a sua importância: pacificar com justiça.

Tendo o Estado moderno a função, em síntese, de promover o bem-comum, no âmbito processual tal finalidade se projeta mediante o objetivo de pacificar com justiça. É mediante a atividade jurisdicional que o Estado assegura o restabeleci-mento da paz, atingida pelo surgimento de um conflito, mediante critérios de jus-tiça. A função maior da jurisdição, destarte, é restabelecer o equilíbrio violado com o surgimento do conflito, restaurar a harmonia social à luz de um ideal de justiça.

É este escopo magno do processo jurisdicional, esta missão social pacifica-dora, destarte, que deve servir de diretriz orientadora para os protagonistas do processo: juiz, partes, Ministério Público e terceiro intervenientes.1

1 Para um estudo mais profundo acerca dos escopos do processo jurisdicional, vide Cândido Rangel Dinamarco (1999).

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Abordado o significado dos escopos do processo jurisdicional, torna-se opor-tuno iniciar a compreensão acerca do alcance da expressão “instrumentalidade do processo”.

Modernamente, o processo jurisdicional é concebido como o instrumento mediante o qual o Estado-juiz exerce o seu dever jurisdicional, tendo por escopo magno a função de, após materializada a lide, promover a paz na sociedade afe-tada pelo conflito, resolvendo este à luz de critérios de justiça. Pacificação com justiça, por conseguinte, é a sua missão primordial.

Dentro desse contexto, o processo judicial corresponde a um instrumento de acesso à Justiça, como meio de assegurar a efetividade das normas adota-das pela comunidade a qual serve, concretizando coercitivamente o direito abs-trato mediante a intervenção provocada do Estado e instruindo a todos acerca da conduta correta a ser observada no meio social. Como consequência da sua instrumentalidade, portanto, serve ainda às tarefas de aplicar o direito material ao caso concreto, conservar o ordenamento jurídico e educar os litigantes e toda a comunidade envolvida. São esses, conforme anteriormente examinado, os seus escopos jurídico, político e social.2

Leciona Cândido Rangel Dinamarco (1999, p. 265-266) que

[...] a instrumentalidade de que se fala não é a do processo, como instituto do direito processual, há um outro instituto do próprio direito processual, que é a jurisdição. É comum e absoluto acerto a afirmação de que o processo, como conjunto de formas ordenadas no procedimento e pautadas pela garantia do contraditório, constitui o método estabelecido pelo direito para que a jurisdição seja exercida de modo correto adequado e seguro; trata-se da “dinâmica do poder”, entendido este em sua manifestação sub specie jurisdictionis. O caráter instrumental do “pro-cesso”, enquanto categoria jurídica, constitui, no entanto, uma característica endossistemática que não coincide nem tem a riqueza desta outra de que se cuida e que é a instrumentalidade do processo, entendido agora como a expressão resumida do próprio sistema processual; essa, sim, é uma perspectiva exterior, em que o sistema é examinado pelo ângulo externo, na sua inserção na ordem jurídica, política e social.

A correta compreensão da expressão instrumentalidade do processo, destarte, pressupõe a conscientização de que o processo representa a via de consecução de escopos vitais para o Estado e a sociedade. É por meio do processo que são desenvolvidos os objetivos de fazer atuar a vontade do direito (escopo jurídico),

2 Vide ainda Antônio Carlos Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco ( 2002, p. 24).

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preservar a autoridade do ordenamento jurídico e os valores nele consagrados (escopo político), e, ainda, educar os litigantes e toda a população acerca do exercício dos seus direitos (escopo social). A pacificação com justiça, entretanto, assume a posição de sua missão maior (escopo magno).

O sistema processual, portanto, se apresenta como o instrumento mediante o qual tais fins são perseguidos. Não se trata apenas de uma ferramenta da jurisdi-ção estatal à disposição do lesado (ou ameaçado de sofrer lesão), utilizável para assegurar a correção do desvio e a reparação do dano à luz das diretrizes da res-pectiva ordem jurídica. Compreende um caráter instrumental próprio do modelo processual, considerando o processo como instrumento de concretização dos escopos do próprio sistema.

A conscientização de que o processo jurisdicional serve de instrumento para a consecução de tais fins institucionais, por seu turno, representa um passo em direção ao melhor aproveitamento do respectivo veículo de satisfação, agora reconhecido como meio para a realização de fins maiores. A adequada compre-ensão do seu aspecto positivo, por sua vez, exige do operador o domínio das fun-ções instrumentais do processo judicial, correspondentes aos seus escopos.

Nesse sentido, o processo jurisdicional, considerado na sua instrumentalidade, serve:

sob o ponto de vista de sua função puramente jurídica, como um instru- �mento a serviço da concretização do direito material e da vontade do legis-lador;

no plano de sua função estritamente política, como um instrumento a ser- �viço da preservação da autoridade do ordenamento jurídico e dos valores fundamentais nele consagrados;

sob o ponto de vista social, como um instrumento educacional, ensinando �aos membros da sociedade questões acerca do exercício dos seus direitos e obrigações; e

sob uma visão ampla e geral, como instrumento de pacificação social �mediante critérios de justiça.

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A efetividade do modelo processual, por sua vez, corresponde ao seu grau de eficiência na consecução de tais metas, ou seja, o nível de sua verdadeira eficácia na realização dos seus objetivos. Se apto, concretamente, a cumprir os seus esco-pos, autêntica será a sua efetividade.3

A efetividade do sistema processual enquanto instrumento de concretização dos seus escopos, por sua vez, não é apenas útil. É, sem sombra de dúvida, abso-lutamente imprescindível à efetividade da própria ordem jurídica4. Os direitos materiais do cidadão somente terão garantia de aplicabilidade na medida em que o processo jurisdicional oferecido pelo Estado for realmente eficaz. Sem a efetivi-dade do modelo processual, não há como assegurar a efetividade das regras do direito material. Este não pode prescindir daquele.

