Tutela Inibitória - Marinoni
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1
LUIZ GUILHERME MARINONI
TUTELA INHIBITORIA
2
<tit>SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
<sum c>PARTE 1
<sum c1>A TUTELA INIBITÓRIA: UMA NOVA TUTELA JURISDICIONAL
<sum1> 1. O processo civil clássico e a ausência de uma tutela jurisdicional
realmente preventiva
<sum1> 2. A necessidade de um novo modelo processual
<sum1> 3. A tutela inibitória
<sum2> 3.1 Considerações iniciais
<sum2> 3.2 A tutela inibitória e a problemática do ilícito
<sum2> 3.3 A inibitória tutela contra o ilícito
<sum2> 3.4 A tutela inibitória e a questão da culpa
<sum2> 3.5 Os diferentes escopos da tutela inibitória
<sum2> 3.6 A cognição e a prova na ação inibitória
<sum2> 3.7 A prova indiciária diante da ação inibitória
<sum3> 3.7.1 Primeiras considerações
<sum3> 3.7.2 “Juízo-instrumental”, presunção, “juízo-resultado”, “juízo
provisório” e “juízo-final”
<sum3> 3.7.3 O controle da admissão da prova para a demonstração do
<sum3>fato indiciário
<sum3> 3.7.4 A importância do senso comum para o raciocínio fundado a
<sum3>partir da prova indiciária
<sum3> 3.7.5 A importância do senso comum para a formação do juízo apartir
da presunção
<sum2> 3.8 A necessidade de atuação concreta da norma e a importância da
açãoinibitória
<sum2> 3.9 A autonomia da ação inibitória
<sum2> 3.10 A inaptidão do antigo art. 287 para garantir uma tutela
jurisdicional adequada e a confusão que se instalou entre a tutela preventiva e a tutela
cautelar. A dificuldade de se perceber, hoje, a relação entre a tutela das obrigações de
fazer e de não fazer e a tutela inibitória
<sum2> 3.11 A ação inibitória é corolário de um princípio geral de prevenção
3
<sum2> 3.12 Direito à tutela inibitória, técnica processual e tutela jurisdicional
inibitória
<sum2> 3.13 O art. 461 como fundamento processual da tutela inibitória
<sum2> 3.14 O art. 12, caput, do novo Código Civil
<sum2> 3.15 A tutela inibitória no plano coletivo
<sum3> 3.15.1 Os arts. 11 da Lei da Ação Civil Pública e 84 do CDC. O sistema
brasileiro de tutela coletiva ampara a tutela inibitória
<sum3> 3.15.2 A problemática da tutela inibitória a partir do controle dos atos do
Poder Público
<sum3> 3.15.3 A tutela inibitória em caso de omissão do Poder Público
<sum3> 3.15.4 A tutela coletiva do consumidor contra o uso de cláusulas gerais
abusivas
<sum2> 3.16 As técnicas processuais, presentes nos arts. 461, CPC, e 84, CDC,
viabilizam a concessão de várias tutelas
<sum2> 3.17 A razão para se falar em tutela inibitória
<sum2> 3.18 A tutela inibitória negativa e a tutela inibitória positiva
<sum2> 3.19 A multa e a tutela inibitória que impõe um fazer fungível
<sum2> 3.20 A plasticidade da tutela inibitória e os limites para a imposição do
fazer e do não fazer
<sum3> 3.20.1 Breve observação inicial
<sum3> 3.20.2 Os princípios do meio idôneo e da menor restrição possível como
vetores para o adequado uso da tutela inibitória
<sum2> 3.21 Tutela inibitória e tutela de remoção do ilícito
<sum2> 3.22 A fungibilidade da tutela inibitória
<sum3> 3.22.1 Breves observações sobre o princípio da congruência entre o
pedido e a sentença
<sum3> 3.22.2 Os arts. 461 do CPC e 84 do CDC como exceções ao princípio de
que a sentença deve ficar adstrita ao pedido
<sum3> 3.22.3 A sub-rogação de uma obrigação em outra para a obtenção da
tutela específica ou do resultado prático equivalente ao do adimplemento
<sum3> 3.22.4 O poder decisório do juiz e o princípio da efetividade
<sum3> 3.22.5 O poder decisório do juiz e o princípio da necessidade
<sum3> 3.22.6 A fungibilidade da tutela inibitória reafirma a idéia da
fungibilidade da tutela de segurança, que sempre esteve na base da “tutela cautelar”
<sum2> 3.23 O pedido de tutela inibitória e as violações de eficácia instantânea
suscetíveis de repetição no tempo
<sum2> 3.24 Tutela inibitória e cumulação de pedidos. A tutela antecipatória
mediante o julgamento antecipado do pedido inibitório cumulado com pedido
ressarcitório
<sum2> 3.25 A importância da audiência preliminar à luz da experiência
angloamericana do undertaking do réu
<sum2> 3.26 A tutela inibitória antecipada
<sum3> 3.26.1 Primeiras considerações
<sum3> 3.26.2 A quebra da regra da nulla executio sine titulo
<sum3> 3.26.3 A tutela inibitória antecipada na ação inibitória
4
<sum4> 3.26.3.1 Fundamento e pressupostos da tutela inibitória antecipada
na ação inibitória
<sum4> 3.26.3.2 A prova e a tutela inibitória antecipada
<sum4> 3.26.3.3 Momento da concessão da tutela inibitória antecipada
<sum4> 3.26.3.4 Justificação prévia e tutela inibitória antecipada
<sum4> 3.26.3.5 A tutela inibitória antecipada e o princípio da
probabilidade. A questão da irreversibilidade
<sum4> 3.26.3.6 A fungibilidade da tutela inibitória antecipada
<sum4> 3.26.3.7 A possibilidade de modificação e de revogação da tutela
inibitória antecipada
<sum4> 3.26.3.8 Sobre a possibilidade de se manter eficaz a tutela inibitória
antecipada no caso de sentença de improcedência
<sum3> 3.26.4 A evidente distinção entre tutela inibitória antecipada e tutela
cautelar
<sum2> 3.27 A execução da tutela inibitória
<sum3> 3.27.1 A tutela inibitória e a multa
<sum4> 3.27.1.1 Primeiras observações
<sum4> 3.27.1.2 Breve análise das medidas coercitivas em outros sistemas
<sum4> 3.27.1.3 A multa e a indenização pelo dano. A sua cumulabilidade
<sum4> 3.27.1.4 Critérios para a imposição da multa
<sum4> 3.27.1.5 A respeito do beneficiário da multa
<sum4> 3.27.1.6 O momento a partir do qual a multa torna-se eficaz e o
momento a partir do qual a multa pode ser cobrada
<sum4> 3.27.1.7 A questão da modificação do valor da multa
<sum3> 3.27.2 Outras medidas de execução
<sum4> 3.27.2.1 A quebra do dogma da tipicidade das formas executivas
<sum4> 3.27.2.2 O uso das medidas de coerção direta e de subrogação para
a prestação da tutela inibitória
<sum4> 3.27.2.3 A prisão como meio de coerção indireta
<sum4> 3.27.2.4 Critérios que devem guiar a atividade executiva. A multa,
a prisão, as medidas de coerção direta e as medidas de sub-rogação na prestação da
tutela inibitória
<sum1> 4. O delineamento da tutela inibitória em face das tutelas
declaratória e cautelar e da condenação para o futuro
<sum2> 4.1 Tutela inibitória e tutela declaratória
<sum2> 4.2 Tutela inibitória e tutela cautelar
<sum2> 4.3 Tutela inibitória e condenação para o futuro
5
<sum c> PARTE 2
<sum c1>SENTENÇA E TUTELA INIBITÓRIA
<sum1> 1. Considerações iniciais
<sum1> 2. O escopo repressivo da sentença condenatória
<sum1> 3. A sentença condenatória e a sua correlação com a execução
forçada
<sum1> 4. As motivações culturais da sentença condenatória
<sum2> 4.1 O princípio nemo ad factum praecise cogi potest
<sum3> 4.1.1 Observações prévias
<sum3> 4.1.2 A tese que relaciona a diversidade de tratamento dado ao não-
comparecimento em juízo com a diferente evolução do uso das medidas de coerção para
garantir o adimplemento da sentença na Alemanha e na França
<sum3> 4.1.3 O sistema feudal e o seu reflexo no uso dos meios de
coerçãosobre a pessoa
<sum3> 4.1.4 A preservação da autoridade do Estado como fundamento do uso
das medidas de coerção
<sum3> 4.1.5 O Código Napoleão e sua influência sobre o conceito de sentença
condenatória
<sum3> 4.1.6 A doutrina brasileira e os valores submersos no art. 920 do CC de
1916
<sum2> 4.2 A concepção liberal de jurisdição como função meramente
declaratória e o seu reflexo sobre o conceito de sentença condenatória
<sum2> 4.3 A expansão do conceito de obrigação e a universalização da
sentença condenatória
<sum1> 5. A crise da sentença condenatória e a tentativa de reconstrução do
seu conceito na Itália
<sum2> 5.1 As razões da tentativa de reconstrução do conceito de sentença
condenatória na Itália
<sum2> 5.2 A importância da leitura constitucional do direito de ação. O
princípio constitucional da efetividade e o entendimento de que o direito à adequada
tutela jurisdicional garante o direito às medidas coercitivas
<sum2> 5.3 O valor do princípio chiovendiano de que o processo deve dar a
quem tem um direito tudo aquilo e exatamente aquilo que tem o direito de obter
<sum2> 5.4 A tese de Proto Pisani: uma tentativa de reformulação do conceito
de condenação
<sum2> 5.5 A crítica de Chiarloni
<sum2> 5.6 A situação atual na doutrina italiana
<sum2> 5.7 Propostas de modificação do Código de Processo Civil italiano
<sum1> 6. A doutrina brasileira e a natureza das sentenças dos arts. 287 e
461 do CPC brasileiro
<sum1> 7. A doutrina brasileira e a sentença mandamental
6
<sum1> 8. A natureza da sentença que se liga à coerção indireta
<sum1> 9. A sentença executiva, a tutela dos direitos reais e a tutela contra o
ato contrário ao direito
<sum1> 10. A Lei 11.232/05 e as sentenças condenatória, mandamental e
executiva
<sum1> 11. A inefetividade da sentença condenatória para a tutela dos direitos
absolutos. A correlação entre a tutela inibitória e a estrutura do direito substancial:
crítica
<sum1> 12. A relativização do binômio direito/processo e a retomada do tema
da “tutela dos direitos”
<sum1> 13. Classificação das sentenças e classificação das tutelas
<sum1> 14. Premissas para uma classificação das tutelas permeada pelo
direito material
<sum1> 15. Esboço de uma classificação das tutelas aderente ao direito
material
<sum>CONCLUSÃO
<sum>BIBLIOGRAFIA
7
<tit>INTRODUÇÃO
<texto>O movimento pelo “acesso à justiça” constitui a expressão de uma radical
transformação do pensamento jurídico em um grande número de países.1 A questão do
“acesso” permitiu ver a ilusão do desejo de se pensar o direito processual à distância do
direito substancial e da realidade social. Quebrou-se, por assim dizer, quando se
descobriu que o processo não vinha servindo às pessoas, o “encanto”, ou a ilusão, de
que o direito processual pudesse ser tratado como “ciência pura”, que se mantivesse
eternamente distante do direito material e das vicissitudes dos homens de carne e osso.
A tomada de consciência de que o processo deve servir plenamente àqueles que,
dentro do círculo social, podem envolver-se em conflitos – sejam empresários ou
trabalhadores, ricos ou pobres –, fez com que o direito processual assumisse uma
postura mais humana, ou mais preocupada com os problemas sociais, econômicos e
psicológicos que gravitam ao redor de suas conceituações e construções técnicas.
Ao mesmo tempo em que o direito processual faz importantes laços com outras
disciplinas, como a sociologia e a economia, redescobre-se, através de uma penosa e
árdua constatação, a ineliminável relação entre o processo e o direito substancial.
Afirma-se que o processo deve atender aos desígnios do direito material e estar atento à
realidade social, pensando-se no que se denominou “efetividade do processo”.
A vertiginosa transformação da sociedade e o surgimento de novas relações
jurídicas exigem que a técnica passe a ser manipulada de modo a permitir a adaptação
do processo às novas realidades e à tutela das várias, e até então desconhecidas,
situações de direito substancial.
Apesar dos avanços em termos de tutela coletiva, e mesmo de superação do
procedimento ordinário, com a introdução no Código de Processo Civil da tutela
antecipatória, há um ponto da mais alta importância que ainda é negligenciado pela
doutrina. Trata-se da tutela preventiva, a única capaz de impedir que os direitos não
patrimoniais sejam transformados em pecúnia, através de uma inconcebível
1 Ver Mauro Cappelletti, La dimensione sociale: l’accesso alla giustizia. Dimensioni della giustizia nelle
società contemporanee. Bologna: Il Mulino, 1994, p. 71.
8
expropriação de direitos fundamentais para a vida humana.
A importância da tutela preventiva pode ser percebida, em todas as sociedades
modernas, a partir da necessidade de se conferir tutela jurisdicional adequada às novas
situações jurídicas, freqüentemente de conteúdo não patrimonial ou prevalentemente
não patrimonial, em que se concretizam os direitos fundamentais do cidadão.2
O sistema tradicional de tutela dos direitos, estruturado sobre o procedimento
ordinário e as sentenças da classificação trinária, é absolutamente incapaz de permitir
que os novos direitos sejam adequadamente tutelados. Esse modo de conceber a
proteção dos direitos não levou em consideração a necessidade de tutela preventiva,
nem obviamente os direitos que atualmente estão a exigir tal modalidade de tutela.
A questão, porém, não se resume apenas a buscar, em determinada norma, o
fundamento para a tutela preventiva; é preciso remodelar alguns conceitos fundamentais
da teoria do processo. A reformulação das categorias do processo é uma decorrência
natural da evolução do tempo e de realidades que não mais se adaptam às conceituações
pretéritas. Mais do que isso, o surgimento de novos conceitos é uma necessidade que
advém da alteração dos valores e, portanto, da sensibilidade do doutrinador; a
remodelação dos conceitos, em outras palavras, também é fruto da mudança dos valores
que inspiram as criações teóricas.
A introdução do art. 461 no Código de Processo Civil, confere importante
oportunidade para extrair do tecido normativo uma nova tutela jurisdicional, ou seja,
uma tutela que seja efetivamente capaz de prevenir o ilícito. Essa tutela não só chama a
atenção dos civilistas para o equívoco da unificação das categorias da ilicitude e da
responsabilidade civil, que espelha a idéia, bastante difundida, de que a única tutela
contra o ilícito é a de reparação do dano, mas também faz surgir, no plano do direito
processual, uma tutela alternativa àquelas que sempre estiveram sob os cuidados dos
processualistas.
A busca de uma tutela inibitória atípica, que atue nas formas individual e coletiva,
exige laboriosa análise do perfil dogmático da tutela de prevenção do ilícito e de uma
série de questões que gravitam em sua órbita, como, v.g., as da fungibilidade da tutela
inibitória e de seu modo de execução.
A tutela inibitória, contudo, não só reafirma a superação do mito da ordinariedade,
resultado da confusão entre a instrumentalidade do processo e sua pretendida
2 Ver Cristina Rapisarda e Michele Taruffo, Enciclopedia Giuridica Trecanni, v. 17, p. 1.
9
neutralidade em relação ao direito material, como também deixa evidente a insuficiência
da classificação trinária, já que as sentenças declaratória e condenatória, conforme
ficará evidenciado mais tarde, são incapazes de permitir a prevenção do ilícito.
Como a tutela preventiva sempre foi prestada, embora na forma sumária, sob o
manto protetor da tutela cautelar, não é possível deixar de lado o árduo problema da
distinção entre a tutela inibitória e a tutela cautelar. Pensando-se o processo em termos
de tutela dos direitos, é fácil perceber que a tutela jurisdicional, seja sumária ou final,
não pode mais ser classificada com base em critérios processuais, mas sim de modo a
dar conta de sua efetiva interligação com o plano do direito material. Esse modo de ver
a tutela jurisdicional, ao responder à exigência de relativização do binômio
direito/processo, permite não só distinguir a tutela preventiva da tutela cautelar, mas
também classificar as tutelas finais a partir de seus pontos de contato, que devem
demonstrar uma peculiar função da tutela jurisdicional em relação ao direito material.3
Trata-se, portanto, de procurar definir os fundamentos e os contornos de uma nova
tutela jurisdicional,4 e de analisar o impacto dessa tutela sobre a classificação tradicional
das sentenças e das tutelas. É claro que tudo isso somente é possível porque o processo
é pensado a partir de outro ângulo visual – pensar o processo em termos de “tutela dos
direitos” é assumir nova postura perante o direito processual – capaz de romper com a
ilusão de que as categorias do direito processual possam ser construídas ao redor de uma
ação una e abstrata e, portanto, de um pólo metodológico que simplesmente ignore a
necessidade de o processo ser manchado pelas tintas do direito material a que deve dar
resposta.
Essa obra, ao pretender apresentar uma nova tutela jurisdicional, embora possa
parecer ousada, é fundamental para a efetividade da tutela de direitos muito
significativos na vida social. É por essa razão, deixe-se absolutamente claro, que
aceitamos o risco de enfrentar um tema novo e extremamente difícil como o da tutela
inibitória. Na verdade, não é possível viver sem riscos, até porque, como dizia Freud, 3 Seguiremos, no que diz respeito a esta questão, a doutrina italiana que vem pensando a tutela
jurisdicional à luz do direito material: ver Cristina Rapisarda. Profili della tutela civile inibitoria. Padova:
Cedam. 1987. p. 233 e ss; Luigi Paolo Comoglio, Note riepilogative su azione e forme di tutela,
nell’ottica della domanda giudiziale. Rivista di Diritto Processuale, 1993, p. 482 e ss; Adolfo di Majo. La
tutela civile dei diritti. Milano: Giuffrè, 1993; Adolfo di Majo, Forme e tecniche di tutela. Processo e
tecniche di attuazione dei diritti. Napoli: Jovene, 1989. p. 11 e ss; Andrea Proto Pisani, Appunti sulla
giustizia civile. Bari: Cacucci, 1982. Ver, ainda, o volume n. 1 de Processo e tecniche di attuazione dei
diritti, organizado por Salvatore Mazzamuto (Napoli, Jovene, 1989), onde se discute não apenas sobre a
inibitória, mas também sobre a diferença entre a tutela reintegratória e a tutela ressarcitória. 4 A doutrina italiana, como se verá no item n. 3, já definiu com bastante precisão os pressupostos da
inibitória.
10
para se fazer alguma coisa que valha a pena é preciso ser sem escrúpulos, expor-se,
arriscar-se, trair-se, comportar-se como o artista que compra tintas com o dinheiro da
casa e queima os móveis para que a modelo não sinta frio; sem algumas dessas ações
criminosas, de fato, não se pode fazer nada direito.5
5 Renato Mezan, Freud, pensador da cultura. São Paulo: Brasiliense, p. 7, 1986.
11
<titpart>PARTE 1
<titpart>A TUTELA INIBITÓRIA:
UMA NOVA TUTELA
<titpart>JURISDICIONAL
<tit>1
<tit1>O PROCESSO CIVIL CLÁSSICO
E A AUSÊNCIA DE UMA TUTELA
JURISDICIONAL REALMENTE PREVENTIVA
<texto>O procedimento de cognição plena e exauriente, complementado pelas três
sentenças da classificação trinária, é absolutamente incapaz de propiciar uma tutela
preventiva adequada.
<texto>Este modelo de “processo”, que pode ser chamado de “processo civil
clássico”, além de refletir, sobre o plano metodológico, as exigências da escola
sistemática,6 baseadas na necessidade de isolar o processo do direito material,
7 espelha
os valores do direito liberal, fundamentalmente a neutralidade do juiz, a autonomia da
vontade, a não ingerência do Estado nas relações dos particulares e a incoercibilidade do
facere.
<texto>O procedimento ordinário, caracterizado por ser um procedimento alheio ao
que se passa no plano do direito material, é a maior prova de que o isolamento do
processo não produziu bons resultados, haja vista a crescente preocupação com as
chamadas tutelas jurisdicionais diferenciadas, 8
imprescindíveis para a proteção efetiva
de determinadas situações de direito substancial e, portanto, alternativas à neutralidade
6 Ver Francesco Carnelutti, Scuola italiana del processo. Rivista di Diritto Processuale, 1947, p. 233 e ss;
Piero Calamandrei, Gli studi di diritto processuale in Italia nell’ultimo trentennio. Opere Giuridiche.
Napoli: Morano, 1965, v. 1, p. 523 e ss; Amedeo Giannini, Gli studi di diritto processuale civile in Italia.
Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1949, p. 103 e ss. 7 Ver Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitória, cit., p. 51 e ss.
8 Ver, fundamentalmente, Andrea Proto Pisani, Sulla tutela giurisdizionale differenziata. Rivista di Diritto
Processuale, 1979, p. 536 e ss.
12
imposta pela ordinariedade.
<texto>A tutela antecipatória, ao permitir o tratamento diferenciado dos direitos
evidentes, de certa forma remediou o procedimento ordinário, dele expulsando a
proibição de julgamento mediante verossimilhança, o qual certamente não seria do
gosto de uma doutrina interessada em ver o juiz como a bouche de la loi. 9
<texto>A existência de tutela antecipatória, entretanto, não basta para viabilizar a
tutela preventiva, até porque a tutela antecipatória não tem nada a ver com a
necessidade de prevenção do ilícito, mas sim com a necessidade de distribuição do ônus
do tempo do processo.
<texto>Um dos grandes obstáculos para a tutela preventiva está presente na própria
classificação trinária, já que nenhuma das sentenças desta classificação tem a virtude de
propiciar a tutela preventiva.
<texto>A doutrina chiovendiana, ao tratar da ação declaratória, estava mais
preocupada com uma exigência de construção sistemática do que com a eventual função
preventiva que poderia ser exercida pela simples declaração, sabido que a ação
declaratória constituiu-se em um importante elemento para a demonstração da
autonomia da ação em relação ao direito substancial. 10
<texto>Aliás, nem poderia ser de outra forma, pois a escola chiovendiana formou-se
sob a influência de um modelo de Estado de matriz liberal, marcado por uma inegável
acentuação dos valores da liberdade individual sobre os poderes de intervenção do
Estado, o que se reflete nitidamente no conceito de sentença declaratória, compreendida
como uma sentença que se limita a regular formalmente uma relação jurídica já
determinada em seu conteúdo pela autonomia privada. 11
<texto>A sentença declaratória, contudo, exatamente porque não determina um
fazer ou um não fazer, é impotente para permitir a prevenção do ilícito e,
principalmente, a tutela dos direitos não patrimoniais.
<texto>Não só a sentença declaratória, mas também a sentença condenatória, por
definição correlacionada com a execução por sub-rogação, demonstram o valor que a
9 Eis o que disse Montesquieu: “Poderia acontecer que a lei, que é ao mesmo tempo clarividente e cega,
fosse em certos casos muito rigorosa. Porém, os juízes de uma nação não são, como dissemos, mais que a
boca que pronuncia as sentenças da lei, seres inanimados que não podem moderar nem sua força nem seu
rigor” (Do espírito das leis. São Paulo: Abril Cultural, 1973, p. 157). 10
Cristina Rapisarda. Profili della tutela civile inibitoria. Padova: Cedam, 1987, p. 67-68. 11
Idem, ibidem, p. 70-72.
13
doutrina processual clássica deu ao princípio da incoercibilidade do facere. É inegável
que atrás do conceito de condenação esconde-se uma opção pela incoercibilidade do
facere, o que é absolutamente compreensível quando se considera o ambiente cultural
em que o conceito de sentença condenatória foi moldado.
<texto>O conceito de condenação foi influenciado pelas doutrinas que inspiraram o
Code Napoléon, pelo qual “toda obrigação de fazer ou não fazer resolve-se em perdas e
danos e juros, em caso de descumprimento pelo devedor” (art. 1.142).
<texto>A correlação da condenação com a execução por sub-rogação, além de
expressar os valores liberais, revela que o sistema clássico de tutela dos direitos não foi
pensado para permitir a tutela preventiva, ou ainda que a doutrina clássica não se
preocupava com a tutela preventiva dos direitos, o que certamente tinha relação com a
idéia de que a única tutela contra o ilícito constituía-se na reparação do dano.
<texto>Note-se, aliás, que a tutela ressarcitória pelo equivalente, ao contrário da
tutela preventiva, permite que a “tutela jurisdicional” seja pensada à distância do direito
material. Na tutela ressarcitória, importando apenas a realização do direito de crédito
que corresponde à lesão do direito, a técnica sub-rogatória tem condições de atuar de
forma completamente independente da natureza do direito material tutelado, o que não
acontece quando se pensa na tutela específica e, evidentemente, na tutela preventiva. 12
<texto>Se a sentença declaratória não é hábil para permitir a prevenção, e se a
sentença condenatória tem um nítido escopo repressivo, não há possibilidade de se
encontrar, dentro da classificação trinária das sentenças, uma via adequada para a tutela
dos direitos não patrimoniais, o que revela uma total incapacidade do processo civil
clássico para lidar com as relações mais importantes da sociedade contemporânea.
12
Ver Cristina Rapisarda. Inibitoria. Digesto delle discipline privatistiche, v. 9, p. 476.
14
<tit>2
<tit1>A NECESSIDADE DE UM
NOVO MODELO PROCESSUAL
<texto>Se o processo civil tradicional não é capaz de garantir de forma adequada os
direitos, é preciso pensar, urgentemente, em um novo modelo processual.
<texto>O processo civil deve estar estruturado de modo a viabilizar a adequada
tutela dos direitos. Neste sentido, não cabe confundir o modelo processual (vale dizer,
os procedimentos) com a tutela que por eles deve ser prestada. Os procedimentos são
diferentes exatamente pela razão de que devem se amoldar às diversas espécies de
direitos que obrigam o cidadão a buscar o Judiciário. Os procedimentos variam de
acordo com a cognição que lhes é inerente (procedimento ordinário de conhecimento,
procedimento do mandado de segurança, procedimento cautelar etc.), por permitirem a
aceleração dos atos processuais (procedimento ordinário, sumário etc.), por abrirem
oportunidade à antecipação da tutela, e por trabalharem com sentenças e meios de
execução diversificados.
<texto>É preciso compreender que o direito de ação não pode mais ser pensado
como simples direito à sentença, mas sim como o direito ao modelo processual capaz de
propiciar a tutela do direito afirmado em juízo. Se o cidadão deve buscar o Judiciário, e
esse possui a obrigação de lhe prestar a efetiva tutela de seu direito, é evidente que, por
meio da ação, o direito afirmado deve encontrar caminho para que, quando reconhecido,
possa ser efetivamente tutelado. Portanto, o exercício do direito de ação não se exaure
com a apresentação da petição inicial, mas apenas no momento em que o processo é
finalizado, inclusive, se necessário, com a prática dos meios de execução. Entretanto, e
como é lógico, o direito de ação existirá ainda que o direito material não seja
reconhecido. A sentença de improcedência, ao negar a tutela do direito, presta tutela
jurisdicional. Mas quando se olha para uma técnica processual que reconhece o direito
afirmado (sentença de procedência ou decisão que antecipa a tutela), passa a ser correto
falar nas várias tutelas dos direitos, ou melhor, nas diferentes tutelas que as diversas
15
situações de direito material exigem (tutela inibitória etc.).
<texto>A necessidade de tutela preventiva exige a estruturação de um procedimento
autônomo e que desemboque em uma sentença que possa impedir a prática, a repetição
ou a continuação do ilícito. Além disso, a tutela de prevenção do ilícito requer um
procedimento estruturado com técnica antecipatória, pois o direito que se visa proteger
através da tutela preventiva tem, em regra, grande probabilidade de ser lesado no curso
do processo. De outro modo, a tutela preventiva pode ser transformada em tutela
ressarcitória, ou o direito em pecúnia, mediante uma injusta expropriação imposta pelo
próprio tempo que o Estado exige para tutelar o direito que ele mesmo consagra.
<texto>Ademais, é necessário compreender, para a efetividade da tutela preventiva,
quais são os seus pressupostos (mediante a distinção entre ato contrário ao direito e
dano), evitando-se que o procedimento a ela referente seja povoado por questões
impertinentes.
<texto>Um procedimento desse tipo é absolutamente imprescindível em um
ordenamento jurídico que se empenha em dar efetividade aos direitos que consagra,
especialmente aos direitos não patrimoniais, os quais evidentemente não podem ser
tutelados de forma adequada através de procedimentos que finalizam nas sentenças da
classificação trinária.
<texto>A imprescindibilidade de um novo modelo processual, caracterizado pela
possibilidade de antecipação da tutela e de sentença que não se enquadre na
classificação trinária, é o reflexo da tomada de consciência de que os direitos precisam
ser tutelados de forma preventiva, especialmente porque a nossa própria Constituição
Federal, fundada na dignidade da pessoa humana (art. 1.º, III), não só garante uma série
de direitos não patrimoniais, como afirma expressamente o direito de acesso à justiça
diante de “ameaça a direito” (art. 5.º, XXXV). Pesa, portanto, sobre a doutrina
processual, a grave e importante incumbência de elaborar, teoricamente, um modelo de
tutela jurisdicional adequado aos valores do tempo presente.
16
<tit>3
<tit1>A TUTELA INIBITÓRIA
<s>SUMÁRIO: 3.1 Considerações iniciais – 3.2 A tutela inibitória e a
problemática do ilícito – 3.3 A inibitória tutela contra o ilícito – 3.4 A tutela
inibitória e a questão da culpa – 3.5 Os diferentes escopos da tutela inibitória –
3.6 A cognição e a prova na ação inibitória – 3.7 A prova indiciária diante da
ação inibitória: 3.7.1 Primeiras considerações; 3.7.2 “Juízo-instrumental”,
presunção, “juízo-resultado”, “juízo-provisório” e “juízo-final”; 3.7.3 O controle
da admissão da prova para a demonstração do fato indiciário; 3.7.4 A
importância do senso comum para o raciocínio fundado a partir da prova
indiciária; 3.7.5 A importância do senso comum para a formação do juízo a
partir da presunção – 3.8 A necessidade de atuação concreta da norma e a
importância da ação inibitória – 3.9 A autonomia da ação inibitória – 3.10 A
inaptidão do antigo art. 287 para garantir uma tutela jurisdicional adequada e a
confusão que se instalou entre a tutela preventiva e a tutela cautelar. A
dificuldade de se perceber, hoje, a relação entre a tutela das obrigações de fazer
e de não fazer e a tutela inibitória – 3.11 A ação inibitória é corolário de um
princípio geral de prevenção – 3.12 Direito à tutela inibitória, técnica processual
e tutela jurisdicional inibitória – 3.13 O art. 461 como fundamento processual da
tutela inibitória – 3.14 O art. 12, caput, do novo Código Civil – 3.15 A tutela
inibitória no plano coletivo –3.15.1 Os arts. 11 da Lei da Ação Civil Pública e
84 do CDC. O sistema brasileiro de tutela coletiva ampara a tutela inibitória –
3.15.2 A problemática da tutela inibitória a partir do controle dos atos do Poder
Público – 3.15.3 A tutela inibitória em caso de omissão do Poder Público –
3.15.4 A tutela coletiva do consumidor contra o uso de cláusulas gerais abusivas
– 3.16 As técnicas processuais, presentes nos arts. 461, CPC, e 84, CDC,
viabilizam a concessão de várias tutelas – 3.17 A razão para se falar em tutela
17
inibitória – 3.18 A tutela inibitória negativa e a tutela inibitória positiva – 3.19 A
multa e a tutela inibitória que impõe um fazer fungível – 3.20 A plasticidade da
tutela inibitória e os limites para a imposição do fazer e do não fazer: 3.20.1
Breve observação inicial – 3.20.2 Os princípios do meio idôneo e da menor
restrição possível como vetores para o adequado uso da tutela inibitória – 3.21
Tutela inibitória e tutela de remoção do ilícito – 3.22 A fungibilidade da tutela
inibitória: 3.22.1 Breves observações sobre o princípio da congruência entre o
pedido e a sentença; 3.22.2 Os arts. 461 do CPC e 84 do CDC como exceções ao
princípio de que a sentença deve ficar adstrita ao pedido; 3.22.3 A sub-rogação
de uma obrigação em outra para a obtenção da tutela específica ou do resultado
prático equivalente ao do adimplemento; 3.22.4 O poder decisório do juiz e o
princípio da efetividade; 3.22.5 O poder decisório do juiz e o princípio da
necessidade; 3.22.6 A fungibilidade da tutela inibitória reafirma a idéia da
fungibilidade da tutela de segurança, que sempre esteve na base da “tutela
cautelar” – 3.23 O pedido de tutela inibitória e as violações de eficácia
instantânea suscetíveis de repetição no tempo – 3.24 Tutela inibitória e
cumulação de pedidos. A tutela antecipatória mediante o julgamento antecipado
de pedido inibitório cumulado com pedido ressarcitório – 3.25 A importância da
audiência preliminar à luz da experiência anglo-americana do undertaking do
réu – 3.26 A tutela inibitória antecipada: 3.26.1 Primeiras considerações; 3.26.2
A quebra da regra da nulla executio sine titulo; 3.26.3 A tutela inibitória
antecipada na ação inibitória; 3.26.4 A evidente distinção entre tutela inibitória
antecipada e tutela cautelar – 3.27 A execução da tutela inibitória: 3.27.1 A
tutela inibitória e a multa – 3.27.2 Outras medidas de execução.
<a>3.1 Considerações iniciais
<texto>Não há no direito brasileiro qualquer incursão teórica voltada a estabelecer
uma tutela jurisdicional preventiva atípica que possa ser prestada através do processo de
conhecimento. Contudo, se os cidadãos devem ter a sua disposição instrumentos
processuais adequados para a tutela de seus direitos, é necessário que seja elaborada
uma tutela jurisdicional idônea à prevenção do ilícito.
<texto>Tal tutela, a nosso ver, pode ser denominada de inibitória, à semelhança do
18
que ocorre no direito italiano, onde existem tentativas – embora reduzidas – de se pôr
em relevo uma tutela inibitória atípica.13
Anote-se, desde logo, que o direito italiano, da
mesma forma que o nosso, conhece hipóteses típicas de tutela inibitória, mas há na
doutrina italiana uma séria dúvida acerca da existência de uma tutela inibitória atípica.
<texto>Ainda que o direito italiano viva a dúvida da atipicidade da inibitória, a
doutrina tem posto em destaque os pontos comuns das inibitórias típicas, o que
consubstancia um importante trabalho, à medida que define os contornos da tutela
inibitória, conferindo segurança aos operadores jurídicos no uso do instrumento
adequado a prevenir o ilícito. 14
<texto>O estudo da inibitória, no direito brasileiro, 15
deve ter por meta construir os
seus próprios elementos – e não apenas evidenciar a necessidade da prevenção do ilícito
–, permitindo que se vislumbre com nitidez sua fisionomia em face das outras formas de
tutela, como a tutela cautelar.
<texto>A tutela inibitória, configurando-se como tutela preventiva, visa a prevenir o
ilícito, culminando por apresentar-se, assim, como uma tutela anterior à sua prática, e
não como uma tutela voltada para o passado, como a tradicional tutela ressarcitória.
<texto>Quando se pensa em tutela inibitória, imagina-se uma tutela que tem por fim
impedir a prática, a continuação ou a repetição do ilícito, e não uma tutela dirigida à
reparação do dano. Portanto, o problema da tutela inibitória é a prevenção da prática, da
continuação ou da repetição do ilícito, enquanto o da tutela ressarcitória é saber quem
deve suportar o custo do dano, independentemente do fato de o dano ressarcível ter sido
produzido ou não com culpa. 16
13
Ver, basicamente, Aldo Frignani, L’injunction nella common law e l’inibitoria nel diritto italiano.
Milano: Giuffrè, 1974; Aldo Frignani, Inibitoria (azione). Enciclopedia del diritto, v. 21, p. 559 e ss; Aldo
Frignani, Azione in cessazione. Novissimo Digesto Italiano (appendice I), 1980, p. 639 e ss; Aldo
Frignani, Inibitoria (azione). Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 17, p. 1 e ss; Cristina Rapisarda, Profili
della tutela civile inibitoria. Padova: Cedam, 1987; Cristina Rapisarda, Inibitoria. Digesto delle discipline
privatistiche. v. 9, p. 475 e ss; Cristina Rapisarda e Michele Taruffo, Inibitoria. Enciclopedia Giuridica
Treccani, v. 17. p. 1 e ss. 14
Sobre a tutela inibitória no direito italiano, ver, além da bibliografia já referida na nota anterior, Ugo
Mattei, Tutela inibitoria e tutela risarcitoria. Milano: Giuffrè, 1987; Mario Libertini, La tutela civile
inibitoria. Processo e tecniche di attuazione dei diritti. Napoli: Jovene, 1989, p. 315 e ss; Luigi
Montesano, Problemi attuali su limiti e contenuti (anche non patrimoniali) delle inibitorie, normali e
urgenti. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile. 1995, p. 775 e ss. 15
Já acenamos, muito brevemente, para a questão da tutela inibitória (ver Luiz Guilherme Marinoni,
Tutela inibitória: a tutela de prevenção do ilícito. Genesis – Revista de Direito Processual Civil, p. 353 e
ss; Luiz Guilherme Marinoni, A antecipação da tutela. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 59 e ss). 16
Michele Mòcciola, Problemi del risarcimento del danno in forma specifica nella giurisprudenza. Rivista
Critica del Diritto Privato, 1984, p. 367.
19
<texto>Se não é possível confundir tutela inibitória com tutela ressarcitória é porque
a tutela inibitória não é uma tutela contra o dano, não exigindo, portanto, os mesmos
pressupostos da tutela ressarcitória.
<texto>Como já se pode perceber, a configuração de uma tutela genuinamente
preventiva implica a quebra do dogma – de origem romana – de que a única e
verdadeira tutela contra o ilícito é a de reparação do dano ou a tutela ressarcitória, ainda
que na forma específica. 17
<texto>A confusão entre ilícito e dano é o reflexo de um árduo processo de
evolução histórica que culminou por fazer pensar – através da suposição de que o bem
juridicamente protegido é a mercadoria, isto é, a res dotada de valor de troca – que a
tutela privada do bem é o ressarcimento do equivalente ao valor econômico da lesão. 18
A identificação de ilícito e dano não deixa luz para a doutrina enxergar outras formas de
tutela contra o ilícito; não é por outra razão, aliás, que o grande exemplo de tutela
inibitória no direito brasileiro está no interdito proibitório, a refletir valores liberais
clássicos e privatísticos.
