Tutela Inibitória - Marinoni

401
1 LUIZ GUILHERME MARINONI TUTELA INHIBITORIA

Transcript of Tutela Inibitória - Marinoni

Page 1: Tutela Inibitória - Marinoni

1

LUIZ GUILHERME MARINONI

TUTELA INHIBITORIA

Page 2: Tutela Inibitória - Marinoni

2

<tit>SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

<sum c>PARTE 1

<sum c1>A TUTELA INIBITÓRIA: UMA NOVA TUTELA JURISDICIONAL

<sum1> 1. O processo civil clássico e a ausência de uma tutela jurisdicional

realmente preventiva

<sum1> 2. A necessidade de um novo modelo processual

<sum1> 3. A tutela inibitória

<sum2> 3.1 Considerações iniciais

<sum2> 3.2 A tutela inibitória e a problemática do ilícito

<sum2> 3.3 A inibitória tutela contra o ilícito

<sum2> 3.4 A tutela inibitória e a questão da culpa

<sum2> 3.5 Os diferentes escopos da tutela inibitória

<sum2> 3.6 A cognição e a prova na ação inibitória

<sum2> 3.7 A prova indiciária diante da ação inibitória

<sum3> 3.7.1 Primeiras considerações

<sum3> 3.7.2 “Juízo-instrumental”, presunção, “juízo-resultado”, “juízo

provisório” e “juízo-final”

<sum3> 3.7.3 O controle da admissão da prova para a demonstração do

<sum3>fato indiciário

<sum3> 3.7.4 A importância do senso comum para o raciocínio fundado a

<sum3>partir da prova indiciária

<sum3> 3.7.5 A importância do senso comum para a formação do juízo apartir

da presunção

<sum2> 3.8 A necessidade de atuação concreta da norma e a importância da

açãoinibitória

<sum2> 3.9 A autonomia da ação inibitória

<sum2> 3.10 A inaptidão do antigo art. 287 para garantir uma tutela

jurisdicional adequada e a confusão que se instalou entre a tutela preventiva e a tutela

cautelar. A dificuldade de se perceber, hoje, a relação entre a tutela das obrigações de

fazer e de não fazer e a tutela inibitória

<sum2> 3.11 A ação inibitória é corolário de um princípio geral de prevenção

Page 3: Tutela Inibitória - Marinoni

3

<sum2> 3.12 Direito à tutela inibitória, técnica processual e tutela jurisdicional

inibitória

<sum2> 3.13 O art. 461 como fundamento processual da tutela inibitória

<sum2> 3.14 O art. 12, caput, do novo Código Civil

<sum2> 3.15 A tutela inibitória no plano coletivo

<sum3> 3.15.1 Os arts. 11 da Lei da Ação Civil Pública e 84 do CDC. O sistema

brasileiro de tutela coletiva ampara a tutela inibitória

<sum3> 3.15.2 A problemática da tutela inibitória a partir do controle dos atos do

Poder Público

<sum3> 3.15.3 A tutela inibitória em caso de omissão do Poder Público

<sum3> 3.15.4 A tutela coletiva do consumidor contra o uso de cláusulas gerais

abusivas

<sum2> 3.16 As técnicas processuais, presentes nos arts. 461, CPC, e 84, CDC,

viabilizam a concessão de várias tutelas

<sum2> 3.17 A razão para se falar em tutela inibitória

<sum2> 3.18 A tutela inibitória negativa e a tutela inibitória positiva

<sum2> 3.19 A multa e a tutela inibitória que impõe um fazer fungível

<sum2> 3.20 A plasticidade da tutela inibitória e os limites para a imposição do

fazer e do não fazer

<sum3> 3.20.1 Breve observação inicial

<sum3> 3.20.2 Os princípios do meio idôneo e da menor restrição possível como

vetores para o adequado uso da tutela inibitória

<sum2> 3.21 Tutela inibitória e tutela de remoção do ilícito

<sum2> 3.22 A fungibilidade da tutela inibitória

<sum3> 3.22.1 Breves observações sobre o princípio da congruência entre o

pedido e a sentença

<sum3> 3.22.2 Os arts. 461 do CPC e 84 do CDC como exceções ao princípio de

que a sentença deve ficar adstrita ao pedido

<sum3> 3.22.3 A sub-rogação de uma obrigação em outra para a obtenção da

tutela específica ou do resultado prático equivalente ao do adimplemento

<sum3> 3.22.4 O poder decisório do juiz e o princípio da efetividade

<sum3> 3.22.5 O poder decisório do juiz e o princípio da necessidade

<sum3> 3.22.6 A fungibilidade da tutela inibitória reafirma a idéia da

fungibilidade da tutela de segurança, que sempre esteve na base da “tutela cautelar”

<sum2> 3.23 O pedido de tutela inibitória e as violações de eficácia instantânea

suscetíveis de repetição no tempo

<sum2> 3.24 Tutela inibitória e cumulação de pedidos. A tutela antecipatória

mediante o julgamento antecipado do pedido inibitório cumulado com pedido

ressarcitório

<sum2> 3.25 A importância da audiência preliminar à luz da experiência

angloamericana do undertaking do réu

<sum2> 3.26 A tutela inibitória antecipada

<sum3> 3.26.1 Primeiras considerações

<sum3> 3.26.2 A quebra da regra da nulla executio sine titulo

<sum3> 3.26.3 A tutela inibitória antecipada na ação inibitória

Page 4: Tutela Inibitória - Marinoni

4

<sum4> 3.26.3.1 Fundamento e pressupostos da tutela inibitória antecipada

na ação inibitória

<sum4> 3.26.3.2 A prova e a tutela inibitória antecipada

<sum4> 3.26.3.3 Momento da concessão da tutela inibitória antecipada

<sum4> 3.26.3.4 Justificação prévia e tutela inibitória antecipada

<sum4> 3.26.3.5 A tutela inibitória antecipada e o princípio da

probabilidade. A questão da irreversibilidade

<sum4> 3.26.3.6 A fungibilidade da tutela inibitória antecipada

<sum4> 3.26.3.7 A possibilidade de modificação e de revogação da tutela

inibitória antecipada

<sum4> 3.26.3.8 Sobre a possibilidade de se manter eficaz a tutela inibitória

antecipada no caso de sentença de improcedência

<sum3> 3.26.4 A evidente distinção entre tutela inibitória antecipada e tutela

cautelar

<sum2> 3.27 A execução da tutela inibitória

<sum3> 3.27.1 A tutela inibitória e a multa

<sum4> 3.27.1.1 Primeiras observações

<sum4> 3.27.1.2 Breve análise das medidas coercitivas em outros sistemas

<sum4> 3.27.1.3 A multa e a indenização pelo dano. A sua cumulabilidade

<sum4> 3.27.1.4 Critérios para a imposição da multa

<sum4> 3.27.1.5 A respeito do beneficiário da multa

<sum4> 3.27.1.6 O momento a partir do qual a multa torna-se eficaz e o

momento a partir do qual a multa pode ser cobrada

<sum4> 3.27.1.7 A questão da modificação do valor da multa

<sum3> 3.27.2 Outras medidas de execução

<sum4> 3.27.2.1 A quebra do dogma da tipicidade das formas executivas

<sum4> 3.27.2.2 O uso das medidas de coerção direta e de subrogação para

a prestação da tutela inibitória

<sum4> 3.27.2.3 A prisão como meio de coerção indireta

<sum4> 3.27.2.4 Critérios que devem guiar a atividade executiva. A multa,

a prisão, as medidas de coerção direta e as medidas de sub-rogação na prestação da

tutela inibitória

<sum1> 4. O delineamento da tutela inibitória em face das tutelas

declaratória e cautelar e da condenação para o futuro

<sum2> 4.1 Tutela inibitória e tutela declaratória

<sum2> 4.2 Tutela inibitória e tutela cautelar

<sum2> 4.3 Tutela inibitória e condenação para o futuro

Page 5: Tutela Inibitória - Marinoni

5

<sum c> PARTE 2

<sum c1>SENTENÇA E TUTELA INIBITÓRIA

<sum1> 1. Considerações iniciais

<sum1> 2. O escopo repressivo da sentença condenatória

<sum1> 3. A sentença condenatória e a sua correlação com a execução

forçada

<sum1> 4. As motivações culturais da sentença condenatória

<sum2> 4.1 O princípio nemo ad factum praecise cogi potest

<sum3> 4.1.1 Observações prévias

<sum3> 4.1.2 A tese que relaciona a diversidade de tratamento dado ao não-

comparecimento em juízo com a diferente evolução do uso das medidas de coerção para

garantir o adimplemento da sentença na Alemanha e na França

<sum3> 4.1.3 O sistema feudal e o seu reflexo no uso dos meios de

coerçãosobre a pessoa

<sum3> 4.1.4 A preservação da autoridade do Estado como fundamento do uso

das medidas de coerção

<sum3> 4.1.5 O Código Napoleão e sua influência sobre o conceito de sentença

condenatória

<sum3> 4.1.6 A doutrina brasileira e os valores submersos no art. 920 do CC de

1916

<sum2> 4.2 A concepção liberal de jurisdição como função meramente

declaratória e o seu reflexo sobre o conceito de sentença condenatória

<sum2> 4.3 A expansão do conceito de obrigação e a universalização da

sentença condenatória

<sum1> 5. A crise da sentença condenatória e a tentativa de reconstrução do

seu conceito na Itália

<sum2> 5.1 As razões da tentativa de reconstrução do conceito de sentença

condenatória na Itália

<sum2> 5.2 A importância da leitura constitucional do direito de ação. O

princípio constitucional da efetividade e o entendimento de que o direito à adequada

tutela jurisdicional garante o direito às medidas coercitivas

<sum2> 5.3 O valor do princípio chiovendiano de que o processo deve dar a

quem tem um direito tudo aquilo e exatamente aquilo que tem o direito de obter

<sum2> 5.4 A tese de Proto Pisani: uma tentativa de reformulação do conceito

de condenação

<sum2> 5.5 A crítica de Chiarloni

<sum2> 5.6 A situação atual na doutrina italiana

<sum2> 5.7 Propostas de modificação do Código de Processo Civil italiano

<sum1> 6. A doutrina brasileira e a natureza das sentenças dos arts. 287 e

461 do CPC brasileiro

<sum1> 7. A doutrina brasileira e a sentença mandamental

Page 6: Tutela Inibitória - Marinoni

6

<sum1> 8. A natureza da sentença que se liga à coerção indireta

<sum1> 9. A sentença executiva, a tutela dos direitos reais e a tutela contra o

ato contrário ao direito

<sum1> 10. A Lei 11.232/05 e as sentenças condenatória, mandamental e

executiva

<sum1> 11. A inefetividade da sentença condenatória para a tutela dos direitos

absolutos. A correlação entre a tutela inibitória e a estrutura do direito substancial:

crítica

<sum1> 12. A relativização do binômio direito/processo e a retomada do tema

da “tutela dos direitos”

<sum1> 13. Classificação das sentenças e classificação das tutelas

<sum1> 14. Premissas para uma classificação das tutelas permeada pelo

direito material

<sum1> 15. Esboço de uma classificação das tutelas aderente ao direito

material

<sum>CONCLUSÃO

<sum>BIBLIOGRAFIA

Page 7: Tutela Inibitória - Marinoni

7

<tit>INTRODUÇÃO

<texto>O movimento pelo “acesso à justiça” constitui a expressão de uma radical

transformação do pensamento jurídico em um grande número de países.1 A questão do

“acesso” permitiu ver a ilusão do desejo de se pensar o direito processual à distância do

direito substancial e da realidade social. Quebrou-se, por assim dizer, quando se

descobriu que o processo não vinha servindo às pessoas, o “encanto”, ou a ilusão, de

que o direito processual pudesse ser tratado como “ciência pura”, que se mantivesse

eternamente distante do direito material e das vicissitudes dos homens de carne e osso.

A tomada de consciência de que o processo deve servir plenamente àqueles que,

dentro do círculo social, podem envolver-se em conflitos – sejam empresários ou

trabalhadores, ricos ou pobres –, fez com que o direito processual assumisse uma

postura mais humana, ou mais preocupada com os problemas sociais, econômicos e

psicológicos que gravitam ao redor de suas conceituações e construções técnicas.

Ao mesmo tempo em que o direito processual faz importantes laços com outras

disciplinas, como a sociologia e a economia, redescobre-se, através de uma penosa e

árdua constatação, a ineliminável relação entre o processo e o direito substancial.

Afirma-se que o processo deve atender aos desígnios do direito material e estar atento à

realidade social, pensando-se no que se denominou “efetividade do processo”.

A vertiginosa transformação da sociedade e o surgimento de novas relações

jurídicas exigem que a técnica passe a ser manipulada de modo a permitir a adaptação

do processo às novas realidades e à tutela das várias, e até então desconhecidas,

situações de direito substancial.

Apesar dos avanços em termos de tutela coletiva, e mesmo de superação do

procedimento ordinário, com a introdução no Código de Processo Civil da tutela

antecipatória, há um ponto da mais alta importância que ainda é negligenciado pela

doutrina. Trata-se da tutela preventiva, a única capaz de impedir que os direitos não

patrimoniais sejam transformados em pecúnia, através de uma inconcebível

1 Ver Mauro Cappelletti, La dimensione sociale: l’accesso alla giustizia. Dimensioni della giustizia nelle

società contemporanee. Bologna: Il Mulino, 1994, p. 71.

Page 8: Tutela Inibitória - Marinoni

8

expropriação de direitos fundamentais para a vida humana.

A importância da tutela preventiva pode ser percebida, em todas as sociedades

modernas, a partir da necessidade de se conferir tutela jurisdicional adequada às novas

situações jurídicas, freqüentemente de conteúdo não patrimonial ou prevalentemente

não patrimonial, em que se concretizam os direitos fundamentais do cidadão.2

O sistema tradicional de tutela dos direitos, estruturado sobre o procedimento

ordinário e as sentenças da classificação trinária, é absolutamente incapaz de permitir

que os novos direitos sejam adequadamente tutelados. Esse modo de conceber a

proteção dos direitos não levou em consideração a necessidade de tutela preventiva,

nem obviamente os direitos que atualmente estão a exigir tal modalidade de tutela.

A questão, porém, não se resume apenas a buscar, em determinada norma, o

fundamento para a tutela preventiva; é preciso remodelar alguns conceitos fundamentais

da teoria do processo. A reformulação das categorias do processo é uma decorrência

natural da evolução do tempo e de realidades que não mais se adaptam às conceituações

pretéritas. Mais do que isso, o surgimento de novos conceitos é uma necessidade que

advém da alteração dos valores e, portanto, da sensibilidade do doutrinador; a

remodelação dos conceitos, em outras palavras, também é fruto da mudança dos valores

que inspiram as criações teóricas.

A introdução do art. 461 no Código de Processo Civil, confere importante

oportunidade para extrair do tecido normativo uma nova tutela jurisdicional, ou seja,

uma tutela que seja efetivamente capaz de prevenir o ilícito. Essa tutela não só chama a

atenção dos civilistas para o equívoco da unificação das categorias da ilicitude e da

responsabilidade civil, que espelha a idéia, bastante difundida, de que a única tutela

contra o ilícito é a de reparação do dano, mas também faz surgir, no plano do direito

processual, uma tutela alternativa àquelas que sempre estiveram sob os cuidados dos

processualistas.

A busca de uma tutela inibitória atípica, que atue nas formas individual e coletiva,

exige laboriosa análise do perfil dogmático da tutela de prevenção do ilícito e de uma

série de questões que gravitam em sua órbita, como, v.g., as da fungibilidade da tutela

inibitória e de seu modo de execução.

A tutela inibitória, contudo, não só reafirma a superação do mito da ordinariedade,

resultado da confusão entre a instrumentalidade do processo e sua pretendida

2 Ver Cristina Rapisarda e Michele Taruffo, Enciclopedia Giuridica Trecanni, v. 17, p. 1.

Page 9: Tutela Inibitória - Marinoni

9

neutralidade em relação ao direito material, como também deixa evidente a insuficiência

da classificação trinária, já que as sentenças declaratória e condenatória, conforme

ficará evidenciado mais tarde, são incapazes de permitir a prevenção do ilícito.

Como a tutela preventiva sempre foi prestada, embora na forma sumária, sob o

manto protetor da tutela cautelar, não é possível deixar de lado o árduo problema da

distinção entre a tutela inibitória e a tutela cautelar. Pensando-se o processo em termos

de tutela dos direitos, é fácil perceber que a tutela jurisdicional, seja sumária ou final,

não pode mais ser classificada com base em critérios processuais, mas sim de modo a

dar conta de sua efetiva interligação com o plano do direito material. Esse modo de ver

a tutela jurisdicional, ao responder à exigência de relativização do binômio

direito/processo, permite não só distinguir a tutela preventiva da tutela cautelar, mas

também classificar as tutelas finais a partir de seus pontos de contato, que devem

demonstrar uma peculiar função da tutela jurisdicional em relação ao direito material.3

Trata-se, portanto, de procurar definir os fundamentos e os contornos de uma nova

tutela jurisdicional,4 e de analisar o impacto dessa tutela sobre a classificação tradicional

das sentenças e das tutelas. É claro que tudo isso somente é possível porque o processo

é pensado a partir de outro ângulo visual – pensar o processo em termos de “tutela dos

direitos” é assumir nova postura perante o direito processual – capaz de romper com a

ilusão de que as categorias do direito processual possam ser construídas ao redor de uma

ação una e abstrata e, portanto, de um pólo metodológico que simplesmente ignore a

necessidade de o processo ser manchado pelas tintas do direito material a que deve dar

resposta.

Essa obra, ao pretender apresentar uma nova tutela jurisdicional, embora possa

parecer ousada, é fundamental para a efetividade da tutela de direitos muito

significativos na vida social. É por essa razão, deixe-se absolutamente claro, que

aceitamos o risco de enfrentar um tema novo e extremamente difícil como o da tutela

inibitória. Na verdade, não é possível viver sem riscos, até porque, como dizia Freud, 3 Seguiremos, no que diz respeito a esta questão, a doutrina italiana que vem pensando a tutela

jurisdicional à luz do direito material: ver Cristina Rapisarda. Profili della tutela civile inibitoria. Padova:

Cedam. 1987. p. 233 e ss; Luigi Paolo Comoglio, Note riepilogative su azione e forme di tutela,

nell’ottica della domanda giudiziale. Rivista di Diritto Processuale, 1993, p. 482 e ss; Adolfo di Majo. La

tutela civile dei diritti. Milano: Giuffrè, 1993; Adolfo di Majo, Forme e tecniche di tutela. Processo e

tecniche di attuazione dei diritti. Napoli: Jovene, 1989. p. 11 e ss; Andrea Proto Pisani, Appunti sulla

giustizia civile. Bari: Cacucci, 1982. Ver, ainda, o volume n. 1 de Processo e tecniche di attuazione dei

diritti, organizado por Salvatore Mazzamuto (Napoli, Jovene, 1989), onde se discute não apenas sobre a

inibitória, mas também sobre a diferença entre a tutela reintegratória e a tutela ressarcitória. 4 A doutrina italiana, como se verá no item n. 3, já definiu com bastante precisão os pressupostos da

inibitória.

Page 10: Tutela Inibitória - Marinoni

10

para se fazer alguma coisa que valha a pena é preciso ser sem escrúpulos, expor-se,

arriscar-se, trair-se, comportar-se como o artista que compra tintas com o dinheiro da

casa e queima os móveis para que a modelo não sinta frio; sem algumas dessas ações

criminosas, de fato, não se pode fazer nada direito.5

5 Renato Mezan, Freud, pensador da cultura. São Paulo: Brasiliense, p. 7, 1986.

Page 11: Tutela Inibitória - Marinoni

11

<titpart>PARTE 1

<titpart>A TUTELA INIBITÓRIA:

UMA NOVA TUTELA

<titpart>JURISDICIONAL

<tit>1

<tit1>O PROCESSO CIVIL CLÁSSICO

E A AUSÊNCIA DE UMA TUTELA

JURISDICIONAL REALMENTE PREVENTIVA

<texto>O procedimento de cognição plena e exauriente, complementado pelas três

sentenças da classificação trinária, é absolutamente incapaz de propiciar uma tutela

preventiva adequada.

<texto>Este modelo de “processo”, que pode ser chamado de “processo civil

clássico”, além de refletir, sobre o plano metodológico, as exigências da escola

sistemática,6 baseadas na necessidade de isolar o processo do direito material,

7 espelha

os valores do direito liberal, fundamentalmente a neutralidade do juiz, a autonomia da

vontade, a não ingerência do Estado nas relações dos particulares e a incoercibilidade do

facere.

<texto>O procedimento ordinário, caracterizado por ser um procedimento alheio ao

que se passa no plano do direito material, é a maior prova de que o isolamento do

processo não produziu bons resultados, haja vista a crescente preocupação com as

chamadas tutelas jurisdicionais diferenciadas, 8

imprescindíveis para a proteção efetiva

de determinadas situações de direito substancial e, portanto, alternativas à neutralidade

6 Ver Francesco Carnelutti, Scuola italiana del processo. Rivista di Diritto Processuale, 1947, p. 233 e ss;

Piero Calamandrei, Gli studi di diritto processuale in Italia nell’ultimo trentennio. Opere Giuridiche.

Napoli: Morano, 1965, v. 1, p. 523 e ss; Amedeo Giannini, Gli studi di diritto processuale civile in Italia.

Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1949, p. 103 e ss. 7 Ver Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitória, cit., p. 51 e ss.

8 Ver, fundamentalmente, Andrea Proto Pisani, Sulla tutela giurisdizionale differenziata. Rivista di Diritto

Processuale, 1979, p. 536 e ss.

Page 12: Tutela Inibitória - Marinoni

12

imposta pela ordinariedade.

<texto>A tutela antecipatória, ao permitir o tratamento diferenciado dos direitos

evidentes, de certa forma remediou o procedimento ordinário, dele expulsando a

proibição de julgamento mediante verossimilhança, o qual certamente não seria do

gosto de uma doutrina interessada em ver o juiz como a bouche de la loi. 9

<texto>A existência de tutela antecipatória, entretanto, não basta para viabilizar a

tutela preventiva, até porque a tutela antecipatória não tem nada a ver com a

necessidade de prevenção do ilícito, mas sim com a necessidade de distribuição do ônus

do tempo do processo.

<texto>Um dos grandes obstáculos para a tutela preventiva está presente na própria

classificação trinária, já que nenhuma das sentenças desta classificação tem a virtude de

propiciar a tutela preventiva.

<texto>A doutrina chiovendiana, ao tratar da ação declaratória, estava mais

preocupada com uma exigência de construção sistemática do que com a eventual função

preventiva que poderia ser exercida pela simples declaração, sabido que a ação

declaratória constituiu-se em um importante elemento para a demonstração da

autonomia da ação em relação ao direito substancial. 10

<texto>Aliás, nem poderia ser de outra forma, pois a escola chiovendiana formou-se

sob a influência de um modelo de Estado de matriz liberal, marcado por uma inegável

acentuação dos valores da liberdade individual sobre os poderes de intervenção do

Estado, o que se reflete nitidamente no conceito de sentença declaratória, compreendida

como uma sentença que se limita a regular formalmente uma relação jurídica já

determinada em seu conteúdo pela autonomia privada. 11

<texto>A sentença declaratória, contudo, exatamente porque não determina um

fazer ou um não fazer, é impotente para permitir a prevenção do ilícito e,

principalmente, a tutela dos direitos não patrimoniais.

<texto>Não só a sentença declaratória, mas também a sentença condenatória, por

definição correlacionada com a execução por sub-rogação, demonstram o valor que a

9 Eis o que disse Montesquieu: “Poderia acontecer que a lei, que é ao mesmo tempo clarividente e cega,

fosse em certos casos muito rigorosa. Porém, os juízes de uma nação não são, como dissemos, mais que a

boca que pronuncia as sentenças da lei, seres inanimados que não podem moderar nem sua força nem seu

rigor” (Do espírito das leis. São Paulo: Abril Cultural, 1973, p. 157). 10

Cristina Rapisarda. Profili della tutela civile inibitoria. Padova: Cedam, 1987, p. 67-68. 11

Idem, ibidem, p. 70-72.

Page 13: Tutela Inibitória - Marinoni

13

doutrina processual clássica deu ao princípio da incoercibilidade do facere. É inegável

que atrás do conceito de condenação esconde-se uma opção pela incoercibilidade do

facere, o que é absolutamente compreensível quando se considera o ambiente cultural

em que o conceito de sentença condenatória foi moldado.

<texto>O conceito de condenação foi influenciado pelas doutrinas que inspiraram o

Code Napoléon, pelo qual “toda obrigação de fazer ou não fazer resolve-se em perdas e

danos e juros, em caso de descumprimento pelo devedor” (art. 1.142).

<texto>A correlação da condenação com a execução por sub-rogação, além de

expressar os valores liberais, revela que o sistema clássico de tutela dos direitos não foi

pensado para permitir a tutela preventiva, ou ainda que a doutrina clássica não se

preocupava com a tutela preventiva dos direitos, o que certamente tinha relação com a

idéia de que a única tutela contra o ilícito constituía-se na reparação do dano.

<texto>Note-se, aliás, que a tutela ressarcitória pelo equivalente, ao contrário da

tutela preventiva, permite que a “tutela jurisdicional” seja pensada à distância do direito

material. Na tutela ressarcitória, importando apenas a realização do direito de crédito

que corresponde à lesão do direito, a técnica sub-rogatória tem condições de atuar de

forma completamente independente da natureza do direito material tutelado, o que não

acontece quando se pensa na tutela específica e, evidentemente, na tutela preventiva. 12

<texto>Se a sentença declaratória não é hábil para permitir a prevenção, e se a

sentença condenatória tem um nítido escopo repressivo, não há possibilidade de se

encontrar, dentro da classificação trinária das sentenças, uma via adequada para a tutela

dos direitos não patrimoniais, o que revela uma total incapacidade do processo civil

clássico para lidar com as relações mais importantes da sociedade contemporânea.

12

Ver Cristina Rapisarda. Inibitoria. Digesto delle discipline privatistiche, v. 9, p. 476.

Page 14: Tutela Inibitória - Marinoni

14

<tit>2

<tit1>A NECESSIDADE DE UM

NOVO MODELO PROCESSUAL

<texto>Se o processo civil tradicional não é capaz de garantir de forma adequada os

direitos, é preciso pensar, urgentemente, em um novo modelo processual.

<texto>O processo civil deve estar estruturado de modo a viabilizar a adequada

tutela dos direitos. Neste sentido, não cabe confundir o modelo processual (vale dizer,

os procedimentos) com a tutela que por eles deve ser prestada. Os procedimentos são

diferentes exatamente pela razão de que devem se amoldar às diversas espécies de

direitos que obrigam o cidadão a buscar o Judiciário. Os procedimentos variam de

acordo com a cognição que lhes é inerente (procedimento ordinário de conhecimento,

procedimento do mandado de segurança, procedimento cautelar etc.), por permitirem a

aceleração dos atos processuais (procedimento ordinário, sumário etc.), por abrirem

oportunidade à antecipação da tutela, e por trabalharem com sentenças e meios de

execução diversificados.

<texto>É preciso compreender que o direito de ação não pode mais ser pensado

como simples direito à sentença, mas sim como o direito ao modelo processual capaz de

propiciar a tutela do direito afirmado em juízo. Se o cidadão deve buscar o Judiciário, e

esse possui a obrigação de lhe prestar a efetiva tutela de seu direito, é evidente que, por

meio da ação, o direito afirmado deve encontrar caminho para que, quando reconhecido,

possa ser efetivamente tutelado. Portanto, o exercício do direito de ação não se exaure

com a apresentação da petição inicial, mas apenas no momento em que o processo é

finalizado, inclusive, se necessário, com a prática dos meios de execução. Entretanto, e

como é lógico, o direito de ação existirá ainda que o direito material não seja

reconhecido. A sentença de improcedência, ao negar a tutela do direito, presta tutela

jurisdicional. Mas quando se olha para uma técnica processual que reconhece o direito

afirmado (sentença de procedência ou decisão que antecipa a tutela), passa a ser correto

falar nas várias tutelas dos direitos, ou melhor, nas diferentes tutelas que as diversas

Page 15: Tutela Inibitória - Marinoni

15

situações de direito material exigem (tutela inibitória etc.).

<texto>A necessidade de tutela preventiva exige a estruturação de um procedimento

autônomo e que desemboque em uma sentença que possa impedir a prática, a repetição

ou a continuação do ilícito. Além disso, a tutela de prevenção do ilícito requer um

procedimento estruturado com técnica antecipatória, pois o direito que se visa proteger

através da tutela preventiva tem, em regra, grande probabilidade de ser lesado no curso

do processo. De outro modo, a tutela preventiva pode ser transformada em tutela

ressarcitória, ou o direito em pecúnia, mediante uma injusta expropriação imposta pelo

próprio tempo que o Estado exige para tutelar o direito que ele mesmo consagra.

<texto>Ademais, é necessário compreender, para a efetividade da tutela preventiva,

quais são os seus pressupostos (mediante a distinção entre ato contrário ao direito e

dano), evitando-se que o procedimento a ela referente seja povoado por questões

impertinentes.

<texto>Um procedimento desse tipo é absolutamente imprescindível em um

ordenamento jurídico que se empenha em dar efetividade aos direitos que consagra,

especialmente aos direitos não patrimoniais, os quais evidentemente não podem ser

tutelados de forma adequada através de procedimentos que finalizam nas sentenças da

classificação trinária.

<texto>A imprescindibilidade de um novo modelo processual, caracterizado pela

possibilidade de antecipação da tutela e de sentença que não se enquadre na

classificação trinária, é o reflexo da tomada de consciência de que os direitos precisam

ser tutelados de forma preventiva, especialmente porque a nossa própria Constituição

Federal, fundada na dignidade da pessoa humana (art. 1.º, III), não só garante uma série

de direitos não patrimoniais, como afirma expressamente o direito de acesso à justiça

diante de “ameaça a direito” (art. 5.º, XXXV). Pesa, portanto, sobre a doutrina

processual, a grave e importante incumbência de elaborar, teoricamente, um modelo de

tutela jurisdicional adequado aos valores do tempo presente.

Page 16: Tutela Inibitória - Marinoni

16

<tit>3

<tit1>A TUTELA INIBITÓRIA

<s>SUMÁRIO: 3.1 Considerações iniciais – 3.2 A tutela inibitória e a

problemática do ilícito – 3.3 A inibitória tutela contra o ilícito – 3.4 A tutela

inibitória e a questão da culpa – 3.5 Os diferentes escopos da tutela inibitória –

3.6 A cognição e a prova na ação inibitória – 3.7 A prova indiciária diante da

ação inibitória: 3.7.1 Primeiras considerações; 3.7.2 “Juízo-instrumental”,

presunção, “juízo-resultado”, “juízo-provisório” e “juízo-final”; 3.7.3 O controle

da admissão da prova para a demonstração do fato indiciário; 3.7.4 A

importância do senso comum para o raciocínio fundado a partir da prova

indiciária; 3.7.5 A importância do senso comum para a formação do juízo a

partir da presunção – 3.8 A necessidade de atuação concreta da norma e a

importância da ação inibitória – 3.9 A autonomia da ação inibitória – 3.10 A

inaptidão do antigo art. 287 para garantir uma tutela jurisdicional adequada e a

confusão que se instalou entre a tutela preventiva e a tutela cautelar. A

dificuldade de se perceber, hoje, a relação entre a tutela das obrigações de fazer

e de não fazer e a tutela inibitória – 3.11 A ação inibitória é corolário de um

princípio geral de prevenção – 3.12 Direito à tutela inibitória, técnica processual

e tutela jurisdicional inibitória – 3.13 O art. 461 como fundamento processual da

tutela inibitória – 3.14 O art. 12, caput, do novo Código Civil – 3.15 A tutela

inibitória no plano coletivo –3.15.1 Os arts. 11 da Lei da Ação Civil Pública e

84 do CDC. O sistema brasileiro de tutela coletiva ampara a tutela inibitória –

3.15.2 A problemática da tutela inibitória a partir do controle dos atos do Poder

Público – 3.15.3 A tutela inibitória em caso de omissão do Poder Público –

3.15.4 A tutela coletiva do consumidor contra o uso de cláusulas gerais abusivas

– 3.16 As técnicas processuais, presentes nos arts. 461, CPC, e 84, CDC,

viabilizam a concessão de várias tutelas – 3.17 A razão para se falar em tutela

Page 17: Tutela Inibitória - Marinoni

17

inibitória – 3.18 A tutela inibitória negativa e a tutela inibitória positiva – 3.19 A

multa e a tutela inibitória que impõe um fazer fungível – 3.20 A plasticidade da

tutela inibitória e os limites para a imposição do fazer e do não fazer: 3.20.1

Breve observação inicial – 3.20.2 Os princípios do meio idôneo e da menor

restrição possível como vetores para o adequado uso da tutela inibitória – 3.21

Tutela inibitória e tutela de remoção do ilícito – 3.22 A fungibilidade da tutela

inibitória: 3.22.1 Breves observações sobre o princípio da congruência entre o

pedido e a sentença; 3.22.2 Os arts. 461 do CPC e 84 do CDC como exceções ao

princípio de que a sentença deve ficar adstrita ao pedido; 3.22.3 A sub-rogação

de uma obrigação em outra para a obtenção da tutela específica ou do resultado

prático equivalente ao do adimplemento; 3.22.4 O poder decisório do juiz e o

princípio da efetividade; 3.22.5 O poder decisório do juiz e o princípio da

necessidade; 3.22.6 A fungibilidade da tutela inibitória reafirma a idéia da

fungibilidade da tutela de segurança, que sempre esteve na base da “tutela

cautelar” – 3.23 O pedido de tutela inibitória e as violações de eficácia

instantânea suscetíveis de repetição no tempo – 3.24 Tutela inibitória e

cumulação de pedidos. A tutela antecipatória mediante o julgamento antecipado

de pedido inibitório cumulado com pedido ressarcitório – 3.25 A importância da

audiência preliminar à luz da experiência anglo-americana do undertaking do

réu – 3.26 A tutela inibitória antecipada: 3.26.1 Primeiras considerações; 3.26.2

A quebra da regra da nulla executio sine titulo; 3.26.3 A tutela inibitória

antecipada na ação inibitória; 3.26.4 A evidente distinção entre tutela inibitória

antecipada e tutela cautelar – 3.27 A execução da tutela inibitória: 3.27.1 A

tutela inibitória e a multa – 3.27.2 Outras medidas de execução.

<a>3.1 Considerações iniciais

<texto>Não há no direito brasileiro qualquer incursão teórica voltada a estabelecer

uma tutela jurisdicional preventiva atípica que possa ser prestada através do processo de

conhecimento. Contudo, se os cidadãos devem ter a sua disposição instrumentos

processuais adequados para a tutela de seus direitos, é necessário que seja elaborada

uma tutela jurisdicional idônea à prevenção do ilícito.

<texto>Tal tutela, a nosso ver, pode ser denominada de inibitória, à semelhança do

Page 18: Tutela Inibitória - Marinoni

18

que ocorre no direito italiano, onde existem tentativas – embora reduzidas – de se pôr

em relevo uma tutela inibitória atípica.13

Anote-se, desde logo, que o direito italiano, da

mesma forma que o nosso, conhece hipóteses típicas de tutela inibitória, mas há na

doutrina italiana uma séria dúvida acerca da existência de uma tutela inibitória atípica.

<texto>Ainda que o direito italiano viva a dúvida da atipicidade da inibitória, a

doutrina tem posto em destaque os pontos comuns das inibitórias típicas, o que

consubstancia um importante trabalho, à medida que define os contornos da tutela

inibitória, conferindo segurança aos operadores jurídicos no uso do instrumento

adequado a prevenir o ilícito. 14

<texto>O estudo da inibitória, no direito brasileiro, 15

deve ter por meta construir os

seus próprios elementos – e não apenas evidenciar a necessidade da prevenção do ilícito

–, permitindo que se vislumbre com nitidez sua fisionomia em face das outras formas de

tutela, como a tutela cautelar.

<texto>A tutela inibitória, configurando-se como tutela preventiva, visa a prevenir o

ilícito, culminando por apresentar-se, assim, como uma tutela anterior à sua prática, e

não como uma tutela voltada para o passado, como a tradicional tutela ressarcitória.

<texto>Quando se pensa em tutela inibitória, imagina-se uma tutela que tem por fim

impedir a prática, a continuação ou a repetição do ilícito, e não uma tutela dirigida à

reparação do dano. Portanto, o problema da tutela inibitória é a prevenção da prática, da

continuação ou da repetição do ilícito, enquanto o da tutela ressarcitória é saber quem

deve suportar o custo do dano, independentemente do fato de o dano ressarcível ter sido

produzido ou não com culpa. 16

13

Ver, basicamente, Aldo Frignani, L’injunction nella common law e l’inibitoria nel diritto italiano.

Milano: Giuffrè, 1974; Aldo Frignani, Inibitoria (azione). Enciclopedia del diritto, v. 21, p. 559 e ss; Aldo

Frignani, Azione in cessazione. Novissimo Digesto Italiano (appendice I), 1980, p. 639 e ss; Aldo

Frignani, Inibitoria (azione). Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 17, p. 1 e ss; Cristina Rapisarda, Profili

della tutela civile inibitoria. Padova: Cedam, 1987; Cristina Rapisarda, Inibitoria. Digesto delle discipline

privatistiche. v. 9, p. 475 e ss; Cristina Rapisarda e Michele Taruffo, Inibitoria. Enciclopedia Giuridica

Treccani, v. 17. p. 1 e ss. 14

Sobre a tutela inibitória no direito italiano, ver, além da bibliografia já referida na nota anterior, Ugo

Mattei, Tutela inibitoria e tutela risarcitoria. Milano: Giuffrè, 1987; Mario Libertini, La tutela civile

inibitoria. Processo e tecniche di attuazione dei diritti. Napoli: Jovene, 1989, p. 315 e ss; Luigi

Montesano, Problemi attuali su limiti e contenuti (anche non patrimoniali) delle inibitorie, normali e

urgenti. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile. 1995, p. 775 e ss. 15

Já acenamos, muito brevemente, para a questão da tutela inibitória (ver Luiz Guilherme Marinoni,

Tutela inibitória: a tutela de prevenção do ilícito. Genesis – Revista de Direito Processual Civil, p. 353 e

ss; Luiz Guilherme Marinoni, A antecipação da tutela. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 59 e ss). 16

Michele Mòcciola, Problemi del risarcimento del danno in forma specifica nella giurisprudenza. Rivista

Critica del Diritto Privato, 1984, p. 367.

Page 19: Tutela Inibitória - Marinoni

19

<texto>Se não é possível confundir tutela inibitória com tutela ressarcitória é porque

a tutela inibitória não é uma tutela contra o dano, não exigindo, portanto, os mesmos

pressupostos da tutela ressarcitória.

<texto>Como já se pode perceber, a configuração de uma tutela genuinamente

preventiva implica a quebra do dogma – de origem romana – de que a única e

verdadeira tutela contra o ilícito é a de reparação do dano ou a tutela ressarcitória, ainda

que na forma específica. 17

<texto>A confusão entre ilícito e dano é o reflexo de um árduo processo de

evolução histórica que culminou por fazer pensar – através da suposição de que o bem

juridicamente protegido é a mercadoria, isto é, a res dotada de valor de troca – que a

tutela privada do bem é o ressarcimento do equivalente ao valor econômico da lesão. 18

A identificação de ilícito e dano não deixa luz para a doutrina enxergar outras formas de

tutela contra o ilícito; não é por outra razão, aliás, que o grande exemplo de tutela

inibitória no direito brasileiro está no interdito proibitório, a refletir valores liberais

clássicos e privatísticos.

<texto>A unificação da categoria da ilicitude com a da responsabilidade civil, fruto

da idéia – que é resultado de uma visão “mercificante” dos direitos – de que a única

tutela contra o ilícito consiste na reparação do dano, ainda está presente na doutrina do

direito civil brasileiro. Anote-se, apenas como exemplo, a seguinte passagem da obra de

Orlando Gomes: “Não interessa ao Direito Civil a atividade ilícita de que não resulte

prejuízo. Por isso, o dano integra-se na própria estrutura do ilícito civil. Não é de boa

lógica, seguramente, introduzir a função no conceito. Talvez fosse preferível dizer que a

produção do dano é, antes, um requisito da responsabilidade, do que do ato ilícito. Seria

este simplesmente a conduta contra jus, numa palavra, a injúria, fosse qual fosse a

conseqüência. Mas, em verdade, o Direito perderia seu sentido prático se tivesse de

ater-se a conceitos puros. O ilícito civil só adquire substantividade se é fato danoso”. 19

<texto>Compreendendo-se que a tutela jurisdicional contra o ilícito não se destina,

necessariamente, a reparar o dano, abre-se oportunidade à construção de uma tutela

inibitória atípica, destinada a operar em face dos diversos casos conflitivos concretos

17

Cristina Rapisarda, Inibitoria (azione). Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 17, p. 1. 18

Cesare Salvi, Legittimità e ‘razionalità’ dell’art. 844 Codice Civile. Giurisprudenza italiana, 1975, p.

591. 19

Orlando Gomes, Obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 1992, p. 313-314.

Page 20: Tutela Inibitória - Marinoni

20

que dela careçam. 20

<texto>A tutela inibitória é uma tutela específica, pois objetiva conservar a

integridade do direito, assumindo importância não apenas porque alguns direitos não

podem ser reparados e outros não podem ser adequadamente tutelados através da

técnica ressarcitória, mas também porque é melhor prevenir do que ressarcir, o que

equivale a dizer que no confronto entre a tutela preventiva e a tutela ressarcitória deve-

se dar preferência à primeira. 21

<texto>A tutela ressarcitória, na maioria das vezes, substitui o direito originário por

um direito de crédito equivalente ao valor do dano verificado e, nesse sentido, tem por

escopo apenas garantir a integridade patrimonial dos direitos; já a inibitória, que não

tem qualquer caráter sub-rogatório, destina-se a garantir a integridade do direito em si. 22

<texto>A tutela inibitória é caracterizada por ser voltada para o futuro, 23

independentemente de estar sendo dirigida a impedir a prática, a continuação ou a

repetição do ilícito. Note-se, com efeito, que a inibitória, ainda que empenhada apenas

em fazer cessar o ilícito ou a impedir a sua repetição, não perde a sua natureza

preventiva, pois não tem por fim reintegrar ou reparar o direito violado.

<texto>Falamos em “tutela” inibitória porque entendemos que o sistema de tutela

dos direitos deve deixar de ser pensado em torno da ação una e abstrata e passar a ser

compreendido em termos de “tutela”, ou melhor, a partir dos resultados que a tutela

jurisdicional proporciona aos consumidores do serviço jurisdicional. Deixe-se claro,

portanto, que a expressão tutela nada tem a ver com o fato de o resultado perseguido

20

Bonasi Benucci afirmou, em ensaio publicado na Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile de

1957, que a estrutura do ilícito não teve, por parte da doutrina, uma elaboração adequada à importância do

tema. A razão disto estaria no fato de que a atenção dos estudiosos ficou concentrada sobre a

responsabilidade pelos danos conseqüentes ao ilícito, e não sobre o ato ilícito considerado em si (Eduardo

Bonasi Benucci, Atto illecito e concorrenza sleale. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile,

1957, p. 563). 21

Trimarchi, em clássico verbete (illecito) publicado na Enciclopedia del Diritto, afirma o seguinte: “La

reazione che l’ordinamento giuridico appresta contro l’atto illecito mira preventivamente ad impedirne il

compiersi, e sucessivamente ad eliminarne le conseguenze. Meglio prevenire che curare: è un ovvio

principio di economia. Perciò, ancor prima che l’atto illecito sia compiuto, il diritto opera non solo con la

minaccia della successiva sanzione, che può scoraggiare il comportamento vietato, ma anche con misure

immediate volte ad impedire il comportamento lesivo o la lesione prima del loro verificarsi” (Pietro

Trimarchi, Illecito. Enciclopedia del Diritto, v. 20, p. 106). 22

Cristina Rapisarda, Inibitoria. Digesto delle discipline privatistiche, v. 9, p. 476. 23

Como diz Rapisarda, “carattere essenziale e tipico dell’azione inibitoria è, dunque, quello di essere una

tecnica di tutela giurisdizionale rivolta verso il futuro (indipendentemente dal fatto che tra i suoi

presupposti di esperibilità si richieda o non si richieda una violazione già avvenuta o che il

comportamento illecito continuativo sia già iniziato), piuttosto che verso il passato” (Cristina Rapisarda,

Inibitoria (azione). Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 17, p. 1).

Page 21: Tutela Inibitória - Marinoni

21

pelo autor ser obtido através de uma tutela que não é de cognição exauriente, mas de

cognição sumária, como as tutelas antecipatória e cautelar.

<texto>A tutela inibitória é requerida via ação inibitória, que constitui ação de

cognição exauriente. Nada impede, contudo, que a tutela inibitória seja concedida

antecipadamente, no curso da ação inibitória, como tutela antecipatória. Ao contrário,

considerada a natureza da inibitória, é fácil perceber que em grande número de casos

apenas a inibitória antecipada poderá corresponder ao que se espera da tutela

preventiva.

<texto>A inibitória funciona, basicamente, através de uma decisão ou sentença

capaz de impedir a prática, a repetição ou a continuação do ilícito, o que permite

identificar o fundamento normativo-processual desta tutela nos arts. 461 do CPC e 84

do CDC.

<texto>Perceba-se que no direito brasileiro, ao contrário do que ocorre no direito

italiano, não há qualquer dificuldade para se conceber a inibitória como tutela atípica. A

grande dificuldade de se admitir a atipicidade da inibitória na Itália advém do fato de o

direito italiano não consagrar a atipicidade de uma sentença que possa impor um fazer

ou um não fazer sob pena de multa. No Brasil não há este problema, uma vez que os

arts. 461 do CPC e 84 do CDC - que tratam das obrigações de fazer e de não-fazer –

abrem oportunidade às sentenças mandamental e executiva, sem qualquer alusão a uma

específica situação de direito substancial. Em outros termos, a tutela inibitória pode ser

postulada diante de qualquer tipo de direito, e não apenas em face de situações de

direito material expressamente previstas na lei.

<texto>Aliás, o fundamento maior da inibitória, ou seja, a base de uma tutela

preventiva geral, encontra-se – como será melhor explicado mais tarde – na própria

Constituição Federal, precisamente no art. 5.º, XXXV, que estabelece que “a lei não

excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, e exatamente por

isto não há como pensar que a inibitória somente pode servir a certos direitos.

<a>3.2 A tutela inibitória e a problemática do ilícito

<texto>Uma das mais importantes conquistas da doutrina italiana mais recente está

na distinção – elaborada a partir de uma revisão do conceito de ilícito – entre ato ilícito

Page 22: Tutela Inibitória - Marinoni

22

e fato danoso. 24

<texto>A necessidade de uma tutela antecedente ao dano, de conteúdo nitidamente

preventivo, levou os estudiosos a tentar explicar o fundamento e a finalidade desse tipo

de tutela. Se a tutela não visa a reparar o dano, qual seria o seu fundamento e escopo?

Esta pergunta foi respondida, no curso da evolução da doutrina, de várias formas.

<texto>Afirmou-se, em uma doutrina elaborada há bastante tempo, que a “ação”

(física), em alguns casos, pode não resultar em um evento danoso; lembrou-se, ainda,

que podem ser praticados atos preparatórios voltados a uma finalidade sem que a ação

seja praticada e que, também, uma ação pode ser apenas anunciada como um propósito,

sem que qualquer ato seja praticado. Muito embora não verificado o dano ou mesmo

praticada a ação, entendeu-se que a prática da ação, dos atos preparatórios ou o simples

anúncio da ação como conteúdo de um propósito, não poderiam deixar de ter

significado. Foi aí que surgiu a distinção, realizada no interior da categoria da ilicitude

civil, entre o “ilícito de perigo” e o “ilícito de lesão”. 25

<texto>Essa distinção, que foi feita por Candian, parece ser uma das tentativas

iniciais de se explicar a diferença entre a tutela preventiva e a tutela ressarcitória, a

primeira voltada contra o ilícito de perigo e a segunda dirigida contra o ilícito de lesão.

26

<texto>Candian, ao mencionar uma série de casos que configurariam exemplos de

tutela contra o ilícito de perigo, agrupa em uma mesma categoria a tutela cautelar e a

tutela inibitória, realizando uma sensível ampliação da noção tradicional de ato

conservativo. 27

Porém, transparece da doutrina de Candian uma preocupação em evitar

o dano e não o ato contrário ao direito; quando Candian fala em ilícito de perigo, como

categoria contraposta à de ilícito de lesão, fica claro que o ilícito de perigo diz respeito

a um perigo de dano. É evidente, portanto, que a elaboração de Candian não pode ser

24

“Com’è noto, a partire dalla metà degli anni 60 un consistente orientamento dottrinale ha posto in luce

l’importanza della distinzione tra illecito (come condotta antigiuridica) e danno, come fatto storico,

materiale, che può essere (eventuale) conseguenza dell’illecito, o può derivare da fatti non suscettibili di

tale qualificazione” (Michele Mòcciola, Problemi del risarcimento del danno in forma specifica nella

giurisprudenza. Rivista Critica del Diritto Privato, 1984, p. 367). E eis o que diz Salvi: “Il riferimento

all’art. 2043 codice civile ha un significato innovatore, se si traggono tutte le conseguenze dalla revisione

che la dottrina più recente ha operato dell’intera materia dell’illecito civile. Uno dei più proficui risultati

di tale revisione appare, infatti, la netta distinzione tra atto illecito e fatto dannoso da cui deriva la

responsabilità civile” (Cesare Salvi, Legittimità e ‘razionalità’ dell’art. 844 Codice Civile.

Giurisprudenza italiana, 1975, p. 590). 25

A. Candian, Nozioni istituzionali di diritto privato. Milano: Giuffrè, 1946, p. 119. 26

Idem, ibidem. 27

Idem, ibidem, p. 120-121.

Page 23: Tutela Inibitória - Marinoni

23

aceita como adequada à explicação da tutela preventiva, 28

já que marcada por uma

preocupação em evitar o dano e não o ato contrário ao direito. 29

<texto>Lodovico Barassi, um outro conhecido civilista italiano, tratando da

“prevenzione del fatto danoso”, pergunta se é admitida, no direito italiano, uma ação

destinada “a prevenir as lesões jurídicas”. Segundo ele, uma ação desse tipo objetiva

fazer cessar um estado atual de coisas que necessariamente deve conduzir a uma futura

lesão; uma ação dirigida sobretudo a obter que uma pessoa desista de um determinado

comportamento, ou mesmo o modifique. 30

<texto>Ao descrever alguns casos que constituiriam exemplos de tutela preventiva,

alerta Barassi que as situações às quais as ações preventivas fariam referência

constituiriam o ilícito de perigo, que se distinguiria, assim, do ilícito de lesão. 31

<texto>Barassi deixa transparecer com toda nitidez que a tutela preventiva é voltada

a prevenir o dano, o que não o impede, portanto, de aderir à terminologia utilizada por

Candian, e de falar de “ilícito de perigo” e de “ilícito de lesão”. A tutela dirigida a fazer

cessar uma atividade ilícita (ilícito de perigo) teria natureza preventiva porque destinada

a impedir um futuro dano.

<texto>Segundo Barassi, a tutela preventiva pode ser utilizada para impedir a

continuação de um estado atual de coisas que já provocou um dano, mas que ainda pode

provocar outro, e mesmo para impedir a continuação de um estado atual de coisas que,

ainda que não tenha causado algum dano, provavelmente pode ocasioná-lo. 32

<texto>A posição de Barassi merece a mesma crítica que foi endereçada à doutrina

de Candian. Barassi, ao falar em ilícito de perigo, alude a um estado atual de coisas

28

Ver, nesse sentido, Aldo Frignani, Azione in cessazione. Novissimo Digesto italiano, 1980, p. 654;

Cristina Rapisarda, Inibitória. Digesto delle discipline privatistiche, v. 9, p. 480. 29

É interessante ressaltar, porém, que Candian fala em prevenção do ilícito como princípio geral do

ordenamento jurídico: “Quanto alla ragione determinante delle autorizzazioni e delle iniziative,

rispettivamente impartite e consentite dall’ordinamento, essa risiede in una immanente esigenza di

economia. A parte, infatti, le ipotesi in cui il danno è per sua natura (come quello proveniente dalla

insolvenza del debitore) insuscettibile di riparazione, l’ordinamento manifesta, con numerose

disposizioni, la tendenza a preferire le misure della prevenzione, dovunque siano possibili, a quelle della

riparazione o della pena o del risarcimento, cioè in genere alle misure repressive (inteso il termine in

senso lato). Appunto la varietà delle situazioni alle quali, con le numerose norme citate, ed altre ancora, si

è voluto provvedere, dà per certo che non tanto si tratta di singole disposizioni da applicare ai casi di volta

in volta preveduti, quanto di un principio generale dell’ordinamento giuridico: di un principio, appunto,

inspirato alla ora cennata esigenza economica” (A. Candian, Nozioni istituzionali di diritto privato, cit., p.

121). 30

Lodovico Barassi, La teoria generale delle obbligazioni. Milano: Giuffrè, 1964, p. 429. 31

Idem, ibidem, p. 429. 32

Idem, ibidem, p. 430.

Page 24: Tutela Inibitória - Marinoni

24

(uma atividade ilícita continuativa) que pode causar dano. A tutela contra o ilícito de

perigo, portanto, seria uma tutela contra o perigo de dano.

<texto>Um dos temas que certamente motivou a doutrina italiana a estabelecer a

distinção entre ilícito e dano foi, sem dúvida, o da tutela contra a concorrência desleal.

Para que se compreenda a razão pela qual a doutrina foi obrigada a estudar o ilícito com

vistas a melhor entender essa tutela, é necessário perceber a própria estrutura normativa

da tutela contra a concorrência desleal, que fez surgir, na realidade, diversas espécies de

tutelas voltadas à proteção do empresário. 33

<texto>O Código Civil italiano, ao tratar do assunto, além de estabelecer quais são

os atos que configuram concorrência desleal, prevê três espécies de tutela: a tutela

inibitória, a tutela reintegratória e a tutela ressarcitória.

<texto>Afirma o art. 2.599 que a sentença que declara a existência de atos de

concorrência desleal inibe a sua continuação e confere as providências necessárias a fim

de que sejam eliminados os seus efeitos. O art. 2.600, complementando o leque da tutela

jurisdicional contra a concorrência desleal, dispõe que, se os atos são praticados com

dolo ou culpa, o seu autor fica obrigado a ressarcir o dano.

<texto>O art. 2.599, ao disciplinar a tutela inibitória e a tutela que tem por fim

remover os efeitos dos atos praticados, não fala em culpa ou dolo, enquanto o art. 2.600,

ao disciplinar a reparação do dano, exige a culpa ou o dolo.

<texto>O art. 2.043 do CC italiano afirma que qualquer fato doloso ou culposo, que

ocasione a outrem um dano injusto, obriga ao ressarcimento do dano. Uma vez que a

tutela contra a concorrência desleal, de lado a própria tutela ressarcitória, não requer

dano, culpa ou dolo, tornou-se necessária a separação das tutelas inibitória e

reintegratória contra a concorrência desleal da tutela contra o dano (por ela produzido),

que até então era vista como a única tutela contra o ilícito.

33

Sobre a problemática da tutela contra a concorrência desleal, ver Eduardo Bonasi Benucci, Atto illecito

e concorrenza sleale. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1957, p. 563 e ss; Marco Saverio

Spolidoro, Le misure di prevenzione nel diritto industriale. Milano: Giuffrè, 1982; Tullio Ascarelli,

Teoria della concorrenza e dei beni immateriali. Milano: Giuffrè, 1957; Geraldo Santini, Concorrenza

sleale ed impresa. Rivista di Diritto Civile, 1959, p. 125 e ss; Pier Giusto Jaeger, Valutazione comparativa

di interessi e concorrenza sleale. Rivista di Diritto Industriale, 1970, p. 38 e ss; Gustavo Ghidini, La

repressione della concorrenza sleale nel sistema degli artt. 2598 ss. cod. civ. Le sanzioni. Rivista di

Diritto Civile, 1970, p. 329 e ss; Remo Franceschelli, Studi sulla concorrenza sleale. La fattispecie.

Rivista di Diritto Industriale, 1963, p. 269 e ss; Giuseppe Auletta, Divieto di concorrenza e divieto di

concorrenza sleale. Diritto e giurisprudenza, 1956, p. 279 e ss; Gustavo Minervini, Concorrenza e

consorzi. Milano: Vallardi, 1965, p. 51 e ss; Marco Sertorio, Illecito civile, concorrenza, prescrizione.

Archivo della responsabilità civile e dei problemi generali del danno, 1964, p. 122 e ss; Luigi Mosco, La

concorrenza sleale. Napoli: Jovene, 1956, p. 188 e ss.

Page 25: Tutela Inibitória - Marinoni

25

<texto>Parte da doutrina, ainda ligada à idéia de que o ilícito requer o dano, chegou

a propor uma dicotomia dos atos de concorrência desleal, os quais, quando culposos e

danosos, ficariam enquadrados no conceito de ato ilícito, e em hipótese diversa

classificados de modo totalmente autônomo. 34

<texto>Uma outra parte da doutrina, porém, tentou distanciar conceitualmente o

ilícito que abre ensejo para as tutelas inibitória e reintegratória contra a concorrência

desleal do ilícito tal como vinha sendo traçado, ou seja, do ilícito que requer

necessariamente o dano.

<texto>Esta doutrina estabelece algumas premissas que são fundamentais dentro do

esforço de revisão do conceito de ilícito. Afirmou-se, basicamente, que o art. 2.043 do

CC italiano não descreve o ilícito – como supunha a doutrina mais antiga –, mas apenas

configura a responsabilidade pelo dano. Deduziu-se, nesta linha, que a tutela

ressarcitória não é a única forma de tutela contra o ilícito35

e que a culpa é uma

condição (geralmente) necessária para o ressarcimento do dano, mas não para a ilicitude

do ato. 36

<texto>Para evidenciar que o dano não é elemento constitutivo do ilícito,

argumentou-se que, quando se diz que não há ilícito sem dano, identifica-se o ato contra

ius com aquela que é a sua normal conseqüência, e isto ocorreria apenas porque o dano

é o sintoma sensível da violação da norma. A confusão entre ilícito e dano seria o

reflexo do fato de que o dano é a prova da violação e, ainda, do aspecto de que entre o

ato ilícito e o dano subsiste freqüentemente uma contextualidade cronológica que torna

difícil a distinção dos fenômenos, ainda que no plano lógico. 37

<texto>Bonasi Benucci distinguiu perigo e dano, argumentando que o dano é uma

34

Ver Eduardo Bonasi Benucci, Atto illecito e concorrenza sleale. Rivista Trimestrale di Diritto e

Procedura Civile, 1957, p. 565. Ver, também, Luigi Mosco, La concorrenza sleale. Napoli: Jovene, 1956,

p. 188 e ss. 35

É o que admite Bonasi Benucci no mais importante trabalho sobre o ilícito dentro do tema da

concorrência desleal: “Ci sembra indubbio che l’art. 2043 si limiti a porre in forma generalissima le

condizioni cui è sottoposta l’insorgenza dell’obbligo a risarcire il danno conseguente all’illecito, ma che

esso non descriva l’illecito, né esaurisca la specificazione dei mezzi di tutela che l’ordinamento offre a

colui che sia vittima dell’illecito stesso” (Eduardo Bonasi Benucci, Atto illecito e concorrenza sleale.

Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1957, p. 567). 36

“Essendo quindi anche la colpa una condizione normalmente necessaria (salvo eccezioni che si vanno

facendo sempre più numerose, ma che, appunto per il loro carattere di eccezioni, non capovolgono ancora

il principio generale) della risarcibilità del danno e non della illiceità dell’atto, illiceità che si perfeziona

con la mera violazione della norma quale consegue all’atto stesso” (Eduardo Bonasi Benucci, Atto illecito

e concorrenza sleale. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1957, p. 567). 37

Eduardo Bonasi Benucci, Atto illecito e concorrenza sleale. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura

Civile, 1957, p. 569.

Page 26: Tutela Inibitória - Marinoni

26

conseqüência normal da periculosidade do ilícito e de sua capacidade de provocar dano.

O perigo, nesta concepção, é elemento constitutivo do ilícito (o ilícito é sempre de

perigo), enquanto o dano, por ser uma conseqüência meramente eventual da violação, é

um elemento extrínseco a sua fattispecie constitutiva. 38

<texto>Note-se que esta elaboração doutrinária difere daquela construída por

Candian, 39

já que a concepção de Benucci não fala em ilícito de perigo e ilícito de

lesão, mas apenas em ilícito que guarda em si, necessariamente, o perigo de dano. Há

uma unidade conceitual para o ilícito, que seria, em poucas palavras, o ato contra ius

que pode causar dano. 40

<texto>Bonasi Benucci, ao inserir na constituição do ilícito o perigo, refere-se ao

perigo como uma “potencialidade danosa”, evidenciando, assim, que a tutela contra o

ilícito – que seria diferente da tutela contra o dano – é uma tutela contra a probabilidade

do dano. 41

<texto>Note-se, porém, que se o dano é uma conseqüência meramente eventual e

não necessária do ilícito, a tutela inibitória não deve ser compreendida como uma tutela

contra a probabilidade do dano, mas sim como uma tutela contra o perigo da prática, da

repetição ou da continuação do ilícito, compreendido como ato contrário ao direito que

prescinde da configuração do dano. 42

<a>3.3 A inibitória tutela contra o ilícito

38

Idem, ibidem, p. 575. 39

A. Candian, Nozioni istituzionali di diritto privato, cit., p. 119 e ss. 40

Giuseppe Auletta, ao analisar a estrutura normativa da tutela contra a concorrência desleal, igualmente

conclui que o requisito do dano é substituído pelo de perigo de dano (Attività. Enciclopedia del Diritto, v.

3, p. 987). 41

“La individuazione dell’elemento della potenzialità dannosa come completamento della fattispecie

costitutiva dell’illecito civile consente di riunire in unica categoria quelle molteplici ipotesi di illecito in

cui il danno non è ancora occorso, ma sussiste già una situazione di pericolo determinata da atti la cui

prosecuzione o ripetizione porterà (secondo un calcolo di probabilità) alla produzione di un danno, se non

tempestivamente interrotta ed inibita con rimozione altresì di quegli effetti già determinati dall’atto e che

potrebbero essere fonte autonoma di danno” (Eduardo Bonasi Benucci, Atto illecito e concorrenza sleale.

Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1957, p. 575). 42

Frignani, analisando a teoria de Bonasi Benucci, diz o seguinte: “Alle stesse critiche può essere

sottoposta anche la teoria che, nel tentativo di superare la dicotomia candiana tra illecito di danno e

illecito di pericolo, ha ritenuto che l’illecitto sia sempre individuato dalla sua ‘potenzialità danosa’; in

altri termini, anche questa dottrina imposta il suo ragionamento sul danno, seppure eventuale o possibile.

(...) A prima vista tale formulazione sembra presentare una notevole aderenza alla realtà, ma la sua

debolezza sta nel considerare l’id quod plerumque accidit come elemento essenziale di una fattispecie, e

non invece come elemento accidentale. Non si tiene però in considerazione che il legislatore contempla

tanti tipi di condotta, proibiti dal diritto e perciò costituenti una fattispecie di illecito, che non porteranno

necessariamente ad un danno, e dove perciò l’illeceità prescinde anche dalla potenzialità dannosa”

(Azione in cessazione. Novissimo Digesto Italiano, 1980, p. 655).

Page 27: Tutela Inibitória - Marinoni

27

<texto>Imaginou-se por muito tempo que a lei, por obrigar quem comete um dano a

indenizar, não diferenciasse ilícito de dano, ou melhor, considerasse o dano como

elemento essencial e necessário da fattispecie constitutiva do ilícito. 43

<texto>Entretanto, o dano não é uma conseqüência necessária do ato ilícito. O dano

é requisito indispensável para o surgimento da obrigação de ressarcir, mas não para a

constituição do ilícito. 44

<texto>É óbvio que o dano não pode estar entre os pressupostos da inibitória. Sendo

a inibitória uma tutela voltada para o futuro e genuinamente preventiva, é evidente que

o dano não lhe diz respeito.

<texto>Na realidade, se o dano não é elemento constitutivo do ilícito, podendo este

último existir independentemente do primeiro, não há razão para não se admitir uma

tutela que leve em consideração apenas o ilícito, deixando de lado o dano. Da mesma

forma que se pode pedir a cessação de um ilícito sem aludir a dano, é possível requerer

que um ilícito não seja praticado sem a demonstração de um dano futuro.

<texto>A moderna doutrina italiana, ao tratar do tema, deixa claro que a tutela

inibitória tem por fim prevenir o ilícito e não o dano. 45

Frignani46

e Rapisarda, 47

que

possuem as principais obras a respeito da tutela inibitória na Itália, não vacilam em

afirmar que a inibitória prescinde totalmente dos possíveis efeitos concretos do ato ou

da atividade ilícita, e que a sua dependência deve ficar circunscrita unicamente à

possibilidade do ato contrário ao direito (ilícito). 48

<texto>A distinção entre ilícito e dano abriu as portas para a doutrina esclarecer que

43

Aldo Frignani, L’injunction nella common law e l’inibitoria nel diritto italiano, cit., p. 413. 44

Idem, ibidem. 45

Aldo Frignani, L’injunction nella common law e l’inibitoria nel diritto italiano, cit., p. 417 e ss;

Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 108 e ss. 46

Frignani, referindo-se à distinção, formulada por Candian, entre ilícito de perigo e ilícito de lesão, diz o

seguinte: “Secondo questa impostazione ogni contravvenzione della legge dovrebbe risolversi in un

illecito di danno o in un illecito di pericolo (di danno). Come si vede, il danno rimarrebbe il metro di

misura, il perno centrale di tutto il sistema della responsabilità. Ma non sembra corretto impostare il

problema in questi termini, perché il danno è una conseguenza soltanto eventuale, anche se la più

frequente, della violazione di una norma e perciò sbaglierebbe chi volesse indurre l’illecito soltanto dalla

presenza del danno” (Azione in cessazione. Novissimo Digesto Italiano, 1980, p. 654). 47

Cristina Rapisarda, Inibitoria. Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 17, p. 7; Cristina Rapisarda, Profili

della tutela civile inibitoria, cit., p. 108 e ss. 48

De acordo com Frignani, “l’elemento del pericolo entra in gioco anche nell’inibitoria, ma ad altri fini.

Mentre nella distinzione di cui sopra esso era riferito al danno, qui il pericolo è riferito alla lesione. In

questo senso, l’inibitoria presuppone sempre un pericolo: che l’illecito sia continuato o ripetuto, se già è

stato comesso o che l’illecito venga commesso, se ancora non si è verificato. Questo è il senso veramente

penetrante in cui si dice dell’inibitoria che è un’azione essenzialmente preventiva” (Azione in cessazione.

Novissimo digesto italiano, 1980, p. 654).

Page 28: Tutela Inibitória - Marinoni

28

a tutela preventiva objetiva impedir a prática, a continuação ou a repetição do ilícito. A

diferenciação entre ilícito e dano não só evidencia que a tutela ressarcitória não é a

única tutela contra o ilícito, como também permite a configuração de uma tutela

genuinamente preventiva, que nada tem a ver com a probabilidade do dano, mas apenas

com a probabilidade do ato contrário ao direito (ilícito).

<texto>É certo que a probabilidade do ilícito é, com freqüência, a probabilidade do

próprio dano, já que muitas vezes é impossível separar, cronologicamente, o ilícito e o

dano. Contudo, o que se quer deixar claro é que para a obtenção da tutela inibitória não

é necessária a demonstração de um dano futuro, embora ele possa ser invocado, em

determinados casos, até mesmo para se estabelecer com mais evidência a necessidade

da inibitória.

<texto>Estas considerações não são apenas relevantes para o delineamento

dogmático da tutela inibitória, mas também para a sua efetiva e adequada aplicação

prática.

<a>3.4 A tutela inibitória e a questão da culpa

<texto>Supunha-se, exatamente porque se fazia uma identificação entre ilícito e

dano, que o elemento psicológico (dolo ou culpa) fosse absolutamente necessário para a

configuração do próprio ilícito.

<texto>Se o ilícito é compreendido através do ponto de vista da responsabilidade

civil, torna-se natural não só a confusão entre ilícito e dano, mas também a exigência da

culpa (ou do dolo) 49

como componente do ilícito. 50

<texto>Entretanto, dentro da noção de ilícito antes delineada, que se afasta da idéia

de dano, não há razão para se cogitar de culpa ou de dolo. De lado a responsabilidade

objetiva, o ato do homem é fonte da obrigação de ressarcir porque é culposo ou doloso;

tais elementos são relacionados com a responsabilidade pelo dano. 51

49

Excetuando-se, obviamente, os casos de responsabilidade que deles prescindem. 50

“Il motivo per il quale la dominante dottrina intravede nella colpa un elemento costitutivo dell’illecito

civile va ricercato, a nostro avviso, nel fatto che l’illecito si è sempre esaminato sotto l’angolo visuale

della responsabilità per i danni ad esso conseguenti: e poiché la sussistenza della responsabilità per tali

danni è normalmente condizionata alla colpa (art. 2.043 c.c.), si è costruito l’illecito su base soggettiva

ossia sulla base della colpa dell’agente” (Eduardo Bonasi Benucci, Atto illecito e concorrenza sleale.

Rivista trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1957, p. 579). 51

“Parlando di presupposti della inibitoria, dottrina e giurisprudenza sono ormai concordi nel rilevare che

essa prescinde dal dolo o dalla colpa dell’agente e dall’essersi verificato un danno nel patrimonio del

Page 29: Tutela Inibitória - Marinoni

29

<texto>O próprio Barassi, ainda que ligando a tutela inibitória à probabilidade de

dano, percebeu que “la colpa è imposta per il risarcimento del danno attuale, non per la

sua prevenzione”. 52

<texto>A tutela inibitória não pune quem pode praticar o ilícito, mas apenas impede

que o ilícito seja praticado. Se alguém, ainda que sem culpa, 53

está na iminência de

praticar um ilícito, é cabível a ação inibitória. 54

<texto>É importante sublinhar que os tribunais brasileiros têm compreendido tal

situação, chegando a afirmar expressamente, algumas vezes, que a sentença

“cominatória” prescinde da culpa e do dolo.

<texto>O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, ao analisar um caso em que

parentes de uma pessoa já falecida pediam indenização e a cessação da veiculação de

um filme cinematográfico que atentaria contra o direito à imagem e à honra, determinou

que os réus se abstivessem definitivamente de exibir o filme e condenou-os ao

pagamento de ressarcimento por danos morais.55

Para inibir novas veiculações do filme,

impôs multa.

<texto>Na ementa do acórdão, o Tribunal frisou que a indenização por danos morais

não deveria tomar por base o valor da multa, que tem “função inibidora e não de

ressarcimento”, 56

devendo ser apurada em liquidação por arbitramento. O que importa,

neste julgado, é que o Tribunal, além de ter falado em função inibidora da multa, ou

seja, no uso da multa como meio de prevenção da repetição do ilícito, deixou claro que

soggetto passivo” (Marco Saverio Spolidoro, Le misure di prevenzione nel diritto industriale, cit., p. 161-

163). 52

Lodovico Barassi, La teoria generale delle obbligazioni, cit., p. 431. 53

Segundo Rapisarda, a ação inibitória, por ser voltada ao futuro, exclui a possibilidade objetiva de se

valorar preventivamente os elementos subjetivos do comportamento ilícito futuro (Cristina Rapisarda,

Inibitoria. Digesto delle discipline privatistiche, v. 9, p. 479). 54

Remo Franceschelli, estudando a tutela contra a concorrência desleal, observa que a tutela que tem por

fim inibir a continuação do ilícito, ao contrário da tutela ressarcitória, prescinde da culpa: “Se nonostante

che si sia accertato che un atto di concorrenza esiste, colui che lo ha compiuto provi che egli è esente da

colpa, ciò avrà per effetto che si escluda il risarcimento del danno. Ma l’attività potrà pur sempre essere

fatta cessare e il giudice potrà pur sempre dare i provvedimenti necessari o utili perchè ne vengano

eliminati gli effetti” (Studi sulla concorrenza sleale, La fattispecie. Rivista di Diritto Industriale, 1963, p.

273). 55

TJRJ, Ap. 39.193, rel. Des. Wellington Moreira Pimentel, RT 619/ 175-180. 56

Eis a íntegra da ementa: “Direito da personalidade – Violação – Ofensa ao direito à imagem e à honra –

Reprodução romanceada em filme cinematográfico da vida de pessoa de notoriedade já falecida – Falta de

autorização – Direitos que, embora intransmissíveis e intransferíveis, podem ser defendidos pelos

parentes próximos do titular, como direito novo – Responsabilidade solidária do autor do roteiro, do

produtor e dos co-produtores pelos danos advindos do ato ilícito, conforme o art. 16 da Lei 5.988/73 –

Proibição definitiva de exibição do filme, com cominação de multa pela transgressão – Indenização por

danos morais a ser apurada em liquidação por arbitramento, e não tomando por base o valor da multa,

com função inibidora, e não de ressarcimento”.

Page 30: Tutela Inibitória - Marinoni

30

o ressarcimento e, portanto, o dano, não guardam qualquer relação com o valor da multa

e, por conseqüência, com a função preventiva. O valor da multa, ao contrário do valor

do ressarcimento, não tem nada a ver com o dano, mas apenas com a sua função

inibidora e preventiva, que obviamente prescinde do dano e da culpa.

<texto>Outro julgado, emanado do Tribunal de Justiça de São Paulo, é ainda mais

expressivo, pois afirma literalmente que é irrelevante, para efeito de tutela da marca, “a

existência de dolo ou culpa de comerciante que utiliza em seu nome comercial marca

registrada de outrem”. 57

Não há dúvida, de fato, de que o titular de marca comercial

devidamente registrada no Instituto Nacional da Propriedade Industrial não precisa

demonstrar culpa ou dolo para requerer que o réu seja inibido a deixar de utilizar a sua

marca.

<texto>O dano e a culpa não integram a demanda preventiva, o que significa dizer

que não fazem parte da cognição do juiz e que, assim, estão obviamente fora da

atividade probatória relacionada à inibitória. Na perspectiva da cognição, afasta-se, para

a obtenção da inibitória, qualquer necessidade de demonstração de dano e de culpa.

<a>3.5 Os diferentes escopos da tutela inibitória

<texto>Importa, para a tutela inibitória, o ilícito que pode ser praticado, prosseguir

ou repetir-se. 58

Não tem qualquer relevância o ato ilícito que já foi praticado e cuja

repetição ou continuação não se teme.

<texto>A tutela inibitória (para impedir a continuação ou a repetição do ilícito)

chegou a ser postulada, no direito brasileiro, sob o rótulo de “ação cominatória”, ainda

que jamais tenha sido prestada de forma efetiva e adequada.

<texto>Não era incomum, de fato, antes de 1994, o uso da ação cominatória para

57

TJSP, Ap. 83.073-1, rel. Des. Moretzsohn de Castro, Jurisprudência Brasileira, v. 132, p. 181/182. 58

Barbosa Moreira refere-se, como exemplo, à tutela específica que teria por fim obrigar, em razão de

contrato, um artista a não atuar nos espetáculos de determinada temporada (A tutela específica do credor

nas obrigações negativas. Temas de direito processual, Segunda série, cit., p. 33-34). Apesar de a tutela

não dizer respeito, nesse caso, propriamente a um ilícito, mas à possibilidade de inadimplemento de uma

obrigação contratual, não há razão para não chamá-la de “inibitória” se há consciência de que a tutela

contra o ilícito não se confunde com a tutela contra o inadimplemento, ou seja, partindo-se da diferença

entre o ilícito e o inadimplemento. Desejamos deixar claro que admitimos a tutela preventiva, que com a

referida advertência pode ser denominada de inibitória, no plano das obrigações contratuais. O objeto

central do presente trabalho contudo, é a inibitória contra o ilícito; a tutela contra o inadimplemento deve

ser considerada, em relação ao núcleo do trabalho, como exceção.

Page 31: Tutela Inibitória - Marinoni

31

obrigar alguém a deixar de usar um nome ou uma marca comercial. 59

Esta tutela,

atualmente, pode ser requerida a partir do art. 461 do CPC, em vista do art. 207 da nova

Lei da Propriedade Industrial (Lei 9.279, de 14.05.1996), que afirma claramente que,

“independentemente da ação criminal, o prejudicado poderá intentar as ações cíveis que

considerar cabíveis, na forma do Código de Processo Civil”.

<texto>A ação cominatória também foi utilizada em nome dos direitos da

personalidade, como se demonstrou no item anterior. Lembre-se, ainda, que o revogado

art. 275, II, j, do CPC, previa ação cominatória para impedir o uso nocivo da

propriedade, podendo ser mencionada, por exemplo, decisão que afirmou que “a

cominatória é o meio idôneo para fazer cessar a perturbação do sossego dos vizinhos

provocada por ruidosos bailes em localidade residencial”. 60

<texto>Note-se, com efeito, que a ação cominatória sempre foi utilizada para

impedir a continuação ou a repetição do ilícito. Esta ação era denominada de

cominatória em razão de admitir a cominação da multa para obrigar alguém a fazer ou a

não fazer alguma coisa. Tal ação, entretanto, como será melhor explicado mais adiante,

nunca foi capaz de permitir uma tutela jurisdicional efetiva.

<texto>É errado supor, de qualquer forma, que a antiga ação cominatória não tinha

conteúdo preventivo. A tutela que supõe um ilícito já praticado, mas tem por meta

impedir a sua continuação ou repetição, é voltada para o futuro, tendo um fim

nitidamente preventivo e não repressivo. 61

Em outras palavras, a relação da inibitória

com um ilícito já praticado não compromete a sua natureza, que é tão preventiva quanto

a da tutela que objetiva impedir a prática de um ato sem que antes algum ilícito já tenha

sido praticado.

59

Ver João da Gama Cerqueira, Tratado da propriedade industrial, v. 2, cit., p. 1.125 e ss; José Carlos

Tinoco Soares, Comentários ao Código da Propriedade Industrial. São Paulo: Resenha Universitária,

1981, p. 354 e ss; Carlos Alberto Chaves, Proteção das marcas registradas pela ação cominatória. RF 270,

p. 386 e ss; Carlos Alberto Chaves, Da ação cominatória na defesa das marcas de indústria e comércio.

RF 252, p. 427 e ss. 60

Registre-se a ementa do julgado: “Apelação cível. Ação cominatória. Direito de vizinhança. Mau uso

da propriedade. Defesa que pretende caracterizar contravenção penal. Preliminar rejeitada. Perturbação do

sossego dos vizinhos. Procedência. Decisão mantida. Em tema de direito de vizinhança, no que tange ao

mau uso da propriedade, é do livre arbítrio do ofendido a escolha da via reparatória na esfera criminal ou

cível. A cominatória é o meio idôneo para fazer cessar a perturbação do sossego dos vizinhos provocada

por ruidosos bailes em localidade residencial” (TJMS, Ap. 28.897-1, rel. Des. Josué de Oliveira, RT

677/190). 61

“È bene precisare che il collegamento della tutela inibitoria a un illecito in parte già commesso non ne

compromette il carattere preventivo, poiché la tutela esplica la sua efficacia unicamente nei confronti del

possibile illecito futuro” (Cristina Rapisarda, Inibitoria. Digesto delle discipline privatistiche, v. 9, p.

480).

Page 32: Tutela Inibitória - Marinoni

32

<texto>O problema, aliás, no que diz respeito aos escopos da inibitória, é justamente

saber se é possível o uso desta tutela para prevenir tout court o ilícito, ou seja, se a

inibitória pode servir para prevenir o ilícito ainda que nenhum ilícito já tenha sido

praticado.

<texto>Lodovico Barassi afirmou que a “tutela puramente preventiva”, “certamente

la più energica”, seria também “la più preoccupante, come è di tutte le prevenzioni che

possono eccessivamente limitare l’umana autonomia”. 62

A doutrina italiana mais

moderna, 63

entretanto, não se rende ao velho argumento de que a inibitória pode colocar

em risco a liberdade do homem.

<texto>A idéia de que a tutela inibitória encontra obstáculo na liberdade do homem

guarda raízes em princípios próprios do direito liberal clássico, os quais não podem

servir para inspirar uma doutrina que vive em um outro Estado, sob diversos valores e

em uma diferente época. A tutela preventiva, como já foi dito, é fundamental para a

efetividade de direitos muito importantes dentro do contexto do Estado atual.

<texto>No direito alemão, apesar do teor do § 1.004 do BGB, 64

que se refere

expressamente a prejuízos ulteriores, admite-se o uso da inibitória na forma pura, isto é,

não apenas para impedir a continuação ou a repetição do ilícito. O mesmo ocorre no

direito anglo-americano, onde há a chamada quia timet injunction, 65

que abre

oportunidade para uma tutela genuinamente preventiva. 66

<texto>Seguindo-se o velho ditado de Coke, “preventive justice excelleth punishing

justice”, admite-se, através da quia timet injunction, 67

a obtenção da injunction não só

62

Lodovico Barassi. La teoria generale delle obbligazioni, cit., p. 428. 63

Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 90 e ss; Aldo Frignani, L’injunction nella

common law e l’inibitoria nel diritto italiano, cit., p. 428. 64

Ver Dieter Medicus, Münchener Kommentar zum Bürgerlichen Gesetzbuch. München: C. H. Beck’sche

Verlagsbuchhandlung, 1986, v. 4, p. 963 e ss; Karl Larenz, Lehrbuch des Schuldrechts. München: C. H.

Beck’sche Verlagsbuchhandlung, 1972, p. 528 e ss. 65

Como diz Harold Greville Hanbury: “An injunction to restrain the commission of a tort is called an

injunction quia timet” (Modern Equity – The principles of equity. London: Stevens & Sons Limited, 1962,

p. 575). 66

É o que diz Blomeyer, Professor da Universidade de Berlim, em trabalho publicado na International

Encyclopedia of Comparative Law: “Therefore in some countries an ‘initial violation’ as well as a ‘danger

of repetition’, are prerequisites for the action, as under the German CC 1004, in the socialist systems and,

for the most part, under Anglo-American law. To a substantial extent, however, modern law has outgrown

these requirements. German and Swiss practice admit a complaint for injunctive relief even before an

initial violation; and Anglo-American law has developed the quia timet injunction for just this purpose”

(Arwed Blomeyer, Types of relief Available (Judicial remedies). International Encyclopedia of

Comparative Law, v. 16, p. 54). 67

Ver Arwed Blomeyer, Types of relief available (Judicial remedies), International Encyclopedia of

Comparative Law, v. 16, p. 54; Vincenzo Varano, Injunction. Digesto delle discipline privatistiche, v. 9,

Page 33: Tutela Inibitória - Marinoni

33

independentemente do dano, mas também de uma violação atual do direito. 68

<texto>De acordo com Baker e Langan, o autor pode obter uma injunction ainda

que a violação seja apenas temida ou represente uma ameaça. 69

Neste caso, o autor tem

de provar a probabilidade da violação: “No one can obtain a quia timet order by merely

saying ‘Timeo’”. 70

A tutela, nestas hipóteses, visa a impedir a prática do ilícito, pouco

importando se algum ilícito foi anteriormente praticado. 71

<texto>Por outro lado, afirma-se, no direito italiano, que a melhor definição

legislativa de tutela inibitória está presente na Lei sobre Direito de Autor, 72

que assim

dispõe no seu art. 156: “Quem tem razão para temer a violação de um direito de

conteúdo econômico a si pertencente em virtude desta lei, ou mesmo deseja impedir a

continuação ou a repetição de uma violação já ocorrida, pode agir em juízo para pedir

que o seu direito seja declarado e inibida a violação ...”

<texto>Não é difícil compreender a razão pela qual a doutrina entende que esta é a

melhor definição legislativa de inibitória. O art. 156 da Lei sobre Direito de Autor, ao

afirmar que “chi ha ragione di temere la violazione” pode agir em Juízo, admite

expressamente a tutela inibitória independentemente de um ilícito anterior, o que, aliás,

é confirmado quando a própria norma acrescenta que a tutela também é cabível nos

casos em que se pretende impedir “la continuazione o la ripetizione di una violazione

già avvenuta”.

p. 489; I. C. F. Spry, The principles of equitable remedies. United Kingdom: Sweet & Maxwell, 1990, p.

369 e ss. 68

Aldo Frignani, L’injunction nella common law e l’inibitoria nel diritto italiano, cit., p. 151. 69

“Although the plaintiff must establish his right, he may be entitled to an injunction even though an

infringement has not taken place but is merely feared or threatened” (P. V. Baker e P. St. J. Langan,

Snell’s principles of equity. London: Sweet & Maxwell Ltd., 1982, p. 630). 70

“He must prove that there is an imminent danger of very substancial damage, or further damage, e.g. by

showing that the threatened act is attended with extreme Probability of irreparable Injury to the Property

of the Plaintiffs, including also Danger to their existence” (P. V. Baker e P. St. J. Langan, Snell’s

principles of equity, cit., p. 630). 71

Registre-se a lição de Spry: “The words ‘quia timet’ mean simply ‘since he fears’. If an applicant seeks

an injunction before the act of the defendant has occurred that is alleged to involve an interference with

his rights, he is commonly said to seek a quia timet injunction. Since, however, one of the main uses of

injunctions is the prevention of prospective injuries, it is apparent that the mere futurity of unlawful acts

can by no means be objection to the jurisdiction of the court. So it was observed by Cotton L. J., The

Court of Chancery said, ‘Where a man threatens and intends to do an unlawful act, we will, before it is

done, grant an injunction to prevent his doing it, and we will grant it where the act has been done and is

likely to be repeated’- the jurisdiction is simply preventive’. Indeed Jessel M. R. stated, ‘No part of the

jurisdiction of the old Court of Chancery was considered more valuable than that exercise of jurisdiction

which prevented material injury being inflicted, and no subject was more frequently the cause of bills for

injunction than the class of cases which were brought to restrain threatened injury as distinguished from

injury which was already accomplished’” (I.C.F. Spry, The principles of equitable remedies, cit., p. 369). 72

Aldo Frignani, Inibitoria. Enciclopedia del Diritto, v. 21, p. 560; Cristina Rapisarda, Profili della tutela

civile inibitoria, cit., p. 92.

Page 34: Tutela Inibitória - Marinoni

34

<texto>O que importa, porém, é justamente o fato de a doutrina entender que a

melhor definição legislativa de inibitória é aquela que admite a tutela na forma pura, e

não apenas para impedir a continuação ou a repetição do ilícito. Isto revela a

sensibilidade da doutrina italiana mais moderna para a imprescindibilidade de uma

tutela inibitória antecedente a qualquer ilícito.

<texto>No direito brasileiro, o Dec.-lei 7.903/45 dispunha, no art. 189, que

“independentemente da ação criminal, o prejudicado poderá intentar ação para proibir

ao infrator a prática do ato incriminado, com a cominação de pena pecuniária para o

caso de transgressão do preceito”. 73

Esta norma, como se vê, admitia a propositura da

ação civil para impedir a prática do ilícito, 74

não fazendo qualquer referência à

necessidade de um ilícito já praticado. 75

<texto>De qualquer forma, os exemplos mais legítimos de tutela inibitória pura no

direito brasileiro estão no interdito proibitório e no mandado de segurança preventivo.

<texto>O art. 932 do CPC afirma que “o possuidor direto ou indireto, que tenha

justo receio de ser molestado na posse, poderá impetrar ao juiz que o segure da turbação

ou esbulho iminente, mediante mandado proibitório, em que se comine ao réu

determinada pena pecuniária, caso transgrida o preceito”. A tutela é nitidamente

preventiva, já que protege aquele que ainda não foi molestado na posse (tem justo receio

de ser), ordenando, sob pena de multa, que o réu não pratique ato de turbação ou de

esbulho. A tutela também pode ser concedida liminarmente, utilizando-se também a

73

No que diz respeito à “patente”, a nova Lei da Propriedade Industrial afirma que “a patente confere ao

seu titular o direito de impedir terceiro, sem o seu consentimento, de produzir, usar, colocar à venda,

vender ou importar com estes propósitos: i) produto objeto de patente; ii) processo ou produto obtido

diretamente por processo patenteado ...” (art. 42). O § 1.º do referido art. 42 estabelece que “ao titular da

patente é assegurado ainda o direito de impedir que terceiros contribuam para que outros pratiquem os

atos referidos neste artigo”. A nova lei não só admite uma ação voltada a impedir que o terceiro

desrespeite a patente, mas também uma tutela dirigida a impedir que terceiros contribuam – contributory

infringement – para que outros a desconsiderem. Ver José Carlos Tinoco Soares, Lei de patentes, marcas

e direitos conexos. São Paulo: RT, 1997, p. 84 e ss; Newton Silveira, A propriedade intelectual e a nova

lei de propriedade industrial. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 42 e ss. 74

Jacques Michel Grossen, em um famoso congresso que foi realizado em Bruxelas a respeito da tutela

preventiva, afirmou que os tribunais suíços admitem a tutela inibitória dos direitos industriais antes de

uma violação anterior: “Benché il nome francese dell’azione non l’indichi, questa non fa supporre affatto

che la turbativa sia già cominciata. Ne basta la minaccia. Così, secondo la giurisprudenza, il titolare del

marchio può promuovere una azione a difesa prima che la violazione del suo diritto sia avvenuta, ma

purché sussista un pericolo effettivo (A.T.F. 42, II, 600). La legge federale sulla concorrenza sleale,

all’art. 2 permette d’agire anche in seguito a minaccia, se questa sia abbastanza seria da determinare

nell’attore un interesse ad ottenere un provvedimento che la inibisca” (L’azione in prevenzione al di fuori

dei giudizi immobiliari. Rivista di Diritto Processuale, 1959, p. 430). 75

O revogado art. 275, II, j, do CPC, referia-se à ação “do proprietário ou inquilino de um prédio para

impedir, sob cominação de multa, que o dono ou inquilino do prédio vizinho faça dele uso nocivo à

segurança, sossego ou saúde dos que naquele habitam”.

Page 35: Tutela Inibitória - Marinoni

35

multa como forma de se garantir a integridade do direito.

<texto>A Lei 1.533/51, tratando do mandado de segurança, diz, no seu art. 1.o, que

“conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não

amparado por habeas corpus, sempre que, ilegalmente ou com abuso do poder, alguém

sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que

categoria for ou sejam quais forem as funções que exerça”. O mandado de segurança,

que sempre pode ser deferido liminarmente, pode ser concedido ainda que nenhuma

violação tenha sido praticada. A norma, ao permitir que alguém, sem ter sofrido

qualquer violação (apenas tendo justo receio de sofrê-la), possa obter uma tutela que

impeça a autoridade coatora de praticar o ato, abre ensejo a uma tutela genuinamente

preventiva.

<texto>Não apenas estas situações, mas todas aquelas – ainda que não tipificadas –

que necessitam de uma tutela preventiva, ainda que nenhum ilícito anterior tenha sido

praticado, abrem oportunidade à tutela inibitória na forma pura.

<texto>A tutela preventiva é imanente ao Estado de Direito e está garantida pelo art.

5.º, XXXV, da Constituição Federal, razão pela qual é completamente desnecessária

uma expressa previsão infraconstitucional para a propositura da ação inibitória. Aliás,

nem poderia ser de outra forma, pois não teria sentido admitir a tutela inibitória para a

tutela da posse e da propriedade, ou apenas contra atos do poder público, deixando-se de

lado os direitos não patrimoniais, especialmente os direitos da personalidade. 76

<a>3.6 A cognição e a prova na ação inibitória

<texto>A partir do momento em que se faz a distinção entre dano e ilícito,

deixando-se claro que este último, e não o primeiro, é pressuposto da ação inibitória,

fica fácil concluir que o dano não constitui objeto da cognição do juiz nesta ação, e

assim deve ficar longe da produção probatória.

<texto>Melhor explicando: não é necessária a alegação de probabilidade de dano,

nem a sua prova. Porém, no caso em que não há como separar cronologicamente o ato

ilícito e o dano, pois ambos podem acontecer no mesmo instante, a probabilidade de

76

Maria Monteleone, em trabalho publicado no “Foro Italiano”, admite a tutela inibitória do direito à

imagem, ainda que nenhum ilícito anterior tenha sido praticado: “A tal fine, a tutela del diritto

all’immagine del ricorrente, quando l’attività illecita non è stata ancora compiuta ma sono stati messi in

atto preparativi tali da far ritenere imminente la sua commissione, o quando vi è il pericolo della sua

continuazione o ripetizione, può essere adottato un provvedimento inibitorio” (Diritto all’immagine e

provvedimenti d’urgenza. Foro Italiano, 1978, p. 245).

Page 36: Tutela Inibitória - Marinoni

36

dano evidentemente deve ser afirmada e provada. Ou seja, se uma norma proíbe a

prática de determinado ato ou atividade, e se esta violação é provável, bastará a sua

alegação e demonstração, não sendo necessário afirmar e provar que, ao lado desta

provável violação, ocorrerá um provável dano. Do ponto de vista probatório, é muito

mais fácil provar a probabilidade da prática, repetição, ou continuação de ato contrário

ao direito, do que a probabilidade de dano.

<texto>Na ação inibitória é necessário verificar não só a probabilidade da prática

de ato, mas também se tal ato configura ilícito. Por isto, requer-se o confronto entre a

descrição do ato temido e o direito.

<texto>É possível que o réu não negue que praticará o ato, mas afirme que este não

terá a natureza ou a extensão do ato vedado pela regra legal. Neste caso, tratando-se de

ação voltada a impedir a repetição ou a continuação do ilícito, basta verificar se o ato

anteriormente praticado realmente enquadra-se na proibição legal. Mais difícil será a

prova da ilicitude do ato quando ato “igual” não foi ainda praticado. Em tal hipótese

deverá ser demonstrado que o ato que se pretende praticar é realmente vedado por

norma legal, e assim deverá ser esclarecido o seguinte: o ato que será praticado se

enquadra na moldura legal que o proíbe?

<texto>Nas situações em que se discute apenas a extensão e a natureza do ato que

estaria sendo negado como ilícito, a prova não terá por fim demonstrar um fato que

indique a probabilidade da prática de um ato futuro, mas sim evidenciar que o ato que

se pretende praticar é ilícito.

<texto>Problema diverso é o da prova da afirmação de que o ato (admitido como

ilícito) será praticado, repetido ou continuará. Quanto ato anterior já foi praticado, da

sua modalidade e natureza se pode inferir com grande aproximação a probabilidade da

sua continuação ou repetição no futuro. 77

Com efeito, a grande dificuldade da ação

inibitória está na produção da prova de que um ato será praticado, quando nenhum

ilícito anterior foi cometido. Frignani admite que esta é a questão de fundo da ação

inibitória (a qual pode ser denominada de inibitória “pura”), ou melhor, um obstáculo

contornável para a admissibilidade desta modalidade de tutela. Afirma Frignani que a

peculiaridade da inibitória “pura” consiste no fato de que a prova do perigo da prática

do ilícito é mais difícil, ao passo que é extremamente árduo valorar ex ante a idoneidade

77

“Infatti, se esso è stato già compiuto nel passato, dalla sua modalità, dalla sua natura si potrà inferire

con notevole approssimazione la probabilità della sua continuazione o ripetizione nel futuro” (Aldo

Frignani, L’injunction nella common law e l’inibitoria nel diritto italiano, cit., p. 429).

Page 37: Tutela Inibitória - Marinoni

37

dos meios utilizados como preparativos ao fim da prática do ilícito. 78

<texto>Nesta espécie de ação inibitória, em que se teme a prática de ilícito, ainda

que ilícito anterior não tenha sido praticado, o autor deverá alegar fatos que sejam

suficientes para permitir ao juiz, raciocinando, formar um juízo acerca da alegação de

que provavelmente será praticado um ilícito. Considerando-se apenas a demonstração

da probabilidade do ato afirmado ilícito (a ilicitude do ato temido não é discutida),

devem ser alegados fatos que, uma vez demonstrados, possam levar o juiz a concluir

que provavelmente será praticada a violação do direito.

<texto>É fundamental, na ação inibitória, manejar de forma adequada os conceitos

de fato indiciário, prova indiciária, raciocínio presuntivo, presunção e juízo. Tratando-se

de ação inibitória, ou seja, de ação voltada para o futuro, não é possível desconsiderar as

virtudes da denominada prova indiciária. Tal modalidade de prova, se pode ser

considerada auxiliar importante em face das tradicionais ações repressivas, assume

lugar de destaque e importância diante da ação inibitória.

<a>3.7 A prova indiciária diante da ação inibitória

<a1>3.7.1 Primeiras considerações

<texto>Não é rara a confusão entre fato indiciário, prova indiciária, raciocínio

presuntivo, presunção e juízo.

<texto>O fato indiciário somente pode ser comparado com o fato principal. É que o

fato indiciário, que também é chamado de indício, é, como o fato principal, um mero

fato. Quando tal fato é alegado, deve-se demonstrar ao julgador que a sua prova será

importante para a formação de um juízo de procedência.

<texto>O indício não é prova; a prova indiciária, como qualquer tipo de prova, recai

sobre uma afirmação de fato. A particularidade da prova indiciária está em recair em um

fato que é indiciário, isto é, em um indício.

<texto>Nesta linha, cabe distinguir fato indiciário, a prova destinada a demonstrá-lo

– chamada de prova indiciária –, e o raciocínio presuntivo, que é uma forma por meio

do qual o julgador raciocina para, a partir de um fato indiciário, chegar a uma

presunção, que nada mais é do que a conclusão do raciocínio presuntivo. Melhor

explicando: o juiz, a partir de uma alegação de fato (fato indiciário) e de sua prova,

78

Aldo Frignani, L’injunction nella common law e l’inibitoria nel diritto italiano, cit., p. 430.

Page 38: Tutela Inibitória - Marinoni

38

raciocina (de forma presuntiva) para chegar a uma conclusão (presunção).

<texto>Porém, a presunção não se confunde com o “juízo-final” (próprio da

sentença), uma vez que pode haver, por exemplo, a presunção de que um ato será

praticado, mas a prova de que tal ato não constituirá ilícito, quando o “juízo-final” e,

portanto, a sentença, serão de improcedência.

<texto>É interessante perceber, por exemplo, que em determinado caso concreto

podem ser alegados e provados três fatos indiciários, e realizados três raciocínios

presuntivos que apontem para três presunções. A questão que pode ser colocada diz

respeito a saber se, em tal caso, realmente é melhor falar de três presunções, ou de uma

presunção que se forma a partir da prova dos três fatos indiciários. Parece melhor falar

em três presunções, uma vez que cada prova de fato indiciário conduz a uma conclusão

e a soma destas conclusões leva a outra, que é o “juízo-final”, próprio da sentença.

Neste caso, pode-se dizer que uma determinada presunção não é suficiente para um

juízo de procedência, mas que basta a soma desta presunção com uma outra para se ter

uma sentença favorável ao autor.

<a1>3.7.2 “Juízo-instrumental”, presunção, “juízo-resultado”, “juízo-provisório”

e “juízo-final”

<texto>O juízo constitui uma conclusão, e neste sentido a conclusão a que o juiz

chega após ter exercido uma determinada atividade. Em outras palavras: para que o juiz

forme um juízo, é preciso que ele raciocine, ou seja, é necessário um raciocínio.

<texto>O “juízo-final” é a parte final do raciocínio do julgador, em que se chega a

um resultado sobre a pretensão do autor. Fala-se em “juízo-final” para distinguir o juízo

acerca da pretensão do autor e aquele formado em relação a um pedido de tutela

antecipatória (quando é possível falar em “juízo-provisório”). Neste último caso, como

é óbvio, também há juízo, mas não é correto pensar em “juízo-final”.

<texto>Contudo, para a formação de um “juízo provisório” ou de um “juízo final”,

que nada mais são do que espécies de “juízo-resultado” acerca da tutela pretendida, o

magistrado deverá analisar, por exemplo, as provas produzidas e as presunções.

<texto>O juízo que o magistrado faz para deferir a produção de uma prova pericial

(por exemplo), é um “juízo-instrumental”, uma vez que é realizado para viabilizar a

adequada formação de outro juízo. Como a presunção também parte de uma prova,

pode-se dizer que o “juízo-presunção” também depende de um “juízo-instrumental”,

Page 39: Tutela Inibitória - Marinoni

39

mas serve para a formação de um juízo maior, que é o “juízo-resultado”.

<texto>Com efeito, o “juízo-resultado” também pode exigir a análise de “juízos

menores”, formados a partir de provas, ou seja, a apreciação das presunções.

<texto>Resumindo: o “juízo-resultado”, que pode basear-se na presunção, é o

gênero do qual são espécies o “juízo-final” e o “juízo-provisório”, enquanto o “juízo

instrumental” é aquele formado para se chegar a um dado que é instrumental à

formação de outro juízo (“juízo-presunção ou juízo resultado”) .

<texto>Isto demonstra que a presunção não é prova, porém juízo que serve a

elaboração do “juízo-resultado”.

<a1>3.7.3 O controle da admissão da prova para a demonstração do fato indiciário

<texto>Se a presunção é fundamental para a formação do “juízo-resultado” na ação

inibitória, é importante verificar a distinção entre a questão da admissibilidade da

prova destinada a demonstrar o fato indiciário e o problema da correta formação do

juízo a partir da presunção.

<texto>É importante frisar que o fato indiciário não precisa ser alegado. Na ação

inibitória basta a alegação de que se teme um provável ato ilícito. Não existe o ônus de

o autor alegar os fatos que indicam que provavelmente será praticado o ilícito. Isto não

quer dizer, evidentemente, que não seja aconselhável ao autor precisar os fatos que

apontam para a probabilidade de o ilícito ser praticado. Deseja-se esclarecer, somente,

que o autor pode requerer a produção da prova em relação a um fato meramente

indiciário, ainda que ele não tenha sido oportunamente invocado ao juiz.

<texto>É necessário verificar se o fato que se pretende demonstrar por meio da

prova indiciária é um fato pertinente e relevante para a definição do mérito. O fato

indiciário é pertinente quando tem relação com o ato temido, ao passo que será

relevante quando, uma vez demonstrado, for efetivamente capaz de evidenciar a

probabilidade de o ato ser praticado, e assim influir no julgamento do mérito.

<texto>Verificando-se que de nada adianta provar o fato indiciário, uma vez que ele

não tem relação alguma com o ato temido, o juiz deve indeferir a produção da prova

indiciária. Se o fato probandum não pode decorrer do fato que se pretende demonstrar

por meio da prova indiciária, essa logicamente deve ser indeferida. Porém, se o fato

indiciário pode apontar para vários fatos, entre eles o fato probandum, a prova indiciária

não pode ser indeferida. A presunção que poderá ser formada a partir desta prova é que

Page 40: Tutela Inibitória - Marinoni

40

merecerá menor credibilidade; o problema passa a ser de valoração da presunção para a

formação do “juízo-resultado”, e não de admissão da prova.

<a1>3.7.4 A importância do senso comum para o raciocínio fundado a partir da

prova indiciária

<texto>No raciocínio presuntivo o juiz parte de um fato indiciário para chegar ao

fato probandum79

. Como é óbvio, o juiz, não só ao raciocinar desta forma, mas também

para valorar a credibilidade de uma prova e a sua idoneidade para demonstrar um fato,

baseia-se em sua experiência, que deve ser entendida como a experiência do homem

médio, que vive em determinada cultura, em certo momento histórico.

<texto>Nestes casos, o juiz socorre-se do senso comum, e particularmente no que

interessa ao raciocínio que pode dar origem à presunção, ao partir de um fato indiciário

para chegar ao fato principal, vale-se de conhecimentos que devem estar fundados

naquilo que comumente ocorre na sociedade ou que possuem fontes idôneas e

confiáveis.

<texto>Seria possível dizer que o juiz, em tais hipóteses, apóia-se em uma “regra de

experiência”, que, de acordo com o art. 335 do CPC brasileiro, pode ser uma “regra de

experiência comum” ou uma “regra de experiência técnica”.

<texto>É claro que, tratando-se de regra de experiência técnica, esta deve ser aquela

que é própria ao homem comum. Em outras palavras, se o juiz é formado em engenharia

civil ou medicina, por exemplo, ele não pode pretender formular concatenações com

base em seus conhecimentos técnicos pessoais. É de lembrar que o juiz que vai apreciar

eventual recurso pode não ter este mesmo conhecimento e que um conhecimento

técnico pode ser discutível, vale dizer, não estar solidamente consagrado.

<a1>3.7.5 A importância do senso comum para a formação do juízo a partir da

presunção

<texto>O juiz evidentemente raciocina para formar o seu juízo a partir de uma ou

mais presunções. Neste caso, ele também se apóia no senso comum.

<texto>Como é óbvio, verificando-se que a demonstração do fato indiciário não foi

realizada, não é possível estabelecer um raciocínio correto, através da presunção, para

79

Ver Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, Manual do processo de conhecimento. 5a. ed.

São Paulo: RT, 2006.

Page 41: Tutela Inibitória - Marinoni

41

concluir-se no sentido da procedência da pretensão inibitória; o raciocínio judicial, neste

caso, será falho, por tomar como premissa um fato que não foi efetivamente

demonstrado.

<texto>Como já foi dito, não é preciso que o fato probandum seja a única

conseqüência do fato indiciário para que seja possível a formação do juízo de

procedência. Quando o fato indiciário, uma vez demonstrado, pode colaborar para

demonstrar que provavelmente o ato temido será praticado, a prova indiciária

evidentemente pode ser somada a outra presunção para formar um juízo de procedência.

<texto>É preciso que fique claro que não é necessária a soma de várias presunções

para a formação do juízo de procedência; uma única presunção, dependendo do caso

concreto, pode ser suficiente para formar a convicção do juiz a respeito da procedência

do pedido. Porém, ao existir apenas uma presunção, esta deve ser capaz de formar um

juízo de procedência que possa ser plenamente justificável; em outros termos, é possível

dizer que, tratando-se de apenas uma presunção, o juiz deve valorá-la com extremo

rigor. 80

<a>3.8 A necessidade de atuação concreta da norma e a importância da ação

inibitória

<texto>Quando a doutrina associava o ato contrário ao direito à responsabilidade

civil e, mais do que isto, partia do pressuposto de que a lesão ao direito sempre poderia

ser reparada pelo seu equivalente em pecúnia, o processo civil era estruturado para

conferir ressarcimento em dinheiro.

<texto>Este modelo de processo, de marca nitidamente patrimonialista, estava

preocupado com a repercussão danosa do ilícito. O ordenamento jurídico que admite um

processo civil voltado apenas à reparação do dano, evidentemente não dá importância à

violação da norma que não produz dano.

<texto>Quando o Estado assume novas preocupações sociais, e assim passam a

80

“Il requisito che ha creato forse più problemi interpretativi è quello della concordanza delle presunzioni

semplici. In un’accezione più ristretta e rigorosa, diretta a porre un limite a discrezionalità del giudice in

materia di prova presuntiva, si è affermato che la concordanza di più presunzioni è sempre indispensabile.

Di conseguenza, non basterebbe una sola presunzione semplice a fornire la prova del fatto, poichè sempre

occorrerebbero pìu presunzioni concordanti. In un’accezione meno rigida, e più orientata a far perno sul

discrezionale convincemento del giudice, si rittiene invece che la presenza di più presunzioni concordanti

non sia indispensabile, e quindi che la prova del fatto possa derivare anche de una sola presunzione

semplice, purché essa sai abbastanza grave e precisa” (Luigi Paolo Comoglio, Corrado Ferri e Michele

Taruffo, Lezione sul processo civile, Pavia: Il Mulino, 1995, p. 553).

Page 42: Tutela Inibitória - Marinoni

42

importar a proteção do meio ambiente, da saúde, da educação e da posição do

consumidor no mercado, além de um enfoque dos direitos da personalidade à luz da

evolução das técnicas de comunicação, surgem normas que, objetivando realmente

tutelar estas situações de direito substancial, passam a impor deveres, cientes de que a

sua observância é fundamental para a consagração destes “novos direitos”.

<texto>Isto é obtido não só através de normas que consagram um não fazer, mas

também por meio de normas que determinam uma ação positiva. Tais normas partem da

premissa de que determinados atos devem ser vedados ou necessariamente praticados,

pouco importando os efeitos concretos da sua violação, se danosos ou não. Na realidade,

parte-se do pressuposto de que a violação da norma é causadora de prejuízo. Ou seja, a

preocupação é com a simples observância da norma e não com o efeito concreto da sua

violação, não mais importando a idéia que associava o ilícito à responsabilidade civil.

<texto>Tais normas objetivam conferir prevenção aos direitos, abrindo ensejo,

quando inobservadas, a sanções. Estas, entretanto, também funcionam como estímulo

para a não agressão dos direitos. Portanto, estas regras têm por fim tutelar os direitos,

demonstrando que pode existir tutela inibitória fora do processo jurisdicional.

Acontece que esta tutela pode exigir, para ser efetivamente prestada, a participação da

jurisdição. Nestes casos, em que a função preventiva da norma é alcançada apenas na

jurisdição, ou em que a tutela inibitória desejada pelo direito material somente pode ser

obtida através da propositura da ação processual, há tutela jurisdicional inibitória.

<texto>Quando a tutela inibitória é prestada através da jurisdição, pouco importa se

há ordem de não fazer ou de fazer, uma vez que a norma pode impor um não fazer ou

um fazer com função preventiva, isto é, para dar tutela inibitória aos direitos. Importa

deixar claro, assim, que a norma que impõe, com escopo preventivo, determinada

conduta, abre oportunidade para ação inibitória em que o juiz pode ordenar um fazer. O

objetivo desta ação é prestar a tutela inibitória não alcançada fora do processo, dando

efetividade à norma de direito material.

<texto>Como é evidente, esta ação nada tem a ver com o dano, mas apenas com a

norma, ou melhor, apenas com a necessidade de efetividade da norma. A norma que,

por exemplo, proíbe a venda de produto com determinada substância, deve abrir

oportunidade a uma ação processual destinada a atuá-la, não sendo correto pensar que

não é possível, por meio do processo civil, inibir a venda de produto nocivo, porém

somente condenar o infrator a indenizar o consumidor por eventual dano. Se o

Page 43: Tutela Inibitória - Marinoni

43

ordenamento jurídico dos dias de hoje deve proteger determinados bens mediante a

imposição de certas condutas, e por esta razão são editadas normas de direito material, é

necessário que o processo civil seja estruturado de modo a atuá-las.

<texto>Ora, se é evidente que a exposição à venda é, por si só, ato ilícito, pouco

importando a sua conseqüência concreta, o processo civil não pode mais continuar a

atrelar o ato contrário ao direito com o dano, sob pena de não poder dar resposta a

situações como esta, em que é fundamental vedar um ato e não apenas reparar um dano.

Nesta linha, é possível perceber, com maior nitidez, a importância da ação inibitória

como instrumento destinado a tutelar contra o ato contrário ao direito.

<texto>A ação inibitória, mesmo quando individual – e não coletiva, ou seja,

proposta por um dos legitimados à ação coletiva –, tem feição completamente diversa

daquela que caracteriza a ação ressarcitória. Enquanto a ação ressarcitória pelo

equivalente tem origem patrimonialista e individualista, a ação inibitória, ao contrário,

mostra preocupação com os direitos não patrimoniais e com normas que estabelecem

comportamentos fundamentais para o adequado desenvolvimento da vida social.

<texto>Na verdade, a possibilidade de se requerer uma tutela independentemente da

existência de dano tem relação com o próprio conceito de norma jurídica, uma vez que

se a única sanção contra o ilícito fosse a obrigação de ressarcir em virtude do dano, a

própria razão de ser da norma estaria comprometida.

<a>3.9 A autonomia da ação inibitória

<texto>Antes da introdução do novo art. 461 no CPC, o que faria o advogado que se

deparasse com a necessidade de inibir a veiculação de um programa de televisão, ou

mesmo com a urgência de impedir que fossem novamente veiculadas notícias lesivas à

honra de seu cliente? Não teria outra alternativa a não ser lançar mão de uma ação

cautelar.

<texto>Caso a liminar fosse concedida na primeira hipótese, surgiria a “velha”

indagação a respeito da necessidade de uma ação principal, surgindo a falsa questão de

uma “ação cautelar satisfativa”. Esta ação rotulada de cautelar, entretanto, somente

deveria exigir uma ação principal na ausência de definição, fundada em cognição

exauriente, da ilicitude do ato.

<texto>Deixando-se de lado, por enquanto, o fato de que a tutela inibitória não se

confunde com a tutela cautelar, é importante esclarecer que a ação inibitória, que teria

Page 44: Tutela Inibitória - Marinoni

44

sido proposta sob o rótulo de “ação cautelar”, somente deveria necessitar de uma ação

principal se terminasse não definindo a existência do ilícito. Em outras palavras, apenas

a ação fundada em cognição sumária exige uma ação principal, dita de cognição

exauriente. 81

<texto>A tutela inibitória prestada sob o manto protetor da tutela cautelar somente

não seria fundada em cognição exauriente se o juiz, em face do caso concreto, não

aprofundasse a sua cognição sobre o ilícito, exigindo, em atenção ao art. 806 do CPC, a

propositura da ação principal. Entretanto, como o art. 806, em tema de tutela cautelar,

não dispensa a propositura da ação principal, não se atentava para a cognição da “ação

cautelar” e exigia-se sempre a propositura de uma ação principal, que se tornava,

portanto, muitas vezes inútil.

<texto>Isto quer dizer que a ação inibitória, que agora permite – em razão das

virtudes do novo art. 461 – a obtenção de tutela inibitória antecipada em seu seio, não

necessita, por motivos bastante óbvios, de uma ação principal.

<texto>Voltemos, porém, ao segundo exemplo mencionado no início deste item.

Antes da reforma de 1994, somente seria possível a obtenção de tutela inibitória

“sumária”, para impedir a repetição da divulgação de uma notícia lesiva à honra de uma

determinada pessoa, via ação cautelar inominada.

<texto>Neste caso, porém, obtida ou não a “tutela cautelar liminar”, poderia ser

proposta a ação de reparação de danos, já que a “tutela cautelar” teria por fim apenas

impedir a prática de novos ilícitos.

<texto>Entretanto, o que acontecia, na prática, é que uma vez obtida a liminar

cautelar, era proposta apenas a ação ressarcitória, que exigia o ressarcimento pelos

danos anteriores, restando esquecida a necessidade da ação cominatória, que encontrava

fundamento na antiga redação do art. 287 do CPC.

81

Como já dissemos em outro lugar: “Problema mais difícil é o da autonomia do procedimento

antecipatório. À medida que o procedimento antecipatório realiza sumariamente o direito, cogita-se

acerca da desnecessidade de uma ‘ação principal’, ou mesmo da inversão do ônus da propositura de tal

ação. A sumariedade da cognição, por não permitir declaração, não faz surgir coisa julgada material. Em

outras palavras, um juízo definitivo, próprio a atingir a marca da imutabilidade, pressupõe,

necessariamente, cognição exauriente. A necessidade do ‘processo principal’, portanto, decorre da

incompatibilidade entre cognição sumária e coisa julgada material. Ora, o procedimento materialmente

sumário restringe o direito à prova, que é corolário do due process of law. Demais – e esta conclusão seria

conseqüência única, não fosse o dever de o juiz participar de forma efetiva no processo, do direito

constitucional à prova –, o cidadão tem direito ao julgamento com base em cognição adequada, ou seja, o

cidadão tem o direito de exigir o conhecimento adequado das suas alegações” (Luiz Guilherme Marinoni,

Efetividade do processo e tutela de urgência, cit., p. 44).

Page 45: Tutela Inibitória - Marinoni

45

<texto>A ação cautelar – que em tese teria apenas cognição sumária – acabava

sendo concebida como uma verdadeira ação preventiva. Esta ação cautelar não tinha

qualquer relação instrumental com a ação de reparação de danos. Tal ação não visava a

acautelar nenhum direito que estava sendo discutido na ação ressarcitória, até mesmo

porque a única coisa que se poderia acautelar – na ação ressarcitória – seria o direito de

crédito relativo ao dano.

<texto>O direito à prevenção não pode ser considerado um acessório do direito à

reparação do dano. Isto significa que não há razão para se pensar que o direito à

prevenção deve ser exigido por intermédio de ação cautelar. Antes da reforma que

introduziu no Código de Processo Civil o art. 461, não havia ação de conhecimento

(portanto autônoma) que pudesse viabilizar a realização do direito à prevenção, para o

qual são fundamentais as técnicas presentes nesta norma. Apenas por esta razão é que

era utilizada a ação cautelar. Com efeito, se a tutela que poderia ser prestada por meio

da ação rotulada de cautelar jamais poderia interferir na ação voltada à reparação do

dano, uma vez que entre elas não há qualquer ligação instrumental, deveria existir –

como existe hoje – a possibilidade de se propor ação inibitória. Em outras palavras: ao

invés de ação cautelar, seguida de ação ressarcitória – como acontecia antigamente –,

hoje devem ser propostas ação inibitória e ação ressarcitória, as quais podem ser

cumuladas, pois a ação inibitória, assim como a ação ressarcitória, é uma ação de

conhecimento, e portanto autônoma.

<aa>3.10 A inaptidão do antigo art. 287 para garantir uma tutela jurisdicional

adequada e a confusão que se instalou entre a tutela preventiva e a tutela

cautelar. A dificuldade de se perceber, hoje, a relação entre a tutela das

obrigações de fazer e de não fazer e a tutela inibitória

<texto>O Código de Processo Civil de 1939 dispunha, no seu art. 302, XII, que a

ação cominatória compete, em geral, a quem, por lei ou convenção, tiver direito de

exigir de outrem que se abstenha de ato ou preste fato dentro de certo prazo. Esta ação

cominatória iniciava-se por um preceito para que o réu se abstivesse da prática do ato ou

o praticasse (conforme o caso), sob ameaça de pena. 82

82

Ver Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. Rio de

Janeiro: Forense, 1959, v. 5, p. 72 e ss; Luiz Machado Guimarães, Comentários ao Código de Processo

Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1942, v. 4, p. 241; Humberto Theodoro Júnior, Comentários ao Código de

Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1983, v. 5, p. 336.

Page 46: Tutela Inibitória - Marinoni

46

<texto>Lamentavelmente, porém, a jurisprudência da época do Código de 1939,

distanciada da melhor doutrina, entendeu que a multa cominada ao devedor somente

poderia começar a incidir após o trânsito em julgado da sentença e até mesmo, em uma

interpretação ainda mais em desacordo com as necessidades de tutela, após a nova

citação do réu vencido. 83

<texto>Não se compreende, entretanto, a razão por que o Código de 1973

desatendeu às boas razões da doutrina, deixando-se vencer pelos argumentos dos

tribunais. De fato, a antiga redação do art. 287 afirmava que “se o autor pedir a

condenação do réu a abster-se da prática de algum ato, a tolerar alguma atividade, ou a

prestar fato que não possa ser realizado por terceiro, constará da petição inicial a

cominação da pena pecuniária para o caso de descumprimento da sentença” 84

.

<texto>Se o direito de acesso à justiça, porque garante o direito à adequada tutela

jurisdicional, tem como corolário o direito à preordenação de procedimentos adequados

à tutela dos direitos, é realmente incompreensível a disposição do antigo art. 287. É bom

lembrar, aliás, que há direito à tutela jurisdicional adequada, porque o Estado, ao proibir

a autotutela privada, assumiu o gravíssimo compromisso de tutelar de forma efetiva as

diversas situações de direito material. Na verdade, o Estado, porque proibiu o agir

privado, não pode se subtrair ao dever de viabilizar ao titular de um direito o mesmo

resultado que ele obteria caso a ação privada não tivesse sido proibida, ou caso

houvesse sido espontaneamente observada a norma de direito substancial.

<texto>Ora, se o processo, para atender a seus fins, deve permitir a realização da

ação privada que foi proibida, não há como se chegar a outra conclusão: o antigo art.

287 não viabilizava a tutela preventiva e, assim, até a reforma que introduziu o art. 461,

não havia uma ação adequada à prevenção do ilícito no Código de Processo Civil. 85

83

“Assim se concedia a este uma segunda oportunidade, degradando-se em tutela condenatória comum,

sancionatória portanto, a tutela preventiva idealizada pelo legislador” (José Carlos Barbosa Moreira,

Tutela sancionatória e tutela preventiva. Temas de direito processual, Segunda série. São Paulo: Saraiva,

1980, p. 28-29). 84

Este artigo teve a sua redação alterada pela Lei 10.444, de 07.05.2002, e agora é assim escrito: “Se o

autor pedir que seja imposta ao réu a abstenção da prática de algum ato, tolerar alguma atividade, prestar

ato ou entregar coisa, poderá requerer cominação de pena pecuniária para o caso de descumprimento da

sentença ou da decisão antecipatória de tutela (arts. 461, § 4.o, e 461-A)”. 85

Não é outra a opinião de Barbosa Moreira: “O mais grave, contudo, não é isso. Abstraindo-se da

nunciação para obstar a construção ilegal (art. 934, n. III), a tutela preventiva, mediante procedimento

especial, fica ordenada no Código, de maneira exclusiva, à proteção da posse e da propriedade. Mal se

justifica o tratamento privilegiado, se se considerar, de um lado, que a eventual lesão representada pela

turbação, pelo esbulho ou pela execução da obra irregular comporta em geral reparação satisfatória sob a

forma da restituição ao estado anterior; de outro lado, que o favor dispensado a tais posições jurídicas

Page 47: Tutela Inibitória - Marinoni

47

<texto>Não é por razão diversa que a prática assistiu ao uso da ação cautelar

inominada como remédio supletivo da lacuna deixada pelo legislador processual. O art.

798 do CPC sempre constituiu uma espécie de “válvula de escape” para a prestação da

tutela jurisdicional adequada, sendo oportuno lembrar que a própria tutela antecipatória

repressiva foi prestada, em um determinado momento, sob as vestes da tutela cautelar. 86

Assim, é fácil perceber o motivo pelo qual o direito à tutela preventiva passou a ser

realizado por meio da ação cautelar inominada.

<texto>A necessidade de uma tutela jurisdicional preventiva, ao conduzir ao uso da

tutela cautelar, fez surgir uma confusão entre tutela cautelar e tutela preventiva e, ainda,

uma forma de tutela jurisdicional que atendia, somente em parte e de forma inefetiva, o

direito à prevenção.

<texto>Em época em que os novos arts. 273 e 461 estavam distantes do Código de

Processo Civil, Barbosa Moreira, em um dos poucos trabalhos que trataram desse

relevante e difícil tema no direito brasileiro, afirmou que, apesar da dúvida a respeito da

natureza da tutela preventiva provisória – se cautelar ou antecipatória –, não deveria

“escandalizar ninguém a sugestão de buscar-se nos arts. 798 e 799 o apoio textual” a

uma tutela preventiva provisória (isto em razão da evidente necessidade desta tutela). 87

O problema, contudo, segundo o próprio Barbosa Moreira, estaria em que o antigo art.

287 autorizava a imposição da multa apenas após o trânsito em julgado da sentença, e

assim a tutela preventiva que viria na forma antecipada não poderia ser efetivada sob

mais realça, pelo contraste, o desamparo em que jazem outras, de modo particular exatamente algumas

para as quais a falta de adequada tutela preventiva não raro significa, na prática, denegação pura e simples

de tutela (direitos não patrimoniais ...). Essas têm de submeter-se às delongas do procedimento ordinário,

ou na melhor hipótese aos tropeços de um procedimento sumaríssimo que vai acabando por tornar-se, ao

menos em certas comarcas, mais demorado que aquele (...) Dir-se-á que as socorre, quando nada em

caráter provisório, o poder cautelar genérico em boa hora atribuído expressamente ao juiz pelo vigente

Código. Mas a tutela cautelar é, por sua própria índole, instável. Ademais, recai-se numa inútil

duplicação de processos, quando a rigor bastaria um, se bem estruturado, para compor o litígio. E,

afinal, por que se há de dar título de cautela àquilo que já se poderia dar sob a forma de prestação

jurisdicional satisfativa?” (José Carlos Barbosa Moreira, Tutela sancionatória e tutela preventiva. Temas

de direito processual, Segunda série, cit., p. 26-27). 86

Luiz Guilherme Marinoni, Tutela cautelar e tutela antecipatória. São Paulo: RT, 1992; A antecipação

da tutela. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. 87

“A objeção previsível é a de que os dispositivos invocados não constituiriam, do ponto de vista

científico, sede própria: neles se cogita de medidas cautelares, ao passo que a ordem proibitiva, tendo o

mesmo objeto da eventual sentença de procedência (da qual representaria, assim, verdadeira

antecipação) e ensejando a satisfação do credor, embora a título provisório, extravasaria do leito

conceptual da cautelaridade. Impossível discutir neste contexto questões tão árduas como a de saber em

que consiste a ‘essência’ do processo cautelar, ou qual a exata configuração dogmática das providências

‘antecipatórias’, do tipo daquelas a que já fizemos acima ligeira referência” (José Carlos Barbosa

Moreira, A tutela específica do credor nas obrigações negativas. Temas de direito processual, Segunda

série, cit., p. 42).

Page 48: Tutela Inibitória - Marinoni

48

pena de multa. Não há como não registrar o que disse o professor da Universidade do

Rio de Janeiro: “O que não se afigura possível é fazer acompanhar o preceito, nesses

casos, da cominação de multa para o respectivo desatendimento: as regras que

autorizam o emprego de medidas coercitivas não comportam aplicação em hipóteses

não previstas. Aqui, aliás, caso se sustentasse o contrário, chegar-se-ia, obliquamente,

ao resultado que o art. 287, fine (em sua redação antiga), pré-excluiu – em disposição

infeliz mas clara, que ao intérprete não é dado desprezar. Ter-se-á de contar unicamente

com a força intimidativa da cominação penal pelo crime de desobediência”. 88

<texto>A tutela cautelar, portanto, além de ter causado complicações

desnecessárias, nunca foi capaz de propiciar uma tutela preventiva realmente efetiva.

<texto>Embora este ainda não seja o lugar adequado para a demonstração da

distinção entre a tutela preventiva e a tutela cautelar, importa advertir que a

vulgarização do uso da ação cautelar como único remédio capaz de atender à

necessidade de prevenção, evidentemente obscureceu, principalmente na prática

forense, a diferenciação entre tais tutelas.

<texto>Além disso, se o direito à prevenção, no plano do direito material, deve

corresponder apenas a uma ação (a um agir), não havia razão para a duplicação das

ações (processuais), vale dizer, para o emprego da ação cautelar e da ação cominatória

para a realização de uma ação (material) e de um fim. 89

<texto>Para o direito à prevenção ser atendido basta apenas uma ação processual,

ação esta que, para responder adequadamente à natureza da situação de direito

substancial, deve conter necessariamente em seu bojo a tutela antecipatória. Ora, se a

situação de direito material a que se visa atender é peculiarizada por uma extrema

dificuldade de suportar o tempo do processo de conhecimento, não se pode conferir a

ela um procedimento sem a tutela capaz de responder sumariamente ao direito.

<texto>A duplicação de procedimentos, nesses casos, só poderia gerar confusão e

mais trabalho e gasto, já que a ação cautelar não era “ação preventiva autônoma”

apenas porque devia ficar limitada à cognição sumária e, ainda, porque se submetia ao

art. 806.

<texto>Se a cognição da ação cautelar é sumária, e se o art. 806 do CPC não pode

88

José Carlos Barbosa Moreira, A tutela específica do credor nas obrigações negativas. Temas de direito

processual, Segunda Série, cit., p. 43. 89

Sobre a “ação de direito material”, ver Ovídio Baptista da Silva, Curso de Processo Civil. 3. ed. Porto

Alegre: Fabris, 1996, v. 1, p. 59 e ss.

Page 49: Tutela Inibitória - Marinoni

49

deixar de ser observado, a ação principal havia de ser proposta, ainda que o resultado

perseguido pelo autor – a prevenção – já houvesse sido encontrado. Tal ação principal

era a cominatória, fundada no antigo art. 287, a qual somente objetivava reafirmar, com

base em cognição exauriente, a tutela preventiva já concedida, ou prestar – na hipótese

em que a tutela cautelar não houvesse sido deferida, e isto fosse ainda viável em termos

concretos –, a própria tutela preventiva.

<texto>Como o provimento cominatório era completamente inidôneo para garantir

uma efetiva tutela jurisdicional preventiva, a doutrina jamais se empenhou em tentar

construir uma tutela preventiva a partir do antigo art. 287. 90

Essa norma, em outras

palavras, apesar de ter sido a fonte da tutela das obrigações de fazer e de não fazer,

nunca foi tomada como o fundamento normativo-processual da tutela preventiva.

<texto>Ao contrário, a tutela preventiva, como já foi dito, sempre foi confundida

com a tutela cautelar. Esta confusão, com efeito, está intimamente ligada à falta de

efetividade da velha ação cominatória, que, justamente por isso, jamais foi identificada

– e nem poderia ser – como uma ação capaz de prestar tutela preventiva.

<texto>O fato de a doutrina não ter encontrado na redação antiga do art. 287 uma

tutela preventiva, torna obscura, ou dificulta, hoje, a relação entre a tutela preventiva e

as normas dos arts. 461 do CPC e 84 do CDC, que, como será melhor demonstrado a

seguir, constituem o fundamento, no plano do processo, da tutela inibitória.

<aa>3.11 A ação inibitória é corolário de um princípio geral de prevenção

<texto>Como já foi dito, há no direito brasileiro duas formas bastante efetivas de

tutela inibitória: o mandado de segurança e o interdito proibitório.

<texto>O que importa saber, porém, é se existe no direito brasileiro um princípio

geral de prevenção que garanta a tutela inibitória fora dos casos em que ela se apresenta

expressamente prevista ou se as hipóteses tipificadas constituem exceções a um

princípio que, na verdade, quer expressar o contrário.

90

É o que se extrai, por exemplo, da doutrina de Barbosa Moreira: “Cabe lamentar que o vigente Código,

em vez de reagir contra a deturpação, restaurando em sua dignidade a ação cominatória, se haja dobrado a

essa funesta orientação, tornando certo, no art. 287 (trata-se de alusão à redação antiga deste artigo), que a

‘pena pecuniária’ só será devida no caso de ‘descumprimento da sentença’. A partir dessa constatação

melancólica, abre-se campo a uma imprescindível reflexão de lege ferenda, para a qual é oportuno

convocar os estudiosos. A propósito de outro assunto, disse alguém certa vez: ‘Torniamo all’antico, sarà

un progresso’. Fomos capazes de inventar o mandado de segurança preventivo contra atos de

autoridade. Precisamos de um remédio equivalente contra atos ou omissões de particulares” (Tutela

sancionatória e tutela preventiva. Temas de direito processual, Segunda série, cit., p. 29).

Page 50: Tutela Inibitória - Marinoni

50

<texto>A questão que passa a interessar, assim, é encontrar o verdadeiro

fundamento da tutela inibitória. Estaria ele nos novos arts. 287 e 461 do CPC? Na raiz

da tutela cautelar?

<texto>Sustentou-se, no direito italiano, mediante interpretação analógica das

normas que previam a inibitória para a proteção de determinados direitos absolutos, que

os direitos pertencentes a esta categoria poderiam ser tutelados através de uma inibitória

atípica. 91

Partindo-se da premissa de que os direitos que são comumente tutelados pela

inibitória são absolutos, pretendeu-se estender para os outros direitos absolutos esta

forma de tutela. 92

<texto>Esta tese, entretanto – como anotam Rapisarda e Taruffo –, não leva em

conta o fato de que, na lógica do legislador, a inibitória não é admitida em razão da

natureza do direito, mas sim em virtude da necessidade de prevenção, derivada

sobretudo da inadequação da tutela do tipo repressivo para algumas situações de direito

material. Se esta necessidade tem lugar, freqüentemente, no domínio dos direitos

absolutos, isto não quer dizer que ela não possa apresentar-se em outros setores; a tutela

inibitória, por relacionar-se com a prevenção, diz respeito, em princípio, a todos os

direitos, e pode tornar-se necessária em todos os locais em que se apresentar como

insuficiente a reintegração ou a reparação do direito. 93

<texto>Considerada a confusão existente entre a tutela preventiva e a tutela cautelar

– que também se verifica no direito italiano –, não é de estranhar o fato de que alguém

tenha procurado encontrar o fundamento da tutela inibitória atípica em uma norma que

dá base à tutela cautelar inominada.

<texto>Aldo Frignani, o autor da primeira monografia importante sobre o tema da

inibitória no direito italiano, foi buscar o fundamento da tutela inibitória atípica

91

Guido Alpa, por exemplo, estudando a tutela dos direitos do consumidor, disse o seguinte: “Non si

potrebbe infatti offrire plausibili giustificazioni ad una tutela di taluni aspetti della personalità del singolo

(e, in particolare, alla tutela di interessi squisitamente economici) senza peraltro ammettere l’impiego dei

medesimi strumenti per prevenire la diffusione di danni alla persona dovuti alla circolazione di prodotti

difettosi. Da questo punto di vista pare più corretta la posizione di quanti – dissociandosi

dall’orientamento tradizionale e rifuggendo dal principio della tipicità delle ipotesi di applicazione

dell’azione inibitoria – ritengono che essa sia idonea a tutelare la totalità dei diritti soggettivi assoluti (e,

in primo luogo, del valore della ‘integrità fisica’). Solo al costo di privare gli interessi più rilevanti della

persona di una tutela così incisiva com’è quella predisposta dall’esercizio dell’azione inibitoria si può

consentire con quanti vorrebbero circoscriverne l’impiego alle sole ipotesi nelle quali essa è

esplicitamente ammessa dal legislatore” (Responsabilità dell’impresa e tutela del consumatore. Milano:

Giuffrè, 1975, p. 467-468). 92

Cristina Rapisarda e Michele Taruffo, Inibitoria. Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 17, p. 7. 93

Idem, ibidem.

Page 51: Tutela Inibitória - Marinoni

51

exatamente no art. 70094

do CPC italiano – similar ao nosso art. 798.

<texto>De acordo com Frignani, a inibitória provisória (antecipada) e a inibitória

final constituem aspectos de um mesmo fenômeno, tanto porque a primeira tem as

mesmas características substanciais da segunda, como porque a inibitória provisória

(antecipada) é ligada indissoluvelmente à inibitória final. 95

<texto>A partir desta construção, Frignani invoca outra premissa – não demonstrada

– no sentido de que o art. 700 garante uma forma geral de tutela preventiva contra a

prática de qualquer ilícito. Para ele, o princípio geral de prevenção – que garantiria a

tutela inibitória atípica em suas três modalidades – está albergado no art. 700. 96

<texto>Frignani afirma que a existência de uma norma que garante uma tutela

inibitória atípica provisória, fundando um princípio geral de prevenção, é suficiente para

garantir a tutela inibitória atípica definitiva. Argumenta que seria ilógico admitir-se a

inibição de um comportamento com base em cognição sumária e, após verificada

plenamente a necessidade de prevenção, negar-se a tutela inibitória final ao

demandante. 97

<texto>Frignani parte da tese de que a tutela cautelar, em uma de suas formas,

antecipa os efeitos da tutela final, o que conduziria a uma verdadeira identidade entre a

tutela inibitória provisória e a tutela inibitória final. De lado o aspecto de que este

ângulo de análise da tutela cautelar (fundado na provisoriedade e, portanto, em aspectos

formais da tutela) não está mais de acordo com as modernas preocupações que giram

em torno do tema da tutela dos direitos, a verdade é que não tem valor algum a

94

Art. 700: “Fuori dei casi regolati nelle precedenti sezioni di questo capo, chi ha fondato motivo di

temere che durante il tempo occorrente per far valere il suo diritto in via ordinaria, questo sia minacciato

da un pregiudizio imminente e irreparabile, può chiedere con ricorso al giudice i provvedimenti

d’urgenza, che appaiono, secondo le circostanze, più idonei ad assicurare provvisoriamente gli effetti

della decisione sul merito”. 95

Aldo Frignani, L’injunction nella common law e l’inibitoria nel diritto italiano, cit., p. 440. 96

“... ma la corrente dottrinale che fa leva sul rilievo surriferito e che pretende di giustificare

l’affermazione con riferimento alle norme di diritto positivo, non tiene conto del ruolo che nel nostro

sistema giuridico è destinato a giocare la norma contenuta nell’art. 700 c.p.c. Ivi, infatti, si prevede una

forma generalissima di tutela preventiva contro la comissione di qualsiasi tipo di illecito. Perciò il

principio generale dell’azione inibitoria che andiamo cercando ci sarebbe fornito proprio dall’art. 700

c.p.c.” (Aldo Frignani, L’injunction nella common law e l’inibitoria nel diritto italiano, cit., p. 457). 97

“È facile osservare però che se l’inibitoria è prevista in via generale nella sua forma provvisoria, a

maggior ragione (o, di conseguenza) lo dovrebbe essere nella sua forma definitiva, in quanto la prima è in

funzione della seconda. Non si vede, infatti, come si possa inibire un determinato comportamento fino al

giudizio sul merito, quando poi non si possa, esistendone i presupposti, inibire lo stesso comportamento

anche dopo la sentenza sul merito e cioè in via definitiva. Sarebbe un non senso inibire il compimento di

certi atti della cui illiceità si ha soltanto un fumus, e non poterli invece più inibire una volta accertata la

loro illiceità con sentenza passata in giudicato” (Aldo Frignani, L’injunction nella common law e

l’inibitoria nel diritto italiano, cit., p. 457).

Page 52: Tutela Inibitória - Marinoni

52

afirmação de que a tutela inibitória final está garantida pelo art. 700 em razão de este

artigo garantir a própria tutela inibitória provisória.

<texto>Se o art. 700 garante, em princípio, a atipicidade da tutela cautelar, torna-se

exigível a explicação da razão pela qual a tutela inibitória – que não se confunde com a

tutela cautelar – estaria garantida pela mencionada norma.

<texto>Em outras palavras, se o problema está na existência de um princípio geral

de prevenção, caberia ao professor da Universidade de Turim demonstrar que o art. 700

acolhe tal princípio, e não partir da mera afirmação de que o princípio está presente na

norma, como se não houvesse distinção entre cautela e prevenção.

<texto>Não há, no discurso de Frignani, qualquer preocupação em demonstrar que o

princípio que garante a atipicidade da tutela cautelar também garante a atipicidade da

tutela inibitória. Se é verdade que Frignani diferencia a tutela inibitória da tutela

cautelar, parece imaginar que a prevenção faz parte da cautela, ou que a tutela inibitória

está garantida por um princípio que consagra apenas a atipicidade da tutela cautelar.

<texto>Se Frignani não confunde cautela com prevenção, seria necessária, de

qualquer forma, a demonstração de que o art. 700, depois de muito tempo, passou a

fundamentar a atipicidade da tutela cautelar e da tutela preventiva, tornando-se a base de

um princípio geral de cautela e de um princípio geral de prevenção.

<texto>Isto porque o art. 700 não foi idealizado para garantir a efetividade da tutela

preventiva. E nem poderia ser de outra forma, quando é sabido que o sistema italiano de

tutela dos direitos foi construído sobre uma idéia que não incorporava a necessidade da

tutela preventiva.

<texto>É evidente, em outras palavras, que do art. 700, ou mesmo da própria

essência da tutela cautelar inominada, não se pode pretender retirar argumentos que

permitam a afirmação de que o art. 700 consagra um direito geral à prevenção ou

garante a tutela de prevenção do ilícito. Ao contrário, em princípio seria necessário, para

se invocar o art. 700, alegar a violação do direito e, juntamente, o periculum in mora. 98

<texto>O que se está afirmando encontra fundamento no livro La tutela civile dei

diritti, de Adolfo di Majo, reconhecido como uma das mais importantes obras

contemporâneas sobre a temática da tutela dos direitos. É oportuna a transcrição da lição

deste jurista para que fique claro o que estamos dizendo: “Na realidade, a tutela ex art.

98

Adolfo di Majo, La tutela civile dei diritti. Milano: Giuffrè, 1993, p. 144.

Page 53: Tutela Inibitória - Marinoni

53

700, CPC, que por outro lado se insere em um discurso mais vasto em relação às

medidas que têm carácter cautelar, pressupõe que uma violação (a direitos de

propriedade, a direitos da pessoa, ou também a direitos relativos) já tenha ocorrido, e

não ainda que seja simplesmente objeto de ameaça ou que em relação a ela existam

indícios. A tutela de urgência, além disto, não vem solicitada para a simples violação do

direito, mas em razão do fato que, considerada a natureza do direito (por exemplo,

direitos da pessoa), as conseqüências ligadas à violação (pense-se no sustento do

trabalhador ao qual venha negado o salário ou na falência da empresa decorrente do não

recebimento de créditos pecuniários) possam constituir um prejuízo não reparável com

as habituais medidas de tutela (do tipo ressarcitório ou restitutório)”. 99

<texto>Como fica claro diante da lição de Adolfo di Majo, o raciocínio de Frignani,

para ser válido, deveria ter seguido em sentido inverso. Ou melhor, o que Frignani

deveria ter demonstrado, antes de mais nada, é a existência de um fundamento capaz de

garantir a atipicidade da tutela inibitória, para depois argumentar que, se é possível a

tutela inibitória final, é viável – em razão do art. 700 – a tutela inibitória antecipada.