Não se limita, contudo, apenas à capacidade do modelo processual de pro-porcionar resultados que satisfaçam a pretensão de direito material deduzida em juízo e preservem a legitimidade do ordenamento jurídico, isto é, não se restringe à eficiência da execução das funções jurídica e política do sistema processual, de aplicar o direito material e conservar a ordem jurídica. Abrange também a sua aptidão para atingir os seus escopos sociais, servindo de canal de instrução aos litigantes e aos demais membros da sociedade, e, acima de tudo, ratificando a aptidão do modelo processual de concretizar a sua meta maior de pacificar com justiça, amparando adequadamente ao cidadão como instrumento assecuratório do acesso à Justiça.5

3 O termo “efetividade”, segundo o dicionário Aurélio (FERREIRA, 1999, p. 720) significa “qualidade de efetivo” ou “atividade real; resultado verdadeiro”. De acordo com o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (HOUAISS, 2001, p. 1.102), corresponde ao “cará-ter, virtude ou qualidade do que é efetivo” ou “capacidade de produzir o seu efeito habitual, de funcionar normalmente; capa-cidade de atingir o seu objetivo real”. A expressão efetividade do processo, segundo Cândido Rangel Dinamarco (1999, p. 270), “constitui expressão resumida da ideia de que o processo deve ser apto a cumprir integralmente toda a sua função sócio-político-jurídica, atingindo em toda a plenitude os seus escopos institucionais”, acrescentando em seguida (1999, p. 271) que “a efetividade, entendida como se propõe, significa sua almejada aptidão a eliminar insatisfações, com justiça e fazendo cumprir o direito, além de valer como meio de educação geral para o exercício e respeito aos direitos e canal de participação dos indivíduos nos destinos da sociedade e assegurar-lhes a liberdade. Sempre, como se vê, é a visão dos objetivos que vêm a iluminar os conceitos e oferecer condições para o aperfeiçoamento do sistema”. Vide ainda Ricardo Rodrigues Gama (1999) e Delosmar Mendonça Júnior (2001).

4 Ao comentar tal realidade, Rosana Josefa Martins Dias (1994, p. 14) afirma que “com efeito, é imperativo que tais regras sejam individualizadas caso a caso e, se for necessário, que sua observância seja imposta por meios coercitivos. Eis que um ramo do Direito está precisamente destinado ao objetivo de garantir a eficácia prática efetiva do ordenamento jurídico, mediante a instituição dos órgãos públicos que possibilitam que esta garantia atue e regulam modalidades e formas de tal atividade. Apri-morar o serviço jurisdicional prestado através do processo, dando efetividade aos seus princípios, é uma tendência universal na atualidade”.

5 Vide Cintra, Grinover e Dinamarco (2002, p. 34).

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Por isso a relevância em avaliar constantemente o nível de aptidão do sistema processual adotado em qualquer sociedade, de forma a acompanhar a evolução (ou involução) de sua eficiência. E a medição do grau de eficiência de qualquer modelo processual, segundo a melhor doutrina6, deve ser realizada mediante a aferição dos óbices encontrados em quatro “pontos sensíveis”:

admissão ao processo; �

modo-de-ser do processo; �

justiça das decisões; e �

utilidade das decisões. �

O primeiro ponto refere-se à questão do ingresso em juízo, do grau de dificul-dade que um indivíduo enfrenta para propor uma ação perante o Judiciário. Para de fato servir de meio à pacificação com justiça, o modelo processual deve asse-gurar a facilidade de admissão na máquina judiciária, neutralizando os obstáculos que regularmente dificultam a propositura de postulações no âmbito jurisdicio-nal do Estado.

O modo-de-ser do processo, por sua vez, corresponde à dinâmica normativa do processo, ou seja, à legislação procedimental na seara do processo jurisdicio-nal, destacando-se os institutos colocados à disposição dos sujeitos processuais para promover a marcha do processo segundo as garantias do devido processo legal. Para assegurar a real efetividade do processo, a sua dinâmica deve obser-var a fórmula de agir prevista em lei como a adequada para produzir o resultado almejado (paz e justiça), considerando como suficientes e eficazes as ferramentas processuais previstas pelo legislador7.

O terceiro “ponto sensível”, a justiça das decisões, se refere à qualidade dos jul-gados proferidos pelos juízes, que devem sempre se pautar pelo critério da justiça durante o exercício da função judicante, mesmo que forçados a julgar de forma aparentemente antagônica à vontade do legislador8.

6 Vide Cintra, Grinover e Dinamarco (2002, p. 34).

7 Vide Américo Canabarro (1997).

8 Quanto à respectiva temática, vide João Baptista Herkenhoff (1994), J. J. Calmon de Passos (1999), Amilton Bueno de Carvalho (2003) e Edgar Carlos de Amorim (1992).

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E, por fim, a utilidade das decisões9, correspondendo ao grau de serventia do provimento judicial concedido, avaliando o nível de satisfação produzido pela tutela jurisdicional na parte vencedora, que deve receber tudo e exatamente aquilo que deve ser concedido segundo o ordenamento jurídico, como se nunca tivesse existido o litígio.

Considerados os institutos da instrumentalidade do processo e da efetividade processual, constata-se que o direito do cidadão ao acesso à Justiça, destarte, não pode prescindir desse instrumento conhecido como o processual jurisdicional, no seu modelo atual, mesmo em face das deficiências deste.