<texto>A unificação da categoria da ilicitude com a da responsabilidade civil, fruto
da idéia – que é resultado de uma visão “mercificante” dos direitos – de que a única
tutela contra o ilícito consiste na reparação do dano, ainda está presente na doutrina do
direito civil brasileiro. Anote-se, apenas como exemplo, a seguinte passagem da obra de
Orlando Gomes: “Não interessa ao Direito Civil a atividade ilícita de que não resulte
prejuízo. Por isso, o dano integra-se na própria estrutura do ilícito civil. Não é de boa
lógica, seguramente, introduzir a função no conceito. Talvez fosse preferível dizer que a
produção do dano é, antes, um requisito da responsabilidade, do que do ato ilícito. Seria
este simplesmente a conduta contra jus, numa palavra, a injúria, fosse qual fosse a
conseqüência. Mas, em verdade, o Direito perderia seu sentido prático se tivesse de
ater-se a conceitos puros. O ilícito civil só adquire substantividade se é fato danoso”. 19
<texto>Compreendendo-se que a tutela jurisdicional contra o ilícito não se destina,
necessariamente, a reparar o dano, abre-se oportunidade à construção de uma tutela
inibitória atípica, destinada a operar em face dos diversos casos conflitivos concretos
17
Cristina Rapisarda, Inibitoria (azione). Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 17, p. 1. 18
Cesare Salvi, Legittimità e ‘razionalità’ dell’art. 844 Codice Civile. Giurisprudenza italiana, 1975, p.
591. 19
Orlando Gomes, Obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 1992, p. 313-314.
20
que dela careçam. 20
<texto>A tutela inibitória é uma tutela específica, pois objetiva conservar a
integridade do direito, assumindo importância não apenas porque alguns direitos não
podem ser reparados e outros não podem ser adequadamente tutelados através da
técnica ressarcitória, mas também porque é melhor prevenir do que ressarcir, o que
equivale a dizer que no confronto entre a tutela preventiva e a tutela ressarcitória deve-
se dar preferência à primeira. 21
<texto>A tutela ressarcitória, na maioria das vezes, substitui o direito originário por
um direito de crédito equivalente ao valor do dano verificado e, nesse sentido, tem por
escopo apenas garantir a integridade patrimonial dos direitos; já a inibitória, que não
tem qualquer caráter sub-rogatório, destina-se a garantir a integridade do direito em si. 22
<texto>A tutela inibitória é caracterizada por ser voltada para o futuro, 23
independentemente de estar sendo dirigida a impedir a prática, a continuação ou a
repetição do ilícito. Note-se, com efeito, que a inibitória, ainda que empenhada apenas
em fazer cessar o ilícito ou a impedir a sua repetição, não perde a sua natureza
preventiva, pois não tem por fim reintegrar ou reparar o direito violado.
<texto>Falamos em “tutela” inibitória porque entendemos que o sistema de tutela
dos direitos deve deixar de ser pensado em torno da ação una e abstrata e passar a ser
compreendido em termos de “tutela”, ou melhor, a partir dos resultados que a tutela
jurisdicional proporciona aos consumidores do serviço jurisdicional. Deixe-se claro,
portanto, que a expressão tutela nada tem a ver com o fato de o resultado perseguido
20
Bonasi Benucci afirmou, em ensaio publicado na Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile de
1957, que a estrutura do ilícito não teve, por parte da doutrina, uma elaboração adequada à importância do
tema. A razão disto estaria no fato de que a atenção dos estudiosos ficou concentrada sobre a
responsabilidade pelos danos conseqüentes ao ilícito, e não sobre o ato ilícito considerado em si (Eduardo
Bonasi Benucci, Atto illecito e concorrenza sleale. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile,
1957, p. 563). 21
Trimarchi, em clássico verbete (illecito) publicado na Enciclopedia del Diritto, afirma o seguinte: “La
reazione che l’ordinamento giuridico appresta contro l’atto illecito mira preventivamente ad impedirne il
compiersi, e sucessivamente ad eliminarne le conseguenze. Meglio prevenire che curare: è un ovvio
principio di economia. Perciò, ancor prima che l’atto illecito sia compiuto, il diritto opera non solo con la
minaccia della successiva sanzione, che può scoraggiare il comportamento vietato, ma anche con misure
immediate volte ad impedire il comportamento lesivo o la lesione prima del loro verificarsi” (Pietro
Trimarchi, Illecito. Enciclopedia del Diritto, v. 20, p. 106). 22
Cristina Rapisarda, Inibitoria. Digesto delle discipline privatistiche, v. 9, p. 476. 23
Como diz Rapisarda, “carattere essenziale e tipico dell’azione inibitoria è, dunque, quello di essere una
tecnica di tutela giurisdizionale rivolta verso il futuro (indipendentemente dal fatto che tra i suoi
presupposti di esperibilità si richieda o non si richieda una violazione già avvenuta o che il
comportamento illecito continuativo sia già iniziato), piuttosto che verso il passato” (Cristina Rapisarda,
Inibitoria (azione). Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 17, p. 1).
21
pelo autor ser obtido através de uma tutela que não é de cognição exauriente, mas de
cognição sumária, como as tutelas antecipatória e cautelar.
<texto>A tutela inibitória é requerida via ação inibitória, que constitui ação de
cognição exauriente. Nada impede, contudo, que a tutela inibitória seja concedida
antecipadamente, no curso da ação inibitória, como tutela antecipatória. Ao contrário,
considerada a natureza da inibitória, é fácil perceber que em grande número de casos
apenas a inibitória antecipada poderá corresponder ao que se espera da tutela
preventiva.
<texto>A inibitória funciona, basicamente, através de uma decisão ou sentença
capaz de impedir a prática, a repetição ou a continuação do ilícito, o que permite
identificar o fundamento normativo-processual desta tutela nos arts. 461 do CPC e 84
do CDC.
<texto>Perceba-se que no direito brasileiro, ao contrário do que ocorre no direito
italiano, não há qualquer dificuldade para se conceber a inibitória como tutela atípica. A
grande dificuldade de se admitir a atipicidade da inibitória na Itália advém do fato de o
direito italiano não consagrar a atipicidade de uma sentença que possa impor um fazer
ou um não fazer sob pena de multa. No Brasil não há este problema, uma vez que os
arts. 461 do CPC e 84 do CDC - que tratam das obrigações de fazer e de não-fazer –
abrem oportunidade às sentenças mandamental e executiva, sem qualquer alusão a uma
específica situação de direito substancial. Em outros termos, a tutela inibitória pode ser
postulada diante de qualquer tipo de direito, e não apenas em face de situações de
direito material expressamente previstas na lei.
<texto>Aliás, o fundamento maior da inibitória, ou seja, a base de uma tutela
preventiva geral, encontra-se – como será melhor explicado mais tarde – na própria
Constituição Federal, precisamente no art. 5.º, XXXV, que estabelece que “a lei não
excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, e exatamente por
isto não há como pensar que a inibitória somente pode servir a certos direitos.
<a>3.2 A tutela inibitória e a problemática do ilícito
<texto>Uma das mais importantes conquistas da doutrina italiana mais recente está
na distinção – elaborada a partir de uma revisão do conceito de ilícito – entre ato ilícito
22
e fato danoso. 24
<texto>A necessidade de uma tutela antecedente ao dano, de conteúdo nitidamente
preventivo, levou os estudiosos a tentar explicar o fundamento e a finalidade desse tipo
de tutela. Se a tutela não visa a reparar o dano, qual seria o seu fundamento e escopo?
Esta pergunta foi respondida, no curso da evolução da doutrina, de várias formas.
<texto>Afirmou-se, em uma doutrina elaborada há bastante tempo, que a “ação”
(física), em alguns casos, pode não resultar em um evento danoso; lembrou-se, ainda,
que podem ser praticados atos preparatórios voltados a uma finalidade sem que a ação
seja praticada e que, também, uma ação pode ser apenas anunciada como um propósito,
sem que qualquer ato seja praticado. Muito embora não verificado o dano ou mesmo
praticada a ação, entendeu-se que a prática da ação, dos atos preparatórios ou o simples
anúncio da ação como conteúdo de um propósito, não poderiam deixar de ter
significado. Foi aí que surgiu a distinção, realizada no interior da categoria da ilicitude
civil, entre o “ilícito de perigo” e o “ilícito de lesão”. 25
<texto>Essa distinção, que foi feita por Candian, parece ser uma das tentativas
iniciais de se explicar a diferença entre a tutela preventiva e a tutela ressarcitória, a
primeira voltada contra o ilícito de perigo e a segunda dirigida contra o ilícito de lesão.
26
<texto>Candian, ao mencionar uma série de casos que configurariam exemplos de
tutela contra o ilícito de perigo, agrupa em uma mesma categoria a tutela cautelar e a
tutela inibitória, realizando uma sensível ampliação da noção tradicional de ato
conservativo. 27
Porém, transparece da doutrina de Candian uma preocupação em evitar
o dano e não o ato contrário ao direito; quando Candian fala em ilícito de perigo, como
categoria contraposta à de ilícito de lesão, fica claro que o ilícito de perigo diz respeito
a um perigo de dano. É evidente, portanto, que a elaboração de Candian não pode ser
24
“Com’è noto, a partire dalla metà degli anni 60 un consistente orientamento dottrinale ha posto in luce
l’importanza della distinzione tra illecito (come condotta antigiuridica) e danno, come fatto storico,
materiale, che può essere (eventuale) conseguenza dell’illecito, o può derivare da fatti non suscettibili di
tale qualificazione” (Michele Mòcciola, Problemi del risarcimento del danno in forma specifica nella
giurisprudenza. Rivista Critica del Diritto Privato, 1984, p. 367). E eis o que diz Salvi: “Il riferimento
all’art. 2043 codice civile ha un significato innovatore, se si traggono tutte le conseguenze dalla revisione
che la dottrina più recente ha operato dell’intera materia dell’illecito civile. Uno dei più proficui risultati
di tale revisione appare, infatti, la netta distinzione tra atto illecito e fatto dannoso da cui deriva la
responsabilità civile” (Cesare Salvi, Legittimità e ‘razionalità’ dell’art. 844 Codice Civile.
Giurisprudenza italiana, 1975, p. 590). 25
A. Candian, Nozioni istituzionali di diritto privato. Milano: Giuffrè, 1946, p. 119. 26
Idem, ibidem. 27
Idem, ibidem, p. 120-121.
23
aceita como adequada à explicação da tutela preventiva, 28
já que marcada por uma
preocupação em evitar o dano e não o ato contrário ao direito. 29
<texto>Lodovico Barassi, um outro conhecido civilista italiano, tratando da
“prevenzione del fatto danoso”, pergunta se é admitida, no direito italiano, uma ação
destinada “a prevenir as lesões jurídicas”. Segundo ele, uma ação desse tipo objetiva
fazer cessar um estado atual de coisas que necessariamente deve conduzir a uma futura
lesão; uma ação dirigida sobretudo a obter que uma pessoa desista de um determinado
comportamento, ou mesmo o modifique. 30
<texto>Ao descrever alguns casos que constituiriam exemplos de tutela preventiva,
alerta Barassi que as situações às quais as ações preventivas fariam referência
constituiriam o ilícito de perigo, que se distinguiria, assim, do ilícito de lesão. 31
<texto>Barassi deixa transparecer com toda nitidez que a tutela preventiva é voltada
a prevenir o dano, o que não o impede, portanto, de aderir à terminologia utilizada por
Candian, e de falar de “ilícito de perigo” e de “ilícito de lesão”. A tutela dirigida a fazer
cessar uma atividade ilícita (ilícito de perigo) teria natureza preventiva porque destinada
a impedir um futuro dano.
<texto>Segundo Barassi, a tutela preventiva pode ser utilizada para impedir a
continuação de um estado atual de coisas que já provocou um dano, mas que ainda pode
provocar outro, e mesmo para impedir a continuação de um estado atual de coisas que,
ainda que não tenha causado algum dano, provavelmente pode ocasioná-lo. 32
<texto>A posição de Barassi merece a mesma crítica que foi endereçada à doutrina
de Candian. Barassi, ao falar em ilícito de perigo, alude a um estado atual de coisas
28
Ver, nesse sentido, Aldo Frignani, Azione in cessazione. Novissimo Digesto italiano, 1980, p. 654;
Cristina Rapisarda, Inibitória. Digesto delle discipline privatistiche, v. 9, p. 480. 29
É interessante ressaltar, porém, que Candian fala em prevenção do ilícito como princípio geral do
ordenamento jurídico: “Quanto alla ragione determinante delle autorizzazioni e delle iniziative,
rispettivamente impartite e consentite dall’ordinamento, essa risiede in una immanente esigenza di
economia. A parte, infatti, le ipotesi in cui il danno è per sua natura (come quello proveniente dalla
insolvenza del debitore) insuscettibile di riparazione, l’ordinamento manifesta, con numerose
disposizioni, la tendenza a preferire le misure della prevenzione, dovunque siano possibili, a quelle della
riparazione o della pena o del risarcimento, cioè in genere alle misure repressive (inteso il termine in
senso lato). Appunto la varietà delle situazioni alle quali, con le numerose norme citate, ed altre ancora, si
è voluto provvedere, dà per certo che non tanto si tratta di singole disposizioni da applicare ai casi di volta
in volta preveduti, quanto di un principio generale dell’ordinamento giuridico: di un principio, appunto,
inspirato alla ora cennata esigenza economica” (A. Candian, Nozioni istituzionali di diritto privato, cit., p.
121). 30
Lodovico Barassi, La teoria generale delle obbligazioni. Milano: Giuffrè, 1964, p. 429. 31
Idem, ibidem, p. 429. 32
Idem, ibidem, p. 430.
24
(uma atividade ilícita continuativa) que pode causar dano. A tutela contra o ilícito de
perigo, portanto, seria uma tutela contra o perigo de dano.
<texto>Um dos temas que certamente motivou a doutrina italiana a estabelecer a
distinção entre ilícito e dano foi, sem dúvida, o da tutela contra a concorrência desleal.
Para que se compreenda a razão pela qual a doutrina foi obrigada a estudar o ilícito com
vistas a melhor entender essa tutela, é necessário perceber a própria estrutura normativa
da tutela contra a concorrência desleal, que fez surgir, na realidade, diversas espécies de
tutelas voltadas à proteção do empresário. 33
<texto>O Código Civil italiano, ao tratar do assunto, além de estabelecer quais são
os atos que configuram concorrência desleal, prevê três espécies de tutela: a tutela
inibitória, a tutela reintegratória e a tutela ressarcitória.
<texto>Afirma o art. 2.599 que a sentença que declara a existência de atos de
concorrência desleal inibe a sua continuação e confere as providências necessárias a fim
de que sejam eliminados os seus efeitos. O art. 2.600, complementando o leque da tutela
jurisdicional contra a concorrência desleal, dispõe que, se os atos são praticados com
dolo ou culpa, o seu autor fica obrigado a ressarcir o dano.
<texto>O art. 2.599, ao disciplinar a tutela inibitória e a tutela que tem por fim
remover os efeitos dos atos praticados, não fala em culpa ou dolo, enquanto o art. 2.600,
ao disciplinar a reparação do dano, exige a culpa ou o dolo.
<texto>O art. 2.043 do CC italiano afirma que qualquer fato doloso ou culposo, que
ocasione a outrem um dano injusto, obriga ao ressarcimento do dano. Uma vez que a
tutela contra a concorrência desleal, de lado a própria tutela ressarcitória, não requer
dano, culpa ou dolo, tornou-se necessária a separação das tutelas inibitória e
reintegratória contra a concorrência desleal da tutela contra o dano (por ela produzido),
que até então era vista como a única tutela contra o ilícito.
33
Sobre a problemática da tutela contra a concorrência desleal, ver Eduardo Bonasi Benucci, Atto illecito
e concorrenza sleale. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1957, p. 563 e ss; Marco Saverio
Spolidoro, Le misure di prevenzione nel diritto industriale. Milano: Giuffrè, 1982; Tullio Ascarelli,
Teoria della concorrenza e dei beni immateriali. Milano: Giuffrè, 1957; Geraldo Santini, Concorrenza
sleale ed impresa. Rivista di Diritto Civile, 1959, p. 125 e ss; Pier Giusto Jaeger, Valutazione comparativa
di interessi e concorrenza sleale. Rivista di Diritto Industriale, 1970, p. 38 e ss; Gustavo Ghidini, La
repressione della concorrenza sleale nel sistema degli artt. 2598 ss. cod. civ. Le sanzioni. Rivista di
Diritto Civile, 1970, p. 329 e ss; Remo Franceschelli, Studi sulla concorrenza sleale. La fattispecie.
Rivista di Diritto Industriale, 1963, p. 269 e ss; Giuseppe Auletta, Divieto di concorrenza e divieto di
concorrenza sleale. Diritto e giurisprudenza, 1956, p. 279 e ss; Gustavo Minervini, Concorrenza e
consorzi. Milano: Vallardi, 1965, p. 51 e ss; Marco Sertorio, Illecito civile, concorrenza, prescrizione.
Archivo della responsabilità civile e dei problemi generali del danno, 1964, p. 122 e ss; Luigi Mosco, La
concorrenza sleale. Napoli: Jovene, 1956, p. 188 e ss.
25
<texto>Parte da doutrina, ainda ligada à idéia de que o ilícito requer o dano, chegou
a propor uma dicotomia dos atos de concorrência desleal, os quais, quando culposos e
danosos, ficariam enquadrados no conceito de ato ilícito, e em hipótese diversa
classificados de modo totalmente autônomo. 34
<texto>Uma outra parte da doutrina, porém, tentou distanciar conceitualmente o
ilícito que abre ensejo para as tutelas inibitória e reintegratória contra a concorrência
desleal do ilícito tal como vinha sendo traçado, ou seja, do ilícito que requer
necessariamente o dano.
<texto>Esta doutrina estabelece algumas premissas que são fundamentais dentro do
esforço de revisão do conceito de ilícito. Afirmou-se, basicamente, que o art. 2.043 do
CC italiano não descreve o ilícito – como supunha a doutrina mais antiga –, mas apenas
configura a responsabilidade pelo dano. Deduziu-se, nesta linha, que a tutela
ressarcitória não é a única forma de tutela contra o ilícito35
e que a culpa é uma
condição (geralmente) necessária para o ressarcimento do dano, mas não para a ilicitude
do ato. 36
<texto>Para evidenciar que o dano não é elemento constitutivo do ilícito,
argumentou-se que, quando se diz que não há ilícito sem dano, identifica-se o ato contra
ius com aquela que é a sua normal conseqüência, e isto ocorreria apenas porque o dano
é o sintoma sensível da violação da norma. A confusão entre ilícito e dano seria o
reflexo do fato de que o dano é a prova da violação e, ainda, do aspecto de que entre o
ato ilícito e o dano subsiste freqüentemente uma contextualidade cronológica que torna
difícil a distinção dos fenômenos, ainda que no plano lógico. 37
<texto>Bonasi Benucci distinguiu perigo e dano, argumentando que o dano é uma
34
Ver Eduardo Bonasi Benucci, Atto illecito e concorrenza sleale. Rivista Trimestrale di Diritto e
Procedura Civile, 1957, p. 565. Ver, também, Luigi Mosco, La concorrenza sleale. Napoli: Jovene, 1956,
p. 188 e ss. 35
É o que admite Bonasi Benucci no mais importante trabalho sobre o ilícito dentro do tema da
concorrência desleal: “Ci sembra indubbio che l’art. 2043 si limiti a porre in forma generalissima le
condizioni cui è sottoposta l’insorgenza dell’obbligo a risarcire il danno conseguente all’illecito, ma che
esso non descriva l’illecito, né esaurisca la specificazione dei mezzi di tutela che l’ordinamento offre a
colui che sia vittima dell’illecito stesso” (Eduardo Bonasi Benucci, Atto illecito e concorrenza sleale.
Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1957, p. 567). 36
“Essendo quindi anche la colpa una condizione normalmente necessaria (salvo eccezioni che si vanno
facendo sempre più numerose, ma che, appunto per il loro carattere di eccezioni, non capovolgono ancora
il principio generale) della risarcibilità del danno e non della illiceità dell’atto, illiceità che si perfeziona
con la mera violazione della norma quale consegue all’atto stesso” (Eduardo Bonasi Benucci, Atto illecito
e concorrenza sleale. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1957, p. 567). 37
Eduardo Bonasi Benucci, Atto illecito e concorrenza sleale. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura
Civile, 1957, p. 569.
26
conseqüência normal da periculosidade do ilícito e de sua capacidade de provocar dano.
O perigo, nesta concepção, é elemento constitutivo do ilícito (o ilícito é sempre de
perigo), enquanto o dano, por ser uma conseqüência meramente eventual da violação, é
um elemento extrínseco a sua fattispecie constitutiva. 38
<texto>Note-se que esta elaboração doutrinária difere daquela construída por
Candian, 39
já que a concepção de Benucci não fala em ilícito de perigo e ilícito de
lesão, mas apenas em ilícito que guarda em si, necessariamente, o perigo de dano. Há
uma unidade conceitual para o ilícito, que seria, em poucas palavras, o ato contra ius
que pode causar dano. 40
<texto>Bonasi Benucci, ao inserir na constituição do ilícito o perigo, refere-se ao
perigo como uma “potencialidade danosa”, evidenciando, assim, que a tutela contra o
ilícito – que seria diferente da tutela contra o dano – é uma tutela contra a probabilidade
do dano. 41
<texto>Note-se, porém, que se o dano é uma conseqüência meramente eventual e
não necessária do ilícito, a tutela inibitória não deve ser compreendida como uma tutela
contra a probabilidade do dano, mas sim como uma tutela contra o perigo da prática, da
repetição ou da continuação do ilícito, compreendido como ato contrário ao direito que
prescinde da configuração do dano. 42
<a>3.3 A inibitória tutela contra o ilícito
38
Idem, ibidem, p. 575. 39
A. Candian, Nozioni istituzionali di diritto privato, cit., p. 119 e ss. 40
Giuseppe Auletta, ao analisar a estrutura normativa da tutela contra a concorrência desleal, igualmente
conclui que o requisito do dano é substituído pelo de perigo de dano (Attività. Enciclopedia del Diritto, v.
3, p. 987). 41
“La individuazione dell’elemento della potenzialità dannosa come completamento della fattispecie
costitutiva dell’illecito civile consente di riunire in unica categoria quelle molteplici ipotesi di illecito in
cui il danno non è ancora occorso, ma sussiste già una situazione di pericolo determinata da atti la cui
prosecuzione o ripetizione porterà (secondo un calcolo di probabilità) alla produzione di un danno, se non
tempestivamente interrotta ed inibita con rimozione altresì di quegli effetti già determinati dall’atto e che
potrebbero essere fonte autonoma di danno” (Eduardo Bonasi Benucci, Atto illecito e concorrenza sleale.
Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1957, p. 575). 42
Frignani, analisando a teoria de Bonasi Benucci, diz o seguinte: “Alle stesse critiche può essere
sottoposta anche la teoria che, nel tentativo di superare la dicotomia candiana tra illecito di danno e
illecito di pericolo, ha ritenuto che l’illecitto sia sempre individuato dalla sua ‘potenzialità danosa’; in
altri termini, anche questa dottrina imposta il suo ragionamento sul danno, seppure eventuale o possibile.
(...) A prima vista tale formulazione sembra presentare una notevole aderenza alla realtà, ma la sua
debolezza sta nel considerare l’id quod plerumque accidit come elemento essenziale di una fattispecie, e
non invece come elemento accidentale. Non si tiene però in considerazione che il legislatore contempla
tanti tipi di condotta, proibiti dal diritto e perciò costituenti una fattispecie di illecito, che non porteranno
necessariamente ad un danno, e dove perciò l’illeceità prescinde anche dalla potenzialità dannosa”
(Azione in cessazione. Novissimo Digesto Italiano, 1980, p. 655).
27
<texto>Imaginou-se por muito tempo que a lei, por obrigar quem comete um dano a
indenizar, não diferenciasse ilícito de dano, ou melhor, considerasse o dano como
elemento essencial e necessário da fattispecie constitutiva do ilícito. 43
<texto>Entretanto, o dano não é uma conseqüência necessária do ato ilícito. O dano
é requisito indispensável para o surgimento da obrigação de ressarcir, mas não para a
constituição do ilícito. 44
<texto>É óbvio que o dano não pode estar entre os pressupostos da inibitória. Sendo
a inibitória uma tutela voltada para o futuro e genuinamente preventiva, é evidente que
o dano não lhe diz respeito.
<texto>Na realidade, se o dano não é elemento constitutivo do ilícito, podendo este
último existir independentemente do primeiro, não há razão para não se admitir uma
tutela que leve em consideração apenas o ilícito, deixando de lado o dano. Da mesma
forma que se pode pedir a cessação de um ilícito sem aludir a dano, é possível requerer
que um ilícito não seja praticado sem a demonstração de um dano futuro.
<texto>A moderna doutrina italiana, ao tratar do tema, deixa claro que a tutela
inibitória tem por fim prevenir o ilícito e não o dano. 45
Frignani46
e Rapisarda, 47
que
possuem as principais obras a respeito da tutela inibitória na Itália, não vacilam em
afirmar que a inibitória prescinde totalmente dos possíveis efeitos concretos do ato ou
da atividade ilícita, e que a sua dependência deve ficar circunscrita unicamente à
possibilidade do ato contrário ao direito (ilícito). 48
<texto>A distinção entre ilícito e dano abriu as portas para a doutrina esclarecer que
43
Aldo Frignani, L’injunction nella common law e l’inibitoria nel diritto italiano, cit., p. 413. 44
Idem, ibidem. 45
Aldo Frignani, L’injunction nella common law e l’inibitoria nel diritto italiano, cit., p. 417 e ss;
Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 108 e ss. 46
Frignani, referindo-se à distinção, formulada por Candian, entre ilícito de perigo e ilícito de lesão, diz o
seguinte: “Secondo questa impostazione ogni contravvenzione della legge dovrebbe risolversi in un
illecito di danno o in un illecito di pericolo (di danno). Come si vede, il danno rimarrebbe il metro di
misura, il perno centrale di tutto il sistema della responsabilità. Ma non sembra corretto impostare il
problema in questi termini, perché il danno è una conseguenza soltanto eventuale, anche se la più
frequente, della violazione di una norma e perciò sbaglierebbe chi volesse indurre l’illecito soltanto dalla
presenza del danno” (Azione in cessazione. Novissimo Digesto Italiano, 1980, p. 654). 47
Cristina Rapisarda, Inibitoria. Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 17, p. 7; Cristina Rapisarda, Profili
della tutela civile inibitoria, cit., p. 108 e ss. 48
De acordo com Frignani, “l’elemento del pericolo entra in gioco anche nell’inibitoria, ma ad altri fini.
Mentre nella distinzione di cui sopra esso era riferito al danno, qui il pericolo è riferito alla lesione. In
questo senso, l’inibitoria presuppone sempre un pericolo: che l’illecito sia continuato o ripetuto, se già è
stato comesso o che l’illecito venga commesso, se ancora non si è verificato. Questo è il senso veramente
penetrante in cui si dice dell’inibitoria che è un’azione essenzialmente preventiva” (Azione in cessazione.
Novissimo digesto italiano, 1980, p. 654).
28
a tutela preventiva objetiva impedir a prática, a continuação ou a repetição do ilícito. A
diferenciação entre ilícito e dano não só evidencia que a tutela ressarcitória não é a
única tutela contra o ilícito, como também permite a configuração de uma tutela
genuinamente preventiva, que nada tem a ver com a probabilidade do dano, mas apenas
com a probabilidade do ato contrário ao direito (ilícito).
<texto>É certo que a probabilidade do ilícito é, com freqüência, a probabilidade do
próprio dano, já que muitas vezes é impossível separar, cronologicamente, o ilícito e o
dano. Contudo, o que se quer deixar claro é que para a obtenção da tutela inibitória não
é necessária a demonstração de um dano futuro, embora ele possa ser invocado, em
determinados casos, até mesmo para se estabelecer com mais evidência a necessidade
da inibitória.
<texto>Estas considerações não são apenas relevantes para o delineamento
dogmático da tutela inibitória, mas também para a sua efetiva e adequada aplicação
prática.
<a>3.4 A tutela inibitória e a questão da culpa
<texto>Supunha-se, exatamente porque se fazia uma identificação entre ilícito e
dano, que o elemento psicológico (dolo ou culpa) fosse absolutamente necessário para a
configuração do próprio ilícito.
<texto>Se o ilícito é compreendido através do ponto de vista da responsabilidade
civil, torna-se natural não só a confusão entre ilícito e dano, mas também a exigência da
culpa (ou do dolo) 49
como componente do ilícito. 50
<texto>Entretanto, dentro da noção de ilícito antes delineada, que se afasta da idéia
de dano, não há razão para se cogitar de culpa ou de dolo. De lado a responsabilidade
objetiva, o ato do homem é fonte da obrigação de ressarcir porque é culposo ou doloso;
tais elementos são relacionados com a responsabilidade pelo dano. 51
49
Excetuando-se, obviamente, os casos de responsabilidade que deles prescindem. 50
“Il motivo per il quale la dominante dottrina intravede nella colpa un elemento costitutivo dell’illecito
civile va ricercato, a nostro avviso, nel fatto che l’illecito si è sempre esaminato sotto l’angolo visuale
della responsabilità per i danni ad esso conseguenti: e poiché la sussistenza della responsabilità per tali
danni è normalmente condizionata alla colpa (art. 2.043 c.c.), si è costruito l’illecito su base soggettiva
ossia sulla base della colpa dell’agente” (Eduardo Bonasi Benucci, Atto illecito e concorrenza sleale.
Rivista trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1957, p. 579). 51
“Parlando di presupposti della inibitoria, dottrina e giurisprudenza sono ormai concordi nel rilevare che
essa prescinde dal dolo o dalla colpa dell’agente e dall’essersi verificato un danno nel patrimonio del
29
<texto>O próprio Barassi, ainda que ligando a tutela inibitória à probabilidade de
dano, percebeu que “la colpa è imposta per il risarcimento del danno attuale, non per la
sua prevenzione”. 52
<texto>A tutela inibitória não pune quem pode praticar o ilícito, mas apenas impede
que o ilícito seja praticado. Se alguém, ainda que sem culpa, 53
está na iminência de
praticar um ilícito, é cabível a ação inibitória. 54
<texto>É importante sublinhar que os tribunais brasileiros têm compreendido tal
situação, chegando a afirmar expressamente, algumas vezes, que a sentença
“cominatória” prescinde da culpa e do dolo.
<texto>O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, ao analisar um caso em que
parentes de uma pessoa já falecida pediam indenização e a cessação da veiculação de
um filme cinematográfico que atentaria contra o direito à imagem e à honra, determinou
que os réus se abstivessem definitivamente de exibir o filme e condenou-os ao
pagamento de ressarcimento por danos morais.55
Para inibir novas veiculações do filme,
impôs multa.
<texto>Na ementa do acórdão, o Tribunal frisou que a indenização por danos morais
não deveria tomar por base o valor da multa, que tem “função inibidora e não de
ressarcimento”, 56
devendo ser apurada em liquidação por arbitramento. O que importa,
neste julgado, é que o Tribunal, além de ter falado em função inibidora da multa, ou
seja, no uso da multa como meio de prevenção da repetição do ilícito, deixou claro que
soggetto passivo” (Marco Saverio Spolidoro, Le misure di prevenzione nel diritto industriale, cit., p. 161-
163). 52
Lodovico Barassi, La teoria generale delle obbligazioni, cit., p. 431. 53
Segundo Rapisarda, a ação inibitória, por ser voltada ao futuro, exclui a possibilidade objetiva de se
valorar preventivamente os elementos subjetivos do comportamento ilícito futuro (Cristina Rapisarda,
Inibitoria. Digesto delle discipline privatistiche, v. 9, p. 479). 54
Remo Franceschelli, estudando a tutela contra a concorrência desleal, observa que a tutela que tem por
fim inibir a continuação do ilícito, ao contrário da tutela ressarcitória, prescinde da culpa: “Se nonostante
che si sia accertato che un atto di concorrenza esiste, colui che lo ha compiuto provi che egli è esente da
colpa, ciò avrà per effetto che si escluda il risarcimento del danno. Ma l’attività potrà pur sempre essere
fatta cessare e il giudice potrà pur sempre dare i provvedimenti necessari o utili perchè ne vengano
eliminati gli effetti” (Studi sulla concorrenza sleale, La fattispecie. Rivista di Diritto Industriale, 1963, p.
273). 55
TJRJ, Ap. 39.193, rel. Des. Wellington Moreira Pimentel, RT 619/ 175-180. 56
Eis a íntegra da ementa: “Direito da personalidade – Violação – Ofensa ao direito à imagem e à honra –
Reprodução romanceada em filme cinematográfico da vida de pessoa de notoriedade já falecida – Falta de
autorização – Direitos que, embora intransmissíveis e intransferíveis, podem ser defendidos pelos
parentes próximos do titular, como direito novo – Responsabilidade solidária do autor do roteiro, do
produtor e dos co-produtores pelos danos advindos do ato ilícito, conforme o art. 16 da Lei 5.988/73 –
Proibição definitiva de exibição do filme, com cominação de multa pela transgressão – Indenização por
danos morais a ser apurada em liquidação por arbitramento, e não tomando por base o valor da multa,
com função inibidora, e não de ressarcimento”.
30
o ressarcimento e, portanto, o dano, não guardam qualquer relação com o valor da multa
e, por conseqüência, com a função preventiva. O valor da multa, ao contrário do valor
do ressarcimento, não tem nada a ver com o dano, mas apenas com a sua função
inibidora e preventiva, que obviamente prescinde do dano e da culpa.
<texto>Outro julgado, emanado do Tribunal de Justiça de São Paulo, é ainda mais
expressivo, pois afirma literalmente que é irrelevante, para efeito de tutela da marca, “a
existência de dolo ou culpa de comerciante que utiliza em seu nome comercial marca
registrada de outrem”. 57
Não há dúvida, de fato, de que o titular de marca comercial
devidamente registrada no Instituto Nacional da Propriedade Industrial não precisa
demonstrar culpa ou dolo para requerer que o réu seja inibido a deixar de utilizar a sua
marca.
<texto>O dano e a culpa não integram a demanda preventiva, o que significa dizer
que não fazem parte da cognição do juiz e que, assim, estão obviamente fora da
atividade probatória relacionada à inibitória. Na perspectiva da cognição, afasta-se, para
a obtenção da inibitória, qualquer necessidade de demonstração de dano e de culpa.
<a>3.5 Os diferentes escopos da tutela inibitória
<texto>Importa, para a tutela inibitória, o ilícito que pode ser praticado, prosseguir
ou repetir-se. 58
Não tem qualquer relevância o ato ilícito que já foi praticado e cuja
repetição ou continuação não se teme.
<texto>A tutela inibitória (para impedir a continuação ou a repetição do ilícito)
chegou a ser postulada, no direito brasileiro, sob o rótulo de “ação cominatória”, ainda
que jamais tenha sido prestada de forma efetiva e adequada.
<texto>Não era incomum, de fato, antes de 1994, o uso da ação cominatória para
57
TJSP, Ap. 83.073-1, rel. Des. Moretzsohn de Castro, Jurisprudência Brasileira, v. 132, p. 181/182. 58
Barbosa Moreira refere-se, como exemplo, à tutela específica que teria por fim obrigar, em razão de
contrato, um artista a não atuar nos espetáculos de determinada temporada (A tutela específica do credor
nas obrigações negativas. Temas de direito processual, Segunda série, cit., p. 33-34). Apesar de a tutela
não dizer respeito, nesse caso, propriamente a um ilícito, mas à possibilidade de inadimplemento de uma
obrigação contratual, não há razão para não chamá-la de “inibitória” se há consciência de que a tutela
contra o ilícito não se confunde com a tutela contra o inadimplemento, ou seja, partindo-se da diferença
entre o ilícito e o inadimplemento. Desejamos deixar claro que admitimos a tutela preventiva, que com a
referida advertência pode ser denominada de inibitória, no plano das obrigações contratuais. O objeto
central do presente trabalho contudo, é a inibitória contra o ilícito; a tutela contra o inadimplemento deve
ser considerada, em relação ao núcleo do trabalho, como exceção.
31
obrigar alguém a deixar de usar um nome ou uma marca comercial. 59
Esta tutela,
atualmente, pode ser requerida a partir do art. 461 do CPC, em vista do art. 207 da nova
Lei da Propriedade Industrial (Lei 9.279, de 14.05.1996), que afirma claramente que,
“independentemente da ação criminal, o prejudicado poderá intentar as ações cíveis que
considerar cabíveis, na forma do Código de Processo Civil”.
<texto>A ação cominatória também foi utilizada em nome dos direitos da
personalidade, como se demonstrou no item anterior. Lembre-se, ainda, que o revogado
art. 275, II, j, do CPC, previa ação cominatória para impedir o uso nocivo da
propriedade, podendo ser mencionada, por exemplo, decisão que afirmou que “a
cominatória é o meio idôneo para fazer cessar a perturbação do sossego dos vizinhos
provocada por ruidosos bailes em localidade residencial”. 60
<texto>Note-se, com efeito, que a ação cominatória sempre foi utilizada para
impedir a continuação ou a repetição do ilícito. Esta ação era denominada de
cominatória em razão de admitir a cominação da multa para obrigar alguém a fazer ou a
não fazer alguma coisa. Tal ação, entretanto, como será melhor explicado mais adiante,
nunca foi capaz de permitir uma tutela jurisdicional efetiva.
<texto>É errado supor, de qualquer forma, que a antiga ação cominatória não tinha
conteúdo preventivo. A tutela que supõe um ilícito já praticado, mas tem por meta
impedir a sua continuação ou repetição, é voltada para o futuro, tendo um fim
nitidamente preventivo e não repressivo. 61
Em outras palavras, a relação da inibitória
com um ilícito já praticado não compromete a sua natureza, que é tão preventiva quanto
a da tutela que objetiva impedir a prática de um ato sem que antes algum ilícito já tenha
sido praticado.
59
Ver João da Gama Cerqueira, Tratado da propriedade industrial, v. 2, cit., p. 1.125 e ss; José Carlos
Tinoco Soares, Comentários ao Código da Propriedade Industrial. São Paulo: Resenha Universitária,
1981, p. 354 e ss; Carlos Alberto Chaves, Proteção das marcas registradas pela ação cominatória. RF 270,
p. 386 e ss; Carlos Alberto Chaves, Da ação cominatória na defesa das marcas de indústria e comércio.