<texto>Entretanto, ultimamente tem sido aceito, no direito italiano, em razão da

própria exigência de tutela jurisdicional adequada, a tutela inibitória sumária nas ações

declaratória e constitutiva. Admite-se, por exemplo, o uso do art. 700 para inibir a

transferência do empregado na ação que visa declarar a ilegitimidade de sua

transferência para outro local de trabalho. 100

Argumenta-se que a legislação trabalhista

confere um direito ao local do trabalho, que implica, segundo alguns, aspecto de

conteúdo não patrimonial capaz de ser tutelado adequadamente apenas através da tutela

inibitória sumária, que estaria garantida na forma atípica pelo art. 700. 101

<texto>Isto não quer dizer, como é óbvio, que o art. 700 sempre garantiu a tutela

preventiva, mas sim que esse artigo – por constituir (à semelhança do nosso art. 798)

uma válvula de escape para a prestação da tutela jurisdicional adequada – passou a ser

99

Idem, ibidem. 100

Ferruccio Tommaseo, I provvedimenti d’urgenza – Struttura e limiti della tutela anticipatoria. Padova:

Cedam, 1983, p. 256. 101

A “Pretura di Napoli” já admitiu o emprego do art. 700 para impedir a transferência de empregado:

“Statuto dei lavoratori – Dipendente trasferito ad altra sede– Provvedimento di urgenza – Ammissibilità.

Nel caso in cui un dipendente venga trasferito ad altra sede del datore di lavoro (nella specie, dipendente

dell’Ufficio sinistri della S.A.I. da Napoli a Caltagirone), egli può ricorrere al giudice ai sensi dell’a. 700

c.p.c. (che non è stato abrogato dalla nuova legge sul lavoro n. 533 del 1973) e chiedere, a tutela del

diritto al luogo di lavoro, un provvedimento di urgenza” (“Pretura di Napoli”, “ordinanza” de 25 de

janeiro de 1974, Diritto e giurisprudenza, 1974, p. 79).

Page 54: Tutela Inibitória - Marinoni

54

utilizado para fins distantes daqueles para os quais foi criado. 102

<texto>Como já foi dito, inclusive porque este ponto levou ao estabelecimento da

distinção entre tutela cautelar e tutela antecipatória, a tutela de urgência, com o passar

do tempo, transformou-se em um verdadeiro instrumento alternativo ao procedimento

comum. Assim, se alguns admitiram o uso do art. 700 como fundamento da tutela

preventiva, isto ocorreu em razão das necessidades concretas de tutela, e não a partir da

verificação da existência de um princípio geral de prevenção albergado neste artigo. 103

<texto>Se o Código de Processo Civil italiano não prevê a multa como meio de

coerção para dar efetividade às sentenças do juiz, e se a doutrina italiana procura

remediar tal insuficiência invocando o princípio constitucional da efetividade,

albergado no art. 24 da Constituição da República italiana – mediante uma tentativa de

reconstrução do próprio conceito de sentença condenatória, que passaria a ser vista

como uma ordem que, no caso de inadimplemento, abre oportunidade para a prisão104

não há razão para se procurar em outro lugar o fundamento da atipicidade da inibitória.

105

<texto>Se o direito é patrimonial e capaz de ser tutelado na forma específica, ou

mesmo se o direito é patrimonial e suscetível de ser tutelado pelo equivalente, há

sempre um prejuízo a quem o dano é imposto, já que, como bem disse Italo Andolina, a

demora para a obtenção do bem a que tem direito o autor é sempre fonte de prejuízo, 106

ocasionando em todos os casos um “dano marginal” ao autor que tem razão. 107

102

Ver Sergio La China, Quale futuro per i provvedimenti d’urgenza? I processi speciali; studi offerti a

Virgilio Andrioli dai suoi allievi. Napoli: Jovene, 1979, p. 151 e ss; Roger Perrot, Procédure de l’instance;

Jugements et voies de recours. Voies d’execution et mesures conservatories. Revue Trimestrielle de Droit

Civil, 1982, p. 342 e ss. 103

A Pretura de Turim, por exemplo, em um interessante caso envolvendo direito da personalidade,

admitiu a tutela inibitória sumária com base no art. 700: “Il libero esercizio del diritto di cronaca e di

critica, pur costituzionalmente garantito, non può ledere i diritti, assolutamente primari, della persona

umana e della sua dignità civile e morale anche essi tutelati dal dettato costituzionale. Costituisce lesione

dell’altrui prestigio e credibilità politica la distribuzione, nel corso di una campagna elettorale di volantini

contenenti erronee informazioni sulla passata posizione ideologica di un leader politico, candidato alle

elezioni, e idonei ad alterarne l’integrità della figura e a ingenerare negli elettori la convinzione di una sua

mancanza di dignità e coerenza politica. Nell’ipotesi di travisamento dell’identità politica a mezzo di

volantini elettorali, può ordinarsi, con provvedimento d’urgenza, che ne venga inibita la ulteriore

diffusione” (Pretura Torino, 30 de maio de 1979 (ord.), Giurisprudenza italiana, 1979, p. 600). 104

Ver Andrea Proto Pisani, L’attuazione dei provvedimenti di condanna. Foro italiano, 1988, p. 182. 105

No sentido de que o art. 24 da Constituição italiana garante a atipicidade da inibitória, ver Cristina

Rapisarda e Michele Taruffo, Inibitoria. Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 17, p. 8-9. 106

Italo Andolina, “Cognizione” ed “esecuzione forzata” nel sistema della tutela giurisdizionale.

Milano: Giuffrè, 1983, p. 13 e ss. 107

A lição de Barbosa Moreira é no mesmo sentido: “Dê-se de barato que haja direitos suscetíveis de,

lesados, comportar reintegração plena. Ainda com relação a esses, será difícil de atingir a perfeita

Page 55: Tutela Inibitória - Marinoni

55

<texto>Mas a situação pode ser mais grave quando se pensa nos direitos que não

podem ser tutelados de forma adequada através do ressarcimento em pecúnia (v. g.,

concorrência desleal) e, principalmente, nos direitos não patrimoniais. Não viabilizar a

tutela inibitória quando em jogo direitos não patrimoniais é admitir a expropriação

desses direitos, transformando-se o direito ao bem em direito ao ressarcimento ou, em

outras palavras, em simples pecúnia. 108

Tal possibilidade, como é óbvio, está muito

distante das Constituições fundadas na dignidade do homem e preocupadas em propiciar

a sua inserção em uma sociedade mais justa. 109

<texto>A Constituição Federal afirma expressamente que: i) são invioláveis a

intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à

indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (art. 5.º, X); ii) é

inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das

comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na

forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual

penal (art. 5.º, XII); iii) aos autores pertence o direito exclusivo de utilização,

publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a

lei fixar (art. 5.º, XXVII); iv) a lei assegurará aos autores de inventos industriais

privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à

propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em

vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País (art. 5.º,

XXIX); v) o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor (art. 5.º,

XXXII); vi) todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de

uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público

e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações

coincidência entre a realidade e a norma, quando menos pela razão óbvia de que a atividade processual,

por mais bem ordenada que seja, nos textos e na prática, sempre consome algum tempo, durante o qual

fica o titular privado da utilidade a que fazia jus segundo o direito material. O proprietário pode recuperar

a coisa de que outrem se apoderara, o credor pode receber a importância que lhe era devida, mas nem

sequer nessas hipóteses será lícito dizer que o processo lhes assegurou, efetivamente, vantagem igual à

que gozariam se não ocorresse a lesão” (Tutela sancionatória e tutela preventiva. Temas de direito

processual, Segunda série, cit., p. 22). 108

Ver Cristina Rapisarda Sassoon, Inibitoria. Digesto delle discipline privatistiche, v. 9, p. 476. 109

Barbosa Moreira, ao realçar a insuficiência do artigo 287 (em sua redação antiga) para a prestação de

uma tutela efetivamente preventiva, afirma que a ausência de tutela adequada para os direitos não

patrimoniais é apenas um reflexo de uma ideologia que faz preponderar o ter sobre o ser: “Na sistemática

atual, passa à frente a segurança dos bens, consoante mostram os textos relativos ao interdito proibitório e

à nunciação de obra nova. Ao que se pode reparar com maior facilidade, dispensa-se a tutela preventiva;

ao que não comporta reparação adequada, reserva-se a tutela sancionatória. Paradoxo apenas aparente: se

no mais é nítido o primado do ter sobre o ser, como estranhar que o seja também na ordem processual?”

(Tutela sancionatória e tutela preventiva. Temas de direito processual, Segunda série, cit., p. 29).

Page 56: Tutela Inibitória - Marinoni

56

(art. 225, caput).

<texto>Supõe-se, como é óbvio, que tais direitos devam ser efetivamente tutelados,

até mesmo porque a falta de efetividade da tutela jurisdicional implica a existência de

um ordenamento jurídico incompleto. 110

A existência do direito material – em nível de

efetividade – depende da efetividade do próprio processo. 111

Sem um direito processual

capaz de garantir uma tutela jurisdicional efetiva e adequada não há um ordenamento

que possa ser qualificado como jurídico. 112

<texto>O Estado, ao proibir a autotutela privada e assumir o monopólio da

jurisdição, assumiu também o dever de tutelar de forma efetiva todas as situações

conflitivas concretas; o Estado, portanto, não pode deixar de dar resposta adequada aos

direitos por ele mesmo proclamados. 113

<texto>O direito de acesso à justiça, atualmente, é reconhecido como o direito que

deve garantir a tutela efetiva de todos os demais direitos. 114

A importância que se dá ao

direito de acesso à justiça decorre do fato de que a ausência de tutela jurisdicional

efetiva implica a transformação dos direitos garantidos constitucionalmente em meras

declarações políticas, de conteúdo e função mistificadores. 115

<texto>É por isso que se deve abandonar a idéia de que o direito de acesso à justiça,

ou o direito de ação, significa apenas direito à sentença de mérito. Este modo de ver o

110

Registre-se, nesta linha, a lição de Rotondi: “Senza richiamarci a considerazioni di indole generale,

relative alle conseguenze dell’illecito civile, la esigenza di ammettere la possibilità di un’azione inibitoria

a difesa di ogni diritto soggettivo, indipendentemente da colpa o dolo di chi lo leda, e indipendentemente

dalla esistenza di un danno attuale, deriva dallo stesso concetto di norma giuridica, che postula una

sanzione altrettanto estesa quanto il precetto. Ora se l’unica sanzione dell’illecito fosse l’obbligo di

risarcire quando si è causato un danno per colpa o dolo, ne verrebbe che il diritto soggettivo consacrato

nella norma sarebbe dalla sanzione solo imperfettamente difeso, il che ripugna al carattere della norma

giuridica” (Mario Rotondi, Diritto industriale. Padova: Cedam, 1965, p. 519-520). 111

Andrea Proto Pisani, Breve premessa a un corso sulla giustizia civile. Appunti sulla giustizia civile.

Bari: Cacucci, 1982, p. 11. 112

Como diz Arruda Alvim, “vincula-se a ação à indeclinável correspondência da prestação jurisdicional;

conseqüentemente, constituem-se uma e outra – ação e jurisdição – em verdadeiras condições de

funcionamento e validade de um ordenamento jurídico. Decorre disto que, a impossibilidade de acesso à

justiça equivale ao menos, na medida ou espaço em que isso se verifique, à ausência de ordem jurídica

válida e atuante” (José Manoel de Arruda Alvim Neto, Tratado de direito processual civil. São Paulo:

RT, 1990, v. 1, p. 211). 113

É nesta linha que se move Grossen: “Perché un diritto soggettivo sia perfetto, non basta la sua

consacrazione legislativa in formule più o meno solenni. Bisogna anche che il suo esercizio sia protetto;

che il suo titolare, all’occorrenza, possa sollecitare ed ottenere l’intervento dell’autorità giudiziaria”

(Jacques Michel Grossen, L’azione in prevenzione al di fuori dei giudizi immobiliari. Rivista di Diritto

Processuale, 1959, p. 417). 114

Ver Mauro Cappelletti, La dimensione sociale: l’accesso alla giustizia. Dimensioni della giustizia nelle

società contemporanee. Bologna: Il Mulino, 1994, p. 71 e ss. 115

Ver Boaventura de Souza Santos, Introdução à sociologia da administração da justiça. RePro 37, p.

125.

Page 57: Tutela Inibitória - Marinoni

57

processo, se um dia foi importante para a concepção de um direito de ação independente

do direito material, não se coaduna com as novas preocupações que dizem respeito ao

tema da “efetividade do processo”, que traz em si a superação da ilusão de que o

processo poderia ser estudado de maneira neutra e distante da realidade social e do

direito material. 116

<texto>Quando se pensa em tutela jurisdicional efetiva, descobre-se, quase por

necessidade, a importância da relativização do binômio direito-processo. O processo

deve estar atento ao plano do direito material se deseja realmente fornecer tutela

adequada às diversas situações concretas. É apenas por esta razão que a doutrina

redescobre – e não por mágica – a importância das tutelas jurisdicionais diferenciadas.

O direito à preordenação de procedimentos adequados à tutela dos direitos passa a ser

visto como algo absolutamente correlato ao direito de acesso à justiça. 117

Sem a

predisposição de instrumentos de tutela adequados à efetiva garantia das diversas

situações de direito substancial não se pode conceber um processo efetivo. 118

<texto>Portanto, o direito de acesso à justiça garante a tutela jurisdicional capaz de

fazer valer de modo integral o direito material e, por conseqüência, o direito à técnica

processual capaz de viabilizá-la. Lembre-se, aliás, que a Corte Constitucional italiana já

afirmou que “o direito à tutela jurisdicional está entre os princípios supremos do

ordenamento constitucional, no qual é intimamente conexo com o próprio princípio

democrático, assegurar a todos e sempre, para qualquer controvérsia, um juiz e um juízo

em sentido verdadeiro”. 119

<texto>Não há dúvida de que o direito de acesso à justiça, assegurado por nossa

Constituição Federal (art. 5.º, XXXV), garante o direito à adequada tutela

jurisdicional120

e, assim, o direito à técnica processual capaz de viabilizar o exercício

116

Ver Ovídio Baptista da Silva, Jurisdição e execução..., São Paulo: RT, 1996, p. 161 e ss. 117

Ver, por exemplo, Andrea Proto Pisani, Sulla tutela giurisdizionale differenziata. Rivista di Diritto

Processuale, 1979, p. 575 e ss. 118

Como já dissemos: “Uma evolução adequada do sistema de distribuição de justiça equivaleria à

predisposição de procedimentos adequados à tutela dos novos direitos. A inércia do legislador – ao menos

para dar tutela efetiva às novas situações carentes de tutela – conduz a uma interessante e generosa

posição doutrinária: a do direito à adequada tutela jurisdicional. O direito de acesso à justiça tem como

corolário o direito à preordenação de procedimentos adequados à tutela dos direitos ...” (Luiz Guilherme

Marinoni, Efetividade do processo e tutela de urgência. Porto Alegre: Fabris, 1994, p. 7). 119

“Corte Costituzionale”, 2 de fevereiro de 1982, Foro italiano, 1982, p. 934. 120

Entende-se, no direito italiano, que o art. 24 da Constituição da República garante o direito à adequada

tutela jurisdicional; ver, em outros, Luigi Paolo Comoglio, Commentario della Costituzione (a cura di G.

Branca). Bologna-Roma, Zanichelli-Foro italiano, 1981, p. 1 e ss; Andrea Proto Pisani, Brevi note in tema

di tutela specifica e tutela risarcitoria. Foro Italiano, 1983, p. 128 e ss; Michele Taruffo, Note sul diritto

Page 58: Tutela Inibitória - Marinoni

58

do direito à tutela inibitória. 121

É possível afirmar até mesmo que a inserção da locução

“ameaça a direito” na verbalização do princípio da inafastabilidade (art. 5º, XXXV, CF)

teve por fim garantir a possibilidade de qualquer cidadão solicitar a tutela inibitória.

<texto>Como está evidenciado, se todos têm direito à tutela e à ação inibitória, isto

nada tem a ver com a proteção cautelar, até porque esta última foi concebida, em

princípio, para permitir a efetiva proteção de um direito já violado. 122

O direito à tutela

e à ação inibitória, como demonstrado, não tem relação alguma com a necessidade de

segurança de um direito que pode não ser efetivamente tutelado através de outra técnica

de tutela.

<aa>3.12 Direito à tutela inibitória, técnica processual e tutela jurisdicional

inibitória

<texto>Cabe frisar, porém, que o direito de acesso à justiça garante a técnica

processual capaz de prestar a efetiva tutela dos direitos, e não propriamente a tutela do

direito. A tutela é decorrência da existência do próprio direito. Ou melhor, a tutela

inibitória existe pelo fato de ser inerente à existência do direito; todo titular de direito

tem o direito de impedir a sua violação.

<texto>Não basta, como é evidente, que o ordenamento jurídico afirme um direito,

mas é necessário que ele lhe confira tutela, ou seja, que ele lhe dê proteção. Entretanto,

em um ordenamento jurídico marcado pela proibição da autotutela, a jurisdição deve

estar aberta à tutela dos direitos.

<texto>A consagração de direitos faz surgir, por conseqüência lógica, o direito à

tutela jurisdicional, isto é, o direito de pedir, conforme o caso, o impedimento da sua

violação, a sua reparação etc. Quem tem direito material, tem direito de pedir tutela

alla condanna e all’esecuzione. Rivista Critica del Diritto Privato, 1986, p. 635 e ss; Ferruccio

Tommaseo, Appunti di diritto processuale civile. Torino: Giappichelli, 1995, p. 169 e ss. 121

Rapisarda e Taruffo afirmam que o art. 24 da Constituição da República italiana garante o direito à

tutela inibitória: “È precisamente in questo ambito che si colloca la funzione della tutela inibitoria, anche

al di là dei casi espressamente previsti dalla legge, proprio in quanto essa è diretta a fornire uno strumento

di garanzia giurisdizionale per quelle situazioni sostanziali che non trovano tutela, o vengono tutelate in

modo inadeguato, dagli strumenti restitutori o risarcitori. In sostanza, la concezione meramente

risarcitoria della tutela di condanna apre dei vuoti di grande rilievo nell’attuazione concreta della garanzia

di cui all’art. 24, 1 co., Cost.; per contro, l’estensione di tale garanzia alle situazioni sostanziali non

tutelabili in via risarcitoria impone di ammettere per esse la tutela inibitoria. Essa deve, quindi, essere

atipica, proprio per poter svolgere la funzione generale di tutela prevista dalla norma costituzionale”

(Cristina Rapisarda e Michele Taruffo, Inibitoria. Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 17, p. 9). 122

Ver, também, Gian Antonio Michelli, L’azione preventiva, Rivista di Diritto Processuale, 1959, p.

221; Giuseppe Franchi, Le denunce di nuova opera e di danno temuto. Padova: Cedam, 1968, p. 12 e ss.

Page 59: Tutela Inibitória - Marinoni

59

jurisdicional. De modo que o direito à tutela jurisdicional inibitória é conatural ao

direito material. Com efeito, não temos a menor dúvida em afirmar que o princípio geral

de prevenção é imanente a qualquer ordenamento jurídico que se empenhe em garantir –

e não apenas em proclamar – os direitos.

<texto>O direito à tutela jurisdicional, que é decorrência da própria existência do

direito substancial e da proibição da sua realização privada, não é apenas o direito de ir

ao Poder Judiciário, mas o direito de obter a via técnica adequada para que o direito

material possa ser efetivamente realizado através da jurisdição. O direito à tutela, assim,

é o direito à técnica processual (por exemplo, sentença e meios executivos) capaz de

permitir a efetiva proteção do direito material. Trata-se, assim, do direito à adequada

tutela jurisdicional.

<texto>Pensando-se em garantia constitucional de acesso à justiça, ou melhor, no

direito constitucional à preordenação da técnica processual adequada, entra em jogo o

direito à técnica processual capaz de permitir a tutela dos direitos. Quando se afirma que

a ação é requerida, é postulada a tutela. Por essa razão, o direito de ação, nos dias de

hoje, não pode mais ser visto como o simples direito de ir ao Judiciário, mas sim como

o direito à predisposição da técnica processual realmente capaz de dar tutela ao direito.

Não basta dizer que todos podem afirmar, perante o Judiciário, um direito à tutela, mas

é preciso garantir ao cidadão o direito à técnica processual capaz de viabilizar a sua

obtenção.

<texto>O direito de buscar a tutela inibitória, através da via processual adequada,

consagra o direito a uma via processual realmente capaz de propiciar a tutela inibitória.

Assim, o exercício do direito de ir ao Judiciário para buscar a tutela inibitória, nada

mais é do que o exercício da ação inibitória. É neste sentido que se pode pensar em ação

inibitória, ou seja, em ação efetivamente capaz de permitir, caso o direito material seja

reconhecido, a obtenção da tutela inibitória.

<texto>O objetivo da distinção entre tutela do direito e técnica processual é o de

verificar se a legislação possui instrumentos processuais (técnica processual)

efetivamente capazes de propiciar a tutela dos direitos. Para tanto, é necessário analisar,

como antecedente lógico, o que é vital à proteção dos direitos, para depois ver se os

instrumentos processuais estão adequadamente preordenados para permitir a tutela que

lhes é inerente.

<texto>Tal distinção traz ao direito processual um novo valor, calcado na

Page 60: Tutela Inibitória - Marinoni

60

necessidade de verificar se o processo está realmente preparado para assumir

plenamente a função de tutela dos direitos, ou se é algo incapaz de fazer o Estado

cumprir com o dever que assumiu no momento em que proibiu a autotutela.

<texto>Se não é possível negar, diante da consideração do direito material, o direito

à tutela inibitória (por exemplo), fica o legislador infraconstitucional obrigado a

estabelecer os instrumentos adequados para garanti-la, sob pena de descumprir o

preceito constitucional consagrador do direito de acesso à justiça. 123

Isto quer dizer que

a tutela jurisdicional inibitória, que é resposta do processo ao direito à tutela inibitória,

deve constituir tutela jurisdicional que possa efetivamente inibir a prática, a repetição ou

a continuação do ilícito. É por isso que a tutela jurisdicional inibitória pode ser prestada

antecipadamente (quando for o caso) e por meio das sentenças e meios de execução

adequados.

<texto>O princípio da efetividade, porém, não só obriga o legislador ordinário a

predispor procedimentos adequados à tutela dos direitos, mas também vincula o

doutrinador e os operadores jurídicos, obrigando-os à leitura das normas

infraconstitucionais à luz do princípio constitucional da efetividade. 124

<texto>O princípio constitucional da efetividade não permite que o processualista

“entregue-se” perante uma primeira, e muitas vezes não aprofundada, conclusão de

inexistência de técnica processual adequada, transferindo o problema para uma

discussão de lege ferenda e, assim, para uma futura e incerta reforma processual. 125

Cabe-lhe buscar nas normas processuais, sempre a partir de uma leitura constitucional,

os instrumentos adequados à efetiva garantia dos direitos. Afinal, como dizia Liebman,

o Código de Processo Civil é apenas a lei regulamentadora das garantias de justiça

contidas na Constituição. 126

<texto>Resumindo: o cidadão, pelo simples fato de ter direito (direito da

123

Neste sentido, ainda que referindo-se ao “diritto alla tempestività della tutela giurisdizionale”,

posicionam-se Italo Andolina e Giuseppe Vignera, Il modello costituzionale del processo civile italiano.

Torino: Giappichelli, 1990, p. 89. 124

É importante registrar, neste momento, a seguinte lição de Clèmerson Merlin Clève: “As fronteiras da

criatividade são mais largas no domínio do direito constitucional em face da baixa densidade normativa e

do elevado grau de abstração de seus preceitos. A constitucionalização do direito infraconstitucional

(filtragem constitucional do direito infraconstitucional) favorece a releitura comprometida e criativa dos

vários ramos da árvore jurídica, ampliando o grau de participação do jurista na determinação (construção)

do direito aplicável” (A teoria constitucional e o direito alternativo. Seleções Jurídicas (Instituto dos

Advogados Brasileiros), p. 50). 125

Ver Andrea Proto Pisani, L’attuazione dei provvedimenti de condanna. Foro Italiano, 1988, p. 185. 126

Enrico Tullio Liebman, Diritto costituzionale e processo civile. Rivista di Diritto Processuale, 1952, p.

329

Page 61: Tutela Inibitória - Marinoni

61

personalidade etc.), possui direito à tutela inibitória. Sendo inegável que o direito

constitucional de acesso à justiça (art. 5.º, XXXV, da CF) 127

tem como corolário o

direito à técnica processual adequada à prestação da tutela do direito, o direito à tutela

inibitória depende da efetividade do direito de acesso à justiça. Assim, o ordenamento

jurídico que, por exemplo, desconhece a técnica antecipatória e a sentença

mandamental, e que assim não está adequado à prestação da tutela inibitória, está em

desacordo com a Constituição Federal.

<aa>3.13 O art. 461 como fundamento processual da tutela inibitória

<texto>Como já dissemos, a ação cautelar inominada não é o instrumento adequado

à tutela preventiva. Chegou o momento de aprofundarmos esta questão.

<texto>A efetividade da tutela preventiva, como é óbvio, está na dependência da

possibilidade de se impedir o ilícito (ou sua continuação ou repetição). Torna-se

imprescindível, assim, a possibilidade do uso da multa, como meio de coerção capaz de

convencer o réu a não fazer ou a fazer, conforme se tema ação ou omissão.

<texto>O tempo necessário ao término do processo de conhecimento é

frequentemente incompatível com as situações de direito material que exigem tutela

preventiva. Pense-se, em primeiro lugar, nos direitos industriais. Obrigar o titular de

uma marca comercial, ou de uma patente de invento, a esperar dois ou três anos para

obter a tutela que pode impedir a continuação ou a repetição do ilícito, é conferir àquele

que pratica o ilícito dois ou três anos de “lícito exercício do ilícito”, principalmente

quando se percebe que o objetivo do titular de uma marca ou de um invento é, acima de

tudo, a tutela da integridade da marca ou do invento, e não a mera reparação do dano.

Além disso, quem conhece a realidade das ações de reparação envolvendo direitos

industriais sabe que é muito difícil a quantificação do dano (problema de “caixa dois”

127

A doutrina argentina, interpretando o art. 43 da “Constitución de la Nación”, sustenta que esta norma,

ao admitir a ação de amparo, abre oportunidade a uma tutela inibitória que pode ser endereçada contra o

Poder Público ou o particular “que en forma actual o inminente lesione, restrinja, altere o amenace, con

arbitrariedad o ilegalidad manifiesta, derechos e garantías reconocidos por esta Constitución, un tratado o

una ley” “siempre que no exista otro medio judicial más idóneo” (art. 43). Noemi Lidia Nicolau, em

ensaio publicado na La Ley, observa: “El breve análisis del supuesto de hecho contemplado en la nueva

norma constitucional demuestra que, al haber incorporado de manera expresa la posibilidad de accionar

contra los particulares y no sólo por la violación de derechos y garantías reconocidos por la Constitución,

sino también por la violación de derechos acordados por la ley, incluye de manera implícita la inhibitoria

y hace posible obtener la orden judicial de abstenerse de un comportamiento ilícito, cuando no hubiere

otra vía judicial idónea” (Noemi Lidia Nicolau, La tutela inhibitoria y el nuevo artículo 43 de la

Constitución Nacional. La Ley, 1996-A, p. 1.248) Ver, também, Ricardo Luis Lorenzetti, La tutela civil

inhibitoria. La Ley, 1995-C, p. 1.217 e ss.

Page 62: Tutela Inibitória - Marinoni

62

etc.), 128

para não se falar que muitas vezes aquele que usufrui ilicitamente de uma

marca ou de um invento conduz sua empresa à falência, reservando o patrimônio

abarcado de modo ilícito a um “testa-de-ferro”.

<texto>A situação torna-se ainda mais assustadora quando entram em cena os

direitos da personalidade. Em relação a estes, o descaso da antiga redação do art. 287

era completo. Se alguém teme que seu direito à imagem seja violado, continue a ser

violado ou seja novamente violado, não pode se dar ao luxo de esperar o tempo

necessário ao trânsito em julgado da sentença cominatória.

<texto>É difícil compreender a razão pela qual o Código de Processo Civil, quando

editado, só estabeleceu tutelas inibitórias antecipadas nos casos de interdito proibitório

(art. 932 do CPC) e nunciação de obra nova (art. 936, II, do CPC). Ora, se o legislador

processual previu a necessidade da multa para dar efetividade aos preceitos emitidos

initio litis, é porque ele estava ciente de que a prevenção requer tutela antecipada mais

multa.

<texto>Por qual motivo, então, teria o Código deixado de criar uma ação preventiva

genérica, à semelhança do mandado de segurança preventivo? Qual a razão que teria

levado o legislador de 1973 a esquecer-se de estabelecer uma verdadeira ação

preventiva contra o particular? Parece que a explicação deste fato somente pode ser

encontrada através de uma investigação dos valores submersos à técnica processual. 129

<texto>Recorde-se que o uso da ação cautelar inominada como instrumento para a

tutela dos direitos da personalidade constituiu criação da prática forense a partir da

necessidade de uma tutela concreta desses direitos, e que o uso desta via para suprir a

lacuna deixada pelo antigo art. 287 não só conduziu a uma indesejável e muitas vezes

incompreensível duplicação de procedimentos, como não foi capaz de garantir uma

tutela preventiva verdadeiramente efetiva.

128

Há muito tempo esta dificuldade é sentida, como se pode perceber da antiga (porém atual) lição de

Gama Cerqueira a respeito da ação cominatória que era fundada no art. 189 do antigo Código da

Propriedade Industrial: “Quando tratamos dos crimes contra os privilégios de invenção, tivemos ocasião

de salientar as vantagens desta ação instituída pelo Código da Propriedade Industrial, cuja utilidade mais

se patenteia nos casos de infração dos registros de marcas, em que avultam as dificuldades para se

apurarem os danos sofridos pelos seus titulares em conseqüência da infração” (João da Gama Cerqueira,

Tratado da propriedade industrial, v. 2, cit., p. 1.126). 129

Como diz Barbosa Moreira, “em toda obra legislativa está implícita uma visão do mundo, uma escala

de valores. A preferência dada em geral pelos códigos à tutela sancionatória, em detrimento da

preventiva, constitui dado valioso para quem se disponha a pesquisar os pressupostos ideológicos do

nosso processo” (Tutela sancionatória e tutela preventiva. Temas de direito processual, Segunda série,

cit., p. 29).

Page 63: Tutela Inibitória - Marinoni

63

<texto>O art. 461 deve ser compreendido como a fonte normativo-processual da

tutela inibitória “individual”, 130

tornando viável a obtenção desta tutela através da

propositura de uma única ação, sem que seja necessário pensar em ação cautelar e ação

de execução.131

<texto>O art. 461 quebra o princípio da tipicidade das formas executivas, prevendo

a possibilidade de o juiz determinar a medida executiva adequada ao caso concreto.

Estão elas enumeradas, de forma exemplificativa, no seu § 5.º.

<texto>Além disto, o art. 461, em seu § 3.º, deixa claro que a tutela poderá ser

antecipada. Em resumo, o art. 461 permite ao cidadão buscar o Judiciário através de

ação que lhe dá oportunidade de obter não só a antecipação da tutela, mas também a

sentença e o meio de execução capazes de impedir a violação do direito.

<texto>Um obstáculo que poderia ser levantado à tese de que o art. 461 constitui a

fonte normativo-processual da tutela inibitória advém da letra do próprio art. 461, que

fala em obrigação de fazer e de não fazer, não se referindo a deveres. Em outras

palavras, um espírito menos afeito à importância do princípio constitucional da

efetividade poderia argumentar que o art. 461 só permite a tutela das obrigações stricto

sensu, deixando sem resposta, v. g., os direitos da personalidade.

<texto>Se este argumento pudesse ser levado a sério, a tutela dos direitos difusos e

coletivos, que também se vale de normas que falam apenas em obrigação (art. 84 do

CDC; art. 11 da Lei da Ação Civil Pública), estaria irremediavelmente comprometida.

<texto>Note-se, aliás, que Barbosa Moreira, ao escrever o ensaio “A tutela

específica do credor nas obrigações negativas”, em época em que a única norma que o

socorria era a do antigo art. 287, não teve qualquer dúvida em enumerar, sob o nomen

iuris de obrigações negativas, os deveres de abstenção: “d) correspondentes aos direitos

absolutos, quer reais (exemplo: dever de não penetrar em imóvel alheio sem licença do

proprietário), quer da personalidade (exemplo: dever de não usurpar o nome de outrem);

e) correspondentes a direitos subjetivos públicos (exemplos: dever da Administração de

não exigir tributo não previsto em lei, de não demitir funcionário estável senão em

virtude de sentença judicial ou mediante processo administrativo em que se lhe assegure

130

Sobre a tutela inibitória coletiva, fundada no art. 84 do CDC, ver a seguir. 131

Após a Lei 11.232/05, a sentença condenatória também não necessita mais de ação de execução para

ser executada (art. 475-J). Toda e qualquer sentença do juiz civil que dependa de meios de executivos é

agora passível de execução no próprio processo em que a sentença foi proferida, sem a necessidade de

nova ação.

Page 64: Tutela Inibitória - Marinoni

64

ampla defesa); f) impostos para a salvaguarda de ‘interesses coletivos’ ou ‘difusos’

(exemplos: dever de não perturbar o equilíbrio ecológico; de não pôr em circulação

notícias inverídicas)”. 132

<texto>Reconhece-se, no plano da teoria geral do direito, que as leis não devem ser

interpretadas ao pé da letra. A norma deve ser interpretada em função da unidade

sistemática da ordem jurídica; desta forma, o art. 461 tem que ser compreendido em

face da nova realidade que foi construída em virtude da reforma de 1994 e, como é

óbvio, de acordo com o espírito que a presidiu. Na verdade, não há como não se

vislumbrar na ratio, no fim do art. 461 (interpretação teleológica), a intenção da tutela

de direitos que não poderiam ser adequadamente protegidos a partir de uma

interpretação excessivamente comprometida com o tecnicismo da linguagem jurídica,

que não é, como se sabe, a linguagem da lei, não só porque a lei é o fruto do trabalho de

pessoas de diversas formações – o que não autoriza supor que a norma tenha que refletir

uma tomada de posição científica–, mas também porque a lei não é dirigida

exclusivamente aos juristas. 133

<texto>Não há dúvida de que as modificações introduzidas no Código de Processo

Civil – todas elas marcadas pelo princípio da efetividade – tiveram por fim conferir ao

jurisdicionado um processo efetivo e adequado, capaz de assegurar de forma concreta –

e não meramente formal – os seus direitos. 134

É completamente descabido, assim,

pensar que o legislador ter-se-ia preocupado unicamente com a tutela das “obrigações”

de fazer e de não fazer, esquecendo-se dos direitos da personalidade, 135

que, apesar de

132

José Carlos Barbosa Moreira, A tutela específica do credor nas obrigações negativas. Temas de direito

processual, Segunda série, cit., p. 30. 133

“Esa no es una circunstancia meramente accidental; tampoco debe ser vista como un defecto grave ni

como una insuficiencia remediable de la técnica de control social que llamamos derecho. El uso eficaz de

esta técnica reclama que las reglas jurídicas sean comprendidas por el mayor número posible de hombres.

La función social del derecho se vería hoy seriamente comprometida si aquéllas estuvieran formuladas de

manera tal que sólo un grupo muy pequeño de iniciados pudiese comprenderlas. Por ello es legítimo decir

que las normas jurídicas no sólo se valen del lenguaje natural sino que, en cierto sentido, tienen que

hacerlo” (Genaro R. Carrió, Notas sobre derecho y lenguaje. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1990, p. 49). 134

Ver, a propósito, a “exposição de motivos”, subscrita pelos Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira e

Athos Gusmão Carneiro, apresentada à reforma de dezembro de 1994 (Exposição de motivos (reforma do

processo civil). Estatuto da Magistratura e Reforma do Processo Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 1993, p.

117-118; ver, também, Sálvio de Figueiredo Teixeira, Um novo processo, uma nova Justiça. Estatuto da

Magistratura e Reforma do Processo Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 1993. 135

É importante ressaltar o que disse Ovídio Baptista da Silva a respeito desta questão: “Resta, sem

dúvida, a conquista, ou a reconquista, da distinção entre obrigações e deveres que o direito moderno

suprimiu, a partir do período bizantino do direito romano tardio, generalizando, contra as legítimas fontes

do direito romano clássico, o conceito de obligatio, de que proveio nossa genérica e exclusiva execução

por créditos – com supressão das ações mandamentais e das execuções reais, que correspondiam

basicamente à tutela romana interdital –, para que a compreensão do campo de incidência da norma

Page 65: Tutela Inibitória - Marinoni

65

sua alta relevância, não podiam ser adequadamente tutelados – como reconhecia

Barbosa Moreira136

– antes das alterações que foram realizadas em nosso Código.

<texto>O velho art. 287 do CPC, que reservava a incidência da multa “para o caso

de descumprimento da sentença”, desconsiderando a necessidade de técnica

antecipatória e de sentença e meios de execução adequados para a obtenção da tutela

inibitória, foi modificado em 2002, atendendo a críticas que a ele foram endereçadas. A

redação atual deste artigo é a seguinte: “Se o autor pedir que seja imposta ao réu a

abstenção da prática de algum ato, tolerar alguma atividade, prestar ato ou entregar

coisa, poderá requerer cominação de pena pecuniária para o caso de descumprimento da

sentença ou da decisão antecipatória de tutela (arts. 461, § 4.o, e 461-A)”.

<texto>O novo art. 287 admite expressamente a antecipação da tutela e que a

decisão que a concede ordene sob pena de multa, mostrando, de vez por todas, a

impropriedade absoluta do uso da ação cautelar para a obtenção da tutela inibitória

antecipada.

<texto>Esta nova redação do art. 287, de lado a questão da imposição da entrega de

coisa, reafirma as técnicas processuais já insculpidas no art. 461. Na verdade, em

relação à imposição de fazer e de não fazer, a nova redação do art. 287 não trouxe novas

técnicas de tutela, mas somente serviu para evidenciar a importância das técnicas

processuais que já estavam no art. 461.

<texto>A nova redação do art. 287 possui grande valor teórico: i) quebrou a idéia de

que existiam somente três sentenças; ii) tornou clara a possibilidade de atividade

cognitiva e executiva em razão de única ação; iii) evidenciou que a tutela preventiva não

deve ser prestada por meio da ação cautelar; e iv) admitiu o uso da multa para compelir

a um fazer que pode ser prestado por terceiro.

<texto>Este último ponto deve ser melhor esclarecido. Com efeito, alterou-se a

contida no art. 461 evidencie que, no conceito de obrigação com que labora este artigo, compreendem-se

tanto as obrigações stricto sensu, do Direito das Obrigações, quanto genericamente os deveres, aí

compreendidos, tanto aqueles nascidos do direito privado, quanto os deveres sociais e os que nascem no

campo do Direito Público” (Ovídio Baptista da Silva, Curso de processo civil, v. 1, cit., p. 126). No

mesmo sentido, Kazuo Watanabe, Tutela antecipatória e tutela específica das obrigações de fazer e não

fazer (arts. 273 e 461 do CPC). Reforma do Código de Processo Civil, cit., p. 41. 136

Afirmando não haver tutela jurisdicional adequada à proteção do direito à preservação da intimidade,

dizia o professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro: “Nem, vale insistir, para os restantes

direitos da personalidade, e em termos ainda mais genéricos para as relações jurídicas não patrimoniais: o

legislador parece menos sensível à necessidade da tutela preventiva justamente no âmbito em que ela

ressalta com maior clareza, ante a manifesta insuficiência das medidas ‘reparatórias’” (José Carlos

Barbosa Moreira, Processo civil e direito à preservação da intimidade. Temas de direito processual,

Segunda série. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 6-7).

Page 66: Tutela Inibitória - Marinoni

66

antiga redação que aludia a “prestar fato que não possa ser realizado por terceiro”,

passando a nova norma a falar apenas em “prestar ato”. A importância desta expressa

tomada de posição é imensa, pois dá ao autor a possibilidade de escolher a sentença

mandamental para obrigar o réu a fazer algo que pode ser feito por terceiro, abrindo

caminho para a utilização da técnica mandamental em face da obrigação de pagar soma

em dinheiro.

<texto>Buscar uma tutela jurisdicional adequada aos “novos direitos” e, mais do

que isso, encontrar o fundamento normativo-processual da tutela inibitória no Código de

Processo Civil, 137

são deveres da doutrina que se preocupa com a efetividade da tutela

dos direitos e, por conseqüência, com uma sociedade mais justa e harmônica.

<aa>3.14 O art. 12, caput, do novo Código Civil

<texto>O novo Código Civil estabelece, em seu art. 12, caput, o seguinte: “Pode-se

exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e

danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei”.

<texto>Esta nova norma apenas reafirmou algo que é absolutamente óbvio, e

inclusive está assegurado na própria Constituição Federal (art. 5.º, X). O direito da

personalidade é inviolável. 138

Assim, em determinada perspectiva, não era preciso

afirmar que é possível fazer cessar ameaça a direito da personalidade.

<texto>Entretanto, os direitos da personalidade, embora abram oportunidade, por

sua própria existência, à tutela inibitória, não podiam ser adequadamente protegidos

pelo processo até bem pouco tempo atrás. Lembre-se que, até a introdução do novo art.

461 no CPC, aquele que desejava tutela inibitória dos direitos da personalidade, era

obrigado a propor ação cautelar inominada, a qual era seguida de ação de conhecimento,

o que gerava uma dispendiosa, inútil, complicada e inefetiva via processual.

<texto>Na realidade, o legislador nunca deu muita importância à forma processual

capaz de propiciar a adequada e efetiva tutela dos direitos da personalidade. Para

impedir a violação de um direito, basta uma ação. Aquele que teme violação a direito da

personalidade deve ir ao Judiciário, mas aí tem o direito de utilizar um procedimento

137

Lembre-se de que o Estatuto da Criança e do Adolescente possui norma semelhante à do art. 461. O

art. 213 deste Estatuto admite a imposição de multa, de ofício ou a requerimento, na sentença ou na tutela

antecipatória, viabilizando, assim, a tutela inibitória antecipada e final. 138

No mesmo sentido, estabelece o art. 21 do CC: “A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz,

a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato

contrário a esta norma”.

Page 67: Tutela Inibitória - Marinoni

67

autônomo (e por isto de conhecimento), técnica antecipatória, sentença e meios de

execução capazes de efetivamente prestar a tutela inibitória do direito da personalidade

afirmado (se este for reconhecido, como é óbvio).

<texto>Como se vê, o direito de acesso aos meios técnicos adequados à tutela

inibitória é o direito de ação que garante a técnica processual capaz de prestá-la. Diante

da proibição da autotutela, pouco vale a norma que confere direito à tutela, já que esta

somente pode ser obtida por meio do processo. É por isto que se entende que o direito

de ação é o direito à preordenação das técnicas adequadas à tutela dos direitos.

<texto>O art. 12, caput, do CC, ao reafirmar o direito à tutela inibitória dos direitos

da personalidade, convoca abertamente o doutrinador do processo e os operadores do

direito a encontrar na legislação processual uma via que realmente seja capaz de

permitir a prestação da tutela inibitória dos direitos da personalidade. Hoje, portanto, a

ação inibitória, pensada já na 1.ª edição deste livro (em 1998), constitui a melhor

maneira de se dar “boas-vindas” ao art. 12 do novo CC.

<aa>3.15 A tutela inibitória no plano coletivo

<a1a>3.15.1 Os arts. 11 da Lei da Ação Civil Pública e 84 do CDC. O sistema

brasileiro de tutela coletiva ampara a tutela inibitória

<texto>Barbosa Moreira, antes do advento da Lei da Ação Civil Pública (Lei

7.347/85), afirmava: “Considere-se por um instante o caso do interesse na sanidade do

ambiente, ou na preservação das belezas naturais e do equilíbrio ecológico, ou na

honestidade das mensagens de propaganda; o do interesse em que não se ponham à

venda produtos alimentícios ou farmacêuticos nocivos à saúde, em que funcionem com

regularidade e eficiência os serviços de utilidade pública, prestados pela Administração

ou por particulares, e assim por diante. Se a Justiça civil tem aí um papel a

desempenhar, ele será necessariamente o de prover no sentido de prevenir ofensas a

tais interesses, ou pelo menos de fazê-las cessar o mais depressa possível e evitar-lhes a

repetição; nunca o de simplesmente oferecer aos interessados o pífio consolo de uma

indenização que de modo nenhum os compensaria adequadamente do prejuízo acaso

sofrido, insuscetível de medir-se com o metro da pecúnia”. 139

<texto>As preocupações de Barbosa Moreira foram parcialmente acolhidas pela Lei

139

José Carlos Barbosa Moreira, Tutela sancionatória e tutela preventiva. Temas de direito processual,

Segunda série, cit., p. 24.

Page 68: Tutela Inibitória - Marinoni

68

da Ação Civil Pública. Esta lei afirma, no seu art. 11, que “na ação que tenha por objeto

o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento

da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de

execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou

compatível, independentemente de requerimento do autor”. O art. 12 desta mesma lei

prevê a possibilidade de o juiz “conceder mandado liminar, com ou sem justificação

prévia” (caput), com a cominação de multa, que só “será exigível do réu após o trânsito

em julgado da decisão favorável ao autor, mas será devida desde o dia em que se houver

configurado o descumprimento” (§ 2.º).

<texto>Perceba-se que o art. 11 da Lei da Ação Civil Pública só admite, em

princípio, uma das formas de tutela inibitória, aquela que visa a fazer cessar a prática do

ilícito. Contudo, é certo que tal norma, ao aludir à “cessação da atividade nociva”,

deseja abarcar os atos nocivos suscetíveis de repetição, cujos exemplos são notórios no

plano da tutela coletiva, valendo a pena lembrar, v. g., os casos de venda de produtos

nocivos à saúde do consumidor.

<texto>A tutela inibitória pura, porém, não está consagrada no art. 11, pois esta

norma, ao referir-se à “cessação da atividade nociva”, supõe logicamente um ilícito já

ocorrido.

<texto>Se em grande parte dos casos o ilícito já foi praticado, temendo-se apenas a

sua continuação ou repetição, isto não significa que não possa haver hipóteses em que a

tutela coletiva inibitória é imprescindível na forma genuína, e assim anteriormente à

prática de qualquer ilícito.

<texto>O art. 84 do CDC, como se sabe, tem grande semelhança com o art. 461,

dispondo, no seu caput, que “na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação

de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará

providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento”.

<texto>O art. 84, como se vê, não faz a restrição do art. 11 da Lei da Ação Civil

Pública, motivo pelo qual não há razão para se discutir, hoje, a respeito da viabilidade

de uma ação coletiva inibitória pura.

<texto>Lembre-se, aliás, de que a doutrina que trata da tutela jurisdicional coletiva

afirma estar presente, no art. 83 do CDC, a fonte da tutela jurisdicional adequada. Este

artigo, ao afirmar que “para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este Código

são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva

Page 69: Tutela Inibitória - Marinoni

69

tutela”, teria cuidado de “tornar mais explícito ainda o princípio da efetiva e adequada

tutela jurídica processual de todos os direitos consagrados no Código de Defesa do

Consumidor”. 140

<texto>Ora, como há um sistema de tutela coletiva dos direitos, integrado,

fundamentalmente, pela Lei da Ação Civil Pública e pelo Código de Defesa do

Consumidor – em razão do art. 90 do CDC, que manda aplicar às ações ajuizadas com

base nesse Código as normas da Lei da Ação Civil Pública e do Código de Processo

Civil, e do art. 21 da Lei da Ação Civil Pública, que afirma que são aplicáveis às ações

nela fundadas as disposições processuais que estão no Código de Defesa do Consumidor

–, não há dúvida de que o art. 84 do CDC sustenta a possibilidade da tutela inibitória

pura para qualquer direito difuso ou coletivo.

<texto>A ação inibitória coletiva pura tem sido utilizada com certa freqüência,

sendo significativo o seu uso nas ações que, visando à proteção do meio ambiente,

impedem, v.g., que uma fábrica que ameaça agredir o meio ambiente inicie as suas

atividades.

<texto>Para a demonstração da importância da tutela inibitória no plano dos direitos

transindividuais, torna-se adequada a análise da tutela do meio ambiente, uma vez que

este é um dos lugares em que a inefetividade da tutela ressarcitória evidencia-se de

modo mais claro. Se é verdade que cresce em importância, nos últimos tempos, a

reparação específica do dano ecológico, 141

e que é necessária a responsabilização, ainda

que pelo equivalente, daquele que agride o meio ambiente, o certo é que não se pode

admitir, no campo do direito ambiental, a troca da tutela específica e preventiva do bem

tutelado pela tutela ressarcitória, sob pena de admitir-se, implicitamente, uma lógica

perversa, que justificaria o cínico “poluo, mas pago”. 142

Como é evidente, a admissão

140

Kazuo Watanabe, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor (comentado pelos autores do

anteprojeto), cit., p. 521. Ver, também, Nelson Nery Junior, Aspectos do processo civil no Código de

Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor, v. 1, p. 201. 141

Ver Mario Barcellona, Sul risarcimento del danno in forma specifica (ovvero sui limiti della c.d.

interpretazione evolutiva). Processo e tecniche di attuazione dei diritti. Napoli: Jovene, 1989, p. 615 e ss. 142

O que se deseja é deixar clara a insuficiência da tutela ressarcitória, e a importância da tutela inibitória

para a efetividade do direito ao meio ambiente. Como é óbvio, não há qualquer alusão, aqui, à idéia

contida no princípio poluidor-pagador, atualmente compreendido como aquele que pretende redistribuir

eqüitativamente as externalidades ambientais. Como diz Marcelo Abelha Rodrigues, se estes efeitos

externos negativos do mercado são suportados “pela sociedade, em prol do lucro do responsável pelo

produto (fornecedor, comerciante, fabricante etc.), que em alguma fase da cadeia de mercado é

degradante do meio ambiente ou diminui o exercício do uso comum dos componentes ambientais, nada

mais justo que todos os custos de prevenção, precaução, correção na fonte, repressão penal, civil e

administrativa que são despendidos pelo Estado (ficção jurídica representativa do povo), a quem incumbe

a gestão dos componentes ambientais, sejam suportados pelo responsável pelas externalidades

Page 70: Tutela Inibitória - Marinoni

70

da tutela ressarcitória no campo do direito ambiental não significa a aceitação da

poluição, mas objetiva evitar que o dano ecológico fique sem a devida reparação; 143

para que não ocorra a degradação do meio ambiente, é imprescindível a atuação

preventiva e, assim, a tutela inibitória. 144

<texto>Serão abordadas, nos próximos dois itens (3.15.2 e 3.15.3), algumas

questões em face da tutela do meio ambiente, cuja análise e solução podem ser

relevantes para a compreensão de outras situações de direito substancial que envolvam a

tutela inibitória no plano dos direitos transindividuais.

<texto>Por outro lado – e deixando-se o campo do direito ambiental –, será

demonstrada (item 3.15.4), em vista de sua alta importância para a proteção do

consumidor, a possibilidade da utilização da ação inibitória para impedir o uso das

chamadas cláusulas gerais abusivas, tema, aliás, que vem recebendo grande atenção nos

países da Comunidade Européia.

<a1a>3.15.2 A problemática da tutela inibitória a partir do controle dos atos do

Poder Público

<texto>Há, no direito brasileiro, responsabilidade objetiva sob a modalidade do

risco integral em caso de dano ao meio ambiente.

<texto>Afirma-se que a licença concedida pela autoridade competente, ou a

observância dos parâmetros fixados pelas normas de proteção ao meio ambiente, não

isenta o poluidor da responsabilidade civil pelo dano ambiental, argumentando-se que o

poder público não pode consentir com a agressão à saúde da população através do

controle exercido pelos seus órgãos. 145

ambientais” (Marcelo Abelha Rodrigues, Instituições de direito ambiental, São Paulo: Max Limonad,

2002, p. 143). 143

Cf. Paulo Affonso Leme Machado, Direito ambiental brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 207. 144

Como escreve Alvaro Luiz Valery Mirra, “é voz corrente na doutrina que as agressões ao meio

ambiente são em regra de difícil ou impossível reparação. Ou seja: uma vez consumada a degradação do

meio ambiente, a sua reparação é sempre incerta e, quando possível, excessivamente custosa. Daí a

necessidade de o Poder Público atuar preventivamente. E a tal ponto a idéia de prevenção se tornou

importante que a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no

Rio de Janeiro em 1992, adotou em sua declaração de princípios, o chamado princípio da precaução”

(Limites e controle dos atos do Poder Público em matéria ambiental. Ação Civil Pública. São Paulo: RT,

1995, p. 32). 145

É neste sentido a lição de Paulo Affonso Leme Machado: “A intervenção estatal no domínio ambiental

visa preservar a saúde pública e ordenar as atividades produtoras. Não se pode esquecer que muitas vezes

o Poder Público, ao baixar normas de emissão e elaborar padrões de qualidade, age em causa própria, pois

ele, Poder Público, também exerce algumas atividades iguais às dos particulares (siderurgia,

petroquímica, ...). Dessa forma, nem sempre os parâmetros oficiais são ajustados à realidade sanitária e

Page 71: Tutela Inibitória - Marinoni

71

<texto>Quando se está diante da tutela ressarcitória, é natural a preocupação de se

admitir o ressarcimento independente da “licitude da atividade”, impedindo-se, por

conseqüência, que o poluidor escape à responsabilidade sob o argumento de que a

autoridade administrativa consentiu com sua atividade. Para efeito de responsabilidade

no plano ambiental, o que interessa é o dano, pouco importando se o poluidor imagina

que foi legitimado a produzi-lo pela autoridade administrativa.

<texto>No que diz respeito à tutela inibitória são diversas as situações que podem

ocorrer. Lembre-se, de início, de que o procedimento de licenciamento ambiental, tal

qual delineado pelo Dec. 99.274/90, que regulamentou a Lei 6.938/81, é complexo e

encerra três tipos de licença: i) Licença Prévia (LP); ii) Licença de Instalação (LI); e iii)

Licença de Operação (LO).

<texto>No iter deste licenciamento tem capital relevância o estudo de impacto

ambiental, que é previsto constitucionalmente como um dos instrumentos de garantia da

efetividade do direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, tendo o perfil de

um requisito procedimental– e portanto de um pressuposto de validade146

– do ato

administrativo de licenciamento ambiental.

<texto>A Constituição Federal afirma que incumbe ao poder público “exigir, na

forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de

significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que

se dará publicidade” (art. 225, § 1.º, IV). A Resolução 001/86 do CONAMA enumera,

no seu art. 2.º, as obras e atividades que são consideradas capazes de causar significativa

degradação do meio ambiente. Este rol, segundo a doutrina, 147

é meramente

exemplificativo, cabendo ao administrador apreciar in concreto se a atividade ou a obra

ambiental decorrendo daí, que, mesmo em se observando essas normas, as pessoas e a natureza sofrem

prejuízos. Além disso, a existência das normas de emissão e os padrões de qualidade representam uma

fronteira, além da qual não é lícito passar. Mas não se exonera o produtor de verificar por si mesmo se sua

atividade é ou não prejudicial” (Direito ambiental brasileiro, cit., p. 233). Da mesma forma, José Afonso

da Silva: “Não exonera, pois, o poluidor ou degradador a prova de que sua atividade é lícita, de acordo

com as técnicas mais modernas. Lembra Helli Alves de Oliveira a doutrina da normalidade da causa e

anormalidade do resultado, que fundamenta a reparação, no caso da responsabilidade objetiva. Não libera

o responsável nem mesmo a prova de que a atividade foi licenciada de acordo com o respectivo processo

legal, já que as autorizações e licenças são outorgadas com a inerente ressalva de direitos de terceiros,

nem que exerce a atividade poluidora dentro dos padrões fixados, pois isso não exonera o agente de

verificar, por si mesmo, se sua atividade é ou não prejudicial, está ou não causando dano” (Direito

ambiental constitucional. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 216). 146

“Requisitos procedimentais são os atos que devem, por imposição normativa, preceder a um

determinado ato” (Celso Antônio Bandeira de Mello. Curso de direito administrativo, 8. ed. São Paulo:

Malheiros, 1996, p. 230). 147

José Afonso da Silva, Direito ambiental constitucional, cit., p. 199; Paulo Affonso Leme Machado,

Direito ambiental, cit., p. 135.

Page 72: Tutela Inibitória - Marinoni

72

para a qual se requer o licenciamento apresenta-se como potencialmente causadora de

significativa degradação do meio ambiente.

<texto>É importante ressaltar que da dicção do art. 225 da CF ressai, claramente,

que não há qualquer discricionariedade para a administração pública quanto a exigir ou

não o estudo de impacto ambiental na hipótese de pedido de licenciamento de atividade

ou obra potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente;

sempre que o administrador se encontrar diante de pedido de licença para atividades ou

obras com estas características, não haverá espaço para qualquer subjetividade de sua

parte quanto a exigir ou não o estudo. Trata-se, portanto, de atividade administrativa de

conteúdo148

vinculado. A análise da norma constitucional referida à luz da teoria dos

elementos, condições de validade e de existência do ato administrativo149

permite,

contudo, precisar o que estamos dizendo.

<texto>Se o comando constitucional regula de maneira vinculada o conteúdo da

atividade da administração, resta, todavia, discricionariedade ao administrador quanto

ao motivo150

do ato administrativo. No entanto, é importante enfatizar que não se trata

de discrição quanto à escolha do motivo do ato administrativo, mas apenas e tão

somente discrição quanto à identificação deste pressuposto de fato, sendo nada mais do

que uma hipótese de discricionariedade como decorrência do caráter indeterminado do

conceito “obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do

meio ambiente”. 151

148

O conteúdo do ato, conforme Celso Antônio Bandeira de Mello, “é aquilo que o ato dispõe, isto é, o

que o ato decide, enuncia, certifica, opina ou modifica na ordem jurídica. É, em suma, a própria medida

que produz a alteração na ordem jurídica. Em última instância, é o próprio ato em sua essência” (Curso de

direito administrativo, cit., p. 221). 149

Adota-se, quanto à terminologia, a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, que, atento ao fato de

que a dicção “elemento” evoca sempre a idéia de “parte componente de um todo”, distingue entre

elementos e pressupostos do ato administrativo, sendo que os pressupostos dividem-se em pressupostos

de existência e pressupostos de validade. Refere o administrativista, com total acerto, que as realidades

externas ao ato administrativo – tal qual o motivo, objeto e a finalidade – não podem ser consideradas

propriamente como seus “elementos” (Curso de direito administrativo, cit., p. 219). Observações de teor

idêntico, ainda que com eventuais diferenças de sistematização, são feitas por Pietro Virga (Il

provvedimento amministrativo. 4. ed. Milão: Giuffrè, 1972, p. 157 e ss) e Marcelo Caetano (Manual de

direito administrativo. 10. ed. Coimbra: Almedina, 1991, v. 1, p. 429). 150

“Motivo é o pressuposto de fato que autoriza ou exige a prática do ato. É, pois, a situação do mundo

empírico que deve ser tomada em conta para a prática do ato” (Celso Antônio Bandeira de Mello, op. cit.,

p. 224). 151

E nesse ponto perfilhamos, mais uma vez, o entendimento de Celso Antônio Bandeira de Mello, que

reconhece a existência de discricionariedade administrativa nos supostos normativos vazados através de

conceitos indeterminados, contrariando a orientação da moderna doutrina alemã. Para essa corrente, à

qual adere García de Enterría, a inicial indeterminação do conceito, existente ao nível da norma, sempre

se dissiparia no momento de sua aplicação ao caso concreto, pois se tais conceitos referem-se a realidades

concretas, quando de sua aplicação o conceito ou se verifica ou não se verifica. Tertium non datur, diz

Page 73: Tutela Inibitória - Marinoni

73

<texto>Este conceito – até por tratar-se de um conceito, e não de um ruído – refere-

se a um objeto da realidade, e assim sempre supõe a existência de uma zona de certeza

positiva – na qual certamente se dá o conceito – e de uma zona de certeza negativa – na

qual certamente não se dá o conceito. 152

Ora, nestas duas zonas de certeza obviamente

não se pode falar em existência de discricionariedade, pois caso se dê o conceito “obra

ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente”,

a administração terá o dever de exigir o estudo de impacto ambiental, enquanto na outra

hipótese este dever inexistirá. Será apenas naquela zona intermédia entre as duas zonas

de certeza, o chamado halo do conceito ou zona de penumbra, que existirá

discricionariedade. Como explica Celso Antônio, “a discricionariedade fica, então,

acantonada nas regiões em que a dúvida sobre a extensão do conceito ou sobre o

alcance da vontade legal é ineliminável”. 153

<texto>É fácil concluir, portanto, que há violação de legalidade na hipótese em que

o órgão licenciador do meio ambiente dispensa o estudo de impacto ambiental perante

obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio

ambiente, esteja a obra ou atividade contida ou não no rol do art. 2.º da Resolução

001/86 do CONAMA. Nesta hipótese, estando, v.g., uma indústria para se instalar, ou

mesmo pronta para começar a operar, cabe a ação inibitória.

Garcia de Enterría, que sustenta que a aplicação dos conceitos jurídicos indeterminados permite somente

uma unidade de solução justa em cada caso. Este ponto seria, enfim, o ponto de discrímen dos conceitos

indeterminados com a discricionariedade, pois esta última consistiria numa liberdade de eleição entre

várias alternativas, todas elas igualmente justas (Eduardo García de Enterría e Tomás-Ramón Fernández,

Curso de derecho administrativo, 7. ed. Madrid: Civitas, 1996, v. 1, p. 446). Este ponto de vista, não

obstante a respeitabilidade intelectual de seus defensores, não parece merecer os melhores encômios. De

fato, como ensina Celso Antônio Bandeira de Mello, “seria excessivo considerar que as expressões legais

que os designam (os conceitos imprecisos), ao serem confrontadas com o caso concreto, ganham, em todo

e qualquer caso, densidade suficiente para autorizar a conclusão de que se dissipam por inteiro as dúvidas

sobre a aplicabilidade ou não do conceito por elas recoberto. Algumas vezes isto ocorrerá. Outras não”

(Discricionariedade e controle jurisdicional. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 22). Daí concluir o

autor por último citado que “se em determinada situação real o administrador reputar, em entendimento

razoável (isto é, comportado pela situação, ainda que outra opinião divergente fosse igualmente

sustentável), que se lhe aplica o conceito normativo vago e agir nessa conformidade, não se poderá dizer

que violou a lei, que transgrediu o direito. E se não violou a lei, se não lhe traiu a finalidade, é claro que

terá procedido na conformidade do direito. Em assim sendo, evidentemente terá procedido dentro de uma

liberdade intelectiva que, in concreto, o direito lhe facultava”, que outra coisa não é senão a

discricionariedade administrativa (Celso Antônio Bandeira de Mello, Discricionariedade e controle

jurisdicional, cit., p. 23). É preciso que reste claro, contudo, que a pura e simples utilização de conceitos

indeterminados pela lei não autoriza que, aprioristicamente, afirme-se existir uma hipótese de

discricionariedade. Na verdade, a presença de conceitos indeterminados nas normas que regulam a

atuação da administração significa apenas a existência de uma discricionariedade que pode ser dita

potencial, latente. Uma coisa é a discricionariedade abstratamente vista, ao nível da norma; outra, a

discricionariedade no caso concreto. 152

Fernando Sainz Moreno, Conceptos jurídicos, interpretación y discricionariedad administrativa. 4. ed.

Madrid: Civitas, 1976, p. 70-71. 153

Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de direito administrativo, cit., p. 560.

Page 74: Tutela Inibitória - Marinoni

74

<texto>O mesmo ocorre quando o estudo de impacto ambiental não atende ao

preceituado nos arts. 5.º e 6.º da Resolução 001/86 do CONAMA. De acordo com a

doutrina, vale para o Brasil, nesse último caso, “a lúcida orientação da jurisprudência

dos tribunais administrativos franceses: um EIA [Estudo de Impacto Ambiental] que

não contempla todos os pontos mínimos do seu conteúdo, previstos na regulamentação,

é um estudo inexistente; e um EIA que não analisa de forma adequada e consistente

esses mesmos pontos é um estudo insuficiente. E tanto num caso (inexistência do EIA)

quanto no outro (insuficiência do EIA) o vício que essas irregularidades acarretam ao

procedimento do licenciamento é de natureza substancial. Conseqüentemente,

inexistente ou insuficiente o estudo de impacto, não pode a obra ou a atividade ser

licenciada, e se, por acaso, já tiver havido o licenciamento, este será inválido”. 154

<texto>Se o estudo de impacto ambiental não vincula a administração, 155

pode esse

estudo concluir, por exemplo, que um empreendimento não deve ser implantado e a

autoridade administrativa ainda assim conceder o licenciamento solicitado. É claro que

o administrador terá de justificar muito bem a sua decisão, demonstrando as razões

pelas quais não acatou o estudo científico. Se a licença é concedida, e inicia-se a fase de

implantação, é óbvio que, em tese, podem ser causados danos ao meio ambiente. Se tais

danos forem provocados, responde o empresário objetivamente, pouco importando se

obteve a licença ambiental para exercer a sua atividade.

<texto>Entretanto, se no plano do direito ambiental deseja-se a prevenção, e não a

reparação, não é de grande valia teorizar a respeito da responsabilidade do poluidor,

sendo muito mais relevante pensar na tutela inibitória do ato lesivo ao meio ambiente.

156

<texto>O estudo de impacto ambiental é um requisito procedimental do ato

administrativo de licenciamento ambiental, tendo grande importância para a sua

motivação; este estudo contém as razões que devem ser levadas em conta pelo

154

Alvaro Luiz Valery Mirra, Limites e controle dos atos do Poder Público em matéria ambiental. Ação

civil pública, cit., p. 51. 155

Neste sentido, Paulo Affonso Leme Machado, Direito ambiental brasileiro, cit., p. 133; Alvaro Luiz

Valery Mirra, Limites e controle dos atos do Poder Público em matéria ambiental. Ação civil pública, cit.,

p. 52. 156

Como lembra Antonio Herman V. Benjamin, “a tutela do meio ambiente, através de longa evolução,

ultrapassou a fase repressivo-reparatória, baseada fundamentalmente em normas de responsabilidade

penal e civil, até atingir o estágio atual em que a preocupação maior é com o evitar e não com o reparar

ou o reprimir” (Antonio Herman V. Benjamin, A principiologia do estudo prévio de impacto ambiental e

o controle da discricionariedade administrativa. Estudo prévio de impacto ambiental. São Paulo: RT,

1993, p. 77).

Page 75: Tutela Inibitória - Marinoni

75

administrador no momento do licenciamento. Como já foi dito, se o administrador

diverge da conclusão do estudo de impacto ambiental, ele terá de demonstrar as razões

que o levaram a optar por uma solução diversa. É a motivação do ato que, quando em

desacordo com a finalidade da norma, abre oportunidade para a impugnação judicial do

licenciamento e, destarte, à tutela inibitória. 157

<texto>Se o processo de licenciamento tem como escopo a preservação e a

conservação do meio ambiente (art. 2.º, caput, da Lei 6.938/81), a atuação dos órgãos

administrativos não pode conduzir a um fim dele distinto. Havendo um efetivo

descompasso entre a decisão administrativa e a finalidade da norma – que é a

preservação e a conservação do meio ambiente – é cabível a tutela inibitória, já que o

ato administrativo concessivo da licença está acoimado de vício de desvio de poder. 158

<texto>Note-se, além disso, que é possível a inibição de um ato do próprio órgão

licenciador, como pode acontecer, por exemplo, no caso em que é concedida a licença

prévia sem a exigência do estudo de impacto ambiental, tratando-se de obra ou atividade

potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente. Nesta

hipótese, em vista da ilegalidade já praticada, é possível requerer a tutela jurisdicional

para impedir uma nova violação, que se daria com a concessão da licença subseqüente.

<texto>O fato de a primeira ilegalidade poder ser atacada jurisdicionalmente não

retira o interesse de agir na inibição da concessão da licença de instalação. Ainda que

seja possível a suspensão dos efeitos da licença prévia na ação destinada à sua

impugnação, isto não elimina o direito à tutela que objetiva apenas inibir a concessão da

Licença de Instalação.

<a1a>3.15.3 A tutela inibitória em caso de omissão do Poder Público

<texto>Há, ainda, casos em que o administrador se omite em relação a seus deveres,

157

Alvaro Luiz Valery Mirra, Limites e controle dos atos do Poder Público em matéria ambiental. Ação

civil pública, cit., p. 52. 158

Eduardo García de Enterría define com perfeição: “Al configurar la potestad, la norma, de manera

explícita o implícita, le asigna un fin específico, que por de pronto es siempre un fin público, pero que se

matiza significativamente en cada uno de los sectores de actividad o institucionales como un fin

específico. El acto administrativo, en cuanto es ejercicio de una potestad, debe servir necesariamente a

ese fin típico, e incurrirá en vicio legal si se aparta de él o pretende servir una finalidad distinta aun

cuando se trate de otra finalidad pública” (Curso de derecho administrativo, v. 1, cit., p. 530). Da mesma

forma, Hely Lopes Meirelles: “Não se compreende ato administrativo sem fim público. (...) A finalidade

do ato administrativo é aquela que a lei indica explícita ou implicitamente. Não cabe ao administrador

escolher outra, ou substituir a indicada na norma administrativa, ainda que ambas colimem fins públicos.

Nesse particular, nada resta para escolha do administrador, que fica vinculado, integralmente à vontade

legislativa” (Direito administrativo brasileiro. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 1989, p. 128-129).

Page 76: Tutela Inibitória - Marinoni

76

deixando, por exemplo, de atuar através de medidas necessárias à proteção do meio

ambiente.

<texto>Em vista do art. 208 da Constituição do Estado de São Paulo – que veda o

lançamento de efluentes e esgotos urbanos e industriais, sem o devido tratamento, em

qualquer corpo de água –, discutiu-se a respeito da possibilidade de se obrigar um

Município, inclusive sob cominação de multa, a tratar dos efluentes advindos da rede

pública de coleta de esgotos. 159

<texto>Rodolfo de Camargo Mancuso, na obra Ação civil pública, relaciona uma

sentença do Juízo da 5.ª Vara Cível da Comarca de Sorocaba que, ao apreciar ação civil

pública proposta pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, impôs à Prefeitura

Municipal de Sorocaba a obrigação de submeter a prévio tratamento todos os efluentes

advindos da rede pública de coleta de esgotos urbanos, antes de seu lançamento ao Rio

Sorocaba ou qualquer de seus tributários, diretos ou indiretos. 160

<texto>O argumento que poderia ser invocado contra essa sentença seria o de que o

Poder Judiciário estaria interferindo nas opções de ordem técnica e política da

Administração e colocando em risco, por conseqüência, o princípio da separação dos

poderes. 161

<texto>É preciso lembrar, entretanto, que a própria Constituição da República

afirma que: i) o meio ambiente ecologicamente equilibrado é bem de uso comum do

povo e essencial à sadia qualidade de vida; ii) todos têm direito ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado; iii) cabe ao Poder Público e à coletividade o dever de

defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (art. 225, caput). 162

<texto>Ora, se o meio ambiente é considerado bem de uso comum do povo, e se o

Poder Público e a coletividade têm o dever de defendê-lo, não há razão para não se

admitir que o Ministério Público – ou qualquer outro legitimado à ação coletiva – possa

recorrer ao Judiciário para obrigar a Administração a agir, quando a sua atividade,

159

Alvaro Luiz Valery Mirra, Limites e controle dos atos do Poder Público em matéria ambiental. Ação

civil pública, cit., p. 54 e ss. 160

Rodolfo de Camargo Mancuso, Ação civil pública. São Paulo: RT, 1996, p. 281 e ss. 161

Alvaro Luiz Valery Mirra, Limites e controle dos atos do Poder Público em matéria ambiental. Ação

civil pública, cit., p. 55. 162

Sobre a tutela do meio ambiente mediante ação civil pública, ver, ainda, Antônio Herman V.

Benjamin, A insurreição da aldeia global contra o processo civil clássico. Apontamentos sobre a opressão

e a libertação judiciais do meio ambiente e do consumidor. Ação civil pública. São Paulo: RT, 1995, p. 70

e ss; Celso Antonio Pacheco Fiorillo, Ação civil pública e a defesa dos direitos constitucionais difusos.

Ação civil pública. São Paulo: RT, 1995, p. 163 e ss.

Page 77: Tutela Inibitória - Marinoni

77

prevista em lei, é essencial à preservação do meio ambiente.

<texto>A observação feita por Afonso Rodrigues Queiró, no sentido de que o não

agir também é uma ação e, em muitos casos, a única forma idônea para se atingir o

interesse público, 163

é de todo pertinente. Toda vez que a Administração atua de forma

negativa, abstendo-se de tomar um comportamento ao qual está obrigada por lei, abre

margem para que a sua atuação seja questionada e corrigida através da via jurisdicional.

<texto>Sempre que a lei regula de forma vinculada a atuação administrativa,

obrigando a Administração a um determinado comportamento, não se pode falar em

insindicabilidade dessa atuação, justamente porque, existindo o dever de atuar, não há

margem para qualquer consideração de ordem técnica e política. Com total acerto diz

Eisenmann que a exigência de legalidade da atuação da administração pública não se

compraz com a mera não contradição da atuação com a lei, exigindo, na verdade, plena

conformidade entre elas; 164

sendo assim, e se há uma norma no sistema que estabelece

para a Administração o dever de agir em determinada situação, o descumprimento do

dever é pura e simplesmente violação de lei, como tal passível de corrigenda pelo Poder

Judiciário. 165

<texto>A questão problematiza-se, contudo, quando, em vez de um dever, a norma

estabelece para o administrador uma faculdade, ou seja, uma competência discricionária

em vez de uma competência vinculada, possibilitando-lhe decidir, diante do caso

concreto, entre agir e não agir. Porém, mesmo em tais hipóteses, não se pode

aprioristicamente afirmar a impossibilidade de apreciação jurisdicional da decisão

administrativa que eventualmente opte pelo não agir.

<texto>É que os órgãos da Administração, como se sabe, exercem função, o que em

Direito designa a situação subjetiva passiva em que se encontra aquele a quem se atribui

um dever a ser cumprido no interesse de outrem, outorgando-se-lhe,

163

Afonso Rodrigues Queiró, A teoria do “desvio de poder” em direito administrativo. Revista de Direito

Administrativo, v. 6, p. 59. 164

Charles Eisenmann, O direito administrativo e o princípio da legalidade. Revista de Direito

Administrativo, v. 56, p. 67. 165

Miguel Seabra Fagundes, em obra clássica no direito brasileiro, ensina que direitos subjetivos públicos

são todos aqueles em razão dos quais o administrado pode exigir do Estado uma prestação positiva ou

negativa (O controle dos atos administrativos pelo poder judiciário. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1984, p.

145), ensinando também que a Administração Pública pode violar tais direitos seja por ações, seja por

omissões (op. cit., p. 149). Conclui, então, o saudoso Ministro que em todos os casos de violação o

administrado pode recorrer ao Poder Judiciário para obter, conforme o caso, “a) a prática em espécie da

prestação devida (dar, fazer ou não fazer); b) a reparação posterior do dano causado pela violação do

direito” (op. cit., p. 150).

Page 78: Tutela Inibitória - Marinoni

78

concomitantemente, os poderes instrumentais ao seu cumprimento. Essa é a lição de

Celso Antônio, que com absoluto acerto afirma que não se pode considerar como eixo

metodológico do Direito Público o poder, mas sim o dever. 166

<texto>Mas se os órgãos da Administração exercem função, todos os poderes e

todas as faculdades que lhes são outorgados não o são para que deles estes órgãos façam

o uso que quiserem. Todos os poderes e faculdades de que eles dispõem têm uma

finalidade serviente dos deveres que lhes são cometidos e só em nome do atendimento

destes podem ser exercitados. E o que se está dizendo aplica-se, obviamente, às

competências discricionárias. 167

<texto>Portanto, se a norma regula determinado comportamento da Administração

de maneira discricionária, não é por simples opção entre assim fazê-lo ou fazê-lo

vinculadamente. A lei não é ato aleatório. 168

Quando o legislador regula

discricionariamente o comportamento da administração, é porque lhe era impossível

prefigurar qual o comportamento administrativo que melhor atenderia à finalidade da

norma, pois de outra forma a lei certamente se expressaria em termos de vinculação do

comportamento. Quando é possível ao legislador saber de antemão qual o

comportamento que melhor atenderá à finalidade da norma, ele regula a matéria de

forma vinculada e torna tal comportamento obrigatório. Só se regula determinada

matéria discricionariamente quando não é possível saber qual o comportamento que

melhor atenderá à finalidade legal, e, desta maneira, muito mais do que eventual

liberdade de escolha, surge para o administrador o dever de atuar de forma a que a

finalidade da lei seja atendida, com a escolha da melhor solução possível diante do caso

concreto. O administrador tem o dever jurídico de adotar, sempre, a melhor solução,

porque, como já se disse, exerce função. 169

<texto>Assim é que se pode dizer, tal qual se fez quanto aos conceitos jurídicos

indeterminados, que a eventual existência de discricionariedade ao nível da norma não

significa a sua subsistência diante do caso concreto. As peculiaridades do caso concreto

podem ser tais que toda margem de liberdade eventualmente conferida pela norma

desapareça, surgindo apenas uma solução de aplicação da norma como prestante ao

atendimento da finalidade legal. Além disso, hipóteses outras haverá nas quais as

166

Celso Antônio Bandeira de Mello, Discricionariedade e controle jurisdicional, cit., p. 13-14. 167

Idem, ibidem, p. 13-14. 168

Idem, ibidem, p. 14. 169

Celso Antônio Bandeira de Mello, Discricionariedade e controle jurisdicional, cit., p. 32 e ss.

Page 79: Tutela Inibitória - Marinoni

79

peculiaridades do caso concreto, não obstante não se apresentarem suficientes para

indicar qual a única solução correta, serão bastantes para indicar que um dado

comportamento administrativo certamente não atende à finalidade legal.

<texto>Daí decorre uma conclusão de fundamental importância: se os órgãos

administrativos, exercitando competências com aspectos discricionários, têm o dever

jurídico de sempre buscar e adotar o comportamento que melhor atenda às finalidades

da norma de competência, não se pode falar em insindicabilidade dessa atuação

discricionária. Com efeito, o Poder Judiciário sempre poderá confrontar a atuação

administrativa com as circunstâncias que concretamente se apresentaram e analisar a

legalidade da decisão tomada. Caso as referidas circunstâncias de fato revelem que a

providência que melhor atenderia à finalidade da norma não foi escolhida pelo agente

administrativo, sua atuação deverá ser anulada, e não se pode aí dizer que houve invasão

do mérito do ato administrativo. Se as circunstâncias do caso concreto apontam para a

existência de uma única solução ótima, ou se deixam evidente que a solução

concretamente adotada não é a solução ótima, houve violação à legalidade e, portanto,

não se pode falar em insindicabilidade do mérito do ato. 170

<texto>É justamente por isto que se pode dizer que, mesmo nos casos em que a

norma confere aos órgãos administrativos a mais lata discricionariedade, que é aquela

que lhes possibilita decidir entre agir e não agir, 171

há possibilidade de apreciação

jurisdicional do comportamento efetivamente adotado, seja ele positivo ou negativo,

sendo possível sua correção pelo Poder Judiciário sempre que as circunstâncias do caso

concreto permitirem concluir que não foi adotada a melhor solução de aplicação da

norma em vista das finalidades em nome das quais a competência foi conferida ao órgão

administrativo.

<texto>É claro que, no confronto da atuação administrativa com as peculiaridades

do caso concreto, certas vezes não se poderá dizer com certeza qual é a solução de

aplicação ideal, e se nestes casos a solução adotada pelo administrador encontrar-se

como razoável e admissível, o Poder Judiciário não poderá revisá-la. Aí ter-se-á,

realmente, uma decisão de mérito, porque comportada abstratamente pela norma e

aceitável no caso concreto. 172

170

Idem, ibidem, p. 36 e ss. 171

Afonso Rodrigues Queiró, A teoria do “desvio de poder” em direito administrativo, Revista de Direito

Administrativo, v. 6, p. 58. 172

Celso Antonio Bandeira de Mello, Discricionariedade e controle jurisdicional, cit., p. 36 e ss.

Page 80: Tutela Inibitória - Marinoni

80

<texto>De qualquer forma, não há dúvida de que a omissão dos órgãos

administrativos pode ser questionada através da adequada tutela jurisdicional. Sabe-se

que para uma melhor gestão da coisa pública é imprescindível uma participação mais

intensa do cidadão no poder; não é por outra razão que a Constituição da República

afirma, logo no § 1.º do seu art. 1.º, que “todo o poder emana do povo, que o exerce por

meio de representantes eleitos ou diretamente”, nos termos da própria Constituição. 173

<texto>No atual Estado Democrático de Direito, a participação do particular na

Administração Pública supera as antigas formas de mera delegação do Poder Público,

característica do Estado Liberal Clássico, e de colaboração através de atividade paralela,

característica do Estado Social de Direito, e se dá na forma de participação direta na

gestão e no controle da Administração Pública, destacando-se como meio mais eficaz o

recurso ao Poder Judiciário. 174

<texto>A estruturação da ação coletiva está ligada à idéia de Democracia

Participativa, que é o resultado de uma visão crítica da Democracia Social a partir da

necessidade de participação do cidadão na gestão do bem comum. 175

Se não há

qualquer dúvida de que o povo precisa participar das decisões que envolvam o seu

destino, para que esta participação possa frutificar é necessária a estruturação de

instrumentos de participação enquanto institutos jurídicos. 176

<texto>A ação coletiva é relevante instrumento de participação, já que o cidadão,

em face das peculiaridades da sociedade de massa, não tem condições de reivindicar e

participar isoladamente. 177

O ambientalista isolado encontra-se sempre em uma posição

de desvantagem diante do empresário que polui em larga escala ou mesmo do Poder

Público; somente organizando-se, e assim unindo as próprias forças, é que as vítimas de

um dano (ou de um provável dano) ambiental poderão contrapor-se à potência de uma

173

Como ressalta Clèmerson Merlin Clève, “vivemos, hoje, um momento em que se procura somar a

técnica necessária da democracia representativa com as vantagens oferecidas pela democracia direta” (O

cidadão, a administração pública e a nova Constituição. Revista de Informação Legislativa, v. 106, p. 83). 174

Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Participação popular na administração pública. Revista Trimestral de

Direito Público, v. 1, p. 133 e 137. 175

É preciso, como diz Canotilho, “democratizar a democracia” através da participação, intensificando-se

a “otimização das participações dos homens no processo de decisão” (José Joaquim Gomes Canotilho,

Direito constitucional. Coimbra: Almedina, 1989, p. 365). 176

Elival da Silva Ramos, A ação popular como instrumento de participação política. São Paulo: RT,

1991, p. 63. 177

Luiz Guilherme Marinoni, Novas linhas do processo civil, cit., p. 102.

Page 81: Tutela Inibitória - Marinoni

81

grande empresa ou à força da Administração Pública. 178

<texto>A participação na gestão ambiental através da ação coletiva é justificada

pelo próprio direito do cidadão ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225,

caput, da Constituição da República). Na verdade, se o Estado-Administração também

tem o dever de zelar pelo meio ambiente, ele deveria ficar agradecido ao cidadão que,

exercendo a ação através das associações legitimadas, aponta a omissão que deve ser

suprida para que o meio ambiente não seja degradado. 179

<texto>Já passou a época em que as preocupações estavam centradas na defesa,

através de um adequado sistema de garantias, das liberdades do cidadão. O problema,

atualmente, não é mais tutelar o indivíduo em relação ao Estado, mas garantir a sua

justa inserção na sociedade, mediante a tutela dos interesses e das necessidades

fundamentais a uma organização social justa e equilibrada.

<texto>É natural, assim, que se dê mais atenção às necessidades sociais, que fazem

aparecer os “direitos do cidadão”, exigindo do Estado políticas públicas voltadas a seu

implemento. Como corolário disso, passam a valer menos as normas que proclamam

direitos e mais as ações concretas, da própria Administração, voltadas à execução de

programas de ação, ou seja, de políticas públicas. 180

Ora, se o Estado contemporâneo

deve atingir as metas impostas para a realização das necessidades sociais, e se o cidadão

pode participar das decisões, apontando os desvios na gestão da coisa pública, não se

compreende como se possa afirmar que a ação coletiva, ao exigir a observância de um

dever para o atingimento de um fim que não pode ser desconsiderado pelo Estado-

Administração, possa significar uma interferência inconcebível do Judiciário na esfera

do Poder Executivo.

<texto>Note-se que a Jurisdição, em razão da ação coletiva, não cria políticas

ambientais, mas apenas impõe aquelas já estabelecidas na Constituição ou na lei. 181

Na

verdade, e para voltarmos novamente ao exemplo mencionado no início desse item, não

178

Mauro Cappelletti, Problemas de reforma do processo civil nas sociedades contemporâneas. O

processo civil contemporâneo. Curitiba: Juruá, 1994, p. 17. Consultar, ainda, José Carlos Barbosa

Moreira, Dimensiones sociales del proceso civil. RePro 45, p. 140. 179

Rodolfo de Camargo Mancuso, Ação civil pública: Instrumento de participação na tutela do bem

comum. Participação e processo. São Paulo: RT, 1988, p. 197. Ver, ainda, Massimo Villone, La

collocazione istituzionale dell’interesse diffuso. La tutela degli interessi diffusi nel diritto comparato.

Milano: Giuffrè, 1976, p. 73. 180

Ver Alvaro Luiz Valery Mirra, Limites e controle dos atos do Poder Público em matéria ambiental.

Ação civil pública, cit., p. 56. 181

Idem, ibidem, p. 57.

Page 82: Tutela Inibitória - Marinoni

82

há qualquer fundamento plausível para se dizer que a sentença que obrigou a

municipalidade de Sorocaba a submeter a prévio tratamento todos os efluentes advindos

da rede pública de coleta de esgotos, interferiu nas opções de ordem técnica e política da

Administração municipal.

<texto>Se é importante a realização concreta do conteúdo inserido nas normas que

estabelecem deveres à Administração, é fundamental a existência de um processo que

permita ao cidadão obrigar a Administração a observar as normas que são ditadas em

nome das exigências sociais. 182

<texto>Eduardo Talamini critica a idéia de que a ação inibitória possa viabilizar a

imposição de fazer. Supõe que a ação que determina um fazer, no caso de omissão da

Administração Pública, seria uma simples ação relativa à tutela de um dever de fazer, e

não ação inibitória. 183

<texto>Portanto, é necessário esclarecer. Se o processo serve para permitir a

obtenção da tutela do direito, e o direito material, visando à prevenção do meio

ambiente, confere ao Poder Público determinado dever, é evidente que a ação

processual, ao tomar em consideração este dever, objetiva fazer atuar uma norma de

conteúdo preventivo, e assim visa evitar que uma omissão ilícita se perpetue como fonte

de danos.

<texto>A não-ação, quando o Estado possui dever de atuar para evitar violação de

direito, configura “ação” que precisa ser suprimida para que a fonte dos danos não fique

aberta. O ilícito, assim como a fonte dos danos que não foi secada em virtude da

omissão, se perpetua no tempo, constituindo um não agir continuado. A tutela

jurisdicional que objetiva obrigar a Administração a praticar o ato necessário para que o

ilícito não se perpetue, possui natureza inibitória. Não há dúvida que esta tutela

jurisdicional determina o adimplemento de um dever. Mas se o próprio dever possui

conteúdo preventivo, a ação voltada a efetivá-lo logicamente presta tutela inibitória, ou 182

Como já dissemos, a efetividade da participação através das ações coletivas “certamente caminhará na

razão proporcional direta da organização de entidades civis destinadas a lutar pelos direitos difusos e

coletivos. A proliferação das chamadas ‘organizações não-governamentais’, conhecidas como ‘ONGs’,

hoje, segundo levantamentos, em número superior a 5.000 no país, é reflexo salutar de uma maior

participação política e da expansão do conceito de cidadania” (Luiz Guilherme Marinoni, Efetividade do

processo e tutela de urgência, cit., p. 10). É inegável, porém, que o número de associações realmente

representativas depende de uma efetiva e madura organização da sociedade civil; é por isso que ainda é

importante a atuação do Ministério Público. Marcos Bittencourt Fowler, em recente dissertação

apresentada no Curso de Mestrado em Direito da UFPR, demonstrou a importância da atuação do

Ministério Público na defesa dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos (A legitimação

para agir do Ministério Público na ação civil pública, Dissertação, Curso de Mestrado, UFPR, 1997). 183

Eduardo Talamini, Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer, São Paulo: RT, 2001, p. 232.

Page 83: Tutela Inibitória - Marinoni

83

melhor, a própria prevenção constante na norma ignorada.

<texto>Quem não raciocina com a distinção entre dano e ilícito, realmente não tem

condições de pensar em ilícito que se perpetua como fonte de danos. O não

cumprimento de um dever legal por parte da Administração, necessário para evitar a

degradação do meio ambiente, evidentemente não se exaure em um único momento,

mas se perpetua no tempo. A distinção entre ato contrário ao direito (ilícito) e fato

danoso permite enxergar que a simples violação de um dever pode abrir ensejo a danos,

na medida em que a omissão ilícita caminha no tempo. Assim, em um caso como este, a

ação não é voltada contra um ilícito que já se exauriu, mas sim contra uma ação ilícita.

<texto>Tanto é verdade que, se depois de violado o dever, a Administração realizar

o ato, não haverá simples outorga de ressarcimento, mas evitar-se-á que novos danos

sejam ocasionados. A prática deste ato não configura simples observância de um dever

(destituído de conteúdo), mas sim o cumprimento de dever instituído com nítida

finalidade de prevenção. O próprio direito material, nesta hipótese, impondo dever ao

Poder Público, objetiva conferir prevenção ao meio ambiente.

<texto>Note-se que a doutrina, ao tratar do direito ambiental, fala expressamente na

omissão estatal que, deixando de praticar medidas necessárias à qualidade do meio

ambiente, abre oportunidade para que sejam produzidos danos ambientais. Como diz

Álvaro Luiz Valery Mirra, “a prática tem revelado inúmeras situações em que o Poder

Público, notadamente a Administração, deixa de agir, omite-se no cumprimento do seu

dever de adotar as medidas necessárias à proteção de bens e recursos ambientais,

causando com isso diretamente danos ao meio ambiente ou permitindo que degradações

ambientais se concretizem”. 184

<texto>Como se vê, a doutrina que lida mais de perto com os efeitos da omissão do

Estado, evidencia de forma clara a distinção entre esta omissão – e assim a necessidade

de sua supressão – e os danos que ela pode ocasionar. Sempre que a omissão ilícita tiver

que ser suprimida para que danos não sejam produzidos, a ação objetivará impedir a

continuação do ilícito.

<texto>Neste caso, a ação coletiva voltada a obrigar a Administração a cumprir o

seu dever é, evidentemente, uma ação coletiva inibitória, a qual é utilizada com muita

freqüência na prática forense, especialmente pelo Ministério Público. Ora, se o

184

Álvaro Luiz Valery Mirra, Ação civil pública e reparação do dano ao meio ambiente, São Paulo:

Juarez de Oliveira, 2002, p. 367.

Page 84: Tutela Inibitória - Marinoni

84

processo, no caso, visa dar efetividade à norma que objetiva garantir a inviolabilidade

do meio ambiente, não há como negar que a prestação jurisdicional buscada constitui

tutela inibitória.

<a1a>3.15.4 A tutela coletiva do consumidor contra o uso de cláusulas gerais

abusivas

<texto>Com a sociedade de consumo surge a necessidade de contratação em massa

e, assim, a padronização dos contratos, indispensável para a economia de custos e para a

agilização do comércio jurídico. Esta modalidade de contratação se dá através de

formulários com cláusulas preestabele-cidas, 185

que não são efetivamente discutidas. 186

<texto>Trata-se de uma contratação que é feita por adesão. O art. 54, caput, do

CDC, define como contrato de adesão “aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas

pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de

produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar

substancialmente seu conteúdo”.

<texto>Não se pode separar o contrato de adesão, na implementação da contratação

em massa, das chamadas cláusulas gerais dos contratos, que têm sido amplamente

utilizadas nos contratos bancários, de seguros, de planos de saúde, de consórcios etc. 187

Estas cláusulas, que também têm os atributos do preestabelecimento, unilateralidade da

estipulação, uniformidade e rigidez, são marcadas pela “abstração”, o que significa que

têm por fim permitir que qualquer pessoa possa a elas aderir, de modo que a contratação

possa realmente se dar em larga escala. 188

<texto>Não há dúvida que estas cláusulas, por serem preestabelecidas pelo

estipulante para que o consumidor (a parte mais fraca da relação contratual) as aceite

sem qualquer discussão, podem ser abusivas e, portanto, lesivas a seus direitos. A

185

De acordo com Clóvis do Couto e Silva, “em decorrência da industrialização, as empresas

racionalizaram seus serviços, o que apontou para a necessidade de fazer-se o mesmo com os próprios

contratos, de modo a se poder ter uma idéia exata do seu futuro desenvolvimento. Em razão desse fato,

surgiu o hábito de se determinarem, por antecipação, as cláusulas dos futuros negócios jurídicos, o que

alguns juristas denominaram de ‘condições gerais dos negócios’ (Algemeine Geschäftsbedingungen ou

AGB)” (O princípio da boa-fé e as condições gerais dos negócios. Condições gerais dos contratos

bancários e a ordem econômica. Curitiba: Juruá, 1988, p. 29). 186

Ver Atílio Aníbal Alterini, Os contratos de consumo e as cláusulas abusivas. Direito do Consumidor

15, p. 17; Nelson Nery Junior, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. Rio de Janeiro: Forense

Universitária, 1991, p. 287-288. 187

Nelson Nery Junior, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, p. 290. 188

Idem, ibidem, p. 291.

Page 85: Tutela Inibitória - Marinoni

85

doutrina brasileira define como abusiva a cláusula que é notoriamente desfavorável à

parte mais fraca no contrato e, portanto, ao consumidor. 189

<texto>O Código de Defesa do Consumidor, através do seu art. 51, teve o cuidado

de enumerar uma série de cláusulas abusivas, 190

submetendo-as ao regime da nulidade

de pleno direito. 191

Trata-se, contudo, de um rol não exaustivo, não só porque o art. 51,

caput, alude a outras cláusulas que podem ser abusivas, como também porque o inc. XV

deste artigo fala expressamente em cláusulas que “estejam em desacordo com o sistema

de proteção ao consumidor”. 192

<texto>De acordo com o art. 6.º, IV, do CDC, constitui direito do consumidor a

proteção contra “práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos

e serviços”. O mesmo artigo, no seu inc. VI, afirma que é direito do consumidor “a

efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e

difusos”.

<texto>Se é certo que o consumidor tem o direito de ser protegido contra “cláusulas

abusivas”, e se não há dúvida que ele também tem o direito à tutela preventiva, é difícil

compreender a razão pela qual o parágrafo único do art. 83 do CDC foi vetado. Este

parágrafo admitia, expressamente, “ação visando o controle abstrato e preventivo das

cláusulas contratuais gerais”.

<texto>O referido veto, contudo, não tem o condão de eliminar a necessidade e a

possibilidade de tutela que impeça a difusão de cláusulas gerais abusivas. Como observa

Watanabe, o parágrafo vetado continha uma norma redundante, pois o art. 83, caput,

deixa claro que são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar a

adequada e efetiva tutela dos direitos e interesses protegidos pelo Código de Defesa do

Consumidor. 193

189

Idem, ibidem, p. 334. 190

O art. 1.469-bis, introduzido no Código Civil italiano em atenção à Diretiva 93/13 do Conselho das

Comunidades Européias “concernente às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os

consumidores”, afirma que “nel contratto concluso tra il consumatore ed il professionista, che ha per

oggetto la cessione di beni o la prestazione di servizi, si considerano vessatorie le clausole che, malgrado

la buona fede, determinano a carico del consumatore un significativo squilibrio dei diritti e degli obblighi

derivanti dal contratto”. 191

Ver Cláudia Lima Marques, Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 2. ed. São Paulo: RT,

1995, p. 295 e ss. 192

Idem, ibidem, p. 296. 193

“O parágrafo continha uma norma até redundante, pois o caput do art. 83, com a amplitude acima

indicada, já possibilitava a propositura da ação ali mencionada. O que se procurou deixar claro é que,

relativamente às cláusulas contratuais gerais, cabe a tutela jurisdicional preventiva, na linha do princípio

da efetiva prevenção de danos afirmado no inc. VI do art. 6.º do Código. Talvez o uso da expressão

Page 86: Tutela Inibitória - Marinoni

86

<texto>Lembre-se que os contratos de adesão dizem respeito, em regra, a produtos e

serviços essenciais, o que lhes confere uma ampla relevância social. 194

Pense-se, por

exemplo, nos “planos de saúde”, aos quais, em face da falência da previdência social, o

consumidor é praticamente obrigado a aderir. Não tem cabimento supor que o

consumidor, necessitando efetuar um plano de saúde, um seguro, ou movimentar uma

conta bancária, tenha que se submeter a uma cláusula abusiva para apenas depois ter a

oportunidade de discuti-la em juízo. É óbvio que a tutela repressiva não é adequada a

estes casos.

<texto>Como reconhece Nelson Nery Junior, a proteção contra cláusulas abusivas é

um dos mais importantes instrumentos de defesa do consumidor, importância que avulta

em razão da multiplicação dos contratos de adesão, concluídos com base nas cláusulas

contratuais gerais. 195

Não é muito eficaz, porém, tutelar o consumidor após a aplicação

da cláusula abusiva, já que neste caso o direito já terá sido violado. Além disto, a

abusividade pode fazer com que o consumidor, que necessite satisfazer um interesse que

não pode ser atendido de outro modo, seja obrigado a aceitar calado a impossibilidade

de usufruir de produtos e serviços essenciais para a sua vida.

<texto>Pouco adianta tratar das cláusulas abusivas sem se pensar em uma tutela

coletiva inibitória capaz de impedir a sua difusão. Uma das questões mais importantes

em termos de tutela jurisdicional, nos países da Comunidade Européia, é justamente a

da tutela que tem por fim inibir o uso de cláusulas gerais reputadas abusivas ao público

consumidor. O Código Civil italiano, aliás, em razão da Diretiva 93/13 do Conselho das

Comunidades Européias “concernente às cláusulas abusivas nos contratos celebrados

com os consumidores”, recebeu, em fevereiro de 1996, uma norma (art. 1.469-sexies)

que confere legitimidade às associações e às câmaras de comércio, indústria, artesanato

‘controle abstrato’ tenha assustado o Executivo. A expressão completa é ‘controle abstrato e preventivo’,

o que significa que a tutela processual preventiva somente poderá ser postulada em relação a determinado

contrato que um fornecedor esteja em vias de ofertar ou mesmo tenha já ofertado ao público. O escopo do

processo preventivo será a proteção de todos os consumidores coletivamente considerados e que ainda

não tenham concluído qualquer contrato com o fornecedor. A tutela prevista no § 3.o (nova numeração,

em razão do veto do parágrafo anterior) do art. 51 do Código, é de natureza repressiva, e que diz respeito

aos consumidores que já celebraram o contrato, portanto não consagra a mesma proteção do dispositivo

vetado” (Kazuo Watanabe, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, p. 522-523). No mesmo sentido

Nelson Nery Junior, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, p. 302; Luiz Renato Topan, Do

controle prévio e abstrato dos contratos de adesão pelo Ministério Público. Direito do consumidor, v. 6, p.

161 e ss. 194

Ver Luiz Renato Topan, Do controle prévio e abstrato dos contratos de adesão pelo Ministério Público,

Direito do consumidor, v. 6, p. 158. 195

Nelson Nery Junior, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, p. 296.

Page 87: Tutela Inibitória - Marinoni

87

e agricultura para requerer tutela inibitória contra o uso de cláusulas gerais abusivas. 196

Como explica Filippo Danovi, o legislador introduziu uma nova e específica forma de

ação inibitória, que defere especificamente aos sujeitos – que devem ser titulares dos

interesses a proteger – a possibilidade de agir em juízo para eliminar os perigos de uma

generalizada difusão de cláusulas abusivas (vexatórias). 197

<texto>De acordo com a doutrina italiana, o conteúdo específico do provimento

inibitório ora em exame consiste na proibição da futura utilização da cláusula geral

abusiva. 198

Apesar de o Conselho das Comunidades Européias ter aconselhado o uso da

astreinte para a efetividade da tutela jurisdicional inibitória, o legislador italiano nada

disse sobre a forma de execução do provimento, 199

o que apenas reafirma a necessidade

de o Código de Processo Civil italiano ser alterado para que nele seja introduzida norma

que possibilite, à semelhança do que ocorre no direito brasileiro, o uso da multa. 200

<texto>Os arts. 83 e 84 do CDC, iluminados pela idéia de que o consumidor tem o

direito de ser protegido, através de tutela preventiva (art. 5.º, XXXV, CF, e art. 6.º, VI,

CDC), contra o uso de cláusulas gerais abusivas (art. 6.º, IV, CDC), permitem que se

diga que os legitimados à ação coletiva (art. 82, CDC) podem propor ação para inibir o

uso de cláusulas gerais abusivas.

<texto>No direito brasileiro, felizmente, não há o problema que está presente no

direito italiano, pois o art. 84 deixa clara a possibilidade de o juiz impor a multa para

dar efetividade à tutela inibitória, seja ela final ou antecipatória. A ação inibitória,

portanto, também no campo das relações de consumo, é instrumento da mais alta

importância para a efetividade dos direitos do cidadão.

196

A doutrina italiana tem tratado do tema nos últimos volumes da Rivista di Diritto Processuale. Ver

Giuseppe Tarzia, La tutela inibitoria contro le clausole vessatorie. Rivista di Diritto Processuale, 1997, p.

629 e ss; Corrado Ferri, L’azione inibitoria prevista dall’art. 1.469-sexies c/c Rivista di Diritto

Processuale, 1996, p. 936 e ss; Filippo Danovi, L’azione inibitoria in materia di clausole vessatorie.

Rivista di Diritto Processuale, 1996, p. 1.046 e ss; Luigi Montesano, Tutela giurisdizionale dei diritti dei

consumatori e dei concessionari di servizi di pubblica utilità nelle normative sulle clausole abusive e sulle

autorità di regolazione. Rivista di Diritto Processuale, 1997, p. 1 e ss; Carola Moretti, Note in tema di

efficacia soggettiva dell’azione inibitoria prevista dall’art. 1.469 sexies c/c Rivista di Diritto Processuale,

1997, p. 883 e ss. 197

Filippo Danovi, L’azione inibitoria in materia di clausole vessatorie. Rivista di Diritto Processuale,

1996, p. 1.048. 198

Idem, ibidem, p. 1.069. 199

Ver Giuseppe Tarzia, La tutela inibitoria contro le clausole vessatorie. Rivista di Diritto Processuale,

1997, p. 643; Filippo Danovi, L’azione inibitoria in materia di clausole vessatorie, Rivista di Diritto

Processuale, 1996, p. 1.076 e ss; Corrado Ferri, L’azione inibitoria prevista dall’art. 1.469-sexies c/c

Rivista di Diritto Processuale, 1996, p. 939. 200

Ver Giuseppe Tarzia, Per la revisione del Codice di Procedura Civile, Relazione, Rivista di Diritto

Processuale, 1996, p. 993-994.

Page 88: Tutela Inibitória - Marinoni

88

<aa>3.16 As técnicas processuais, presentes nos arts. 461, CPC, e 84, CDC,

viabilizam a concessão de várias tutelas

<texto>Os arts. 461, CPC, e 84, CDC, constituem as fontes de vários instrumentos

processuais necessários para a efetividade da concessão de diversas espécies de tutelas.

A possibilidade de se criar um aparato técnico (um procedimento) através da

conjugação destes instrumentos, permite conceber ações adequadas à prestação de

várias tutelas, entre elas a inibitória.

<texto>Estes artigos, em outras palavras, instituem apenas técnicas processuais

adequadas. Não devem ser vistos como o fundamento substancial da tutela inibitória ou

mesmo da tutela das obrigações de fazer e de não fazer, mas sim como as normas de

natureza processual que, seguindo a orientação consubstanciada no art. 5.º, XXXV, da

CF, estabeleceram os instrumentos necessários para que o direito à tutela pudesse ser

efetivamente exercido.

<texto>Melhor explicando: tais normas permitem a imposição de fazer ou de não

fazer por meio das técnicas nele presentes, e esta possibilidade – de imposição de fazer

ou de não fazer – é que viabiliza a prestação de várias tutelas, entre elas a tutela

inibitória, a tutela de remoção do ilícito, a tutela ressarcitória na forma específica e a

tutela específica da obrigação contratual inadimplida. Por esta razão é equivocado supor

que o art. 461 é a fonte da tutela das obrigações de fazer e não fazer; não há como se

confundir fonte de tutela com fonte dos instrumentos processuais de tutela. O Código de

Processo Civil não trata da tutela dos direitos, mas apenas da técnica adequada a esta

tutela, ou melhor, do veículo capaz de prestar a tutela jurisdicional.

<texto>Entretanto, pensar somente nas formas processuais, e assim apenas nos

instrumentos processuais capazes de impor um fazer ou um não fazer, constitui uma

visão míope do fenômeno da tutela dos direitos. Este fenômeno tem um aspecto

dualista, compreendido pela tutela do direito material e pelas formas de tutela destes

direitos. Ora, pensar somente nos instrumentos processuais é dar atenção apenas a este

segundo aspecto do fenômeno, e assim não só compreender parcialmente a realidade,

mas também distorcê-la. Ninguém pode pensar em um instrumento se não souber, de

antemão, para que ele serve. Isto quer dizer que de nada adianta analisar os instrumentos

processuais, postos nos arts. 461 do CPC e 84 do CDC, sem que se saiba quais são as

tutelas que podem ser prestadas através da imposição do fazer ou do não fazer. Para se

compreender quais são as tutelas que podem ser prestadas através da imposição de um

Page 89: Tutela Inibitória - Marinoni

89

fazer ou de um não fazer, é imprescindível analisar o plano do direito material, e assim

as necessidades de defesa dos vários direitos.

<texto>O direito, para não ser violado, requer tutela inibitória. Mas é necessário

perceber, ainda, que a simples violação do direito, ou melhor, a ação ilícita já exaurida

que não produziu dano, deve ser reprimida por meio da devida tutela, no caso a tutela

jurisdicional de remoção do ilícito. Ademais, é importante constatar que o direito à

reparação do dano não pode significar somente direito de exigir soma em dinheiro no

valor equivalente ao do dano, mas antes de tudo direito de exigir um fazer, ou seja,

direito de exigir a reparação do dano na forma específica. Estas tutelas, além da tutela

específica da obrigação contratual inadimplida, podem ser prestadas através dos

instrumentos processuais que estão nos arts. 461 do CPC e 84 do CDC. Portanto, não há

como ignorar todas estas tutelas, que são absolutamente distintas, e pensar somente em

ação voltada à imposição de fazer ou de não fazer. Isto significaria não só desprezo ao

direito material, mas a construção de um sistema processual completamente incapaz de

levar à crítica dos operadores jurídicos – diante da baixa potencialidade de criatividade

que é inerente a uma construção processual que ignora a sua razão de ser – tutelas

jurisdicionais que sempre foram desconhecidas nos sistemas processuais antigos. Estas

tutelas, vitais à efetividade dos direitos, eram desconhecidas nos sistemas antigos em

virtude dos meios processuais que neles estavam inseridos. Para descortinar a máxima

potencialidade das novas normas processuais, é preciso constatar a que tutelas elas

devem responder, e não apenas voltar os olhos para o interior do processo, mediante a

análise das formas processuais, como se o direito processual ainda pudesse ser

concebido à distância do direito material e da realidade social.

<texto>É importante sublinhar que as ações destinadas à obtenção destas várias

tutelas têm, evidentemente, pressupostos próprios. Com efeito, os pressupostos da ação

inibitória não se confundem com aqueles que dizem respeito a uma série de outras

tutelas que também encontram instrumentos processuais adequados nos arts. 461 do

CPC e 84 do CDC. Ora, confundir tutela inibitória com tutela específica da obrigação

contratual inadimplida, ou com tutela ressarcitória na forma específica, apenas pelo fato

de encontrarem instrumentos processuais na mesma norma, é, além de ignorar a

distinção entre técnica processual e tutela, esquecer que os pressupostos de cada uma

destas tutelas são diversos.

<texto>Frise-se que a ação inibitória requer somente a demonstração da ameaça da

Page 90: Tutela Inibitória - Marinoni

90

prática, repetição ou continuação do ilícito, não tendo relação alguma com o dano e com

a culpa; a ação de remoção do ilícito, por ter a finalidade de eliminar apenas um ilícito,

também nada tem a ver com dano e culpa; já a ação de ressarcimento na forma

específica exige a demonstração do dano e, em regra, do elemento subjetivo,

objetivando conferir ao lesado a situação que existiria caso o dano não houvesse

ocorrido; a ação para o cumprimento da obrigação inadimplida na forma específica, por

sua vez, tem relação com o não cumprimento da obrigação contratual.

<texto>O direito material, como já foi dito, possui diversas necessidades. As tutelas

são os meios destinados a dar conta destas necessidades. É neste sentido que se diz que

os direitos têm necessidade de várias tutelas. Como estas tutelas devem ser prestadas

através da jurisdição, é preciso encontrar, no plano do direito processual, técnicas

processuais que viabilizem a sua efetiva concessão. Para se pensar em técnicas

processuais adequadas, portanto, é imprescindível analisar as necessidades do direito

material ou, o que é o mesmo, as várias tutelas do direito material. Somente a partir da

compreensão das necessidades do direito material será possível analisar a tarefa que a

jurisdição cumpre ao impor um fazer ou um não fazer. Verificando-se as necessidades

do direito material, torna-se fácil compreender a finalidade da tutela jurisdicional e, por

conseqüência, quais são os seus pressupostos.

<texto>Isto significa que se o doutrinador não pensar nas diversas tutelas do direito

material e em seus pressupostos, ele só não poderá verificar se o processo está

realmente cumprindo com a sua missão perante o direito material, como ainda não

poderá esclarecer, aos operadores do processo, quais são os elementos que devem

compor as diferentes ações que servem à tutela das várias situações de direito

substancial.

<texto>Sérgio Arenhart, ao partir das características do direito à vida privada,

percebeu tudo isto. Eis as suas palavras, publicadas no livro Tutela inibitória da vida

privada: “Se o direito é, como dizia Ihering, um interesse juridicamente protegido, em

não havendo proteção, difícil crer que ainda permaneça como direito. Imperioso,

portanto, buscar no ordenamento processual vigente alguma forma de tutela adequada

ao direito à vida privada, até mesmo para se poder afirmar que este direito realmente é

tutelado. Para tanto, é necessário identificar o direito objeto de tutela, estabelecer suas

características (ao menos aquelas que interessam ao processo que pretende tutelá-lo) e

investigar, nos procedimentos colocados à disposição dos atores jurídicos, se há algum

Page 91: Tutela Inibitória - Marinoni

91

mecanismo adequado para protegê-lo”. 201

<texto>Quem pensa unicamente nas formas processuais, e assim somente em “ação

que permite a imposição de fazer ou de não fazer” e não nas diversas tutelas que podem

ser prestadas mediante a imposição de fazer ou de não fazer, além de não conseguir

explicar as distintas repercussões da tutela jurisdicional no plano do direito material (o

que é fundamental quando se pensa em efetividade do processo), nem sequer pode

chegar perto de seus diferentes pressupostos.

<texto>Ora, como não existe somente uma ação para a imposição de fazer ou de não

fazer, mas sim várias ações que, mediante a imposição de fazer ou de não fazer, prestam

diversas tutelas, é absolutamente imprescindível analisar o que faz parte do ônus da

alegação e do ônus da prova em cada uma destas ações.

<texto>Percebendo-se que, conforme a ação, não é preciso alegar e provar

determinados fatos, torna-se viável constatar que o juiz tem objetos de cognição que

variam de acordo com a natureza das tutelas pretendidas. Esta constatação não é

possível a quem enxerga apenas o aspecto processual da atividade do juiz (imposição de

fazer ou de não fazer).

<texto>Cabem alguns exemplos. É comum o juiz indagar (indevidamente) sobre a

repercussão do ilícito na ação destinada a impedir o uso de marca comercial (e assim

exigir prova). João da Gama Cerqueira, aliás, lembra do erro que os tribunais cometiam

– quando se deparavam com a antiga ação de abstenção do uso de marca comercial – ao

exigirem a demonstração do dano. Adverte que os tribunais vacilavam acerca da

necessidade da prova do dano, e assim concluíam muitas vezes pela improcedência,

“não obstante a prova da infração, sob o fundamento de não ter o autor provado a

existência dos danos alegados”. 202

Com efeito, não é raro o juiz indagar sobre

probabilidade do dano, em virtude de uma visão unicamente processual da tutela

antecipatória, quando analisa tutela inibitória antecipada em ações voltadas à inibição

do uso de marca.

<texto>Bem pior do que isso é perceber que a doutrina ainda sequer intuiu que o

Código Civil, ao afirmar que aquele que comete um dano é obrigado a indenizar, jamais

pensou em fazer surgir a conclusão de que o dever de reparar um dano é uma simples

obrigação de pagar soma em dinheiro. Quem transformou o dever de reparar o dano em

201

Sérgio Cruz Arenhart, Tutela inibitória da vida privada. São Paulo: RT, 2000, p. 26-27. 202

João da Gama Cerqueira, Tratado da propriedade industrial. São Paulo: Ed. RT, 1982, p. 1.126.

Page 92: Tutela Inibitória - Marinoni

92

obrigação de pagar dinheiro, desconsiderando as reais necessidades do direito

substancial, foi a idéia de que todo direito poderia ser convertido em pecúnia, e que

assim bastaria, para a tutela contra o dano, a condenação ao pagamento de dinheiro.

Porém, a partir da vulgarização desta idéia, ninguém mais se deu ao trabalho de

verificar – partindo da concepção de que os direitos, tais como concebidos na sociedade

contemporânea, não podem ser convertidos em pecúnia (e assim das novas necessidades

de tutela do direito substancial) – se o processo poderia prestar a reparação do dano na

forma específica.

<texto>Se o dever de reparar o dano é, antes de mais nada, uma obrigação de fazer,

e o juiz, em face dos arts. 461 do CPC e 84 do CDC, pode ordenar um fazer sob pena de

multa, estas devem ser consideradas as bases processuais da tutela ressarcitória na

forma específica. Entretanto, ninguém pode encontrar nestas normas o fundamento

processual da tutela ressarcitória na forma específica se não partir da análise das reais

necessidades do direito material, e assim de um enfoque das tutelas dos direitos.

<texto>Não basta simplesmente pensar que o juiz pode impor um fazer ou um não

fazer. É necessário verificar se esta atividade é bastante para dar resposta às variadas

situações de direito substancial e, além disto, a quais ela efetivamente pode responder.

Estas diferentes respostas somente podem ser dadas a partir da investigação judicial de

seus pressupostos, de modo que não é possível não perceber, de uma vez por todas, que

a “ação para o cumprimento de fazer ou de não fazer” é um veículo processual que pode

conduzir a diversas tutelas, e que assim exigirá, conforme o caso, diferentes

pressupostos.

<texto>O advogado deve estar consciente de que pode requerer em juízo diferentes

tipos de tutela, conforme as necessidades do direito, e que os instrumentos processuais

previstos nos arts. 461 do CPC e 84 do CDC constituem somente formas que a lei

processual institui para que a tutela dos direitos possa ser prestada de maneira efetiva.

Em outras palavras: todo este discurso objetiva esclarecer que o advogado não tem a seu

dispor somente uma “ação para o cumprimento de obrigação de fazer ou de não fazer”,

mas que ele pode fazer uso dos instrumentos processuais para pedir a concessão de

diversas tutelas, conforme as necessidades daqueles que o procuram. Entretanto, estas

diferentes tutelas, porque dizem respeito a situações de direito substancial diversas,

possuem pressupostos próprios, os quais devem ser do conhecimento de todos os

operadores do processo.

Page 93: Tutela Inibitória - Marinoni

93

<aa>3.17 A razão para se falar em tutela inibitória

<texto>Como ficou claro através da exposição realizada no item que antecedeu, não

há como confundir tutela do direito com técnica processual. A técnica processual é

somente um meio capaz de viabilizar a prestação da tutela. Acontece que a tutela

buscada na jurisdição pode variar, ainda que a técnica processual a ser utilizada seja a

mesma. Resumindo: a técnica processual que permite ao juiz impor um não fazer ou um

fazer é suficiente para prestar várias tutelas, que se diferenciam conforme as particulares

necessidades do direito substancial.

<texto>De modo que, falar em ação para a imposição de não fazer ou de fazer é o

mesmo que nada dizer sobre o direito que requer tutela. Esta forma de pensar o processo

tenta apagar a importância da vida dos direitos. Ora, é importante não esquecer que a

própria ação cautelar pode ser vista como ação destinada à imposição de não fazer ou de

fazer.

<texto>Quando é requerida imposição de não fazer ou de fazer, é necessário saber a

finalidade que é a buscada por aquele que vai a juízo. Quando se pensa nesta finalidade,

descortina-se a tutela desejada, e desta forma o fim que é cumprido pelo processo no

plano do direito material. A análise da instrumentalidade substancial do processo não

pode ser feita sem que se pergunte a finalidade que o processo deve cumprir para que a

proteção concreta do direito material seja realizada. Ou melhor, é fundamental pensar

nas várias tutelas que podem ser prestadas pelo processo para verificar se a jurisdição

está realmente cumprindo a sua missão.

<texto>Assim, quando se alude à tutela inibitória, não se deseja apenas construir um

sistema lingüístico mais sofisticado, mas evidenciar que é imprescindível, para que o

processo realmente responda de maneira efetiva aos direitos, uma forma de tutela

jurisdicional capaz de impedir a prática, a repetição ou a continuação do ilícito. Deixar

de falar em ação inibitória, para falar em ação para a imposição de não fazer ou de

fazer, é não apenas negar o fim do processo, mas sobretudo tentar fazer esquecer o valor

inerente à tutela jurisdicional inibitória, principalmente quando vista como tutela

imprescindível para a efetividade dos direitos não patrimoniais.

<texto>Desconsiderar as diversas funções que podem ser cumpridas pelo processo

é, na verdade, uma nítida tentativa de deixar encobertas as necessidades de direito

material que nunca foram tratadas de forma adequada pelo processo civil (por exemplo,

os direitos da personalidade), e manter escondidas, através de uma análise falsamente

Page 94: Tutela Inibitória - Marinoni

94

neutra do processo, as situações de direito substancial que sempre foram por ele

privilegiadas. Portanto, estabelecer a relação entre os direitos, a tutela inibitória e as

técnicas processuais que podem permitir a sua concessão, nada tem a ver com uma

suposta tentativa de importação da “ação inibitória italiana”. Ora, é pouco mais do que

absurdo imaginar que a tutela inibitória somente existe na Itália, e que assim somente é

estudada pela doutrina italiana. Como já foi dito, a tutela inibitória é inerente ao

ordenamento jurídico de qualquer país em que não se deseja ver os direitos apenas

proclamados. 203

<texto>Justamente por isto, a doutrina brasileira tem o dever de procurar, na

legislação processual, instrumentos que sejam efetivamente capazes de prestar esta

espécie de tutela, 204

além de estabelecer os pressupostos necessários para a sua

concessão. Esta tarefa não tem ligação com as formas de tutela jurisdicional existentes

na Itália, pois somente leva em consideração, como é óbvio, os instrumentos

processuais contidos na legislação brasileira.

<texto>Na Itália, não há norma semelhante às que estão contidas nos arts. 461, CPC,

e 84, CDC, nas quais se confere ao juiz a possibilidade de determinar medida executiva

ou ordenar, sob pena de multa, na tutela antecipatória ou na sentença, sem qualquer

consideração de hipótese específica (como, por exemplo, o direito à marca comercial).

Assim, é evidente que a tutela inibitória, no Brasil, pode ser prestada com maior

efetividade do que na Itália. Ou seja, o processo civil italiano, considerada a

necessidade de prestação de tutela inibitória, não possui a mesma efetividade do

203

Embora o tema da tutela inibitória tenha sido estudado pela doutrina italiana, não é correto raciocinar,

como é evidente, que ela não possa ser objeto da preocupação da doutrina de outros países. Registre-se,

apenas como exemplo, a intensa produção da doutrina argentina sobre o tema: Ricardo Luis Lorenzetti,

La tutela civil inhibitoria, La Ley, 1995-C; Noemi Lidia Nicolau, La tutela inhibitoria y el nuevo artículo

43 de la Constitución Nacional, La Ley, 1996-A, além de outros. 204

No direito brasileiro, sobre o tema da tutela inibitória, além dos livros de nossa autoria, “Tutela

Inibitória”, “Tutela específica” e “Técnica processual e tutela dos direitos” (São Paulo, RT), ver Arruda

Alvim, Obrigações de fazer e não fazer – Direito material e processo, RePro v. 99; Luiz Fux, Curso de

direito processual civil, Rio de Janeiro, Forense, 2001; Sérgio Cruz Arenhart, A tutela inibitória da vida

privada, São Paulo, RT, 2000; Sérgio Cruz Arenhart, A tutela inibitória coletiva, São Paulo, RT, 2003;

Clayton Maranhão, Tutela jurisdicional específica do direito à saúde nas relações de consumo: um

capítulo do direito processual do consumidor, Revista de Direito Processual Civil, v. 24; Clayton

Maranhão, Tutela específica do direito à saúde. São Paulo: RT, 2003; Joaquim Felipe Spadoni, Ação

inibitória, São Paulo, RT, 2002; Paulo Ricardo Pozzolo, Ação inibitória no processo do trabalho, São

Paulo, LTr, 2001; Luciane Gonçalves Tessler, A possibilidade da majoração da multa coercitiva para a

prestação da tutela inibitória, Revista de Direito Processual Civil, v. 21; Roberto Benghi Del Claro, A

tutela inibitória na proteção do meio ambiente, Revista de Direito Processual Civil, v. 19; Cleide

Kazmierski, A ineficiência do art. 287 do CPC para a proteção do direito à exclusividade no uso da

marca, Revista de Direito Processual Civil, v. 20; Luiz Fernando Pereira, Tutela inibitória na proteção de

marca comercial, Revista de Direito Processual Civil, v. 20, Rafaela Almeida do Amaral, Tutela inibitória

e concorrência desleal, Revista de Direito Processual Civil, v. 21.

Page 95: Tutela Inibitória - Marinoni

95

brasileiro.

<texto>Entretanto, isto somente pode ser percebido como algo natural quando é

estabelecida a distinção entre tutela e técnica processual, e, assim, verifica-se que

determinado ordenamento, em termos de instrumentos processuais, pode ser mais

perfeito do que outro, como é o caso do brasileiro em relação ao italiano. Partindo-se

desta distinção, é fácil perceber a razão pela qual a ação inibitória, no Brasil, possui

maior alcance e efetividade do que a ação inibitória italiana.

<texto>Como se vê, supor que falar em tutela inibitória, no Brasil, é simplesmente

importar o “termo empregado no ordenamento italiano para denominar via de tutela (a

azione inibitoria) que é menos abrangente e completada que a instaurada pelo art. 461”,

205 constitui equívoco imperdoável. Em primeiro lugar, deve ser esclarecido que isto

seria o mesmo que dizer que a doutrina brasileira não deve falar de ressarcimento ou de

tutela cautelar (por exemplo) apenas pelo fato de que tais temas também são

investigados (como não poderia deixar de ser) em outros países.

<texto>Em segundo lugar, a afirmação de que o art. 461 não trata somente da tutela

inibitória finge ignorar o que sempre foi proposto neste livro: este trabalho, desde a sua

1.ª edição publicada em 1998, ao propor uma classificação das tutelas aderente ao

direito material, deixou claro que o art. 461 pode proporcionar diversos tipos de tutela,

entre elas a inibitória. Isto por uma razão simples: não há como confundir técnica

processual (as técnicas que estão no art. 461) com tutela. As técnicas processuais, como

já foi amplamente demonstrado, viabilizam a concessão de diferentes tipos de tutela.

<texto>Afirma Eduardo Talamini, partindo do pressuposto de que a ação inibitória

italiana somente pode impor um não fazer, que a tutela do art. 461 presta-se não só a

impedir a prática de um ato, mas também para impor a observância de um dever de

fazer (o que não corresponderia a “inibir”). Conclui, então, que “essa objeção não é

superada pelo argumento de que a tutela é ‘inibitória do ilícito’, e não da atuação do

transgressor”. 206

<texto>Com o devido respeito ao amigo Eduardo Talamini, esta assertiva não pode

deixar de ser questionada. Inicialmente, é fundamental atentar para o fato de que esta

afirmação parte da premissa – sem dúvida viciada – de que existe apenas uma única e

inquestionável tutela inibitória. Ora, a tutela inibitória é fundamental em qualquer país.

205

Eduardo Talamini, Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer, cit., p. 131 206

Idem, ibidem, p. 132.

Page 96: Tutela Inibitória - Marinoni

96

Assim, o que poderia ser apontado como ineficaz é a técnica processual italiana.

Entretanto, não é porque a técnica processual de determinado país é inadequada, que a

construção dogmática da tutela inibitória no Brasil deve pagar pelos seus defeitos. De

modo que, se o art. 461 institui técnicas processuais para a adequada prestação das

tutelas, nada impede que se pense na possibilidade de o juiz prestar tutela inibitória

impondo um fazer.

<texto>De qualquer maneira, ao contrário do que diz Eduardo Talamini, é a própria

doutrina italiana que, ao analisar a inibitória que impõe um fazer, alude à inibição do

ilícito. O raciocínio de Frignani, um dos mais importantes teóricos da matéria na Itália,

não deixa margem para dúvida: se o ilícito, conforme o tipo de obrigação violada, pode

ser dito comissivo ou omissivo, isto significa que, diante de ilícito comissivo, cabe

inibitória negativa, mas em face de um ilícito omissivo será indispensável uma

inibitória positiva.

<texto>Nesta linha, para dissipar qualquer confusão, é importante transcrever

integralmente o argumento de Frignani: “Em nosso caso, a ordem pode identificar-se

seja com um não fazer, seja como um fazer. Em outras palavras, se projeta também no

direito italiano o dualismo, já visto no âmbito da common law, entre inibitória negativa

e inibitória positiva, com a diferença que no direito anglo-americano as mandatory

injunctions tiveram uma sedimentação histórica que lhes permitiram uma precisa

elaboração conceitual, que em vão se procuraria em nosso sistema. No que concerne à

inibitória negativa, não existe qualquer dúvida, uma vez que a própria lei a prevê de

modo explícito. Basta pensar na letra das normas que falam de inibição, cessação, e

assim por diante. A categoria da inibitória positiva suscita, ao invés, problemas de maior

profundidade, já que, à primeira vista, essa pareceria ser o fruto de sua reconstrução

dogmática. Com efeito, porém, não é assim, já que às vezes também o juiz italiano,

como de resto o inglês, é obrigado a conceder ordens de fazer. Do ponto de vista

dogmático, deve-se então perguntar por que a esta categoria de ordens nunca foi dada

a qualificação de inibitória, se em vez de ordenar um não fazer, determinam ao réu

uma atividade positiva. A contradição é somente aparente, uma vez que aquilo que se

deseja impedir para o futuro (ou inibir) é o ilícito em si mesmo; e não há dúvida que o

ilícito, segundo o tipo de obrigação violada, pode ser comissivo ou omissivo.

Conseqüentemente, diante de um ilícito comissivo existirá um não fazer, ao passo que,

Page 97: Tutela Inibitória - Marinoni

97

ao contrário, na presença de um ilícito omissivo, será necessário um fazer”. 207

<texto>Como se vê, a idéia de tutela inibitória não pode ser vista como um simples

resultado do direito positivo de determinado país, mas como uma necessidade de todos

os ordenamentos jurídicos que se empenham em dar efetividade aos direitos, evitando

sua violação. É por esta razão que a ordem de fazer é admitida, seja na Itália ou no

direito anglo-americano (e isto somente para exemplificar) para dar tutela preventiva

aos direitos. 208

<texto>Como já foi dito, Eduardo Talamini sustenta que a inibitória não pode ser

prestada mediante ordem de fazer, enquanto que o juiz, a partir do art. 461, pode impor

a observância de um dever de fazer, e isto significaria a prestação de tutela diferente da

inibitória. Diz ele: “No direito italiano, quando se afirma que, em alguns casos, a azione

inibitoria abrange ordens de fazer, têm-se em mira provimentos de conteúdo positivo

que ‘subentendem’ ou ‘pressupõem’ outro, consistente em ordem de cessação da

atividade ilícita (exemplo: a conduta positiva de suprimir determinada seqüência de um

filme é uma outra forma de satisfazer a ordem de não apresentar o filme contendo

aquele trecho). Mas a tutela ex art. 461 vai além disso: presta-se inclusive à consecução

de deveres (absolutos ou relativos) de fazer que não estejam vinculados a um originário

dever de não-fazer”. 209

<texto>O fato de o juiz ter a possibilidade de impor um dever originário de outro de

não fazer tem a ver com a estrutura de algumas normas, que não estabelecem

diretamente deveres de fazer, mas apenas instituem direitos, dos quais decorrem deveres

de não fazer. Assim, no exemplo que acaba de ser apresentado, o direito da

personalidade – que exige um não fazer – permite a imposição de ordem para que seja

suprimida certa seqüência de um filme.

<texto>Note-se, contudo, que, diante das peculiaridades da sociedade

contemporânea, tornou-se imprescindível o uso do direito como instrumento para a

proteção dos bens indispensáveis à adequada e justa vida social. Isto quer dizer que, em

face das novas situações de direito substancial, freqüentemente de conteúdo não

patrimonial, o Estado passou a servir-se de regras ordenadoras de condutas positivas

207

Aldo Frignani, L’injunction nella common law e l’inibitoria nel diritto italiano, cit, p. 352-353. 208

No direito brasileiro, em dissertação de mestrado apresentada na PUC-SP, Joaquim Felipe Spadoni

concluiu acertadamente que a prevenção do ilícito também pode ocorrer por meio de ordens de

cumprimento de obrigação de fazer, percebendo então a existência de “uma inibitória positiva e de uma

inibitória negativa” (Joaquim Felipe Spadoni, Ação inibitória. São Paulo: RT, 2002, p. 69). 209

Eduardo Talamini, Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer, cit., p. 132.

Page 98: Tutela Inibitória - Marinoni

98

para que determinados direitos fossem efetivamente protegidos (ou tutelados no plano

do direito material).

<texto>Algumas normas jurídicas, assim, têm função nitidamente preventiva, como,

por exemplo, a norma que determina o dever de adoção de certa tecnologia capaz de

evitar a poluição. Neste caso, a tutela preventiva ao direito ambiental é prestada pela

própria norma de direito material. Note-se, aliás, que o novo Código Civil, tratando das

relações de vizinhança, ao admitir que as interferências causadas pelo vizinho podem,

em alguns casos, ser toleradas (ditas, assim, “toleráveis”), estabelece claramente em seu

art. 1.279: “Ainda que por decisão judicial devam ser toleradas as interferências, poderá

o vizinho exigir a sua redução, ou eliminação, quando estas se tornarem possíveis”.

<texto>O novo Código Civil é absolutamente claro no sentido de que o vizinho

pode pedir que o juiz ordene a redução das interferências. Neste caso, o Código Civil

permite que o vizinho peça ordem de fazer. Esta ordem de fazer, como é óbvio, objetiva

eliminar um ilícito omissivo, que se concretiza em não ter, aquele que usa a propriedade

vizinha, utilizado-se dos equipamentos que permitem a redução das interferências.

Nesta hipótese, a ordem de instalação de equipamento tem o objetivo nítido de fazer

cessar o ilícito, e assim evidentemente é inibitória.

<texto>O que não se percebe, certamente, é que nem toda imposição de fazer possui

objetivo inibitório. Desta forma, a crítica no sentido de que os arts. 461 do CPC e 84 do

CDC, ao permitirem a imposição de fazer, podem viabilizar muito mais do que a tutela

inibitória, não tem sentido. É que, se a própria norma de direito material, ao criar um

dever de fazer, pode ter ou não objetivo preventivo, a sua tutela jurisdicional, da mesma

maneira, somente em alguns casos terá função inibitória. Barbosa Moreira, em trabalho

publicado há quinze anos – mas que se tornou, como não poderia ser de outra forma, um

verdadeiro clássico na doutrina brasileira –, evidenciou a necessidade de a jurisdição

atuar de maneira preventiva para a efetiva tutela dos direitos difusos. Eis a sua lição: “...

Certas coisas, sabe-o bem o povo, não há dinheiro que pague. Dir-se-á que a proteção

dos aludidos bens jurídicos, ou de alguns deles, compete precipuamente à

Administração, ou em termos mais específicos à polícia. Não creio, porém, que esta

seja uma saída airosa para o processo civil, chamado às falas na matéria, limitar-se a

dizer: ‘Não é comigo’ – ou, se preferirem uma expressão mais técnica, alegar a sua

própria falta de ‘legitimidade ad causam’ ... Análogo discurso poderia fazer-se com

referência aos denominados ‘interesses coletivos’ ou ‘difusos’, que hoje em dia

Page 99: Tutela Inibitória - Marinoni

99

constituem tema de fascínio particular sobre grande número de espíritos. Considere-se

por um instante o caso do interesse na sanidade do ambiente, ou na preservação das

belezas naturais e do equilíbrio ecológico, ou na honestidade das mensagens de

propaganda; o do interesse em que não se ponham à venda produtos alimentícios ou

farmacêuticos nocivos à saúde, em que funcionem com regularidade e eficiência os

serviços de utilidade pública, prestados pela Administração ou por particulares, e

assim por diante. Se a Justiça civil tem aí um papel a desempenhar, ele será

necessariamente o de prover no sentido de prevenir ofensas a tais interesses, ou pelo

menos de fazê-las cessar o mais depressa possível e evitar-lhes a repetição”. 210

<texto>Ora, se as normas de direito material, criando deveres de fazer, podem

cumprir o papel de dar tutela preventiva aos direitos difusos, é evidente que o processo

civil, ao entrar em jogo para a atuação do conteúdo destas normas, exerce função

inibitória. Assim, quando a norma de direito material com função preventiva não é

respeitada, e a jurisdição determina o fazer necessário para a sua atuação, a tutela

preventiva, objetivada pelo próprio direito material, é prestada pelo processo civil. A

tutela jurisdicional, no caso, faz cessar a omissão ilícita, ou seja, atua diante do ilícito

omissivo continuado. Portanto, a tutela é genuinamente inibitória.

<texto>Mas não é só. O erro de afirmar que não pode haver inibição através da

imposição de fazer211

é ainda mais evidente quando se pensa em ilícito de eficácia

instantânea. Ou melhor, no temor da simples prática ou repetição de ato ilícito de

eficácia instantânea (e não continuada). Basta pensar no dever, determinado em regra

jurídica, de informar aos consumidores sobre determinada situação específica. Se o

fabricante já deixou de veicular esta informação em uma de suas publicidades, nada

obsta a que o juiz ordene um fazer para que, concretizada a vontade da norma, não seja

repetido o ilícito omissivo.

<texto>Por fim, afirma-se, ainda, “que as regras do art. 461 aplicam-se inclusive na

tutela relativa aos direitos obrigacionais – ao passo que é extremamente controvertido,

no direito italiano, que a ‘tutela inibitória’ possa voltar-se contra violações de deveres

de não fazer previstos em acordo ou contrato”. 212

Ao que parece, esta crítica está

ancorada na falsa suposição de que a tutela inibitória, por nós proposta, é a única tutela

210

José Carlos Barbosa Moreira, Tutela sancionatória e tutela preventiva. Temas de direito processual,

Segunda série, cit., p. 24. 211

Sustentado por Eduardo Talamini, Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer, cit., p. 132. 212

Eduardo Talamini, Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer, cit., p. 132.

Page 100: Tutela Inibitória - Marinoni

100

que pode ser prestada por meio do art. 461. Repita-se, porém, que a inibitória é apenas

uma das tutelas que podem ser prestadas através do art. 461. Ora, uma leitura superficial

deste livro evidencia que o art. 461 abre ensejo para a tutela específica da obrigação

contratual inadimplida. Por outro lado, no que diz respeito à obrigação contratual que

pode ser violada por ato de eficácia instantânea, ou à tutela jurisdicional capaz de

impedir o inadimplemento (obrigação de caráter periódico), fomos claro em expor a sua

necessidade, mais o fato de que ela poderia – de lado a questão de estar sendo dirigida

contra um provável inadimplemento e não contra um provável ilícito extracontratual –

ser chamada de inibitória.

<texto>Ora, o fato de ser controvertida a possibilidade de a inibitória ser dirigida

contra violações de obrigações contratuais na Itália, quer dizer apenas que a doutrina

italiana, diante de seu ordenamento jurídico e de sua realidade social, discute sobre a

possibilidade da inibitória nestes casos. Não quer significar, como é óbvio, que a

doutrina italiana, diante de sua realidade, tenha chegado a uma conclusão que deve ser

imposta à doutrina brasileira, até porque, como já foi amplamente demonstrado, o

Código de Processo Civil italiano não possui norma similar àquela que está no nosso

art. 461, o qual, instituindo uma série de técnicas processuais, abre oportunidade para a

prestação de diversas tutelas.

<texto>Na verdade, a posição de Eduardo Talamini, ao não observar a diferença

entre técnica processual e tutela, não percebe que a sustentação da tutela inibitória não

implica na afirmação de que o art. 461 somente viabiliza a prestação desta espécie de

tutela. É justamente por isto que é preciso classificar os resultados do processo no plano

do direito material, e não apenas pensar nas técnicas processuais.

<texto>Com efeito, se o processo deve ser pensado como instrumento do direito

material, não basta olhar para as técnicas processuais de prestação das tutelas. As

sentenças, assim como a coerção direta, a coerção indireta, a sub-rogação etc. nada mais

são do que técnicas para a prestação das tutelas, e não tutelas. Note-se, ainda, que as

sanções são técnicas de controle social, e assim somente podem ser vistas, quando

importadas para o processo civil, como técnicas de tutela, sem que possam

verdadeiramente explicar as relações do processo com o direito material.

<texto>Eduardo Talamini, ainda que tentando distinguir sanção em sentido estrito

de mecanismo sancionatório, não consegue explicar de maneira adequada a distinção

entre ressarcimento e simples remoção do ilícito, pois afirma que a “sanção restituitória

Page 101: Tutela Inibitória - Marinoni

101

(lato sensu) tem em mira a obtenção de resultado igual (rectius: o mais próximo

possível) ao que se teria caso a norma violada houvesse sido respeitada”. 213

<texto>No caso em que houve apenas ato contrário ao direito, ou mera transgressão,

não é correto pensar na necessidade de obtenção de resultado igual ao que se teria caso

a norma violada houvesse sido respeitada. Ora, a idéia de obtenção do resultado que

existiria se não houvesse ocorrido a violação está posta no § 249 do CC alemão, e

objetiva significar a necessidade de ressarcimento integral do dano. Na realidade, o §

249 do CC alemão, que afirma exatamente que a reparação deve estabelecer a situação

que existiria caso o dano não houvesse ocorrido, alude ao ressarcimento na forma

específica. Demonstra-se, a partir daí, que basta, no caso de transgressão, o

restabelecimento da situação anterior, enquanto que, no caso de dano, não é suficiente o

restabelecimento da situação que lhe era antecedente, sendo necessário, para a tutela

integral do bem protegido, que se estabeleça uma situação equivalente àquela que

existiria caso o dano não houvesse ocorrido. 214

Explica-se: se o dano é conseqüência do

ilícito, é necessário, para dar resposta ao ilícito, apenas restabelecer a situação que lhe

era antecedente. Mas se o ilícito produziu dano, e então o caso é de ressarcimento, a

resposta do dano, justamente por ter que ser integral, deve estabelecer a situação que

existiria caso o dano não houvesse ocorrido.

<texto>Para uma explicação ainda melhor, é necessário atentar para a precisa lição

de um dos maiores civilistas italianos da atualidade. Adolfo di Majo, discorrendo sobre

a reparação in natura, alude à necessidade do estabelecimento da situação “que

existiria” caso o dano não houvesse ocorrido. Chamando a atenção sobre a expressão

“que existiria”, conclui que “com tal expressão se evidencia que o fim da forma da

reparação em natura do dano não é a restauração da precisa situação de fato existente

antes do fato danoso, mas daquela hipotética situação ‘que existiria’ se o fato danoso

não houvesse ocorrido”. E exemplifica: “se plantas são abatidas, não será suficiente, aos

fins da reparação em natura, substituir plantas da mesma altura daquela que tinham as

plantas destruídas, mas sim da altura que teriam alcançado no momento em que o dano

viesse a ser eliminado”. E prossegue: “o destaque é necessário para tornar evidente

como, também através da reparação em natura (como através daquela pelo equivalente),

213

Idem, ibidem, p. 180. 214

Como ensina Helmut Rübmann, “Wer Pflanzen zerstört, mub zur Herstellung solche Pflanzen oder

auch Früchte liefern, wie sie sich bis zum Herstellungszeitpunkt beim Gläubiger entwickelt hätten”

(Helmut Rübmann, Kommentar zum Bürgerlichen Gesetzbuch, Darmstadt, Luchtenhand, 1980, p. 186).