Acesso à Justiça, por sua vez, não se confunde com acesso ao Poder Judiciá-rio ou admissão em juízo. Este trata da facilidade ou dificuldade que um cidadão enfrenta para propor uma ação judicial. Vincula-se à questão de obstáculos ao exercício do direito de ação. Acesso à Justiça, por outro lado, revela uma concep-ção bem mais abrangente.

Segundo a moderna doutrina processual, a expressão “acesso à Justiça” cor-responde ao direito do cidadão de ter acesso a um ordenamento jurídico justo, ou seja, de viver dentro de uma sociedade na qual os seus direitos básicos serão respeitados e, caso não sejam observados espontaneamente, serão por meio de instrumentos aptos a assegurar a concretização da paz e da justiça. Compreende, em síntese, o direito de inserção numa comunidade na qual prevalece, abstrata-mente no ordenamento jurídico e concretamente na prática, a justiça em toda a sua plenitude.

Nesse sentido, o processo jurisdicional representa um instrumento por meio do qual se propicia às partes litigantes a inserção dentro de uma ordem jurídica justa, resolvendo a lide de forma justa através da concretização coercitiva das regras contidas em um sistema normativo adotado pela respectiva comunidade.

Segundo Cândido Rangel Dinamarco (1999, p. 304):

mais de que um princípio, o acesso à Justiça é a síntese de todos os princípios e garantias do processo, seja a nível constitucional ou infraconstitucional, seja em sede legislativa ou doutri-nária e jurisprudencial. Chega-se à ideia do acesso à Justiça, que é o polo metodológico mais importante do sistema processual na atualidade, mediante o exame de todos e de qualquer um dos grandes princípios.

9 Cândido Rangel Dinamarco (1999, p. 297) utiliza a expressão “efetividade da decisão”, ao se referir ao fato de que “é indispen-sável que o sistema esteja preparado para produzir decisões capazes de propiciar a tutela mais ampla possível aos direitos reconhecidos”.

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Mauro Cappelletti e Bryant Garth (1988, p. 9), em obra com o título Acesso à Justiça, destacam a evolução do respectivo conceito teórico. Nos Estados liberais burgueses dos séculos XVIII e XIX, correspondia simplesmente ao direito formal do indivíduo prejudicado de propor ou contestar a demanda. Não era preocupa-ção do Estado assegurar o acesso efetivo à proteção judicial, mas apenas o acesso formal. Obstáculos como a consciência das pessoas acerca dos seus direitos e o conhecimento dos meios para adequadamente defendê-los na prática, bem como a disponibilidade de recursos para enfrentar a lide, simplesmente não eram considerados como de responsabilidade do Estado.

Posteriormente, com a evolução do conceito de direitos humanos, as socie-dades modernas passaram a reconhecer a existência de direitos e deveres sociais do Estado e das coletividades, que necessariamente devem preceder aos direi-tos individuais como meios de tornar efetivos estes últimos. Passou a prevalecer, assim, a visão de um direito ao acesso efetivo à Justiça, como pressuposto essen-cial aos novos direitos individuais e sociais.

Paulo Cézar Pinheiro Carneiro (1999), por sua vez, aponta a existência de quatro princípios que informam o acesso à Justiça:

acessibilidade � , segundo o qual se pressupõe a existência de sujeitos de direito aptos a ingressar em juízo, sem obstáculos de índole financeira, de modo a assegurar, na prática, a efetivação de direitos individuais e coletivos;

operosidade � , significando que a atuação mais ética e produtiva possível dos envolvidos na composição do conflito, para assegurar o efetivo acesso à Justiça;

utilidade � , no sentido de que o processo deve assegurar à parte vencedora tudo aquilo a que ela faz jus, do modo mais célere e com a maior serventia possível, com menor sacrifício para a parte vencida; e

proporcionalidade � , através do qual se impõe ao juiz, quando diante de situação complexa e controvertida envolvendo interesses relevantes mais antagônicos, a escolha daquele interesse mais valioso, no sentido de se harmonizar com os princípios e fins que norteiam o respectivo campo do direito.10

10 Para ter uma visão panorâmica do acesso à Justiça na óptica de cada um dos diversos operadores do direito processual, vide Hugo Nigro Mazzilli (1998), José Renato Nalini (2000) e Cinthia Robert e Elida Ségun (2000). Vide ainda Justiça: promessa e reali-dade – o acesso à Justiça em países ibero-americanos (ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS, 1996).

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Conclui-se, por fim, que o direito de acesso à Justiça faz parte da concepção ampla de cidadania11.

Busca por um processo de resultados e evolução do modelo processual brasileiro

Até meados do século XX, prevalecia na doutrina processual o pensamento típico da fase do “processualismo científico”, no qual a excessiva preocupação em avançar cientificamente nos estudos da ciência processual prejudicava a cons-cientização acerca das mazelas que atingiam o processo na realidade da prática forense perante os juízos e tribunais.

Começou a tomar corpo durante a década de 1960 do século passado, assim, uma nova fase da doutrina processual, a chamada fase Instrumentalista (ou fase da Escola Crítica). Com a publicação de obras com preocupações autênti-cas acerca de tal realidade de insatisfação, especialmente em relação ao desti-natário dos serviços processuais do Judiciário (ou seja, o cidadão que procura justiça na Justiça), surge uma nova linha de pensamento, fundada em críticas construtivas, destinada a encontrar as deficiências do sistema processual e de seus institutos e propor mudanças em busca de um modelo processual concre-tamente eficiente, apto a alcançar os seus escopos e gerar satisfação àqueles que procuram o Judiciário.