RF 252, p. 427 e ss. 60
Registre-se a ementa do julgado: “Apelação cível. Ação cominatória. Direito de vizinhança. Mau uso
da propriedade. Defesa que pretende caracterizar contravenção penal. Preliminar rejeitada. Perturbação do
sossego dos vizinhos. Procedência. Decisão mantida. Em tema de direito de vizinhança, no que tange ao
mau uso da propriedade, é do livre arbítrio do ofendido a escolha da via reparatória na esfera criminal ou
cível. A cominatória é o meio idôneo para fazer cessar a perturbação do sossego dos vizinhos provocada
por ruidosos bailes em localidade residencial” (TJMS, Ap. 28.897-1, rel. Des. Josué de Oliveira, RT
677/190). 61
“È bene precisare che il collegamento della tutela inibitoria a un illecito in parte già commesso non ne
compromette il carattere preventivo, poiché la tutela esplica la sua efficacia unicamente nei confronti del
possibile illecito futuro” (Cristina Rapisarda, Inibitoria. Digesto delle discipline privatistiche, v. 9, p.
480).
32
<texto>O problema, aliás, no que diz respeito aos escopos da inibitória, é justamente
saber se é possível o uso desta tutela para prevenir tout court o ilícito, ou seja, se a
inibitória pode servir para prevenir o ilícito ainda que nenhum ilícito já tenha sido
praticado.
<texto>Lodovico Barassi afirmou que a “tutela puramente preventiva”, “certamente
la più energica”, seria também “la più preoccupante, come è di tutte le prevenzioni che
possono eccessivamente limitare l’umana autonomia”. 62
A doutrina italiana mais
moderna, 63
entretanto, não se rende ao velho argumento de que a inibitória pode colocar
em risco a liberdade do homem.
<texto>A idéia de que a tutela inibitória encontra obstáculo na liberdade do homem
guarda raízes em princípios próprios do direito liberal clássico, os quais não podem
servir para inspirar uma doutrina que vive em um outro Estado, sob diversos valores e
em uma diferente época. A tutela preventiva, como já foi dito, é fundamental para a
efetividade de direitos muito importantes dentro do contexto do Estado atual.
<texto>No direito alemão, apesar do teor do § 1.004 do BGB, 64
que se refere
expressamente a prejuízos ulteriores, admite-se o uso da inibitória na forma pura, isto é,
não apenas para impedir a continuação ou a repetição do ilícito. O mesmo ocorre no
direito anglo-americano, onde há a chamada quia timet injunction, 65
que abre
oportunidade para uma tutela genuinamente preventiva. 66
<texto>Seguindo-se o velho ditado de Coke, “preventive justice excelleth punishing
justice”, admite-se, através da quia timet injunction, 67
a obtenção da injunction não só
62
Lodovico Barassi. La teoria generale delle obbligazioni, cit., p. 428. 63
Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 90 e ss; Aldo Frignani, L’injunction nella
common law e l’inibitoria nel diritto italiano, cit., p. 428. 64
Ver Dieter Medicus, Münchener Kommentar zum Bürgerlichen Gesetzbuch. München: C. H. Beck’sche
Verlagsbuchhandlung, 1986, v. 4, p. 963 e ss; Karl Larenz, Lehrbuch des Schuldrechts. München: C. H.
Beck’sche Verlagsbuchhandlung, 1972, p. 528 e ss. 65
Como diz Harold Greville Hanbury: “An injunction to restrain the commission of a tort is called an
injunction quia timet” (Modern Equity – The principles of equity. London: Stevens & Sons Limited, 1962,
p. 575). 66
É o que diz Blomeyer, Professor da Universidade de Berlim, em trabalho publicado na International
Encyclopedia of Comparative Law: “Therefore in some countries an ‘initial violation’ as well as a ‘danger
of repetition’, are prerequisites for the action, as under the German CC 1004, in the socialist systems and,
for the most part, under Anglo-American law. To a substantial extent, however, modern law has outgrown
these requirements. German and Swiss practice admit a complaint for injunctive relief even before an
initial violation; and Anglo-American law has developed the quia timet injunction for just this purpose”
(Arwed Blomeyer, Types of relief Available (Judicial remedies). International Encyclopedia of
Comparative Law, v. 16, p. 54). 67
Ver Arwed Blomeyer, Types of relief available (Judicial remedies), International Encyclopedia of
Comparative Law, v. 16, p. 54; Vincenzo Varano, Injunction. Digesto delle discipline privatistiche, v. 9,
33
independentemente do dano, mas também de uma violação atual do direito. 68
<texto>De acordo com Baker e Langan, o autor pode obter uma injunction ainda
que a violação seja apenas temida ou represente uma ameaça. 69
Neste caso, o autor tem
de provar a probabilidade da violação: “No one can obtain a quia timet order by merely
saying ‘Timeo’”. 70
A tutela, nestas hipóteses, visa a impedir a prática do ilícito, pouco
importando se algum ilícito foi anteriormente praticado. 71
<texto>Por outro lado, afirma-se, no direito italiano, que a melhor definição
legislativa de tutela inibitória está presente na Lei sobre Direito de Autor, 72
que assim
dispõe no seu art. 156: “Quem tem razão para temer a violação de um direito de
conteúdo econômico a si pertencente em virtude desta lei, ou mesmo deseja impedir a
continuação ou a repetição de uma violação já ocorrida, pode agir em juízo para pedir
que o seu direito seja declarado e inibida a violação ...”
<texto>Não é difícil compreender a razão pela qual a doutrina entende que esta é a
melhor definição legislativa de inibitória. O art. 156 da Lei sobre Direito de Autor, ao
afirmar que “chi ha ragione di temere la violazione” pode agir em Juízo, admite
expressamente a tutela inibitória independentemente de um ilícito anterior, o que, aliás,
é confirmado quando a própria norma acrescenta que a tutela também é cabível nos
casos em que se pretende impedir “la continuazione o la ripetizione di una violazione
già avvenuta”.
p. 489; I. C. F. Spry, The principles of equitable remedies. United Kingdom: Sweet & Maxwell, 1990, p.
369 e ss. 68
Aldo Frignani, L’injunction nella common law e l’inibitoria nel diritto italiano, cit., p. 151. 69
“Although the plaintiff must establish his right, he may be entitled to an injunction even though an
infringement has not taken place but is merely feared or threatened” (P. V. Baker e P. St. J. Langan,
Snell’s principles of equity. London: Sweet & Maxwell Ltd., 1982, p. 630). 70
“He must prove that there is an imminent danger of very substancial damage, or further damage, e.g. by
showing that the threatened act is attended with extreme Probability of irreparable Injury to the Property
of the Plaintiffs, including also Danger to their existence” (P. V. Baker e P. St. J. Langan, Snell’s
principles of equity, cit., p. 630). 71
Registre-se a lição de Spry: “The words ‘quia timet’ mean simply ‘since he fears’. If an applicant seeks
an injunction before the act of the defendant has occurred that is alleged to involve an interference with
his rights, he is commonly said to seek a quia timet injunction. Since, however, one of the main uses of
injunctions is the prevention of prospective injuries, it is apparent that the mere futurity of unlawful acts
can by no means be objection to the jurisdiction of the court. So it was observed by Cotton L. J., The
Court of Chancery said, ‘Where a man threatens and intends to do an unlawful act, we will, before it is
done, grant an injunction to prevent his doing it, and we will grant it where the act has been done and is
likely to be repeated’- the jurisdiction is simply preventive’. Indeed Jessel M. R. stated, ‘No part of the
jurisdiction of the old Court of Chancery was considered more valuable than that exercise of jurisdiction
which prevented material injury being inflicted, and no subject was more frequently the cause of bills for
injunction than the class of cases which were brought to restrain threatened injury as distinguished from
injury which was already accomplished’” (I.C.F. Spry, The principles of equitable remedies, cit., p. 369). 72
Aldo Frignani, Inibitoria. Enciclopedia del Diritto, v. 21, p. 560; Cristina Rapisarda, Profili della tutela
civile inibitoria, cit., p. 92.
34
<texto>O que importa, porém, é justamente o fato de a doutrina entender que a
melhor definição legislativa de inibitória é aquela que admite a tutela na forma pura, e
não apenas para impedir a continuação ou a repetição do ilícito. Isto revela a
sensibilidade da doutrina italiana mais moderna para a imprescindibilidade de uma
tutela inibitória antecedente a qualquer ilícito.
<texto>No direito brasileiro, o Dec.-lei 7.903/45 dispunha, no art. 189, que
“independentemente da ação criminal, o prejudicado poderá intentar ação para proibir
ao infrator a prática do ato incriminado, com a cominação de pena pecuniária para o
caso de transgressão do preceito”. 73
Esta norma, como se vê, admitia a propositura da
ação civil para impedir a prática do ilícito, 74
não fazendo qualquer referência à
necessidade de um ilícito já praticado. 75
<texto>De qualquer forma, os exemplos mais legítimos de tutela inibitória pura no
direito brasileiro estão no interdito proibitório e no mandado de segurança preventivo.
<texto>O art. 932 do CPC afirma que “o possuidor direto ou indireto, que tenha
justo receio de ser molestado na posse, poderá impetrar ao juiz que o segure da turbação
ou esbulho iminente, mediante mandado proibitório, em que se comine ao réu
determinada pena pecuniária, caso transgrida o preceito”. A tutela é nitidamente
preventiva, já que protege aquele que ainda não foi molestado na posse (tem justo receio
de ser), ordenando, sob pena de multa, que o réu não pratique ato de turbação ou de
esbulho. A tutela também pode ser concedida liminarmente, utilizando-se também a
73
No que diz respeito à “patente”, a nova Lei da Propriedade Industrial afirma que “a patente confere ao
seu titular o direito de impedir terceiro, sem o seu consentimento, de produzir, usar, colocar à venda,
vender ou importar com estes propósitos: i) produto objeto de patente; ii) processo ou produto obtido
diretamente por processo patenteado ...” (art. 42). O § 1.º do referido art. 42 estabelece que “ao titular da
patente é assegurado ainda o direito de impedir que terceiros contribuam para que outros pratiquem os
atos referidos neste artigo”. A nova lei não só admite uma ação voltada a impedir que o terceiro
desrespeite a patente, mas também uma tutela dirigida a impedir que terceiros contribuam – contributory
infringement – para que outros a desconsiderem. Ver José Carlos Tinoco Soares, Lei de patentes, marcas
e direitos conexos. São Paulo: RT, 1997, p. 84 e ss; Newton Silveira, A propriedade intelectual e a nova
lei de propriedade industrial. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 42 e ss. 74
Jacques Michel Grossen, em um famoso congresso que foi realizado em Bruxelas a respeito da tutela
preventiva, afirmou que os tribunais suíços admitem a tutela inibitória dos direitos industriais antes de
uma violação anterior: “Benché il nome francese dell’azione non l’indichi, questa non fa supporre affatto
che la turbativa sia già cominciata. Ne basta la minaccia. Così, secondo la giurisprudenza, il titolare del
marchio può promuovere una azione a difesa prima che la violazione del suo diritto sia avvenuta, ma
purché sussista un pericolo effettivo (A.T.F. 42, II, 600). La legge federale sulla concorrenza sleale,
all’art. 2 permette d’agire anche in seguito a minaccia, se questa sia abbastanza seria da determinare
nell’attore un interesse ad ottenere un provvedimento che la inibisca” (L’azione in prevenzione al di fuori
dei giudizi immobiliari. Rivista di Diritto Processuale, 1959, p. 430). 75
O revogado art. 275, II, j, do CPC, referia-se à ação “do proprietário ou inquilino de um prédio para
impedir, sob cominação de multa, que o dono ou inquilino do prédio vizinho faça dele uso nocivo à
segurança, sossego ou saúde dos que naquele habitam”.
35
multa como forma de se garantir a integridade do direito.
<texto>A Lei 1.533/51, tratando do mandado de segurança, diz, no seu art. 1.o, que
“conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não
amparado por habeas corpus, sempre que, ilegalmente ou com abuso do poder, alguém
sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que
categoria for ou sejam quais forem as funções que exerça”. O mandado de segurança,
que sempre pode ser deferido liminarmente, pode ser concedido ainda que nenhuma
violação tenha sido praticada. A norma, ao permitir que alguém, sem ter sofrido
qualquer violação (apenas tendo justo receio de sofrê-la), possa obter uma tutela que
impeça a autoridade coatora de praticar o ato, abre ensejo a uma tutela genuinamente
preventiva.
<texto>Não apenas estas situações, mas todas aquelas – ainda que não tipificadas –
que necessitam de uma tutela preventiva, ainda que nenhum ilícito anterior tenha sido
praticado, abrem oportunidade à tutela inibitória na forma pura.
<texto>A tutela preventiva é imanente ao Estado de Direito e está garantida pelo art.
5.º, XXXV, da Constituição Federal, razão pela qual é completamente desnecessária
uma expressa previsão infraconstitucional para a propositura da ação inibitória. Aliás,
nem poderia ser de outra forma, pois não teria sentido admitir a tutela inibitória para a
tutela da posse e da propriedade, ou apenas contra atos do poder público, deixando-se de
lado os direitos não patrimoniais, especialmente os direitos da personalidade. 76
<a>3.6 A cognição e a prova na ação inibitória
<texto>A partir do momento em que se faz a distinção entre dano e ilícito,
deixando-se claro que este último, e não o primeiro, é pressuposto da ação inibitória,
fica fácil concluir que o dano não constitui objeto da cognição do juiz nesta ação, e
assim deve ficar longe da produção probatória.
<texto>Melhor explicando: não é necessária a alegação de probabilidade de dano,
nem a sua prova. Porém, no caso em que não há como separar cronologicamente o ato
ilícito e o dano, pois ambos podem acontecer no mesmo instante, a probabilidade de
76
Maria Monteleone, em trabalho publicado no “Foro Italiano”, admite a tutela inibitória do direito à
imagem, ainda que nenhum ilícito anterior tenha sido praticado: “A tal fine, a tutela del diritto
all’immagine del ricorrente, quando l’attività illecita non è stata ancora compiuta ma sono stati messi in
atto preparativi tali da far ritenere imminente la sua commissione, o quando vi è il pericolo della sua
continuazione o ripetizione, può essere adottato un provvedimento inibitorio” (Diritto all’immagine e
provvedimenti d’urgenza. Foro Italiano, 1978, p. 245).
36
dano evidentemente deve ser afirmada e provada. Ou seja, se uma norma proíbe a
prática de determinado ato ou atividade, e se esta violação é provável, bastará a sua
alegação e demonstração, não sendo necessário afirmar e provar que, ao lado desta
provável violação, ocorrerá um provável dano. Do ponto de vista probatório, é muito
mais fácil provar a probabilidade da prática, repetição, ou continuação de ato contrário
ao direito, do que a probabilidade de dano.
<texto>Na ação inibitória é necessário verificar não só a probabilidade da prática
de ato, mas também se tal ato configura ilícito. Por isto, requer-se o confronto entre a
descrição do ato temido e o direito.
<texto>É possível que o réu não negue que praticará o ato, mas afirme que este não
terá a natureza ou a extensão do ato vedado pela regra legal. Neste caso, tratando-se de
ação voltada a impedir a repetição ou a continuação do ilícito, basta verificar se o ato
anteriormente praticado realmente enquadra-se na proibição legal. Mais difícil será a
prova da ilicitude do ato quando ato “igual” não foi ainda praticado. Em tal hipótese
deverá ser demonstrado que o ato que se pretende praticar é realmente vedado por
norma legal, e assim deverá ser esclarecido o seguinte: o ato que será praticado se
enquadra na moldura legal que o proíbe?
<texto>Nas situações em que se discute apenas a extensão e a natureza do ato que
estaria sendo negado como ilícito, a prova não terá por fim demonstrar um fato que
indique a probabilidade da prática de um ato futuro, mas sim evidenciar que o ato que
se pretende praticar é ilícito.
<texto>Problema diverso é o da prova da afirmação de que o ato (admitido como
ilícito) será praticado, repetido ou continuará. Quanto ato anterior já foi praticado, da
sua modalidade e natureza se pode inferir com grande aproximação a probabilidade da
sua continuação ou repetição no futuro. 77
Com efeito, a grande dificuldade da ação
inibitória está na produção da prova de que um ato será praticado, quando nenhum
ilícito anterior foi cometido. Frignani admite que esta é a questão de fundo da ação
inibitória (a qual pode ser denominada de inibitória “pura”), ou melhor, um obstáculo
contornável para a admissibilidade desta modalidade de tutela. Afirma Frignani que a
peculiaridade da inibitória “pura” consiste no fato de que a prova do perigo da prática
do ilícito é mais difícil, ao passo que é extremamente árduo valorar ex ante a idoneidade
77
“Infatti, se esso è stato già compiuto nel passato, dalla sua modalità, dalla sua natura si potrà inferire
con notevole approssimazione la probabilità della sua continuazione o ripetizione nel futuro” (Aldo
Frignani, L’injunction nella common law e l’inibitoria nel diritto italiano, cit., p. 429).
37
dos meios utilizados como preparativos ao fim da prática do ilícito. 78
<texto>Nesta espécie de ação inibitória, em que se teme a prática de ilícito, ainda
que ilícito anterior não tenha sido praticado, o autor deverá alegar fatos que sejam
suficientes para permitir ao juiz, raciocinando, formar um juízo acerca da alegação de
que provavelmente será praticado um ilícito. Considerando-se apenas a demonstração
da probabilidade do ato afirmado ilícito (a ilicitude do ato temido não é discutida),
devem ser alegados fatos que, uma vez demonstrados, possam levar o juiz a concluir
que provavelmente será praticada a violação do direito.
<texto>É fundamental, na ação inibitória, manejar de forma adequada os conceitos
de fato indiciário, prova indiciária, raciocínio presuntivo, presunção e juízo. Tratando-se
de ação inibitória, ou seja, de ação voltada para o futuro, não é possível desconsiderar as
virtudes da denominada prova indiciária. Tal modalidade de prova, se pode ser
considerada auxiliar importante em face das tradicionais ações repressivas, assume
lugar de destaque e importância diante da ação inibitória.
<a>3.7 A prova indiciária diante da ação inibitória
<a1>3.7.1 Primeiras considerações
<texto>Não é rara a confusão entre fato indiciário, prova indiciária, raciocínio
presuntivo, presunção e juízo.
<texto>O fato indiciário somente pode ser comparado com o fato principal. É que o
fato indiciário, que também é chamado de indício, é, como o fato principal, um mero
fato. Quando tal fato é alegado, deve-se demonstrar ao julgador que a sua prova será
importante para a formação de um juízo de procedência.
<texto>O indício não é prova; a prova indiciária, como qualquer tipo de prova, recai
sobre uma afirmação de fato. A particularidade da prova indiciária está em recair em um
fato que é indiciário, isto é, em um indício.
<texto>Nesta linha, cabe distinguir fato indiciário, a prova destinada a demonstrá-lo
– chamada de prova indiciária –, e o raciocínio presuntivo, que é uma forma por meio
do qual o julgador raciocina para, a partir de um fato indiciário, chegar a uma
presunção, que nada mais é do que a conclusão do raciocínio presuntivo. Melhor
explicando: o juiz, a partir de uma alegação de fato (fato indiciário) e de sua prova,
78
Aldo Frignani, L’injunction nella common law e l’inibitoria nel diritto italiano, cit., p. 430.
38
raciocina (de forma presuntiva) para chegar a uma conclusão (presunção).
<texto>Porém, a presunção não se confunde com o “juízo-final” (próprio da
sentença), uma vez que pode haver, por exemplo, a presunção de que um ato será
praticado, mas a prova de que tal ato não constituirá ilícito, quando o “juízo-final” e,
portanto, a sentença, serão de improcedência.
<texto>É interessante perceber, por exemplo, que em determinado caso concreto
podem ser alegados e provados três fatos indiciários, e realizados três raciocínios
presuntivos que apontem para três presunções. A questão que pode ser colocada diz
respeito a saber se, em tal caso, realmente é melhor falar de três presunções, ou de uma
presunção que se forma a partir da prova dos três fatos indiciários. Parece melhor falar
em três presunções, uma vez que cada prova de fato indiciário conduz a uma conclusão
e a soma destas conclusões leva a outra, que é o “juízo-final”, próprio da sentença.
Neste caso, pode-se dizer que uma determinada presunção não é suficiente para um
juízo de procedência, mas que basta a soma desta presunção com uma outra para se ter
uma sentença favorável ao autor.
<a1>3.7.2 “Juízo-instrumental”, presunção, “juízo-resultado”, “juízo-provisório”
e “juízo-final”
<texto>O juízo constitui uma conclusão, e neste sentido a conclusão a que o juiz
chega após ter exercido uma determinada atividade. Em outras palavras: para que o juiz
forme um juízo, é preciso que ele raciocine, ou seja, é necessário um raciocínio.
<texto>O “juízo-final” é a parte final do raciocínio do julgador, em que se chega a
um resultado sobre a pretensão do autor. Fala-se em “juízo-final” para distinguir o juízo
acerca da pretensão do autor e aquele formado em relação a um pedido de tutela
antecipatória (quando é possível falar em “juízo-provisório”). Neste último caso, como
é óbvio, também há juízo, mas não é correto pensar em “juízo-final”.
<texto>Contudo, para a formação de um “juízo provisório” ou de um “juízo final”,
que nada mais são do que espécies de “juízo-resultado” acerca da tutela pretendida, o
magistrado deverá analisar, por exemplo, as provas produzidas e as presunções.
<texto>O juízo que o magistrado faz para deferir a produção de uma prova pericial
(por exemplo), é um “juízo-instrumental”, uma vez que é realizado para viabilizar a
adequada formação de outro juízo. Como a presunção também parte de uma prova,
pode-se dizer que o “juízo-presunção” também depende de um “juízo-instrumental”,
39
mas serve para a formação de um juízo maior, que é o “juízo-resultado”.
<texto>Com efeito, o “juízo-resultado” também pode exigir a análise de “juízos
menores”, formados a partir de provas, ou seja, a apreciação das presunções.
<texto>Resumindo: o “juízo-resultado”, que pode basear-se na presunção, é o
gênero do qual são espécies o “juízo-final” e o “juízo-provisório”, enquanto o “juízo
instrumental” é aquele formado para se chegar a um dado que é instrumental à
formação de outro juízo (“juízo-presunção ou juízo resultado”) .
<texto>Isto demonstra que a presunção não é prova, porém juízo que serve a
elaboração do “juízo-resultado”.
<a1>3.7.3 O controle da admissão da prova para a demonstração do fato indiciário
<texto>Se a presunção é fundamental para a formação do “juízo-resultado” na ação
inibitória, é importante verificar a distinção entre a questão da admissibilidade da
prova destinada a demonstrar o fato indiciário e o problema da correta formação do
juízo a partir da presunção.
<texto>É importante frisar que o fato indiciário não precisa ser alegado. Na ação
inibitória basta a alegação de que se teme um provável ato ilícito. Não existe o ônus de
o autor alegar os fatos que indicam que provavelmente será praticado o ilícito. Isto não
quer dizer, evidentemente, que não seja aconselhável ao autor precisar os fatos que
apontam para a probabilidade de o ilícito ser praticado. Deseja-se esclarecer, somente,
que o autor pode requerer a produção da prova em relação a um fato meramente
indiciário, ainda que ele não tenha sido oportunamente invocado ao juiz.
<texto>É necessário verificar se o fato que se pretende demonstrar por meio da
prova indiciária é um fato pertinente e relevante para a definição do mérito. O fato
indiciário é pertinente quando tem relação com o ato temido, ao passo que será
relevante quando, uma vez demonstrado, for efetivamente capaz de evidenciar a
probabilidade de o ato ser praticado, e assim influir no julgamento do mérito.
<texto>Verificando-se que de nada adianta provar o fato indiciário, uma vez que ele
não tem relação alguma com o ato temido, o juiz deve indeferir a produção da prova
indiciária. Se o fato probandum não pode decorrer do fato que se pretende demonstrar
por meio da prova indiciária, essa logicamente deve ser indeferida. Porém, se o fato
indiciário pode apontar para vários fatos, entre eles o fato probandum, a prova indiciária
não pode ser indeferida. A presunção que poderá ser formada a partir desta prova é que
40
merecerá menor credibilidade; o problema passa a ser de valoração da presunção para a
formação do “juízo-resultado”, e não de admissão da prova.
<a1>3.7.4 A importância do senso comum para o raciocínio fundado a partir da
prova indiciária
<texto>No raciocínio presuntivo o juiz parte de um fato indiciário para chegar ao
fato probandum79
. Como é óbvio, o juiz, não só ao raciocinar desta forma, mas também
para valorar a credibilidade de uma prova e a sua idoneidade para demonstrar um fato,
baseia-se em sua experiência, que deve ser entendida como a experiência do homem
médio, que vive em determinada cultura, em certo momento histórico.
<texto>Nestes casos, o juiz socorre-se do senso comum, e particularmente no que
interessa ao raciocínio que pode dar origem à presunção, ao partir de um fato indiciário
para chegar ao fato principal, vale-se de conhecimentos que devem estar fundados
naquilo que comumente ocorre na sociedade ou que possuem fontes idôneas e
confiáveis.
<texto>Seria possível dizer que o juiz, em tais hipóteses, apóia-se em uma “regra de
experiência”, que, de acordo com o art. 335 do CPC brasileiro, pode ser uma “regra de
experiência comum” ou uma “regra de experiência técnica”.
<texto>É claro que, tratando-se de regra de experiência técnica, esta deve ser aquela
que é própria ao homem comum. Em outras palavras, se o juiz é formado em engenharia
civil ou medicina, por exemplo, ele não pode pretender formular concatenações com
base em seus conhecimentos técnicos pessoais. É de lembrar que o juiz que vai apreciar
eventual recurso pode não ter este mesmo conhecimento e que um conhecimento
técnico pode ser discutível, vale dizer, não estar solidamente consagrado.
<a1>3.7.5 A importância do senso comum para a formação do juízo a partir da
presunção
<texto>O juiz evidentemente raciocina para formar o seu juízo a partir de uma ou
mais presunções. Neste caso, ele também se apóia no senso comum.
<texto>Como é óbvio, verificando-se que a demonstração do fato indiciário não foi
realizada, não é possível estabelecer um raciocínio correto, através da presunção, para
79
Ver Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, Manual do processo de conhecimento. 5a. ed.
São Paulo: RT, 2006.
41
concluir-se no sentido da procedência da pretensão inibitória; o raciocínio judicial, neste
caso, será falho, por tomar como premissa um fato que não foi efetivamente
demonstrado.
<texto>Como já foi dito, não é preciso que o fato probandum seja a única
conseqüência do fato indiciário para que seja possível a formação do juízo de
procedência. Quando o fato indiciário, uma vez demonstrado, pode colaborar para
demonstrar que provavelmente o ato temido será praticado, a prova indiciária
evidentemente pode ser somada a outra presunção para formar um juízo de procedência.
<texto>É preciso que fique claro que não é necessária a soma de várias presunções
para a formação do juízo de procedência; uma única presunção, dependendo do caso
concreto, pode ser suficiente para formar a convicção do juiz a respeito da procedência
do pedido. Porém, ao existir apenas uma presunção, esta deve ser capaz de formar um
juízo de procedência que possa ser plenamente justificável; em outros termos, é possível
dizer que, tratando-se de apenas uma presunção, o juiz deve valorá-la com extremo
rigor. 80
<a>3.8 A necessidade de atuação concreta da norma e a importância da ação
inibitória
<texto>Quando a doutrina associava o ato contrário ao direito à responsabilidade
civil e, mais do que isto, partia do pressuposto de que a lesão ao direito sempre poderia
ser reparada pelo seu equivalente em pecúnia, o processo civil era estruturado para
conferir ressarcimento em dinheiro.
<texto>Este modelo de processo, de marca nitidamente patrimonialista, estava
preocupado com a repercussão danosa do ilícito. O ordenamento jurídico que admite um
processo civil voltado apenas à reparação do dano, evidentemente não dá importância à
violação da norma que não produz dano.
<texto>Quando o Estado assume novas preocupações sociais, e assim passam a
80
“Il requisito che ha creato forse più problemi interpretativi è quello della concordanza delle presunzioni
semplici. In un’accezione più ristretta e rigorosa, diretta a porre un limite a discrezionalità del giudice in
materia di prova presuntiva, si è affermato che la concordanza di più presunzioni è sempre indispensabile.
Di conseguenza, non basterebbe una sola presunzione semplice a fornire la prova del fatto, poichè sempre
occorrerebbero pìu presunzioni concordanti. In un’accezione meno rigida, e più orientata a far perno sul
discrezionale convincemento del giudice, si rittiene invece che la presenza di più presunzioni concordanti
non sia indispensabile, e quindi che la prova del fatto possa derivare anche de una sola presunzione
semplice, purché essa sai abbastanza grave e precisa” (Luigi Paolo Comoglio, Corrado Ferri e Michele
Taruffo, Lezione sul processo civile, Pavia: Il Mulino, 1995, p. 553).
42
importar a proteção do meio ambiente, da saúde, da educação e da posição do
consumidor no mercado, além de um enfoque dos direitos da personalidade à luz da
evolução das técnicas de comunicação, surgem normas que, objetivando realmente
tutelar estas situações de direito substancial, passam a impor deveres, cientes de que a
sua observância é fundamental para a consagração destes “novos direitos”.
<texto>Isto é obtido não só através de normas que consagram um não fazer, mas
também por meio de normas que determinam uma ação positiva. Tais normas partem da
premissa de que determinados atos devem ser vedados ou necessariamente praticados,
pouco importando os efeitos concretos da sua violação, se danosos ou não. Na realidade,
parte-se do pressuposto de que a violação da norma é causadora de prejuízo. Ou seja, a
preocupação é com a simples observância da norma e não com o efeito concreto da sua
violação, não mais importando a idéia que associava o ilícito à responsabilidade civil.
<texto>Tais normas objetivam conferir prevenção aos direitos, abrindo ensejo,
quando inobservadas, a sanções. Estas, entretanto, também funcionam como estímulo
para a não agressão dos direitos. Portanto, estas regras têm por fim tutelar os direitos,
demonstrando que pode existir tutela inibitória fora do processo jurisdicional.
Acontece que esta tutela pode exigir, para ser efetivamente prestada, a participação da
jurisdição. Nestes casos, em que a função preventiva da norma é alcançada apenas na
jurisdição, ou em que a tutela inibitória desejada pelo direito material somente pode ser
obtida através da propositura da ação processual, há tutela jurisdicional inibitória.
<texto>Quando a tutela inibitória é prestada através da jurisdição, pouco importa se
há ordem de não fazer ou de fazer, uma vez que a norma pode impor um não fazer ou
um fazer com função preventiva, isto é, para dar tutela inibitória aos direitos. Importa
deixar claro, assim, que a norma que impõe, com escopo preventivo, determinada
conduta, abre oportunidade para ação inibitória em que o juiz pode ordenar um fazer. O
objetivo desta ação é prestar a tutela inibitória não alcançada fora do processo, dando
efetividade à norma de direito material.
<texto>Como é evidente, esta ação nada tem a ver com o dano, mas apenas com a
norma, ou melhor, apenas com a necessidade de efetividade da norma. A norma que,
por exemplo, proíbe a venda de produto com determinada substância, deve abrir
oportunidade a uma ação processual destinada a atuá-la, não sendo correto pensar que
não é possível, por meio do processo civil, inibir a venda de produto nocivo, porém
somente condenar o infrator a indenizar o consumidor por eventual dano. Se o
43
ordenamento jurídico dos dias de hoje deve proteger determinados bens mediante a
imposição de certas condutas, e por esta razão são editadas normas de direito material, é
necessário que o processo civil seja estruturado de modo a atuá-las.
<texto>Ora, se é evidente que a exposição à venda é, por si só, ato ilícito, pouco
importando a sua conseqüência concreta, o processo civil não pode mais continuar a
atrelar o ato contrário ao direito com o dano, sob pena de não poder dar resposta a
situações como esta, em que é fundamental vedar um ato e não apenas reparar um dano.
Nesta linha, é possível perceber, com maior nitidez, a importância da ação inibitória
como instrumento destinado a tutelar contra o ato contrário ao direito.
<texto>A ação inibitória, mesmo quando individual – e não coletiva, ou seja,
proposta por um dos legitimados à ação coletiva –, tem feição completamente diversa
daquela que caracteriza a ação ressarcitória. Enquanto a ação ressarcitória pelo
equivalente tem origem patrimonialista e individualista, a ação inibitória, ao contrário,
mostra preocupação com os direitos não patrimoniais e com normas que estabelecem
comportamentos fundamentais para o adequado desenvolvimento da vida social.
<texto>Na verdade, a possibilidade de se requerer uma tutela independentemente da
existência de dano tem relação com o próprio conceito de norma jurídica, uma vez que
se a única sanção contra o ilícito fosse a obrigação de ressarcir em virtude do dano, a
própria razão de ser da norma estaria comprometida.
<a>3.9 A autonomia da ação inibitória
<texto>Antes da introdução do novo art. 461 no CPC, o que faria o advogado que se
deparasse com a necessidade de inibir a veiculação de um programa de televisão, ou
mesmo com a urgência de impedir que fossem novamente veiculadas notícias lesivas à
honra de seu cliente? Não teria outra alternativa a não ser lançar mão de uma ação
cautelar.
<texto>Caso a liminar fosse concedida na primeira hipótese, surgiria a “velha”
indagação a respeito da necessidade de uma ação principal, surgindo a falsa questão de
uma “ação cautelar satisfativa”. Esta ação rotulada de cautelar, entretanto, somente
deveria exigir uma ação principal na ausência de definição, fundada em cognição
exauriente, da ilicitude do ato.
<texto>Deixando-se de lado, por enquanto, o fato de que a tutela inibitória não se
confunde com a tutela cautelar, é importante esclarecer que a ação inibitória, que teria
44
sido proposta sob o rótulo de “ação cautelar”, somente deveria necessitar de uma ação
principal se terminasse não definindo a existência do ilícito. Em outras palavras, apenas
a ação fundada em cognição sumária exige uma ação principal, dita de cognição
exauriente. 81
<texto>A tutela inibitória prestada sob o manto protetor da tutela cautelar somente
não seria fundada em cognição exauriente se o juiz, em face do caso concreto, não
aprofundasse a sua cognição sobre o ilícito, exigindo, em atenção ao art. 806 do CPC, a
propositura da ação principal. Entretanto, como o art. 806, em tema de tutela cautelar,
não dispensa a propositura da ação principal, não se atentava para a cognição da “ação
cautelar” e exigia-se sempre a propositura de uma ação principal, que se tornava,
portanto, muitas vezes inútil.
<texto>Isto quer dizer que a ação inibitória, que agora permite – em razão das
virtudes do novo art. 461 – a obtenção de tutela inibitória antecipada em seu seio, não
necessita, por motivos bastante óbvios, de uma ação principal.
<texto>Voltemos, porém, ao segundo exemplo mencionado no início deste item.
Antes da reforma de 1994, somente seria possível a obtenção de tutela inibitória
“sumária”, para impedir a repetição da divulgação de uma notícia lesiva à honra de uma
determinada pessoa, via ação cautelar inominada.
<texto>Neste caso, porém, obtida ou não a “tutela cautelar liminar”, poderia ser
proposta a ação de reparação de danos, já que a “tutela cautelar” teria por fim apenas
impedir a prática de novos ilícitos.
<texto>Entretanto, o que acontecia, na prática, é que uma vez obtida a liminar
cautelar, era proposta apenas a ação ressarcitória, que exigia o ressarcimento pelos
danos anteriores, restando esquecida a necessidade da ação cominatória, que encontrava
fundamento na antiga redação do art. 287 do CPC.
81
Como já dissemos em outro lugar: “Problema mais difícil é o da autonomia do procedimento
antecipatório. À medida que o procedimento antecipatório realiza sumariamente o direito, cogita-se
acerca da desnecessidade de uma ‘ação principal’, ou mesmo da inversão do ônus da propositura de tal
ação. A sumariedade da cognição, por não permitir declaração, não faz surgir coisa julgada material. Em
outras palavras, um juízo definitivo, próprio a atingir a marca da imutabilidade, pressupõe,
necessariamente, cognição exauriente. A necessidade do ‘processo principal’, portanto, decorre da
incompatibilidade entre cognição sumária e coisa julgada material. Ora, o procedimento materialmente
sumário restringe o direito à prova, que é corolário do due process of law. Demais – e esta conclusão seria
conseqüência única, não fosse o dever de o juiz participar de forma efetiva no processo, do direito
constitucional à prova –, o cidadão tem direito ao julgamento com base em cognição adequada, ou seja, o
cidadão tem o direito de exigir o conhecimento adequado das suas alegações” (Luiz Guilherme Marinoni,
Efetividade do processo e tutela de urgência, cit., p. 44).
45
<texto>A ação cautelar – que em tese teria apenas cognição sumária – acabava
sendo concebida como uma verdadeira ação preventiva. Esta ação cautelar não tinha
qualquer relação instrumental com a ação de reparação de danos. Tal ação não visava a
acautelar nenhum direito que estava sendo discutido na ação ressarcitória, até mesmo
porque a única coisa que se poderia acautelar – na ação ressarcitória – seria o direito de
crédito relativo ao dano.
<texto>O direito à prevenção não pode ser considerado um acessório do direito à
reparação do dano. Isto significa que não há razão para se pensar que o direito à
prevenção deve ser exigido por intermédio de ação cautelar. Antes da reforma que
introduziu no Código de Processo Civil o art. 461, não havia ação de conhecimento
(portanto autônoma) que pudesse viabilizar a realização do direito à prevenção, para o
qual são fundamentais as técnicas presentes nesta norma. Apenas por esta razão é que
era utilizada a ação cautelar. Com efeito, se a tutela que poderia ser prestada por meio
da ação rotulada de cautelar jamais poderia interferir na ação voltada à reparação do
dano, uma vez que entre elas não há qualquer ligação instrumental, deveria existir –
como existe hoje – a possibilidade de se propor ação inibitória. Em outras palavras: ao
invés de ação cautelar, seguida de ação ressarcitória – como acontecia antigamente –,
hoje devem ser propostas ação inibitória e ação ressarcitória, as quais podem ser
cumuladas, pois a ação inibitória, assim como a ação ressarcitória, é uma ação de
conhecimento, e portanto autônoma.
<aa>3.10 A inaptidão do antigo art. 287 para garantir uma tutela jurisdicional
adequada e a confusão que se instalou entre a tutela preventiva e a tutela
cautelar. A dificuldade de se perceber, hoje, a relação entre a tutela das
obrigações de fazer e de não fazer e a tutela inibitória
<texto>O Código de Processo Civil de 1939 dispunha, no seu art. 302, XII, que a
ação cominatória compete, em geral, a quem, por lei ou convenção, tiver direito de
exigir de outrem que se abstenha de ato ou preste fato dentro de certo prazo. Esta ação
cominatória iniciava-se por um preceito para que o réu se abstivesse da prática do ato ou
o praticasse (conforme o caso), sob ameaça de pena. 82
82
Ver Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1959, v. 5, p. 72 e ss; Luiz Machado Guimarães, Comentários ao Código de Processo
Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1942, v. 4, p. 241; Humberto Theodoro Júnior, Comentários ao Código de
Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1983, v. 5, p. 336.