Page 102: Tutela Inibitória - Marinoni

102

tende-se principalmente a eliminar as conseqüências prejudiciais do fato danoso, e não

a mera restauração do statu quo ante. Garantir, portanto, a reparação em natura do

dano, quer dizer, em outras palavras, assegurar a reconstituição da situação de fato que

existiria caso o fato danoso não houvesse ocorrido”. 215

<texto>A idéia de remover o ilícito, e assim de uma sanção que não seria voltada

contra o dano, baseia-se na necessidade de mera restituição ao statu quo ante. Mas para

o dano não é suficiente a simples restituição, exatamente pelo motivo de que ele não

pode ser pensado em uma dimensão “naturalística”, ou apenas “concreta”. Aliás, foi

exatamente em razão da insuficiência da concepção “naturalística” de dano que a

doutrina alemã formulou, a partir do referido § 249, a denominada teoria da

Differenzhipothese. 216

Esta teoria, percebendo que o ressarcimento não deve dar conta

simplesmente da modificação concreta produzida a um bem lesado, mas sim de

responder à integralidade do prejuízo, propõe que o dano passe a ser pensado como a

diferença patrimonial sofrida pelo patrimônio do lesado.

<texto>A teoria da Differenzhipothese, assim, evidenciou que a idéia de

estabelecimento da situação que existiria caso o dano não houvesse ocorrido (posta no §

249 do CC alemão) obriga a que se pense também no ressarcimento relativo à diferença

da perda patrimonial sofrida em razão do dano concreto.

<texto>Portanto, a função que Eduardo Talamini atribuiu à “sanção restituitória” é a

do ressarcimento. Aliás, o problema mais sensível da tese de Eduardo Talamini está na

afirmação de que, “no sistema brasileiro, a regra geral é a da indenização pecuniária

dos danos decorrentes de atos ilícitos”. 217

Ora, ao contrário da tese por ele sustentada, o

princípio inerente à responsabilidade civil, no direito brasileiro, é o da dupla forma de

reparação do dano: o ressarcimento na forma específica e o ressarcimento em dinheiro.

218 Basta lembrar a doutrina de Pontes de Miranda, que é clara no sentido de que a

“indenização, se a restauração em natura não pode ser feita, ou não seria satisfatória,

exerce-se para se haver a quantia em dinheiro que valha o dano sofrido, material ou

imaterial”. 219

Na realidade, o ressarcimento em dinheiro é uma forma subsidiária ao

215

Adolfo di Majo, La tutela civile dei diritti, cit., p. 224. 216

Ver Othmar Jauernig, Bürgerliches Gesetzbuch mit Gesetz zur Regelung des Rechts der Allgemeinen

Geschäftsbedingungen, München, CH, Beck’ische Verlagsbuchhandlung, 1994, p. 207. 217

Eduardo Talamini, Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer, cit., p. 184. 218

Ver José de Aguiar Dias, Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1979, v. 2, p. 407, e

Pontes de Miranda, Tratado de direito privado. Rio de Janeiro: Borsoi, 1971, v. 26, p. 27. 219

Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, cit., v. 26, p. 28.

Page 103: Tutela Inibitória - Marinoni

103

ressarcimento na forma específica.

<texto>Se Eduardo Talamini houvesse atentado para o fato de que o direito

brasileiro admite o ressarcimento na forma específica, talvez não tivesse afirmado que a

“sanção restituitória” objetiva resultado igual ao que se teria caso a norma violada

houvesse sido respeitada, e então a função de ressarcir o dano não teria sido

confundida com a de eliminar o ilícito.

<texto>Negar a possibilidade de ressarcimento na forma específica é o mesmo que

limitar o ressarcimento ao pagamento de dinheiro, ao passo que não realizar uma

adequada distinção entre ressarcir e remover o ilícito é estabelecer lamentável confusão

entre dano e ilícito.

<texto>Ora, é absolutamente fundamental observar que os pressupostos do

ressarcimento na forma específica são totalmente diferentes dos pressupostos da

remoção do ilícito. Os pressupostos do ressarcimento, como é sabido, são constituídos

pelo dano e pelo elemento subjetivo (de lado, a responsabilidade objetiva), seja ele na

forma específica ou em dinheiro, ao passo que a tutela de remoção do ilícito não precisa

preocupar-se com eles.

<texto>Entretanto, para se raciocinar desta forma é preciso distinguir ilícito e dano,

bem como compreender a imprescindibilidade de pensar o processo em face das

diferentes necessidades do direito material, classificando-se então as tutelas (ou seja, os

resultados do processo no plano do direito material).

<texto>Eduardo Talamini, aliás, imagina que classificar as tutelas seja o mesmo que

classificar as sanções, afirmando que teríamos classificado objetos diferentes ao propor

a classificação das tutelas declaratória e constitutiva ao lado das tutelas inibitória,

ressarcitória etc. Tal afirmação, contudo, certamente deixou de perceber a diferença

entre sentença constitutiva e tutela constitutiva. Faltou-lhe, em outros termos, a

distinção entre tutela e técnica processual.

<texto>Quando a sentença constitutiva realiza o efeito jurídico invocado pela parte,

evidentemente presta uma tutela, e assim produz um específico resultado no plano do

direito substancial. Nesta linha, é pouco mais do que evidente que há uma tutela

constitutiva, prestada através da sentença constitutiva. Ora, a sentença constitutiva está

para a tutela constitutiva assim como a sentença condenatória e os meios de sub-rogação

estão para a tutela ressarcitória. Resumindo: a tutela constitutiva, da mesma forma que a

inibitória e a ressarcitória, representa um resultado do processo no plano do direito

Page 104: Tutela Inibitória - Marinoni

104

material.

<texto>O que pode complicar a compreensão, aí, é o fato de que a sentença

constitutiva, ao contrário das sentenças condenatória, mandamental e executiva, é uma

sentença que satisfaz à parte com a sua mera edição, e por isto é dita, ao lado da

sentença declaratória, uma “sentença satisfativa”, ao contrário das demais, que seriam

“não-satisfativas”. 220

É que apenas as sentenças não-satisfativas requerem atuação

posterior a sua prolação, e assim, como técnicas processuais, devem ter a sua atuação

medida em função dos resultados que devem proporcionar no plano do direito material.

<texto>Como se vê, ao se partir da suficiência das tutelas declaratória e constitutiva

para responder ao direito material, é necessário pensar somente nas tutelas prestadas

através das sentenças “não-satisfativas”. 221

Isto quer dizer que não é necessário tentar

encontrar na constituição formas diferenciadas de interferência no plano do direito

material, uma vez que, ao se admitir a sentença constitutiva, parte-se do pressuposto de

que a constituição é adequada à tutela do direito material. Ao contrário, as sentenças

“não-satisfativas” podem ter o seu grau de efetividade graduado, conforme as

necessidades do direito material. Justamente por isto, a efetividade deste tipo de

sentença somente pode ser medida a partir da diferenciação das tutelas. De qualquer

maneira, se a tutela proporcionada pela sentença deve ser vista como o resultado

conferido à parte no plano do direito material, é inegável a existência de uma tutela

constitutiva. .

<texto>Por fim, é fundamental destacar que o direito processual deve não só

identificar as necessidades do direito material e da evolução da sociedade, mas também

refleti-las. Ora, pensar somente em termos de “tutela” das obrigações, ou dos deveres de

fazer e de não fazer, não espelha os reais significados das reformas projetadas no

processo civil. É fundamental deixar claro o fato de que o processo civil, através dos

novos arts. 461 do CPC e 84 do CDC, pode responder à necessidade de prevenção dos

220

Ver Alessandro Rasseli, “Sentenze determinative e classificazione delle sentenze”, cit., p. 580 e

Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 231. 221

Como explica Barbosa Moreira, o que existe de comum às sentenças declaratórias e constitutivas “é a

circunstância de que não lhes sobrevive qualquer necessidade de determinado comportamento, por parte

do vencido, para a satisfação do vencedor. Não surge aí, portanto, a questão de saber o que se há de

fazer quando o vencido porventura não se mostra disposto a comportar-se daquela particular maneira”.

Parece certo concluir, assim, que nestes casos não é preciso verificar se a técnica processual é capaz de

permitir o encontro da “maior coincidência possível”, postulado este que foi associado por Barbosa

Moreira, no trabalho citado, apenas às sentenças com “repercussão não apenas jurídica, mas física” –

ou seja, às sentenças não-satisfativas (José Carlos Barbosa Moreira, Tendências na execução de

sentenças e ordens judiciais, Temas de direito processual, quarta série. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 217).

Page 105: Tutela Inibitória - Marinoni

105

direitos, e assim caminhar ao lado das expectativas sociais.

<texto>Não raciocinar em termos de tutela inibitória (que é apenas uma das tutelas

que pode ser prestada pelos arts. 461 do CPC e 84 do CDC) é esconder as reais

necessidades do direito substancial, ou ainda pretender ocultar valores que estão à

base dos “novos direitos” (como, por exemplo, a não-patrimonialidade do direito à

higidez do meio ambiente). Na realidade, preferir falar em “tutela” das obrigações ou

dos deveres, esquecendo a idéia de tutela inibitória, seria o mesmo que pensar em

sentença condenatória e deixar de lado as tutelas que por ela sempre foram prestadas.

Melhor explicando: esquecer da tutela inibitória é neutralizar o processo civil, não

permitindo a análise de suas funções diante da vida. É, em outras palavras, ocultar a

principal função que o processo civil deve desenvolver para a efetiva tutela dos “novos

direitos”. É preciso alertar, deste modo, que falar em tutela inibitória não é o resultado

de uma mera preferência teórica no plano do direito processual. Há realmente muito

mais: a tutela inibitória está impregnada de valores, pois traz em si a possibilidade da

prevenção e da tutela efetiva dos direitos não-patrimoniais. 222

Se não é preciso insistir

para a especial natureza destes direitos, cabe advertir que o valor agregado à idéia de

prevenção está muito distante da esfera meramente processual.

<aa>3.18 A tutela inibitória negativa e a tutela inibitória positiva

<texto>Não há razão para não se admitir, principalmente em vista dos arts. 461 do

CPC e 84 do CDC, uma tutela inibitória de conteúdo positivo.

<texto>O direito anglo-americano conhece as denominadas prohibitory injunction e

mandatory injunction, a primeira consistindo em uma ordem que impõe um não fazer e

a segunda em uma ordem que impõe um fazer. 223

<texto>O sucesso da injunction no direito anglo-americano decorre justamente da

flexibilidade que a caracteriza, tornando possível sua adequação aos vários casos

concretos. Na verdade, a variabilidade de formas faz parte da própria natureza da

222

Como escreve Arruda Alvim, “parte substancial da eficácia existente na Lei da Ação Civil Pública

(Lei 7.347/85) e no CDC (Lei 8.078/90), ancora-se na determinação judicial, de caráter inibitório em face

de perigo de dano, com a aplicação de multa, em caso de desobediência. Os bens jurídicos defensáveis

por estes sistemas são havidos como bens jurídicos de interesse social, informados que são por um valor,

portanto, transcendente àquele que justificaria, apenas, a proteção individual” (Arruda Alvim, Obrigações

de fazer e não fazer – Direito material e processo, RePro 99/37). 223

Como explicam Baker e Langan, “an injunction restraining the doing or continuance of some wrongful

act is called prohibitory or restrictive. An injunction to restrain the continuance of some wrongful

omission is called mandatory” (P. V. Baker e P. St. J. Langan, Snell’s principles of equity, cit., p. 625).

Page 106: Tutela Inibitória - Marinoni

106

injunction, concebida para permitir a adequada tutela das mais diversas situações. 224

<texto>Assim, se em face de uma determinada situação é melhor a imposição do

fazer, decreta-se a mandatory injunction; caso contrário, verificando-se a necessidade da

ordem de não fazer, recorre-se à prohibitory injunction.

<texto>Tanto a prohibitory como a mandatory injunction podem ser concedidas

antecipadamente ou no final do processo. 225

Admite-se, também no direito anglo-

americano, formas de tutela antecipada do fazer ou do não fazer; fala-se, neste sentido,

de interlocutory ou de preliminary injunction, a qual se contrapõe à chamada final ou

perpetual injunction. 226

<texto>Note-se, porém, que a prohibitory e a mandatory injunction, 227

ainda que

exercendo função preventiva, 228

exigem anterior violação do direito; 229

é apenas a quia

timet injunction, como já se disse, que viabiliza a prevenção do ilícito na forma pura, 230

muito embora acabe consistindo, também, em uma injunction. A quia timet injunction,

em outras palavras, é uma espécie de injunction, assim como também o são a

prohibitory e a mandatory injunction e a interlocutory e a final injunction.

<texto>No direito italiano, costuma-se associar a tutela inibitória a uma ordem de

não fazer; o próprio nome que qualifica a tutela acaba sendo reforço para a idéia de que

a tutela inibitória não pode impor um fazer.

224

Aldo Frignani, L’injunction nella common law e l’inibitoria nel diritto italiano, cit., p. 179. 225

I.C.F. Spry, The principles of equitable remedies, cit., p. 372 e ss. 226

Como escreve Varano, “si distingue fra una final (o perpetual) injunction, che è concessa di norma

soltanto dopo il trial, ossia dopo il pieno accertamento del merito e diventa anzi parte integrante della

sentenza che definisce il giudizio, e una interlocutory (o preliminary) injunction, che è una misura

provvisoria concessa nella fase iniziale del processo, prima che il giudice abbia avuto la possibilità di

valutare compiutamente le prove prodotte dalle parti” (Vincenzo Varano, Injunction. Digesto delle

discipline privatistiche, v. 9, p. 488). 227

O direito anglo-americano somente admitiu as mandatory injunctions muito depois de já ter

consagrado o uso das prohibitory injunctions. E, ainda assim, as Cortes Americanas, temendo causar

graves danos de natureza econômica, mostraram receio na concessão das mandatory injunctions, receio

que era maior ainda nos casos de preliminary mandatory injunctions (Aldo Frignani, L’injunction nella

common law e l’inibitoria nel diritto italiano, cit., p. 183). 228

Ver, em tal sentido, Aldo Frignani, L’injunction nella common law e l’inibitoria nel diritto italiano,

cit., p. 184. Frignani, aliás, afirma que “la funzione che adempie l’injunction è tipicamente preventiva, in

ciò opponendosi ai damages, che hanno uno scopo riparatorio o risarcitorio” (Aldo Frignani, L’injunction

nella common law e l’inibitoria nel diritto italiano, cit., p. 184). 229

Vincenzo Varano, Injunction. Digesto delle discipline privatistiche, v. 9, p. 488. 230

A quia timet, entretanto, exige uma forte prova do perigo de ilícito. Assim, por exemplo, em Att – Gen.

v. Nottingham Corporation, o tribunal recusou-se a conceder uma injunction contra uma empresa que

desejava construir um hospital para tratamento de varíola a menos de dezoito metros de uma área

residencial, uma vez que não havia prova de “actual and real danger – a strong probability, almost

amounting to moral certainty, that if the hospital be established, it will be an actionable nuisance” (P. V.

Baker e P. St. J. Langan, Snell’s principles of equity, cit., p. 631).

Page 107: Tutela Inibitória - Marinoni

107

<texto>É preciso perceber, porém, que a tutela inibitória foi forjada, no direito

italiano, a partir de hipóteses tipificadas no ordenamento jurídico. Se os casos em que a

inibitória é expressamente prevista requerem, em princípio, apenas um não fazer, fica

evidentemente mais fácil conceber uma tutela inibitória negativa.

<texto>A partir do momento em que se compreende que a tutela visa a inibir o

ilícito (ainda que sempre mediante a imposição de um comportamento), e não apenas o

fazer, não há razão para não se admitir uma tutela inibitória com conteúdo positivo. O

ilícito, conforme o tipo de obrigação violada, pode ser comissivo ou omissivo; isto

significa, em princípio, que na hipótese de ilícito omissivo exige-se uma inibitória

positiva, e que no caso de ilícito comissivo é necessária uma inibitória negativa. 231

<texto>Note-se, ainda, que nada impede que uma obrigação de não fazer seja

convertida em obrigação de fazer quando se requer a tutela inibitória; pense-se, apenas,

na conversão da obrigação de não poluir em obrigação de instalar um filtro.

<texto>O próprio Frignani, que faz profundo estudo comparativo entre a inibitória

italiana e a injunction do direito anglo-americano, afirma que se deve admitir no direito

italiano – assim como se admite no direito anglo-americano – a dualidade da inibitória.

232

<texto>A jurisprudência italiana, por outro lado, também aponta para a necessidade

de sistematização da inibitória em sentido dualista.

<texto>Os tribunais italianos, interpretando a hipótese do art. 844 do Código Civil,

que se refere às “emissões intoleráveis” provocadas pelo vizinho, entenderam, a

princípio, que o prejudicado poderia requerer a cessação das emissões ou a remoção da

sua causa, mediante a destruição da obra. 233

<texto>A doutrina, contudo, além de advertir que a ordem deve dizer respeito

apenas às “emissões intoleráveis”, não tem admitido a destruição da obra,

argumentando que o art. 844 não permite a interpretação no sentido de que é possível

este tipo de providência, uma vez que a norma impede apenas a produção das emissões

231

Aldo Frignani, L’injunction nella common law e l’inibitoria nel diritto italiano, cit., p. 458. 232

“Nel nostro caso l’ordine può identificarsi sia con un non fare che con un fare. In altre parole, si

prospetta anche in diritto italiano il dualismo, già visto nell’ambito della common law, tra inibitoria

negativa e inibitoria positiva, con la differenza che nel diritto anglo-americano le mandatory injunctions

hanno avuto una sedimentazione storica che ne ha permesso quella precisa elaborazione concettuale che

invano si cercherebbe nel nostro sistema” (Aldo Frignani, L’injunction nella common law e l’inibitoria

nel diritto italiano, cit., p. 459). 233

Aldo Frignani, L’injunction nella common law e l’inibitoria nel diritto italiano, cit., p. 290.

Page 108: Tutela Inibitória - Marinoni

108

que ultrapassam o limite da “normale tollerabilità” (art. 844, CC italiano), viabilizando

somente a ordem para a sua cessação. 234

Aceita-se a destruição da obra apenas no casos

em que, pela natureza da obra, não é possível a eliminação do efeito sem a remoção da

sua causa. O interessante, entretanto, é que a doutrina, procurando evitar uma tutela

mais drástica, acaba propondo a possibilidade de a sentença determinar a instalação de

meios técnicos capazes de permitir a cessação das emissões sem a destruição da obra ou

a paralisação da atividade, o que acaba configurando uma inibitória positiva. 235

<texto>O exemplo nos interessa porque nada impede, no direito brasileiro, uma

tutela inibitória que ordene a instalação de um filtro em uma indústria que expele

fumaça nociva à saúde dos vizinhos.

<texto>O art. 2.564 do CC italiano, tratando da necessidade da modificação da

firma (ditta) para evitar confusão, estabelece, em sua primeira parte, que “quando la

ditta è uguale o simile a quella usata da altro imprenditore e può creare confusione per

l’oggetto dell’impresa e per il luogo in cui questa è esercitata, deve essere integrata o

modificata con indicazioni idonee a differenziarla”. 236

<texto>Para se compreender o problema que gira em torno dessa hipótese de tutela

inibitória, deve-se partir da premissa de que o direito à integração ou à modificação da

firma não se confunde com o direito à supressão desta. 237

<texto>A jurisprudência, ao tratar da inibitória que visa modificar a firma, chega a

duas distintas conclusões: a primeira admite que o juiz imponha as modificações que

devem ser feitas para que seja eliminada a confusão entre as “firmas”; a segunda

confere à parte da sentença que impõe a observância das modificações o caráter de mero

conselho, que pode ou não ser seguido pelo réu. 238

<texto>Argumenta-se, em benefício da segunda interpretação, que a imposição da

modificação da ditta retiraria do réu a liberdade – implicitamente reconhecida pelo

próprio art. 2.564 – de escolha da própria firma. 239

<texto>Admitindo-se a primeira interpretação chega-se a uma inibitória que impõe

234

Idem, ibidem. 235

Idem, ibidem, p. 291. 236

A segunda parte do art. 2.564 afirma o seguinte: “Per le imprese commerciali l’obbligo

dell’integrazione o modificazione spetta a chi ha iscritto la propria ditta nel registro delle imprese in

epoca posteriore”. 237

Aldo Frignani, L’injunction nella common law e l’inibitoria nel diritto italiano, cit., p. 324. 238

Idem, ibidem, p. 324 e ss. 239

Idem, ibidem, p. 328.

Page 109: Tutela Inibitória - Marinoni

109

um fazer. Contudo, entendendo-se que o juiz não pode impor a modificação, em razão

de o réu ter o direito de escolher a própria firma, a inibitória passa a concretizar apenas

uma ordem para que o réu deixe de utilizar a firma que acarreta confusão, realizando,

segundo a sua própria escolha, as necessárias alterações.

<texto>Mas há, ainda no direito italiano, outros casos de inibitória positiva que

merecem referência. São aqueles que dizem respeito às hipóteses que envolvem,

principalmente, direito de autor.

<texto>Alguns julgados italianos têm admitido a inibitória, ainda que a partir do art.

700 do CPC (portanto a inibitória antecipada), para obrigar empresas cinematográficas a

indicar em seus filmes, ou em publicidade referente a eles, os nomes dos atores e

atrizes. Em um outro caso, concedeu-se inibitória antecipada positiva, também fundada

no art. 700, determinando-se a supressão de partes de um filme em que aparecia a

imagem de uma célebre atriz. 240

<texto>Deve-se admitir, em nome da efetividade da tutela dos direitos, a inibitória

negativa e a inibitória positiva. Não há qualquer razão para se restringir a inibitória ao

não-fazer.

<texto>Nos casos em que se constata uma omissão do Estado-Administração, como

a relativa à falta de ação no tratamento de efluentes, não há motivo para não se admitir

uma inibitória positiva. Se a obrigação é originariamente positiva (e se destina a evitar a

violação de um direito), não há dúvida de que cabe a inibitória positiva. Por outro lado,

em hipóteses que, em princípio, são de inibitória negativa, como as que dizem respeito a

um dever de não poluir, é plenamente admissível o requerimento de uma tutela

inibitória positiva quando se percebe que, por exemplo, a instalação de uma

determinada tecnologia pode prevenir a poluição.

<texto>O art. 461do CPC, à semelhança do art. 84 do CDC, afirma que “o juiz

concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará

providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento”. Não

é porque esses artigos afirmam que o juiz pode conceder a tutela específica, ou o

resultado prático equivalente ao do adimplemento, que se imaginará que o autor tem que

requerer a tutela específica da obrigação originária e, para a hipótese da sua frustração,

o seu resultado prático equivalente.

<texto>Na verdade, pouco importa, em termos de tutela jurisdicional, se a obrigação 240

Idem, ibidem, p. 386.

Page 110: Tutela Inibitória - Marinoni

110

é originária ou derivada; o único ponto que tem relevo, quando se trata de optar por uma

inibitória negativa ou por uma inibitória positiva, é a adequação concreta da espécie de

tutela jurisdicional solicitada.

<texto>Quando o autor pede a tutela da obrigação derivada, ele requer, na realidade,

a tutela que implica um resultado prático que o satisfaz e que, portanto, é equivalente ao

resultado que teria se a obrigação originária houvesse sido voluntariamente observada.

Assim, por exemplo, se “A” pede que “B” pare de poluir o meio ambiente, a tutela

jurisdicional se refere à obrigação originária; mas se “A” pede que “B” seja obrigado a

instalar um filtro (que não seria sua obrigação originária), já está sendo postulada a

tutela que conferirá ao autor um resultado equivalente ao do adimplemento da obrigação

originária.

<texto>De qualquer forma, a tutela da obrigação que se almeja ver cumprida pelo

réu implica a efetividade da tutela inibitória, ou ainda a efetividade da prevenção do

ilícito.

<texto>Como já foi dito, Eduardo Talamini afirma que a tutela do art. 461 “presta-

se não só a impedir a prática de um ato (o que, a rigor, corresponde a inibir), mas

também para impor a observância de um dever de fazer”, 241

o que não seria viável em

face da ação inibitória. Trata-se de equívoco, pois não há lógica alguma em supor que a

inibitória somente pode impor um não fazer. Esta conclusão não pode ser retirada de

lugar algum.

<texto>Afirmar que a ação inibitória italiana somente pode impor um não fazer, e

por esta razão concluir que a tutela jurisdicional inibitória brasileira também está

impedida de impor um fazer, não tem cabimento. Como é óbvio, o fato de determinado

ordenamento jurídico não viabilizar a possibilidade de obtenção da tutela inibitória

positiva não pode levar à conclusão de que esta espécie de tutela inibitória não existe.

Seria o mesmo que afirmar uma impropriedade, particular a determinado ordenamento,

para sustentar que não é possível ao direito brasileiro construir uma ação processual

capaz de propiciar uma tutela fundamental para a efetividade dos direitos.

<texto>De qualquer forma, não é verdade que a tutela inibitória, na Itália, não possa

ser prestada através da imposição de um fazer. Ora, como já foi dito, admite-se que seja

imposta a modificação dos condutos de fumaça para que as emissões se tornem

“toleráveis”, em conformidade com o art. 844 do CC.

241

Eduardo Talamini, Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer, cit., p. 232.

Page 111: Tutela Inibitória - Marinoni

111

<texto>Como já foi dito, o real problema de uma tutela inibitória positiva está no

fato de que a função preventiva não é própria das normas de natureza civil. Os direitos,

previstos por estas normas, quando ameaçados de violação, abrem oportunidade a

ordens judiciais de não fazer. Entretanto, como lembrado antes, é possível que, em

alguns casos, tais direitos sejam protegidos por ordens de fazer (inibitória positiva),

ainda que um dever positivo não esteja expresso e diretamente instituído em norma

alguma.

<texto>Mas, quando são estabelecidos, em normas de caráter administrativo,

deveres de conteúdo nitidamente preventivo, a violação do dever já constitui violação

de dever positivo (por exemplo, dever de instalar tecnologia para que seja evitada a

poluição). Como se vê, a diferença é que, na primeira hipótese, estabelece-se dever

negativo e, nesta última, dever positivo. Entretanto, se o dever negativo pode levar a

uma ordem de fazer, e nesse caso há prestação de tutela inibitória positiva, não há como

entender que a ordem de fazer, para que então seja observado o dever positivo, não

constitua tutela inibitória positiva. Admitir que a ordem positiva para o cumprimento de

dever de fazer não constitui tutela inibitória, é o mesmo que supor que a inibitória

positiva somente existe quando o direito material não prevê dever positivo, mas apenas

dever negativo. É esquecer que o próprio direito material, em alguns casos, possui

função preventiva, e que a tutela jurisdicional destinada à atuação deste direito não tem

como perder o caráter inibitório da norma não observada.

<texto>O ordenamento jurídico brasileiro, através dos arts. 461 do CPC e 84 do

CDC, viabiliza a imposição de fazer. Ninguém pode negar que a imposição do fazer é

capaz de inibir o ilícito, pois a omissão na observância de dever imposto com finalidade

preventiva, como é evidente, é genuíno ilícito capaz de gerar dano. Cabe reiterar que o

direito norte-americano, tão elogiado entre nós, não tem a menor dúvida em admitir a

inibitória positiva, chamando-a de mandatory injuction.

<texto>Por esta razão, está absolutamente correto Sérgio Arenhart, ao afirmar que

“importa observar, para bem compreender a extensão adequada da tutela inibitória – e a

fim de não limitar a técnica para aquém do necessário – que não se pode confundir

tutela inibitória com simples pretensão negativa. Por vezes, a tutela que busca evitar o

ilícito pode necessitar não apenas a abstenção ou a tolerância (prestare patientiam) da

Page 112: Tutela Inibitória - Marinoni

112

parte requerida, exigindo a adoção de alguma atividade concreta”. 242

<aa>3.19 A multa e a tutela inibitória que impõe um fazer fungível

<texto>Admitimos, no item precedente, que a inibitória pode implicar em ordem a

um fazer fungível. Entretanto, como alguém poderia argumentar que a multa somente

pode ser empregada no caso de prestação infungível, 243

cabe-nos uma explicação.

<texto>Antes da introdução do novo art. 461 no CPC, havia certa dificuldade em se

admitir a cominação de multa no caso de prestação fungível; tinha efeito aí o teor do

antigo art. 287, 244

que falava, ao referir-se à obrigação de fazer, em “prestar fato que

não possa ser realizado por terceiro”, deixando de aludir aos casos em que a execução

do fazer pode dar-se através de sub-rogação.

<texto>Não obstante esta dificuldade, a doutrina, ao se deparar com o antigo art.

644 (que não fazia qualquer restrição à natureza da prestação devida para a imposição

da multa), 245

propunha interpretação conciliatória, que acabava por admitir o emprego

da multa nas prestações fungíveis.

<texto>Calmon de Passos, por exemplo, afirmava que, no caso de tutela específica

de obrigação infungível, a multa deveria ser necessariamente requerida, ante o teor

imperativo do art. 287 (em sua antiga redação), que afirmava que “constará da petição

inicial a cominação da pena pecuniária ...”; já na hipótese de obrigação fungível, a multa

seria uma mera faculdade do autor, até porque o antigo art. 644 utilizava a expressão “o

credor poderá ...”. 246

242

Sérgio Cruz Arenhart, A tutela inibitória coletiva, São Paulo: RT, 2003, p 167. Exato, também,

Joaquim Felipe Spadoni, Ação inibitória, São Paulo: RT, 2002, p. 70. 243

Ver, por exemplo, Giuseppe Borrè, Esecuzione forzata degli obblighi di fare e di non fare. Napoli:

Jovene. 1966, p. 135 e ss; Rodolfo de Camargo Mancuso, Ação civil pública, cit., p. 171-172. 244

Lembre-se que este artigo foi alterado pela Lei 10.444/2002. 245

Assim dispunha o antigo art. 644: “Se a obrigação consistir em fazer ou não fazer, o credor poderá

pedir que o devedor seja condenado a pagar uma pena pecuniária por dia de atraso no cumprimento,

contado o prazo da data estabelecida pelo juiz”. 246

É o caso de registrar parte da argumentação de Calmon de Passos: “Pode-se tentar a harmonia dos

dispositivos entendendo-se que o art. 287 impôs o pedido de cominação, sob pena de inépcia da inicial,

cuidando-se de obrigações positivas ou negativas infungíveis, subsistindo a faculdade para as obrigações

negativas ou positivas fungíveis (...). Cuidando-se de obrigações positivas ou negativas infungíveis, deve

o autor pedir a cominação, sob pena de ser indeferida sua inicial. Nada impede, entretanto, opte, de logo,

pela resolução em perdas e danos, ou coloque o seu pedido de execução específica em alternativa:

adimplir ou responder por perdas e danos. Nesta hipótese, não vemos como se considerar essencial o

pedido de cominação. Ele é indispensável, sob pena de inépcia, quando se pretende essencialmente a

execução específica e mais ainda quando se cuide de prestação inavaliável. Esta a solução que se nos

afigurou a melhor, em face da assimetria dos arts. 287 e 644” (José Joaquim Calmon de Passos,

Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1983, v. 3, p. 167-169).

Page 113: Tutela Inibitória - Marinoni

113

<texto>De fato, a posição que prevalecia na doutrina, mesmo antes da introdução do

novo art. 461 no CPC, era no sentido de que a execução indireta não constituía

privilégio das obrigações infungíveis. 247

E o Superior Tribunal de Justiça adotava esta

tese, sendo possível mencionar, apenas como exemplo, julgado que afirmou

expressamente que ao autor é facultado pleitear a cominação da pena pecuniária ainda

que se trate de prestação fungível. 248

<texto>A doutrina brasileira, posterior à reforma de 1994, tem admitido o uso da

multa no caso de prestação fungível, como se infere das recentes lições de Ada

Pellegrini Grinover249

e Carreira Alvim. 250

E nem poderia ser de outra forma, já que o

próprio espírito do art. 461 é voltado a permitir a efetividade da tutela específica,

independentemente da prestação devida. Lembre-se que o art. 461, no seu § 4.º, afirma

que o juiz poderá, na sentença ou na tutela antecipatória, impor multa diária ao réu,

independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação.

<texto>Porém, existe na doutrina italiana a idéia de que existe um nexo de

alternatividade entre a execução indireta e a execução por sub-rogação, no sentido de

que se é possível a execução por sub-rogação não é possível a execução indireta e vice-

versa. 251

Giuseppe Borrè, autor de um denso volume sobre a “esecuzione forzata degli

obblighi di fare e di non fare”, 252

entende que a execução indireta não é cabível quando

247

José Joaquim Calmon de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil, v. 3, cit., p. 167 e ss;

Alcides de Mendonça Lima, Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1974, v.

6, t. 2, p. 771 e ss; José Carlos Barbosa Moreira, O novo processo civil brasileiro. Rio de Janeiro:

Forense, 1975, v. 2, p. 52 e ss; Athos Gusmão Carneiro, Das astreintes nas obrigações de fazer fungíveis.

Ajuris 14, p. 125 e ss. 248

Esta é a ementa do acórdão: “Ação de preceito cominatório. Cabimento da multa. Agravo retido.

Ausência de razões. 1. Conquanto se cuide de obrigação de fazer fungível, ao autor é facultado pleitear a

cominação da pena pecuniária. Inteligência dos arts. 287 e 644 do CPC. 2. Não se dispensa ao agravo

retido o requisito de conter a necessária fundamentação. Recurso especial conhecido, em parte, mas

improvido” (REsp. 6.377-SP, 4.a Turma, Rel. Min. Barros Monteiro, Revista do Superior Tribunal de

Justiça, v. 25, p. 389-390). 249

“Os ordenamentos processuais cunharam um sistema de sanções pecuniárias, representativas das

medidas coercitivas, concebidas para induzir o devedor a cumprir espontaneamente as obrigações que lhe

incumbem, principalmente as de natureza infungível” (Ada Pellegrini Grinover, Tutela jurisdicional nas

obrigações de fazer e não fazer. Reforma do Código de Processo Civil, cit., p. 255-256). 250

“Se o que se busca por meio da multa é atuar sobre a vontade do devedor, constrangendo-o

psicologicamente a cumprir o preceito – resultando em proveito do credor – não vejo por que não possa a

sanção pecuniária ser cominada também às obrigações de fazer fungíveis, pelo só fato de poder tal

obrigação ser executada por terceiro” (J. E. Carreira Alvim, Tutela específica das obrigações de fazer e

não fazer na reforma processual. Belo Horizonte: Del Rey. 1997, p. 176). 251

Ver Sergio Chiarloni, Misure coercitive e tutela dei diritti. Milano: Giuffrè, 1980, p. 15; Elisabetta

Silvestri e Michele Taruffo, Esecuzione forzata. Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 13, p. 2. 252

Sergio Chiarloni, Misure coercitive e tutella dei diritti, cit., p. 15.

Page 114: Tutela Inibitória - Marinoni

114

é viável a execução por sub-rogação. 253

<texto>Não há, entretanto, qualquer fundamento lógico para se afirmar que a

previsão de meios típicos de execução por sub-rogação implica a exclusão da execução

indireta. Como observa Chiarloni, haveria, no máximo, um fundamento histórico, que

poderia ser retirado do fato de que algumas medidas executivas indiretas, em certos

ordenamentos – como o alemão–, sempre foram admitidas apenas onde a execução por

sub-rogação não se mostra adequada; contudo, mesmo esse tipo de argumentação cai

por terra quando se observa que há muito tempo, no ordenamento francês, que é aquele

que serve de modelo, inclusive em termos históricos, às investigações teóricas

preocupadas com a incidência da multa ou das astreintes, tais formas de execução

podem ser cumuladas e coexistem pacificamente. 254

<texto>Frise-se, aliás, que não é verdade que a jurisprudência francesa tenha

caminhado no sentido de excluir o emprego das astreintes nas hipóteses contempladas

pela execução por sub-rogação. Como diz Chiarloni, a prática jurisprudencial das

astreintes afirmou-se também no que diz respeito às obrigações em relação às quais a

execução por sub-rogação é prevista, revelando-se assim errônea, caso entendida em

sentido absoluto e não como simples representação de uma linha de tendência, a

afirmação segundo a qual as astreintes são buscadas somente quando é impossível obter

o resultado do adimplemento mediante a execução forçada. 255

<texto>A multa, ao agir sobre a vontade do obrigado, elimina a demora e as

complicações que marcam a execução por sub-rogação. 256

Na verdade, a opção pela

nomeação de um terceiro para fazer aquilo que deveria ter sido feito pelo réu não só

acarreta maior demora, como também custos para o autor, que fica obrigado, ao menos

segundo a disposição do § 7.º do art. 634, a adiantar as despesas necessárias ao fazer.

253

“Vuoi che si riconduca la esecuzione indiretta alle esigenze della equity (come nella tradizione

giurisprudenziale anglosassone), vuoi che si scorga in essa lo strumento per temperare, attraverso scelte

economiche sempre più severe, il valore condizionante della volontà del debitore riguardo alla

prestazione di un risultato non altrimenti conseguibile dall’avente diritto (come nella giurisprudenza

francese), certo è comunque che il correlato logico di tale figura è rappresentato da una nozione di

infungibilità, la quale scaturisce da una valutazione sociale, e non da un apprezzamento individuale”

(Giuseppe Borré, Esecuzione forzata degli obblighi di fare e di non fare, cit., p. 136-137). 254

Sergio Chiarloni, Misure coercitive e tutela dei diritti, cit., p. 15-16. 255

Idem, ibidem, p. 16. 256

Silvestri e Taruffo têm a mesma opinião: “L’impiego di misure coercitive anche quando sia possibile

l’esecuzione in forma specifica è d’altronde opportuno in quanto, operando nel senso di indurre

l’obbligato all’adempimento, consente di evitare il ricorso ai procedimenti di esecuzione diretta, con le

relative complicazioni e perdite di tempo” (Elisabetta Silvestri e Michele Taruffo, Esecuzione forzata.

Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 13, p. 11).

Page 115: Tutela Inibitória - Marinoni

115

<texto>Não é justo obrigar o autor a adiantar as despesas necessárias ao fazer

quando é o réu que deve; obrigar o autor a pagar para evitar o ilícito, reservando-se a ele

o direito ao ressarcimento da quantia adiantada, implica uma completa desconsideração

do princípio de que o processo não pode prejudicar o autor que tem razão. 257

<texto>Se é verdade que não há sentido em se executar o réu por quantia certa para

somente depois se iniciar a execução do fazer, isto significa que a melhor opção, mesmo

na hipótese de fazer fungível, é o emprego da multa.

<texto>Quando se diz que a obrigação infungível deve ser tutelada através de multa,

não se quer dizer que apenas esta espécie de obrigação pode ser tutelada desta forma,

mas sim que a obrigação infungível somente pode ser tutelada mediante a imposição de

multa. 258

Se todos têm direito à efetividade da tutela inibitória – efetividade que poderia

ser comprometida se a execução tivesse que ser feita necessariamente através da

execução por sub-rogação –, e se o processo não pode prejudicar o autor que tem razão,

não há como não admitir que a tutela inibitória que implica em um fazer fungível possa

ser executada através de multa.

<texto>Pois a nova redação do art. 287 do CPC foi sensível a tudo isto. Esta nova

redação é a seguinte: “Se o autor pedir que seja imposta ao réu a abstenção da prática de

algum ato, tolerar alguma atividade, prestar ato ou entregar coisa, poderá requerer

cominação de pena pecuniária para o caso de descumprimento da sentença ou da

decisão antecipatória de tutela (arts. 461, § 4.º, e 461-A)”. Como se vê, alterou-se a

antiga redação que aludia a “prestar fato que não possa ser realizado por terceiro”,

passando a nova norma a falar apenas em “prestar ato”.

<texto>Se é certo que a idéia contida nesta alteração já era aceita pela doutrina e

pela jurisprudência brasileiras, é inegável que ela importa em uma tomada de posição

pelo Código de Processo Civil, a qual possui significado bastante amplo, e que assim

deve ser desvendado.

257

Tal princípio foi descrito por Chiovenda no ensaio “Sulla perpetuatio iurisdictionis”, no qual o mestre

italiano afirmou que “la necessità di servirsi del processo non deve tornar a danno di chi è costretto ad

agire o difendersi in giudizio” (Giuseppe Chiovenda, Sulla perpetuatio iurisdictionis. Saggi di diritto

processuale civile. Roma, 1930, p. 264 e ss). 258

“Di conseguenza, non si può dire che in astratto esecuzione diretta ed esecuzione indiretta siano

necessariamente alternative l’una rispetto all’altra: le misure coercitive sono necessarie quando la

sentenza non sia eseguibile in forma specifica, ma sono possibili e utili anche in presenza di forme di

esecuzione diretta, proprio perché possono evitare, inducendo il debitore ad adempiere, la necessità del

ricorso all’esecuzione in forma specifica” (Elisabetta Silvestri e Michele Taruffo, Esecuzione forzata,

Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 13, p. 2). Ver, também, Michele Taruffo, Note sul diritto alla

condanna e all’esecuzione. Rivista Critica del Diritto Privato, 1986, p. 635 e ss.

Page 116: Tutela Inibitória - Marinoni

116

<texto>É importante analisar a razão pela qual havia resistência ao emprego da

multa em relação às obrigações fungíveis. Entendia-se, simplesmente, não ter

fundamento constranger alguém a fazer algo que pode ser feito por terceiro, uma vez

que tal maneira de proceder, por não se apresentar como necessária e por isto – nesta

perspectiva – não ter legitimidade, atentaria contra a liberdade dos cidadãos. Acontece

que esta conclusão é própria de uma época em que se dava valor demasiado à idéia de

não permitir a interferência do Estado na esfera jurídica do particular.

<texto>Além disto, nesta época não era percebida a necessidade de um processo

jurisdicional célere e barato para dar efetividade ao direito que dependia da imposição

de um fazer, até porque nem sequer se concebia que a jurisdição pudesse atuar antes da

violação do direito. Supunha-se que a lei já continha em si força suficiente para evitar a

sua violação, e assim a agressão dos direitos. Nessa linha, se nem mesmo a tutela

jurisdicional inibitória era admitida, não haveria como se pensar em processo que,

atendendo à necessidade desta espécie de tutela jurisdicional, viabilizasse a imposição

de um fazer fungível.

<texto>Acontece que a realidade da sociedade contemporânea é outra. E o direito

processual não pode ser repetido, ainda que tenha sido construído por ilustres juristas, se

foi pensado para outra realidade. É por este motivo que se diz que o direito processual

não pode escapar à idéia do histórico, uma vez que os valores se expressam, como é

evidente, por meio de formas que se inserem dentro da consciência das épocas. 259

<texto>Ora, a sociedade atual mostra claramente a necessidade de tutela dos direitos

difusos que estão na dependência da implementação de ações positivas por parte dos

particulares e do Poder Público. Ademais, não são poucos os direitos individuais que

exigem, para não serem lesados, a observância de condutas positivas. Imaginar que o

processo apenas pode responder a esta necessidade por meio da execução por sub-

rogação, é simplesmente negar a possibilidade de efetividade à tutela inibitória.

<aa>3.20 A plasticidade da tutela inibitória e os limites para a imposição do

fazer e do não fazer

<a1a>3.20.1 Breve observação inicial

<texto>A plasticidade da tutela inibitória, ao permitir a imposição da ordem

259

V. Nelson Saldanha, O estado moderno e a separação de poderes, São Paulo: Saraiva, 1987, p. 73.

Page 117: Tutela Inibitória - Marinoni

117

adequada à prevenção do ilícito, traz algumas dificuldades, principalmente quando se

percebe que a imposição de um fazer ou de um não fazer sob pena de multa pode

constituir um peso muitas vezes excessivo para o réu.

<texto>Assim, por exemplo, no caso em que alguém tem o dever de não poluir o

meio ambiente ou de não perturbar o sossego do vizinho, seria possível imaginar, em

princípio, o cabimento da tutela inibitória para obrigar o réu a cessar as suas atividades,

ainda que fosse possível a inibição do ilícito de uma forma menos onerosa para o

demandado.

<texto>Porém, como a tutela do direito do autor deve ser proporcionada da forma

menos gravosa para o réu, cabe verificar em que limites a tutela inibitória pode ser

usada e quais são os critérios que devem guiar sua utilização.

<a1a>3.20.2 Os princípios do meio idôneo e da menor restrição possível como vetores

para o adequado uso da tutela inibitória

<texto>A tutela cautelar e, mais recentemente, a tutela antecipatória, impuseram à

doutrina brasileira a procura de uma justificação para a concessão da tutela sumária que

pode causar risco ao direito do réu.

<texto>A doutrina percebeu, a partir de memorável conferência proferida por Moniz

de Aragão na XI Jornada Ibero-Americana de Direito Processual Civil, que em muitos

casos, para que o direito do autor não seja sacrificado de forma irreversível, não há

outra alternativa a não ser o deferimento de uma tutela jurisdicional que coloque em

risco o direito do réu. 260

<texto>Grande parte da doutrina brasileira admite a tutela de cognição sumária

(cautelar ou antecipatória), ainda que sua concessão possa pôr em risco o direito do réu.

261 Quando se pensa em balanceamento de riscos ou de oportunidade de proteção de

260

Moniz de Aragão, ao desenvolver o seu raciocínio, vale-se do princípio da proporcionalidade (Medidas

cautelares inominadas. Revista Brasileira de Direito Processual, v. 57, p. 43-44). 261

Ovídio Baptista da Silva, Curso de processo civil. Porto Alegre: Fabris, 1993, v. 3, p. 108 e ss; Luiz

Guilherme Marinoni, Tutela cautelar e tutela antecipatória, cit., p. 126 e ss; Luiz Guilherme Marinoni, A

antecipação da tutela, cit., p. 171 e ss; Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, Efetividade e processo

cautelar, Ajuris 61, p. 176/177; Alcides Munhoz da Cunha, A lide cautelar no processo civil. Curitiba:

Juruá. 1992, p. 144 e ss; Teori Albino Zavascki, Antecipação da tutela e colisão de direitos fundamentais,

Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva. 1996, p. 143 e ss.

Page 118: Tutela Inibitória - Marinoni

118

uma das partes, pode ser invocado o balance of hardships, 262

muito utilizado no direito

anglo-americano, especialmente para justificar as preliminary injunctions. 263

<texto>O balance of hardships, 264

embora seja empregado com mais intensidade

quando o juiz se depara com uma preliminary injunction – permitindo a valoração

comparativa entre o prejuízo que o autor poderá sofrer se não for concedida a tutela e o

prejuízo que o réu poderá sofrer se esta for deferida –, também é utilizado em face da

final ou perpetual injunction. 265

<texto>Muito embora a inadequação dos legal remedies seja em regra suficiente

para legitimar a injunction, 266

entende-se que o juiz pode negá-la quando conclui que a

sua concessão poderá causar um prejuízo excessivo, injusto e irracional ao réu, 267

não

obstante o dano que o autor possa sofrer por ficar confinado aos limites dos remédios at

law. 268

<texto>A equity utiliza-se, especialmente nas hipóteses de nuisances, das chamadas

experimental orders. Trata-se de “ordens experimentais”, voltadas a permitir a

valoração da hardship que pode ser imposta ao réu se concedida a inibitória nos

262

Harold Greville Hanbury, referindo-se a este princípio, afirma que no caso de uma quia timet “there is

more weight in the defendant’s scale than in a case where the injunction is sought to restrain the

continuance or repetition of an injury” (Modern Equity – The principles of equity, cit., p. 576). 263

Ver Vincenzo Varano, Injunction. Digesto delle discipline privatistiche, v. 9, p. 492; Tendenze

evolutive in materia di tutela provvisoria nell’ordinamento inglese, con particolare riferimento

all’interlocutory injunction, Rivista di Diritto Civile, 1985, p. 39 e ss; Aldo Frignani, L’injunction nella

common law e l’inibitoria nel diritto italiano, cit., p. 156 e ss; I.C.F. Spry, The principles of equitable

remedies, cit., p. 390 e ss. 264

Ver Christine Gray, Interlocutory injunctions since cyanamid. The Cambridge Law Journal, 1981, p.

333 e ss. 265

Vincenzo Varano, Injunction. Digesto delle discipline privatistiche, v. 9, p. 492. 266

Idem, ibidem. 267

Os limites do sistema da common law fizeram surgir a necessidade de um sistema paralelo e

complementar de tutela, que levou o nome de equity. A equity é que permitiu a criação de remedies a

situações não tuteláveis at law, à medida que estas situações emergiam como economicamente relevantes

(ver Michele Taruffo, L’attuazione esecutiva dei diritti: profili comparatistici. Rivista Trimestrale di

Diritto e Procedura Civile, 1988, p. 145 e ss). Como explica Frignani, “tra le caratteristiche più

sorprendenti della equity è certamente da annoverare l’attitudine dei giudici nel creare i rimedi giuridici

più disparati, in modo che ad ogni situazione concreta corrispondesse un mezzo di tutela adeguato. In ciò

era, como si è detto, la sua prima ragion d’essere e la sua funzione primaria, in relazione alle

technicalities ed alla rigidità della common law. Questo fatto acquista un risalto ancora maggiore se viene

messo in rapporto a quanto si verificava di fronte alle corti di common law, dove il normale mezzo di

tutela era dato dai damages, rimedio provvisto di una sua propria procedura esecutiva, intesa a realizzare

coattivamente la somma che il giudice aveva stabilito a favore di una delle parti” (Aldo Frignani,

L’injunction nella common law e l’inibitoria nel diritto italiano, cit., p. 37). 268

De fato, como afirma Spry, “the court may in its discretion decline to grant an injunction if to do so

would result in such substantial hardship to the defendant that, account being taken of any detriment that

the plaintiff will suffer on his being confined to damages, disproportionate prejudice would be caused by

its intervention” (I. C. F. Spry, The principles of equitable remedies, cit., p. 392).

Page 119: Tutela Inibitória - Marinoni

119

parâmetros solicitados pelo autor. 269

Nos casos de poluição industrial, tais ordens

consistem em experiências que são conduzidas dentro da indústria ré sob o controle

científico de peritos; nas hipóteses em que através dessas experiências, conclui-se que a

fumaça, o gás, os rumores ou outras emissões podem ser reduzidas ou até mesmo

eliminadas em virtude do uso de novas tecnologias, o juiz concede a mandatory

injunction determinando o fazer necessário para que tais tecnologias possam ser

empregadas de modo a prevenir o ilícito. 270

O que se deseja evitar – ao menos pelo que

se infere do leading case na matéria – é que seja destruída uma obra ou determinado o

fechamento de uma indústria ou o encerramento de uma atividade quando se pode

recorrer a meios que podem ser menos gravosos ao réu e, ainda assim, impedir a

continuação do ilícito. 271

<texto>Nada impede, no direito brasileiro, especialmente porque os arts. 461 do

CPC e 84 do CDC permitem a concessão da inibitória antecipada, que o juiz determine,

de ofício ou a requerimento da parte, prova pericial destinada a verificar se o meio

solicitado pelo autor pode ser substituído por outro menos gravoso ao réu.

<texto>No direito brasileiro, ainda que se possa demonstrar a probabilidade de um

futuro ilícito, não é possível requerer uma tutela inibitória que, muito embora destinada

a evitar o ilícito, acabe causando um dano excessivo ao réu. A tutela deve ser solicitada

dentro dos limites adequados a cada situação concreta, evitando-se a imposição de um

não fazer ou de um fazer que possa provocar na esfera jurídica do réu uma interferência

que se revele excessiva em face da necessidade concreta de tutela. Ou seja, a inibitória

deve ser imposta ao réu dentro dos limites necessários à prevenção do ilícito.

<texto>No direito italiano, como já foi dito, admite-se a destruição da obra ou a

paralisação de uma atividade apenas quando não há outra forma para se eliminar as

emissões ilícitas. 272

Reconhece-se que, através de ordens de imposição de uso de meios

técnicos adequados à eliminação de emissões, são temperados no melhor dos modos os

interesses das partes envolvidas: de um lado, eliminando as emissões; do outro, não

suprimindo a obra ou a atividade lícita, uma vez que os seus efeitos são contidos dentro

de limites de uma normal tolerabilidade. 273

269

Aldo Frignani, L’injunction nella common law e l’inibitoria nel diritto italiano, cit., p. 165. 270

Idem, ibidem. 271

Idem, ibidem. 272

Interpretando-se o art. 844 do CC. 273

Aldo Frignani, L’injunction nella common law e l’inibitoria nel diritto italiano, cit., p. 291.

Page 120: Tutela Inibitória - Marinoni

120

<texto>A jurisprudência italiana aplica, ainda que sem revelar expressamente, o

princípio do meio mais idôneo. Trata-se de um princípio com forma de proposição

jurídica, 274

de cuja presença no direito brasileiro ninguém pode duvidar. Prova disto

está no art. 620 do CPC, que estabelece que “quando por vários meios o credor puder

promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o

devedor”. O sentido que a doutrina brasileira empresta ao art. 620 tem uma íntima

relação com o referido princípio. Dinamarco, por exemplo, referindo-se ao substrato

ético do art. 620, afirma que é em nome dos valores humanos e éticos alojados na base

do sistema executivo que a lei busca o adequado equilíbrio entre os interesses das partes

em conflito, para que a execução seja tão eficiente quanto possível, com o menor

sacrifício ao patrimônio do devedor. 275

<texto>Ao lado do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado estão os

direitos ao trabalho e à livre iniciativa, bem como as necessidades decorrentes da

produção. Se o direito à higidez do meio ambiente não pode ser negligenciado, isto não

significa que a sua tutela jurisdicional possa extrapolar os limites do necessário à sua

efetiva proteção, principalmente quando a ordem do juiz pode prejudicar outro direito

digno de consideração.

<texto>Como diz Karl Larenz, a idéia de “justa medida” tem uma relação estreita

com a idéia de justiça, tanto no exercício dos direitos como na imposição de deveres e

ônus, de equilíbrio de interesses reciprocamente contrapostos na linha do menor

prejuízo possível. 276

O autor da inibitória deve requerer a ordem que imponha a

conseqüência menos gravosa ao réu exatamente para que seja preservada a idéia de

“justa medida”, que está indissociavelmente ligada à de justiça. 277

A tutela inibitória

somente pode ser dita “justa” quando o meio utilizado para a tutela do direito, além de

ser idôneo a sua efetividade, não traz prejuízos excessivos, ou desrazoáveis, ao

demandado.

<texto>O princípio da necessidade, que se desdobra nos princípios da menor

274

“Entre os princípios com forma de proposição jurídica podem contar-se também os princípios do

‘meio mais idôneo’ e da ‘restrição menor possível’ que, como vimos, servem muitas vezes aos tribunais

de pauta de ‘ponderação de bens’. São ‘em forma de proposição jurídica’, enquanto exista um meio ‘mais

idôneo’, apenas uma restrição ‘menor possível’ – a que protege suficientemente o bem preferido – do bem

postergado, não se requerendo, portanto, uma ulterior concretização da pauta” (Karl Larenz, Metodologia

da ciência do direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989, p. 585). 275

Cândido Rangel Dinamarco, Execução civil. São Paulo: Malheiros. 1997, p. 307. 276

Karl Larenz, Metodologia da ciência do direito, cit., p. 514. 277

Idem, ibidem, p. 585.

Page 121: Tutela Inibitória - Marinoni

121

restrição possível e do meio idôneo – e que é uma modalidade especial do princípio da

proporcionalidade –, tem relação com o que Lerche chama de proibição de excesso.

Quando se fala em proibição de excesso surge claramente a idéia de “equilíbrio” e de

“justa medida”, que visa evitar que o direito do autor seja tutelado mediante a imposição

de conseqüências “desmedidas” ao réu. 278

<texto>O princípio da necessidade, abrindo-se nos princípios do meio idôneo e da

menor restrição possível, deve orientar as hipóteses de tutela inibitória, evitando que,

em nome da efetividade da tutela preventiva, seja descurada a idéia de que a tutela do

direito do autor deve ser obtida sem gerar conseqüências desrazoáveis à esfera jurídica

do réu.

<texto>A ética da tutela inibitória consiste na efetividade da prevenção sem

prejuízos excessivos ao demandado, privilegiando o “equilíbrio” e a “justa medida”

como critérios que devem iluminar a relação entre a efetividade da tutela preventiva e a

necessidade de preservação da esfera jurídica do réu.

<texto>A aplicação destes princípios tem estreita relação com os poderes de

execução que foram conferidos ao juiz por meio dos arts. 461 do CPC e 84 do CDC, e

especialmente com a possibilidade da utilização da multa.

<texto>A possibilidade da utilização da multa permite a adequação da tutela

jurisdicional a cada caso conflitivo concreto, o que sempre foi inadmitido no processo

civil clássico. Na época em que foram elaboradas as bases do direito processual, deixou-

se clara a idéia de não se permitir ao juiz invadir a esfera jurídica da parte, a não ser

através dos meios executivos expressamente previstos em lei. Desejava-se outorgar ao

cidadão a garantia de que sua esfera jurídica somente poderia ser invadida através dos

meios de execução tipificados na legislação. Falava-se, então, em princípio da tipicidade

das formas executivas, visando-se dar garantias ao cidadão contra a possibilidade de

abusos no exercício do poder jurisdicional. Este princípio, como as “formas” típicas ao

direito processual, sempre foi ligado à liberdade individual. 279

<texto>Como é óbvio, não se quer negar, aqui, a importância das formas

processuais, mas é preciso esclarecer que o princípio da tipicidade dos meios de

execução imobilizou o juiz, inviabilizando a tutela efetiva de uma série de situações de

278

Idem, ibidem. 279

Ver Vittorio Denti, Il processo di cognizione nella storia delle riforme, Rivista Trimestrale di Diritto e

Procedura Civile, 1993, p. 808.

Page 122: Tutela Inibitória - Marinoni

122

direito substancial. Foi por esta razão que o legislador instituiu um novo sistema de

execução, dando ao juiz o poder de determinar a modalidade executiva adequada ao

caso concreto, e assim permitindo que agora se fale em princípio da concentração dos

poderes de execução.

Porém, não é porque foi outorgada ao juiz uma ampla latitude de poder para a

determinação do meio executivo, que esse poder poderá ser utilizado de forma

inadequada ou irracional. Os critérios para a aplicação da multa e das medidas

executivas diretas estão presentes nas regras do meio idôneo e da menor restrição

possível, os quais devem ser devidamente explicitados na fundamentação da decisão..

<aa>3.21 Tutela inibitória e tutela de remoção do ilícito

<texto>Passemos, agora, a uma das mais intrigantes questões relacionadas à tutela

inibitória: a da continuação do ilícito. Ao que parece, não é correto supor que a

prestação de tutela jurisdicional para impedir a continuação do ilícito não constitua

tutela preventiva. Ora, é importante registrar que, dentro da sociedade contemporânea,

são inúmeras as situações em que uma atividade se perpetua no tempo, causando danos

de forma continuada. Basta pensar no fenômeno de poluição ambiental. A ação que

objetiva evitar a propagação da poluição tem evidente fim preventivo.

<texto>Neste sentido também pensa Cristina Rapisarda: “A ligação da tutela

inibitória a um ilícito em parte já praticado, não influi, de modo algum, sobre a sua

natureza preventiva, uma vez que a tutela possui eficácia somente em face do possível

ilícito futuro. A tutela prescinde dos efeitos do ato ou da atividade ilícita, sejam estes

danosos ou não, porque se dirige unicamente contra o perigo de repetição ou

continuação do ilícito”. 280

Nesta mesma conclusão acertadamente chegou, entre nós e

recentemente, Joaquim Felipe Spadoni, ponderando que o cabimento da ação inibitória

“independe da temporalidade do ilícito a ser inibido, isto é, se ele se consumará em ato

único, ou em ato continuativo, ou repetitivo”. 281

<texto>Como já havíamos dito quando da 1.ª edição deste livro, existe, no caso de

continuação do ilícito, enorme dificuldade para se precisar a natureza da tutela

jurisdicional que contra ela se dirige. Não parece correto entender que a tutela contra o

ilícito continuado é repressiva, e assim volta-se para o passado, apenas pelo fato de o

280

Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitória, cit., p. 90-91. 281

Joaquim Felipe Spadoni, Ação inibitória, cit., p. 75.

Page 123: Tutela Inibitória - Marinoni

123

ilícito já estar em atividade à época em que a ação processual é proposta. É preciso

observar que, neste caso, a tutela jurisdicional mira o futuro, e não o passado.

<texto>Concluiu-se, nas primeiras edições deste livro, que a tutela jurisdicional que

visa a convencer, sob pena de multa, o demandado a não continuar o ilícito, é inibitória,

ao passo que a tutela jurisdicional que determina a supressão da situação de ilicitude,

por não dar qualquer possibilidade ao agir voluntário do réu, remove o ilícito. Esta é

uma classificação que, partindo de um determinado ângulo de visão, toma em

consideração os efeitos da tutela jurisdicional sobre o ilícito continuado em si.

<texto>Entretanto, para não restar dúvida de que há direito à tutela inibitória contra

o ilícito continuado, é importante deixar evidenciada uma concepção que parte de um

ângulo visual distinto. Trata-se de tentar a distinção entre os efeitos continuados do ato

ilícito e a prática continuada do ilícito. Cabe esclarecer, de início, que não foi possível

encontrar, na doutrina do direito civil, brasileira e estrangeira, qualquer alusão a esta

distinção. Contudo, não há como se negar a diferença entre os efeitos continuados

decorrentes de um ilícito e a prática continuada de uma ação ou omissão ilícita. Quando

o ilícito se perpetua no tempo em decorrência de uma ação que já ocorreu, mas cujos

efeitos ainda se propagam no tempo, não há mais como impedir a continuação do agir

(da ação) ilícito, pois apenas os seus efeitos é que se propagam ou continuam. Ou seja,

somente a ação (ou omissão) continuada pode ser inibida, e não a ação cujos efeitos se

perpetuam no tempo. Existe diferença entre impedir o agir ilícito e remover o ilícito

cujos efeitos estão repercutindo no tempo. 282

<texto>Neste sentido, todo agir ilícito pode ser inibido, seja através de provimento

atrelado à multa, seja por meio de provimento jurisdicional ligado às medidas

executivas que permitam a inibição independentemente da vontade do réu. A ação

inibitória, nesta nova perspectiva, além de manter a sua capacidade de atuar em face

do ilícito continuado, passa a viabilizar a prestação de tutela inibitória através da multa

ou de qualquer medida executiva necessária e adequada. 283

282

Discutimos sobre esta questão com Sérgio Arenhart quando da elaboração de sua tese de doutorado, a

qual tivemos o prazer de orientar na Universidade Federal do Paraná. Entretanto, sua conclusão, ao menos

na tese, foi no sentido de que toda tutela jurisdicional voltada contra o “ilícito continuado” é tutela

repressiva, e não preventiva. 283

Como já havíamos dito, aliás, aludindo à “tutela preventiva executiva” (Luiz Guilherme Marinoni,

Tutela específica. São Paulo: RT, 2000 e 2001, 1.ª ed. e 2.ª ed.). A “tutela preventiva específica” serve

para expressar o conteúdo da idéia de uma tutela inibitória que pode ser prestada através de medidas que

podem ser chamadas de “execução direta”. O cuidado na utilização deste nome, pensado propriamente

para distinguir as formas de atuação jurisdicional para a obtenção da inibição do ilícito, tomou em

Page 124: Tutela Inibitória - Marinoni

124

<texto>Reafirme-se que o ilícito que pode ser inibido é aquele que decorre de um

agir ilícito (seja comissivo, seja omissivo). Assim, por exemplo, a poluição ambiental é

um ilícito que consiste em agir continuado; a ordem para conter a poluição constitui

tutela inibitória. Porém, se o comerciante expôs à venda produto nocivo à saúde do

consumidor, o agir ilícito já foi cometido, de modo que apenas os seus efeitos ainda se

propagam no tempo. Neste caso, a eliminação do ilícito somente pode ocorrer se o

comerciante voltar atrás, retirando o produto do mercado. Sublinhe-se, por meio de

outro exemplo, que a apreensão da mercadoria produzida em desrespeito a patente de

invenção igualmente elimina o ilícito, não se destinando a convencer o réu a não voltar

a produzir a mercadoria ou ainda a não colocá-la à venda. É aí que se apresenta o espaço

em que a tutela de remoção do ilícito deve atuar.

<texto>Importa notar, entretanto, que a tutela de remoção do ilícito, assim como a

tutela inibitória, não é uma tutela contra o dano. A tutela de remoção do ilícito objetiva

a remover ou eliminar o próprio ilícito, isto é, a causa do dano; não visa ressarcir o

prejudicado pelo dano. No caso de tutela de remoção do ilícito, é suficiente a

transgressão de um comando jurídico, pouco importando se o interesse privado tutelado

pela norma foi efetivamente lesado ou se ocorreu um dano. 284

Como diz Michele

Mòcciola, em ensaio publicado na Rivista Critica del Diritto Privato, a conseqüência

lógica da distinção entre dano e ilícito conduz à formulação do critério segundo o qual

todas as vezes em que a intervenção judiciária tem por objeto a fonte do dano, não há

tutela ressarcitória. 285

<texto>Deixando-se claro que a tutela de remoção do ilícito visa a eliminar o ilícito,

e assim não tem relação com o dano, esclarece-se, igualmente, que esse tipo de tutela, à

semelhança da tutela inibitória, não tem entre os seus pressupostos a culpa ou o dolo.

consideração a preocupação que sempre existiu na doutrina com o direito de liberdade dos

jurisdicionados. Como dissemos quando da publicação de Tutela específica, no ano 2000, “designamos a

tutela destinada a evitar o ilícito ou a sua repetição, mas que prescinde da vontade do demandado, de

preventiva executiva, justamente para deixar claro que os seus significados, ou os impactos que

provocam sobre a esfera do réu, são distintos” – em relação à tutela inibitória em que ordena sob pena de

multa (ob. cit., p. 122-123). Atualmente, já consolidada e aceita a tese da tutela inibitória, não há razão

para continuarmos com esta diferença de nomes, pois já existe plena consciência de que a ação inibitória

deve ser utilizada com prudência. 284

Ver Michele Giorgianni, Tutela del creditore e tutela “reale”. Rivista Trimestrale di Diritto e

Procedura Civile, 1975, p. 853 e ss; Renato Scognamiglio, Il risarcimento del danno in forma specifica.

Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1957, p. 201 e ss; Michele Mòcciola, Problemi del

risarcimento del danno in forma specifica nella giurisprudenza. Rivista Critica del Diritto Privato, 1984,

p. 367 e ss. 285

Michele Mòcciola, Problemi del risarcimento del danno in forma specifica nella giurisprudenza.

Rivista Critica del Diritto Privato, 1984, p. 380-381.

Page 125: Tutela Inibitória - Marinoni

125

Consoante escreve Cesare Salvi, a tutela ressarcitória (seja pelo equivalente ou na forma

específica) pressupõe que o ofendido prove a responsabilidade do sujeito ao qual o dano

é imputado (a não ser, obviamente, nos casos de responsabilidade sem culpa), o que não

acontece no outro âmbito de tutela, em que está presente a tutela que visa a eliminar o

ilícito. 286

<aa>3.22 A fungibilidade da tutela inibitória

<a1a>3.22.1 Breves observações sobre o princípio da congruência entre o pedido e a

sentença

<texto>O Código de Processo Civil, em duas oportunidades, frisa a necessidade de

o juiz ater-se ao pedido formulado pelo autor. O art. 128 afirma que “o juiz decidirá a

lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não

suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte”; o art. 460, por sua vez, diz

claramente que “é defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa

da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do

que lhe foi demandado”.

<texto>Entende-se, a partir daí, que a sentença deve limitar-se ao que foi pedido

pelo autor, seja no que diz respeito ao pedido imediato, seja no que pertine ao pedido

mediato. 287

<texto>Em relação ao pedido imediato, ou no que concerne à natureza da

providência solicitada, as sentenças podem variar em declaratória, constitutiva,

condenatória, mandamental e executiva. Assim, por exemplo, se “A” pede que o juiz

ordene sob pena de multa, o juiz não pode proferir uma sentença executiva; vice-versa,

não cabe ao juiz proferir uma sentença mandamental quando o autor pediu algo que

deve ser atendido através de uma sentença executiva ou condenatória. Por outro lado, o

pedido mediato refere-se ao bem que se pretende conseguir; 288

determina-se o pedido

mediato através do bem jurídico pretendido pelo autor. 289

<texto>Os arts. 461 do CPC e 84 do CDC admitem expressamente que o juiz pode

286

Cesare Salvi, Il risarcimento del danno in forma specifica. Processo e tecniche di attuazione dei diritti.

Napoli: Jovene, 1989, p. 587. 287

Moacyr Amaral Santos, Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1976, v.

4, p. 441. 288

José Carlos Barbosa Moreira, O novo processo civil brasileiro, cit., p. 23. 289

Moacyr Amaral Santos, Comentários ao Código de Processo Civil, v. 4, cit., p. 442.

Page 126: Tutela Inibitória - Marinoni

126

conceder a tutela específica da obrigação ou o resultado prático equivalente ao do

adimplemento. Com isto, o juiz está autorizado, desde que respeitados os limites da

obrigação originária, a impor o fazer ou o não-fazer mais adequado à situação concreta

que lhe é apresentada para julgamento.

<texto>Poderia ser dito que o bem pretendido, por meio da ação inibitória, é a

prevenção. Contudo, se bastasse ao autor da ação inibitória pedir prevenção, não haveria

razão para pensar na possibilidade de o juiz conceder a tutela específica ou o seu

resultado prático equivalente. Se o autor não necessita precisar o pedido, não há motivo

para o legislador dar ao juiz a possibilidade de julgar fora do pedido. Isto pela razão de

que o juiz, ao impor um não fazer ou um fazer, sempre estaria atendendo à necessidade

de prevenção, e assim jamais julgando fora do pedido.

<a1a>3.22.2 Os arts. 461 do CPC e 84 do CDC como exceções ao princípio de que a

sentença deve ficar adstrita ao pedido

<texto>De acordo com os arts. 461 do CPC e 84 do CDC, o juiz pode conceder a

tutela específica da obrigação ou o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

<texto>Reconhece-se ainda, em ambos os dispositivos, a possibilidade de o juiz

fixar a multa (§ 4.º, arts. 461 e 84) ou determinar as chamadas “medidas necessárias” (§

5.º, arts. 461 e 84) de ofício (na sentença ou na decisão concessiva da tutela

antecipatória), para que seja obtida a tutela específica ou o resultado prático equivalente.

<texto>A doutrina brasileira tem admitido que os arts. 461 do CPC e 84 do CDC

constituem exceções à regra geral de que a sentença não pode fugir do pedido. Arruda

Alvim, por exemplo, referindo-se à multa prevista no art. 84 do CDC, afirma que “a

possibilidade de imposição desta multa diária independe de pedido do autor, o que é

novidade. Não se segue a regra geral (principalmente, arts. 128 e 460, primeira frase, do

CPC), de que qualquer decisão, ordem ou sentença, sempre depende de pedido da parte

e haverá de a este se cingir para o respectivo acolhimento, ou não”. 290

<texto>Kazuo Watanabe, considerando essa mesma questão, não teve dúvidas em

concluir que “não há que se falar, diante desse poder concedido ao juiz, em ofensa ao

princípio da congruência entre o pedido e a sentença, uma vez que é o próprio legislador

federal, competente para legislar em matéria processual, que está excepcionando o

290

José Manoel de Arruda Alvim, Código do Consumidor Comentado. São Paulo: RT, 1995, p. 402.

Page 127: Tutela Inibitória - Marinoni

127

princípio”. 291

Ada Pellegrini Grinover é ainda mais enfática ao dizer que “caberá à

sensibilidade do juiz” optar entre a multa e as medidas sub-rogatórias capazes de

conduzir ao resultado prático equivalente ao adimplemento.292

Está expressa, nos arts. 461 do CPC e 84 do CDC, a possibilidade de o juiz

determinar atuação diferente daquela que foi pedida, desde que capaz de conferir

resultado prático equivalente àquele que seria obtido em caso de adimplemento da

obrigação originária. Assim, por exemplo, se é requerida a cessação do agir ilícito, o

juiz pode entender que basta a instalação de determinada tecnologia para que a poluição

seja estancada (um filtro, por exemplo), e assim determinar a sua instalação.

<texto>No exemplo acima, determinou-se atuação diversa da pedida. Acontece que

há também a possibilidade de o juiz, atendendo a postulação realizada pelo autor, ater-

se àquilo que foi solicitado, mas mediante a imposição de meio “executivo” diverso do

requerido. Ora, a possibilidade de imposição de atuação diversa da solicitada não se

confunde com a possibilidade de imposição do pretendido através da utilização de meio

“executivo” diferente do postulado. Isto ocorreria, observando-se ainda o exemplo

acima narrado, se o autor houvesse requerido a instalação do filtro sob pena de multa, e

o juiz, considerando as circunstâncias do caso concreto, determinasse que um terceiro o

instalasse.

<texto>A distinção entre a determinação de algo diverso do solicitado e a imposição

de meio “executivo” diverso para a imposição daquilo que foi requerido, não é

meramente acadêmica, mas se destina a demonstrar que o juiz pode deixar de lado, além

do meio executivo solicitado, o próprio pedido mediato, ou melhor, a providência (e não

apenas o provimento ou o meio executivo) que foi pedida.

<a1a>3.22.3 A sub-rogação de uma obrigação em outra para a obtenção da tutela

específica ou do resultado prático equivalente ao do adimplemento

<texto>O problema que passamos a enfrentar, ainda que bastante difícil, é

fundamental para a efetividade da tutela inibitória.

<texto>A questão diz respeito a saber se o juiz pode converter uma obrigação

(compreendida como uma obrigação que se deseja ver imposta pela tutela jurisdicional

291

Kazuo Watanabe, Tutela antecipatória e tutela específica das obrigações de fazer e não fazer. Reforma

do Código de Processo Civil, cit., p. 43. 292

Ada Pellegrini Grinover, Tutela jurisdicional nas obrigações de fazer e não fazer. Reforma do Código

de Processo Civil, cit., p. 259.

Page 128: Tutela Inibitória - Marinoni

128

ao réu) em outra, para conferir ao autor a tutela específica da obrigação ou um resultado

prático equivalente ao do adimplemento.

<texto>Se os arts. 461 do CPC e 84 do CDC excepcionam a regra da congruência

entre o pedido e a sentença, isto decorre da tomada de consciência de que a tutela

jurisdicional deve proporcionar, na medida do possível, a tutela específica dos direitos,

evitando-se, principalmente nos casos de direitos não patrimoniais, a insatisfatória saída

pela via da técnica ressarcitória. A doutrina brasileira, aliás, tem afirmado,

parafraseando conhecida máxima de Chiovenda, 293

que a idéia central que está na base

das normas de que nos ocupamos é proporcionar a quem tem direito à situação jurídica

final que constitui objeto de uma obrigação específica precisamente aquela situação

final que ele tem o direito de obter. 294

<texto>Se o objetivo que preside a “tutela específica das obrigações de fazer e de

não-fazer” é proporcionar a quem tem direito à situação jurídica final, que constitui

objeto de uma obrigação, precisamente aquela situação final que ele tem o direito de

obter, parece correto admitir que o juiz pode deixar de atender ao pedido formulado

para – convertendo uma “obrigação” em outra – conferir ao autor a tutela específica da

obrigação originária ou um resultado prático equivalente ao do adimplemento.

<texto>Ora, se os arts. 461 do CPC e 84 do CDC excepcionam expressamente a

regra da congruência entre o pedido e a sentença, e ainda afirmam que o juiz

“determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do

adimplemento”, eles conferem ao juiz o poder necessário para que ele – mediante a

conversão de uma obrigação em outra – possa conceder um resultado prático

equivalente ao do adimplemento, deixando de atender ao pedido formulado pelo autor,

que pode ser de tutela específica da obrigação originária ou de um outro resultado

prático equivalente ao do adimplemento. Na verdade, se o autor desde logo postula um

resultado prático equivalente ao do adimplemento, o juiz pode conceder a tutela

específica da obrigação originária ou um outro resultado prático equivalente ao do

adimplemento. É uma só idéia, ou seja, a noção de que o juiz deve ter o poder decisório

suficiente para garantir a adequada e efetiva tutela do direito, que está por detrás de tudo

isto. Como diz Kazuo Watanabe, o art. 461 procura dar efetividade, nos limites da

possibilidade prática e jurídica, ao postulado chiovendiano da máxima coincidência

293

O processo deve dar a quem tem um direito tudo aquilo e exatamente aquilo que ele tem o direito de

obter. 294

Cândido Rangel Dinamarco, A reforma do processo civil, cit., p. 151.

Page 129: Tutela Inibitória - Marinoni

129

entre a tutela jurisdicional e o direito que assiste à parte, tanto em relação às obrigações

de fazer como às de não-fazer. 295

<texto>Para que tudo fique mais claro, nada melhor do que alguns exemplos. Se

“A”, alegando que “B” está poluindo o meio ambiente, pede que o juiz ordene, sob pena

de multa, a cessação de suas atividades, a determinação da instalação de um filtro, sob

pena de multa, constitui um resultado prático equivalente ao da ordem de não-fazer? Em

um outro exemplo, se “A” requer a ordem de instalação do filtro, está o juiz autorizado

a ordenar a cessação da atividade ilícita, uma vez constatada que a instalação do

equipamento não será suficiente para impedir o prosseguimento da poluição? E se “A”

requer que “B” instale um equipamento sofisticado e caro, e verifica-se que basta a

instalação de um simples filtro, o juiz está autorizado a ordenar a instalação deste filtro?

<texto>Kazuo Watanabe, considerado o principal artífice dos arts. 461 do CPC e 84

do CDC, 296

referindo-se à sub-rogação de uma obrigação em outra como forma de se

obter a tutela específica ou o resultado prático equivalente ao do adimplemento, diz o

seguinte: “Pensemos, por exemplo, no dever legal de não poluir (obrigação de não

fazer). Descumprida, poderá a obrigação de não fazer ser sub-rogada em obrigação de

fazer (v.g., colocação de filtro, construção de um sistema de tratamento de efluente etc.),

e descumprida esta obrigação sub-rogada de fazer poderá ela ser novamente convertida,

desta feita em outra de não fazer, como a de cessar a atividade nociva”. 297

<texto>O art. 84 do CDC (assim como o art. 461 do CPC), ao permitir ao juiz

conceder a tutela que implica um resultado prático equivalente ao do adimplemento,

visa a viabilizar a tutela da obrigação originária da forma mais adequada possível.

Assim, verificando-se que a instalação do filtro é o meio mais idôneo para a situação

ilícita, está o juiz autorizado a ordenar a sua instalação. Desta forma, aliás, permite-se

que a tutela seja prestada de forma efetiva e com a imposição do menor gravame

possível ao réu. A instalação do filtro, no caso em que é requerida a ordem de cessação

da atividade ilícita, proporciona ao autor um resultado prático que o satisfaz, já que é

295

Kazuo Watanabe, Tutela antecipatória e tutela específica das obrigações de fazer e não fazer. Reforma

do Código de Processo Civil, cit., p. 41. 296

Segundo Ada Pellegrini Grinover, deve-se a Kazuo Watanabe a “empreitada de ter introduzido no

processo brasileiro a tutela específica do credor nas obrigações de fazer ou não-fazer, por meios sub-

rogatórios capazes de levar ao resultado prático equivalente ao adimplemento” (Ada Pellegrini Grinover,

Tutela jurisdicional nas obrigações de fazer e não fazer. Reforma do Código de Processo Civil, cit., p.

256). 297

Kazuo Watanabe, Tutela antecipatória e tutela específica das obrigações de fazer e não fazer. Reforma

do Código de Processo Civil, cit., p. 44.

Page 130: Tutela Inibitória - Marinoni

130

adequado para solucionar a situação de ilicitude.

<texto>Se o autor já requereu, através do seu pedido, um resultado equivalente ao

do adimplemento, nada impede que o juiz conceda a tutela específica da obrigação

originária ou um outro resultado equivalente ao adimplemento. Assim, se “A” pediu a

instalação do filtro, que é um resultado equivalente ao do adimplemento do dever de

não poluir, nada obsta a que o juiz, ao concluir que a instalação do filtro será

insuficiente para evitar a continuação da poluição, ordene que o réu cesse as suas

atividades sob pena de multa. Da mesma forma, se “A” requereu a instalação de um

equipamento e verifica-se que outro é o apropriado, o juiz não fica impedido de ordenar

a instalação do equipamento mais adequado.

<texto>Interpretar os mencionados artigos em sentido diverso seria desconsiderar a

idéia de que o juiz pode deixar de lado o pedido para conceder a tutela jurisdicional

capaz de atender de forma adequada e efetiva o direito material. Os limites da atuação

do juiz, na conversão de uma obrigação em outra, são ditados pela própria obrigação

originária; ou seja, não cabe ao juiz conceder uma tutela que implique um resultado que

não esteja na própria obrigação originária.

<texto>Quando o autor pede a instalação de um filtro (que seria um resultado

prático equivalente), o seu pedido, ainda que objetive um fazer, tem por escopo fazer

cessar a atividade ilícita, visando, em outras palavras, a impedir que o réu continue a

inadimplir a sua obrigação de não-fazer. Se os arts. 461 do CPC e 84 do CDC conferem

ao juiz o poder decisório para a conversão de uma obrigação em outra, está ele

autorizado, quando o fazer requerido não é suficiente para a tutela do direito, a ordenar

o fazer ou o não-fazer que se afigure adequado à efetiva proteção do direito.

<texto>É preciso perceber, em outras palavras, que essas normas, ao darem ao juiz o

poder decisório suficiente para a conversão de uma obrigação em outra, objetivam

permitir a concessão da tutela jurisdicional adequada a cada caso conflitivo concreto.

Ora, o juiz só pode ordenar a instalação do filtro quando, por exemplo, a ordem de não

fazer, que determinaria a cessação das atividades do réu, não é o meio mais adequado à

hipótese concreta.

<texto>Aliás, se os próprios arts. 461 e 84 excepcionam expressamente o princípio

da congruência entre o pedido e a sentença, e se o espírito de tais normas é tocado pela

idéia de que o processo deve proporcionar a tutela efetiva do direito, impõe-se a

interpretação que admite que o juiz pode fugir do pedido para que o direito do autor não

Page 131: Tutela Inibitória - Marinoni

131

seja transformado em pecúnia – ou para que direitos, como o direito à higidez do meio

ambiente, não sejam expropriados –, quando o próprio juiz, em virtude do

desenvolvimento do contraditório, está em condições de declarar a situação de ilicitude.

<a1a>3.22.4 O poder decisório do juiz e o princípio da efetividade

<texto>Entende-se, atualmente, que há um direito à adequada tutela jurisdicional,

constitucionalmente garantido. 298

<texto>Sustenta-se, na doutrina italiana, que o art. 24 da Constituição da República

estabelece o princípio da efetividade da tutela jurisdicional. 299

Na interpretação desse

princípio, afirma-se que o legislador é obrigado a traçar formas de tutela adequadas às

várias situações de direito substancial e que o doutrinador e os operadores jurídicos

devem ler e compreender as normas infraconstitucionais sempre à luz da garantia da

efetividade. 300

<texto>Os arts. 461 do CPC e 84 do CDC, como reconhece a doutrina brasileira, 301

298

Ver, na doutrina brasileira, Kazuo Watanabe, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor (comentado

pelos autores do anteprojeto), cit., p. 523; José Roberto dos Santos Bedaque, Direito e processo. São

Paulo: Malheiros, 1995, p. 83; José Carlos Barbosa Moreira, Notas sobre o problema da efetividade do

processo. Temas de direito processual, Terceira Série. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 209; Donaldo

Armelin, A tutela jurisdicional cautelar. Revista da Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo n. 233,

p. 118; Luiz Guilherme Marinoni, A antecipação da tutela, cit., p. 107 e ss. Na doutrina italiana, é

interessante consultar, entre outros, Luigi Paolo Comoglio, Commentario della Costituzione. Bologna-

Roma: Zanichelli-Foro italiano, 1981; Luigi Paolo Comoglio, Principi costituzionali e processo di

esecuzione. Studi in memoria di Gino Gorla. Milano: Giuffrè, 1994, v. 2, p. 1.584; Andrea Proto Pisani,

Brevi note in tema di tutela specifica e tutela risarcitoria. Foro Italiano, 1983, p. 128 e ss; Andrea Proto

Pisani, L’effettività dei mezzi di tutela giurisdizionale con particolare riferimento all’attuazione della

sentenza di condanna. Rivista di Diritto Processuale, 1975, p. 633 e ss; Andrea Proto Pisani, Nuovi diritti

e tecniche di tutela. Scritti in onore di Elio Fazzalari. Milano: Giuffrè, 1993, v. 2, p. 51 e ss. 299

Comoglio, ao comentar o art. 24 da Constituição italiana, na importante obra coordenada por G.

Branca, diz o seguinte: “Al di là di ogni diatriba teorica, il problema cruciale dell’accesso alla giustizia

sta, in ultima analisi, nell’effettività della tutela giudiziaria. Non basta riconoscere, in astratto, la ‘libertà

di agire’ e garantire a ‘tutti’, almeno formalmente, l’occasione di esercitarla, proponendo al giudice la

domanda di tutela. Limitarsi a tale configurazione, nel catalogo tradizionale delle libertà civili, significa

disconoscere il senso profondamente innovativo dei diritti ‘sociali’ di libertà (ed, in particolare, di quello

attribuito ai non abbienti dal 3 comma della norma in esame), nei loro inevitabili riflessi

sull’amministrazione della giustizia. Occorre, dunque, assicurare a qualsiasi individuo,

indipendentemente dalla sua abbienza o dalle condizioni personali e sociali, non certo (in termini

statistici) la probabilità, né tantomeno la certezza, ma in ogni caso la possibilità, seria e reale, di ottenere

adeguata tutela dall’organo giurisdizionale adito” (Luigi Paolo Comoglio, Commentario della

Costituzione, cit., p. 10). 300

Ver Italo Andolina e Giuseppe Vignera, Il modello costituzionale del processo civile italiano, cit., p.

89. 301

Ver Ovídio Baptista da Silva, Curso de processo civil, v. 1, cit., p. 123 e ss; Kazuo Watanabe, Tutela

antecipatória e tutela específica das obrigações de fazer e não fazer (arts. 273 e 461 do CPC), Reforma do

Código de Processo Civil, cit., p. 40 e ss; Ada Pellegrini Grinover, Tutela jurisdicional nas obrigações de

fazer e não fazer, Reforma do Código de Processo Civil, cit., p. 251 e ss; J. E. Carreira Alvim, Tutela

específica e tutela assecuratória das obrigações de fazer e não fazer na reforma processual, Reforma do

Page 132: Tutela Inibitória - Marinoni

132

constituem uma resposta à necessidade de uma efetiva tutela dos direitos. 302

Trata-se,

em outras palavras, de normas que foram ditadas em razão do peso do princípio da

efetividade, e que devem ser lidas e interpretadas à luz desse princípio.

<texto>Está presente, na própria dicção das normas dos arts. 461 e 84, uma nítida

preocupação com a efetividade do processo. Esses artigos, ao afirmarem que o juiz pode

conceder a tutela específica ou o resultado prático equivalente ao do adimplemento,

demonstram uma inegável intenção de viabilizar a tutela efetiva e adequada dos direitos.

<texto>Lembre-se de que uma das maiores preocupações da doutrina italiana mais

moderna advém do fato de o Código de Processo Civil italiano não propiciar uma

efetiva tutela jurisdicional das obrigações infungíveis. 303

É importante perceber,

contudo, que o que mais chama a atenção da doutrina italiana é a inidoneidade da

sentença condenatória para a tutela adequada dos direitos não patrimoniais, como o

direito à higidez do meio ambiente. 304

<texto>Os artigos ora em destaque estão muito mais preocupados com os direitos

não patrimoniais do que com os direitos patrimoniais. 305

É que os direitos não

patrimoniais não só são mais importantes, como se afastam, de modo muito mais

Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 271 e ss; J. E. Carreira Alvim, Tutela específica

das obrigações de fazer e não fazer na reforma processual, cit., p. 61 e ss. 302

Como diz Ovídio Baptista da Silva, uma das idéias que está na base da formulação do art. 461 está

presente no “princípio de que o processo deve, tanto quanto possível, satisfazer o direito como se ele

estivesse sendo cumprido voluntariamente pelo devedor, a evidenciar o caráter instrumental do processo,

o que, por si só, já seria capaz de romper a camisa-de-força com que a Ciência do Processo se vestiu ao

reduzir o fenômeno executivo exclusivamente à execução obrigacional, estruturada em esquemas rígidos

e estereotipados, liberando-a para adequar-se instrumentalmente ao direito material que lhe cabe tornar

efetivo e realizado” (Curso de processo civil, v. 1, cit., p. 124). 303

Ver Andrea Proto Pisani, Appunti sulla tutela di condanna. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura

Civile, 1978, p. 1.104 e ss; Sergio Chiarloni, Misure coercitive e tutela dei diritti, cit.; Elisabetta Silvestri,

Problemi e prospettive di evoluzione nell’esecuzione degli obblighi di fare e di non fare. Rivista di Diritto

Processuale, 1981, p. 41 e ss; Michele Taruffo, Problemi in tema di esecutorietà della condanna alla

reintegrazione del lavoratore. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1976, p. 789 e ss;

Michele Taruffo, Note sul diritto alla condanna e all’esecuzione. Rivista Critica del Diritto Privato, 1986,

p. 635 e ss. 304

Ver, principalmente, Andrea Proto Pisani, La tutela giurisdizionale dei diritti della personalità:

strumenti e tecniche di tutela. Foro Italiano, 1990, p. 1 e ss. 305

Registre-se o que diz Watanabe a respeito da necessidade de meios executivos mais “fortes e

adequados” para a tutela dos direitos não patrimoniais: “Por que, então, não aceitar que, para a tutela de

direitos não patrimoniais, mais relevantes que os patrimoniais, quais os ligados aos direitos da

coletividade à qualidade de vida ou os direitos absolutos da personalidade (como os direitos à vida, à

saúde, à integridade física e psíquica, à liberdade, ao nome, à intimidade etc.), possa o sistema possuir

provimentos que concedam tutela específica eficaz às obrigações de fazer e não fazer?” (Kazuo

Watanabe, Tutela antecipatória e tutela específica das obrigações de fazer e não fazer. Reforma do Código

de Processo Civil, cit., p. 46).

Page 133: Tutela Inibitória - Marinoni

133

evidente do que os direitos patrimoniais, da tutela ressarcitória. 306

Admitir a tutela

ressarcitória, no caso de direitos não patrimoniais, é o mesmo que aceitar que o

processo, ao invés de servir à efetiva tutela do direito, somente pode condenar o

violador a pagar por algo que não tem preço. 307

<texto>Portanto, a idéia de que a tutela efetiva e adequada do direito não pode ser

trocada pela tutela ressarcitória, deve ser compreendida principalmente em face dos

direitos não patrimoniais, aos quais, aliás, a própria Constituição Federal reserva uma

posição de destaque.

<texto>Se os arts. 461 e 84 devem ser lidos à luz do princípio da efetividade, e se os

direitos (principalmente os não patrimoniais) não podem ser transformados em pecúnia,

é exato concluir que esses artigos, ao afirmarem que o juiz pode conceder a tutela

específica da obrigação ou o resultado prático equivalente ao do adimplemento e, de

ofício, fixar a multa ou determinar as chamadas “medidas necessárias”, consagram não

só a possibilidade de o juiz impor o meio executivo necessário a cada caso concreto,

mas também o autorizam a determinar a providência adequada – ainda que diversa da

pedida – para que o direito seja efetivamente tutelado. Perceba-se que, nesta última

hipótese, a atividade do juiz não fica limitada à imposição de meio executivo diverso,

mas pode conceder providência distinta da solicitada.

<texto>O juiz, assim, pode fugir do pedido formulado pelo autor para, em vez de

ordenar, sob pena de multa, a instalação de um filtro, ordenar a cessação da atividade

ilícita. Aliás, se o juiz verifica que a necessidade da cessação do ilícito é premente, não

comportando a dúvida sobre ter ou não a multa influência suficiente para convencer a ré

a adimplir, pode ele determinar o fechamento ou a interdição da indústria ré, inclusive

mediante o auxílio de força policial.

<texto>São vários os fundamentos que podem ser alinhados para admitir tal

proceder: i) a possibilidade de o juiz, de ofício, fixar a multa ou determinar as “medidas

necessárias”; ii) o fato de os arts. 461 e 84 terem admitido ao juiz, em desatenção ao

306

Como escreve Proto Pisani, “se i diritti della personalità per definizione hanno contenuto e funzione

non patrimoniale, allora per definizione la tutela risarcitoria si manifesta come forma (da sola) non

adeguata di tutela, perchè non è in grado di soddisfare il bisogno non patrimoniale assicurato da tali

diritti” (Andrea Proto Pisani, La tutela giurisdizionale dei diritti della personalità: strumenti e tecniche di

tutela. Foro Italiano, 1990, p. 6). 307

Sobre a inefetividade das tutelas tradicionais para a efetiva garantia dos direitos não patrimoniais, ver

José Carlos Barbosa Moreira, Processo civil e direito à preservação da intimidade, Temas de direito

processual, Segunda série, cit., p. 5 e ss; José Carlos Barbosa Moreira, Tutela sancionatória e tutela

preventiva, Temas de direito processual, Segunda série, cit., p. 21 e ss.

Page 134: Tutela Inibitória - Marinoni

134

princípio da congruência entre o pedido e a sentença, conceder a tutela específica da

obrigação ou o resultado prático equivalente ao do adimplemento; iii) a idéia, que

decorre do princípio constitucional da efetividade, e que preside os arts. 461 e 84, no

sentido de que cabe ao juiz buscar a tutela efetiva dos direitos, principalmente quando

em jogo direitos não patrimoniais, afastando-se, de todas as formas, da inefetiva – e

porque não se dizer injurídica – tutela ressarcitória.

<texto>Admitir-se o desenrolar de um contraditório que evidencia a existência de

uma situação ilícita, retirando-se do juiz o poder de conferir a tutela jurisdicional

adequada para a respectiva cessação, é desconsiderar não só o espírito das normas em

questão, como também o fato de que elas objetivam evitar, inclusive em nome da

garantia de importantes direitos protegidos constitucionalmente, a degradação da tutela

efetiva do direito em ressarcimento em pecúnia. Se o juiz pode declarar o ilícito, e a

providência requerida não é suficiente para impedir o seu prosseguimento, negar-lhe a

possibilidade de conceder a tutela jurisdicional adequada é subtrair da jurisdição a

possibilidade de impedir a transformação do direito em pecúnia, o que é flagrantemente

contrário a tudo o que está em torno das normas dos arts. 461 do CPC e 84 do CDC.

<texto>Não se diga que a concessão da tutela jurisdicional fora do pedido

formulado pelo autor pode impedir o réu de se defender adequadamente. Admitir que o

réu possa defender-se invocando a inadequação da tutela jurisdicional requerida, é o

mesmo que aceitar que as normas apontadas dão mais relevância à forma, ou seja, à

exatidão do pedido formulado pelo autor, do que à necessidade de se evitar que os

direitos deixem de ter efetividade. Este argumento, na verdade, esbarra não só no

espírito dos arts. 461 e 84, como na própria letra dessas normas, que deixam entrever,

com toda clareza, a obsessão do legislador em permitir ao juiz a prestação da efetiva

tutela do direito material.

<a1a>3.22.5 O poder decisório do juiz e o princípio da necessidade

<texto>Já vimos que o princípio da necessidade, que se desdobra nos princípios do

meio idôneo e da menor restrição possível, 308

destina-se a conter os eventuais excessos

no uso da tutela inibitória.

<texto>Por outro lado, também restou evidenciado, nos itens antecedentes, que ao

juiz foi dado um grande poder para a determinação não só do meio executivo adequado

308

Karl Larenz, Metodologia da ciência do direito, cit., p. 584 e ss.

Page 135: Tutela Inibitória - Marinoni

135

a cada hipótese concreta, mas também para conceder providência diversa da solicitada.

Se este poder é necessário para a efetividade da tutela do direito, é evidente que devem

ser elaborados critérios para que ele seja utilizado sem ferir os direitos do réu.

<texto>Se o juiz está autorizado, em face de uma ação inibitória, a conceder

providência de conteúdo diverso da requerida, não há como negar que ele está

submetido ao princípio da necessidade e, desta forma, impedido de conceder uma tutela

jurisdicional que – embora apropriada para fazer cessar o ilícito – mostre-se excessiva

em relação ao réu, por ser viável o uso de um meio capaz de trazer um menor gravame a

sua esfera jurídica.

<texto>Aliás, os arts. 461 do CPC e 84 do CDC, ao afirmarem que é possível a

concessão da tutela específica da obrigação ou de um resultado prático equivalente ao

do adimplemento, admitem que o juiz deixe de atender ao pedido de tutela formulado

pelo autor quando esta se mostra excessiva, porque distante da noção de “justa medida”

e, assim, da própria concepção de “meio mais idôneo”.

<texto>Não teria sentido admitir que o juiz tem o poder de ordenar a cessação da

atividade nociva ao verificar que a instalação do filtro não é suficiente para impedir o

prosseguimento do ilícito, mas não tem o mesmo poder para ordenar a instalação de um

filtro quando a ordem de paralisação das atividades da empresa ré não se configura

como o meio mais suave.

<texto>Considerado o princípio da isonomia, não é possível imaginar que os arts.

461 do CPC e 84 do CDC outorgaram poder ao juiz apenas pensando no direito do

autor; é preciso que se imponha uma interpretação consentânea com a isonomia, ou seja,

uma interpretação que obrigue o juiz a conceder, para a proteção do direito do autor, a

tutela que implique na imposição do meio idôneo e que, além disto, gere a menor

restrição possível ao réu.

<texto>A necessidade do uso do meio mais idôneo tem uma íntima ligação com a

idéia de justiça, tanto no exercício dos direitos como na imposição de deveres, 309

motivo pelo qual não se pode entender que uma norma tenha dado poder ao juiz apenas

para garantir os direitos do autor, esquecendo-se dos direitos do réu.

<texto>É a própria idéia de “justa medida” que obriga que os arts. 461 do CPC e 84

do CDC sejam lidos no sentido de que o juiz deve determinar conduta diversa da

solicitada quando necessário para evitar gravame excessivo ao réu. 309

Idem, ibidem, cit., p. 514.

Page 136: Tutela Inibitória - Marinoni

136

<a1a>3.22.6 A fungibilidade da tutela inibitória reafirma a idéia da fungibilidade da

tutela de segurança, que sempre esteve na base da “tutela cautelar”

<texto>Note-se, aliás, que esse modo de compreender os arts. 461 e 84 apenas

reafirma uma idéia que sempre esteve na base da “tutela cautelar”. Os processualistas

sempre se mostraram muito sensíveis à necessidade de tutela adequada às situações de

perigo, 310

muitas delas envolvendo hipóteses de tutela genuinamente inibitória.

<texto>Barbosa Moreira, como já foi dito, ao aludir à falta de efetividade da ação

cominatória (que era fundada no art. 287) para a prevenção do ilícito, na época que

ainda não estava presente no Código de Processo Civil o novo art. 461 e, portanto, a

tutela antecipatória inibitória, afirmou que não deveria “escandalizar ninguém a

sugestão de buscar-se nos arts. 798 e 799 o apoio textual” a uma tutela preventiva

provisória. 311

O que dizia Barbosa Moreira, trocando-se os termos, é que, embora os

arts. 798 e 799 pudessem não constituir, “do ponto de vista científico”, sede própria

para a tutela que proíbe, antecipadamente, a prática de um ato, qualquer escrúpulo desse

gênero seria como a hesitação em ministrar ao enfermo o remédio que

comprovadamente lhe melhora o estado, só porque nas indicações da bula não se

designa a enfermidade pelo nome cientificamente mais correto. 312

Como é óbvio,

Barbosa Moreira, com essa construção, pretendia dar efetividade à prevenção, tornando

possível uma tutela inibitória antecipada que pudesse eliminar, desde logo, o perigo de

ilícito.

<texto>Isto significa, com efeito, que a tutela inibitória antecipada sempre foi

prestada sob o manto protetor da tutela cautelar. Ou seja, como a evolução da sociedade

e o surgimento de novas situações de direito substancial evidenciaram a necessidade de

tutela inibitória antecipada, e esta não podia ser prestada através do processo de

conhecimento – feito para atender a outras necessidades –, admitiu-se o uso da via

310

Ver Egas Dirceu Moniz de Aragão, Medidas cautelares inominadas. Revista Brasileira de Direito

Processual, v. 57, p. 52-56; Luiz Fux, Tutela de segurança e tutela da evidência. São Paulo: Saraiva,

1996, p. 90 e ss; Ovídio Baptista da Silva, Curso de processo civil. Porto Alegre: Fabris, 1993, v. 3, p.

101; Donaldo Armelin, A tutela jurisdicional cautelar. Revista da Procuradoria-Geral do Estado de São

Paulo, v. 23, p. 123; Galeno Lacerda, Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense,

1980, v. 8, t. 1, p. 222; Fritz Baur, Tutela jurídica mediante medidas cautelares. Porto Alegre: Fabris,

1985, p. 96 e ss. 311

José Carlos Barbosa Moreira, A tutela específica do credor nas obrigações negativas. Temas de direito

processual, Segunda série, cit., p. 42. 312

José Carlos Barbosa Moreira, A tutela específica do credor nas obrigações negativas. Temas de direito

processual, Segunda série, cit., p. 43.

Page 137: Tutela Inibitória - Marinoni

137

cautelar313

para permitir a obtenção da tutela inibitória.

<texto>Entretanto, a melhor doutrina, preocupada com a efetividade da tutela

cautelar e, conseqüentemente, com a efetividade da tutela inibitória antecipada, admitia

que o juiz pudesse conceder tutela cautelar diversa da solicitada. Se o juiz estava

autorizado a conceder, antecipadamente, uma tutela preventiva diversa da solicitada

através dos pedidos de tutela cautelar e de tutela final, isto decorria da necessidade de se

dar a ele o poder necessário para tutelar da forma mais adequada possível a situação de

perigo. 314

<texto>O que se pretende evidenciar, como se pode perceber, é que o Leitmotiv que

inspirou a doutrina a criar a brilhante tese315

de que o juiz pode conceder tutela cautelar

diversa da pedida316

é o mesmo que nos leva a propor a interpretação dos arts. 461 do

313

Via técnica que não precisa, e não deve, mais ser utilizada para a obtenção da tutela inibitória

antecipada. 314

Referindo-se à fungibilidade da inibitória fundada no art. 700 do CPC italiano, lembra Cristina

Rapisarda que é “attribuito al giudice ‘il potere di costruire il provvedimento caso per caso piú adeguato

alle esigenze della tutela, prescindendo dalla domanda della parte’. È perciò da respingere l’opinione di

chi ha ultimamente affermato l’applicabilità alla tutela cautelare urgente del princípio di corrispondenza

tra il chiesto e il pronunciato, riferendo, in tal modo, la discrezionalità giudiziale soltanto alla

determinazione delle modalità esecutive del provvedimento di tutela, anziché ‘all’individuazione

dell’effetto anticipabile’” (Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 133). 315

Ver, fundamentalmente, Egas Dirceu Moniz de Aragão, Medidas cautelares inominadas. Revista

Brasileira de Direito Processual, v. 57, p. 52-56. 316

Recorde-se, aliás, de que Galeno Lacerda chegou a admitir a incoação do processo cautelar ex officio:

“Se, em regra, a cautela de ofício surge no curso de processos iniciados pela parte ou interessado, cumpre

observar, contudo, que em situações raras e graves a lei chega ao ponto de prescrever ao juiz a própria

incoação do procedimento cautelar” (...) No livro destinado ao processo cautelar, além das providências

examinadas ao longo deste comentário, convém desde logo chamar atenção para as ‘outras medidas

provisionais’ indicadas no art. 888: obras de conservação em coisa litigiosa ou judicialmente apreendida,

entrega de bens de uso pessoal do cônjuge e dos filhos, posse provisória dos filhos no desquite (hoje,

separação judicial) ou anulação de casamento, afastamento do menor autorizado a contrair casamento

contra a vontade dos pais, depósito de menores ou incapazes castigados imoderadamente ou induzidos à

prática de atos contrários à lei ou à moral, afastamento temporário de um dos cônjuges da morada do

casal, guarda e educação de filhos e interdição ou demolição de prédio para resguardo da saúde, da

segurança ou outro interesse público. Em todos estes casos, patente como é o interesse público ou de

ordem pública, prescreve o art. 888 que ‘o juiz poderá ordenar ou autorizar a providência’. A alternativa

de verbos – ‘ordenar ou autorizar’ – torna claro que a medida poderá ser decretada de ofício, ‘ordenada’,

ou a pedido, ‘autorizada’” (Galeno Lacerda, Comentários ao Código de Processo Civil, v. 8, t. 1, cit., p.

115/119/120). Luiz Fux, ao discorrer sobre a possibilidade de o juiz conceder tutela cautelar ex officio no

curso da ação de conhecimento, diz o seguinte: “Esse regime jurídico especial das ações de segurança,

acompanhado de uma exegese mais adequada e realista do princípio dispositivo, autoriza que o juiz, numa

ação proposta, defira uma medida de segurança contra o autor em favor do réu sem qualquer pedido deste,

desde que haja uma possibilidade de grave lesão ao direito do demandado. Exemplificando-se com um

caso concreto, cita-se a causa em que uma loja de vime situada no interior de um posto de gasolina

postulou, em medida cautelar, a interdição de uma das bombas de gasolina situada muito próximo à loja,

alugada pelo próprio posto de abastecimento proprietário do terreno. Obtida a liminar, o Tribunal de

Justiça cassou-a, com o que, na prática, manteve a coexistência das atividades. Em ofício aterrorizante, o

Corpo de Bombeiros alertou para o imenso perigo de explosão da loja, por isso o juiz a quo interditou o

estabelecimento requerente da cautela, decisão que foi mantida, em razão de sustentarmos a possibilidade

Page 138: Tutela Inibitória - Marinoni

138

CPC e 84 do CDC no sentido já enunciado. 317

<aa>3.23 O pedido de tutela inibitória e as violações de eficácia instantânea

suscetíveis de repetição no tempo

<texto>De acordo com o art. 290 do CPC, “quando a obrigação consistir em

prestações periódicas, considerar-se-ão elas incluídas no pedido, independentemente de

declaração expressa do autor; se o devedor, no curso do processo, deixar de pagá-las ou

de consigná-las, a sentença as incluirá na condenação, enquanto durar a obrigação”.

<texto>A doutrina, ao interpretar a primeira parte do art. 290, costuma distinguir as

prestações vencidas das vincendas, dizendo que nas obrigações de caráter periódico o

devedor fica desincumbido de pedir, expressamente, o adimplemento das prestações

vincendas. 318

<texto>Como é óbvio, não interessa, neste momento, a condenação para o futuro,

presente na referida norma. A condenação para o futuro, como será melhor explicado

mais tarde, 319

constitui condenação anterior à violação, tendo o objetivo de criar

antecipadamente o título executivo. Ela é solicitada com base no argumento de que a

violação acontecerá, porém é preciso criar desde logo o título executivo, para que a

realização do direito, posterior à violação, possa ocorrer de maneira mais rápida. Como

está claro, a condenação para o futuro não objetiva impedir a violação do direito. Ao

contrário, aquele que pede condenação para o futuro afirma que a violação ocorrerá. A

sua finalidade não é a prevenção, mas apenas uma maior tempestividade da tutela

repressiva. Deixe-se claro, assim, que a condenação para o futuro não é idônea para

prevenir o ilícito. Aliás, a “condenação” 320

constitui meio processual completamente

de o provimento de segurança ser adotado independentemente de provocação de qualquer das partes”

(Luiz Fux, Tutela de segurança e tutela da evidência, cit., p. 85-86). 317

Para que isso fique claro, veja-se o exemplo que Ovídio Baptista da Silva apresenta para elucidar a

“fungibilidade das medidas cautelares”: “Outro exemplo: o autor da ação cautelar postula a retirada de

uma janela do prédio vizinho que lhe contraria o direito de vizinhança. O juiz poderá julgar procedente a

ação cautelar, deferindo porém, sob forma de liminar, não a supressão da janela, mas a colocação nela de

vidros foscos que impeçam a visão para o prédio do autor” (Curso de processo civil, v. 3, cit., p. 101). 318

Ver J. J. Calmon de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil, v. 3, cit., p. 177 e ss;

Wellington Moreira Pimentel, Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 1975, v. 3, p.

188 e ss; Araken de Assis, Cumulação de ações. São Paulo: RT, 1995, p. 227; Fernando Luso Soares,

Processo civil de declaração. Coimbra: Almedina, 1985, p. 579-581. 319

Ver item 4.3 320

Como explica Fernando Luso Soares, “a condenação em prestações futuras não significa que o réu seja

condenado a pagar todas as prestações. O que se admite é que, vencida no futuro mais uma prestação, o

autor pode invocar a sentença que antes obteve, e executar. Nesta hipótese, de prestações periódicas de

Page 139: Tutela Inibitória - Marinoni

139

incapaz de propiciar verdadeira tutela preventiva.

<texto>Tratando-se de tutela inibitória, é possível pensar em hipóteses em que a

violação de um dever pode ocorrer em diversos momentos. Assim, por exemplo, se uma

indústria tem o dever de inserir nas propagandas de um de seus produtos determinado

aviso aos consumidores, não há dúvida de que esta indústria poderá violar este dever em

diferentes oportunidades.

<texto>Em relação a hipóteses desta natureza, torna-se adequada, em vez da

condenação para o futuro, a tutela inibitória, que apenas redundantemente poderia ser

chamada de “inibitória para o futuro”. Isto porque se deseja meio processual idôneo

para a inibição do ilícito. Note-se, por exemplo, que se já houve violação, ou seja, se a

indústria já deixou de fazer constar referido aviso aos consumidores em uma de suas

propagandas na televisão, isto não importa em termos de inibitória, uma vez que esta

terá como objetivo apenas impedir a repetição do ilícito. 321

<texto>Se o Ministério Público pede, através de uma ação coletiva inibitória, que a

indústria que já praticou o ilícito não volte a praticá-lo, não é preciso, como é óbvio, que

se deixem expressas as hipóteses em que a indústria deve inserir, em suas publicidades,

o aviso aos consumidores, bastando que se peça que a indústria ré introduza tal aviso em

suas futuras propagandas (já que ela tem o dever de sempre agir desta forma).

<texto>Compreende-se, por estar implícito, que aquilo que se deseja, quando se

pede que alguém faça aquilo que tem o dever de fazer, é que não haja mais violação

deste dever. Este item, na verdade, não fosse o fato de a tutela inibitória ainda ser

desconhecida na doutrina brasileira, seria desnecessário, pois é evidente que quando se

pede tutela inibitória de atos suscetíveis de repetição, pede-se que não haja qualquer

violação futura em relação ao dever.

<texto>Contudo, a má compreensão do tema da coisa julgada material também pode

dificultar a compreensão deste assunto. A imutabilidade da coisa julgada se projeta para

o futuro, alcançando todas as situações que tenham identidade com a que foi objeto da

decisão. Decidindo-se que determinado ato temido é ilícito, e assim não pode ser

trato sucessivo, exigindo uma prestação já vencida, o autor pede, ao mesmo tempo, que o réu seja

condenado em todas as futuras ainda não vencidas” (Processo civil de declaração, cit., p. 580). 321

Nestes casos, como agudamente percebeu Proto Pisani, “per essere praticamente efficace, la condanna

non deve limitarsi ad eliminare gli effetti della violazione già effettuata, ma deve ordinare che – rebus sic

stantibus – la violazione non sia ripetuta in futuro: per questa parte la condanna potrà trovare attuazione

unicamente tramite il ricorso alla tecnica delle misure coercitive” (Lezioni di diritto processuale civile,

cit., p. 168).

Page 140: Tutela Inibitória - Marinoni

140

praticado, é pouco mais do que evidente que não é somente o ato expressamente narrado

na petição inicial que não poderá ser praticado. Veda-se que o réu volte a praticar ato

com o mesmo conteúdo do reconhecido ilícito na sentença que produziu coisa julgada

material. 322

Assim, surgindo circunstâncias semelhantes àquelas que justificaram a

decisão que já produziu coisa julgada material, bastará solicitar ao juiz ordem para que

o novo ato temido não venha a ser praticado, não tendo cabimento exigir que o juiz

decida, novamente, sobre a licitude ou ilicitude do ato.

<texto>Um ato temido, cuja substância não é nova, mas já foi dita ilícita em

sentença que produziu coisa julgada material, não justifica outra ação. É a alteração da

substância do ato, ou seja, um outro ato, que abre ensejo a outra ação. Resumindo: se o

ato não é outro, mas sim apenas novo, vale a coisa julgada material. Mas se o ato temido

for outro, evidentemente será necessária outra ação inibitória, e neste caso a coisa

julgada material não poderá ser invocada.

<aa>3.24 Tutela inibitória e cumulação de pedidos. A tutela antecipatória

mediante o julgamento antecipado de pedido inibitório cumulado com pedido

ressarcitório

<texto>A tentativa de isolar o direito processual do direito material e a busca da

construção de princípios e conceitos processuais universalmente válidos, que marcaram

a escola italiana do direito processual civil do começo do século XX, 323

fizeram com

que ficasse fora da Universidade qualquer experiência com casos concretos. 324

<texto>A investigação doutrinária, entretanto, tem no caso concreto uma rica fonte

para a problematização de situações que o jurista dificilmente imaginaria.

<texto>Não é preciso dizer que, tratando-se de direito processual civil, a

322

Como diz Sérgio Arenhart, “a sentença gera efeitos futuros imodificáveis – e, em princípio, eternos –

seja em termos de ação reparatória, seja em termos de ação inibitória. A ordem emanada de uma ação

como esta vigorará ad eternum, ao menos enquanto perdurarem existentes os motivos que ensejaram tal

decisão judicial, da mesma forma que vigerá ilimitadamente a imutabilidade da declaração da

ocorrência do ilícito” (Sérgio Cruz Arenhart, A tutela inibitória coletiva, cit., p. 288). 323

Ver Giovanni Tarello, Il problema della riforma processuale in Italia nel primo quarto del secolo (per

uno studio della genesi dottrinale e ideologica del vigente Codice italiano di Procedura Civile). La

formazione storica del diritto moderno in Europa. Firenze: Leo S. Olschki Editore, 1977, p. 1409 e ss;

Salvatore Satta, Dalla procedura civile al diritto processuale civile. Rivista Trimestrale di Diritto e

Procedura Civile, 1964, p. 28 e ss; Amedeo Giannini, Gli studi di diritto processuale civile in Italia.

Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1949, p. 103 e ss; Giovanni Tesoriere, Appunti per una

storia della scienza del processo civile in Italia dall’unificazione ad oggi. Rivista Trimestrale di Diritto e

Procedura Civile, 1972, p. 1576 e ss. 324

Ver Ovídio Baptista da Silva, Jurisdição e execução..., São Paulo: RT, 1996, p. 192 e ss.

Page 141: Tutela Inibitória - Marinoni

141

importância da prática torna-se ainda mais aguda, já que os tribunais constituem o banco

de prova da adequação das tutelas jurisdicionais aos diversos casos concretos. A idéia

de se criar um “mundo jurídico” à distância do que acontece na vida das pessoas,

portanto, não poderia sobreviver à necessidade de se buscar na experiência concreta dos

tribunais não só as respostas às indagações a respeito de como funcionam as tutelas

jurisdicionais, como também os problemas, muitas vezes nem sequer intuídos, que

podem surgir ao redor de sua utilização no cotidiano forense.

<texto>De modo que não só é legítimo, como também adequado, do ponto de vista

metodológico, partir de um caso concreto para a explicação de uma determinada

situação teórica. É o que faremos neste item.

<texto>O Tribunal de Alçada do Paraná fornece-nos uma hipótese muito

interessante para a análise do problema da cumulação de pedidos inibitórios e, ainda,

para o estudo da questão da cumulação da tutela inibitória com a tutela ressarcitória. 325

<texto>Em caso julgado pelo Tribunal de Alçada do Paraná, o autor, afirmando o

uso nocivo da propriedade vizinha, alegou que a empresa ré estaria emitindo fuligens ou

poluentes resultantes de atividade de fundição de metais não ferrosos; solicitou, em

razão disto, que o juiz “condenasse” a ré a paralisar suas máquinas ou a adotar

mecanismos capazes de neutralizar os efeitos nocivos decorrentes da atividade de

fundição e, ainda, a pagar indenização por danos morais e patrimoniais, estes últimos

consistentes em danos que teriam sido ocasionados à pintura externa e interna da casa

de propriedade do autor.

<texto>Nesta hipótese houve a cumulação de dois pedidos inibitórios, e, ainda, a

cumulação destes pedidos com dois pedidos de ressarcimento de dano.

<texto>Não há dúvida sobre a possibilidade de o autor pedir a instalação de

equipamentos para que a poluição seja contida e, para a hipótese de esta alternativa não

se mostrar adequada ou possível, a cessação das atividades ou a paralisação das

máquinas da indústria demandada. Note-se que nada impede que esses pedidos

assumam a forma de ordem sob pena de multa, ou que um deles assuma natureza

mandamental e o outro executiva. Ou seja, nada impede que se solicite ordem sob pena

de multa para a instalação dos equipamentos e, como alternativa, a interdição da

indústria (medida executiva).

<texto>Mas, é no que concerne à cumulação da tutela inibitória com a tutela 325

TAPR, Ap. Cível 49.998-3, 4.ª C.C., Rela. Juíza Regina Afonso Portes.

Page 142: Tutela Inibitória - Marinoni

142

ressarcitória que o problema torna-se mais interessante.

<texto>O autor, no recurso de apelação, insistia, entre outros pontos, na indenização

integral pelos danos materiais, eis que a sentença havia condenado a ré a indenizar

apenas os danos provocados à pintura externa da casa; em relação à parte interna, não

teria ficado demonstrado o nexo de causalidade entre as emissões de fuligem e o dano.

<texto>Perceba-se que a tutela ressarcitória pode exigir mais do processo, ou

melhor, mais tempo para que o processo tenha fim. Em outras palavras, havendo

cumulação de tutela inibitória com tutela ressarcitória, é possível que o pedido de tutela

inibitória torne-se “maduro” para julgamento antes do pedido ressarcitório, já que, a

partir de determinado momento, apenas a existência do dano ainda poderá restar não

esclarecida.

<texto>Neste caso, é possível admitir, por meio da tutela antecipatória, o

julgamento antecipado do pedido inibitório, aguardando-se o desenrolar do

procedimento para a definição do pedido ressarcitório.

<texto>Não há razão para não se aceitar o julgamento antecipado de pedido

cumulado, quando um dos pedidos está “maduro” para o julgamento e o outro requer

instrução dilatória. A respeito desse ponto, cabe reafirmar, aqui, o que dissemos em

livro publicado em 1997: “No estágio em que vive o direito processual, com o realce

cada vez maior da importância da efetividade do processo, é praticamente inconcebível

que o autor tenha que esperar o tempo necessário à instrução de uma das demandas para

ter a outra, que desnecessita de instrução dilatória, devidamente julgada. Se o direito à

tempestividade da tutela jurisdicional é corolário do direito de acesso à justiça e é,

portanto, garantido constitucionalmente, o processo civil deve estar predisposto de

modo a possibilitar a realização plena e concreta (e não apenas formal) desse direito.

Assim, se um direito pode mostrar-se incontroverso, ou evidenciado, no curso de um

processo igualmente destinado a investigar a existência de um outro direito que requer

instrução dilatória, é necessário que esse processo seja dotado de técnica que, atuando

em seu interior, viabilize a pronta tutela do direito que comporta julgamento imediato.

Ora, se o cidadão tem direito à tutela jurisdicional tempestiva e é injusto obrigá-lo a

esperar a tutela de um direito que não se mostra mais controvertido, o legislador está

obrigado, para atender ao princípio constitucional de acesso à justiça, a estruturar o

Page 143: Tutela Inibitória - Marinoni

143

procedimento de modo a permitir a fragmentação do julgamento dos pedidos”. 326

<texto>Ora, cabe ao processualista ler as normas infraconstitucionais do processo à

luz dos princípios constitucionais e, portanto, extrair do ordenamento processual as

virtudes necessárias à concretização do direito à efetividade e à tempestividade da tutela

jurisdicional. 327

<texto>Por esta razão, escrevemos, na 1.ª edição do presente livro, o seguinte: “Se o

processo deve prosseguir, não obstante a evidência de um direito, a tutela antecipatória

fundada no art. 273, II, do CPC é o único instrumento, dentro do atual sistema

processual, que permite que o procedimento comum atenda ao direito constitucional à

tempestividade da tutela jurisdicional, evitando que o autor seja obrigado a esperar

indevidamente a tutela de um direito incontroverso. Na verdade, a defesa que diz

respeito a um pedido não pode postergar a tutela adequada dos demais pedidos

cumulados, sob pena de atentar indevida e abusivamente contra o direito do autor à

tempestividade da tutela jurisdicional. Assim, no caso de tutela inibitória cumulada com

tutela ressarcitória, é possível, se o caso concreto admitir, a tutela antecipatória

mediante o julgamento antecipado do pedido inibitório”.

<texto>Esta tese foi expressamente admitida pela reforma introduzida no Código de

Processo Civil através da Lei 10.444/2002. Como é sabido, esta Lei introduziu o § 6.º

ao art. 273, o qual tem o seguinte teor: “A tutela antecipada também poderá ser

concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se

incontroverso”.

<texto>Contudo, a determinação do significado de “incontroverso” exige algumas

considerações. Incontroverso não é apenas o não-contestado, ou o parcialmente

reconhecido. Incontroverso é o pedido, ou a parcela do pedido, que se tornou maduro (e

assim incontroverso) no curso do processo. Maduro, ou incontroverso, é o pedido que

não exige a produção de outras provas para ser analisado. Portanto, a tutela do pedido

incontroverso nada mais é do que a tutela do direito que se tornou evidente no curso do

processo.

<texto>Se um dos pedidos cumulados (ou parcela do pedido) está maduro para

julgamento no curso do processo, é porque deve haver cognição exauriente, não

326

Luiz Guilherme Marinoni, Tutela antecipatória, julgamento antecipado e execução imediata da

sentença. São Paulo: RT, 1997, p. 162-163. 327

Idem, ibidem, p. 163.

Page 144: Tutela Inibitória - Marinoni

144

existindo a necessidade de produção de outras provas em relação a ele. Veja-se outro

exemplo, desta feita tomando-se em consideração hipótese em que o autor cumula dois

pedidos, postulando no primeiro que o réu seja inibido a não usar mais a sua marca

comercial e no segundo que ele seja condenado a pagar perdas e danos. O autor possui

provas documentais do registro da marca em seu nome e de que o réu está utilizando-a

em suas embalagens (tais provas estão anexas à petição inicial), mas necessita de prova

pericial para demonstrar o seu direito às perdas e danos. Na audiência preliminar, o

pedido inibitório estará maduro para julgamento, abrindo oportunidade para uma

decisão fundada em cognição exauriente – por não existir necessidade de outras provas

em relação a ele –, mas o pedido relativo às perdas e danos ainda exigirá mais tempo

da “justiça”, obrigando à produção de prova pericial. Ora, a pergunta que

naturalmente surge é a seguinte: é justo obrigar o autor a esperar o tempo para a

produção da prova pericial para poder obter a tutela que impeça o uso da sua marca

comercial? A resposta não pode ser outra: é evidente que não! Mas se não couber a

tutela antecipatória mediante o julgamento do pedido cumulado, e não houver “perigo

de dano” (que abre ensejo para a tutela antecipatória do art. 273, I), o que fazer? A

resposta também é simples: nada!

<texto>Se ninguém dúvida que é cabível tutela baseada na aparência do direito (art.

273, I), é completamente equivocado supor que não cabe tutela do direito evidenciado.

328 Alguém poderia dizer que a primeira exige “fundado receio de dano”, ao passo que a

não concessão da segunda não ocasionará prejuízo algum(?). Pensar assim é

desconsiderar o direito constitucional à tempestividade da tutela jurisdicional, e admitir

que o procedimento pode estar estruturado em desatenção às garantias de justiça

contidas na Constituição, o que certamente é um absurdo. Perceba-se que não há

sentido em estimular o cidadão a cumular pedidos, em homenagem ao princípio da

economia processual, e não possibilitar que o pedido cumulado, que se apresentar

maduro para julgamento antes do outro, possa ser definido imediatamente. Ou seja, não

tem qualquer lógica pensar que o princípio da economia processual pode colocar em

segundo plano o direito à tempestividade da tutela jurisdicional.

<texto>Se ninguém ousaria dizer que o juiz, diante da evidência de parte do direito

328

De acordo com esta posição, ver Rogéria Dotti Doria, A tutela antecipada em relação à parte

incontroversa da demanda, São Paulo, RT, 2000; Joel Dias Figueira Júnior, Comentários ao Código de

Processo Civil. São Paulo, RT, 2001, p. 175 e ss; José Rogério Cruz e Tucci, Lineamentos da nova

reforma do CPC, São Paulo, RT, p. 62 e ss.

Page 145: Tutela Inibitória - Marinoni

145

postulado, deve simplesmente cruzar os braços e assistir à produção de uma prova que

somente tem a ver com a outra parcela do direito, não há como não admitir a tutela

antecipatória mediante o julgamento antecipado da parcela do pedido ou de um dos

pedidos cumulados, ainda que não tenha ocorrido não-contestação ou reconhecimento

jurídico. Se a interpretação ora sustentada não for aceita, a nova tutela antecipatória será

reduzida a quase nada, pois será pouco provável, especialmente após a introdução do

novo § 6.º ao art. 273, a não-contestação ou o reconhecimento jurídico.

<texto>Deixando-se de lado esta questão, cabe analisar outra que, embora posta

pelo Código Civil italiano, é bastante significativa para o direito brasileiro. O Código

Civil italiano, nos arts. 2.599 e 2.600, evidencia a possibilidade de cumulação das

tutelas inibitória, de remoção do ilícito e ressarcitória em face da prática de atos de

concorrência desleal. Diz o primeiro desses artigos que “la sentenza che accerta atti di

concorrenza sleale ne inibisce la continuazione e dà gli opportuni provvedimenti

affinché ne vengano eliminati gli effetti”.

<texto>Isso quer dizer que é possível a concessão: i) da tutela inibitória, para que o

réu cesse a prática dos atos de concorrência desleal; ii) da tutela de remoção do ilícito,

para que sejam eliminados ou destruídos os objetos que configurem a concorrência

desleal; e iii) da tutela ressarcitória, para que o autor seja ressarcido pelos danos que lhe

foram causados.

<texto>Assim, por exemplo, no caso em que os atos de concorrência desleal são

praticados mediante a divulgação de cartazes publicitários, torna-se possível a

cumulação das tutelas inibitória, de remoção do ilícito e ressarcitória; a primeira para

que outros atos não sejam praticados no futuro; a segunda para que sejam removidos os

cartazes que concretizam a situação ilícita; e a terceira para que o autor seja

devidamente indenizado pelos danos.

<texto>Como escreve Luigi Mosco – um eminente especialista italiano no tema da

concorrência desleal –, a sorte da ação de remoção é independente do resultado das

demandas inibitória e ressarcitória. Diz ele: Poderá ser repelida a demanda inibitória por

inexistência de perigo, e eventualmente também rejeitada a ação ressarcitória por falta

de danos efetivos, e todavia ser acolhida a ação de remoção. 329

Cada uma destas tutelas,

portanto, tem seus próprios pressupostos.

<texto>No Brasil, em vista do art. 209 da nova Lei da Propriedade Industrial, é

329

Luigi Mosco, La concorrenza sleale, cit., p. 277.

Page 146: Tutela Inibitória - Marinoni

146

possível ao juiz, na própria ação de ressarcimento “de prejuízos causados por atos de

violação de direitos de propriedade industrial e atos de concorrência desleal” (art. 209,

caput), “determinar liminarmente a sustação da violação ou de ato que a enseje, antes da

citação do réu” (art. 209, § 1.º) e, ainda, “nos casos de reprodução ou imitação flagrante

de marca registrada”, “determinar a apreensão de todas as mercadorias, produtos,

objetos, embalagens, etiquetas e outros que contenham a marca falsificada ou imitada”

(art. 209, § 2.º).

<texto>Como se vê, o art. 209 viabiliza o ressarcimento, a inibição da continuação

ou da repetição do ilícito e, ainda, a remoção dos “objetos” que contenham a “marca

falsificada ou imitada”. A norma do art. 209, entretanto, não é feliz, uma vez que a

tutela inibitória e a tutela de remoção do ilícito não têm uma relação necessária com a

tutela ressarcitória. Note-se que é possível que a tutela ressarcitória seja negada

(sentença de improcedência), muito embora a necessidade da manutenção da tutela

inibitória antecipada, ou mesmo da apreensão dos objetos que contenham a marca

falsificada ou imitada. Ora, não há como entender que a tutela inibitória e a tutela de

remoção podem ser antecipadas em ação em que se postula, como tutela final, somente

ressarcimento. Note-se que, em uma hipótese como esta, caso o dano não reste provado,

e a sentença então seja de improcedência, as tutelas inibitória e reintegratória terão que

ser revogadas!! Como é evidente, o legislador do art. 209 não percebeu que pode não

haver dano, mas existir ilícito a ser removido ou ameaça de ilícito.

<texto>Felizmente, porém, a própria Lei da Propriedade Industrial abre

oportunidade para a tutela adequada dos direitos por ela protegidos, ao dispor, no seu

art. 207, que “independentemente da ação criminal, o prejudicado poderá intentar as

ações cíveis que considerar cabíveis na forma do Código de Processo Civil”.

<texto>O titular de uma patente de invenção, exatamente porque tem o direito–

entre outros330

– de impedir que um terceiro produza o “produto” objeto de sua patente

(art. 42, I, Lei da Propriedade Industrial), tem a possibilidade de propor, na hipótese de

alguém estar violando o seu direito de invenção: i) ação ressarcitória; ii) ação inibitória;

330

Eis o que dispõe o art. 42 da Lei da Propriedade Industrial (Lei 9.279, de 14.05.1996): “A patente

confere ao seu titular o direito de impedir terceiro, sem o seu consentimento, de produzir, usar, colocar à

venda, vender ou importar com estes propósitos: I – produto objeto de patente; II – processo ou produto

obtido diretamente por processo patenteado. § 1.º Ao titular da patente é assegurado ainda o direito de

impedir que terceiros contribuam para que outros pratiquem os atos referidos neste artigo. § 2.º Ocorrerá

violação de direito da patente de processo, a que se refere o inc. II, quando o possuidor ou proprietário

não comprovar, mediante determinação judicial específica, que o seu produto foi obtido por processo de

fabricação diverso daquele protegido pela patente”.

Page 147: Tutela Inibitória - Marinoni

147

e iii) ação de remoção do ilícito.

<texto>Além do direito à indenização pelos danos, o titular da carta-patente tem,

segundo expressão contida no próprio art. 42 da Lei da Propriedade Industrial, “direito

de impedir terceiro” de produzir, colocar à venda, vender etc. Esse direito de impedir

terceiro de produzir o “produto” objeto de patente de invenção pode ser adequadamente

atendido a partir da tutela inibitória fundada no artigo 461 do CPC.

<texto>É possível ao titular da patente, entretanto, não só requerer tutela inibitória

(para que o réu não mais produza o produto), mas também solicitar a apreensão daquilo

que já foi produzido. Como se vê, é totalmente viável a cumulação das tutelas inibitória,

de remoção do ilícito e ressarcitória.

<aa>3.25 A importância da audiência preliminar à luz da experiência anglo-

americana do undertaking do réu

<texto>A “reforma do Código de Processo Civil”, seguindo as linhas dos mais

modernos ordenamentos processuais, 331

instituiu a chamada “audiência preliminar”, que

precede a audiência de instrução e julgamento.

<texto>De acordo com o art. 331, 332

encerrada a fase postulatória, e caso a hipótese

não seja de julgamento antecipado do mérito ou de extinção do processo e verse a causa

sobre direitos que admitam transação, 333

o juiz deverá designar audiência preliminar, a

realizar-se no prazo de trinta dias. Nessa audiência, uma das principais tarefas do juiz é

tentar conciliar as partes para que o conflito seja eliminado com menos gasto e energia e

de uma forma mais efetiva no plano da pacificação social.

<texto>É muito comum, no direito anglo-americano, ocorrer o que se denomina de

undertaking do réu, 334

que nada mais é do que um compromisso que ele assume perante

a Corte de abster-se dos atos que o autor teme ver praticados, ou ainda de dar-lhe

notícia, com antecipação, dos atos que deve praticar. Esse compromisso, em regra, é

331

ZPO austríaca, § 230; ZPO alemã, §§ 272 a 275; CPC italiano, arts. 183 a 185; CPC português, arts.

508 a 512; ver, também, o art. 300 do CPC Tipo para a América Latina. 332

Eis a redação que foi dada ao caput do art. 331 pela Lei 10.444/2002: “Se não ocorrer qualquer das

hipóteses previstas nas seções precedentes, e versar a causa sobre direitos que admitam transação, o juiz

designará audiência preliminar, a realizar-se no prazo de 30 (trinta) dias, para a qual serão as partes

intimadas a comparecer, podendo fazer-se representar por procurador ou preposto, com poderes para

transigir”. 333

Sobre isto, ver Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, Manual do processo de

conhecimento. 2. ed. São Paulo: RT, 2003, p. 286 e ss. 334

Ver Vincenzo Varano, Injunction. Digesto delle discipline privatistiche, v. 9, p. 491-492.

Page 148: Tutela Inibitória - Marinoni

148

considerado elemento suficiente para a não-concessão da injunction e acaba tendo um

valor equivalente a ela, pois abre oportunidade ao contempt of Court na hipótese de o

réu deixar de observá-lo. 335

<texto>Suponhamos que o autor, alegando que as emissões químicas da fábrica

vizinha estão causando danos a sua propriedade, peça que o réu se abstenha de

continuar exercendo suas atividades. O réu, na audiência preliminar, pode assumir o

compromisso de instalar equipamento que seja efetivamente capaz de neutralizar as

emissões, eliminando, assim, a razão para o prosseguimento da demanda. Nesse caso,

como é óbvio, deve ser acordada uma multa para a hipótese de o réu descumprir o que

prometeu, o que acaba conferindo ao autor uma espécie de garantia de que o réu fará o

que é necessário para que o ilícito não prossiga.

<texto>A audiência preliminar, em hipóteses como esta, é muito importante, pois

pode encontrar um réu propenso a fazer o que é necessário para que o ilícito não

prossiga, justamente para não correr o risco de sofrer uma imposição que possa trazer-

lhe maior gravame.

<aa>3.26 A tutela inibitória antecipada

<a1a>3.26.1 Primeiras considerações

<texto>Considerando-se a natureza da tutela inibitória, compreendida como uma

tutela voltada essencialmente para o futuro, não é difícil perceber que a efetividade

dessa tutela dependerá, em casos não raros, da possibilidade de sua antecipação.

<texto>A análise do tema da tutela inibitória, portanto, passa necessariamente pelo

estudo da tutela inibitória antecipada. 336

Não se trata somente de estudar as hipóteses

em que a tutela inibitória pode ser concedida no curso do processo de conhecimento,

mas também de abordar alguns pontos que são essenciais para um uso adequado dessa

imprescindível forma de tutela.

<texto>Como a questão da tutela antecipatória envolve o interessante problema

335

É o que dizem Baker e Langan: “If the defendant gives an undertaking to the court to abstain from the

acts of which the plaintiff complains, or even to give sufficient notice before attempting to act, an

injunction may be refused. Such an undertaking is equivalent to an injunction, and a breach may be

punished in the same way as a breach of an injunction” (P. V. Baker e P. St. J. Langan, Snell’s principles

of equity, cit., p. 633). 336

Sobre a tutela antecipada das obrigações de fazer e de não fazer, ver Teori Albino Zavascki,

Antecipação da tutela e obrigações de fazer e de não fazer. Genesis – Revista de Direito Processual Civil

4, v. 4, p. 111 e ss.

Page 149: Tutela Inibitória - Marinoni

149

teórico da separação entre execução e conhecimento, parece-nos fundamental, antes de

uma análise mais particularizada da inibitória antecipada, evidenciar que não há mais

razão para se pensar em uma regra que submeta a tutela de um direito ao encontro da

“verdade”. 337

<a1a>3.26.2 A quebra da regra da nulla executio sine titulo

<texto>A sentença condenatória sempre foi compreendida como uma sentença

destinada a viabilizar a execução forçada. Não nos interessa, entretanto, neste momento,

descobrir a razão pela qual a sentença condenatória abre as portas da execução forçada,

mas sim o fato de que a execução forçada sempre foi correlacionada com a declaração

da existência do direito do credor.

<texto>A necessária precedência da sentença condenatória em relação à execução

resulta da suposição de que a cognição, ou o conhecimento da existência do direito

afirmado pelo autor, deve anteceder a execução. 338

Isto porque a execução não poderia

dar-se sem a declaração da existência do direito, ou seja, sem a verificação de que este

direito realmente existe. Note-se que Liebman deixa claro que uma das finalidades da

tutela condenatória é “proporcionar a evidência de um direito existente e não satisfeito”.

339

<texto>Chiovenda, nas suas Instituições, mostra-se preocupado com a execução

provisória da sentença, mais precisamente com a possibilidade da execução da sentença

na pendência do recurso interposto contra a decisão do tribunal que julgou a apelação.

Esta seria, segundo o grande mestre italiano, uma das hipóteses em que “pode ocorrer a

figura duma sentença não definitiva, mas executória, e, pois, a separação entre a

definitividade da cognição e a executoriedade”. Para Chiovenda, a separação entre a

definitividade da cognição e a executoriedade conduziria a uma figura “anormal”, ou a

uma “ação executória descoincidente, de fato, da certeza jurídica”. 340

<texto>Como se vê, está presente, por detrás da afirmação de que a declaração

precede a execução, o pensamento de que o juiz só pode tutelar o direito após ter

337

Sobre a questão da busca da verdade no processo civil, ver Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz

Arenhart, Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2000, v. 5, t. 1, com grande

discussão deste assunto. 338

Como dizia Carnelutti, “la preordinazione della cognizione all’esecuzione” se exprime “con la formula

della condanna” (Diritto e processo. Napoli: Morano, 1958, p. 49). 339

Enrico Tullio Liebman, Processo de execução. São Paulo: Saraiva, 1968, p. 13. 340

Giuseppe Chiovenda, Instituições de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 1965, v. 1, p. 234-

235.

Page 150: Tutela Inibitória - Marinoni

150

encontrado, nas próprias palavras de Chiovenda, a “certeza jurídica”. É certo que a

doutrina clássica admitia as chamadas “declarações com predominante função

executiva”, onde estava inserida a executoriedade ope legis da sentença. 341

É

importante não esquecer, com efeito, que Liebman, no seu conhecido e já distante

ensaio Il titolo esecutivo riguardo ai terzi, havia advertido para as hipóteses em que o

efeito característico da condenação pode ser produzido sem a (ou antes da) obtenção da

“piena certezza di quella che può considerarsi la causa sostanziale dell’esecuzione”.

Disse ele: “Se é verdade que normalmente a aplicação da sanção pressupõe a declaração

de um direito a uma prestação que restou inadimplida, é também verdade, por outro

lado, que esta declaração é um pressuposto político, mas não jurídico, e que o nexo

entre estes dois atos, reciprocamente autônomos, pode ser atenuado quando a lei, por

exigências práticas notórias, deseja antecipar o efeito executivo sem esperar o encontro

da plena certeza daquela que pode ser considerada a causa substancial da execução, e

é portanto induzida a se contentar com um determinado grau de probabilidade da sua

existência. Assim, e somente assim, explicam-se aquelas figuras (provimentos) que a

doutrina chama de ‘declarações com predominante função executiva’, nas quais o efeito

característico da condenação se produz sem, ou antes, que seja obtida a declaração”. 342

<texto>As “declarações com predominante função executiva”, porém, sempre

constituíram exceções à busca da “piena certezza di quella che può considerarsi la causa

sostanziale dell’esecuzione”. Basta lembrar que Chiovenda, justamente o processualista

que criou esta categoria, ao tratar do tema nas suas Instituições, deu o seguinte título ao

primeiro item da seção dedicada à sua análise: “Executoriedade e definitividade da

sentença condenatória em geral. Ação executória anormal”. 343

Ora, a qualificação

“anormal” é bastante forte para evidenciar que a doutrina tradicional jamais pensou em

transigir com a ideologia da busca da verdade.

<texto>A idéia de busca da certeza jurídica, ou de busca da verdade, tem uma

íntima relação com os princípios do direito liberal. Em primeiro lugar, parece que se

pode ver na necessidade da “descoberta da verdade” uma nítida vinculação com a

“neutralidade do juiz”.

<texto>Não se pode negar que já no início do século XVII havia uma certa

341

Idem, ibidem, p. 236. 342

Enrico Tullio Liebman, Il titolo esecutivo riguardo ai terzi, Rivista di Diritto Processuale Civile, 1934,

p. 139. 343

Giuseppe Chiovenda, Instituições de direito processual civil, v. 1, cit., p. 234.