É apontada como grande marco dessa nova fase a obra Acesso à Justiça, de Mauro Capelletti e Bryan Garth, relatando os resultados das pesquisas do pro-jeto com o mesmo título, envolvendo os obstáculos à concretização do direito de acesso a um ordenamento jurídico justo. Durante a década de 1980, os primei-ros reflexos doutrinários são sentidos no Brasil, com a publicação de trabalhos de processualistas como José Carlos Barbosa Moreira, Ada Pellegrini Grinover, Kasuo Watanabe e, especialmente, Cândido Rangel Dinamarco. A obra Instrumentali-dade do Processo, de autoria deste último, pode ser apontada como a principal contribuição brasileira a esta nova (e atual) fase da doutrina processual.

11 Vide José Alfredo de Oliveira Baracho (1995).

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A fase da Instrumentalidade Processual traduz um momento de grande potencial reformista no âmbito da legislação processual e na seara institucional do Judiciário, potencial este amplificado consideravelmente nos últimos anos, com diversas inovações instrumentais como as ações coletivas (ação civil pública, mandado de segurança coletivo etc.), a ação monitória e a figura da antecipação de tutela. Considerando o atual estágio da doutrina processual, entretanto, tal etapa ainda não exauriu as suas metas, e, assim, terá ainda grandes contribuições para o desenvolvimento do Direito Processual.

E suas linhas mestras revelam grande aplicabilidade na análise crítica do atual sistema processual.

Considerando os pontos sensíveis de aferição da efetividade do processo, à luz do atual contexto social brasileiro, o presente modelo processual pátrio sofre fortes restrições da maior parte dos juristas e da quase totalidade dos consumido-res do serviço jurisdicional do Estado. Inúmeras pesquisas12 de opinião evidenciam o desalento dos operadores e dos consumidores do processo com o atual sistema jurisdicional brasileiro. Perguntar qual o grau de eficiência do atual modelo pro-cessual no país a um juiz, a um advogado, a um membro do Ministério Público ou a qualquer das partes processuais, é quase um convite ao insulto.

Efetividade do processo jurisdicional no Brasil? Não na voz da população a qual serve.13

São tantas as deficiências do atual modelo que se torna difícil enumerá-las sem cometer uma falha por omissão. Mesmo a tarefa de relacionar, de forma concisa, os principais problemas, se torna árdua, em virtude da dimensão destes, oriundos de todas as ordens. Problemas de cunho social, desde o simples desconhecimento dos seus direitos básicos por parte da população mais humilde (os “excluídos”),

12 Em pesquisa realizada durante o desenvolvimento das aulas da disciplina Sociologia Jurídica, ministrada pelo professor Cláu-dio Souto no curso de Doutorado em Direito da UFPE, foi gritante a insatisfação tanto dos operadores como dos consumidores do serviço processual. Os resultados da pesquisa, publicados no bojo do artigo “Efetividade Social do Processo Trabalhista” na Revista do TRT da 6.ª Região (v. 10, n.º 25, 1999), são inequívocos.

13 Não são apenas os consumidores do processo que estão insatisfeitos. A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) defla-grou em 2003 o denominado “Movimento pela Eficiência do Poder Judiciário Brasileiro”, com a finalidade de formular propostas para agilizar a prestação jurisdicional à população brasileira. A entidade associação criou uma “Comissão de Efetividade”, cuja função passou a ser sistematizar as sugestões recebidas e formalizar as propostas de mudanças administrativas aos tribunais e de modificações legislativas ao Congresso Nacional. Recentemente, em seminário intitulado “Efetividade da Justiça” realizado no dia 11 de dezembro de 2003 na sede da associação em Brasília, foram debatidas, dentre outras, as seguintes propostas de mudança: a) indeferimento de petições iniciais quando fundadas em tese contrária a súmulas dos tribunais superiores; b) criação da súmula impeditiva, vedando a interposição de recurso de decisão em harmonia com súmulas dos tribunais superiores; c) imposição do efeito meramente devolutivo como regra geral na apelação; d) instituição da obrigatoriedade de depósitos recur-sais em determinados casos; e e) criação de mecanismo de progressividade de juros em casos de recursos desprovidos.

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até os obstáculos financeiros como as cobranças de despesas processuais (custas e honorários advocatícios, por exemplo) como pressupostos de admissibilidade da ação judicial, passando ainda pela deficiência nos serviços de assistência judi-ciária na maior parte dos estados da federação. Problemas técnicos, pertinentes a questões procedimentais que dificultam a defesa de interesses em juízo, desde o excesso de formalismo exigido através de requisitos dispensáveis, até a simples inaptidão de certos remédios processuais para cumprir adequadamente as suas funções. Problemas estruturais, como o reduzido número órgãos jurisdicionais e, especialmente, o quadro insuficiente de servidores especializados (juízes, mem-bros do Ministério Público, defensores públicos e serventuários da justiça). Pro-blemas de ordem institucional, tanto de fundo interno, como o exagerado e nor-malmente maléfico “espírito de corpo” das respectivas categorias de profissionais, como os de origem externa, como as injunções políticas indevidas dos demais Poderes na seara do Judiciário, cuja independência financeira existe apenas em tese. Problemas de cunho ético e índole moral, como os abusos cometidos pelos profissionais dos direitos com o intuito de intencionalmente procrastinar os feitos judiciais, quando não usam de má-fé o processo como instrumento de injus-tiça14.

Incontáveis problemas, de imensuráveis dimensões.

O atual modelo processual brasileiro, evidentemente, se encontra em crise. Criticado pelos seus operadores, rejeitado pelos seus destinatários. Defendido, mesmo que discretamente, apenas pelos poucos privilegiados pelas deficiências do sistema. Aqueles que não se furtam de utilizar o processo como verdadeiro instrumento de injustiça.