46
<texto>Lamentavelmente, porém, a jurisprudência da época do Código de 1939,
distanciada da melhor doutrina, entendeu que a multa cominada ao devedor somente
poderia começar a incidir após o trânsito em julgado da sentença e até mesmo, em uma
interpretação ainda mais em desacordo com as necessidades de tutela, após a nova
citação do réu vencido. 83
<texto>Não se compreende, entretanto, a razão por que o Código de 1973
desatendeu às boas razões da doutrina, deixando-se vencer pelos argumentos dos
tribunais. De fato, a antiga redação do art. 287 afirmava que “se o autor pedir a
condenação do réu a abster-se da prática de algum ato, a tolerar alguma atividade, ou a
prestar fato que não possa ser realizado por terceiro, constará da petição inicial a
cominação da pena pecuniária para o caso de descumprimento da sentença” 84
.
<texto>Se o direito de acesso à justiça, porque garante o direito à adequada tutela
jurisdicional, tem como corolário o direito à preordenação de procedimentos adequados
à tutela dos direitos, é realmente incompreensível a disposição do antigo art. 287. É bom
lembrar, aliás, que há direito à tutela jurisdicional adequada, porque o Estado, ao proibir
a autotutela privada, assumiu o gravíssimo compromisso de tutelar de forma efetiva as
diversas situações de direito material. Na verdade, o Estado, porque proibiu o agir
privado, não pode se subtrair ao dever de viabilizar ao titular de um direito o mesmo
resultado que ele obteria caso a ação privada não tivesse sido proibida, ou caso
houvesse sido espontaneamente observada a norma de direito substancial.
<texto>Ora, se o processo, para atender a seus fins, deve permitir a realização da
ação privada que foi proibida, não há como se chegar a outra conclusão: o antigo art.
287 não viabilizava a tutela preventiva e, assim, até a reforma que introduziu o art. 461,
não havia uma ação adequada à prevenção do ilícito no Código de Processo Civil. 85
83
“Assim se concedia a este uma segunda oportunidade, degradando-se em tutela condenatória comum,
sancionatória portanto, a tutela preventiva idealizada pelo legislador” (José Carlos Barbosa Moreira,
Tutela sancionatória e tutela preventiva. Temas de direito processual, Segunda série. São Paulo: Saraiva,
1980, p. 28-29). 84
Este artigo teve a sua redação alterada pela Lei 10.444, de 07.05.2002, e agora é assim escrito: “Se o
autor pedir que seja imposta ao réu a abstenção da prática de algum ato, tolerar alguma atividade, prestar
ato ou entregar coisa, poderá requerer cominação de pena pecuniária para o caso de descumprimento da
sentença ou da decisão antecipatória de tutela (arts. 461, § 4.o, e 461-A)”. 85
Não é outra a opinião de Barbosa Moreira: “O mais grave, contudo, não é isso. Abstraindo-se da
nunciação para obstar a construção ilegal (art. 934, n. III), a tutela preventiva, mediante procedimento
especial, fica ordenada no Código, de maneira exclusiva, à proteção da posse e da propriedade. Mal se
justifica o tratamento privilegiado, se se considerar, de um lado, que a eventual lesão representada pela
turbação, pelo esbulho ou pela execução da obra irregular comporta em geral reparação satisfatória sob a
forma da restituição ao estado anterior; de outro lado, que o favor dispensado a tais posições jurídicas
47
<texto>Não é por razão diversa que a prática assistiu ao uso da ação cautelar
inominada como remédio supletivo da lacuna deixada pelo legislador processual. O art.
798 do CPC sempre constituiu uma espécie de “válvula de escape” para a prestação da
tutela jurisdicional adequada, sendo oportuno lembrar que a própria tutela antecipatória
repressiva foi prestada, em um determinado momento, sob as vestes da tutela cautelar. 86
Assim, é fácil perceber o motivo pelo qual o direito à tutela preventiva passou a ser
realizado por meio da ação cautelar inominada.
<texto>A necessidade de uma tutela jurisdicional preventiva, ao conduzir ao uso da
tutela cautelar, fez surgir uma confusão entre tutela cautelar e tutela preventiva e, ainda,
uma forma de tutela jurisdicional que atendia, somente em parte e de forma inefetiva, o
direito à prevenção.
<texto>Em época em que os novos arts. 273 e 461 estavam distantes do Código de
Processo Civil, Barbosa Moreira, em um dos poucos trabalhos que trataram desse
relevante e difícil tema no direito brasileiro, afirmou que, apesar da dúvida a respeito da
natureza da tutela preventiva provisória – se cautelar ou antecipatória –, não deveria
“escandalizar ninguém a sugestão de buscar-se nos arts. 798 e 799 o apoio textual” a
uma tutela preventiva provisória (isto em razão da evidente necessidade desta tutela). 87
O problema, contudo, segundo o próprio Barbosa Moreira, estaria em que o antigo art.
287 autorizava a imposição da multa apenas após o trânsito em julgado da sentença, e
assim a tutela preventiva que viria na forma antecipada não poderia ser efetivada sob
mais realça, pelo contraste, o desamparo em que jazem outras, de modo particular exatamente algumas
para as quais a falta de adequada tutela preventiva não raro significa, na prática, denegação pura e simples
de tutela (direitos não patrimoniais ...). Essas têm de submeter-se às delongas do procedimento ordinário,
ou na melhor hipótese aos tropeços de um procedimento sumaríssimo que vai acabando por tornar-se, ao
menos em certas comarcas, mais demorado que aquele (...) Dir-se-á que as socorre, quando nada em
caráter provisório, o poder cautelar genérico em boa hora atribuído expressamente ao juiz pelo vigente
Código. Mas a tutela cautelar é, por sua própria índole, instável. Ademais, recai-se numa inútil
duplicação de processos, quando a rigor bastaria um, se bem estruturado, para compor o litígio. E,
afinal, por que se há de dar título de cautela àquilo que já se poderia dar sob a forma de prestação
jurisdicional satisfativa?” (José Carlos Barbosa Moreira, Tutela sancionatória e tutela preventiva. Temas
de direito processual, Segunda série, cit., p. 26-27). 86
Luiz Guilherme Marinoni, Tutela cautelar e tutela antecipatória. São Paulo: RT, 1992; A antecipação
da tutela. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. 87
“A objeção previsível é a de que os dispositivos invocados não constituiriam, do ponto de vista
científico, sede própria: neles se cogita de medidas cautelares, ao passo que a ordem proibitiva, tendo o
mesmo objeto da eventual sentença de procedência (da qual representaria, assim, verdadeira
antecipação) e ensejando a satisfação do credor, embora a título provisório, extravasaria do leito
conceptual da cautelaridade. Impossível discutir neste contexto questões tão árduas como a de saber em
que consiste a ‘essência’ do processo cautelar, ou qual a exata configuração dogmática das providências
‘antecipatórias’, do tipo daquelas a que já fizemos acima ligeira referência” (José Carlos Barbosa
Moreira, A tutela específica do credor nas obrigações negativas. Temas de direito processual, Segunda
série, cit., p. 42).
48
pena de multa. Não há como não registrar o que disse o professor da Universidade do
Rio de Janeiro: “O que não se afigura possível é fazer acompanhar o preceito, nesses
casos, da cominação de multa para o respectivo desatendimento: as regras que
autorizam o emprego de medidas coercitivas não comportam aplicação em hipóteses
não previstas. Aqui, aliás, caso se sustentasse o contrário, chegar-se-ia, obliquamente,
ao resultado que o art. 287, fine (em sua redação antiga), pré-excluiu – em disposição
infeliz mas clara, que ao intérprete não é dado desprezar. Ter-se-á de contar unicamente
com a força intimidativa da cominação penal pelo crime de desobediência”. 88
<texto>A tutela cautelar, portanto, além de ter causado complicações
desnecessárias, nunca foi capaz de propiciar uma tutela preventiva realmente efetiva.
<texto>Embora este ainda não seja o lugar adequado para a demonstração da
distinção entre a tutela preventiva e a tutela cautelar, importa advertir que a
vulgarização do uso da ação cautelar como único remédio capaz de atender à
necessidade de prevenção, evidentemente obscureceu, principalmente na prática
forense, a diferenciação entre tais tutelas.
<texto>Além disso, se o direito à prevenção, no plano do direito material, deve
corresponder apenas a uma ação (a um agir), não havia razão para a duplicação das
ações (processuais), vale dizer, para o emprego da ação cautelar e da ação cominatória
para a realização de uma ação (material) e de um fim. 89
<texto>Para o direito à prevenção ser atendido basta apenas uma ação processual,
ação esta que, para responder adequadamente à natureza da situação de direito
substancial, deve conter necessariamente em seu bojo a tutela antecipatória. Ora, se a
situação de direito material a que se visa atender é peculiarizada por uma extrema
dificuldade de suportar o tempo do processo de conhecimento, não se pode conferir a
ela um procedimento sem a tutela capaz de responder sumariamente ao direito.
<texto>A duplicação de procedimentos, nesses casos, só poderia gerar confusão e
mais trabalho e gasto, já que a ação cautelar não era “ação preventiva autônoma”
apenas porque devia ficar limitada à cognição sumária e, ainda, porque se submetia ao
art. 806.
<texto>Se a cognição da ação cautelar é sumária, e se o art. 806 do CPC não pode
88
José Carlos Barbosa Moreira, A tutela específica do credor nas obrigações negativas. Temas de direito
processual, Segunda Série, cit., p. 43. 89
Sobre a “ação de direito material”, ver Ovídio Baptista da Silva, Curso de Processo Civil. 3. ed. Porto
Alegre: Fabris, 1996, v. 1, p. 59 e ss.
49
deixar de ser observado, a ação principal havia de ser proposta, ainda que o resultado
perseguido pelo autor – a prevenção – já houvesse sido encontrado. Tal ação principal
era a cominatória, fundada no antigo art. 287, a qual somente objetivava reafirmar, com
base em cognição exauriente, a tutela preventiva já concedida, ou prestar – na hipótese
em que a tutela cautelar não houvesse sido deferida, e isto fosse ainda viável em termos
concretos –, a própria tutela preventiva.
<texto>Como o provimento cominatório era completamente inidôneo para garantir
uma efetiva tutela jurisdicional preventiva, a doutrina jamais se empenhou em tentar
construir uma tutela preventiva a partir do antigo art. 287. 90
Essa norma, em outras
palavras, apesar de ter sido a fonte da tutela das obrigações de fazer e de não fazer,
nunca foi tomada como o fundamento normativo-processual da tutela preventiva.
<texto>Ao contrário, a tutela preventiva, como já foi dito, sempre foi confundida
com a tutela cautelar. Esta confusão, com efeito, está intimamente ligada à falta de
efetividade da velha ação cominatória, que, justamente por isso, jamais foi identificada
– e nem poderia ser – como uma ação capaz de prestar tutela preventiva.
<texto>O fato de a doutrina não ter encontrado na redação antiga do art. 287 uma
tutela preventiva, torna obscura, ou dificulta, hoje, a relação entre a tutela preventiva e
as normas dos arts. 461 do CPC e 84 do CDC, que, como será melhor demonstrado a
seguir, constituem o fundamento, no plano do processo, da tutela inibitória.
<aa>3.11 A ação inibitória é corolário de um princípio geral de prevenção
<texto>Como já foi dito, há no direito brasileiro duas formas bastante efetivas de
tutela inibitória: o mandado de segurança e o interdito proibitório.
<texto>O que importa saber, porém, é se existe no direito brasileiro um princípio
geral de prevenção que garanta a tutela inibitória fora dos casos em que ela se apresenta
expressamente prevista ou se as hipóteses tipificadas constituem exceções a um
princípio que, na verdade, quer expressar o contrário.
90
É o que se extrai, por exemplo, da doutrina de Barbosa Moreira: “Cabe lamentar que o vigente Código,
em vez de reagir contra a deturpação, restaurando em sua dignidade a ação cominatória, se haja dobrado a
essa funesta orientação, tornando certo, no art. 287 (trata-se de alusão à redação antiga deste artigo), que a
‘pena pecuniária’ só será devida no caso de ‘descumprimento da sentença’. A partir dessa constatação
melancólica, abre-se campo a uma imprescindível reflexão de lege ferenda, para a qual é oportuno
convocar os estudiosos. A propósito de outro assunto, disse alguém certa vez: ‘Torniamo all’antico, sarà
un progresso’. Fomos capazes de inventar o mandado de segurança preventivo contra atos de
autoridade. Precisamos de um remédio equivalente contra atos ou omissões de particulares” (Tutela
sancionatória e tutela preventiva. Temas de direito processual, Segunda série, cit., p. 29).
50
<texto>A questão que passa a interessar, assim, é encontrar o verdadeiro
fundamento da tutela inibitória. Estaria ele nos novos arts. 287 e 461 do CPC? Na raiz
da tutela cautelar?
<texto>Sustentou-se, no direito italiano, mediante interpretação analógica das
normas que previam a inibitória para a proteção de determinados direitos absolutos, que
os direitos pertencentes a esta categoria poderiam ser tutelados através de uma inibitória
atípica. 91
Partindo-se da premissa de que os direitos que são comumente tutelados pela
inibitória são absolutos, pretendeu-se estender para os outros direitos absolutos esta
forma de tutela. 92
<texto>Esta tese, entretanto – como anotam Rapisarda e Taruffo –, não leva em
conta o fato de que, na lógica do legislador, a inibitória não é admitida em razão da
natureza do direito, mas sim em virtude da necessidade de prevenção, derivada
sobretudo da inadequação da tutela do tipo repressivo para algumas situações de direito
material. Se esta necessidade tem lugar, freqüentemente, no domínio dos direitos
absolutos, isto não quer dizer que ela não possa apresentar-se em outros setores; a tutela
inibitória, por relacionar-se com a prevenção, diz respeito, em princípio, a todos os
direitos, e pode tornar-se necessária em todos os locais em que se apresentar como
insuficiente a reintegração ou a reparação do direito. 93
<texto>Considerada a confusão existente entre a tutela preventiva e a tutela cautelar
– que também se verifica no direito italiano –, não é de estranhar o fato de que alguém
tenha procurado encontrar o fundamento da tutela inibitória atípica em uma norma que
dá base à tutela cautelar inominada.
<texto>Aldo Frignani, o autor da primeira monografia importante sobre o tema da
inibitória no direito italiano, foi buscar o fundamento da tutela inibitória atípica
91
Guido Alpa, por exemplo, estudando a tutela dos direitos do consumidor, disse o seguinte: “Non si
potrebbe infatti offrire plausibili giustificazioni ad una tutela di taluni aspetti della personalità del singolo
(e, in particolare, alla tutela di interessi squisitamente economici) senza peraltro ammettere l’impiego dei
medesimi strumenti per prevenire la diffusione di danni alla persona dovuti alla circolazione di prodotti
difettosi. Da questo punto di vista pare più corretta la posizione di quanti – dissociandosi
dall’orientamento tradizionale e rifuggendo dal principio della tipicità delle ipotesi di applicazione
dell’azione inibitoria – ritengono che essa sia idonea a tutelare la totalità dei diritti soggettivi assoluti (e,
in primo luogo, del valore della ‘integrità fisica’). Solo al costo di privare gli interessi più rilevanti della
persona di una tutela così incisiva com’è quella predisposta dall’esercizio dell’azione inibitoria si può
consentire con quanti vorrebbero circoscriverne l’impiego alle sole ipotesi nelle quali essa è
esplicitamente ammessa dal legislatore” (Responsabilità dell’impresa e tutela del consumatore. Milano:
Giuffrè, 1975, p. 467-468). 92
Cristina Rapisarda e Michele Taruffo, Inibitoria. Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 17, p. 7. 93
Idem, ibidem.
51
exatamente no art. 70094
do CPC italiano – similar ao nosso art. 798.
<texto>De acordo com Frignani, a inibitória provisória (antecipada) e a inibitória
final constituem aspectos de um mesmo fenômeno, tanto porque a primeira tem as
mesmas características substanciais da segunda, como porque a inibitória provisória
(antecipada) é ligada indissoluvelmente à inibitória final. 95
<texto>A partir desta construção, Frignani invoca outra premissa – não demonstrada
– no sentido de que o art. 700 garante uma forma geral de tutela preventiva contra a
prática de qualquer ilícito. Para ele, o princípio geral de prevenção – que garantiria a
tutela inibitória atípica em suas três modalidades – está albergado no art. 700. 96
<texto>Frignani afirma que a existência de uma norma que garante uma tutela
inibitória atípica provisória, fundando um princípio geral de prevenção, é suficiente para
garantir a tutela inibitória atípica definitiva. Argumenta que seria ilógico admitir-se a
inibição de um comportamento com base em cognição sumária e, após verificada
plenamente a necessidade de prevenção, negar-se a tutela inibitória final ao
demandante. 97
<texto>Frignani parte da tese de que a tutela cautelar, em uma de suas formas,
antecipa os efeitos da tutela final, o que conduziria a uma verdadeira identidade entre a
tutela inibitória provisória e a tutela inibitória final. De lado o aspecto de que este
ângulo de análise da tutela cautelar (fundado na provisoriedade e, portanto, em aspectos
formais da tutela) não está mais de acordo com as modernas preocupações que giram
em torno do tema da tutela dos direitos, a verdade é que não tem valor algum a
94
Art. 700: “Fuori dei casi regolati nelle precedenti sezioni di questo capo, chi ha fondato motivo di
temere che durante il tempo occorrente per far valere il suo diritto in via ordinaria, questo sia minacciato
da un pregiudizio imminente e irreparabile, può chiedere con ricorso al giudice i provvedimenti
d’urgenza, che appaiono, secondo le circostanze, più idonei ad assicurare provvisoriamente gli effetti
della decisione sul merito”. 95
Aldo Frignani, L’injunction nella common law e l’inibitoria nel diritto italiano, cit., p. 440. 96
“... ma la corrente dottrinale che fa leva sul rilievo surriferito e che pretende di giustificare
l’affermazione con riferimento alle norme di diritto positivo, non tiene conto del ruolo che nel nostro
sistema giuridico è destinato a giocare la norma contenuta nell’art. 700 c.p.c. Ivi, infatti, si prevede una
forma generalissima di tutela preventiva contro la comissione di qualsiasi tipo di illecito. Perciò il
principio generale dell’azione inibitoria che andiamo cercando ci sarebbe fornito proprio dall’art. 700
c.p.c.” (Aldo Frignani, L’injunction nella common law e l’inibitoria nel diritto italiano, cit., p. 457). 97
“È facile osservare però che se l’inibitoria è prevista in via generale nella sua forma provvisoria, a
maggior ragione (o, di conseguenza) lo dovrebbe essere nella sua forma definitiva, in quanto la prima è in
funzione della seconda. Non si vede, infatti, come si possa inibire un determinato comportamento fino al
giudizio sul merito, quando poi non si possa, esistendone i presupposti, inibire lo stesso comportamento
anche dopo la sentenza sul merito e cioè in via definitiva. Sarebbe un non senso inibire il compimento di
certi atti della cui illiceità si ha soltanto un fumus, e non poterli invece più inibire una volta accertata la
loro illiceità con sentenza passata in giudicato” (Aldo Frignani, L’injunction nella common law e
l’inibitoria nel diritto italiano, cit., p. 457).
52
afirmação de que a tutela inibitória final está garantida pelo art. 700 em razão de este
artigo garantir a própria tutela inibitória provisória.
<texto>Se o art. 700 garante, em princípio, a atipicidade da tutela cautelar, torna-se
exigível a explicação da razão pela qual a tutela inibitória – que não se confunde com a
tutela cautelar – estaria garantida pela mencionada norma.
<texto>Em outras palavras, se o problema está na existência de um princípio geral
de prevenção, caberia ao professor da Universidade de Turim demonstrar que o art. 700
acolhe tal princípio, e não partir da mera afirmação de que o princípio está presente na
norma, como se não houvesse distinção entre cautela e prevenção.
<texto>Não há, no discurso de Frignani, qualquer preocupação em demonstrar que o
princípio que garante a atipicidade da tutela cautelar também garante a atipicidade da
tutela inibitória. Se é verdade que Frignani diferencia a tutela inibitória da tutela
cautelar, parece imaginar que a prevenção faz parte da cautela, ou que a tutela inibitória
está garantida por um princípio que consagra apenas a atipicidade da tutela cautelar.
<texto>Se Frignani não confunde cautela com prevenção, seria necessária, de
qualquer forma, a demonstração de que o art. 700, depois de muito tempo, passou a
fundamentar a atipicidade da tutela cautelar e da tutela preventiva, tornando-se a base de
um princípio geral de cautela e de um princípio geral de prevenção.
<texto>Isto porque o art. 700 não foi idealizado para garantir a efetividade da tutela
preventiva. E nem poderia ser de outra forma, quando é sabido que o sistema italiano de
tutela dos direitos foi construído sobre uma idéia que não incorporava a necessidade da
tutela preventiva.
<texto>É evidente, em outras palavras, que do art. 700, ou mesmo da própria
essência da tutela cautelar inominada, não se pode pretender retirar argumentos que
permitam a afirmação de que o art. 700 consagra um direito geral à prevenção ou
garante a tutela de prevenção do ilícito. Ao contrário, em princípio seria necessário, para
se invocar o art. 700, alegar a violação do direito e, juntamente, o periculum in mora. 98
<texto>O que se está afirmando encontra fundamento no livro La tutela civile dei
diritti, de Adolfo di Majo, reconhecido como uma das mais importantes obras
contemporâneas sobre a temática da tutela dos direitos. É oportuna a transcrição da lição
deste jurista para que fique claro o que estamos dizendo: “Na realidade, a tutela ex art.
98
Adolfo di Majo, La tutela civile dei diritti. Milano: Giuffrè, 1993, p. 144.
53
700, CPC, que por outro lado se insere em um discurso mais vasto em relação às
medidas que têm carácter cautelar, pressupõe que uma violação (a direitos de
propriedade, a direitos da pessoa, ou também a direitos relativos) já tenha ocorrido, e
não ainda que seja simplesmente objeto de ameaça ou que em relação a ela existam
indícios. A tutela de urgência, além disto, não vem solicitada para a simples violação do
direito, mas em razão do fato que, considerada a natureza do direito (por exemplo,
direitos da pessoa), as conseqüências ligadas à violação (pense-se no sustento do
trabalhador ao qual venha negado o salário ou na falência da empresa decorrente do não
recebimento de créditos pecuniários) possam constituir um prejuízo não reparável com
as habituais medidas de tutela (do tipo ressarcitório ou restitutório)”. 99
<texto>Como fica claro diante da lição de Adolfo di Majo, o raciocínio de Frignani,
para ser válido, deveria ter seguido em sentido inverso. Ou melhor, o que Frignani
deveria ter demonstrado, antes de mais nada, é a existência de um fundamento capaz de
garantir a atipicidade da tutela inibitória, para depois argumentar que, se é possível a
tutela inibitória final, é viável – em razão do art. 700 – a tutela inibitória antecipada.
<texto>Entretanto, ultimamente tem sido aceito, no direito italiano, em razão da
própria exigência de tutela jurisdicional adequada, a tutela inibitória sumária nas ações
declaratória e constitutiva. Admite-se, por exemplo, o uso do art. 700 para inibir a
transferência do empregado na ação que visa declarar a ilegitimidade de sua
transferência para outro local de trabalho. 100
Argumenta-se que a legislação trabalhista
confere um direito ao local do trabalho, que implica, segundo alguns, aspecto de
conteúdo não patrimonial capaz de ser tutelado adequadamente apenas através da tutela
inibitória sumária, que estaria garantida na forma atípica pelo art. 700. 101
<texto>Isto não quer dizer, como é óbvio, que o art. 700 sempre garantiu a tutela
preventiva, mas sim que esse artigo – por constituir (à semelhança do nosso art. 798)
uma válvula de escape para a prestação da tutela jurisdicional adequada – passou a ser
99
Idem, ibidem. 100
Ferruccio Tommaseo, I provvedimenti d’urgenza – Struttura e limiti della tutela anticipatoria. Padova:
Cedam, 1983, p. 256. 101
A “Pretura di Napoli” já admitiu o emprego do art. 700 para impedir a transferência de empregado:
“Statuto dei lavoratori – Dipendente trasferito ad altra sede– Provvedimento di urgenza – Ammissibilità.
Nel caso in cui un dipendente venga trasferito ad altra sede del datore di lavoro (nella specie, dipendente
dell’Ufficio sinistri della S.A.I. da Napoli a Caltagirone), egli può ricorrere al giudice ai sensi dell’a. 700
c.p.c. (che non è stato abrogato dalla nuova legge sul lavoro n. 533 del 1973) e chiedere, a tutela del
diritto al luogo di lavoro, un provvedimento di urgenza” (“Pretura di Napoli”, “ordinanza” de 25 de
janeiro de 1974, Diritto e giurisprudenza, 1974, p. 79).
54
utilizado para fins distantes daqueles para os quais foi criado. 102
<texto>Como já foi dito, inclusive porque este ponto levou ao estabelecimento da
distinção entre tutela cautelar e tutela antecipatória, a tutela de urgência, com o passar
do tempo, transformou-se em um verdadeiro instrumento alternativo ao procedimento
comum. Assim, se alguns admitiram o uso do art. 700 como fundamento da tutela
preventiva, isto ocorreu em razão das necessidades concretas de tutela, e não a partir da
verificação da existência de um princípio geral de prevenção albergado neste artigo. 103
<texto>Se o Código de Processo Civil italiano não prevê a multa como meio de
coerção para dar efetividade às sentenças do juiz, e se a doutrina italiana procura
remediar tal insuficiência invocando o princípio constitucional da efetividade,
albergado no art. 24 da Constituição da República italiana – mediante uma tentativa de
reconstrução do próprio conceito de sentença condenatória, que passaria a ser vista
como uma ordem que, no caso de inadimplemento, abre oportunidade para a prisão104
–
não há razão para se procurar em outro lugar o fundamento da atipicidade da inibitória.
105
<texto>Se o direito é patrimonial e capaz de ser tutelado na forma específica, ou
mesmo se o direito é patrimonial e suscetível de ser tutelado pelo equivalente, há
sempre um prejuízo a quem o dano é imposto, já que, como bem disse Italo Andolina, a
demora para a obtenção do bem a que tem direito o autor é sempre fonte de prejuízo, 106
ocasionando em todos os casos um “dano marginal” ao autor que tem razão. 107
102
Ver Sergio La China, Quale futuro per i provvedimenti d’urgenza? I processi speciali; studi offerti a
Virgilio Andrioli dai suoi allievi. Napoli: Jovene, 1979, p. 151 e ss; Roger Perrot, Procédure de l’instance;
Jugements et voies de recours. Voies d’execution et mesures conservatories. Revue Trimestrielle de Droit
Civil, 1982, p. 342 e ss. 103
A Pretura de Turim, por exemplo, em um interessante caso envolvendo direito da personalidade,
admitiu a tutela inibitória sumária com base no art. 700: “Il libero esercizio del diritto di cronaca e di
critica, pur costituzionalmente garantito, non può ledere i diritti, assolutamente primari, della persona
umana e della sua dignità civile e morale anche essi tutelati dal dettato costituzionale. Costituisce lesione
dell’altrui prestigio e credibilità politica la distribuzione, nel corso di una campagna elettorale di volantini
contenenti erronee informazioni sulla passata posizione ideologica di un leader politico, candidato alle
elezioni, e idonei ad alterarne l’integrità della figura e a ingenerare negli elettori la convinzione di una sua
mancanza di dignità e coerenza politica. Nell’ipotesi di travisamento dell’identità politica a mezzo di
volantini elettorali, può ordinarsi, con provvedimento d’urgenza, che ne venga inibita la ulteriore
diffusione” (Pretura Torino, 30 de maio de 1979 (ord.), Giurisprudenza italiana, 1979, p. 600). 104
Ver Andrea Proto Pisani, L’attuazione dei provvedimenti di condanna. Foro italiano, 1988, p. 182. 105
No sentido de que o art. 24 da Constituição italiana garante a atipicidade da inibitória, ver Cristina
Rapisarda e Michele Taruffo, Inibitoria. Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 17, p. 8-9. 106
Italo Andolina, “Cognizione” ed “esecuzione forzata” nel sistema della tutela giurisdizionale.
Milano: Giuffrè, 1983, p. 13 e ss. 107
A lição de Barbosa Moreira é no mesmo sentido: “Dê-se de barato que haja direitos suscetíveis de,
lesados, comportar reintegração plena. Ainda com relação a esses, será difícil de atingir a perfeita
55
<texto>Mas a situação pode ser mais grave quando se pensa nos direitos que não
podem ser tutelados de forma adequada através do ressarcimento em pecúnia (v. g.,
concorrência desleal) e, principalmente, nos direitos não patrimoniais. Não viabilizar a
tutela inibitória quando em jogo direitos não patrimoniais é admitir a expropriação
desses direitos, transformando-se o direito ao bem em direito ao ressarcimento ou, em
outras palavras, em simples pecúnia. 108
Tal possibilidade, como é óbvio, está muito
distante das Constituições fundadas na dignidade do homem e preocupadas em propiciar
a sua inserção em uma sociedade mais justa. 109
<texto>A Constituição Federal afirma expressamente que: i) são invioláveis a
intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à
indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (art. 5.º, X); ii) é
inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das
comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na
forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual
penal (art. 5.º, XII); iii) aos autores pertence o direito exclusivo de utilização,
publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a
lei fixar (art. 5.º, XXVII); iv) a lei assegurará aos autores de inventos industriais
privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à
propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em
vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País (art. 5.º,
XXIX); v) o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor (art. 5.º,
XXXII); vi) todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de
uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público
e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações
coincidência entre a realidade e a norma, quando menos pela razão óbvia de que a atividade processual,
por mais bem ordenada que seja, nos textos e na prática, sempre consome algum tempo, durante o qual
fica o titular privado da utilidade a que fazia jus segundo o direito material. O proprietário pode recuperar
a coisa de que outrem se apoderara, o credor pode receber a importância que lhe era devida, mas nem
sequer nessas hipóteses será lícito dizer que o processo lhes assegurou, efetivamente, vantagem igual à
que gozariam se não ocorresse a lesão” (Tutela sancionatória e tutela preventiva. Temas de direito
processual, Segunda série, cit., p. 22). 108
Ver Cristina Rapisarda Sassoon, Inibitoria. Digesto delle discipline privatistiche, v. 9, p. 476. 109
Barbosa Moreira, ao realçar a insuficiência do artigo 287 (em sua redação antiga) para a prestação de
uma tutela efetivamente preventiva, afirma que a ausência de tutela adequada para os direitos não
patrimoniais é apenas um reflexo de uma ideologia que faz preponderar o ter sobre o ser: “Na sistemática
atual, passa à frente a segurança dos bens, consoante mostram os textos relativos ao interdito proibitório e
à nunciação de obra nova. Ao que se pode reparar com maior facilidade, dispensa-se a tutela preventiva;
ao que não comporta reparação adequada, reserva-se a tutela sancionatória. Paradoxo apenas aparente: se
no mais é nítido o primado do ter sobre o ser, como estranhar que o seja também na ordem processual?”
(Tutela sancionatória e tutela preventiva. Temas de direito processual, Segunda série, cit., p. 29).
56
(art. 225, caput).
<texto>Supõe-se, como é óbvio, que tais direitos devam ser efetivamente tutelados,
até mesmo porque a falta de efetividade da tutela jurisdicional implica a existência de
um ordenamento jurídico incompleto. 110
A existência do direito material – em nível de
efetividade – depende da efetividade do próprio processo. 111
Sem um direito processual
capaz de garantir uma tutela jurisdicional efetiva e adequada não há um ordenamento
que possa ser qualificado como jurídico. 112
<texto>O Estado, ao proibir a autotutela privada e assumir o monopólio da
jurisdição, assumiu também o dever de tutelar de forma efetiva todas as situações
conflitivas concretas; o Estado, portanto, não pode deixar de dar resposta adequada aos
direitos por ele mesmo proclamados. 113
<texto>O direito de acesso à justiça, atualmente, é reconhecido como o direito que
deve garantir a tutela efetiva de todos os demais direitos. 114
A importância que se dá ao
direito de acesso à justiça decorre do fato de que a ausência de tutela jurisdicional
efetiva implica a transformação dos direitos garantidos constitucionalmente em meras
declarações políticas, de conteúdo e função mistificadores. 115
<texto>É por isso que se deve abandonar a idéia de que o direito de acesso à justiça,
ou o direito de ação, significa apenas direito à sentença de mérito. Este modo de ver o
110
Registre-se, nesta linha, a lição de Rotondi: “Senza richiamarci a considerazioni di indole generale,
relative alle conseguenze dell’illecito civile, la esigenza di ammettere la possibilità di un’azione inibitoria
a difesa di ogni diritto soggettivo, indipendentemente da colpa o dolo di chi lo leda, e indipendentemente
dalla esistenza di un danno attuale, deriva dallo stesso concetto di norma giuridica, che postula una
sanzione altrettanto estesa quanto il precetto. Ora se l’unica sanzione dell’illecito fosse l’obbligo di
risarcire quando si è causato un danno per colpa o dolo, ne verrebbe che il diritto soggettivo consacrato
nella norma sarebbe dalla sanzione solo imperfettamente difeso, il che ripugna al carattere della norma
giuridica” (Mario Rotondi, Diritto industriale. Padova: Cedam, 1965, p. 519-520). 111
Andrea Proto Pisani, Breve premessa a un corso sulla giustizia civile. Appunti sulla giustizia civile.
Bari: Cacucci, 1982, p. 11. 112
Como diz Arruda Alvim, “vincula-se a ação à indeclinável correspondência da prestação jurisdicional;
conseqüentemente, constituem-se uma e outra – ação e jurisdição – em verdadeiras condições de
funcionamento e validade de um ordenamento jurídico. Decorre disto que, a impossibilidade de acesso à
justiça equivale ao menos, na medida ou espaço em que isso se verifique, à ausência de ordem jurídica
válida e atuante” (José Manoel de Arruda Alvim Neto, Tratado de direito processual civil. São Paulo:
RT, 1990, v. 1, p. 211). 113
É nesta linha que se move Grossen: “Perché un diritto soggettivo sia perfetto, non basta la sua
consacrazione legislativa in formule più o meno solenni. Bisogna anche che il suo esercizio sia protetto;
che il suo titolare, all’occorrenza, possa sollecitare ed ottenere l’intervento dell’autorità giudiziaria”
(Jacques Michel Grossen, L’azione in prevenzione al di fuori dei giudizi immobiliari. Rivista di Diritto
Processuale, 1959, p. 417). 114
Ver Mauro Cappelletti, La dimensione sociale: l’accesso alla giustizia. Dimensioni della giustizia nelle
società contemporanee. Bologna: Il Mulino, 1994, p. 71 e ss. 115
Ver Boaventura de Souza Santos, Introdução à sociologia da administração da justiça. RePro 37, p.
125.
57
processo, se um dia foi importante para a concepção de um direito de ação independente
do direito material, não se coaduna com as novas preocupações que dizem respeito ao
tema da “efetividade do processo”, que traz em si a superação da ilusão de que o
processo poderia ser estudado de maneira neutra e distante da realidade social e do
direito material. 116
<texto>Quando se pensa em tutela jurisdicional efetiva, descobre-se, quase por
necessidade, a importância da relativização do binômio direito-processo. O processo
deve estar atento ao plano do direito material se deseja realmente fornecer tutela
adequada às diversas situações concretas. É apenas por esta razão que a doutrina
redescobre – e não por mágica – a importância das tutelas jurisdicionais diferenciadas.
O direito à preordenação de procedimentos adequados à tutela dos direitos passa a ser
visto como algo absolutamente correlato ao direito de acesso à justiça. 117
Sem a
predisposição de instrumentos de tutela adequados à efetiva garantia das diversas
situações de direito substancial não se pode conceber um processo efetivo. 118
<texto>Portanto, o direito de acesso à justiça garante a tutela jurisdicional capaz de
fazer valer de modo integral o direito material e, por conseqüência, o direito à técnica
processual capaz de viabilizá-la. Lembre-se, aliás, que a Corte Constitucional italiana já
afirmou que “o direito à tutela jurisdicional está entre os princípios supremos do
ordenamento constitucional, no qual é intimamente conexo com o próprio princípio
democrático, assegurar a todos e sempre, para qualquer controvérsia, um juiz e um juízo
em sentido verdadeiro”. 119
<texto>Não há dúvida de que o direito de acesso à justiça, assegurado por nossa
Constituição Federal (art. 5.º, XXXV), garante o direito à adequada tutela
jurisdicional120
e, assim, o direito à técnica processual capaz de viabilizar o exercício
116
Ver Ovídio Baptista da Silva, Jurisdição e execução..., São Paulo: RT, 1996, p. 161 e ss. 117
Ver, por exemplo, Andrea Proto Pisani, Sulla tutela giurisdizionale differenziata. Rivista di Diritto
Processuale, 1979, p. 575 e ss. 118
Como já dissemos: “Uma evolução adequada do sistema de distribuição de justiça equivaleria à
predisposição de procedimentos adequados à tutela dos novos direitos. A inércia do legislador – ao menos
para dar tutela efetiva às novas situações carentes de tutela – conduz a uma interessante e generosa
posição doutrinária: a do direito à adequada tutela jurisdicional. O direito de acesso à justiça tem como
corolário o direito à preordenação de procedimentos adequados à tutela dos direitos ...” (Luiz Guilherme
Marinoni, Efetividade do processo e tutela de urgência. Porto Alegre: Fabris, 1994, p. 7). 119
“Corte Costituzionale”, 2 de fevereiro de 1982, Foro italiano, 1982, p. 934. 120
Entende-se, no direito italiano, que o art. 24 da Constituição da República garante o direito à adequada
tutela jurisdicional; ver, em outros, Luigi Paolo Comoglio, Commentario della Costituzione (a cura di G.
Branca). Bologna-Roma, Zanichelli-Foro italiano, 1981, p. 1 e ss; Andrea Proto Pisani, Brevi note in tema
di tutela specifica e tutela risarcitoria. Foro Italiano, 1983, p. 128 e ss; Michele Taruffo, Note sul diritto
58
do direito à tutela inibitória. 121
É possível afirmar até mesmo que a inserção da locução
“ameaça a direito” na verbalização do princípio da inafastabilidade (art. 5º, XXXV, CF)
teve por fim garantir a possibilidade de qualquer cidadão solicitar a tutela inibitória.
<texto>Como está evidenciado, se todos têm direito à tutela e à ação inibitória, isto
nada tem a ver com a proteção cautelar, até porque esta última foi concebida, em
princípio, para permitir a efetiva proteção de um direito já violado. 122
O direito à tutela
e à ação inibitória, como demonstrado, não tem relação alguma com a necessidade de
segurança de um direito que pode não ser efetivamente tutelado através de outra técnica
de tutela.