Page 151: Tutela Inibitória - Marinoni

151

passividade do juiz na aplicação da lei. Francis Bacon, em inglês arcaico, já dizia o

seguinte: “Iudges ought to remember, that their Office is Ius dicere, and not Ius dare;

To Interpret Law, and not to Make Law, or Giue Law”. 344

<texto>Contudo, quando se pensa em neutralidade do juiz, não é possível esquecer a

influência da Revolução Francesa. Como se sabe, os magistrados anteriores à

Revolução Francesa eram considerados aliados da nobreza e do clero; a desconfiança da

burguesia em relação aos juízes – que era totalmente justificada – foi de certa forma a

responsável pela feição passiva e neutra que a própria Revolução Francesa atribuiu ao

Judiciário. Recorde-se de que Montesquieu, ao dissertar sobre a separação dos poderes,

disse o seguinte: “Não haverá também liberdade se o poder de julgar não estiver

separado do poder legislativo e do poder executivo. Se estivesse ligado ao poder

legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz

seria legislador. Se estivesse ligado ao poder executivo, o juiz poderia ter a força de um

opressor”. 345

<texto>Para Montesquieu, o julgamento não poderia ser “mais do que um texto

exato da lei”; 346

o juiz, portanto, deveria ser apenas a bouche de la loi, ou seja, um juiz

passivo e sem qualquer poder criativo ou de imperium. Eis a passagem da obra de

Montesquieu em que se pode identificar a alusão ao juiz como bouche de la loi:

“Poderia acontecer que a lei, que é ao mesmo tempo clarividente e cega, fosse em certos

casos muito rigorosa. Porém, os juízes de uma nação não são, como dissemos, mais que

a boca que pronuncia as sentenças da lei, seres inanimados que não podem moderar

nem sua força nem seu rigor”. 347

<texto>Manter o juiz preso à lei seria sinônimo de segurança jurídica; o próprio

Montesquieu faz coro pela segurança jurídica fundada na estrita aplicação da lei, ao

afirmar que se os julgamentos “fossem uma opinião particular do juiz, viver-se-ia na

sociedade sem saber precisamente os compromissos que nela são assumidos”. 348

Essa

passagem de Montesquieu, segundo Giovanni Tarello, evidencia uma ideologia política

344

Francis Bacon, Essays. London: Oxford University Press, 1937, p. 222. 345

Charles-Louis de Secondat (Barão de Montesquieu), Do espírito das leis. São Paulo: Abril Cultural.

1973, p. 157. 346

Montesquieu, Do espírito das leis, cit., p. 158. Ver, também, Giovanni Tarello, Storia della cultura

giuridica moderna. Bologna: Il Mulino, 1976, p. 280. 347

Montesquieu, Do espírito das leis, cit., p. 160; ver Giovanni Tarello, Storia della cultura giuridica

moderna, cit., p. 192. 348

Montesquieu, Do espírito das leis, cit., p. 158; ver Giovanni Tarello, Storia della cultura giuridica

moderna, cit., p. 194.

Page 152: Tutela Inibitória - Marinoni

152

voltada a sugerir que a liberdade política, entendida como segurança psicológica do

indivíduo, realiza-se através da certeza do direito. 349

<texto>Não é de estranhar, assim, que as tutelas sumárias não estejam de acordo

com os princípios liberais. Ora, como ressalta Giovanni Verde, pensou-se, no início do

século XIX, em alguns países onde o pensamento de Montesquieu era mais vivo (por

exemplo, em França), até mesmo em proibir o juiz de interpretar a lei. 350

Se o juiz é um

mero aplicador da lei, pelo mesmo motivo havia de ser proibido de julgar com base em

verossimilhança. Dar ao juiz poder para tutelar um direito aparente é o mesmo que dar

ao Judiciário poder para avaliar uma determinada situação concreta com base em

critérios que certamente não agradariam aqueles que queriam ver o juiz impedido de

interpretar a lei. Ora, se o sistema admite que o juiz pode afirmar que não deveria ter

concedido a tutela sumária, o próprio sistema concebe que a “justiça” do juiz pode não

ser a justiça da lei. 351

<texto>O juiz, para manter-se fiel à lei, deveria julgar após ter encontrado a “plena

certeza jurídica”. Porém, como a “busca da verdade” é uma quimera, já que toda

“certeza jurídica”, na perspectiva gnosiológica, sempre se resolve em mera

verossimilhança, 352

a idéia de “busca da verdade” encobria o fato de que o juiz pode

errar e, até mesmo, a obviedade de que o juiz possui valores pessoais e uma vontade

inconsciente que, na maioria das vezes, ele próprio não consegue desvendar.

<texto>Se o juiz, para se manter neutro e fiel à lei, não pode julgar com base em

verossimilhança – onde a vontade do juiz, como é intuitivo, pesa muito mais –, é fácil

perceber a relação entre “busca da verdade” e neutralidade do juiz. E assim a nítida

relação entre o fato de a Revolução Francesa ter suprimido do sistema processual as

ações sumárias que lhe eram anteriores e a lógica da neutralidade do juiz.

<texto>Note-se, ademais, que a provisoriedade, inerente ao juízo sumário, foi vista

349

Giovanni Tarello, Storia della cultura giuridica moderna, cit., p. 294. 350

Giovanni Verde, Profili del processo civile. Napoli: Jovene, 1988, p. 39. 351

É necessário reproduzir, neste passo, a seguinte lição de Ovídio Baptista da Silva: “Está, portanto,

determinada a precedência da cognição sobre a execução que, como já vimos, é uma exigência da estrita

submissão do juiz à lei, já que, dar-lhe poder de executar antes de julgar seria o mesmo que outorgar-lhe o

direito de conceder tutela a quem, depois, a sentença reconhecesse não ter o tutelado direito ao que lhe

fora antes concedido; o que, dizia Hobbes, sendo, no caso, justiça do juiz e não da lei (Leviathan, XXVI,

7), seria por definição injusta; ou, como diria depois Montesquieu, o juiz que concedesse uma medida

executiva antes da declaração de certeza, expressa na sentença, de que o destinatário da tutela era de fato

o titular do direito tutelado, tornar-se-ia, ipso facto, legislador, com ‘grave risco para a liberdade dos

cidadãos’” (Jurisdição e execução..., cit., p. 147). 352

Ver Piero Calamandrei, Verità e verosimiglianza nel processo civile. Rivista di Diritto Processuale,

1955, p. 166.

Page 153: Tutela Inibitória - Marinoni

153

como algo pernicioso para uma sociedade que requer “segurança” para o

desenvolvimento das relações jurídicas. Recorde-se de que Chiovenda afirmou que os

processos sumários seriam incompatíveis com os princípios e objetivos da “civilização

moderna”, que exigiria um processo teleologicamente voltado para a descoberta da

verdade e, além disso, capaz de oferecer a indispensável segurança de que as relações

jurídicas necessitariam para desenvolver-se. 353

<texto>Um processo de cognição sumarizada, ao admitir uma ação posterior, pode

permitir ao vencido reverter o resultado econômico obtido pelo vencedor, o que

certamente não geraria a “segurança” exigida para o desenvolvimento da produção

industrial. A ideologia da civilização industrial, portanto, de certa forma reafirmou a

tendência da expulsão das tutelas sumárias do sistema processual, incompatíveis que

eram com os negócios dos “homens de negócios”. 354

<texto>É oportuno observar, contudo, que a universalização do procedimento

ordinário, ao mesmo tempo em que propiciou a segurança almejada pelos membros do

mundo dos negócios, impediu o tratamento diferenciado das situações de direito

substancial, 355

espécie de tratamento que, na realidade, era indesejado em uma

economia preocupada apenas em manter em funcionamento os mecanismos de mercado.

356

<texto>Ao lado de tudo isto, é correto dizer, ainda, que a suposição de que a tutela

do direito jamais poderia dar-se no curso do processo de conhecimento e, assim, na

forma antecipada, é também uma decorrência da idéia de que a esfera jurídica do réu

somente pode ser invadida após a ele ter sido dada a oportunidade de ampla defesa.

<texto>Como é óbvio, não se deseja, aqui, negar a importância do direito de defesa,

mas apenas frisar que as situações de direito material, assim como os sujeitos do

processo (que são concretos e assim não simplesmente “partes”), não podem ser olhados

353

Cf. Ovídio Baptista da Silva, Comentários ao Código de Processo Civil, v. 11, cit., p. 16-17. 354

Luiz Guilherme Marinoni, Efetividade do processo e tutela de urgência, cit., p. 2-3. 355

Sergio Chiarloni. Introduzione allo studio del diritto processuale civile. Torino: Giappichelli, 1975, p.

29). 356

Discorrendo sobre a relação entre a tutela ressarcitória pelo equivalente e a economia liberal, assim

escreve Salvatore Mazzamuto: “I soggetti dello scambio sono liberi di autodeterminarsi attraverso il

contratto e debbono soltanto rispettare le regole del giuco, le quali sono concepite nel presupposto della

parità formale dei contraenti e non impongono di adeguare il regolamento d’interessi a parametri di

valutazione sociale. I limiti posti dall’ordinamento all’autonomia dei privati appaiono come limiti

squisitamente negativi. Così è per il divieto di conformare il negozio in contrasto con le norme imperative

e per la corrispondente sanzione della nullità. Ma così è anche per la misura del risarcimento del danno

che consegue all’inattuazione dello scambio” (L’attuazione degli obblighi di fare. Napoli: Jovene, 1978,

p. 37-38).

Page 154: Tutela Inibitória - Marinoni

154

como se fossem iguais, como pretendia o direito liberal, e ainda supõe a idéia que

sustenta a suficiência de um procedimento comum a todos os direitos e pessoas (neutro

em relação ao direito material e à realidade social).

<texto>A compreensão das peculiaridades das diferentes situações concretas, além

de permitir ver a necessidade de distribuição do tempo do processo e de antecipação da

tutela, alerta o legislador para a estruturação de técnicas processuais diferenciadas,

como aquelas que estão nos arts. 273 e 461 do CPC, as quais não estão voltadas apenas

a uma determinada situação (e assim não abrem oportunidade à construção de um

procedimento especial), mas se dirigem a viabilizar a tutela jurisdicional adequada de

diversas situações de direito substancial.

<texto>Entretanto, o princípio da nulla executio sine titulo, que visa a impedir que a

esfera jurídica do réu seja invadida antes da formação da coisa julgada material e,

portanto, da realização integral do princípio do contraditório e do conseqüente encontro

da “plena certeza jurídica”, não se concilia com as novas necessidades de tutela e com a

recente “descoberta” de que o tempo do processo não é um ônus que deva ser suportado

unicamente pelo autor. 357

<texto>Há um verdadeiro conflito entre o direito à tempestividade da tutela

jurisdicional e o direito de defesa; esse conflito, entretanto, não pode ser resolvido em

abstrato, como se todas as situações de direito material fossem iguais. 358

Na realidade,

como é fácil perceber, a idéia de que o tempo do processo deveria ser compreendido

como algo neutro, deriva da suposição de que os direitos não precisariam ser tratados

de forma diferenciada e de que o tempo do processo deveria constituir ônus do autor,

como se ele fosse o culpado pela demora inerente à cognição dos direitos.

<texto>O tradicional procedimento ordinário (obviamente que sem a previsão da

possibilidade de tutela antecipatória), ao não tomar em consideração as peculiaridades

das diferentes situações concretas, não tem condições de permitir que o processo tutele

os direitos de forma adequada. Aliás, esta espécie de procedimento é irracional, uma vez

que sempre causa um “dano marginal” ao autor que tem razão. 359

357

Ver Luiz Guilherme Marinoni, Tutela antecipatória, julgamento antecipado e execução imediata da

sentença, cit., p. 15-32. 358

A respeito das chamadas “tutelas jurisdicionais diferenciadas”, ver, principalmente, Andrea Proto

Pisani, Sulla tutela giurisdizionale differenziata, Rivista di Diritto Processuale, 1979, p. 579 e ss. 359

“Questo peculiare tipo di danno può essere indicato come ‘danno marginale in senso stretto’, oppure

come ‘danno marginale da induzione processuale’, appunto in quanto esso è specificamente causato, e

non soltanto genericamente occasionato, dalla distensione temporale del processo” (Italo Andolina,

Page 155: Tutela Inibitória - Marinoni

155

<texto>O conflito executivo endoprocessual, 360

derivado da disputa entre a

necessidade de tutela imediata e o direito à ampla cognição do mérito, pode ser

resolvido através de normas que atribuam a qualidade de título executivo judicial a

provimentos de cognição sumária. 361

Nada impede que o legislador atribua eficácia

executiva a um provimento sumário, uma vez que o título executivo não deve ser visto

como uma conseqüência lógica da existência do direito, 362

mas sim como uma opção

pela sua realização prática, ou ainda como o resultado de uma necessidade concreta de

tutela jurisdicional.

<texto>A tutela antecipatória, ao viabilizar a tutela do direito no curso do processo

de conhecimento, 363

resolve de forma adequada o grave problema da necessidade de

distribuição isonômica do tempo do processo e, mais do que isso, destrói o mito de que

o juiz somente pode julgar após ter encontrado a “certeza jurídica”.

<texto>Os “novos direitos”, especialmente os de conteúdo não patrimonial, fizeram

surgir novas necessidades de tutela, especialmente de tutela inibitória sumária. Daí a

importância do estudo da tutela inibitória antecipada, a qual, antes do atual art. 461, era

prestada sob o manto protetor da tutela cautelar, não apenas porque se confundia tutela

cautelar com tutela inibitória, mas também porque a tutela cautelar, em determinado

período, transformou-se em verdadeira técnica de sumarização do processo de

conhecimento. 364

“Cognizione” ed “esecuzione forzata” nel sistema della tutela giurisdizionale. Milano: Giuffrè, 1983, p.

20). 360

Italo Andolina fala em “conflito executivo endoprocessual”, “Cognizione” ed “esecuzione forzata”

nel sistema della tutela giurisdizionale, cit., p. 21-24. 361

“La certezza del diritto eseguibile infatti non è in alcun modo in relazione necessaria con la stabilità, la

immutabilità dell’accertamento che condotto sul diritto ha portato alla conclusione che esso veramente

esiste tra quei dati soggetti e con quel dato contenuto e oggetto. Non lo è per i titoli giudiziali, e ancor

meno lo è per i titoli stragiudiziali. Quanto ai primi, la sola esistenza dell’istituto della esecuzione

provvisoria (sempre meno fondata sull’alta probabilità di esattezza del giudizio di merito da quando la si

va estendendo ex lege a provvedimenti di primo grado o di prima sommaria fase) già mostra in luce

meridiana l’esattezza di quanto qua osservato” (Sergio La China, Esecuzione forzata, Enciclopedia

Giuridica Treccani, v. 13, p. 3). 362

Sergio La China, Esecuzione forzata, Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 13, p. 3. 363

Segundo Ovídio Baptista da Silva, “a reintrodução em nosso direito de uma forma de tutela

antecipatória – tão extensa quanto o permite sua conceituação, como tutela genérica e indeterminada –

invalida todos os pressupostos teóricos que sustentam o processo de conhecimento, pois as antecipações

de julgamento, idôneas para provocarem tutela antecipatória, pressupõem demandas que contenham,

conjugadas e simultâneas, as atividades de conhecimento e execução” (Ovídio Baptista da Silva, Tutela

antecipatória e juízos de verossimilhança. O processo civil contemporâneo. Curitiba: Juruá, 1994, p. 127). 364

Sobre o uso “satisfativo” da tutela cautelar, ver Sergio La China, Quale futuro per i provvedimenti

d’urgenza? I processi speciali (studi offerti a Virgilio Andrioli dai suoi allievi). Napoli: Jovene, 1979, p.

151; Roger Perrot, Procédure de l’instance; jugements et voies de recours; voies d’execution et mesures

conservatories. Revue Trimestrielle de Droit Civil, 1982, p. 342.

Page 156: Tutela Inibitória - Marinoni

156

<a1a>3.26.3 A tutela inibitória antecipada na ação inibitória

<b> 3.26.3.1 Fundamento e pressupostos da tutela inibitória antecipada na

ação inibitória

<texto>De acordo com o art. 461, § 3.º, do CPC, “sendo relevante o fundamento da

demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz

conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu”.

<texto>Como está claro, o autor está autorizado a requerer tutela antecipatória na

“ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não-fazer”. A ação

inibitória, por tomar em consideração uma “obrigação”, caminha sobre os trilhos do art.

461 e, portanto, a tutela inibitória antecipada individual funda-se no próprio § 3.º do art.

461. Por sua vez, a tutela inibitória coletiva pode ser antecipada com base no § 3.º do

art. 84 do CDC, que tem o mesmo teor do § 3.º do art. 461 do CPC.

<texto>O requerente da tutela inibitória antecipada deve demonstrar, em termos de

fumus boni iuris, a probabilidade da ilicitude. Frise-se que aquilo que deve ser

demonstrado é a probabilidade de ato contrário ao direito, e não a probabilidade de

dano. Assim, por exemplo, em uma ação destinada a impedir a repetição do uso

indevido de marca, basta demonstrar a probabilidade de violação do direito à marca.

<texto>Entretanto, além da probabilidade do ilícito, exige-se o que as normas dos

arts. 461, § 3.º, CPC, e 84, § 3.º, CDC, chamam de “justificado receio de ineficácia do

provimento final”. Há “justificado receio de ineficácia do provimento final” quando há

“justificado receio” de que o ilícito (que pode ou não estar associado ao dano) seja

praticado no curso do processo de conhecimento, isto é, em momento anterior àquele

em que o provimento final pode ser executado.

<b> 3.26.3.2 A prova e a tutela inibitória antecipada

<texto>O Código de Processo Civil brasileiro, no seu art. 273, ao tratar

expressamente da “tutela antecipatória”, afirma que o juiz poderá antecipar, total ou

parcialmente, os efeitos da tutela, desde que, “existindo prova inequívoca, se convença

da verossimilhança da alegação”.

<texto>Quando se fala em antecipação da tutela, pensa-se em uma tutela que deve

ser prestada em um tempo menor do que aquele que será necessário para o término do

procedimento. Como o principal responsável pelo gasto de tempo no processo é a

Page 157: Tutela Inibitória - Marinoni

157

produção da prova, muitas vezes admite-se a concessão da tutela antes que as provas

requeridas pelas partes tenham sido produzidas. Neste sentido, afirma-se que a tutela é

concedida com a postecipação da produção da prova, ou com a postecipação do

contraditório. Em casos como estes, “prova inequívoca” somente pode significar a

prova formalmente perfeita, cujo tempo para produção não é incompatível com a

imediatidade em que a tutela deve ser concedida (para que o direito não seja frustrado).

<texto>Quando o procedimento deve prosseguir para que outras provas sejam

produzidas, o juízo formado, no curso do procedimento, deve ser denominado de “juízo

provisório”, muito embora seja designado, pelo Código de Processo Civil brasileiro, de

“juízo de verossimilhança”. A prova não pode ser qualificada de “prova de

verossimilhança”; é o juízo, formado a partir da prova, que é chamado, a nosso ver

equivocadamente, de “juízo de verossimilhança”.

<texto>Falar que a prova deve formar um “juízo de verossimilhança”, como

preceitua o mencionado art. 273, é dizer o óbvio. Isto porque toda prova, esteja

finalizado ou não o procedimento, apenas pode permitir a formação de um “juízo de

verossimilhança”, uma vez que a verdade é algo absolutamente inatingível. 365

Com

efeito, se o legislador, ao aludir a “juízo de verossimilhança”, pretende expressar a idéia

de juízo não formado com base na plenitude de provas e argumentos das partes, deveria

ter feito referência a “juízo-provisório”.

<texto>Contudo, o importante é a demonstração de que a diferença entre prova e

juízo não permite que se pense e fale, quando se pretende aludir para um juízo

provisório, em prova de verossimilhança ou em juízo de verossimilhança. Ademais, a

idéia de juízo provisório, como contraposta a de juízo final, permite perceber que não é

365

“No que tange à questão da valoração da prova, é necessário que o juiz tenha em mente, lembrando-se

de Voltaire, que as verdades históricas nunca passam de mera verossimilhança. Calamandrei, referindo-se

a uma assertiva de Wach, advertiu que quando se diz que um fato é verdadeiro, afirma-se, em substância,

que ele atingiu na consciência de quem assim o julga, aquele grau máximo de verossimilhança que, em

relação aos meios limitados de conhecimento de que o julgador dispõe, é suficiente para lhe dar a certeza

subjetiva de que aquele fato se verificou. Como diz Calamandrei, mesmo para o juiz mais atento e

escrupuloso vale o limite fatal de relatividade que é próprio da natureza humana, pois o que vemos é

aquilo que parece estarmos vendo. É por isso que todo sistema probatório civil é preordenado não

somente a permitir, mas verdadeiramente a impor ao juiz de contentar-se, no apreciar dos fatos, com a

verossimilhança.

Não existe verdade, pois a verdade está no campo do impossível. A verdade varia de acordo com a

subjetividade de cada um. A certeza seria a manifestação subjetiva de alguém, a respeito de um dado, de

onde pode surgir a verdade para ela, mas não para os outros ou para todos. Esta certeza – mesmo porque a

subjetividade do próprio ser cognoscente pode mudar – não existe, ou existirá, como absoluta, nem àquele

que um dia a afirmou. Toda certeza, pois, não passa de mera verossimilhança. Mas o juiz, não obstante,

deve procurar encontrar, por assim dizer, a “certeza do caso concreto” (Luiz Guilherme Marinoni, Novas

linhas do processo civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 107-108).

Page 158: Tutela Inibitória - Marinoni

158

a tutela, concedida no curso do processo, que é provisória, e sim o juízo. O contrário de

juízo final é juízo provisório, ao passo que a tutela fundada em juízo provisório pode ser

antecipada (e aí posta em relação com a tutela final) ou cautelar.

Por outro lado, é importante salientar a diferença entre o objeto da prova em face da

tutela antecipatória inibitória e da tutela antecipatória repressiva. A natureza da tutela

inibitória – voltada para o futuro – tem relação íntima com a prova. Na ação inibitória,

deverá ser provado fato que constitua indício de que a violação futura provavelmente

ocorrerá. Tratando-se de tutela inibitória antecipada, o juízo provisório deve recair sobre

fato que indique que o fato temido poderá ocorrer antes da efetivação da sentença e,

evidentemente, sobre a afirmada ilicitude deste último. Ao contrário, no caso de tutela

antecipada em ação ressarcitória, o juízo provisório deve estar centrado sobre o fato

violador e a necessidade de a tutela ser prestada antecipadamente para que não venha a

ocorrer dano diverso daquele que se deseja reparar. É o caso, por exemplo, da tutela

antecipada de soma em dinheiro, requerida em ação ressarcitória, sob o argumento de

que há necessidade imediata desta tutela para que sejam supridas necessidades

primárias. Nesta situação, importa a probabilidade da responsabilidade do réu pelo dano

e o fundado receio de que, se o ressarcimento não ocorrer – ao menos em parte – na

forma antecipada, outro dano possa acontecer.

<b> 3.26.3.3 Momento da concessão da tutela inibitória antecipada

<texto>É preciso perceber, na linha do que inclusive já decidiu a Corte

Constitucional italiana, que a tutela de urgência constitui um componente essencial366

e

ineliminável da tutela jurisdicional, nos limites em que é necessária para neutralizar um

perigo de dano irreparável. 367

Proto Pisani, aliás, discorrendo sobre a tutela dos direitos

não patrimoniais, afirma que a Corte Constitucional, através dessa decisão, conferiu

relevância constitucional ao princípio chiovendiano de que a demora do processo não

366

Em 1974, a Corte Constitucional italiana já havia dito que no estado atual “di evoluzione della cultura

giuridica e di applicazione dei principi costituzionali la tutela cautelare è componente essenziale della

tutela giurisdizionale” (Corte Cost, 27 de dezembro de 1974, Foro Italiano, 1975, p. 262 e ss). 367

“L’insegnamento che ci viene anche dalla recente sentenza n. 190 della Corte costituzionale, è che

l’esigenza di tutela della effettività della tutela giurisdizionale contro i danni derivanti dalla durata o

anche a causa della durata del processo a cognizione piena, impone di ritenere che la tutela giurisdizionale

cautelare atipica costituisca una componente essenziale ed ineliminabile della tutela giurisdizionale, nei

limiti in cui sia necessaria per neutralizzare pericula in mora che assurgano agli estremi della

irreparabilità del pregiudizio” (Andrea Proto Pisani, Intervento (Atti del XV Convegno Nazionale). La

tutela d’urgenza. Rimini: Maggioli 1985, p. 118). Ver, também, Vittorio Denti, Intervento (Atti del XV

Convegno Nazionale). La tutela d’urgenza. Rimini: Maggioli editore, 1985, p. 164; Luiz Guilherme

Marinoni, A antecipação da tutela. 3. ed. cit., p. 132-134.

Page 159: Tutela Inibitória - Marinoni

159

pode prejudicar o autor que tem razão. 368

<texto>Tratando-se de tutela inibitória antecipada, não pode haver dúvida sobre a

possibilidade de sua concessão antes de ser ouvido o réu. Ora, se a tutela inibitória

exerce uma função eminentemente preventiva, não há como negar a possibilidade de

seu deferimento quando não se pode esperar o tempo necessário para ouvir o

demandado.

<texto>Não teria sentido conclusão diversa, uma vez que o Estado, ao conceber a

tutela antecipatória, conferiu ao cidadão uma via destinada a permitir a efetiva tutela do

direito que ainda não teve condições de ser evidenciado, sem se importar com o

momento em que a necessidade de tutela pode surgir, até porque seria ilógico imaginar

que o autor só tem direito à adequada tutela jurisdicional após o réu ter sido ouvido.

Aliás, a boa doutrina, ao analisar a questão da tutela inaudita altera parte em face do

princípio constitucional do contraditório, tem entendido que o contraditório pode ser

diferido quando não há outra forma de tutelar de forma efetiva o direito do autor. 369

<texto>O Bundesverfassungsgericht alemão acolheu a tese de que a efetiva proteção

de direitos que correm o risco de ser lesados pode exigir a concessão da tutela sem um

completo esclarecimento da matéria de fato, mas alertou que, por tratar-se de ingerência

na esfera jurídica do réu, a derrogação do princípio geral da audiência prévia deve ser

admitida apenas quando esta resulte indispensável – unabweisbar – para a

concretização do escopo da própria tutela. 370

A Corte Constitucional italiana tem

decidido com base em princípios análogos; assim, por exemplo, ao declarar infundada a

questão de legitimidade constitucional do art. 2.450, terceira parte, do Código Civil,

afirmou que a tutela inaudita altera parte prevista nesta norma possui caráter interinal e,

assim, não retira do interessado a possibilidade de fazer instaurar um juízo ordinário,

com a garantia de um contraditório amplo. 371

<texto>Por outro lado, ainda há, em nosso Código de Processo Civil, algo que

entendemos ser verdadeira contradição. Note-se que o juiz está autorizado a conceder a

tutela antecipatória no curso do processo de conhecimento, mas sua sentença não tem

368

Andrea Proto Pisani, Nuovi diritti e tecniche di tutela. Scritti in onore di Elio Fazzalari. Milano:

Giuffrè, 1993, v. 2, p. 57. 369

Nicolò Trocker, Processo civile e costituzione, Milano: Giuffrè, 1974, p. 405-408; Giuseppe

Martinetto, Contraddittorio (Principio del), Novissimo digesto italiano, v. 4, p. 461; Nelson Nery Junior,

Princípios do processo civil na Constituição Federal. São Paulo: RT, 1992, p. 136. 370

Nicolò Trocker, Processo civile e costituzione, cit., p. 407. 371

Idem, ibidem.

Page 160: Tutela Inibitória - Marinoni

160

executividade imediata. 372

<texto>A Lei 10.352/2001 tentou corrigir este defeito, acrescentando ao art. 520,

caput, (que diz: “a apelação será recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo. Será,

no entanto, recebida só no efeito devolutivo, quando interposta de sentença que:”),

inciso com a seguinte redação: “VII – confirmar a antecipação dos efeitos da tutela”.

Realmente, a contradição antes apontada não foi eliminada. De nada adianta afirmar que

a sentença pode produzir efeitos na pendência da apelação quando confirmar a

antecipação dos efeitos da tutela. É que, neste caso, os efeitos da tutela, por terem sido

antecipados, já terão sido, ou estarão sendo, produzidos no momento em que a sentença

for proferida. Portanto, não será a sentença de procedência que produzirá efeitos; a

sentença de procedência, no caso, somente agregará força declaratória à decisão

concessiva da tutela.

<texto>O real problema surgia quando o perigo ainda estava presente no momento

da sentença, mas a tutela antecipatória não tinha sido concedida porque o juiz, antes do

final da instrução probatória, não possuía convicção sobre a probabilidade da existência

do direito. Mais tarde, com o perigo ainda rondando, e o direito evidenciado, a sentença

não podia ser executada na pendência da apelação. Ora, o novo inciso VII do art. 520

nada fez para alterar esta situação, uma vez que não trata da hipótese em que a tutela

antecipatória não foi concedida.

<texto>Contudo, como o intérprete não pode render-se ao irracional e como não tem

lógica admitir que o juiz pode conceder a tutela antes, e não depois, de finalizada a

instrução, parece correto admitir a concessão da tutela antecipatória, mediante decisão

interlocutória, antes de ser proferida a sentença, mas depois de a instrução probatória

ter encerrado.

<texto>Note-se que se o juiz concede a tutela antecipatória através de decisão

interlocutória, logo após poderá proferir sentença confirmando a antecipação dos

efeitos da tutela, e assim dar aplicação ao art. 520, VII, do CPC. A tutela antecipatória

será concedida por meio de decisão interlocutória, e não através de sentença, ainda que

372

Como já dissemos, “Carnelutti, nas suas Instituições, falava em ‘execução imediata’. Essa expressão

tem a falha de não servir para diferenciar a execução fundada em sentença definitiva da execução fundada

em sentença provisória, porém é inegavelmente mais adequada do que a expressão ‘execução provisória’”

(Luiz Guilherme Marinoni, Tutela antecipatória e julgamento antecipado, cit., p.198). Ver, ainda, sobre a

impropriedade da expressão “execução provisória”, Federico Carpi, La provvisoria esecutorietà della

sentenza. Milano: Giuffrè, 1979, p. 7; Bruno Lasagno, Esecuzione provvisoria. Le riforme del processo

civile (a cura di Sergio Chiarloni). Bologna: Zanichelli, 1992, p. 341.

Page 161: Tutela Inibitória - Marinoni

161

possa constar no mesmo instrumento desta última. Ou seja, a tutela antecipatória e a

sentença poderão ser proferidas na mesma folha de papel.

<texto>Não cabe a idéia no sentido de que, quando a tutela antecipatória deve ser

concedida ao término da instrução probatória, ela deve ser deferida na própria sentença

e a apelação ser recebida apenas no efeito devolutivo. É que a sentença, no caso em que

o recurso é recebido apenas no efeito devolutivo, somente pode produzir efeitos a partir

da data em que o juiz recebe o recurso apenas neste efeito. Ora, qualquer advogado que

conhece a prática forense sabe muito bem que, no caso em que a tutela antecipatória é

necessária, não há como esperar tempo semelhante àquele que será gasto entre a

sentença e o recebimento do recurso no efeito devolutivo. Perceba-se, ademais, que o

recorrente, neste caso, não terá interesse algum em apresentar rapidamente a apelação.

Não há fundamento, principalmente quando em jogo a tutela inibitória, em não admitir

que o juiz possa conceder a tutela depois de encerrada a instrução probatória. Isto pelo

inocultável motivo de que a urgência, derivada do perigo de ilícito, é inerente à ação

inibitória. Portanto, interpretação diversa da ora proposta não se conciliaria com a

própria razão de ser da ação inibitória.

<texto>Lembre-se, porém, que, consoante o art. 14 da Lei 7.347/85 (Lei da Ação

Civil Pública), o recurso de apelação deve ser recebido, em regra, apenas no efeito

devolutivo, podendo o juiz conferir efeito suspensivo “para evitar dano irreparável à

parte”. 373

<b> 3.26.3.4 Justificação prévia e tutela inibitória antecipada

<texto>Afirma o § 3.º do art. 461 do CPC, assim como o § 3.º do art. 84 do CDC,

que o juiz pode conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o

réu.

<texto>Se o autor não detém prova capaz de convencer o juiz da presença do fumus

boni iuris e do periculum in mora, mas supõe que pode demonstrar, por meio de

justificação prévia, os requisitos exigidos para a concessão da tutela inibitória

antecipada, cabe a ele requerer a designação da justificação prévia, quando terá lugar a

inquirição das testemunhas que podem auxiliar na elucidação da matéria fática. 374

Nesse momento, e para poder melhor decidir sobre a oportunidade da tutela 373

Ver Rodolfo de Camargo Mancuso, Ação civil pública, cit., p. 180 e ss. 374

Ver J. E. Carreira Alvim, Tutela específica das obrigações de fazer e não fazer na reforma processual,

cit., p. 155 e ss.

Page 162: Tutela Inibitória - Marinoni

162

antecipatória, o juiz também poderá ouvir as partes em interrogatório livre. 375

<texto>Como é óbvio, o juiz não deve esperar formar, a partir da justificação prévia,

um juízo suficiente para a definição do mérito, mas apenas um juízo de probabilidade

que seja idôneo para permitir a concessão da tutela inibitória antecipada.

<texto>A justificação prévia é um instrumento importante dentro da estratégia

criada para viabilizar a efetividade da tutela dos direitos, pois torna possível ao autor,

que não dispõe de prova no momento da propositura da ação, a imediata formação de

prova capaz de convencer o juiz da necessidade de concessão da tutela antecipada. 376

<b> 3.26.3.5 A tutela inibitória antecipada e o princípio da probabilidade. A

questão da irreversibilidade

<texto>Embora o art. 461 não contenha previsão similar à do § 2.º do art. 273 do

CPC – que afirma que “não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo

de irreversibilidade do provimento antecipado” –, o certo é que se poderia dizer que a

tutela antecipatória não deve ser concedida, ainda que com caráter inibitório, quando

puder causar um dano irreversível ao réu.

<texto>Entretanto, aprofundando-se o estudo do problema, é possível concluir, até

com alguma facilidade, que o fato de a tutela antecipatória poder trazer prejuízos

irreversíveis ao réu não pode constituir obstáculo a sua concessão. É preciso sempre

considerar, quando se trata de tutela antecipatória, o princípio da probabilidade.

<texto>O princípio da probabilidade consagra a própria lógica da tutela

antecipatória contra o periculum in mora. Na tutela antecipatória fundada em periculum

in mora está sempre em jogo um direito provável que pode ser lesado. Assim, a

afirmação de que o direito do réu, em virtude da tutela antecipatória, pode ser lesado de

forma irreparável, não é suficiente para convencer alguém – que esteja caminhando

375

Egas Dirceu Moniz de Aragão, Alterações no Código de Processo Civil: tutela antecipada, perícia.

Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 242. 376

A justificação prévia não é privilégio das ações fundadas nos arts. 461, CPC, e 84, CDC. Como diz

Moniz de Aragão, a justificação prévia, “embora prevista apenas para situações disciplinadas no art. 461,

bem pode ser aplicada também aos casos submetidos ao disposto no art. 273. Trata-se de natural corolário

de velhas regras de hermenêutica, relacionadas à interpretação analógica ou à meramente extensiva ou

construtiva. Além disso, para atingir os fins previstos na lei reputam-se naturalmente concedidos os meios

a tanto necessários. Se o intuito da lei fosse o de limitar o emprego da justificação apenas aos fatos

previstos no art. 461, por certo teria feito esse esclarecimento para os casos regulados no art. 273 (diria,

por exemplo: ‘desde que existindo prova documental inequívoca, se convença da verossimilhança’).

Como não o fez, estima-se possível realizar justificação prévia também nas hipóteses relacionadas no art.

273” (Egas Dirceu Moniz de Aragão, Alterações no Código de Processo Civil: tutela antecipada, perícia.

Reforma do Código Processo Civil, cit., p. 241-242).

Page 163: Tutela Inibitória - Marinoni

163

sobre os trilhos da boa lógica – de que a tutela antecipatória não pode ser concedida.

Admitir que a tutela antecipatória está obstaculizada, apenas porque sua concessão pode

trazer um dano irreversível ao réu, é esquecer que a própria tutela antecipatória

pressupõe que o direito do autor pode ser lesado e, mais do que isso, que este direito

deve ser provável. Portanto, cair na armadilha de que a tutela antecipatória não pode ser

admitida apenas porque pode causar dano irreparável ao réu, é desprezar a obviedade de

que não tem cabimento impedir a tutela adequada de um direito provável para se

proteger um direito improvável. 377

<texto>Tommaseo, em um célebre congresso internacional que foi coordenado pelo

professor Giuseppe Tarzia na Universidade de Milão, 378

abordou exatamente a questão

que ora estamos enfrentando. Perguntou ele: que tipo de tutela jurisdicional é essa que,

para evitar uma lesão ao direito do autor, pode, e legitimamente pode, provocar um

prejuízo ao direito do réu? Para Tommaseo, a objeção contida nessa pergunta deve ser

aceita apenas como um convite à prudência, como uma exortação para o juiz usar com

moderação o potente instrumento que a lei lhe atribuiu, mas jamais como base para a

construção de um limite estrutural para a concessão de tutelas sumárias que possam

prejudicar o réu. 379

<texto>Quem insistisse nesta objeção estaria esquecendo – segundo o próprio

professor da Universidade de Trieste – que a medida sumária é concedida para tutelar

um direito cujo fundamento seja provável, sacrificando-se um direito que se afigure

improvável. 380

Usando outras palavras, concluiu Tommaseo, de forma absolutamente

clara, que se não há outro modo para evitar um prejuízo irreparável a um direito

subjetivo que se afigure provável, deve-se admitir que o juiz possa provocar um

prejuízo, ainda que irreparável, ao direito que lhe pareça improvável. 381

<texto>É preciso deixar claro, porém, que nos casos em que o ilícito se dissocia do

dano, a tutela antecipatória pode ser concedida apenas para impedir a prática do ilícito.

Pense-se, por exemplo, no caso em que se requer tutela antecipatória para impedir a

construção de uma indústria em lugar proibido pela legislação ambiental. Nessa 377

Ver Luiz Guilherme Marinoni, A antecipação da tutela. 7. ed., cit., p. 226. 378

Congresso Internacional sobre “as medidas provisórias no processo civil”, Instituto de Direito

Processual Civil da Universidade de Milão, 12 e 13 de outubro de 1984. Les mesures provisoires en

procédure civile. Milano: Giuffrè, 1985. 379

Ferruccio Tommaseo, “Intervento” (Atti del Colloquio Internazionale, Milano, 12-13 ottobre 1984).

Les mesures provisoires en procédure civile. Milano: Giuffrè, 1985, p. 306. 380

Idem, ibidem, p. 307. 381

Idem, ibidem.

Page 164: Tutela Inibitória - Marinoni

164

hipótese, a tutela antecipada inibitória requer apenas a probabilidade da prática do

ilícito. A prevenção do dano, no caso, já é feita pela própria legislação, ao determinar

que naquele local não é possível a instalação da indústria (pois se parte da suposição de

que a instalação da indústria, neste local, irá gerar danos). A tutela antecipatória não se

liga, em situações como esta, à probabilidade do dano, mas sim à probabilidade do

ilícito.

<texto>Como já foi dito, o dano é uma conseqüência meramente eventual do ilícito.

O ilícito deve ser compreendido como um ato contrário ao direito que eventualmente

pode ocasionar um dano. Ora, se não há razão para se estabelecer uma relação

necessária entre o ilícito e o dano, não há como exigir probabilidade de dano ao se

requerer tutela inibitória antecipada. Lembre-se que, tratando-se de tutela inibitória, seja

antecipatória ou final, interessa apenas a ameaça de ilícito, nunca o dano.

<texto>É certo que se impedindo o ilícito se evita um provável e futuro dano; o que

importa, entretanto, é que para a concessão da tutela inibitória antecipada basta o

fundado receio do ilícito, pouco importando se o dano não é iminente. Em hipóteses

como esta, estando o ilícito caracterizado como provável e iminente, cabe a tutela

antecipatória ainda que não haja a iminência de um “dano irreparável ou de difícil

reparação”.

<texto>Lembre-se, por fim, que o juiz, na determinação da probabilidade suficiente

para a concessão da tutela, pode considerar os valores dos bens que estão em confronto.

Quanto maior é o valor do bem invocado pelo autor (pense-se nos casos de tutela de

direitos não patrimoniais), menor é a probabilidade que deve ser exigida para sua tutela;

quanto maior é o valor do bem que pode ser lesado pela tutela antecipatória, mais

seguro deve estar o juiz de que o direito do autor abre oportunidade para a tutela

sumária requerida. 382

<b> 3.26.3.6 A fungibilidade da tutela inibitória antecipada

<texto>Já foi analisada a questão da fungibilidade da tutela inibitória final, ou

melhor, a questão de o juiz poder atuar fora do pedido para bem prestar a tutela

inibitória. Assim, não é preciso muito esforço para demonstrar que o juiz também não

fica vinculado ao pedido de tutela inibitória antecipada, podendo conceder (mesmo que

antecipadamente) tutela diversa da solicitada, quando mais adequada, em vista do

382

Ver Luiz Guilherme Marinoni, A antecipação da tutela. 7. ed., cit., p. 229-236.

Page 165: Tutela Inibitória - Marinoni

165

princípio da efetividade ou do princípio da necessidade, à situação concreta posta nos

autos. 383

<texto>Se o autor requer, mediante tutela antecipatória, que o juiz ordene, sob pena

de multa, a cessação das atividades da empresa ré – que estariam causando danos ao

meio ambiente –, nada impede que o juiz ordene, também sob pena de multa, a

instalação de um equipamento capaz de neutralizar a poluição. Aliás, da mesma forma

que o juiz pode determinar, ao final, que certa providência seja efetivada através de

meio executivo diverso do solicitado, nada impede que ele determine, por exemplo, no

caso de ter sido requerida ordem sob pena de multa para compelir a empresa a cessar as

suas atividades, a sua imediata interdição.

<texto>Além disso, o autor pode pedir uma tutela inibitória antecipada que não

tenha o mesmo conteúdo da tutela inibitória final, se for ela suficiente para tutelar de

forma efetiva e adequada o direito que o réu ameaça violar. Ora, se o juiz pode conceder

uma tutela inibitória antecipada que não guarda estreita relação com a tutela inibitória

final solicitada pelo autor, nada impede que este solicite uma tutela inibitória antecipada

que, muito embora não seja exatamente uma antecipação daquela pedida como tutela

final, seja adequada e suficiente para tutelar o direito que se teme ver violado.

<b> 3.26.3.7 A possibilidade de modificação e de revogação da tutela

inibitória antecipada

<texto>O § 3.º do art. 461 diz claramente que “a medida liminar poderá ser

revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada”.

<texto>O que importa, neste momento, não é saber se a tutela inibitória antecipada

pode ser modificada ou revogada em razão da interposição de agravo de instrumento.

Nesse caso, mesmo depois da Lei 11.187/05 (novo art. 522), não há dúvida alguma

sobre a possibilidade de modificação ou de revogação da tutela.

<texto>O que interessa, como é óbvio, é definir quando a tutela inibitória antecipada

pode ser modificada ou revogada sem a interposição de recurso.

<texto>A temática da revogação e da modificação da tutela urgente de cognição

383

O fundamento da fungibilidade da tutela inibitória antecipada encontra-se na fungibilidade da própria

tutela inibitória final.

Page 166: Tutela Inibitória - Marinoni

166

sumária também aparece no direito italiano, 384

em vista do art. 669-decies do CPC, que

afirma, em sua primeira parte, que “nel corso dell’istruzione il giudice istruttore della

causa di merito può, su istanza di parte, modificare o revocare con ordinanza il

provvedimento cautelare anche se emesso anteriormente alla causa se si verificano

mutamenti nelle circostanze”. 385

<texto>A doutrina italiana, ao tratar do assunto, dirige sua atenção à expressão

“mutamenti nelle circostanze”, aceitando, com tranqüilidade, que estão presentes na

referida expressão “i mutamenti extraprocessuali delle circostanze di fatto”. 386

A

dúvida surge quando se indaga se uma nova circunstância probatória pode constituir

fundamento para a modificação ou para a revogação da tutela. 387

<texto>Considerada a natureza da tutela urgente de cognição sumária, não há como

se impedir a modificação ou a revogação da tutela que, segundo a própria evolução da

instrução probatória e da cognição do magistrado, perdeu sua justificativa. A própria

provisoriedade da tutela antecipatória autoriza a pensar que a alteração da cognição do

juiz a respeito do fundamento que o levou a conceder a tutela pode conduzir, conforme

o caso, a sua revogação ou modificação.

<texto>Portanto, Giovanni Arieta tem toda a razão quando afirma que a

interpretação restritiva do art. 669-decies seria ilógica, enquanto impediria de ter em

conta os desenvolvimentos, sobretudo instrutórios, do mérito, que são aqueles que, em

relação aos quais, mais evidentes podem ser as exigências de revogação ou modificação

384

Giorgio Frus, Revoca e modifica. Le riforme del processo civile (a cura di Sergio Chiarloni). Bologna:

Zanichelli, 1992, p. 739; Massimo Cirulli, La nuova disciplina dei rimedi contro i provvedimenti

cautelari. Padova: Cedam, 1996, p. 32 e ss; Giovanni Arieta, in Giovanni Arieta e Luigi Montesano, Il

nuovo processo civile. Napoli: Jovene, 1991; Claudio Consolo, Il nuovo procedimento cautelare. Rivista

Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1994, p. 309 e ss; Sergio Casadei, Il controllo sul

provvedimento d’urgenza, Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1989, p. 349 e ss; Claudio

Cecchella, in Romano Vaccarella, Bruno Capponi e Claudio Cecchella, Il processo civile dopo le riforme.

Torino: Giappichelli, 1992, p. 376 e ss; Elena Merlin, I limiti temporali di efficacia, la revoca e la

modifica. Il nuovo processo cautelare (a cura di Giuseppe Tarzia) Padova: Cedam, 1993, p. 299 e ss;

Enrico A. Dini e Giovanni Mammone, I provvedimento d’urgenza. Milano: Giuffrè, 1993, p. 519 e ss. 385

Antes da recente reforma do Código de Processo Civil italiano, não cabia recurso algum contra as

decisões que concediam as “cautelas inominadas”, e a doutrina aí enxergava uma grave falha do sistema,

que não permitia um eficaz controle das decisões. Hoje, após a Lei 353, de 26 de novembro de 1990, que

entrou em vigor em janeiro de 1992, há no direito italiano o reclamo contro i provvedimenti cautelari (art.

669-terdecies) e a possibilidade de o juiz revogar ou modificar a tutela em caso de mutamenti nelle

circostanze (art. 669-decies) (Ver Luiz Guilherme Marinoni, A antecipação da tutela. 3. ed., cit., p. 159). 386

Giorgio Frus, Revoca e modifica. Le riforme del processo civile, cit., p. 739; Massimo Cirulli, La

nuova disciplina dei rimedi contro i provvedimenti cautelari, cit., p. 32 e ss. 387

Ver Giorgio Frus, Revoca e modifica. Le riforme del processo civile, cit., p. 740 e ss.

Page 167: Tutela Inibitória - Marinoni

167

da medida. 388

<texto>Assim, por exemplo, se o juiz verifica, em virtude de prova trazida aos autos

com a contestação, que a tutela inibitória antecipada não deveria ter sido concedida, não

há que pensar em preclusão, já que é da própria essência da tutela urgente de cognição

sumária a modificabilidade e a revogabilidade, por ser inerente a ela a provisoriedade.

<b> 3.26.3.8 Sobre a possibilidade de se manter eficaz a tutela inibitória

antecipada no caso de sentença de improcedência

<texto>É certo que, em princípio, o julgamento de improcedência deveria implicar o

desaparecimento da tutela antecipatória, já que a afirmação de que o direito não existe

seria suficiente para descalçar a tutela antecipatória de um dos seus pressupostos, que é

exatamente o fumus boni iuris. 389

<texto>Porém, é necessário perceber que o desaparecimento da tutela que ampara o

autor que teme sofrer iminente lesão pode tornar absolutamente inútil o julgamento de

segundo grau. Ou seja, é preciso enxergar que, se a execução imediata da tutela

antecipatória pode, em alguns casos, não ter justificativa, também a revogação desta

tutela, em determinadas hipóteses, pode não ser a melhor solução.

<texto>A afirmação de que o direito não existe não é inconciliável com a

necessidade de manutenção da tutela. A declaração de que o direito não existe, no caso

de tutela inibitória, não elimina a possibilidade de lesão iminente e, dessa forma, a

completa frustração do escopo da própria tutela.

<texto>Como a doutrina não trabalha com a lógica da tutela inibitória, e porque não

se dizer, com a lógica da tutela dos direitos não patrimoniais, é natural que não perceba

que é fundamental, em se tratando de tutela inibitória, a prevenção, e, em casos

excepcionais, a manutenção da tutela antecipatória em caso de sentença de

improcedência. Ora, se a sentença revoga a tutela inibitória antecipada, ela abre

oportunidade para a lesão e, assim, retira qualquer chance de efetividade da tutela

inibitória, restando verdadeiramente inútil o julgamento do tribunal. 390

388

Giovanni Arieta, in Giovanni Arieta e Luigi Montesano, Il nuovo processo civile, cit., p. 149. 389

Ver Giuseppe Vignera, Sui rapporti tra provvedimento d’urgenza e sentenza di merito (alla ricerca di

una soluzione ragionevole). Rivista di Diritto Processuale, 1993, p. 510. 390

Como escrevem Silvestri e Taruffo, “il risarcimento del danno o la prestazione dell’equivalente

monetario possono considerarsi surrogati adeguati della mancata prestazione, quando questa abbia un

contenuto integralmente riducibile a valore economico, ma non quando la prestazione abbia natura

esclusivamente o prevalentemente non patrimoniale. Questo è pero il caso di gran parte delle c. d. ‘nuove

Page 168: Tutela Inibitória - Marinoni

168

<texto>Portanto, no caso de sentença de improcedência do pedido inibitório, cabe

ao juiz ponderar se a tutela inibitória antecipada não deve ser mantida, evitando-se,

assim, que ela seja substituída por uma tutela (ressarcitória) completamente inidônea à

efetiva proteção do direito material. 391

<a1a>3.26.4 A evidente distinção entre tutela inibitória antecipada e tutela cautelar

<texto>Classificando-se as tutelas de acordo com as suas reais repercussões no

plano do direito material, fica fácil perceber a distinção entre a tutela antecipatória e a

tutela cautelar.

<texto>Não há dúvida de que a tutela que antecipa pagamento de soma à vítima de

ato ilícito é tutela ressarcitória antecipada. A dificuldade de compreender a tutela

ressarcitória na forma antecipada deriva do fato de que, ao imaginar-se que o pagamento

de dinheiro tem por fim somente ressarcir o dano cometido, torna-se impossível

perceber que, algumas vezes, o imediato ressarcimento em dinheiro é imprescindível

para que um direito não-patrimonial, conexo ao direito de crédito, não seja

irreparavelmente prejudicado. Em outros termos, é a visão patrimonialista dos direitos,

que está à base do direito liberal e da doutrina processual preocupada apenas em

classificar as técnicas processuais, que impede que se enxergue o real significado da

tutela ressarcitória antecipada.

<texto>Porém, quando entram em cena as tutelas inibitória e de remoção do ilícito

na forma antecipada, percebe-se, com maior nitidez, a razão pela qual há uma grande

dificuldade na distinção das tutelas cautelar e antecipatória. É que o significado das

tutelas inibitória e de remoção do ilícito ainda é pouco difundido, estando os

operadores do direito ainda submetidos à unificação das categorias da ilicitude e da

responsabilidade civil.

<texto>A tutela antecipatória que determina a retirada de cartazes publicitários que

situazioni di vantaggio’, spesso tutelate a livello costituzionale, dove i diritti relativi ai rapporti tra

cittadino e Stato, ai rapporti di famiglia, alle libertà sindacali, e così via, o non hanno contenuto

patrimoniale o non sono integralmente riducibili ad un equivalente monetario” (Elisabetta Silvetri e

Michele Taruffo, Esecuzione forzata (esecuzione forzata e misure coercitive). Enciclopedia Giuridica

Treccani, v. 13, p. 3). 391

Em um caso em que se pediu, com base no art. 700 do CPC italiano, que um semanário fosse inibido

de publicar as correspondências entre o marido (já falecido) da autora e uma terceira pessoa, a Pretura di

Roma, ao conceder a tutela inibitória antecipada, teve a oportunidade de frisar, em relação ao periculum

in mora, o seguinte: “La sussistenza del secondo requisito è dimostrata dalla stessa natura personale del

diritto e dalla qualità dell’interesse tutelato che non consentono una idonea e completa reintegrazione del

danno, non essendo valutabile economicamente” (Pretura di Roma – Sez. I – Ordinanza de 25 de

novembro de 1976. Temi Romana, 1977, p. 709).

Page 169: Tutela Inibitória - Marinoni

169

configuram concorrência desleal, evidentemente não é uma tutela que pode receber a

designação de instrumental, justamente porque elimina, desde logo, a ilicitude. Uma

tutela como esta, logicamente não fica limitada a assegurar o resultado útil do processo,

pois o resultado útil que se espera do processo é cumprido exatamente no momento em

que os cartazes são retirados, eliminando-se o ilícito.

<texto>Quando se teme um eventual ilícito, ou mesmo um eventual dano, a tutela

que deve ser dirigida a impedir a sua produção é a inibitória, que tem absoluta

autonomia, retratando uma genuína ação de conhecimento, em tudo diferente da ação

cautelar, que sempre exige uma ação principal.

<texto>Atualmente não há mais razão para pensar em usar a ação cautelar para obter

tutela inibitória. Quem precisa de tutela inibitória, nos dias de hoje, deve lançar mão da

ação inibitória, a qual pode ser fundada, conforme o caso, no art. 461 do CPC (ação

individual) ou no art. 84 do CDC (ação coletiva).

<texto>A tutela que é prestada antecipadamente na ação inibitória nada mais é do

que uma tutela inibitória antecipada, que não pode ser confundida com a tutela dirigida

a assegurar o resultado útil do processo. Na verdade, quando se tem consciência de que

há ação destinada a impedir a prática, a repetição ou a continuação do ilícito, verifica-

se, com absoluta nitidez, que a tutela antecipada que cumpre esta função dá ao autor o

único resultado útil que ele esperava obter do processo, isto é, a prevenção do ilícito.

<texto>Um dos motivos que impedem a percepção de que a tutela inibitória, quando

antecipada, não tem caráter instrumental, encontra-se exatamente na suposição de que a

tutela final deve ser de reparação do dano, ou melhor, decorre da suposição de que a

tutela preventiva destina-se a assegurar o resultado útil da tutela reparatória, o que é

mais do que ilógico.

<texto>Frise-se, ademais, que a confusão entre tutela inibitória e tutela cautelar

também advém da inexistência de sentença mandamental no quadro da classificação

clássica das sentenças. Nenhuma das sentenças da classificação trinária (declaratória,

constitutiva e condenatória) é capaz de permitir a imposição de uma ordem dirigida a

impedir a prática, a repetição ou a continuação do ilícito, motivo pelo qual, aliás, não há

como se postular tutela inibitória, na Itália, através de uma ação de conhecimento (a não

ser em razão de procedimentos específicos).

<texto>Com efeito, no direito italiano, onde jamais existiu sequer a ação

cominatória, há ainda mais razão para se confundir tutela cautelar com tutela inibitória.

Page 170: Tutela Inibitória - Marinoni

170

Se na Itália existem somente as ações declaratória, constitutiva e condenatória, não há

outra saída, para se obter uma tutela inibitória célere, a não ser usar a tutela cautelar,

que não por outra razão passou a ser utilizada, segundo o entendimento da própria

doutrina italiana, de forma distorcida. 392

<texto>A falta de distinção entre tutela antecipatória e tutela cautelar é o resultado

de uma visão panprocessualista, em que não importa o resultado da tutela jurisdicional

no plano do direito material, mas apenas as características formais e de ordem

processual que permitem a sua identificação e conseqüente classificação.

<texto>Na realidade, a razão que levaria a doutrina a não classificar as tutelas de

cognição sumária e a falar em “tutela provisória”, também autorizaria os processualistas

a não classificar as “tutelas finais”, o que seria um grande absurdo.

<texto>Com efeito, afirma-se que a tutela antecipatória, por ser caracterizada pela

“provisoriedade”, não difere da tutela cautelar. O que se pretende, com isto, é criar uma

tutela que deveria ser chamada de “provisória”, e que teria como espécies a tutela

cautelar e a tutela antecipatória.

<texto>Falar em “tutela provisória”, contudo, nada diz para quem realmente está

preocupado em pensar o processo na perspectiva do direito material. Perceba-se que

“tutela provisória” somente pode ser o contrário de “tutela definitiva”, até pelo motivo

de que, quando se fala em tutela provisória, não se pensa exatamente na tutela (que é um

bem da vida), mas sim no juízo que é pressuposto para a sua concessão. Falar em “tutela

provisória”, portanto, é raciocinar em termos de “juízo” e não de “tutela”; pois se o

contrário de tutela antecipatória é tutela final, o contrário de juízo provisório é juízo

definitivo. Melhor explicando: “antecipatório” e “final” são termos que dizem respeito à

“tutela”, enquanto que “provisório” e “definitivo” têm relação com o “juízo”.

<aa>3.27 A execução da tutela inibitória

<a1a>3.27.1 A tutela inibitória e a multa

<b> 3.27.1.1 Primeiras observações

<texto>Para a adequada análise do tema da tutela inibitória, é imprescindível a

abordagem da multa, prevista nos arts. 461, CPC, e 84, CDC, pois o seu emprego é

392

Ver Vittorio Denti, Diritti della persona e tecniche di tutela giudiziale, em L’informazione e i diritti

della persona. Napoli: Jovene, 1983, p. 263.

Page 171: Tutela Inibitória - Marinoni

171

fundamental para a efetividade da inibição do ilícito.

<texto>O art. 461 do CPC – na mesma linha do art. 84 do CDC – afirma que o juiz

poderá, na tutela antecipatória ou na sentença, “impor multa diária ao réu,

independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação,

fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito”.

<texto>O emprego da multa, como forma de atuação das decisões do juiz, suscita

dificuldades que não podem ser ignoradas pela doutrina. Tais dificuldades decorrem não

só do fato de a multa ter amplo espaço de ação, mas também de sua complexidade e,

porque não dizer, da própria originalidade de sua fisionomia, que já levou a doutrina

francesa a falar em “mystère de l’astreinte”. 393

<b> 3.27.1.2 Breve análise das medidas coercitivas em outros sistemas

<texto>A ZPO alemã disciplina, precisamente nos §§ 888 e 890, as Zwangsstrafen.

O § 888 diz respeito, em princípio, às obrigações cuja execução não se pode dar através

de um terceiro. A norma exclui as obrigações que podem ser tuteladas através da

execução forçada, ou seja, as obrigações fungíveis, e além disto determinadas

obrigações infungíveis, como, por exemplo, as marcadas por particulares qualidades de

natureza artística ou científica. 394

<texto>As sanções previstas no § 888 são articuladas de modo que o juiz deva

aplicar em primeiro lugar a sanção pecuniária, deixando para impor a prisão quando não

é possível o uso da primeira ou quando ela não surte efeitos. 395

<texto>O § 890 aplica a mesma técnica sancionatória às obrigações de não-fazer e,

especificamente, às obrigações de se abster de determinada atividade e de consentir que

uma atividade seja praticada. 396

<texto>Não obstante a discussão em torno da natureza destas medidas, não se nega

– até porque a soma devida pelo inadimplente reverte para o Estado e não para o

393

Paolo Cendon, Le misure compulsorie a carattere pecuniario. Processo e tecniche di attuazione dei

diritti. Napoli: Jovene, 1989, p. 294. 394

Ver Elisabetta Silvestri e Michele Taruffo, Esecuzione forzata (esecuzione forzata e misure

coercitive), Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 13, p. 5); Elisabetta Silvestri, Rilievi comparatistici in

tema di esecuzione forzata degli obblighi di fare e di non fare. Rivista di Diritto Civile, 1988, p. 538. 395

Elisabetta Silvestri e Michele Taruffo, Esecuzione forzata (esecuzione forzata e misure coercitive).

Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 13, p. 5. 396

Idem, ibidem.

Page 172: Tutela Inibitória - Marinoni

172

autor397

– que tais sanções têm a função de reprimir a violação da autoridade do Estado.

398

<texto>Na França, 399

a partir de intenso movimento jurisprudencial, surgiu a Lei

72-226, de 5 de julho de 1972, que teve o mérito de ter fornecido um fundamento geral

e preciso às astreintes. 400

Atualmente, em vista da Lei 91-650, de 9 de julho de 1991, é

possível dizer que o ordenamento francês traça com bastante precisão os contornos

dessa figura, evidenciando as suas características e a forma de sua atuação. 401

<texto>Deixa-se claro no primeiro artigo da Seção 6 – do Capítulo II, da Lei 91-

650, de 9 de julho de 1991 –, intitulada “L’astreinte”, que “todo juiz pode, mesmo de

ofício, ordenar uma astreinte para assegurar a execução de sua decisão” (art. 33); e

afirma-se, logo no artigo subseqüente, que a “astreinte é independente da indenização”.

<texto>Não há dúvida, portanto, acerca do caráter coercitivo da astreinte, já que ela

não se confunde com a indenização (dommages-intérêts) e é, segundo a expressa

disposição do referido art. 33, destinada a assegurar a execução das decisões judiciais.

<texto>Há na França, ainda, uma interessante modalidade de astreinte, que é

chamada de endoprocessual. 402

Com a reforma do Código de Processo Civil francês, a

astreinte também passou a ser utilizada como meio de coação ao adimplemento de

obrigações processuais; a astreinte endoprocessual, segundo a doutrina, é importante

meio de coerção nos casos em que a parte ou um terceiro deixa de atender às

determinações do juiz em matéria de prova. 403

<texto>Entre os ordenamentos que adotam as astreintes como medida de coerção ao

adimplemento, estão ainda Luxemburgo, Holanda e Bélgica. Como é sabido, a

Convenção Benelux de lei uniforme sobre a astreinte, que entrou em vigor nestes três

397

Aldo Frignani, Il mondo dell’astreinte: sviluppi recenti e prospettive. Processo e tecniche di

attuazione dei diritti. Napoli: Jovene, 1989, p. 368. 398

Elisabetta Silvestri e Michele Taruffo, Esecuzione forzata (esecuzione forzata e misure coercitive).

Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 13, p. 5. 399

Ver Henri Mazeaud, León Mazeaud e André Tunc, Traité théorique et pratique de la responsabilité

civile délictuelle et contractuelle. Paris: Éditions Montchrestien, 1960, v. 3, p. 640 e ss; Georges Ripert e

Jean Boulanger, Traité de droit civil. Paris: Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence, 1957, p. 591. 400

Elisabetta Silvestri e Michele Taruffo, Esecuzione forzata (esecuzione forzata e misure coercitive).

Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 13, p. 6. 401

Ver Jean Carbonnier, Droit civil – Les obligations. Paris: Presses Universitaires de France, 1994, v. 4,

p. 587. 402

Sobre a astreinte endoprocessual no direito francês, ver Angelo Dondi, Effettività dei provvedimenti

istruttori del giudice civile. Padova: Cedam, 1985, p. 71-101. 403

Elisabetta Silvestri e Michele Taruffo, Esecuzione forzata (esecuzione forzata e misure coercitive),

Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 13, p. 6; Angelo Dondi, Effettività dei provvedimenti istruttori del

giudice civile, cit., p. 73-74.

Page 173: Tutela Inibitória - Marinoni

173

países no período compreendido entre 1976 e 1980, também consagrou algo que – à

semelhança do que ocorreu na França – já havia se consolidado nos tribunais, sobretudo

na Holanda e em Luxemburgo. 404

<texto>A astreinte dos países do Benelux, ao contrário da astreinte francesa, não

pode ser imposta de ofício. O Code Judiciaire belga, por exemplo, é claro ao dispor que

“o juiz pode, a requerimento da parte, condenar a outra parte, para o caso de não ser

satisfeita a condenação principal, ao pagamento de uma soma em dinheiro, denominada

astreinte, tudo sem prejuízo da indenização ...” (art. 1385-bis, primeira parte). 405

<texto>Além disso, não há menção de que haja alguma hipótese – nos países

signatários da referida convenção – em que a soma correspondente à astreinte possa ser

atribuída a um sujeito diverso do autor. Lembre-se, porém, que na França ocorreu um

movimento contra o efeito perverso que poderia derivar de um uso inadequado da

cumulação das perdas e danos com a soma correspondente à astreinte, 406

ou seja, contra

o eventual enriquecimento ilícito do autor; foi esse problema, aliás, que deu origem, já

há algum tempo, à previsão de que uma parte da soma relativa à astreinte imposta pelo

Conseil d’État pode ser atribuída aos fonds d’équipement. 407

<texto>Merece menção, ainda, o uso do contempt of Court no direito anglo-

americano. Trata-se de um instituto que apresenta duplo aspecto, já que pode

configurar-se como civil contempt ou como criminal contempt. 408

O civil contempt

caracteriza-se como uma medida coercitiva que atua nas hipóteses de obrigações

(sobretudo de fazer e de não-fazer) impostas por decisões judiciais – finais ou interinais

–, e que tem por fim assegurar ao credor o adimplemento específico das prestações

devidas pelo demandado. 409

O criminal contempt, por sua vez, entra em ação nos casos

de comportamentos que se constituem em obstáculo à administração da justiça, que

interferem indevidamente nessa, ou que de qualquer forma representem uma ofensa à

autoridade do juiz. O criminal contempt, ao contrário do civil contempt, atua apenas no

404

Elisabetta Silvestri, Rilievi comparatistici in tema di esecuzione forzata degli obblighi di fare e di non

fare. Rivista di Diritto Civile, 1988, p. 536. 405

Art. 1.385-bis, segunda parte: “Toutefois, l’astreinte ne peut être prononcée en cas de condamnation au

paiement d’une somme d’argent, ni en ce qui concerne les actions en exécution de contrats de travail”. 406

Ver André Tunc, Obligations et contrats spéciaux. Revue Trimestrielle de Droit Civil, 1960, p. 672. 407

Elisabetta Silvestri, Rilievi comparatistici in tema di esecuzione forzata degli obblighi di fare e di non

fare. Rivista di Diritto Civile, 1988, p. 537. 408

Sobre a diferença entre o criminal contempt e o civil contempt, ver Dan B. Dobbs, Contempt of Court:

A Survey, Cornell Law Review, v. 56, p. 235 e ss. 409

Elisabetta Silvestri e Michele Taruffo, Esecuzione forzata (esecuzione forzata e misure coercitive).

Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 13, p. 7.

Page 174: Tutela Inibitória - Marinoni

174

plano do interesse público no correto funcionamento da administração da justiça, o que

não quer dizer que o civil contempt também não objetive preservar a autoridade do

Estado. 410

<texto>Interessa-nos, nesse momento, o civil contempt, que abre oportunidade à

imposição das penas pecuniária e de prisão. É preciso que fique claro, de fato, que

mesmo o civil contempt pode permitir o uso da prisão no caso de simples

inadimplemento do réu. O juiz dispõe de discricionariedade na aplicação da pena de

prisão ou da pena pecuniária e, além disso, no momento em que escolhe uma delas, tem

a oportunidade de graduá-la de acordo com a gravidade que circunda a violação e o grau

de resistência do réu. 411

<texto>Ainda que se sustente, no direito inglês, a necessidade da criação de

procedimentos especiais para a tutela das novas situações de direito substancial de

conteúdo não patrimonial, certo é que o contempt of Court continua a ser considerado o

meio mais adequado para garantir a efetividade dos chamados non-money judgements.

412 É oportuno advertir, entretanto, que nos Estados Unidos – ao contrário do que

acontece na Inglaterra, onde não se põe em discussão a eficácia do civil contempt na

forma pecuniária – afirma-se que essa modalidade de civil contempt poderia produzir

melhores resultados se o juiz fixasse a multa em um certo valor por dia de atraso no

cumprimento da ordem judicial, à semelhança do que ocorre com o modelo da astreinte

francesa. 413

<texto>No direito argentino, o art. 37 do Código Procesal Civil y Comercial de La

Nación afirma que “los jueces y tribunales podrán imponer sanciones pecuniarias

compulsivas y progresivas tendientes a que las partes cumplan sus mandatos, cuyo

importe será a favor del litigante perjudicado por el incumplimento. Podrán aplicarse

sanciones conminatorias a terceros, en los casos en que la ley lo establece. Las condenas

se graduarán en proporción al caudal económico de quien deba satisfacerlas y podrán

ser dejadas sin efecto, o ser objeto de reajuste, si aquél desiste de su resistencia y

justifica total o parcialmente su proceder”.

410

Idem, ibidem. 411

Elisabetta Silvestri e Michele Taruffo, Esecuzione forzata (esecuzione forzata e misure coercitive).

Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 13, p. 7. 412

Elisabetta Silvestri, Rilievi comparatistici in tema di esecuzione forzata degli obblighi di fare e di non

fare. Rivista di Diritto Civile, 1988, p. 539. 413

Elisabetta Silvestri, Rilievi comparatistici in tema di esecuzione forzata degli obblighi di fare e di non

fare, Rivista di diritto civile, 1988, p. 539 e 542; ver, também, Aldo Frignani, Il mondo dell’astreinte:

sviluppi recenti e prospettive. Processo e tecniche di attuazione dei diritti, cit., p. 370.

Page 175: Tutela Inibitória - Marinoni

175

<texto>A multa, no direito argentino, pode ser imposta de ofício ou a requerimento

da parte e, no caso de inadimplemento, a soma é devida ao autor e não ao Estado. O art.

37 evidencia a possibilidade de a multa ser fixada em caráter progressivo – aumentando

à medida que o réu resiste à pressão que é exercida –, além da necessidade de ser ela

graduada “en proporción al caudal económico” daquele que deve suportá-la. 414

<texto>Em princípio, segundo a doutrina, “las sanciones conminatorias no proceden

cuando el deber, obligación y prestación exigida, pueda obtenerse por otros carriles

procesales”. 415

É interessante notar, contudo, que se admite o emprego da multa em

determinadas situações, ditas peculiares, como a relativa a uma obrigação alimentar, 416

apesar de aí ser possível – ainda que não efetivo – o uso da execução forçada.

<texto>É importante frisar que a parte final do referido art. 37 afirma que a sanção

pecuniária poderá ser deixada sem efeito, ou ser objeto de reajuste, se o réu desiste de

sua resistência e justifica total ou parcialmente seu procedimento. Referindo-se a esta

parte do dispositivo legal, explica Luis Ramon Madozzo que a imposição da sanção

pecuniária se “realiza a título de amenaza y no con carácter definitivo, por lo cual, ante

esta eventual variación, no causan instancia ni hacen cosa juzgada”. 417

<b> 3.27.1.3 A multa e a indenização pelo dano. A sua cumulabilidade

<texto>É sabido que os tribunais franceses confundiram, por muito tempo, a

astreinte com o ressarcimento do dano. Somente em 1959 a Corte de Cassação francesa

colocou fim a essa antiga confusão, que foi definitivamente sepultada com a já

mencionada Lei 72-226, de 5 de julho de 1972. 418

<texto>Importa perceber que a astreinte tem por fim forçar o réu a adimplir,

enquanto o ressarcimento diz respeito ao dano. 419

É evidente que a multa não tem

414

Luis Ramon Madozzo, Derecho procesal civil: medidas conminatorias. Genesis – Revista de Direito

Processual Civil 1/156-158. 415

Idem, ibidem, p. 159. 416

Idem, ibidem, p. 158-159. 417

Idem, ibidem, p. 156. 418

Paolo Cendon, Le misure compulsorie a carattere pecuniario. Processo e tecniche di attuazione dei

diritti, cit., p. 298. 419

Como diz João Calvão da Silva, “a sanção pecuniária compulsória não tem, pois, natureza

indemnizatória, sendo independente da existência e da extensão do dano resultante do não cumprimento

pontual e do desrespeito ou do não respeito no tempo devido da condenação que reforça” (João Calvão da

Silva, Cumprimento e sanção pecuniária compulsória. Coimbra: Almedina, 1987, p. 410).

Page 176: Tutela Inibitória - Marinoni

176

qualquer relação com o dano, 420

até porque, como acontece na tutela inibitória, pode

não haver dano a ser indenizado.

<texto>O que se quer dizer, quando se afirma que “a indenização por perdas e danos

dar-se-á sem prejuízo da multa”, é que a multa será devida independentemente de ser

porventura igualmente devida a indenização pelo dano.

<texto>Note-se que se a multa não for suficiente para convencer o réu a adimplir,

ela poderá ser cobrada independentemente do valor devido em face da prestação

inadimplida e do eventual dano provocado pela falta do adimplemento na forma

específica e no prazo convencionado. Se a ordem do juiz, apesar da multa, não é

prontamente observada, mas conduz, ainda que depois de algum tempo, ao

adimplemento, é possível cumular a multa com a indenização pelo eventual dano

provocado pela mora do demandado.

<texto>No caso da tutela inibitória não se concebe confusão entre a multa e a

indenização. Se o réu não observa a ordem inibitória, praticando o ilícito temido, a

multa é devida independentemente do eventual dano que tenha sido produzido e deva

ser reparado. Da mesma forma que a tutela inibitória não se confunde com a tutela

contra o dano, a multa nada tem a ver com a indenização relativa ao dano. Se não fosse

assim, a tutela inibitória jamais teria alguma efetividade, pois o demandado, ainda que

sem obedecer à ordem inibitória, responderia apenas pelo eventual dano que tivesse

provocado, o que seria obviamente absurdo.

<texto>Na verdade, sem a correta compreensão dos diferentes escopos da multa e da

indenização, o caráter coercitivo da primeira não passaria de uma miragem ou mesmo

de uma ilusão. 421

Faltar-lhe-ia, como bem diz João Calvão da Silva, uma condição

essencial da sua eficácia, isto é, da sua capacidade de realizar as finalidades que lhe são

próprias – forçar o devedor a cumprir a obrigação e a respeitar a ordem do juiz –,

porquanto a indenização respeita ao prejuízo que repara, mas não previne e não faz

cessar o ilícito, fonte daquele que urge secar. 422

<texto>A multa objetiva pressionar o réu a adimplir a ordem do juiz, visando à

prevenção do ilícito mediante o impedimento de sua prática, de sua repetição ou de sua

420

Referindo-se ao direito francês, diz Paolo Cendon: ”L’astreinte può essere chiesta, pronunciata e

liquidata anche là dove l’inadempimento o il ritardo non abbia, in effetti, arrecato nessun danno al

creditore” (Paolo Cendon, Le misure compulsorie a carattere pecuniario. Processo e tecniche di

attuazione dei diritti, cit., p. 298). 421

João Calvão da Silva, Cumprimento e sanção pecuniária compulsória, cit., p. 411. 422

Idem, ibidem.

Page 177: Tutela Inibitória - Marinoni

177

continuação.

<texto>Torna-se difícil compreender, portanto, a afirmação de Carreira Alvim,

contida no livro Tutela específica das obrigações de fazer e não fazer, no sentido de que

“a pena pecuniária só cumpre realmente a sua função se se tratar de direitos

patrimoniais”. 423

Ora, a tutela inibitória, justamente porque se vale da multa, tem plena

eficácia nos casos de direitos não patrimoniais, pois pode influir sobre a vontade do réu,

convencendo-o a fazer ou a não fazer. O que se pode admitir, na realidade, é que a

multa não tem eficácia quando o réu não detém patrimônio, o que é algo absolutamente

diferente.

<b> 3.27.1.4 Critérios para a imposição da multa

<texto>A multa, em sua essência, tem natureza nitidamente coercitiva, porque se

constitui em forma de pressão sobre a vontade do réu, destinada a convencê-lo a

adimplir a ordem do juiz.

<texto>Enquanto instrumento que atua sobre a vontade do réu, é inegável sua

natureza coercitiva; entretanto, se a multa não surte os efeitos que dela se esperam,

converte-se automaticamente em desvantagem patrimonial que recai sobre o réu

inadimplente. Isto significa que a multa, de ameaça ou coerção, pode transformar-se em

mera sanção pecuniária, que deve ser suportada pelo demandado, mas aí sem qualquer

caráter de garantia de efetividade da ordem do juiz.

<texto>Para que a multa possa constituir uma autêntica forma de pressão sobre a

vontade do réu, é indispensável que ela seja fixada com base em critérios que lhe

permitam atingir seu fim, que é garantir a efetividade da tutela jurisdicional.

<texto>A partir do Código de Processo Civil de 1973 – deixando de lado o art.

1.005 do Código de Processo Civil de 1939424

– a doutrina brasileira passou a entender

que a multa não sofre limitação pelo valor da prestação. 425

423

J. E. Carreira Alvim, Tutela específica das obrigações de fazer e não fazer na reforma processual, cit.,

p. 116. 424

Art. 1.005 do CPC de 1939: “Se o ato só puder ser executado pelo devedor, o juiz ordenará, a

requerimento do exeqüente, que o devedor o execute, dentro do prazo que fixar, sob cominação

pecuniária, que não exceda o valor da prestação”. 425

Ver José Carlos Barbosa Moreira, A tutela específica do credor nas obrigações negativas. Temas de

direito processual, Segunda série, cit., p. 40; José Joaquim Calmon de Passos, Comentários ao Código de

Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1977, v. 3, p. 252; Alcides de Mendonça Lima, Comentários ao

Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1977, v. 6, t. 2, p. 846; Amilcar de Castro,

Page 178: Tutela Inibitória - Marinoni

178

<texto>O Código de Processo Civil de 1973, ao referir-se à multa cominatória, não

fez qualquer limitação a seu valor. O art. 644, em sua redação anterior à Lei 8.953/94,

afirmava o seguinte: “Se a obrigação consistir em fazer ou não fazer, o credor poderá

pedir que o devedor seja condenado a pagar uma pena pecuniária por dia de atraso no

cumprimento, contado o prazo da data estabelecida pelo juiz”. O silêncio do legislador

acerca da limitação do valor da multa foi interpretado pela doutrina como uma

verdadeira exclusão da sua limitação. 426

<texto>Atualmente, em face do art. 461 do CPC, não há mais qualquer dúvida

acerca da possibilidade de a multa exceder ao valor da prestação. Tal norma, na

verdade, estando completamente atrelada à idéia de que a tutela específica é

imprescindível para a realização concreta do direito constitucional à adequada tutela

jurisdicional, não faz qualquer limitação ao valor da multa.

<texto>Ora, a multa, para convencer o réu a adimplir, deve ser fixada em montante

que seja suficiente para fazer ver ao réu que é melhor cumprir do que desconsiderar a

ordem do juiz. Além disso, tratando-se de direitos não patrimoniais, ou de direitos que

dificilmente podem ser reduzidos a pecúnia, não há como não se dar ao juiz o poder

necessário para fixar o valor da multa de modo que ela atinja, no caso concreto, os fins a

que se destina. 427

<texto>Na fixação do valor da multa, é importante considerar a capacidade

econômica do demandado. Lembre-se de que o art. 37 do CPC argentino afirma que a

multa deve ser graduada “en proporción al caudal económico” daquele a que se dirige.

428 A mesma preocupação está presente no berço das astreintes, ou seja, no direito

francês, onde a Corte de Cassação já decidiu que o valor da astreinte deve ser

estabelecido de acordo com o potencial econômico de quem deve suportá-la. 429

De fato,

como diz Paolo Cendon, a astreinte é modelada com base em parâmetros “tipicamente

subjetivos – a capacidade de resistência do obrigado, o grau da sua culpa, as suas

Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 1974, v. 8, p. 189; José Frederico Marques,

Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 1976, v. 4, p. 134. 426

José Carlos Barbosa Moreira, A tutela específica do credor nas obrigações negativas. Temas de direito

processual, Segunda série, cit., p. 40. 427

Nem mesmo o valor da causa, como é óbvio, pode servir de parâmetro para a fixação da multa. 428

Luis Ramon Madozzo, Derecho procesal civil: medidas conminatorias. Genesis– Revista de Direito

Processual Civil 1/156-158. 429

Elisabetta Silvestri e Michele Taruffo, Esecuzione forzata (esecuzione forzata e misure coercitive).

Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 13, p. 6.

Page 179: Tutela Inibitória - Marinoni

179

condições econômicas”. 430

<texto>O juiz, ao considerar a capacidade econômica do réu, não deve limitar-se a

analisar seu patrimônio imobilizado, mas tudo o que indique sua verdadeira situação

financeira, como, por exemplo, o salário que é por ele auferido. 431

<texto>Ainda que as normas dos arts. 461 do CPC e 84 do CDC guardem silêncio

quanto à possibilidade da fixação de uma multa progressiva, nada impede que o juiz a

fixe com este caráter, à semelhança do que ocorre no direito argentino, onde, segundo o

que dispõe o próprio art. 37 do Código Procesal Civil y Comercial de la Nación, o juiz

pode “imponer sanciones pecuniarias, compulsivas y progresivas”. Como esclarece

Luis Ramon Madozzo em comentário a este artigo, “dado el fin perseguido”, tais

sanciones “pueden ser progresivas, es decir, fijada en una pequeña suma diaria, pueden

ser aumentadas a medida que el conminado resiste la conminación”. 432

<texto>O fato de o § 6.º do art. 461 autorizar ao juiz, ainda que de ofício, a

“modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente

ou excessiva”, não proíbe que a multa seja fixada em forma progressiva. Dada a

finalidade da multa e a possibilidade – que é inerente a sua utilização – de o devedor

resistir à pressão que ela tem por fim exercer, é até mesmo aconselhável que o juiz fixe

uma multa que aumente progressivamente com o passar do tempo. O fluir do tempo sem

o adimplemento do réu evidencia sua capacidade de resistência, e se o objetivo da multa

é justamente quebrar esse poder de resistir, nada mais natural do que sua fixação em

caráter progressivo.

<texto>O art. 461 – e também o art. 84 do CDC – afirma que o juiz poderá “impor

multa diária ao réu”. De acordo com Carreira Alvim, “a multa imposta será

necessariamente diária, o que afasta a possibilidade de multa em valor fixo (R$

1.000,00 se não cumprir a ordem) ou por período diverso de tempo (semanal, quinzenal,

mensal etc.)”. 433

Afirma Carreira Alvim que “a mens legis foi mesmo a multa diária,

com o que se evita a eventual decomposição do seu valor, fixado por período diverso

(semana, quinzena ou mês), para o caso de vir a obrigação a ser satisfeita antes do termo 430

Paolo Cendon, Le misure compulsorie a carattere pecuniario. Processo e tecniche di attuazione dei

diritti, cit., p. 297. 431

Ver J. E. Carreira Alvim, Tutela específica das obrigações de fazer e não fazer na reforma processual,

cit., p. 115. 432

Luis Ramon Madozzo, Derecho procesal civil: medidas conminatorias, Genesis – Revista de Direito

Processual Civil 1/156. 433

J. E. Carreira Alvim, Tutela específica das obrigações de fazer e não fazer na reforma processual, cit.,

p. 171.

Page 180: Tutela Inibitória - Marinoni

180

final”. 434

<texto>Não nos parece que essa seja a interpretação adequada. Note-se que,

tratando-se de tutela inibitória, a “multa diária” só tem eficácia nos casos de tutela que

tem por fim fazer cessar o ilícito, ou seja, nas hipóteses de ilícito continuado. A multa,

em tais casos, pode ser aplicada por dia de atraso na cessação do ilícito. Entretanto,

quando se deseja impedir a prática ou a repetição de um ilícito, não há outra saída que

não a imposição da multa em valor fixo. 435

<texto>Recorde-se de que o art. 829-A do CC português é claro ao preceituar que

“nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que

exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a

requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária

por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais

conveniente às circunstâncias do caso ...”. Como é óbvio, o legislador brasileiro, ao

tratar da multa, não desejou proibir a tutela que tem por fim impedir a prática ou a

repetição do ilícito, como é o caso da tutela que objetiva impedir que notícia lesiva à

honra de determinada pessoa seja (ou volte a ser) divulgada. De modo que a alusão à

multa diária, presente nos arts. 461 do CPC e 84 do CDC, não impede que a multa seja

empregada de outra forma, pois o que deve servir de parâmetro para a fixação da multa

capaz de permitir a efetiva “tutela das obrigações de fazer e não fazer” são as

características do próprio caso concreto apresentado ao juiz.

<b> 3.27.1.5 A respeito do beneficiário da multa

<texto>O art. 461 afirma em seu § 2.º que a indenização por perdas e danos dar-se-á

sem prejuízo da multa. Além disto, este artigo não contém qualquer disposição

direcionada a autorizar o Estado a cobrar o valor da multa, o que impõe a conclusão de

que a multa é devida ao autor e não ao Estado. 436

<texto>Parece-nos, entretanto, que não deveria ser assim. A multa, ainda que

mediatamente tenha por fim tutelar o direito do autor, visa, precipuamente, a garantir a

434

Idem, ibidem. 435

De acordo com o art. 1.385ter do Code Judiciaire Belga, “le juge peut fixer l’astreinte soit à une

somme unique, soit à une somme déterminée par unité de temps ou par contravention. Dans ces deux

derniers cas, le juge peut aussi déterminer un montant au-delà duquel la condamnation aux astreintes

cessera ses effets”. 436

Ver, neste sentido, Sérgio Bermudes, A reforma do Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Freitas

Bastos, 1995, p. 53; J. E. Carreira Alvim, Tutela específica das obrigações de fazer e não fazer na

reforma processual, cit., p. 121-122.

Page 181: Tutela Inibitória - Marinoni

181

efetividade das decisões do juiz. Sem a multa não seria possível ao Estado exercer

plenamente a atividade jurisdicional, até porque a sentença mandamental se constituiria

em mera recomendação, a refletir a falta de capacidade do Estado para tutelar

efetivamente os direitos. É ela, portanto, instrumento indispensável para o Estado

exercer seu poder. Prova disso está no fato de o Código de Processo Civil admitir ao

juiz impor a multa de ofício na tutela antecipatória, na sentença, e ainda na fase

executiva (art. 461, §§ 4.º e 6.º). No direito francês, aliás, onde se admite que o juiz

imponha a astreinte de ofício, argumentam Pierre Hébraud e Pierre Raynaud que é

ilógico enriquecer o patrimônio de um particular em detrimento de sua vontade e em

razão de um fim que lhe é estranho e exprime um interesse público. 437

<texto>A cumulação das perdas e danos com a multa não espelha o direito do

autor. O autor, no caso de direito patrimonial, deve ser indenizado por perdas e danos;

por outro lado, no caso de direito não patrimonial, não é o valor da multa que será capaz

de remediar alguma coisa, já que, se a indenização é insuficiente para a tutela desses

direitos, não será o valor da multa que compensará adequadamente o autor pela lesão

sofrida.

<texto>A multa, mesmo quando postulada pelo autor, serve apenas para pressionar

o réu a adimplir a ordem do juiz, motivo pelo qual não parece racional a idéia de que ela

deva reverter para o patrimônio do autor, como se tivesse algum fim indenizatório. A

multa não se destina a dar ao autor um plus indenizatório ou algo parecido com isso; seu

único objetivo é garantir a efetividade da tutela jurisdicional.

<texto>Conforme antes lembrado, a preocupação com o enriquecimento ilícito do

autor em virtude da cumulação da indenização com a soma correspondente à astreinte

está presente no direito francês. 438

Como afirma André Tunc, se é legítimo que a parte

que não satisfaz o direito reconhecido ao seu adversário seja apenada, é contrário aos

princípios que seu adversário possa obter uma soma maior do que aquela que

compense o prejuízo que sofreu. 439

Jean Carbonnier, raciocinando nesta mesma linha, e

já aludindo ao art. 33 da Lei 91-650, de 9 de julho de 1991, argumenta que se a astreinte

437

Pierre Hébraud e Pierre Raynaud, Jurisprudence française en matière de droit judiciaire privé. Revue

Trimestrielle de Droit Civil, 1968, p. 755. Tradução livre. 438

Elisabetta Silvestri e Michele Taruffo, Esecuzione forzata (esecuzione forzata e misure coercitive),

Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 13, p. 6; Elisabetta Silvestri, Rilievi comparatistici in tema di

esecuzione forzata degli obblighi di fare e di non fare, Rivista di Diritto Civile, 1988, p. 535-536. 439

André Tunc, Obligations et contrats spéciaux. Revue Trimestrielle de Droit Civil, 1960, p. 672.

Tradução livre.

Page 182: Tutela Inibitória - Marinoni

182

objetiva assegurar a efetividade das decisões judiciais, seria racional que o seu montante

revertesse para o Estado. 440

<texto>O direito português, a partir dessa mesma preocupação, chegou a uma

solução intermediária, determinando que a soma relativa à “sanção pecuniária

compulsória” reverta, em partes iguais, para o autor e para o Estado. 441

Com efeito,

segundo o art. 829-A, n. 3, do Código Civil português, “o montante da sanção

pecuniária compulsória destina-se, em partes iguais, ao credor e ao Estado”.

<texto>A melhor solução, a nosso ver, é a do direito alemão, onde a soma reverte

apenas ao Estado, pois não há qualquer razão para se pensar em um sistema híbrido,

como é o do direito português. O legislador brasileiro, contudo, ainda poderá deixar

claro que a multa não reverte em benefício do autor, mas sim em proveito do Estado.

<texto>Não parece que o fato de o Estado poder ser o próprio devedor da multa

possa se constituir em argumento favorável à tese de que a soma resultante da sua

aplicação deva ser dirigida ao autor. 442

Nesse caso, que é exceção, basta que se preveja

o encaminhamento da multa para um fundo. 443

Lembre-se de que no direito francês o

Conseil d’Éstat pode impor a astreinte contra as pessoas jurídicas de direito público e,

ao mesmo tempo, determinar que parte de seu montante seja atribuída “au fonds

d’équipement des collectivités locales”. 444

No direito italiano, por outro lado, um

projeto de 1975 (que não teve êxito), mandava acrescentar ao Código de Processo Civil

italiano a seguinte norma (art. 279-bis): “A sentença que declara a violação de uma

obrigação de fazer ou de não fazer, além de tratar do ressarcimento do dano, ordena a

cessação do comportamento ilegítimo e confere os oportunos provimentos a fim de que

venham eliminados os efeitos da violação; para tal fim pode fixar uma soma devida por

cada violação ou inobservância sucessivamente constatada, e por cada dia de atraso na

440

“Le problème de principe ayant été vidé par la loi, peut-être faudrait-il se préoccuper des abus de

l’astreinte, car il y en a. S’il s’agit d’assurer le respect des décisions de justice, comme le suggère la loi de

1991 (a. 33), il semblerait rationnel de dériver vers l’Etat le profit de l’astreinte, d’en faire une amende

civile sanctionnant le contempt of court” (Jean Carbonnier, Droit civil – Les obligations, v. 4, cit., p. 587). 441

João Calvão da Silva, Cumprimento e sanção pecuniária compulsória, cit., p. 444. 442

Carreira Alvim usa este argumento para fundamentar a tese de que o valor da multa deve ser

endereçado ao autor (J. E. Carreira Alvim, Tutela específica das obrigações de fazer e não fazer na

reforma processual, cit., p. 122). 443

Frise-se que de acordo com o art. 2.º, I, do Dec. 1.306, de 9 de novembro de 1994, constitui recurso do

Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD) o produto da arrecadação “das condenações judiciais de que

tratam os arts. 11 e 13 da Lei 7.347, de 24 de julho de 1985”. 444

Elisabetta Silvestri e Michele Taruffo, Esecuzione forzata (esecuzione forzata e misure coercitive).

Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 13, p. 7; Elisabetta Silvestri, Rilievi comparatistici in tema di

esecuzione forzata degli obblighi di fare e di non fare. Rivista di Diritto Civile, 1988, p. 536.

Page 183: Tutela Inibitória - Marinoni

183

execução dos provimentos contidos na sentença, especificando os sujeitos, ou mesmo as

instituições públicas ou privadas, a quem estas somas devem ser atribuídas”. 445

<b> 3.27.1.6 O momento a partir do qual a multa torna-se eficaz e o momento

a partir do qual a multa pode ser cobrada

<texto>É preciso distinguir o momento a partir do qual a multa torna-se eficaz do

momento a partir do qual ela pode ser cobrada.

<texto>Não é difícil tratar da primeira dessas questões. A decisão que concede a

tutela antecipatória, em razão de sua própria natureza, produz efeitos imediatamente,

motivo pelo qual a multa que lhe é atrelada também passa a operar de imediato;

interposto recurso de agravo, o tribunal pode lhe “atribuir efeito suspensivo” (arts. 527,

III, e 558 do CPC), quando evidentemente a multa também deixará de atuar.

<texto>Fixada a multa na sentença, três são as hipóteses que podem ocorrer: i) a

sentença não é impugnada através de recurso, quando a sentença e a multa passam a

produzir efeitos após escoado o prazo recursal; ii) a sentença é impugnada através de

recurso de apelação recebido nos efeitos devolutivo e suspensivo, e a sentença e a multa

permanecem sem produzir qualquer efeito; e iii) a sentença é impugnada através de

recurso recebido apenas no efeito devolutivo – o que, é importante lembrar, é a regra na

ação coletiva, em vista do que dispõe o art. 14 da Lei 7.347/85 –, quando a sentença e a

multa passam a produzir efeitos imediatamente.

<texto>A questão complica-se quando se pensa na possibilidade da cobrança da

multa antes do trânsito em julgado, tomando-se em consideração a tutela antecipatória

ou a execução provisória da sentença. Na realidade, o problema não é exatamente saber

se a multa pode ser cobrada antes do trânsito em julgado, mas sim definir se ela é devida

na hipótese em que o julgamento final não confirma a tutela antecipatória ou a sentença

que já foi executada.

<texto>Se o nosso sistema confere ao autor o produto da multa, é completamente

irracional admitir que o autor possa ser beneficiado quando a própria jurisdição chega à

conclusão de que ele não possui o direito que afirmou estar presente ao executar

(provisoriamente) a sentença ou a tutela antecipatória. Se o processo não pode

prejudicar o autor que tem razão, é ilógico imaginar que o processo possa beneficiar o

445

Ver Giuseppe Tarzia, Presente e futuro delle misure coercitive civili. Rivista Ttrimestrale di Diritto e

Procedura Civile, 1981, p. 806.

Page 184: Tutela Inibitória - Marinoni

184

autor que não tem qualquer razão, apenas porque o réu deixou de adimplir uma ordem

do Estado-juiz.

<texto>Paolo Cendon, referindo-se ao uso abusivo das astreintes, trata exatamente

da possibilidade de se pretender cobrar a multa que é imposta para fazer valer uma

sentença que mais tarde não é confirmada pelo tribunal. Suas ponderações, proferidas

em importante congresso que foi realizado em Palermo, merecem ser aqui reproduzidas:

“É ainda mais desconcertante, parece-me, a orientação – minoritária, certamente, mas

significativa para mostrar até que ponto uma certa mitologia possa levar – a orientação

(dizia) segundo a qual, uma vez impugnada com sucesso pelo devedor a condenação à

prestação principal, a própria condenação deveria permanecer em pé em relação à

astreinte, ao menos no caso em que houvesse sido concedida a execução provisória

(teria sido violado um comando do juiz!)”. 446

<texto>Não se diga que a circunstância de a multa não poder ser cobrada pelo autor

que a final é declarado sem razão retira seu caráter coercitivo. O que atua sobre a

vontade do réu é a ameaça do pagamento da multa; essa, assim, não perde o poder de

coerção apenas porque o réu sabe que não terá que pagá-la na hipótese de o julgamento

final não confirmar a tutela antecipatória ou a sentença que foi “provisoriamente

executada”. Ora, no caso de tutela antecipatória ou de “execução provisória da

sentença”, o réu certamente temerá ter que pagar a multa, não só porque é provável que

o julgamento final acabe confirmando a tutela antecipatória ou a sentença, mas

fundamentalmente porque ninguém pode ter segura convicção de qual será o “último

julgamento”.

<texto>O que importa, em outras palavras, quando se pensa na finalidade coercitiva

da multa, é a ameaça de o réu ter que futuramente arcar com ela. Com efeito, é

importante deixar claro que a multa cumpre seu papel através da ameaça que exerce

sobre o réu; a multa, para exercer sua finalidade coercitiva, não precisa ser cobrada

antes do trânsito em julgado. A finalidade coercitiva não se relaciona com a cobrança

imediata da multa, mas apenas com a possibilidade da sua cobrança futura; essa

possibilidade é suficiente para atemorizar o demandado e, assim, convencê-lo a

adimplir.

<texto>Lembre-se, aliás, em abono desta posição, de que a própria Lei da Ação

446

Paolo Cendon, Le misure compulsorie a carattere pecuniario. Processo e tecniche di attuazione dei

diritti, cit., p. 301.

Page 185: Tutela Inibitória - Marinoni

185

Civil Pública afirma, em seu art. 12, § 2.º, 447

que “a multa cominada liminarmente só

será exigível do réu após o trânsito em julgado da decisão favorável ao autor, mas será

devida desde o dia em que se houver configurado o descumprimento”. 448

<b> 3.27.1.7 A questão da modificação do valor da multa

<texto>De acordo com o § 6.º do art. 461, “o juiz poderá, de ofício, modificar o

valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou

excessiva”.

<texto>Cabe indagar, em vista desta norma, se a modificação do valor ou da

periodicidade da multa encontra óbice na autoridade da coisa julgada material. O que

importa verificar, em outras palavras, é se a multa pode ser agravada ou atenuada pelo

juiz ainda que inexistente alteração na situação de fato, pois havendo esta alteração

não se pode falar – como é óbvio– em óbice da coisa julgada, uma vez que a sentença

sempre espelha uma situação jurídica e fática que existia em determinado instante.

<texto>O novo § 6.º do art. 461, ao permitir que o juiz reduza ou aumente o valor da

multa fixada na sentença já transitada em julgado, demonstra claramente que a parte da

sentença que fixa o valor da multa não fica imunizada pela coisa julgada material.

Como é evidente, se houvesse qualquer desejo de deixar intacto o valor da multa, não

teria o legislador previsto a possibilidade de o juiz aumentá-la ou reduzi-la.

<texto>A intenção desta norma é permitir que o juiz altere o valor ou a

periodicidade da multa, segundo as necessidades – que podem variar – de cada caso

concreto. A multa não é fixada para castigar o réu ou dar algo ao autor. O seu escopo é

o de dar efetividade às decisões do juiz. Assim, verificando o juiz que a periodicidade

ou o valor da multa não mais estão de acordo com a idéia que presidiu a sua própria

447

A mesma regra está reproduzida no art. 213, § 3.º, do Estatuto da Criança e do Adolescente: “A multa

só será exigível do réu após o trânsito em julgado da sentença favorável ao autor, mas será devida desde o

dia em que se houver configurado o descumprimento”. 448

Arruda Alvim, ao comentar o art. 84 do CDC, reafirma a idéia contida no art. 12 da Lei da Ação Civil

Pública: “Se assim é, segue-se que esta multa terá incidência já a partir desta decisão liminar, ou, da

liminar concedida após justificação prévia, mas somente poderá ser cobrada ou executada a final (é, de

resto, o sistema do art. 12, § 2.º, da Lei 7.347, de 24 de julho de 1985, aplicável no caso, pela analogia das

situações, à luz do art. 90 deste Código, ao sistema do Código de Proteção e Defesa do Consumidor). A

cobrança somente ao depois do trânsito em julgado justifica-se, porque: a) se a interpretação decorrente

do Código de Defesa do Consumidor é mais favorável ao consumidor, do que o é o Código de Processo

Civil, nem por isto, todavia, deve-se descartar a possibilidade de que o fornecedor venha a ser o vencedor;

b) ora, se o fornecedor se sair vencedor da ação, seja ela coletiva, seja ela individual, a decisão que assim

haja resolvido o litígio, não poderá deixar de ter a multa como não devida” (Código do Consumidor

comentado, cit., p. 402).

Page 186: Tutela Inibitória - Marinoni

186

fixação na sentença, poderá ela ser agravada ou atenuada, conforme as exigências do

caso concreto. Ora, é evidente que a técnica instituída no novo § 6.º do art. 461 guarda

relação com a própria natureza da astreinte, figura que tem uma conformação

nitidamente provisória, vale dizer, suscetível de ser alterada apenas para que seja

assegurada a efetividade da decisão judicial. De modo que não há razão para pensar que

o juiz somente pode modificar a multa se surgirem novas circunstâncias.

<texto>Na verdade, tomando-se em consideração a natureza da multa, é fácil

perceber que sua fixação é feita sempre em caráter provisório, exatamente porque ela

tem por fim apenas garantir a efetividade da tutela jurisdicional, e não um direito de

crédito em favor do autor ou um direito de não pagar uma multa superior a “x” por parte

do réu.

<a1a>3.27.2 Outras medidas de execução

<b> 3.27.2.1 A quebra do dogma da tipicidade das formas executivas

<texto>De acordo com o art. 461, § 5.º, do CPC, 449

“para a efetivação da tutela

específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a

requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por

tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras

e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial”.

<texto>Como se vê, esta norma, ao conferir ao juiz um amplo poder para a

determinação das modalidades executivas adequadas às diversas situações conflitivas

concretas, quebra o princípio da tipicidade das formas executivas. 450

<texto>Esse princípio expressa que os meios de execução devem estar previstos na

lei e, assim, que a execução não pode ocorrer através de formas executivas não

tipificadas. O seu objetivo é, de um lado, impedir que meio executivo não previsto em

lei possa ser utilizado, e ao mesmo tempo garantir o jurisdicionado contra a

possibilidade de arbítrio judicial na fixação da modalidade executiva. Ora, se o

jurisdicionado sabe, em razão de previsão legal, que a sua esfera jurídica somente

poderá ser invadida através de determinadas modalidades executivas, confere-se a ele a

449

Ver, também, o art. 84, § 5.º, do CDC. 450

No direito italiano, sobre a quebra deste princípio, principalmente em face do art. 18 do Estatuto do

Trabalhador, ver Michele Taruffo, Problemi in tema di esecutorietà della condanna alla reintegrazione del

lavoratore. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1976, p. 801-802.

Page 187: Tutela Inibitória - Marinoni

187

possibilidade de antever a reação ao seu inadimplemento, bem como a garantia de que a

jurisdição não determinará ou permitirá a utilização de meio executivo diverso daqueles

previstos.

<texto>Esta relação pode ser evidenciada através da demonstração do argumento

que levou a doutrina italiana clássica a pensar na tipicidade das formas de execução. A

doutrina de Mandrioli, um dos maiores estudiosos da “esecuzione forzata in forma

specifica” 451

na Itália, serve para provar a nossa tese. Afirmou ele – elogiando o

princípio da tipicidade – que “a precisa referência às formas previstas no Código de

Processo Civil implica no reconhecimento da regra fundamental da intangibilidade da

esfera de autonomia do devedor, a qual somente poderia ser invadida nos modos e

através das formas tipicamente previstas pela lei processual”. 452

<texto>Com efeito, é muito interessante frisar a ligação entre o culto às idéias

liberais e as formas do processo, que na verdade seriam “formas de garantia das

liberdades”. Aliás, esta ligação foi posta à luz por Denti quando, ao escrever sobre “Il

processo di cognizione nella storia delle riforme”, advertiu que a antiga concepção

burocrática da função jurisdicional, marcada pela excessiva racionalização do exercício

dos poderes do juiz, foi a responsável pela idéia de se criar um modelo único de

procedimento. 453

Nesta ocasião, Denti lembrou que Chiovenda, em uma de sua mais

famosas conferências (Le forme nella difesa giudiziale del diritto, 1901), não apenas

sublinhou a necessidade das formas como garantia contra a possibilidade de arbítrio do

juiz, como ainda deixou clara “a estreita ligação entre a liberdade individual e o rigor

das formas processuais”. 454

<texto>Como se vê, não há como negar que a idéia de garantir a “liberdade

individual” está na base do princípio da tipicidade das formas executivas. Entretanto, a

tomada de consciência de que os procedimentos não podem ficar distantes do direito

material, ou de que devem ser construídas tutelas jurisdicionais adequadas às diversas

451

Mandrioli tem um livro com o título L’esecuzione forzata in forma specifica. Milano: Giuffrè, 1953. 452

Crisanto Mandrioli, L’esecuzione specifica dell’ordine di reintegrazione nel posto di lavoro. Rivista di

Diritto Processuale, 1975, p. 23. Ver, ainda, Crisanto Mandrioli, Sulla correlazione necessaria tra

condanna ed eseguibilità forzata. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1976, p. 1.347; Luigi

Montesano, Condanna civile e tutela dei diritti. Napoli: Jovene, 1965, p. 86; Giuseppe Borrè, Esecuzione

forzata degli obblighi di fare e di non fare, cit., p. 91. Em sentido crítico, ver, ainda, Salvatore

Mazzamuto, L’attuazione degli obblighi di fare, cit., p. 146 e ss; Lanfranco Ferroni, Obblighi di fare ed

eseguibilità, cit., p. 139 e ss. 453

Vittorio Denti, Il processo di cognizione nella storia delle riforme, Rivista Trimestrale di Diritto e

Procedura Civile, 1993, p. 808. 454

Idem, ibidem.

Page 188: Tutela Inibitória - Marinoni

188

situações de direito substancial, 455

obrigou ao abandono da idéia de tipicidade das

formas executivas, levando às disposições dos arts. 461, CPC, e 84, CDC. Tais artigos

partem da premissa de que, para o processo tutelar de forma adequada e efetiva as várias

situações de direito substancial, é imprescindível não apenas procedimentos e sentenças

diferenciados, mas também que o juiz tenha amplo poder para determinar a modalidade

executiva adequada diante do caso concreto.

<texto>É possível dizer, assim, que o legislador, ao perceber a necessidade de dar

maior mobilidade ao juiz para a efetividade da tutela dos direitos, não teve outra

alternativa a não ser deixar de lado a garantia que era estabelecida no princípio da

tipicidade das formas executivas, e assim instituir os arts. 461, CPC, e 84, CDC.

<texto>Frise-se, aliás, que o legislador somente exemplificou, nos arts. 461, CPC, e

84, CDC, algumas medidas que podem ser utilizadas pelo juiz. Lembre-se que estas

normas afirmam que “o juiz poderá determinar as medidas necessárias, tais como...”. A

redação destes dispositivos, ao dizer que o juiz pode determinar as medidas necessárias,

tais como aquelas que estão expressamente enumeradas, evidencia de forma nítida a

intenção de conferir ao juiz poder para determinar a medida adequada a cada caso

concreto, ainda que ela não esteja expressamente nominada. Isto não quer dizer, como é

óbvio, que o juiz possa deixar de explicar o motivo que o levou a determinar certa

medida, uma vez que a sua atuação, como já foi dito, deve ser controlada através dos

princípios do meio idôneo e da menor restrição possível.

<texto>Hoje, portanto, diante do amplo poder executivo que foi conferido ao juiz, é

exato falar em princípio da concentração dos poderes de execução do juiz. A tutela

fundada nos arts. 461, CPC, e 84, CDC, é marcada por este princípio, pois o juiz, diante

destas normas, tem o poder de determinar as medidas necessárias para que ocorra a

efetiva tutela do direito.

<b> 3.27.2.2 O uso das medidas de coerção direta e de sub-rogação para a

prestação da tutela inibitória

<texto>Sempre tivemos receio de evidenciar a possibilidade da utilização de meios

de coerção direta e de sub-rogação diante da ameaça da prática, repetição ou

continuação do ilícito. Isto por uma razão bastante simples. É que a doutrina sempre

455

Ver Andrea Proto Pisani, Appunti preliminari sui rapporti tra diritto sostanziale e processo. Diritto e

giurisprudenza, 1978, p. 5 e ss.

Page 189: Tutela Inibitória - Marinoni

189

mostrou preocupação em relação à tutela inibitória, exatamente por representar uma

forma de interferência na esfera jurídica do particular que se funda apenas na

probabilidade de um ilícito. O grande argumento utilizado contra a aplicação de uma

tutela inibitória genérica sempre foi o de que esta forma de atuação jurisdicional poderia

colocar em risco o direito de liberdade, pois limitaria a liberdade antes que uma

violação de direito houvesse ocorrido.

<texto>Como a atuação jurisdicional que determina a observância de uma ordem

sob pena de multa é menos drástica, considerando a interferência da jurisdição no

direito de liberdade, do que o uso de medidas de coerção direta ou de sub-rogação,

classificamos a tutela preventiva, no livro Tutela específica (publicado em 2000), 456

em

tutela inibitória (ordem de não fazer ou de fazer) e tutela preventiva executiva (ou tutela

inibitória executiva). Como é evidente, isto quer dizer que nada impede que se pense em

tutela inibitória imposta através da técnica da ordem seguida da multa ou do uso de

medidas de coerção direta, mas é necessário mais cautela no uso desta última técnica.

<texto>É importante deixar claro que a coerção indireta é um meio técnico que pode

ser utilizado pela jurisdição para forçar a parte a fazer ou a não fazer alguma coisa (por

exemplo, multa), enquanto a coerção direta não atua sobre a vontade da parte para

convencê-la a adimplir. Se a coerção indireta constitui meio técnico que pode ser

utilizado pela jurisdição para forçar a parte ao cumprimento, é evidente que a multa

configura meio de coerção indireta. Acontece que a multa não é o único meio que pode

ser utilizado para pressionar ao adimplemento. Basta pensar na prisão, 457

que, assim

como a multa, representa medida que serve para constranger ao cumprimento, ou em

outro meio capaz de, diante das circunstâncias de dado caso concreto, também servir

para pressionar a vontade da parte.

<texto>Há coerção direta quando o direito pode ser efetivamente tutelado

independentemente da vontade do demandado, ou seja, quando se pode dispensar a sua

vontade. Há coerção direta quando o direito é realizado em virtude da atuação de um

auxiliar do juiz, ou de alguém que do juiz recebe esta qualificação. Como exemplo de

aplicação de coerção direta, pode ser referido o caso em que o juiz, objetivando tutelar

contra o ilícito continuado, impõe a interdição de fábrica que está poluindo o meio

ambiente, determinando que o oficial de justiça realize o lacre dos seus portões de

456

Luiz Guilherme Marinoni, Tutela específica. São Paulo: RT, 2000. 457

Mais adiante será analisada a possibilidade do emprego da prisão, como meio de coerção indireta

capaz de colaborar para a efetividade da tutela inibitória.

Page 190: Tutela Inibitória - Marinoni

190

entrada. Há, ainda, a possibilidade de o juiz nomear administrador provisório para atuar

no seio de determinada empresa, à semelhança do que ocorre no direito anglo-

americano, quando se pensa nas figuras do master ou administrator, ou ainda do

receiver. 458

Lembre-se, aliás, que o receiver americano pode administrar uma

propriedade para fazer cessar a poluição, 459

o que, sem dúvida, configura hipótese de

coerção direta.

<texto>Entretanto, ao lado da coerção indireta (pressão sobre a vontade da parte) e

da coerção direta (participação de um auxiliar do juízo para a tutela do direito), é

possível vislumbrar medidas de sub-rogação. Estas últimas, se evidentemente não

podem ser confundidas com a coerção indireta, uma vez que não atuam sobre a vontade

do demandado, também têm diferenças em relação às medidas de coerção direta.

<texto>Atua-se mediante coerção direta no caso em que se teme violação de caráter

instantâneo (prática ou repetição de ilícito que se concretize em fazer ou não fazer) ou

um agir ilícito (por exemplo, poluição ambiental). Contudo, há situações – embora mais

restritas – em que é necessário um fazer que deve ser praticado por um terceiro. Na

hipótese de não agir ilícito (por exemplo, não observância de norma que obriga, visando

evitar a poluição ambiental, a instalação de determinada tecnologia), ou de tutela que

imponha a instalação desta tecnologia para evitar a continuação da violação do dever de

não poluir, poderá o juiz determinar que um terceiro instale o instrumento técnico

adequado. Neste caso, o terceiro substitui o réu, fazendo aquilo que por ele já deveria ter

sido feito.

Quando a atuação executiva não implica na prática de fazer que já deveria ter sido

observado, e assim não pode ser dita substitutiva do fazer, há medida de coerção direta,

e não medida de sub-rogação. No caso em que a atuação executiva não presta o fazer

inadimplido, mas apenas é necessária para garantir, independentemente da vontade do

réu, a efetividade da tutela jurisdicional, a medida é de coerção direta.

<texto>A sub-rogação, como é evidente, é medida de menor efetividade diante da

multa e da coerção direta, e assim somente deve ser utilizada nos casos em que uma das

duas primeiras for absolutamente inviável. De qualquer forma, não há dúvida que

existem medidas de coerção indireta, medidas de coerção direta e medidas de sub-

458

Ver Elisabetta Silvestri, Rilievi comparatistici in tema di esecuzione forzata degli obblighi di fare e di

non fare. Rivista di Diritto Civile, 1988, p. 542. 459

Neste sentido, Kazuo Watanabe, Tutela antecipatória e tutela específica das obrigações de fazer e não

fazer. Reforma do Código de Processo Civil, cit., p. 45.

Page 191: Tutela Inibitória - Marinoni

191

rogação, e que todas elas, consideradas as diferenças dos casos concretos, podem ser

utilizadas para a efetividade da tutela inibitória, embora não seja possível esquecer que

jamais poderão ser utilizadas de forma indiscriminada, pois o seu uso não poderá trazer

gravame despropositado à esfera jurídica do demandado.

<texto>Como é fácil perceber, já que a atividade de execução do juiz, como é óbvio,

deve respeitar a esfera jurídica do réu, o grande problema que existe, diante da

variedade das formas que podem ser utilizadas para dar efetividade à tutela inibitória, é

o de definir os critérios que devem ser utilizados para orientar a atividade executiva.

<texto>Antes disto, porém, já que configura questão que necessariamente deve

anteceder a da adequada utilização dos meios de execução da tutela inibitória, é

necessário analisar a possibilidade do uso da ameaça de prisão como forma de coerção

indireta.

<b> 3.27.2.3 A prisão como meio de coerção indireta

<texto>O enfrentamento da questão da possibilidade do uso da prisão civil, como

meio de coerção indireta, necessariamente requer a consideração do disposto no art. 5.º,

LXVII, da CF: “não haverá prisão por dívida, salvo a do responsável pelo

inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário

infiel”.

<texto>É costume afirmar, a partir de uma visão deitada exclusivamente em valores

do passado, que o uso da prisão é uma forma violenta e odiosa para se procurar a

efetividade do processo. 460

<texto>Na análise da norma que veda a prisão civil por dívida, com exceção da

prisão do devedor de alimentos e do depositário infiel, não é difícil encontrar a sua

razão de ser. O seu objetivo é vedar a prisão civil por descumprimento de obrigação que

dependa, para seu adimplemento, da disposição de dinheiro. É neste sentido que se pode

460

Entre outros, não admitem o uso da prisão como meio de coerção: Humberto Theodoro Júnior,

Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro: Forense, 1978, v. 5, p. 390; Marcos Afonso

Borges, Comentários ao Código de Processo Civil, Leme: Leud, v. 4, p. 102; Sérgio Sahione Fadel,

Comentários ao Código de Processo Civil comentado, cit., p. 327. São favoráveis ao seu uso: Pontes de

Miranda, Comentários à Constituição de 1967. São Paulo: RT, 1968, t. V, p. 253; Donaldo Armelin, A

tutela jurisdicional cautelar, Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, v. 23, p. 136; Luiz

Rodrigues Wambier, Liminares: alguns aspectos polêmicos. Repertório de jurisprudência e doutrina

sobre liminares. São Paulo: RT, 1995, p. 166; Marcelo Lima Guerra, Execução indireta, São Paulo: RT,

1999, p. 245-246; Sérgio Cruz Arenhart, Tutela inibitória coletiva, cit., p. 259; Alexandre Câmara,

Lineamentos do novo processo civil. Belo Horizonte: Del Rey, 1995, p. 75; Rogéria Dotti Doria, A crise

do processo de execução, Revista de Direito Processual Civil, v. 2, p. 386.

Page 192: Tutela Inibitória - Marinoni

192

dizer que a norma proibiu a prisão por “dívidas pecuniárias”. 461

<texto>Ovídio Baptista da Silva, contudo, ao analisar o art. 885 do CPC, afirmou

que não teria procedência dizer que a norma constitucional veda apenas a prisão por

dívida em sentido estrito, quando ela própria prevê, como exceção, a prisão do

depositário infiel, que não constitui caso de dívida pecuniária. Diz ele: “Se a prisão por

dívidas que não fossem monetárias estivesse sempre autorizada, não faria sentido a

exceção constante do texto constitucional para o caso de depositário infiel”. 462

<texto>Cabe lembrar, porém, que a linguagem utilizada na Constituição Federal não

é tecnicamente precisa, mas sim comum, e assim pouco importa que a exceção, relativa

ao depositário infiel, não envolva caso de dívida pecuniária. O fato é que a hipótese do

depositário infiel, assim como a do devedor de alimentos, possui características

próprias, as quais conduziram a Constituição a traçá-la como exceção. Isto apenas para

deixar evidenciada a possibilidade de prisão no caso de depositário infiel e de não

pagamento de alimentos.

<texto>Frise-se que o débito alimentar não tem origem em obrigação, mas constitui

dever legal com repercussão não-patrimonial, razão pela qual não pode ser comparado a

uma simples dívida pecuniária. Mas a Constituição se preocupou em deixar clara a

possibilidade de se conferir tratamento diferenciado ao crédito alimentar, e assim

excepcionou a possibilidade de prisão do devedor de alimentos. 463

Portanto, sua

intenção – ao estabelecer as exceções – foi apenas evidenciar a possibilidade da prisão.

Isto porque, como é sabido, a Constituição não deve atingir somente os juristas, mas a

todos os cidadãos.

<texto>Aliás, se o objetivo da norma fosse o de proibir toda e qualquer prisão, com

exceção dos casos do devedor de alimentos e do depositário infiel, não haveria como

explicar a razão pela qual deu conteúdo à prisão civil, dizendo que “não haverá prisão

por dívida” . É pouco mais do que evidente que a norma desejou proibir uma

determinada espécie de prisão civil, e não toda e qualquer prisão civil. O que importa 461

Pontes de Miranda sustentou que a proibição da Constituição estaria na prisão por não-pagamento de

dívida pecuniária, e que assim seria possível utilizar a prisão como meio coercitivo (Pontes de Miranda,

Comentários à Constituição de 1967, cit., t. V, p. 253). 462

Ovídio Baptista da Silva, Do processo cautelar. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 574. Nesta

linha, Eduardo Talamini, Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer, cit., p. 297. 463

Certa da absoluta diversidade da situação do devedor de alimentos – que não apenas deixa de adimplir

uma simples dívida, porém descumpre obrigação fundamental para suprir uma necessidade primária (e

por isto é vista como obrigação com função não-patrimonial) –, a Constituição evidenciou a possibilidade

do uso da prisão, pensando logicamente na sua importância para a efetividade da tutela do credor de

alimentos.

Page 193: Tutela Inibitória - Marinoni

193

saber, assim, é a espécie de prisão civil que foi vedada. Se não há como fugir da idéia de

que foi proibida somente uma espécie de prisão civil, e não toda e qualquer prisão civil,

a prisão proibida somente pode ser a prisão por “débito”. O entendimento de que toda e

qualquer prisão está proibida, implica retirar qualquer significado da expressão

“dívida”. Afirmar que existem outras modalidades de dívida, que não apenas a

pecuniária, e concluir que estas vedam a prisão, é dizer nada sobre a espécie de prisão

proibida, mas simplesmente insistir na idéia de que a norma constitucional veda o uso

da prisão civil como meio de coerção, e deste modo retirar qualquer significado da

expressão “dívida”.

<texto>Na verdade, a interpretação do art. 5.º, LXVII, da Constituição Federal, deve

ser alçada a um nível que considere os direitos fundamentais. Ou seja, se é necessário

vedar a prisão do devedor que não possui patrimônio – e assim considerar um direito

fundamental –, é absolutamente indispensável permitir o seu uso para a efetividade da

tutela de outros direitos fundamentais.

<texto>Karl Engisch464

adverte, aludindo ao Tratado de Direito Civil de

Enneccerus, que o direito é apenas uma parte da cultura global e, assim, o preceito da lei

deve, na dúvida, ser interpretado de modo a ajustar-se o máximo possível às exigências

da nossa vida em sociedade e ao desenvolvimento de toda a nossa cultura. Não há

sentido na preocupação com a linguagem da lei, quando o seu fim, em uma

interpretação que deseja fazer valer os direitos e, por conseqüência, o direito à

efetividade da tutela jurisdicional, impede que se extraia da norma que fala em prisão

por dívida a idéia de que é possível a utilização da prisão nos casos em que há

necessidade de vedar ação ilícita, e deste modo impedir a violação de um direito. 465

<texto>Não há dúvida de que os direitos perdem sua qualidade se não puderem ser

464

Karl Engisch, Introdução ao pensamento jurídico. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,

1977, p. 111-112 465

Correto, assim, Sérgio Arenhart: “Quanto à prisão para cumprimento de ordem judicial, não tem

caráter obrigacional. Ao contrário, deriva do imperium estatal e tem por fim resguardar a dignidade da

justiça. Enfim, encontra apoio na regra do art. 5.º , inciso XXXV, da Constituição Federal, no que pertine

à garantia de um provimento jurisdicional útil. Isto porque, em tese, pode haver situações em que a única

forma de se obter provimento jurisdicional capaz de ser eficaz no caso concreto será contando com a

colaboração do réu (sujeito a uma ordem judicial); e, também, não é difícil imaginar hipóteses

(especialmente em sede de tutela inibitória) em que a imposição de astreintes ou de outra medida de

apoio, que não a prisão civil, seja totalmente inadequada para garantir o cumprimento da determinação.

Para estes casos, então, será legítima a imposição da prisão civil como meio coercitivo, sem que se

vislumbre qualquer óbice a isto na regra constitucional do art. 5.º, LXVII (ou mesmo nos textos das

convenções inicialmente mencionadas)” (Sérgio Cruz Arenhart, A tutela inibitória coletiva, cit., p. 270).

Page 194: Tutela Inibitória - Marinoni

194

efetivamente tutelados. 466

É por isto que, diante da proibição da autotutela, fala-se que o

processo é imprescindível, em nível de efetividade, para a existência do próprio

ordenamento jurídico. Por outro lado, é certo que o processo exige, diante de certas

situações de direito substancial, o uso da coerção indireta. Entretanto, a multa não

constitui a única forma de coerção indireta, e nem se pode dizer que é ela suficiente para

a efetiva prestação da tutela jurisdicional. Como é evidente, e já foi dito neste livro, a

multa não tem efetividade diante de um réu que não possui patrimônio. Portanto, a

violação de direitos é muito fácil a pessoas inescrupulosas, uma vez que também não é

difícil, por exemplo, que estas possam constituir um “testa-de-ferro” sem patrimônio

para violar, sem qualquer preocupação, direitos da personalidade.

<texto>Não admitir a prisão como forma de coerção indireta é aceitar que o

ordenamento jurídico apenas proclama, de forma retórica, os direitos que não podem ser

efetivamente tutelados sem que a jurisdição a tenha em suas mãos para prestar tutela

jurisdicional efetiva. Soará absolutamente falsa e demagógica a afirmação da

Constituição Federal, no sentido de que “todos têm direito ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade

de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-

lo para as futuras gerações” (art. 225, caput), se não for viável a utilização da prisão

como meio de coerção indireta. Seria o mesmo que interpretar esta norma constitucional

como se ela dissesse que o meio ambiente, embora fundamental para a sadia qualidade

de vida e para as futuras gerações, infelizmente não pode ser efetivamente tutelado em

face de um réu que não se importa com os efeitos da multa. Ora, esta interpretação seria,

para dizer o mínimo, incoerente.

<texto>De modo que a doutrina, consciente da importância da natureza não

patrimonial de certos direitos, não pode ver na norma constitucional que proíbe a

prisão por dívida uma porta aberta para a expropriação de direitos fundamentais para

o homem.

<texto>Em uma interpretação realmente atenta aos direitos fundamentais, e de

acordo com a moderna hermenêutica constitucional, não há como enxergar apenas o que

466

Sobre a importância da prisão civil, ver ainda Elton Venturi, A tutela executiva dos direitos difusos nas

ações coletivas. Processo de execução e assuntos afins (coord. de Teresa Arruda Alvim Wambier). São

Paulo: RT, 1998, p. 164 e ss.

Page 195: Tutela Inibitória - Marinoni

195

há de negativo na utilização da prisão. 467

Se ela constitui violência inconcebível em

face de dívidas em sentido estrito, não há como deixar de perceber o seu lado positivo

diante da necessidade de tutela inibitória e de prestações que não dependam do

desembolso de dinheiro.

<texto>Esta interpretação deixa de lado o conceito mítico de que a prisão civil é um

simples atentado contra a liberdade dos cidadãos e, atenta para a necessidade do uso da

coerção pessoal para a efetiva tutela dos direitos, propõe que se veja, ao lado da

proibição da prisão civil em todos os casos em que, para o adimplemento, é necessário o

desembolso de dinheiro, a possibilidade do seu uso para impedir a expropriação dos

direitos.

<texto>A forma de interpretação que não vê a prisão como meio coercitivo constitui

um método hermenêutico clássico, não suficiente quando comparado aos métodos

hermenêuticos modernos, 468

os quais são absolutamente necessários quando o que se

tem a interpretar, diante das características da sociedade contemporânea e da

importância que nela assumem os direitos fundamentais, é um contexto de grande

riqueza e muita complexidade. Com efeito, não sendo o caso de apenas considerar o

texto da norma, como se ela estivesse isolada do contexto, é necessário recorrer ao

método hermenêutico-concretizador.

<texto>Na verdade, deparando-se com as norma do art. 5.º, LXVII, da CF, deve o

intérprete estabelecer, como é óbvio, a dúvida que a sua interpretação suscita. Ou seja,

se ela veda o uso da prisão como meio de coerção indireta ou somente a prisão por

dívida em sentido estrito. A partir daí, verificando-se que a norma aponta para dois

direitos fundamentais, isto é, para o direito à efetividade da tutela jurisdicional e para o

direito de liberdade, deve ser investigado o que significa dar aplicação a cada um deles.

Concluindo-se, a partir da análise da própria razão de ser destes princípios, que a sua

aplicação deve ser conciliada ou harmonizada, não há como deixar de interpretar a

norma no sentido de que a prisão deve ser vedada quando a prestação depender da

467

Como corretamente afirma Marcelo Lima Guerra, “encarada a prisão como um importante meio de

concretização do direito fundamental à tutela efetiva e não apenas como uma odiosa lesão ao direito de

liberdade, uma exegese que restrinja a vedação do inc. LXVII do art. 5.º da CF aos casos de prisão por

dívida em sentido estrito preserva substancialmente a garantia que essa vedação representa, sem eliminar

totalmente as possibilidades de se empregar a prisão civil como medida coercitiva para assegurar a

prestação efetiva da tutela jurisdicional” (Marcelo Lima Guerra, Execução indireta, cit., p. 245-246). 468

Sobre a interpretação constitucional, ver José Joaquim Gomes Canotilho, Direito constitucional.

Coimbra: Almedina, 1993, e Jorge Miranda, Manual de direito constitucional. Coimbra: Coimbra

Editora, 1983, t. II.

Page 196: Tutela Inibitória - Marinoni

196

disposição de patrimônio, mas permitida para a jurisdição poder evitar – quando a multa

e as medidas de coerção diretas não se mostrarem adequadas – a violação de um direito,

já que de outra maneira os próprios direitos ficarão desprovidos de tutela, e assim o

ordenamento, exatamente na parte que consagra direitos invioláveis e fundamentais,

assumirá a configuração de mera retórica, e desta forma sequer poderá ser chamado de

“ordenamento jurídico”. Note-se que esta interpretação, além de considerar o contexto, e

por esta razão ser muito mais abrangente do que a “clássica”, dá ênfase aos direitos

fundamentais, realizando a sua necessária harmonização para que a sociedade possa ver

sua concretização nos locais em que a sua própria razão recomenda.

<b> 3.27.2.4 Critérios que devem guiar a atividade executiva. A multa, a

prisão, as medidas de coerção direta e as medidas de sub-rogação na

prestação da tutela inibitória

<texto>Consideradas as diversas formas que podem ser utilizadas pelo juiz para dar

efetividade à tutela inibitória, é imprescindível estabelecer critérios para orientar a

atividade executiva.

<texto>Como já foi dito acima, 469

o princípio da necessidade, abrindo-se nos

princípios do meio idôneo e da menor restrição possível, deve orientar as hipóteses de

tutela inibitória, evitando que em nome da sua efetividade seja descurada a idéia de que

a tutela do direito deve ser obtida sem gerar conseqüências desrazoáveis à esfera

jurídica do réu.

<texto>A tutela inibitória deve preservar os direitos sem causar prejuízos indevidos

ao demandado. Assim, a sua ética está em privilegiar o “equilíbrio” e a “justa medida”

como critérios que devem iluminar a relação entre a sua efetividade e a necessidade de

preservação da esfera jurídica do réu.

<texto>Isto quer dizer que a tutela do direito sempre deve ser prestada através de

um meio adequado e mais idôneo. Este deverá ser o necessário para a tutela do direito e,

ao mesmo tempo, o que gere a menor restrição possível ao demandado. O meio mais

idôneo, assim, é aquele que, além de tutelar o direito, causa a menor restrição possível.

Assim, por exemplo, se basta determinar a instalação de determinada tecnologia para

que a poluição não prossiga, não há cabimento em se determinar a cessação das

469

Quando tratamos dos “princípios do meio idôneo e da menor restrição possível como vetores para o

adequado uso da tutela inibitória”.

Page 197: Tutela Inibitória - Marinoni

197

atividades produtivas.

<texto>Contudo, o que interessa agora não é insistir no fato de que determinada

providência, quando causar menor restrição do que outra em vista de seu conteúdo,

necessariamente deverá merecer a preferência do juiz, mas sim esclarecer em que

termos devem ser utilizadas as várias formas de execução postas a sua disposição.

Portanto, a preocupação não é mais com o conteúdo da determinação, mas sim com a

forma de execução do provimento.

<texto>Quando se pensa em forma adequada de execução, há tensão entre o direito

à efetividade da tutela jurisdicional e o direito do réu, a qual deve ser solucionada pelo

juiz também diante do caso concreto, mas não mais apenas tomando em consideração a

idoneidade do conteúdo da providência a ser determinada, mas sim a idoneidade da

forma de execução para a implementação do conteúdo da providência. Ou seja, a forma

de execução capaz de tutelar de forma efetiva o direito somente será idônea quando não

implicar em “excesso” em face do réu. Ou melhor, a forma de execução deve configurar

uma “justa medida” – que tem a ver com a necessidade de “proibição de excesso” – para

a implementação do conteúdo da providência.

<texto>Considerando a natureza da tutela inibitória, e a necessidade de evitar que

ela seja utilizada de modo arbitrário, deverá ela ser prestada, em princípio, através de

ordem sob pena de multa. Contudo, a coerção direta estará justificada nos casos em que

for possível supor que a ameaça patrimonial não afetará o demandado, ou quando não

houver tempo para esperar a efetivação de ordem sob pena de multa, sendo preferível

determinar que um auxiliar do juízo atue diretamente de modo a evitar a violação do

direito.

<texto>Nestes casos, como é evidente, o juiz deverá explicar as razões que o

levaram a preferir a multa ou a coerção direta. A necessidade de o juiz explicar os seus

motivos de maneira bastante precisa, advém do fato de que hoje não mais vigora o

princípio da tipicidade dos meios executivos, mas sim o da concentração dos poderes de

execução do juiz, uma vez que a ele foi outorgada ampla latitude de poder destinada à

determinação da modalidade executiva adequada ao caso concreto. Na realidade, a

necessidade de justificação caminha de mãos dadas com este poder que foi conferido ao

juiz. Melhor explicando: o juiz não apenas está obrigado a utilizar o “meio idôneo” e a

forma executiva que, tutelando o direito, cause a “menor restrição possível”, mas

também tem o dever de justificar as suas escolhas.

Page 198: Tutela Inibitória - Marinoni

198

<texto>A “proibição de excesso”, que é uma das faces do princípio da

proporcionalidade, e remete às idéias de “justa medida” e de “equilíbrio”, é instrumento

que permite o controle do poder do juiz na determinação da forma executiva. Se a

prisão, como meio de coerção, somente pode ser admitida nos casos em que não houver

necessidade de prestação que implique em disposição de dinheiro, sua utilização

somente é possível nos casos em que se teme um ilícito.

<texto>Nessas hipóteses, entretanto, o juiz somente poderá ordenar sob pena de

prisão quando estiver em condições de justificar, racionalmente, a impossibilidade de

efetivação da tutela mediante o emprego da multa e da coerção direta. Nestes casos, por

existir “necessidade” do uso da prisão, é que se poderá concluir que o seu uso constitui

medida necessária para que a tutela jurisdicional possa alcançar efetividade, quando

então o juiz poderá aplicá-la com base nos arts. 461, CPC, e 84, CDC. 470

<texto>Perceba-se que a falha da justificativa é que evidenciará a ilegitimidade da

escolha do juiz, e assim que a sua atividade não ficou contida na advertência de

“proibição de excesso”. É por isto que se pode dizer que a necessidade de justificativa

(ou de motivação) é a outra face do poder de escolha da modalidade executiva.

<texto>O poder de escolha, se é fundamental para o adequado exercício do poder, e

é orientado pelas idéias de “adequação”, de “meio idôneo” e de “menor restrição

possível”, é legitimado pela necessidade de “justificativa”, vale dizer, de explicação

das razões de escolha.

<texto>Como se vê, esta forma de viabilizar o exercício do poder e, ao mesmo

tempo controlá-lo, é fundamental em face dos direitos da sociedade contemporânea, e

constitui pura manifestação da crescente necessidade de se pensar o direito para o caso

concreto.

<texto>Porém, é preciso finalizar esclarecendo que é impossível desenhar –

exatamente pelo fato de que aqui o direito é pensado para o caso concreto– uma precisa

e exata tabela para o uso das medidas de execução. Isto não é possível e desejável. O

que é necessário deixar claro é que o poder de execução do juiz está sujeito a controle

por meio dos critérios antes delineados, e que estes somente poderão ser precisamente

testados diante dos casos concretos.

470

No mesmo sentido, Marcelo Lima Guerra, Execução indireta, cit., p. 245-246; Sérgio Cruz Arenhart,

Tutela inibitória coletiva, cit., p. 259; Alexandre Câmara, Lineamentos do novo processo civil, cit., p. 75.

Page 199: Tutela Inibitória - Marinoni

199

<tit>4

<tit1>O DELINEAMENTO DA TUTELA INIBITÓRIA

EM FACE DAS TUTELAS DECLARATÓRIA Ee

CAUTELAR E DA CONDENAÇÃO

PARA O FUTURO

<s>SUMÁRIO: 4.1 Tutela inibitória e tutela declaratória – 4.2 Tutela inibitória e

tutela cautelar – 4.3 Tutela inibitória e condenação para o futuro.

<a>4.1 Tutela inibitória e tutela declaratória

<texto>A ação declaratória, como é sabido, visa fundamentalmente a eliminar a

incerteza em torno da existência ou da inexistência de determinada relação jurídica.471

<texto>Costuma-se afirmar que a tutela declaratória tem fim preventivo, excluindo-

se, como é óbvio, a hipótese em que a ação é proposta depois da violação do direito –

como admite o art. 4.o, par. ún., do CPC.472

<texto>Gian Antonio Micheli, na conferência sobre “L’action en prévention en

dehors des litiges immobiliers”, pronunciada em um importante congresso internacional

de direito comparado que versou sobre as tutelas preventivas, incluiu a tutela

declaratória no gênero tutela preventiva, dizendo que “a primeira figura de ação

preventiva é aquela da ‘action en fixation de droit’ (ação declaratória), admitida para a

obtenção da declaração de um direito quando este, embora não tenha sido violado ou

judicialmente contestado, torna-se objetivamente incerto em sua existência ou conteúdo,

na medida em que é discutido ou não reconhecido pelos outros”.473

<texto>É importante verificar, contudo, em que termos a tutela declaratória exerce

471

De acordo com o art. 4.o, caput, do CPC, “o interesse do autor pode limitar-se à declaração: i) da

existência ou da inexistência de relação jurídica; ii) da autenticidade ou falsidade de documento”. 472

De acordo com o art. 4.o, parágrafo único, do CPC, “é admissível a ação declaratória, ainda que tenha

ocorrido a violação do direito”. 473

Gian Antonio Micheli, L’azione preventiva. Rivista di Diritto Processuale, 1959, p. 205.

Page 200: Tutela Inibitória - Marinoni

200

sua função preventiva. A tutela declaratória realiza-se com a prolação da sentença que,

contendo um juízo meramente declaratório, é revestida pela coisa julgada material; a

sentença declaratória, portanto, dá ao autor apenas a vantagem de que a relação jurídica

que até então era controvertida não mais poderá ser discutida.474 Tal sentença,

entretanto, é incapaz de obrigar alguém a fazer ou deixar de fazer alguma coisa em

virtude da declaração que contém. É perfeita, portanto, a observação de Barbosa

Moreira, no sentido de que a tutela declaratória somente pode prevenir uma violação

quando a parte vencida sai também convencida e resolve cumprir a obrigação em tempo

oportuno: “como meio de intimidação, e pois de coerção, todavia, o remédio é fraco:

basta pensar que, na eventualidade de inadimplemento, o titular do direito lesado terá de

voltar a juízo para pleitear a condenação do infrator, ao qual se concede assim uma

folga em boa medida tranqüilizadora”.475

<texto>A tutela declaratória, com efeito, não tem capacidade para permitir uma

efetiva prevenção do ilícito. No direito italiano, aliás, onde não há sentença “genérica”

que se ligue à multa, há grande dificuldade para se dar efetividade à tutela inibitória;476

é apenas por esta razão – isto é, pela inexistência de sentença que possa ordenar sob

pena de multa – que Proto Pisani propôs a reconstrução do conceito de sentença

condenatória, sustentando que ela deveria ser vista como uma ordem judicial que, em

caso de inadimplemento, dá margem à prisão, em vista do art. 388 do CP italiano.477

<texto>Note-se que a relação entre tutela declaratória e tutela preventiva, que foi

posta à luz pela doutrina chiovendiana,478 decorreu, em primeiro lugar, de uma

exigência de construção sistemática. Não importava, de fato, se a tutela declaratória

exercia uma função realmente preventiva, mas sim que a tutela declaratória, ao ser

pensada em contraposição à condenação, demonstrava o princípio da autonomia da

ação, o qual obviamente se ligava à marca nitidamente publicista que Chiovenda

imprimiu à jurisdição.479

<texto>Não é possível esquecer, ademais, que a escola sistemática formou-se sob a 474

Ver Ovídio Baptista da Silva, Curso de processo civil, v. 1, cit., p. 133 e ss. 475

José Carlos Barbosa Moreira, Tutela sancionatória e tutela preventiva. Temas de direito processual,

Segunda série, cit., p. 27. 476

Ver Cristina Rapisarda e Michele Taruffo, Inibitoria. Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 17, p. 8-9;

Cristina Rapisarda, Inibitoria. Digesto delle discipline privatistiche, v. 9, p. 486 e ss. 477

Ver Andrea Proto Pisani, L’attuazione dei provvedimenti di condanna, Foro italiano, 1988, p. 184;

Andrea Proto Pisani, Lezioni di diritto processuale civile, cit., p. 183. Ver, também neste sentido, Aldo

Frignani, L’injunction nella common law e l’inibitoria nel diritto italiano, cit., p. 592 e ss. 478

Giuseppe Chiovenda, L’azione nel sistema dei diritti. Saggi di diritto processuale civile. Roma:

Società Editrice Foro Italiano, 1930, p. 82. 479

Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 67-68.

Page 201: Tutela Inibitória - Marinoni

201

influência de um modelo de Estado de Direito de matriz liberal, o que significa que a

doutrina chiovendiana de certa forma ainda estava sob a influência da orientação que

inspirou os juristas do século XIX. Esse modelo institucional de Estado, marcado por

uma acentuação dos valores de liberdade individual em relação aos poderes de

intervenção estatal, reflete-se sobre a concepção de tutela declaratória,480 enquanto

tutela que regula apenas formalmente uma relação jurídica já determinada em seu

conteúdo pela autonomia privada.481

<texto>Não parece errado afirmar, em outras palavras, que a contraposição tutela

declaratória-tutela inibitória expressa diferentes necessidades e valores, sendo a

primeira marcada pelo desejo de não permitir a intervenção do Estado nas relações dos

particulares, e a segunda por uma exigência praticamente oposta, ou seja, por uma real

necessidade de impedir a violação de direitos considerados fundamentais dentro de um

contexto de Estado que, deixando de lado a necessidade de apenas preservar a liberdade

do cidadão, passa a apostar não só na consagração formal, mas sobretudo na tutela

efetiva e concreta de direitos imprescindíveis para uma organização social mais justa e

equânime.

<a>4.2 Tutela inibitória e tutela cautelar

<texto>O delineamento do perfil da tutela inibitória, aliado à convicção de que as

tutelas devem ser classificadas de acordo com os resultados que proporcionam no plano

do direito material, traz várias e importantes conquistas ao tema da tutela de urgência e,

principalmente, ao esclarecimento da árdua temática da tutela cautelar.482

<texto>Parece não haver dúvida de que a ação inibitória, compreendida como ação

480

Vittorio Denti reconhece a ligação da tutela declaratória, como remédio de caráter preventivo, com o

modelo institucional liberal: “Altro punto che va tenuto fermo è il carattere preventivo dell’azione

inibitoria. La dottrina processualistica ha, per lunga tradizione, risolto la tutela giurisdizionale preventiva

nel mero accertamento, con una scelta che non ha avuto – come è stato recentemente dimostrato –

soltanto carattere concettuale, poiché era condizionata dalla tendenza a delimitare rigidamente i poteri di

ingerenza statale nella sfera giuridica privata. Si trattava, quindi, della adesione al modello istituzionale

liberale, chiaramente presente nel maggiore teorizzatore dell’azione di mero accertamento e della sua

funzione preventiva, Giuseppe Chiovenda” (Vittorio Denti, Diritti della persona e tecniche di tutela

giudiziale. L’informazione e i diritti della persona. Napoli: Jovene, 1983, p. 267). 481

Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 70-72. Ver, também, Cristina Rapisarda,

Premesse allo studio della tutela civile preventiva. Rivista di Diritto Processuale, 1980, p. 128 e ss. 482

No direito brasileiro, sobre a tutela cautelar, ver Egas Moniz de Aragão, Medidas cautelares

inominadas. Revista Brasileira de Direito Processual, v. 57, p. 33 e ss; Ovídio Baptista da Silva, Curso

de processo civil, v. 3, cit.; Comentários ao Código de Processo Civil. Porto Alegre: Lejur, 1986, v. 11; A

ação cautelar inominada no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1991; Galeno Lacerda,

Comentários ao Código de Processo Civil, v. 8, t. 1, cit.; Victor A. Bomfim Marins, Tutela cautelar.