O seu processo de aperfeiçoamento, entretanto, está em curso. Mudanças estão ocorrendo em todos os planos, mesmo que de forma mais tímida em algu-mas esferas mais “delicadas”. A reforma do atual modelo está em andamento, com a utopia de um sistema mais efetivo lhe servindo de paradigma.15

14 Vide Rui Stoco (2002) e José Carlos Barbosa Moreira (2000).

15 As mudanças mais destacadas pelos operadores do Direito Processual são aquelas oriundas de modificações legislativas, notadamente as pertinentes à chamada “Reforma por Etapas” do Código de Processo Civil (CPC), iniciada em 1992. Desde tal data, o principal diploma processual brasileiro tem sofrido seguidas alterações nos seus dispositivos, com a mudança de antigas ferramentas processuais, como o agravo e a ação de consignação em pagamento, e a inclusão de novos instrumentos, como a ação monitória e a antecipação de tutela genérica. A edição de leis pertinentes à legislação complementar do CPC, por sua vez, igualmente resultou em novidades, como os juizados especiais civis (Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995) e os juizados especiais federais (Lei 10.259, de 12 de julho de 2001), e, ainda, a utilização de sistema de transmissão de dados para a prática de atos processuais (Lei 9.800, de 26 de maio de 1999). Para uma visão crítica acerca da reforma, vide Cândido Rangel Dinamarco (2003a) e José da Silva Pacheco (1999).

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Uma das linhas da reforma processual atualmente em curso tende a superar, definitivamente, o sistema clássico, já reconhecidamente ultrapassado, que divi-dia o modelo de processo em dois processos distintos e autônomos, o processo de conhecimento e o processo de execução, seguindo a clássica dicotomia típica do antigo processo romano.

Nesse sentido, a Lei 11.232/2005, cuja vigência teve início em junho de 2006, introduziu uma nova sistemática por meio da qual se alcançou o “sincretismo pro-cessual”, com um processo completo, íntegro e “fechado”, no sentido de ter dentro de uma só relação uma etapa cognitiva, destinada a levar ao magistrado o conhe-cimento acerca da matéria litigiosa para obter a declaração do direito aplicável ao caso concreto mediante a sentença judicial, e, sucessivamente, uma etapa execu-tiva, ou de “cumprimento da sentença”, destinada a proporcionar a concretização da tutela jurisdicional por meio de medidas de constrição, caso não tenha ocor-rido o cumprimento espontâneo do comando sentencial.

Tal etapa da reforma no sistema processual almeja superar a lentidão e inefici-ência que marcavam o modelo anterior, que obrigava aquele que teve seu direito reconhecido em uma sentença judicial a iniciar uma nova relação processual, agora pertinente a um processo autônomo de execução (execução ex intervallo), para obter a materialização daquele direito, quando este não era concretizado espontaneamente pelo devedor.

O sonho de um modelo processual realmente efetivo, apto a concretizar o direito de pleno acesso à Justiça, enquanto desejo dos cidadãos “de bem” e dos verdadeiros processualistas, é hoje a principal meta do Direito Processual pátrio.

A evolução do modelo processual brasileiro, contudo, é reconhecidamente lenta. Não há como materializar uma “revolução normativa” de uma só vez. A reforma, como já destacado, está ocorrendo por etapas. A evolução do sistema processual pátrio, pois, é, lamentavelmente, lenta. E a submissão de conflitos à jurisdição estatal, por outro lado, vem aumentado com o passar dos anos.

Tais lides, por sua vez, precisam ser solucionadas por meio do atual modelo, Não é possível, pois, permanecer inerte, aguardando um novo modelo que certa-mente demorará para ser implementado.

Incumbe aos atuais operadores do direito, portanto, utilizar os instrumentos atualmente à disposição para suprimir as dificuldades do presente enquanto se aguarda a concretização do sonho do futuro.

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Notadamente, aquelas dificuldades relativas às mazelas da lentidão em entre-gar a prestação jurisdicional.

Tempo e processoO fator tempo é de fundamental importância para definir a viabilidade do

modelo processual. Tão relevante que pode ser considerado um dos principais pontos de aferição do grau de eficiência do sistema processual.

O processo judicial, enquanto sequência de atos coordenados e tendentes a um fim específico (a entrega da prestação jurisdicional), naturalmente exige tempo para se desenvolver regularmente. Entre a propositura da demanda e a prolação da respectiva sentença pelo juiz, e entre a publicação desta e a sua con-cretização na fase executiva, há sempre um lapso temporal, uma passagem de tempo. Não há como fugir de tal realidade: o tempo é essencial ao desenvolvi-mento do processo judicial.

Ocorre que, caso o dispêndio de tempo seja exagerado, o objetivo do processo pode ser posto em desafio, uma vez que a demora na entrega da prestação juris-dicional pode permitir que a passagem de tempo venha a influir negativamente no estado de fato ou de direito, provocando uma modificação do quadro que, quando a tutela jurisdicional vier a ser concretizada, pode tornar inútil o respec-tivo provimento jurisdicional. Qual o benefício proporcionado por um processo judicial que, de tão lento, não permitiu que os litigantes originários presencias-sem pessoalmente o resultado final, pois a decisão somente foi proferida anos mais tarde, após o falecimento dos respectivos sujeitos. De que adianta uma sen-tença proferida anos após o perecimento do bem ou a modificação substancial no objeto litigioso, provocada pela passagem de tempo durante a disputa judicial?