<aa>3.12 Direito à tutela inibitória, técnica processual e tutela jurisdicional
inibitória
<texto>Cabe frisar, porém, que o direito de acesso à justiça garante a técnica
processual capaz de prestar a efetiva tutela dos direitos, e não propriamente a tutela do
direito. A tutela é decorrência da existência do próprio direito. Ou melhor, a tutela
inibitória existe pelo fato de ser inerente à existência do direito; todo titular de direito
tem o direito de impedir a sua violação.
<texto>Não basta, como é evidente, que o ordenamento jurídico afirme um direito,
mas é necessário que ele lhe confira tutela, ou seja, que ele lhe dê proteção. Entretanto,
em um ordenamento jurídico marcado pela proibição da autotutela, a jurisdição deve
estar aberta à tutela dos direitos.
<texto>A consagração de direitos faz surgir, por conseqüência lógica, o direito à
tutela jurisdicional, isto é, o direito de pedir, conforme o caso, o impedimento da sua
violação, a sua reparação etc. Quem tem direito material, tem direito de pedir tutela
alla condanna e all’esecuzione. Rivista Critica del Diritto Privato, 1986, p. 635 e ss; Ferruccio
Tommaseo, Appunti di diritto processuale civile. Torino: Giappichelli, 1995, p. 169 e ss. 121
Rapisarda e Taruffo afirmam que o art. 24 da Constituição da República italiana garante o direito à
tutela inibitória: “È precisamente in questo ambito che si colloca la funzione della tutela inibitoria, anche
al di là dei casi espressamente previsti dalla legge, proprio in quanto essa è diretta a fornire uno strumento
di garanzia giurisdizionale per quelle situazioni sostanziali che non trovano tutela, o vengono tutelate in
modo inadeguato, dagli strumenti restitutori o risarcitori. In sostanza, la concezione meramente
risarcitoria della tutela di condanna apre dei vuoti di grande rilievo nell’attuazione concreta della garanzia
di cui all’art. 24, 1 co., Cost.; per contro, l’estensione di tale garanzia alle situazioni sostanziali non
tutelabili in via risarcitoria impone di ammettere per esse la tutela inibitoria. Essa deve, quindi, essere
atipica, proprio per poter svolgere la funzione generale di tutela prevista dalla norma costituzionale”
(Cristina Rapisarda e Michele Taruffo, Inibitoria. Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 17, p. 9). 122
Ver, também, Gian Antonio Michelli, L’azione preventiva, Rivista di Diritto Processuale, 1959, p.
221; Giuseppe Franchi, Le denunce di nuova opera e di danno temuto. Padova: Cedam, 1968, p. 12 e ss.
59
jurisdicional. De modo que o direito à tutela jurisdicional inibitória é conatural ao
direito material. Com efeito, não temos a menor dúvida em afirmar que o princípio geral
de prevenção é imanente a qualquer ordenamento jurídico que se empenhe em garantir –
e não apenas em proclamar – os direitos.
<texto>O direito à tutela jurisdicional, que é decorrência da própria existência do
direito substancial e da proibição da sua realização privada, não é apenas o direito de ir
ao Poder Judiciário, mas o direito de obter a via técnica adequada para que o direito
material possa ser efetivamente realizado através da jurisdição. O direito à tutela, assim,
é o direito à técnica processual (por exemplo, sentença e meios executivos) capaz de
permitir a efetiva proteção do direito material. Trata-se, assim, do direito à adequada
tutela jurisdicional.
<texto>Pensando-se em garantia constitucional de acesso à justiça, ou melhor, no
direito constitucional à preordenação da técnica processual adequada, entra em jogo o
direito à técnica processual capaz de permitir a tutela dos direitos. Quando se afirma que
a ação é requerida, é postulada a tutela. Por essa razão, o direito de ação, nos dias de
hoje, não pode mais ser visto como o simples direito de ir ao Judiciário, mas sim como
o direito à predisposição da técnica processual realmente capaz de dar tutela ao direito.
Não basta dizer que todos podem afirmar, perante o Judiciário, um direito à tutela, mas
é preciso garantir ao cidadão o direito à técnica processual capaz de viabilizar a sua
obtenção.
<texto>O direito de buscar a tutela inibitória, através da via processual adequada,
consagra o direito a uma via processual realmente capaz de propiciar a tutela inibitória.
Assim, o exercício do direito de ir ao Judiciário para buscar a tutela inibitória, nada
mais é do que o exercício da ação inibitória. É neste sentido que se pode pensar em ação
inibitória, ou seja, em ação efetivamente capaz de permitir, caso o direito material seja
reconhecido, a obtenção da tutela inibitória.
<texto>O objetivo da distinção entre tutela do direito e técnica processual é o de
verificar se a legislação possui instrumentos processuais (técnica processual)
efetivamente capazes de propiciar a tutela dos direitos. Para tanto, é necessário analisar,
como antecedente lógico, o que é vital à proteção dos direitos, para depois ver se os
instrumentos processuais estão adequadamente preordenados para permitir a tutela que
lhes é inerente.
<texto>Tal distinção traz ao direito processual um novo valor, calcado na
60
necessidade de verificar se o processo está realmente preparado para assumir
plenamente a função de tutela dos direitos, ou se é algo incapaz de fazer o Estado
cumprir com o dever que assumiu no momento em que proibiu a autotutela.
<texto>Se não é possível negar, diante da consideração do direito material, o direito
à tutela inibitória (por exemplo), fica o legislador infraconstitucional obrigado a
estabelecer os instrumentos adequados para garanti-la, sob pena de descumprir o
preceito constitucional consagrador do direito de acesso à justiça. 123
Isto quer dizer que
a tutela jurisdicional inibitória, que é resposta do processo ao direito à tutela inibitória,
deve constituir tutela jurisdicional que possa efetivamente inibir a prática, a repetição ou
a continuação do ilícito. É por isso que a tutela jurisdicional inibitória pode ser prestada
antecipadamente (quando for o caso) e por meio das sentenças e meios de execução
adequados.
<texto>O princípio da efetividade, porém, não só obriga o legislador ordinário a
predispor procedimentos adequados à tutela dos direitos, mas também vincula o
doutrinador e os operadores jurídicos, obrigando-os à leitura das normas
infraconstitucionais à luz do princípio constitucional da efetividade. 124
<texto>O princípio constitucional da efetividade não permite que o processualista
“entregue-se” perante uma primeira, e muitas vezes não aprofundada, conclusão de
inexistência de técnica processual adequada, transferindo o problema para uma
discussão de lege ferenda e, assim, para uma futura e incerta reforma processual. 125
Cabe-lhe buscar nas normas processuais, sempre a partir de uma leitura constitucional,
os instrumentos adequados à efetiva garantia dos direitos. Afinal, como dizia Liebman,
o Código de Processo Civil é apenas a lei regulamentadora das garantias de justiça
contidas na Constituição. 126
<texto>Resumindo: o cidadão, pelo simples fato de ter direito (direito da
123
Neste sentido, ainda que referindo-se ao “diritto alla tempestività della tutela giurisdizionale”,
posicionam-se Italo Andolina e Giuseppe Vignera, Il modello costituzionale del processo civile italiano.
Torino: Giappichelli, 1990, p. 89. 124
É importante registrar, neste momento, a seguinte lição de Clèmerson Merlin Clève: “As fronteiras da
criatividade são mais largas no domínio do direito constitucional em face da baixa densidade normativa e
do elevado grau de abstração de seus preceitos. A constitucionalização do direito infraconstitucional
(filtragem constitucional do direito infraconstitucional) favorece a releitura comprometida e criativa dos
vários ramos da árvore jurídica, ampliando o grau de participação do jurista na determinação (construção)
do direito aplicável” (A teoria constitucional e o direito alternativo. Seleções Jurídicas (Instituto dos
Advogados Brasileiros), p. 50). 125
Ver Andrea Proto Pisani, L’attuazione dei provvedimenti de condanna. Foro Italiano, 1988, p. 185. 126
Enrico Tullio Liebman, Diritto costituzionale e processo civile. Rivista di Diritto Processuale, 1952, p.
329
61
personalidade etc.), possui direito à tutela inibitória. Sendo inegável que o direito
constitucional de acesso à justiça (art. 5.º, XXXV, da CF) 127
tem como corolário o
direito à técnica processual adequada à prestação da tutela do direito, o direito à tutela
inibitória depende da efetividade do direito de acesso à justiça. Assim, o ordenamento
jurídico que, por exemplo, desconhece a técnica antecipatória e a sentença
mandamental, e que assim não está adequado à prestação da tutela inibitória, está em
desacordo com a Constituição Federal.
<aa>3.13 O art. 461 como fundamento processual da tutela inibitória
<texto>Como já dissemos, a ação cautelar inominada não é o instrumento adequado
à tutela preventiva. Chegou o momento de aprofundarmos esta questão.
<texto>A efetividade da tutela preventiva, como é óbvio, está na dependência da
possibilidade de se impedir o ilícito (ou sua continuação ou repetição). Torna-se
imprescindível, assim, a possibilidade do uso da multa, como meio de coerção capaz de
convencer o réu a não fazer ou a fazer, conforme se tema ação ou omissão.
<texto>O tempo necessário ao término do processo de conhecimento é
frequentemente incompatível com as situações de direito material que exigem tutela
preventiva. Pense-se, em primeiro lugar, nos direitos industriais. Obrigar o titular de
uma marca comercial, ou de uma patente de invento, a esperar dois ou três anos para
obter a tutela que pode impedir a continuação ou a repetição do ilícito, é conferir àquele
que pratica o ilícito dois ou três anos de “lícito exercício do ilícito”, principalmente
quando se percebe que o objetivo do titular de uma marca ou de um invento é, acima de
tudo, a tutela da integridade da marca ou do invento, e não a mera reparação do dano.
Além disso, quem conhece a realidade das ações de reparação envolvendo direitos
industriais sabe que é muito difícil a quantificação do dano (problema de “caixa dois”
127
A doutrina argentina, interpretando o art. 43 da “Constitución de la Nación”, sustenta que esta norma,
ao admitir a ação de amparo, abre oportunidade a uma tutela inibitória que pode ser endereçada contra o
Poder Público ou o particular “que en forma actual o inminente lesione, restrinja, altere o amenace, con
arbitrariedad o ilegalidad manifiesta, derechos e garantías reconocidos por esta Constitución, un tratado o
una ley” “siempre que no exista otro medio judicial más idóneo” (art. 43). Noemi Lidia Nicolau, em
ensaio publicado na La Ley, observa: “El breve análisis del supuesto de hecho contemplado en la nueva
norma constitucional demuestra que, al haber incorporado de manera expresa la posibilidad de accionar
contra los particulares y no sólo por la violación de derechos y garantías reconocidos por la Constitución,
sino también por la violación de derechos acordados por la ley, incluye de manera implícita la inhibitoria
y hace posible obtener la orden judicial de abstenerse de un comportamiento ilícito, cuando no hubiere
otra vía judicial idónea” (Noemi Lidia Nicolau, La tutela inhibitoria y el nuevo artículo 43 de la
Constitución Nacional. La Ley, 1996-A, p. 1.248) Ver, também, Ricardo Luis Lorenzetti, La tutela civil
inhibitoria. La Ley, 1995-C, p. 1.217 e ss.
62
etc.), 128
para não se falar que muitas vezes aquele que usufrui ilicitamente de uma
marca ou de um invento conduz sua empresa à falência, reservando o patrimônio
abarcado de modo ilícito a um “testa-de-ferro”.
<texto>A situação torna-se ainda mais assustadora quando entram em cena os
direitos da personalidade. Em relação a estes, o descaso da antiga redação do art. 287
era completo. Se alguém teme que seu direito à imagem seja violado, continue a ser
violado ou seja novamente violado, não pode se dar ao luxo de esperar o tempo
necessário ao trânsito em julgado da sentença cominatória.
<texto>É difícil compreender a razão pela qual o Código de Processo Civil, quando
editado, só estabeleceu tutelas inibitórias antecipadas nos casos de interdito proibitório
(art. 932 do CPC) e nunciação de obra nova (art. 936, II, do CPC). Ora, se o legislador
processual previu a necessidade da multa para dar efetividade aos preceitos emitidos
initio litis, é porque ele estava ciente de que a prevenção requer tutela antecipada mais
multa.
<texto>Por qual motivo, então, teria o Código deixado de criar uma ação preventiva
genérica, à semelhança do mandado de segurança preventivo? Qual a razão que teria
levado o legislador de 1973 a esquecer-se de estabelecer uma verdadeira ação
preventiva contra o particular? Parece que a explicação deste fato somente pode ser
encontrada através de uma investigação dos valores submersos à técnica processual. 129
<texto>Recorde-se que o uso da ação cautelar inominada como instrumento para a
tutela dos direitos da personalidade constituiu criação da prática forense a partir da
necessidade de uma tutela concreta desses direitos, e que o uso desta via para suprir a
lacuna deixada pelo antigo art. 287 não só conduziu a uma indesejável e muitas vezes
incompreensível duplicação de procedimentos, como não foi capaz de garantir uma
tutela preventiva verdadeiramente efetiva.
128
Há muito tempo esta dificuldade é sentida, como se pode perceber da antiga (porém atual) lição de
Gama Cerqueira a respeito da ação cominatória que era fundada no art. 189 do antigo Código da
Propriedade Industrial: “Quando tratamos dos crimes contra os privilégios de invenção, tivemos ocasião
de salientar as vantagens desta ação instituída pelo Código da Propriedade Industrial, cuja utilidade mais
se patenteia nos casos de infração dos registros de marcas, em que avultam as dificuldades para se
apurarem os danos sofridos pelos seus titulares em conseqüência da infração” (João da Gama Cerqueira,
Tratado da propriedade industrial, v. 2, cit., p. 1.126). 129
Como diz Barbosa Moreira, “em toda obra legislativa está implícita uma visão do mundo, uma escala
de valores. A preferência dada em geral pelos códigos à tutela sancionatória, em detrimento da
preventiva, constitui dado valioso para quem se disponha a pesquisar os pressupostos ideológicos do
nosso processo” (Tutela sancionatória e tutela preventiva. Temas de direito processual, Segunda série,
cit., p. 29).
63
<texto>O art. 461 deve ser compreendido como a fonte normativo-processual da
tutela inibitória “individual”, 130
tornando viável a obtenção desta tutela através da
propositura de uma única ação, sem que seja necessário pensar em ação cautelar e ação
de execução.131
<texto>O art. 461 quebra o princípio da tipicidade das formas executivas, prevendo
a possibilidade de o juiz determinar a medida executiva adequada ao caso concreto.
Estão elas enumeradas, de forma exemplificativa, no seu § 5.º.
<texto>Além disto, o art. 461, em seu § 3.º, deixa claro que a tutela poderá ser
antecipada. Em resumo, o art. 461 permite ao cidadão buscar o Judiciário através de
ação que lhe dá oportunidade de obter não só a antecipação da tutela, mas também a
sentença e o meio de execução capazes de impedir a violação do direito.
<texto>Um obstáculo que poderia ser levantado à tese de que o art. 461 constitui a
fonte normativo-processual da tutela inibitória advém da letra do próprio art. 461, que
fala em obrigação de fazer e de não fazer, não se referindo a deveres. Em outras
palavras, um espírito menos afeito à importância do princípio constitucional da
efetividade poderia argumentar que o art. 461 só permite a tutela das obrigações stricto
sensu, deixando sem resposta, v. g., os direitos da personalidade.
<texto>Se este argumento pudesse ser levado a sério, a tutela dos direitos difusos e
coletivos, que também se vale de normas que falam apenas em obrigação (art. 84 do
CDC; art. 11 da Lei da Ação Civil Pública), estaria irremediavelmente comprometida.
<texto>Note-se, aliás, que Barbosa Moreira, ao escrever o ensaio “A tutela
específica do credor nas obrigações negativas”, em época em que a única norma que o
socorria era a do antigo art. 287, não teve qualquer dúvida em enumerar, sob o nomen
iuris de obrigações negativas, os deveres de abstenção: “d) correspondentes aos direitos
absolutos, quer reais (exemplo: dever de não penetrar em imóvel alheio sem licença do
proprietário), quer da personalidade (exemplo: dever de não usurpar o nome de outrem);
e) correspondentes a direitos subjetivos públicos (exemplos: dever da Administração de
não exigir tributo não previsto em lei, de não demitir funcionário estável senão em
virtude de sentença judicial ou mediante processo administrativo em que se lhe assegure
130
Sobre a tutela inibitória coletiva, fundada no art. 84 do CDC, ver a seguir. 131
Após a Lei 11.232/05, a sentença condenatória também não necessita mais de ação de execução para
ser executada (art. 475-J). Toda e qualquer sentença do juiz civil que dependa de meios de executivos é
agora passível de execução no próprio processo em que a sentença foi proferida, sem a necessidade de
nova ação.
64
ampla defesa); f) impostos para a salvaguarda de ‘interesses coletivos’ ou ‘difusos’
(exemplos: dever de não perturbar o equilíbrio ecológico; de não pôr em circulação
notícias inverídicas)”. 132
<texto>Reconhece-se, no plano da teoria geral do direito, que as leis não devem ser
interpretadas ao pé da letra. A norma deve ser interpretada em função da unidade
sistemática da ordem jurídica; desta forma, o art. 461 tem que ser compreendido em
face da nova realidade que foi construída em virtude da reforma de 1994 e, como é
óbvio, de acordo com o espírito que a presidiu. Na verdade, não há como não se
vislumbrar na ratio, no fim do art. 461 (interpretação teleológica), a intenção da tutela
de direitos que não poderiam ser adequadamente protegidos a partir de uma
interpretação excessivamente comprometida com o tecnicismo da linguagem jurídica,
que não é, como se sabe, a linguagem da lei, não só porque a lei é o fruto do trabalho de
pessoas de diversas formações – o que não autoriza supor que a norma tenha que refletir
uma tomada de posição científica–, mas também porque a lei não é dirigida
exclusivamente aos juristas. 133
<texto>Não há dúvida de que as modificações introduzidas no Código de Processo
Civil – todas elas marcadas pelo princípio da efetividade – tiveram por fim conferir ao
jurisdicionado um processo efetivo e adequado, capaz de assegurar de forma concreta –
e não meramente formal – os seus direitos. 134
É completamente descabido, assim,
pensar que o legislador ter-se-ia preocupado unicamente com a tutela das “obrigações”
de fazer e de não fazer, esquecendo-se dos direitos da personalidade, 135
que, apesar de
132
José Carlos Barbosa Moreira, A tutela específica do credor nas obrigações negativas. Temas de direito
processual, Segunda série, cit., p. 30. 133
“Esa no es una circunstancia meramente accidental; tampoco debe ser vista como un defecto grave ni
como una insuficiencia remediable de la técnica de control social que llamamos derecho. El uso eficaz de
esta técnica reclama que las reglas jurídicas sean comprendidas por el mayor número posible de hombres.
La función social del derecho se vería hoy seriamente comprometida si aquéllas estuvieran formuladas de
manera tal que sólo un grupo muy pequeño de iniciados pudiese comprenderlas. Por ello es legítimo decir
que las normas jurídicas no sólo se valen del lenguaje natural sino que, en cierto sentido, tienen que
hacerlo” (Genaro R. Carrió, Notas sobre derecho y lenguaje. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1990, p. 49). 134
Ver, a propósito, a “exposição de motivos”, subscrita pelos Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira e
Athos Gusmão Carneiro, apresentada à reforma de dezembro de 1994 (Exposição de motivos (reforma do
processo civil). Estatuto da Magistratura e Reforma do Processo Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 1993, p.
117-118; ver, também, Sálvio de Figueiredo Teixeira, Um novo processo, uma nova Justiça. Estatuto da
Magistratura e Reforma do Processo Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 1993. 135
É importante ressaltar o que disse Ovídio Baptista da Silva a respeito desta questão: “Resta, sem
dúvida, a conquista, ou a reconquista, da distinção entre obrigações e deveres que o direito moderno
suprimiu, a partir do período bizantino do direito romano tardio, generalizando, contra as legítimas fontes
do direito romano clássico, o conceito de obligatio, de que proveio nossa genérica e exclusiva execução
por créditos – com supressão das ações mandamentais e das execuções reais, que correspondiam
basicamente à tutela romana interdital –, para que a compreensão do campo de incidência da norma
65
sua alta relevância, não podiam ser adequadamente tutelados – como reconhecia
Barbosa Moreira136
– antes das alterações que foram realizadas em nosso Código.
<texto>O velho art. 287 do CPC, que reservava a incidência da multa “para o caso
de descumprimento da sentença”, desconsiderando a necessidade de técnica
antecipatória e de sentença e meios de execução adequados para a obtenção da tutela
inibitória, foi modificado em 2002, atendendo a críticas que a ele foram endereçadas. A
redação atual deste artigo é a seguinte: “Se o autor pedir que seja imposta ao réu a
abstenção da prática de algum ato, tolerar alguma atividade, prestar ato ou entregar
coisa, poderá requerer cominação de pena pecuniária para o caso de descumprimento da
sentença ou da decisão antecipatória de tutela (arts. 461, § 4.o, e 461-A)”.
<texto>O novo art. 287 admite expressamente a antecipação da tutela e que a
decisão que a concede ordene sob pena de multa, mostrando, de vez por todas, a
impropriedade absoluta do uso da ação cautelar para a obtenção da tutela inibitória
antecipada.
<texto>Esta nova redação do art. 287, de lado a questão da imposição da entrega de
coisa, reafirma as técnicas processuais já insculpidas no art. 461. Na verdade, em
relação à imposição de fazer e de não fazer, a nova redação do art. 287 não trouxe novas
técnicas de tutela, mas somente serviu para evidenciar a importância das técnicas
processuais que já estavam no art. 461.
<texto>A nova redação do art. 287 possui grande valor teórico: i) quebrou a idéia de
que existiam somente três sentenças; ii) tornou clara a possibilidade de atividade
cognitiva e executiva em razão de única ação; iii) evidenciou que a tutela preventiva não
deve ser prestada por meio da ação cautelar; e iv) admitiu o uso da multa para compelir
a um fazer que pode ser prestado por terceiro.
<texto>Este último ponto deve ser melhor esclarecido. Com efeito, alterou-se a
contida no art. 461 evidencie que, no conceito de obrigação com que labora este artigo, compreendem-se
tanto as obrigações stricto sensu, do Direito das Obrigações, quanto genericamente os deveres, aí
compreendidos, tanto aqueles nascidos do direito privado, quanto os deveres sociais e os que nascem no
campo do Direito Público” (Ovídio Baptista da Silva, Curso de processo civil, v. 1, cit., p. 126). No
mesmo sentido, Kazuo Watanabe, Tutela antecipatória e tutela específica das obrigações de fazer e não
fazer (arts. 273 e 461 do CPC). Reforma do Código de Processo Civil, cit., p. 41. 136
Afirmando não haver tutela jurisdicional adequada à proteção do direito à preservação da intimidade,
dizia o professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro: “Nem, vale insistir, para os restantes
direitos da personalidade, e em termos ainda mais genéricos para as relações jurídicas não patrimoniais: o
legislador parece menos sensível à necessidade da tutela preventiva justamente no âmbito em que ela
ressalta com maior clareza, ante a manifesta insuficiência das medidas ‘reparatórias’” (José Carlos
Barbosa Moreira, Processo civil e direito à preservação da intimidade. Temas de direito processual,
Segunda série. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 6-7).
66
antiga redação que aludia a “prestar fato que não possa ser realizado por terceiro”,
passando a nova norma a falar apenas em “prestar ato”. A importância desta expressa
tomada de posição é imensa, pois dá ao autor a possibilidade de escolher a sentença
mandamental para obrigar o réu a fazer algo que pode ser feito por terceiro, abrindo
caminho para a utilização da técnica mandamental em face da obrigação de pagar soma
em dinheiro.
<texto>Buscar uma tutela jurisdicional adequada aos “novos direitos” e, mais do
que isso, encontrar o fundamento normativo-processual da tutela inibitória no Código de
Processo Civil, 137
são deveres da doutrina que se preocupa com a efetividade da tutela
dos direitos e, por conseqüência, com uma sociedade mais justa e harmônica.
<aa>3.14 O art. 12, caput, do novo Código Civil
<texto>O novo Código Civil estabelece, em seu art. 12, caput, o seguinte: “Pode-se
exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e
danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei”.
<texto>Esta nova norma apenas reafirmou algo que é absolutamente óbvio, e
inclusive está assegurado na própria Constituição Federal (art. 5.º, X). O direito da
personalidade é inviolável. 138
Assim, em determinada perspectiva, não era preciso
afirmar que é possível fazer cessar ameaça a direito da personalidade.
<texto>Entretanto, os direitos da personalidade, embora abram oportunidade, por
sua própria existência, à tutela inibitória, não podiam ser adequadamente protegidos
pelo processo até bem pouco tempo atrás. Lembre-se que, até a introdução do novo art.
461 no CPC, aquele que desejava tutela inibitória dos direitos da personalidade, era
obrigado a propor ação cautelar inominada, a qual era seguida de ação de conhecimento,
o que gerava uma dispendiosa, inútil, complicada e inefetiva via processual.
<texto>Na realidade, o legislador nunca deu muita importância à forma processual
capaz de propiciar a adequada e efetiva tutela dos direitos da personalidade. Para
impedir a violação de um direito, basta uma ação. Aquele que teme violação a direito da
personalidade deve ir ao Judiciário, mas aí tem o direito de utilizar um procedimento
137
Lembre-se de que o Estatuto da Criança e do Adolescente possui norma semelhante à do art. 461. O
art. 213 deste Estatuto admite a imposição de multa, de ofício ou a requerimento, na sentença ou na tutela
antecipatória, viabilizando, assim, a tutela inibitória antecipada e final. 138
No mesmo sentido, estabelece o art. 21 do CC: “A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz,
a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato
contrário a esta norma”.
67
autônomo (e por isto de conhecimento), técnica antecipatória, sentença e meios de
execução capazes de efetivamente prestar a tutela inibitória do direito da personalidade
afirmado (se este for reconhecido, como é óbvio).
<texto>Como se vê, o direito de acesso aos meios técnicos adequados à tutela
inibitória é o direito de ação que garante a técnica processual capaz de prestá-la. Diante
da proibição da autotutela, pouco vale a norma que confere direito à tutela, já que esta
somente pode ser obtida por meio do processo. É por isto que se entende que o direito
de ação é o direito à preordenação das técnicas adequadas à tutela dos direitos.
<texto>O art. 12, caput, do CC, ao reafirmar o direito à tutela inibitória dos direitos
da personalidade, convoca abertamente o doutrinador do processo e os operadores do
direito a encontrar na legislação processual uma via que realmente seja capaz de
permitir a prestação da tutela inibitória dos direitos da personalidade. Hoje, portanto, a
ação inibitória, pensada já na 1.ª edição deste livro (em 1998), constitui a melhor
maneira de se dar “boas-vindas” ao art. 12 do novo CC.
<aa>3.15 A tutela inibitória no plano coletivo
<a1a>3.15.1 Os arts. 11 da Lei da Ação Civil Pública e 84 do CDC. O sistema
brasileiro de tutela coletiva ampara a tutela inibitória
<texto>Barbosa Moreira, antes do advento da Lei da Ação Civil Pública (Lei
7.347/85), afirmava: “Considere-se por um instante o caso do interesse na sanidade do
ambiente, ou na preservação das belezas naturais e do equilíbrio ecológico, ou na
honestidade das mensagens de propaganda; o do interesse em que não se ponham à
venda produtos alimentícios ou farmacêuticos nocivos à saúde, em que funcionem com
regularidade e eficiência os serviços de utilidade pública, prestados pela Administração
ou por particulares, e assim por diante. Se a Justiça civil tem aí um papel a
desempenhar, ele será necessariamente o de prover no sentido de prevenir ofensas a
tais interesses, ou pelo menos de fazê-las cessar o mais depressa possível e evitar-lhes a
repetição; nunca o de simplesmente oferecer aos interessados o pífio consolo de uma
indenização que de modo nenhum os compensaria adequadamente do prejuízo acaso
sofrido, insuscetível de medir-se com o metro da pecúnia”. 139
<texto>As preocupações de Barbosa Moreira foram parcialmente acolhidas pela Lei
139
José Carlos Barbosa Moreira, Tutela sancionatória e tutela preventiva. Temas de direito processual,
Segunda série, cit., p. 24.
68
da Ação Civil Pública. Esta lei afirma, no seu art. 11, que “na ação que tenha por objeto
o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento
da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de
execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou
compatível, independentemente de requerimento do autor”. O art. 12 desta mesma lei
prevê a possibilidade de o juiz “conceder mandado liminar, com ou sem justificação
prévia” (caput), com a cominação de multa, que só “será exigível do réu após o trânsito
em julgado da decisão favorável ao autor, mas será devida desde o dia em que se houver
configurado o descumprimento” (§ 2.º).
<texto>Perceba-se que o art. 11 da Lei da Ação Civil Pública só admite, em
princípio, uma das formas de tutela inibitória, aquela que visa a fazer cessar a prática do
ilícito. Contudo, é certo que tal norma, ao aludir à “cessação da atividade nociva”,
deseja abarcar os atos nocivos suscetíveis de repetição, cujos exemplos são notórios no
plano da tutela coletiva, valendo a pena lembrar, v. g., os casos de venda de produtos
nocivos à saúde do consumidor.
<texto>A tutela inibitória pura, porém, não está consagrada no art. 11, pois esta
norma, ao referir-se à “cessação da atividade nociva”, supõe logicamente um ilícito já
ocorrido.
<texto>Se em grande parte dos casos o ilícito já foi praticado, temendo-se apenas a
sua continuação ou repetição, isto não significa que não possa haver hipóteses em que a
tutela coletiva inibitória é imprescindível na forma genuína, e assim anteriormente à
prática de qualquer ilícito.
<texto>O art. 84 do CDC, como se sabe, tem grande semelhança com o art. 461,
dispondo, no seu caput, que “na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação
de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará
providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento”.
<texto>O art. 84, como se vê, não faz a restrição do art. 11 da Lei da Ação Civil
Pública, motivo pelo qual não há razão para se discutir, hoje, a respeito da viabilidade
de uma ação coletiva inibitória pura.
<texto>Lembre-se, aliás, de que a doutrina que trata da tutela jurisdicional coletiva
afirma estar presente, no art. 83 do CDC, a fonte da tutela jurisdicional adequada. Este
artigo, ao afirmar que “para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este Código
são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva
69
tutela”, teria cuidado de “tornar mais explícito ainda o princípio da efetiva e adequada
tutela jurídica processual de todos os direitos consagrados no Código de Defesa do
Consumidor”. 140
<texto>Ora, como há um sistema de tutela coletiva dos direitos, integrado,
fundamentalmente, pela Lei da Ação Civil Pública e pelo Código de Defesa do
Consumidor – em razão do art. 90 do CDC, que manda aplicar às ações ajuizadas com
base nesse Código as normas da Lei da Ação Civil Pública e do Código de Processo
Civil, e do art. 21 da Lei da Ação Civil Pública, que afirma que são aplicáveis às ações
nela fundadas as disposições processuais que estão no Código de Defesa do Consumidor
–, não há dúvida de que o art. 84 do CDC sustenta a possibilidade da tutela inibitória
pura para qualquer direito difuso ou coletivo.
<texto>A ação inibitória coletiva pura tem sido utilizada com certa freqüência,
sendo significativo o seu uso nas ações que, visando à proteção do meio ambiente,
impedem, v.g., que uma fábrica que ameaça agredir o meio ambiente inicie as suas
atividades.
<texto>Para a demonstração da importância da tutela inibitória no plano dos direitos
transindividuais, torna-se adequada a análise da tutela do meio ambiente, uma vez que
este é um dos lugares em que a inefetividade da tutela ressarcitória evidencia-se de
modo mais claro. Se é verdade que cresce em importância, nos últimos tempos, a
reparação específica do dano ecológico, 141
e que é necessária a responsabilização, ainda
que pelo equivalente, daquele que agride o meio ambiente, o certo é que não se pode
admitir, no campo do direito ambiental, a troca da tutela específica e preventiva do bem
tutelado pela tutela ressarcitória, sob pena de admitir-se, implicitamente, uma lógica
perversa, que justificaria o cínico “poluo, mas pago”. 142
Como é evidente, a admissão
140
Kazuo Watanabe, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor (comentado pelos autores do
anteprojeto), cit., p. 521. Ver, também, Nelson Nery Junior, Aspectos do processo civil no Código de
Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor, v. 1, p. 201. 141
Ver Mario Barcellona, Sul risarcimento del danno in forma specifica (ovvero sui limiti della c.d.
interpretazione evolutiva). Processo e tecniche di attuazione dei diritti. Napoli: Jovene, 1989, p. 615 e ss. 142
O que se deseja é deixar clara a insuficiência da tutela ressarcitória, e a importância da tutela inibitória
para a efetividade do direito ao meio ambiente. Como é óbvio, não há qualquer alusão, aqui, à idéia
contida no princípio poluidor-pagador, atualmente compreendido como aquele que pretende redistribuir
eqüitativamente as externalidades ambientais. Como diz Marcelo Abelha Rodrigues, se estes efeitos
externos negativos do mercado são suportados “pela sociedade, em prol do lucro do responsável pelo
produto (fornecedor, comerciante, fabricante etc.), que em alguma fase da cadeia de mercado é
degradante do meio ambiente ou diminui o exercício do uso comum dos componentes ambientais, nada
mais justo que todos os custos de prevenção, precaução, correção na fonte, repressão penal, civil e
administrativa que são despendidos pelo Estado (ficção jurídica representativa do povo), a quem incumbe
a gestão dos componentes ambientais, sejam suportados pelo responsável pelas externalidades
70
da tutela ressarcitória no campo do direito ambiental não significa a aceitação da
poluição, mas objetiva evitar que o dano ecológico fique sem a devida reparação; 143
para que não ocorra a degradação do meio ambiente, é imprescindível a atuação
preventiva e, assim, a tutela inibitória. 144
<texto>Serão abordadas, nos próximos dois itens (3.15.2 e 3.15.3), algumas
questões em face da tutela do meio ambiente, cuja análise e solução podem ser
relevantes para a compreensão de outras situações de direito substancial que envolvam a
tutela inibitória no plano dos direitos transindividuais.
<texto>Por outro lado – e deixando-se o campo do direito ambiental –, será
demonstrada (item 3.15.4), em vista de sua alta importância para a proteção do
consumidor, a possibilidade da utilização da ação inibitória para impedir o uso das
chamadas cláusulas gerais abusivas, tema, aliás, que vem recebendo grande atenção nos
países da Comunidade Européia.
<a1a>3.15.2 A problemática da tutela inibitória a partir do controle dos atos do
Poder Público
<texto>Há, no direito brasileiro, responsabilidade objetiva sob a modalidade do
risco integral em caso de dano ao meio ambiente.
<texto>Afirma-se que a licença concedida pela autoridade competente, ou a
observância dos parâmetros fixados pelas normas de proteção ao meio ambiente, não
isenta o poluidor da responsabilidade civil pelo dano ambiental, argumentando-se que o
poder público não pode consentir com a agressão à saúde da população através do
controle exercido pelos seus órgãos. 145
ambientais” (Marcelo Abelha Rodrigues, Instituições de direito ambiental, São Paulo: Max Limonad,
2002, p. 143). 143
Cf. Paulo Affonso Leme Machado, Direito ambiental brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 207. 144
Como escreve Alvaro Luiz Valery Mirra, “é voz corrente na doutrina que as agressões ao meio
ambiente são em regra de difícil ou impossível reparação. Ou seja: uma vez consumada a degradação do
meio ambiente, a sua reparação é sempre incerta e, quando possível, excessivamente custosa. Daí a
necessidade de o Poder Público atuar preventivamente. E a tal ponto a idéia de prevenção se tornou
importante que a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no
Rio de Janeiro em 1992, adotou em sua declaração de princípios, o chamado princípio da precaução”
(Limites e controle dos atos do Poder Público em matéria ambiental. Ação Civil Pública. São Paulo: RT,
1995, p. 32). 145
É neste sentido a lição de Paulo Affonso Leme Machado: “A intervenção estatal no domínio ambiental
visa preservar a saúde pública e ordenar as atividades produtoras. Não se pode esquecer que muitas vezes
o Poder Público, ao baixar normas de emissão e elaborar padrões de qualidade, age em causa própria, pois
ele, Poder Público, também exerce algumas atividades iguais às dos particulares (siderurgia,
petroquímica, ...). Dessa forma, nem sempre os parâmetros oficiais são ajustados à realidade sanitária e
71
<texto>Quando se está diante da tutela ressarcitória, é natural a preocupação de se
admitir o ressarcimento independente da “licitude da atividade”, impedindo-se, por
conseqüência, que o poluidor escape à responsabilidade sob o argumento de que a
autoridade administrativa consentiu com sua atividade. Para efeito de responsabilidade
no plano ambiental, o que interessa é o dano, pouco importando se o poluidor imagina
que foi legitimado a produzi-lo pela autoridade administrativa.
<texto>No que diz respeito à tutela inibitória são diversas as situações que podem
ocorrer. Lembre-se, de início, de que o procedimento de licenciamento ambiental, tal
qual delineado pelo Dec. 99.274/90, que regulamentou a Lei 6.938/81, é complexo e
encerra três tipos de licença: i) Licença Prévia (LP); ii) Licença de Instalação (LI); e iii)
Licença de Operação (LO).
<texto>No iter deste licenciamento tem capital relevância o estudo de impacto
ambiental, que é previsto constitucionalmente como um dos instrumentos de garantia da
efetividade do direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, tendo o perfil de
um requisito procedimental– e portanto de um pressuposto de validade146
– do ato
administrativo de licenciamento ambiental.
<texto>A Constituição Federal afirma que incumbe ao poder público “exigir, na
forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de
significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que
se dará publicidade” (art. 225, § 1.º, IV). A Resolução 001/86 do CONAMA enumera,
no seu art. 2.º, as obras e atividades que são consideradas capazes de causar significativa
degradação do meio ambiente. Este rol, segundo a doutrina, 147
é meramente
exemplificativo, cabendo ao administrador apreciar in concreto se a atividade ou a obra
ambiental decorrendo daí, que, mesmo em se observando essas normas, as pessoas e a natureza sofrem
prejuízos. Além disso, a existência das normas de emissão e os padrões de qualidade representam uma
fronteira, além da qual não é lícito passar. Mas não se exonera o produtor de verificar por si mesmo se sua
atividade é ou não prejudicial” (Direito ambiental brasileiro, cit., p. 233). Da mesma forma, José Afonso
da Silva: “Não exonera, pois, o poluidor ou degradador a prova de que sua atividade é lícita, de acordo
com as técnicas mais modernas. Lembra Helli Alves de Oliveira a doutrina da normalidade da causa e
anormalidade do resultado, que fundamenta a reparação, no caso da responsabilidade objetiva. Não libera
o responsável nem mesmo a prova de que a atividade foi licenciada de acordo com o respectivo processo
legal, já que as autorizações e licenças são outorgadas com a inerente ressalva de direitos de terceiros,
nem que exerce a atividade poluidora dentro dos padrões fixados, pois isso não exonera o agente de
verificar, por si mesmo, se sua atividade é ou não prejudicial, está ou não causando dano” (Direito
ambiental constitucional. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 216). 146
“Requisitos procedimentais são os atos que devem, por imposição normativa, preceder a um
determinado ato” (Celso Antônio Bandeira de Mello. Curso de direito administrativo, 8. ed. São Paulo:
Malheiros, 1996, p. 230). 147
José Afonso da Silva, Direito ambiental constitucional, cit., p. 199; Paulo Affonso Leme Machado,
Direito ambiental, cit., p. 135.