Curitiba: Juruá, 1996; Alcides Alberto Munhoz da Cunha, A lide no processo cautelar. Curitiba: Juruá,

1992; Humberto Theodoro Júnior, Processo cautelar. São Paulo: Leud, 1976.

Page 202: Tutela Inibitória - Marinoni

202

autônoma e independente de qualquer “ação principal”, não pode ser confundida com a

ação cautelar.

<texto>A própria doutrina italiana não faz qualquer confusão entre tais tutelas. Aldo

Frignani, um dos grandes especialistas italianos em “tutela inibitória”, admite que a

problemática que envolve esta tutela é bem diversa daquela que surge a propósito da

tutela cautelar; nesta última prevalecem considerações de ordem processual, como as

concernentes à existência de um direito autônomo de cautela, à relação entre a ação

cautelar e o direito acautelado e, ainda, à natureza da relação entre o provimento

cautelar e o provimento definitivo; no que diz respeito à tutela inibitória, ao contrário,

o ponto crucial refere-se à possibilidade de evitar ou prevenir o ilícito.483

<texto>Micheli, ao discorrer exatamente sobre o problema do delineamento das

diversas tutelas que poderiam ser consideradas preventivas, afirmou que “a primeira

distinção que é oportuno fazer (e é conhecida também pela doutrina francesa que fala de

‘action en prévention’) é aquela entre medidas cautelares e provimentos definitivos que

não atuam uma sanção para restabelecer o equilíbrio jurídico violado”.484

<texto>No mesmo Congresso Internacional de Direito Comparado que teve lugar

em Bruxelas, Jacques Michel Grossen, ao tratar da ação preventiva no direito suíço,

acabou deixando de lado a tutela cautelar, sob o argumento de que ela teria um caráter

acessório: ”Falando de atividade preventiva do juiz não se deveria esquecer o

importante instituto das medidas cautelares, nem aquele da instrução preventiva. Nós o

deixamos de lado, por seu caráter acessório, ao fim de dedicar mais espaço às ações que

tendem principalmente e exclusivamente à prevenção de um dano”.485

<texto>Entretanto, a mesma doutrina que diferencia a tutela cautelar da tutela

inibitória, inclusive salientando a peculiar função preventiva desta última, não consegue

distinguir a tutela inibitória de cognição sumária da tutela cautelar.486

<texto>A tutela cautelar genérica, em princípio, pressupunha a violação de um

direito, que deveria ser reparado ou reintegrado pela tutela final. Se atualmente ainda se

discute sobre a viabilidade de uma tutela genuinamente preventiva, é imperiosa a

conclusão de que a prevenção não era a função que se esperava ver cumprida pela tutela

483

Aldo Frignani, Inibitoria. Enciclopedia del diritto, v. 21, p. 574. 484

Gian Antonio Micheli, L’azione preventiva, Rivista di Diritto Processuale, 1959, p. 221. 485

Jacques Michel Grossen, L’azione in prevenzione al di fuori dei giudizi immobiliari. Rivista di Diritto

Processuale, 1959, p. 419. 486

Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 117 e ss; Cristina Rapisarda e Michele

Taruffo, Inibitoria. Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 17, p. 12 e ss.

Page 203: Tutela Inibitória - Marinoni

203

cautelar.

<texto>Adolfo Di Majo, em recente polêmica com Aldo Frignani – que supõe que o

art. 700 do CPC italiano (similar ao art. 798 do nosso CPC) é o fundamento da tutela

inibitória sumária e final –, deixa bem clara a idéia de que a tutela cautelar não foi

pensada para exercer a função hoje reservada para a inibitória. Segundo Adolfo di Majo,

para a obtenção de tutela cautelar, nem mesmo seria suficiente afirmar a ocorrência de

uma violação de direito, sendo necessário demonstrar que esta violação, com o

transcurso do tempo, causaria um prejuízo iminente ou irreparável.487

<texto>Não se pode negar, contudo, que, no direito italiano, a tutela cautelar

inominada passou a assumir, em alguns casos – principalmente a partir do momento em

que foi aceita com tranqüilidade na ação declaratória –, caráter genuinamente

inibitório.488

<texto>A partir de determinado momento, o art. 700 do CPC italiano – fundamento

da tutela cautelar inominada – tornou-se também a raiz da tutela inibitória sumária

genérica, a qual, muito embora satisfativa de uma pretensão de direito material, passou a

ser seguida de uma ação meramente declaratória, apenas para o juízo sumário poder ser

transformado em juízo definitivo.

<texto>Alguém poderia perguntar a razão por que a tutela inibitória sumária atípica

não pode ser seguida – no direito italiano – de uma tutela inibitória final atípica. É que o

direito italiano não admite, de forma genérica, a sentença que ordena sob pena de multa,

mas apenas as três sentenças tradicionais, isto é, as sentenças declaratória, constitutiva e

condenatória. Como a sentença condenatória é, na definição da própria doutrina italiana,

correlacionada com a execução forçada (e portanto repressiva),489 a tutela inibitória

sumária atípica não pode, como é óbvio, ser seguida de uma ação condenatória, a qual,

exatamente por ser correlacionada com a execução forçada, não tem aptidão para

permitir a prevenção do ilícito. Lembre-se, aliás, que o veto de parte da doutrina italiana

à atipicidade da tutela inibitória final também decorre da ausência de uma sentença que,

487

Adolfo di Majo, La tutela civile dei diritti, cit., p. 144. 488

Ver Ferruccio Tommaseo, I provvedimenti d’urgenza – Struttura e limiti della tutela anticipatoria, cit.,

p. 256 e ss. 489

Ver Enrico Tullio Liebman, Manuale di diritto processuale civile. Milano: Giuffrè, 1984, v. 1, p. 145 e

ss; Piero Calamandrei, La condanna. Opere Giuridiche. Napoli: Morano, 1972, v. 5, p. 493 e ss; Crisanto

Mandrioli, Sulla correlazione necessaria tra condanna ed eseguibilità forzata. Rivista Trimestrale di

Diritto e Procedura Civile, 1976, p. 1.344 e ss.

Page 204: Tutela Inibitória - Marinoni

204

colocando-se ao lado das três tradicionais, possa ordenar sob pena de multa490 – como

ocorre no direito brasileiro, em vista dos arts. 461 do CPC e 84 do CDC –, e não apenas

de uma afirmada inexistência de fundamento normativo para a atipicidade da tutela

inibitória ou da relutância em se admitir a expansão dessa forma de tutela, com base no

velho argumento de que a sua extensão poderia trazer perigo ao direito de liberdade.491

<texto>Aldo Frignani, ao admitir que o art. 700 do CPC italiano constitui o

fundamento da tutela inibitória sumária atípica e, por conseqüência, da tutela inibitória

final atípica,492 que seria executada sob pena de prisão (com base no Código Penal

italiano)493 – com o que a grande maioria da doutrina italiana está em desacordo

494 –,

apenas evidencia que o problema do direito italiano está na dificuldade de se afirmar a

existência de uma tutela inibitória final atípica.

<texto>Há quem diga, é certo, que a atipicidade da tutela inibitória final está

garantida pelo art. 24 da Constituição da República italiana.495 Entretanto, mesmo

aqueles que admitem a atipicidade da tutela inibitória final com base neste argumento

acabam concluindo que a tutela sumária inibitória possui natureza cautelar.496

Rapisarda, na verdade, afirma expressamente o “carattere cautelare dell’inibitoria

urgente anticipatoria”, ou que o emprego da “inibitoria provvisoria in funzione

490

Ver Elisabetta Silvestri e Michele Taruffo, Esecuzione forzata (esecuzione forzata e misure coecitivi).

Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 13, p. 2-3. 491

Ver Lodovico Barassi, La teoria generale delle obbligazioni, cit., p. 428. 492

Aldo Frignani, Inibitoria. Enciclopedia del diritto, v. 21, p. 563; Aldo Frignani, L’injunction nella

common law e l’inibitoria nel diritto italiano, cit., p. 465 e ss. 493

Aldo Frignani, L’injunction nella common law e l’inibitoria nel diritto italiano, cit., p. 592 e ss. Ver,

também neste sentido, Andrea Proto Pisani, L’attuazione dei provvedimenti di condanna. Foro Italiano,

1988, p. 182; Andrea Proto Pisani, Lezioni di diritto processuale civile, cit., p. 178 e ss. 494

“Sul piano interpretativo è noto anzitutto che la possibilità di applicare l’art. 388, I comma, c.p. in

funzione coercitiva delle sentenze impositive di obblighi infungibili è esclusa dall’opinione, prevalente in

dottrina e in giurisprudenza, secondo cui il bene protetto dalla norma sarebbe, non già l’autorità o, come

anche si è detto, la ‘forza obbligatoria’ della sentenza, bensí più semplicemente la sua efficacia esecutiva

(...) Riguardo all’applicabilità dell’art. 650 c.p., il discorso può farsi ancora più breve. L’obbiezione

principale all’impiego delle sanzioni ivi previste nei casi di inottemperanza delle sentenze civili fa leva

sulla collocazione sistematica della norma. Non si può non condividere, infatti, l’opinione dominante,

secondo cui la sedes materiae è tale da non consentire un’interpretazione estensiva dell’art. 650, che

includa nella categoria del ‘provvedimento legalmente dato dall’autorità per ragione di giustizia’ anche i

provvedimenti giurisdizionali del giudice civile” (Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria,

cit., p. 212-213). Ver, também, Sergio Chiarloni, Misure coercitive e tutela dei diritti, cit.; Giuseppe

Tarzia, Presente e futuro delle misure coercitive civili. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile,

1981, p. 803. 495

“Mentre non appare individuabile un principio generale di divieto della tutela inibitoria al di fuori dei

casi espressamente previsti, esiste, invece, un principio generale dal quale è possibile dedurre

l’ammissibilità di siffatta tutela ogniqualvolta essa sia indispensabile o utile per la completa ed effettiva

attuazione di una situazione sostanziale. Tale principio è contenuto nell’art. 24, 1 co., Cost., inteso come

norma generale diretta a garantire la disponibilità di adeguati strumenti di tutela giurisdizionale por ogni

situazione sostanziale giuridicamente rilevante” (Cristina Rapisarda e Michele Taruffo, Inibitoria,

Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 17, p. 8-9). 496

Cristina Rapisarda e Michele Taruffo, Inibitoria. Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 17, p. 9.

Page 205: Tutela Inibitória - Marinoni

205

anticipatoria” não faz oposição ao seu “carattere cautelare”.497

<texto>O que está por detrás dessa concepção doutrinária é a premissa de que há

diferença entre tutela de cognição sumária e tutela final, pouco importando se elas

realizam idêntica missão no plano do direito material. Ou seja, o que importa, para a

definição da tutela cautelar, é fundamentalmente a provisoriedade e a

instrumentalidade, ainda que esta última realmente não exista em alguns casos, para o

que, evidentemente, a doutrina fecha os olhos.

<texto>A doutrina clássica, ao tratar da tutela cautelar, afirma que ela é

caracterizada pela provisoriedade. Calamandrei é bastante claro neste sentido: “La

opinión más extendida, dentro de la cual se encuentran nuestros procesalistas más

autorizados, es la que ve un carácter constante o, en absoluto, un carácter distintivo de

las providencias cautelares en su provisoriedad, o sea en la limitación de la duración de

los efectos (declarativos o ejecutivos) propios de estas providencias. Las mismas

difieren, según esta opinión, de todas las otras providencias jurisdiccionales no por la

cualidad de sus efectos, sino por una cierta limitación en el tiempo de los efectos

mismos (...) La cualidad de provisoria dada a las providencias cautelares quiere

significar en sustancia lo siguiente: que los efectos jurídicos de las mismas no sólo

tienen duración temporal (...), sino que tienen duración limitada a aquel período de

tiempo que deberá transcurrir entre la emanación de la providencia cautelar y la

emanación de otra providencia jurisdiccional, que, en la terminología común, se indica,

en contraposición a la calificación de cautelar dada a la primera, con la calificación de

definitiva. La provisoriedad de las providencias cautelares sería, pues, un aspecto y una

consecuencia de una relación que tiene lugar entre los efectos de la providencia

antecedente (cautelar) y los de la providencia subsiguiente (definitiva), el inicio de los

cuales señalaría la cesación de los efectos de la primera”.498

<texto>É muito interessante observar que a distinção entre a tutela cautelar e as

tutelas finais, segundo as palavras do próprio Calamandrei, não reside na qualidade dos

efeitos da primeira, mas sim em sua “limitação no tempo”. Em outras palavras, e

confirmando o que já havia sido dito, a tutela cautelar se contrapõe à tutela definitiva

497

Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 151 e ss. Rapisarda e Taruffo afirmam

expressamente que “ove esista un’azione inibitoria in senso proprio, gli effetti del relativo provvedimento

di merito possono essere anticipati nel tempo con un provvedimento d’urgenza, ove ricorrano i

presupposti della tutela cautelare indicati nell’art. 700 c.p.c.” (Cristina Rapisarda e Michele Taruffo,

Inibitoria. Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 17, p. 13). 498

Piero Calamandrei, Introduccion al estudio sistematico de las providencias cautelares. Buenos Aires:

Ejea, 1945, p. 36-37.

Page 206: Tutela Inibitória - Marinoni

206

em razão de sua peculiar provisoriedade, pouco importando o significado de sua

atuação no plano do direito material.

<texto>Calamandrei, ao tratar da “anticipación de providencias decisorias”, que

constitui um dos grupos que fazem parte de sua classificação das “providencias

cautelares”, admite que essas tutelas se aproximam conceitualmente das chamadas

“declarações com predominante função executiva”: “En este terreno, como en todas las

zonas fronterizas, son más difíciles y más sutiles las distinciones, tanto que no falta

quien, sin más, incluye entre las declaraciones de certeza con predominante función

ejecutiva gran parte de las providencias que yo incluyo, considerándolas cautelares, en

este tercer grupo”.499 Para Calamandrei, o ponto distintivo fundamental entre a tutela

cautelar e as “declarações com predominante função executiva” reside no fato de que a

“decisión anticipada y provisoria del mérito”, ou seja, a tutela cautelar, “no puede

aspirar a convertirse ella misma en definitiva, sino que está siempre preordenada a la

emancipación de una providencia principal, a la llegada de la cual los efectos

provisorios de la medida cautelar están destinados a caer totalmente, porque aun cuando

la decisión principal reproduzca sustancialmente y haga suyas las disposiciones de la

providencia cautelar, funciona siempre como decisión ex novo de la relación

controvertida, y no como convalidación de la providencia cautelar”.500

<texto>Calamandrei, porém, ao tratar da execução provisória da sentença, conclui

que essa figura assume natureza cautelar nos casos em que se dá ao juiz o poder de

conceder a cláusula de execução provisória contra o periculum in mora.501 Nesses casos,

a função cautelar pode configurar-se de duas diferentes formas: “A veces el daño que la

misma trata de prevenir es el que derivaría del retardo en la satisfacción del derecho, en

vista de que, funcionando aquélla como medio para acelerar, a través de la inmediata

ejecución forzada, tal satisfacción (ejs., muy evidentes, arts. 363, ns. 3, 4 y 8 del Cód.

de Proc. Civ.; 328 del Cód. Civ. etc.), tiene cabida típicamente entre las providencias

cautelares del grupo c); otras veces, el daño que trata de prevenir es el que podría

derivarse de la dispersión, posible mientras pende el juicio de apelación, de los bienes

del deudor, y en tal caso, funcionando aquélla como un medio para asegurar (no para

499

Piero Calamandrei, Introduccion al estudio sistematico de las providencias cautelares, cit., p. 59. 500

Idem, ibidem, p. 60. 501

Piero Calamandrei, Introduccion al estudio sistematico de las providencias cautelares, cit., p. 61 e ss.

Ver, reafirmando expressamente esta posição, Carlo Furno, La sospensione del processo esecutivo.

Milano: Giuffrè, 1956, p. 55; Giuseppe Vignera, Sui rapporti tra provvedimento d’urgenza e sentenza di

merito (alla ricerca di una soluzione ragionevole). Rivista di Diritto Processuale, 1993, p. 514.

Page 207: Tutela Inibitória - Marinoni

207

acelerar) la ejecución forzada futura, debe dársele cabida entre las providencias del

grupo b)”.502

<texto>É altamente significativa, para quem deseja tratar das tutelas na perspectiva

do direito material, sem se importar com a questão de serem elas finais ou provisórias, a

afirmação de que, embora exista distinção entre a tutela que acelera, através da imediata

execução forçada, a satisfação do direito e a tutela que objetiva apenas assegurar a

futura execução forçada, ambas podem ser incluídas no gênero cautelar.

<texto>Como está provado, a doutrina de Calamandrei, ao dar realce à

provisoriedade (que é um critério processual), simplesmente apaga a diferença entre a

tutela que satisfaz antecipadamente um direito e a tutela que se limita a assegurá-lo. É

por esta razão que a doutrina italiana pensa que a tutela antecipatória possui caráter

cautelar. Na verdade, é muito difícil, considerando-se a precariedade do Código de

Processo Civil em termos de instrumentos processuais, pensar de outra forma.

<texto>Adolfo Perez Gordo, na obra “La ejecución provisional en el proceso civil”,

apresenta uma razoável distinção entre a tutela cautelar e a execução provisória da

sentença, ao dizer que, enquanto a primeira não pode ter uma extensão maior do que a

de mera garantia ou de segurança de uma sentença hipotética e futura, a execução

provisória, além de permitir a invasão da esfera jurídica do executado, pode levar à

própria satisfação do exeqüente.503

<texto>Pensando-se, apenas por exemplo, no procedimento monitório italiano, é

irracional admitir a cautelaridade da execução provisória do decreto ingiuntivo, ainda

quando ela é baseada na segunda parte do art. 642 do CPC italiano, ou seja, em perigo

de grave “pregiudizio nel ritardo”. Ora, se a execução provisória fundada na

particularidade da prova também surge da necessidade de evitar que a demora do

processo possa trazer dano marginal ao autor, é equivocado pensar que, justamente

quando se torna mais evidente a necessidade de antecipar a execução, esta assume as

vestes de tutela cautelar, como se o fato de se outorgar ao juiz o poder para apreciar a

existência do “periculum in mora” pudesse ser capaz de transmudar uma tutela que

realiza um direito com base em cognição não definitiva em tutela de simples

502

Piero Calamandrei, Introduccion al estudio sistematico de las providencias cautelares, cit., p. 63. O

grifo, como é óbvio, é nosso. 503

Adolfo Perez Gordo, La ejecución provisional en el proceso civil. Barcelona: Bosch, 1973, p. 42.

Page 208: Tutela Inibitória - Marinoni

208

segurança.504 Em outras palavras, a execução provisória do decreto ingiuntivo, ainda

que fundada em perigo, é tão execução provisória quanto aquela que se dá, por

exemplo, quando o “credito è fondato su cambiale, assegno bancario, assegno circolare,

certificato di liquidazione di borsa, o su atto ricevuto da notaio o da altro pubblico

ufficiale autorizzato” (art. 642, primeira parte, do CPC italiano).

<texto>Frise-se que o art. 700 do CPC italiano também abre ensejo à tutela

antecipatória de pagamento de soma em dinheiro.505 Essa tutela, não é difícil perceber,

difere apenas no que diz respeito à cognição da execução provisória de uma sentença

que condena ao pagamento de soma. Isso quer dizer que o motivo que impede que se

atribua caráter cautelar à execução provisória da sentença não pode deixar de estar

presente quando se pensa na natureza da tutela sumária que implica na realização

antecipada do direito do credor.

<texto>Para continuarmos usando o exemplo antes apontado, é possível dizer que

tanto a execução provisória da sentença que condena ao pagamento de soma quanto a

tutela antecipatória sumária de pagamento de soma506 satisfazem o direito de crédito, e

que isto obviamente não é o mesmo do que lhe dar simples proteção cautelar.507 Não

deve ter sido por outra razão, aliás, que Giovanni Verde afirmou, em tom incisivo, que

504

Referindo-se à “ordinanza di ingiunzione” (art. 186-ter do CPC italiano), demonstra Gabriella

Rampazzi que o juiz deve “dichiarare l’ordinanza provvisoriamente esecutiva se il credito è fondato su

cambiale, assegno bancario e circolare, certificato di liquidazione di borza o su atto ricevuto da notaio od

altro pubblico ufficiale autorizzato; ha, invece, un potere discrezionale di concederla qualora vi sia

pericolo di grave pregiudizio per il creditore nel ritardare l’inizio delle procedure esecutive, nonché, per la

sola ipotesi di debitore costituito, se le sue difese non sono fondate su prova scritta o di pronta soluzione”

(Gabriella Rampazzi, Le riforme del processo civile (a cura di Sergio Chiarloni). Bologna: Zanichelli,

1992, p. 254). 505

Ver Achille Saletti, Le riforme del codice di rito in materia di esecuzione forzata e di attuazione delle

misure cautelari. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1992, p. 458 e ss; Bruno Capponi,

Sull’esecuzione-attuazione dei provvedimenti d’urgenza per condanna al pagamento di somme. Rivista di

Diritto Processuale, 1989, p. 88 e ss; Giampiero Rossielo. Tema di esecuzione di provvedimenti

d’urgenza recanti l’ordine di corrispondere somme di denaro. Rivista di Diritto Processuale, 1987, p.

1.046 e ss; Pasquale Frisina, La tutela cautelare d’urgenza dei diritti a prestazione pecuniarie. Rivista di

Diritto Processuale, 1986, p. 972 e ss. 506

Sobre a tutela antecipatória de pagamento de soma fundada em abuso de direito de defesa, ver Luiz

Guilherme Marinoni, Tutela antecipatória, julgamento antecipado e execução imediata da sentença, cit. 507

Como escreve Ovídio Baptista da Silva, “se tivermos nossa visão voltada exclusivamente para o plano

das normas jurídicas, sem qualquer preocupação com o que acontece no mundo da realidade, talvez

possamos dizer que a satisfação obtida pelo credor que logre receber os alimentos sob forma de

provisionais poderá ser uma satisfação diversa da que ele próprio obteria se o juiz do processo de

conhecimento o declarasse, em sentença, verdadeiro credor dos alimentos definitivos. Se, no entanto,

examinarmos a questão sobre outro ângulo para determinar se os provisionais apenas asseguram ou, ao

contrário, satisfazem – ainda que provisoriamente – a pretensão alimentar, veremos que o uso que o

credor irá fazer da pensão, tanto provisional quanto definitiva, será rigorosamente o mesmo. A

contraposição entre alimentos provisórios e alimentos definitivos dá-se exclusivamente no plano lógico

das normas jurídicas. O que são provisórios ou definitivos não são os alimentos, mas os respectivos

provimentos judiciais” (Curso de processo civil, v. 3, cit., p. 23).

Page 209: Tutela Inibitória - Marinoni

209

seria sinal de escassa honestidade intelectual, ou ainda de ingenuidade não escusável,

pensar que o pagamento que satisfaz um crédito alimentar, ainda que fundado em um

provimento cautelar, não implique satisfação do direito de crédito, “ma serva

meramente a cautelarlo”.508

<texto>Apesar dessa crítica de Verde, o certo é que a doutrina italiana continua a

entender que a característica fundamental da tutela cautelar está na provisoriedade.509 É

importante perceber, contudo, que a nota da provisoriedade acaba por atribuir natureza

cautelar a todas as tutelas antecipatórias sumárias contra o periculum in mora; este, sem

dúvida alguma, é o resultado a que chega aquele que se vale das premissas que foram

fixadas por Calamandrei510 e recentemente reafirmadas por Ferruccio Tommaseo na

obra sugestivamente denominada I provvedimenti d’urgenza – Struttura e limiti della

tutela anticipatoria.511

<texto>Rapisarda e Taruffo afirmam que é impossível reunir na mesma categoria os

provimentos inibitórios sumários e os provimentos inibitórios finais, “uma vez que não

há dúvida que estes últimos são provimentos finais, emanados depois de uma cognição

ordinária (exauriente) sobre o direito a tutelar, e dotados dos efeitos típicos das

sentenças de mérito”.512 Como se vê, está implícito, nesse raciocínio, a premissa antes

recordada, pois o que torna cautelar a tutela inibitória sumária é o fato de que esta não é

dotada “degli effetti tipici del provvedimento di merito”; ora, não é preciso dizer que

Rapisarda e Taruffo não estão falando da repercussão desses efeitos no plano do direito

material, mas sim da limitação no tempo dos efeitos da tutela de cognição sumária.

<texto>É preciso observar, porém, que a tutela inibitória sumária responde a um

direito material à tutela inibitória. Tem-se direito à tutela jurisdicional inibitória sumária

porque há direito à tutela inibitória, assegurado no plano do direito material. Da mesma

forma que o direito à tutela ressarcitória é inerente ao próprio direito material, o direito

à tutela inibitória exige, para poder ser efetivamente atendido, instrumentos processuais

adequados. 508

Giovanni Verde, L’attuazione della tutela d’urgenza. La tutela d’urgenza. Rimini: Maggioli, 1985, p.

92. 509

Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 146 e ss. 510

Piero Calamandrei, Introduccion al estudio sistematico de las providencias cautelares, cit. 511

Trata-se de obra publicada em 1983 pela Cedam. Tommaseo, ao referir-se à possibilidade de se

imprimir aos provvedimenti d’urgenza um conteúdo antecipatório, afirma que, neste caso – ao contrário

do que ocorre quando se trata “di prevenire con la misura cautelare il danno ulteriore che può derivare dal

verificarsi, nelle more del processo, di fatti lesivi del diritto controverso” –, importa “contenere il

pregiudizio che il perdurare di una situazione antigiuridica provoca al titolare del diritto” (Ferruccio

Tommaseo, I provvedimenti d’urgenza – Struttura e limiti della tutela anticipatoria, cit., p. 135). 512

Cristina Rapisarda e Michele Taruffo, Inibitoria. Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 17, p. 12.

Page 210: Tutela Inibitória - Marinoni

210

<texto>Negar, neste momento, a existência de um direito material à tutela inibitória,

é esquecer que o legislador infraconstitucional está obrigado a construir tutelas

preventivas justamente porque não há como conceber um ordenamento jurídico que não

permita a tutela efetiva do direito à prevenção.513

<texto>Assim como para a tutela ressarcitória há a sentença condenatória e a

execução por expropriação (art. 475-J e ss. do CPC), que servem para prestar o

ressarcimento, as sentenças que podem utilizar coerção indireta ou coerção direta

(conforme os arts. 461, CPC, e 84, CDC), bem como a técnica antecipatória, são

necessárias para a prestação da tutela inibitória.

<texto>De modo que a tutela que impede a violação de um direito, ainda que no

curso do processo, embora seja antecipada e de cognição sumária, é obviamente

inibitória. A doutrina italiana dá a este tipo de tutela o nome de “cautelar” apenas pela

razão de que na Itália não há previsão de tutela antecipatória, mas apenas de tutela

cautelar. Na realidade, como a inibição antecipada é necessária, a doutrina italiana,

embora tendo consciência de que a tutela cautelar foi elaborada para outro fim, acaba

propondo a sua utilização de modo anômalo.

<texto>Entretanto, compreendendo-se que a relação que deve ser estabelecida é

entre tutela final e tutela antecipada e entre provimento definitivo e provimento

provisório, fica fácil perceber que a tutela final não pode ser contraposta ao provimento

provisório. Melhor: as tutelas não podem ser contrapostas às técnicas de tutela, isto é,

aos provimentos. A tutela inibitória é prestada por meio de um provimento, que pode ser

provisório ou definitivo. Quando o provimento é provisório, a tutela inibitória é

antecipada; quando o provimento é definitivo, há tutela inibitória final. Como se vê, é

evidente o equívoco da doutrina que afirma que a tutela inibitória, concedida através de

um provimento provisório, possui natureza cautelar. A tutela inibitória, como é óbvio,

não perde a sua natureza somente pelo fato de ser concedida por um provimento

provisório.

<texto>Observa-se, examinando-se os julgados dos tribunais brasileiros, o uso do

interdito proibitório para a tutela de direitos como o direito à invenção e o direito

513

Ver Andrea Proto Pisani, Breve premessa a un corso sulla giustizia civile. Appunti sulla giustizia

civile, cit., p. 10.

Page 211: Tutela Inibitória - Marinoni

211

autoral.514 O interdito proibitório era utilizado porque abria oportunidade para uma

efetiva tutela preventiva sumária, o que não era possível em face da “ação cominatória”,

uma vez que – conforme já foi lembrado – o antigo art. 287 somente admitia a

imposição de multa no caso de “descumprimento da sentença”.

<texto>O Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar o cabimento do interdito

proibitório para a tutela do direito à invenção, fixou a seguinte ementa em acórdão

proferido em 1991:

<texto>“I – A doutrina e a jurisprudência assentaram entendimento segundo o qual

a proteção do direito de propriedade, decorrente de patente industrial, portanto bem

imaterial, no nosso direito pode ser exercida através das ações possessórias.

<texto>II – O prejudicado, em casos tais, dispõe de outras ações para coibir e

ressarcir-se dos prejuízos resultantes de contrafação de patente de invenção. Mas tendo

o interdito proibitório índole eminentemente preventiva, inequivocamente é ele o meio

processual mais eficaz para fazer cessar, de pronto, a violação daquele direito”.515

<texto>Como se vê, o uso do interdito proibitório era admitido, para a tutela destes

direitos, com base no argumento de que era o “meio processual mais eficaz” à

disposição do jurisdicionado. Nestes casos, a liminar do interdito proibitório, que era

vista e utilizada como expressão da mais pura técnica processual, concedia verdadeira

tutela inibitória sumária.

<texto>Ora, se o que importa é a repercussão no plano do direito material dos

efeitos da tutela sumária – e não sua limitação no tempo –,a liminar do interdito

proibitório viabiliza a concessão de tutela inibitória (ainda que sumária). Tanto a liminar

do interdito proibitório, quanto a tutela inibitória antecipada propriamente dita,

conferem, ainda que sumariamente, tutela satisfativa e não tutela meramente

acautelatória. Lembre-se, com efeito, na lição de Ovídio Baptista da Silva, de que “nos

interditos proibitórios, desde a liminar, há prestação jurisdicional satisfativa que

ultrapassa a simples segurança”.516

514

“É cabível a concessão de medida liminar, em pedido de interdito proibitório, para impedir o uso não

autorizado de obra musical” (TAPR, 1.a C.C., Agravo de instrumento 54837-8, rel. Juiz Munir Karam,

julg. em 17.11.1992). 515

STJ, 3.a Turma, REsp 7.196-RJ, rel. Min. Waldemar Zveiter, julg. em 10.06.1991. 516

É importante registrar algumas passagens da obra de Ovídio Baptista da Silva que demonstram que a

tutela liminar possessória não tem natureza cautelar: “Para Carnelutti, pois, o possessório seria cautelar

por ser provisório e preparatório da lide petitória. Contudo, as liminares no processo possessório nada

mais são do que adiantamento de eficácia sentencial, que se há de confirmar ou não na mesma relação

processual (...) Isso significa que o juiz, ao conceder a liminar, aprecia já a pretensão possessória, dando-

Page 212: Tutela Inibitória - Marinoni

212

<texto>Na verdade, a estruturação técnica de um procedimento que contém em seu

bojo a tutela antecipatória inibitória é apenas uma resposta à necessidade de se dar tutela

efetiva ao direito à prevenção, e não algo que tenha relação com a necessidade de se

garantir “la eficacia y, por decir así, la seriedad de la función jurisdiccional”,517 como

dizia Calamandrei.

<texto>Se isto é evidente quando se pensa na tutela inibitória sumária na ação

inibitória, alguma dúvida poderia surgir ao ser deslocado o enfoque para a questão da

tutela inibitória sumária na ação declaratória. É inegável, contudo, que a inibitória,

ainda que concedida no curso de uma ação declaratória, não “serve ao processo”, mas

tutela o próprio direito material à prevenção. Aliás, para se concluir que não há

diferença de natureza entre a tutela inibitória sumária na ação inibitória e a tutela

inibitória sumária na ação declaratória, basta perceber que a tutela inibitória sumária,

tanto num caso como no outro, satisfaz imediatamente o direito material à prevenção.

<texto>Loriana Zanuttigh, escrevendo sobre o uso da tutela cautelar atípica na

proteção dos direitos da pessoa, afirma que graças à progressiva alteração da estrutura

e da função da tutela cautelar inominada, criou-se um modelo de proteção mais

avançado e eficaz, “com resultados de incisa aderência a especificidade dos direitos da

pessoa”.518 Trata-se de uma bela confissão de que a tutela cautelar perdeu a sua

fisionomia para permitir a adequada proteção de direitos que, de outra forma, não

encontrariam adequada resposta em nível de tutela jurisdicional no ordenamento

italiano.519

<texto>Vittorio Denti, após lembrar que o art. 700 do CPC italiano permitiu que os

tribunais suprissem a ausência de tutela jurisdicional adequada, adverte que também

emergiu a necessidade de uma “tutela de urgência com função não cautelar, ou seja,

lhe satisfação. A circunstância de ser decisão provisória e tomada sem plena cognitio não a transforma

em provimento cautelar” (Ação cautelar inominada no direito brasileiro, cit., p. 54). 517

Piero Calamandrei, Introduccion al estudio sistematico de las providencias cautelares, cit., p. 140. 518

Loriana Zanuttigh, La tutela cautelare atipica. L’informazione e i diritti della persona. Napoli: Jovene,

1983, p. 281. 519

“Un ulteriore profilo dell’esperienza concreta dell’istituto conferma, ai fini di una valutazione

complessiva, che le indicazioni emergenti dalla evoluzione degli orientamenti dei giudici e dalle istanze

degli utenti della giustizia sono nel senso di una chiara propensione verso forme sempre più estese di

tutela preventiva e non repressiva, almeno per talune categorie di diritti. Ne è prova, l’attitudine dei

provvedimenti urgenti a porsi come strumenti di tutela sommaria non cautelare, nella sostanza cioè ad

operare come forma autonoma di tutela. Siffatta alterazione della funzione delle misure cautelari atipiche

è resa percepibile e viene accentuata da talune applicazioni dell’istituto” (Loriana Zanuttigh, La tutela

cautelare atipica. L’informazione e i diritti della persona, cit., p. 276-277).

Page 213: Tutela Inibitória - Marinoni

213

não vinculada instrumentalmente com a tutela que o art. 700 define ordinária”.520 Denti

admite – e isto é muito importante para quem está fazendo um juízo crítico acerca da

doutrina de Calamandrei – que o ponto de partida dessa evolução da utilização do art.

700 foi indubitavelmente a reconhecida viabilidade de um possível efeito antecipatório

da tutela cautelar em relação à sentença de mérito, característica esta que – segundo ele

– teria induzido Calamandrei, “no seu clássico estudo sobre as medidas cautelares, a

tratar destas medidas de urgência juntamente com as declarações com predominante

função executiva”.521

<texto>A necessidade de uma tutela efetiva dos direitos não patrimoniais levou

Proto Pisani a insistir para a oportunidade de um procedimento sumário não cautelar,522

o que, segundo Denti, superaria o “o equívoco que vicia a atual aplicação do art. 700,

submetido a exigências de tutela que não têm a característica da instrumentalidade,

própria das medidas cautelares”.523 Como está claro, a doutrina italiana mais moderna

reconhece expressamente não só que a tutela inibitória sumária não é marcada pela

instrumentalidade, e que assim não é cautelar, mas também que o art. 700 do CPC,

quando permite a concessão desta tutela sob o rótulo de cautelar, assim atua por ter

surgido a necessidade de uma “tutela de urgência com função não cautelar”, o que dá

suporte à tese de que a tutela inibitória deve ser diferenciada da tutela cautelar524 e,

ainda, evidencia que Calamandrei cometeu um equívoco ao não perceber que a

“decisión anticipada y provisoria del mérito”525 mais se aproxima das declarações com

predominante função executiva do que da tutela cautelar.

520

Vittorio Denti, Diritti della persona e tecniche di tutela giudiziale. L’informazione e i diritti della

persona, cit., p. 263. 521

Idem, ibidem, p. 263. 522

Andrea Proto Pisani, La tutela giurisdizionale dei diritti della personalità: strumenti e tecniche di

tutela. Foro Italiano, 1990, p. 17 e ss. 523

Vittorio Denti, Diritti della persona e tecniche di tutela giudiziale. L’informazione e i diritti della

persona, cit., p. 265. 524

Esta também parece ser a posição de Verde: “Nel tirare le somme, avviandomi a concludere, mi

accorgo di avere tenuto un discorso confuso, disarticolato e in qualche parte incoerente. Ma la verità è

che sono stato travolto dalla stessa maniera disorganica con la quale l’istituto del provvedimento

d’urgenza si è venuto modificando e adattando alle concrete esigenze. E mi pare che le indicazioni

fornite, dalle quali si sono volutamente tralasciate le ricchissime serie di provvedimenti a tutela dei diritti

della personalità (in senso tradizionale) e della concorrenza, che rappresentano il campo naturale di

applicazione dei provvedimenti in esame, abbiano confermato che non ci sia stata vicenda di qualche

rilievo (...) che non sia passata per tale forma di giustizia. Ne è venuta fuori una tipologia assai varia e

che forse meriterebbe di essere organizzata secondo criteri sistematici, che non sono stato in grado di

elaborare. Si potrebbero, così, isolare accertamenti sommari con prevalente funzione cognitiva,

accertamente sommari con prevalente funzione esecutiva, ingiunzione, inibizione oltre che meri

provvedimenti cautelari” (Giovanni Verde, Considerazioni sul procedimento d’urgenza – come è e come

si vorrebbe che fosse. I processi speciali – Studi offerti a Virgilio Andrioli dai suoi allievi. Napoli:

Jovene, 1979, p. 458-460). 525

Piero Calamandrei, Introduccion al estudio sistematico de las providencias cautelares, cit., p. 59.

Page 214: Tutela Inibitória - Marinoni

214

<texto>Se alguém propõe uma ação ressarcitória e, no curso do processo, passa a

temer a repetição dos atos danosos, a tutela cabível é a inibitória, já que o autor não quer

assegurar o direito que está sendo discutido, mas apenas prevenir a repetição do ato

lesivo. Neste caso, porém, o autor terá que propor uma ação inibitória e requerer tutela

inibitória antecipada. A tutela inibitória antecipada, entretanto, estará mais uma vez

respondendo ao direito à prevenção, que não se confunde com o direito à cautela, ou

com a proteção cautelar de um direito que se teme possa não ser efetiva e

adequadamente reparado ou reintegrado.

<texto>Note-se que o arresto, por exemplo, difere nitidamente da tutela inibitória, já

que não exerce função inibitória, mas destina-se a assegurar a efetividade da futura

tutela ressarcitória. Ou seja, há uma nítida diferença entre a tutela inibitória e a tutela

que visa a dar segurança a um direito que já foi violado.

<texto>Na verdade, e para irmos um pouco mais além, parece mais exato afirmar

que a tutela cautelar, além de ter por fim assegurar a efetiva tutela de um direito já

violado, pode ter por escopo assegurar um direito para a hipótese de ele ser violado.

Basta pensar nos casos em que a caução cautelar pode ser utilizada para assegurar ao

autor a efetividade da eventual (e aí não necessária) tutela ressarcitória, que poderá ser

requerida se o direito (que apenas se teme ver violado) for realmente lesado.

<texto>Da mesma forma que a condenação para o futuro – que, por pressupor a

violação do direito, não tem natureza preventiva (apesar da expressa discordância de

Calamandrei, que afirma que a condenação para o futuro constitui o “caso más notorio”

de tutela preventiva)526 –, a caução que visa a assegurar uma eventual e futura tutela

ressarcitória também não pode deixar de ser diferenciada da tutela inibitória. Tanto a

tutela que visa a assegurar a efetividade da tutela de um direito que já foi violado quanto

a tutela que objetiva assegurar um direito para a hipótese de ele ser violado, têm

natureza acautelatória, ou seja, de segurança que não se dirige a impedir a violação do

direito, mas sim a garantir o direito na suposição de que ele, após ter sido violado,

poderá não ser efetivamente tutelado.

<texto>Lembre-se de que no direito italiano a tutela inibitória passou a ser prestada

sob o manto protetor da tutela cautelar em razão das novas exigências de tutela,527 e não

em virtude de especial disposição legislativa, ou de interpretação doutrinária que tivesse

526

Idem, ibidem, p. 41. 527

Ver Maria Monteleone, Diritto all’immagine e provvedimenti d’urgenza. Foro Italiano, 1978, p. 242 e

ss.

Page 215: Tutela Inibitória - Marinoni

215

enxergado no art. 700 do CPC italiano a base de um princípio geral de prevenção.528

<texto>Se o art. 700 do CPC italiano passou a servir de base, em razão das

necessidades concretas de tutela, à tutela inibitória, isto não quer dizer que a tutela

cautelar, na sua gênese, constituía um gênero a que pertencia a tutela inibitória. Ao

contrário, a tutela cautelar inominada jamais abrangeu a tutela inibitória, até porque

seria contraditório pensar que uma tutela que foi desenhada para ser “instrumento do

instrumento”529 poderia viabilizar a tutela preventiva em um sistema de tutelas finais

que foi construído sobre a idéia de que o direito material só pode ser prevenido em

hipóteses excepcionais.

<texto>Na verdade, é completamente ilógico imaginar que, em um sistema que

trabalha apenas com as sentenças declaratória, constitutiva e condenatória (as quais não

viabilizam a concessão de tutela inibitória), a tutela cautelar – criada para dar

efetividade à jurisdição – poderia ir além da sua função de segurança do processo,

extrapolando dos seus limites para dar tutela ao próprio direito material, e assim tornar

sem sentido a própria “ação principal”. É certo, portanto, que a tutela cautelar, quando

originariamente pensada, não podia se confundir com a tutela inibitória.

<texto>Se essa confusão foi instalada na prática forense em virtude da própria

necessidade de tutela adequada dos direitos, é tarefa da doutrina eliminá-la,

esclarecendo que a tutela inibitória não se identifica com a tutela cautelar, constituindo a

primeira uma forma de tutela que ainda é confundida com a cautelar em razão de a

doutrina não ter separado conceitualmente as noções de prevenção e cautela.

<texto>No Brasil, aliás, diante dos arts. 461 do CPC e 84 do CDC, e assim da

528

Proto Pisani, ao discorrer sobre a “tutela jurisdicional dos direitos da personalidade”, confirma o que

estamos dizendo: “È alla porta di questo art. 700 che hanno finito per bussare tutte quelle situazioni

soggettive nuove, specie di marca non proprietaria ma personalistica, che sono emerse a livello di

disciplina sostanziale a seguito della Costituzione del 1948 e della legislazione ordinaria successiva. Per

questa ragione io spesso – a fronte dei frequenti tentativi di criminalizzare questa norma o comunque di

porla sul banco degli accusati – vado dicendo che essa è la disposizione che ha consentito al nostro

sistema di tutela giurisdizionale complessivamente inteso di superare il vaglio di costituzionalità, in

quanto ha assolto la funzione di munire di tutela urgente tutti quei diritti che – in assenza di azioni

sommarie tipiche – sarebbero stati altrimenti rimessi alla tutela per essi inadeguata del solo processo

ordinario di cognizione” (Andrea Proto Pisani, La tutela giurisdizionale dei diritti della personalità:

strumenti e tecniche di tutela. Foro Italiano, 1990, p. 3). 529

“La tutela cautelar es, en relación al derecho sustancial, una tutela mediata: más que a hacer justicia

contribuye a garantizar el eficaz funcionamento de la justicia. Si todas las providencias jurisdiccionales

son un instrumento del derecho sustancial que se actúa a través de ellas, en las providencias cautelares se

encuentra una instrumentalidad cualificada, o sea elevada, por así decirlo, al cuadrado; son, en efecto, de

una manera inevitable, un medio predispuesto para el mejor éxito de la providencia definitiva, que a su

vez es un medio para la actuación del derecho; esto es, son, en relación a la finalidad última de la función

jurisdiccional, instrumento del instrumento” (Piero Calamandrei, Introduccion al estudio sistematico de

las providencias cautelares, cit., p. 45).

Page 216: Tutela Inibitória - Marinoni

216

evidência da ação inibitória – que é de conhecimento e, portanto, autônoma – constitui

verdadeira heresia continuar confundido tutela cautelar com tutela inibitória. A tutela

inibitória, no Brasil, ao contrário do que acontece na Itália, não precisa ser requerida

com base em uma norma construída para servir de base à tutela cautelar. No Brasil,

assim, justamente porque a inibitória tem endereço nos arts. 461 do CPC e 84 do CDC,

jamais surgirá o problema que aparece na prática italiana quando é requerida tutela

inibitória sob o rótulo de cautelar, e indaga-se, com surpresa, a respeito da sua

instrumentalidade.

<texto>A distinção entre prevenção e cautela, se realizada no direito italiano,

poderia inviabilizar a tutela inibitória sumária atípica na própria ação declaratória;

certamente por isso, ou seja, para não se construir uma teoria contra as próprias

necessidades da vida, é que a doutrina italiana se mantém calada sobre o assunto. No

direito brasileiro, porém, onde estão presentes os instrumentos processuais dos arts. 461

do CPC e 84 do CDC, deve ser prontamente revelado o equívoco da confusão entre a

tutela cautelar e a tutela inibitória, pois somente assim o uso do processo civil será mais

adequado e efetivo.

<texto>Com efeito, a confusão entre tutela inibitória sumária e tutela cautelar

também decorre da exigência prática de tutela inibitória em um sistema de tutelas

fundado sobre o binômio sentença condenatória-execução forçada. Teoricamente, em

um sistema como este, não há lugar para a tutela inibitória atípica sumária, mas apenas

para aquela que deseja garantir a tutela final do direito violado.

<texto>Portanto, a necessidade de separar conceitualmente as tutelas inibitória e

cautelar deriva, de um lado, da evidência da imprescindibilidade da tutela inibitória na

sociedade contemporânea, e, de outro, do surgimento de novas sentenças e meios de

execução, os quais se colocam ao lado das sentenças declaratória, constitutiva e

condenatória (as únicas que eram admitidas pela doutrina), viabilizando, assim, a

concessão de tutelas que antes não podiam ser prestadas, e desta forma uma maior

efetividade ao processo. Ora, se o Código de Processo Civil consagra expressamente as

sentenças mandamental e executiva e a antecipação da tutela (art. 461), há bastante luz

para afirmar, sem medo de errar, que a tutela inibitória deve ser prestada através de ação

inibitória, e assim não pode mais ser confundida com a cautelar.

<texto>Lembre-se, finalmente, de que as tutelas, sejam elas finais ou antecipadas,

devem ser classificadas a partir de sua relação com o plano do direito substancial. Ora,

Page 217: Tutela Inibitória - Marinoni

217

se o nexo de separação-abstração do direito processual do direito material, transmitido

pelo pensamento chiovendiano, pode hoje ser considerado historicamente superado,530

constituindo preocupações da doutrina mais moderna a relativização do binômio direito-

processo e a construção de tutelas jurisdicionais aderentes às diversas necessidades do

direito material, é evidente que as tutelas não mais devem ser classificadas com base em

critérios processuais, como é o da provisoriedade, devendo, sim, merecer atenção o que

as tutelas significam no plano do direito material e na vida das pessoas.

<a>4.3 Tutela inibitória e condenação para o futuro

<texto>É necessário eliminar, ainda, outro equívoco, presente nas doutrinas italiana

e brasileira desde Chiovenda,531 certamente em virtude de pouca ou nenhuma reflexão

sobre o verdadeiro escopo da tutela preventiva.

<texto>Trata-se, em outras palavras, de estabelecer a desejável distinção entre a

condenação para o futuro e a tutela preventiva, demonstrando-se, ainda, que a tutela

inibitória de forma alguma se relaciona com essa modalidade de condenação.

<texto>A condenação para o futuro constitui uma condenação anterior à violação do

direito; no momento em que se pede a condenação para o futuro, ainda não ocorreu a

violação, razão pela qual esta espécie de condenação representa uma exceção à regra de

que a condenação é condicionada a uma violação atual do direito.532 A condenação para

o futuro, em outras palavras, cria antecipadamente um título executivo, ou cria um título

executivo prescindindo da atualidade do inadimplemento.533

<texto>No direito italiano – entre outros casos de condenação para o futuro –, o art.

657 do CPC permite que o locador obtenha, antes do término do contrato, um título

executivo que lhe permita executar o despejo, uma vez escoado o prazo contratual.534

No direito brasileiro, o art. 290 do CPC afirma que “quando a obrigação consistir em

prestações periódicas, considerar-se-ão elas incluídas no pedido, independentemente de

declaração expressa do autor; se o devedor, no curso do processo, deixar de pagá-las ou

530

Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 217. 531

Ver Giuseppe Chiovenda, L’azione nel sistema dei diritti. Saggi di diritto processuale civile, cit., p.

79; Giuseppe Chiovenda, Instituições de direito processual civil, v. 1, cit., p. 191. 532

Ver, neste sentido, Giuseppe Chiovenda, Instituições de direito processual civil, v. 1, cit., p. 191. 533

Andrea Proto Pisani, Lezioni di diritto processuale civile, cit., p. 185. 534

Ver Renata Paolini, Note sulla condanna in futuro. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile,

1976, p. 511 e ss; Andrea Proto Pisani, Lezioni di diritto processuale civile, cit., p. 184.

Page 218: Tutela Inibitória - Marinoni

218

de consigná-las, a sentença as incluirá na condenação, enquanto durar a obrigação”.535

Isto significa que o credor pode obter uma condenação que diga respeito não só às

prestações que vencerem no curso do processo, mas também àquelas que vencerem

posteriormente ao trânsito em julgado da sentença condenatória. Neste caso, ao

contrário do que ocorre no exemplo antes lembrado – em que o locador obtém

antecipadamente o título executivo –, há um inadimplemento em ato; o que importa,

porém, é que a condenação abarca as prestações futuras, em relação às quais ainda não

há qualquer inadimplemento. Como corretamente percebeu Pontes de Miranda, “não

precisa o autor vencedor no litígio intentar ação para haver a condenação no que se vai

vencendo”. O que o autor precisa é exercer a ação executiva da sentença, que vai

nascendo à medida que as prestações se vencem, até que se vença a última prestação

vincenda. A condenação foi quanto ao vencido e ao vincendo. A executabilidade é que

depende de que se vençam as prestações.536

<texto>Argumenta-se, em favor da condenação para o futuro, que é preciso evitar a

multiplicação de ações para cobrar aquilo que é devido periodicamente e, ainda, que a

constituição antecipada do título executivo serve para evitar que a própria efetividade da

tutela jurisdicional seja frustrada em razão do longo espaço de tempo que, na

generalidade dos casos, está presente entre o momento da lesão e o da real e concreta

satisfação do direito.537

<texto>Chiovenda, ao tratar da condenação para o futuro, afirmou que suas

principais vantagens estariam: i) “na necessidade de prevenir o dano que decorreria da

falta de um título executório no momento em que a prestação será devida” e ii) “na

conveniência de evitar processos reiterados para conseguir o que é devido

periodicamente (quota de aluguel, de alimentos, de juros, de rendas), uma vez que haja

razão para supor que esses processos se tornariam, de qualquer forma, necessários:

como quando o devedor se mostra moroso no pagamento de algumas quotas”.538

<texto>O problema é que Chiovenda inseriu a condenação para o futuro entre os

535

A hipótese é semelhante à do art. 644, primeira parte, do CPC italiano, a qual, segundo Proto Pisani,

“in ipotesi di sfratto per morosità, consente al giudice adito di pronunciare ‘decreto d’ingiunzione per

l’ammontare dei canoni scaduti e da scadere fino all’esecuzione dello sfratto’: anche in questo caso la

condanna è richiesta per crediti futuri (...)” (Andrea Proto Pisani, Lezioni di diritto processuale civile, cit.,

p. 184). 536

Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro:

Forense, 1974, v. 4, p. 62. 537

Andrea Proto Pisani, Lezioni di diritto processuale civile, cit., p. 185. 538

Giuseppe Chiovenda, Instituições de direito processual civil, v. 1, cit., p. 191.

Page 219: Tutela Inibitória - Marinoni

219

“processos preventivos”.539 Em um de seus mais importantes trabalhos, encontra-se, de

fato, a afirmação de que “uma prática que remonta à doutrina italiana medieval (in

Mancini, Comm. II n. 99 seg.; Weismann, Feststellungsklage p. 99 seg.) admite os

juízos preventivos, nos quais, por razões especiais, previne-se o dano que derivaria ou

da inútil repetição de ações sucessivas, ou mesmo da falta de um título executivo no

momento do vencimento da obrigação”.540

<texto>Esta afirmação de Chiovenda, entretanto, acabou sendo absorvida e

potencializada pela doutrina de Calamandrei sobre tutela cautelar. Calamandrei, embora

não tenha incluído a condenação para o futuro entre as “providencias cautelares”, ao

diferenciar a tutela cautelar da tutela preventiva acabou concluindo que a condenação

para o futuro constitui o “caso más notorio” de tutela preventiva. É necessário

transcrever a passagem da obra de Calamandrei que espelha o que acabamos de dizer:

“Es preciso no establecer confusión entre tutela preventiva y tutela cautelar: conceptos

distintos, aunque entre ellos pueda existir la relación de género a especie. En ciertos

casos, también nuestro sistema procesal admite que el interés suficiente para invocar la

tutela jurisdiccional pueda surgir, antes de que el derecho haya sido efectivamente

lesionado, por el solo hecho de que la lesión se anuncie como próxima o posible: en

estos casos, la tutela jurisdiccional, en lugar de funcionar con la finalidad de eliminar a

posteriori el daño producido por la lesión de un derecho, funciona a priori con la

finalidad de evitar el daño que podría derivar de la lesión de un derecho de la que existe

la amenaza todavía no realizada. Se habla en estos casos, en contraposición a la tutela

sucesiva o represiva, de tutela jurisdiccional preventiva, en la cual el interés en obrar

surge no del daño sino del peligro de un daño jurídico: el caso más notorio de este tipo

de juicios preventivos se tiene en la figura de la condena en futuro”.541

<texto>Se a condenação para o futuro objetiva garantir maior tempestividade à

satisfação do direito violado,542 Calamandrei, ao falar de condenação para o futuro,

evidentemente não está pensando em tutela preventiva, mas sim em uma tutela que

garante antecipadamente ao credor, para a hipótese de violação do direito, a

539

Ver Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 189. 540

Giuseppe Chiovenda, L’azione nel sistema dei diritti. Saggi di diritto processuale civile, cit., p. 79. 541

Piero Calamandrei, Introduccion al estudio sistematico de las providencias cautelares, cit., p. 40-41. 542

Como diz Massimo D’Antona, “il contenuto essenziale della condanna in futuro sta nella

precostituzione del titolo esecutivo giudiziale, idoneo a garantire la massima tempestività della

soddisfazione coattiva ...” (Massimo D’Antona, La reintegrazione nel posto di lavoro (art. 18 dello

Statuto dei Lavoratori), Padova: Cedam, 1979, p. 161). Ver, no mesmo sentido, Renata Paolini, Note

sulla condanna in futuro. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1976, p. 526.

Page 220: Tutela Inibitória - Marinoni

220

possibilidade de acesso imediato à via executiva, a qual, sem dúvida alguma, só pode

exercer função “repressiva”, para utilizarmos a própria terminologia do grande mestre

italiano.

<texto>Uma técnica processual que permite, antes da violação do direito, a

possibilidade de acesso imediato à via (art. 475-J e ss. do CPC) que implementa a tutela

repressiva – isto é, a tutela que supõe a violação do direito – está muito longe de conter

qualquer resquício ou vestígio de preventividade. É preciso que reste claro, com efeito,

que a condenação para o futuro, ainda que admitida antes da violação do direito, é

concedida para o caso de violação, ou seja, para atuar depois que o direito foi lesado, e

não para impedir sua lesão. Como é óbvio, é neste sentido que se diz que a condenação

para o futuro não exerce verdadeira função preventiva, uma vez que a preocupação com

a prevenção, aqui, exige que se pense em tutela efetivamente capaz de impedir a

violação do direito.

<texto>A doutrina chiovendiana e mesmo a doutrina pós-chiovendiana não

compreendiam bem a função que deve ser exercida pela tutela preventiva. Isto porque

esta doutrina estava sob a influência dos princípios do Estado liberal e, principalmente,

atenta às necessidades de se manter o juiz sem poder de imperium e o Estado sem

interferir nas relações privadas.

<texto>É importante lembrar, nesta linha, que a própria doutrina francesa chegou a

afirmar que a astreinte invoca o papel que era reservado ao pretor romano543 e que,

portanto, faria surgir um juiz que não seria aquele que melhor se adaptaria ao princípio

da separação dos poderes. Com efeito, Henri Mazeaud, Léon Mazeaud e André Tunc,

tratando da justificação da astreinte, lembram que parte da doutrina enxergou na

possibilidade do seu emprego a consagração dos princípios do direito romano e do

antigo direito francês sobre o papel do juiz; “ao lado de seu poder de jurisdictio, o juiz é

revestido de imperium, o que lhe dá o direito de determinar as injunctions e de penalizar

aqueles que a elas não se submetem; este é o real papel da astreinte”. Advertem, porém,

que outra parcela da doutrina objetou dizendo que o poder do juiz não poderia ser visto

desta forma e que o princípio da separação dos poderes dele retirou todo o poder de

543

“Par sa nature, la théorie des astreintes se rattache à la matière des voies d’exécution: si ce n’est pas à

proprement parler une voie d’exécution, c’est tout au moins un moyen indirect d’assurer l’exécution d’un

jugement. En s’en servant, les juges font usage, non de leur jurisdictio, mais de leur imperium” (Georges

Ripert e Jean Boulanger, Traité de droit civil, cit., p. 591).

Page 221: Tutela Inibitória - Marinoni

221

imperium.544

<texto>Se na concepção da doutrina clássica o juiz não podia ter poder para impor

algo similar às astreintes para obrigar alguém a não fazer, até porque tal atividade

fugiria do papel que se esperava ver cumprido por um juiz que deveria ser o espelho de

um Estado que não podia interferir nas relações privadas, a doutrina não tinha condições

de sequer pensar em uma tutela jurisdicional realmente preventiva.

<texto>Isto tudo reflete-se, por exemplo, na famosa obra L’interesse ad agire, de

Attardi, onde o professor italiano, ao analisar a possibilidade de uma “condenação para

o futuro” no campo das obrigações negativas, e depois de afirmar que a lei não prevê o

uso da força ou “uma execução forçada da obrigação de abstenção”, chega à conclusão

de que é de se excluir uma forma de realização coativa dos direitos de conteúdo

negativo.545

<texto>De qualquer forma, a idéia que foi plantada por Chiovenda e difundida por

Calamandrei, no sentido de que a condenação para o futuro tem natureza preventiva,

continua a disseminar-se. Apenas para demonstrar como as doutrinas dotadas de

autoridade se espalham sem muita reflexão, é oportuno lembrar que Massimo

D’Antona, ao tratar de uma recente e polêmica questão envolvendo a condenação para o

futuro no direito italiano, volta a incidir no velho equívoco, ao dizer, sem qualquer

constrangimento, que “o fato que a condenação seja dissociada da violação atual do

direito, comprova a sua função tipicamente preventiva, ao lado da ordem de

reintegração: esta responde ao interesse do trabalhador de ‘encontrar-se já in executivis

no momento em que a prestação for devida’”.546

<texto>Barbosa Moreira, ao tratar da tutela preventiva no direito brasileiro, de certa

maneira acabou reproduzindo o problema que teve origem na doutrina italiana, ao

enxergar no antigo art. 287, especificamente no tocante às obrigações de não fazer,

“base sólida” para a condenação para o futuro, isto é, para a “condenação anterior à

lesão”.547 Eis o que diz Barbosa Moreira: “Que dizer da condenação para o futuro, isto

é, da condenação anterior à lesão? Sua possibilidade, em certos casos, é inequívoca no

sistema do Código: assim, quanto às relações jurídicas sujeitas a condição ou termo, ela

544

Henri Mazeaud, León Mazeaud e André Tunc, Traité théorique et pratique de la responsabilité civile

délictuelle et contractuelle, v. 3, cit., p. 640-641. 545

Aldo Attardi, L’interesse ad agire. Padova: Cedam, 1958, p. 116-117. 546

Massimo D’Antona, La reintegrazione nel posto di lavoro, cit., p. 161-162. 547

José Carlos Barbosa Moreira, Tutela sancionatória e tutela preventiva. Temas de direito processual,

Segunda série, cit., p. 27.

Page 222: Tutela Inibitória - Marinoni

222

resulta inquestionavelmente do disposto no art. 572; e no tocante às obrigações de não

fazer, o art. 287 parece ministrar-lhe base sólida. Há quem acrescente a hipótese das

prestações periódicas vincendas, com invocação do art. 290”.548

<texto>Para se admitir como válida a construção de Barbosa Moreira – uma vez que

esse ilustre autor não deve estar pensando em uma condenação para o futuro que

viabilize a execução forçada daquilo que não deveria ter sido feito –, é necessário

raciocinar no sentido de que a condenação não é caracterizada por sua necessária

correlação com a execução forçada, e que a sentença condenatória, portanto, pode

constituir-se em uma ordem sob pena de multa. Essa espécie de sentença, entretanto,

segundo a própria doutrina que construiu o conceito de sentença condenatória, não pode

ser definida como condenatória.549 Tal sentença é, indiscutivelmente, mandamental, e

assim inconfundível com a condenação para o futuro.

<texto>Frise-se que a condenação para o futuro, embora prestada antes da violação

do direito, é concedida para a hipótese de o direito ser violado. Ou seja, quem pede

condenação para o futuro aceita a possibilidade de ter o direito violado, uma vez que

tem interesse apenas em formar antecipadamente o título executivo, o que desde logo

permitirá a instauração da execução, abreviando-se o tempo para a satisfação do direito

lesado. Ao contrário, quem deseja impedir a violação do direito, somente pode pedir

tutela jurisdicional que atue antes da lesão. Neste caso, a tutela jurisdicional cabível é a

inibitória, e não a condenação para o futuro. Barbosa Moreira, portanto, jamais poderia

ter incluído a tutela das obrigações de não-fazer dentro da categoria da condenação para

o futuro.

<texto>Note-se que Proto Pisani conseguiu perceber a diferença entre a condenação

para o futuro e a tutela inibitória, demonstrando a função repressiva da primeira: “O

problema da admissibilidade da condenação para o futuro é um problema diferente

daquele da admissibilidade, ou não, da tutela inibitória geral: contrariamente à

inibitória, a condenação para o futuro possui uma função que pode ser qualificada como

preventiva somente se a este termo for dado um significado muito amplo; o que de fato

a condenação para o futuro objetiva prevenir não é tanto a violação quanto a diferença

temporal entre o momento da violação e possibilidade de instaurar a execução forçada;

assim parece mais correto inserir tal tipo de condenação entre as hipóteses em que a

548

Idem, ibidem, p. 27-28. 549

Piero Calamandrei, La condanna. Opere giuridiche, v. 5, cit., p. 493 e ss; Enrico Tullio Liebman,

Manuale di diritto processuale civile, v. 1, cit., p. 145 e ss.

Page 223: Tutela Inibitória - Marinoni

223

condenação cumpre uma função repressiva”.550

<texto>A confusão que se faz entre tutela preventiva e condenação para o futuro é

resultado da falta de reflexão sobre o real objetivo da tutela de prevenção e, por que não

dizer, do descaso com a tutela dos direitos não patrimoniais, fruto de uma ideologia que

não leva em consideração a necessidade de tutela efetiva de direitos que, ainda que

vitais dentro do contexto do Estado contemporâneo, podem ser transformados pelo

inadimplente em simples pecúnia. Perceba-se, com efeito, que a condenação para o

futuro é plenamente adequada à tutela dos direitos patrimoniais; pense-se, apenas, nos

exemplos que são fornecidos pela doutrina que trata desta modalidade de condenação.

<texto>Observe-se que tudo isso, ou seja, a demonstração de como a doutrina

acabou na realidade confundindo tutela preventiva com condenação para o futuro,

também serve para evidenciar que a doutrina clássica não tinha muita noção do que

falava quando estudava tutela cautelar. Ora, se a doutrina não conseguia perceber – por

estar cegada por uma ideologia comprometida com um modelo institucional de Estado

de Direito de matriz liberal – a diferença entre tutela preventiva e condenação para o

futuro, ela não podia conceber uma tutela inibitória contraposta à tutela cautelar, nem

muito menos perceber a nítida distinção que há, por exemplo, entre o arresto e a tutela

inibitória que impede a violação do meio ambiente.

<texto>É certo que essa argumentação não tem qualquer relação com o que foi dito

a respeito da posição de Barbosa Moreira, uma vez que o professor da Universidade do

Estado do Rio de Janeiro revela, no ensaio que foi referido, uma grande sensibilidade

para a necessidade de se conferir tutela efetiva e adequada aos direitos não patrimoniais.

O que desejamos deixar claro, no que concerne à posição desse ilustre processualista, é

que a tutela inibitória não pode ser inserida entre as hipóteses de condenação para o

futuro e – o que é mais importante – que é chegado o momento não só de pensar em

novas sentenças, mas sobretudo de classificar os efeitos destas sentenças diante da vida

dos direitos, isto é, de uma classificação preocupada com os reais resultados do

processo em face do direito material, o que corresponde a uma classificação das

tutelas.

550

Andrea Proto Pisani, Lezioni di diritto processuale civile, cit., p. 184. No mesmo sentido, Cristina

Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 215.

Page 224: Tutela Inibitória - Marinoni

224

<titpart>PARTE 2

<titpart>SENTENÇA E TUTELA

INIBITÓRIA

<tit>1

<tit1>CONSIDERAÇÕES INICIAIS

<texto>A sentença condenatória, por se ligar à execução por sub-rogação, não deve

ser confundida com as sentenças dos arts. 287 e 461; na verdade, nem mesmo o antigo

art. 287 poderia ter chamado de condenatória a sentença nele prevista.

<texto>Também no direito italiano não se encontra um uso unívoco da palavra

condenação.551

Considerando a grande influência que o direito italiano teve e tem sobre

o direito brasileiro, pareceu-nos necessário investigar a existência de uma definição

legislativa de sentença condenatória na Itália. Encontramos, porém, normas que –

referindo-se à sentença – utilizam expressões que não têm qualquer relação com a

sentença condenatória, aproximando-se da sentença mandamental, e outras normas que

– embora nada expressando de relevante – admitem formas de sentença que não têm

qualquer semelhança com a condenação, compreendida em sua acepção clássica, de

sentença correlacionada com a execução por sub-rogação.

<texto>É interessante ressaltar, por exemplo, que o art. 949 do CC italiano, ao

disciplinar a “azione negatoria”, diz que o proprietário, em caso de turbação ou

molestamento, pode requerer que seja ordenada a cessação, além da condenação ao

ressarcimento do dano (“se sussistono anche turbative o molestie, il proprietario può

chiedere che se ne ordini la cessazione, oltre la condanna al risarcimento del danno”).

<texto>Note-se que, nesse caso, o legislador italiano falou de ordem e condenação

na mesma norma, o que sugere que a ordem não se amolda ao conceito de condenação,

551

Ver Sergio Chiarloni, Misure coercitive e tutela dei diritti, cit., p. 149 e ss.

Page 225: Tutela Inibitória - Marinoni

225

tal como concebido pelos próprios criadores da classificação trinária das sentenças. 552

<texto>Além disso, há vários casos em que a sentença, por se ligar à multa

pecuniária, não pode ser definida como título executivo, a teor do art. 474 do CPC

italiano. Lembre-se, apenas como exemplo, da norma que permite ao juiz fixar uma

soma para inibir ulteriores violações ao direito à marca.

<texto>O uso equivocado da palavra condenação nos sistemas italiano e brasileiro

não apenas autoriza, mas verdadeiramente obriga o intérprete a buscar os elementos de

que os doutrinadores clássicos se valeram para conceituar condenação553 e, mais do que

isso, as razões culturais escondidas atrás das formulações da doutrina, até porque a

história do processo não é apenas a história das doutrinas, mas sobretudo a história das

ideologias jurídicas. 554

<texto>Nesta parte do trabalho analisaremos os elementos do conceito clássico de

condenação, as diversas razões que contribuíram para a formação deste conceito, a

chamada “crise da sentença condenatória” e a tentativa de reconstrução de seu conceito

na Itália, para finalmente tentarmos definir a natureza da sentença concessiva da tutela

inibitória.

552

Montesano – um dos maiores estudiosos da sentença condenatória na Itália – confessa que a

condenação não se amolda a determinadas tutelas do Código Civil italiano: “Invero il c.c esclude ogni

definizione di condanna quando prevede tutele giurisdizionali dirette al compimento di doveri diversi

dalle obbligazioni civili. Ad esempio, non parla mai di condanna per la rivendica e per le altre azioni

dirette alla soddisfazione di diritti reali. Significativa è tra l’altro la differenza, nell’art. 949 comma 2o.

c.c., tra il cosiddetto ordine di cessare dalle turbative o molestie e la condanna al risarcimento del danno.

Non meno significativa è l’assenza della parola ‘condanna’ negli artt. 2.930, 2.931 e 2.933 c.c., dedicati

all’esecuzione forzata di obblighi che, come si vedrà, non sono obbligazioni civili ...” (Luigi Montesano,

Le tutele giurisdizionali dei diritti. Bari: Cacucci, 1981, p. 108). 553

O conceito de sentença condenatória, como reconhece a própria doutrina italiana, é um “concetto di

elaborazione esclusivamente scientifico-dottrinale” (Girolamo Monteleone, Spunti per una revisione del

concetto di sentenza di condanna come titolo esecutivo. Processo e tecniche di attuazione dei diritti.

Napoli: Jovene, 1989, p. 176). Ver, ainda, Sergio Chiarloni, Misure coercitive e tutela dei diritti, cit., p.

149 e ss. 554

Como escreve Denti, “tracciare la storia della giustizia civile significa anche ripercorrere la storia della

cultura processuale, che non è soltanto storia delle dottrine, ma anche delle ideologie giuridiche” (Vittorio

Denti, La giustizia civile. Bologna: Il Mulino, 1987, p. 32).

Page 226: Tutela Inibitória - Marinoni

226

<tit>2

<tit1>O ESCOPO REPRESSIVO

DA SENTENÇA CONDENATÓRIA

<texto>Em um primeiro momento, como é sabido, a jurisdição foi concebida como

função voltada à tutela dos direitos subjetivos privados. Essa função era nitidamente

repressiva, ou seja, dirigida a garantir a reparação do direito subjetivo violado.

<texto>Há, entretanto, nessa concepção de jurisdição, uma forte influência dos

valores do Estado liberal.555 A tendência em privilegiar os valores da liberdade

individual em relação aos poderes de intervenção estatal não permitiu o surgimento de

uma função jurisdicional preventiva. Se o valor que deveria ser preservado era a

liberdade individual, com a proibição de o Estado interferir na vida dos cidadãos,

qualquer ingerência sua nas relações entre os particulares sem que houvesse sido

violado um direito seria vista como um atentado à liberdade individual.

<texto>Pesquisando-se a doutrina do final do século XIX, encontra-se o célebre

Programma del corso di diritto giudiziario civile, publicado em 1884 por Giuseppe

Manfredini. Referindo-se aos princípios que informavam a “procedura civile”, destaca

Manfredini o princípio político, que sintetizaria a necessidade de se conferir aos direitos

privados a máxima garantia social com o mínimo sacrifício de liberdade individual.

Vale a pena registrar passagens da obra de Manfredini que refletem com muita clareza a

presença dos valores liberais no pensamento da doutrina pré-chiovendiana: “A base da

‘procedura’ é a pesquisa do melhor caminho para se chegar à conservação e ao exercício

dos direitos, essa portanto não deve de nenhum modo sacrificar, sem necessidade, o

maior dos direitos humanos, a liberdade (...) A liberdade pode ser ofendida na

‘procedura’ com qualquer preceito e proibição que não seja nem necessário nem útil

para a boa administração da justiça, e, pior ainda, que lhe seja danoso ou perigoso (...)

Tenha-se presente para aplicá-lo em outras ocasiões, que cada restrição à liberdade do

555

Cf. Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 16.

Page 227: Tutela Inibitória - Marinoni

227

indivíduo é superior ao poder de todas as leis positivas humanas, e que

conseqüentemente também a lei de ‘procedura’ deve respeitar este limite”. 556

<texto>Os valores do direito liberal, de fato, tiveram grande contribuição para o

surgimento da concepção de jurisdição como função voltada a garantir a reparação do

direito subjetivo violado.

<texto>Tal concepção de jurisdição é ligada, como se sabe, a uma noção de ação

nitidamente dependente do direito material. O conceito de jurisdição do final do século

XIX reflete uma visão privatista do processo, ao qual é atribuída uma posição de nítida

subordinação ao direito material. Não havia, nesta época, uma adequada separação entre

o direito material e o direito processual; daí porque não se conferia autonomia ao direito

de ação. 557

<texto>Ora, o fato de a jurisdição não estar autorizada a agir preventivamente e a

inexistência de dissociação entre o direito material e o direito processual somente

poderiam levar à conclusão de que o direito de ação surge com a violação do direito

material. 558

<texto>O conceito de violação do direito, com efeito, também esteve na base da

noção de interesse de agir. Essa relação somente é quebrada com a teorização da ação

declaratória, 559 que, por ser admitida independentemente da violação do direito, faz

aparecer um interesse de agir completamente desligado da lesão ao direito. 560

<texto>O surgimento da teoria de Chiovenda a respeito da jurisdição e da ação

permite que seja definitivamente encontrado o lugar da violação do direito em face do

556

Giuseppe Manfredini, Programma del corso di diritto giudiziario civile. Padova: Premiata Tipografia

Edit. F. Sacchetto, 1884, p. 43-44. Tradução livre. 557

Cf. Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 22. 558

Segundo Rapisarda, “l’identificazione dell’azione con il diritto sostanziale sottostante implicava, cioè,

la perfetta coincidenza tra il sorgere del diritto di azione ed il verificarsi del momento patologico della

violazione o della lesione del diritto soggettivo materiale, prima della quale esisteva solo il diritto

sostanziale, in regime di pacifico godimento” (Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria,

cit., p. 23). 559

Cabe lembrar que o Código de Processo Civil italiano de 1865 não apenas suprimiu os chamados

“giudizi di giattanza”, mas também permitiu a conclusão – a partir do art. 36, que afirmava que “per

proporre una domanda e per contraddire alla stessa è necessario avervi interesse” – de que estaria preclusa

a possibilidade do uso da ação declaratória. Entretanto, a melhor doutrina, capitaneada por Chiovenda,

acabou convencendo os tribunais a admitirem a ação declaratória, ficando claro que o interesse de agir

que dá origem à ação declaratória não se confunde com o interesse que abre margem à ação condenatória

(ver Pier Luigi Falaschi, Certezza del diritto e accertamento preventivo: prospettive storiche e

comparatistiche, Il diritto dell’economia. Rivista di Dottrina e Giurisprudenza, 1963, p. 609). Sobre os

“giudizi di giattanza”, ver Angelo Olivieri, Giattanza (Giudizio di). Digesto Italiano, v. 12, p. 235 e ss;

Pier Luigi Falaschi, Giattanza (Giudizio di). Novissimo Digesto Italiano, 1961, v. 7, p. 836 e ss. 560

Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 28.

Page 228: Tutela Inibitória - Marinoni

228

interesse de agir. O início do século XX, especialmente o ano de 1903, é marcado pela

famosa “prolusione” de Chiovenda561 sobre a ação,

562 que assinala o surgimento da

chamada visão publicista do processo.563

<texto>O abandono do antigo conceito privatista de processo e a necessidade de

demonstração de que a ação não se confunde com o direito material tiveram importante

papel para a identificação de um fim preventivo na ação declaratória. 564

<texto>A teoria chiovendiana, preocupada em demonstrar a autonomia da ação em

relação ao direito material, encontrou na ação declaratória um ponto favorável para a

consecução de seu objetivo. É sabido que Chiovenda discordou da teoria de Redenti

sobre o fim sancionatório da justiça civil, exatamente porque, ao aceitar a tese de Wach,

que demonstrava uma relação teórica entre a autonomia do direito de ação e a ação

declaratória, concluiu que a ação declaratória não supõe a violação de um direito e não

tem por fim aplicar uma sanção. 565 A ação declaratória, além de permitir a

demonstração da autonomia da ação, separa, definitivamente, a ação da violação do

direito. É necessário recordar as palavras ditas por Chiovenda na “prolusione” lida na

Universidade de Bolonha em 3 de fevereiro de 1903: “É verdade que a ação pode ser

coordenada à satisfação de um direito subjetivo, mas não necessariamente. Aqui

interessa expor sumariamente os casos nos quais o poder de pedir a atuação da lei

aparece coordenado a um simples interesse, portanto como um direito em si mesmo,

independente de algum outro direito (...) O mesmo ocorre nas ações declaratórias

positiva e negativa, admitidas também em nossa lei, seja em casos particulares, seja

como figura geral, em virtude do art. 36 do CPC, e que constituem figuras distintas seja

dos ‘giudizi preventivi’, seja dos abolidos ‘giudizi di giattanza’. Quando alguém pede

que se declare a existência de uma relação jurídica, sem aspirar a outros efeitos

jurídicos, que não aqueles imediatamente derivados da declaração, não afirma algum

direito subjetivo contra o adversário que não o próprio direito de ação, coordenado a um

interesse de declaração; qualquer tentativa de dar um outro conteúdo a este direito é

inútil, porque precisamente a declaração judicial a que se tende não é prestação que se

561

Ver Giuseppe Chiovenda, L’azione nel sistema dei diritti. Saggi di diritto processuale civile. Roma:

Società editrice Foro Italiano, 1930, p. 3 e ss. 562

Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 51. 563

Embora Lodovico Mortara já houvesse proposto uma concepção de jurisdição como função voltada à

defesa do direito objetivo (ver Commentario del Codice e delle leggi di procedura civile. Milano:

Vallardi, 1923, p. 18 e ss). 564

Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 52-53. 565

Idem, ibidem, p. 52-53.

Page 229: Tutela Inibitória - Marinoni

229

possa pretender do réu. E isto por razões mais fortes, quando a ação é coordenada a um

interesse de declaração negativa, isto é, à declaração da não existência de uma relação

jurídica”.566

<texto>Porém, a doutrina chiovendiana, embora desvinculando a ação da violação

do direito, continuou a estabelecer uma relação entre a violação do direito e o interesse

de agir na sentença condenatória. Eis o que diz Chiovenda em suas Instituições:

“Questão muito agitada outrora foi a de se, para haver ação, será necessária uma

violação da vontade da lei que garanta um bem ao autor, isto é, uma lesão do direito. Há

que resolvê-la diversamente, ao talante da vária natureza das sentenças. No campo das

sentenças de condenação, pode resolver-se, em regra, afirmativamente”. 567

<texto>Para Chiovenda, como está claro, a violação do direito seria requisito da

condenação apenas em alguns casos. Em outros – os de condenação para o futuro –, a

sentença condenatória poderia ser proferida independentemente da lesão: “Nem

sempre, porém, a sentença de condenação se condiciona a uma violação, e ainda menos

a uma violação atual, do direito; isso acontece, como dissemos, somente em regra.

Casos há em que se pode agir por uma prestação ainda não devida, e que só será

devida depois da condenação, pelo que não há nenhuma violação do direito no

momento da sentença”. 568

<texto>Lembre-se de que Chiovenda sustentou a natureza preventiva da condenação

para o futuro. Entretanto, se é certo – como dizia Chiovenda – que no momento da

sentença de condenação para o futuro ainda não há violação do direito, não é correto

supor que tal sentença exerça função preventiva. A sentença, embora proferida

antecipadamente, deve atuar após a violação do direito, tendo por escopo, portanto,

tutelar o direito violado, e não prevenir o ilícito.

<texto>Na verdade, a posição de Chiovenda, no sentido de que a condenação para

o futuro tem natureza preventiva, apenas reforça o caráter nitidamente repressivo da

condenação, uma vez que a sentença condenatória é proferida antecipadamente em vista

de uma eventual lesão a direito que não se objetiva evitar, mas apenas reparar.

<texto>Carnelutti, no que diz respeito ao fim da sentença condenatória, não assumiu

posição diferente a de Chiovenda. Carnelutti viu na condenação, inicialmente, a 566

Giuseppe Chiovenda, L’azione nel sistema dei diritti. Saggi di diritto processuale civile, cit., p. 16.

Tradução livre. 567

Giuseppe Chiovenda, Instituições de direito processual civil, v. 1, cit., p. 185-186. 568

Idem, ibidem, p. 191.

Page 230: Tutela Inibitória - Marinoni

230

declaração de um ilícito, 569 tendo mais tarde mudado de opinião em razão de críticas

apresentadas à sua teoria por Liebman. 570

<texto>Liebman, ao criticar o primeiro posicionamento de Carnelutti – que anularia

a distinção entre sentença declaratória e sentença condenatória, 571 já que a sentença

condenatória, como definida por Carnelutti, seria apenas uma espécie de sentença

declaratória572 –, afirma: “Por outro lado, aquela explicação suprime qualquer diferença

real entre as duas espécies de sentenças, quando a verdade é muito diferente: a

declaratória contenta-se com verificar como estão as coisas, ao passo que a

condenatória, além disso, visa as conseqüências do ato ilícito pelo qual é responsável o

réu. É uma simples verdade que a condenação prepara a execução”. 573

<texto>Carnelutti, após as ponderações de Liebman, chega à seguinte conclusão: “a

condenação não é outra coisa que não a declaração de um fato jurídico, pelo qual

alguém (o condenado) deve ser sujeitado a uma sanção; está em tal declaração a

preordenação do processo de conhecimento ao processo executivo; porque, de outra

parte, a sujeição à sanção se resolve na responsabilidade, a condenação, por sua vez,

resolve-se na declaração da responsabilidade”. 574

<texto>Carnelutti admite expressamente os motivos pelos quais deixou de falar em

“accertamento di un illecito” para passar a falar em “accertamento della responsabilità”:

“Porque normalmente a responsabilidade deriva de um ato ilícito, eu defini a

condenação, em um primeiro momento, como declaração de um ilícito (Lezioni di

diritto processuale civile, cit., v. 2, p. 28); mais tarde, após as objeções de Liebman (Le

opposizioni di merito nel processo di esecuzione, Roma, Soc. ed. del Foro italiano,

1931), substitui a declaração de ato ilícito pela declaração de responsabilidade (Titolo

569

Francesco Carnelutti, Lezioni di diritto processuale civile. Padova: Cedam, 1931, v. 2, p. 28. 570

Enrico Tullio Liebman, Le opposizioni di merito nel processo di esecuzione. Foro Italiano, 1931, p.

143 e ss. 571

“Por isso, entenderam outros que a diferença está não na própria sentença, mas em seu objeto, isto é,

na qualidade da relação jurídica controvertida: quando a sentença tiver por conteúdo a declaração da

existência de direito a uma prestação e da falta de seu cumprimento – ou, com fórmula mais breve e

eficaz, da existência de um ato ilícito (Carnelutti), então a sentença seria condenatória. Esta não seria,

pois, senão um caso especial e qualificado de sentença declaratória e propriamente aquela que tiver por

efeito criar a certeza da existência daquele que, como vimos acima, é justamente o pressuposto prático da

execução” (Processo de execução, cit., p. 14). 572

Recorde-se, contudo, que Liebman admitiu que a sentença de condenação não seria diferente da

sentença de declaração no plano substancial (Le opposizione di merito nel processo d’esecuzione, cit., p.

129). 573

Enrico Tullio Liebman, Processo de execução. São Paulo: Saraiva, 1968, p. 15. 574

Francesco Carnelutti, Diritto e processo. Napoli: Morano, 1958, p. 49-50. Tradução livre.

Page 231: Tutela Inibitória - Marinoni

231

esecutivo. Studi di diritto processuale, cit., IV, p. 118, nota 1; conf. Sistema di diritto

processuale civile, cit., I, p. 138; Istituzioni del processo civ. it., cit., I, p. 35)”. 575

<texto>Não importa aqui demonstrar qual das teorias é a mais adequada, se a de

Liebman ou a de Carnelutti, 576 mas deixar claro que ambas partem da premissa de que

a condenação pressupõe um direito violado. 577 Enquanto Carnelutti frisa a declaração

da responsabilidade, deixando transparecer claramente que a condenação pressupõe a

violação do direito, Liebman afirma que a condenação “é o ato que aplica, impõe,

determina in concreto a sanção que o transgressor deverá sofrer pelo ato cometido”.

578

<texto>Para demonstrar, em definitivo, a natureza repressiva da sentença

condenatória, nada melhor do que o registro da seguinte passagem da doutrina de

Micheli: “O sujeito que recorre ao juiz para pedir-lhe a atuação de um tipo de tutela

jurisdicional não se limita normalmente a pedir a mera declaração, mas solicita qualquer

coisa a mais: precisamente o meio para restabelecer efetivamente o equilíbrio jurídico

violado, com a remoção das conseqüências da violação do direito. Tal meio é oferecido

pelo remédio da sentença condenatória, mediante a qual o juiz, uma vez declarada a

violação de um direito, não apenas reafirma in concreto o comando abstrato da lei, mas

atribui àquele a favor do qual a tutela deve ser concedida o instrumento para obter

eventualmente a realização prática da sua pretensão, reconhecida fundada, ainda contra

a vontade e de qualquer forma independentemente da vontade da outra parte”. 579

<texto>É importante deixar claro que a elaboração dogmática da sentença

575

Francesco Carnelutti, Diritto e processo, cit., p. 50, nota 2. Tradução livre. 576

Liebman lembra que Carnelutti completou a definição que havia dado anteriormente à sentença

condenatória (declaração de ato ilícito), acrescentando a declaração da sanção a que o réu deve ser

submetido (Rivista di Diritto Processuale Civile, 1931, p. 316). Argumenta, contudo, que a declaração da

sanção não é suficiente e a sentença é, nesta parte, constitutiva; antes de sua prolação não falta só a

certeza, como até a existência da situação jurídica que habilita à execução (Enrico Tullio Liebman,

Processo de execução, cit., p. 16, nota 12). 577

“La concezione della condanna come tutela repressiva esprime il punto di vista più diffuso tra la

dottrina processualistica tradizionale. È infatti comune, nella delimitazione dell’interesse a proporre

l’azione di condanna, il riferimento ad una fattispecie già attuale di violazione del diritto posto a

fondamento della domanda. Tale indicazione proviene anche dal secondo grande indirizzo interpretativo

in materia di definizione della condanna, che si fonda, anziché sul collegamento con l’applicazione della

sanzione, sul particolare oggetto della tutela. Si pensi, in particolare, all’ultima teoria carneluttiana della

condanna come accertamento di responsabilità, che pone in luce l’idoneità della tutela ad

intervenire unicamente dopo il compimento della lesione, ed anche alla teoria del Garbagnati, che fa

consistere l’oggetto della condanna nell’accertamento di un diritto soggettivo insoddisfatto” (Cristina

Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 188-189). 578

Enrico Tullio Liebman, Processo de execução, cit., p. 16. 579

Gian Antonio Micheli, Corso di diritto processuale civile, cit., p. 47-48. Tradução livre.

Page 232: Tutela Inibitória - Marinoni

232

condenatória não teve qualquer preocupação com a prevenção do ilícito, mas apenas

com a necessidade de reparação do direito violado.

<texto>A função preventiva ficou reservada à ação declaratória. Note-se, porém,

que um remédio preventivo que atua no plano normativo, regulando apenas

formalmente as relações privadas, sem incidir concretamente na realidade social, é o

reflexo de um Estado ainda marcado pela idéia de não intervenção na “vida privada”. Se

a sentença (declaratória) se limita a analisar a regularidade de uma relação jurídica já

formada e determinada pela vontade individual, resta intacta a esfera da liberdade

individual, respeitando-se os valores do Estado liberal. 580

<texto>A sentença declaratória, porém, ao mesmo tempo em que não interfere nas

relações privadas, não permite que seja inibida a prática do ilícito, deixando uma série

de direitos – de grande importância dentro do contexto do Estado contemporâneo – sem

resposta jurisdicional adequada e efetiva.

580

É nesse sentido a argumentação de Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 67 e

ss. Ver, também, Piero Calamandrei, Istituzioni di diritto processuale civile. Padova: Cedam, 1944, parte

1, p. 71 e ss.

Page 233: Tutela Inibitória - Marinoni

233

<tit>3

<tit1>A SENTENÇA CONDENATÓRIA

E A SUA CORRELAÇÃO COM

A EXECUÇÃO FORÇADA

<texto>A doutrina afirma que a sentença de condenação e a sentença constitutiva

equivalem, antes e acima de tudo, a sentenças de declaração, já que a sentença, em

todos os casos, deve declarar a existência do direito.581 A sentença de condenação,

contudo, conteria um plus em relação à sentença declaratória. Lembre-se, nesse sentido,

que Chiovenda afirmou que a sentença condenatória gera uma ordem destinada aos

órgãos encarregados da execução e, nesse aspecto, afasta-se da sentença declaratória,

582 enquanto Calamandrei entendeu que a função específica da condenação é a de

transformar a obrigação em sujeição, 583 discordando de Liebman, para quem a

condenação caracteriza-se por aplicar a sanção. 584

<texto>Para Liebman, a sentença condenatória tem duplo conteúdo e dupla função:

declara o direito existente e, além disso, “faz vigorar para o caso concreto as forças 581

Cf. Giuseppe Chiovenda, Instituições de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 1965, v. 1, p.

182-3. 582

“Historicamente, a sentença nasce como preparação à execução, como sentença de condenação. Ou

seja: a verificação do direito surge como um incidente no curso da atuação do direito. Com o tempo, a

verificação adquire importância em si, conforme vimos e conforme veremos melhor em seguida. Duas

funções, portanto, podem assistir à verificação: a) tornar certo o direito, com todas as vantagens

decorrentes diretamente dessa certeza; b) preparar a execução, formando a convicção dos órgãos do

Estado sobre a ulterior atuabilidade do direito. Na sentença de condenação associam-se as duas funções”

(Giuseppe Chiovenda, Instituições de direito processual civil, cit., p. 185). 583

Para Calamandrei, o condenado, “prima della condanna, non è altro che un obbligato: cioè il soggetto

passivo di un rapporto giuridico sostanziale, vincolato, in forza di questo, a tenere volontariamente un

certo comportamento. Finchè egli resta un obbligato, la osservanza del suo obbligo è affidata alla sua

volontà: nel campo del diritto sostanziale, anche quando al rapporto obbligatorio primario si sostituisce un

rapporto obbligatorio sanzionatorio, l’adempimento volontario è l’unico mezzo su cui il creditore può

contare per il sodisfacimento del suo diritto. Ma, dopo la condanna, la volontà del debitore, sulla quale

finora il diritto sostanziale faceva affidamento per ottenere l’adempimento dell’obbligato, si trasforma, da

soggetto attivo di volontà, in oggetto passivo di una volontà altrui. In questa trasformazione dell’obbligo,

per il cui adempimento il diritto contava sulla volontà attiva dell’obbligato, in assoggettamento passivo

alla forza altrui, contro la quale la volontà del condannato non conta più, mi pare che consista la

caratteristica essenziale della condanna, comune alla condanna civile ed a quella penale” (Piero

Calamandrei, La condanna. Opere giuridiche. Napoli: Morano, 1972, p. 491). 584

Enrico Tullio Liebman, Processo de execução, cit., p. 13 e ss.

Page 234: Tutela Inibitória - Marinoni

234

coativas latentes da ordem jurídica, mediante aplicação da sanção adequada ao caso

examinado – e nisto reside a sua função específica, que a diferencia das outras sentenças

(função sancionadora)”. 585 A sentença condenatória, ao aplicar a sanção, constitui a

situação jurídica que abre oportunidade para a execução, afastando-se, assim, da idéia

de mera declaração da responsabilidade, sustentada por Carnelutti. 586

<texto>Por outro lado, se Calamandrei entende que a obrigação se extingue – ao

afirmar que a condenação transforma a obrigação em sujeição do devedor à execução –,

temos que dar razão a Liebman quando argumenta que a sentença condenatória não

extingue a obrigação, mas apenas põe ao lado da obrigação a nova relação

sancionadora. 587

<texto>O que importa, entretanto, é deixar claro que a sentença condenatória, na

definição de Liebman, caracteriza-se por aplicar a sanção. Contudo, o que significa

exatamente aplicar a sanção? Vejamos a explicação do próprio Liebman: “A execução

consiste na realização de certas medidas que em conjunto representam a sanção para a

falta de observância do direito material. Mas os órgãos incumbidos desta atividade só a

podem exercer quando houver uma regra jurídica (regra sancionadora) que assim o

determine. Ora, as regras sancionadoras abstratas, quer expressas (como as do direito

penal), quer latentes na estrutura orgânica da ordem jurídica (como as que prescrevem a

execução civil para o caso de falta do cumprimento da obrigação), não se tornam

automaticamente concretas pela simples ocorrência do ato ilícito. Seja este um crime ou

um ilícito civil, o autor do fato não é só por isso submetido à atuação da sanção: esta

deve ser-lhe aplicada, imposta, determinada para o caso concreto que lhe foi imputado.

A condenação representa exatamente o ato do juiz que transforma a regra sancionadora

de abstrata e latente em concreta, viva, eficiente”. 588

<texto>Liebman, ao caracterizar a condenação pela aplicação da sanção, evidencia

585

Enrico Tullio Liebman, Processo de execução, cit., p. 16. 586

Barbosa Moreira, porém, critica a posição de Liebman, afirmando que à declaração do direito se junta,

na sentença condenatória, outra declaração, a de que determinada sanção é aplicável ao vencido. “Duas

declarações, portanto, apenas distinguíveis pelos respectivos objetivos – o que torna lícito dizer-se da

construção de Liebman o mesmo que este diz, com sentido crítico, da concepção carneluttiana da

sentença condenatória, que lá como aqui não é ‘senão um caso especial e qualificado de sentença

declaratória’. Fácil concluir a que, nessa perspectiva, se reduz a dupla função de tal sentença: quando

muito, poderia enxergar-se aí o exercício duplo de uma única função” (José Carlos Barbosa Moreira,

Reflexões críticas sobre uma teoria da condenação civil. Temas de direito processual. São Paulo: Saraiva,

1977, p. 80). 587

Ver Enrico Tullio Liebman, Processo de execução, cit., p. 16-17. 588

Idem, ibidem, p. 16.

Page 235: Tutela Inibitória - Marinoni

235

que a sentença condenatória está muito longe de ser uma ordem para que o devedor

cumpra sua obrigação. 589 Para Liebman, essa ordem já existe na lei,

590 de modo que o

juiz, mesmo na sentença declaratória, “ao declarar existente entre as partes uma relação

jurídica, pela qual uma delas deve dar ou fazer alguma coisa em favor da outra, declara

e formula como vigorante entre as partes uma regra jurídica concreta que exige de uma

delas o cumprimento da prestação devida”. 591 Nesse aspecto, e na concepção de

Liebman, a sentença declaratória não seria diferente da sentença condenatória: o que

distingue a condenação, efetivamente, é a aplicação da sanção.

<texto>A aplicação da sanção abre oportunidade à execução forçada. Liebman

demonstrou, de fato, que a condenação opera um fenômeno complexo e vasto, que

consiste na constituição de uma nova situação jurídica, autônoma no que concerne à

relação substancial obrigacional, fundada na concreta vontade do Estado de que a

sanção executiva seja atuada, e que se resolve subjetivamente no poder do órgão

processual de proceder à atuação da sanção executiva, no poder do credor de provocá-la

(ação executiva) e na sujeição do devedor a suportá-la (responsabilidade executiva). 592

<texto>Calamandrei, aliás, deixou claro que a condenação, na perspectiva de

Liebman, seria necessária para fazer entrar em vigor a “sanzione delle sanzioni”, que

seria exatamente a execução forçada. De acordo com a lição do mestre de Florença, a

condenação – para Liebman – não é necessária para determinar a entrada em vigor de

qualquer sanção, “mas é necessária para colocar em ação aquela sanção extrema

(aquela que, poderia ser dito, é a sanção das sanções) que consiste na execução

forçada”. 593

<texto>É importante ressaltar, com efeito, que a doutrina italiana clássica sempre

589

Idem, ibidem, p. 14. 590

Neste particular, a concepção de Liebman não difere da de Chiovenda. Para Chiovenda, a condenação

não é, em relação à parte vencida, um ato autônomo de vontade do juiz, “não é uma ordem do juiz; é a

formulação de uma ordem contida na lei, e só é um ato de vontade do juiz neste sentido, de que o juiz

quer formular a ordem da lei. Quando, portanto, se vislumbra no dispositivo da sentença um ato de

vontade, uma ordem, pretende-se deduzir que a ordem da lei adquire na sentença novo vigor de fato,

maior força cogente e que a sentença, como ato de autoridade, encerra virtude de ordem paralelamente à

lei. (...) Em outro sentido, porém, a sentença de condenação verdadeiramente gera uma nova ordem, a

saber, com respeito aos órgãos encarregados da execução; e eis aí como se distingue da sentença

declaratória” (Giuseppe Chiovenda, Instituições de direito processual civil, cit., p. 185). 591

Enrico Tullio Liebman, Processo de execução, cit., p. 14. 592

Enrico Tullio Liebman, Il titolo esecutivo riguardo ai terzi, cit., p. 137. 593

Piero Calamandrei, La condanna. Opere giuridiche. Napoli: Morano, 1972, p. 490.

Page 236: Tutela Inibitória - Marinoni

236

estabeleceu uma correlação entre a condenação e a execução forçada. 594 Como

observou, por exemplo, Gian Antonio Micheli, a condenação, como forma de remédio

jurisdicional, possui a sua eficácia característica não especificamente na declaração em

si, “mas na ligação eventual entre o provimento do juiz e a possibilidade, oferecida ao

vencedor, de obter, se for o caso, uma outra forma de tutela, a execução forçada”. 595

<texto>Se a sentença condenatória pressupõe a violação de um direito, é necessário

que o Estado crie instrumentos que permitam a reparação do direito lesado. A sentença

condenatória sempre foi correlacionada com a execução por sub-rogação, o que

equivale a dizer que a doutrina sempre compreendeu execução forçada como execução

por sub-rogação.

<texto>Como será demonstrado nos próximos itens, o direito italiano já sentiu a

necessidade de uma sentença que pudesse se ligar a formas de execução por coerção.

Proto Pisani chega a propor uma reconceituação de condenação, 596 admitindo que ela

pode consistir em ordem que, em caso de inadimplemento, abre oportunidade para a

prisão, cuja ameaça já atuaria sobre a vontade do obrigado, convencendo-o a adimplir.

<texto>A polêmica causada pela tese de Pisani obrigou a doutrina italiana a voltar a

estudar a natureza da sentença condenatória e, inclusive, o problema de sua correlação

com a execução por sub-rogação. Crisanto Mandrioli, ao entrar nessa discussão,

elaborou um artigo que recebeu, não sem razão, o título de “Sulla correlazione

necessaria tra condanna ed eseguibilità forzata”. 597 Nesse trabalho, que na realidade é

uma resposta a um dos primeiros ensaios que Proto Pisani escreveu a respeito da

questão da efetividade da sentença condenatória, Mandrioli observa que a correlação

entre a condenação e a execução forçada está implícita na definição de condenação:

“Antes de tudo: é claro que se, com a doutrina que prevalece há muito tempo,

594

Ver Crisanto Mandrioli, Sulla correlazione necessaria tra condanna ed eseguibilità forzata. Rivista

Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1976, p. 1.344 e ss; Piero Calamandrei, La condanna. Opere

giuridiche. Napoli: Morano, 1972, v. 5, p. 493 e ss; Enrico Tullio Liebman, Manuale di diritto

processuale civile. Milano: Giuffrè, 1984, v. 1, p. 145 e ss; Luigi Montesano, Condanna civile e tutela

esecutiva. Napoli: Jovene, 1965, p. 5 e ss e p. 19 e ss; Edoardo Garbagnati, Azione e interesse, Jus, 1955,

p. 333 e ss; Girolamo Monteleone, Recenti sviluppi nella dottrina dell’esecuzione forzata. Rivista di

Diritto Processuale, 1982, p. 281 e ss; Giuseppe Borrè, Esecuzione forzata degli obblighi di fare e di non

fare. Napoli: Jovene, 1966, p. 138 e ss. 595

Gian Antonio Micheli, Corso di diritto processuale civile. Milano: Giuffrè, 1959, v. 1, p. 48. Tradução

livre. 596

Andrea Proto Pisani, L’effettività dei mezzi di tutela giurisdizionale con particolare riferimento

all’atuazione della sentenza di condanna. Rivista di Diritto Processuale, 1975, p. 620 e ss; Appunti sulla

tutela di condanna. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1978, p. 1.104 e ss. 597

Crisanto Mandrioli, Sulla correlazione necessaria tra condanna ed eseguibilità forzata. Rivista

Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1976, p. 1.342 e ss.

Page 237: Tutela Inibitória - Marinoni

237

chamamos de condenação o provimento judiciário que, com a declaração de um direito,

declara a ulterior exigência de tutela mediante execução forçada, também declarando

os pressupostos da concreta exeqüibilidade deste direito, a referida correlação

necessária é já implícita nesta definição; mais precisamente, é implícita a correlação

entre condenação e título executivo, no sentido que não pode ser definido como

condenatório o provimento ao qual a lei não atribua a eficácia executiva que, no art. 474

do CPC, é claramente individualizada na capacidade de dar origem a um dos

procedimentos executivos disciplinados no livro terceiro do código”. 598

<texto>O conceito de sentença condenatória como sentença que aplica a sanção,

abrindo caminho à execução forçada, obviamente deixa as obrigações infungíveis sem

proteção adequada. Essa é uma das constatações com as quais devemos trabalhar para

definir a natureza da sentença capaz de efetivamente prestar a tutela inibitória.

<texto>A ligação entre sentença condenatória e execução por sub-rogação não é

apenas o resultado de interpretação baseada no ordenamento jurídico italiano, mas

também reflexo de diversos valores, valendo lembrar, por exemplo, a influência do

princípio do nemo ad factum praecise cogi potest.

<texto>Não se pode negar, contudo, que o conceito de condenação, formulado pela

doutrina italiana, foi totalmente absorvido pela doutrina brasileira, 599 ainda que os

valores submersos a tal conceito não tivessem relação necessária com o nosso país. Daí

a importância da análise das motivações culturais da sentença condenatória, tarefa que,

embora árdua, impõe-se quando se tem consciência de que o direito comparado não tem

muito valor sem o conhecimento dos fatores políticos, econômicos, sociais e religiosos

que marcam a história da evolução dos ordenamentos. 600

598

Crisanto Mandrioli, Sulla correlazione necessaria tra condanna ed eseguibilità forzata. Rivista

Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1976, p. 1.344 (Tradução livre). Em ensaio anterior, Mandrioli

já havia dito: “Ho già accennato poc’anzi che la suddetta correlazione sta in ciò che il proprium della

condanna suole essere ravvisato precisamente nel fatto che essa contiene l’accertamento della sussistenza

dei pressupposti dell’esecuzione forzata, ossia l’accertamento dell’eseguibilità coattiva del diritto nonché

della concreta esigenza della sua esecuzione attraverso l’esercizio dell’azione esecutiva” (Crisanto

Mandrioli, L’esecuzione specifica dell’ordine di reintegrazione nel posto di lavoro. Rivista di Diritto

Processuale, 1975, p. 20). 599

Como diz Miguel Reale, “é no campo do direito que se revela a mais viva repercussão da cultura

italiana nos meios sociais brasileiros, adquirindo, especialmente a partir da era republicana, uma linha de

notável continuidade, a ponto de constituir um dos fatores integrantes não só de nossa doutrina, como da

legislação e da jurisprudência” (Miguel Reale, O direito italiano na cultura brasileira. A presença italiana

no Brasil (organizado por Luis A. De Boni), Porto Alegre-Torino, Escola Superior de Teologia-

Fondazione Giovanni Agnelli, 1990, v. 2, p. 735). 600

“Queste battute iniziali, tra il serio ed il faceto (se me consentite l’espressione jheringhiana), volevano

introdurre il rilievo, a mio parere fondamentale, che è impossibile fare seriamente della comparazione

senza una conoscenza adeguata dei fattori politici, economici, sociali, religiosi che stanno dietro

Page 238: Tutela Inibitória - Marinoni

238

l’evoluzione degli ordinamenti. In altri termini, la comparazione presuppone che venga posto

correttamente il rapporto tra diritto e cultura: come ha osservato recentemente Massimo Corsale, occorre

che ogni discorso sul diritto si immerga nella cultura della società di cui quel diritto è la struttura (...): ‘il

diritto di cui si parla nelle aule dei tribunali e nei libri dei giuristi non è che la parte emergente

dell’iceberg che è il diritto-cultura del gruppo’” (Vittorio Denti, Diritto comparato e scienza del processo.

Rivista di Diritto Processuale, 1979, p. 335-336).

Page 239: Tutela Inibitória - Marinoni

239

<tit>4

<tit1>AS MOTIVAÇÕES CULTURAIS

DA SENTENÇA CONDENATÓRIA

<s>SUMÁRIO: 4.1 O princípio nemo ad factum praecise cogi potest: 4.1.1

Observações prévias; 4.1.2 A tese que relaciona a diversidade de tratamento

dado ao não-comparecimento em juízo com a diferente evolução do uso das

medidas de coerção para garantir o adimplemento da sentença na Alemanha e na

França; 4.1.3 O sistema feudal e o seu reflexo no uso dos meios de coerção

sobre a pessoa; 4.1.4 A preservação da autoridade do Estado como fundamento

do uso das medidas de coerção; 4.1.5 O Código Napoleão e sua influência sobre

o conceito de sentença condenatória; 4.1.6 A doutrina brasileira e os valores

submersos no art. 920 do CC de 1916 – 4.2 A concepção liberal de jurisdição

como função meramente declaratória e o seu reflexo sobre o conceito de

sentença condenatória – 4.3 A expansão do conceito de obrigação e a

universalização da sentença condenatória.

<a>4.1 O princípio nemo ad factum praecise cogi potest

<a1>4.1.1 Observações prévias

<texto>Não há mais dúvida de que está implícita, na definição clássica de sentença

condenatória, a correlação necessária entre a condenação e a execução forçada. Cabe

perguntar, contudo, se atrás dessa correlação está escondida uma opção pela

incoercibilidade das obrigações infungíveis. Sergio Chiarloni pensa que sim,

argumentando que o fato de a doutrina predominante ter individuado o proprium da

sentença de condenação em sua relação com a execução forçada por sub-rogação, longe

de ser o resultado de abstratos exercícios conceituais, constitui o reflexo, em nível

teórico, de uma situação histórica pela qual o ordenamento italiano moderno não

Page 240: Tutela Inibitória - Marinoni

240

introduziu – ao menos segundo as construções até aqui absolutamente predominantes –

um sistema generalizado de medidas coercitivas indiretas destinadas a assegurar o

adimplemento das obrigações infungíveis.601

<texto>O princípio nemo ad factum praecise cogi potest, que fundou o dogma da

absoluta incoercibilidade das obrigações infungíveis, 602 impediu, até hoje, a introdução

de um sistema generalizado de meios de coerção indireta no direito italiano. A validade

de tal princípio tem sido questionada atualmente na Itália, 603 principalmente em razão

da necessidade da tutela específica de direitos que dependem do cumprimento de

obrigações infungíveis.

<texto>O nemo ad factum não exprime um princípio que possa ser válido para todas

as épocas e todos os países, já que sua aplicação depende dos valores de um povo

inserido em determinado momento histórico. 604 É sabido que o uso dos meios

coercitivos teve uma evolução diferente na Alemanha, França e Itália. A elaboração

legislativa e doutrinária italiana foi muito influenciada, em um primeiro momento, pelos

valores do direito francês, 605 o que significa, em outras palavras, que a elaboração

italiana, naquilo que nos interessa, tem muito a ver com o que se passou na França.

<texto>É importante tentar desvendar, assim, as razões da diferente evolução do uso

dos meios coercitivos na Alemanha e na França, para que também sejam precisados os

valores que presidiram a formação do conceito de sentença condenatória.

<a1>4.1.2 A tese que relaciona a diversidade de tratamento dado ao não-

comparecimento em juízo com a diferente evolução do uso das medidas de

coerção para garantir o adimplemento da sentença na Alemanha e na França

<texto>Kohler, realizando uma comparação entre as experiências alemã e francesa,

e tentando demonstrar as razões pelas quais a vedação do uso da coerção sobre a pessoa

firmou-se na França e não na Alemanha, estabeleceu estreita conexão entre o não 601

Sergio Chiarloni, Misure coercitive e tutela dei diritti. Milano: Giuffrè, 1980, p. 148-149. 602

Moacyr Amaral Santos, referindo-se ao art. 1.005 do CPC de 1939, que previa o uso da multa,

afirmava que este meio de coerção praticamente derrogava o brocardo nemo ad factum praecise cogi

potest (Moacyr Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil. São Paulo: Max Limonad,

1969, v. 1, p. 350). 603

Ver Salvatore Mazzamuto, L’attuazione degli obblighi di fare, cit., p. 8 e ss. 604

Ver, sobre este princípio, Salvatore Mazzamuto, L’attuazione degli obblighi di fare, cit., p. 28-30;

Sergio Chiarloni, Misure coercitive e tutela dei diritti, cit., p. 54-108; Vittorio Colesanti, Misure

coercitive e tutela dei diritti. Rivista di Diritto Processuale, 1980, p. 601-626. 605

Sergio Chiarloni, Misure coercitive e tutela dei diritti, cit., p. 68 e ss; Vittorio Colesanti, Misure

coercitive e tutela dei diritti. Rivista di Diritto Processuale, 1980, p. 601 e ss.

Page 241: Tutela Inibitória - Marinoni

241

comparecimento do réu perante o juiz e o não adimplemento espontâneo da sentença.

606

<texto>Partindo da relação entre o não comparecimento do réu e o não

adimplemento espontâneo da sentença, Kohler tenta demonstrar, através de análise

histórico-comparativa procedida a partir do século XII, a razão pela qual o ordenamento

alemão conservou as medidas coercitivas para assegurar o cumprimento da sentença,

enquanto na França consolidou-se um princípio que não admitia a coerção sobre a

pessoa como forma de garantir o adimplemento das decisões do juiz. 607

<texto>Houve época – lembra o jurista alemão – em que ambos os comportamentos

davam lugar a uma hipótese de contumácia e eram concebidos como grave ofensa à

autoridade do juiz, abrindo ensejo a medidas severas, como multa, confisco de bens,

prisão etc. 608

<texto>Referindo-se à experiência alemã, diz Kohler que a manutenção através do

tempo de meios coercitivos para assegurar o comparecimento do réu permite explicar,

por argumento a fortiori, a persistência de meios ainda mais severos para assegurar o

cumprimento espontâneo da sentença. É óbvio que, com o passar do tempo, os antigos

meios coercitivos são substituídos por outros, como pena pecuniária e prisão; contudo,

permanece presente, na Alemanha, a idéia de que o inadimplemento espontâneo da

sentença integre uma grave Verletzung da autoridade e, na verdade, essa idéia sobrevive

mesmo depois de ter deixado de caracterizar a disciplina do procedimento contumacial,

projetando-se sobre a codificação processual unitária. 609

<texto>Na França, ao contrário do que sucedeu na Alemanha, já a partir do século

XII os meios coercitivos deixam de ser utilizados para assegurar o comparecimento do

réu; as sanções são exclusivamente endoprocessuais. 610 Em um primeiro momento, da

mesma forma que a contumácia do autor determina a rejeição da demanda, a

contumácia do réu impõe o seu acolhimento. Por volta do final do século XIV, como

continua a historiar Chiarloni, atenua-se este rigor e, assim, para que o réu revel possa

ser condenado pelo simples fato do não-comparecimento, é necessário que ele não

atenda a quatro chamadas de audiência perante o juiz; por fim, com a ordenança

606

Cf. Sergio Chiarloni, Misure coercitive e tutela dei diritti, cit., p. 65. 607

Idem, ibidem, p. 66 e ss. 608

Idem, ibidem, p. 66. 609

Idem, ibidem, p. 69-70. 610

Idem, ibidem, p. 70.

Page 242: Tutela Inibitória - Marinoni

242

processual de 1539, é introduzido, contra veterem stylum Galliae, o princípio – que

caracteriza os ordenamentos processuais modernos influenciados pelo direito francês –

pelo qual “auparavant que donner aucunes sentences contre les défaillans contumaces et

non comparans, le demandeur sera tenu de faire apparoir du contenu en sa demande”.

611

<texto>Para Kohler, o fato de o não-comparecimento ter passado a suscitar na

França, a partir do século XII, conseqüências meramente processuais, teve repercussão

na não-utilização da prisão para assegurar o adimplemento da sentença. Na Alemanha,

onde o uso dos meios de coerção para assegurar o comparecimento perdurou por muito

tempo, teria ocorrido a assimilação do uso da prisão para assegurar o adimplemento da

sentença. 612

<texto>Como está claro, Kohler tenta demonstrar, através da comparação das linhas

evolutivas do direito processual na França e na Alemanha, a razão pela qual se

consagrou, apenas no sistema alemão, o uso da coerção sobre a pessoa como forma de

assegurar o cumprimento das decisões judiciais.

<a1>4.1.3 O sistema feudal e o seu reflexo no uso dos meios de coerção sobre a

pessoa

<texto>Chiarloni critica a investigação histórica de Kohler, dizendo que não há

prova de que exista uma relação causal entre o uso de medidas coercitivas contra o réu

que não comparece e o uso de iguais medidas para assegurar o cumprimento espontâneo

da sentença.

<texto>O verdadeiro problema consistiria em compreender porque foi mantida na

Alemanha a noção de contumácia em sentido amplo, como Verletzung des Königs, com

toda a sua bagagem de severíssimas medidas de coerção – seja diante do condenado

inadimplente, seja diante do réu que não comparece –, enquanto na França a contumácia

em sentido estrito passou a dar lugar, em um primeiro momento, a sanções exclusivas

sobre o plano do processo e, depois, nem mesmo mais a estas. 613

<texto>Para Chiarloni, é evidentemente ilusório esperar encontrar uma explicação

desse contraste de disciplinas dentro dos institutos processuais; seria particularmente

611

Idem, ibidem, p. 70-71. 612

Idem, ibidem, p. 72. 613

Idem, ibidem, p. 73.

Page 243: Tutela Inibitória - Marinoni

243

significativo, contudo, o fato de que a passagem da antiga estrutura feudal para um

sistema de rendas fundiárias ocorreu antes e com maior rapidez na França do que na

Alemanha. 614 É importante registrar parte da argumentação do professor da

Universidade de Turim: “Com os séculos XI e XII, inicia-se um movimento pelo qual

os senhores feudais tendiam a exigir dos súditos não mais o trabalho da pars dominica

no curso do ‘ano agrário’, mas antes o pagamento de ‘canoni’, primeiro in natura e

depois em dinheiro; a renúncia a ‘valorização pessoal’ fez que os camponeses

rapidamente se transformassem em produtores, duramente taxados, porém

economicamente autônomos. A isto se ajunta o fato de que repetidas liberações

diminuíram de modo sensível, a partir do século XIII, o número de servos franceses. Na

Alemanha, o desenvolvimento ocorre diversamente, seja em relação ao tempo, seja em

relação ao próprio modo. As cadeias de dependência, que ligam os camponeses às suas

terras e a um patrão, são precisadas e consolidadas mais tarde, no ‘Alto Medioevo’,

porém ainda mais tarde, com lentidão incomparavelmente maior e não sem

contradições e giros viciosos, inicia o processo da sua dissolução, com a

transformação do vínculo pessoal ao trabalho no vínculo econômico ao pagamento de

rendas: ainda no século XVIII e em grande parte do XIX, na perdurante predominância

da estrutura feudal agrária e do sistema político das ‘ordini’, é normal que os

camponeses tenham que fazer a prestação de ‘corvées’ nas terras do proprietário”. 615

<texto>Argumenta Chiarloni que não é irracional supor que, na França, o

desaparecimento do princípio segundo o qual a contumácia em sentido estrito constitui

um comportamento punível em si, por ofensa à autoridade do juiz, e principalmente a

renúncia às medidas de coerção sobre a pessoa diante do devedor do fazer, constituam o

reflexo indireto e mediato do processo histórico pelo qual, através da substituição das

corvées pelo pagamento de canoni, primeiro in natura e depois em dinheiro, o súdito

transformou-se em contribuinte.

<texto>Por outro lado – ainda segundo Chiarloni –, não seria imprudente pensar

que, na Alemanha, o longo perdurar das medidas coercitivas contra o réu contumaz e a

perpetuação de medidas de coerção ao fazer sobre a pessoa do devedor constituam o

reflexo da própria cultura alemã, que também teria projetado suas sombras sobre a

614

Idem, ibidem, p. 73. 615

Idem, ibidem, p. 73-74. Tradução livre.

Page 244: Tutela Inibitória - Marinoni

244

evolução dos institutos processuais. 616

<texto>Chiarloni alude ao Codex iudiciarius bavarese de 1753 para tentar provar a

sua tese. Adverte que, no momento em que o legislador alemão do século XVIII

preocupou-se em exemplificar uma obrigação de fazer, cujo inadimplemento

determinasse a aplicabilidade de medidas de coerção sobre a pessoa do devedor, não

encontrou nada melhor do que o Scharwerk, que é uma hipótese típica de Frohndienst, e

assim de corvée. 617

<texto>Chiarloni, de fato, a partir de laboriosa investigação histórica, chega à

conclusão de que a manutenção da prisão, como medida coercitiva, no ordenamento

alemão, é um mero resíduo histórico de uma tardia superação da estrutura feudal. Na

França teve início muito antes – e foi muito mais rápida do que na Alemanha – a

passagem da antiga estrutura social feudal para um sistema de rendas fundiárias. Desta

forma, a renúncia ao emprego das medidas de coerção sobre a pessoa do devedor do

facere, na França, constituiria o reflexo do grandioso processo histórico pelo qual o

súdito transformou-se em contribuinte, que pelas suas obrigações civis passou a

responder apenas com o patrimônio. 618

<a1>4.1.4 A preservação da autoridade do Estado como fundamento do uso das

medidas de coerção

<texto>A obra de Chiarloni levou Colesanti a publicar na Rivista di Diritto

Processuale, também sob o título de Misure coercitive e tutela dei diritti, 619 trabalho

que se contrapõe à tese de que a diferente evolução dos ordenamentos francês e alemão

é relacionada com o abandono antecipado e rápido do feudalismo na França. 620

<texto>Colesanti critica, inicialmente, a metodologia utilizada por Chiarloni,

afirmando que sua investigação parece ser marcada por intuições ou por hipóteses

abstratas, sem as confirmações e aprofundamentos necessários para sustentá-las. 621

<texto>A tese de Chiarloni, como já foi dito, baseia-se na idéia de que a preservação

616

Idem, ibidem, p. 74-75. 617

Idem, ibidem, p. 76. 618

Idem, ibidem, p. 73-75. 619

Vittorio Colesanti, Misure coercitive e tutela dei diritti. Rivista di Diritto Processuale, 1980, p. 607 e

ss. 620

Silvestri e Taruffo (Esecuzione forzata – Esecuzione forzata e misure coercitive. Enciclopedia

Giuridica Treccani, v. 13, p. 10) também criticam a análise histórico-comparativa de Chiarloni. 621

Vittorio Colesanti, Misure coercitive e tutela dei diritti. Rivista di Diritto Processuale, 1980, p. 609.

Page 245: Tutela Inibitória - Marinoni

245

das medidas coercitivas sobre a pessoa deriva do prolongamento no tempo da estrutura

feudal da sociedade alemã, fundada nas corvées ou Scharwerke. Colesanti adverte,

contudo, que nas fontes apresentadas por Chiarloni encontra-se a previsão, em um texto

normativo do século XVIII, de sanções pecuniárias ou pessoais de coerção ao

adimplemento, em que apenas como exemplo vem indicada a Scharwerk. Com base

nessa fonte – diz Colesanti –, pretende-se sustentar, com surpreendente transposição,

que a manutenção das medidas de coerção sobre a pessoa seja apenas o reflexo do

perdurar no tempo de uma estrutura social “basata sul servigio”; e até mesmo, através

de uma generalização ainda mais audaz – sempre com base no referido texto e, por

assim dizer, projetando-o para trás nos séculos –, deseja-se individuar a razão de ser da

previsão das medidas de coerção ao fazer na intenção de assegurar a atuação das

corvées, ou, em geral, das prestações de trabalho próprias da época feudal. 622

<texto>Argumenta Colesanti que, mesmo no âmbito daquela que é chamada por

Chiarloni de “una struttura sociale basata sul servigio”, revela-se simplesmente

inconcebível a idéia de se fazer uso de medidas coercitivas impostas pelo juiz, e

previstas pelos Estatutos ou Landsrechte, como instrumentos de coerção ao

cumprimento das prestações de trabalho. 623

<texto>Além disso, seriam as próprias fontes que desaprovariam a idéia de

relacionar-se a previsão das medidas de coerção ao fazer com o cumprimento das

corvées; afirma Colesanti que não há nas fontes qualquer previsão expressa de medidas

de coerção para as prestações de fazer, autonomamente consideradas, e que isso

permitiria a conclusão de que a questão do adimplemento das corvées era regulada extra

ius. 624

622

Idem, ibidem, p. 610-611. 623

“Viene spontanea, e irresistibile, l’obiezione che appunto in una simile struttura sociale ben altri, al

tempo stesso più brutali e incisivi, saranno stati i mezzi per indurre i Leibeigene al compimento delle loro

prestazioni, che non ... il ricorso al giudice! Chi può seriamente pensare che ai tempi, che so, ad es.

dell’assimilazione dei Vendi o degli Obodriti, o della ‘colonizzazione’ delle terre baltiche, mentre sassoni

e fiamminghi emigrati andavano acquisendo la dignità di uomini liberi, si sarebbero sviluppate le misure

coercitive quali strumenti ‘giudiziali’ per costringere i franconi, o peggio le popolazioni assimilate ... alle

Scharwerke? Eppure, proprio quelli dovrebbero essere i tempi iniziali della ‘divergente evoluzione’ degli

ordinamenti germanico e francese: non a caso, secondo il Chiarloni, mentre già nella Francia di Filippo

Augusto le misure personali di coazione sarebbero andate sparendo, perchè (asserisce il Bloch) il

censuario non lavorava più che pochi giorni all’anno nelle terre padronali, per contro, altrove,

precisamente l’intento di assicurare il compimento del Frondienst avrebbe rappresentato ‘il movente della

previsione di misure di coazione al facere’” (Vittorio Colesanti, Misure coercitive e tutela dei diritti.

Rivista di Diritto Processuale, 1980, p. 611). 624

Vittorio Colesanti, Misure coercitive e tutela dei diritti. Rivista di Diritto Processuale, 1980, p. 612-

613.

Page 246: Tutela Inibitória - Marinoni

246

<texto>Adverte Colesanti que, nos casos em que as sanções pessoais são

relacionadas à inoboedientia, não há distinção entre as situações relativas às obrigações

de dar, de fazer ou de não fazer, e ainda que não está presente nas fontes qualquer

medida de coerção sobre a pessoa relacionada especificamente ao facere, excetuando-se

o Codex iudiciarius bavarese (no qual se baseia Chiarloni para fundamentar a sua tese),

que, além de ser de vários séculos depois, precisamente de 1753, diz respeito não só às

obrigações de fazer, mas também às de pati. 625 Nesse particular, vale a pena

transcrever a argumentação de Colesanti: “Ora, este texto, enquanto prevê a

eventualidade de sanções pecuniárias ou detentivas como medidas de coação ao fazer ou

ao ‘pati’, entre as quais vem mencionada a ‘Scharwerk’, é invocado por Chiarloni para

sustentar a sonhada correlação antes referida, mas isto autoriza a inversão do raciocínio:

se medidas de coação ao fazer são expressamente previstas em uma região

tradicionalmente sujeita a influência francesa, propriamente quando a antiga estrutura

social já aproximava-se de seu fim, e de resto na previsão relativa ao pati, isto quer

dizer que é anti-histórico pretender ver na tensão ao cumprimento das prestações de

trabalho ‘o móvel’ originário (o fundamento) das medidas coercitivas ou, pior ainda, a

ratio da ‘divergente evolução’ aludida. Esta ‘divergente evolução’ naquele ponto já

estava completa, e parece estranho pretender identificar a origem ou as razões iniciais

em qualquer coisa que vem se manifestando ao seu término. Na realidade, descabe a

correlação pensada por Chiarloni, porque nada lhe dá sustentação; embora sugestivo o

discurso realizado, tem ele a aparência de ser daqueles que ‘projetam no passado

pensamentos modernos’, ou mesmo pretendem interpretar o passado à luz de valorações

preconcebidas ou esquematizações próprias de correntes culturais modernas”. 626

<texto>Lembra Colesanti, aliás, que mesmo os estatutos de determinadas cidades

sul-ocidentais – que eram consideradas “città libere” – previam instrumentos de coerção

para vencer o Ungehorsam, e que assim não teria procedência concluir que as medidas

coercitivas ter-se-iam se perpetuado para assegurar a observância dos vínculos de

dependência servil e, em particular, para assegurar a atuação do Frondienst. 627

<texto>Se na França não se enxergou na contumácia obstáculo para o julgamento do

mérito, nem mesmo se viu na inoboedientia comportamento que merecesse sanção, na

Alemanha o objetivo seria o de vencer a contumácia, compreendida como Ungehorsam,

625

Idem, ibidem, p. 613. 626

Idem, ibidem, p. 613-614. Tradução livre. 627

Idem, ibidem, p. 615-616.

Page 247: Tutela Inibitória - Marinoni

247

pouco importando a natureza da prestação devida, se de dar, de fazer ou de não fazer.

Esse tratamento indiferenciado da Ungehorsam deixaria claro – segundo Colesanti –

não só que o que importava era a inoboedientia enquanto tal, mas também o apriorismo

de se pretender compreender as medidas coercitivas, em sua origem ou em sua

evolução, como preordenadas a assegurar o cumprimento de determinadas prestações de

fazer. 628

<texto>Exatamente porque a razão de fundo das medidas coercitivas estaria na

necessidade de vencer a inoboedientia – compreendida como ofensa à autoridade – é

que seria arbitrário traçar uma relação entre as medidas de coerção e o adimplemento

das obrigações de fazer como espelho de um certo “sistema di produzione”. 629

<texto>O que estaria – segundo Colesanti – na base da consideração da contumácia

e da inoboedientia como Verletzung des Königs, seria a idéia da tutela da autoridade

suprema, enquanto garantidora da “paz pública”. 630 A existência de medidas contra a

inoboedientia (compreendida como violação da autoridade) independentes do conteúdo

da prestação devida, revelaria – ao contrário do que pretendeu demonstrar Chiarloni –

que as medidas de coerção nada têm a ver com a idéia do adimplemento das obrigações

de fazer próprias da época feudal, mas sim com a necessidade da manutenção da

autoridade do Estado. 631

<texto>O desenvolvimento das medidas coercitivas na Alemanha revela uma visão

do processo em que não importa tanto a satisfação do titular do direito quanto a punição

daquele que pratica a “violação da autoridade”. Tal maneira de ver o processo relaciona-

se intimamente com as Zwangsstrafen, tal como estão disciplinadas na ZPO e com sua

feição nitidamente publicista. Na França, ao contrário, justamente porque a

desobediência não foi compreendida como “despit de la Court”, que deveria ser

sancionada enquanto tal, prevaleceu a idéia de tutela da liberdade do homem, que

excluiu o recurso a medidas de coerção sobre a pessoa. 632

<texto>Se na Alemanha perpetuou-se o uso dos meios de coerção para assegurar o

cumprimento da sentença, isto não decorreu, como é óbvio, do fato de já ter sido 628

Idem, ibidem, p. 620. 629

Idem, ibidem, p. 618-620. 630

Vittorio Denti, ainda que no âmbito de uma discussão com Monteleone, concorda com a posição de

Colesanti, advertindo que “il sistema germanico ha costruito le misure coercitive come reazioni

all’attentato all’autorità del potere giudiziario, e quindi come ‘pene’ in senso proprio” (A proposito di

esecuzione forzata e di politica del diritto. Rivista di Diritto Processuale, 1983, p. 133). 631

Vittorio Colesanti, Misure coercitive e tutela dei diritti. Rivista di Diritto Processuale, 1980, p. 624. 632

Idem, ibidem, p. 625-626.

Page 248: Tutela Inibitória - Marinoni

248

penalizado o não-comparecimento, mas sim do fundamento que justificou o tratamento

dado inicialmente ao não-comparecimento, e que continuou a justificar o tratamento

dado ao não-adimplemento da sentença. O que se esconde por detrás da penalização do

não-comparecimento e do não-adimplemento é, sem dúvida, a necessidade de

preservação da autoridade do Estado. Se a idéia de preservar a autoridade do Estado

esteve presente, em determinado momento, na penalização do não-comparecimento, foi

ela quem continuou a sustentar o uso dos meios de coerção para garantir o

adimplemento da sentença.

<texto>Por outro lado, a relação estabelecida por Chiarloni entre o uso da coerção

sobre a pessoa e a estrutura feudal não resiste à argumentação de Colesanti,

principalmente porque a fonte que serve de base ao argumento de Chiarloni, que é de

1753, se não pode ser o fundamento de uma divergente evolução social, também não

pode ser considerada o seu reflexo, uma vez que os estatutos de algumas “cidades

livres” previam medidas de coerção contra o não-adimplemento da sentença

independentemente de seu conteúdo, o que faz presumir que as medidas de coerção não

se perpetuaram para manter os vínculos de natureza servil.

<texto>É correto concluir, assim, que na Alemanha os meios de coerção, inclusive a

prisão, sempre tiveram o escopo de tutelar a autoridade do Estado, enquanto na França o

art. 1.142 do Code Napoléon pode ser considerado o espelho de uma ideologia

preocupada com a liberdade do homem.

<a1>4.1.5 O Código Napoleão e sua influência sobre o conceito de sentença

condenatória

<texto>A correlação necessária entre a condenação e a execução forçada esconde

não só uma opção pela incoercibilidade das obrigações infungíveis, mas também a

própria ideologia liberal da intangibilidade da vontade humana.

<texto>O conceito de sentença condenatória está comprometido com as doutrinas

que inspiraram o Code Napoléon, pelo qual “toda obrigação de fazer ou não fazer

resolve-se em perdas e danos e juros, em caso de descumprimento pelo devedor” (art.

1.142), e principalmente com a ideologia que deu origem ao dogma de que a coerção

das obrigações infungíveis constitui um atentado contra a “liberdade” dos homens.

<texto>Chegou-se a propor, em certo momento em que os fundamentos da

Revolução Francesa se apresentavam com mais intensidade, uma construção das

Page 249: Tutela Inibitória - Marinoni

249

obrigações de fazer pela qual a atividade pessoal do devedor não seria in obbligatione,

mas in solutione. A obrigação de fazer teria um objeto juridicamente impossível; seria,

como obrigação natural, juridicamente não obrigatória. A hipótese não seria nem ao

menos de obrigação alternativa, mas de simples obrigação facultativa para o devedor,

que deveria os danos a título principal e teria a faculdade de liberar-se prestando o fazer.

633

<texto>A incoercibilidade do fazer, contudo, tem um significado que vai muito além

da mera intangibilidade da vontade humana. Em uma primeira análise, é certo, o art.

1.142 do Code Napoléon constituiria apenas a consagração jurídica dos princípios da

liberdade e da defesa da personalidade, próprios do jusnaturalismo e do racionalismo

iluminista. 634 Entretanto, há uma íntima relação entre a ideologia liberal e a

transformação do processo econômico, 635 ou, em outras palavras, uma estreita ligação

entre a concepção liberal de contrato, a igualdade formal das pessoas e o ressarcimento

do dano como sanção expressiva de uma determinada realidade de mercado. 636

<texto>Para o direito liberal pouco importa a qualidade do indivíduo contratante, se

é pobre ou rico, se pertence a determinada classe ou não, se é o detentor dos meios de

produção ou se vende a força de seu trabalho. Também não conta a qualidade do objeto

do contrato; se é um bem de consumo ou um bem essencial; se é a propriedade de um

meio de produção ou não. 637

<texto>A essa abstração, ou seja, a essa indiferença pela diversidade das pessoas e

dos bens, corresponde, no plano da sanção, a tutela ressarcitória, que não altera o natural

funcionamento dos mecanismos de mercado. 638

<texto>A tutela ressarcitória, limitando-se a exprimir o equivalente pecuniário do

bem almejado, nega as necessidades de determinado grupo ou classe e a diversidade de

633

Sergio Chiarloni, Misure coercitive e tutela dei diritti, cit., p. 83. 634

Salvatore Mazzamuto, L’attuazione degli obblighi di fare, cit., p. 36. 635

Como observa Mazzamuto, “il significato della garanzia dell’incoercibilità ed il ricorso alla sanzione

risarcitoria, allorché venga compromessa in obbligo la stessa persona del debitore nel suo multiforme

dispiegarsi in attività pratiche (materiali, intellettuali, giuridiche), va oltre, in sostanza, la pura difesa dei

valori di libertà e si ricollega direttamente alle trasformazioni del processo economico” (Salvatore

Mazzamuto, L’attuazione degli obblighi di fare, cit., p. 36). 636

Salvatore Mazzamuto, L’attuazione degli obblighi di fare, cit., p. 37. 637

Idem, ibidem. 638

Idem, ibidem.

Page 250: Tutela Inibitória - Marinoni

250

importância dos bens. 639 Nada mais natural quando o objetivo é apenas preservar o

funcionamento do mercado, sem qualquer preocupação com a tutela das posições social

e economicamente mais fracas. 640

<texto>Além disso, se os sujeitos são iguais e, portanto, livres para se

autodeterminarem no contrato, não cabe ao Estado, no caso de inadimplemento,

interferir na relação jurídica, assegurando o adimplemento in natura. Os limites

impostos pelo ordenamento à autonomia privada são de conteúdo negativo, gozando

desta natureza a tutela de ressarcimento do dano. 641

<texto>Importava, para o Estado liberal, a defesa da liberdade do cidadão contra as

eventuais agressões da autoridade estatal e não as diferentes necessidades sociais do

grupo. O Estado não dirigia uma política destinada a garantir determinadas necessidades

sociais, não interferindo no processo econômico de modo a protegê-las.

<texto>A tutela in natura, por supor uma consideração articulada e diferenciada dos

interesses e das necessidades pelos quais se pede a tutela, não se conciliava com os

princípios da abstração dos sujeitos e da equivalência dos valores, próprios do direito

liberal. 642 A desconsideração da relevância da tutela jurisdicional in natura, assim, era

somente o reflexo de um Estado voltado apenas a garantir o natural funcionamento da

economia de mercado, e que não interferia na esfera dos particulares de modo a tutelar

situações que, em outra dimensão, seriam vitais para uma adequada organização social.

<texto>Em síntese, como diz Mazzamuto, “no âmbito da autonomia privada

emergente do Código Napoleão, o princípio ‘nemo ad factum praecise cogi potest’

constitui, em sua poli valência, uma precisa resposta normativa à irrelevância, no

plano das relações de troca, do estado de necessidade, seja esse tipicamente referido a 639

Como observa Adolfo di Majo, “le dottrine giuridiche dell’Ottocento, dopo la parentesi medioevale,

recuperano appieno il principio romanistico (della prevalenza) della condemnatio pecuniaria, dovendo

apparire, questa prevalenza, come la più funzionale alle esigenze del mercato. Nel mercato, com’è noto,

non contano le qualità dei soggetti né quelle dei valori od interessi in esso presenti (astrattezza dei valori).

In presenza di atti e/o di fatti che comportano inadempimento di obblighi e/o violazioni di diritti, la linea

tendenziale è di imporre al responsabile il mero ‘costo economico’ di sifatti comportamenti, tendendosi in

tal modo a riprodurre i meccanismi di mercato alterati” (Adolfo di Majo, La tutela civile dei diritti, cit., p.

156). 640

“L’imposizione di un costo economico dell’inadempimento, ancorché spogliato dalle connotazioni

equitative tipiche del diritto medioevale ed adeguato alle nuove esigenze di riproduzione del capitale,

ripristina, infatti, i meccanismi di mercato ma non presuppone alcun programma di sostegno del soggetto

economicamente o socialmente più debole: anzi ha uno spiccato carattere eguagliante, ignora le

caratteristiche ed i bisogni socialmente diversificati dei contraenti, si limita ad esprimire, a livello della

sanzione, l’equivalenza delle merci” (Salvatore Mazzamuto, L’attuazione degli obblighi di fare, cit., p.

37). 641

Salvatore Mazzamuto, L’attuazione degli obblighi di fare, cit., p. 37. 642

Adolfo di Majo, La tutela civile dei diritti, cit., p. 156.

Page 251: Tutela Inibitória - Marinoni

251

uma categoria de sujeitos sociais, seja esse eqüitativamente definido em termos

individuais, e, portanto, reforça o ideal da colaboração voluntária dos sujeitos do

mercado e o agnosticismo garantista do novo Estado de Direito”. 643

<texto>O aparecimento de uma nova forma de Estado põe de lado a mera

contraposição entre indivíduo e Estado, que então deixa de ter apenas a finalidade de

tutelar os “direitos do homem” – conforme a Declaração dos Direitos do Homem e do

Cidadão de 1789 – e passa a objetivar a organização da vida social, considerando todas

as suas peculiaridades e necessidades. 644

<texto>Na sociedade de massa, torna-se imprescindível garantir ao consumidor a

efetiva tutela de seus direitos, de modo que ele não seja prejudicado pela livre escolha

do empresário, que poderia até mesmo deixar de adimplir in natura em razão das

“variações do mercado”. 645

<texto>Os arts. 461 do CPC e 84 do CDC, ao privilegiarem a tutela específica em

relação ao mero ressarcimento pelo equivalente, refletem a postura de um Estado que

sabe que a efetiva realização dos direitos é fundamental para uma organização social

mais justa.

<a1>4.1.6 A doutrina brasileira e os valores submersos no art. 920 do CC de 1916

<texto>Como se sabe, o próprio direito francês viu surgir, em contraposição ao

referido art. 1.142 do Code Napoléon, e mediante criação dos Tribunais, as chamadas

astreintes, que passaram a ter o caráter de condenação à tant par jour de retard, sem

qualquer vínculo com o prejuízo efetivamente sofrido pelo credor. 646

<texto>O Código de Processo Civil de 1939, que era intimamente ligado ao antigo

art. 920 do CC, assim dispunha no seu art. 1.005: “Se o ato só puder ser executado pelo

devedor, o juiz ordenará, a requerimento do exeqüente, que o devedor o execute, dentro

do prazo que fixar, sob cominação pecuniária, que não exceda o valor da prestação”.

<texto>O Código de 1973, ao libertar-se da norma do art. 1.005 do CPC de 1939,

643

Salvatore Mazzamuto, L’attuazione degli obblighi di fare, cit., p. 41. Tradução livre. 644

Cf. Marco Comporti, Diritti reali in generale. Milano: Giuffrè, 1980, p. 29-30. 645

Ver Guido Alpa, Responsabilità dell’impresa e tutela del consumatore. Milano: Giuffrè, 1975, p. 461

e ss. 646

Salvatore Mazzamuto, L’attuazione degli obblighi di fare, cit., p. 52 e ss.

Page 252: Tutela Inibitória - Marinoni

252

introduziu uma verdadeira medida coercitiva no sistema de tutela dos direitos, 647

abandonando definitivamente o princípio do nemo ad factum, que – por ser herança da

filosofia liberal – inegavelmente influenciou o antigo art. 920 do CC.