A mora processual, assim, é uma inimiga natural da efetividade do processo.

Como regra, quanto maior o tempo entre o ajuizamento da ação e a concre-tização da respectiva decisão judicial, maior o risco assumido por aquele cujo direito foi reconhecido pelo juiz. E, como forma de evitar que tal tempo seja exces-sivo, o modelo processual prevê, nas suas regras de atuação, normas estipulando prazos peremptórios e sujeitos ao instituto da preclusão temporal, sanção esta que impõe a perda do direito de praticar um ato processual caso exaurido o prazo ou ultrapassado o momento previsto em lei para a sua prática.

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A sistemática de prazos e penas de preclusão, no entanto, não se revela sufi-ciente para eliminar eventuais problemas relacionados à demora na entrega da prestação jurisdicional. Mesmo diante de tais institutos, a lerdeza processual con-tinua a ser um dos principais obstáculos à efetividade do modelo processual. E o legislador reconhece tal realidade.

O inciso LXXVIII do artigo 5.º da Constituição da República, foi acrescido ao elenco de direitos fundamentais do cidadão por meio da Emenda Constitucional 45 de 2004, almejando garantir que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a cele-ridade de sua tramitação”.

Tal garantia constitucional do processo, entretanto, não representa o direito a um processo rápido, mas sim a um processo sem dilações indevidas, ou seja, sem uma demora excessiva. O desenvolvimento do processo não deve ser excessiva-mente lento, mas também não pode ser excessivamente rápido.

Processos demasiadamente rápidos são característicos de regimes totalitários e de sistemas ditatoriais, nos quais os direitos básicos do cidadão não são res-peitados. Ocorrem quando, num procedimento inquisitorial, não há preocupação com os direitos das partes no processo.

Num modelo processual equilibrado, característico dos regimes democráticos, é imprescindível proporcionar tempo ao juiz, enquanto condutor do processo judicial, para permitir que o magistrado venha a assegurar o respeito às garantias constitucionais do processo assegurados a todos que atuam como parte proces-sual, garantias estas inerentes à cidadania, como o contraditório, a ampla defesa, a publicidade dos atos processuais e a motivação das decisões.

Somente com um mínimo de tempo razoável será possível concretizar tais direitos decorrentes do postulado do devido processo legal processual.

Um processo excessivamente rápido, destarte, pode ser tão nocivo à efetivi-dade do modelo processual como um processo exageradamente lento, por não assegurar o respeito às mencionadas garantias constitucionais do processo, e, com isso, prejudicar a segurança jurídica no ambiente processual.

Para obter segurança e alcançar um grau razoável de certeza no processo cognitivo, é essencial resguardar as garantias relativas ao contraditório e à ampla defesa, bem como à publicidade e à motivação. Somente com um tempo razoá-

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vel, assim, será possível buscar a justiça formal e, consequentemente, uma sen-tença justa. E, não se pode esquecer, a produção de sentenças justas é uma das principais funções do modelo processual.

Não basta a sentença ser justa, no entanto. De que adianta uma sentença impregnada de justiça, em virtude do acerto na definição do direito aplicável ao caso concreto, mas inidônea a produzir efeitos materiais aptos a concretizar tal justiça, em face da demora excessiva na sua prolação?

É absolutamente indispensável, para fins de assegurar a eficiência do sistema processual, que a sentença seja igualmente útil. Em outras palavras, que o pro-vimento judicial que concretiza o comando sentencial seja apto a proporcionar satisfação àquele cujo direito foi reconhecido em juízo como merecedor de uma tutela jurisdicional.

O processo judicial almeja não apenas a justiça formal, obtida por um processo equilibrado e apto a proporcionar uma sentença justa, mas também a justiça material, obtida quando a respectiva decisão justa for igualmente útil, na prática, à pretensão deduzida em juízo. A utilidade das decisões, portanto, se apresenta como outra função primordial do sistema processual contemporâneo.

A justiça material, destarte, será alcançada somente quando a sentença demonstrar serventia. Isto é, apenas quando os seus efeitos materiais produzidos no quadro empírico envolvendo as partes se revelem aptos a satisfazer o destina-tário da tutela do Estado-juiz.

O maior desafio dos operadores de direito na atualidade, por sua vez, é exata-mente promover o equilíbrio do fator temporal: proporcionar ao processo judi-cial um tempo suficiente para assegurar o respeito às garantias constitucionais do processo, alcançar a segurança jurídica e resultar em uma sentença justa, e, igualmente, não em excesso a ponto de comprometer a serventia do provimento judicial final e impedir a produção de uma sentença útil.

Simplesmente, um processo de razoável duração, finalizado com uma sen-tença justa e útil.

Para enfrentar tamanho desafio, os operadores precisam recorrer a vários ins-trumentos proporcionados pelo legislador, com o intuito de neutralizar os efeitos nocivos da passagem do tempo sobre o processo. E, dentre as ferramentas pre-vistas na legislação processual, se encontram as medidas inseridas na categoria instrumental denominada tutela de urgência.

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Tutela de urgênciaA tutela de urgência pode ser conceituada como o complexo de instrumen-

tos de proteção jurisdicional, colocados à disposição dos sujeitos processuais em face da morosidade inerente ao atual modelo processual, utilizáveis em situações emergenciais como meios assecuratórios da regularidade e viabilidade do próprio processo ou do interesse que constitui o seu objeto. Corresponde a uma moda-lidade de tutela de evidência (tutela diferenciada ou tutela sumária) formada pelo complexo de medidas jurisdicionais destinadas a servir provisoriamente aos sujeitos processuais, em situações de emergência e nas quais existe evidência do direito material invocado ou da ameaça ao processo principal, durante o inter-regno de tempo compreendido entre a concretização da lesão (ou ameaça de lesão) e a concretização definitiva da tutela jurisdicional que a protege.