72
para a qual se requer o licenciamento apresenta-se como potencialmente causadora de
significativa degradação do meio ambiente.
<texto>É importante ressaltar que da dicção do art. 225 da CF ressai, claramente,
que não há qualquer discricionariedade para a administração pública quanto a exigir ou
não o estudo de impacto ambiental na hipótese de pedido de licenciamento de atividade
ou obra potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente;
sempre que o administrador se encontrar diante de pedido de licença para atividades ou
obras com estas características, não haverá espaço para qualquer subjetividade de sua
parte quanto a exigir ou não o estudo. Trata-se, portanto, de atividade administrativa de
conteúdo148
vinculado. A análise da norma constitucional referida à luz da teoria dos
elementos, condições de validade e de existência do ato administrativo149
permite,
contudo, precisar o que estamos dizendo.
<texto>Se o comando constitucional regula de maneira vinculada o conteúdo da
atividade da administração, resta, todavia, discricionariedade ao administrador quanto
ao motivo150
do ato administrativo. No entanto, é importante enfatizar que não se trata
de discrição quanto à escolha do motivo do ato administrativo, mas apenas e tão
somente discrição quanto à identificação deste pressuposto de fato, sendo nada mais do
que uma hipótese de discricionariedade como decorrência do caráter indeterminado do
conceito “obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do
meio ambiente”. 151
148
O conteúdo do ato, conforme Celso Antônio Bandeira de Mello, “é aquilo que o ato dispõe, isto é, o
que o ato decide, enuncia, certifica, opina ou modifica na ordem jurídica. É, em suma, a própria medida
que produz a alteração na ordem jurídica. Em última instância, é o próprio ato em sua essência” (Curso de
direito administrativo, cit., p. 221). 149
Adota-se, quanto à terminologia, a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, que, atento ao fato de
que a dicção “elemento” evoca sempre a idéia de “parte componente de um todo”, distingue entre
elementos e pressupostos do ato administrativo, sendo que os pressupostos dividem-se em pressupostos
de existência e pressupostos de validade. Refere o administrativista, com total acerto, que as realidades
externas ao ato administrativo – tal qual o motivo, objeto e a finalidade – não podem ser consideradas
propriamente como seus “elementos” (Curso de direito administrativo, cit., p. 219). Observações de teor
idêntico, ainda que com eventuais diferenças de sistematização, são feitas por Pietro Virga (Il
provvedimento amministrativo. 4. ed. Milão: Giuffrè, 1972, p. 157 e ss) e Marcelo Caetano (Manual de
direito administrativo. 10. ed. Coimbra: Almedina, 1991, v. 1, p. 429). 150
“Motivo é o pressuposto de fato que autoriza ou exige a prática do ato. É, pois, a situação do mundo
empírico que deve ser tomada em conta para a prática do ato” (Celso Antônio Bandeira de Mello, op. cit.,
p. 224). 151
E nesse ponto perfilhamos, mais uma vez, o entendimento de Celso Antônio Bandeira de Mello, que
reconhece a existência de discricionariedade administrativa nos supostos normativos vazados através de
conceitos indeterminados, contrariando a orientação da moderna doutrina alemã. Para essa corrente, à
qual adere García de Enterría, a inicial indeterminação do conceito, existente ao nível da norma, sempre
se dissiparia no momento de sua aplicação ao caso concreto, pois se tais conceitos referem-se a realidades
concretas, quando de sua aplicação o conceito ou se verifica ou não se verifica. Tertium non datur, diz
73
<texto>Este conceito – até por tratar-se de um conceito, e não de um ruído – refere-
se a um objeto da realidade, e assim sempre supõe a existência de uma zona de certeza
positiva – na qual certamente se dá o conceito – e de uma zona de certeza negativa – na
qual certamente não se dá o conceito. 152
Ora, nestas duas zonas de certeza obviamente
não se pode falar em existência de discricionariedade, pois caso se dê o conceito “obra
ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente”,
a administração terá o dever de exigir o estudo de impacto ambiental, enquanto na outra
hipótese este dever inexistirá. Será apenas naquela zona intermédia entre as duas zonas
de certeza, o chamado halo do conceito ou zona de penumbra, que existirá
discricionariedade. Como explica Celso Antônio, “a discricionariedade fica, então,
acantonada nas regiões em que a dúvida sobre a extensão do conceito ou sobre o
alcance da vontade legal é ineliminável”. 153
<texto>É fácil concluir, portanto, que há violação de legalidade na hipótese em que
o órgão licenciador do meio ambiente dispensa o estudo de impacto ambiental perante
obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio
ambiente, esteja a obra ou atividade contida ou não no rol do art. 2.º da Resolução
001/86 do CONAMA. Nesta hipótese, estando, v.g., uma indústria para se instalar, ou
mesmo pronta para começar a operar, cabe a ação inibitória.
Garcia de Enterría, que sustenta que a aplicação dos conceitos jurídicos indeterminados permite somente
uma unidade de solução justa em cada caso. Este ponto seria, enfim, o ponto de discrímen dos conceitos
indeterminados com a discricionariedade, pois esta última consistiria numa liberdade de eleição entre
várias alternativas, todas elas igualmente justas (Eduardo García de Enterría e Tomás-Ramón Fernández,
Curso de derecho administrativo, 7. ed. Madrid: Civitas, 1996, v. 1, p. 446). Este ponto de vista, não
obstante a respeitabilidade intelectual de seus defensores, não parece merecer os melhores encômios. De
fato, como ensina Celso Antônio Bandeira de Mello, “seria excessivo considerar que as expressões legais
que os designam (os conceitos imprecisos), ao serem confrontadas com o caso concreto, ganham, em todo
e qualquer caso, densidade suficiente para autorizar a conclusão de que se dissipam por inteiro as dúvidas
sobre a aplicabilidade ou não do conceito por elas recoberto. Algumas vezes isto ocorrerá. Outras não”
(Discricionariedade e controle jurisdicional. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 22). Daí concluir o
autor por último citado que “se em determinada situação real o administrador reputar, em entendimento
razoável (isto é, comportado pela situação, ainda que outra opinião divergente fosse igualmente
sustentável), que se lhe aplica o conceito normativo vago e agir nessa conformidade, não se poderá dizer
que violou a lei, que transgrediu o direito. E se não violou a lei, se não lhe traiu a finalidade, é claro que
terá procedido na conformidade do direito. Em assim sendo, evidentemente terá procedido dentro de uma
liberdade intelectiva que, in concreto, o direito lhe facultava”, que outra coisa não é senão a
discricionariedade administrativa (Celso Antônio Bandeira de Mello, Discricionariedade e controle
jurisdicional, cit., p. 23). É preciso que reste claro, contudo, que a pura e simples utilização de conceitos
indeterminados pela lei não autoriza que, aprioristicamente, afirme-se existir uma hipótese de
discricionariedade. Na verdade, a presença de conceitos indeterminados nas normas que regulam a
atuação da administração significa apenas a existência de uma discricionariedade que pode ser dita
potencial, latente. Uma coisa é a discricionariedade abstratamente vista, ao nível da norma; outra, a
discricionariedade no caso concreto. 152
Fernando Sainz Moreno, Conceptos jurídicos, interpretación y discricionariedad administrativa. 4. ed.
Madrid: Civitas, 1976, p. 70-71. 153
Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de direito administrativo, cit., p. 560.
74
<texto>O mesmo ocorre quando o estudo de impacto ambiental não atende ao
preceituado nos arts. 5.º e 6.º da Resolução 001/86 do CONAMA. De acordo com a
doutrina, vale para o Brasil, nesse último caso, “a lúcida orientação da jurisprudência
dos tribunais administrativos franceses: um EIA [Estudo de Impacto Ambiental] que
não contempla todos os pontos mínimos do seu conteúdo, previstos na regulamentação,
é um estudo inexistente; e um EIA que não analisa de forma adequada e consistente
esses mesmos pontos é um estudo insuficiente. E tanto num caso (inexistência do EIA)
quanto no outro (insuficiência do EIA) o vício que essas irregularidades acarretam ao
procedimento do licenciamento é de natureza substancial. Conseqüentemente,
inexistente ou insuficiente o estudo de impacto, não pode a obra ou a atividade ser
licenciada, e se, por acaso, já tiver havido o licenciamento, este será inválido”. 154
<texto>Se o estudo de impacto ambiental não vincula a administração, 155
pode esse
estudo concluir, por exemplo, que um empreendimento não deve ser implantado e a
autoridade administrativa ainda assim conceder o licenciamento solicitado. É claro que
o administrador terá de justificar muito bem a sua decisão, demonstrando as razões
pelas quais não acatou o estudo científico. Se a licença é concedida, e inicia-se a fase de
implantação, é óbvio que, em tese, podem ser causados danos ao meio ambiente. Se tais
danos forem provocados, responde o empresário objetivamente, pouco importando se
obteve a licença ambiental para exercer a sua atividade.
<texto>Entretanto, se no plano do direito ambiental deseja-se a prevenção, e não a
reparação, não é de grande valia teorizar a respeito da responsabilidade do poluidor,
sendo muito mais relevante pensar na tutela inibitória do ato lesivo ao meio ambiente.
156
<texto>O estudo de impacto ambiental é um requisito procedimental do ato
administrativo de licenciamento ambiental, tendo grande importância para a sua
motivação; este estudo contém as razões que devem ser levadas em conta pelo
154
Alvaro Luiz Valery Mirra, Limites e controle dos atos do Poder Público em matéria ambiental. Ação
civil pública, cit., p. 51. 155
Neste sentido, Paulo Affonso Leme Machado, Direito ambiental brasileiro, cit., p. 133; Alvaro Luiz
Valery Mirra, Limites e controle dos atos do Poder Público em matéria ambiental. Ação civil pública, cit.,
p. 52. 156
Como lembra Antonio Herman V. Benjamin, “a tutela do meio ambiente, através de longa evolução,
ultrapassou a fase repressivo-reparatória, baseada fundamentalmente em normas de responsabilidade
penal e civil, até atingir o estágio atual em que a preocupação maior é com o evitar e não com o reparar
ou o reprimir” (Antonio Herman V. Benjamin, A principiologia do estudo prévio de impacto ambiental e
o controle da discricionariedade administrativa. Estudo prévio de impacto ambiental. São Paulo: RT,
1993, p. 77).
75
administrador no momento do licenciamento. Como já foi dito, se o administrador
diverge da conclusão do estudo de impacto ambiental, ele terá de demonstrar as razões
que o levaram a optar por uma solução diversa. É a motivação do ato que, quando em
desacordo com a finalidade da norma, abre oportunidade para a impugnação judicial do
licenciamento e, destarte, à tutela inibitória. 157
<texto>Se o processo de licenciamento tem como escopo a preservação e a
conservação do meio ambiente (art. 2.º, caput, da Lei 6.938/81), a atuação dos órgãos
administrativos não pode conduzir a um fim dele distinto. Havendo um efetivo
descompasso entre a decisão administrativa e a finalidade da norma – que é a
preservação e a conservação do meio ambiente – é cabível a tutela inibitória, já que o
ato administrativo concessivo da licença está acoimado de vício de desvio de poder. 158
<texto>Note-se, além disso, que é possível a inibição de um ato do próprio órgão
licenciador, como pode acontecer, por exemplo, no caso em que é concedida a licença
prévia sem a exigência do estudo de impacto ambiental, tratando-se de obra ou atividade
potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente. Nesta
hipótese, em vista da ilegalidade já praticada, é possível requerer a tutela jurisdicional
para impedir uma nova violação, que se daria com a concessão da licença subseqüente.
<texto>O fato de a primeira ilegalidade poder ser atacada jurisdicionalmente não
retira o interesse de agir na inibição da concessão da licença de instalação. Ainda que
seja possível a suspensão dos efeitos da licença prévia na ação destinada à sua
impugnação, isto não elimina o direito à tutela que objetiva apenas inibir a concessão da
Licença de Instalação.
<a1a>3.15.3 A tutela inibitória em caso de omissão do Poder Público
<texto>Há, ainda, casos em que o administrador se omite em relação a seus deveres,
157
Alvaro Luiz Valery Mirra, Limites e controle dos atos do Poder Público em matéria ambiental. Ação
civil pública, cit., p. 52. 158
Eduardo García de Enterría define com perfeição: “Al configurar la potestad, la norma, de manera
explícita o implícita, le asigna un fin específico, que por de pronto es siempre un fin público, pero que se
matiza significativamente en cada uno de los sectores de actividad o institucionales como un fin
específico. El acto administrativo, en cuanto es ejercicio de una potestad, debe servir necesariamente a
ese fin típico, e incurrirá en vicio legal si se aparta de él o pretende servir una finalidad distinta aun
cuando se trate de otra finalidad pública” (Curso de derecho administrativo, v. 1, cit., p. 530). Da mesma
forma, Hely Lopes Meirelles: “Não se compreende ato administrativo sem fim público. (...) A finalidade
do ato administrativo é aquela que a lei indica explícita ou implicitamente. Não cabe ao administrador
escolher outra, ou substituir a indicada na norma administrativa, ainda que ambas colimem fins públicos.
Nesse particular, nada resta para escolha do administrador, que fica vinculado, integralmente à vontade
legislativa” (Direito administrativo brasileiro. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 1989, p. 128-129).
76
deixando, por exemplo, de atuar através de medidas necessárias à proteção do meio
ambiente.
<texto>Em vista do art. 208 da Constituição do Estado de São Paulo – que veda o
lançamento de efluentes e esgotos urbanos e industriais, sem o devido tratamento, em
qualquer corpo de água –, discutiu-se a respeito da possibilidade de se obrigar um
Município, inclusive sob cominação de multa, a tratar dos efluentes advindos da rede
pública de coleta de esgotos. 159
<texto>Rodolfo de Camargo Mancuso, na obra Ação civil pública, relaciona uma
sentença do Juízo da 5.ª Vara Cível da Comarca de Sorocaba que, ao apreciar ação civil
pública proposta pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, impôs à Prefeitura
Municipal de Sorocaba a obrigação de submeter a prévio tratamento todos os efluentes
advindos da rede pública de coleta de esgotos urbanos, antes de seu lançamento ao Rio
Sorocaba ou qualquer de seus tributários, diretos ou indiretos. 160
<texto>O argumento que poderia ser invocado contra essa sentença seria o de que o
Poder Judiciário estaria interferindo nas opções de ordem técnica e política da
Administração e colocando em risco, por conseqüência, o princípio da separação dos
poderes. 161
<texto>É preciso lembrar, entretanto, que a própria Constituição da República
afirma que: i) o meio ambiente ecologicamente equilibrado é bem de uso comum do
povo e essencial à sadia qualidade de vida; ii) todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado; iii) cabe ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (art. 225, caput). 162
<texto>Ora, se o meio ambiente é considerado bem de uso comum do povo, e se o
Poder Público e a coletividade têm o dever de defendê-lo, não há razão para não se
admitir que o Ministério Público – ou qualquer outro legitimado à ação coletiva – possa
recorrer ao Judiciário para obrigar a Administração a agir, quando a sua atividade,
159
Alvaro Luiz Valery Mirra, Limites e controle dos atos do Poder Público em matéria ambiental. Ação
civil pública, cit., p. 54 e ss. 160
Rodolfo de Camargo Mancuso, Ação civil pública. São Paulo: RT, 1996, p. 281 e ss. 161
Alvaro Luiz Valery Mirra, Limites e controle dos atos do Poder Público em matéria ambiental. Ação
civil pública, cit., p. 55. 162
Sobre a tutela do meio ambiente mediante ação civil pública, ver, ainda, Antônio Herman V.
Benjamin, A insurreição da aldeia global contra o processo civil clássico. Apontamentos sobre a opressão
e a libertação judiciais do meio ambiente e do consumidor. Ação civil pública. São Paulo: RT, 1995, p. 70
e ss; Celso Antonio Pacheco Fiorillo, Ação civil pública e a defesa dos direitos constitucionais difusos.
Ação civil pública. São Paulo: RT, 1995, p. 163 e ss.
77
prevista em lei, é essencial à preservação do meio ambiente.
<texto>A observação feita por Afonso Rodrigues Queiró, no sentido de que o não
agir também é uma ação e, em muitos casos, a única forma idônea para se atingir o
interesse público, 163
é de todo pertinente. Toda vez que a Administração atua de forma
negativa, abstendo-se de tomar um comportamento ao qual está obrigada por lei, abre
margem para que a sua atuação seja questionada e corrigida através da via jurisdicional.
<texto>Sempre que a lei regula de forma vinculada a atuação administrativa,
obrigando a Administração a um determinado comportamento, não se pode falar em
insindicabilidade dessa atuação, justamente porque, existindo o dever de atuar, não há
margem para qualquer consideração de ordem técnica e política. Com total acerto diz
Eisenmann que a exigência de legalidade da atuação da administração pública não se
compraz com a mera não contradição da atuação com a lei, exigindo, na verdade, plena
conformidade entre elas; 164
sendo assim, e se há uma norma no sistema que estabelece
para a Administração o dever de agir em determinada situação, o descumprimento do
dever é pura e simplesmente violação de lei, como tal passível de corrigenda pelo Poder
Judiciário. 165
<texto>A questão problematiza-se, contudo, quando, em vez de um dever, a norma
estabelece para o administrador uma faculdade, ou seja, uma competência discricionária
em vez de uma competência vinculada, possibilitando-lhe decidir, diante do caso
concreto, entre agir e não agir. Porém, mesmo em tais hipóteses, não se pode
aprioristicamente afirmar a impossibilidade de apreciação jurisdicional da decisão
administrativa que eventualmente opte pelo não agir.
<texto>É que os órgãos da Administração, como se sabe, exercem função, o que em
Direito designa a situação subjetiva passiva em que se encontra aquele a quem se atribui
um dever a ser cumprido no interesse de outrem, outorgando-se-lhe,
163
Afonso Rodrigues Queiró, A teoria do “desvio de poder” em direito administrativo. Revista de Direito
Administrativo, v. 6, p. 59. 164
Charles Eisenmann, O direito administrativo e o princípio da legalidade. Revista de Direito
Administrativo, v. 56, p. 67. 165
Miguel Seabra Fagundes, em obra clássica no direito brasileiro, ensina que direitos subjetivos públicos
são todos aqueles em razão dos quais o administrado pode exigir do Estado uma prestação positiva ou
negativa (O controle dos atos administrativos pelo poder judiciário. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1984, p.
145), ensinando também que a Administração Pública pode violar tais direitos seja por ações, seja por
omissões (op. cit., p. 149). Conclui, então, o saudoso Ministro que em todos os casos de violação o
administrado pode recorrer ao Poder Judiciário para obter, conforme o caso, “a) a prática em espécie da
prestação devida (dar, fazer ou não fazer); b) a reparação posterior do dano causado pela violação do
direito” (op. cit., p. 150).
78
concomitantemente, os poderes instrumentais ao seu cumprimento. Essa é a lição de
Celso Antônio, que com absoluto acerto afirma que não se pode considerar como eixo
metodológico do Direito Público o poder, mas sim o dever. 166
<texto>Mas se os órgãos da Administração exercem função, todos os poderes e
todas as faculdades que lhes são outorgados não o são para que deles estes órgãos façam
o uso que quiserem. Todos os poderes e faculdades de que eles dispõem têm uma
finalidade serviente dos deveres que lhes são cometidos e só em nome do atendimento
destes podem ser exercitados. E o que se está dizendo aplica-se, obviamente, às
competências discricionárias. 167
<texto>Portanto, se a norma regula determinado comportamento da Administração
de maneira discricionária, não é por simples opção entre assim fazê-lo ou fazê-lo
vinculadamente. A lei não é ato aleatório. 168
Quando o legislador regula
discricionariamente o comportamento da administração, é porque lhe era impossível
prefigurar qual o comportamento administrativo que melhor atenderia à finalidade da
norma, pois de outra forma a lei certamente se expressaria em termos de vinculação do
comportamento. Quando é possível ao legislador saber de antemão qual o
comportamento que melhor atenderá à finalidade da norma, ele regula a matéria de
forma vinculada e torna tal comportamento obrigatório. Só se regula determinada
matéria discricionariamente quando não é possível saber qual o comportamento que
melhor atenderá à finalidade legal, e, desta maneira, muito mais do que eventual
liberdade de escolha, surge para o administrador o dever de atuar de forma a que a
finalidade da lei seja atendida, com a escolha da melhor solução possível diante do caso
concreto. O administrador tem o dever jurídico de adotar, sempre, a melhor solução,
porque, como já se disse, exerce função. 169
<texto>Assim é que se pode dizer, tal qual se fez quanto aos conceitos jurídicos
indeterminados, que a eventual existência de discricionariedade ao nível da norma não
significa a sua subsistência diante do caso concreto. As peculiaridades do caso concreto
podem ser tais que toda margem de liberdade eventualmente conferida pela norma
desapareça, surgindo apenas uma solução de aplicação da norma como prestante ao
atendimento da finalidade legal. Além disso, hipóteses outras haverá nas quais as
166
Celso Antônio Bandeira de Mello, Discricionariedade e controle jurisdicional, cit., p. 13-14. 167
Idem, ibidem, p. 13-14. 168
Idem, ibidem, p. 14. 169
Celso Antônio Bandeira de Mello, Discricionariedade e controle jurisdicional, cit., p. 32 e ss.
79
peculiaridades do caso concreto, não obstante não se apresentarem suficientes para
indicar qual a única solução correta, serão bastantes para indicar que um dado
comportamento administrativo certamente não atende à finalidade legal.
<texto>Daí decorre uma conclusão de fundamental importância: se os órgãos
administrativos, exercitando competências com aspectos discricionários, têm o dever
jurídico de sempre buscar e adotar o comportamento que melhor atenda às finalidades
da norma de competência, não se pode falar em insindicabilidade dessa atuação
discricionária. Com efeito, o Poder Judiciário sempre poderá confrontar a atuação
administrativa com as circunstâncias que concretamente se apresentaram e analisar a
legalidade da decisão tomada. Caso as referidas circunstâncias de fato revelem que a
providência que melhor atenderia à finalidade da norma não foi escolhida pelo agente
administrativo, sua atuação deverá ser anulada, e não se pode aí dizer que houve invasão
do mérito do ato administrativo. Se as circunstâncias do caso concreto apontam para a
existência de uma única solução ótima, ou se deixam evidente que a solução
concretamente adotada não é a solução ótima, houve violação à legalidade e, portanto,
não se pode falar em insindicabilidade do mérito do ato. 170
<texto>É justamente por isto que se pode dizer que, mesmo nos casos em que a
norma confere aos órgãos administrativos a mais lata discricionariedade, que é aquela
que lhes possibilita decidir entre agir e não agir, 171
há possibilidade de apreciação
jurisdicional do comportamento efetivamente adotado, seja ele positivo ou negativo,
sendo possível sua correção pelo Poder Judiciário sempre que as circunstâncias do caso
concreto permitirem concluir que não foi adotada a melhor solução de aplicação da
norma em vista das finalidades em nome das quais a competência foi conferida ao órgão
administrativo.
<texto>É claro que, no confronto da atuação administrativa com as peculiaridades
do caso concreto, certas vezes não se poderá dizer com certeza qual é a solução de
aplicação ideal, e se nestes casos a solução adotada pelo administrador encontrar-se
como razoável e admissível, o Poder Judiciário não poderá revisá-la. Aí ter-se-á,
realmente, uma decisão de mérito, porque comportada abstratamente pela norma e
aceitável no caso concreto. 172
170
Idem, ibidem, p. 36 e ss. 171
Afonso Rodrigues Queiró, A teoria do “desvio de poder” em direito administrativo, Revista de Direito
Administrativo, v. 6, p. 58. 172
Celso Antonio Bandeira de Mello, Discricionariedade e controle jurisdicional, cit., p. 36 e ss.
80
<texto>De qualquer forma, não há dúvida de que a omissão dos órgãos
administrativos pode ser questionada através da adequada tutela jurisdicional. Sabe-se
que para uma melhor gestão da coisa pública é imprescindível uma participação mais
intensa do cidadão no poder; não é por outra razão que a Constituição da República
afirma, logo no § 1.º do seu art. 1.º, que “todo o poder emana do povo, que o exerce por
meio de representantes eleitos ou diretamente”, nos termos da própria Constituição. 173
<texto>No atual Estado Democrático de Direito, a participação do particular na
Administração Pública supera as antigas formas de mera delegação do Poder Público,
característica do Estado Liberal Clássico, e de colaboração através de atividade paralela,
característica do Estado Social de Direito, e se dá na forma de participação direta na
gestão e no controle da Administração Pública, destacando-se como meio mais eficaz o
recurso ao Poder Judiciário. 174
<texto>A estruturação da ação coletiva está ligada à idéia de Democracia
Participativa, que é o resultado de uma visão crítica da Democracia Social a partir da
necessidade de participação do cidadão na gestão do bem comum. 175
Se não há
qualquer dúvida de que o povo precisa participar das decisões que envolvam o seu
destino, para que esta participação possa frutificar é necessária a estruturação de
instrumentos de participação enquanto institutos jurídicos. 176
<texto>A ação coletiva é relevante instrumento de participação, já que o cidadão,
em face das peculiaridades da sociedade de massa, não tem condições de reivindicar e
participar isoladamente. 177
O ambientalista isolado encontra-se sempre em uma posição
de desvantagem diante do empresário que polui em larga escala ou mesmo do Poder
Público; somente organizando-se, e assim unindo as próprias forças, é que as vítimas de
um dano (ou de um provável dano) ambiental poderão contrapor-se à potência de uma
173
Como ressalta Clèmerson Merlin Clève, “vivemos, hoje, um momento em que se procura somar a
técnica necessária da democracia representativa com as vantagens oferecidas pela democracia direta” (O
cidadão, a administração pública e a nova Constituição. Revista de Informação Legislativa, v. 106, p. 83). 174
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Participação popular na administração pública. Revista Trimestral de
Direito Público, v. 1, p. 133 e 137. 175
É preciso, como diz Canotilho, “democratizar a democracia” através da participação, intensificando-se
a “otimização das participações dos homens no processo de decisão” (José Joaquim Gomes Canotilho,
Direito constitucional. Coimbra: Almedina, 1989, p. 365). 176
Elival da Silva Ramos, A ação popular como instrumento de participação política. São Paulo: RT,
1991, p. 63. 177
Luiz Guilherme Marinoni, Novas linhas do processo civil, cit., p. 102.
81
grande empresa ou à força da Administração Pública. 178
<texto>A participação na gestão ambiental através da ação coletiva é justificada
pelo próprio direito do cidadão ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225,
caput, da Constituição da República). Na verdade, se o Estado-Administração também
tem o dever de zelar pelo meio ambiente, ele deveria ficar agradecido ao cidadão que,
exercendo a ação através das associações legitimadas, aponta a omissão que deve ser
suprida para que o meio ambiente não seja degradado. 179
<texto>Já passou a época em que as preocupações estavam centradas na defesa,
através de um adequado sistema de garantias, das liberdades do cidadão. O problema,
atualmente, não é mais tutelar o indivíduo em relação ao Estado, mas garantir a sua
justa inserção na sociedade, mediante a tutela dos interesses e das necessidades
fundamentais a uma organização social justa e equilibrada.
<texto>É natural, assim, que se dê mais atenção às necessidades sociais, que fazem
aparecer os “direitos do cidadão”, exigindo do Estado políticas públicas voltadas a seu
implemento. Como corolário disso, passam a valer menos as normas que proclamam
direitos e mais as ações concretas, da própria Administração, voltadas à execução de
programas de ação, ou seja, de políticas públicas. 180
Ora, se o Estado contemporâneo
deve atingir as metas impostas para a realização das necessidades sociais, e se o cidadão
pode participar das decisões, apontando os desvios na gestão da coisa pública, não se
compreende como se possa afirmar que a ação coletiva, ao exigir a observância de um
dever para o atingimento de um fim que não pode ser desconsiderado pelo Estado-
Administração, possa significar uma interferência inconcebível do Judiciário na esfera
do Poder Executivo.
<texto>Note-se que a Jurisdição, em razão da ação coletiva, não cria políticas
ambientais, mas apenas impõe aquelas já estabelecidas na Constituição ou na lei. 181
Na
verdade, e para voltarmos novamente ao exemplo mencionado no início desse item, não
178
Mauro Cappelletti, Problemas de reforma do processo civil nas sociedades contemporâneas. O
processo civil contemporâneo. Curitiba: Juruá, 1994, p. 17. Consultar, ainda, José Carlos Barbosa
Moreira, Dimensiones sociales del proceso civil. RePro 45, p. 140. 179
Rodolfo de Camargo Mancuso, Ação civil pública: Instrumento de participação na tutela do bem
comum. Participação e processo. São Paulo: RT, 1988, p. 197. Ver, ainda, Massimo Villone, La
collocazione istituzionale dell’interesse diffuso. La tutela degli interessi diffusi nel diritto comparato.
Milano: Giuffrè, 1976, p. 73. 180
Ver Alvaro Luiz Valery Mirra, Limites e controle dos atos do Poder Público em matéria ambiental.
Ação civil pública, cit., p. 56. 181
Idem, ibidem, p. 57.
82
há qualquer fundamento plausível para se dizer que a sentença que obrigou a
municipalidade de Sorocaba a submeter a prévio tratamento todos os efluentes advindos
da rede pública de coleta de esgotos, interferiu nas opções de ordem técnica e política da
Administração municipal.
<texto>Se é importante a realização concreta do conteúdo inserido nas normas que
estabelecem deveres à Administração, é fundamental a existência de um processo que
permita ao cidadão obrigar a Administração a observar as normas que são ditadas em
nome das exigências sociais. 182
<texto>Eduardo Talamini critica a idéia de que a ação inibitória possa viabilizar a
imposição de fazer. Supõe que a ação que determina um fazer, no caso de omissão da
Administração Pública, seria uma simples ação relativa à tutela de um dever de fazer, e
não ação inibitória. 183
<texto>Portanto, é necessário esclarecer. Se o processo serve para permitir a
obtenção da tutela do direito, e o direito material, visando à prevenção do meio
ambiente, confere ao Poder Público determinado dever, é evidente que a ação
processual, ao tomar em consideração este dever, objetiva fazer atuar uma norma de
conteúdo preventivo, e assim visa evitar que uma omissão ilícita se perpetue como fonte
de danos.
<texto>A não-ação, quando o Estado possui dever de atuar para evitar violação de
direito, configura “ação” que precisa ser suprimida para que a fonte dos danos não fique
aberta. O ilícito, assim como a fonte dos danos que não foi secada em virtude da
omissão, se perpetua no tempo, constituindo um não agir continuado. A tutela
jurisdicional que objetiva obrigar a Administração a praticar o ato necessário para que o
ilícito não se perpetue, possui natureza inibitória. Não há dúvida que esta tutela
jurisdicional determina o adimplemento de um dever. Mas se o próprio dever possui
conteúdo preventivo, a ação voltada a efetivá-lo logicamente presta tutela inibitória, ou 182
Como já dissemos, a efetividade da participação através das ações coletivas “certamente caminhará na
razão proporcional direta da organização de entidades civis destinadas a lutar pelos direitos difusos e
coletivos. A proliferação das chamadas ‘organizações não-governamentais’, conhecidas como ‘ONGs’,
hoje, segundo levantamentos, em número superior a 5.000 no país, é reflexo salutar de uma maior
participação política e da expansão do conceito de cidadania” (Luiz Guilherme Marinoni, Efetividade do
processo e tutela de urgência, cit., p. 10). É inegável, porém, que o número de associações realmente
representativas depende de uma efetiva e madura organização da sociedade civil; é por isso que ainda é
importante a atuação do Ministério Público. Marcos Bittencourt Fowler, em recente dissertação
apresentada no Curso de Mestrado em Direito da UFPR, demonstrou a importância da atuação do
Ministério Público na defesa dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos (A legitimação
para agir do Ministério Público na ação civil pública, Dissertação, Curso de Mestrado, UFPR, 1997). 183
Eduardo Talamini, Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer, São Paulo: RT, 2001, p. 232.
83
melhor, a própria prevenção constante na norma ignorada.
<texto>Quem não raciocina com a distinção entre dano e ilícito, realmente não tem
condições de pensar em ilícito que se perpetua como fonte de danos. O não
cumprimento de um dever legal por parte da Administração, necessário para evitar a
degradação do meio ambiente, evidentemente não se exaure em um único momento,
mas se perpetua no tempo. A distinção entre ato contrário ao direito (ilícito) e fato
danoso permite enxergar que a simples violação de um dever pode abrir ensejo a danos,
na medida em que a omissão ilícita caminha no tempo. Assim, em um caso como este, a
ação não é voltada contra um ilícito que já se exauriu, mas sim contra uma ação ilícita.
<texto>Tanto é verdade que, se depois de violado o dever, a Administração realizar
o ato, não haverá simples outorga de ressarcimento, mas evitar-se-á que novos danos
sejam ocasionados. A prática deste ato não configura simples observância de um dever
(destituído de conteúdo), mas sim o cumprimento de dever instituído com nítida
finalidade de prevenção. O próprio direito material, nesta hipótese, impondo dever ao
Poder Público, objetiva conferir prevenção ao meio ambiente.
<texto>Note-se que a doutrina, ao tratar do direito ambiental, fala expressamente na
omissão estatal que, deixando de praticar medidas necessárias à qualidade do meio
ambiente, abre oportunidade para que sejam produzidos danos ambientais. Como diz
Álvaro Luiz Valery Mirra, “a prática tem revelado inúmeras situações em que o Poder
Público, notadamente a Administração, deixa de agir, omite-se no cumprimento do seu
dever de adotar as medidas necessárias à proteção de bens e recursos ambientais,
causando com isso diretamente danos ao meio ambiente ou permitindo que degradações
ambientais se concretizem”. 184
<texto>Como se vê, a doutrina que lida mais de perto com os efeitos da omissão do
Estado, evidencia de forma clara a distinção entre esta omissão – e assim a necessidade
de sua supressão – e os danos que ela pode ocasionar. Sempre que a omissão ilícita tiver
que ser suprimida para que danos não sejam produzidos, a ação objetivará impedir a
continuação do ilícito.
<texto>Neste caso, a ação coletiva voltada a obrigar a Administração a cumprir o
seu dever é, evidentemente, uma ação coletiva inibitória, a qual é utilizada com muita
freqüência na prática forense, especialmente pelo Ministério Público. Ora, se o
184
Álvaro Luiz Valery Mirra, Ação civil pública e reparação do dano ao meio ambiente, São Paulo:
Juarez de Oliveira, 2002, p. 367.
84
processo, no caso, visa dar efetividade à norma que objetiva garantir a inviolabilidade
do meio ambiente, não há como negar que a prestação jurisdicional buscada constitui
tutela inibitória.
<a1a>3.15.4 A tutela coletiva do consumidor contra o uso de cláusulas gerais
abusivas
<texto>Com a sociedade de consumo surge a necessidade de contratação em massa
e, assim, a padronização dos contratos, indispensável para a economia de custos e para a
agilização do comércio jurídico. Esta modalidade de contratação se dá através de
formulários com cláusulas preestabele-cidas, 185
que não são efetivamente discutidas. 186
<texto>Trata-se de uma contratação que é feita por adesão. O art. 54, caput, do
CDC, define como contrato de adesão “aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas
pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de
produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar
substancialmente seu conteúdo”.
<texto>Não se pode separar o contrato de adesão, na implementação da contratação
em massa, das chamadas cláusulas gerais dos contratos, que têm sido amplamente
utilizadas nos contratos bancários, de seguros, de planos de saúde, de consórcios etc. 187
Estas cláusulas, que também têm os atributos do preestabelecimento, unilateralidade da
estipulação, uniformidade e rigidez, são marcadas pela “abstração”, o que significa que
têm por fim permitir que qualquer pessoa possa a elas aderir, de modo que a contratação
possa realmente se dar em larga escala. 188
<texto>Não há dúvida que estas cláusulas, por serem preestabelecidas pelo
estipulante para que o consumidor (a parte mais fraca da relação contratual) as aceite
sem qualquer discussão, podem ser abusivas e, portanto, lesivas a seus direitos. A
185
De acordo com Clóvis do Couto e Silva, “em decorrência da industrialização, as empresas
racionalizaram seus serviços, o que apontou para a necessidade de fazer-se o mesmo com os próprios
contratos, de modo a se poder ter uma idéia exata do seu futuro desenvolvimento. Em razão desse fato,
surgiu o hábito de se determinarem, por antecipação, as cláusulas dos futuros negócios jurídicos, o que
alguns juristas denominaram de ‘condições gerais dos negócios’ (Algemeine Geschäftsbedingungen ou
AGB)” (O princípio da boa-fé e as condições gerais dos negócios. Condições gerais dos contratos
bancários e a ordem econômica. Curitiba: Juruá, 1988, p. 29). 186
Ver Atílio Aníbal Alterini, Os contratos de consumo e as cláusulas abusivas. Direito do Consumidor
15, p. 17; Nelson Nery Junior, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1991, p. 287-288. 187
Nelson Nery Junior, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, p. 290. 188
Idem, ibidem, p. 291.
85
doutrina brasileira define como abusiva a cláusula que é notoriamente desfavorável à
parte mais fraca no contrato e, portanto, ao consumidor. 189
<texto>O Código de Defesa do Consumidor, através do seu art. 51, teve o cuidado
de enumerar uma série de cláusulas abusivas, 190
submetendo-as ao regime da nulidade
de pleno direito. 191
Trata-se, contudo, de um rol não exaustivo, não só porque o art. 51,
caput, alude a outras cláusulas que podem ser abusivas, como também porque o inc. XV
deste artigo fala expressamente em cláusulas que “estejam em desacordo com o sistema
de proteção ao consumidor”. 192
<texto>De acordo com o art. 6.º, IV, do CDC, constitui direito do consumidor a
proteção contra “práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos
e serviços”. O mesmo artigo, no seu inc. VI, afirma que é direito do consumidor “a
efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e
difusos”.