<texto>A doutrina clássica do direito civil, porém, já demonstrava o equívoco em

não se admitir multa com valor excedente ao da prestação. Dizia Clóvis Beviláqua, ao

comentar o art. 920 do CC de 1916, que “o limite imposto à pena por este artigo não se

justifica. Nasceu da prevenção contra a usura, 648 e é uma restrição à liberdade das

convenções, que mais perturba do que tutela os legítimos interesses individuais”. 649

<texto>Fábio De Mattia, ao lembrar antiga doutrina do professor Paulo Barbosa de

Campos Filho, também evidencia que a razão deste artigo se relaciona com o princípio

da incoercibilidade da vontade do devedor: “Interessantes comentários sobre o assunto

faz o Prof. Paulo Barbosa de Campos Filho em preleção já mencionada reportando-se a

Luís Machado Guimarães em seu trabalho ‘Comentários ao Código de Processo Civil’

(...) Diz o Prof. Paulo Barbosa de Campos Filho: ‘O Código Civil atribui à pena

convencional funções diversas: prefixação das perdas e danos resultantes da mora ou da

inexecução, medida repressiva (pena) e medida coercitiva. Essas diversas funções nem

sempre são entre si compatíveis. É assim que a fixação convencional das perdas e danos

visa o ressarcimento e este implica a idéia de equivalência, ao passo que é requisito

lógico da medida coercitiva a imposição ao obrigado de um mal mais grave do que o

resultante do cumprimento do preceito. Encerra o Código Civil, por isso, dispositivos

entre si inconciliáveis, de um lado os arts. 920 e 924, em que a cláusula funciona como

prefixação da importância do ressarcimento, e de outro lado o art. 927 em que tem ela

647

Com o Código de 1973 e, principalmente, em face do novo artigo 461, tudo mudou. Ora, se o que está

por detrás das multas dos arts. 287 e 461 é quase uma obsessão pela efetividade da tutela dos direitos, é

natural que se entenda que a multa pode exceder o valor da prestação. Ver Cândido Rangel Dinamarco, A

reforma do Código de Processo Civil, cit., p. 159; J. E. Carreira Alvim, Tutela específica das obrigações

de fazer e não fazer na reforma processual, cit., p. 113 e ss; José Joaquim Calmon de Passos,

Comentários ao Código de Processo Civil, v. 3, cit., p. 252; Alcides de Mendonça Lima, Comentários ao

Código de Processo Civil, v. 6, t. 2, cit., p. 846; Amílcar de Castro, Comentários ao Código de Processo

Civil, v. 8, cit., p. 189; José Frederico Marques, Manual de direito processual civil, v. 4, cit., p. 134. 648

Carvalho de Mendonça também viu na limitação da multa a preocupação em se evitar a usura: “Há

quem sustente em direito romano que a taxa da cláusula penal não deve exceder ao duplo da obrigação a

que é adjeta. É um erro combatido em muitas outras fontes. No direito moderno leis existem que

concedem às partes plena liberdade na estipulação do quantum da pena. Em nosso direito, se a pena

pecuniária do contrato exceder o valor da obrigação principal, é nula no excesso. Não encontramos razão

plausível para essa fixação positiva no direito moderno. Sua origem histórica era o antigo ódio à usura,

hoje recalcado para o domínio exclusivo da moral” (M. I. Carvalho de Mendonça, Tratado geral dos

direitos de crédito, 4. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1956, t. 1, p. 378-379). 649

Clóvis Beviláqua, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1955, v.

4, p. 57.

Page 253: Tutela Inibitória - Marinoni

253

caráter acentuadamente penal. A disciplina das obrigações de fazer no Código Civil

assenta no princípio derivado do sistema do Código Francês, de incoercibilidade da

vontade do devedor; por isso a cláusula penal com o caráter de prefixação das perdas e

danos era suficiente”. 650

<texto>A partir das lições transcritas é possível afirmar que a limitação do art. 920

do CC de 1916, segundo a própria doutrina brasileira, i) “assenta no princípio derivado

do sistema do Código Francês, de incoercibilidade da vontade do devedor”; ii) “nasceu

da prevenção contra a usura”; e iii) “é uma restrição à liberdade das convenções, que

mais perturba do que tutela os legítimos interesses individuais”.

<texto>A idéia de que a multa não pode exceder ao valor da obrigação, além de se

relacionar com a usura, tem relação óbvia com a incoercibilidade das obrigações.

Apenas a multa que possa exceder ao valor da prestação pode agir sobre a vontade do

obrigado para convencê-lo a adimplir. Não é por outra razão, aliás, que Fábio de Mattia

corretamente observou que a disciplina das obrigações de fazer assenta no princípio da

incoercibilidade da vontade do devedor, derivado do sistema do Código francês. 651

<texto>Os arts. 461 do CPC e 84 do CDC, ao admitirem uma medida coercitiva

capaz de vencer a resistência do réu, rompem com a postura – obviamente de conteúdo

liberal clássico – que esteve na base da formulação do art. 920 do CC de 1916.

<texto>É certo que o novo Código Civil reproduziu, em seu art. 412, 652 a norma do

antigo art. 920. Entretanto, isto evidentemente não impede que o juiz imponha multa

superior ao valor da prestação, uma vez que o escopo da multa fixada na sentença é dar

efetividade à função jurisdicional, e assim não tem a mesma natureza da multa

convencional (contratual). Aliás, o novo art. 412 do CC, ao simplesmente reafirmar o

contido no antigo art. 920, parece já ter nascido “velho”. Se não é possível negar que a

limitação insculpida no art. 920 foi ditada em nome da “ordem pública e dos bons

costumes”, é importante frisar que conceitos como estes são marcados por sua evidente

relatividade histórica. Estes conceitos são definidos por Viehweg como topoi da

argumentação jurídica, ou como fórmulas vagas e variáveis que permitem soluções mais

650

Fábio De Mattia, Cláusula penal pura e cláusula penal não pura. RT 383/51-52. 651

Idem, ibidem, p. 52. 652

Art. 412, CC de 2002: “O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da

obrigação principal”.

Page 254: Tutela Inibitória - Marinoni

254

adequadas aos diversos casos concretos. 653 Em razão da sua vaguidade e função de

topoi, tais conceitos devem ser preenchidos pela doutrina e pelo juiz em face das

diversas situações concretas, abrindo, assim, oportunidade para que os problemas

emergentes das novas realidades possam ser adequadamente considerados e julgados.

Ora, se antigamente o princípio da incoercibilidade das obrigações e a necessidade de

proteção contra a usura impediam a contratação de multa em valor superior ao da

prestação, atualmente não há razão para não se admitir a fixação de multa coercitiva,

ainda que mediante convenção, para a tutela do consumidor ou da parte mais fraca no

contrato.

<a>4.2 A concepção liberal de jurisdição como função meramente declaratória e o

seu reflexo sobre o conceito de sentença condenatória

<texto>Como já foi dito, a prevenção, dentro do sistema chiovendiano, ficou

reservada à ação declaratória. É evidente, contudo, que a sentença declaratória é incapaz

de impedir alguém de praticar um ilícito. É preciso melhor esclarecer, assim, a razão

pela qual a função preventiva ficou entregue a uma espécie de sentença inidônea para

permitir a prevenção do ilícito.

<texto>A classificação chiovendiana das sentenças, como é óbvio, não poderia

deixar de receber a influência das doutrinas liberais do final do século XIX. É sabido

que o Estado liberal foi caracterizado por garantir a liberdade individual mediante a

proibição da interferência do Estado na esfera dos particulares. Ora, a noção de

declaração, como sentença que regula apenas formalmente uma relação jurídica, sem

interferir concretamente na realidade social, está totalmente de acordo com a concepção

liberal de Estado. 654

<texto>Entretanto, não é apenas a sentença declaratória stricto sensu que está

comprometida com os valores do Estado liberal; a sentença condenatória igualmente

obedece a esses valores, pois também atua apenas no plano normativo. 655

653

Theodor Viehweg, Tópica e jurisprudência. Brasília, Departamento de Imprensa Nacional-UNB,

1979, p. 4. 654

Ver Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 70-72. 655

Ovídio Baptista da Silva, discorrendo sobre o “mundo jurídico” e a sua neutralidade (ao menos

pretendida) quanto a valores, diz o seguinte: “Não é de estranhar, portanto, que o direito esteja hoje

separado do fato, e as únicas ações que a doutrina reconheça sejam aquelas que operam exclusivamente

no mundo normativo, as declaratórias, condenatórias e constitutivas, considerando meras conseqüências

do ato jurisdicional as eventuais repercussões fáticas da sentença, como seus efeitos executivos e

Page 255: Tutela Inibitória - Marinoni

255

<texto>Conforme antes foi explicado, o juiz, através da sentença condenatória, além

de declarar, aplica a sanção, abrindo as portas para a execução forçada. Portanto, o que

interfere, em concreto, no plano da realidade social, é somente a execução. Sem a

execução, aliás, a sentença condenatória ficaria reduzida a uma espécie de sentença

declaratória.

<texto>Não há dúvida de que a idéia de jurisdição, como função meramente

declaratória, está nitidamente marcada pela relevância institucional que foi dada pelo

direito liberal ao poder legislativo. A sentença lato sensu declaratória, neste sentido,

apenas reafirmaria a vontade da lei e a autoridade do Estado-legislador; o juiz seria, em

outras palavras, e como desejou Montesquieu, apenas a boca da lei. 656

<texto>Liebman, ao tratar da sentença condenatória, disse que “não é função do juiz

expedir ordens às partes e sim unicamente declarar qual é a situação existente entre elas

segundo o direito vigente”. 657 Essa passagem da doutrina de Liebman reafirma algo

que poderia passar despercebido a quem se empenha em estudar a sentença

condenatória; o juiz aplica a sanção, ao invés de dar uma ordem, porque a função do

Judiciário seria apenas declarar de acordo com o “direito vigente”.

<texto>Alguém dirá que o juiz, ao ordenar, também declara. Note-se, entretanto,

que quando se diz que há uma ligação entre a função declaratória da jurisdição e a

relevância institucional conferida ao legislativo pelo direito liberal, não se nega – e nem

mesmo se poderia negar – que o juiz deve investigar a existência do direito afirmado

para, depois, declará-lo. O problema está em se reduzir a função do juiz à declaração –

mandamentais que, sendo fáticos, para a doutrina, não seriam jurídicos” (Ovídio Baptista da Silva,

Jurisdição e execução..., cit., p. 157). 656

Para explicar como funciona uma Constituição na qual o poder controla o poder, Montesquieu deve

indicar os poderes; deve estabelecer quais e quantos são os poderes que, em uma Constituição voltada a

garantir a liberdade do cidadão, são predispostos de modo a propiciar um mútuo controle. Neste

momento, ele enuncia uma tese extremamente importante na história das doutrinas jurídicas; os poderes

não são diversos nos diferentes Estados, mas são sempre e somente três. São eles: o Poder Legislativo, o

Poder Executivo das coisas que dependem do direito das gentes e o Poder Executivo das coisas que

dependem do direito civil. O poder “executivo das coisas que dependem do direito civil” também é

chamado de “poder de julgar”; é neste momento, aliás, que a expressão “poder de julgar”, ou “poder

judiciário”, incorpora-se ao vocabulário jurídico-político. O “poder de julgar” é exercido através de uma

atividade puramente intelectual, e não produtiva de “direitos novos”. Esta atividade não é apenas

limitada pela legislação, mas também pela atividade executiva que, objetivando a segurança pública,

abarca igualmente a atividade de execução material das decisões que constituem o conteúdo do “poder

de julgar”. Não é por razões diversas que Montesquieu acaba por afirmar que o “poder de julgar” é,

“de qualquer modo, um poder nulo” (Cf. Giovanni Tarello, Storia della cultura giuridica moderna

(assolutismo e codificazione del diritto). Bologna: Il Mulino, 1976, p. 287-291). 657

Enrico Tullio Liebman, Processo de execução, cit., p. 14.

Page 256: Tutela Inibitória - Marinoni

256

segundo o princípio de que “a ordem já estaria contida na lei” 658 –, privando-o da

possibilidade de dar ordens e de exercer imperium, o que faria retomar, aliás, segundo

parte da própria doutrina francesa, o papel que era atribuído ao juiz francês anterior à

Revolução Francesa. 659

<texto>O temor de se conferir ao juiz poder para dar ordens pode ser melhor

explicado através de uma comparação entre o nosso sistema e o da common law. 660 Há

na common law e, em particular, na disciplina do contempt of Court, 661 algo que não se

658

“Houve quem dissesse que na sentença condenatória se contém, além da declaração da existência do

direito, a ordem ao devedor de cumprir a sua obrigação. Todavia, esta ordem já existe na lei, e o juiz, em

todos os casos, não faz mais do que a declarar. (...) Não é função do juiz expedir ordens às partes e sim

unicamente declarar qual é a situação existente entre elas segundo o direito vigente. Idêntico é, neste

terreno, o conteúdo da sentença declaratória e da condenatória” (Enrico Tullio Liebman, Processo de

execução, cit., p. 14). 659

Georges Ripert e Jean Boulanger, Traité de droit civil, cit., p. 591. 660

É oportuno lembrar que o pretor romano exercia, através dos interditos, um poder semelhante àquele

que possui o juiz da common law, ou àquele que diz respeito à sentença que se consubstancia em uma

ordem que pode ser imposta mediante coerção. Na sentença que se impõe mediante coerção, aparece

muito mais imperium, como expressão da soberania estatal, do que iurisdictio. O ius dicere, que o direito

medieval reduziu somente à notio, compatibiliza-se plenamente com os pressupostos do Estado liberal, no

qual o poder de julgar foi concebido, na expressão do próprio Montesquieu, como um “poder nulo” (ver

Giovanni Tarello, Storia della cultura giuridica moderna (assolutismo e codificazione del diritto), cit., p.

291). John Henry Merryman (La tradición jurídica romano-canónica. México: Fondo de Cultura

Económica, 1968, p. 71-72), um eminente professor de direito comparado, ao demonstrar que o juiz da

civil law desempenha um papel muito mais modesto do que o seu colega da common law, afirma que

aquele tem uma posição e exerce uma série de funções determinadas pela tradição que remontam até o

iudex romano. Tal tradição, na qual o juiz jamais foi visto como artífice de uma atividade criadora, foi

influenciada, segundo Merryman, pela ideologia da revolução européia e pelas conseqüências lógicas da

doutrina da separação dos poderes. É possível dizer, assim, que o juiz da civil law, em razão da tradição e,

também, do princípio da separação dos poderes, exerce um papel semelhante ao do árbitro romano,

enquanto o juiz da common law está mais perto do pretor (ver, também, Ovídio Baptista da Silva, Curso

de processo civil, cit., v. 2, p. 248 e ss). 661

Há quem diga que a ética do protestantismo, em razão de seu forte acento sobre a responsabilidade

pessoal, teve influência sobre o sistema das injunctions, sabido que aí se tutelam, de forma absoluta, as

ordens do juiz civil. Eis o que diz Sergio Chiarloni: “... il contempt power costituisce un aspetto di una

generale concezione del processo fortemente influenzata dall’etica del protestantesimo ‘col suo forte

accento sulla responsabilità personale’, cosicché la severità delle ‘enforcements devices’ si spiega (anche)

riconoscendo il ‘religious and moralistic character’ che costituisce un momento essenziale del ‘vero

spirito’ che anima il common law, con il conseguente dispiegarsi di una ‘almost confessional athmosphere

in the relation between the Court and the party’. Né andava dimenticata la forte coesione social garantita,

almeno nelle piccole comunità decentrate, dal ‘popular, neighbourly character of the common law

institutions’, che facilita ad un tempo il controllo degli individui e la comunanza di valori tra questi ultimi

e l’autorità. Ed è quasi superfluo rilevare che ambedue queste caratteristiche mancano del tutto negli

ordinamenti di civil law, e specialmente in Italia” (Sergio Chiarloni, Ars distinguendi e tecniche di

attuazione dei diritti. Formalismi e garanzie (Studi sul processo civile). Torino: Giappichelli, 1995, p. 46-

47). Anote-se, ainda, a seguinte lição de Denti: “Su un piano che abbraccia nel loro complesso le forme

della tutela giudiziale, si può forse osservare che la stessa concezione del processo adversary, così

radicato nella tradizione di common law, è probabilmente inconcepibile, nel suo nucleo fondamentale, al

di fuori del quadro dell’etica del protestantesimo, col suo forte accento sulla responsabilità personale”

(Vittorio Denti, Diritto comparato e scienza del processo. Rivista di Diritto Processuale, 1979, p. 335).

Sobre a relação entre a ética protestante e o capitalismo, ver Max Weber, A ética protestante e o espírito

do capitalismo. Brasília: Pioneira, 1981; Anthony Giddens, Capitalismo e moderna teoria social. Lisboa:

Presença, 1990; Amintore Fanfani, Catolicismo y protestantismo en la genesis del capitalismo. Madrid:

Page 257: Tutela Inibitória - Marinoni

257

concilia com as bases do direito liberal, já que o juiz, armado de contempt power para

sancionar suas próprias ordens, passa a exercer importante papel criativo, deixando de

ser um mero burocrata. 662

<texto>O juiz da sentença condenatória é um juiz sem qualquer poder criativo e de

imperium, pois a sentença condenatória liga-se apenas – em razão do princípio da

tipicidade dos meios executivos663 – às formas de execução por sub-rogação previstas

na lei. 664 Ao contrário, o juiz que pode sancionar suas ordens com a multa, ou mesmo

determinar as “medidas necessárias” para a obtenção da tutela específica ou do

resultado prático equivalente, afasta-se daquela figura do juiz “neutro” e inerte, tão ao

gosto do direito liberal.

<texto>Não há dúvida de que o juiz brasileiro tem poder para dar ordens; basta

pensar no art. 84 do CDC e no art. 461 do CPC, para não falar no mandado de

segurança. O fato de o art. 84 do CDC ter dado ao juiz – dentro do sistema de tutela

coletiva – poder para dar ordens, torna possível a tutela de determinadas situações que

jamais poderiam ser efetivamente tuteladas através da sentença condenatória. 665

<texto>Os arts. 84 do CDC e 461 do CPC são importantes não só porque a ordem,

quando ligada à multa, detém uma elasticidade muito grande, o que a torna passível de

Rialp, 1958; Philippe Besnard, Protestantisme et capitalisme. Paris: Armand Colin, 1970; Norman

Birnbaum, Interpretações conflitantes sobre a gênese do capitalismo. Max Weber e Karl Marx (org. por

René Gertz), São Paulo: Hucitec, 1994. 662

Chiarloni, ao justificar a sua posição, no sentido contrário à introdução de algo similar ao Contempt of

Court no direito italiano, confirma o que estamos dizendo: “In particolare, nella disciplina del Contempt

of Court è individuabile una fonte di creazione del diritto da parte del giudice che non si può introdurre in

ordinamenti come quello italiano, a pena di snaturarne fondamentali aspetti di struttura. Senza contare

che, almeno negli USA, il giudice armato del contempt power per sanzionare i propri comandi è

organizzato su basi istituzionali ben diverse da quelle proprie del giudice di un Paese di diritto

continentale. Infatti, là l’organo giurisdizionale è espressione della società civile attraverso l’istituto della

giuria e il principio dell’elettività. Qui l’organo giurisdizionale è, invece, incardinato in un apparato

burocratico, separato, gerarchico e fortemente centralizzato” (Sergio Chiarloni, Ars distinguendi e

tecniche di attuazione dei diritti. Formalismi e garanzie (Studi sul processo civile), cit., p. 47). 663

Sobre a questão da tipicidade das formas de tutela executiva, ver, no direito italiano, Crisanto

Mandrioli, Sulla correlazione necessaria tra condanna ed eseguibilità forzata. Rivista Trimestrale di

Diritto e Procedura Civile, 1976, p. 1.342 e ss. 664

Micheli, ao lembrar que as formas tradicionais da execução por sub-rogação – ao contrário do uso da

multa, que atua sobre a vontade do réu – não viabilizam uma tutela preventiva efetiva, adverte para a

necessidade de se conferir mais imperium ao juiz italiano: “... In quest’ultimo caso l’esecuzione, e quindi

la tutela giurisdizionale, si attuano con la distruzione di ciò che è stato fatto in violazione dell’obbligo di

non fare, ma non possono prevenire la violazione stessa. Per giungere a tale risultato occorre dunque

accogliere una più intensa concezione dell’imperium spettante al giudice civile” (Gian Antonio Micheli,

L’azione preventiva. Rivista di Diritto Processuale, 1959, p. 222). 665

A respeito do art. 84 do CDC é importante consultar Kazuo Watanabe, Código Brasileiro de Defesa do

Consumidor (comentado pelos autores do anteprojeto), cit., p. 501 e ss.

Page 258: Tutela Inibitória - Marinoni

258

adequação a uma ampla variedade de situações concretas, 666 mas também porque a

tipificação dos meios de execução por sub-rogação nunca será suficiente para a tutela

das várias situações de direito substancial, especialmente daquelas que vêm surgindo,

dia após dia, em decorrência da vertiginosa evolução da sociedade.

<a>4.3 A expansão do conceito de obrigação e a universalização da sentença

condenatória

<texto>Havia, na época do direito romano, uma relação entre a obligatio, a actio e a

condemnatio. A actio contrapunha-se à vindicatio, sabido que esta última tutelava os

direitos reais, atuando mediante uma ordem para que o vencido não se opusesse à

retomada do bem espoliado. O vencido na ação real não era tratado como o devedor de

alguma coisa; apenas sofria a vindicatio do proprietário que vira seu direito declarado.

667

<texto>No direito real havia apenas uma relação entre sujeito e objeto e, portanto, a

violação do direito não gerava uma obrigação, exigindo-se apenas – mediante o

interdito – que o réu não se opusesse à retomada privada do bem espoliado. Como

definiu Paulo (D. 44, 7, fr. 3), “obligationum substantia non in eo consistit, ut aliquod

corpus nostrum aut servitutem nostram faciat, sed ut alium nobis obstringat ad dandum

aliquid, vel faciendum, vel praestandum” (a natureza das obrigações não consiste em

nos dar um bem ou uma servidão, mas em adstringir um outro a nos dar, nos fazer, nos

prestar algo).

<texto>Como observa Emilio Betti, o nexo jurídico entre o direito subjetivo privado

e a ação, no direito romano clássico, não era homogêneo e uniforme como no direito

666

Michele Taruffo, ao analisar as formas de execução da common law, atenta para o fato de que a

injunction, ao impor o fazer ou o não fazer, bloqueia a eventualidade substitutiva do ressarcimento do

dano derivado do inadimplemento. Nesse caso, ou se recorre a formas de execução específica por sub-

rogação, quando for possível, e quando a Corte assim julga oportuno, ou a execução é deixada ao

obrigado que, em caso de inadimplemento, é punível a título de Contempt of Court. (L’attuazione

esecutiva dei diritti: profili comparatistici. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1988, p.

151). 667

Ovídio Baptista da Silva, tratando da relação necessária entre a actio e a obligatio, bem como da

distinção entre a actio e a vindicatio, diz o seguinte: “a) a actio dizia respeito exclusivamente às

pretensões nascidas do direito das obrigações; b) o direito real era tutelado pela vindicatio; c) a execução

era privada e deveria ser levada a efeito pelo autor vitorioso, com a proteção e auxílio do pretor, mediante

a concessão de um interdito que, como vimos, não fazia parte propriamente da iurisdictio; d) quod

debetur era conceito referido exclusivamente ao direito das obrigações: o usurpador nada devia ao

proprietário, vencedor da reivindicatória; ele apenas deveria sofrer (patientia prestare) a vindicatio

(manum conserere) do titular do domínio que vira seu direito proclamado pelo iudex” (Jurisdição e

execução..., cit., p. 65).

Page 259: Tutela Inibitória - Marinoni

259

moderno, mas variava profundamente de acordo com a natureza do direito subjetivo que

deveria ser tutelado. Um era o nexo entre a obrigação e a ação pessoal (actio in

personam), outro o nexo entre o direito real e a ação real (actio in rem). Isto resulta –

conclui Betti – do próprio endereço dessas ações: a primeira, actio in personam, como

ação contra a pessoa; a segunda, actio in rem, como ação contra a coisa. 668

<texto>É sabido, contudo, que o direito moderno transformou a vindicatio em actio.

Este fenômeno é conseqüência da expansão do conceito de obrigação, que de sua raiz,

entrelaçada originariamente apenas com o contrato e com o dano, 669 estendeu-se a

todas as relações jurídicas.

<texto>É possível dizer que o hipertrofiamento do conceito de obrigação gerou a

universalização da condemnatio e a supressão dos interditos do panorama da “tutela dos

direitos”. Um indício deste fenômeno pode ser encontrado na seguinte passagem da

doutrina de Betti: “Examinando-se o nexo entre obrigação e ação de condenação,

primeiro no direito moderno, e depois no direito romano clássico, encontra-se uma

profunda distinção. No direito moderno, assim no direito das obrigações como no

direito real, a garantia que a lei cria ao interesse em relação a um determinado bem, faz

surgir, eventualmente, ao titular, a expectativa, e em outra pessoa a obrigação de

realizar voluntariamente esta expectativa. A diferença essencial é que a pessoa, de frente

a qual a expectativa surge, que em um lugar é determinada desde o início, em outro se

determina pela primeira vez com a violação do direito; mas em ambas as categorias de

direitos, igualmente estão presentes os elementos da expectativa e da obrigação”. 670

<texto>O mesmo Betti, em outra obra, tenta explicar as razões da expansão da

condemnatio. Refere-se o jurista ao momento em que teria havido a aproximação – por

adulteração do texto das Instituições de Gaio – entre a actio in rem e a actio in

personam: “O motivo e a tendência da alteração suposta, poderia ser encontrado no fato

de que os compiladores tenderam não só a suprimir todos os vestígios do processo

formulário clássico (D. 3, 5, 46 (47) 1), mas também a atenuar e quase a cancelar aquela

nítida contraposição que no sistema do direito clássico existia entre a figura da actio in

668

Emilio Betti, Teoria generale delle obbligazione. Milano: Giuffrè, 1953, v. 2, p. 14. 669

Como lembra Emilio Albertario, “le fonti, da cui deriva il diritto reale, e quelle da cui deriva il diritto

personale, sono nettamente distinte; e le forme rispecchiano questa diversità. Fonti delle obbligazioni

sono o il delictum o il contractus. Contratti e delitti nulla hanno a che vedere coi diritti reali: la forma

tipica con cui questi si costituiscono è solitamente la mancipatio o la in iure cessio” (In tema di

classificazione delle azioni – Actiones in rem e actiones in personam. Rivista di Diritto Processuale

Civile, 1928, p. 185-186). 670

Emilio Betti, Teoria generale delle obbligazione, cit., p. 14. Tradução livre.

Page 260: Tutela Inibitória - Marinoni

260

rem e a figura da actio in personam. Nas Instituições de Justiniano (4, 13, 5), estes

afirmam, um conceito de pretensão real como algo perfeitamente análogo a pretensão

pessoal. Estes dizem, de fato, contaminando dois passos de Gaio (III, 180, con IV 106-

7; cf. Segrè, Obligatio, in ‘Studi Bonfante’, III, 537: nr. 11, nt. 115); iudicio tecum

actum fuerit sive in rem sive in personam, nihilo minus obligatio durat”. 671

<texto>Ovídio Baptista da Silva toca exatamente nesta passagem da obra de Betti.

Lembrando que os compiladores justinianeus incluíram indevidamente a locução “sive

in rem” no texto das Instituições (III, 180), o professor da Universidade Federal do Rio

Grande do Sul reproduz a lição de Segrè, referida por Betti na passagem acima

transcrita672

. Eis o texto de Segrè, que demonstra claramente a aproximação entre a

actio in rem e a obrigação no direito giustinianeu: “No direito justinianeu ocorreu um

obscuramento da distinção, não só na fraseologia, mas ainda também em relação a

estrutura da actio in rem. Essa não mais se dirige, como no direito clássico, apenas ao

fim de reconhecer e portanto tutelar contra o atual possuidor o poder imediato do autor

sobre a coisa, mas pode também servir para fazer valer obrigações a cargo do réu; de

fato, estas mutações processuais relativas principalmente aos frutos, a perda e as

deteriorações da coisa, a equiparação do falso ao verdadeiro possuidor, pertencem em

geral ao direito justinianeu”. 673

<texto>Segrè, ao aludir ao “oscuramento della distinzione”, invoca, em nota de

rodapé, a doutrina de Perozzi. Perozzi, com efeito, foi bastante enfático ao referir-se ao

equívoco cometido pelos juristas do período justinianeu: “Se na idade justinianéia, a

matéria relativa à obrigação ainda não estava elaborada, não há motivo para surpreender

a constatação de que Justiniano tenha usado o termo ‘obrigação’ em vários casos em

que os Romanos não admitiam que a ação (...). Ele chega até mesmo a dar o nome de

‘obrigação’ ao dever de entregar uma coisa ao seu proprietário em virtude de sua

propriedade (par. 5, I, 4, 13): uma aplicação monstruosa do termo para um clássico e até

mesmo para um bizantino educado sobre os clássicos”. 674

<texto>Observa Ovídio, a partir da mencionada lição de Segrè, que “a contaminação

da vindicatio por elementos obrigacionais, no direito romano tardio, limitava-se ainda

671

Emilio Betti, La struttura dell’obligazione romana e il problema della sua genesi. Milano: Giuffrè,

1955, p. 49-50. Tradução livre. 672

Ovídio Baptista da Silva, Jurisdição e execução. São Paulo: RT, 1996, p. 67 e ss. 673

Gino Segrè, Scritti vari di diritto romano. Torino: Giappichelli, 1952, p. 320. Tradução livre. 674

Silvio Perozzi, Istituzioni di diritto romano. Roma: Atheneum, 1928, v. 2, p. 14. Tradução livre.

Esta passagem também é citada por Ovídio Baptista da Silva, Jurisdição e execução ..., cit., p. 68.

Page 261: Tutela Inibitória - Marinoni

261

exclusivamente às obrigações acessórias que gravaram o possuidor contra quem se

julgara procedente a reivindicatória. O demandado era condenado a indenizar ou

restituir os frutos, assim como a ressarcir o dano pela perda ou deterioração da coisa,

objeto da reivindicatória; não era condenado – pelo menos não com tanta evidência

como ocorre no direito moderno – a restituir a coisa, embora já se confundisse o dever

genérico atribuído a qualquer sujeito passivo do direito, com a obrigação, do Direito das

Obrigações”. 675

<texto>Não pode ser esquecido, contudo, que o valor que se deu à litis contestatio

também teve decisiva importância para a expansão da condenação.

<texto>Lembre-se que, através da litis contestatio, as partes assumiam o

compromisso de participar do processo e acatar o julgamento da lide; além disso, a litis

contestatio tinha a função de fixar os pontos litigiosos, definindo os limites da futura

sentença que seria proferida pelo iudex. Não é possível esquecer, ainda, que a litis

contestatio, produzindo um efeito análogo a uma novação, impedia que a obrigação

primitiva pudesse voltar a ser alegada em juízo. 676

<texto>Giuseppe Grosso, referindo-se à eficácia da litis contestatio nos iudicia

legitima e nos iudicia imperio continentia, esclarece que a eficácia da litis contestatio

nos iudicia imperio continentia resolvia-se através da exceptio rei iudicatae vel in

iudicium deductae, já que a litis contestatio, nessa hipótese, não consumia a obrigação,

deixando ao credor a possibilidade de propor a ação com base na mesma obrigação e

conferindo ao réu a possibilidade de apresentar exceção de coisa julgada, a qual – ao

contrário do que se passa no direito moderno – não podia ser decretada ex officio pelo

juiz. 677

<texto>No âmbito dos iudicia legitima, a eficácia da litis contestatio variava de

acordo com a natureza da ação; apenas no caso de actio in personam – jamais na

hipótese de actio in rem – a litis contestatio implicava na consumação da obrigação. 678

Sobre esse ponto, é oportuna a transcrição da esclarecedora lição de Grosso: “No âmbito

dos iudicia legitima em relação a ações com fórmula in ius concepta se põe uma

diferença entre actiones in rem e actiones in personam. E a diferença se liga à diversa

675

Ovídio Baptista da Silva, Jurisdição e execução ..., cit., p. 67-68. 676

Ver Giovanni Pugliese, La litis contestatio nel processo formulare. Rivista di Diritto Processuale,

1951; Franco Bonifacio, Litis contestatio. Novissimo Digesto Italiano, 1963. 677

Giuseppe Grosso, I problemi dei diritti reali nell’impostazione romana. Torino: Giappichelli, 1944, p.

235-236. 678

Idem, ibidem, p. 236.

Page 262: Tutela Inibitória - Marinoni

262

natureza das relações; a obrigação é consumida e extinta por efeito da litis contestatio

(cf. Gaio III, 180-181), enquanto para a relação real, ao contrário, não há extinção,

não há direta consumação da pretensão afirmada; a necessidade da preclusão da ação

real se explica através da exceção (...) De resto, deixando-se de lado também a diversa

explicação da eficácia, seja ipso iure seja per exceptionem, significativo é o fato que

para a obrigação se fala de extinção por efeito da litis contestatio, enquanto a

obrigação é plenamente consumada, quando assim não é para o direito real, que nem é

consumado nem é extinto”. 679

<texto>Afirmou-se, de fato, que a litis contestatio consumia a obrigação primitiva,

transformando a obrigação que lhe dera origem em uma espécie de obrigação

processual. 680 A litis contestatio, se podia ser equiparada a uma novação, não se

confundia com uma obrigação no sentido substancial.

<texto>Se a litis contestatio consumia a relação jurídica obrigacional primitiva, era

natural que isto ocorresse apenas no tocante às ações pessoais. É importante observar

que a litis contestatio “transformava” a obrigação originária e, portanto, sempre

supunha uma obrigação anterior; isso quer dizer, precisamente, que a litis contestatio

não criava um vínculo sem a existência de uma relação obrigacional primitiva. 681

<texto>O problema surge – ao que nos parece – quando se atribui à litis contestatio

a magia de criar uma relação obrigacional no caso em que não há uma obrigação

anterior. Se é certo que a litis contestatio não cria uma nova relação jurídica substancial,

pior ainda é atribuir a ela o poder de criar uma obrigação quando não há, na base,

qualquer relação obrigacional. O autor da reivindicatória, em virtude da litis contestatio,

passaria a ser titular de um direito obrigacional e, em virtude da sentença (que seria

então condenatória), de uma obrigação de entrega de coisa. É o que parece querer dizer

Ovídio: “A pandetística, com efeito, ensinava que a litis contestatio correspondia a um

contrato judicial e que o próprio processo tinha natureza contratual, quando hoje se sabe

que esse instituto absolutamente não criava uma obrigação, se antes da propositura da

ação uma verdadeira relação obrigacional não existisse. Porém, como a litis contestatio

– uma solenidade imposta aos litigantes em todas as actiones – passara a ser pressuposto

679

Idem, ibidem, p. 236. 680

“La contestazione della lite aveva ne’giudizi legittimi e nella azioni personali in ius conceptae effetto

di distruggere totalmente il rapporto, cioè l’obbligazione, che prima esisteva tra le parti e generarne

invece uno nuovo stabilito dal contratto con cui le parti se obbligavano ad accettare il giudizio” (Pietro

Bonfante, Istituzioni di diritto romano. Milano: Giuffrè, 1975, p. 128). 681

Ovídio Baptista da Silva, Jurisdição e execução ..., cit., p. 72 e ss.

Page 263: Tutela Inibitória - Marinoni

263

geral de todos os processos, foi fácil aos juristas, manejando os textos romanos, segundo

seus interesses, imaginar que o direito que caísse no processo sofreria uma prodigiosa

metamorfose, transformando-se numa relação obrigacional”. 682

<texto>A aproximação entre as ações in personam e as ações in rem, realizada a

partir do período justinianeu, contribuiu para a formação do que se passou a chamar de

“personalização” do direito real, fenômeno que teve consagração em uma conclusão de

Kant, segundo a qual todo direito – real ou pessoal – resume-se em uma relação

interpessoal, vale dizer, obrigacional entre pessoas, e não numa relação entre pessoa e

coisa. 683

<texto>Kant não admite que as coisas possam ser objeto de direitos e deveres e

sustenta que a relação jurídica, na qual estão em relação direitos e deveres, configura-se

sempre entre pessoas, oferecendo assim a primeira configuração da teoria personalista

do direito real, na qual o caráter absoluto da relação torna-se a nota qualificante da

categoria. 684

<texto>De acordo com a chamada teoria “personalista” do direito real,

predominante na segunda metade do século XIX e na primeira metade do século XX, a

relação entre sujeito e coisa não teria relevância jurídica, pois o direito seria constituído

por regras atinentes às relações intersubjetivas; a relação jurídica dar-se-ia

exclusivamente entre sujeito e sujeito, e não entre sujeito e coisa. 685 O direito real,

nesta perspectiva, é configurado como poder ou pretensão de um sujeito no confronto de

todos os outros sujeitos do ordenamento, os quais são levados a se abster de qualquer

ingerência sobre a coisa. Dessa forma, o conteúdo do poder que constitui o direito real

torna-se negativo, da mesma forma que é negativo o dever geral, que recai sobre todos

os sujeitos do ordenamento, de não turbar o titular do direito no exercício do próprio

direito. 686

<texto>O alargamento do conceito de obrigação, que se deu principalmente em

razão dos fatores antes expostos, conduziu à universalização da sentença condenatória.

Ou seja, a falta de efetividade que se sente, quando se percebe que a sentença

condenatória não é adequada à tutela de determinadas situações de direito substancial, é

682

Idem, ibidem, p. 70. 683

Idem, ibidem, p. 140. 684

Marco Comporti, Diritti reali in generale, cit., p. 13. 685

Idem, ibidem, p. 9-10. 686

Idem, ibidem, p. 10.

Page 264: Tutela Inibitória - Marinoni

264

fruto da indevida expansão do conceito de obrigação e do entendimento de que toda

sentença condena a uma prestação que – em caso de não-cumprimento espontâneo –

deve ser obtida através de execução.

Page 265: Tutela Inibitória - Marinoni

265

<tit>5

<tit1>A CRISE DA SENTENÇA CONDENATÓRIA

E A TENTATIVA DE RECONSTRUÇÃO

DO SEU CONCEITO NA ITÁLIA

<s>SUMÁRIO: 5.1 As razões da tentativa de reconstrução do conceito de

sentença condenatória na Itália – 5.2 A importância da leitura constitucional do

direito de ação. O princípio constitucional da efetividade e o entendimento de

que o direito à adequada tutela jurisdicional garante o direito às medidas

coercitivas – 5.3 O valor do princípio chiovendiano de que o processo deve dar a

quem tem um direito tudo aquilo e exatamente aquilo que ele tem o direito de

obter – 5.4 A tese de Proto Pisani: uma tentativa de reformulação do conceito de

condenação – 5.5 A crítica de Chiarloni – 5.6 A situação atual na doutrina

italiana – 5.7 Propostas de modificação do Código de Processo Civil italiano.

<a>5.1 As razões da tentativa de reconstrução do conceito de sentença

condenatória na Itália

<texto>Não há, no Código de Processo Civil italiano, norma similar à do art. 461 do

CPC brasileiro, que permite a imposição de multa para convencer o obrigado a adimplir.

<texto>A sentença que tem por objeto um direito de conteúdo negativo, ou um

direito a um fazer infungível, seria – no entendimento de parte da doutrina italiana –

meramente declaratória, justamente porque insuscetível de atuação.687

É digna de nota a

lição de Aldo Attardi, onde fica evidenciado que a única forma de tutela viável para

esses direitos seria a declaratória: “Considerado, de fato, que a função peculiar do

processo de condenação é a constituição de um título executivo, deve ser entendido

como inadmissível um processo de condenação que tenha por objeto um direito de

687

V. Sergio Chiarloni, Misure coercitive e tutela dei diritti, cit., p. 142.

Page 266: Tutela Inibitória - Marinoni

266

conteúdo negativo, uma vez que no nosso ordenamento não são previstos meios para a

realização forçada de um direito deste tipo. A única forma de tutela de direitos de

conteúdo negativo, como para os direitos um fazer infungível, é portanto o processo de

declaração, quando naturalmente esteja presente o correspondente interesse de agir”.688

<texto>Na verdade, o Código de Processo Civil italiano não admite que alguém

obtenha a tutela específica de um direito que dependa de prestação infungível. O

processo civil italiano, em outras palavras, aceita a impotência das sentenças

tradicionais para a tutela específica e, o que é mais grave, para a tutela dos direitos que

não se compadecem com a técnica ressarcitória. Note-se que aí o processo não está a

serviço do direito material; ele está impedindo a tutela jurisdicional do direito.

<texto>Recentemente, em vista principalmente da necessidade de se dar efetividade

à tutela de reintegração do trabalhador no emprego,689

a doutrina italiana passou a

elaborar uma tentativa de reconstrução dogmática da sentença condenatória.690

A norma

que trata da reintegração do trabalhador no emprego – art. 18 do Estatuto dos

Trabalhadores – assinala a passagem de um regime de simples “monetização” do dano

sofrido pelo trabalhador injustamente despedido a um sistema que tem por fim tutelar a

estabilidade real no posto de trabalho.691

Como a decisão que determina a reintegração

no trabalho é caracterizada por uma ampla margem de infungibilidade,692

parte da

688

Aldo Attardi, L’interesse ad agire. Padova : Cedam, 1958, p. 117. Tradução livre. 689

Sobre a questão da reintegração do trabalhador no emprego, consultar Massimo D’Antona, La

reintegrazione nel posto di lavoro (art. 18 dello Statuto dei Lavoratori). Padova : Cedam, 1979; Michele

Taruffo, Problemi in tema di esecutorietà della condanna alla reintegrazione del lavoratore. Rivista

Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1976, p. 789 e ss; Adolfo di Majo, Reintegrazione nel posto di

lavoro e controllo del potere nell’impresa (a proposito di una pubblicazione). Rivista Giuridica del

Lavoro, 1979, p. 187 e ss. 690

É importante lembrar, porém, a advertência de Tarzia: “Avere ripensato l’intera portata

dell’esecuzione forzata in forma specifica, da un lato, e delle misure coercitive, dall’altro, e averne

proposto un’integrazione reciproca, costruendo un’esecuzione ‘mista’, direta e indiretta, sulla sola

esigenza di attuare, al massimo grado ritenuto possibile, la reintegra forzata del lavoratore licenziato, ha

costituito la proiezione di una problematica particolare (trattata con alquanta prudenza, e com un sistema

accorto di misure di pressione, nell’art. 18 st. lav.) su un campo di assai più vasta portata: una induzione,

insomma, dal particolare al generale, sulla quale sarebbe di certo fruttuosa un’approfondita riflessione

critica” (Giuseppe Tarzia, Presente e futuro delle misure coercitive civili. Rivista Trimestrale di Diritto e

Procedura Civile, 1981, p. 803). 691

Cf. Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 202. 692

“Il problema delle misure coercitive non è nuovo nella storia degli ordenamenti europei, anzi,

accompagna la più generale evoluzione degli strumenti di tutela giurisdizionale. È peraltro noto che esso

è relativamente nuovo nel nostro ordinamento, perché, dopo un periodo successivo all’entrata in vigore

del codice, in cui l’attenzione della dottrina si concentra sul tema dell’esecuzione in forma specifica degli

obblighi di fare, è soltanto negli anni’70 che il problema delle misure coercitive viene posto in primo

piano. Ciò non avviene però nell’ottica di una sistemazione dogmatica e concettuale del fenomeno, ma

per l’emergere di esigenze di tutela, in tutto o in parte ‘nuove’, che non trovano risposte soddisfacenti nel

preesistente sistema della tutela esecutiva. Al riguardo vi è, da un lato, uno stimolo specifico e, dall’altro

lato, la più generale maturazione della riflessione dei giuristi intorno a temi come l’effettività e

Page 267: Tutela Inibitória - Marinoni

267

doutrina pensou na aplicação do art. 650 do CP italiano como medida de coerção

destinada a pressionar o empregador a adimplir.693

<texto>Não é o caso de se fazer referência aos argumentos que foram utilizados

pelos que admitiram e pelos que não admitiram a aplicação da prisão como meio de

coerção destinado a convencer o empregador a cumprir a decisão. O que importa é

deixar claro que a doutrina italiana tentou introduzir na sentença condenatória uma

ordem que, em caso de descumprimento, levaria à decretação da prisão. Na verdade, a

doutrina italiana, preocupada com a efetividade da norma que prevê a reintegração do

trabalhador no emprego, encontrou no Código Penal um meio para evitar que a sentença

do juiz se transformasse em mera recomendação.

<texto>Há, no direito italiano, uma série de situações em que a sentença não pode

ser executada na forma específica e em que o ressarcimento não se afigura como tutela

adequada; as chamadas “novas situações de vantagem”, freqüentemente conexas a

princípios ou garantias constitucionais, e muitas vezes com conteúdo não patrimonial,

não podem ser adequadamente tuteladas diante da ausência de meios coercitivos.694

Como observa Proto Pisani, a inexistência desses meios equivale a afirmar que a

sentença condenatória é de iure – e não só de fato – impotente para fazer valer a lei,

com referência justamente às situações subjetivas às quais a própria Constituição

italiana reserva uma posição superior.695

<texto>Uma vez que a sentença condenatória, em sua definição clássica, não é hábil

a permitir a prevenção do ilícito, verificou-se a necessidade de reelaboração do conceito

de condenação, para que então pudesse surgir uma tutela efetivamente preventiva. O

surgimento dos chamados “novos direitos”, relacionados com a sociedade de massa e

com a evolução da tecnologia, exigia não só um processo do tipo coletivo em

contraposição ao processo individual, mas igualmente o repensar da sentença

condenatória para o aparecimento de uma técnica que fosse capaz de garantir de forma

adequada tais direitos.

l’adeguatezza della tutela esecutiva, la natura e la funzione della tutela di condanna, e l’emersione o una

più intensa attenzione accordata ai ‘nuovi diritti’ o alle nuove ‘situazioni di vantaggio’. Lo stimolo

specifico è costituito dagli artt. 18 e 28 St. Lav., e dai problemi di non facile soluzione che essi pongono

quanto all’esecuzione del provvedimento che contenga, in particolare, la condanna alla reintegrazione

del lavoratore nel posto di lavoro” (Elisabetta Silvestri e Michele Taruffo, Esecuzione forzata.

Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 13, p. 1). Ver Salvatore Mazzamuto, L’attuazione degli obblighi di

fare, cit., 1978, p. 4 e ss. 693

Ver Massimo D’Antona, La reintegrazione nel posto di lavoro, cit., p. 241 e ss. 694

Ver Elisabetta Silvestri e Michele Taruffo, Esecuzione forzata. Enciclopedia Giuridica Treccani, v.

13, p. 1. 695

Andrea Proto Pisani, Lezioni di diritto processuale civile. Napoli : Jovene, 1994, p. 171.

Page 268: Tutela Inibitória - Marinoni

268

<texto>Lanfranco Ferroni, em intervenção no famoso congresso sobre “Processo e

tecniche di attuazione dei diritti”, realizado em Palermo, esclarece a motivação da

doutrina italiana diante da impotência da sentença condenatória para a adequada tutela

dos direitos: “O auspício, quase unanimemente manifestado pela doutrina, a que

venham introduzidas medidas coercitivas indiretas para a atuação das sentenças

condenatórias proferidas pelo juiz civil, foram animadas pela exigência explícita de

prestar uma tutela adequada a situações existenciais ou, em sentido amplo, não

patrimoniais, que, pela sua própria natureza, refutam a lógica ressarcitória, e para a

quais, portanto, pouco se adaptam os mecanismos da responsabilidade patrimonial e da

expropriação forçada”.696

<texto>Inconformada com a inefetividade do sistema baseado no binômio sentença

condenatória-execução forçada, a doutrina italiana chega a falar em “mercificazione dei

diritti”,697

certa de que a impossibilidade da realização concreta de direitos não

patrimoniais equivale a uma real expropriação desses direitos.

<texto>A doutrina, ao afirmar que os direitos não patrimoniais não podem ser

tutelados através da sentença condenatória, adverte que é inadmissível uma posição

teórica voltada a preservar uma sentença que garante apenas os interesses monetários

das pessoas. Nesse sentido, registre-se a interessante observação de Elisabetta Silvestri e

Michele Taruffo: “A chave das argumentações de quem nega ou desvaloriza o problema

das medidas coercitivas está na afirmação de que o problema da efetividade da sentença

de condenação na realidade não existe, porque, quando se tratar de obrigações não

suscetíveis de execução forçada, estas se convertem automaticamente na obrigação de

prestar o equivalente monetário da prestação inadimplida ou de ressarcir o dano. Que

esta posição seja criticável, em uma perspectiva ideológica, por parte de quem não está

disposto a reconhecer que todos os direitos podem ser convertidos em dinheiro, e que a

tutela jurisdicional dos direitos não objetive somente os interesses monetários das

pessoas, não há dúvida ...”.698

<a>5.2 A importância da leitura constitucional do direito de ação. O princípio

constitucional da efetividade e o entendimento de que o direito à adequada

696

Lanfranco Ferroni, Considerazioni sulla tutela delle situazioni non patrimoniali. Processo e tecniche di

attuazione dei diritti. Napoli : Jovene, 1989, p. 235. Tradução livre. 697

Andrea Proto Pisani, Appunti sulla giustizia civile, cit., p. 127 e ss. 698

Elisabetta Silvestri e Michele Taruffo, Esecuzione forzata. Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 13, p.

3. Tradução livre.

Page 269: Tutela Inibitória - Marinoni

269

tutela jurisdicional garante o direito às medidas coercitivas

<texto>Afirma a doutrina italiana que o ordenamento jurídico deve garantir uma

efetiva “tutela dei diritti” que nele são reconhecidos e garantidos. Deixaria de cumprir

sua função o ordenamento que se limitasse a reconhecer a abstrata titularidade dos

direitos e/ou de qualquer forma a relevância de determinadas classes de interesses, mas

não se preocupasse em garantir a efetiva tutela dos direitos e interesses.699

De acordo

com Adolfo di Majo, a exigência de tutela pode considerar-se implicitamente

reconhecida no próprio princípio da efetividade, que caracteriza o ordenamento jurídico:

“Um ordenamento se diz efetivo não apenas quando está formalmente em vigor, e assim

posto (positus) em conformidade com as regras que presidem a produção do direito

(regras sobre as fontes de produção), porém quando encontra concreta correlação na

realidade econômico-social, e assim nos fatos, como vulgarmente se diz, no sentido que

os comportamentos, particulares e coletivos, a estes (ao menos em geral)

espontaneamente se adeqüem, ou sejam operantes medidas coercitivas que realizem esta

adequação ou introduzam resultados ‘substitutivos’”.700

<texto>Proto Pisani – o processualista que escreve o ensaio que, reconstruindo o

conceito de sentença condenatória, causa grande polêmica (como se verá a seguir, item

5.4) – raciocina a partir de premissas semelhantes àquelas que são postas por Adolfo di

Majo, já que, segundo ele, “sem direito processual o direito substancial não pode existir

em um ordenamento caracterizado pela proibição de autotutela privada (ao menos não

pode existir como fenômeno jurídico, uma vez que a sua atuação, antes de ser garantida

pelo Estado, é renegada às meras relações de força: com a conseqüência que o detentor

ou os detentores do poder de fato tornem-se os detentores do poder legal,

independentemente do que estabelecem as normas substanciais)”.701

<texto>O art. 24 da Constituição italiana, ao dispor que “tutti possono agire in

giudizio per la tutela dei propri diritti e interessi legittimi”,702

permitiu que a doutrina

699

Adolfo di Majo, La tutela civile dei diritti, cit., p. 1. 700

Idem, ibidem. Tradução livre. 701

Andrea Proto Pisani, Breve premessa a un corso sulla giustizia civile. Appunti sulla giustizia civile.

Bari : Cacucci, 1982, p. 10. Tradução livre. 702

Art. 24 da Constituição da República italiana: “Tutti possono agire in giudizio per la tutela dei propri

diritti e interessi legittimi.

La difesa è diritto inviolabile in ogni stato e grado del procedimento.

Sono assicurati ai non abbienti con appositi istituti, i mezzi per agire e difendersi davanti ad ogni

giurisdizione.

La legge determina le condizioni e i modi per la riparazione degli errori giudiziari”.

Page 270: Tutela Inibitória - Marinoni

270

passasse a tratar, com os olhos na Constituição, da necessidade de se dar tutela efetiva

aos direitos. O art. 24, em princípio, garantiria apenas o direito a uma sentença de

mérito: “O direito à tutela jurisdicional ex art. 24, primeira parte, da Constituição

italiana, implica necessariamente a garantia da pronúncia de um provimento sobre o

fundamento da demanda proposta: isto é, a garantia de uma decisão de mérito”.703

<texto>Em uma primeira análise, portanto, não estaria albergado na garantia

constitucional o direito às medidas executivas ou o direito às medidas coercitivas. É o

que demonstra, ainda que discordando da doutrina tradicional, Adolfo di Majo: “O que

é sujeito a crítica é a comum convicção de que a garantia de efetividade de tutela se

limita à possibilidade reconhecida aos cidadãos de exigir que os órgãos jurisdicionais

conheçam os seus próprios direitos e que, no êxito, emitam provimento de condenação.

Não há, ao invés, alguma garantia concreta de que são predispostos instrumentos

executivos destinados a tornar efetiva a condenação. Por exemplo, não há garantia que

condenações a obrigações de fazer ou de não fazer possam ser objeto de coerção”.704

<texto>Michele Taruffo, certamente estimulado pela necessidade de dar efetividade

à sentença que depende de medidas coercitivas, escreveu um original e importante

ensaio, sugestivamente denominado “Note sul diritto alla condanna e

all’esecuzione”.705

Neste trabalho, que foi publicado na “Rivista Critica del Diritto

Privato”,706

o professor da Universidade de Pavia adverte, inicialmente, que ainda não

foi adequadamente definido, na perspectiva da efetividade, no que consiste o fim da

ação, ou o que deve entender-se por tutela jurisdicional.

<texto>Ninguém duvida que o direito de ação é garantido constitucionalmente; é

certo que o art. 24 garante a todos o acesso à justiça para a “tutela dei propri diritti”. O

que não havia sido perguntado é se o direito de ação compreende o direito às

modalidades executivas707

ou, em outras palavras, se o direito à tutela jurisdicional é

apenas o direito à sentença do processo de conhecimento ou, mais amplamente, o direito

703

Italo Andolina, Il modello costituzionale del processo civile italiano. Torino : Giappichelli, 1990, p.

86. Tradução livre. 704

Adolfo di Majo, Forme e tecniche di tutela. Processo e tecniche di attuazione dei diritti. Napoli :

Jovene, 1989, p. 32. Tradução livre. 705

Giuseppe Tarzia reconhece que o interesse da doutrina pelas medidas coercitivas se liga a uma

tendência em assegurar, ao máximo possível, a efetividade da tutela jurisdicional e, em particular, da

tutela de condenação (Presente e futuro delle misure coercitive civili. Rivista Trimestrale di Diritto e

Procedura Civile, 1981, p. 801). 706

Michele Taruffo, Note sul diritto alla condanna e all’esecuzione. Rivista Critica del Diritto Privato,

1986, p. 635 e ss. 707

Ver, também, Massimo D’Antona, La reintegrazione nel posto di lavoro, cit., p. 169 e ss.

Page 271: Tutela Inibitória - Marinoni

271

à tutela adequada à realização concreta do direito material.708

<texto>Taruffo afirma que é lícito duvidar da compatibilidade da tese sustentada

pela doutrina clássica – que estabelece a correlação entre a condenação e a execução

forçada – com uma leitura adequada do art. 24 da Constituição italiana,709

já que tal

modo de conceber a sentença condenatória não permite a tutela efetiva de uma série de

situações de direito material: “A tese em exame (que aceita a idoneidade da sentença

condenatória, ainda que ela não seja capaz de dar tutela às obrigações infungíveis) pode

ser admitida apenas se ignorar a dimensão constitucional do problema da tutela dos

direitos. Também aqui se encontra um comportamento difundido, consistente em não ler

as normas ordinárias a partir das garantias constitucionais, mas em reduzir a eficácia de

tais garantias somente àquele tanto, ou pouco, que de fato já é assegurado pelas normas

ordinárias”.710

<texto>Argumenta Taruffo, com razão, que salvo a vontade do titular do direito, não

deveria ser admitida a redução de uma forma de tutela mais eficaz (por exemplo, a de

condenação) em uma menos eficaz (por exemplo, a declaratória). O mesmo critério

deveria também induzir a excluir, em princípio, que ao titular do direito seja atribuído

um bem diferente daquele que lhe é devido. Assim, não só é eliminada a geral e

automática transformação da prestação no seu equivalente econômico, como tal

transformação é configurada como uma eventualidade residual que é admissível

somente quando, tendo-se tornado impossível a prestação, não se pode evitar a

degradação da tutela na atribuição do substitutivo monetário.711

<texto>Adverte Taruffo, na seqüência, que quando a necessidade de tutela consiste

708

“In particolare, al di là di ciò che discende da un diverso contesto, rappresentato dalla teoria o dalle

teorie dell’azione, non è ben chiaro in che consista concretamente l’oggetto della tutela. Se è ovvio che

esso consista almeno nella dichiarazione del diritto fatto valere, sussistono dubbi circa l’eventualità che

esso comprenda anche l’attuazione del diritto, e circa il significato da assegnare alla stessa ‘attuazione del

diritto’” (Michele Taruffo, Note sul diritto alla condanna e all’esecuzione. Rivista Critica del Diritto

Privato, 1986, p. 636-637). 709

Cabe registrar que Pisani já havia feito esta advertência: “O l’ordinamento conosce forme diverse

dall’esecuzione forzata per assicurare l’adempimento di quegli obblighi che non sono suscettibili di

esecuzione forzata e per garantire l’attuazione di una condanna che assolva una funzione diretta a

prevenire (e non solo a reprimere) la violazione, o per una serie particolarmente numerosa di diritti

(insuscettibili per loro natura di essere adequatamente soddisfatti nella forma dell’equivalente monetario

o necessitanti di forme di tutela dirette a prevenire oltre che a reprimere la violazione) il processo civile è

de iure e non solo di fatto impotente ad attuare la legge, impotente cioè – come si è detto più volte – ad

assolvere quella funzione strumentale cui istituzionalmente – anche ai sensi dell’art. 24 cost. – è

preordinato” (Andrea Proto Pisani, Appunti sulla tutela di condanna. Rivista Trimestrale di Diritto e

Procedura Civile, 1978, p. 1.123). 710

Michele Taruffo, Note sul diritto alla condanna e all’esecuzione. Rivista Critica del Diritto Privato,

1986, p. 640-641. Tradução livre. 711

Idem, ibidem, p. 645.

Page 272: Tutela Inibitória - Marinoni

272

no prevenir a provável violação do direito, no fazer cessá-la ou no evitar-lhe a repetição,

não se pode obrigar o titular do direito a esperar a continuação da violação, ou mesmo a

sofrê-la, para só então poder requerer o ressarcimento dos danos: tal forma de tutela

seria “assai curiosa” e “sicuramente non molto efficace”.712

Taruffo lembra que a

necessidade de tutela inibitória, em vista das novas situações que emergem, é cada vez

maior, e que, portanto, é necessária a superação da tipicidade das inibitórias previstas

para situações específicas, configurando-se uma “inibitoria atipica” idônea a prevenir ou

a fazer cessar a violação do direito sempre que a situação concreta o exigir.713

<texto>Taruffo não poderia deixar de dizer que se pode falar de tutela jurisdicional

efetiva não só quando é possível chegar, no processo de conhecimento, a uma sentença

de condenação, mas também quando – ausente o adimplemento espontâneo do obrigado

– existem instrumentos idôneos a fazer com que a sentença encontre atuação concreta,

permitindo-se, assim, que a situação de fato torne-se correspondente à situação de

direito nela declarada.714

<texto>Taruffo conclui, então, que da garantia prevista no art. 24 da Constituição

italiana decorre não só o direito à condenação, nos casos em que esta seja a forma de

tutela adequada em relação à situação jurídica deduzida em juízo, mas também o direito

a obter a execução coercitiva nas hipóteses em que falte o adimplemento espontâneo.715

<texto>Nessa mesma linha, não pode deixar de ser lembrado um recente trabalho de

Comoglio, Principi costituzionali e processo di esecuzione, publicado nos Studi in

memoria di Gino Gorla, onde o colega de Taruffo na Universidade de Pavia, igualmente

considerando o significado constitucional da “efetividade da tutela jurisdicional”,

argumenta que, se é verdade que o elemento teleológico atribui plena relevância

constitucional ao fim da tutela, é também verdade que as condições de efetividade da

tutela somente podem ser reputadas satisfeitas quando a própria tutela assegura, dentro

das diversas formas disponíveis, o remédio jurisdicional adequado à natureza dos

direitos ou interesses substanciais afirmados em juízo.716

Isto significa – diz Comoglio –

712

Idem, ibidem, p. 646. 713

Idem, ibidem, p. 647. 714

Idem, ibidem, p. 650. 715

Idem, ibidem. 716

Comoglio, que é professor de Direito Processual Comparado, referindo-se ao “derecho a obtener la

tutela efectiva de los jueces y tribunales”, previsto na Constituição espanhola, afirma que esse direito

“esprime una realtà garantistica molto complessa, includendo fra le sue componenti non solo

l’aspirazione ad un processo pubblico, prevalentemente orale e rapido, sin dilaciones indebidas, ma anche

– quale corollario essenziale – il diritto ad un’esecuzione effettiva delle sentenze giurisdizionali.” (Luigi

Page 273: Tutela Inibitória - Marinoni

273

que a sentença de condenação não poderá ser dita efetiva se – no caso de

inadimplemento do devedor – aquele que a obteve não tiver a sua disposição “efficaci

ed adeguati strumenti di tutela esecutiva, capaci di dare concreta attuazione a quella

condanna”.717

<texto>A importância dos trabalhos de Taruffo e Comoglio está não só em

demonstrar a insuficiência, no plano da efetividade, do conceito de sentença

condenatória, ou em propor uma leitura do direito de ação à luz do art. 24, dele

extraindo um direito à tutela jurisdicional como sinônimo de direito à realização

concreta do direito material, mas também em demonstrar o real papel que os valores

constitucionais devem ter na crítica da lei.718

<a>5.3 O valor do princípio chiovendiano de que o processo deve dar a quem tem

um direito tudo aquilo e exatamente aquilo que tem o direito de obter

<texto>A inefetividade da sentença condenatória levou parte da doutrina italiana719

a lembrar o célebre princípio de Chiovenda – no sentido de que o processo deve dar a

quem tem um direito tudo aquilo e exatamente aquilo que tem o direito de obter – para

evidenciar a necessidade da reconstrução do conceito de sentença condenatória.720

<texto>Cabe lembrar, porém, que Chiovenda, apesar de ter dito que o processo deve

dar a quem tem um direito tudo aquilo e exatamente aquilo que tem o direito de obter,

afirmou, nas suas “Instituições”, o seguinte: “Se, por sua natureza ou por falta de meios

Paolo Comoglio, Principi costituzionali e processo di esecuzione. Studi in memoria di Gino Gorla.

Milano : Giuffrè, 1994, tomo 2, p. 1.586-1.587). 717

Luigi Paolo Comoglio, Principi costituzionali e processo di esecuzione. Studi in memoria di Gino

Gorla, tomo 2, cit., p. 1.589. 718

Como escreve Clèmerson Merlin Clève, a lei não pode dispor de qualquer conteúdo. “O conteúdo da

lei deve concretizar a idéia de direito lançada na Constituição ou pelo menos não contrariá-la. Essa

construção permite apontar a substancial inconstitucionalidade de qualquer lei injusta, ou seja, de

qualquer lei que contrarie os standards de justiça plasmados normativamente no documento

constitucional. A dogmática constitucional alternativa deve desenvolver essa construção para filtrar todo

o direito infraconstitucional, apontando inconstitucionalidades (não apenas formais, mas especialmente

materiais), ou sugerindo novas leituras ajustadoras da legislação infraconstitucional à materialidade

constitucional” (A teoria constitucional e o direito alternativo. Direito Alternativo, publicação do Instituto

dos Advogados Brasileiros, p. 49). Ver, também, Vittorio Denti, Valori costituzionali e cultura

processuale. Rivista di Diritto Processuale, 1984, p. 461 e ss. 719

Andrea Proto Pisani, Appunti sulla tutela di condanna. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura

Civile, 1978, p. 1.104 e ss; Massimo D’Antona, La reintegrazione nel posto di lavoro..., cit., p. 169 e ss. 720

“L’analisi dei rapporti tra diritto sostanziale e processo, anche se condotta a livello elementare,

evidenzia come la tutela di condanna sia o dovrebbe essere la forma di tutela giurisdizionale civile dotata

di maggiore forza coercitiva. Si tratta di una forma di tutela di cui nessun ordinamento processuale può

fare a meno ove voglia assolvere la sua funzione strumentale di garantire al titolare del diritto ‘per quanto

possibile tutto quello e proprio quello’ che ha diritto di conseguire in base alla legge sostanziale” (Andrea

Proto Pisani, Appunti sulla tutela di condanna. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1978, p.

1.105).

Page 274: Tutela Inibitória - Marinoni

274

de sub-rogação, não se pode conseguir um bem senão com a execução por via coativa, e

os meios de coação não estão autorizados na lei, aquele bem não é conseguível no

processo, salvo a atuação (se possível, por sua vez) da vontade concreta de lei que

deriva da lesão ou inadimplemento do direito a uma prestação; salvo, por exemplo, o

direito ao ressarcimento do dano”.721

<texto>Proto Pisani, em um dos mais originais e polêmicos trabalhos publicados na

Itália nas últimas décadas, afirma que seria injusto dizer que Chiovenda limitou-se a

registrar que a única tutela das obrigações insuscetíveis de execução direta seria a

prestada pelo equivalente.722

Seria injusto ler de tal modo Chiovenda porque toda sua

obra é voltada a pôr em relevo – algumas vezes através de árduas operações

hermenêuticas – os instrumentos técnicos idôneos a fazer atuar o princípio segundo o

qual “il processo deve dare per quanto è possibile praticamente a chi ha un diritto tutto

quello e proprio quello ch’egli ha diritto di conseguire”.723

Lembra Pisani, além disso,

que é de Chiovenda a frase de que “o processo como organismo público de atuação da

lei é por si mesmo a fonte de todas as ações praticamente possíveis, que tendem à

atuação de uma vontade da lei”, para depois assim concluir: “Embora sendo homem de

seu tempo, a Chiovenda era claríssima a função instrumental do processo, a desilusão

derivada da constatação da impotência do processo para assegurar a execução das

obrigações insuscetíveis de obrigação forçada a não ser na forma do equivalente ao

ressarcimento do dano, mesmo se Chiovenda não percebesse plenamente os limites de

uma tal forma residual de tutela, e não explicitasse com clareza as relações existentes

entre a função preventiva da sentença e a atuação através de medidas coercitivas”.724

<texto>Talvez Chiovenda não tenha percebido exatamente, como observou

Pisani,725

e por certo em virtude do ambiente em que vivia (acrescentamos nós), os

limites meramente residuais da tutela pelo equivalente monetário e a relação existente

entre a função preventiva da sentença e a sua atuação através de medidas coercitivas.

<texto>De qualquer forma, o certo é que o ditado de Chiovenda, no sentido de que o

processo deve ser a fonte de todas as ações praticamente possíveis, tem sido utilizado

pela doutrina italiana para chamar a atenção para a pouca utilidade da sentença

721

Giuseppe Chiovenda, Instituições de direito processual civil, v. 1, cit., p. 290. 722

Andrea Proto Pisani, Appunti sulla tutela di condanna. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura

Civile, 1978, p. 1.126. 723

Idem, ibidem. 724

Idem, ibidem, p. 1.126-1.127. Tradução livre. 725

Idem, ibidem, p. 1.126.

Page 275: Tutela Inibitória - Marinoni

275

condenatória para uma gama de situações de direito material.726

<texto>Na realidade, o princípio de que o processo deve dar a quem tem um direito

tudo aquilo e exatamente aquilo que tem o direito de obter, tem sido associado ao art. 24

da Constituição italiana, que garante o direito à adequada tutela jurisdicional. Há quem

proponha, de fato, que o art. 24 seja interpretado à luz da máxima chiovendiana,

dizendo-se que o direito de ação deve garantir a quem tem um direito tudo aquilo e

exatamente aquilo que tem o direito de obter.727

<a>5.4 A tese de Proto Pisani: uma tentativa de reformulação do conceito de

condenação

<texto>Para tentar contornar a lacuna da legislação civil italiana – que somente

prevê meios de coerção para hipóteses específicas –, Proto Pisani elaborou uma

engenhosa reconstrução da sentença de condenação, propugnando o emprego da prisão,

como meio de coerção, para o caso de descumprimento de sentença que imponha um

não-fazer ou um fazer infungível.728

<texto>De acordo com Pisani, para se compreender a problemática da sentença

condenatória é necessário levar em conta o bem objeto da obrigação, o caráter dos

efeitos da violação e a fungibilidade ou a infungibilidade da prestação.729

<texto>Demonstra Pisani que no caso de violação de obrigação de fazer assume

grande importância saber se a obrigação é fungível ou não. Apenas no caso de

fungibilidade a condenação poderá ser atuada através da técnica da execução forçada;

no caso de infungibilidade, “a atuação da condenação deverá ser garantida ou pela

predisposição de um adequado sistema de medidas coercitivas dirigidas a pressionar o

obrigado a cumprir espontaneamente, ou – no caso em que o fazer consista em

declaração de vontade – através da técnica das sentenças constitutivas, atribuindo ao

provimento do juiz a produção daqueles efeitos jurídicos que normalmente deveriam

726

Ver, por exemplo, Massimo D’Antona, La reintegrazione nel posto di lavoro..., cit., p. 170; Andrea

Proto Pisani, Appunti sulla tutela di condanna. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1978, p.

1.126. 727

Andrea Proto Pisani, Appunti sulla tutela di condanna. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura

Civile, 1978, p. 1.004 e ss; Breve premessa ad un corso sulla giustizia civile. Appunti sulla giustizia civile.

Bari : Cacucci, 1982, p. 9 e ss. 728

Andrea Proto Pisani, Appunti sulla tutela di condanna. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura

Civile, 1978, p. 1.107 e ss. 729

Idem, ibidem, p. 1.107.

Page 276: Tutela Inibitória - Marinoni

276

resultar do adimplemento do fazer jurídico”.730

<texto>Lembra o professor da Universidade de Florença que as obrigações de fazer,

de caráter continuativo ou periódico, exigem uma tutela que possa impedir que a

violação seja repetida no futuro; nesses casos, “a condenação poderá encontrar atuação

somente (ou ao menos em via primária) através do recurso às técnicas das medidas

coercitivas”.731

<texto>No que diz respeito às obrigações de não-fazer, acentua-se que a obrigação

negativa enquanto tal – enquanto obrigação de abstenção de um determinado

comportamento – é sempre infungível: para que seja possível evitar a violação de uma

obrigação de não-fazer, não há outra saída senão o uso das medidas coercitivas.732

<texto>Pisani critica severamente a doutrina que estabelece a correlação necessária

entre a condenação e a execução forçada. Vale a pena transcrever parte da sua

argumentação: “A instauração de uma correlação necessária ou normal entre

condenação e execução forçada, comporta portanto estas duas relevantíssimas

conseqüências: 1) todos os direitos cujo gozo é assegurado por obrigações (originárias

ou derivadas) não suscetíveis de execução forçada, podem ser tutelados somente através

da forma do equivalente monetário: esta monetização ou mercificação dos direitos de

obrigações, se podia encontrar qualquer justificativa em uma lei constitucional como a

do ‘Statuto Albertino’, ‘o qual refletia estruturas sociais baseadas sobre a propriedade

privada dos bens de produção, proclamada e tutelada como bem sacro e inviolável’,

por certo perdeu qualquer possibilidade de justificação teórica diante da Constituição

republicana de 1948, a qual põe como valores supremos do ordenamento o trabalho e a

pessoa ...; 2) a tutela de condenação pode exercer somente uma função de tutela

repressiva da violação já ocorrida, nunca uma função de tutela dirigida a prevenir a

violação: para que a sentença possa desenvolver também uma função preventiva, a sua

atuação deve ser garantida não somente através da técnica da execução forçada (a qual

pressupõe que a violação já tenha ocorrido), mas também através da técnica das

medidas coercitivas dirigidas a provocar o adimplemento espontâneo do obrigado”.733

<texto>Considerando o grande número de hipóteses específicas de tutela inibitória

contempladas no direito italiano, afirma Pisani que essa tutela tem caráter atípico: “Isto

730

Idem, ibidem, p. 1.107-1.108. Tradução livre. 731

Idem, ibidem, p. 1.109. 732

Idem, ibidem, p. 1.110-1.111. 733

Idem, ibidem, p. 1.119-1.121. Tradução livre.

Page 277: Tutela Inibitória - Marinoni

277

se deduz não só a partir do grande número de hipóteses em que é tipicamente prevista

pelo legislador, mas também do fato que uma similar conclusão não é contrastada por

nenhuma disposição de lei”.734

<texto>É fácil perceber que Pisani supõe que a principal dificuldade em admitir a

atipicidade da inibitória está na tese que sustenta a correlação necessária entre a

condenação e a execução forçada. Em nome da generalização da inibitória e da

conseqüente necessidade de uma sentença que possa ser atuada via medidas de coerção

indireta, o professor da Universidade de Florença propõe que o art. 24 da Constituição

italiana seja interpretado “alla luce del principio secondo cui ‘il processo deve dare per

quanto è possibile praticamente a chi ha ragione tutto quello e proprio quello ch’egli ha

diritto di conseguire’”.735

<texto>A partir dessas premissas, Pisani retira conseqüências que incidem sobre os

planos prático e sistemático. Afirma que seriam aplicáveis às sentenças que condenam

ao adimplemento de uma obrigação não suscetível de execução forçada não só o art.

2.953 do CC (relativo aos efeitos da sentença de condenação transitada em julgado

sobre a prescrição), mas também (e principalmente) o art. 2.818 do mesmo Código

(relativo à idoneidade da sentença condenatória para constituir título para a inscrição da

hipoteca judiciária). No plano sistemático, a conseqüência seria a imposição de uma

nova concepção de “condenação”, não mais ligada apenas à execução forçada, mas

também às medidas coercitivas.736

<texto>Pisani, então, vai buscar no CP (arts. 388 e 650) as medidas que podem dar

efetividade às sentenças que “condenam” a um não-fazer ou a um fazer de caráter

infungível. O art. 388, primeira parte, do CP italiano, sob a rubrica “mancata esecuzione

dolosa di un provvedimento del giudice”, prevê a pena de reclusão ou de multa àquele

que praticar atos simulados ou fraudulentos sobre os próprios bens, ou praticar outros

atos fraudulentos, para subtrair-se ao cumprimento das obrigações civis originadas de

uma sentença de condenação.737

Segundo Proto Pisani, esta norma deve ser

734

Idem, ibidem, p. 1.161. Tradução livre. 735

Idem, ibidem, p. 1.161-1.162. 736

Idem, ibidem, p. 1.162-1.163. 737

Pisani, em seus primeiros ensaios sobre a questão da efetividade da sentença condenatória, inclusive

no trabalho Appunti sulla tutela di condanna, refere-se aos arts. 388 e 650 do CP para tentar justificar o

uso da prisão como meio capaz de fazer valer a sentença condenatória. Em conferência proferida em

1987, contudo, o professor de Florença confessa estar convencido de que o art. 650 não pode servir de

base para um raciocínio que pretenda ver na prisão uma forma de execução da sentença condenatória

(L’attuazione dei provvedimenti di condanna. Foro Italiano, 1988, p. 184). Pisani continua a entender,

Page 278: Tutela Inibitória - Marinoni

278

compreendida no sentido de que o bem protegido é a autoridade da decisão do juiz e não

a eficácia executiva da sentença; tal interpretação teria a relevante vantagem de garantir

a atuação da sentença nos casos de obrigações infungíveis.738

<a>5.5 A crítica de Chiarloni

<texto>Logo após ter sido publicado o referido ensaio de Pisani na “Trimestrale”,

Chiarloni publica o livro Misure coercitive e tutela dei diritti,739

obra essa que passa a

consubstanciar-se na principal oposição teórica à tentativa de reconstrução do conceito

de sentença condenatória proposta pelo professor florentino.

<texto>Alega Chiarloni que a tese de Pisani apresenta-se de certa forma ligada à

teoria alemã que entende que a sentença de condenação tem por objeto declarar a

pretensão a uma prestação, e que levou a doutrina alemã a falar, indiferentemente, de

Verurteilungsurteil ou de Leistungsurteil.740

<texto>Lembra Chiarloni que essa teoria, que foi largamente seguida na Itália em

determinado período, se de um lado se assemelha à teoria de Pisani – já que ambas se

ligam ao conceito de prestação não cumprida –, de outro dela difere em um aspecto

essencial; isso porque a teoria alemã seria desvinculada da idéia de conexão com a

aplicação da sanção, compreendida no sentido, próprio da teoria geral, de (possível) uso

da força para o caso de inadimplemento espontâneo do obrigado, quer esse uso da força

se realize através da sub-rogação do comportamento devido, quer se realize na

imposição ao condenado de um gravame para induzi-lo a adimplir, ou, talvez, para puni-

lo por não ter adimplido.741

Adverte Chiarloni que, do ponto de vista da teoria do

Leistungsurteil, é possível dizer que A foi condenado a pagar 1000 a B, ou que C foi

condenado a conviver com D ou a casar-se com E; falar de condenação, nesses casos,

não exigiria qualquer referência à reação do ordenamento jurídico nas hipóteses em que

a soma não é paga, ou não é retomada a convivência conjugal, ou não é celebrado o

casamento.742

É que, ainda segundo Chiarloni, os teóricos do Leistungsurteil teriam se

preocupado apenas em definir o conceito legislativo de sentença de condenação tal

porém, que o art. 388 é suficiente para dar efetividade às sentenças do juiz italiano (Ver Lezioni di diritto

processuale civile. Napoli : Jovene, 1994, p. 181-182). 738

Andrea Proto Pisani, Appunti sulla tutela di condanna. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura

Civile, 1978, p. 1.165 e ss; Lezioni di diritto processuale civile, cit., p. 182. 739

O trabalho é publicado pela Giuffrè em 1980. 740

Sergio Chiarloni, Misure coercitive e tutela dei diritti, cit., p. 135. 741

Idem, ibidem, p. 136. 742

Idem, ibidem, p. 136.

Page 279: Tutela Inibitória - Marinoni

279

como se apresentava no ordenamento processual civil alemão, dentro do qual, a partir

da codificação unitária, o próprio conceito se desvinculou da sanção em sentido próprio,

por causa de uma série de razões históricas e de um defeito de técnica legislativa devido

a um insuficiente aprofundamento, no momento da redação da ZPO, de noções que se

tornariam de fundamental importância na sistemática processual civil, exatamente por

mérito da doutrina alemã.743

<texto>Compreende-se – diz Chiarloni – a razão por que a concepção de sentença

condenatória como mera “sentenza di prestazione” não resultou pacífica por muito

tempo na doutrina alemã. Como explica o jurista, rapidamente, os doutrinadores mais

atentos perceberam a necessidade de construir, dentro do conceito legislativo –

extremamente genérico, já que sob uma idêntica fórmula lingüística agrupa fenômenos

heterogêneos, ainda que marcados pela vaga nota comum do direito a uma prestação –,

um conceito científico capaz de recuperar o nexo que liga indissoluvelmente (não

apenas na linguagem da teoria geral, mas também na experiência histórica do próprio

ordenamento alemão) a noção de condenação à aplicação da sanção.744

<texto>De acordo com Chiarloni, a importação do conceito alemão de condenação

provocou confusões e contradições na doutrina italiana, especialmente porque o

ordenamento italiano jamais desejou ligar a condenação ao conceito de prestação não

cumprida, “sic et simpliciter, independentemente de qualquer ligação com a aplicação

da sanção para o caso de ausência de satisfação espontânea”.745

<texto>Segundo Chiarloni, o defeito de técnica da ZPO, que fala em condenação

pressupondo a ausência de sanção, ou seja, falando, por exemplo, em devedor

“condenado” à emanação de uma declaração de vontade (§ 894), perpetuou-se no direito

italiano em razão de um uso lingüístico consagrado, pelo qual, no processo civil, em

vista do sempre possível adimplemento espontâneo da sentença, a fórmula condenatória

é uma fórmula elíptica. Nessa fórmula, como objeto da condenação aparece sempre a

prestação devida e não a sanção, de modo a ocultar o fenômeno jurídico que está em sua

base, o qual, para ser descoberto, requer o desenvolvimento da fórmula elíptica; assim,

por exemplo, “condeno o réu a pagar 100”, no desenvolvimento da fórmula, passaria a

ser “condeno o réu a sofrer a sanção executiva caso não pague espontaneamente

743

Idem, ibidem, p. 136. 744

Idem, ibidem, p. 138. 745

Idem, ibidem, p. 141. Tradução livre.

Page 280: Tutela Inibitória - Marinoni

280

100”.746

<texto>Chiarloni insiste no argumento de que a concepção de sentença de

condenação como sentença de prestação é conseqüência de uma experiência histórica

determinada por suas peculiares ambigüidades, e não o resultado de teorizações sobre a

essência do conceito de condenação. De acordo com Chiarloni, a teoria que estabelece

uma correlação necessária entre a condenação e a aplicação da sanção já traz em si um

nexo também necessário entre a idéia de condenação e a idéia de prestação não

cumprida (ou que poderá não ser cumprida); esse nexo necessário seria o postulado

axiomático sobre o qual a própria teoria da sentença condenatória se funda.747

<texto>Isso significa que a premissa da teoria de Pisani, no sentido de que a

essência do conceito de condenação está em declarar a pretensão a uma prestação (de

qualquer tipo que seja, fungível ou infungível, de dar, de fazer ou de não-fazer), deveria

ser o resultado de um raciocínio, ou o êxito de um processo demonstrativo.748

Para

Chiarloni, a tese de Pisani padece de apriorismo conceitual, na medida em que não

existe, na legislação italiana, algum ponto do qual se possa retirar, com segurança, que

em qualquer caso em que não seja adimplida uma prestação está o juiz legitimado a

condenar o réu ao adimplemento.749

<texto>Pisani, ao associar a sentença condenatória às medidas do Código Penal

italiano, deixou claro, seguindo clássico trabalho de Vassalli,750 que o bem tutelado pelo

art. 388 não é a eficácia executiva da sentença, mas sim a autoridade da decisão do

juiz.751

Chiarloni objeta argumentando que nem da letra da norma, nem de sua

colocação sistemática, nem dos trabalhos preparatórios (da intenção legislativa) podem

ser retirados argumentos suficientes para justificar a conclusão a que chegou Pisani.

<texto>Adverte Chiarloni que, de acordo com a tese de Pisani, a simples

inobservância da ordem de atender a sentença constituiria o momento consumativo do

crime, sendo irrelevante a eventual insolvência do devedor; porém, uma segunda – e,

para Chiarloni mais importante conseqüência – seria que na previsão do art. 388

também cabem as sentenças que dizem respeito a um fazer infungível como, por

746

Idem, ibidem, p. 137-141. 747

Idem, ibidem, p. 142-143. 748

Idem, ibidem, p. 143. 749

Idem, ibidem, p. 143-144. 750

Giuliano Vassalli, La mancata esecuzione di provvedimento del giudice. Torino : Utet, 1958. 751

Andrea Proto Pisani, Appunti sulla tutela di condanna. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura

Civile. 1978, p. 1.169 e ss.

Page 281: Tutela Inibitória - Marinoni

281

exemplo, aquelas relativas a uma obrigação de conteúdo artístico.752

<texto>O emprego da medida do art. 388 – no entendimento de Chiarloni –

conduziria a uma “penalizzazione surrettizia” das obrigações, o que, segundo seu

entendimento, seria bastante perigoso, já que poderia justificar, por exemplo, a

imposição da prisão no caso de descumprimento da ordem que determinasse limitação

ao exercício do direito de greve.753

Na verdade, argumenta-se que o uso do art. 388

levaria a uma “penalizzazione” do processo civil, já que toda sentença que “condenasse

a uma prestação”, independentemente de seu conteúdo, abriria oportunidade para a

aplicação da prisão, o que faria retomar “tempos obscuros”.754

<texto>Depois de negar a existência de medidas coercitivas voltadas a garantir a

atuação das sentenças insuscetíveis de execução por sub-rogação, afirma Chiarloni que

não se pode aceitar a proposta de Pisani, pela qual se poderia recorrer à sentença

condenatória todas as vezes em que se estivesse na presença de um dever de prestação

do réu. A aceitação de tal reconstrução acabaria por deslocar, do âmbito da declaração

para a condenação, sentenças que não podem ser atuadas mediante o uso da força do

Estado e que, portanto, nada teriam de condenatórias.755

<texto>Contudo, Chiarloni admite que as sentenças que – em vista de disposições

expressas da lei – podem ser atuadas mediante medidas coercitivas (como, por exemplo,

as sentenças que tutelam a marca ou o invento – concessivas de tutelas inibitórias)

devem ser classificadas como condenatórias. Para assim concluir, apresenta esta frágil

justificativa: “Pois bem, os provimentos mencionados (aqueles previstos em hipóteses

típicas) devem ser, no nosso entendimento, classificados entre o provimentos de

condenação do ponto de vista de quem, fiel ao ensinamento metódico de acordo com o

qual entia non sunt multiplicanda sine necessitate, considera inoportuno introduzir

novas categorias ao lado daquelas tradicionalmente aceitas pela doutrina”.756

<texto>A postura de Chiarloni não merece acolhida, não apenas porque finge não

enxergar que Pisani sugeriu o emprego da prisão apenas para remediar a falta de atenção

752

Sergio Chiarloni, Misure coercitive e tutela dei diritti, cit., p. 176-177. 753

Idem, ibidem, p. 224. 754

“L’origine feudale delle injunctions e della correlativa sanzione è, invero, a differenza di quanto

riguarda la Handlungs – e la Unterlassungsvollstreckung germaniche, un dato di comune dominio.

Qualunque buon manuale di Equity mette più o meno distesamente in rilievo come gli equitable remedies,

cui le injunctions appartengono, siano sorti al servizio delle tendenze accentatrici della corona contro le

autonomie della aristocrazia fondiaria nell’Inghilterra del XIII secolo” (Sergio Chiarloni, Misure

coercitive e tutela dei diritti, cit., p. 236). 755

Sergio Chiarloni, Misure coercitive e tutela dei diritti, cit., p. 200-201. 756

Idem, ibidem, p. 202.

Page 282: Tutela Inibitória - Marinoni

282

do legislador à necessidade de efetividade da tutela dos direitos, mas também pelo fato

de que, ao deparar-se com as sentenças ligadas à multa (previstas de forma típica para a

tutela da marca e da invenção), comete heresia imperdoável ao raciocinar negando a

razão de ser do próprio trabalho do jurista, que é exatamente analisar as novas

categorias jurídicas que surgem em virtude da evolução da sociedade. Dizer que a

sentença condenatória é correlacionada com a execução forçada, e a seguir afirmar que

a sentença ligada à multa pode ser classificada como condenatória em razão do

princípio que aconselharia a não conceituar esta nova modalidade de sentença por isto

não ser necessário, é esquecer a relatividade histórica das classificações ou, o que é pior,

pretender sua perpetuação, ainda que novos fenômenos não possam ser enquadrados nos

conceitos por elas considerados. Ora, ao contrário do que deve supor Chiarloni, não são

os fenômenos que devem se enquadrar nas classificações; são as classificações que

devem ser deixadas de lado quando surgem novos fenômenos.

<a>5.6 A situação atual na doutrina italiana

<texto>Após a obra de Chiarloni, a doutrina italiana continuou a discutir sobre o

conceito de sentença condenatória e acerca da necessidade das medidas coercitivas para

a efetividade da tutela dos direitos.

<texto>Como foi demonstrado, Pisani entende que a condenação não pode, sob pena

de não realizar o princípio do “tudo aquilo e exatamente aquilo”, deixar de se ligar ao

art. 388 do CP italiano, que constituiria a única saída para a efetividade da ordem do

juiz que impõe um não-fazer ou um fazer infungível. Chiarloni, por sua vez, por

entender que a generalização do emprego das medidas coercitivas pode atentar inclusive

contra os direitos dos próprios trabalhadores – aos quais ela, em princípio, tenderia a

beneficiar –, nega a possibilidade do uso da prisão como alternativa para a efetividade

das sentenças.

<texto>É interessante observar, contudo, que Chiarloni, ao não aceitar a tese de

Pisani, admite a suficiência da tutela declaratória para situações que exigem, no plano

da efetividade, medidas coercitivas para convencer o obrigado a adimplir. Também

como já foi dito, o professor da Universidade de Turim afirma que a sentença que se

liga à multa – nas hipóteses expressamente previstas no ordenamento italiano – possui

Page 283: Tutela Inibitória - Marinoni

283

natureza condenatória.757

<texto>Silvestri e Taruffo, quando tratam da “esecuzione forzata” e,

particularmente, da problemática das “misure coercitive”, na respeitada “Enciclopedia

Giuridica Treccani”, parecem admitir que a doutrina de Chiarloni se confunde com a

tese que foi sustentada já há algum tempo por Aldo Attardi. Dizem os eminentes

processualistas de Pavia: “O segundo modo para eliminar o problema consiste em

conceber a tutela de condenação de maneira tal que este não surja, ou seja, em admitir

que somente possa existir condenação quando se trate de provimento exeqüível na

forma específica segundo as modalidades positivamente previstas, configurando

qualquer outra hipótese como tutela declaratória, independentemente do nomen de vez

em quando usado pelo legislador (neste sentido, v. p. ex. Chiarloni, S., cit.; Mandrioli,

C., cit.; Attardi, A., L’interesse ad agire, Padova, 1955, 125 ss)”.758

<texto>Attardi, de fato, realizou as seguintes ponderações: suponhamos, por

exemplo, a obrigação de não-fazer uma construção; o resultado que seria conferido ao

titular do direito, ou seja, a não-construção, poderia ser obtido coativamente se estivesse

previsto no ordenamento o uso da força para impedir a eventual atividade do obrigado.

Entretanto, a lei assim não prevê... Segundo Attardi, se a função do “processo de

condenação” é a de constituir um título executivo, e se o ordenamento não dispõe de

instrumentos que viabilizem a realização coativa das obrigações negativas, não há como

se admitir uma “condenação” que imponha uma obrigação desta natureza.759

<texto>Aldo Attardi, contudo, diverge em um ponto fundamental de Chiarloni. Para

Attardi, mesmo as sentenças que se ligam a medidas coercitivas são declaratórias.

Sustenta o autor de L’interesse ad agire que a sentença que contém, além da declaração

do direito, a cominação de uma “pena pecuniária”, é título executivo para a atuação da

pena em caso de violação da obrigação, mas não para a realização coativa do direito que

757

“Il discorso sistematico può qui concludersi riconoscendo che l’asserto secondo il quale la correlazione

necessaria tra condanna ed esecuzione forzata ‘non si rivela a perfetta tenuta’ è di per sé esatto. Ma non

nel senso ampio che gli si è voluto attribuire, per cui si potrebbe agire in condanna tutte le volte che sul

convenuto gravi un qualunque obbligo, ivi compresi tutti gli obblighi non suscettibili di esecuzione

forzata (dagli obblighi di fare materialmente o giuridicamente infungibili, agli obblighi di non fare la cui

violazione non comporti il sorgere di un obbligo derivato di disfare surrogabile dall’organo esecutivo).

Bensì nel senso, molto più ristretto, che si può agire in condanna anche le poche volte (da contarsi per ora

sulle dita di una mano) che sul convenuto grava un obbligo di fronte al cui inadempimento – dopo che

l’obbligo medesimo sia stato consacrato in sentenza – il sistema reagisce con misure coercitive

espressamente e specificamente prevedute” (Sergio Chiarloni, Misure coercitive e tutela dei diritti, cit., p.

202-203). 758

Elisabetta Silvestri e Michele Taruffo, Esecuzione forzata (esecuzione forzata e misure coercitive).

Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 13, p. 10. Tradução livre. 759

Aldo Attardi, L’interesse ad agire, cit., p. 116-117.

Page 284: Tutela Inibitória - Marinoni

284

constitui o objeto da declaração. Eis a prova da divergência entre as teorias de Attardi e

de Chiarloni: “Referida conclusão não é contraditada nem naqueles ordenamentos

(alemão e suíço, por exemplo) em que se reconhece ao juiz o poder de aplicar, na

decisão declaratória, medidas coercitivas contra o obrigado para constranger ao

adimplemento: como, por exemplo, a cominatória de uma pena (pecuniária ou

detentiva: a prisão) para o caso de contravenção à obrigação. A sentença que contenha,

além da declaração do direito, a cominação de uma pena pecuniária ou detentiva é sem

dúvida título executivo para a atuação da própria pena no caso de violação da obrigação;

mas não para a realização forçada do direito, objeto da declaração. Em relação a este, a

eficácia da sentença se exaure necessariamente na sua declaração, não tendo o conteúdo

(constituição do estado de sujeição do obrigado) que possui razão de ser somente no

fato de que a sentença possa dar acesso à execução forçada do direito, que se trate

portanto de um direito realizável forçadamente, o que caracteriza, como se viu, a

sentença de condenação em relação a de declaração”.760

<texto>Como já foi dito, Crisanto Mandrioli – que também seria, segundo a lição de

Silvestri e Taruffo, adepto da tese sustentada por Chiarloni –, animado pelo discurso de

Proto Pisani em “L’effettività dei mezzi di tutela giurisdizionale con particolare

riferimento all’attuazione della sentenza di condanna”, publicou em 1976 o trabalho

intitulado “Sulla correlazione necessaria tra condanna ed eseguibilità forzata”.761

Nesse artigo, o professor da Universidade de Milão, analisando a afirmação de Pisani no

sentido de que a correlação necessária entre a condenação e a execução forçada teria

sido superada pelo ordenamento italiano, indaga se tal afirmação teria o efeito de propor

o alargamento da eficácia própria do título executivo, ou seja, da possibilidade de

execução forçada fora das formas de tutela disciplinadas pelo terceiro livro do Código

de Processo Civil italiano, ou se estaria propondo, mediante o abandono da correlação

necessária entre condenação e título executivo, uma noção mais ampla de condenação,

no sentido de que também as sentenças que declaram um direito, e que não são

suscetíveis de execução forçada (e que, portanto, não seriam títulos executivos), devam

ser qualificadas de condenatórias.762

<texto>Debruçando-se sobre a primeira das possibilidades, argumenta Mandrioli

760

Idem, ibidem, p. 118-119. Tradução livre. 761

Crisanto Mandrioli, Sulla correlazione necessaria tra condanna ed eseguibilità forzata. Rivista

Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1976, p. 1.342 e ss. 762

Idem, ibidem, p. 1.345.

Page 285: Tutela Inibitória - Marinoni

285

que somente se fosse possível a demonstração de que a execução forçada pode-se dar

independentemente da predeterminação das suas formas é que se poderia concluir que

há, no ordenamento italiano, sentenças que, não sendo exeqüíveis através das formas

tipificadas no Código, podem ser qualificadas como título executivo.763

<texto>Surge, então, no curso da análise, a problemática da sentença que ordena a

reintegração do trabalhador no emprego, à qual o art. 18 do Estatuto do Trabalhador

atribui a qualidade de título executivo, mas que não pode ser executada através das

formas típicas do Código. O que importa, aqui, é que Mandrioli, ao referir-se a esta

hipótese, deixa claro que não aceita a opinião daqueles que enxergam na coerção

indireta uma forma de tutela executiva: se assim fosse – diz o processualista – o

problema do superamento da tipicidade das formas de tutela executiva estaria resolvido,

ou mesmo superado; mas é claro que não é assim, já que a execução indireta pode

provocar apenas o adimplemento espontâneo.764

<texto>Se é certo que Mandrioli não vê na coerção indireta uma forma de tutela

executiva,765

não é tão clara sua posição a respeito da natureza da sentença que se liga à

chamada execução indireta. Entretanto, quando o processualista trata da tese de Pisani,

no sentido de que a condenação poderia ligar-se às medidas coercitivas, transparece de

seu discurso sua antipatia pela quebra da correlação entre a condenação e a execução

forçada: “... me parece que o preço que se deveria pagar para incluir, no âmbito da

condenação, as sentenças suscetíveis apenas de execução indireta, seria mais elevado

do que a vantagem que poderia ser obtida. De fato, enquanto esta vantagem seria pouco

maior do que a terminológica, pois se reduziria a exprimir, em termos de condenação,

todas as declarações nas quais se manifesta a vontade do ordenamento de obter o

resultado da execução forçada através de outros instrumentos, a contrapartida deste

alargamento consistiria na inevitável cisão entre a noção de condenação e a de

execução forçada. E é claro que esta cisão deixaria um espaço vazio entre a declaração

e a condenação-título executivo, que tornaria inevitável a configuração de um tertitum

763

Idem, ibidem, p. 1.346. 764

Idem, ibidem. 765

É importante registrar o que já dizia Mandrioli em 1953, quando da publicação de L’esecuzione

forzata in forma specifica: “Lo stesso ricorso ai mezzi di coercizione indiretta, previsto da talune

legislazioni straniere e consentito dalla giurisprudenza francese attraverso un’interpretazione poco

ortodossa della legge, non potrebbe essere considerato una tutela esecutiva specifica e di effetto sicuro.

Poiché infatti questo mezzo consiste in una pressione psicologica sul debitore attraverso la minaccia di

mali diversi per il caso di mancato adempimento, è chiaro che solo allora esso avrà raggiunto il suo

scopo, quando potrà non essere applicato, ossia quando avrà indotto il debitore all’adempimento. Ma

quando sarà applicato non otterrà affatto il risultato della realizzazione specifica dell’interesse tutelato”

(Crisanto Mandrioli, L’esecuzione forzata in forma specifica. Milano : Giuffrè, 1953, p. 66).

Page 286: Tutela Inibitória - Marinoni

286

genus, vale dizer, a condenação-não título executivo”.766

<texto>Boa parte da doutrina italiana,767

ainda que não aceitando a tese de que a

sentença condenatória pode ligar-se às medidas previstas nos arts. 388 e 650 do CP, é

consciente da falta de uma medida coercitiva atípica (de caráter patrimonial) capaz de

dar efetividade à sentença que impõe um não-fazer ou um fazer infungível.768

Nessa

perspectiva, também não é aceita a teoria de Chiarloni,769

no sentido de que a sentença

declaratória seria suficiente para tutelar as situações onde as medidas coercitivas estão

ausentes. Não parece, com efeito, que o problema da efetividade da sentença

condenatória possa ser resolvido mediante sua troca pela declaração, pois, como dizem

Silvestre e Taruffo, se é verdade que esta última pode ser útil, ela se mostra insuficiente

todas as vezes em que o problema da tutela não consiste apenas no eliminar a incerteza

jurídica ou a contestação em torno da existência de um direito, mas em assegurar que

este seja realizado no plano da realidade concreta.770

“É verdade, como diz Sergio

Chiarloni, que aí entram opções de valor”; porém – prosseguem Silvestri e Taruffo –

não parece aceitável a opção de valor de quem supõe que a melhor forma de tutela das

obrigações de conteúdo não patrimonial seja a declaratória, com a conseqüente

“monetizzazione” da violação do direito em termos de ressarcimento do dano. Silvestri

e Taruffo deixam claro que não estão de acordo com a opção de valor de quem tende a

resolver o problema da efetividade da tutela através da sentença declaratória, uma vez

que esta não tem condições de conferir resposta adequada às mais relevantes situações

de vantagem.771

<texto>Advertem Silvestri e Taruffo que há, no direito italiano, várias hipóteses

específicas que refletem a intervenção do legislador em nome da efetiva tutela de

particulares situações de direito substancial – que não se contentam com uma tutela

766

Crisanto Mandrioli, Sulla correlazione necessaria tra condanna ed eseguibilità forzata. Rivista

Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1976, p. 1.352. Tradução livre. 767

É certo que há doutrinadores, como Girolamo Monteleone, que são manifestamente contrários a uma

sentença ligada a medidas coercitivas: “Le cosidette misure coercitive, che secondo le vedute qui criticate

dovrebbero costituire il cardine su cui si fonda il sistema coattivo atto ad assicurare l’adempimento di

qualsiasi obbligazione anche (come suol dirsi erroneamente) infungibile, e la funzione preventiva della

sentenza di condanna, manifestano ad una attenta riflessione tutta la loro inconsistenza logica e

l’evanescenza giuridica” (Recenti sviluppi nella dottrina dell’esecuzione forzata. Rivista di Diritto

Processuale, 1982, p. 281 e ss). 768

Elisabetta Silvestri e Michele Taruffo, Esecuzione forzata (esecuzione forzata e misure coercitive).

Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 13, p. 12. 769

Sergio Chiarloni, Misure coercitive e tutela dei diritti, cit., p. 220 e ss. 770

Elisabetta Silvestri e Michele Taruffo, Esecuzione forzata (esecuzione forzata e misure coercitive).

Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 13, p. 10. 771

Idem, ibidem.

Page 287: Tutela Inibitória - Marinoni

287

meramente declaratória, mas, ao contrário, exigem o adimplemento específico por parte

do obrigado –, mas está faltando uma tutela adequada para outras situações que estão a

exigir o uso da coerção.772

<texto>Pisani e Chiarloni, no final da década de 80, e particularmente no congresso

que recebeu o título de Processo e tecniche di attuazione dei diritti, voltaram a

polemizar sobre a questão da efetividade da sentença condenatória.

<texto>Pisani, em conferência proferida no referido congresso, lembrou que a tutela

declaratória não é adequada nos casos em que são praticados atos que concretamente

limitam ou excluem a utilidade garantida pela norma de direito material. Quando – por

exemplo – “A” deixa de contestar o direito à marca, e passa a exercer atos concretos de

violação deste direito, não é mais suficiente a tutela declaratória, tornando-se necessária

uma tutela que possa, efetivamente, inibir o ilícito.773

<texto>O professor de Florença confessa que não é um “innamorato” da solução

que vem do art. 388 do CP, e que nem mesmo em uma perspectiva de iure condendo –

pensando-se em um sistema adequado de medidas coercitivas – é mais favorável à

solução alemã das Geldstrafen do que à francesa das astreintes.

<texto>Pisani deixa claro que sua posição, no sentido de admitir o uso da prisão

como forma de execução da sentença condenatória, decorre do fato de que não existe

outra maneira para se tutelar de forma adequada os direitos do cidadão.774

Para ele, é

dever do intérprete – antes de se render, limitando-se a denunciar a ilegitimidade

constitucional da omissão e a indicar propostas de iure condendo – tentar de todos os

modos admitidos pela hermenêutica jurídica verificar se de iure condito é possível

oferecer resposta positiva ao problema da atuação dos provimentos que têm como

objeto ordem de adimplir obrigações não suscetíveis de execução através da técnica

sub-rogatória.775

<texto>Chiarloni teria cometido um grande equívoco ao tentar inutilizar, a partir de

772

Idem, ibidem. 773

Andrea Proto Pisani, L’attuazione dei provvedimenti di condanna, Foro italiano, 1988, p. 180. Esta

conferência também está publicada em Processo e tecniche di attuazione dei diritti. Napoli : Jovene,

1989, p. 39 e ss. 774

“Nessun amore quindi verso l’art. 388 c.p., ma solo consapevolezza che esso costituisce l’unica

possibilità offerta dal nostro ordinamento per non lasciare sguarniti di tutela effettiva una serie numerosa

di diritti riguardo ai quali pure il legislatore ha esplicitamente disposto che il giudice debba ordinare

l’adempimento di obblighi o obbligazioni non suscettibili di essere attuati attraverso la tecnica

surrogatoria della esecuzione forzata” (Andrea Proto Pisani, L’attuazione dei provvedimenti di condanna.

Foro Italiano, 1988, p. 184). 775

Andrea Proto Pisani, L’attuazione dei provvedimenti di condanna. Foro Italiano, 1988, p. 182.

Page 288: Tutela Inibitória - Marinoni

288

sua preocupação com o direito de greve, a possibilidade de se dar tutela efetiva aos

direitos que dependem do adimplemento de obrigações infungíveis.776

Quer dizer

Pisani, como é óbvio, que Chiarloni teria partido de um caso particular – o uso da

coerção como forma de inibir a greve – para negar a possibilidade de tutela adequada a

diversas situações de direito material, notadamente às de conteúdo não patrimonial.

<texto>Levando a polêmica às últimas conseqüências, Pisani diz não compreender

como Chiarloni pode não admitir – em um freudiano instinto de autocastração – um

sistema de tutela jurisdicional efetivo e adequado para todos os direitos com base em

considerações de caráter político-contingente. Considerações dessa espécie poderiam

servir de base apenas para propostas de supressão ou redimensionamento de

determinados direitos ou poderes (no caso, os poderes do empresário), ou de reforço à

tutela de outros, mas jamais para permitir interpretações dirigidas a negar sub-

repticiamente os direitos, negando-lhes a tutela jurisdicional, ou concedendo-lhes uma

tutela “pela metade”.777

<texto>Chiarloni, respondendo a Pisani, afirma admitir, de iure condendo, o uso de

medidas coercitivas que recaiam sobre o patrimônio ou sobre a pessoa. Contudo,

demonstra ter dúvida acerca dos benefícios da generalização das medidas coercitivas

sobre o patrimônio (as únicas que, obviamente, poderiam ser admitidas na forma

generalizada), embora não vacile ao concluir que as medidas de coerção (sobre o

patrimônio ou sobre a pessoa) possam ser introduzidas no ordenamento italiano para

tutelar particulares situações de direito substancial.778

<texto>Para Chiarloni, a tese de Pisani padece, principalmente, de um erro

metodológico que consistiria em uma “generalização indevida”, já que o professor de

Florença, pensando na efetividade da tutela de reintegração do trabalhador no emprego,

passa a admitir o uso da prisão como meio de execução de todas as sentenças

776

“Preoccupato dal rischio di una utilizzazione dell’art. 388 c.p. in funzione antisciopero, Chiarloni

dedica tutta la sua monografia al tentativo di dimostrare l’inesistenza di un sistema atipico di misure

coercitive, l’inutilità dei tentativi effettuati in tal senso da Mazzamuto e da me, l’opportunità, de iure

condendo, di introdurre solo misure coercitive tipiche in relazione a quei soli diritti ritenuti meritevoli di

tutela rafforzata. Orbene, attraverso un simile modo di ragionare Chiarloni, partendo dai problemi di una

situazione particolare, lo sciopero, perviene ad una generalizzazione che, anziché ampliare,

consapevolmente restringe l’area della tutela giurisdizionale: il che mi sembra peccato niente affatto

veniale” (Andrea Proto Pisani, L’attuazione dei provvedimenti di condanna. Foro Italiano, 1988, p. 186).

Andrea Proto Pisani, L’attuazione dei provvedimenti di condanna. Foro Italiano, 1988, p. 185.777

778

Sergio Chiarloni, Ars distinguendi e tecniche di attuazione dei diritti, Formalismi e garanzie (Studi sul

processo civile). Torino : Giappichelli, 1995, p. 32 e ss. A conferência também está publicada em

Processo e tecniche di attuazione dei diritti. Napoli : Jovene, 1989, p. 183 e ss.

Page 289: Tutela Inibitória - Marinoni

289

condenatórias.779

Sustenta Chiarloni, ainda, e entre outras coisas, que o modelo do

contempt power anglo-saxão, em vista de suas peculiaridades próprias, não é algo a ser

imitado pelo direito italiano.780

<a>5.7 Propostas de modificação do Código de Processo Civil italiano

<texto>Se é certo que a tese de Pisani não é a melhor solução para o problema da

efetividade da tutela dos direitos, é inegável que os direitos que dependem do

cumprimento de “obrigações infungíveis” ainda permanecem sem tutela adequada na

Itália.781

Alguns doutrinadores incentivam a introdução de uma figura similar às

astreintes no Código de Processo Civil italiano,782

embora exista discussão sobre a

possibilidade de emprego dos meios coercitivos, de forma generalizada, em relação a

todas as obrigações de fazer infungíveis.

<texto>Cabe lembrar que Tarzia também discordou da teoria de Pisani, alegando

que o reavivamento das medidas coercitivas pessoais, através de uma difícil

interpretação e aplicação dos arts. 388 e 650 do CP, está bem longe daquilo que poderia

parecer, no âmbito de um “perfezionamento” da jurisdição civil, a melhor realização do

princípio do exato adimplemento. Dessa forma, não se estaria ante uma integração da

tutela executiva no plano civil, mas se assistindo à “criminalizzazione surretizia” do

ilícito civil e à criação de um sistema repressivo misto com características das

779

Sergio Chiarloni, Ars distinguendi e tecniche di attuazione dei diritti. Formalismi e garanzie, cit., p. 37

e ss. 780

Idem, ibidem, p. 45 e ss. 781

Ver Giuseppe Tarzia, Presente e futuro delle misure coercitive civili. Rivista Trimestrale di Diritto e

Procedura Civile, 1981, p. 800 e ss; Giuseppe Borrè, Verso la riforma del codice di procedura civile?

Riflessi sulla disciplina dell’esecuzione forzata nel disegno di legge delega n. 1.463. Foro Italiano, 1983,

V, p. 140 e ss; Vittorio Colesanti, Misure coercitive e tutela dei diritti. Rivista di Diritto Processuale,

1980, p. 601 e ss; Lanfranco Ferroni, Obblighi di fare ed eseguibilità. Publicazioni della Scuola di

perfezionamento in diritto civile dell’Università di Camerino, 1983, p. 192 e ss; Salvatore Mazzamuto,

L’attuazione degli obblighi di fare, cit., p. 39 e ss; Luigi Montesano, Considerazioni su storia moderna e

proposte di riforme della giustizia civile in Italia. Rivista di Diritto Processuale, 1981, p. 597 e ss;

Michele Taruffo, Note sul diritto alla condanna e all’esecuzione. Rivista Critica del Diritto Privato, 1986,

p. 650 e ss; Elisabetta Silvestri e Michele Taruffo, Esecuzione forzata (esecuzione forzata e misure

coercitive). Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 13, p. 1 e ss. 782

“Il nostro ordinamento, infatti, non conosce, quali misure coercitive, né le astreintes del diritto

francese (e di quelli che a tale modello si sono ispirati), né le c.d. pene esecutive del diritto tedesco. (...) In

prospettiva di riforma del nostro ordinamento processuale, si è discussa l’opportunità di introdurre in via

generalizzata, nell’ipotesi di inadempimento di obblighi di fare infungibili, misure coercitive ispirate

all’uno o all’altro dei due modelli ricordati. Il Disegno di legge delega per la riforma del c.p.c. del 1981

ha suggerito una sorta di commistione tra i due modelli, prevendendo che ai fini dell’adempimento degli

obblighi di fare e di non fare infungibili, il giudice possa condannare l’obbligato, su istanza di parte, al

pagamento di pene pecuniarie a favore dell’avente diritto, per ogni giorno di ritardo nell’adempimento,

entro limiti minimi e massimi prefissati per legge. Si è inteso, quindi, prescindere da finalità risarcitorie,

puntando sul carattere compulsorio della misura, ma nel contempo si è prevista la devoluzione delle

somme al creditore, anziché allo Stato” (Vittorio Denti, La giustizia civile, cit., p. 135-136).

Page 290: Tutela Inibitória - Marinoni

290

jurisdições civil e penal.783

<texto>Em dezembro de 1994, o Ministério da Justiça italiano designou uma

comissão, presidida pelo Prof. Tarzia, para revisão do Código de Processo Civil.784

Recentemente, no volume 4 da Rivista di Diritto Processuale do ano de 1996, o ilustre

professor da Universidade de Milão nos apresenta o “testo del disegno di legge delega”

acompanhado da “relazione illustrativa” por ele elaborada.785

<texto>A proposta de modificação do Código toca em vários pontos e,

particularmente naquilo que nos interessa, nas medidas coercitivas. Adverte Tarzia, em

sua “relazione”, que não é recente a tentativa de introduzir no ordenamento italiano

medidas coercitivas patrimoniais nos moldes da astreinte francesa e dos países do

Benelux.786

Diz ainda: “A difusão destas medidas acentua-se cada vez mais também em

nível internacional (cf. o art. 461, recentemente introduzido no Código de Processo

Civil brasileiro e as normas ditadas em relação a isto no projeto de harmonização do

direito processual da União Européia, redigido pela Comissão presidida pelo Prof.

Storme) e já foi objeto de viva atenção, ainda que de iure condendo, em nossa

doutrina”.787

<texto>Objetiva-se introduzir a possibilidade de o juiz fixar uma soma devida por

dia de atraso no cumprimento das obrigações de fazer ou de não-fazer, na sentença ou

em momento posterior a ela.788

Deixa-se claro, porém, que ficam excetuadas as

obrigações do trabalhador autônomo ou subordinado e aquelas que podem pôr em risco

783

Giuseppe Tarzia, Presente e futuro delle misure coercitive civili. Rivista Trimestrale di Diritto e

Procedura Civile, 1981, p. 803. 784

“Il compito affidato alla Commissione era quello di ‘provvedere allo studio ed alla elaborazione,

redigendo apposito schema di legge delega, dei principi e dei criteri direttivi per una organica e completa

revisione delle norme del codice di procedura civile e delle disposizioni di attuazione’. Altrettanto

chiaramente erano indicate dal decreto istitutivo le finalità dell’opera: ‘la razionalizzazione e l’effettiva

accelerazione delle procedure, nel più scrupoloso rispetto dei diritti di difesa delle parti’, coniugando

dunque i due valori (diversi ma tra loro avvinti) della garanzia della difesa e dell’effettività del processo;

e l’introduzione di ‘una disciplina più moderna e funzionale del processo, con particolare riguardo

all’esecuzione ed ai procedimenti speciali non considerati dalla legge n. 353 del 1990” (Giuseppe Tarzia,

Per la revisione del Codice di Procedura Civile, Qualche notizia. Rivista di Diritto Processuale, 1996, p.

945). 785

Giuseppe Tarzia, Per la revisione del Codice di Procedura Civile. Rivista di Diritto Processuale, 1996,

p. 945 e ss. 786

Basta lembrar que o projeto Carnelutti de 1926 (arts. 667 e 668) e uma proposta apresentada por uma

comissão que foi presidida pelo Prof. Enrico Tullio Liebman já propunham a introdução de algo

semelhante em nome da efetividade da sentença que depende do adimplemento de obrigações infungíveis. 787

Giuseppe Tarzia, Per la revisione del Codice di Procedura Civile, Relazione. Rivista di Diritto

Processuale, 1996, p. 993-994. Tradução livre. 788

Admite-se, igualmente, que o juiz fixe multa no caso de obrigação de entregar coisa que não seja

objeto de contrato de locação de caráter residencial.

Page 291: Tutela Inibitória - Marinoni

291

direitos da personalidade.789

<texto>Confere-se ao juiz do “appello” o poder de conceder o “provvedimento” ou,

por justos motivos, de modificá-lo, suspendê-lo ou revogá-lo. O juiz que concedeu o

“provvedimento” não impugnado fica com o poder de revogá-lo, modificá-lo ou

suspendê-lo por impossibilidade total ou parcial, temporária ou definitiva, de o obrigado

adimplir.790

<texto>Tal proposta não logrou êxito. Porém, em julho de 2002, outra comissão,

dirigida pelo Prof. Vaccarella, apresentou projeto de lei de delegação para a reforma do

Código de Processo Civil. Neste projeto, o art. 44, aludindo à figura das astreintes,

possui a seguinte redação: “Prevedere forme di esecuzione indiretta per la tutela di

diritti correlati ad obblighi infungibili, secondo i seguenti principi: a) fissazione

dell’obbligo di pagamento di una somma di denaro per ogni frazione di tempo nel

ritardo all’adempimento dell’obbligo; b) previsione di un procedimento sommario per la

verifica del ritardo e la liquidazione di quanto previsto nella comminatoria, da attivarsi

ad istanza dell’avente diritto; c) previsione che la sanzione pecuniaria sia versata nelle

forme del deposito giudiziario o in altre analoghe; d) previsione che le somme così

versate siano destinate a risarcire l’avente diritto del danno prodotto

dall’inadempimento dell’obbligo, e che il residuo vada allo Stato”.

789

Giuseppe Tarzia, Per la revisione del Codice di Procedura Civile, Relazione. Rivista di Diritto

Processuale, 1996, p. 994. 790

Idem, ibidem.

Page 292: Tutela Inibitória - Marinoni

292

<tit>6

<tit1>A DOUTRINA BRASILEIRA E A NATUREZA

DAS SENTENÇAS DOS ARTS. 287 E 461

DO CPC BRASILEIRO

<texto>O Código de Processo Civil brasileiro, mesmo antes das modificações nele

introduzidas no final do ano de 1994, previa uma fórmula que possibilitava ao juiz fixar

multa para convencer o réu a fazer ou a não fazer. Trata-se – como já foi dito – do

antigo art. 287, que dispunha: “se o autor pedir a condenação do réu a abster-se da

prática de algum ato, a tolerar alguma atividade, ou a prestar fato que não possa ser

realizado por terceiro, constará da petição inicial a cominação da pena pecuniária para o

caso de descumprimento da sentença”.

<texto>O fato de esta redação (do antigo art. 287 do CPC) falar em “pedir a

condenação” não significa que o direito brasileiro tenha um conceito de sentença

condenatória que não pressupõe a correlação entre a condenação e a execução forçada.

Barbosa Moreira, tratando da tutela específica do credor nas obrigações negativas, faz

oportunas ponderações sobre esse ponto: “Não é pacífica em doutrina, cumpre ressalvar,

a possibilidade de verdadeira condenação em matéria de obrigações negativas. O

argumento capital que se pode invocar para negá-la é o de que a sentença não se mostra

suscetível de execução forçada, no sentido próprio: de fato, sendo infungível a prestação

– como sempre acontece nessa espécie de obrigações –, é impensável o emprego de

“meios de sub-rogação”, e portanto a satisfação do credor por obra do órgão judicial,

independentemente da colaboração do devedor. Descaberia enfrentar aqui em toda a

sua extensão o problema da natureza da sentença em foco. Vamos limitar-nos a duas

palavras sobre o argumento exposto. Ele pressupõe, naturalmente, a noção, muito

difundida, da existência de uma correlação necessária entre a índole condenatória da

sentença e a viabilidade da execução forçada: por assim dizer, a sentença condenatória

define-se pela aptidão a servir de título executivo. Tal premissa tem sido contestada por

vozes de grande autoridade; este não é, porém, o lugar próprio para o exame ex professo

Page 293: Tutela Inibitória - Marinoni

293

da questão”.791

<texto>O Prof. Barbosa Moreira, ao afirmar que a “premissa tem sido contestada

por vozes de grande autoridade”, refere-se, em nota de rodapé, ao ensaio “Appunti sulla

tutela di condanna” (amplamente noticiado linhas atrás), escrito por Proto Pisani. Como

ficou claro no item que antecedeu, o professor da Universidade de Florença tentou

reconstruir o conceito de sentença de condenação – a partir do princípio da efetividade

do processo, consagrado no art. 24 da Constituição italiana – porque o Código de

Processo Civil italiano não permite que o juiz atue sobre a vontade do devedor de uma

prestação infungível. Proto Pisani, como restou evidenciado, não estava preocupado em

estabelecer um conceito adequado de sentença condenatória, mas em permitir a

efetividade da tutela de direitos que dependem do adimplemento de obrigações

infungíveis.792

<texto>No Brasil, não é necessário ao intérprete retirar de uma sentença (a

condenatória) que, em princípio, não admite a tutela de direitos que dependem da

observância de obrigações infungíveis, uma virtude que permita a efetividade da tutela

desses direitos. Ora, no sistema brasileiro, mesmo antes da reforma de 1994, já era

possível ao juiz trabalhar com a multa para dar efetividade às suas sentenças. Portanto, o

que importa, neste momento, é saber se a sentença que se liga à multa pode ser definida

como condenatória.

<texto>Parece-nos, embora isto deva ser melhor explicado a seguir, que o conceito

de sentença condenatória jamais foi alterado pelo antigo art. 287 – que falava em

“condenação” pela falta de melhor expressão –, já que a condenação pressupõe, como

disse o Prof. Barbosa Moreira, “a noção, muito difundida, da existência de uma

correlação necessária entre a índole condenatória da sentença e a execução forçada”.793

<texto>São raras, na doutrina brasileira, as considerações a respeito de uma quarta

espécie de sentença. Não podem deixar de ser referidas, portanto, no que diz respeito ao

791

José Carlos Barbosa Moreira, A tutela específica do credor nas obrigações negativas. Temas de direito

processual, Segunda série, cit., p. 35-36. 792

Denti demonstra esta mesma preocupação: “Su un piano generale, d’altronde, recenti tendenze

dottrinali hanno negato la necessaria correlazione tra condanna ed esecuzione forzata, ponendo l’accento

sulla possibilità di coazione all’adempimento che discende sia dalle sanzioni penali che si sono già

ricordate, sia da misure di coercizione indiretta alle quali si farà riferimento più oltre. Questa prospettiva

appare particolarmente convincente nei casi in cui la condanna ha per oggetto prestazioni infungibili

caratterizzate dalla necessità di adempimento personale del debitore. In tali casi, infatti, non può farsi

ricorso al processo di esecuzione forzata, che presuppone la fungibilità della prestazione, e può trovare

spazio soltanto la coazione indiretta dell’obbligato” (Vittorio Denti, La giustizia civile, cit., p. 124). 793

José Carlos Barbosa Moreira, A tutela específica do credor nas obrigações negativas. Temas de direito

processual, Segunda série, cit., p. 35-36.

Page 294: Tutela Inibitória - Marinoni

294

art. 461, as posições de Ovídio Baptista da Silva e Kazuo Watanabe. O art. 461, como é

sabido, descende do art. 84 do CDC. Kazuo Watanabe, ao comentar o Código de Defesa

do Consumidor, admite que o provimento do juiz, na tutela das obrigações de fazer e

não-fazer, não se restringe à condenação. Diz ele: “No plano do provimento

jurisdicional, ao juiz foi conferido o poder de adotar todas as providências adequadas e

legítimas à tutela específica das obrigações de fazer ou não-fazer, sendo-lhe dado desde:

a) impor multa diária independentemente de pedido do autor (sem prejuízo,

evidentemente, do efetivo cumprimento da prestação), se a peculiaridade do caso

indicar que a multa é suficiente ou compatível com a obrigação (art. 84, § 4.o), até b)

determinar medidas que sejam adequadas à obtenção do resultado prático equivalente ao

do adimplemento da obrigação se não for possível o atingimento de sua tutela

específica. Como será discorrido nos comentários aos arts. 83 e 84 e parágrafos, o

provimento do juiz na tutela das obrigações de fazer ou não-fazer não se restringirá à

mera condenação (provimento condenatório na concepção tradicional), mas abrangerá

a expedição de mandamentos ou ordens (ação mandamental), que se descumpridos, à

semelhança das injuctions do sistema anglo-saxão ou da ‘ação inibitória’ do sistema

italiano, poderá configurar o crime de desobediência, como ato de afronta à Justiça, e

não apenas à parte contrária, e ainda ensejará a adoção de técnicas de sub-rogação de

obrigações em outras que permitam a obtenção do resultado prático equivalente ao do

adimplemento da obrigação”.794

<texto>Ovídio Baptista da Silva, sabidamente um grande defensor da classificação

quinária das sentenças, ao escrever sobre o art. 461 do CPC, conclui que o conceito de

sentença condenatória não se amolda aos novos poderes que foram conferidos ao juiz:

“... os poderes conferidos ao magistrado, pelo art. 461, além de afastarem

definitivamente a demanda do conceito de pretensão e ação condenatória, correspondem

aos poderes que o art. 799 do CPC confere ao juiz para concessão dos provimentos

cautelares que, como se sabe, não têm o menor parentesco com as ações e sentenças

condenatórias”.795

<texto>A nova redação do art. 287 (trazida pela Lei 10.444/2002) reconhece o

equívoco que o antigo art. 287 trazia, pois deixa de falar em “condenação”. Agora, o art.

287 é assim escrito: “Se o autor pedir que seja imposta ao réu a abstenção da prática de

794

Kazuo Watanabe, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor (Comentado pelos autores do

Anteprojeto), cit., p. 503-504. 795

Ovídio Baptista da Silva, Curso de processo civil, cit., v. 1, p. 125.

Page 295: Tutela Inibitória - Marinoni

295

algum ato, tolerar alguma atividade, prestar ato ou entregar coisa, poderá requerer

cominação de pena pecuniária para o caso de descumprimento da sentença ou da

decisão antecipatória de tutela (arts. 461, § 4.o, e 461-A)”. Sublinhe-se que,

anteriormente, o art. 287 iniciava aludindo a pedido de “condenação do réu a abster-se

...”. O importante é que o silêncio do novo art. 287 em relação à condenação não é

acidental, mas objetiva frisar que as suas sentenças não devem ser vistas como

condenatórias, como está expressamente registrado na Exposição de Motivos relativa a

esta norma, elaborada pelos Professores Sálvio de Figueiredo Teixeira e Athos Gusmão

Carneiro.

Page 296: Tutela Inibitória - Marinoni

296

<tit>7

<tit1>A DOUTRINA BRASILEIRA

E A SENTENÇA MANDAMENTAL

<texto>Pontes de Miranda, como se sabe, foi o primeiro doutrinador brasileiro a

tentar elaborar uma conceituação de sentença mandamental. Como a doutrina desse

jurista não é de fácil compreensão, torna-se importante extrair de sua obra uma

passagem que identifica seu pensamento: “Na sentença mandamental, o ato do juiz é

junto, imediatamente, às palavras (verbos) – o ato, por isso, é dito imediato. Não é

mediato, como o ato executivo do juiz a que a sentença condenatória alude (anuncia);

nem é incluso, como o ato do juiz na sentença constitutiva. Na sentença mandamental, o

juiz não constitui: ‘manda’. Na transição entre o pensamento da sentença condenatória e

o ato da execução, há intervalo, que é o da passagem em julgado da sentença de

condenação e o da petição da ação iudicati. Nas ações executivas de títulos não-

judiciais, essa mediatidade desaparece, de modo que o ato prima; ainda que se tenha de

levar em conta o elemento condenatório, a ação é executiva. Na ação mandamental,

pede-se que o juiz mande, não só que declare (pensamento puro, enunciado de

existência), nem que condene (enunciado de fato e valor); tampouco se espera que o juiz

por tal maneira fusione o seu pensamento e o seu ato e que dessa fusão nasça a eficácia

constitutiva. Por isso mesmo, não se pode pedir que dispense o ‘mandado’. Na ação

executiva, quer-se mais: quer-se o ato do juiz, fazendo, não o que devia ser feito pelo

juiz como juiz, sim o que a parte deveria ter feito. No mandado, o ato é ato que só o juiz

pode praticar, por sua estatalidade. Na execução, há mandados – no correr do processo;

mas a solução final é ato da parte (solver o débito). Ou o juiz forçando”.796

<texto>Ovídio Baptista da Silva, o processualista que mais se aprofundou no estudo

da “sentença mandamental”, afirma que esta sentença difere da condenatória

precisamente por não se limitar a condenar: “A sentença mandamental ordena que as

796

Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Tratado das ações, cit., v. 1, p. 211.

Page 297: Tutela Inibitória - Marinoni

297

partes se comportem segundo o direito que a sentença houver atribuído ao

demandante”.797

<texto>Além desse aspecto, que seria significativo para a diferenciação das duas

sentenças, pondera Ovídio que a aceitação de uma sentença mandamental implica a

admissão da existência de conhecimento e execução em uma única demanda.798

<texto>A doutrina jamais discutiu de forma adequada a questão da sentença

mandamental. Parte da doutrina estabeleceu uma ligação entre a teoria da sentença

mandamental e a sentença do mandado de segurança, ou, o que é pior, entre a sentença

mandamental e o seu único destinatário, que seria apenas o agente público. A prova do

que estamos dizendo está nesta passagem da obra de Frederico Marques: “... as

denominadas ações mandamentais não têm tido aceitação na doutrina. Para

Goldschmidt, a ação de mandamento teria por objeto conseguir ou obter mandado

dirigido a outro órgão do Estado, através de sentença judicial. Mas, como ressaltou A.

Schönke, não há razão para essa nova espécie de ações: ‘esses casos não devem ser

reunidos para formar um novo grupo de ações, porque não se trata de uma

diversificação no conteúdo, mas tão-só nos efeitos’. Realmente, proposta uma ação de

reparação de dano contra pessoa jurídica de Direito Público, a sentença proferida

contra a ré será condenatória. O mandado contra o órgão estatal que deva cumprir a

sentença é efeito da condenação ou da execução desta, não havendo motivo, portanto,

de se qualificar a ação proposta, como de mandamento”.799

<texto>Ao que parece, mencionada doutrina brasileira somente deu importância à

teoria elaborada na Alemanha, a qual possui diferenças gritantes em relação à teoria da

sentença mandamental, aqui proposta. Com efeito, a doutrina alemã afirmou que a

sentença, em alguns casos, poderia ser dirigida contra outro órgão estatal, e não contra o

vencido, e nestas hipóteses a sentença teria características próprias em relação à

condenatória.800

<texto>A preocupação desta doutrina alemã foi a de conceituar a sentença dirigida a

outro órgão do Estado; ela não voltou atenção à diferença entre a sentença

correlacionada à execução forçada e a sentença que se liga à coerção indireta. Ou seja, a

797

Ovídio Baptista da Silva, Curso de processo civil, cit., v. 2, p. 259. 798

Ovídio Baptista da Silva, Curso de processo civil, cit., v. 2, p. 259. Ver, também, Ovídio Baptista da

Silva, Sentença mandamental. Sentença e coisa julgada. 3. ed. Porto Alegre: Fabris, 1995, p. 35 e ss. 799

José Frederico Marques, Manual de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 1974, v. 2, p. 36. 800

Ver José Carlos Barbosa Moreira, A sentença mandamental – Da Alemanha ao Brasil. Temas de

direito processual, Sétima série, São Paulo: Saraiva, 2001, p. 53 e ss.

Page 298: Tutela Inibitória - Marinoni

298

referida doutrina alemã nada tem a ver com a necessidade de conceituação da sentença

ligada à coerção indireta. A doutrina elaborada na Alemanha, e apontada como

originária da teoria da sentença mandamental, teve preocupações totalmente diferentes

daquelas que aqui nos movem. Como ficará mais claro no item posterior, mesmo as

doutrinas de Pontes de Miranda e Ovídio Baptista da Silva, que possuem sentidos

diversos daqueles que estão à base da doutrina alemã, não satisfazem diante das novas

realidades normativas dos arts. 461, CPC, e 84, CDC. E não vai aí, como é evidente,

nenhum reparo a estas doutrinas, uma vez que não só tiveram objetivos diversos, como

consideraram realidades distintas.

<texto>É equivocado pensar em uma quarta espécie de sentença em razão de o seu

destinatário ser outro órgão estatal, ainda que estranho ao processo (como desejava a

doutrina alemã). Porém, se isto não deve gerar a conceituação de nova espécie de

sentença, não é razoável negar que a sentença que se liga à coerção indireta, que jamais

foi misturada com aquela correlacionada com a execução forçada, não deva abrir

oportunidade a uma nova classificação.

<texto>Se a sentença condenatória difere da declaratória por abrir oportunidade à

execução por sub-rogação, a mandamental delas se distancia por tutelar o direito do

autor forçando o réu a adimplir a própria ordem do juiz. Na sentença mandamental há

ordem, ou seja, imperium, e existe também coerção da vontade do réu; tais elementos,

como foi amplamente demonstrado, não estão presentes no conceito de sentença

condenatória, compreendida como uma sentença correlacionada com a execução

forçada.

<texto>Na sentença mandamental há tutela jurisdicional integral, enquanto a

sentença condenatória constitui uma “tutela pela metade”, já que dependente da

execução. É preciso que se perceba que não há ordem ou uso de coerção na sentença

condenatória, há, simplesmente, declaração e aplicação da sanção.

<texto>Na sentença mandamental, o juiz usa a força do Estado para estimular o

vencido a adimplir, ao passo que na condenatória há apenas a constituição de uma

situação jurídica que pode abrir oportunidade ao seu uso. Não se diga que na sentença

mandamental, assim como na condenatória, há apenas ameaça do uso da força,

supondo-se, equivocadamente, que esta força, diante da ordem sob pena de multa,

somente entre em atividade quando da cobrança da multa. Isto seria negar a

característica da própria ordem sob pena de multa. Como é sabido, o juiz, quando

Page 299: Tutela Inibitória - Marinoni

299

ordena sob pena de multa, não determina o cumprimento sob pena do pagamento de

valor equivalente ao da prestação inadimplida (e nem deveria), mas impõe

necessariamente a multa em valor suficiente para constranger o réu a adimplir. Ora, se

a imposição da multa serve para forçar o adimplemento, é evidente que ela significa o

uso da força do Estado. O que menos importa, aí, é a cobrança do valor da multa. Algo

bem diferente ocorre, como é óbvio, quando a condenação não é cumprida e o vencedor

passa a percorrer o caminho da execução forçada. Nesta última hipótese, o réu não foi

forçado a cumprir; ao contrário, deu-se a ele a possibilidade de adimplir.

<texto>É necessário frisar, entretanto, que a sentença mandamental não difere da

condenatória apenas por conter ordem, mas fundamentalmente por poder levar à tutela

de um direito que não pode ser efetivamente tutelado mediante a condenação.

Page 300: Tutela Inibitória - Marinoni

300

<tit>8

<tit1>A NATUREZA DA SENTENÇA

QUE SE LIGA À COERÇÃO INDIRETA

<texto>A definição clássica de sentença condenatória, como se viu, pressupõe a

correlação necessária entre a condenação e a execução por sub-rogação. A pergunta que

naturalmente surge, portanto, é a seguinte: a sentença que se liga à coerção indireta pode

ser definida como condenatória?

<texto>Parte da doutrina brasileira, diante de uma inexplicável fidelidade à

classificação trinária das sentenças, ignora a necessidade de se pensar em uma quarta

espécie de sentença. Assim, é conveniente lembrar, desde logo, que a própria doutrina

italiana, mostrando-se perplexa ante a natureza da sentença concessiva de tutela

inibitória, cogita acerca de um quarto tipo de sentença. Prova disso está na seguinte

passagem da doutrina de Pisani: “As sentenças que contêm ordens inibitórias (ou

relativas a um fazer infungível) devem ser classificadas como uma espécie de

condenação, ou constituem, ao contrário, uma quarta espécie de sentença que se une à

tradicional tripartição das sentenças (declaratória, constitutiva e condenatória)?” .801

<texto>Pisani e Chiarloni entendem que a sentença ligada a uma medida coercitiva

indireta deve ser classificada como condenatória. Suas justificativas, entretanto, não

convencem. Pisani afirma, simplesmente, que a sentença inibitória somente não poderia

ser classificada como condenatória em razão do “preconcetto” da correlação necessária

entre a condenação e a execução forçada.802

Chiarloni, por sua vez, referindo-se às

hipóteses – tipificadas no ordenamento italiano – de sentenças ligadas a medidas

coercitivas, diz que tais sentenças devem ser classificadas entre as condenatórias,

apresentando como fundamento o curioso e frágil argumento de que seria inoportuno

introduzir uma nova classificação ao lado daquelas já tradicionalmente consideradas na

801

Andrea Proto Pisani, L’attuazione dei provvedimenti di condanna. Foro Italiano, 1988, p. 180. 802

Idem, ibidem.

Page 301: Tutela Inibitória - Marinoni

301

doutrina.803

<texto>Para Pisani, como foi dito, a ordem inibitória somente não pode ser

classificada como condenatória se é aceita a correlação necessária entre condenação e

execução forçada. Lembre-se, porém, que Pisani equipara a inibitória à injunction do

direito anglo-americano, já que a sentença condenatória conteria uma ordem que, em

caso de inadimplemento, abriria oportunidade para a prisão. Pisani, em outras palavras,

enxerga na inibitória uma ordem e, no inadimplemento, uma insubordinação à

autoridade do Estado.

<texto>A tese de Pisani teria procedência se fosse possível equiparar a ordem à

condenação e, mais do que isso, se houvesse alguma relação entre a aplicação da sanção

(própria da condenação) e a medida de coerção como meio destinado a fazer valer a

autoridade estatal.

<texto>A sentença de condenação não sujeita o devedor a uma ordem do juiz, que

como autoridade estatal determina seu adimplemento. A condenação – conforme

adverte Montesano – não transforma os deveres privados em sujeição à autoridade

estatal, ainda que abra oportunidade à utilização de instrumentos de direito público para

a satisfação dos direitos subjetivos; o devedor condenado continua apenas civilmente

obrigado perante o credor, e não vinculado a uma ordem do juiz.804

De acordo com

Montesano, a ordem – não de adimplir a obrigação declarada na sentença, mas sim de

mettere ad esecuzione a sentença, enquanto ato autoritario de exercício de função

soberana – não é dirigida ao devedor, mas sim aos órgãos e auxiliares judiciários.805

<texto>Na verdade, parece que Pisani não percebeu a nítida diferença entre o uso da

força do Estado, que existe na ordem sob pena de multa, e a simples aplicação da

sanção, que apenas abre oportunidade para o uso desta força. Não há dúvida que a

autoridade estatal se faz presente em ambas as sentenças. Porém, na mandamental, a

autoridade do Estado é utilizada para forçar o cumprimento, ao passo que, na

condenatória, esta autoridade limita-se a constituir a situação que abre oportunidade

para o uso da força do Estado, mediante a utilização de instrumentos de direito público.

<texto>A dificuldade em admitir-se uma nova categoria de sentença está no fato de

não se ter bem definido o conceito de condenação. Theodoro Júnior, por exemplo, em 803

Sergio Chiarloni, Misure coercitive e tutela dei diritti, cit., p. 202. 804

Cf. Luigi Montesano, Condanna. Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 7, p. 2; e Le tutele

giurisdizionali dei diritti. Bari: Cacucci, 1981, p. 109. 805

Luigi Montesano, Condanna, Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 7, p. 2; e Le tutele giurisdizionali

dei diritti, cit., p. 110.

Page 302: Tutela Inibitória - Marinoni

302

sua notável tese apresentada à titularidade da Universidade Federal de Minas Gerais,

afirma que a “sentença condenatória é a que satisfaz a pretensão do autor de que o réu

seja submetido a uma ordem de realizar certa prestação, cuja obrigação preexiste ao

processo. Condenar é expedir un mandamiento de prestación”.806

Na mesma tese, e

ainda tratando da sentença condenatória, o professor mineiro subscreve a posição de

Tomás Pará Filho, fundada em Liebman, dizendo o seguinte: “Na sentença

condenatória, segundo Tomás Pará Filho, o juiz realiza as seguintes funções: a) acerta

ou declara os fatos e a relação jurídica a eles correspondente; b) reconhece, em prol do

autor, a existência, no todo ou em parte, do direito demandado e, em conseqüência,

expressa, fazendo vigorar, ‘para o caso concreto, as forças coativas latentes da ordem

jurídica, a aplicação da sanção adequada, e esta é a sua função específica’; e c) afinal,

assegura ao autor, conforme o ordenamento jurídico, a possibilidade de tutela efetiva ao

direito reconhecido, mediante execução forçada”.807

<texto>Como se vê, Theodoro Júnior, ao analisar a sentença condenatória, refere-se

a dois conceitos de sentença condenatória que absolutamente não se identificam.

Lembre-se, em primeiro lugar, que o conceito alemão mais remoto de sentença

condenatória não foi aceito pela doutrina italiana, e especialmente por Liebman, em que

se baseia Tomás Pará Filho, citado pelo ilustre professor da Universidade de Minas

Gerais. Nesse conceito alemão não há qualquer referência à sanção, compreendida em

termos amplos, próprios da teoria geral do direito, no sentido de possível uso da força

no caso de inadimplemento;808

não há, em outras palavras, explicação para o que

acontece se o devedor não cumpre o mandado. De fato, os alemães, em um primeiro

momento, definiram sentença de condenação a partir de um conceito posto no

ordenamento processual alemão, sem vislumbrarem qualquer ligação entre condenação

e sanção.809

806

Humberto Theodoro Júnior, Fraude contra credores – A natureza da ação pauliana. Belo Horizonte:

Del Rey, 1996, p. 188. 807

Idem, ibidem, p. 190. 808

Ver Sergio Chiarloni, Misure coercitive e tutela dei diritti, cit., p. 136. 809

“Ed invero, il 888, Abs. 2. ZPO parla di ‘condanna’ alla celebrazione del matrimonio, di ‘condanna’

alla ripresa della convivenza coniugale, di ‘condanna’ ad eseguire la prestazione di lavoro, nel momento

stesso in cui stabilisce che per consimili ‘condanne’ non è applicabile, a differenza di quanto avveniva in

passato, alcuna sanzione, il 894, Abs. 1 ZPO parla di debitore ‘condannato’ alla emanazione di una

dichiarazione di volontà, per stabilire che la dichiarazione si ha come emessa non appena la sentenza

diventi esecutiva e, nuovamente, all’Abs. 2, di ‘condanna’ alla celebrazione di un matrimonio, nel

momento in cui esclude che consimile ‘condanna’ possa dar luogo agli effetti previsti all’Abs. 1. Che la

preoccupazione dei teorici del Leistungsurteil fosse quella di descrivere comprensivamente il concetto

legislativo di condanna risulta con estrema chiarezza, ad esempio, in Kisch, Beiträge, cit., p. 14, nota 14

ove si osserva che, mentre le espressioni Verurteilungs e Kondemnationsurteile sono da ritenere corrette,

Page 303: Tutela Inibitória - Marinoni

303

<texto>Quando não há correlação entre condenação e sanção, é possível dizer que

alguém pode ser condenado a prestar um fazer infungível ainda que o ordenamento não

disponha de meios para fazer o obrigado adimplir. A sentença seria condenatória apenas

porque impõe uma prestação. Uma mera “sentença de prestação”, entretanto, não pode

ser confundida com a sentença condenatória, que é indissociavelmente ligada à força do

Estado. Para nós, a sentença que impõe uma prestação, mas não se liga à “sanção”, é

meramente declaratória. Por esta razão, não é possível pensar que condenar é

simplesmente expedir mandado de prestação; é necessário, para que a sentença tenha

razão de ser como condenatória, que ela possa ser executada.

<texto>Por outro lado, uma sentença não é mandamental apenas porque manda, ou

ordena mediante mandado. A sentença que “ordena”, e que pode dar origem a um

mandado, mas não pode ser executada mediante meios de coerção suficientes, não pode

ser classificada como mandamental. A mandamentalidade não está na ordem, ou no

mandado, mas na ordem conjugada à força que se empresta à sentença, admitindo-se o

uso de medidas de coerção para forçar o devedor a adimplir. Só há sentido na ordem

quando a ela se empresta força coercitiva; caso contrário, a ordem é mera declaração.

Da mesma forma que a condenação só é condenação porque aplica a “sanção”, a

sentença somente é mandamental quando há coerção indireta.