Trata-se, assim, de categoria de tutela jurisdicional, caracterizada pela neces-sidade iminente de sua aplicação para assegurar a viabilidade do processo enquanto instrumento de acesso à Justiça, do qual são espécies as medidas cautelares e as medidas de antecipação de tutela. As primeiras correspondem às medidas de tutela cautelar stricto sensu, tanto as medidas nominadas expres-samente pelo legislador, como as inominadas oriundas do poder geral de cautela do magistrado, previstas no artigo 798 do CPC. As segundas, as medidas de ante-cipação de tutela, são aquelas oriundas tanto da modalidade genérica do artigo 273 do CPC, como da versão peculiar às ações cujo objeto seja o cumprimento de obrigação de fazer ou de não fazer previstas no artigo 461 do mesmo diploma, e, ainda, incluem as “medidas liminares antecipatórias” previstas em diversos dispo-sitivos da legislação processual pátria.

Ambas as modalidades de medida de tutela de urgência, a cautelar e a ante-cipatória, apresentam a mesma finalidade principal, que é tutelar um objeto (na cautelar, o processo principal; na antecipatória, o interesse material de uma das partes), e evidenciam características comuns, como a precariedade (provisorie-dade ou enfemeridade), a mutabilidade, a revogabilidade e a eficácia imediata do respectivo provimento.

De igual forma, entretanto, apresentam características distintivas.

Nesse sentido, enquanto as medidas cautelares apresentam como principal traço característico a natureza conservadora e preventiva do respectivo provi-

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mento, nas medidas de antecipação de tutela se destaca a índole satisfativa, mesmo que precária, do provimento antecipatório.

Além das peculiaridades envolvendo os seus requisitos específicos (tipificados pelo legislador), a antecipação de tutela difere das medidas cautelares quanto:

ao objeto imediato � – na antecipação de tutela, o interesse material que serve de objeto ao processo; nas medidas cautelares, o próprio processo principal16;

ao pressuposto básico � – na tutela cautelar, o periculum in mora; na anteci-pação de tutela, um direito evidente17;

à finalidade principal � – na tutela cautelar, evitar ou minimizar o risco de dano ao processo; na antecipação de tutela, proporcionar tratamento espe-cial ao direito evidente18;

à natureza do provimento � – na antecipação de tutela, sempre de cunho satisfativo, mesmo que precário; na tutela cautelar, uma medida de índole conservadora e natureza preventiva19; e

16 A natureza acessória da tutela cautelar revela que os seus instrumentos almejam, em primeiro plano, proteger o processo principal contra os efeitos nocivos do tempo. Daí a expressão “instrumento do instrumento”, costumeiramente utilizada pela doutrina para descrevê-la. A antecipação de tutela, por sua vez, visa imediatamente o interesse material em conflito, almejando primordialmente proteger o direito que desde logo se revela evidente. Agora, dentro desse contexto, é lógico que, ao prote-ger imediatamente o processo, protege-se mediatamente o interesse material que lhe serve de objeto, e, vice-versa, ao buscar imediatamente a tutela do direito material, protege-se mediatamente o próprio processo. Não há como promover um divórcio entre tais valores ou colocá-los em compartimentos impermeáveis. É o imediatismo da incidência, contudo, que se apresenta como traço distintivo.

17 O pressuposto básico para a concessão da tutela cautelar é o periculum in mora, isto é, o receio de prejuízo em virtude da lerdeza processual. A ameaça dos efeitos maléficos decorrentes da passagem do tempo, destarte, corresponde à exigência genérica para a concessão da medida. É certo que, na modalidade de antecipação de tutela prevista no artigo 273 do CPC (a ser examinada adiante), a concessão do provimento também pode ter como causa a existência de “fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação” (inciso I), à semelhança da exigência no âmbito cautelar. Mas tal quadro causal é secundário em face de duas exigências expostas no caput do mesmo artigo 273 (prova inequívoca do direito e convencimento do juiz acerca da verossimilhança da alegação de violação a tal direito), impondo a evidência de direito especial que, exatamente em virtude de tal evidência, deve ser tutelado desde logo pelo sistema processual. Ademais, a presença de tal ameaça (periculum in mora) nem sempre é exigida no âmbito da antecipação de tutela. Por exemplo, é prescindível, segundo artigo 273 do CPC, quando, além do preenchimento dos demais requisitos legais, restar “caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu” (inciso II). Nas demais modalidades de antecipação de tutela (a serem examinadas), merece ser destacado, a evidência do direito sempre se destaca como o pressuposto primordial para a concessão da medida.

18 Como consequência direta do seu objeto imediato e do seu pressuposto principal, cada modalidade de tutela de urgência apresenta uma finalidade correlata. A tutela cautelar, assim, almeja acima de tudo proteger o processo em face dos efeitos noci-vos do tempo, eliminando ou diminuindo os riscos decorrentes da lerdeza processual. A antecipação de tutela, por seu turno, visa proteger o direito evidente, merecedor de uma tutela diferenciada.

19 O provimento antecipatório sempre produz eficácia satisfativa, no sentido de, no curso do processo, produzir efeitos que, no todo ou em parte, coincidem com os efeitos da tutela jurisdicional final pretendida. Ocorre, assim, o adiantamento dos efeitos da tutela almejada, antes da prolação da sentença. A tutela cautelar, como a formação da nova categoria instrumental em 1994, retornou às suas origens de medida meramente preventiva, destinada a conservar e não a satisfazer.