<texto>Se é certo que o consumidor tem o direito de ser protegido contra “cláusulas
abusivas”, e se não há dúvida que ele também tem o direito à tutela preventiva, é difícil
compreender a razão pela qual o parágrafo único do art. 83 do CDC foi vetado. Este
parágrafo admitia, expressamente, “ação visando o controle abstrato e preventivo das
cláusulas contratuais gerais”.
<texto>O referido veto, contudo, não tem o condão de eliminar a necessidade e a
possibilidade de tutela que impeça a difusão de cláusulas gerais abusivas. Como observa
Watanabe, o parágrafo vetado continha uma norma redundante, pois o art. 83, caput,
deixa claro que são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar a
adequada e efetiva tutela dos direitos e interesses protegidos pelo Código de Defesa do
Consumidor. 193
189
Idem, ibidem, p. 334. 190
O art. 1.469-bis, introduzido no Código Civil italiano em atenção à Diretiva 93/13 do Conselho das
Comunidades Européias “concernente às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os
consumidores”, afirma que “nel contratto concluso tra il consumatore ed il professionista, che ha per
oggetto la cessione di beni o la prestazione di servizi, si considerano vessatorie le clausole che, malgrado
la buona fede, determinano a carico del consumatore un significativo squilibrio dei diritti e degli obblighi
derivanti dal contratto”. 191
Ver Cláudia Lima Marques, Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 2. ed. São Paulo: RT,
1995, p. 295 e ss. 192
Idem, ibidem, p. 296. 193
“O parágrafo continha uma norma até redundante, pois o caput do art. 83, com a amplitude acima
indicada, já possibilitava a propositura da ação ali mencionada. O que se procurou deixar claro é que,
relativamente às cláusulas contratuais gerais, cabe a tutela jurisdicional preventiva, na linha do princípio
da efetiva prevenção de danos afirmado no inc. VI do art. 6.º do Código. Talvez o uso da expressão
86
<texto>Lembre-se que os contratos de adesão dizem respeito, em regra, a produtos e
serviços essenciais, o que lhes confere uma ampla relevância social. 194
Pense-se, por
exemplo, nos “planos de saúde”, aos quais, em face da falência da previdência social, o
consumidor é praticamente obrigado a aderir. Não tem cabimento supor que o
consumidor, necessitando efetuar um plano de saúde, um seguro, ou movimentar uma
conta bancária, tenha que se submeter a uma cláusula abusiva para apenas depois ter a
oportunidade de discuti-la em juízo. É óbvio que a tutela repressiva não é adequada a
estes casos.
<texto>Como reconhece Nelson Nery Junior, a proteção contra cláusulas abusivas é
um dos mais importantes instrumentos de defesa do consumidor, importância que avulta
em razão da multiplicação dos contratos de adesão, concluídos com base nas cláusulas
contratuais gerais. 195
Não é muito eficaz, porém, tutelar o consumidor após a aplicação
da cláusula abusiva, já que neste caso o direito já terá sido violado. Além disto, a
abusividade pode fazer com que o consumidor, que necessite satisfazer um interesse que
não pode ser atendido de outro modo, seja obrigado a aceitar calado a impossibilidade
de usufruir de produtos e serviços essenciais para a sua vida.
<texto>Pouco adianta tratar das cláusulas abusivas sem se pensar em uma tutela
coletiva inibitória capaz de impedir a sua difusão. Uma das questões mais importantes
em termos de tutela jurisdicional, nos países da Comunidade Européia, é justamente a
da tutela que tem por fim inibir o uso de cláusulas gerais reputadas abusivas ao público
consumidor. O Código Civil italiano, aliás, em razão da Diretiva 93/13 do Conselho das
Comunidades Européias “concernente às cláusulas abusivas nos contratos celebrados
com os consumidores”, recebeu, em fevereiro de 1996, uma norma (art. 1.469-sexies)
que confere legitimidade às associações e às câmaras de comércio, indústria, artesanato
‘controle abstrato’ tenha assustado o Executivo. A expressão completa é ‘controle abstrato e preventivo’,
o que significa que a tutela processual preventiva somente poderá ser postulada em relação a determinado
contrato que um fornecedor esteja em vias de ofertar ou mesmo tenha já ofertado ao público. O escopo do
processo preventivo será a proteção de todos os consumidores coletivamente considerados e que ainda
não tenham concluído qualquer contrato com o fornecedor. A tutela prevista no § 3.o (nova numeração,
em razão do veto do parágrafo anterior) do art. 51 do Código, é de natureza repressiva, e que diz respeito
aos consumidores que já celebraram o contrato, portanto não consagra a mesma proteção do dispositivo
vetado” (Kazuo Watanabe, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, p. 522-523). No mesmo sentido
Nelson Nery Junior, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, p. 302; Luiz Renato Topan, Do
controle prévio e abstrato dos contratos de adesão pelo Ministério Público. Direito do consumidor, v. 6, p.
161 e ss. 194
Ver Luiz Renato Topan, Do controle prévio e abstrato dos contratos de adesão pelo Ministério Público,
Direito do consumidor, v. 6, p. 158. 195
Nelson Nery Junior, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, p. 296.
87
e agricultura para requerer tutela inibitória contra o uso de cláusulas gerais abusivas. 196
Como explica Filippo Danovi, o legislador introduziu uma nova e específica forma de
ação inibitória, que defere especificamente aos sujeitos – que devem ser titulares dos
interesses a proteger – a possibilidade de agir em juízo para eliminar os perigos de uma
generalizada difusão de cláusulas abusivas (vexatórias). 197
<texto>De acordo com a doutrina italiana, o conteúdo específico do provimento
inibitório ora em exame consiste na proibição da futura utilização da cláusula geral
abusiva. 198
Apesar de o Conselho das Comunidades Européias ter aconselhado o uso da
astreinte para a efetividade da tutela jurisdicional inibitória, o legislador italiano nada
disse sobre a forma de execução do provimento, 199
o que apenas reafirma a necessidade
de o Código de Processo Civil italiano ser alterado para que nele seja introduzida norma
que possibilite, à semelhança do que ocorre no direito brasileiro, o uso da multa. 200
<texto>Os arts. 83 e 84 do CDC, iluminados pela idéia de que o consumidor tem o
direito de ser protegido, através de tutela preventiva (art. 5.º, XXXV, CF, e art. 6.º, VI,
CDC), contra o uso de cláusulas gerais abusivas (art. 6.º, IV, CDC), permitem que se
diga que os legitimados à ação coletiva (art. 82, CDC) podem propor ação para inibir o
uso de cláusulas gerais abusivas.
<texto>No direito brasileiro, felizmente, não há o problema que está presente no
direito italiano, pois o art. 84 deixa clara a possibilidade de o juiz impor a multa para
dar efetividade à tutela inibitória, seja ela final ou antecipatória. A ação inibitória,
portanto, também no campo das relações de consumo, é instrumento da mais alta
importância para a efetividade dos direitos do cidadão.
196
A doutrina italiana tem tratado do tema nos últimos volumes da Rivista di Diritto Processuale. Ver
Giuseppe Tarzia, La tutela inibitoria contro le clausole vessatorie. Rivista di Diritto Processuale, 1997, p.
629 e ss; Corrado Ferri, L’azione inibitoria prevista dall’art. 1.469-sexies c/c Rivista di Diritto
Processuale, 1996, p. 936 e ss; Filippo Danovi, L’azione inibitoria in materia di clausole vessatorie.
Rivista di Diritto Processuale, 1996, p. 1.046 e ss; Luigi Montesano, Tutela giurisdizionale dei diritti dei
consumatori e dei concessionari di servizi di pubblica utilità nelle normative sulle clausole abusive e sulle
autorità di regolazione. Rivista di Diritto Processuale, 1997, p. 1 e ss; Carola Moretti, Note in tema di
efficacia soggettiva dell’azione inibitoria prevista dall’art. 1.469 sexies c/c Rivista di Diritto Processuale,
1997, p. 883 e ss. 197
Filippo Danovi, L’azione inibitoria in materia di clausole vessatorie. Rivista di Diritto Processuale,
1996, p. 1.048. 198
Idem, ibidem, p. 1.069. 199
Ver Giuseppe Tarzia, La tutela inibitoria contro le clausole vessatorie. Rivista di Diritto Processuale,
1997, p. 643; Filippo Danovi, L’azione inibitoria in materia di clausole vessatorie, Rivista di Diritto
Processuale, 1996, p. 1.076 e ss; Corrado Ferri, L’azione inibitoria prevista dall’art. 1.469-sexies c/c
Rivista di Diritto Processuale, 1996, p. 939. 200
Ver Giuseppe Tarzia, Per la revisione del Codice di Procedura Civile, Relazione, Rivista di Diritto
Processuale, 1996, p. 993-994.
88
<aa>3.16 As técnicas processuais, presentes nos arts. 461, CPC, e 84, CDC,
viabilizam a concessão de várias tutelas
<texto>Os arts. 461, CPC, e 84, CDC, constituem as fontes de vários instrumentos
processuais necessários para a efetividade da concessão de diversas espécies de tutelas.
A possibilidade de se criar um aparato técnico (um procedimento) através da
conjugação destes instrumentos, permite conceber ações adequadas à prestação de
várias tutelas, entre elas a inibitória.
<texto>Estes artigos, em outras palavras, instituem apenas técnicas processuais
adequadas. Não devem ser vistos como o fundamento substancial da tutela inibitória ou
mesmo da tutela das obrigações de fazer e de não fazer, mas sim como as normas de
natureza processual que, seguindo a orientação consubstanciada no art. 5.º, XXXV, da
CF, estabeleceram os instrumentos necessários para que o direito à tutela pudesse ser
efetivamente exercido.
<texto>Melhor explicando: tais normas permitem a imposição de fazer ou de não
fazer por meio das técnicas nele presentes, e esta possibilidade – de imposição de fazer
ou de não fazer – é que viabiliza a prestação de várias tutelas, entre elas a tutela
inibitória, a tutela de remoção do ilícito, a tutela ressarcitória na forma específica e a
tutela específica da obrigação contratual inadimplida. Por esta razão é equivocado supor
que o art. 461 é a fonte da tutela das obrigações de fazer e não fazer; não há como se
confundir fonte de tutela com fonte dos instrumentos processuais de tutela. O Código de
Processo Civil não trata da tutela dos direitos, mas apenas da técnica adequada a esta
tutela, ou melhor, do veículo capaz de prestar a tutela jurisdicional.
<texto>Entretanto, pensar somente nas formas processuais, e assim apenas nos
instrumentos processuais capazes de impor um fazer ou um não fazer, constitui uma
visão míope do fenômeno da tutela dos direitos. Este fenômeno tem um aspecto
dualista, compreendido pela tutela do direito material e pelas formas de tutela destes
direitos. Ora, pensar somente nos instrumentos processuais é dar atenção apenas a este
segundo aspecto do fenômeno, e assim não só compreender parcialmente a realidade,
mas também distorcê-la. Ninguém pode pensar em um instrumento se não souber, de
antemão, para que ele serve. Isto quer dizer que de nada adianta analisar os instrumentos
processuais, postos nos arts. 461 do CPC e 84 do CDC, sem que se saiba quais são as
tutelas que podem ser prestadas através da imposição do fazer ou do não fazer. Para se
compreender quais são as tutelas que podem ser prestadas através da imposição de um
89
fazer ou de um não fazer, é imprescindível analisar o plano do direito material, e assim
as necessidades de defesa dos vários direitos.
<texto>O direito, para não ser violado, requer tutela inibitória. Mas é necessário
perceber, ainda, que a simples violação do direito, ou melhor, a ação ilícita já exaurida
que não produziu dano, deve ser reprimida por meio da devida tutela, no caso a tutela
jurisdicional de remoção do ilícito. Ademais, é importante constatar que o direito à
reparação do dano não pode significar somente direito de exigir soma em dinheiro no
valor equivalente ao do dano, mas antes de tudo direito de exigir um fazer, ou seja,
direito de exigir a reparação do dano na forma específica. Estas tutelas, além da tutela
específica da obrigação contratual inadimplida, podem ser prestadas através dos
instrumentos processuais que estão nos arts. 461 do CPC e 84 do CDC. Portanto, não há
como ignorar todas estas tutelas, que são absolutamente distintas, e pensar somente em
ação voltada à imposição de fazer ou de não fazer. Isto significaria não só desprezo ao
direito material, mas a construção de um sistema processual completamente incapaz de
levar à crítica dos operadores jurídicos – diante da baixa potencialidade de criatividade
que é inerente a uma construção processual que ignora a sua razão de ser – tutelas
jurisdicionais que sempre foram desconhecidas nos sistemas processuais antigos. Estas
tutelas, vitais à efetividade dos direitos, eram desconhecidas nos sistemas antigos em
virtude dos meios processuais que neles estavam inseridos. Para descortinar a máxima
potencialidade das novas normas processuais, é preciso constatar a que tutelas elas
devem responder, e não apenas voltar os olhos para o interior do processo, mediante a
análise das formas processuais, como se o direito processual ainda pudesse ser
concebido à distância do direito material e da realidade social.
<texto>É importante sublinhar que as ações destinadas à obtenção destas várias
tutelas têm, evidentemente, pressupostos próprios. Com efeito, os pressupostos da ação
inibitória não se confundem com aqueles que dizem respeito a uma série de outras
tutelas que também encontram instrumentos processuais adequados nos arts. 461 do
CPC e 84 do CDC. Ora, confundir tutela inibitória com tutela específica da obrigação
contratual inadimplida, ou com tutela ressarcitória na forma específica, apenas pelo fato
de encontrarem instrumentos processuais na mesma norma, é, além de ignorar a
distinção entre técnica processual e tutela, esquecer que os pressupostos de cada uma
destas tutelas são diversos.
<texto>Frise-se que a ação inibitória requer somente a demonstração da ameaça da
90
prática, repetição ou continuação do ilícito, não tendo relação alguma com o dano e com
a culpa; a ação de remoção do ilícito, por ter a finalidade de eliminar apenas um ilícito,
também nada tem a ver com dano e culpa; já a ação de ressarcimento na forma
específica exige a demonstração do dano e, em regra, do elemento subjetivo,
objetivando conferir ao lesado a situação que existiria caso o dano não houvesse
ocorrido; a ação para o cumprimento da obrigação inadimplida na forma específica, por
sua vez, tem relação com o não cumprimento da obrigação contratual.
<texto>O direito material, como já foi dito, possui diversas necessidades. As tutelas
são os meios destinados a dar conta destas necessidades. É neste sentido que se diz que
os direitos têm necessidade de várias tutelas. Como estas tutelas devem ser prestadas
através da jurisdição, é preciso encontrar, no plano do direito processual, técnicas
processuais que viabilizem a sua efetiva concessão. Para se pensar em técnicas
processuais adequadas, portanto, é imprescindível analisar as necessidades do direito
material ou, o que é o mesmo, as várias tutelas do direito material. Somente a partir da
compreensão das necessidades do direito material será possível analisar a tarefa que a
jurisdição cumpre ao impor um fazer ou um não fazer. Verificando-se as necessidades
do direito material, torna-se fácil compreender a finalidade da tutela jurisdicional e, por
conseqüência, quais são os seus pressupostos.
<texto>Isto significa que se o doutrinador não pensar nas diversas tutelas do direito
material e em seus pressupostos, ele só não poderá verificar se o processo está
realmente cumprindo com a sua missão perante o direito material, como ainda não
poderá esclarecer, aos operadores do processo, quais são os elementos que devem
compor as diferentes ações que servem à tutela das várias situações de direito
substancial.
<texto>Sérgio Arenhart, ao partir das características do direito à vida privada,
percebeu tudo isto. Eis as suas palavras, publicadas no livro Tutela inibitória da vida
privada: “Se o direito é, como dizia Ihering, um interesse juridicamente protegido, em
não havendo proteção, difícil crer que ainda permaneça como direito. Imperioso,
portanto, buscar no ordenamento processual vigente alguma forma de tutela adequada
ao direito à vida privada, até mesmo para se poder afirmar que este direito realmente é
tutelado. Para tanto, é necessário identificar o direito objeto de tutela, estabelecer suas
características (ao menos aquelas que interessam ao processo que pretende tutelá-lo) e
investigar, nos procedimentos colocados à disposição dos atores jurídicos, se há algum
91
mecanismo adequado para protegê-lo”. 201
<texto>Quem pensa unicamente nas formas processuais, e assim somente em “ação
que permite a imposição de fazer ou de não fazer” e não nas diversas tutelas que podem
ser prestadas mediante a imposição de fazer ou de não fazer, além de não conseguir
explicar as distintas repercussões da tutela jurisdicional no plano do direito material (o
que é fundamental quando se pensa em efetividade do processo), nem sequer pode
chegar perto de seus diferentes pressupostos.
<texto>Ora, como não existe somente uma ação para a imposição de fazer ou de não
fazer, mas sim várias ações que, mediante a imposição de fazer ou de não fazer, prestam
diversas tutelas, é absolutamente imprescindível analisar o que faz parte do ônus da
alegação e do ônus da prova em cada uma destas ações.
<texto>Percebendo-se que, conforme a ação, não é preciso alegar e provar
determinados fatos, torna-se viável constatar que o juiz tem objetos de cognição que
variam de acordo com a natureza das tutelas pretendidas. Esta constatação não é
possível a quem enxerga apenas o aspecto processual da atividade do juiz (imposição de
fazer ou de não fazer).
<texto>Cabem alguns exemplos. É comum o juiz indagar (indevidamente) sobre a
repercussão do ilícito na ação destinada a impedir o uso de marca comercial (e assim
exigir prova). João da Gama Cerqueira, aliás, lembra do erro que os tribunais cometiam
– quando se deparavam com a antiga ação de abstenção do uso de marca comercial – ao
exigirem a demonstração do dano. Adverte que os tribunais vacilavam acerca da
necessidade da prova do dano, e assim concluíam muitas vezes pela improcedência,
“não obstante a prova da infração, sob o fundamento de não ter o autor provado a
existência dos danos alegados”. 202
Com efeito, não é raro o juiz indagar sobre
probabilidade do dano, em virtude de uma visão unicamente processual da tutela
antecipatória, quando analisa tutela inibitória antecipada em ações voltadas à inibição
do uso de marca.
<texto>Bem pior do que isso é perceber que a doutrina ainda sequer intuiu que o
Código Civil, ao afirmar que aquele que comete um dano é obrigado a indenizar, jamais
pensou em fazer surgir a conclusão de que o dever de reparar um dano é uma simples
obrigação de pagar soma em dinheiro. Quem transformou o dever de reparar o dano em
201
Sérgio Cruz Arenhart, Tutela inibitória da vida privada. São Paulo: RT, 2000, p. 26-27. 202
João da Gama Cerqueira, Tratado da propriedade industrial. São Paulo: Ed. RT, 1982, p. 1.126.
92
obrigação de pagar dinheiro, desconsiderando as reais necessidades do direito
substancial, foi a idéia de que todo direito poderia ser convertido em pecúnia, e que
assim bastaria, para a tutela contra o dano, a condenação ao pagamento de dinheiro.
Porém, a partir da vulgarização desta idéia, ninguém mais se deu ao trabalho de
verificar – partindo da concepção de que os direitos, tais como concebidos na sociedade
contemporânea, não podem ser convertidos em pecúnia (e assim das novas necessidades
de tutela do direito substancial) – se o processo poderia prestar a reparação do dano na
forma específica.
<texto>Se o dever de reparar o dano é, antes de mais nada, uma obrigação de fazer,
e o juiz, em face dos arts. 461 do CPC e 84 do CDC, pode ordenar um fazer sob pena de
multa, estas devem ser consideradas as bases processuais da tutela ressarcitória na
forma específica. Entretanto, ninguém pode encontrar nestas normas o fundamento
processual da tutela ressarcitória na forma específica se não partir da análise das reais
necessidades do direito material, e assim de um enfoque das tutelas dos direitos.
<texto>Não basta simplesmente pensar que o juiz pode impor um fazer ou um não
fazer. É necessário verificar se esta atividade é bastante para dar resposta às variadas
situações de direito substancial e, além disto, a quais ela efetivamente pode responder.
Estas diferentes respostas somente podem ser dadas a partir da investigação judicial de
seus pressupostos, de modo que não é possível não perceber, de uma vez por todas, que
a “ação para o cumprimento de fazer ou de não fazer” é um veículo processual que pode
conduzir a diversas tutelas, e que assim exigirá, conforme o caso, diferentes
pressupostos.
<texto>O advogado deve estar consciente de que pode requerer em juízo diferentes
tipos de tutela, conforme as necessidades do direito, e que os instrumentos processuais
previstos nos arts. 461 do CPC e 84 do CDC constituem somente formas que a lei
processual institui para que a tutela dos direitos possa ser prestada de maneira efetiva.
Em outras palavras: todo este discurso objetiva esclarecer que o advogado não tem a seu
dispor somente uma “ação para o cumprimento de obrigação de fazer ou de não fazer”,
mas que ele pode fazer uso dos instrumentos processuais para pedir a concessão de
diversas tutelas, conforme as necessidades daqueles que o procuram. Entretanto, estas
diferentes tutelas, porque dizem respeito a situações de direito substancial diversas,
possuem pressupostos próprios, os quais devem ser do conhecimento de todos os
operadores do processo.
93
<aa>3.17 A razão para se falar em tutela inibitória
<texto>Como ficou claro através da exposição realizada no item que antecedeu, não
há como confundir tutela do direito com técnica processual. A técnica processual é
somente um meio capaz de viabilizar a prestação da tutela. Acontece que a tutela
buscada na jurisdição pode variar, ainda que a técnica processual a ser utilizada seja a
mesma. Resumindo: a técnica processual que permite ao juiz impor um não fazer ou um
fazer é suficiente para prestar várias tutelas, que se diferenciam conforme as particulares
necessidades do direito substancial.
<texto>De modo que, falar em ação para a imposição de não fazer ou de fazer é o
mesmo que nada dizer sobre o direito que requer tutela. Esta forma de pensar o processo
tenta apagar a importância da vida dos direitos. Ora, é importante não esquecer que a
própria ação cautelar pode ser vista como ação destinada à imposição de não fazer ou de
fazer.
<texto>Quando é requerida imposição de não fazer ou de fazer, é necessário saber a
finalidade que é a buscada por aquele que vai a juízo. Quando se pensa nesta finalidade,
descortina-se a tutela desejada, e desta forma o fim que é cumprido pelo processo no
plano do direito material. A análise da instrumentalidade substancial do processo não
pode ser feita sem que se pergunte a finalidade que o processo deve cumprir para que a
proteção concreta do direito material seja realizada. Ou melhor, é fundamental pensar
nas várias tutelas que podem ser prestadas pelo processo para verificar se a jurisdição
está realmente cumprindo a sua missão.
<texto>Assim, quando se alude à tutela inibitória, não se deseja apenas construir um
sistema lingüístico mais sofisticado, mas evidenciar que é imprescindível, para que o
processo realmente responda de maneira efetiva aos direitos, uma forma de tutela
jurisdicional capaz de impedir a prática, a repetição ou a continuação do ilícito. Deixar
de falar em ação inibitória, para falar em ação para a imposição de não fazer ou de
fazer, é não apenas negar o fim do processo, mas sobretudo tentar fazer esquecer o valor
inerente à tutela jurisdicional inibitória, principalmente quando vista como tutela
imprescindível para a efetividade dos direitos não patrimoniais.
<texto>Desconsiderar as diversas funções que podem ser cumpridas pelo processo
é, na verdade, uma nítida tentativa de deixar encobertas as necessidades de direito
material que nunca foram tratadas de forma adequada pelo processo civil (por exemplo,
os direitos da personalidade), e manter escondidas, através de uma análise falsamente
94
neutra do processo, as situações de direito substancial que sempre foram por ele
privilegiadas. Portanto, estabelecer a relação entre os direitos, a tutela inibitória e as
técnicas processuais que podem permitir a sua concessão, nada tem a ver com uma
suposta tentativa de importação da “ação inibitória italiana”. Ora, é pouco mais do que
absurdo imaginar que a tutela inibitória somente existe na Itália, e que assim somente é
estudada pela doutrina italiana. Como já foi dito, a tutela inibitória é inerente ao
ordenamento jurídico de qualquer país em que não se deseja ver os direitos apenas
proclamados. 203
<texto>Justamente por isto, a doutrina brasileira tem o dever de procurar, na
legislação processual, instrumentos que sejam efetivamente capazes de prestar esta
espécie de tutela, 204
além de estabelecer os pressupostos necessários para a sua
concessão. Esta tarefa não tem ligação com as formas de tutela jurisdicional existentes
na Itália, pois somente leva em consideração, como é óbvio, os instrumentos
processuais contidos na legislação brasileira.
<texto>Na Itália, não há norma semelhante às que estão contidas nos arts. 461, CPC,
e 84, CDC, nas quais se confere ao juiz a possibilidade de determinar medida executiva
ou ordenar, sob pena de multa, na tutela antecipatória ou na sentença, sem qualquer
consideração de hipótese específica (como, por exemplo, o direito à marca comercial).
Assim, é evidente que a tutela inibitória, no Brasil, pode ser prestada com maior
efetividade do que na Itália. Ou seja, o processo civil italiano, considerada a
necessidade de prestação de tutela inibitória, não possui a mesma efetividade do
203
Embora o tema da tutela inibitória tenha sido estudado pela doutrina italiana, não é correto raciocinar,
como é evidente, que ela não possa ser objeto da preocupação da doutrina de outros países. Registre-se,
apenas como exemplo, a intensa produção da doutrina argentina sobre o tema: Ricardo Luis Lorenzetti,
La tutela civil inhibitoria, La Ley, 1995-C; Noemi Lidia Nicolau, La tutela inhibitoria y el nuevo artículo
43 de la Constitución Nacional, La Ley, 1996-A, além de outros. 204
No direito brasileiro, sobre o tema da tutela inibitória, além dos livros de nossa autoria, “Tutela
Inibitória”, “Tutela específica” e “Técnica processual e tutela dos direitos” (São Paulo, RT), ver Arruda
Alvim, Obrigações de fazer e não fazer – Direito material e processo, RePro v. 99; Luiz Fux, Curso de
direito processual civil, Rio de Janeiro, Forense, 2001; Sérgio Cruz Arenhart, A tutela inibitória da vida
privada, São Paulo, RT, 2000; Sérgio Cruz Arenhart, A tutela inibitória coletiva, São Paulo, RT, 2003;
Clayton Maranhão, Tutela jurisdicional específica do direito à saúde nas relações de consumo: um
capítulo do direito processual do consumidor, Revista de Direito Processual Civil, v. 24; Clayton
Maranhão, Tutela específica do direito à saúde. São Paulo: RT, 2003; Joaquim Felipe Spadoni, Ação
inibitória, São Paulo, RT, 2002; Paulo Ricardo Pozzolo, Ação inibitória no processo do trabalho, São
Paulo, LTr, 2001; Luciane Gonçalves Tessler, A possibilidade da majoração da multa coercitiva para a
prestação da tutela inibitória, Revista de Direito Processual Civil, v. 21; Roberto Benghi Del Claro, A
tutela inibitória na proteção do meio ambiente, Revista de Direito Processual Civil, v. 19; Cleide
Kazmierski, A ineficiência do art. 287 do CPC para a proteção do direito à exclusividade no uso da
marca, Revista de Direito Processual Civil, v. 20; Luiz Fernando Pereira, Tutela inibitória na proteção de
marca comercial, Revista de Direito Processual Civil, v. 20, Rafaela Almeida do Amaral, Tutela inibitória
e concorrência desleal, Revista de Direito Processual Civil, v. 21.
95
brasileiro.
<texto>Entretanto, isto somente pode ser percebido como algo natural quando é
estabelecida a distinção entre tutela e técnica processual, e, assim, verifica-se que
determinado ordenamento, em termos de instrumentos processuais, pode ser mais
perfeito do que outro, como é o caso do brasileiro em relação ao italiano. Partindo-se
desta distinção, é fácil perceber a razão pela qual a ação inibitória, no Brasil, possui
maior alcance e efetividade do que a ação inibitória italiana.
<texto>Como se vê, supor que falar em tutela inibitória, no Brasil, é simplesmente
importar o “termo empregado no ordenamento italiano para denominar via de tutela (a
azione inibitoria) que é menos abrangente e completada que a instaurada pelo art. 461”,
205 constitui equívoco imperdoável. Em primeiro lugar, deve ser esclarecido que isto
seria o mesmo que dizer que a doutrina brasileira não deve falar de ressarcimento ou de
tutela cautelar (por exemplo) apenas pelo fato de que tais temas também são
investigados (como não poderia deixar de ser) em outros países.
<texto>Em segundo lugar, a afirmação de que o art. 461 não trata somente da tutela
inibitória finge ignorar o que sempre foi proposto neste livro: este trabalho, desde a sua
1.ª edição publicada em 1998, ao propor uma classificação das tutelas aderente ao
direito material, deixou claro que o art. 461 pode proporcionar diversos tipos de tutela,
entre elas a inibitória. Isto por uma razão simples: não há como confundir técnica
processual (as técnicas que estão no art. 461) com tutela. As técnicas processuais, como
já foi amplamente demonstrado, viabilizam a concessão de diferentes tipos de tutela.
<texto>Afirma Eduardo Talamini, partindo do pressuposto de que a ação inibitória
italiana somente pode impor um não fazer, que a tutela do art. 461 presta-se não só a
impedir a prática de um ato, mas também para impor a observância de um dever de
fazer (o que não corresponderia a “inibir”). Conclui, então, que “essa objeção não é
superada pelo argumento de que a tutela é ‘inibitória do ilícito’, e não da atuação do
transgressor”. 206
<texto>Com o devido respeito ao amigo Eduardo Talamini, esta assertiva não pode
deixar de ser questionada. Inicialmente, é fundamental atentar para o fato de que esta
afirmação parte da premissa – sem dúvida viciada – de que existe apenas uma única e
inquestionável tutela inibitória. Ora, a tutela inibitória é fundamental em qualquer país.
205
Eduardo Talamini, Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer, cit., p. 131 206
Idem, ibidem, p. 132.
96
Assim, o que poderia ser apontado como ineficaz é a técnica processual italiana.
Entretanto, não é porque a técnica processual de determinado país é inadequada, que a
construção dogmática da tutela inibitória no Brasil deve pagar pelos seus defeitos. De
modo que, se o art. 461 institui técnicas processuais para a adequada prestação das
tutelas, nada impede que se pense na possibilidade de o juiz prestar tutela inibitória
impondo um fazer.
<texto>De qualquer maneira, ao contrário do que diz Eduardo Talamini, é a própria
doutrina italiana que, ao analisar a inibitória que impõe um fazer, alude à inibição do
ilícito. O raciocínio de Frignani, um dos mais importantes teóricos da matéria na Itália,
não deixa margem para dúvida: se o ilícito, conforme o tipo de obrigação violada, pode
ser dito comissivo ou omissivo, isto significa que, diante de ilícito comissivo, cabe
inibitória negativa, mas em face de um ilícito omissivo será indispensável uma
inibitória positiva.
<texto>Nesta linha, para dissipar qualquer confusão, é importante transcrever
integralmente o argumento de Frignani: “Em nosso caso, a ordem pode identificar-se
seja com um não fazer, seja como um fazer. Em outras palavras, se projeta também no
direito italiano o dualismo, já visto no âmbito da common law, entre inibitória negativa
e inibitória positiva, com a diferença que no direito anglo-americano as mandatory
injunctions tiveram uma sedimentação histórica que lhes permitiram uma precisa
elaboração conceitual, que em vão se procuraria em nosso sistema. No que concerne à
inibitória negativa, não existe qualquer dúvida, uma vez que a própria lei a prevê de
modo explícito. Basta pensar na letra das normas que falam de inibição, cessação, e
assim por diante. A categoria da inibitória positiva suscita, ao invés, problemas de maior
profundidade, já que, à primeira vista, essa pareceria ser o fruto de sua reconstrução
dogmática. Com efeito, porém, não é assim, já que às vezes também o juiz italiano,
como de resto o inglês, é obrigado a conceder ordens de fazer. Do ponto de vista
dogmático, deve-se então perguntar por que a esta categoria de ordens nunca foi dada
a qualificação de inibitória, se em vez de ordenar um não fazer, determinam ao réu
uma atividade positiva. A contradição é somente aparente, uma vez que aquilo que se
deseja impedir para o futuro (ou inibir) é o ilícito em si mesmo; e não há dúvida que o
ilícito, segundo o tipo de obrigação violada, pode ser comissivo ou omissivo.
Conseqüentemente, diante de um ilícito comissivo existirá um não fazer, ao passo que,
97
ao contrário, na presença de um ilícito omissivo, será necessário um fazer”. 207
<texto>Como se vê, a idéia de tutela inibitória não pode ser vista como um simples
resultado do direito positivo de determinado país, mas como uma necessidade de todos
os ordenamentos jurídicos que se empenham em dar efetividade aos direitos, evitando
sua violação. É por esta razão que a ordem de fazer é admitida, seja na Itália ou no
direito anglo-americano (e isto somente para exemplificar) para dar tutela preventiva
aos direitos. 208
<texto>Como já foi dito, Eduardo Talamini sustenta que a inibitória não pode ser
prestada mediante ordem de fazer, enquanto que o juiz, a partir do art. 461, pode impor
a observância de um dever de fazer, e isto significaria a prestação de tutela diferente da
inibitória. Diz ele: “No direito italiano, quando se afirma que, em alguns casos, a azione
inibitoria abrange ordens de fazer, têm-se em mira provimentos de conteúdo positivo
que ‘subentendem’ ou ‘pressupõem’ outro, consistente em ordem de cessação da
atividade ilícita (exemplo: a conduta positiva de suprimir determinada seqüência de um
filme é uma outra forma de satisfazer a ordem de não apresentar o filme contendo
aquele trecho). Mas a tutela ex art. 461 vai além disso: presta-se inclusive à consecução
de deveres (absolutos ou relativos) de fazer que não estejam vinculados a um originário
dever de não-fazer”. 209
<texto>O fato de o juiz ter a possibilidade de impor um dever originário de outro de
não fazer tem a ver com a estrutura de algumas normas, que não estabelecem
diretamente deveres de fazer, mas apenas instituem direitos, dos quais decorrem deveres
de não fazer. Assim, no exemplo que acaba de ser apresentado, o direito da
personalidade – que exige um não fazer – permite a imposição de ordem para que seja
suprimida certa seqüência de um filme.
<texto>Note-se, contudo, que, diante das peculiaridades da sociedade
contemporânea, tornou-se imprescindível o uso do direito como instrumento para a
proteção dos bens indispensáveis à adequada e justa vida social. Isto quer dizer que, em
face das novas situações de direito substancial, freqüentemente de conteúdo não
patrimonial, o Estado passou a servir-se de regras ordenadoras de condutas positivas
207
Aldo Frignani, L’injunction nella common law e l’inibitoria nel diritto italiano, cit, p. 352-353. 208
No direito brasileiro, em dissertação de mestrado apresentada na PUC-SP, Joaquim Felipe Spadoni
concluiu acertadamente que a prevenção do ilícito também pode ocorrer por meio de ordens de
cumprimento de obrigação de fazer, percebendo então a existência de “uma inibitória positiva e de uma
inibitória negativa” (Joaquim Felipe Spadoni, Ação inibitória. São Paulo: RT, 2002, p. 69). 209
Eduardo Talamini, Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer, cit., p. 132.
98
para que determinados direitos fossem efetivamente protegidos (ou tutelados no plano
do direito material).
<texto>Algumas normas jurídicas, assim, têm função nitidamente preventiva, como,
por exemplo, a norma que determina o dever de adoção de certa tecnologia capaz de
evitar a poluição. Neste caso, a tutela preventiva ao direito ambiental é prestada pela
própria norma de direito material. Note-se, aliás, que o novo Código Civil, tratando das
relações de vizinhança, ao admitir que as interferências causadas pelo vizinho podem,
em alguns casos, ser toleradas (ditas, assim, “toleráveis”), estabelece claramente em seu
art. 1.279: “Ainda que por decisão judicial devam ser toleradas as interferências, poderá
o vizinho exigir a sua redução, ou eliminação, quando estas se tornarem possíveis”.
<texto>O novo Código Civil é absolutamente claro no sentido de que o vizinho
pode pedir que o juiz ordene a redução das interferências. Neste caso, o Código Civil
permite que o vizinho peça ordem de fazer. Esta ordem de fazer, como é óbvio, objetiva
eliminar um ilícito omissivo, que se concretiza em não ter, aquele que usa a propriedade
vizinha, utilizado-se dos equipamentos que permitem a redução das interferências.
Nesta hipótese, a ordem de instalação de equipamento tem o objetivo nítido de fazer
cessar o ilícito, e assim evidentemente é inibitória.
<texto>O que não se percebe, certamente, é que nem toda imposição de fazer possui
objetivo inibitório. Desta forma, a crítica no sentido de que os arts. 461 do CPC e 84 do
CDC, ao permitirem a imposição de fazer, podem viabilizar muito mais do que a tutela
inibitória, não tem sentido. É que, se a própria norma de direito material, ao criar um
dever de fazer, pode ter ou não objetivo preventivo, a sua tutela jurisdicional, da mesma
maneira, somente em alguns casos terá função inibitória. Barbosa Moreira, em trabalho
publicado há quinze anos – mas que se tornou, como não poderia ser de outra forma, um
verdadeiro clássico na doutrina brasileira –, evidenciou a necessidade de a jurisdição
atuar de maneira preventiva para a efetiva tutela dos direitos difusos. Eis a sua lição: “...
Certas coisas, sabe-o bem o povo, não há dinheiro que pague. Dir-se-á que a proteção
dos aludidos bens jurídicos, ou de alguns deles, compete precipuamente à
Administração, ou em termos mais específicos à polícia. Não creio, porém, que esta
seja uma saída airosa para o processo civil, chamado às falas na matéria, limitar-se a
dizer: ‘Não é comigo’ – ou, se preferirem uma expressão mais técnica, alegar a sua
própria falta de ‘legitimidade ad causam’ ... Análogo discurso poderia fazer-se com
referência aos denominados ‘interesses coletivos’ ou ‘difusos’, que hoje em dia
99
constituem tema de fascínio particular sobre grande número de espíritos. Considere-se
por um instante o caso do interesse na sanidade do ambiente, ou na preservação das
belezas naturais e do equilíbrio ecológico, ou na honestidade das mensagens de
propaganda; o do interesse em que não se ponham à venda produtos alimentícios ou
farmacêuticos nocivos à saúde, em que funcionem com regularidade e eficiência os
serviços de utilidade pública, prestados pela Administração ou por particulares, e
assim por diante. Se a Justiça civil tem aí um papel a desempenhar, ele será
necessariamente o de prover no sentido de prevenir ofensas a tais interesses, ou pelo
menos de fazê-las cessar o mais depressa possível e evitar-lhes a repetição”. 210
<texto>Ora, se as normas de direito material, criando deveres de fazer, podem
cumprir o papel de dar tutela preventiva aos direitos difusos, é evidente que o processo
civil, ao entrar em jogo para a atuação do conteúdo destas normas, exerce função
inibitória. Assim, quando a norma de direito material com função preventiva não é
respeitada, e a jurisdição determina o fazer necessário para a sua atuação, a tutela
preventiva, objetivada pelo próprio direito material, é prestada pelo processo civil. A
tutela jurisdicional, no caso, faz cessar a omissão ilícita, ou seja, atua diante do ilícito
omissivo continuado. Portanto, a tutela é genuinamente inibitória.