<texto>Contudo, se Theodoro Júnior entende estar implícito o uso da força do

Estado na sentença que manda expedir “um mandado de prestação”, ainda assim há que

se distinguir esse conceito daquele formulado por Liebman, já que no conceito do

professor mineiro estaria admitida a execução por coerção indireta e a execução por

sub-rogação, o que não acontece na doutrina que formulou o conceito de sentença

condenatória e, inclusive, na de Liebman, onde se estabelece uma correlação entre

condenação e execução por sub-rogação em virtude de uma série de razões culturais.

<texto>Devemos voltar, porém, ao ponto inicial: a sentença que se liga à coerção

indireta pode ser definida como condenatória? Pois bem, a ordem, quando dirigida ao

devedor, determina o adimplemento sob pena de um mal, enquanto a sentença

condenatória não traz gravame algum no caso de não ser voluntariamente observada.

Além do mais, a sanção que o réu sofre após a sentença condenatória confere ao autor

um adimplemento que se realiza apenas por força da própria sentença, enquanto que,

è da respingere l’espressione Vollstreckungsurteile, in quanto vi sono sentenze di condanna che non

comportano alcuna esecuzione forzata, come, appunto, nel caso del 894 ZPO” (Sergio Chiarloni, Misure

coercitive e tutela dei diritti, cit., p. 137).

Page 304: Tutela Inibitória - Marinoni

304

diante da sentença mandamental, é o próprio réu que resolve adimplir, ainda que

mediante a ameaça contida na sentença. Em um caso, o adimplemento ocorre em razão

do emprego de instrumentos do Estado, o qual é autorizado pela sentença condenatória,

ao passo que, no outro, o adimplemento é realizado pelo próprio réu, mesmo que

premido pela força da sentença. Perceba-se, com efeito, que a condenação sempre supõe

a execução por sub-rogação, enquanto a multa somente pode provocar o adimplemento

espontâneo.

<texto>É importante demonstrar que Mandrioli, no artigo sugestivamente

denominado de “L’esecuzione specifica dell’ordine di reintegrazione nel posto di

lavoro”,810

ao enfrentar exatamente a questão respeitante a se saber se a execução

indireta pode ser enquadrada na figura – que passaria a ter conteúdo mais largo – da

execução forçada, ainda que admitindo que a execução indireta tem forte probabilidade

de permitir a obtenção de um resultado prático análogo àquele da execução forçada (e

que isto aconselharia, em um plano político-legislativo, a adoção de uma figura que

poderia ser comparada à astreinte), deixou claro, analisando a questão em um plano

puramente funcional, que a impossibilidade de se pensar além da referida forte

probabilità exclui, ao menos em uma perspectiva jurídica, a obtenção de um autêntico

resultado executivo.811

<texto>Além disso, ao tratar da questão no plano estrutural e sistemático,

argumentou Mandrioli que não há execução forçada se não há o superamento de um

obstáculo e a invasão coativa da esfera de autonomia do devedor,812

nada

acrescentando, nesse aspecto, ao que outros especialistas na matéria da “execução das

obrigações de fazer” sempre disseram na Itália.813

<texto>Note-se, ademais, que a sentença condenatória abre oportunidade para a

810

Crisanto Mandrioli, L’esecuzione specifica dell’ordine di reintegrazione nel posto di lavoro. Rivista di

Diritto Processuale, 1975, p. 9 e ss. 811

Idem, ibidem, p. 19. 812

Idem, ibidem, p. 19-20. 813

Giuseppe Borrè, Esecuzione forzata degli obblighi di fare e di non fare. Napoli: Jovene, 1966, p. 102-

103. Carnelutti, em relação a este ponto, embora sem revelar uma posição muito nítida, escreveu: “Quello

che importa è che le misure coercitive non si confondano, in ogni caso, nè con la vera e propria pena, nè

con la vera e propria esecuzione (...) Non si dimentichi che, come fu detto, il carattere peculiare della

esecuzione consiste propriamente nell’ottenere, senza il concorso della volontà dell’obbligato (o grifo

está no original), quella stessa subordinazione del suo interesse, che corrisponde all’adempimento

dell’obbligo. Ora, in quanto l’adempimento consista in un facere dell’obbligato, poichè il facere è un

prodotto della sua volontà, l’esecuzione resta, per definizione, esclusa. Qui la tutela del creditore, in

quanto si tratta di fargli avere proprio quel bene, al quale si rivolge il suo diritto, non si può svolgere che

sulla linea delle misure coercitive ...” (Francesco Carnelutti, Diritto e processo nella teoria delle

obbligazioni. Studi di diritto processuale in onore di Giuseppe Chiovenda. Padova: Cedam, 1927, p. 243).

Page 305: Tutela Inibitória - Marinoni

305

execução, mas não executa ou manda; a sentença mandamental manda que se cumpra a

prestação mediante o emprego de coerção indireta. Na condenação são apenas criados

os pressupostos para a execução forçada. Na sentença mandamental há ordem para que

se cumpra; há um “mandado”, que não se confunde com o mandado que será expedido,

já que o juiz manda que se cumpra e não apenas exorta ao cumprimento, limitando-se a

fixar a base para a execução forçada. Na sentença mandamental não há, note-se bem,

apenas exortação ao cumprimento; e há ordem de adimplemento que não é mera ordem,

mas ordem atrelada à coerção indireta.

<texto>A sentença que ordena mediante o emprego de coerção indireta já usa a

força do Estado, ao passo que a sentença que condena apenas abre oportunidade para o

uso desta força. É correto dizer, nesse sentido, que a sentença que ordena sob pena de

multa tem força mandamental, enquanto a sentença condenatória não tem força alguma,

nem mesmo executiva; sua eficácia é que é executiva.

<texto>O mandado é mera decorrência da ordem; não cabe a ele definir a essência

da mandamentalidade. A essência da mandamentalidade está no mandamento, vale

dizer, na ordem imposta mediante o emprego de coerção indireta. Quem pretende ver

inibida a prática de um ilícito pede ordem sob pena de multa e não apenas mandado;

mas também não pede, como é óbvio, simples condenação. O que varia do mandamento

para a condenação é a natureza do provimento; o provimento condenatório condena ao

adimplemento, criando o pressuposto para a execução forçada, ao passo que o

provimento mandamental ordena sob pena de multa (ou sob pena de prisão).

<texto>Frise-se que só há mandamentalidade quando o juiz, na sentença, manda

forçando; não há sentença mandamental quando o mandado destina-se apenas a servir

de “meio de execução” de uma sentença constitutiva (execução imprópria).

<texto>Registre-se, porém, que o critério que nos permite definir a

mandamentalidade é meramente processual. O que define a mandamentalidade é a

possibilidade de se requerer ordem sob pena de multa ou sob pena de prisão. Como será

melhor demonstrado mais à frente, não é possível aceitar a tese de que a sentença

mandamental é veículo exclusivo dos direitos absolutos.

<texto>Chiarloni, como visto acima, pretende desconsiderar as visíveis diferenças

entre a sentença condenatória, tal como definida pela doutrina, e a sentença que se liga à

multa. Parece que Chiarloni não percebe que não é possível incluir realidades distintas

em uma mesma categoria, ou incluir em uma espécie de uma classificação algo que nela

Page 306: Tutela Inibitória - Marinoni

306

não se insere, segundo os princípios doutrinários que moldaram a própria classificação.

Inserir algo que não cabe em uma categoria de uma classificação doutrinária é o mesmo

que manter a classificação apenas na nomenclatura, desprezando-se-lhe o conteúdo.

<texto>Se é certo que a nomenclatura equívoca traz prejuízos à necessidade de

comunicação, é também inegável que uma mesma palavra não pode trazer significados

diversos quando se pretende um real desenvolvimento da ciência. De modo que não há

como admitir a posição de quem se nega a traçar as linhas de uma nova classificação

ainda que consciente de que os fenômenos que estão à base da classificação tradicional

nela não mais se encaixam. Nestas condições, deixar de elaborar nova definição e

classificação é o mesmo que não permitir a identificação de diferentes realidades. Ou

pior do que isto: é permitir que elas sejam confundidas.

<texto>Na verdade, não há razão para reunir sob o rótulo de condenação

provimentos que, de acordo com a própria doutrina que construiu a classificação

trinária, jamais tiveram alguma semelhança entre si. Lembre-se, com efeito, de que a

doutrina sempre correlacionou a condenação com a execução por sub-rogação814

e que o

próprio Liebman disse que a sentença condenatória, ao aplicar a sanção, constitui a

situação jurídica que abre oportunidade para a execução forçada.815

<texto>Mandrioli – como já foi dito antes –, advertiu que o preço que deveríamos

pagar para incluir as sentenças suscetíveis de execução indireta na categoria da

condenação é mais elevado do que a vantagem que poderíamos obter. Enquanto a

vantagem estaria reduzida ao plano da terminologia, a contrapartida da inclusão da

sentença (ligada às medidas coercitivas) na categoria da condenação levaria a uma

inevitável cisão entre o conceito de condenação e a noção de execução forçada. Tal

cisão deixaria um espaço vazio entre a declaração e a condenação-título executivo, o

que tornaria inevitável a configuração de um tertium genus, que seria a condenação-não

título executivo.816

<texto>Admitir uma condenação-não título executivo é um equívoco de lógica, pois

814

Como reconheceu Jacques Michel Grossen, Professor da Universidade de Neuchâtel, “la tutela del

diritto, quale risulta dalla facoltà di agire per la condanna, rimane tuttavia imperfetta. Senza essere

ancora violato, un diritto può trovarsi minacciato. I moderni sistemi giuridici ammettono talvolta il

ricorso all’autorità giudiziaria per prevenire un danno, senza dover attendere che soltanto la riparazione

possa esserne ordinata” (Jacques Michel Grossen, L’azione in prevenzione al di fuori dei giudizi

immobiliari. Rivista di Diritto Processuale, 1959, p. 418). 815

Enrico Tullio Liebman, Processo de execução, cit., p. 16. 816

Crisanto Mandrioli, Sulla correlazione necessaria tra condanna ed eseguibilità forzata. Rivista

Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1976, p. 1.352.

Page 307: Tutela Inibitória - Marinoni

307

é aceitar e negar um conceito ao mesmo tempo. Não atentar ao conceito de sentença

condenatória, projetando-se-lhe a refundação, é desconsiderar que o conceito de

condenação é elaboração científico-doutrinária e, ao mesmo tempo, desprezar não

apenas os esforços que a doutrina fez para conceituar condenação, como também os

valores culturais que presidiram a formação do conceito dessa modalidade de

sentença. De qualquer forma, ainda que este possa ser o desejo de alguns, não há razão

para se reunir na mesma categoria duas sentenças que, necessariamente, levarão a

uma subclassificação, exatamente por não se conciliarem.

<texto>Ora, se surgiu uma nova necessidade de proteção jurisdicional e, assim, uma

nova modalidade de sentença, não há razão para se preservar a antiga classificação

trinária, como se ela fosse absoluta e intocável. A tentativa de manter a classificação

trinária – realizada por Chiarloni – é derivada de um equívoco sobre a verdadeira

função das classificações, vício que, na verdade, não é encontrado apenas entre os

juristas, mas que no direito acaba adquirindo um peso bastante significativo.817

817

Genaro R. Carrió, Notas sobre derecho y lenguaje, cit., p. 98.

Page 308: Tutela Inibitória - Marinoni

308

<tit>9

<tit1>A SENTENÇA EXECUTIVA, A TUTELA DOS DIREITOS REAIS E A

TUTELA CONTRA O ATO CONTRÁRIO AO DIREITO

Cabe agora abordar a sentença executiva a partir dos elementos apontados por Satta

e Pontes de Miranda, analisando-se a sua relação com a tutela dos direitos reais, para

após propor a sua ligação com a tutela contra o ato contrário ao direito, isto é, com as

tutelas inibitória e de remoção do ilícito.

<texto>Satta, como se sabe, sustentou que apenas algumas posições jurídicas, por

ele qualificadas de “direitos a posições finais” – isto é, a propriedade e outros direitos

reais – gozariam da tutela na forma específica, ao passo que outras posições jurídicas,

qualificadas de “direitos a posições instrumentais” – entre as quais, em particular, o

direito de crédito –, não poderiam receber tal forma de proteção818

e sua violação

somente poderia ser sancionada através do ressarcimento pelo equivalente.819

<texto>Segundo Satta, as “situações jurídicas finais” são aquelas que se identificam

com a satisfação do interesse contido no direito, enquanto as “situações jurídicas

instrumentais” apenas tendem a constituir aquelas situações e, portanto, somente

818

Salvatore Satta, L’esecuzione forzata. Trattato di diritto civile (diretto da Vassali), 1952, p. 17 e ss. 819

Deixe-se claro, desde logo, que, se há alguma relação entre os direitos reais e a sentença executiva, a

idéia de se reservar a tutela específica apenas aos direitos reais já foi superada há muito tempo. Lembre-

se, apenas para ilustrar, a seguinte passagem de um conhecido ensaio de Giorgianni: “Abbiamo però

assistito già nel secolo passato, e continuiamo ad assistere, ad un movimento dottrinale, giurisprudenziale

e legislativo diretto ad attribuire al creditore una tutela più intensa, tendente cioè a fargli raggiungere

coattivamente, nel più largo numero possibile di casi, il soddisfacimento dell’interesse che il rapporto

obbligatorio effettivamente protegge. Si sono venute, perciò, delineando via via altre forme di tutela del

diritto di credito, profondamente diverse dalla esecuzione forzata ‘per equivalente’ ovverosia dalla

espropriazione dei beni del debitore. Il codice civile del 1942 ha raggruppato sotto l’etichetta di

‘esecuzione forzata in forma specifica’ (è questa la intitolazione della sez. II del capo II del titolo IV del

libro V del codice civile) – per evidente contrapposizione a quella ‘per equivalente’ – le più importanti

forme di siffatta tutela. Queste però non esauriscono le manifestazioni del movimento cui sopra abbiamo

accennato, il quale si estrinseca anche attraverso una evoluzione interpretativa ed applicativa, dottrinale e

giurisprudenziale” (Michele Giorgianni, Tutela del creditore e tutela “reale”. Rivista Trimestrale di

Diritto e Procedura Civile, 1975, p. 854).

Page 309: Tutela Inibitória - Marinoni

309

mediatamente podem levar à satisfação do interesse.820

Não há, nas obrigações, aquela

coincidência entre direito e satisfação do interesse que é própria das “situações jurídicas

finais”. Nas obrigações, a satisfação do interesse depende da prestação de um sujeito em

favor do outro; o direito, na relação obrigacional, é reflexo da própria obrigação, e esta

assume posição instrumental em relação à satisfação do interesse.821

<texto>De acordo com Satta, a declaração do direito, inerente às “situações jurídicas

finais”, resume-se, quando em jogo uma obrigação, na afirmação da obrigação.

Entretanto, a afirmação da obrigação nunca é fim em si mesma; ela sempre está em

função de uma ulterior exigência de tutela jurídica, em harmonia com a posição

instrumental da obrigação, e disso deriva o seu caráter constitutivo, que se exprime na

condenação e concretamente se manifesta na execução que surge da própria

condenação.822

<texto>Referindo-se à ação reivindicatória, afirma Satta que aquele que é

reconhecido proprietário pela sentença precisa apenas exercer o seu direito de

propriedade para retomar a coisa que lhe pertence, sendo-lhe vedado agir privadamente

somente porque a posse do réu, ainda que ilegítima, é tutelada pelo ordenamento

jurídico. O caso, assim, não seria de execução forçada, uma vez que bastaria à jurisdição

manifestar-se através de atos de assistência material para a retomada da coisa.823

<texto>Satta demonstra, ao tratar da ação reivindicatória, que quando a posse é

restituída ao titular do direito esse não passa a ter nada além daquilo que já possuía

820

Salvatore Satta, L’esecuzione forzata nella tutela giurisdizionale dei diritti. Scritti giuridici in onore di

Francesco Carnelutti. Padova: Cedam, 1950, v. 2, p. 4. 821

Idem, ibidem, p. 5-9. 822

Idem, ibidem, p. 9. 823

“La contrapposizione da noi stabilita fra accertamento dell’obbligo e accertamento del diritto

(situazione giuridica finale) sotto il profilo della tutela giurisdizionale può destare qualche dubbio quando

si osservi che molto spesso l’accertamento del diritto non è sufficiente a far conseguire al titolare la

soddisfazione dell’interesse, ad esempio perchè il bene, del quale si è affermata la proprietà, si trova

nell’altrui possesso: è questa anzi la situazione normale nelle azioni di rivendica. E tanto più sarà

legittimo il dubbio, in quanto si consideri che sia il codice civile come quello di procedura pongono sotto

il comune denominatore dell’esecuzione l’attività conseguente alla sentenza di rivendica e alla sentenza di

condanna. Senonchè, un attento esame permette di comprendere la profonda differenza che corre fra le

due ipotesi. Se è infatti vero che il diritto accertato può non essere materialmente soddisfatto, non è meno

vero che il diritto medesimo ha in sè, intrinsecamente, la capacità di realizzarsi: il proprietario

riconosciuto tale nei confronti dell’illegittimo possessore, per riprendersi il possesso della cosa sua non ha

altro da fare che esercitare il proprio diritto. Se non lo può fare, ciò è per una ragione di carattere formale:

e cioè che il possesso, anche illegittimo, è tutelato dalla legge, e il proprietario non può rompere questo

ormai tenue diaframma, che lo separa dalla sua cosa, senza turbare la pace sociale. Per questo l’esercizio

del diritto riconosciuto è ancora intermediato dalla giurisdizione, la quale si esplica sia in comandi

complementari all’accertamento (ordini, inibizioni ecc.), comandi che non sono “condanne”, ma semplici

atti di imperio, sia nell’assistenza materiale alla ripresa del possesso” (Salvatore Satta, L’esecuzione

forzata nella tutela giurisdizionale dei diritti. Scritti giuridici in onore di Francesco Carnelutti, cit., p. 10).

Page 310: Tutela Inibitória - Marinoni

310

quando o direito foi declarado: “Não será, por exemplo, mais ou menos proprietário do

que já era”.824

E, comparando tal situação com a da sentença condenatória, explica:

“Não é preciso dizer quão diferente e oposta seja a situação na hipótese de declaração

da obrigação (condenação). Falar aqui de exercício de direito não tem sentido algum:

aqui não há um direito a exercer, mas um direito a constituir em adimplemento da

obrigação, precisamente aquele direito a cuja constituição a obrigação era

estruturalmente preordenada. Somente com a constituição deste direito (que implica na

expropriação do obrigado) a tutela jurisdicional será realizada. Obtém-se a confirmação

desta diferença considerando-se os reflexos penais das posições do titular do direito

declarado (propriedade) e do devedor (obrigação): enquanto o primeiro, ao apossar-se

da coisa reconhecida como sua sem o auxílio do órgão jurisdicional, comete um simples

exercício arbitrário das próprias razões, o credor que subtrai do devedor um bem para

satisfazer o seu crédito comete furto.”825

<texto>Satta estabelece nítida diferença entre a execução de créditos e a “execução”

peculiar aos direitos reais, mostrando que a posse, depois da sentença que declara o

direito de propriedade, é ilegítima, enquanto o direito de propriedade do devedor, na

execução forçada, é legítimo.

<texto>A doutrina de Satta assemelha-se à teoria de Pontes de Miranda.826

Pontes

afirma que o autor da reivindicatória pede a coisa que está, contrariamente ao direito, na

esfera do demandado, não ocorrendo o mesmo na condenação e na execução que a

segue, já que aí os bens estão, de acordo com o direito, na esfera do “devedor”.827

Na

execução derivada da condenação há a retirada do bem da esfera jurídica do devedor

para a esfera jurídica do credor, ocorrendo o que Pontes de Miranda chama de

modificação da linha discriminativa das esferas jurídicas. Essa modificação da linha

discriminativa, tratando-se de ação reivindicatória, ocorre no momento em que a

sentença é proferida, pois aí, como bem disse Satta, o proprietário é reconhecido como

tal no confronto do possuidor ilegítimo.828

824

Salvatore Satta, L’esecuzione forzata nella tutela giurisdizionale dei diritti. Scritti giuridici in onore di

Francesco Carnelutti, cit., p. 10. Tradução livre. 825

Idem, ibidem, p. 10-11. Tradução livre. 826

Ver Ovídio Baptista da Silva, Sentença mandamental. Sentença e coisa julgada, cit., p. 37 e ss, em que

o professor gaúcho refere-se às doutrinas destes dois juristas. Sobre a importância da classificação de

Pontes de Miranda, ver Clóvis do Couto e Silva, A teoria das ações em Pontes de Miranda. Ajuris 43/78. 827

Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro:

Forense, 1976, v. 9, p. 17 e ss. 828

Salvatore Satta, L’esecuzione forzata nella tutela giurisdizionale dei diritti. Scritti in onore di

Francesco Carnelutti, cit., p. 10.

Page 311: Tutela Inibitória - Marinoni

311

<texto>Há, sem dúvida, real diferença, no que diz respeito à alteração da linha

discriminativa das esferas jurídicas, entre a sentença que condena ao pagamento e a

sentença proferida na ação reivindicatória.829

<texto>Lembre-se de que à época do direito romano, uma vez proferida a sentença

reconhecendo o direito de propriedade, poderia o autor recuperar o objeto de seu

domínio independentemente de qualquer colaboração do réu, o que não se dava no caso

de condemnatio – obviamente oriunda de uma obligatio –, já que, nessa hipótese, por

ser naturalmente necessária uma prestação do devedor, podia o autor apenas manter o

devedor em cativeiro à espera de um terceiro que, pagando a dívida, libertasse o

encarcerado.830

Isto demonstra que, uma vez declarada a ilegitimidade da posse do

demandado, a ação de recuperação da coisa – que um dia foi privada – prescindia

totalmente da vontade do demandado, que justamente por isso não era condenado.

<texto>Nesta perspectiva, portanto, é bastante clara a razão pela qual em uma

hipótese podem ser praticados atos executivos imediatamente, e em outra há de se

esperar o adimplemento para o início da execução. Contudo, parece que a verdadeira

razão da dificuldade em se compreender que a condenação não é a tutela jurisdicional

adequada a uma série de situações de direito substancial pode ser explicada a partir da

clássica concepção de direito real. Afirma-se, como já foi dito (ver Parte 1, Capítulo 4,

item 4.3), que no direito real há uma relação entre o titular do direito e todas as demais

pessoas, que teriam um dever negativo em relação ao próprio titular do direito. Se o

direito deve ser uma relação jurídica entre pessoas, o direito real apenas pode ser um

direito obrigacional com sujeito passivo universal. Amplia-se, assim, o domínio da

obrigação, universalizando-se, por conseqüência, a condenação, que passa a ser a tutela

jurisdicional de direitos que, por sua própria natureza, não podem ser adequadamente

829

Ovídio também concorda que a sentença condenatória não modifica a linha discriminativa das esferas

jurídicas, já que a posse dos bens do devedor continua a ser tão legítima e conforme ao direito quanto o

era antes da sentença; é o processo de execução que, mediante a expropriação, opera a modificação da

linha discriminativa. Demonstra, porém, que, na ação de despejo, a própria sentença, ao supor ilegítima a

posse do locatário, realiza a alteração da linha discriminativa, e exatamente por isto configura espécie de

sentença executiva: “Depois de seu trânsito em julgado, nenhuma nova alteração da linha discriminativa

entre os dois patrimônios, do demandante e do demandado, se faz: existirá alguém que se transformou em

possuidor ilegítimo de algo que não lhe pertence; e alguém que procura recuperar a posse do que é seu”

(Ovídio Baptista da Silva, Sentença mandamental, Sentença e coisa julgada, cit., p. 66-67). É importante

frisar que a sentença que julga procedente o despejo, ao desconstituir a relação obrigacional,

configurando a ilegitimidade da posse do locatário, realiza a alteração da linha discriminativa entre as

esferas jurídicas, tornando necessária apenas a prática de ato executivo realizador da recuperação da

posse. Mas esta sentença não se limita a desconstituir ou a condenar o réu a entregar a coisa (caso em que

seria necessária a ação de execução); ela é, por viabilizar a imediata recuperação da posse, inegavelmente

executiva. 830

Ovídio Baptista da Silva, Curso de processo civil, cit., v. 2, p. 142.

Page 312: Tutela Inibitória - Marinoni

312

por ela tutelados.

Porém, a relação entre direitos reais e sentença executiva, estabelecida por Satta e

Pontes de Miranda, estende-se naturalmente a outras situações de direito substancial

quando se percebe a distinção entre ato contrário ao direito, inadimplemento e dano. A

prática de ato contrário ao direito, quando declarada judicialmente, não fica a espera de

qualquer prestação do demandado, ao contrário do que acontece quando há

inadimplemento de obrigação contratual ou dano. Quem viola uma obrigação ou comete

um dano está obrigado a uma prestação ou ao ressarcimento do dano, não ocorrendo o

mesmo quando se prática um ato contrário ao direito. Nesse último caso, não há que se

esperar algo ou alguma prestação de quem praticou o ilícito, restando à jurisdição

apenas remover os seus efeitos concretos.

Na hipótese em que a sentença declara a probabilidade da violação ou a violação do

direito, o direito obviamente não depende de qualquer prestação, sendo absolutamente

desnecessário esperar algo do demandado para implementar a tutela jurisdicional. Em

tais situações o juiz não atua no lugar do demandado ou para suprir algo que é por ele

devido. Melhor explicando: quando se inibe ou remove o ilícito, a ameaça ao direito ou

a prática do ilícito não requerem qualquer prestação do réu, sendo os atos de coerção

necessários apenas para que a declaração contida na sentença se transforme em

realidade, ao passo que, nos casos de ressarcimento ou de adimplemento, há declaração

de algo que ainda precisa ser feito, aparecendo a execução como indispensável para

realizar o que deveria ter sido feito pelo demandado e, assim, para satisfazer o direito.

Este item, assim, espera ter demonstrado que a tese que relaciona a sentença

executiva com a tutela dos direitos reais pode servir de base para outra idéia, essa

intimamente vinculada com os direitos do Estado constitucional, no sentido de que as

tutelas inibitórias e de remoção do ilícitos não dependem de uma prestação do

demandado ou de atividade executiva que a substitua.

Page 313: Tutela Inibitória - Marinoni

313

<tit>10

<tit1>A LEI 11.232/05 E AS SENTENÇAS CONDENATÓRIA,

MANDAMENTAL E EXECUTIVA

A Lei 11.232/05 unificou os processos de conhecimento e de execução,

transformando a execução por expropriação na fase final do processo instaurado com a

ação de conhecimento (art. 475-J e seguintes, CPC).

Diante disto, indaga-se sobre a natureza da sentença que impõe o pagamento de

quantia, ou melhor, se ela ainda deve ser chamada de condenatória. Note-se, porém, que

tal sentença, embora dispensando a ação de execução, liga-se a uma forma de execução

que, visando satisfazer o direito de crédito, retira bens que estão legitimamente no

patrimônio do devedor. Portanto, na doutrina de Pontes de Miranda, a supressão da ação

de execução obviamente não é capaz de transformar a sentença condenatória em

executiva. Na teoria de Pontes, a sentença executiva não tem relação de causa e efeito

com a desnecessidade da ação de execução. De qualquer forma, aí está a grande

dificuldade em se compreender o conceito de sentença executiva em Pontes de Miranda.

Essa dificuldade faz com que se suponha que a supressão da ação de execução

transforme, na própria concepção de Pontes de Miranda, a sentença condenatória em

sentença executiva.

Contudo, é preciso perceber que a classificação de Pontes de Miranda parte de uma

análise espectral das sentenças, ou seja, de uma análise interna das sentenças, e não de

uma análise externa, como aquela que conduziu à classificação trinária. A análise

interna da sentença permite fazer ver o efeito executivo na alteração da linha

discriminativa das esferas jurídicas, a qual nada tem a ver com a eficácia executiva

própria da sentença condenatória, ligada à instauração da execução por expropriação.

O 475-J afirma que, “caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou

já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da

Page 314: Tutela Inibitória - Marinoni

314

condenação será acrescido de multa de dez por cento e, a requerimento do credor e

observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora

e avaliação”. Ou seja, a sentença que condena ao pagamento, caso não adimplida

voluntariamente, abre oportunidade para a expedição de mandado de penhora e

avaliação, ou seja, para a prática dos atos de execução por sub-rogação expressamente

definidos na legislação.

A sentença que condena ao pagamento continua a não ter força executiva. O

emprego da força executiva é somente autorizado pela sentença condenatória. E, o que é

mais relevante, a sentença continua a abrir oportunidade apenas para o uso da forma

executiva previamente determinada na lei.

A única diferença dessa sentença, para a concebida pela doutrina clássica, está em

dispensar uma nova ação para viabilizar a execução por expropriação. Porém, isso não

significa que a sentença não mais impõe a sanção que abre oportunidade para a

execução forçada tipificada na lei.

Perceba-se que a sentença que impõe o pagamento de soma contém todos os

elementos que caracterizam a condenação na história. Tal sentença é repressiva, capaz

de prestar tutela pelo equivalente pecuniário ao direito lesado e relacionada a meios de

execução por sub-rogação expressamente tipificados na lei. A sentença tem a mesma

função e submete-se aos mesmos princípios da sentença condenatória clássica.

De outra parte, não há dúvida que o art. 475-J inova ao dizer que, caso o réu não

cumpra a sentença no prazo devido, terá o montante da condenação acrescido em dez

por cento, o que poderia tentar alguém a enxergar na sentença força mandamental.

Acontece que tal multa não tem caráter coercitivo, pois não objetiva constranger o

demandado a pagar. Ela constitui somente uma pena. É certo que toda pena, ao lado da

sua função punitiva, possui função intimidadora, mas isto está muito longe de ser capaz

de conferir-lhe natureza coercitiva.

Tal pena, inserida no art. 475-J, é fruto de tese que apresentamos ao Instituto

Brasileiro de Direito Processual. Mas a nossa proposta era muito mais abrangente, já

que objetivava dar ao juiz poder para impor multa em valor suficiente para constranger

o devedor a pagar, sem qualquer limitação de valor, para o que obviamente seria

indispensável considerar as circunstâncias do caso concreto, especialmente a capacidade

econômica do réu.

Page 315: Tutela Inibitória - Marinoni

315

A multa, tal como definida no art. 475-J, não retira da condenação a sua feição. Essa

sentença apenas assumiria natureza mandamental se houvesse sido dado ao juiz poder

de coerção indireta, quando a forma de execução seria completamente distinta da que

prevaleceu intacta. Perceba-se que, quando se dá ao juiz poder coercitivo indireto, não é

o procedimento executivo que realiza o adimplemento; o adimplemento é feito pelo

próprio devedor, em virtude da pressão da sentença que impõe a multa.

Supomos, agora raciocinando de lege ferenda, que inexiste razão para não se admitir

o uso cumulado da execução por expropriação e da execução sob pena de multa quando

se pretende cobrança de dinheiro. Recorde-se que a doutrina brasileira sempre admitiu a

utilização da multa para convencer o obrigado a prestar um fazer fungível.831

A multa,

dentro da cultura jurídica brasileira, jamais foi vinculada a uma prestação de caráter

infungível. Tanto é verdade que a nova redação do art. 287 (Lei 10.444/2002) fez

questão de explicitar a possibilidade de se compelir o réu, sob pena de multa, a uma

prestação fungível. Ora, se é possível usar a multa para constranger alguém a fazer algo

que dependa de gasto de dinheiro, não há qualquer motivo para impedir a utilização de

igual forma de coerção para compelir ao pagamento de soma.

<texto>O objetivo do uso da multa – na nossa proposta - seria convencer o obrigado

a adimplir, evitando-se as complicações, o custo e a demora inerentes à execução por

expropriação.832

Aliás, considerando-se que a demora da prestação jurisdicional também

decorre do grande número de feitos que circulam pelos órgãos do Poder Judiciário, não

é incorreto supor que o uso da multa, ao permitir a tutela do direito sem a necessidade

da execução forçada, poderia contribuir para diminuir a demora, quase patológica, da

justiça civil.

<texto>De qualquer forma, cabe lembrar que a melhor execução forçada é aquela

que não é necessária, uma vez que a forma ideal de realização de um direito decorre do

adimplemento voluntário do obrigado.833

Ora, se a estrutura da técnica executiva não

pode deixar de tomar isto em consideração, não há motivo para inadmitir a execução

indireta (a multa) – obviamente de forma cumulada com a execução forçada – diante do 831

José Joaquim Calmon de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil, v. 3, cit., p. 167 e ss;

Alcides de Mendonça Lima, Comentários ao Código de Processo Civil, v. 6, t. 2, cit., p. 771 e ss; José

Carlos Barbosa Moreira, O novo processo civil brasileiro, v. 2, cit., p. 52 e ss; Athos Gusmão Carneiro,

Das astreintes nas obrigações de fazer fungíveis. Ajuris 14, p. 125 e ss. 832

Michele Taruffo, Note sul diritto alla condanna e all’esecuzione. Rivista Critica del Diritto Privato,

1986, p. 668. Ver, também, Elisabetta Silvestri e Michele Taruffo, Esecuzione forzata. Enciclopedia

Giuridica Treccani, v. 13, p. 2 e 11. 833

Michele Taruffo, Note sul diritto alla condanna e all’esecuzione. Rivista Critica del Diritto Privato,

1986, p. 668.

Page 316: Tutela Inibitória - Marinoni

316

crédito pecuniário. Se o objetivo é evitar a execução forçada, não resta outra saída senão

convencer o obrigado a adimplir,834

dando-se sempre a ele a oportunidade de justificar o

não-adimplemento, especialmente porque a multa não pode incidir contra quem não tem

patrimônio.835

<texto>Não se suponha, apressadamente, que tal forma de conceber a técnica

executiva corresponda a uma forma autoritária de compreender o sistema de tutela dos

direitos.836

Não é possível esquecer que grande parte das ações de condenação

encaminhadas ao Judiciário objetiva a cobrança de pequenas parcelas, devidas por

sólidas pessoas jurídicas de direito privado a pessoas físicas.

Humberto Theodoro Júnior elogia o sistema do processo do trabalho pela

circunstância da sentença dispensar a propositura da ação de execução e a própria

iniciativa do demandante.837

Entretanto, a sentença que dispensa a propositura de ação

de execução ou a iniciativa do autor não resolve qualquer dos problemas antes

apontados. Note-se que aí não há qualquer alteração no procedimento de execução;

ainda é necessária a execução através da expropriação de bens. Ora, o grande problema

da tutela do crédito pecuniário não está na necessidade de uma ação de execução ou no

requerimento do credor, mas sim nas complicações, na demora e no custo da execução

por expropriação. De modo que a supressão da ação de execução, com a manutenção da

velha forma de execução, é muito pouco. É preciso conceber uma nova forma de

execução do crédito pecuniário.

<texto>Na verdade, a execução por expropriação, na Justiça do Trabalho, é um

verdadeiro entrave não só à promessa constitucional de duração razoável do processo,

como também à própria tutela do direito ao sustento do trabalhador. Tal procedimento

somente serve para incentivar os que têm dinheiro a não pagar pontualmente. Sabe-se,

em uma visão de mercado, que é muito melhor esperar para pagar depois de finalizado o

procedimento (visto como autônomo ou como uma fase, tanto faz) de execução por

834

Idem, ibidem. 835

Luiz Guilherme Marinoni, A execução da tutela antecipatória de pagamento de soma sob pena de

multa. Genesis – Revista de Direito Processual Civil 4/163. 836

“Il necessario rafforzamento del sistema esecutivo nel suo complesso, con l’estensione e la maggiore

efficienza degli strumenti di esecuzione diretta, e con l’introduzione di adeguate misure di coercizione

indiretta, non risponde dunque ad una logica autoritaria, né ad uno spirito punitivo nei confronti del

debitore. Ipotesi di questo genere, che pure sono state avanzate, non colgono l’essenza del problema, e

sembrano invece il frutto di una distorsione ideologica dei suoi termini, piuttosto che di un’attenta e

realistica analisi della funzionalità della tutela esecutiva” (Michele Taruffo, Note sul diritto alla condanna

e all’esecuzione. Rivista Critica del Diritto Privato, 1986, p. 669). 837

Humberto Theodoro Júnior, A execução de sentença e a garantia do devido processo legal, Rio de

Janeiro: LEUD, 1987, p. 181 e ss.

Page 317: Tutela Inibitória - Marinoni

317

expropriação, uma vez que o dinheiro, neste período de tempo, certamente dá frutos

àquele que tem o tempo ao seu favor. Ademais, a demora também é utilizada pelo

executado para vencer as resistências do exeqüente e, assim, para fazer gerar um acordo

em que o trabalhador abre mão de parte do direito em troca da lentidão da justiça. Aí o

devedor é mais uma vez beneficiado em prejuízo do credor; a diferença é a de que, no

caso de “acordo”, lança-se ao demandante o imoral argumento de que a “justiça é

demorada”, como se isto fosse um problema de quem é obrigado a ir a Juízo e não de

quem têm o dever de remediá-la.838

O art. 475-N, ao elencar os títulos executivos judiciais, substituiu o antigo inciso

que falava exclusivamente em “sentença condenatória proferida no processo civil” (art.

584, I) por um inciso que diz ser título executivo judicial “a sentença proferida no

processo civil que reconheça a existência de obrigação de fazer, não fazer, entregar

coisa ou pagar quantia” (art. 475-N, I).

Como é óbvio, o fato de a norma falar em sentença que reconhece a obrigação,

não transforma as antigas sentenças condenatória, mandamental e executiva em

sentenças declaratórias. A norma, ao aludir a reconhecer a obrigação, declara um

efeito jurídico no plano do direito material, no sentido de que uma tutela deve ser

prestada.

Quando se declara um efeito jurídico que requer uma prestação, evidentemente

não há sentença declaratória, já que a declaração é de que a prestação faltante deve ser

838

Eduardo Talamini, ao sustentar que não é “apropriada a extensão da multa para o campo da tutela

atinente a pretensões pecuniárias” (Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer, cit., p. 470), nega-

se a enxergar que o uso da multa certamente terá efetividade em relação aos réus que possuem

patrimônio. Parece que seu raciocínio parte do pressuposto de que a execução de crédito pecuniário deve

ser utilizada contra o devedor destituído de patrimônio, e não contra o inadimplente (que pode, ou não,

ter patrimônio). Contra o devedor que não possui patrimônio penhorável não basta nem mesmo a

execução por expropriação. A execução de crédito pecuniário, seja qual for a sua modalidade, somente

permite que o credor seja satisfeito quando o devedor possui patrimônio. Contra este, que logicamente

prefere pagar após o longo tempo da execução por expropriação, a multa evidentemente possuirá

efetividade. De qualquer maneira, referido autor não compreendeu a razão pela qual se pensa no uso da

multa em relação ao crédito pecuniário. Diz ele: “recorrer-se-ia à multa porque a execução monetária

tradicional é inefetiva, mas o crédito advindo da multa seria exeqüível através daquele mesmo modelo

inefetivo” (Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer, cit., p. 470). Ora, como é óbvio, o objetivo

da multa é libertar o credor das complicações, da demora e do custo da execução por expropriação, e não

o de permitir a satisfação de créditos contra devedores que não possuem patrimônio. Ao contrário de

Talamini, Bedaque, percebendo a falácia de uma tutela que não pode ser adequadamente executada,

afirma que a multa pode ser utilizada, ainda que diante do atual panorama do sistema processual

brasileiro, para permitir a efetiva execução da tutela antecipada. São estas as suas palavras: “a fixação de

multa pecuniária pelo descumprimento do provimento antecipatório constitui providência possível,

adequada e útil para conferir maior efetividade à antecipação” (José Roberto dos Santos Bedaque, Tutela

cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 365). A esta

forma de argumentar é inerente o valor da busca de um processo que realmente seja capaz de responder às

necessidades dos cidadãos, sem tratá-las de forma desigual e discriminatória.

Page 318: Tutela Inibitória - Marinoni

318

implementada mediante a via executiva.

Mas não se pense que a declaração é de ausência de prestação de fazer, não fazer,

entregar coisa ou pagar quantia, ou simplesmente de que deve ser imposto fazer, não

fazer, entrega de coisa ou pagamento de dinheiro. A declaração é de um efeito jurídico

que exige uma tutela jurisdicional do direito que requer a imposição de fazer, não

fazer, entrega de coisa ou pagamento de dinheiro.

A tutela do direito – por exemplo, inibitória ou ressarcitória – não se confunde

com a imposição processual expressa na decisão. Ou seja, quando a decisão impõe

fazer, não fazer, entrega de coisa e pagamento de dinheiro, o juiz atua objetivando

prestar uma determinada espécie de tutela do direito. O efeito jurídico declarado no

plano do direito material, assim, não é de que deve ser cumprido um não fazer etc, mas

sim de que deve ser prestada a tutela inibitória etc.

Como está claro, o art. 475-N, I, do CPC, ao aludir a reconhecimento de

obrigação, não cria uma nova espécie de sentença declaratória, mas sim evidencia que

a sentença declara efeitos jurídicos no plano do direito material, no sentido de que

devem ser implementadas, mediante as modalidades executivas adequadas, tutelas que

dependem de fazer, não fazer, entrega de coisa e pagamento de soma.

Note-se que as tutelas, por derivarem dos efeitos jurídicos declarados no plano do

direito material, não se confundem com as sentenças, que são técnicas processuais que

só adquirem significação quando relacionadas com as modalidades executivas.

É evidente que uma sentença que “reconhece a existência de obrigação” somente

pode ser qualificada a partir da análise dos meios de execução que lhe conferem

particularidade. Isto porque, à distância dos meios de execução, tais sentenças têm a

mesma natureza. As sentenças que não bastam por si, isto é, que precisam ser

implementadas quando são adimplidas voluntariamente - obviamente devem ser

classificadas com base nas formas executivas que as particularizam. Apenas as

sentenças declaratória e constitutiva, por serem sentenças satisfativas, livram-se desse

modo de conceituação.

Porém, é importante sublinhar que as sentenças nada mais são do que instrumentos

ou técnicas processuais que variam conforme as necessidades do direito material

expressas em cada momento histórico. A classificação das sentenças, do mesmo do que

Page 319: Tutela Inibitória - Marinoni

319

a ação – como a doutrina já fez questão de frisar839

-, tem uma visível relatividade

histórica. A compreensão das sentenças, isto é, das técnicas processuais – que podem

ser chamadas sentenças, provimentos etc. – capazes de permitir a tutela dos direitos

depende da consideração do Estado, do momento social e político e do ordenamento

jurídico nos quais operam.

Isto quer dizer que toda classificação de sentenças é transitória, sendo por isso

equivocado imaginar que uma classificação possa se eternizar, como se as classificações

devessem obrigar os juristas a ajeitar as novas realidades aos antigos conceitos.

Conforme adverte CARRIÓ, como a teoria jurídica trabalha, em quase todos os setores,

com classificações herdadas, a maioria contando com aval de grande prestígio e

tradição, os juristas acabam acreditando que as classificações constituem formas

verdadeiras de agrupar as regras e os fenômenos, em lugar de nelas ver simples

instrumentos para a sua melhor compreensão. Nessa visão distorcida da razão de ser das

classificações, são os fenômenos que devem acomodar-se às classificações e não o

contrário.840

À época da formação do processo civil, bastava ao Estado e aos seus valores apenas

três sentenças – declaratória, constitutiva e condenatória. Com o passar do tempo e o

surgimento de novos direitos, tornaram-se necessárias novas técnicas para a tutela dos

direitos, tendo sido instituídos os instrumentos dos artigos 84 do CDC e 461 do CPC.

Por um lado, surgiu a possibilidade de se recorrer à multa, fixando-se o seu valor

conforme as necessidades da situação concreta (art. 461, §4º). Uma sentença que ordena

sob pena de multa atua sobre a vontade do demandado, dá maior poder ao juiz e coloca

de lado a idéia de que essa forma de atuação representaria uma agressão à liberdade.

As mesmas normas deram ao juiz e ao autor o poder de escolher a modalidade

executiva capaz de permitir a realização do direito segundo as peculiaridades do caso

concreto, independentemente da vontade do demandado. Trata-se do que passou a ser

denominado, a partir da dicção do §5º do art. 461, de poder de utilização das “medidas

necessárias”.

Como uma classificação, além de se pautar pela realidade normativa, deve capturar

a realidade social e política que a circunda, a classificação das sentenças não pode fugir

de uma metodologia que tome em conta a forma como se manifesta o poder

839

CALAMANDREI, Piero, La relatività del concetto di azione, Rivista di diritto processuale civile,

1939; ORESTANO, Ricardo, Azione in generale, Enciclopedia del diritto, 1959. 840

CARRIÒ, Genaro R. Notas sobre derecho y lenguaje. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1990. p. 99.

Page 320: Tutela Inibitória - Marinoni

320

jurisdicional de execução, o seu impacto sobre as partes e o seu significado perante o

direito material.

A principal distinção entre os sistemas jurisdicionais de execução está nos princípios

que os regem, especialmente na observância ou não do princípio da tipicidade dos meios

executivos, considerado um dos princípios cardeais da execução. Esse princípio foi

formulado pela doutrina – mergulhada nos valores do direito liberal - que construiu o

processo civil clássico, a qual o pensou como uma garantia de liberdade diante da

possibilidade de arbítrio do juiz.841

Sabe-se que, enquanto o direito da “civil law” adotou o princípio da tipicidade, o

direito da “common law” preferiu munir o juiz de uma ampla latitude de poder para dar

atuação às suas decisões. Lembre-se que existe na “common law” e no instituto do

“contempt of Court”842

algo que se choca com os fundamentos do direito liberal, pois o

juiz armado de “contempt power” para sancionar as suas decisões exerce um relevante

papel criativo, ao contrário do juiz idealizado a partir do princípio da separação dos

poderes.

O juiz da “common law” sempre teve o poder de sancionar as suas decisões

mediante multa e até mesmo prisão nos casos em que o litigante comete “contempt of

Court” ou pratica um ato que significa “desprezo à Corte”. Esse poder, outorgado ao

juiz, revela muito mais “imperium” – compreendido como expressão do poder estatal –

do que “iurisdictio”. O “ius dicere”, que o direito medieval reduziu à “notio”,

obviamente se compatibiliza com os valores do Estado liberal, pois dizer o direito, na

própria lição de MONTESQUIEU, seria o exercício de um “poder nulo” – já que

significaria a simples reafirmação do poder outorgado ao legislativo.843

Além de o juiz da “common law” ter o poder de se valer da multa para sancionar as

suas decisões, o que lhe confere um poder de adequação às necessidades concretas

inimaginável a um juiz engessado pelo modelo da classificação trinária, ele não está

submetido a uma definição legal das modalidades executivas para poder utilizá-las

diante dos casos concretos. Ou seja, não se pensa, na “common law”, em princípio da

tipicidade dos meios de execução.

841

V. DENTI, Vittorio, Il processo di cognizione nella storia delle riforme, Rivista trimestrale di diritto e

procedura civile, 1993, p. 808 e ss. 842

Ver John Henry Merryman, The civil law tradition, Stanford, Stanford University Press, 1985, p.

73. 843

TARELLO, Giovanni. Storia della cultura giuridica moderna (assolutismo e codificazione del diritto),

cit., p. 288.

Page 321: Tutela Inibitória - Marinoni

321

O artigo 461 do CPC não apenas dá ao juiz o poder de sancionar as suas decisões

mediante o uso da multa, como ainda lhe outorga uma ampla margem de poder para a

escolha da modalidade executiva capaz de atender às necessidades do caso concreto. A

norma do artigo 461 é importante não só porque a ordem, quando ligada à multa, detém

uma elasticidade muito grande, o que a torna passível de adequação a uma ampla

variedade de situações concretas,844

mas também porque a tipificação dos meios de

execução por sub-rogação, colocados à escolha daquele que teve seu direito reconhecido

na sentença condenatória, nunca será suficiente para a tutela das várias situações de

direito substancial, especialmente daquelas que surgem em decorrência da evolução da

sociedade.845

Em outras palavras, tal norma dá ao juiz um poder que ele jamais teve, assim como

tem um impacto sobre as partes completamente distinto daquele que sobre elas recaía à

luz do princípio da tipicidade.

O §5o do art. 461, ao quebrar o princípio da tipicidade, instituiu o princípio da

concentração do poder executivo do juiz. Além disso, conferiu uma nova dimensão ao

direito de ação, que passou a englobar o direito ao meio executivo adequado ao caso

concreto. Por conseqüência, obrigou à reformulação, em nome do direito de defesa, do

método de controle da utilização das modalidades executivas. Como as modalidades

executivas deixaram de ser expressamente definidas na lei, outorgando-se ao autor e ao

juiz o poder de sua escolha conforme as necessidades do caso concreto, conferiu-se ao

demandado uma forma muito mais sofisticada, embora também mais complexa, para o

exercício da sua defesa, baseada fundamentalmente na regra de que a execução deve ser

feita mediante o uso do meio executivo que cause a “menor restrição possível”.846

844

Michele Taruffo, ao analisar as formas de execução da common law, atenta para o fato de que a

injunction, ao impor o fazer ou o não fazer, bloqueia a eventualidade substitutiva do ressarcimento do

dano derivado do inadimplemento. Nesse caso, ou se recorre a formas de execução específica por sub-

rogação, quando for possível, e quando a Corte assim julga oportuno, ou a execução é deixada ao

obrigado que, em caso de inadimplemento, é punível a título de Contempt of Court. (L’attuazione

esecutiva dei diritti: profili comparatistici. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1988, p.

151). 845

MARINONI, Luiz Guilherme, Tutela inibitória, 3ª. ed., cit., p. 346-347. 846

“O princípio da necessidade, abrindo-se nos princípios do meio mais idôneo e da menor restrição

possível, deve orientar as hipóteses de tutela inibitória, evitando que em nome da efetividade da tutela

preventiva seja descurada a idéia de que a tutela do direito do autor deve ser obtida sem gerar

conseqüências desrazoáveis à esfera jurídica do réu. A ética da tutela inibitória consiste na efetividade da

prevenção sem prejuízos excessivos ao demandado, privilegiando o “equilíbrio” e a “justa medida” como

critérios que devem iluminar a relação entre a efetividade da tutela preventiva e a necessidade de

preservação da esfera jurídica do réu. A aplicação destes princípios tem estreita relação com os poderes

de execução que foram conferidos ao juiz por meio dos artigos 461 do Código de Processo Civil e 84 do

Código de Defesa do Consumidor, e especialmente com a possibilidade da utilização da multa. A

Page 322: Tutela Inibitória - Marinoni

322

Tudo isto tem uma enorme relevância, pois, de uma só vez, retira a falsa segurança

que se pretendia outorgar ao réu mediante o princípio da tipicidade, incrementa o poder

executivo do juiz, transforma o direito de ação e faz com que o direito de defesa seja

pautado por critérios hermenêuticos desconhecidos pelo positivismo primário.

Tal sistema de execução deve ser separado, por razões óbvias, do sistema

caracterizado pela sentença condenatória. É que a condenação, em nome das garantias

da liberdade e da intangibilidade da autonomia da vontade, foi teoricamente

correlacionada com as formas de execução direta tipificadas na lei.

Como já dito, a sentença que “condena ao pagamento” (art. 475-J) não permite que

o juiz atue sobre a vontade do demandado ou opte por forma de execução diversa da

prevista na lei. Portanto, os valores presentes na sentença do art. 475-J são totalmente

diferentes daqueles que inspiraram o sistema executivo delineado pelo art. 461.

Mais do que isso, a nova sentença condenatória retomou, com força e vigor, o real

significado de condenação. Ao relacioná-la expressamente com “quantia certa”, o art.

475-J deixou claro que a sua principal função será a de prestar a tutela pelo equivalente

em dinheiro ao valor da lesão ou da obrigação inadimplida.

A tutela pelo equivalente dissolve a importância do direito material, pois exprime

em pecúnia o valor dos direitos lesados. Não é por outra razão que essa tutela já foi vista

como uma forma de neutralização da relevância dos bens e dos direitos.847

A tutela pelo

equivalente, na sua tentativa de igualização das posições sociais, contou com uma

possibilidade da utilização da multa permite a adequação da tutela jurisdicional a cada caso conflitivo

concreto, o que sempre foi inadmitido no processo civil clássico. Na época em que foram elaboradas as

bases do direito processual, deixou-se clara a idéia de não se permitir ao juiz invadir à esfera jurídica do

particular, mediante atos de execução, a não ser através dos meios executivos expressamente previstos em

lei. Desejava-se outorgar ao cidadão a garantia de que a sua esfera jurídica somente poderia ser

invadida através dos meios de execução tipificados na legislação. Falava-se, então, em princípio da

tipicidade das formas executivas, visando-se dar garantias ao cidadão contra a possibilidade de abusos

no exercício do poder jurisdicional. Este princípio, como as “formas” típicas ao direito processual,

sempre foi ligado à liberdade individual. Como é óbvio, não se quer negar, aqui, a importância das

formas processuais, mas é preciso esclarecer que o princípio da tipicidade dos meios de execução

engessou a figura do juiz, não viabilizando a tutela efetiva relativa a diversas situações de direito

substancial. Foi por esta razão que o legislador instituiu novos de meios de execução na legislação

brasileira, e assim permite que agora seja possível falar em princípio da adequação dos poderes de

execução. Ora, não é porque foi outorgado ao juiz uma enorme latitude de poder para a determinação da

execução, e assim da efetividade dos provimentos jurisdicionais, que este poder poderá ser utilizado sem

critérios para a sua adequada e justa utilização. Este poder deve ser utilizado de forma adequada; daí o

motivo para se falar em princípio da adequação dos poderes de execução. Pois os critérios para a

aplicação da multa, assim como das medidas executivas previstas nos artigos 461 do Código de Processo

Civil e 84 do Código de Defesa do Consumidor, estão inseridos nos princípios do meio mais idôneo e da

menor restrição possível, tal como descritos acima” (Luiz Guilherme Marinoni, Tutela inibitória, 3ª. ed.,

cit., p. 151-152). 847

Luiz Guilherme Marinoni, Técnica processual e tutela dos direitos, cit.

Page 323: Tutela Inibitória - Marinoni

323

técnica elaborada pela doutrina processual, precisamente com a sentença condenatória.

A sentença condenatória, assim como a tutela pelo equivalente, é neutra em relação

ao direito material e aos casos concretos. E é por esse motivo que foi limitada a uma

única forma de execução, expressamente tipificada na lei, sem dar ao juiz e ao autor

qualquer poder de adequação à tutela específica do direito material e ao caso concreto.

Se a sentença condenatória objetiva prestar o equivalente ao direito lesado, o

sistema do art. 461 abarca sentenças voltadas à tutela específica do direito material.

Porém, dentro do sistema criado pelo art. 461 é preciso separar a sentença que atua sob

pena de multa e a sentença que atua mediante execução direta.

Isso porque, em uma classificação que tome em consideração os meios de execução,

certamente não é possível ignorar a distinção entre execução direta e execução indireta,

a qual expressa a forma como se manifesta a sentença em seu momento dinâmico, de

execução.

A execução direta se dá através de meios executivos que permitem a realização do

direito independentemente da vontade do réu, ao passo que a execução indireta objetiva

a realização do direito mediante meios de execução que atuam sobre a sua vontade,

objetivando convencê-lo a adimplir. Neste último caso se enquadram a multa e a prisão

civil, direcionadas a constranger a vontade do demandado para permitir a realização do

direito.

A diferença teórica entre execução direta e indireta não pode ser ignorada quando as

sentenças são classificadas a partir dos meios executivos.848

É certo que os meios de

execução direta e a multa fazem parte de uma sistema criado a partir da necessidade de

se dar tutela específica aos direitos e permitir a chamada “justiça do caso concreto”.

Porém, não há como ignorar a distinção entre os significados de execução indireta e

execução direta, lembrando-se, até mesmo, que parcela da doutrina italiana clássica

chegou a atribuir natureza declaratória à sentença ligada à multa.849

A forma de atuação de tais sentenças é completamente distinta. A execução indireta,

segundo o seu próprio nome indica, é incapaz de, diretamente, permitir a tutela do

direito. Ela atua sobre a vontade do demandado para constrangê-lo a adimplir a

sentença, de modo que a tutela do direito, em última análise, dependerá da vontade do

848

Crisanto Mandrioli chega a negar natureza executiva à coerção indireta. V. Crisanto Mandrioli,

L'azione esecutiva, Milano, Giuffrè, 1955; Sulla correlazione necessaria tra condanna ed eseguibilità

forzata, Rivista trimestrale di diritto e procedura civile, 1976, p. 1.342 e ss. 849

ATTARDI, Aldo, L’interesse ad agire, Padova, Cedam 1958, p. 116.

Page 324: Tutela Inibitória - Marinoni

324

réu. Por sua vez, a execução direta, também conforme faz sentir a nomenclatura,

viabiliza a tutela do direito diretamente, sem se importar com a vontade do demandado.

Ao lado disso, em termos de valores, é substancialmente diversa a atuação judicial

mediante execução direta e a que se dá através de execução indireta. Ainda que, no caso

dos artigos 461, CPC e 84, CDC, ambas sejam resultado da quebra da garantia de

liberdade que se pensava outorgar através do princípio da tipicidade, é certo que a

atuação estatal sobre a vontade do cidadão tem sensível diferença em relação a atividade

do Estado que prescinde de tal forma de intervenção. Tanto é verdade que a grande

preocupação do direito liberal clássico sempre esteve ligada à incoercibilidade da

vontade.

A sentença que se liga à multa é mandamental, ao passo que a sentença que atua

mediante execução direta é executiva. Não importa se a execução direta, nesse caso,

substitui uma prestação devida pelo demandado ou apenas implementa a tutela do

direito – que não depende de qualquer prestação. É certo que a sentença que se liga à

execução direta, mas depende da imposição de fazer, não fazer e de entrega de coisa,

pode caracterizar-se como sentença que independe de prestação do demandado – nos

termos do que restou explicado no Capítulo anterior – e de sentença que requer a

execução para implementar a prestação devida pelo réu.

Porém, embora essa distinção seja verdadeira, tenha importado para revelar a

particularidade da tutela dos direitos reais e no presente momento histórico tenha

relevância para demonstrar que a tutela contra o ato contrário ao direito não depende da

implementação de uma prestação, há um elemento capaz de unificar em uma só

categoria as sentenças que independem de uma prestação e que dependem do

cumprimento de uma obrigação.

Tal elemento é vinculado à circunstância fundamental de que essa categoria

sentencial objetiva a tutela específica dos direitos e, justamente por isso, funda-se no

princípio da concentração dos poderes do juiz, afastando-se do clássico princípio da

tipicidade dos meios executivos.

É preciso sublinhar que foi o escopo de tutela específica do direito material que fez

com que o poder executivo do juiz fosse amplificado, quebrando-se o princípio da

tipicidade dos meios de execução e outorgando-se ao litigante uma forma muito mais

complexa e sofisticada de controle das decisões. Ou melhor, a base do novo sistema

executivo, e desta forma a inspiração de outra classificação das sentenças, está no

Page 325: Tutela Inibitória - Marinoni

325

direito hegemônico, marcado por situações de direito substancial próprias ao Estado

constitucional, as quais não podem ser adequadamente protegidas através da tutela

ressarcitória e da técnica da sentença condenatória.

A sentença executiva, ao nosso ver, não decorre da estrutura do direito material

tutelado, mas sim do sistema de execução (art. 461, CPC) em que se insere, o qual

confere ao juiz poder para determinar a modalidade executiva necessária à situação de

direito substancial e ao caso concreto, visando a tutela na forma específica. De modo

que não se aceita, aqui, a tese de Satta e Pontes de Miranda, que define a sentença

executiva a partir da estrutura do direito tutelado, negando sentença executiva aos

direitos dependentes de prestações, ou melhor, às obrigações.

Não há dúvida que a concentração dos poderes do juiz importa especialmente para a

efetividade das tutelas inibitória e de remoção do ilícito e da tutela do direito real, as

quais não exigem prestações do demandado. Entretanto, não há como negar que esse

mesmo sistema executivo, fundados nos artigos 461, CPC e 84, CDC, também se aplica

às sentenças cujo implemento depende do cumprimento de obrigação contratual ou do

ressarcimento do dano na forma específica.

O que mais importa, porém, é que o art. 475-N, I, do CPC, ao aludir a sentença que

reconheça a obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia, evidencia a

necessidade de se estabelecer uma classificação das tutelas dos direitos, uma vez que,

conforme antes explicado, a sentença declara efeitos jurídicos no plano do direito

material, no sentido de que devem ser implementadas, mediante as modalidades

executivas adequadas, tutelas que dependem de fazer, não fazer, entrega de coisa e

pagamento de soma.

Page 326: Tutela Inibitória - Marinoni

326

<tit>11

<tit1>A INEFETIVIDADE DA SENTENÇA

CONDENATÓRIA PARA A TUTELA

DOS DIREITOS ABSOLUTOS.

A CORRELAÇÃO ENTRE A TUTELA

INIBITÓRIA E A ESTRUTURA

DO DIREITO SUBSTANCIAL: CRÍTICA

<texto>É importante frisar, porém, e agora seguindo-se em nova direção, que os

chamados direitos absolutos não podem ser adequadamente tutelados através da

sentença de condenação. Não foi por outra razão, aliás, que parte da doutrina italiana

passou a entender que o local típico de atuação da tutela inibitória seria o dos direitos

absolutos.850

<texto>Lembre-se de que, já na época do Código Civil italiano de 1865, a doutrina

admitia a ação negatória do proprietário – que não era prevista pela lei – com base na

norma do art. 439 – que fazia referência à ação de reivindicação – a partir do caráter

exclusivo do direito de propriedade.851

Parte da doutrina italiana, a partir da premissa de

que a ação negatória do proprietário seria a mais importante forma de tutela inibitória

típica, generalizou o tipo de relação intercorrente entre o direito protegido e a tutela do

art. 949852

do CC (que atualmente regula a ação negatória), passando a sustentar, com o

auxílio da analogia,853

uma verdadeira tutela inibitória atípica para a proteção dos

850

“Quanto alla possibilità di applicazione dell’inibitoria a tutela dei diritti assoluti non ci sembra che, sul

piano puramente normativo, la dimostrazione sia particolarmente difficile, dopo l’esame analitico delle

norme che espressamente prevedono l’inibitoria. Da tale esame, infatti, risulta che sono tutelabili con

l’inibitoria tutti i diritti assoluti di natura patrimoniale e non patrimoniale” (Aldo Frignani, L’injunction

nella common law e l’inibitoria nel diritto italiano, cit., p. 443). 851

Cristina Rapisarda, Inibitoria. Digesto delle discipline privatistiche, v. 9, p. 484. 852

Art. 949 do CC italiano: “Il proprietario può agire per far dichiarare l’inesistenza di diritti affermati da

altri sulla cosa, quando ha motivo di temerne pregiudizio. Se sussistono anche turbative o molestie, il

proprietario può chiedere che se ne ordini la cessazione, oltre la condanna al risarcimento del danno”. 853

Tommaso Amedeo Auletta propõe o alargamento do uso da tutela inibitória a todos os direitos da

personalidade a partir da existência de formas típicas de tutela inibitória no quadro destes direitos:

“Indipendentemente dalla possibilità di ricostruire l’inibitoria come rimedio generale previsto

dall’ordinamento, non ci sembra che la sua applicazione al diritto alla riservatezza possa far sorgere

fondati dubbi. L’inibitoria è, infatti, attribuita in maniera ricorrente dalla legge al titolare dei diritti della

personalità espressamente disciplinati (nome, immagine, diritto d’autore) e ciò induce a ritenere che si

tratta di un remedio estensibile anche al altri diritti ricompresi nella medesima categoria, in virtù della

loro natura che non consente una tutela efficace mediante il risarcimento pecuniario” (Tommaso Amedeo

Auletta, Riservatezza e tutela della personalità. Milano : Giuffrè, 1978, p. 180).

Page 327: Tutela Inibitória - Marinoni

327

direitos absolutos.854

<texto>Os direitos absolutos, aí incluídos os direitos da personalidade, são

caracterizados por uma relação jurídica imaginária, existente entre o titular do direito e

todas as demais pessoas, que teriam, em relação ao titular do direito, um dever de

abstenção.

<texto>Entretanto, o dever negativo de abstenção, que caracteriza os chamados

direitos absolutos, nada mais é do que o dever de respeito ou de alterum non laedere, ou

seja, o dever de não invadir a esfera jurídica alheia, dever que deve proteger todas as

esferas jurídicas, todos os direitos subjetivos, e desta forma também os direitos

relativos.855

<texto>Note-se que a configuração do dever negativo de abstenção, típico do direito

absoluto, como um mero dever de alterum non laedere, já deixa entrever a superação do

conceito kantiano de direito real e, mais do que isso, o papel que se atribuiu à figura da

“relação jurídica” na dogmática do direito civil.

<texto>O direito do Estado contemporâneo não é mais um mero sistema de limites

às esferas jurídicas individuais, estando submetido a um universo de valores

completamente diverso daquele que iluminou as concepções do final do século XIX; o

direito é visto hoje como um instrumento que, marcado principalmente pelos valores da

igualdade e da solidariedade, visa a permitir o desenvolvimento da personalidade

humana e a realização das relações sociais através da tutela – não mais formal, mas

concreta – da dignidade e do desenvolvimento do homem na comunidade em que

vive.856

<texto>Essa mutação dos escopos do Estado e do próprio fim do direito permite que

a norma seja considerada não mais como fonte de deveres e proibições e,

conseqüentemente, da relação direito/obrigação, mas como instrumento de valoração da

atividade humana por parte do ordenamento.857

Isso significa, precisamente, que o

854

Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 160. 855

Marco Comporti, Diritti reali in generale, cit., p. 23. Nesse sentido, e invocando a doutrina de

Comporti, Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 170 e ss. 856

Ver Marco Comporti, Diritti reali in generale, cit., p. 16. 857

“Nell’attuale realtà (innanzi tratteggiata nelle sue linee generali) l’idea del diritto soggettivo non

sembra evocare l’antistorica ed irreale sfera individuale in atteggiamento difensivo, né la psicologica

rappresentazione della ‘volontà’ o del ‘potere’ del soggetto. La valutazione sociale del diritto soggettivo

sembra infatti inserire il fenomeno nelle relazioni intersoggettive di una società organizzata, diretta non

solo a difendere l’ordine, ma anche a progredire nei rapporti sociali e nella conquista di valori sostanziali,

colmando le diseguaglianze di fatto: con ciò, da un lato, viene superata la prospettiva individualistica del

fenomeno, dall’altro lato viene in considerazione non solo il termine di riferimento soggettivo, ma anche

Page 328: Tutela Inibitória - Marinoni

328

direito subjetivo, por conseqüência, não precisa mais ser construído sobre a base da

noção de relação jurídica.858

<texto>Se é verdadeira a proposição segundo a qual as relações jurídicas se

constituem entre os homens, não o é aquela segundo a qual o direito assegura um bem

da vida às pessoas necessariamente através do instrumento de uma relação jurídica.859

É importante a explicação de Comporti: “Em outros termos, o problema da relevância

jurídica se coloca atualmente como qualificação do fato diretamente pela norma, ou

seja, como subsunção do fato em um paradigma normativo independentemente dos seus

efeitos, e prescinde, obviamente, da necessidade de construção da relevância jurídica

sob o aspecto externo da relação. Assim, a relação sujeito-coisa é juridicamente

relevante para a identificação do tipo normativo do direito real: mas tal relação não se

configura como relação jurídica nem entre sujeito e coisa, nem entre o sujeito e as

demais pessoas”.860

<texto>Na relação jurídica há uma correlação entre a situação ativa, dita também de

vantagem, e a situação passiva, que seria de desvantagem. No direito real, porém, não

há essa correlação, exatamente porque o conteúdo do direito real tem a ver com a

relação de utilidade com a coisa,861

não dependendo do adimplemento daqueles que

possuem o dever negativo de abstenção; não é possível fazer ver o conteúdo do direito

real afirmando sua relação com um dever negativo de abstenção.862

<texto>Comporti demonstra que todos os direitos são relativos em relação ao objeto

e absolutos no que concerne a sua inviolabilidade por parte dos sujeitos do

ordenamento, afirmando a oportunidade da distinção entre oponibilidade – com sua

conseqüente característica de inviolabilidade por parte dos terceiros – e exigibilidade do

direito, ou seja, o poder de um sujeito obter uma determinada prestação da parte de um

quello oggettivo, cioè la rela-zione fra soggetto e bene giuridico. Ed è appunto sotto tale profilo oggettivo

della relazione fra soggetto e bene che nella realtà sociale appare adesso l’idea del diritto soggettivo,

come valore sostanziale tutelato dall’ordinamento” (Marco Comporti, Formalismo e realismo in tema di

diritto soggettivo. Studi in onore di Francesco Santoro-Passarelli, cit., p. 754). 858

Marco Comporti, Diritti reali in generale, cit., p. 20-21. 859

Idem, ibidem. 860

Idem, ibidem, p. 21-22. 861

Como diz Comporti, “il fenomeno giuridicamente rilevante rappresentato dal diritto soggettivo, il

fenomeno cioè che l’ordinamento coglie nella realtà sociale nell’atto in cui conferisce a tale realtà la

tutela giuridica, sembra consistere nella particolare posizione oggettiva, effettiva e concreta di utilità

instauratasi nella relazione tra soggetto e bene” (Marco Comporti, Diritti reali in generale, cit., p. 36). 862

Cf. Marco Comporti, Diritti reali in generale, cit., p. 22-23; ver, também, do mesmo autor,

Formalismo e realismo in tema di diritto soggettivo. Studi in onore di Francesco Santoro-Passarelli, cit.,

p. 779-784.

Page 329: Tutela Inibitória - Marinoni

329

outro sujeito no âmbito de uma específica relação jurídica.863

Assim, todos os direitos

subjetivos devem ser qualificados de “absolutos”, porque existem e são tutelados em

face de terceiros. Já na perspectiva de sua realização, ou exigibilidade, alguns realizam

o seu conteúdo independentemente da colaboração alheia, e desta forma, com novo

significado, podem ser denominados absolutos, enquanto outros realizam seu conteúdo

na relação com outros sujeitos, cujo comportamento é instrumental a sua realização, e

então podem ser qualificados de relativos.864

<texto>Todo direito é inviolável; o conteúdo particular de cada direito é que pode

dispensar, ou não, uma colaboração alheia.865

Os direitos da personalidade, v.g.,

realizam o seu conteúdo independentemente da colaboração alheia. O titular do direito à

imagem não precisa que alguém pratique ou deixe de praticar um ato para ter o seu

direito realizado; quando alguém ameaça agredir o seu direito, surge ao titular do direito

à imagem a possibilidade de exigir que o eventual agressor se abstenha de praticar o ato

não porque haja uma relação jurídica entre o titular do direito e o eventual agressor e,

portanto, uma obrigação, mas sim porque o ordenamento garante a inviolabilidade do

direito à imagem, conferindo ao seu titular uma espécie de tutela (a inibitória) que

assegura o conteúdo do seu direito.

<texto>Contudo, se a sentença adequada à realização do direito à imagem (por

exemplo) obviamente não é a condenatória, mas sim a mandamental, até porque a

condenação, por ser correlacionada com a execução forçada, não pode conduzir a um

não-fazer, isto não significa que apenas os direitos absolutos possam ser objeto de

863

Marco Comporti, Diritti reali in generale, cit., p. 26. 864

Marco Comporti, Diritti reali in generale, cit., p. 27. Nesse sentido Cristina Rapisarda, Profili della

tutela civile inibitoria, cit., p. 172. 865

“Di solito l’assolutezza viene considerata come il carattere distintivo di determinati diritti (e in primo

luogo dei diritti reali in contrapposto ad altri diritti, che si chiamano relativi), e la si definisce (Giorgianni,

L’obbligazione, pag. 91), ‘il fenomeno per cui nel diritto reale si verificherebbe l’instaurazione di un

rapporto tra il titolare e tutti i consociati, ai quali incomberebbe un dovere negativo nei riguardi del

titolare medesimo’. Ma, a prescindere dal rapporto, sembra evidente che il dovere negativo sussista

rispetto al diritto non in quanto è reale, ma in quanto è diritto: tutti sono tenuti a rispettare il mio diritto di

obbligazione non meno del mio diritto reale. Quel che, del resto, si presenta come diritto di obbligazione

verso il debitore si presenta come diritto reale nei confronti del terzo, come chiaro appare dall’ipotesi

della lite fra pretendenti prevista dall’art. 109 cod. proc. civ. Si può anche aggiungere che la violabilità

dei diritti reali da parte di tutti i consociati, che costituirebbe una tipica differenza dai diritti di credito,

violabili solo da un determinato soggetto, e quindi giustificherebbe l’attributo di assolutezza a quelli

riservato, non sembra esattamente invocata. Il diritto, come tale, è inviolabile, e l’osservato fenomeno è in

relazione al contenuto particolare del diritto, e cioè all’interesse che col diritto si tutela, che può essere

soddisfatto da un’altra persona (obbligato) o senza alcuna intermediazione” (Salvatore Satta,

L’esecuzione forzata nella tutela giurisdizionale dei diritti. Scritti giuridici in onore di Francesco

Carnelutti, cit., p. 3-4).

Page 330: Tutela Inibitória - Marinoni

330

sentença mandamental.866

Não há qualquer razão para se estabelecer uma relação

necessária entre direitos absolutos e sentença mandamental, ou seja, não se pode dizer

que a sentença mandamental é a forma de tutela típica dos direitos absolutos.

<texto>Não há também uma relação necessária entre direitos absolutos e tutela

inibitória.867

É verdade que a ligação da tutela inibitória com os direitos absolutos revela

uma tomada de consciência no sentido de que a condenação não é adequada a tais

direitos; entretanto, não é correto supor que apenas os direitos absolutos – em razão de

seu caráter de ius excludendi – devam ser tutelados através da inibitória. Como já foi

dito, o dever negativo de abstenção, compreendido como um dever geral de alterum non

laedere, diz respeito a todos os direitos.868

<texto>É preciso que resulte claro que a sentença mandamental não é veículo

exclusivo da tutela inibitória e, também, que a inibitória pode tutelar direitos absolutos e

relativos.

866

Do mesmo modo que, como é óbvio, a sentença executiva pode servir à tutela de direitos derivados de

obrigações contratuais. 867

Ver Cesare Salvi, Legittimità e “razionalità” dell’art. 844 Codice Civile. Giurisprudenza italiana,

1975, p. 591. 868

Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 170 e ss.

Page 331: Tutela Inibitória - Marinoni

331

<tit>12

<tit1>A RELATIVIZAÇÃO DO BINÔMIO

DIREITO/PROCESSO E A RETOMADA

DO TEMA DA “TUTELA DOS DIREITOS”

<texto>A tentativa de se alargar o conceito de condenação, criando-se uma

condenação-não-título-executivo, revela a insuficiência da classificação trinária das

sentenças.

<texto>Na verdade, a superação da classificação tradicional é o resultado natural da

evolução da ciência processual e, nesta perspectiva, da retomada do conceito de tutela

dos direitos.

<texto>A doutrina869

costuma afirmar que as sentenças do modelo trinário foram

classificadas a partir de critérios exclusivamente processuais.870 Se esta assertiva é, em

princípio, verdadeira, é chegado o momento de nela fazermos alguns reparos. Na

verdade, a doutrina clássica, ao criar a classificação trinária, tentou não enxergar as

relações do processo com o direito material. Partindo de uma ação una e abstrata, os

processualistas clássicos imaginaram que poderiam criar um “universo de tutelas”

igualmente abstrato e independente do direito substancial. Contudo – e isto parece não

ser percebido pela doutrina do processo e, inclusive, por Rapisarda – , não é possível

pensar nas sentenças da classificação trinária sem olhar para o plano do direito

substancial. Como adverte Ovídio Baptista da Silva, ninguém se questiona como a

“ação” processual, que os processualistas conceberam como sendo una e abstrata,

poderia ter conteúdo declaratório, ou constitutivo ou condenatório, sem tornar-se

“azioni della tradizione civilistica”.871

O prodígio de alguma coisa que, não tendo

869

Ver, por exemplo, Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 216. 870

“Com efeito, tendo os processualistas reduzido apenas a três as espécies de ações e sentenças –

somente aquelas que operam exclusivamente no ‘mundo normativo’, as declaratórias, constitutivas e

condenatórias –, proclamam que estas eficácias são criações do direito processual, independentemente da

natureza dos respectivos direitos litigiosos que lhes cabe instrumentalizar” (Ovídio Baptista da Silva,

Jurisdição e execução..., cit., p. 179). 871

Ovídio Baptista da Silva, Jurisdição e execução..., cit., p. 179.

Page 332: Tutela Inibitória - Marinoni

332

substância, por ser igual a si mesma, e a todos indistintamente concedida, possa ser

declaratória, constitutiva ou condenatória, é uma contradição lógica que não chega a

ofender a racionalidade dos juristas que lidam com processo.872

<texto>Não é possível esquecer, contudo, que a classificação trinária não teve

qualquer preocupação em evidenciar as relações do processo com o direito material, até

porque isso não estava nos planos da doutrina clássica, que se empenhava em

demonstrar a autonomia do processo frente ao direito material.

<texto>Deixe-se claro, portanto, que quando aceitamos a afirmação de que as

sentenças foram classificadas a partir de critérios processuais, queremos dizer que a

classificação trinária não expressa de forma adequada e precisa as relações do processo

com o direito material; o nosso desejo, em outras palavras, não é o de negar aquilo que

foi negado pelos próprios cultores da classificação trinária, mas, ao contrário, evidenciar

que é necessária uma classificação das tutelas que realmente expresse as relações entre

o processo e o direito material.

<texto>Como já foi dito, a jurisdição, ao final do século XIX, era concebida como

função destinada a garantir a tutela dos direitos.873

A ação, por sua vez, era

compreendida como entidade totalmente vinculada ao direito substancial;874

negava-se

qualquer autonomia ao direito de ação, que era visto como faculdade jurídica intrínseca

ao direito material.875

<texto>O surgimento da teoria publicista da jurisdição876 e, mais precisamente, da

872

Idem, ibidem. 873

Recorde-se da lição de Carlo Lessona: “L’esercizio proprio delle funzioni del giudice consiste nella

giurisdizione, cioè nella dichiarazione del diritto, riconoscendo e tutelando contro il torto i diritti

subiettivi” (Manuale di procedura civile. 6. ed. Milano: Società Editrice Libraria, 1932, p. 53). 874

Ver Giuseppe Manfredini, Corso di diritto giudiziario civile, cit., v. 1, p. 61 e ss. 875

Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 23. 876

Lodovico Mortara, antes de Chiovenda, já havia proposto uma concepção de jurisdição como função

destinada à defesa do direito objetivo. Ver Commentario del Codice e delle leggi di procedura civile.

Milano: Casa Editrice Dottor Francesco Vallardi, 1923, p. 18 e ss; Manuale della procedura civile.

Torino: Unione Tipografico-Editrice Torinese, 1921, p. 48 e ss. Vale a pena registrar, aliás, o que disse

Chiovenda em oração em homenagem póstuma a Mortara: “Il Mortara diffuse nel nostro mondo giuridico

la sensazione della insufficienza dei metodi in vigore e degli strumenti usati e con la sua critica penetrante

ed inesorabile gettò il discredito sopra idee, definizioni e figure prima adottate come vangelo. Il fatto

stesso che un giurista di così grande statura facesse oggetto principale dei suoi studi una materia come la

procedura civile prima negletta e quasi dispregiata, giovò sommamente ad elevare nella considerazione

dei nostri teorici e dei nostri pratici la dignità della scienza processuale ed a porne in evidenza

l’autonomia. (...) Fu grande merito del Mortara aver collocato (come la sua preparazione nel diritto

pubblico sola poteve permettere di fare) il processo civile nella sua giusta luce di istituto di diritto

pubblico, ciò che fu il punto di partenza dei progressi successivamente realizzati nel nostro campo”

(Giuseppe Chiovenda, Lodovico Mortara. Rivista di Diritto Processuale Civile, 1937, p. 101-102).

Calamandrei, em interessante estudo histórico, reafirma a importância do pensamento de Mortara no

surgimento da escola sistemática: “Il passaggio dal metodo esegetico al metodo storico-dogmatico fu

segnato dal Commentario di Ludovico Mortara, nel quale, specialmente nel primo volume, già si trova

Page 333: Tutela Inibitória - Marinoni

333

concepção chiovendiana de jurisdição, implicou o abandono da idéia de jurisdição como

função voltada à tutela dos direitos; a jurisdição passa a objetivar a atuação da vontade

da lei. O conceito chiovendiano de ação, como não poderia deixar de ser, é permeado

por essa concepção de jurisdição,877

restando como conceito que não mais confunde a

ação com o direito material.878

<texto>Tal mudança de rota que se verificou na doutrina nada teve a ver com o

surgimento de uma ideologia política diversa da liberal, e muito menos com os

princípios socialistas, constituindo somente resultado da evolução da cultura jurídica,879

nettamente affermato il principio della unità della giurisdizione e della natura pubblica del processo (...)

Intorno a Giuseppe Chiovenda si è formata ed affermata una nuova scuola che, in contrapposto a quella

esegetica, culminata e implicitamente superata nel Commentario del Mortara, è stata denominata

sistematica, o anche storico-dogmatica, per indicare che nell’indirizzo partito dal maestro la dogmatica

non è mai fine a sè stessa, ma è sempre considerata come un mezzo per interpretare la realtà storica del

proprio tempo” (Piero Calamandrei, Gli studi di diritto processuale in Italia nell’ultimo trentennio. Opere

Giuridiche. Napoli: Morano, 1965, v. 1, p. 524-526). Ver, também, Piero Calamandrei. Lodovico

Mortara. Studi sul processo civile. Padova: Cedam, 1957, v. 4, p. 211 e ss; Francesco Carnelutti, Scuola

italiana del processo, Rivista di Diritto Processuale, 1947, p. 233-247; Giovanni Tesorieri, Appunti per

una storia della scienza del processo civile in Italia dall’unificazione ad oggi (I pre-chiovendiani). Rivista

Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1972, p. 1.340-1.348; Michele Taruffo, La giustizia civile in

Italia dal’700 a oggi. Bologna: Il Mulino, 1980, p. 187; Elio Fazzalari, Lodovico Mortara nella cultura

processualistica italiana. Rivista di Diritto Processuale, 1997, p. 303 e ss; Vittorio Colesanti, Lodovico

Mortara e le riforme processuali. La prima fase (1901-1912). Rivista di Diritto Processuale, 1997, p. 675

e ss; Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 14 e ss. Registre-se, aliás, que em 17

de abril de 1997 a “Accademia dei Lincei” e a “Associazione Italiana per gli Studi del Processo Civile”

promoveram um Congresso para recordar Lodovico Mortara e a sua obra (Ver Gabriella Rubino,

L’Accademia dei Lincei celebra Lodovico Mortara. Rivista di Diritto Processuale, 1997, p. 573 e ss). 877

“La c.d. ‘pubblicizzazione’ del processo civile inverte i presupposti di fondo che erano alla base del

codice del 1865 e della dottrina ottocentesca: il processo non è più esclusivamente un ‘affare delle parti’

ma un luogo in cui si esprime l’autorità dello Stato; esso non mira solo alla tutela di interessi privati, ma

realizza l’interesse pubblico all’amministrazione della giustizia; il perno del processo non è più

l’iniziativa delle parti, ma la funzione del giudice. In sintesi, il processo non è piú visto come una forma

in cui si esplica l’autonomia privata nell’esercizio dei diritti, ma come uno strumento che lo Stato mette a

disposizione dei privati in vista dell’attuazione della legge. Com tutto ciò si salda perfettamente la

ridefinizione del concetto di azione, compiuta essenzialmente da Chiovenda: l’azione non è piú una sorta

di appendice del diritto sostanziale privato, ma un diritto autonomo di natura pubblica, che mira a

produrre conseguenze giuridiche nella sfera della controparte (donde la nota definizione dell’azione come

diritto potestativo), ma che soprattutto chiama in gioco l’autorità dello Stato come tramite e garante

dell’attuazione della legge” (Michele Taruffo, La giustizia civile in Italia dal’700 a oggi, cit., p. 188). 878

Eis o que disse Chiovenda em L’azione nel sistema dei diritti: “A parte ciò, io non solo considero

come esatta, ma come uno dei capisaldi della moderna scienza processuale la concezione obbiettiva dello

scopo processuale. Essa sola permette di assorgere a un solo concetto generale e fondamentale d’azione,

che si adatti a tutte le figure che a noi paiono diverse tra loro, per natura e scopo, mentre pure le

chiamiamo tutte instintivamente col nome comune di azioni (cfr. Degenkolb, Einlassungszwang, cit., p.

6). Che mediante l’attuazione del diritto obbiettivo si possa giungere alla difesa di un diritto subbiettivo,

s’intende, non essendo questo che un potere derivato da quello: ma la sentenza di rigetto non tutela in

realtà alcun diritto subbiettivo del convenuto, se non si vuol ricorrere a quella vaga ed evanescente figura

che alcuni definiscono come diritto alla integrità della propria sfera giuridica. Senonchè anche quando la

sentenza accoglie una domanda, ciò non è che la conseguenza dell’accertamento di una norma e della

accertata conformità della domanda ad essa: il processo serve, sì, a chi chiede il giusto, in quanto chiede il

giusto; ma ciò che il processo si propone è la tutela del giusto” (Giuseppe Chiovenda, L’azione nel

sistema dei diritti. Saggi di diritto processuale civile, cit., p. 33). 879

Michele Taruffo, La giustizia civile in Italia dal’700 a oggi, cit., p. 186.

Page 334: Tutela Inibitória - Marinoni

334

que apenas indiretamente pode conter implicações de natureza ideológica.880

<texto>Inaugura-se com Chiovenda a nova escola processual italiana, marcada por

deixar para trás o método exegético, próprio das tendências de origem francesa,881

e

assumir uma postura histórico-dogmática.882

Para que se compreenda melhor o que

significou o surgimento dessa escola, basta lembrar, nas palavras do próprio Chiovenda,

a misera condizione em que eram concebidos os estudos processuais ao final do século

XIX,883

ou antes do surgimento da obra de Mortara,884

à qual é conferida a importância

880

Há quem afirme que Chiovenda cultivou uma concepção autoritária de processo e desenvolveu o papel

de precursor “objetivo” da ideologia fascista: “La codificazione fascista della procedura civile può vedersi

come l’esito di una vicenda che, a partire dall’inizio del secolo, si identifica con gli atteggiamenti via via

tenuti dalla dottrina processualistica italiana. (...) Gli atteggiamenti della dottrina processualistica nel

periodo precedente quello fascista e nel periodo fascista non sono altro che la manifestazione dottrinaria

(non diversamente dalle dottrine di altre branche del diritto) di una realtà socioculturale che trovò nel

fascismo un nome e, più ancora, un insieme di collegamenti strutturali” (Giovanni Tarello, Il problema

della riforma processuale in Italia nel primo quarto del secolo (per uno studio della genesi dottrinale e

ideologica del vigente codice italiano di procedura civile). La formazione storica del diritto moderno in

Europa, Firenze: Leo S. Olschki Editore, 1977, v. 3, p. 1.409-1.410; ver, também, Giovanni Tarello,

L’opera di Giuseppe Chiovenda nel crepuscolo dello Stato liberale. Materiali per una storia della cultura

giuridica, Bologna: Il Mulino, 1973, v. 3, p. 681 e ss; Quattro buoni giuristi per una cattiva azione.

Materiali per una storia della cultura giuridica. Bologna: Il Mulino, 1977, v. 7, p. 147 e ss. Liebman,

porém, escreveu notável ensaio em defesa de Chiovenda, acusando Tarello de manipulador da história

(Enrico Tullio Liebman, Storiografia giuridica ‘manipolata’. Rivista di Diritto Processuale, 1974, p. 100

e ss). A argumentação de Tarello não tem qualquer consistência diante da resposta de Liebman, que fez

justiça à memória do grande mestre italiano. 881

Como diz Denti, referindo-se à codificação italiana de 1865: “Era del tutto naturale che gli esegeti di

questa codificazione si ispirassero alla trattatistica francese dell’800, dal momento che il codice di

procedura civile ripeteva il modello diffuso in Europa dal codice napoleonico. La fine del secolo, peraltro,

vede diffondersi (già lo si è rilevato a proposito di Silvio Spaventa) le costruzioni teoriche della dottrina

giuridica tedesca, ed in particolare della grande scuola processualistica, nella quale assumeva un ruolo

determinante la concezione c.d. pubblicistica del processo, centrata, como si è ricordato, sulla nozione del

rapporto processuale come rapporto di diritto pubblico e dell’azione come diritto pubblico soggettivo. La

figura centrale di questa vicenda culturale fu quella di Giuseppe Chiovenda (1872-1937); una figura

complessa, i cui tratti sono rimessi perennemente in discussione, ma della quale nessuno contesta il ruolo

decisivo giocato nella progettazione delle riforme processuali, in una vicenda storica che non si è ancora

conclusa” (Vittorio Denti, La giustizia civile, cit., p. 32). 882

Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 51 e ss. Sobre o método histórico-

dogmático e a influência de Chiovenda na evolução do direito processual civil na Itália, assim se

pronunciou Carnelutti: “Occorreva, a tal fine, non tanto modificare quanto addirittura capovolgere il

metodo dello studio del processo in Italia, da un capo insegnando a collegare, attraverso l’indagine

storica, la foce alla fonte dell’evoluzione processuale; dall’altra, attraverso la costruzione dogmatica, le

norme con i principi. Il che a nessuno sarebbe riuscito, che non possedesse la mirabile cultura, storica e

dogmatica, la infaticabile tenacia e la impareggiabile autorità, delle quali Chiovenda era dotato”

(Francesco Carnelutti, Scuola italiana del processo, Rivista di Diritto Processuale, 1947, p. 240). 883

“Misera condizione era quella in cui versavano allora in Italia gli studi del processo civile. La dottrina

si adagiava nell’ampia coltrice che aveva preparato ai suoi sonni il Trattato di Luigi Mattirolo, tesoro di

massime giudiziali, in cui gli insegnamenti della pratica, spesso pieni di buon senso e frutto, per nascosti

meandri del pensiero, d’antica sapienza, erano abilmente intrecciati con le brillanti esposizioni degli

scrittori francesi, e così rimessi in circolazione come un verbo che dispensava da più sottili ricerche.

Nessuna originale indagine storica; nessun tentativo di revisione e di costruzione dei concetti

fondamentali ...” (Giuseppe Chiovenda. Lodovico Mortara. Rivista di Diritto Processuale Civile, 1937, p.

100). 884

Referindo-se a Chiovenda, diz Giannini: “Affrontava decisamente una ricostruzione del diritto

processuale, con carattere pubblicistico, sulla base dell’autonomia dell’azione e del rapporto giuridico

processuale, elevando la scienza processuale, con un balzo di dignità, su quello già compiuto dal

Page 335: Tutela Inibitória - Marinoni

335

de ter iniciado a publicização do direito processual na Itália.885

<texto>A necessidade de depurar as formas processuais de sua excessiva

contaminação pelo direito substancial, a elas imposta pela tradição jurídica do século

XIX,886

levou a doutrina chiovendiana a erguer as bases de um “direito processual civil”

completamente desvinculado do direito material. A escola sistemática, como se sabe,

preocupou-se em isolar o direito processual do direito material e em construir uma

ciência processual com conceitos e princípios próprios.

<texto>A partir da formação da escola sistemática até bem pouco tempo atrás, a

doutrina do processo esteve mergulhada, por assim dizer, no interior do processo,

desconsiderando suas conotações éticas, suas finalidades sociais e políticas e sua relação

efetiva com o direito material e com a vida das pessoas.887

Não se quer negar, como é

óbvio, a importância do trabalho dos processualistas que viveram a chamada fase

autonomista do processo;888

foi esse período que deu dignidade e autonomia ao direito

processual civil, antes concebido como mera procedura civile.889

<texto>O problema é que a fase autonomista do processo, preocupada

exclusivamente em firmar as bases do “direito processual civil”, permitiu que o

processo se distanciasse perigosamente da realidade social e do direito material, o que

Mortara, ad una ricostruzione sistematica storico-dogmatica, e traduceva concretamente le sue vedute nel

corsi di lezioni che ...” (Amedeo Giannini, Gli studi di diritto processuale civile in Italia. Rivista

Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1949, p. 109). Ver, também, Piero Calamandrei, Gli studi di

diritto processuale in Italia nell’ultimo trentennio. Opere Giuridiche, cit., p. 524. 885

Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 51 e ss. 886

Idem, ibidem, p. 217. 887

Ver Cândido Rangel Dinamarco, O futuro do direito processual civil. RF 336/29. 888

É didática a seguinte nota de Barbosa Moreira: “Toma-se consciência cada vez mais clara da função

instrumental do processo e da necessidade de fazê-lo desempenhar de maneira efetiva o papel que lhe

toca. Pois a melancólica verdade é que o extraordinário progresso científico de tantas décadas não pôde

impedir que se fosse dramaticamente avolumando, a ponto de atingir níveis alarmantes, a insatisfação, por

assim dizer, universal, com o rendimento do mecanismo da justiça civil” (José Carlos Barbosa Moreira,

Tendências contemporâneas do direito processual civil. Temas de direito processual, Terceira Série, São

Paulo: Saraiva, 1984, p. 3). 889

Salvatore Satta, em notável trabalho histórico, apresenta-nos o significado da evolução da procedura

civile ao diritto processuale civile: “Processo e procedura vengono così a costituire una autentica

opposizione e non soltanto su un piano scientifico, ma sul piano storico e sul piano legislativo. Se si

leggono le pagine che Chiovenda ha dedicato alla storia del processo civile si nota sùbito che egli traccia

la storia ideale di un processo che si involve in procedura per ritrovare nel rinnovato spirito dei tempi sé

stesso, cioè ridiventare processo. Processo è il processo romano, che nasce, come è facile intendere, da

tutti i presupposti giuridici, politici, filosofici che costituiranno dopo venti secoli i pilastri del diritto

processuale civile: una specie di età dell’oro del diritto processuale in cui i suoi postulati si trovano

naturalmente realizzati. Procedura è il processo comune (romano-canonico) in cui tutti quei presupposti si

oscurano, sotto la pressione delle mutate condizioni politiche, dando luogo a una svalutazione dell’ufficio

del giudice, a un prevalere delle forme e del formalismo. Processo ridiventa il processo moderno, sotto lo

spirito dei ‘nuovi princìpi fondamentali’ che animano il secolo XIX, e ricollegano il nostro spirito allo

spirito da cui era germinato il processo romano, o più semplicemente il processo” (Salvatore Satta, Dalla

procedura civile al diritto processuale civile. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1964, p.

29-30).

Page 336: Tutela Inibitória - Marinoni

336

acabou por influir no seu próprio rendimento, visto como instrumento destinado a

permitir a atuação da vontade concreta do direito.

<texto>Porém, a constatação de que o processo não atendia às necessidades sociais

fez surgir, transcorrido bem mais de meio século do início da formação da escola

sistemática, nova perspectiva de análise, que pode ser designada de “acesso à

justiça”;890

o processo, a partir daí, passou a ser compreendido em sua dimensão

política, social e econômica.891

<texto>Como método de pensamento, o movimento pelo “acesso à justiça”

significou uma forte reação contra a dogmática formalista, que pretendia identificar o

“direito” apenas nas normas, essencialmente de derivação estatal, de determinado

país.892

<texto>O “dogmatismo”, porém, não apenas reduziu o direito a seu aspecto

normativo, como também foi o responsável por uma simplificação irreal das tarefas e

das responsabilidades do jurista e dos operadores jurídicos, as quais deveriam limitar-se

a uma aplicação mecânica das normas na prática, na docência e na análise científica.893

O movimento pelo “acesso à justiça”, como projeto de reforma, exatamente porque não

admite que o trabalho da doutrina seja equiparado a uma mera descrição das normas,

confere grande responsabilidade ao jurista no plano da elaboração e da apresentação

de reformas capazes de corresponder ao ideal de maior acesso e de justiça mais

efetiva.894

<texto>Propõe-se que o processo seja analisado na perspectiva do consumidor dos

serviços jurisdicionais,895

passando a ter relevo, assim, e entre outros pontos, os efeitos

concretos do processo na vida das pessoas. Seguindo essa linha, o movimento pelo 890

Ver, principalmente, Mauro Cappelletti, Acesso à justiça. Porto Alegre: Fabris, 1988; Problemas de

reforma do processo civil nas sociedades contemporâneas. O processo civil contemporâneo (coordenado

por Luiz Guilherme Marinoni). Curitiba: Juruá, 1994, p. 9-30; Proceso, ideologías, sociedad. Buenos

Aires: EJEA, 1974; Accesso alla giustizia come programma di riforma e come metodo di pensiero.

Rivista di Diritto Processuale, 1982, p. 233-245. 891

Ver Vittorio Denti, Un progetto per la giustizia civile. Bologna: Il Mulino, 1982; Processo civile e

giustizia sociale. Milano: Comunità, 1971. 892

Cf. Mauro Cappelletti, La dimensione sociale: l’accesso alla giustizia. Dimensioni della giustizia nelle

società contemporanee. Bologna: Il Mulino, 1994, p. 72. 893

Idem, ibidem. 894

Idem, ibidem, p. 79. 895

Como diz Cappelletti, a perspectiva do consumidor do serviço jurisdicional é a que melhor se adapta

“ad una società democratica, libera ed aperta, la quale deve pretendere che i suoi official processors

assolvano la loro funzione non in una visione ‘tolemaica’ del diritto e dello Stato, ma bensì in vista del

benessere dei consumatori: che è come dire che diritto e Stato devono finalmente essere visti per quello

che sono – come semplici strumenti al servizio dei cittadini e dei loro bisogni, e non viceversa” (Mauro

Cappelletti, Accesso alla giustizia come programma di riforma e come metodo di pensiero. Rivista di

Diritto Processuale, 1982, p. 243-245).

Page 337: Tutela Inibitória - Marinoni

337

acesso à justiça abre a vertente da “efetividade do processo”.896

Se o processo é

analisado através de uma lente sociológica, na perspectiva do consumidor do serviço

jurisdicional, é natural que importem seus resultados concretos e não mais apenas seus

resultados formais. Surge, assim, uma forma de ver o processo intimamente preocupada

com sua efetividade.897

<texto>O esgotamento da linha de análise tradicional levou o processualista a

procurar no plano constitucional os valores que, iluminando a legislação

infraconstitucional, poderiam permitir uma interpretação capaz de dar ao processo uma

verdadeira função instrumental.898

O direito de ação, antes visto como o simples direito

de ir a juízo, passa a ser compreendido como o direito à tutela jurisdicional efetiva.899

<texto>A doutrina processual, autorizada pela Constituição a pensar o processo a

partir do direito à tutela jurisdicional efetiva, debruça-se sobre as técnicas capazes de

permitir real efetividade à prestação jurisdicional.900

Uma vez que a efetividade do

processo está indissociavelmente ligada a seus resultados no plano do direito material, o

896

Referindo-se aos principais obstáculos do movimento pelo “acesso à justiça”, aponta Cappelletti: “a)

l’ostacolo economico, per il quale molte persone non sono in grado di accedere alle corti di giustizia a

causa della loro povertà, onde i loro diritti corrono il rischio di essere puramente apparenti; b) l’ostacolo

organizzativo, per il quale certi diritti o interessi ‘collettivi’ o ‘diffusi’ non sono efficacemente tutelabili

se non si opera una profonda trasformazione delle regole e istituzioni tradizionali del diritto processuale,

trasformazione tale da consentire un coordinamento, un’”organizzazione” di quei diritti o interessi; c)

infine l’ostacolo propriamente processuale, per il quale certi tipi tradizionali di procedure sono

inadeguati ai loro compiti di tutela” (Mauro Cappelletti, La dimensioni sociale: l’accesso alla giustizia.

Dimensioni della giustizia nelle società contemporanee, cit., p. 81). 897

Ver, sobre a questão da efetividade do processo, Egas Moniz de Aragão, Efetividade do processo de

execução. RePro, v. 72, p. 16 e ss; José Manoel de Arruda Alvim Netto, Tratado de direito processual

civil. São Paulo: RT, 1990, v. 1, p. 105 e ss; Ovídio Baptista da Silva, Jurisdição e execução, cit.,

especialmente p. 161 e ss; José Carlos Barbosa Moreira, Notas sobre o problema da “efetividade” do

processo. Temas de direito processual, Terceira série, São Paulo: Saraiva, 1984, p. 27-42; Cândido

Rangel Dinamarco, A instrumentalidade do processo. São Paulo: Malheiros, 1996, especialmente p. 297 e

ss. 898

Ver Luigi Paolo Comoglio, Commentario della Costituzione (a cura di G. Branca), cit., p. 1 e ss; Italo

Andolina e Giuseppe Vignera, Il modelo costituzionale del processo civile italiano, cit., p. 61 e ss;

Ferruccio Tommaseo, Appunti di diritto processuale civile, cit., p. 169 e ss; Adolfo di Majo, La tutela

civile dei diritti, cit., p. 1 e ss; Vittorio Denti, Valori costituzionali e cultura processuale. Rivista di Diritto

Processuale, 1984, p. 484 e ss; Andrea Proto Pisani, Nuovi diritti e tecniche di tutela. Scritti in onore di

Elio Fazzalari, v. 2, cit., p. 51 e ss. 899

Italo Andolina e Giuseppe Vignera, por exemplo, afirmaram que o art. 24 da Constituição italiana –

similar ao art. 5.º, XXXV, da nossa Constituição, no modo de assegurar o direito de ação – garante o

direito à tempestividade da tutela jurisdicional: “Il primo comma dell’art. 24 Cost. riconosce a ciascuno

(anche) il diritto alla speditezza del giudizio avente ad oggetto una propria situazione giuridica soggettiva.

Anche la descritta garanzia di tempestività della tutela giurisdizionale è in grado di incidere

sull’organizzazione tecnica del processo, sia de iure condendo sia de iure condito. Dal primo punto di

vista, invero, il profilo in esame dell’art. 24, primo comma, Cost. comporta il dovere (che, purtroppo, è

solo “morale”) del legislatore ordinario di dare al processo un assetto strutturale idoneo ad assicurargli la

maggiore rapidità di movimento possibile” (Italo Andolina e Giuseppe Vignera, Il modello costituzionale

del processo civile italiano, cit., p. 89). 900

Ver, por exemplo, Andrea Proto Pisani, Sulla tutela giurisdizionale differenziata. Rivista di Diritto

Processuale, 1979, p. 536 e ss.

Page 338: Tutela Inibitória - Marinoni

338

processo novamente volta a ser visto como instrumento capaz de conferir a devida tutela

ao direito material.901

Vittorio Denti, na obra “Un progetto per la giustizia civile”, após

lembrar a frase de Calamandrei no sentido de que os estudos doutrinários são feitos

“non per servire al gusto architettonico delle astratte costruzioni sistematiche, ma per

servire in concreto alla giustizia”, revela que suas propostas se movem essencialmente

em três direções, sendo uma delas a seguinte: “A redescoberta dos nexos entre processo

e direito substancial, que a tão conclamada autonomia da ação e da relação processual

acabaram colocando na sombra, descurando a estreita dependência dos institutos do

processo (de um dado processo em dado momento histórico) da estrutura dos direitos

substanciais, e assim do papel que o direito hegemônico desenvolve na sociedade”.902

<texto>Há, assim, uma relativização do binômio direito/processo, passando o

processo a ser concebido como instrumento que deve dar respostas adequadas às

diferentes situações de direito substancial carentes de tutela.903

Tem particular relevo,

neste contexto, a obra de Proto Pisani, especialmente sua ênfase à necessidade de as

“tutelas jurisdicionais” adequarem-se às diversas situações de direito material: “Não

existe um único processo que ofereça uma única forma de tutela a todas as situações de

vantagem, mas existem, ao contrário, uma pluralidade de processos e uma pluralidade

de formas de tutela jurisdicional; a diversidade destes processos e destas formas de

tutela, e de suas variadas combinações, refletem a diversidade das necessidades de tutela

das situações de vantagem”.904

<texto>A doutrina, então, passa a tratar das chamadas “técnicas jurisdicionais

diferenciadas”,905

demonstrando que o procedimento ordinário não é capaz de atender

de maneira adequada aos vários casos conflitivos concretos.906

O processualista, agora

901

Ver, por exemplo, Adolfo di Majo, La tutela civile dei diritti, cit.; La tutela dei diritti tra diritto

sostanziale e processuale. Rivista Critica del Diritto Privato, 1989, p. 363 e ss. 902

Vittorio Denti, Un progetto per la giustizia civile, cit., p. 12. 903

Ver José Roberto dos Santos Bedaque, Direito e processo, cit., p. 15 e ss; Luiz Guilherme Marinoni,

Novas linhas do processo civil, 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 115 e ss. 904

Andrea Proto Pisani, Breve premessa a un corso sulla giustizia civile. Appunti sulla giustizia civile,

cit., p. 11-12. 905

A respeito das tutelas jurisdicionais diferenciadas, ver Andrea Proto Pisani, Sulla tutela giurisdizionale

differenziata. Rivista di Diritto Processuale, 1979, p. 536-591; Federico Carpi, Flashes sulla tutela

giurisdizionale differenziata. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1980, p. 237-242; Nicola

Picardi, I processi speciali. Rivista di Diritto Processuale, 1982, p. 766-784; Adolfo Gelsi Bidart, Tutela

procesal diferenciada. RePro 44/100-105; Augusto Mario Morello, Las nuevas exigencias de tutela.

RePro 31/210-220; Donaldo Armelin, Tutela jurisdicional diferenciada. O processo civil contemporâneo.

Curitiba: Juruá, 1994, p. 103-115; Luiz Guilherme Marinoni, Efetividade do processo e tutela de

urgência, cit., p. 1-10; Tutela cautelar e tutela antecipatória, cit., p. 17-21. 906

“Come ho detto, quando si parla di tutele giurisdizionali differenziate ci si riferisce a modelli

processuali posti dal legislatore in alternativa al solemnis ordo iudiciarius e quindi al processo di

Page 339: Tutela Inibitória - Marinoni

339

raciocinando a partir das necessidades do direito substancial, alerta para a inefetividade

de determinadas técnicas processuais destituídas da capacidade de realizar

concretamente os direitos e, até mesmo, a partir do argumento de que há um direito

constitucional à tutela jurisdicional efetiva, aponta para a sua falta de legitimidade.907

<texto>Não é preciso dizer que essa forma de pensar o processo é completamente

diversa daquela que marcou a fase autonomista do direito processual. O processo, agora,

é um instrumento que deve permitir a realização concreta – e não mais meramente

formal – dos direitos.

<texto>A doutrina fala, atualmente, em tutela jurisdicional dos direitos, estando

plenamente consciente de que a tutela jurisdicional apenas será adequada se puder

realizar efetivamente o direito material. Na verdade, o tema da tutela jurisdicional dos

direitos é decorrência natural da doutrina da “efetividade do processo” e de sua

preocupação com a efetiva tutela dos direitos.

<texto>A reabilitação da temática da “tutela dos direitos”908 é a mais pura

demonstração de que o processualista já não tem mais medo de cair no imanentismo909 –

pois sabe que a ação não se confunde com o direito material – e está consciente de que o

processo tem fortes compromissos com o direito material, ao qual deve servir de forma

efetiva para não ser transformado em algo distante da realidade da vida das pessoas.

<texto>As motivações que conduziram à classificação trinária não apenas já estão

cognizione a rito ordinario o, come si dice comunemente, al processo di cognizione ordinario, disciplinato

nel secondo libro del codice di rito (artt. 163-408)” (Ferruccio Tommaseo, Appunti di diritto processuale

civile, cit., p. 19). 907

Recorde-se de que a doutrina italiana, a partir do art. 24 da CR, demonstrou a insuficiência da tutela

condenatória para a efetividade da tutela dos direitos. Cf. Andrea Proto Pisani, L’attuazione dei

provvedimenti di condanna. Foro Italiano, 1988, p. 177 e ss; Michele Taruffo, Note sul diritto alla

condanna e all’esecuzione. Rivista Critica del Diritto Privato, 1986, p. 635 e ss; Luigi Paolo Comoglio,

Principi costituzionali e processo di esecuzione. Studi in memoria di Gino Gorla, tomo 2, cit., p. 1.586 e

ss. 908

É importante lembrar que o capítulo VI do Código Civil italiano tem o título de “Tutela dei diritti”;

esse capítulo evidencia que “tutela dei diritti” é expressão mais ampla do que “tutela giurisdizionale dei

diritti”. Vejamos a explicação de Denti: “La nozione di tutela giurisdizionale dei diritti è più ristretta di

quella di tutela dei diritti tout court, poiché la seconda comprende anche quelle forme di tutela che si

attuano al di fuori del processo ed, anzi, sono dirette ad evitare il ricorso all’intervento dell’organo

giurisdizionale. La stessa sistematica del codice civile adotta questa definizione, poiché il libro sesto,

intitolato, appunto ‘tutela dei diritti’, disciplina istituti che sono esterni al processo, come la trascrizione,

le prove documentali, le cause di prelazione, la prescrizione e la decadenza, e regola sotto il titolo ‘tutela

giurisdizionale dei diritti’ i pressupposti della tutela cognitiva ed esecutiva, nonché gli effetti dei

provvedimenti del giudice e di altri organi giudiziali” (Vittorio Denti, La giustizia civile, cit., p. 111). 909

“A expressão ‘tutela jurisdicional dos direitos’, como se sabe, foi afastada do cogito científico do

direito processual quando se concluiu que a ‘tutela dos direitos’ não deveria ser vista como o escopo da

jurisdição. A partir deste momento até bem pouco tempo, falar em tutela jurisdicional dos direitos poderia

constituir um pecado quase que mortal para o processualista; tal fala poderia significar um compromisso

com o imanentismo” (Luiz Guilherme Marinoni, Efetividade do processo e tutela de urgência, cit., p. 11).

Page 340: Tutela Inibitória - Marinoni

340

ausentes, como foram superadas pelas novas necessidades de uma sociedade de massa

envolvida com outros valores. Ao contrário do que ocorreu quando do surgimento da

teoria chiovendiana, deseja-se hoje a aproximação do processo com o direito material,

pois é sabido que o processo somente será efetivo se puder corresponder plenamente às

necessidades do direito substancial.

Page 341: Tutela Inibitória - Marinoni

341

<tit>13

<tit1>CLASSIFICAÇÃO DAS SENTENÇAS

E CLASSIFICAÇÃO DAS TUTELAS

<texto>Se o processo passou a ser pensado na perspectiva do direito material, sendo

a temática da “tutela dos direitos” apenas prova disto, é necessário não apenas construir

uma nova classificação das sentenças, mas erguer uma classificação das tutelas.

<texto>Uma nova classificação das sentenças é indispensável, como foi

demonstrado, pela razão de que apenas as sentenças declaratória, constitutiva e

condenatória não são suficientes para a prestação das várias formas de tutela devidas ao

jurisdicionado. Mas isto só não basta. Se é preciso evidenciar os reais resultados do

processo (e portanto das sentenças) no plano do direito material, é imprescindível

classificar as tutelas.

<texto>É que as sentenças são técnicas que servem à prestação das tutelas; as

sentenças, em outras palavras, não podem evidenciar os resultados do processo no plano

do direito material. Por exemplo: a sentença mandamental pode prestar a tutela

inibitória e a tutela específica da obrigação de fazer inadimplida. Porém, olhando-se

apenas para a sentença mandamental diante destas duas tutelas, nada se pode dizer

sobre o resultado substancial que foi proporcionado ao jurisdicionado. Melhor:

pensando-se somente na sentença mandamental, é impossível concluir se a tutela

devida ao autor pelo direito substancial foi realmente prestada. Ao contrário, quando

se analisa a tutela conferida pelo processo, e assim, por exemplo, a tutela inibitória e a

tutela específica da obrigação de fazer inadimplida, torna-se possível concluir sobre a

função que o processo desempenhou no plano do direito material.

<texto>Na realidade, para que tudo fique mais claro, é preciso frisar que uma

simples classificação das sentenças (seja ela trinária ou quinária) não é suficiente para

expressar os diversos resultados proporcionados pelo processo no plano do direito

material. Note-se que estes resultados nada mais são do que as diferentes espécies de

tutelas que o processo está obrigado a gerar para que o direito material não se

Page 342: Tutela Inibitória - Marinoni

342

transforme em mera proclamação destituída de sentido.

<texto>Em outras palavras, indagar sobre o resultado substancial do processo é o

mesmo que perguntar a respeito da tutela por ele conferida. Nesta linha, a tutela deve

expressar a necessidade do direito material, e, em outros termos, reflete o bem da vida

buscado pelo jurisdicionado.

<texto>Se a tutela objetiva satisfazer as necessidades do direito material, e assim o

desejo da parte que vai ao Judiciário, é evidente que ela não pode ser confundida com a

técnica processual ou com as sentenças. A técnica processual, aí incluídas as sentenças,

deve estar estruturada de modo a permitir a efetiva proteção (tutela) das variadas

situações de direito substancial.

<texto>Se o estágio atual do direito processual exige que o processualista se

preocupe com a real repercussão do processo na vida das pessoas e no direito material, é

inevitável analisar se o processo está efetivamente prestando a tutela prometida ao

jurisdicionado. Ora, se questionar o resultado do processo significa analisar as tutelas

por ele prestadas, torna-se evidente a necessidade de uma classificação das tutelas,

capaz de expressar as suas diversas repercussões diante do direito material.

<texto>É apenas a partir desta análise que o doutrinador poderá demonstrar a

inefetividade do processo, e assim estabelecer uma crítica capaz de conferir-lhe maior

rendimento. Melhor explicando: o doutrinador terá uma possibilidade imensamente

maior de análise crítica se visualizar o processo a partir do direito material, isto é, se

olhar para a técnica a partir das necessidades da vida.

<texto>Quando o processo, objetivando atender certas necessidades, opera através

das sentenças declaratória e constitutiva, a tutela buscada pelo autor é prestada pela

própria sentença. Por tal razão, tais sentenças são ditas satisfativas,910

enquanto, por

exemplo, a condenatória é considerada uma sentença não-satisfativa. Embora não se

910

Segundo Raselli, “nelle sentenze di accertamento l’attestazione autorizzativa dell’esistenza di una

concreta volontà di legge – che stabilisce quale sia la tutela degli interessi delle parti in un dato rapporto

giuridico – esaurisce i provvedimenti che le parti possono o vogliono chiedere al giudice, dato il modo

con cui si è determinata la situazione di insoddisfazione dei loro interessi” (...) “Tale elemento nelle

sentenze di condanna è la pronunzia sulla possibilità di un’ulteriore attività giurisdizionale per assicurare

la tutela degli interessi protetti: nelle sentenze costitutive è un’ulteriore attività del giudice che addirittura

realizza nella stessa sentenza quella soddisfazione degli interessi cui è stato accertato che una parte ha

diritto. Questa soddisfazione è data da un cambiamento della preesistente situazione di diritto materiale”

(Alessandro Rasseli, “Sentenze determinative e classificazione delle sentenze”, cit., p. 580). Rapisarda, ao

tentar classificar as sentenças a partir do efeito que é por elas declarado no plano do direito material,

afirma que determinados provimentos (o declaratório e o constitutivo) realizam autônoma e

integralmente a tutela concedida pela norma à fattispecie substancial declarada, podendo, assim, receber

a designação de ‘satisfativos’ (Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 231 e ss).

Page 343: Tutela Inibitória - Marinoni

343

possa confundir, como já foi dito, sentença e tutela, as sentenças satisfativas, como o

próprio nome indica, são suficientes para prestar a tutela buscada pelo autor. Assim, é

possível dizer que as sentenças declaratória e constitutiva prestam tutelas declaratória e

constitutiva. Não se está afirmando, como é óbvio, que as sentenças declaratória e

constitutiva possam ser enquadradas na mesma classificação da tutela inibitória. Mas

apenas que as sentenças declaratória e constitutiva, sendo afirmadas satisfativas,

prestam, independentemente de uma atividade que possa ser dita propriamente

executiva, tutelas que: i) conferem ao autor a certeza jurídica e ii) constituem nova

situação jurídica.

<texto>Se não é preciso indagar sobre a efetividade das sentenças satisfativas

(declaratória e constitutiva) para a prestação das tutelas declaratória e constitutiva, as

únicas sentenças que devem ser objeto de investigação são as não-satisfativas. A

distinção entre sentença satisfativa e sentença não-satisfativa permite que se isolem as

sentenças que não são, por si sós, suficientes para a tutela dos direitos, necessitando de

meios de coerção ou de sub-rogação para que o direito possa ser efetivamente realizado.

<texto>Na doutrina italiana, Satta já dizia, aludindo à sentença condenatória, que a

tutela do direito de crédito seria a execução forçada sobre o patrimônio do devedor.911

Mandrioli, em igual sentido, admitiu que nas sentenças declaratória e constitutiva a

tutela se exaure frutuosamente, ao passo que na sentença condenatória exaure-se

apenas uma fase da tutela jurisdicional.912

<texto>Como é evidente, só há razão para pensar em efetividade da sentença e dos

meios de execução quando se está diante de sentença não-satisfativa.913

São exatamente

as sentenças não-satisfativas, isto é, aquelas que “não exaurem frutuosamente a tutela

jurisdicional”, que tornam imperiosa a classificação das tutelas.

<texto>Quando se percebe que há sentenças que não respondem, por si sós, às

necessidades do jurisdicionado, evidencia-se a imprescindibilidade de se indagar se o

911

Salvatore Satta, Premesse generali alla dottrina della esecuzione forzata, Rivista di Diritto Processuale

Civile, p. 368, 1932. 912

Crisanto Mandrioli afirma no seu conhecido L’azione esecutiva, que “nelle sentenze di mero

accertamento e nelle sentenze costitutive la tutela giurisdizionale si esaurisce fruttuosamente, mentre

nella sentenza di condanna si esaurisce soltanto una fase di quella tutela” (L’azione esecutiva. Milano:

Giuffrè, 1955, p. 310). 913

Sentença não satisfativa, no presente contexto, significa sentença que não exaure frutuosamente a

tutela jurisdicional, mas apenas parte dela. Contudo, quando se diz que a tutela antecipatória é satisfativa

sumária, ao contrário da cautelar – que apenas assegura a obtenção efetiva da tutela final – deseja-se

deixar claro que a tutela antecipatória dá ao autor o bem da vida buscado em juízo – e por esta razão o

satisfaz –, ao passo que a cautelar, enquanto destinada a assegurar a utilidade do processo, evidentemente

não o pode satisfazer.

Page 344: Tutela Inibitória - Marinoni

344

processo está adequadamente estruturado para dar tutela ao direito material. É

importante relacionar, por exemplo, tutela inibitória e sentença não-satisfativa,

exatamente para se verificar se as sentenças e os meios executivos preordenados pelo

legislador são suficientes para sua efetiva prestação.

<texto>Diante das sentenças não-satisfativas, não há como deixar de relacionar as

necessidades do direito material e as reais virtudes da técnica processual. Ou seja, é

neste exato espaço que passa a importar a adequação da sentença e dos meios

executivos ao direito material. As sentenças não-satisfativas exigem o delineamento das

tutelas a que devem servir. Requerem a identificação do resultado substancial do

processo, para que então seja possível concluir a respeito da adequação da sentença ao

direito material.

<texto>É importante sublinhar que não é possível acreditar na insuficiência da

classificação trinária das sentenças e na imprescindibilidade das sentenças mandamental

e executiva se o raciocínio não partir das necessidades do direito material, uma vez que

somente assim é possível pensar nas sentenças (se bastam, ou não, as três da

classificação clássica). Após isto é que deverão ser delineados os resultados que as

sentenças não-satisfativas (condenatória, mandamental e executiva) produzem no plano

do direito material (classificação das tutelas), pois deste modo será possível verificar se

estas sentenças realmente são efetivas.

<texto>Com efeito, para que seja possível concluir pela necessidade desta ou

daquela sentença, é preciso pensar nas necessidades do direito material. Em um segundo

passo, definido o exato raio de atuação das sentenças declaratória e constitutiva

(sentenças satisfativas), e assim a sua eventual inidoneidade para a prestação de

determinadas tutelas, passa a ser necessário investigar os resultados que as demais

sentenças proporcionam às pessoas, para que então seja possível concluir se o processo

está adequadamente estruturado.

<texto>Tomando-se em consideração este “segundo passo”, e assim a suficiência

das tutelas declaratória e constitutiva para responder ao direito material, torna-se

necessário pensar somente nas tutelas prestadas através das sentenças não-satisfativas. É

que não se parte da idéia de que estas sentenças são suficientes para dar tutela ao direito

material. Partindo-se da idéia de tutela constitutiva, por exemplo, é evidente a conclusão

de que a sentença constitutiva é adequada a gerá-la. Não é necessário tentar encontrar

na constituição formas diferenciadas de interferência no plano do direito material, uma

Page 345: Tutela Inibitória - Marinoni

345

vez que, ao admitir-se a sentença constitutiva, parte-se do pressuposto de que a

constituição é adequada à tutela do direito material.

<texto>O mesmo não ocorre em face das sentenças não-satisfativas. Estas podem ter

a sua efetividade graduada. Exatamente por este motivo, a efetividade deste tipo de

sentença somente pode ser medida a partir da diferenciação das tutelas.

<texto> É por esta razão que, ao lado das várias tutelas que devem ser prestadas

pelas sentenças não-satisfativas, são dispostas as tutelas – declaratória e constitutiva –

conferidas pelas sentenças satisfativas.

Page 346: Tutela Inibitória - Marinoni

346

cgb<tit>14

<tit1>PREMISSAS PARA UMA

CLASSIFICAÇÃO DAS TUTELAS

PERMEADA PELO DIREITO MATERIAL

<texto>Como visto, não basta pensar em uma nova classificação das sentenças, mas

é também necessário construir uma classificação das tutelas, ou seja, uma classificação

que tome em consideração os resultados que o processo produz no plano do direito

material.

<texto>Antes de mais nada, contudo, já que a classificação trinária das sentenças é

corolário da noção de um direito de ação totalmente descompromissado do direito

material, é preciso dizer que o direito de ação não pode mais ser compreendido como

simples direito a uma sentença de mérito.

<texto>Esse modo de compreender o direito de ação não guarda qualquer relação

com os postulados do direito processual moderno. Se o que importa, quando se pensa

em termos de efetividade do processo, é a realização concreta dos direitos, o direito de

ação, constitucionalmente garantido, deve ser visto como o direito que garante a tutela

adequada ao plano do direito material.

<texto>Não se pretende, é lógico, restabelecer a teoria civilista da ação, pois não se

deseja abrir mão da idéia, habilmente construída pela doutrina processual, de direito

abstrato de ação. Quando se alude à necessidade de o direito de ação garantir a tutela

adequada ao plano do direito material quer-se dizer, apenas, que o direito abstrato de

ação constituirá garantia da atipicidade da tutela apenas dentro de uma lógica que tome

em consideração as relações do processo com o direito material, concebendo a tutela

jurisdicional como autêntica resposta a suas necessidades.914

<texto>Entretanto, surge aí, mais uma vez, a noção de tutela, e nesse ponto devemos

914

Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 216; Luigi Paolo Comoglio, Note

riepilogative su azione e forme di tutela, nell’ottica della domanda giudiziale. Rivista di Diritto

Processuale, 1993, p. 465 e ss.

Page 347: Tutela Inibitória - Marinoni

347

parar para melhor reflexão. Afinal, o que é tutela? Não se pode, como é óbvio, buscar

um conceito de tutela no campo exclusivo do processo; descarte-se, assim, a suposição

de que tutela é sinônimo de sentença. Se não tem mais relevância a idéia de direito de

ação como direito a uma sentença, tutela não pode significar, obviamente, apenas

sentença.915

<texto>Se o processo visa garantir resultados no plano do direito material, seu

escopo é a tutela concreta dos direitos. O verdadeiro conceito de tutela, assim, deve ser

buscado no entrelaçamento da sentença e, mais do que isto, do próprio processo, com as

normas de direito substancial.

<texto>Como ressalta Comporti, em uma perspectiva meramente econômica, o bem,

como entidade objetiva, tem por fim satisfazer as necessidades humanas; na perspectiva

do sujeito, este bem assume o valor de utilidade, motivo pelo qual o sujeito, porque

interessado no bem para a satisfação de suas necessidades, passa a nele depositar

interesse. Essa relação do sujeito com o bem é valorada pelo direito como situação

objetiva merecedora de tutela; a razão de ser dessa valoração é garantir o bem ao

sujeito.916

<texto>Com a valoração do interesse do sujeito no bem, o ordenamento confere

tutela jurídica à situação objetiva de utilidade ínsita na relação sujeito/bem; essa tutela

jurídica, como explica Comporti no trabalho “Formalismo e realismo in tema di diritto

soggettivo”, “ha il significato di garantire al soggetto una serie di ‘possibilità’,

generalmente di azione, rispetto al bene, in relazione alla varia natura di esso”.917

<texto>A norma de direito substancial, ao valorar positivamente o interesse do

sujeito no bem, garante a relação de utilidade contida no interesse, atribuindo ao sujeito

a possibilidade de tutelar essa relação. Essa tutela deve conferir ao sujeito a utilidade

inerente ao interesse protegido pela norma.918

<texto>Na verdade, a garantia de tutela jurídica dar-se-ia também, não tivesse sido

proibida a autotutela, através da ação privada, ou da ação de direito material.919

Não se

915

Em sentido diverso, Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 226 e ss; Vittorio

Denti, Flashes su accertamento e condanna. Rivista di Diritto Processuale, 1985, p. 256 e ss; Vittorio

Denti, Azione. Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 45, p. 1 e ss. 916

Cf. Marco Comporti, Formalismo e realismo in tema di diritto soggettivo. Studi in onore di Francesco

Santoro-Passarelli, cit., p. 755 e ss. 917

Idem, ibidem, p. 756. 918

Idem, ibidem, p. 755 e ss. 919

Sobre a ação de direito material, ver Ovídio Baptista da Silva, Curso de processo civil, v. 1, cit., p. 94

e ss; Jurisdição e execução..., cit., p. 161 e ss.

Page 348: Tutela Inibitória - Marinoni

348

suponha, entretanto, que, por ter o Estado assumido o monopólio da jurisdição e vedado

a autotutela, as garantias inerentes à tutela jurídica do sujeito possam ser mutiladas pelo

processo. A ação processual, para atender às normas de direito substancial, não pode

deixar de dar ao sujeito tudo aquilo e exatamente aquilo que o direito material lhe

confere.

<texto>A ação, portanto, ao desembocar em uma tutela jurisdicional, deve permitir

a realização da tutela inerente ao direito material, tutela essa que visa garantir a situação

de utilidade ínsita na relação sujeito/bem.

<texto>É possível falar, assim, em tutela jurisdicional e tutela material. A tutela

jurisdicional é aquela que, no plano do processo, tem o compromisso de realizar

plenamente a tutela que decorre do direito material, ou seja, a própria tutela material.

<texto>A ação é apenas um meio de atuação da tutela do direito substancial, e nessa

perspectiva ela se apresenta, realmente, como instrumento de tutela. A tutela material,

entretanto, somente é prestada quando a sentença reconhece o direito material afirmado

pelo autor. Assiste razão a Satta, portanto, quando afirma que “la disposizione di legge

favorevole è condizione per la concessione della tutela, non già per l’azione”.920

<texto>Se a tutela material somente é prestada quando o juiz reconhece a existência

do direito afirmado pelo autor, a tutela jurisdicional independe de estar a alegação

contida na petição inicial amparada pelo direito material; há tutela jurisdicional em caso

de sentença favorável e em caso de sentença desfavorável ao autor.921

<texto>Cumpre verificar, entretanto, se a tutela jurisdicional realiza, e de que forma,

o prometido pela norma de direito substancial. Rapisarda, aderindo à doutrina de

Denti,922 e acatando uma classificação das tutelas fundada na diversidade dos efeitos

materiais declarados, afirma que determinados provimentos realizam autônoma e

integralmente a tutela concedida pela norma à fattispecie substancial declarada e que

apenas esses provimentos devem ser designados de satisfativos.923

Para melhor

esclarecer, cabe a transcrição da argumentação da processualista: “Em síntese, a tutela

dichiarativa pode ser dita satisfativa quando a utilidade conferida pela norma

920

Salvatore Satta, Premesse generali alla dottrina della esecuzione forzata. Rivista di Diritto Processuale

Civile, 1932, p. 366. 921

Nesse sentido, Flávio Luiz Yarshell, Tutela jurisdicional específica nas obrigações de declaração de

vontade, cit., p. 20. 922

Vittorio Denti, “Flashes” su accertamento e condanna. Rivista di Diritto Processuale, 1985, p. 256 e

ss; Azione. Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 4, p. 1 e ss. 923

Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 231 e ss.

Page 349: Tutela Inibitória - Marinoni

349

substancial na fattispecie declarada coincide com o efeito jurídico declarado pelo

provimento judicial. Assim é, por exemplo, na hipótese contemplada pelo art. 949, I,

CC, em que a tutela concedida ao proprietário se resolve na declaração, em sede

judicial, da ‘inexistência dos direitos afirmados por outros sobre a coisa’; ou mesmo nas

hipóteses dos arts. 1.453, 1.467, 1.492 e 1.497, CC, em que a tutela do contratante se

realiza com a declaração judicial do efeito resolutivo do contrato, quando a fattispecie

esteja integrada, respectivamente, pelos elementos do inadimplemento, da excessiva

onerosidade, dos vícios redibitórios ou da falta da qualidade essencial da coisa vendida.

A tutela dichiarativa é, ao contrário, não-satisfativa, quando o efeito jurídico declarado,

determinando o surgimento de obrigações de adimplemento, requer, para atuação da

garantia ligada pela norma à fattispecie substancial declarada, uma ulterior atividade

que deve se desenvolver fora do processo e por obra do obrigado”.924

<texto>A sentença condenatória, na doutrina de Denti, declara um efeito jurídico no

plano do direito material,925

no sentido de que uma obrigação deve ser adimplida. Como

dessa obrigação decorre uma prestação, afirma Rapisarda que o seu conteúdo deveria

ser tomado em consideração para a classificação das tutelas jurisdicionais.926

<texto>Como o que está em jogo, em um primeiro momento, é a doutrina de Denti,

cabe melhor explicá-la e demonstrar a razão pela qual não a acolhemos. Nessa linha, e

por conseqüência, também ficará claro o motivo que nos obriga a não aceitar a

argumentação de Rapisarda.

<texto>Vittorio Denti, ao escrever sobre o assunto que ora nos interessa, refere-se à

correlação fattispecie-efeito jurídico, lembrando que essa correlação pode ser expressa

com clareza na regra sobre o ônus da prova,927

na qual os fatos que constituem o

fundamento do direito que se pretende fazer valer em juízo representam a fattispecie,

enquanto o direito é o efeito jurídico que se pede que o juiz declare.928

<texto>O mesmo Denti, no verbete Azione, publicado na Enciclopedia Giuridica

Treccani, ao falar sobre a declaração do efeito jurídico – que estaria contida em todas as

sentenças –, deixa claro que o que deve distinguir as sentenças é a espécie do efeito

924

Idem, ibidem, p. 232-233. 925

Vittorio Denti, “Flashes” su accertamento e condanna. Rivista di Diritto Processuale, 1985, p. 256 e

ss; Azione. Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 4, p. 1 e ss. 926

Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 233. 927

Denti refere-se ao art. 2.697 do CC italiano, que diz o seguinte: “Onere della prova – Chi vuol far

valere un diritto in giudizio deve provare i fatti che ne costituiscono il fondamento. Chi eccepisce

l’inefficacia di tali fatti ovvero eccepisce che il diritto si è modificato o estinto deve provare i fatti su cui

l’eccezione si fonda”. 928

Vittorio Denti, “Flashes” su accertamento e condanna. Rivista di Diritto Processuale, 1985, p. 257.

Page 350: Tutela Inibitória - Marinoni

350

declarado, que tem caráter material, e não processual.929

<texto>O efeito jurídico próprio da declaração contida na sentença condenatória

estaria na obrigação que caracteriza o lado passivo da relação entre credor e devedor,

cujo adimplemento é dirigido a realizar o interesse ao qual a relação é preordenada.930

<texto>Como está claro, Denti pretende classificar as tutelas a partir do efeito que é

por elas declarado no plano do direito material. Contudo, afirma que se o efeito jurídico

declarado é constituído pela obrigação de prestação, é irrelevante a estrutura da

fattispecie à qual o efeito se correlaciona, e assim o fato de se tratar de obrigação

principal ou não, ou mesmo de obrigação correlata à tutela de um direito de crédito ou

de um direito real, ou ainda que a prestação tenha conteúdo pecuniário, ou consista em

um dar ou em um fazer.931

<texto>Denti, ao afirmar que o efeito jurídico declarado na condenação, consistente

na obrigação de adimplir, é a única coisa que importa, perdeu a oportunidade de

demonstrar que algumas situações de direito substancial não se compadecem com o

efeito jurídico que seria próprio da condenação e, por conseqüência, com a sentença

condenatória.

<texto>Vejamos, por exemplo, uma hipótese que demonstra a insuficiência da sua

previsão. A sentença de despejo certamente não se correlaciona com uma prestação.932

A sentença executiva, como já foi dito, altera a linha discriminativa das esferas

jurídicas; ora, seguindo-se a premissa da teoria de Denti, a sentença de despejo, ao

929

“Il significato proprio dell’accertamento, quindi, è dato dalla dichiarazione dell’effetto giuridico, che è

presente in ogni pronuncia sulla domanda, onde l’effettivo criterio di distinzione riguarda il tipo di effetto

accertato, ed ha carattere sostanziale, e non processuale. L’agnosticismo del legislatore finisce, quindi,

con l’apparire corretto, se le modalità della tutela vengono considerate dal punto di vista processuale,

poiché l’unico effetto possibile, quoad processum, è dato dall’accertamento, la cui idoneità a dar luogo

alla cosa giudicata costituisce il proprium della giurisdizione” (Vittorio Denti, Azione. Enciclopedia

Giuridica Treccani, v. 4, p. 8). 930

Vittorio Denti, “Flashes” su accertamento e condanna, Rivista di Diritto Processuale, 1985, p. 260;

Azione. Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 4, p. 9. 931

Idem, ibidem. 932

Atente-se, nesse passo, à lição de Ovídio: “Qual, porventura, será o fundamento que nos impõe essa

distinção entre ações condenatórias e ações executivas? Será legítimo que o processo opere, como até

agora tem feito, a redução de todo o fenômeno executivo apenas às execuções por crédito, como se todo o

direito material fosse obrigacional? Nossa resposta é terminantemente negativa, já que, sendo o processo

instrumento de realização do ordenamento jurídico, enquanto existir, em nosso sistema os direitos reais,

de um lado, e as obrigações de outro, o processo terá de submeter-se a esta determinação do direito

material, oferecendo formas de tutela diferenciadas às ações que nasçam dessas distintas pretensões”

(Ovídio Baptista da Silva, Jurisdição e execução..., cit., p. 176).

Page 351: Tutela Inibitória - Marinoni

351

declarar a fattispecie, deveria declarar o efeito constitutivo933 e, também, a ilegitimidade

da posse do locatário e o despejo; a sentença, como é óbvio, não se limitaria a declarar

uma obrigação de adimplemento e a sua correspondente prestação. Quando se diz que a

sentença declara o despejo seguindo-se a premissa da teoria de Denti, não se fala em

declaração no sentido tradicional, ou seja, não se pensa na declaração própria da

“sentença declaratória”, mas em declaração de um efeito jurídico que é conseqüente ao

preenchimento das condições necessárias ao surgimento da fattispecie. Ora, se o despejo

é a tutela outorgada ao locador, já que o desalojamento do locatário que se tornou

ilegítimo possuidor atende à relação de utilidade contida no direito material, esta tutela

consiste na retirada de algo que está contrariamente ao direito na esfera jurídica do

demandado. É por essa razão que se declararia o despejo, e não apenas uma prestação a

ser cumprida pelo réu.

<texto>Há, contudo, uma objeção mais relevante a fazer. Rapisarda afirma

expressamente, como já foi lembrado, que a “tutela dichiarativa non satisfattiva” –

aquela em que o efeito jurídico declarado determina o surgimento de uma obrigação de

adimplemento – requer uma ulterior atividade que deve se desenvolver fora do processo

e por conta do obrigado. 934

Deixando de lado a questão de que em algumas hipóteses

não há prestação a ser adimplida, devendo o próprio órgão jurisdicional atuar de modo a

satisfazer o direito do autor, é importante observar que a postura de classificar as

tutelas a partir do efeito jurídico declarado não responde às exigências de “efetividade

do processo”. De nada adianta declarar uma obrigação de adimplemento se ela não

pode ser imposta ao réu em virtude de não estarem presentes no ordenamento jurídico

meios de coerção suficientes. A tutela jurisdicional não deve ser classificada a partir do

que deve (pode) ser feito pelo obrigado, ou simplesmente tomar em consideração o

conteúdo da prestação a ser adimplida, porém deve ser definida a partir do que a própria

tutela jurisdicional faz para dar ao autor tudo aquilo e exatamente aquilo que ele tem o

direito de obter de acordo com as normas de direito substancial.

<texto>A tutela que declara um dever e determina um comportamento de abstenção

não pode ser definida como inibitória na ausência de meios de coerção em um dado

ordenamento jurídico. A tutela somente pode ser definida como inibitória quando

efetivamente pode inibir; em outro caso é simplesmente declaratória, pouco importando

933

“Anche la sentenza costitutiva, infatti, è una pronuncia di accertamento dell’effetto giuridico che la

norma ricollega al verificarsi di una determinata fattispecie” (Vittorio Denti, “Flashes” su accertamento e

condanna. Rivista di Diritto Processuale, 1985, p. 259). 934

Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 232.

Page 352: Tutela Inibitória - Marinoni

352

o efeito jurídico por ela declarado no plano do direito material.

<texto>A tutela jurisdicional, como já foi dito, não se confunde com a sentença, não

só porque não pode ser compreendida apenas à luz do direito processual, mas também

porque a diversidade das situações de direito substancial exige que sejam predispostos

meios de tutela adequados a essas diferentes realidades. Estes meios de tutela, como é

óbvio, não significam apenas sentença, mas se concretizam em técnicas antecipatórias,

sentenças diferenciadas e modalidades executivas adequadas às diversas realidades de

direito material.935

<texto>Se a tutela jurisdicional não é apenas a sentença, mas verdadeiramente o

conjunto de meios de que dispõe o direito processual para atender adequadamente às

disposições do direito substancial,936

o que importa verificar, quando se pensa em

classificar as tutelas, é a repercussão que a tutela jurisdicional efetivamente tem no

plano do direito material.

<texto>Parece correto dizer que as tutelas, em uma classificação que tome em

consideração as relações do processo com o direito material, devem ser definidas à luz

da tutela de direito material que o próprio processo tem a incumbência de atender. Frise-

se, aliás, que um ordenamento que se limitasse a afirmar um direito, sem garantir a

tutela jurisdicional capaz de permitir sua realização efetiva, certamente seria um

ordenamento que não poderia sequer receber o qualificativo de jurídico, pois não

garantiria o direito exatamente no momento em que ele mais necessita de proteção, isto

é, na ocasião em que é ameaçado ou violado.937

<texto>A tutela jurisdicional, se deve proporcionar a efetiva realização do direito

material, deve ser classificada a partir do resultado material almejado pelo autor. Porém,

é preciso que fique claro que uma coisa é a tutela material, outra o direito à tutela

jurisdicional efetiva - albergado no art. 5.º, XXXV, da CF -, e ainda outra os

instrumentos processuais predispostos pelo legislador do processo para atender a esse

direito. Portanto, tais instrumentos são corolários do direito à tutela jurisdicional efetiva,

935

Andrea Proto Pisani, I rapporti fra diritto sostanziale e processo. Appunti sulla giustizia civile. Bari:

Cacucci, 1982, p. 42. 936

Ver José Carlos Barbosa Moreira, A tutela específica do credor nas obrigações negativas. Temas de

direito processual, cit., p. 31; José Roberto dos Santos Bedaque, Direito e processo, cit., p. 31. 937

“La presenza nel nostro ordinamento del divieto di autotutela privata significa che il diritto sostanziale

può dirsi effettivamente esistente solo ove esistano norme processuali (disciplinatrici di mezzi di tutela

giurisdizionale) idonee a garantire l’attuazione anche in ipotesi di mancata cooperazione spontanea di chi

vi è tenuto, attraverso la messa a disposizione a favore del privato della forza dello Stato” (Andrea Proto

Pisani, Appunti sulla giustizia civile, cit., p. 10).

Page 353: Tutela Inibitória - Marinoni

353

o qual deve permitir a tutela adequada do direito material.

<texto>O direito à tutela jurisdicional efetiva, se compreende o direito ao

procedimento, à sentença e aos meios executivos adequados à tutela do direito,

configura, no que diz respeito à sentença, o direito a uma sentença que aprecie a

pretensão processual e, em caso de procedência, realize ou viabilize a tutela material

pretendida pelo autor. A pretensão processual mostra a tutela material pretendida, ou

seja, indica o que deve ser feito para o que o direito material seja tutelado.938

<texto>Sublinhe-se que a sentença condenatória não presta a tutela prometida pelo

direito material. A sentença que condena o réu a pagar não satisfaz o direito à tutela

ressarcitória ou à tutela do direito de crédito, as quais dependem, em caso de não

cumprimento da condenação, da execução por expropriação.

<texto> Na hipótese de sentença condenatória, é o pagamento da soma que realiza o

direito material afirmado em juízo. A sentença condenatória, ao julgar procedente o

pedido, abre as portas para que a tutela de direito material seja realizada

independentemente da vontade do réu, através da execução por expropriação.