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Tutela Diferenciada

ao momento de concessão � – na antecipação de tutela, somente de forma incidental; na tutela cautelar, de modo incidental ou antecedente, através de ação preparatória20.

Merece ser destacado que, apesar da clareza da distinção entre as pecu-liaridades do provimento cautelar em relação ao provimento antecipatório, é comum a confusão entre um e outro, tanto na doutrina como na prática forense. Até a devida sedimentação de tal linha divisória na mente dos operadores e cientistas do direito, será normal o surgimento de controvérsias e frequente o enquadramento equivocado de um provimento antecipatório como cautelar ou vice-versa.21

Com o intuito de fornecer uma saída para evitar prejuízos processuais em face de tal quadro natural de imprecisão no âmbito da prática forense, o legis-lador expressamente introduziu na sistemática da tutela de urgência o princípio da fungibilidade, através do acréscimo do parágrafo 7.º ao artigo 273 do CPC22, decorrente da recente reforma promovida pela Lei 10.444/2002. A adição de tal preceito, por sua vez, serviu para consolidar o uso da melhor técnica de instru-mentalidade das formas processuais, para evitar a prevalência de um formalismo exagerado e contrário à busca pela efetividade do modelo processual.

Assim, aquilo que já ocorria na prática, mas com algumas restrições por parte dos operadores mais “formalistas”, passou a ser admitido expressamente pelo legislador, ou seja, a concessão incidental de medida cautelar, mesmo quando postulada a título de antecipação de tutela, quando presentes os requisitos daquela. Corretamente, foi cristalizada a regra de que é a satisfação das exigências de concessão da medida, não a denominação atribuída a esta pelo postulante, que deve definir a sua admissibilidade. A nomenclatura assumiu a sua adequada posição de relevância secundária, sendo superada pela importância da essência do instituto. Imprescindível, mesmo, é a satisfação das exigências para a conces-são da medida.

20 A tutela cautelar pode ser concedida no curso de um processo principal, ou, de forma antecedente, através de ação prepara-tória. A antecipação de tutela, como consequência de natureza exclusivamente incidental, somente pode ser concedida quando há processo em curso. Apenas quando houver pedido principal de tutela jurisdicional, assim, é que pode vir a ser utilizada a antecipação de tutela, para adiantar os efeitos daquela no plano fático, antes da prolação da decisão.

21 De fato, as linhas divisórias entre os institutos são, no mais das vezes, bastante claras. A demora em perceber traços distintivos, entretanto, é comum ao ser humano, especialmente quando “jurista”. A paciência e compreensão, destarte, devem nortear a avaliação de tais equívocos.

22 A Lei 10.444, de 7 de maio de 2002, acrescentou ao artigo 273 do CPC o seu atual §7.º, com o seguinte texto: “Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupos-tos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado”.

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A importância da tutela de urgência, por sua vez, é visível por meio de ambas as duas modalidades. São ferramentas imprescindíveis à viabilidade do processo judicial, protegendo o próprio processo ou o interesse que lhe serve de objeto dos efeitos nocivos da passagem do tempo, neutralizando as mazelas provocadas pela lerdeza processual por meio de provimentos destinados a prevenir dano a um processo principal ou adiantar os efeitos materiais da tutela jurisdicional final pretendida.

Ampliando seus conhecimentosA “dica” do professor ao aluno interessado em compreender os fundamentos

justificadores da existência da tutela de urgência é proceder a uma reflexão crí-tica acerca da ideia de um processo de razoável duração, examinando os pontos favoráveis a um processo mais rápido, almejando uma sentença útil, e aqueles pontos mais favoráveis a um processo destinado a proporcionar a plenitude das garantias constitucionais do processo, objetivando uma sentença justa.

Sugere-se, também, a leitura das obras listadas abaixo:

A Antecipação da Tutela (à luz da garantia constitucional do devido processo legal), de Carlos Augusto de Assis, editora Malheiros.

Da Antecipação de Tutela, de Athos Gusmão Carneiro, editora Forense.

Tutela Antecipada, de Jorge Pinheiro Castelo, editora LTr.

Tutela Antecipada, Tutela Específica e Tutela Cautelar, de Reis Freide, editora Del Rey.

Tutela de Segurança e Tutela da Evidência – fundamentos da tutela antecipada, de Luiz Fux, editora Saraiva.

Tutela Antecipada no Processo Civil Brasileiro, de João Batista Lopes, editora Saraiva.

Tutela Antecipada, de Antônio Cláudio da Costa Machado, editora Oliveira Mendes.

A Antecipação de Tutela na Reforma do Processo Civil, de Luiz Guilherme Mari-noni, editora Malheiros.

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Tutela Diferenciada

Efetividade do Processo e Tutela de Urgência, de Luiz Guilherme Marinoni, edi-tora Sergio Antônio Fabris.

Tutela Antecipatória, Julgamento Antecipado e Execução Imediata da Sentença, de Luiz Guilherme Marinoni, editora Revista dos Tribunais.

Tutela Cautelar e Tutela Antecipatória, de Luiz Guilherme Marinoni, editora Revista dos Tribunais.

Cognição Judicial nas Tutelas de Urgência, de Luiz Antônio Nunes, editora Saraiva.

A Tutela de Urgência e o Direito de Família, de Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, editora Saraiva.

A Antecipação de Tutela no Direito Brasileiro, de Angela Cristina Pelicioli, editora LTr.

Tutela Jurisdicional Diferenciada: tutelas de urgência e medidas liminares em geral, de Rogério Aguiar Munhoz Soares, editora Malheiros.

Antecipação da Tutela, de Teori Albino Zavascki, editora Saraiva.

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