Não é por outra razão que, nas primeiras edições deste livro, afirmamos que a ação

que desembocava na sentença condenatória, e exigia a ação de execução, era uma ação

incapaz de propiciar a tutela do direito material. Não há racionalidade em exigir duas

ações para a obtenção de uma tutela. Na verdade, antes da Lei 11.232/05, quem

prestava a tutela do direito material – ao menos no caso de não cumprimento da

condenação – era a ação de execução. Hoje, a ação para a tutela do direito do crédito ou

ressarcitória ainda exige a sentença condenatória, que não mais põe fim ao processo,

mas permite o uso dos meios de execução adequados.

Lembre-se que as sentenças são apenas técnicas para a prestação das tutelas. Isso

fica ainda mais claro quando se toma em consideração as sentenças condenatória,

mandamental e executiva, as quais dependem de meios de execução para que a tutela do

direito seja efetivamente prestada.

Se a tutela é o que se pretende no plano do direito material, as técnicas processuais,

aí incluídas as sentenças, são apenas meios para o seu alcance. A sentença condenatória,

por exemplo, obviamente não constitui tutela do direito material. Aliás, caso

constituísse, jamais seria necessária a execução. Ou seja, tutelar, através do processo,

não é condenar, ordenar etc, mas sim ressarcir, inibir, remover o ilícito, cumprir a

938

Luiz Guilherme Marinoni, Novas linhas do processo civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 123.

Page 354: Tutela Inibitória - Marinoni

354

obrigação contratual na forma específica etc.

Isto não quer dizer, como é evidente, que as sentenças possam deixar de responder

às necessidades do direito material. As sentenças somente se diferenciam porque devem

atender às diferentes situações de direito substancial carentes de tutela. Note-se, porém,

que as sentenças não-satisfativas (fora, portanto, as sentenças declaratória e constitutiva)

mostram adequação ao direito material apenas quando correlacionadas às variadas

formas de execução. É exatamente por esta razão que as sentenças não-satisfativas não

podem ser classificadas sem considerar os meios de execução a que se ligam.

As sentenças e os meios de execução são instrumentos para a prestação da tutela dos

direitos. Portanto, se as tutelas são classificadas a partir dos resultados do processo no

plano do direito material, as sentenças são classificadas com base nas formas

processuais – as quais também são constituídas pelos meios executivos - através das

quais se expressam para dar tutela aos direitos. Nesse sentido, as tutelas dependem do

efeito jurídico declarado pela sentença e, ainda, da predisposição de meio executivos

idôneos a sua realização. Já as sentenças têm a sua natureza atrelada às modalidades

executivas capazes de viabilizar a tutela do direito, que corresponde a tal efeito

jurídico.

<texto>Entretanto, a verdade é que muitos dos resultados obtidos no plano do

direito material têm algo em comum. Os pontos de contato entre os resultados do

processo no plano do direito material refletem, a nosso ver – na perspectiva das tutelas

que devem ser prestadas pelas sentenças condenatória, mandamental e executiva –, a

problemática da distinção entre a tutela contra o dano e a tutela contra o ilícito. Por

isto, passarão a importar, a partir de agora, os pontos de confluência dos resultados do

processo no plano do direito material, de modo que a partir deles se possa apresentar

uma classificação das tutelas aderente ao direito material.

Page 355: Tutela Inibitória - Marinoni

355

<tit>15

<tit1>ESBOÇO DE UMA CLASSIFICAÇÃO

DAS TUTELAS ADERENTE AO DIREITO MATERIAL

<texto>É indispensável, quando se pensa em confeccionar uma classificação das

tutelas aderente ao direito material, levar em consideração os problemas que são

próprios à tutela dos direitos. Passaremos a enfrentar, portanto, a partir daqui, o tema da

“tutela dos direitos”, seguindo, em princípio, uma discussão que vem sendo travada,

principalmente entre os civilistas italianos, em torno da diferença entre a tutela

reintegratória e a tutela ressarcitória.939

<texto>Nessa linha, o principal problema é a falta de critérios para a correta e

segura separação das tutelas inibitória, ressarcitória e reintegratória. Lamentando-se, no

que diz respeito a essa questão, a pobreza da doutrina brasileira, não é possível deixar

de frisar a ambivalência, e muitas vezes a ambigüidade, das posições doutrinárias e

jurisprudenciais encontradas a respeito do assunto no direito italiano. 940

939

Ver Renato Sconamiglio, Il risarcimento del danno in forma specifica. Rivista Trimestrale di Diritto e

Procedura Civile, 1957, p. 201 e ss; Michele Mòcciola, Problemi del risarcimento del danno in forma

specifica nella giurisprudenza. Rivista Critica del Diritto Privato, 1984, p. 367 e ss; Gianfrancesco

Sforza, Ordine di cessazione e risarcimento in forma specifica, Foro italiano, 1978, p. 615 e ss; Emilio

Betti, Sul cosiddetto risarcimento del danno in forma specifica in materia contrattuale, Giurisprudenza

italiana, 1948, p. 259 e ss; Grazia Ceccherini, Risarcimento in forma specifica e diritti della persona: una

nuova forma di tutela? Rivista Critica del Diritto Privato, 1993, p. 75 e ss; Grazia Ceccherini,

Risarcimento del danno e riparazione in forma specifica. Milano : Giuffrè, 1989, p. 34 e ss; Angelo

Chianale, Diritto soggettivo e tutela in forma specifica. Milano : Giuffrè, 1993; Salvatore Mazzamuto,

Problemi e momenti dell’esecuzione in forma specifica. Processo e tecniche di attuazione dei diritti.

Napoli : Jovene, 1989, p. 453 e ss; Carlo Castronovo, Il risarcimento in forma specifica come

risarcimento del danno. Processo e tecniche di attuazione dei diritti. Napoli : Jovene, 1989, p. 481 e ss;

Roberto Pardolesi, Tutela specifica e tutela per equivalente nella prospettiva dell’analisi economica del

diritto. Processo e tecniche di attuazione dei diritti. Napoli : Jovene, 1989, p. 515 e ss; Mario Barcellona,

Sul risarcimento del danno in forma specifica (ovvero sui limiti della c.d. interpretazione evolutiva).

Processo e tecniche di attuazione dei diritti. Napoli : Jovene, 1989, p. 615 e ss; Cristina Ebene Cobelli,

Le ‘grandi braccia’ del risarcimento in forma specifica e della condamnation en nature (Note critiche

sulla giurisprudenza italiana e francese). Processo e tecniche di attuazione dei diritti. Napoli : Jovene,

1989, p. 701 e ss; Michele Giorgianni, Tutela del creditore e tutela reale. Rivista Trimestrale di Diritto e

Procedura Civile, 1975, p. 853 e ss; Adolfo di Majo, La tutela civile dei diritti, cit; Adolfo di Majo,

Forme e tecniche di tutela. Processo e tecniche di attuazione dei diritti. Napoli : Jovene, 1989, p. 11 e ss. 940

Michele Mòcciola, Problemi del risarcimento del danno in forma specifica nella giurisprudenza.

Rivista Critica del Diritto Privato, 1984, p. 367 e ss.

Page 356: Tutela Inibitória - Marinoni

356

<texto>Na realidade, a dificuldade em se distinguir as tutelas assenta na questão,

bastante difícil, das noções de ilícito e dano, sobre as quais, aliás, gira a temática da

própria tutela inibitória. Sabe-se que a doutrina italiana, principalmente a partir de um

ensaio de Renato Scognamiglio, intitulado de “Il risarcimento del danno in forma

specifica”, 941 tem estabelecido importante distinção entre ilícito, compreendido como

conduta contrária ao direito, e dano, como fato histórico e material, que pode decorrer,

eventualmente, do ilícito, ou mesmo derivar de fatos não suscetíveis de tal qualificação

942, ou seja, de danos decorrentes de atos lícitos.

<texto>Não é difícil distinguir a tutela inibitória, que visa a prevenir o ilícito, da

tutela ressarcitória, que se dirige contra o dano ressarcível. Mais árdua, contudo, é a

tarefa de separar, conceitualmente, as tutelas ressarcitória e reintegratória.943

<texto>A tutela ressarcitória, em princípio, seria a simples tutela que responde a um

direito pecuniário equivalente ao valor do dano sofrido, ou ainda a tutela alternativa à

tutela específica, 944 vale dizer, a tutela que visa a ressarcir o autor em pecúnia pela

impossibilidade da tutela na forma específica. 945

<texto>O problema surge, no direito italiano, quando a doutrina toma em

consideração o art. 2.058 do CC, que assim dispõe: “2.058 – Risarcimento in forma

specifica – Il danneggiato può chiedere la reintegrazione in forma specifica, qualora sia

in tutto o in parte possibile. Tuttavia il giudice può disporre che il risarcimento avvenga

solo per equivalente, se la reintegrazione in forma specifica risulta eccessivamente

onerosa per il debitore”.

<texto>Atribui-se ao art. 2.058 uma confusão, pois ele fala, na rubrica, de

risarcimento, e, nas disposições, de reintegrazione, quando a norma está inserida na

941

Renato Scognamiglio, Il risarcimento del danno in forma specifica, Rivista Trimestrale di Diritto e

Procedura Civile, 1957, p. 201 e ss. Ver, também, Renato Scognamiglio, Illecito. Novissimo Digesto

Italiano, v. 8, p. 164 e ss. 942

Michele Mòcciola, Problemi del risarcimento del danno in forma specifica nella giurisprudenza.

Rivista Critica del Diritto Privato, 1984, p. 367. 943

Sobre a distinção entre tutela inibitória e tutela de remoção do ilícito (reintegratória), ver o item 3.21. 944

Sobre o conceito de tutela específica, ver Andrea Proto Pisani, Breve note in tema di tutela specifica e

tutela risarcitoria. Foro Italiano, 1983, p. 127 e ss; Crisanto Mandrioli, L’esecuzione forzata in forma

specifica, cit., p. 1 e ss; Vittorio Denti, L’esecuzione forzata in forma specifica. Milano : Giuffrè, 1953, p.

21 e ss; Francesco Paolo Luiso, Esecuzione forzata (Esecuzione forzata in forma specifica). Enciclopedia

Giuridica Trecanni, v. 13, p. 1 e ss. 945

Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 233-234.

Page 357: Tutela Inibitória - Marinoni

357

parte do Código dedicada à responsabilidade por fatos ilícitos. 946

<texto>A tutela ressarcitória, além de pressupor a existência de um dano, expressa

uma forma de responsabilidade fundada, em regra, na culpa (ou no dolo), ou, em outras

palavras, na correlação do evento danoso ao sujeito, que se exprime através da chamada

imputabilidade. A tutela reintegratória, ao contrário, não protege contra o dano, pois tem

o fim de eliminar apenas uma situação de ilicitude, sem a necessidade de qualquer

valoração do comportamento do transgressor da norma947

. Como escreve Scognamiglio,

no caso de tutela reintegratória, bastando a transgressão de um comando jurídico,

prescinde-se da circunstância de que tenha ocorrido um dano, enquanto na hipótese de

tutela ressarcitória verifica-se a lesão de um bem do sujeito, a qual pode ser determinada

em concreto, considerando-se o próprio sujeito ou seu patrimônio. 948

<texto>Como se percebe, a questão não diz respeito a saber se é possível a tutela

específica do dano, ao invés da tutela de simples ressarcimento pelo equivalente. O que

se pergunta é se há distinção entre a tutela ressarcitória na forma específica e a tutela

reintegratória.

<texto>Não há dúvida de que a violação de uma norma, enquanto suficiente para

dar ensejo à tutela reintegratória, pode causar danos; trata-se, entretanto, como esclarece

Scognamiglio, “apenas de coincidências parciais e eventuais, em relação às quais é fácil

confirmar a diferença substancial dos dois fenômenos, que correspondem a momentos e

aspectos diversos da genérica noção de ilícito (comportamento ou estado contrário ao

direito). 949

<texto>A ambigüidade que se verifica na doutrina e na jurisprudência italiana, ou a

confusão que é feita entre a tutela ressarcitória na forma específica e a tutela

reintegratória, deve ser atribuída a uma constante sobreposição do ilícito e do dano, ou

melhor, a uma falta de distinção entre a transgressão da norma jurídica e a produção do

dano, fruto de uma posição que não distinguia as necessidades de eliminar o ilícito e de

reparar o dano.

<texto>Michele Mòcciola, em ensaio publicado na Rivista Critica del diritto

946

Michele Giorgianni, Tutela del creditore e tutela “reale”. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura

Civile, 1975, p. 862. 947

Idem, ibidem. 948

Renato Scognamiglio, Il risarcimento del danno in forma specifica. Rivista Trimestrale di Diritto e

Procedura Civile, 1957, p. 207. 949

Idem, ibidem. Tradução livre.

Page 358: Tutela Inibitória - Marinoni

358

privato, faz ampla análise da jurisprudência italiana em tema de tutela ressarcitória na

forma específica, lembrando, entre outras, decisões que têm configurado a determinação

de demolição, no caso de construção realizada em desacordo à legislação urbanística,

como tutela reparatória in natura. 950

<texto>Mòcciola deixa claro, ao referir-se a esses julgados, que na base do

raciocínio dos tribunais encontra-se a habitual confusão entre os conceitos de ilícito e

de dano. A construção que desconsidera o regramento legal consiste em uma conduta

contra ius, simplesmente porque violadora de norma jurídica. A determinação de

demolição, nesse caso, não visa remediar o dano sofrido em razão da construção

abusiva, mas apenas restaurar a situação que era anterior à prática da conduta

contrária ao direito. 951

<texto>Note-se que construir em desacordo com a lei é, por si só, ilícito. Eventuais

conseqüências desse ilícito, como a poluição ambiental ocasionada pela obra que, por

exemplo, gerou dificuldades ao escoamento de esgotos, é que configura dano. 952

<texto>Outro caso, relacionado à tutela contra a concorrência desleal, auxilia a

compreensão. O art. 2.599 do CC italiano – como já foi lembrado – afirma que “la

sentenza che accerta atti di concorrenza sleale ne inibisce la continuazione e dà gli

opportuni provvedimenti affinché ne vengano eliminati gli effetti”. Deixando-se de lado,

por enquanto, a tutela inibitória, é interessante analisar a tutela que objetiva eliminar os

efeitos da concorrência desleal. Trata-se de tutela que visa apenas restaurar o estado

que era anterior à prática dos atos de concorrência desleal, e que por isso deve

merecer a qualificação de reintegratória. Frise-se que o art. 2.599, ao referir-se à tutela

que tem por fim eliminar os efeitos dos atos de concorrência desleal, não fala em dolo

ou em culpa, tratando dessa tutela juntamente com a inibitória. Essa tutela não é

dirigida contra o dano, até porque o art. 2.600 – seguindo o referido art. 2.599 – diz

que, se os atos de concorrência desleal são praticados com dolo ou com culpa, o seu

950

“Così nella nota sentenza delle sezioni unite della cassazione penale, relativa alla legittimazione del

comune a costituirsi parte civile in processi per reati di abusivismo edilizio, a proposito dell’ordine di

demolizione, la Suprema corte definisce quest’ultimo ‘misura risarcitoria in forma specifica di restitutio

in prestinum del turbato assetto urbanistico del territorio comunale’” (Michele Mòcciola, Problemi del

risarcimento del danno in forma specifica nella giurisprudenza. Rivista Critica del Diritto Privato, 1984,

p. 378). 951

Michele Mòcciola, Problemi del risarcimento del danno in forma specifica nella giurisprudenza.

Rivista Critica del Diritto Privato, 1984, p. 379. Ver, também, Gianfrancesco Sforza, Ordine di

cessazione dall’illecito e risarcimento in forma specifica, Foro Italiano, 1978, p. 615-619. 952

Michele Mòcciola, Problemi del risarcimento del danno in forma specifica nella giurisprudenza.

Rivista Critica del Diritto Privato, 1984, p. 380.

Page 359: Tutela Inibitória - Marinoni

359

autor é obrigado a responder pelo ressarcimento dos danos. 953

<texto>Quando se remove a causa do dano não se tutela contra o dano, ou seja, não

se confere tutela ressarcitória ao demandante. Na verdade, estabelecendo-se adequada

distinção entre as noções de dano e de ilícito, surge naturalmente a conclusão de que a

tutela de remoção do ilícito (reintegratória) não repara o dano, porém extirpa sua causa.

954

<texto>A distinção, que ora se pretende estabelecer, entre tutela contra o dano,

tutela reintegratória e tutela inibitória não decorre de exigência meramente conceitual,

mas visa responder às diferentes necessidades do direito material. 955 Na tutela

ressarcitória toma-se em consideração o dano; na tutela reintegratória a necessidade de

supressão do ilícito e, na tutela inibitória, a exigência de prevenção contra a violação do

direito. Com a fundamental conseqüência de que na tutela ressarcitória, ao contrário do

que ocorre nas outras duas, exige-se que o prejudicado prove – de lado as hipóteses de

responsabilidade sem culpa – a culpa ou o dolo do sujeito a quem o dano é imputado.

956

<texto>Se é verdade que a tutela reintegratória não se confunde com a tutela contra

o dano, isso não quer dizer que não é possível uma tutela ressarcitória na forma

específica. Considerada, em primeiro lugar, a responsabilidade extracontratual, poder-

se-ia imaginar que a única forma de tutela contra o dano é aquela que se presta em

953

Sobre a tutela, inclusive inibitória, contra a concorrência desleal, ver Luigi Mosco, La concorrenza

sleale. Napoli : Jovene, 1956, p. 188 e ss; Marco Sertorio, Illecito civile, concorrenza sleale, prescrizione.

Archivio della responsabilità civile e dei problemi generali del danno, 1964, p. 132 e ss; Geraldo Santini,

Concorrenza sleale ed impresa. Rivista di Diritto Civile, 1959, p. 125 e ss; Eduardo Bonasi Benucci, Atto

illecito e concorrenza sleale, Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1957, p. 563 e ss; Gustavo

Minervini, Concorrenza e consorzi. Milano : Vallardi, 1965, p. 51 e ss; Gustavo Ghidini, La repressione

della concorrenza sleale nel sistema degli artt. 2.598 ss. Cod. Civ. Rivista di Diritto Civile, 1970, p. 329 e

ss; Per Giusto Jaeger, Valutazione comparative di interessi e concorrenza sleale. Rivista di Diritto

Industriale, 1970, p. 38 e ss; Remo Franceschelli, Studi sulla concorrenza sleale, IV – La fattispecie.

Rivista di Diritto Industriale, 1963, p. 268 e ss; Giuseppe Auletta, Divieto di concorrenza e divieto di

concorrenza sleale. Diritto e giurisprudenza, 1956, p. 279 e ss. 954

Michele Mòcciola, Problemi del risarcimento del danno in forma specifica nella giurisprudenza,

Rivista Critica del Diritto Privato, 1984, p. 380-381. 955

Cf. Cesare Salvi, Il risarcimento del danno in forma specifica, cit., p. 587; Adolfo di Majo, embora

falando em tutela repristinatória, atenta para as diversas necessidades que estão na base das tutelas

ressarcitória e reintegratória: “Il tradizionale confine tra tutela risarcitoria e tutela ripristinatoria va

mantenuto, e non per amore di categorie concettuali ma perché esso risponde a bisogni differenziati di

tutela. Altro in sostanza è il bisogno di essere tenuti indenni dal danno che altri, con il proprio

comportamento, ha provocato, danno da valutarsi come concreto accadimento, passato e non futuro, altro

è il bisogno di vedere ripristinate le condizioni, di fatto e di diritto, che consentano per il futuro ai soggetti

di continuare a fruire dei benefici e vantaggi assicurati dai diritti di cui sono titolari” (Adolfo di Majo,

Forme e tecniche di tutela, cit., p. 18). 956

Cesare Salvi, Il risarcimento del danno in forma specifica, cit., p. 587.

Page 360: Tutela Inibitória - Marinoni

360

pecúnia. O ressarcimento, contudo, pode dar-se não só através de pecúnia, mas

igualmente com a prestação de uma coisa ou de uma atividade que resulte adequada, em

vista da situação concreta, para eliminar as conseqüências danosas do fato lesivo. 957

<texto>Ora, se ressarcir quer dizer eliminar o dano, não há qualquer razão para

estabelecer uma correlação entre o dano e a prestação em pecúnia. 958 Eduardo

Talamini, referindo-se aos arts. 1.537 e ss. do CC de 1916, afirma que, “no sistema

brasileiro, a regra geral é a da indenização pecuniária dos danos decorrentes de atos

ilícitos”. 959 Diz, ainda, que no direito brasileiro não existe norma similar à contida no

art. 2.058 do CC italiano, há pouco mencionada.

<texto>Tal posição é equivocada, pois todos sabem que, em tema de

responsabilidade civil, sempre esteve presente o princípio da dupla forma de

ressarcimento: ou o ressarcimento na forma específica ou a indenização em dinheiro.

960 Ou melhor, como esclarece Pontes de Miranda, “em nenhum lugar do Código Civil

ou do Código Comercial se diz que a indenização há de ser precipuamente em

dinheiro”. 961

<texto>Aliás, para se concluir pela subsidiariedade da indenização em dinheiro em

relação ao ressarcimento na forma específica, bastaria atentar para a norma que estava

no art. 1.534 do CC de 1916 – agora reproduzida no art. 947 do novo Código Civil –,

assim escrita: “Se o devedor não puder cumprir a prestação na espécie ajustada,

substituir-se-á pelo seu valor, em moeda corrente”. Essa norma estabelece a

centralidade do ressarcimento na forma específica, deixando em segundo lugar a

indenização em dinheiro, que por isso é meramente subsidiária.

<texto>Isso quer dizer, como explica Pontes de Miranda, que na ação que objetiva

reparar ato ilícito, “o pedido pode dirigir-se a restauração em natura, e somente quando

957

Idem, ibidem, p. 585. 958

Veja-se, porém, o que afirma Orlando Gomes: “Se bem que a reposição natural seja o modo próprio de

reparação do dano, não pode ser imposta ao titular do direito à indenização. Admite-se que prefira receber

dinheiro. Compreende-se. Uma coisa danificada, por mais perfeito que seja o conserto, dificilmente

voltará ao estado primitivo. A indenização pecuniária poderá ser exigida concomitantemente com a

reposição natural, se esta não satisfizer suficientemente o interesse do credor” (Orlando Gomes,

Obrigações, cit., p. 51). 959

Eduardo Talamini, Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer, cit., p. 184. 960

Como explica Aguiar Dias, “de duas formas se processa o ressarcimento do dano: pela reparação

natural ou específica e pela indenização pecuniária. O sistema da reparação específica corresponde

melhor ao fim de restaurar, mas a indenização em dinheiro se legitima, subsidiariamente...” (José de

Aguiar Dias, Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1979, v. 2, p. 407). 961

Pontes de Miranda, Tratado de direito privado. Rio de Janeiro: Borsoi, 1971, v. 26, p. 27. Ver, ainda,

Araken de Assis, Liquidação do dano, RT 759/14.

Page 361: Tutela Inibitória - Marinoni

361

haja dificuldade extrema ou impossibilidade de se restaurar em natura é que, em lugar

disso, se há de exigir a indenização em dinheiro”. 962

<texto>Portanto, é errado afirmar que o direito material não permite o ressarcimento

na forma específica. Essa modalidade de ressarcimento, segundo o direito material,

pode se dar mediante um fazer ou a entrega de coisa da mesma espécie da destruída. O

problema, portanto, nunca esteve no plano do direito material.

<texto>Foi o Código de Processo Civil que transformou o direito ao ressarcimento

na forma específica em direito ao recebimento de dinheiro. Isso pela simples razão de

ter conferido ao jurisdicionado, sem raciocinar adequadamente sobre o direito à

indenização na forma específica, um processo civil completamente incapaz de atendê-

lo.

<texto>Se o problema do ressarcimento na forma específica nunca esteve no plano

do direito material, mas sim na legislação processual, a doutrina, exatamente porque

tem o dever de interpretar as regras processuais dando efetividade ao direito material,

não pode desconsiderar as recentes normas dos arts. 461 e 461-A do CPC e 84 do CDC.

<texto>Reafirme-se que a doutrina brasileira sempre entendeu que o ressarcimento

na forma específica prefere ao ressarcimento em pecúnia. Aguiar Dias, aliás, em livro

publicado há mais de vintes anos, chega até mesmo a dar exemplos de ressarcimento na

forma específica: “Assim, por exemplo, se o responsável é obrigado a reparar, pode

proporcionar ao prejudicado a prestação que resultará na reparação econômica

natural. Exemplos: a) o do carro destruído ou roubado, quando depositado na oficina do

próprio construtor. Supondo que a reparação pecuniária não satisfaça ao prejudicado,

pelo fato de não ser possível obter com ela um carro igual, deve admitir-se que exija do

responsável a construção de um carro exatamente igual ao primeiro. Assim como se

pode obrigar o indivíduo que rompe uma vidraça a substituí-la por uma nova, assim se

deve proceder no exemplo acima; b) o do inquilino de uma parte da casa que tem dois

andares exatamente iguais. Responsável o proprietário pela impossibilidade da

continuação do contrato, não lhe bastará em certos casos, como o da extrema

dificuldade de conseguir habitação no lugar, que indenize o inquilino pecuniariamente.

Parece certo que, se dispõe o senhorio de um andar livre, exatamente igual ao que o

inquilino teve de abandonar, deve cedê-lo em cumprimento da locação”. 963 Como se

962

Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, cit., v. 26, p. 28. 963

José de Aguiar Dias, Da responsabilidade civil, cit., v. 2, p. 407-408.

Page 362: Tutela Inibitória - Marinoni

362

vê, a tutela ressarcitória na forma específica sempre foi admitida pelo direito material. O

que faltava eram técnicas processuais capazes de conferir-lhe real efetividade. O que

não existia, em outras palavras, eram os arts. 461 do CPC e 84 do CDC. Na atualidade,

o ressarcimento na forma específica deve ser pensado à luz dos arts. 461 e 461-A do

CPC e 84 do CDC, uma vez que essas normas somente instituíram instrumentos para a

efetividade da tutela dos direitos. Note-se que o legislador, diante do direito

fundamental à tutela jurisdicional efetiva, fez sua parte, cabendo agora à doutrina e aos

operadores do direito cumprirem as suas.

<texto>Se o art. 461-A confere àquele que pode exigir a entrega de coisa a

possibilidade de requerer ordem sob pena de multa e busca e apreensão, não há como

pensar que esse artigo excluiu de seu âmbito a tutela ressarcitória na forma específica.

Do mesmo modo, não há razão para se concluir que, quando a reparação na forma

específica exigir um fazer, não é viável a utilização dos instrumentos processuais

próprios aos arts. 461 do CPC e 84 do CDC.

<texto>Se não há como negar que o ressarcimento na forma específica é possível

dentro do ordenamento jurídico brasileiro, é importante ressaltar a sua

imprescindibilidade diante das novas situações de direito substancial. Como escreve

Clayton Maranhão, estando a sociedade de consumo exposta a riscos inevitáveis, cujos

exemplos marcantes são o da colocação no mercado de produtos ou serviços com

periculosidade inerente (art. 8.º, CDC) e de produtos ou serviços cujo desenvolvimento

da ciência é limitado sobre o seu alto grau de nocividade à saúde, só descoberto

posteriormente à sua colocação no mercado (art. 10, § 1,º, CDC), não há como impedir

que danos à saúde humana possam vir a ocorrer. Nessa linha, a necessidade de efetiva

reparação do dano está diretamente ligada à noção geral de expectativa legítima do

consumidor e ao princípio geral da segurança dos bens de consumo. 964

<texto>Maranhão, ciente de que o ressarcimento do dano à saúde, nas novas

relações de consumo, deve priorizar a forma específica, e que esta modalidade de tutela

somente possui real sentido quando é efetiva, já raciocinando com base no art. 84 do

CDC, apresenta o seguinte exemplo: “O dano à saúde decorrente de erro médico tem

sido muito freqüente. Uma dessas situações refere-se ao esquecimento de instrumentos

cirúrgicos no corpo do paciente, havendo um caso real, já apreciado pela jurisprudência,

964

Clayton Maranhão, Tutela jurisdicional específica do direito à saúde nas relações de consumo: um

capítulo do direito processual do consumidor, Revista de Direito Processual Civil (Genesis), v. 24, p. 248.

Page 363: Tutela Inibitória - Marinoni

363

em que foram necessárias cinco cirurgias, a última delas estética reparadora de

deformidade. No caso concreto, a paciente foi submetida a uma simples cirurgia para

retirada de cálculos na vesícula, recebendo alta cinco dias depois. Sentindo fortes dores,

retirou de seu abdômen um objeto metálico da dimensão de uma agulha, reinternando-se

por quatro vezes sucessivas no mesmo hospital, onde foi submetida a tantas

intervenções para retirada de objetos esquecidos em seu abdômen na primeira cirurgia.

Por conseqüência, contraiu deformidades estéticas que exigiram uma sexta intervenção

cirúrgica reparadora. Não bastasse, apresentou problemas de locomoção em razão de

mais um erro profissional: a enfermeira quebrara a agulha quando aplicava uma injeção.

Diante de tanta negligência, demandou em face do hospital e da equipe médica. Como

arcou com todas as despesas, pleiteou indenização pela soma em dinheiro

correspondente. Contudo, poderia muito bem ter invocado o art. 84, §§ 3.º, 4.º e 5.º,

para pleitear ressarcimento na forma específica, com pedido de antecipação de tutela,

consistente: i) na ordem de fazer dirigida ao hospital, sob pena de multa, sem despender

qualquer soma em dinheiro, pois tudo deveria correr às custas do referido

estabelecimento”. 965

<texto>O que poderia ser dito é que o uso da multa – e não o ressarcimento na

forma específica – somente é possível quando o infrator for titular de capacidade

técnica suficiente para viabilizá-lo. Isso porque, fora daí, o ressarcimento na forma

específica teria que ser custeado pelo infrator. Eis o problema em sua dimensão exata.

<texto>Pois bem, se o infrator possui, antes de mais nada, o dever de reparar o dano

na forma específica, e se essa reparação, em termos de processo civil, somente pode ser

realizada – diante do caso concreto – se por ele custeada, é lógico que esse dever de

pagar deve ser visto como um simples dever acessório ao dever de reparar. Se não for

assim, o dever de reparar o dano terá sido transformado em dever de pagar. Ou em

outras palavras: o direito ao ressarcimento na forma específica somente existiria quando

o infrator tivesse condições técnicas suficientes. Ora, o direito ao ressarcimento na

forma específica objetiva melhor atender ao lesado, e assim não devem importar as

qualidades daquele que cometeu o dano. Com efeito, a especial qualidade do infrator

não pode servir para retirar a efetividade do direito ao ressarcimento.

<texto> Lembre-se que tanto o art. 461 do CPC, quanto o art. 84 do CDC, afirmam

literalmente que a tutela específica possui preferência às perdas e danos. Ora, se em 965

Clayton Maranhão, Tutela jurisdicional, cit., Revista de Direito Processual Civil (Genesis), v. 24, p.

257.

Page 364: Tutela Inibitória - Marinoni

364

relação as obrigações contratuais de fazer existe nítida preferência pela tutela específica

em relação à tutela pelo equivalente monetário, podendo o juiz, diante de pedido de

tutela de obrigação de fazer fungível inadimplida, ordenar sob pena de multa – como

fez questão de recentemente reafirmar o novo art. 287 do CPC966 –, não há motivo para

pensar que a multa não possa ser utilizada em relação ao dever de reparar o dano.

<texto>Conclusão contrária estaria admitindo que aquele que for reconhecido como

obrigado a uma prestação fungível pode ser compelido a fazer sob pena de multa, porém

nunca aquele que o juiz afirmar que tem o dever de reparar o dano. Seria o mesmo que

concluir que somente o direito decorrente de uma obrigação de fazer, mas não o direito

à reparação do dano, merece tutela jurisdicional efetiva. Tal conclusão, como é

evidente, não tem sustentação alguma, não apenas diante do direito material (com visto

acima), mas igualmente em face do direito processual. Basta interpretar os arts. 461 e

461-A do CPC e 84 do CDC de forma correta, percebendo-se que eles contêm normas

que instituem instrumentos processuais para a tutela dos direitos dependentes de um

fazer ou da entrega de coisa, e não simplesmente para a tutela das obrigações.

<texto>Se ninguém nega que é possível obter forçadamente, através da expropriação

de bens, o custo do ressarcimento, porque razão seria impossível utilizar a multa para

pressionar o infrator a custear a reparação? Somente assim o lesado não será penalizado

pelo infrator e pelo processo, e apenas dessa forma o ordenamento jurídico será

efetivamente atuado.

<texto>Recorde-se que a inexistência de uma efetiva tutela ressarcitória implica na

aceitação da transformação dos direitos em pecúnia, e assim no pagamento do valor em

dinheiro que seria equivalente ao do dano após vários anos da infração. Para ser mais

preciso: a negação da efetividade do ressarcimento na forma específica, em face das

novas relações de direito substancial, equivale à própria negação do direito material,

ou na transformação das normas relativas ao direito do consumidor (por exemplo) em

mera proclamação retórica.

<texto>Como é óbvio, um processo que só permite a cobrança de dinheiro do autor

do dano não constitui resposta adequada aos direitos. Um processo desse tipo é, na

realidade, um incentivo à prática de danos ou, pior, uma porta aberta à

desconsideração do direito material, já que o infrator, nesse caso, somente terá que

pagar o valor equivalente ao do dano – e isso quando o direito puder ser medido em

966

Através da Lei 10.444/2002.

Page 365: Tutela Inibitória - Marinoni

365

pecúnia – depois de um bom tempo, o que certamente poderá ser, em termos meramente

econômicos e de mercado, uma excelente opção.

<texto>Por outro lado, é importante constatar que o credor de uma obrigação de

fazer fungível pode, em tese, valer-se do mecanismo da execução por sub-rogação, pois

esta espécie de obrigação (de fazer fungível), por sua própria definição, pode ser

prestada por terceiro às custas do obrigado. Se é assim, é de se perguntar a razão pela

qual o CPC expressamente admite o uso da multa – inclusive reforçando tal

possibilidade por meio do novo art. 287 – para que o devedor seja compelido a prestar o

fazer fungível. Seria porque o direito de crédito relativo a uma obrigação contratual de

fazer é mais importante do que os direitos que podem ser lesados, ou ainda porque as

regras relativas a tais obrigações merecem maior proteção do que as regras legais que

objetivam manter em equilíbrio as relações de consumo, ou mesmo íntegros os direitos

(como, por exemplo, o direito ao meio ambiente sadio)? Ora, quando se admite o uso

da multa, diante das obrigações de fazer fungíveis, pensa-se apenas em livrar o credor

da demora e do custo – enfim da inefetividade – da execução por sub-rogação. Essa

especial atenção dada às obrigações de fazer fungíveis, em certo sentido, ficaria

encoberta pela neutralidade que alguns pretendem atribuir ao processo. Nessa linha, o

raciocínio seria o seguinte: não importa saber a razão pela qual o processo admite o uso

da multa em relação às obrigações de fazer fungíveis. Ou melhor, não teria relevância

saber que espécie de direito material é efetivamente atendido pelo processo,

importando somente o que dizem as normas processuais, sem que a partir delas fosse

possível estabelecer um raciocínio crítico ligado à efetividade do direito material.

<texto>Como é evidente, não há como pensar no processo e deixar de lado o direito

material, pois este é a razão de ser daquele. Assim, se o direito à prestação de um fazer

fungível não tem motivo para merecer tutela mais efetiva do que o direito ao

ressarcimento na forma específica, não há razão para supor que o uso da multa não pode

ser utilizado quando se pretende o ressarcimento na forma específica. Frise-se que o uso

da multa foi expressamente estabelecido em relação às obrigações de fazer fungíveis

apenas para dar maior efetividade à sua tutela jurisdicional.

<texto>Lembre-se que a doutrina e os operadores do direito têm o dever de

interpretar as normas processuais à luz do direito fundamental à tutela jurisdicional

efetiva. Trata-se de dever, exatamente porque a doutrina e os operadores do direito

devem pensar em um processo civil que seja capaz de garantir a efetividade da tutela do

Page 366: Tutela Inibitória - Marinoni

366

direito material, e não em um obstáculo à realização daquilo que é almejado pelas

regras jurídicas. Se é assim, cabe voltar ao exemplo fornecido por Clayton Maranhão, e

referido linhas antes. Maranhão, ao apresentar o caso em que um erro médico exigiu

várias cirurgias, além de ter deixado claro – como mencionado ao final do exemplo

narrado acima – que a ordem poderia ser dirigida para obrigar o próprio hospital a

realizar as cirurgias, evidenciou que a ordem sob pena de multa pode ser dirigida para

obrigar à reparação do dano, ainda que o demandado não tenha aptidão técnica para o

fazer. Disse ele que o lesado poderia, invocando o art. 84 do CDC, postular tutela

ressarcitória na forma específica, inclusive na forma antecipada, consistente em “ordem

de fazer dirigida ao hospital, no sentido de entregar soma em dinheiro diretamente a

outro hospital e equipe médica de confiança”. 967

Ora, se não for viável o ressarcimento na forma específica mediante o uso da multa,

porém apenas o recurso ao mecanismo da execução por sub-rogação, o processo civil

estará aceitando a morte do paciente lesado968 e transformando o direito à reparação

específica em direito à herança.

<texto>Alguém poderia revelar preocupação com o que menos importa, ou seja,

com o fato de que, nesse caso, pessoa diferente da responsável pelo dano deverá realizar

o fazer. Ora, se isso pudesse ser empecilho ao ressarcimento na forma específica,

também o seria para a tutela reintegratória, como por exemplo a necessidade de

demolição de obra realizada em desrespeito às regras de urbanismo. Se o juiz pode

determinar a demolição de obra (realizada em local proibido) que está ameaçando poluir

o meio ambiente, pouco importando a capacidade técnica do réu em realizá-la, por que

estaria proibido de determinar a reparação do dano àquele que precisa dos serviços de

outra pessoa? Note-se que, em qualquer dos casos, será necessário o contraditório não

apenas sobre as qualidades da pessoa escalada para o fazer, mas especialmente sobre a

idoneidade do fazer em si. Ou melhor, o dano somente pode ser considerado

efetivamente reparado se o fazer, realizado pelo terceiro, for chancelado pelo juiz, a

partir de ampla oportunidade para o contraditório.

<texto>Deixe-se claro, por outro lado, que com a afirmação da preferência da tutela

ressarcitória na forma específica sobre a indenização em dinheiro não se está dizendo

967

Clayton Maranhão, Tutela jurisdicional, cit., Revista de Direito Processual Civil (Genesis), v. 24, p.

257. Ver, ainda, do mesmo autor, Tutela específica do direito à saúde. São Paulo: RT, 2003. 968

Ou, na melhor das hipóteses, que ele tivesse que se conformar com o seu estado durante a longa

demora para a obtenção de indenização em dinheiro.

Page 367: Tutela Inibitória - Marinoni

367

que, para a efetiva tutela dos direitos, não é possível a cumulação do ressarcimento na

forma específica com o ressarcimento em dinheiro.

<texto>Há suposição de que o dano não-patrimonial não pode ser materializado, e

que assim somente pode ser compensado em dinheiro. Pensa-se, nesse sentido, na

chamada “dor moral”. Trata-se de engano, uma vez que a natureza do dano não pode

ser confundida com a forma de sua reparação. Há danos não-patrimoniais que, em

razão de sua natureza, podem ser reparados na forma específica, enquanto que outros

somente podem ser compensados em dinheiro. 969 O dano não-patrimonial pode abrir

ensejo ao ressarcimento na forma específica cumulado com o ressarcimento em dinheiro

ou, quando a primeira forma de reparação for impossível, apenas ao pagamento de

dinheiro.

<texto>É importante frisar que ressarcimento na forma específica não significa

mero restabelecimento da situação anterior à do ilícito, mas sim o estabelecimento da

situação que deveria existir caso o dano não houvesse ocorrido. 970 Há casos em que é

impossível o estabelecimento de uma situação equivalente àquela que existiria caso o

dano não tivesse ocorrido, mas é viável o estabelecimento da situação anterior à do

dano, ou de uma situação que satisfaz, em parte, à necessidade de sua reparação.

<texto>Assim, por exemplo, se somente é possível, no caso da poluição de um rio, o

estabelecimento de uma situação parcialmente equivalente àquela que existia antes da

poluição, apenas parcela do dano será ressarcida por meio da tutela ressarcitória na

forma específica. A outra parcela do dano, que não poderá ficar sem sanção, terá que

ser ressarcida por meio do pagamento de dinheiro. No caso de corte de árvores, a

determinação do plantio de pequenas árvores, evidentemente não equivalentes àquelas

que existiriam caso o corte não houvesse ocorrido, configura apenas ressarcimento

parcial do dano, sendo necessário, também nesse caso, para que o dano seja

969

A doutrina alemã entende que o ressarcimento na forma específica se aplica aos danos de natureza

patrimonial e não-patrimonial. Como afirma Othmar Jauernig, “im Rahmen der Naturalrestitution besteht

keine Trennung zwischen Vermögensschaden und Nichtvermögenssachaden (vgl Anm II vor § 249), §

253 gilt nur für den Geldersatz. Bsp: Widerruf einer beleidigenden Behauptung (BGB 37, 187); Abdruck

einer Gegendarstellung bei einer Ehrverletzung (Köln NJW 62, 1348); Entfernung eines unrichtigen

Zeugnisses aus der Personalakte (BAG NJW 72, 2016); Herausgabe von Abschriften eines widerrechtlich

kopierten Briefes (RG 94, 4)” (Othmar Jauernig, Bürgerliches Gesetzbuch mit Gesetz zur Regelung des

Rechts der Allgemeinen Geschäftsbedingungen, München, CH, Beck’ische Verlagsbuchhandlung, 1994,

p. 225). 970

Como deixa claro Helmut Rübmann, o § 249 do CC alemão fala em obrigação de estabelecer a

situação que existiria caso o dano não houvesse ocorrido. “§ 249 Satz 1 gibt dem Gläubiger einen

Anspruch auf Herstellung in Natur” (Helmut Rübmann, Kommentar zum Bürgerlichen Gesetzbuch.

Darmstadt, Luchtenhand, 1980, p. 185).

Page 368: Tutela Inibitória - Marinoni

368

adequadamente sancionado, a cumulação da tutela ressarcitória na forma específica

com a tutela ressarcitória pelo equivalente monetário. 971

<texto>Lembre-se que, na doutrina italiana, a publicação da sentença é pensada

como forma de ressarcimento na forma específica, quando ela pode contribuir para

reparar o dano. De fato, segundo o art. 120, primeira parte, do CPC italiano, “nei casi in

cui la pubblicità della decisione di merito può contribuire a riparare il danno, il giudice,

su istanza di parte, può ordinarla a cura e spese del soccombente, mediante inserzione

per estratto in uno o più giornali da lui designati”. 972

<texto>Eduardo Talamini afirma “que o ressarcimento na forma específica não se

confunde com a restituição. A sanção restituitória busca estabelecer a própria situação

que se teria se não houvesse a violação. Sob esse aspecto, ataca a própria transgressão.

Já o ressarcimento na forma específica dirige-se contra os danos advindos da

transgressão”. 973 Porém, é o ressarcimento que, para ser integral, deve propiciar a

situação que existiria caso o dano não houvesse ocorrido. O ilícito, por configurar

somente transgressão, é tutelado apenas mediante a sua remoção, não sendo de se

pensar, aí, em estabelecer a situação “que se teria se não houvesse a violação”, mas

apenas no restabelecimento da situação anterior à da transgressão. Explica-se: é que, se

a transgressão não gerou dano, basta o restabelecimento da situação anterior, não sendo

necessário o estabelecimento da situação que existiria caso a violação não houvesse

ocorrido. Ou seja, é o dano, e não a simples transgressão ou violação, que pode exigir

mais do que o simples restabelecimento da situação anterior. É por essa razão que o

dano pode ser ressarcido mediante a cumulação da tutela ressarcitória na forma

específica com a tutela ressarcitória em dinheiro. Falar que a “sanção restituitória”

“busca estabelecer a própria situação que se teria se não houvesse a violação” é

confundir “sanção restituitória” com “sanção ressarcitória”. Ora, como já foi dito, esta é

971

Ver Peter Erman, Handkommentar zum Bürgerlichen Gesetzbuch. Münster: Aschendorf, 1993, v.1, p.

22. 972

“Piuttosto, escluso che ricorra qui un’ipotesi di risarcimento pecuniario – le spese sono addossate al

soccombente per il mero fine della pubblicazione – sembra doveroso ammettere che si tratti di un caso di

risarcimento in forma specifica e riconoscere così fin d’ora che la reintegrazione del danno possa

conseguirsi in forme un po’diverse da quella, a cui si è soliti pensare, in tema di ricostituzione dello stato

di fatto” (Renato Scognamiglio, Il risarcimento del danno in forma specifica. Rivista Trimestrale di

Diritto e Procedura Civile, 1957, p. 217-218). Não é diferente o entendimento de Salvi: “Talvolta il

contenuto della prestazione riparatoria è predefinito dalla legge: così accade, secondo la spiegazione

preferibile, per la pubblicazione della sentenza di condanna, che l’art. 120 C.P.C. prevede come mezzo di

riparazione del danno patrimoniale (e l’art. 186 C.P. anche di quello non patrimoniale). È, questa, una

modalità certo indiretta, ma in talune ipotesi adatta al fine di eliminare almeno in parte le conseguenze

dannose ...” (Cesare Salvi, Il risarcimento del danno in forma specifica, cit., p. 583). 973

Eduardo Talamini, Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer, cit., p. 183.

Page 369: Tutela Inibitória - Marinoni

369

a função do ressarcimento. Pior ainda é não atentar para o fato de que somente o

ressarcimento, e não a remoção do ilícito, exige o dano e o elemento subjetivo. Eduardo

Talamini supõe que a “sanção ressarcitória” em dinheiro atua quando a “sanção

restituitória é inviável ou opera parcialmente”. 974 Contudo, o ressarcimento em

dinheiro pode ser postulado quando o ressarcimento na forma específica for

impossível, nada tendo a ver com a remoção de ilícito. É importante esclarecer, aliás,

que para a obtenção de ressarcimento em dinheiro é necessário provar o dano e o

elemento subjetivo, ao passo que, para o restabelecimento da situação anterior à

violação, estes elementos evidentemente não precisam ser demonstrados. Como é óbvio,

tais elementos somente precisam estar presentes em caso de ressarcimento, e não de

restituição.

<texto>Além disso, há casos em que o próprio ilícito pode ocasionar dano somente

em parte reversível, quando também seria necessário o ressarcimento na forma

específica cumulado com o ressarcimento em dinheiro. O Tribunal de Justiça do Rio

Grande Sul, analisando ação civil pública, já teve oportunidade de tratar de hipótese em

que somente parte do dano ao meio ambiente era reversível, chegando acertadamente à

conclusão de que o dano deveria ser indenizado por meio de ressarcimento em dinheiro

cumulado com ressarcimento na forma específica. Eis a ementa do julgado: “Apelação

cível. Reexame necessário. Ação civil pública. Dano ambiental. Sítio arqueológico.

Retirada de areia. Demonstrados nos autos os danos causados em decorrência do

proceder da demandada e da falta de fiscalização do município, impunha-se a

procedência da ação. A perícia atesta danos irreversíveis, de modo que é cabível a

restauração do que for possível mais a indenização dos danos. Apelação improvida.

Sentença confirmada em reexame”. 975

<texto>A impossibilidade do ressarcimento integral na forma específica não exclui

a possibilidade de cumulação de ressarcimento na forma específica com ressarcimento

pelo equivalente. Ao contrário, para que o direito seja efetiva e adequadamente

reparado, muitas vezes esses ressarcimentos terão que ser postulados na forma

cumulada.

<texto>Esclareça-se, por fim, que o ressarcimento na forma específica é

fundamental diante de danos a direitos difusos. Nessas situações, como, por exemplo, o

974

Idem, ibidem. 975

TJRS, 1.ª C.C., Ap. Cível 70000687921, rel. Des. Adão Cassiano, julg. em 20.06.2001.

Page 370: Tutela Inibitória - Marinoni

370

da poluição de uma baía, o Estado certamente não tem condições econômicas para arcar

com os custos da reparação, para mais tarde cobrá-los do poluidor. Se isso ocorresse,

aliás, os eventuais poluidores, diante da transferência imediata do custo do dano ao

Estado, certamente receberiam um incentivo para não tomarem precaução em relação às

suas atividades. Teria ainda menor sentido submeter a reparação do meio ambiente a

cinco ou seis anos de processo, tempo que seria necessário para a obtenção de dinheiro

do poluidor através dos meios executivos tradicionais.

<texto>Demonstrado que o ressarcimento na forma específica é viável no direito

brasileiro, cabe sublinhar que a identificação dessa tutela com a reintegratória é fruto da

velha teoria unitária do ilícito civil. A confusão entre a tutela contra o dano e as outras

formas de tutela revela total ignorância em relação à mais significativa conquista das

modernas teorias da tutela civil dos direitos, consistente no reconhecimento do estreito

nexo existente entre os pressupostos, as funções e os efeitos das várias formas de

proteção dos interesses. 976

<texto>Porém, as dificuldades crescem ainda mais quando se pensa na tutela das

obrigações contratuais. Essa questão, embora fundamental dentro do discurso sobre a

tutela dos direitos, algumas vezes não é considerada – talvez por sua complexidade –

pela doutrina. 977

<texto>O problema é saber se a tutela da própria obrigação contratual inadimplida

pode ser vista como tutela ressarcitória ou como tutela reintegratória. Quem se volta ao

clássico trabalho de Scognamiglio encontra, de fato, a afirmação de que “a particolari

difficoltà da luogo la raffigurazione del risarcimento in forma specifica nel campo delle

obbligazioni: con riguardo soprattuto alla fase della esecuzione forzata in forma

specifica dal vincolo obbligatorio”. 978

<texto>Na verdade, a tutela da obrigação contratual liga-se apenas à necessidade do

adimplemento, pois tem por fim satisfazer o direito de crédito, nada tendo a ver com o

dano e, portanto, com a responsabilidade contratual ocasionada pela ausência da

prestação. É esta, ao que parece, a posição de Scognamiglio: “Também aqui o problema

não reveste mero interesse teórico: subsiste em qualquer caso uma diferença

976

Cesare Salvi, Il risarcimento del danno in forma specifica, cit., p. 590. 977

Cristina Rapisarda, por exemplo, deixa de enfrentar esta questão (ver Profili della tutela civile

inibitoria, cit., p. 233). 978

Renato Scognamiglio, Il risarcimento del danno in forma specifica. Rivista Trimestrale di Diritto e

Procedura Civile, 1957, p. 224.

Page 371: Tutela Inibitória - Marinoni

371

fundamental entre o fundamento da realização, eventualmente forçada, da obrigação, e o

outro da responsabilidade (e do ressarcimento) pelo inadimplemento”. 979

<texto>Com efeito, a não-entrega da prestação devida não se confunde com o dano

que pode ser provocado pelo inadimplemento. O fundamento da exigência do

adimplemento nada tem a ver com o fundamento da responsabilidade contratual

derivada do inadimplemento. 980

<texto>O tratamento dessa questão, no direito brasileiro, não pode deixar de

considerar as classificações doutrinárias das variantes do inadimplemento, e assim a que

leva em consideração o efeito principal do não-cumprimento, distinguindo entre o não-

cumprimento definitivo, a mora ou simples retardamento no cumprimento e o

cumprimento defeituoso da obrigação. 981

<texto>Quando a prestação não é mais possível, há inadimplemento definitivo. Ou

seja, quando a prestação não pode mais ser exigida in natura, somente cabe a tutela pelo

equivalente. No caso de cumprimento defeituoso da obrigação, isto é, na hipótese em

que há deficiência da prestação ou falta de observância de um dos deveres acessórios de

conduta, há evidentemente responsabilidade, e deste modo pode ser exigido o

cumprimento da obrigação na “forma perfeita”. 982

<texto>Em determinados casos, independentemente do não-cumprimento, a

prestação ainda pode ser realizada e é do interesse do credor. Entra aí o art. 394 do novo

CC, que dispõe que se considera em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o

credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção

estabelecer.

<texto>Segundo o art. 396, não havendo fato ou omissão imputável ao devedor, não 979

Renato Scognamiglio, Il risarcimento del danno in forma specifica, Rivista Trimestrale di Diritto e

Procedura Civile, 1957, p. 226. Tradução livre. Emilio Betti, em outro trabalho clássico, já havia alertado

para esta questão: “Anzitutto è discutibile l’esattezza della delimitazione concettuale, che porterebbe a

riconoscere rigorosa e propria la qualifica, certamente impropria e approssimativa, di ‘risarcimento in

forma specifica’: dove in realtà si tratta di una reintegrazione, la cui affinità con altre forme di esecuzione

o di reintegra (riparazione) non pare seriamente contestabile” (Emilio Betti, Sul cosiddetto risarcimento

del danno in forma specifica in materia contrattuale, Giurisprudenza italiana, 1948, p. 262). 980

Renato Scognamiglio, Il risarcimento del danno in forma specifica, Rivista Trimestrale di Diritto e

Procedura Civile, 1957, p. 226. 981

Antunes Varela, Direito das obrigações. Rio de Janeiro : Forense, 1978, v. 2, p. 51. 982

Como explica Antunes Varela, “Durante muito tempo se partiu da idéia de que o cumprimento

defeituoso da obrigação não constituía uma espécie autônoma na área do não-cumprimento. Se o defeito

da prestação não afetava, em termos essenciais, o interesse do credor, o fato era irrelevante para o Direito.

Se o defeito da prestação prejudicava decisivamente o interesse do credor, este poderia defender-se,

através da tutela dos vícios redibitórios ou do erro sobre as qualidades do objeto, ou poderia mesmo

recusar o cumprimento” (Antunes Varela, Direito das obrigações, v. 2, p. 62). Ver os arts. 18, 19 e 20 do

CDC brasileiro.

Page 372: Tutela Inibitória - Marinoni

372

incorre este em mora. A mora é definida como o injusto retardamento no cumprimento

da obrigação; em sua conceituação entra o elemento subjetivo. Afirma-se, assim, que há

mora, em relação ao devedor, quando a prestação não é cumprida por sua culpa.

<texto>Deixe-se claro, porém, que a mora somente importa para a definição da

responsabilidade relativa ao dano ocasionado pelo inadimplemento. Somente a mora, e

não o simples retardamento, faz com que o devedor tenha que responder por perdas e

danos. Havendo mora, diz o art. 395, responde o devedor pelos prejuízos a que ela der

causa. O devedor em mora tem não só que realizar a prestação, mas também que

indenizar os eventuais prejuízos sofridos pelo devedor. Há nítida diferença entre a tutela

específica do adimplemento e a tutela contra o dano que pode ser ocasionado em razão

do inadimplemento.

<texto>Antunes Varela, no seu excelente Direito das obrigações, afirma que nas

obrigações positivas, quando haja mora, o interesse do credor está apenas por satisfazer,

ao contrário do que acontece diante das obrigações negativas. Segundo Antunes Varela,

a eliminação dos atos praticados em contrariedade à obrigação negativa assumida pelo

credor não têm “o sentido de uma execução coativa da prestação devida, mas de uma

reparação do dano causado ao credor”. 983

<texto>Porém, não há razão para tal distinção. É certo que no caso em que o próprio

ato é removido, restabelecendo-se a situação anterior, realiza-se a obrigação derivada do

inadimplemento. Entretanto, na hipótese referida por Antunes Varela, tratando-se de

obrigação negativa de natureza continuada ou, mais precisamente, de violação de

obrigação de não-fazer que se concretiza em ato de eficácia continuada, a tutela da

obrigação derivada do inadimplemento da obrigação de não-fazer (obrigação de destruir

a obra), da mesma forma que a tutela da obrigação positiva originária, não se confunde

com a tutela contra o dano, que pode ser ocasionado pelo descumprimento da

obrigação positiva ou da obrigação negativa. Ora, se “A” obrigou-se a não construir

em determinado local, há nítida diferença entre a tutela que determina a destruição da

obra e a tutela contra o dano que pode ter sido provocado por sua construção.

<texto>Nessa perspectiva, não há como não estabelecer diferença entre a tutela da

obrigação contratual inadimplida e a tutela ressarcitória do dano eventualmente

provocado pelo inadimplemento. Na verdade, o equívoco da doutrina, em pensar que,

no caso de obrigação negativa, a imposição do desfazer constitui tutela ressarcitória,

983

Idem, ibidem, p. 110.

Page 373: Tutela Inibitória - Marinoni

373

decorre da ausência de percepção de que, também no caso de inadimplemento de

obrigação de não fazer, o não-cumprimento apenas eventualmente pode gerar dano, e

somente nesse caso terá cabimento a tutela ressarcitória, que obviamente não exclui a

tutela de fazer (desfazer) derivada da obrigação originária de não fazer. Ora, o dano é

eventual não apenas diante de inadimplemento de obrigação de fazer, mas também no

caso de descumprimento de obrigação de não-fazer.

<texto>Imaginávamos que o Código Civil de 2002 iria delimitar o campo de

incidência da mora, deixando claro que ela somente importa quando se pergunta sobre o

dano proveniente do inadimplemento. Se o Código Civil afirma que há mora quando “o

devedor não efetuar o pagamento”, e que a mora depende de fato ou omissão imputável

ao devedor, é de perguntar o que existe quando há simples inadimplemento. Note-se

que, na linha do disposto no Código Civil, seria possível entender que a tutela específica

da obrigação inadimplida somente é cabível no caso de inadimplemento culposo.

Porém, quando a prestação ainda pode ser cumprida, não há razão para se vincular a

possibilidade de exigir o cumprimento específico à culpa.

<texto>Perceba-se que a diferença entre inadimplemento e mora não tem relação

com a possibilidade do cumprimento da obrigação. Inadimplir é descumprir. Se o prazo

para o cumprimento não foi observado, e a obrigação ainda pode ser adimplida, há

evidente inadimplemento (ou descumprimento). A mora é o inadimplemento

qualificado pela culpa. Portanto, embora a obrigação ainda possa ser adimplida, pode

haver inadimplemento e inadimplemento culposo (ou mora). Dizer que o simples

inadimplemento (não culposo) não importa quando há descumprimento “temporário” é

o mesmo que afirmar que, neste caso, a obrigação – ainda que o seu cumprimento seja

possível e desejável – não pode ser adimplida. Ora, o fundamento do direito à prestação

não tem nada a ver com o dano e, portanto, com a culpa. A culpa somente tem

relevância quando se investiga a responsabilidade pelo dano. Ou seja, a mora (ou o

retardamento culposo) somente importa quando se pensa na responsabilidade pelo

eventual dano causado pelo inadimplemento.

<texto>O inadimplemento também ocorre diante de cumprimento imperfeito. Neste

caso, quando se busca, através de tutela específica, a substituição das partes viciadas do

bem, a complementação do peso ou da medida, a substituição do produto ou a

reexecução do serviço (arts. 18, 19 e 20 do CDC), postula-se o adimplemento da

obrigação. Esta tutela não se funda na responsabilidade pelo dano, mas sim na garantia

Page 374: Tutela Inibitória - Marinoni

374

de qualidade ínsita à própria obrigação. O devedor que cumpre de modo imperfeito

viola a sua obrigação de prestar, e assim abre ensejo a uma tutela voltada ao

adimplemento na forma específica – seja mediante a substituição das partes viciadas do

bem, a complementação do peso ou da medida, a substituição do produto ou a

reexecução do serviço (arts. 18, 19 e 20 do CDC). Esta tutela, assim como a tutela

baseada no descumprimento do prazo para a prestação, nada tem a ver com o dano e

com a culpa.

<texto>A doutrina italiana tem sentido grande dificuldade para classificar a tutela

voltada ao adimplemento na forma específica. Adolfo di Majo, por exemplo, ao referir-

se ao “adimplemento coattivo di obbligazioni derivanti dal contratto”, fala, confessando

que é por comodidade de linguagem, em “tutela satisfattiva”. 984 Entretanto, se o que

importa é estabelecer as diferenças da repercussão do processo diante das distintas

necessidades do direito material, é importante perceber que a tutela ora em questão tem

por fim satisfazer o direito à prestação garantida pela obrigação.

<texto>Por outro lado, as obrigações podem ser violadas por atos de eficácia

continuada ou atos de eficácia instantânea. Nessa última hipótese, aliás, não é

impossível pensar em obrigações que podem ser violadas por atos suscetíveis de

repetição no tempo. Imagine-se, por exemplo, que certa empresa ficou obrigada a

inserir, em sua publicidade, determinada informação ao público consumidor. Se, nas

primeiras publicidades televisivas dessa empresa, tal obrigação simplesmente foi

“esquecida”, parece inegável que a empresa interessada na correta informação do

consumidor possui interesse em impedir que novos inadimplementos ocorram. Excluir

esta possibilidade de tutela é o mesmo que transformar o direito garantido por meio do

contrato em direito a indenização em dinheiro que dificilmente poderá ser precisado e

avaliado. Tal tutela pode ser dita “tutela inibitória do inadimplemento”.

<texto>Deixando essa questão de lado, é correto dizer que a obtenção de coisa pode

atender a situações de direito substancial com conteúdos diferentes, ou seja, a diversas

necessidades do direito material. É evidente que a entrega de coisa pode satisfazer uma

simples obrigação contratual, quando a tutela será específica da obrigação contratual

inadimplida. Porém, a entrega de coisa também pode ser exigida com base em outro

fundamento, como o direito de propriedade.

<texto>Isso significa que o art. 461-A, recentemente introduzido no CPC, ao

984

Adolfo di Majo, Tutela civile dei diritti, cit., p. 252.

Page 375: Tutela Inibitória - Marinoni

375

estabelecer novas técnicas processuais, passou a viabilizar, além da entrega de coisa

baseada em obrigação ou em direito não obrigacional, a tutela ressarcitória na forma

específica (entrega de coisa igual à que foi destruída).

<texto> Perceba-se que as novas técnicas postas nesse artigo poderão ser invocadas

por aquele que desejar reivindicação, imissão na posse, ou mesmo reintegração de

posse, no caso em que o esbulho tiver sido praticado há mais de ano e dia, e assim não

for aplicável o procedimento especial de reintegração de posse.985

<texto>Não há como não distinguir essas tutelas quando o objetivo é dar conta das

diversas necessidades do direito material e das diferentes repercussões do processo. Ora,

se é necessário atentar para as necessidades do direito material, também não há como

deixar de perceber as diferentes maneiras mediante as quais o processo, em razão delas,

repercute sobre o plano do direito material.

<texto>Não é possível, aqui, maior aprofundamento da questão da “tutela dos

direitos”, não só porque a presente obra objetiva, neste momento, apenas encontrar um

lugar adequado, dentro de um esboço de classificação das tutelas, à tutela inibitória, mas

também porque essa questão é – como reconhecem os próprios civilistas italianos – uma

das mais intrincadas da nova dogmática jurídica e, dessa forma, exige mais tempo e

espaço (talvez um outro trabalho) 986 para que seu tratamento possa ser mais

aprofundado. Portanto, é o caso de se passar, finalmente, à análise da tutela inibitória e

de seu enquadramento na classificação que está sendo elaborada.

<texto>Como se viu, se a tutela de inibição do ilícito tem alguma semelhança com a

tutela reintegratória, é bastante diferente das tutelas ressarcitória e do adimplemento.

985

Ver de forma ampla, sobre as tutelas relacionadas à coisa, Luiz Guilherme Marinoni, Técnica

processual e tutela dos direitos, São Paulo: Ed. RT, 2004, p. 475/603. 986

Considerando o grande número de excelentes alunos que vêm despontando nos Cursos de Mestrado e

Doutorado da UFPR, esperamos que algum deles se disponha a dar continuidade ao presente trabalho, até

porque as idéias não se cristalizam em determinado momento, mas continuam sempre a ser construídas

através do esforço de várias pessoas e de diversas gerações. Ver, já nesse sentido, Sérgio Cruz Arenhart,

A tutela inibitória da vida privada, São Paulo: RT, 2000; Sérgio Cruz Arenhart, A tutela inibitória

coletiva, São Paulo: RT, 2003; Clayton Maranhão, Tutela jurisdicional específica do direito à saúde nas

relações de consumo: um capítulo do direito processual do consumidor, Revista de Direito Processual

Civil, v. 24; Clayton Maranhão, Tutela específica do direito à saúde. São Paulo: RT, 2003; Paulo Ricardo

Pozzolo, Ação inibitória no processo do trabalho, São Paulo: LTr, 2001; Luciane Gonçalves Tessler, A

possibilidade da majoração da multa coercitiva para a prestação da tutela inibitória, Revista de Direito

Processual Civil, v. 21; Roberto Benghi Del Claro, A tutela inibitória na proteção do meio ambiente,

Revista de Direito Processual Civil, v. 19; Cleide Kazmierski, A ineficiência do art. 287 do CPC para a

proteção do direito à exclusividade no uso da marca, Revista de Direito Processual Civil, v. 20; Luiz

Fernando Pereira, Tutela inibitória na proteção de marca comercial, Revista de Direito Processual Civil,

v. 20, Rafaela Almeida do Amaral, Tutela inibitória e concorrência desleal, Revista de Direito Processual

Civil, v. 21.

Page 376: Tutela Inibitória - Marinoni

376

Rapisarda, sem sequer aludir ao problema da tutela da obrigação contratual inadimplida,

e sem falar, portanto, na categoria da “tutela do adimplemento”, classifica a inibitória

como tutela reintegratória. A processualista, embora realize, em um primeiro momento,

adequada distinção entre a tutela ressarcitória e a tutela reintegratória, peca por não

distinguir a tutela reintegratória da tutela inibitória. 987

<texto>Com efeito, não há razão para confundir a inibitória com a tutela de remoção

do ilícito (reintegratória). Entretanto, para que ninguém suponha que a tutela inibitória

é repressiva, ainda que em relação ao ilícito, é imprescindível diferençar, neste

momento, a prática continuada de um agir ilícito e a simples propagação dos efeitos do

ilícito já praticado. Existe nítida diferença entre os efeitos continuados decorrentes de

um ilícito e a prática continuada de uma ação ou omissão ilícita. Quando o ilícito se

perpetua no tempo em decorrência de uma ação que já ocorreu, mas cujos efeitos ainda

se propagam no tempo, não há mais como impedir a prática da ação ilícita, sendo

apenas possível impedir o prosseguimento de seus efeitos. Melhor explicando:

exatamente porque somente a ação (ou omissão) continuada pode ser inibida, e não a

ação cujos efeitos se perpetuam no tempo, há diferença entre impedir a continuação do

agir ilícito e remover o ilícito cujos efeitos estão repercutindo no tempo.

<texto>É por esse motivo que a necessidade de apreensão de produto nocivo

exposto à venda ou de demolição de obra realizada em desacordo com as regras legais

podem ser obtidas através de tutela de remoção do ilícito. Mas, quando é preciso

impedir o prosseguimento de uma ação ilícita (por exemplo, poluição ambiental), a

tutela a ser utilizada é a inibitória. A inibitória objetiva impedir a continuação do agir

ilícito, ao passo que a tutela de remoção do ilícito tem por fim remover o ato cujos

efeitos prosseguem no tempo. Note-se que, nesse último caso, a tutela não ataca a

continuação de uma ação ilícita, mas a continuação dos efeitos de uma ação que já foi

praticada.

<texto>Porém, o que precisa ficar claro é que a tutela de remoção do ilícito, embora

voltada contra uma ação ilícita já praticada, tem função repressiva somente quanto ao

ilícito, e não diante dos danos que podem dele decorrer.

<texto>Entretanto, nada impede que se identifique na inibitória voltada contra o

chamado ilícito continuado uma dificuldade teórica, própria daquelas situações de “zona

de penumbra”, onde a tutela inibitória contra o ilícito continuado e a tutela de remoção

987

Cristina Rapisarda, Profile dela tutela civile inibitoria, cit.

Page 377: Tutela Inibitória - Marinoni

377

do ilícito parecem encontrar lugar. Ora, se as próprias regras jurídicas têm uma zona de

incerteza, 988 não há porque não reconhecer que em alguns casos os conceitos jurídicos

deixam de ter nitidez para assumir uma feição nebulosa, como se estivessem envoltos

em nuvem de fumaça. Como diz Genaro Carrió, “los juristas (no todos) se dan cuenta

(no siempre) de estas cosas. Cuando no los obsesiona el afán de alcanzar una

inalcanzable seguridad, o el deseo de presentar, con fines didácticos, un cuadro de

perfiles nítidos, libre de zonas grises, reconocen que ‘las categorías jurídicas no

presuponen identidad con las categorías y conceptos de otras ciencias, sino que se

inspiran más bien en los conceptos vulgares’ (Rotondi, Istituzioni di diritto privato, p.

412), y admiten que por fuerza ‘tenemos que tropezar con la imprecisión o relatividad

de los conceptos jurídicos’, pues ‘existen numerosas zonas de transición, en las que el

jurista debe estar alerta para no caer en una peligrosa geometría jurídica”. 989

<texto>Lembre-se, contudo, de que há genuína prevenção no caso de tutela

inibitória dirigida a prevenir tout court o ilícito, uma vez que aí ainda não houve

qualquer lesão a direito. Assim, e porque a tutela inibitória, mesmo quando objetiva

apenas impedir a continuação de um ilícito, não pode ser confundida com a tutela de

remoção de ilícito (reintegratória), não há como não definir a tutela inibitória à margem

da tutela de remoção do ilícito.

<texto>Há, dessa forma: i) tutela ressarcitória (aí incluída a tutela ressarcitória na

forma específica – arts. 461, 461-A, CPC, e 84, CDC); ii) tutela reintegratória (de

remoção do ilícito, arts. 461, CPC, e 84, CDC); iii) tutela de obtenção e de restituição de

coisa (art. 461-A, CPC); iv) tutela específica do adimplemento da obrigação contratual

de fazer e de entregar coisa (inclusive no caso de cumprimento imperfeito – arts. 461,

461-A, CPC, e 84, CDC); v) tutela específica do dever legal de fazer (arts. 461, CPC, e

84, CDC); e vi) tutela inibitória (aí inseridas a tutela inibitória que tem por escopo

prevenir tout court a prática de um ilícito, as tutelas inibitórias destinadas a impedir a

repetição ou continuação do ilícito, e as tutelas inibitórias relacionadas ao

inadimplemento – arts. 461, CPC, e 84, CDC).

988

“Yet all rules have a penumbra of uncertainty where the judge must choose between alternatives. Even

the meaning of the innocent-seeming provision of the Wills Act that the testator must sign the will may

prove doubtful in certain circumstances. What if the testator used a pseudonym? Or if his hand was

guided by another? Or if he wrote his initials only? Or if he put his full, correct, name unaided, but at the

top of the first page instead of at the bottom of the last? Would all these cases be ‘signing’ within the

meaning of the legal rule?” (Herbert L. A. Hart, The concept of law. Oxford : Clarendon Press, 1993, p.

12). 989

Genaro R. Carrió, Notas sobre derecho y lenguaje, cit., p. 54-55.

Page 378: Tutela Inibitória - Marinoni

378

<texto>É correto afirmar que essa classificação atende em cheio à lógica da

efetividade, embora não seja sua preocupação a completude. Lembre-se que a

classificação trinária das sentenças, dentro de sua própria lógica, não dá lugar a estas

tutelas, deixando fora da efetiva proteção jurisdicional exatamente os direitos mais

importantes do homem, isto é, os direitos da personalidade e os denominados “novos

direitos”.

<texto>A classificação ora proposta, justamente porque gira em torno do eixo da

efetividade, destrói a idéia, própria à classificação clássica das sentenças, de que o

processo tem escopo repressivo e patrimonial. A tutela inibitória, que não está amparada

na classificação trinária das sentenças, aparece como a grande novidade de uma

classificação que sabe que a tutela preventiva tornou-se tão importante – ou mais

importante – do que a tutela repressiva.

<texto>Além disso, a presente classificação, ao contrário das classificações das

sentenças, realmente espelha os resultados do processo no plano do direito material.

Tem ela a capacidade de separar as diversas tutelas que se dirigem contra o ilícito e o

dano, o que é fundamental quando se pensa na relação do processo com o direito

material. Essa classificação, assim, é uma tentativa990 de resposta à exigência de

relativização do binômio direito/processo.

<texto>Resta esclarecer que a classificação das tutelas obviamente não pretende

eliminar a classificação das sentenças. E nem poderia, uma vez que as sentenças são

técnicas que se destinam à prestação das tutelas. É por isso que uma mesma tutela

(ressarcitória) pode ser prestada por duas sentenças distintas (pense-se, por exemplo, na

tutela ressarcitória, que pode ser prestada em dinheiro por meio da condenação, e na

forma específica através da sentença mandamental).

<texto>Não é fácil propor outras formas de se compreender algo que vem sendo

pensado, sem muito questionamento, há muito tempo. Contudo, como disse Comoglio,

990

Como escreve Carrió, “buena parte de las controversias entre juristas consisten en problemas de

clasificación, abordados como si se tratara de cuestiones de hecho. No se advierte que no tiene sentido

refutar como ‘falsa’ una clasificación – o sus resultados – y postular en su reemplazo otra ‘verdadera’,

como si se tratara de dos modos excluyentes de reproducir con palabras ciertos parcelamientos y

subdivisiones que están en la ‘naturaleza de las cosas’. Las clasificaciones no son ni verdaderas ni falsas,

son serviciales o inútiles; sus ventajas o desventajas están supeditadas al interés que guía a quien las

formula, y a su fecundidad para presentar un campo de conocimiento de una manera más fácilmente

comprensibile o más rica en consecuencias prácticas deseables. Siempre hay múltiples maneras de

agrupar o clasificar un campo de relaciones o de fenómenos; el criterio para decidirse por una de ellas no

está dado sino por consideraciones de conveniencia científica, didáctica o práctica” (Genaro R. Carrió,

Notas sobre derecho y lenguaje, cit., p. 99).

Page 379: Tutela Inibitória - Marinoni

379

a perspectiva que toma em consideração o direito material para a classificação das

tutelas é “affascinante”, 991 o que compensa o árduo e difícil caminho que tivemos que

percorrer para chegar até aqui.

991

E justamente referindo-se ao trabalho de Adolfo di Majo (La tutela civile dei diritti, cit.), Luigi Paolo

Comoglio, Note riepilogative su azione e forme di tutela, nell’ottica della domanda giudiziale. Rivista di

Diritto Processuale, 1993, p. 489.

Page 380: Tutela Inibitória - Marinoni

380

<tit1>CONCLUSÃO

<texto>É chegado o momento de concluir. Pensamos que não é o caso de reprisar as

várias conclusões a que chegamos no curso do trabalho, mas sim de reafirmar, através

de uma tarefa de síntese, as suas principais propostas.

<texto>A partir de determinado momento, em vista principalmente das situações

jurídicas de conteúdo não patrimonial, sentiu-se não só a necessidade de uma ação

preventiva autônoma (processo de conhecimento), mas também que ela não poderia

sobreviver sem tutela antecipatória e apenas com as sentenças do modelo trinário.

<texto>O presente trabalho demonstrou a existência, no ordenamento jurídico

brasileiro, de uma ação idônea à prevenção do ilícito. Trata-se de ação que não tem

entre seus pressupostos o dano e que requer a probabilidade da prática, da repetição ou

da continuação do ilícito, do qual o dano é conseqüência meramente eventual. Tal ação,

que se volta para o futuro, contrapõe-se à idéia de que a tutela ressarcitória é a única

forma de tutela contra o ilícito.

<texto>A partir da constatação de que a ação cominatória – fundada no antigo art.

287 – e a ação cautelar inominada não se prestam para tutelar de maneira adequada os

direitos que estão a exigir tutela preventiva, deixamos claro que a ação inibitória é

garantida constitucionalmente (art. 5.º, XXXV, CF) e encontra fundamento, na

perspectiva dos instrumentos, nos arts. 461 do CPC e 84 do CDC, que são suficientes

para permitir a prestação da tutela inibitória nas formas individual e coletiva.

<texto>Demonstramos, em outras palavras, que o ordenamento jurídico brasileiro

consagra uma ação inibitória atípica, que pode ser positiva ou negativa, e que é capaz de

atender, v.g., aos direitos da personalidade (ação inibitória individual) e aos direitos que

necessitam de tutela na forma coletiva, como os direitos do consumidor e o direito à

higidez do meio ambiente (ação inibitória coletiva).

<texto>Para o delineamento do perfil da ação inibitória, tivemos que enfrentar uma

série de questões, como a da plasticidade da tutela inibitória e dos limites para a

imposição do fazer e do não-fazer, a da diferença entre a tutela inibitória e a tutela de

remoção do ilícito, a da fungibilidade da tutela inibitória, a da tutela inibitória

antecipada, a da execução da tutela inibitória etc. A análise dessas várias questões

pareceu-nos imprescindível para que a ação inibitória pudesse ser integralmente

Page 381: Tutela Inibitória - Marinoni

381

compreendida em sua estrutura e função.

<texto>Se o sistema de tutela dos direitos assentou-se sobre o procedimento

ordinário clássico e as sentenças da classificação trinária, a tutela inibitória, por exigir

tutela antecipatória e sentenças que não estão presentes nesta classificação, apresenta-se

como tutela alternativa às tradicionais.

<texto>A sentença declaratória, como é óbvio, não tem condições de viabilizar uma

adequada tutela preventiva. Já a sentença condenatória, em sua própria definição,

formulada pela doutrina italiana e completamente assimilada pelos processualistas

brasileiros, pressupõe a correlação da condenação com a execução por sub-rogação,

tendo natureza nitidamente repressiva. Tal correlação, como se viu, esconde atrás de si

uma série de motivações culturais, que não podem ser desconsideradas quando se deseja

realmente entender a essência da sentença de condenação.

<texto>Não seria possível deixar de lado, contudo, principalmente em razão do fato

de a sentença condenatória ter sido moldada na Itália, a polêmica existente na doutrina

italiana acerca da natureza da sentença que se liga à multa. Em face das novas

necessidades de tutela, isto é, em vista da não-patrimonialidade da grande maioria dos

denominados “novos direitos” e das novas características da economia contemporânea,

que deixou de lado a troca de coisas para passar a funcionar essencialmente em torno da

prestação de fatos, tornou-se necessária uma espécie de sentença que não apenas

condenasse, mas que pudesse incidir sobre a vontade do réu, de modo a garantir a

efetiva tutela dos direitos.

<texto>A sentença que se liga à multa, que aparece como resposta às novas

exigências de tutela, passa a demandar nova classificação das sentenças, ou, no mínimo,

uma reconceituação de condenação. Entretanto, como não é possível enquadrar em uma

categoria algo que a ela não diz respeito, segundo a própria doutrina que concebeu a

classificação em que a categoria se encarta, restou imperiosa uma nova classificação das

sentenças.

<texto>A sentença que se liga à multa, assim, foi por nós classificada como

mandamental, compreendida a sentença mandamental como aquela que ordena e, ao

mesmo tempo, usa a força da coerção. Também está presente neste trabalho, de fato, a

preocupação de encontrar um lugar adequado à sentença que ordena sob pena de multa

dentro das classificações das sentenças já conhecidas e, apenas por tal razão, apresenta-

se um novo conceito de mandamentalidade, culminando-se por reconstruir uma

Page 382: Tutela Inibitória - Marinoni

382

classificação que divide as sentenças em declaratória, constitutiva, condenatória,

mandamental e executiva. Frise-se que, em relação a esta última espécie de sentença,

também restou claro o seu lugar não só em face das necessidades do direito material,

como também diante das recentes normas processuais (exemplo: art. 461, CPC).

<texto>É essa nova classificação que permite ser eliminado o equívoco consistente

na confusão da tutela preventiva com a condenação para o futuro ou o erro de se supor

que a condenação para o futuro é capaz de efetivamente exercer função preventiva.

<texto>Como a classificação trinária das sentenças é marcada pelos princípios que

presidiram a formação da escola sistemática e como a classificação quinária ora

proposta não está plenamente ligada ao direito substancial, procuramos formular – a

partir da idéia de que a ação deve permitir a efetiva tutela prometida pelo direito

material e seguindo uma bela e árdua discussão que vem sendo travada principalmente

pelos civilistas italianos992 – um esboço de uma classificação das tutelas que pudesse

expressar os resultados do processo no plano do direito material.

<texto>O raciocínio em torno da tutela inibitória, exatamente porque deriva da

exigência de se dar tutela efetiva ao direito material, não tem qualquer relação com os

critérios que presidiram a classificação trinária, centrada sobre o conceito de ação

abstrata. O estudo da tutela inibitória, em outras palavras, constitui momento oportuno

para se refundar a temática da “tutela jurisdicional dos direitos” ou precisamente para se

propor uma classificação das tutelas que corresponda às diferenças entre as várias

necessidades do direito material. Sublinhe-se, assim, que não só foi formulada nova

classificação das sentenças (sentença mandamental etc.), mas também foi construída

verdadeira classificação das tutelas (tutela inibitória etc.).

<texto>Por outro lado, a compreensão da tutela jurisdicional a partir de sua efetiva

interligação com o direito material permite que as tutelas de cognição sumária sejam

classificadas com base em critérios que rompem com a visão formalista, fundada em

uma concepção panprocessualista, que levou a doutrina a definir a tutela cautelar

tomando em consideração a sua “provisoriedade”. Como as tutelas sumárias também

devem ser classificadas de acordo com o papel que efetivamente desempenham no

plano do direito material, não tivemos dúvida ao sustentar a existência de uma tutela

inibitória antecipada (fundada, por exemplo, no art. 461, § 3.º, CPC), que não se

confunde com a tutela cautelar.

992

Ver Parte 2, Capítulo 14.

Page 383: Tutela Inibitória - Marinoni

383

<texto>Concluindo, é possível dizer que não só demonstramos a existência, no

direito brasileiro, de uma ação fundamental para a efetividade dos direitos, delineando

seus pressupostos, estrutura e função, como também evidenciamos que os critérios que

serviram de base às definições de tutela preventiva e de tutela cautelar e à classificação

trinária das sentenças não estão de acordo com uma forma de ver o direito processual

preocupada com a construção de um processo aderente ao direito material e à realidade

social.

Page 384: Tutela Inibitória - Marinoni

384

<tit1>BIBLIOGRAFIA

<bib>AGUIAR DIAS, José de. Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense,

1979. v. 2.

<bib>ALBERTARIO, Emilio. In tema di classificazione delle azioni – Actiones in rem

e actiones in personam. Rivista di Diritto Processuale Civile, 1928.

<bib>ALPA, Guido. Istituzioni di diritto privato. Torino: Utet, 1995.

<bib>––––. Responsabilità dell’impresa e tutela del consumatore. Milano: Giuffrè,

1975.

<bib>––––, BESSONE, Mario e CARBONE, Vincenzo. Atipicità dell’illecito (Il –

diritti della personalità e danno morale). 3. ed. Milano: Giuffrè, 1993.

<bib>ALTERINI, Atílio Aníbal. Os contratos de consumo e as cláusulas abusivas.

Direito do consumidor 15.

<bib>ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas conseqüências. 3. ed.

Rio de Janeiro-São Paulo: Ed. Jurídica e Universitária Ltda., 1965.

<bib>AMARAL, Rafaela Almeida do. Tutela inibitória e concorrência desleal. Revista

de Direito Processual Civil, v. 21.

<bib>ANDOLINA, Italo. “Cognizione” ed “Esecuzione forzata” nel sistema della

tutela giurisdizionale. Milano: Giuffrè, 1983.

<bib>––––. e VIGNERA, Giuseppe. Il modello costituzionale del processo civile

italiano. Torino: Giappichelli, 1990.

<bib>ARENHART, Sérgio Cruz. A tutela inibitória coletiva. São Paulo: RT, 2003.

<bib>––––. Tutela inibitória da vida privada. São Paulo: RT, 2000.

<bib>ARIETA, Giovanni. I provvedimenti d’urgenza. Padova: Cedam, 1985.

<bib>––––. e MONTESANO, Luigi. Il nuovo processo civile. Napoli: Jovene, 1991.

<bib>ARMELIN, Donaldo. A tutela jurisdicional cautelar. Revista da Procuradoria-

Geral do Estado de São Paulo 23.

<bib>––––. Tutela jurisdicional diferenciada. O processo civil contemporâneo. Curitiba:

Juruá, 1994.

<bib>ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel de. Breves anotações para uma teoria

geral dos direitos reais. Posse e propriedade – Doutrina e jurisprudência. São

Paulo: Saraiva, 1987.

<bib>––––. Código do Consumidor comentado. São Paulo: RT, 1995.

<bib>––––. Obrigações de fazer e não fazer – Direito material e processo. RePro 99.

<bib>––––. Tratado de direito processual civil. São Paulo: RT, 1990. v. 1.

<bib>ASCARELLI, Tullio. Teoria della concorrenza e dei benni immateriali. Milano:

Giuffrè, 1957.

<bib>ASSIS, Araken de. Cumulação de ações. São Paulo: RT, 1995.

<bib>_______. Liquidação do dano. RT 759.

<bib>ATTARDI, Aldo. L’interesse ad agire. Padova: Cedam, 1958.

<bib>AULETTA, Giuseppe. Attività. Enciclopedia del Diritto, v. 3.

<bib>––––. Divieto di concorrenza e divieto di concorrenza sleale. Diritto e

giurisprudenza, 1956.

<bib>AULETTA, Tommaso Amedeo. Riservatezza e tutela della personalità. Milano:

Giuffrè, 1978.

Page 385: Tutela Inibitória - Marinoni

385

<bib>BACON, Francis. Essays. London: Oxford University Press, 1937.

<bib>BAKER, P. V. e LANGAN, P. St. J. Snell’s principles of equity. London: Sweet

& Maxwell Ltd., 1982.

<bib>BARASSI, Lodovico. La teoria generale delle obbligazioni. Milano: Giuffrè,

1964.

<bib>BARBI, Celso. Do mandado de segurança. Rio de Janeiro: Forense, 1976.

<bib>BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A sentença mandamental – Da Alemanha ao

Brasil. Temas de direito processual. Sétima série. São Paulo: Saraiva, 2001.

<bib>––––. A tutela específica do credor nas obrigações negativas. Temas de direito

processual. Segunda série. São Paulo: Saraiva, 1980.

<bib>––––. Dimensiones sociales del proceso civil. RePro 45.

<bib>––––. Notas sobre o problema da “efetividade” do processo. Temas de direito

processual. Terceira série. São Paulo: Saraiva, 1984.

<bib>––––. O novo processo civil brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1975. v. 2.

<bib>––––. Processo civil e direito à preservação da intimidade. Temas de direito

processual. Segunda série. São Paulo: Saraiva, 1980.

<bib>––––. Reflexões críticas sobre uma teoria da condenação civil. Temas de direito

processual. São Paulo: Saraiva, 1977.

<bib>––––. Tendências contemporâneas do direito processual civil. Temas de direito

processual. Terceira série. São Paulo: Saraiva, 1984.

<bib>––––. Tendências na execução de sentenças e ordens judiciais. Temas de direito

processual. Quarta série. São Paulo: Saraiva, 1989.

<bib>––––. Tutela sancionatória e tutela preventiva. Temas de direito processual.

Segunda série. São Paulo: Saraiva, 1980.

<bib>BARCELLONA, Mario. Sul risarcimento del danno in forma specifica (ovvero

sui limiti della c.d. interpretazione evolutiva). Processo e tecniche di attuazione dei

diritti. Napoli: Jovene, 1989.

<bib>BAUR, Fritz. Tutela jurídica mediante medidas cautelares. Porto Alegre: Fabris,

1985.

<bib>BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo – A influência do direito

material sobre o processo. São Paulo: Malheiros, 1995.

<bib>_____. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência. São

Paulo: Malheiros, 1998.

<bib>BENJAMIN, Antônio Herman V. A insurreição da aldeia global contra o processo

civil clássico. Apontamentos sobre a opressão e a libertação judiciais do meio

ambiente e do consumidor. Ação civil pública. São Paulo: RT, 1995.

<bib>––––. A principiologia do estudo prévio de impacto ambiental e o controle da

discricionariedade administrativa. Estudo prévio de impacto ambiental. São Paulo:

RT, 1993.

<bib>BENUCCI, Eduardo Bonasi. Atto illecito e concorrenza sleale. Rivista

Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1957.

<bib>BERMUDES, Sérgio. A reforma do Código de Processo Civil. Rio de Janeiro:

Freitas Bastos, 1995.

<bib>BESNARD, Philippe. Protestantisme et capitalisme. Paris: Armand Colin, 1970.

<bib>BETTI, Emilio. La struttura dell’obligazione romana e il problema della sua

genesi. Milano: Giuffrè, 1955.

<bib>––––. Sul cosiddetto risarcimento del danno in forma specifica in materia

Page 386: Tutela Inibitória - Marinoni

386

contrattuale. Giurisprudenza italiana, 1948.

<bib>––––. Teoria generale delle obbligazione. Milano: Giuffrè, 1953. v. 2.

<bib>BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Rio de

Janeiro: Freitas Bastos, 1955. v. 4.

<bib>––––. Direito das coisas. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1951. v. 1.

<bib>BIDART, Adolfo Gelsi. Tutela procesal diferenciada. RePro 44.

<bib>BIRNBAUM, Norman. Interpretações conflitantes sobre a gênese do capitalismo.

Max Weber e Karl Marx (org. por René Gertz). São Paulo: Hucitec, 1994.

<bib>BLOMEYER, Arwed. Types of relief available (Judicial remedies). International

Encyclopedia of Comparative Law, v. 16.

<bib>BONFANTE, Pietro. Istituzioni di diritto romano. Milano: Giuffrè, 1975.

<bib>BONIFACIO, Franco. Litis contestatio. Novissimo Digesto Italiano, 1963.

<bib>BORGES, Marcos Afonso. Comentários ao Código de Processo Civil. Leme:

Leud. v. 4.

<bib>BORRÈ, Giuseppe. Esecuzione forzata degli obblighi di fare e di non fare.

Napoli: Jovene, 1966.

<bib>––––. Verso la riforma del codice di procedura civile? Riflessi sulla disciplina

dell’esecuzione forzata nel disegno di Legge Delega n. 1.463. Foro Italiano, 1983.

<bib>CAETANO, Marcelo. Manual de direito administrativo. 10. ed. Coimbra:

Almedina, 1991. v. 1.

<bib>CALAMANDREI, Piero. Gli studi di diritto processuale in Italia nell’ultimo

trentennio. Opere Giuridiche. Napoli: Morano, 1965. v. 1.

<bib>––––. Introduccion al estudio sistematico de las providencias cautelares. Buenos

Aires: Ejea, 1945.

<bib>––––. Istituzioni di diritto processuale civile. Parte 1. Padova: Cedam, 1944.

<bib>––––. La condanna. Opere Giuridiche. Napoli: Morano, 1972. v. 5.

<bib>––––. Lodovico Mortara. Studi sul processo civile. Padova: Cedam, 1957. v. 4.

<bib>––––. Processo e democrazia. Padova: Cedam, 1954.

<bib>––––. Verità e verosimiglianza nel processo civile. Rivista di Diritto Processuale,

1955.

<bib>CALMON DE PASSOS, J. J. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de

Janeiro: Forense, 1977. v. 3.

<bib>––––. Da antecipação da tutela. Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo:

Saraiva, 1996.

<bib>CÂMARA, Alexandre. Lineamentos do novo processo civil. Belo Horizonte: Del

Rey, 1995.

<bib>CANDIAN, A. Nozioni istituzionali di diritto privato. Milano: Giuffrè, 1946.

<bib>CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. Coimbra: Almedina,

1989.

<bib>CAPIZZANO, Ezio. La tutela del diritto al nome civile. Rivista del Diritto

Commerciale, 1962.

<bib>CAPPELLETTI, Mauro. Accesso alla giustizia come programma di riforma e

come metodo di pensiero. Rivista di Diritto Processuale, 1982.

<bib>––––. Acesso à justiça. Porto Alegre: Fabris, 1988.

<bib>––––. La dimensione sociale: l’accesso alla giustizia. Dimensioni della giustizia

nelle società contemporanee. Bologna: Il Mulino, 1994.

Page 387: Tutela Inibitória - Marinoni

387

<bib>––––. Los derechos sociales de liberdad en la concepción de Piero Calamandrei.

Proceso, ideologías, sociedad. Buenos Aires: Ejea, 1974.

<bib>––––. Problemas de reforma do processo civil nas sociedades contemporâneas. O

processo civil contemporâneo. Curitiba: Juruá, 1994.

<bib>CAPPONI, Bruno. Sull’esecuzione-attuazione dei provvedimenti d’urgenza per

condanna al pagamento di somme. Rivista di Diritto Processuale, 1989.

<bib>CARBONIER, Jean. Droit civil – Les obligations. Paris: Presses Universitaires de

France, 1994. v. 4.

<bib>CARNEIRO, Athos Gusmão. Audiência de instrução e julgamento e audiências

preliminares. Rio de Janeiro: Forense, 1995.

<bib>––––. Das astreintes nas obrigações de fazer fungíveis. Ajuris 14.

<bib>CARNELUTTI, Francesco. Diritto e processo. Napoli: Morano, 1958.

<bib>––––. Diritto e processo nella teoria delle obbligazioni. Studi di diritto

processuale in onore di Giuseppe Chiovenda. Padova: Cedam, 1927.

<bib>––––. Lezioni di diritto processuale civile. Padova: Cedam, 1931. v. 2.

<bib>––––. Scuola italiana del processo. Rivista di diritto processuale, 1947.

<bib>––––. Titolo esecutivo. Rivista di Diritto Processuale Civile, 1931.

<bib>CARPI, Federico. Flashes sulla tutela giurisdizionale differenziata. Rivista

Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1980.

<bib>––––. La provvisoria esecutorietà della sentenza. Milano: Giuffrè, 1979.

<bib>CARREIRA ALVIM, J. E. Tutela específica das obrigações de fazer e não fazer

na reforma processual. Belo Horizonte: Del Rey, 1997.

<bib>––––. Tutela específica e tutela assecuratória das obrigações de fazer e não fazer

na reforma processual. Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva,

1996.

<bib>CARRIÓ, Genaro R. Notas sobre derecho y lenguaje. Buenos Aires: Abeledo-

Perrot, 1990.

<bib>CARVALHO DE MENDONÇA, M. I. Tratado geral dos direitos de crédito. 4.

ed. Rio de Janeiro: Forense, 1956. t. 1.

<bib>CASADEI, Sergio. Il controllo sul provvedimento d’urgenza. Rivista Trimestrale

di Diritto e Procedura Civile, 1989.

<bib>CASTRO, Amilcar de. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT,

1974. v. 8.

<bib>CASTRONOVO, Carlo. Il risarcimento in forma specifica come risarcimento del

danno. Processo e tecniche di attuazione dei diritti. Napoli: Jovene, 1989.

<bib>CECCHELLA, Claudio, VACCARELLA, Romano e CAPPONI, Bruno. Il

processo civile dopo le riforme. Torino: Giappichelli, 1992.

<bib>CECCHERINI, Grazia. Risarcimento del danno e riparazione in forma specifica.

Milano: Giuffrè, 1989.

<bib>––––. Risarcimento in forma specifica e diritti della persona: una nuova forma di

tutela? Rivista Critica del Diritto Privato, 1993.

<bib>CENDON, Paolo. Le misure compulsorie a carattere pecuniario. Processo e

tecniche di attuazione dei diritti. Napoli: Jovene, 1989.

<bib>CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da propriedade industrial. São Paulo: RT,

1982. v. 2.

<bib>CHAVES, Antônio. Direitos de vizinhança – Uso nocivo da propriedade. RT 689.

Page 388: Tutela Inibitória - Marinoni

388

<bib>CHAVES, Carlos Alberto. Da ação cominatória na defesa das marcas de indústria

e comércio. RF 252.

<bib>––––. Proteção das marcas registradas pela ação cominatória. RF 270

<bib>CHIANALE, Angelo. Diritto soggettivo e tutela in forma specifica (Indagine in

tema di responsabilità extracontrattuale). Milano: Giuffrè, 1993.

<bib>CHIARLONI, Sergio. Ars distinguendi e tecniche di attuazione dei diritti.

Formalismi e garanzie (Studi sul processo civile). Torino: Giappichelli, 1995.

<bib>––––. Introduzione allo studio del diritto processuale civile. Torino: Giappichelli,

1975.

<bib>––––. Misure coercitive e tutela dei diritti. Milano: Giuffrè, 1980.

<bib>CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. São Paulo:

Saraiva, 1965. v. 1.

<bib>––––. L’azione nel sistema dei diritti. Saggi di diritto processuale civile. Roma:

Società Editrice Foro Italiano, 1930.

<bib>––––. Lodovico Mortara. Rivista di Diritto Processuale Civile, 1937.

<bib>––––. Sulla perpetuatio iurisdictionis. Saggi di diritto processuale civile. Roma:

Società Editrice Foro Italiano, 1930.

<bib>CIRULLI, Massimo. La nuova disciplina dei rimedi contro i provvedimenti

cautelari. Padova: Cedam, 1996.

<bib>CLÈVE, Clèmerson Merlin. A teoria constitucional e o direito alternativo.

Seleções Jurídicas (Instituto dos Advogados Brasileiros).

<bib>––––. O cidadão, a administração pública e a nova Constituição. Revista de

Informação Legislativa 106.

<bib>COBELLI, Cristina Ebene. Le “grandi braccia” del risarcimento in forma

specifica e della condamnation en nature (Note critiche sulla giurisprudenza italiana

e francese). Processo e tecniche di attuazione dei diritti. Napoli: Jovene, 1989.

<bib>COLESANTI, Vittorio. Lodovico Mortara e le riforme processuali. La prima fase

(1901-1912). Rivista di Diritto Processuale, 1997.

<bib>––––. Misure coercitive e tutela dei diritti. Rivista di Diritto Processuale, 1980.

<bib>COMOGLIO, Luigi Paolo. Commentario della Costituzione (a cura di G.

Branca). Bologna-Roma: Zanichelli-Foro italiano, 1981.

<bib>––––. Note riepilogative su azione e forme di tutela, nell’ottica della domanda

giudiziale. Rivista di Diritto Processuale, 1993.

<bib>––––. Principi costituzionali e processo di esecuzione. Studi in memoria di Gino

Gorla. Milano: Giuffrè, 1994. v. 2.

<bib>––––, FERRI, Corrado e TARUFFO Michele, Lezione sul processo civile, Pavia:

Il Mulino, 1995, p. 553)

<bib>COMPORTI, Marco. Diritti reali in generale. Milano: Giuffrè, 1980.

<bib>––––. Formalismo e realismo in tema di diritto soggettivo. Studi in onore di

Francesco Santoro-Passarelli. Napoli: Jovene, 1972.

<bib>CONSOLO, Claudio. Il nuovo procedimento cautelare. Rivista Trimestrale di

Diritto e Procedura Civile, 1994.

<bib>CORASANITI, A. Profili generali di tutela giurisdizionale contro il danno

ecologico. La responsabilità dell’impresa per i danni all’ambiente e ai consumatori.

Milano: Giuffrè, 1978.

<bib>COUTO E SILVA, Clóvis do. A teoria das ações em Pontes de Miranda. Ajuris

43.

Page 389: Tutela Inibitória - Marinoni

389

<bib>––––. O princípio da boa-fé e as condições gerais dos negócios. Condições gerais

dos contratos bancários e a ordem econômica. Curitiba: Juruá, 1988.

<bib>CRUZ E TUCCI, José Rogério. Lineamentos da nova reforma do CPC. São

Paulo: RT, 2002.

<bib>CUNHA, Alcides Munhoz da. A lide cautelar no processo civil. Curitiba: Juruá,

1992.

<bib>D’ANGELO, Andrea. Il diritto al nome e allo pseudonimo. L’informazione e i

diritti della persona. Napoli: Jovene, 1983.

<bib>DANOVI, Filippo. L’azione inibitoria in materia di clausole vessatorie. Rivista di

Diritto Processuale, 1996.

<bib>DANTAS, Francisco Clementino de San Tiago. O conflito de vizinhança e sua

composição. Rio de Janeiro: Forense, 1972.

<bib>D’ANTONA, Massimo. La reintegrazione nel posto di lavoro (art. 18 dello

Statuto dei Lavoratori). Padova: Cedam, 1979.

<bib>D’ARGENTINE, Adolfo Beria. Acesso alla giustizia e tutela dei diritti civili.

L’informazione e i diritti della persona. Napoli: Jovene, 1983.

<bib>DE CUPIS, Adriano. I diritti della personalità. 2. ed. Milano: Giuffrè, 1982.

<bib>––––. Il diritto alla riservatezza esiste. Foro Italiano, 1954.

<bib>DEL CLARO, Roberto. A tutela inibitória na proteção do meio ambiente. Revista

de Direito Processual Civil, v. 19.

<bib>DE MATTIA, Fábio. Cláusula penal pura e cláusula penal não pura. RT 383.

<bib>DENTI, Vittorio. A proposito di esecuzione forzata e di politica del diritto. Rivista

di Diritto Processuale, 1983.

<bib>––––. Azione. Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 4.

<bib>––––. Diritti della persona e tecniche di tutela giudiziale. L’informazione e i diritti

della persona. Napoli: Jovene, 1983.

<bib>––––. Diritto comparato e scienza del processo. Rivista di Diritto Processuale,

1979.

<bib>––––. “Flashes” su accertamento e condanna. Rivista di Diritto Processuale,

1985.

<bib>––––. Il processo di cognizione nella storia delle riforme. Rivista Trimestrale di

Diritto e Procedura Civile, 1993.

<bib>––––. Intervento (Atti del XV Convegno Nazionale). La tutela d’urgenza. Rimini:

Maggioli, 1985.

<bib>––––. La giustizia civile. Bologna: Il Mulino, 1987.

<bib>––––. L’esecuzione forzata in forma specifica. Milano: Giuffrè, 1953.

<bib>––––. Processo civile e giustizia sociale. Milano: Comunità, 1971.

<bib>––––. Un progetto per la giustizia civile. Bologna: Il Mulino, 1982.

<bib>––––. Valori costituzionali e cultura processuale. Rivista di Diritto Processuale,

1984.

<bib>DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Participação popular na administração pública.

Revista Trimestral de Direito Público v. 1.

<bib>DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. São Paulo:

Malheiros, 1996.

<bib>––––. A reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Malheiros, 1996.

<bib>––––. Execução civil. São Paulo: Malheiros, 1997.

Page 390: Tutela Inibitória - Marinoni

390

<bib>––––. O futuro do direito processual civil. RF 336.

<bib>––––. Tutela jurisdicional. RePro 81.

<bib>DINI, Enrico A. e MAMMONE, Giovanni. I provvedimenti d’urgenza. Milano:

Giuffrè, 1993.

<bib>DOBBS, Dan B. Contempt of Court: a Survey. Cornell Law Review 56.

<bib>DONDI, Angelo. Effettività dei provvedimenti istruttori del giudice civile.

Padova: Cedam, 1985.

<bib>DORIA, Rogéria Dotti. A crise do processo de execução. Revista de Direito

Processual Civil, v. 2.

<bib>––––. A tutela antecipada em relação à parte incontroversa da demanda. São

Paulo: RT, 2000.

<bib>EISENMANN, Charles. O direito administrativo e o princípio da legalidade.

Revista de Direito Administrativo 56.

<bib>ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. 3. ed. Lisboa: Fundação

Calouste Gulbenkian, 1977.

<bib>ENTERRÍA, Eduardo García de e FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón. Curso de

derecho administrativo. 7. ed. Madrid: Civitas, 1996. v. 1.

<bib>ERMAN, Peter. Handkommentar zum Bürgerlichen Gesetzbuch. Münster:

Aschendorf, 1993. v. 1.

<bib>FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de

Janeiro: Forense, 1980. v. 8. t. 3.

<bib>FAGUNDES, Miguel Seabra. O controle dos atos administrativos pelo poder

judiciário, 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1984.

<bib>FALASCHI, Pier Luigi. Certezza del diritto e accertamento preventivo:

prospettive storiche e comparatistiche, Il diritto dell’economia. Rivista di Dottrina e

Giurisprudenza, 1963.

<bib>––––. Giattanza (Giudizio di). Novissimo Digesto Italiano. 1961. v. 7.

<bib>FANFANI, Amintore. Catolicismo y protestantismo en la genesis del capitalismo.

Madrid: Rialp, 1958.

<bib>FAZZALARI, Elio. Lodovico Mortara nella cultura processualistica italiana.

Rivista di Diritto Processuale, 1997.

<bib>FERRAZ, Sérgio. Mandado de segurança (individual e coletivo): aspectos

polêmicos. São Paulo: Malheiros, 1996.

<bib>FERRI, Corrado. L’azione inibitoria prevista dall’art. 1469-sexies c/c Rivista di

Diritto Processuale, 1996.

<bib>FERRONI, Lanfranco. Considerazioni sulla tutela delle situazioni non

patrimoniali. Processo e tecniche di attuazione dei diritti. Napoli: Jovene, 1989.

<bib>––––. Obblighi di fare ed eseguibilità. Publicazioni della Scuola di

perfezionamento in diritto civile dell’Università di Camerino, 1983.

<bib>FIGUEIRA JR., Joel Dias. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo:

RT, 2001. v. 4.

<bib>FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Ação civil pública e a defesa dos direitos

constitucionais difusos. Ação civil pública. São Paulo: RT, 1995.

<bib>FRANÇA, R. Limongi. Direitos da personalidade – coordenadas fundamentais.

RT 567.

<bib>FRANCESCHELLI, Remo. Studi sulla concorrenza sleale, IV – La fattispecie.

Page 391: Tutela Inibitória - Marinoni

391

Rivista di Diritto Industriale, 1963.

<bib>FRANCHI, Giuseppe. Le denunce di nuova opera e di danno temuto. Padova:

Cedam, 1968.

<bib>FRIGNANI, Aldo. Azione in cessazione. Novissimo Digesto Italiano (appendice

I), 1980.

<bib>––––. Il mondo dell’astreinte: sviluppi recenti e prospettive. Processo e tecniche

di attuazione dei diritti. Napoli: Jovene, 1989.

<bib>––––. Inibitoria (azione). Enciclopedia del Diritto, v. 21.

<bib>––––. Inibitoria (azione). Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 17.

<bib>––––. L’injunction nella common law e l’inibitoria nel diritto italiano. Milano:

Giuffrè, 1974.

<bib>FRISINA, Pasquale. La tutela cautelare d’urgenza dei diritti a prestazione

pecuniarie. Rivista di Diritto Processuale, 1986.

<bib>FRUS, Giorgio. Revoca e modifica. Le riforme del processo civile (a cura di

Sergio Chiarloni). Bologna: Zanichelli, 1992.

<bib>FURNO, Carlo. La sospensione del processo esecutivo. Milano: Giuffrè, 1956

<bib>FUX, Luiz. Curso de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

<bib>______. Tutela de segurança e tutela da evidência. São Paulo: Saraiva, 1996.

<bib>GARBAGNATI, Edoardo. Azione e interesse. Jus, 1955.

<bib>GHIDINI, Gustavo. La repressione della concorrenza sleale nel sistema degli artt.

2598 ss. Cod. Civ. Rivista di Diritto Civile, 1970.

<bib>GIANNINI, Amedeo. Gli studi di diritto processuale civile in Italia. Rivista

Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1949.

<bib>GIDDENS, Anthony. Capitalismo e moderna teoria social. Lisboa: Presença,

1990.

<bib>GIORGIANNI, Michele. Tutela del creditore e tutela “reale”. Rivista Trimestrale

di Diritto e Procedura Civile, 1975.

<bib>GOMES, Orlando. Obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 1992.

<bib>––––. Direitos reais. Rio de Janeiro: Forense, 1994.

<bib>GORDO, Adolfo Perez. La ejecución provisional en el proceso civil. Barcelona:

Bosch, 1973.

<bib>GRAY, Christine. Interlocutory injunctions since cyanamid. The Cambridge Law

Journal, 1981.

<bib>GRECO, Paolo. Beni immateriali. Novissimo Digesto Italiano, v. 2.

<bib>GRINOVER, Ada Pellegrini. A tutela preventiva das liberdades: habeas corpus e

mandado de segurança. RePro 22.

<bib>––––. Tutela jurisdicional nas obrigações de fazer e não fazer. Reforma do Código

de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 1996.

<bib>GROSSEN, Jacques Michel. L’azione in prevenzione al di fuori dei giudizi

immobiliari. Rivista di Diritto Processuale, 1959.

<bib>GROSSO, Giuseppe. I problemi dei diritti reali nell’impostazione romana.

Torino: Giappichelli, 1944.

<bib>GUERRA, Marcelo Lima. Execução indireta. São Paulo: RT, 1999.

<bib>GUIMARÃES, Luiz Machado. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de

Janeiro: Forense, 1942. v. 4.

<bib>HANBURY, Harold Greville. Modern Equity – The principles of equity. London:

Page 392: Tutela Inibitória - Marinoni

392

Stevens & Sons Limited, 1962.

<bib>HART, Herbert. L. A. The concept of law. Oxford: Clarendon Press, 1993.

<bib>HÉBRAUD, Pierre e RAYNAUD, Pierre. Jurisprudence française en matière de

droit judiciaire privé. Revue Trimestrielle de Droit Civil. 1968.

<bib>IMPAGNATIELLO, Gianpaolo. La provvisoria esecutorietà delle sentenze

costitutive. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile. 1992.

<bib>JAEGER, Nicola. I procedimenti in materia di privative industriali nel sistema del

nuovo processo civile. Giurisprudenza italiana. 1944.

<bib>JAEGER, Per Giusto. Valutazione comparative di interessi e concorrenza sleale.

Rivista di Diritto Industriale. 1970.

<bib>JANUZZI, Angelo. Per la ricerca di un diritto sostanziale di cautela. Giustizia

civile. 1951.

<bib>JAUERNIG, Othmar. Bürgerliches Gesetzbuch mit Gesetz zur Regelung des

Rechts der Allgemeinen Geschäftsbedingungen. München: CH, Beck’ische

Verlagsbuchhandlung, 1994.

<bib>KAZMIERSKI, Cleide. A ineficiência do art. 287 do CPC para a proteção do

direito à exclusividade no uso da marca. Revista de Direito Processual Civil, v. 20.

<bib>LACERDA, Galeno. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro:

Forense, 1980. v. 8, t. 1.

<bib>LA CHINA, Sergio. Esecuzione forzata. Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 13.

<bib>––––. Quale futuro per i provvedimenti d’urgenza? I processi speciali (studi

offerti a Virgilio Andrioli dai suoi allievi). Napoli: Jovene, 1979.

<bib>LARENZ, Karl. Lehrbuch des Schuldrechts. München: C. H. Beck’sche

Verlagsbuchhandlung, 1972.

<bib>––––. Metodologia da ciência do direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulben-

kian, 1989.

<bib>LASAGNO, Bruno. Esecuzione provvisoria. Le riforme del processo civile (a

cura di Sergio Chiarloni). Bologna: Zanichelli, 1992.

<bib>LESSONA, Carlo. Manuale di procedura civile. 6. ed. Milano: Società Editrice

Libraria, 1932.

<bib>LIBERTINI, Mario. La tutela civile inibitoria. Processo e tecniche di attuazione

dei diritti. Napoli: Jovene, 1989.

<bib>LIEBMAN, Enrico Tullio. Diritto costituzionale e processo civile. Rivista di

Diritto Processuale. 1952.

<bib>––––. Il titolo esecutivo riguardo ai terzi. Rivista di Diritto Processuale civile.

1934.

<bib>––––. Le opposizioni di merito nel processo di esecuzione. Foro Italiano, 1931.

<bib>––––. Manuale di diritto processuale civile. Milano: Giuffrè, 1984. v. 1.

<bib>––––. Processo de execução. São Paulo: Saraiva, 1968.

<bib>––––. Storiografia giuridica ‘manipolata’. Rivista di Diritto Processuale. 1974.

<bib>LORENZETTI, Ricardo Luis. La tutela civil inhibitoria. La Ley, 1995-C.

<bib>LUISO, Francesco Paolo. Esecuzione forzata (Esecuzione forzata in forma

specifica). Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 13.

<bib>MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. São Paulo:

Malheiros, 1995.

<bib>MADOZZO, Luis Ramon. Derecho procesal civil: medidas conminatorias.

Page 393: Tutela Inibitória - Marinoni

393

Genesis – Revista de Direito Processual Civil 1, 1996.

<bib>MAJO, Adolfo di. Forme e tecniche di tutela. La tutela civile dei diritti. Milano:

Giuffrè, 1993.

<bib>––––. La tutela dei diritti tra diritto sostanziale e processuale. Rivista Critica del

Diritto Privato. 1989.

<bib>––––. Processo e tecniche di attuazione dei diritti. Napoli: Jovene, 1989.

<bib>––––. Reintegrazione nel posto di lavoro e controllo del potere nell’impresa (a

proposito di una pubblicazione). Rivista Giuridica del Lavoro. 1979.

<bib>MALACHINI, Edson Ribas. A eficácia preponderante das ações possessórias.

RePro 71.

<bib>MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública. São Paulo: RT, 1996.

<bib>––––. Ação civil pública: Instrumento de participação na tutela do bem comum.

Participação e processo. São Paulo: RT, 1988.

<bib>MANDRIOLI, Crisanto. L’azione esecutiva. Milano: Giuffrè, 1955.

<bib>––––. L’esecuzione forzata in forma specifica. Milano: Giuffrè, 1953.

<bib>––––. L’esecuzione specifica dell’ordine di reintegrazione nel posto di lavoro.

Rivista di Diritto Processuale. 1975.

<bib>––––. Sulla correlazione necessaria tra condanna ed eseguibilità forzata. Rivista

Trimestrale di Diritto e Procedura Civile. 1976.

<bib>MANFREDINI, Giuseppe. Programma del Corso di Diritto Giudiziario Civile.

Padova: Premiata Tipografia Edit. F. Sacchetto, 1884.

<bib>MARANHÃO, Clayton. Tutela específica do direito à saúde. São Paulo: RT,

2003.

<bib>––––. Tutela jurisdicional específica do direito à saúde nas relações de consumo:

um capítulo do direito processual do consumidor. Revista de Direito Processual

Civil, v. 24.

<bib>MARINONI, Luiz Guilherme. A antecipação da tutela. 8. ed. São Paulo:

Malheiros, 2004.

<bib>––––. A execução da tutela antecipatória de pagamento de soma sob pena de

multa. Genesis – Revista de Direito Processual Civil, v. 4.

<bib>––––. A proteção possessória às marcas comerciais. RePro 51.

<bib>––––. Efetividade do processo e tutela de urgência. Porto Alegre: Fabris, 1994.

<bib>––––. Novas linhas do processo civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

<bib>____. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: RT, 2004.

<bib>––––. Tutela antecipatória e julgamento antecipado. 5ª. ed. São Paulo: RT, 2003.

<bib>––––. Tutela cautelar e tutela antecipatória. São Paulo: RT, 1992.

<bib>––––. Tutela específica. 2a. ed. São Paulo: RT, 2003.

<bib>––––. Tutela inibitória: a tutela da prevenção do ilícito. Genesis – Revista de

Direito Processual Civil, v. 2.

<bib>––––. e ARENHART, Sérgio Cruz. Comentários ao Código de Processo Civil. 2ª.

ed. São Paulo: RT, 2005. v. 5, t. 1.

<bib>––––. ––––. Comentários ao Código de Processo Civil. 2ª. ed. São Paulo: RT,

2005. v. 5, t. 2.

<bib>––––. ––––. Manual do processo de conhecimento. 5a. ed. São Paulo: RT, 2006.

<bib>MARINS, Victor. Tutela cautelar. Curitiba: Juruá, 1996.

<bib>MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 2.

Page 394: Tutela Inibitória - Marinoni

394

ed. São Paulo: RT, 1995.

<bib>MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil. São Paulo:

Saraiva, 1974. v. 2.

<bib>––––. Manual de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 1976. v. 4.

<bib>MARTINETTO, Giuseppe. Contraddittorio (principio del). Novissimo Digesto

Italiano, v. 4.

<bib>MATTEI, Ugo. Tutela inibitoria e tutela risarcitoria. Milano: Giuffrè, 1987.

<bib>MAZEAUD, Henri; MAZEAUD, León e TUNC, André. Traité théorique et

pratique de la responsabilité civile délictuelle et contractuelle. Paris: Éditions

Montchrestien, 1960. v. 3.

<bib>MAZZAMUTO, Salvatore. L’attuazione degli obblighi di fare. Napoli: Jovene,

1978.

<bib>––––. Problemi e momenti dell’esecuzione in forma specifica. Processo e

tecniche di attuazione dei diritti. Napoli: Jovene, 1989.

<bib>MEDICUS, Dieter. Münchener Kommentar zum Bürgerlichen Gesetzbuch.

München: C. H. Beck’sche Verlagsbuchhandlung, 1986. v. 4.

<bib>MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 14. ed. São Paulo:

Malheiros, 1989.

<bib>MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 8. ed. São

Paulo: Malheiros, 1996.

<bib>––––. Discricionariedade e controle jurisdicional. 2. ed. São Paulo: Malheiros,

1993.

<bib>MENDONÇA LIMA, Alcides de. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio

de Janeiro: Forense, 1977. v. 6, t. 2.

<bib>MERLIN, Elena. I limiti temporali di efficacia, la revoca e la modifica. Il nuovo

processo cautelare (a cura di Giuseppe Tarzia). Padova: Cedam, 1993.

<bib>MERRYMAN, John Henry. La tradición jurídica romano-canónica. México:

Fondo de Cultura Económica, 1968.

<bib>MESSINETTI, Davide. Recenti orientamenti sulla tutela della persona. La

moltiplicazione dei diritti e dei danni. Rivista Critica del Diritto Privato. 1992.

<bib>MEZAN, Renato. Freud, pensador da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1986.

<bib>MICHELI, Gian Antonio. Corso di diritto processuale civile. Milano: Giuffrè,

1959. v. 1.

<bib>––––. L’azione preventiva. Rivista di Diritto Processuale. 1959.

<bib>MINERVINI, Gustavo. Concorrenza e consorzi. Milano: Vallardi, 1965.

<bib>MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Coimbra: Coimbra Editora,

1983. v. 2.

<bib>MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Ação civil pública e reparação do dano ao meio

ambiente. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002.

<bib>––––. Limites e controle dos atos do Poder Público em matéria ambiental. Ação

civil pública. São Paulo: RT, 1995.

<bib>MÒCCIOLA, Michele. Problemi del risarcimento del danno in forma specifica

nella giurisprudenza. Rivista Critica del Diritto Privato. 1984.

<bib>MONIZ DE ARAGÃO, Egas Dirceu. Alterações no Código de Processo Civil:

tutela antecipada, perícia. Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo:

Saraiva, 1996.

<bib>––––. Efetividade do processo de execução. RePro 72.

Page 395: Tutela Inibitória - Marinoni

395

<bib>––––. Medidas cautelares inominadas. Revista Brasileira de Direito Processual v.

57.

<bib>MONTELEONE, Girolamo. Recenti sviluppi nella dottrina dell’esecuzione

forzata. Rivista di Diritto Processuale. 1982.

<bib>––––. Spunti per una revisione del concetto di sentenza di condanna come titolo

esecutivo. Processo e tecniche di attuazione dei diritti. Napoli: Jovene, 1989.

<bib>MONTELEONE, Maria. Diritto all’immagine e provvedimenti d’urgenza. Foro

Italiano, 1978.

<bib>MONTESANO, Luigi. Condanna civile e esecutiva. Napoli: Jovene, 1965.

<bib>––––. Condanna. Enciclopedia Giuridica Treccani. v. 7.

<bib>––––. Considerazioni su storia moderna e proposte di riforme della giustizia civile

in Italia. Rivista di Diritto Processuale. 1981.

<bib>––––. Le tutele giurisdizionali dei diritti. Bari: Cacucci, 1981.

<bib>––––. Problemi attuali su limiti e contenuti (anche non patrimoniali) delle

inibitorie, normali e urgenti. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1995.

<bib>––––. Tutela giurisdizionale dei diritti dei consumatori e dei concessionari di

servizi di pubblica utilità nelle normative sulle clausole abusive e sulle autorità di

regolazione. Rivista di Diritto Processuale. 1997.

<bib>––––. e ARIETA, Giovanni. Diritto processuale civile. Torino: Giappichelli,

1994. v. 2.

<bib>MONTESQUIEU, Charles-Louis de Secondat, Barão de. Do espírito das leis. São

Paulo: Abril Cultural, 1973.

<bib>MORELLO, Augusto Mario. Las nuevas exigencias de tutela. RePro 31.

<bib>MORENO, Fernando Sainz. Conceptos jurídicos, interpretación y

discricionariedad administrativa. 4. ed. Madrid: Civitas, 1976.

<bib>MORTARA, Lodovico. Commentario del Codice e delle leggi di procedura

civile. Milano: Casa Editrice Dottor Francesco Vallardi, 1923.

<bib>––––. Manuale della procedura civile. Torino: Unione Tipografico-Editrice

Torinese, 1921.

<bib>MOSCO, Luigi. La concorrenza sleale. Napoli: Jovene, 1956.

<bib>NERY JUNIOR, Nelson. Aspectos do processo civil no Código de Defesa do

Consumidor. Direito do Consumidor v. 1.

<bib>––––. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor (comentado pelos autores do

anteprojeto). Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991.

<bib>––––. Princípios do processo civil na Constituição Federal. São Paulo: RT, 1992.

<bib>NICOLAU, Noemi Lidia. La tutela inhibitoria y el nuevo artículo 43 de la

Constitución Nacional. La Ley, 1996-A.

<bib>OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de. Efetividade e processo cautelar. Ajuris 61.

<bib>OLIVIERI, Angelo. Giattanza (Giudizio di). Digesto Italiano. v. 12.

<bib>ONDEI, Emilio. Le persone fisiche e i diritti della personalità. Torino: Utet,

1965.

<bib>PAOLINI, Renata. Note sulla condanna in futuro. Rivista Trimestrale di Diritto e

Procedura Civile. 1976.

<bib>PARDOLESI, Roberto. Tutela specifica e tutela per equivalente nella prospettiva

dell’analisi economica del diritto. Processo e tecniche di attuazione dei diritti.

Napoli: Jovene, 1989.

<bib>PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro:

Page 396: Tutela Inibitória - Marinoni

396

Forense, 1993. v. 4.

<bib>PEREIRA, Luiz Fernando. Tutela inibitória na proteção de marca comercial.

Revista de Direito Processual Civil, v. 20.

<bib>PEROZZI, Silvio. Istituzioni di diritto romano. Roma: Atheneum, 1928. v. 2.

<bib>PERROT, Roger. Procédure de l’instance; jugements et voies de recours; voies

d’execution et mesures conservatories. Revue Trimestrielle de Droit Civil. 1982.

<bib>PEYRANO, Jorge W. Informe sobre las medidas autosatisfactivas. Genesis –

Revista de Direito Processual Civil v. 2.

<bib>PICARDI, Nicola. I processi speciali. Rivista di Diritto Processuale. 1982.

<bib>PIMENTEL, Wellington Moreira. Comentários ao Código de Processo Civil. São

Paulo: RT, 1975. v. 3.

<bib>PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de

1967. São Paulo: RT, 1968.

<bib>––––. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1974.

v. 4.

<bib>––––. Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense,

1959. v. 5.

<bib>––––. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1976.

v. 9.

<bib>––––. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1977.

v. 13.

<bib>––––. Tratado das ações. São Paulo: RT, 1976. v. 6.

<bib>––––. Tratado das ações. São Paulo: RT, 1970. v. 1.

<bib>––––. Tratado de direito privado. Rio de Janeiro: Borsoi, 1971, v. 26.

<bib>POZZOLO, Paulo Ricardo. Ação inibitória no processo do trabalho. São Paulo:

LTr, 2001.

<bib>PROTO PISANI, Andrea. Appunti preliminari sui rapporti tra diritto sostanziale e

processo. Diritto e giurisprudenza. 1978.

<bib>––––. Appunti sulla tutela di condanna. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura

Civile. 1978.

<bib>––––. Brevi note in tema di tutela specifica e tutela risarcitoria. Foro Italiano,

1983.

<bib>––––. Breve premessa ad un corso sulla giustizia civile. Appunti sulla giustizia

civile. Bari: Cacucci, 1982.

<bib>––––. Il procedimento di repressione dell’attività antisindacale. Foro Italiano,

1973.

<bib>––––. Intervento (Atti del XV Convegno Nazionale). La tutela d’urgenza. Rimini:

Maggioli, 1985.

<bib>––––. La nuova disciplina del processo civile. Napoli: Jovene, 1991.

<bib>––––. L’attuazione dei provvedimenti di condanna. Foro Italiano, 1988.

<bib>––––. La tutela giurisdizionale dei diritti della personalità: strumenti e tecniche

di tutela. Foro Italiano, 1990.

<bib>––––. L’effettività dei mezzi di tutela giurisdizionale con particolare riferimento

all’attuazione della sentenza di condanna. Rivista di Diritto Processuale, 1975.

<bib>––––. Lezioni di diritto processuale civile. Napoli: Jovene, 1994.

<bib>––––. Nuovi diritti e tecniche di tutela. Scritti in onore di Elio Fazzalari. Milano:

Page 397: Tutela Inibitória - Marinoni

397

Giuffrè, 1993. v. 2.

<bib>––––. Sulla tutela giurisdizionale differenziata. Rivista di Diritto Processuale.

1979.

<bib>PUGLIESI, Giovanni. Il diritto alla “riservatezza” nel quadro dei diritti della

personalità. Rivista di Diritto Civile. 1963.

<bib>––––. La litis contestatio nel processo formulare. Rivista di Diritto Processuale.

1951.

<bib>QUEIRÓ, Afonso Rodrigues. A teoria do “desvio do poder” em direito

administrativo. Revista de Direito Administrativo 6/59.

<bib>RAMOS, Elival da Silva. A ação popular como instrumento de participação

política. São Paulo: RT, 1991.

<bib>RAMPAZZI, Gabriella. Istanza di ingiunzione. Le riforme del processo civile (a

cura di Sergio Chiarloni). Bologna: Zanichelli, 1992.

<bib>RAPISARDA, Cristina e TARUFFO, Michele. Inibitoria (azione). Enciclopedia

Giuridica Treccani, v. 17.

<bib>––––. Inibitoria. Digesto delle discipline privatistiche. v. 9. 1993.

<bib>––––. Premesse allo studio della tutela civile preventiva. Rivista di Diritto

Processuale. 1980.

<bib>––––. Profili della tutela civile inibitoria. Padova: Cedam, 1987.

<bib>––––. Spunti in tema di efficacia del giudicato secundum eventum litis con

particolare riguardo all’esperienza della legge tedesca sulle condizioni generali di

contratto. Rivista Critica del Diritto Privato. 1988.

<bib>RASSELI, Alessandro. Sentenze determinative e classificazione delle sentenze.

Scritti giuridici in onore di Francesco Carnelutti. Padova: Cedam, 1950. v. 2.

<bib>REALE, Miguel. O direito italiano na cultura brasileira. A presença italiana no

Brasil (organizado por Luis A. De Boni). Porto Alegre-Torino: Escola Superior de

Teologia-Fondazione Giovanni Agnelli, 1990. v. 2.

<bib>RIPERT, Georges e BOULANGER, Jean. Traité de droit civil. Paris: Librairie

générale de droit et de jurisprudence, 1957.

<bib>RODRIGUES, Marcelo Abelha. Instituições de direito ambiental. São Paulo:

Max Limonad, 2002. v. 1.

<bib>RODRIGUES, Sílvio. Direito civil: direito das coisas. São Paulo: Saraiva, 1976.

v. 5.

<bib>ROPPO, Enzo. Pubblicità televisiva ed emittenti private. A proposito di “spots”,

di diritto morale d’autore e di qualche altra cosa. Foro Italiano, 1983.

<bib>ROSSIELO, Giampiero. Tema di esecuzione di provvedimenti d’urgenza recanti

l’ordine di corrispondere somme di denaro. Rivista di Diritto Processuale. 1987.

<bib>ROTONDI, Mario. Diritto industriale. Padova: Cedam, 1965.

<bib>RUBINO, Gabriella. L’Accademia dei Lincei celebra Lodovico Mortara. Rivista

di Diritto Processuale. 1997.

<bib>RÜBMANN, Helmut. Kommentar zum Bürgerlichen Gesetzbuch. Darmstadt:

Luchtenhand, 1980.

<bib>SALETTI, Achille. Le riforme del codice di rito in materia di esecuzione forzata e

di attuazione delle misure cautelari. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura

Civile. 1992.

<bib>SALVI, Cesare. Il risarcimento del danno in forma specifica. Processo e tecniche

di attuazione dei diritti. Napoli: Jovene, 1989.

Page 398: Tutela Inibitória - Marinoni

398

<bib>––––. Legittimità e ‘razionalità’ dell’art. 844 Codice Civile. Giurisprudenza

italiana. 1975.

<bib>SANGIORGI, Salvatore. Rilevanza e profili di tutela dei rapporti non

patrimoniali. Processo e tecniche di attuazione dei diritti. Napoli: Jovene, 1989.

<bib>SANTINI, Geraldo. Concorrenza sleale ed impresa. Rivista di Diritto Civile.

1959.

<bib>SANTOS, Boaventura de Souza. Introdução à sociologia da administração da

justiça. RePro 37.

<bib>SANTOS, Moacyr Amaral. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de

Janeiro: Forense, 1976. v. 4.

<bib>––––. Primeiras linhas de direito processual civil. São Paulo: Max Limonad,

1969. v. 1.

<bib>SATTA, Salvatore. Dalla procedura civile al diritto processuale civile. Rivista

Trimestrale di Diritto e Procedura Civile (diretto da Vassali). 1964.

<bib>––––. L’esecuzione forzata. Torino: Utet, 1952.

<bib>––––. L’esecuzione forzata nella tutela giurisdizionale dei diritti. Scritti giuridici

in onore di Francesco Carnelutti. Padova: Cedam, 1950. v. 2.

<bib>––––. Premesse generali alla dottrina della esecuzione forzata. Rivista di Diritto

Processuale Civile. 1932.

<bib>SCOGNAMIGLIO, Renato. Illecito. Novissimo Digesto Italiano. v. 8.

<bib>––––. Il risarcimento del danno in forma specifica. Rivista Trimestrale di Diritto e

Procedura Civile. 1957.

<bib>SCOZZAFAVA, Oberdan Tommaso. Nuovi e vecchi problemi in tema di diritti

della personalità. Rivista Critica del Diritto Privato. 1983.

<bib>SEGRÈ, Gino. Scritti vari di diritto romano. Torino: Giappichelli, 1952.

<bib>SERTORIO, Marco. Illecito civile, concorrenza, prescrizione. Archivo della

responsabilità civile e dei problemi generali del danno. 1964.

<bib>SFORZA, Gianfrancesco. Ordine di cessazione dall’illecito e risarcimento in

forma specifica. Foro Italiano, 1978.

<bib>SILVA, João Calvão da. Cumprimento e sanção pecuniária compulsória.

Coimbra, Almedina, 1987.

<bib>SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 2. ed. São Paulo:

Malheiros, 1997.

<bib>SILVA, Ovídio Baptista da. A ação cautelar inominada no direito brasileiro. Rio

de Janeiro: Forense, 1991.

<bib>––––. Comentários ao Código de Processo Civil. Porto Alegre: Lejur, 1986. v. 11.

<bib>––––. Curso de processo civil, 3. ed., Porto Alegre: Fabris, 1996. v. 1.

<bib>––––. Curso de processo civil. Porto Alegre: Fabris, 1990. v. 2.

<bib>––––. Curso de processo civil. Porto Alegre: Fabris, 1993. v. 3.

<bib>––––. Do processo cautelar. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

<bib>––––. Jurisdição e execução, na tradição romano-canônica. São Paulo: RT, 1996.

<bib>––––. O processo civil e sua recente reforma. Genesis – Revista de Direito

Processual Civil, v. 6.

<bib>––––. Procedimentos especiais (exegese do Código de Processo Civil). Rio de

Janeiro: Aide, 1989.

<bib>––––. Sentença mandamental. Sentença e coisa julgada. 3. ed. Porto Alegre:

Page 399: Tutela Inibitória - Marinoni

399

Fabris, 1995.

<bib>––––. Tutela antecipatória e juízos de verossimilhança. O processo civil

contemporâneo. Curitiba: Juruá, 1994.

<bib>SILVEIRA, Newton. A propriedade intelectual e a nova lei de propriedade

industrial. São Paulo: Saraiva, 1996.

<bib>SILVESTRI, Elisabetta e TARUFFO, Michele. Esecuzione forzata (esecuzione

forzata e misure coercitive). Enciclopedia Giuridica Treccani. v. 13.

<bib>––––. Problemi e prospettive di evoluzione nell’esecuzione degli obblighi di fare

e di non fare. Rivista di Diritto Processuale, 1981.

<bib>––––. Rilievi comparatistici in tema di esecuzione forzata degli obblighi di fare e

di non fare. Rivista di Diritto Civile, 1988.

<bib>SOARES, Fernando Luso. Processo civil de declaração. Coimbra: Almedina,

1985.

<bib>SOARES, José Carlos Tinoco. Comentários ao Código da Propriedade

Industrial. São Paulo: Resenha Universitária, 1981.

<bib>––––. Lei de patentes, marcas e direitos conexos. São Paulo: RT, 1997.

<bib>SPADONI, Joaquim Felipe. Ação inibitória. São Paulo: RT, 2002.

<bib>SPOLIDORO, Marco Saverio. Le misure di prevenzione nel diritto industriale.

Milano: Giuffrè, 1982.

<bib>SPRY, I.C.F. The principles of equitable remedies. United Kingdom: Sweet &

Maxwell, 1990.

<bib>TÁCITO, Caio. Mandado de segurança preventivo. Revista de Direito

Administrativo 61.

<bib>TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer. São

Paulo: RT, 2001.

<bib>TARELLO, Giovanni. Il problema della riforma processuale in Italia nel primo

quarto del secolo (per uno studio della genesi dottrinale e ideologica del vigente

codice italiano di procedura civile). La formazione storica del diritto moderno in

Europa. Firenze: Leo S. Olschki Editore, 1977. v. 3.

<bib>––––. L’opera di Giuseppe Chiovenda nel crepuscolo dello Stato liberale.

Materiali per una storia della cultura giuridica. Bologna: Il Mulino, 1973. v. 3.

<bib>––––. Quattro buoni giuristi per una cattiva azione. Materiali per una storia della

cultura giuridica. Bologna: Il Mulino, 1977. v. 7.

<bib>––––. Storia della cultura giuridica moderna (assolutismo e codificazione del

diritto). Bologna: Il Mulino, 1976.

<bib>TARUFFO, Michele. L’attuazione esecutiva dei diritti: profili comparatistici.

Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1988.

<bib>––––. La giustizia civile in Italia dal’700 a oggi. Bologna: Il Mulino, 1980.

<bib>––––. Note sul diritto alla condanna e all’esecuzione. Rivista Critica del Diritto

Privato, 1986.

<bib>––––. Problemi in tema di esecutorietà della condanna alla reintegrazione del

lavoratore. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1976.

<bib>TARZIA, Giuseppe. La tutela inibitoria contro le clausole vessatorie. Rivista di

Diritto Processuale, 1997.

<bib>––––. Lineamenti del nuovo processo di cognizione. Milano: Giuffrè, 1991.

<bib>––––. Per la revisione del Codice di Procedura Civile, Qualche notizia. Rivista di

diritto processuale, 1996.

Page 400: Tutela Inibitória - Marinoni

400

<bib>––––. Per la revisione del Codice di Procedura Civile, Relazione. Rivista di

Diritto Processuale, 1996.

<bib>––––. Presente e futuro delle misure coercitive civili. Rivista Trimestrale di

Diritto e Procedura Civile. 1981.

<bib>TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. Um novo processo, uma nova Justiça. Estatuto

da Magistratura e Reforma do Processo Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 1993.

<bib>––––. e CARNEIRO, Athos Gusmão. Exposição de motivos (reforma do processo

civil). Estatuto da Magistratura e Reforma do Processo Civil. Belo Horizonte: Del

Rey, 1993.

<bib>TESORIERI, Giovanni. Appunti per una storia della scienza del processo civile in

Italia dall’unificazione ad oggi (I pre-chiovendiani). Rivista Trimestrale di Diritto e

Procedura Civile, 1972.

<bib>TESSLER, Luciane. A possibilidade da majoração da multa coercitiva para a

prestação da tutela inibitória. Revista de Direito Processual Civil, v. 21.

<bib>THEODORO JÚNIOR, Humberto. A execução de sentença e a garantia do

devido processo legal. Rio de Janeiro: Aide, 1987.

<bib>––––. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1983.

v. 5.

<bib>––––. Fraude contra credores – A natureza da ação pauliana. Belo Horizonte:

Del Rey, 1996.

<bib>––––. O mandado de segurança preventivo e a lei em tese. Estudos de Direito

Processual-Constitucional em memória de Ronaldo Cunha Campos. São Paulo:

Saraiva, 1990.

<bib>––––. Processo cautelar. São Paulo: Leud, 1976.

<bib>TOMMASEO, Ferruccio. Appunti di diritto processuale civile. Torino:

Giappichelli, 1995.

<bib>––––. “Intervento” (Atti del Colloquio Internazionale, Milano, 12-13 ottobre

1984). Les mesures provisoires en procédure civile. Milano: Giuffrè, 1985.

<bib>––––. I provvedimenti d’urgenza – Struttura e limiti della tutela anticipatoria.

Padova: Cedam , 1983.

<bib>TOMMASINI, Rafaele. L’interesse alla riservatezza ed i valori della persona di

fronte alla libertà di manifestare il pensiero. L’informazione e i diritti della persona.

Napoli: Jovene, 1983.

<bib>TOPAN, Luiz Renato. Do controle prévio e abstrato dos contratos de adesão pelo

Ministério Público. Direito do consumidor 6.

<bib>TRIMARCHI, Pietro. Illecito. Enciclopedia del Diritto. v. 20.

<bib>TROCKER, Nicolò. Processo civile e costituzione. Milano: Giuffrè, 1974.

<bib>TUNC, André. Obligations et contrats spéciaux. Revue Trimestrielle de Droit

Civil, 1960.

<bib>VARANO, Vincenzo. Injunction. Digesto delle discipline privatistiche, v. 9.

<bib>––––. Tendenze evolutive in materia di tutela provvisoria nell’ordinamento

inglese, con particolare riferimento all’interlocutory injunction. Rivista di Diritto

Civile, 1985.

<bib>VARELA, Antunes. Direito das obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 1978. v. 2.

<bib>VASSALI, Giuliano. La mancata esecuzione di provvedimento del giudice.

Torino: Utet, 1958.

<bib>VENTURI, Elton. A tutela executiva dos direitos difusos nas ações coletivas.

Page 401: Tutela Inibitória - Marinoni

401

Processo de execução e assuntos afins. Teresa Arruda Alvim Wambier (coord.). São

Paulo: RT, 1998.

<bib>VERDE, Giovanni. Considerazioni sul procedimento d’urgenza – come è e come

si vorrebbe che fosse. I processi speciali – Studi offerti a Virgilio Andrioli dai suoi

allievi. Napoli: Jovene, 1979.

<bib>––––. L’attuazione della tutela d’urgenza. La tutela d’urgenza. Rimini: Maggioli,

1985.

<bib>––––. Profili del processo civile. Napoli: Jovene, 1988.

<bib>VIEHWEG, Theodor. Tópica e jurisprudência. Brasília: Departamento de

Imprensa Nacional-UNB, 1979.

<bib>VIGNERA, Giuseppe. Sui rapporti tra provvedimento d’urgenza e sentenza di

merito (alla ricerca di una soluzione ragionevole). Rivista di Diritto Processuale,

1993.

<bib>VILLONE, Massimo. La collocazione istituzionale dell’interesse diffuso. La

tutela degli interessi diffusi nel diritto comparato. Milano: Giuffrè, 1976.

<bib>VIRGA, Pietro. Il provvedimento amministrativo. 4. ed. Milão: Giuffrè, 1972.

<bib>VISINTINI, Giovanna. Il diritto all’immagine. L’informazione e i diritti della

persona. Napoli: Jovene, 1983.

<bib>VISSALI, Nicolò. La crisi dei valori. Problemi antichi e nuovi nei diritti della

persona. Rivista di Diritto Civile, 1994.

<bib>WAMBIER, Luiz Rodrigues. Liminares: alguns aspectos polêmicos. Repertório

de Jurisprudência e Doutrina sobre Liminares. São Paulo: RT, 1995.

<bib>WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor (comentado

pelos autores do anteprojeto). Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991.

<bib>––––. Da cognição no processo civil, São Paulo: RT, 1987.

<bib>––––. Tutela antecipatória e tutela específica das obrigações de fazer e não fazer

(arts. 273 e 461 do CPC). Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo:

Saraiva, 1996.

<bib>WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. Brasília: Pioneira,

1981.

<bib>YARSHELL, Flávio Luiz. Tutela jurisdicional específica nas obrigações de

declaração de vontade. São Paulo: Malheiros, 1993.

<bib>ZANUTTIGH, Loriana. La tutela cautelare atipica. L’informazione e i diritti della

persona. Napoli: Jovene, 1983.

<bib>ZAVALÍA, Fernando López de. La tutela de las obligaciones de hacer, y de no

hacer en el derecho argentino. Genesis – Revista de Direito Processual Civil v. 5.

<bib>ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela e colisão de direitos

fundamentais. Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 1996.

<bib>––––. Antecipação da tutela e obrigações de fazer e de não fazer. Genesis –

Revista de Direito Processual Civil, v. 4, 1997.

<bib>ZEA, Arturo Valencia. La posesión. Bogotá: Temis, 1983.