<texto>Mas não é só. O erro de afirmar que não pode haver inibição através da
imposição de fazer211
é ainda mais evidente quando se pensa em ilícito de eficácia
instantânea. Ou melhor, no temor da simples prática ou repetição de ato ilícito de
eficácia instantânea (e não continuada). Basta pensar no dever, determinado em regra
jurídica, de informar aos consumidores sobre determinada situação específica. Se o
fabricante já deixou de veicular esta informação em uma de suas publicidades, nada
obsta a que o juiz ordene um fazer para que, concretizada a vontade da norma, não seja
repetido o ilícito omissivo.
<texto>Por fim, afirma-se, ainda, “que as regras do art. 461 aplicam-se inclusive na
tutela relativa aos direitos obrigacionais – ao passo que é extremamente controvertido,
no direito italiano, que a ‘tutela inibitória’ possa voltar-se contra violações de deveres
de não fazer previstos em acordo ou contrato”. 212
Ao que parece, esta crítica está
ancorada na falsa suposição de que a tutela inibitória, por nós proposta, é a única tutela
210
José Carlos Barbosa Moreira, Tutela sancionatória e tutela preventiva. Temas de direito processual,
Segunda série, cit., p. 24. 211
Sustentado por Eduardo Talamini, Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer, cit., p. 132. 212
Eduardo Talamini, Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer, cit., p. 132.
100
que pode ser prestada por meio do art. 461. Repita-se, porém, que a inibitória é apenas
uma das tutelas que podem ser prestadas através do art. 461. Ora, uma leitura superficial
deste livro evidencia que o art. 461 abre ensejo para a tutela específica da obrigação
contratual inadimplida. Por outro lado, no que diz respeito à obrigação contratual que
pode ser violada por ato de eficácia instantânea, ou à tutela jurisdicional capaz de
impedir o inadimplemento (obrigação de caráter periódico), fomos claro em expor a sua
necessidade, mais o fato de que ela poderia – de lado a questão de estar sendo dirigida
contra um provável inadimplemento e não contra um provável ilícito extracontratual –
ser chamada de inibitória.
<texto>Ora, o fato de ser controvertida a possibilidade de a inibitória ser dirigida
contra violações de obrigações contratuais na Itália, quer dizer apenas que a doutrina
italiana, diante de seu ordenamento jurídico e de sua realidade social, discute sobre a
possibilidade da inibitória nestes casos. Não quer significar, como é óbvio, que a
doutrina italiana, diante de sua realidade, tenha chegado a uma conclusão que deve ser
imposta à doutrina brasileira, até porque, como já foi amplamente demonstrado, o
Código de Processo Civil italiano não possui norma similar àquela que está no nosso
art. 461, o qual, instituindo uma série de técnicas processuais, abre oportunidade para a
prestação de diversas tutelas.
<texto>Na verdade, a posição de Eduardo Talamini, ao não observar a diferença
entre técnica processual e tutela, não percebe que a sustentação da tutela inibitória não
implica na afirmação de que o art. 461 somente viabiliza a prestação desta espécie de
tutela. É justamente por isto que é preciso classificar os resultados do processo no plano
do direito material, e não apenas pensar nas técnicas processuais.
<texto>Com efeito, se o processo deve ser pensado como instrumento do direito
material, não basta olhar para as técnicas processuais de prestação das tutelas. As
sentenças, assim como a coerção direta, a coerção indireta, a sub-rogação etc. nada mais
são do que técnicas para a prestação das tutelas, e não tutelas. Note-se, ainda, que as
sanções são técnicas de controle social, e assim somente podem ser vistas, quando
importadas para o processo civil, como técnicas de tutela, sem que possam
verdadeiramente explicar as relações do processo com o direito material.
<texto>Eduardo Talamini, ainda que tentando distinguir sanção em sentido estrito
de mecanismo sancionatório, não consegue explicar de maneira adequada a distinção
entre ressarcimento e simples remoção do ilícito, pois afirma que a “sanção restituitória
101
(lato sensu) tem em mira a obtenção de resultado igual (rectius: o mais próximo
possível) ao que se teria caso a norma violada houvesse sido respeitada”. 213
<texto>No caso em que houve apenas ato contrário ao direito, ou mera transgressão,
não é correto pensar na necessidade de obtenção de resultado igual ao que se teria caso
a norma violada houvesse sido respeitada. Ora, a idéia de obtenção do resultado que
existiria se não houvesse ocorrido a violação está posta no § 249 do CC alemão, e
objetiva significar a necessidade de ressarcimento integral do dano. Na realidade, o §
249 do CC alemão, que afirma exatamente que a reparação deve estabelecer a situação
que existiria caso o dano não houvesse ocorrido, alude ao ressarcimento na forma
específica. Demonstra-se, a partir daí, que basta, no caso de transgressão, o
restabelecimento da situação anterior, enquanto que, no caso de dano, não é suficiente o
restabelecimento da situação que lhe era antecedente, sendo necessário, para a tutela
integral do bem protegido, que se estabeleça uma situação equivalente àquela que
existiria caso o dano não houvesse ocorrido. 214
Explica-se: se o dano é conseqüência do
ilícito, é necessário, para dar resposta ao ilícito, apenas restabelecer a situação que lhe
era antecedente. Mas se o ilícito produziu dano, e então o caso é de ressarcimento, a
resposta do dano, justamente por ter que ser integral, deve estabelecer a situação que
existiria caso o dano não houvesse ocorrido.
<texto>Para uma explicação ainda melhor, é necessário atentar para a precisa lição
de um dos maiores civilistas italianos da atualidade. Adolfo di Majo, discorrendo sobre
a reparação in natura, alude à necessidade do estabelecimento da situação “que
existiria” caso o dano não houvesse ocorrido. Chamando a atenção sobre a expressão
“que existiria”, conclui que “com tal expressão se evidencia que o fim da forma da
reparação em natura do dano não é a restauração da precisa situação de fato existente
antes do fato danoso, mas daquela hipotética situação ‘que existiria’ se o fato danoso
não houvesse ocorrido”. E exemplifica: “se plantas são abatidas, não será suficiente, aos
fins da reparação em natura, substituir plantas da mesma altura daquela que tinham as
plantas destruídas, mas sim da altura que teriam alcançado no momento em que o dano
viesse a ser eliminado”. E prossegue: “o destaque é necessário para tornar evidente
como, também através da reparação em natura (como através daquela pelo equivalente),
213
Idem, ibidem, p. 180. 214
Como ensina Helmut Rübmann, “Wer Pflanzen zerstört, mub zur Herstellung solche Pflanzen oder
auch Früchte liefern, wie sie sich bis zum Herstellungszeitpunkt beim Gläubiger entwickelt hätten”
(Helmut Rübmann, Kommentar zum Bürgerlichen Gesetzbuch, Darmstadt, Luchtenhand, 1980, p. 186).
102
tende-se principalmente a eliminar as conseqüências prejudiciais do fato danoso, e não
a mera restauração do statu quo ante. Garantir, portanto, a reparação em natura do
dano, quer dizer, em outras palavras, assegurar a reconstituição da situação de fato que
existiria caso o fato danoso não houvesse ocorrido”. 215
<texto>A idéia de remover o ilícito, e assim de uma sanção que não seria voltada
contra o dano, baseia-se na necessidade de mera restituição ao statu quo ante. Mas para
o dano não é suficiente a simples restituição, exatamente pelo motivo de que ele não
pode ser pensado em uma dimensão “naturalística”, ou apenas “concreta”. Aliás, foi
exatamente em razão da insuficiência da concepção “naturalística” de dano que a
doutrina alemã formulou, a partir do referido § 249, a denominada teoria da
Differenzhipothese. 216
Esta teoria, percebendo que o ressarcimento não deve dar conta
simplesmente da modificação concreta produzida a um bem lesado, mas sim de
responder à integralidade do prejuízo, propõe que o dano passe a ser pensado como a
diferença patrimonial sofrida pelo patrimônio do lesado.
<texto>A teoria da Differenzhipothese, assim, evidenciou que a idéia de
estabelecimento da situação que existiria caso o dano não houvesse ocorrido (posta no §
249 do CC alemão) obriga a que se pense também no ressarcimento relativo à diferença
da perda patrimonial sofrida em razão do dano concreto.
<texto>Portanto, a função que Eduardo Talamini atribuiu à “sanção restituitória” é a
do ressarcimento. Aliás, o problema mais sensível da tese de Eduardo Talamini está na
afirmação de que, “no sistema brasileiro, a regra geral é a da indenização pecuniária
dos danos decorrentes de atos ilícitos”. 217
Ora, ao contrário da tese por ele sustentada, o
princípio inerente à responsabilidade civil, no direito brasileiro, é o da dupla forma de
reparação do dano: o ressarcimento na forma específica e o ressarcimento em dinheiro.
218 Basta lembrar a doutrina de Pontes de Miranda, que é clara no sentido de que a
“indenização, se a restauração em natura não pode ser feita, ou não seria satisfatória,
exerce-se para se haver a quantia em dinheiro que valha o dano sofrido, material ou
imaterial”. 219
Na realidade, o ressarcimento em dinheiro é uma forma subsidiária ao
215
Adolfo di Majo, La tutela civile dei diritti, cit., p. 224. 216
Ver Othmar Jauernig, Bürgerliches Gesetzbuch mit Gesetz zur Regelung des Rechts der Allgemeinen
Geschäftsbedingungen, München, CH, Beck’ische Verlagsbuchhandlung, 1994, p. 207. 217
Eduardo Talamini, Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer, cit., p. 184. 218
Ver José de Aguiar Dias, Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1979, v. 2, p. 407, e
Pontes de Miranda, Tratado de direito privado. Rio de Janeiro: Borsoi, 1971, v. 26, p. 27. 219
Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, cit., v. 26, p. 28.
103
ressarcimento na forma específica.
<texto>Se Eduardo Talamini houvesse atentado para o fato de que o direito
brasileiro admite o ressarcimento na forma específica, talvez não tivesse afirmado que a
“sanção restituitória” objetiva resultado igual ao que se teria caso a norma violada
houvesse sido respeitada, e então a função de ressarcir o dano não teria sido
confundida com a de eliminar o ilícito.
<texto>Negar a possibilidade de ressarcimento na forma específica é o mesmo que
limitar o ressarcimento ao pagamento de dinheiro, ao passo que não realizar uma
adequada distinção entre ressarcir e remover o ilícito é estabelecer lamentável confusão
entre dano e ilícito.
<texto>Ora, é absolutamente fundamental observar que os pressupostos do
ressarcimento na forma específica são totalmente diferentes dos pressupostos da
remoção do ilícito. Os pressupostos do ressarcimento, como é sabido, são constituídos
pelo dano e pelo elemento subjetivo (de lado, a responsabilidade objetiva), seja ele na
forma específica ou em dinheiro, ao passo que a tutela de remoção do ilícito não precisa
preocupar-se com eles.
<texto>Entretanto, para se raciocinar desta forma é preciso distinguir ilícito e dano,
bem como compreender a imprescindibilidade de pensar o processo em face das
diferentes necessidades do direito material, classificando-se então as tutelas (ou seja, os
resultados do processo no plano do direito material).
<texto>Eduardo Talamini, aliás, imagina que classificar as tutelas seja o mesmo que
classificar as sanções, afirmando que teríamos classificado objetos diferentes ao propor
a classificação das tutelas declaratória e constitutiva ao lado das tutelas inibitória,
ressarcitória etc. Tal afirmação, contudo, certamente deixou de perceber a diferença
entre sentença constitutiva e tutela constitutiva. Faltou-lhe, em outros termos, a
distinção entre tutela e técnica processual.
<texto>Quando a sentença constitutiva realiza o efeito jurídico invocado pela parte,
evidentemente presta uma tutela, e assim produz um específico resultado no plano do
direito substancial. Nesta linha, é pouco mais do que evidente que há uma tutela
constitutiva, prestada através da sentença constitutiva. Ora, a sentença constitutiva está
para a tutela constitutiva assim como a sentença condenatória e os meios de sub-rogação
estão para a tutela ressarcitória. Resumindo: a tutela constitutiva, da mesma forma que a
inibitória e a ressarcitória, representa um resultado do processo no plano do direito
104
material.
<texto>O que pode complicar a compreensão, aí, é o fato de que a sentença
constitutiva, ao contrário das sentenças condenatória, mandamental e executiva, é uma
sentença que satisfaz à parte com a sua mera edição, e por isto é dita, ao lado da
sentença declaratória, uma “sentença satisfativa”, ao contrário das demais, que seriam
“não-satisfativas”. 220
É que apenas as sentenças não-satisfativas requerem atuação
posterior a sua prolação, e assim, como técnicas processuais, devem ter a sua atuação
medida em função dos resultados que devem proporcionar no plano do direito material.
<texto>Como se vê, ao se partir da suficiência das tutelas declaratória e constitutiva
para responder ao direito material, é necessário pensar somente nas tutelas prestadas
através das sentenças “não-satisfativas”. 221
Isto quer dizer que não é necessário tentar
encontrar na constituição formas diferenciadas de interferência no plano do direito
material, uma vez que, ao se admitir a sentença constitutiva, parte-se do pressuposto de
que a constituição é adequada à tutela do direito material. Ao contrário, as sentenças
“não-satisfativas” podem ter o seu grau de efetividade graduado, conforme as
necessidades do direito material. Justamente por isto, a efetividade deste tipo de
sentença somente pode ser medida a partir da diferenciação das tutelas. De qualquer
maneira, se a tutela proporcionada pela sentença deve ser vista como o resultado
conferido à parte no plano do direito material, é inegável a existência de uma tutela
constitutiva. .
<texto>Por fim, é fundamental destacar que o direito processual deve não só
identificar as necessidades do direito material e da evolução da sociedade, mas também
refleti-las. Ora, pensar somente em termos de “tutela” das obrigações, ou dos deveres de
fazer e de não fazer, não espelha os reais significados das reformas projetadas no
processo civil. É fundamental deixar claro o fato de que o processo civil, através dos
novos arts. 461 do CPC e 84 do CDC, pode responder à necessidade de prevenção dos
220
Ver Alessandro Rasseli, “Sentenze determinative e classificazione delle sentenze”, cit., p. 580 e
Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 231. 221
Como explica Barbosa Moreira, o que existe de comum às sentenças declaratórias e constitutivas “é a
circunstância de que não lhes sobrevive qualquer necessidade de determinado comportamento, por parte
do vencido, para a satisfação do vencedor. Não surge aí, portanto, a questão de saber o que se há de
fazer quando o vencido porventura não se mostra disposto a comportar-se daquela particular maneira”.
Parece certo concluir, assim, que nestes casos não é preciso verificar se a técnica processual é capaz de
permitir o encontro da “maior coincidência possível”, postulado este que foi associado por Barbosa
Moreira, no trabalho citado, apenas às sentenças com “repercussão não apenas jurídica, mas física” –
ou seja, às sentenças não-satisfativas (José Carlos Barbosa Moreira, Tendências na execução de
sentenças e ordens judiciais, Temas de direito processual, quarta série. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 217).
105
direitos, e assim caminhar ao lado das expectativas sociais.
<texto>Não raciocinar em termos de tutela inibitória (que é apenas uma das tutelas
que pode ser prestada pelos arts. 461 do CPC e 84 do CDC) é esconder as reais
necessidades do direito substancial, ou ainda pretender ocultar valores que estão à
base dos “novos direitos” (como, por exemplo, a não-patrimonialidade do direito à
higidez do meio ambiente). Na realidade, preferir falar em “tutela” das obrigações ou
dos deveres, esquecendo a idéia de tutela inibitória, seria o mesmo que pensar em
sentença condenatória e deixar de lado as tutelas que por ela sempre foram prestadas.
Melhor explicando: esquecer da tutela inibitória é neutralizar o processo civil, não
permitindo a análise de suas funções diante da vida. É, em outras palavras, ocultar a
principal função que o processo civil deve desenvolver para a efetiva tutela dos “novos
direitos”. É preciso alertar, deste modo, que falar em tutela inibitória não é o resultado
de uma mera preferência teórica no plano do direito processual. Há realmente muito
mais: a tutela inibitória está impregnada de valores, pois traz em si a possibilidade da
prevenção e da tutela efetiva dos direitos não-patrimoniais. 222
Se não é preciso insistir
para a especial natureza destes direitos, cabe advertir que o valor agregado à idéia de
prevenção está muito distante da esfera meramente processual.
<aa>3.18 A tutela inibitória negativa e a tutela inibitória positiva
<texto>Não há razão para não se admitir, principalmente em vista dos arts. 461 do
CPC e 84 do CDC, uma tutela inibitória de conteúdo positivo.
<texto>O direito anglo-americano conhece as denominadas prohibitory injunction e
mandatory injunction, a primeira consistindo em uma ordem que impõe um não fazer e
a segunda em uma ordem que impõe um fazer. 223
<texto>O sucesso da injunction no direito anglo-americano decorre justamente da
flexibilidade que a caracteriza, tornando possível sua adequação aos vários casos
concretos. Na verdade, a variabilidade de formas faz parte da própria natureza da
222
Como escreve Arruda Alvim, “parte substancial da eficácia existente na Lei da Ação Civil Pública
(Lei 7.347/85) e no CDC (Lei 8.078/90), ancora-se na determinação judicial, de caráter inibitório em face
de perigo de dano, com a aplicação de multa, em caso de desobediência. Os bens jurídicos defensáveis
por estes sistemas são havidos como bens jurídicos de interesse social, informados que são por um valor,
portanto, transcendente àquele que justificaria, apenas, a proteção individual” (Arruda Alvim, Obrigações
de fazer e não fazer – Direito material e processo, RePro 99/37). 223
Como explicam Baker e Langan, “an injunction restraining the doing or continuance of some wrongful
act is called prohibitory or restrictive. An injunction to restrain the continuance of some wrongful
omission is called mandatory” (P. V. Baker e P. St. J. Langan, Snell’s principles of equity, cit., p. 625).
106
injunction, concebida para permitir a adequada tutela das mais diversas situações. 224
<texto>Assim, se em face de uma determinada situação é melhor a imposição do
fazer, decreta-se a mandatory injunction; caso contrário, verificando-se a necessidade da
ordem de não fazer, recorre-se à prohibitory injunction.
<texto>Tanto a prohibitory como a mandatory injunction podem ser concedidas
antecipadamente ou no final do processo. 225
Admite-se, também no direito anglo-
americano, formas de tutela antecipada do fazer ou do não fazer; fala-se, neste sentido,
de interlocutory ou de preliminary injunction, a qual se contrapõe à chamada final ou
perpetual injunction. 226
<texto>Note-se, porém, que a prohibitory e a mandatory injunction, 227
ainda que
exercendo função preventiva, 228
exigem anterior violação do direito; 229
é apenas a quia
timet injunction, como já se disse, que viabiliza a prevenção do ilícito na forma pura, 230
muito embora acabe consistindo, também, em uma injunction. A quia timet injunction,
em outras palavras, é uma espécie de injunction, assim como também o são a
prohibitory e a mandatory injunction e a interlocutory e a final injunction.
<texto>No direito italiano, costuma-se associar a tutela inibitória a uma ordem de
não fazer; o próprio nome que qualifica a tutela acaba sendo reforço para a idéia de que
a tutela inibitória não pode impor um fazer.
224
Aldo Frignani, L’injunction nella common law e l’inibitoria nel diritto italiano, cit., p. 179. 225
I.C.F. Spry, The principles of equitable remedies, cit., p. 372 e ss. 226
Como escreve Varano, “si distingue fra una final (o perpetual) injunction, che è concessa di norma
soltanto dopo il trial, ossia dopo il pieno accertamento del merito e diventa anzi parte integrante della
sentenza che definisce il giudizio, e una interlocutory (o preliminary) injunction, che è una misura
provvisoria concessa nella fase iniziale del processo, prima che il giudice abbia avuto la possibilità di
valutare compiutamente le prove prodotte dalle parti” (Vincenzo Varano, Injunction. Digesto delle
discipline privatistiche, v. 9, p. 488). 227
O direito anglo-americano somente admitiu as mandatory injunctions muito depois de já ter
consagrado o uso das prohibitory injunctions. E, ainda assim, as Cortes Americanas, temendo causar
graves danos de natureza econômica, mostraram receio na concessão das mandatory injunctions, receio
que era maior ainda nos casos de preliminary mandatory injunctions (Aldo Frignani, L’injunction nella
common law e l’inibitoria nel diritto italiano, cit., p. 183). 228
Ver, em tal sentido, Aldo Frignani, L’injunction nella common law e l’inibitoria nel diritto italiano,
cit., p. 184. Frignani, aliás, afirma que “la funzione che adempie l’injunction è tipicamente preventiva, in
ciò opponendosi ai damages, che hanno uno scopo riparatorio o risarcitorio” (Aldo Frignani, L’injunction
nella common law e l’inibitoria nel diritto italiano, cit., p. 184). 229
Vincenzo Varano, Injunction. Digesto delle discipline privatistiche, v. 9, p. 488. 230
A quia timet, entretanto, exige uma forte prova do perigo de ilícito. Assim, por exemplo, em Att – Gen.
v. Nottingham Corporation, o tribunal recusou-se a conceder uma injunction contra uma empresa que
desejava construir um hospital para tratamento de varíola a menos de dezoito metros de uma área
residencial, uma vez que não havia prova de “actual and real danger – a strong probability, almost
amounting to moral certainty, that if the hospital be established, it will be an actionable nuisance” (P. V.
Baker e P. St. J. Langan, Snell’s principles of equity, cit., p. 631).
107
<texto>É preciso perceber, porém, que a tutela inibitória foi forjada, no direito
italiano, a partir de hipóteses tipificadas no ordenamento jurídico. Se os casos em que a
inibitória é expressamente prevista requerem, em princípio, apenas um não fazer, fica
evidentemente mais fácil conceber uma tutela inibitória negativa.
<texto>A partir do momento em que se compreende que a tutela visa a inibir o
ilícito (ainda que sempre mediante a imposição de um comportamento), e não apenas o
fazer, não há razão para não se admitir uma tutela inibitória com conteúdo positivo. O
ilícito, conforme o tipo de obrigação violada, pode ser comissivo ou omissivo; isto
significa, em princípio, que na hipótese de ilícito omissivo exige-se uma inibitória
positiva, e que no caso de ilícito comissivo é necessária uma inibitória negativa. 231
<texto>Note-se, ainda, que nada impede que uma obrigação de não fazer seja
convertida em obrigação de fazer quando se requer a tutela inibitória; pense-se, apenas,
na conversão da obrigação de não poluir em obrigação de instalar um filtro.
<texto>O próprio Frignani, que faz profundo estudo comparativo entre a inibitória
italiana e a injunction do direito anglo-americano, afirma que se deve admitir no direito
italiano – assim como se admite no direito anglo-americano – a dualidade da inibitória.
232
<texto>A jurisprudência italiana, por outro lado, também aponta para a necessidade
de sistematização da inibitória em sentido dualista.
<texto>Os tribunais italianos, interpretando a hipótese do art. 844 do Código Civil,
que se refere às “emissões intoleráveis” provocadas pelo vizinho, entenderam, a
princípio, que o prejudicado poderia requerer a cessação das emissões ou a remoção da
sua causa, mediante a destruição da obra. 233
<texto>A doutrina, contudo, além de advertir que a ordem deve dizer respeito
apenas às “emissões intoleráveis”, não tem admitido a destruição da obra,
argumentando que o art. 844 não permite a interpretação no sentido de que é possível
este tipo de providência, uma vez que a norma impede apenas a produção das emissões
231
Aldo Frignani, L’injunction nella common law e l’inibitoria nel diritto italiano, cit., p. 458. 232
“Nel nostro caso l’ordine può identificarsi sia con un non fare che con un fare. In altre parole, si
prospetta anche in diritto italiano il dualismo, già visto nell’ambito della common law, tra inibitoria
negativa e inibitoria positiva, con la differenza che nel diritto anglo-americano le mandatory injunctions
hanno avuto una sedimentazione storica che ne ha permesso quella precisa elaborazione concettuale che
invano si cercherebbe nel nostro sistema” (Aldo Frignani, L’injunction nella common law e l’inibitoria
nel diritto italiano, cit., p. 459). 233
Aldo Frignani, L’injunction nella common law e l’inibitoria nel diritto italiano, cit., p. 290.
108
que ultrapassam o limite da “normale tollerabilità” (art. 844, CC italiano), viabilizando
somente a ordem para a sua cessação. 234
Aceita-se a destruição da obra apenas no casos
em que, pela natureza da obra, não é possível a eliminação do efeito sem a remoção da
sua causa. O interessante, entretanto, é que a doutrina, procurando evitar uma tutela
mais drástica, acaba propondo a possibilidade de a sentença determinar a instalação de
meios técnicos capazes de permitir a cessação das emissões sem a destruição da obra ou
a paralisação da atividade, o que acaba configurando uma inibitória positiva. 235
<texto>O exemplo nos interessa porque nada impede, no direito brasileiro, uma
tutela inibitória que ordene a instalação de um filtro em uma indústria que expele
fumaça nociva à saúde dos vizinhos.
<texto>O art. 2.564 do CC italiano, tratando da necessidade da modificação da
firma (ditta) para evitar confusão, estabelece, em sua primeira parte, que “quando la
ditta è uguale o simile a quella usata da altro imprenditore e può creare confusione per
l’oggetto dell’impresa e per il luogo in cui questa è esercitata, deve essere integrata o
modificata con indicazioni idonee a differenziarla”. 236
<texto>Para se compreender o problema que gira em torno dessa hipótese de tutela
inibitória, deve-se partir da premissa de que o direito à integração ou à modificação da
firma não se confunde com o direito à supressão desta. 237
<texto>A jurisprudência, ao tratar da inibitória que visa modificar a firma, chega a
duas distintas conclusões: a primeira admite que o juiz imponha as modificações que
devem ser feitas para que seja eliminada a confusão entre as “firmas”; a segunda
confere à parte da sentença que impõe a observância das modificações o caráter de mero
conselho, que pode ou não ser seguido pelo réu. 238
<texto>Argumenta-se, em benefício da segunda interpretação, que a imposição da
modificação da ditta retiraria do réu a liberdade – implicitamente reconhecida pelo
próprio art. 2.564 – de escolha da própria firma. 239
<texto>Admitindo-se a primeira interpretação chega-se a uma inibitória que impõe
234
Idem, ibidem. 235
Idem, ibidem, p. 291. 236
A segunda parte do art. 2.564 afirma o seguinte: “Per le imprese commerciali l’obbligo
dell’integrazione o modificazione spetta a chi ha iscritto la propria ditta nel registro delle imprese in
epoca posteriore”. 237
Aldo Frignani, L’injunction nella common law e l’inibitoria nel diritto italiano, cit., p. 324. 238
Idem, ibidem, p. 324 e ss. 239
Idem, ibidem, p. 328.
109
um fazer. Contudo, entendendo-se que o juiz não pode impor a modificação, em razão
de o réu ter o direito de escolher a própria firma, a inibitória passa a concretizar apenas
uma ordem para que o réu deixe de utilizar a firma que acarreta confusão, realizando,
segundo a sua própria escolha, as necessárias alterações.
<texto>Mas há, ainda no direito italiano, outros casos de inibitória positiva que
merecem referência. São aqueles que dizem respeito às hipóteses que envolvem,
principalmente, direito de autor.
<texto>Alguns julgados italianos têm admitido a inibitória, ainda que a partir do art.
700 do CPC (portanto a inibitória antecipada), para obrigar empresas cinematográficas a
indicar em seus filmes, ou em publicidade referente a eles, os nomes dos atores e
atrizes. Em um outro caso, concedeu-se inibitória antecipada positiva, também fundada
no art. 700, determinando-se a supressão de partes de um filme em que aparecia a
imagem de uma célebre atriz. 240
<texto>Deve-se admitir, em nome da efetividade da tutela dos direitos, a inibitória
negativa e a inibitória positiva. Não há qualquer razão para se restringir a inibitória ao
não-fazer.
<texto>Nos casos em que se constata uma omissão do Estado-Administração, como
a relativa à falta de ação no tratamento de efluentes, não há motivo para não se admitir
uma inibitória positiva. Se a obrigação é originariamente positiva (e se destina a evitar a
violação de um direito), não há dúvida de que cabe a inibitória positiva. Por outro lado,
em hipóteses que, em princípio, são de inibitória negativa, como as que dizem respeito a
um dever de não poluir, é plenamente admissível o requerimento de uma tutela
inibitória positiva quando se percebe que, por exemplo, a instalação de uma
determinada tecnologia pode prevenir a poluição.
<texto>O art. 461do CPC, à semelhança do art. 84 do CDC, afirma que “o juiz
concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará
providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento”. Não
é porque esses artigos afirmam que o juiz pode conceder a tutela específica, ou o
resultado prático equivalente ao do adimplemento, que se imaginará que o autor tem que
requerer a tutela específica da obrigação originária e, para a hipótese da sua frustração,
o seu resultado prático equivalente.
<texto>Na verdade, pouco importa, em termos de tutela jurisdicional, se a obrigação 240
Idem, ibidem, p. 386.
110
é originária ou derivada; o único ponto que tem relevo, quando se trata de optar por uma
inibitória negativa ou por uma inibitória positiva, é a adequação concreta da espécie de
tutela jurisdicional solicitada.
<texto>Quando o autor pede a tutela da obrigação derivada, ele requer, na realidade,
a tutela que implica um resultado prático que o satisfaz e que, portanto, é equivalente ao
resultado que teria se a obrigação originária houvesse sido voluntariamente observada.
Assim, por exemplo, se “A” pede que “B” pare de poluir o meio ambiente, a tutela
jurisdicional se refere à obrigação originária; mas se “A” pede que “B” seja obrigado a
instalar um filtro (que não seria sua obrigação originária), já está sendo postulada a
tutela que conferirá ao autor um resultado equivalente ao do adimplemento da obrigação
originária.
<texto>De qualquer forma, a tutela da obrigação que se almeja ver cumprida pelo
réu implica a efetividade da tutela inibitória, ou ainda a efetividade da prevenção do
ilícito.
<texto>Como já foi dito, Eduardo Talamini afirma que a tutela do art. 461 “presta-
se não só a impedir a prática de um ato (o que, a rigor, corresponde a inibir), mas
também para impor a observância de um dever de fazer”, 241
o que não seria viável em
face da ação inibitória. Trata-se de equívoco, pois não há lógica alguma em supor que a
inibitória somente pode impor um não fazer. Esta conclusão não pode ser retirada de
lugar algum.
<texto>Afirmar que a ação inibitória italiana somente pode impor um não fazer, e
por esta razão concluir que a tutela jurisdicional inibitória brasileira também está
impedida de impor um fazer, não tem cabimento. Como é óbvio, o fato de determinado
ordenamento jurídico não viabilizar a possibilidade de obtenção da tutela inibitória
positiva não pode levar à conclusão de que esta espécie de tutela inibitória não existe.
Seria o mesmo que afirmar uma impropriedade, particular a determinado ordenamento,
para sustentar que não é possível ao direito brasileiro construir uma ação processual
capaz de propiciar uma tutela fundamental para a efetividade dos direitos.
<texto>De qualquer forma, não é verdade que a tutela inibitória, na Itália, não possa
ser prestada através da imposição de um fazer. Ora, como já foi dito, admite-se que seja
imposta a modificação dos condutos de fumaça para que as emissões se tornem
“toleráveis”, em conformidade com o art. 844 do CC.
241
Eduardo Talamini, Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer, cit., p. 232.
111
<texto>Como já foi dito, o real problema de uma tutela inibitória positiva está no
fato de que a função preventiva não é própria das normas de natureza civil. Os direitos,
previstos por estas normas, quando ameaçados de violação, abrem oportunidade a
ordens judiciais de não fazer. Entretanto, como lembrado antes, é possível que, em
alguns casos, tais direitos sejam protegidos por ordens de fazer (inibitória positiva),
ainda que um dever positivo não esteja expresso e diretamente instituído em norma
alguma.
<texto>Mas, quando são estabelecidos, em normas de caráter administrativo,
deveres de conteúdo nitidamente preventivo, a violação do dever já constitui violação
de dever positivo (por exemplo, dever de instalar tecnologia para que seja evitada a
poluição). Como se vê, a diferença é que, na primeira hipótese, estabelece-se dever
negativo e, nesta última, dever positivo. Entretanto, se o dever negativo pode levar a
uma ordem de fazer, e nesse caso há prestação de tutela inibitória positiva, não há como
entender que a ordem de fazer, para que então seja observado o dever positivo, não
constitua tutela inibitória positiva. Admitir que a ordem positiva para o cumprimento de
dever de fazer não constitui tutela inibitória, é o mesmo que supor que a inibitória
positiva somente existe quando o direito material não prevê dever positivo, mas apenas
dever negativo. É esquecer que o próprio direito material, em alguns casos, possui
função preventiva, e que a tutela jurisdicional destinada à atuação deste direito não tem
como perder o caráter inibitório da norma não observada.
<texto>O ordenamento jurídico brasileiro, através dos arts. 461 do CPC e 84 do
CDC, viabiliza a imposição de fazer. Ninguém pode negar que a imposição do fazer é
capaz de inibir o ilícito, pois a omissão na observância de dever imposto com finalidade
preventiva, como é evidente, é genuíno ilícito capaz de gerar dano. Cabe reiterar que o
direito norte-americano, tão elogiado entre nós, não tem a menor dúvida em admitir a
inibitória positiva, chamando-a de mandatory injuction.
<texto>Por esta razão, está absolutamente correto Sérgio Arenhart, ao afirmar que
“importa observar, para bem compreender a extensão adequada da tutela inibitória – e a
fim de não limitar a técnica para aquém do necessário – que não se pode confundir
tutela inibitória com simples pretensão negativa. Por vezes, a tutela que busca evitar o
ilícito pode necessitar não apenas a abstenção ou a tolerância (prestare patientiam) da
112
parte requerida, exigindo a adoção de alguma atividade concreta”. 242
<aa>3.19 A multa e a tutela inibitória que impõe um fazer fungível
<texto>Admitimos, no item precedente, que a inibitória pode implicar em ordem a
um fazer fungível. Entretanto, como alguém poderia argumentar que a multa somente
pode ser empregada no caso de prestação infungível, 243
cabe-nos uma explicação.
<texto>Antes da introdução do novo art. 461 no CPC, havia certa dificuldade em se
admitir a cominação de multa no caso de prestação fungível; tinha efeito aí o teor do
antigo art. 287, 244
que falava, ao referir-se à obrigação de fazer, em “prestar fato que
não possa ser realizado por terceiro”, deixando de aludir aos casos em que a execução
do fazer pode dar-se através de sub-rogação.
<texto>Não obstante esta dificuldade, a doutrina, ao se deparar com o antigo art.
644 (que não fazia qualquer restrição à natureza da prestação devida para a imposição
da multa), 245
propunha interpretação conciliatória, que acabava por admitir o emprego
da multa nas prestações fungíveis.
<texto>Calmon de Passos, por exemplo, afirmava que, no caso de tutela específica
de obrigação infungível, a multa deveria ser necessariamente requerida, ante o teor
imperativo do art. 287 (em sua antiga redação), que afirmava que “constará da petição
inicial a cominação da pena pecuniária ...”; já na hipótese de obrigação fungível, a multa
seria uma mera faculdade do autor, até porque o antigo art. 644 utilizava a expressão “o
credor poderá ...”. 246
242
Sérgio Cruz Arenhart, A tutela inibitória coletiva, São Paulo: RT, 2003, p 167. Exato, também,
Joaquim Felipe Spadoni, Ação inibitória, São Paulo: RT, 2002, p. 70. 243
Ver, por exemplo, Giuseppe Borrè, Esecuzione forzata degli obblighi di fare e di non fare. Napoli:
Jovene. 1966, p. 135 e ss; Rodolfo de Camargo Mancuso, Ação civil pública, cit., p. 171-172. 244
Lembre-se que este artigo foi alterado pela Lei 10.444/2002. 245
Assim dispunha o antigo art. 644: “Se a obrigação consistir em fazer ou não fazer, o credor poderá
pedir que o devedor seja condenado a pagar uma pena pecuniária por dia de atraso no cumprimento,
contado o prazo da data estabelecida pelo juiz”. 246
É o caso de registrar parte da argumentação de Calmon de Passos: “Pode-se tentar a harmonia dos
dispositivos entendendo-se que o art. 287 impôs o pedido de cominação, sob pena de inépcia da inicial,
cuidando-se de obrigações positivas ou negativas infungíveis, subsistindo a faculdade para as obrigações
negativas ou positivas fungíveis (...). Cuidando-se de obrigações positivas ou negativas infungíveis, deve
o autor pedir a cominação, sob pena de ser indeferida sua inicial. Nada impede, entretanto, opte, de logo,
pela resolução em perdas e danos, ou coloque o seu pedido de execução específica em alternativa:
adimplir ou responder por perdas e danos. Nesta hipótese, não vemos como se considerar essencial o
pedido de cominação. Ele é indispensável, sob pena de inépcia, quando se pretende essencialmente a
execução específica e mais ainda quando se cuide de prestação inavaliável. Esta a solução que se nos
afigurou a melhor, em face da assimetria dos arts. 287 e 644” (José Joaquim Calmon de Passos,
Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1983, v. 3, p. 167-169).
113
<texto>De fato, a posição que prevalecia na doutrina, mesmo antes da introdução do
novo art. 461 no CPC, era no sentido de que a execução indireta não constituía
privilégio das obrigações infungíveis. 247
E o Superior Tribunal de Justiça adotava esta
tese, sendo possível mencionar, apenas como exemplo, julgado que afirmou
expressamente que ao autor é facultado pleitear a cominação da pena pecuniária ainda
que se trate de prestação fungível. 248
<texto>A doutrina brasileira, posterior à reforma de 1994, tem admitido o uso da
multa no caso de prestação fungível, como se infere das recentes lições de Ada
Pellegrini Grinover249
e Carreira Alvim. 250
E nem poderia ser de outra forma, já que o
próprio espírito do art. 461 é voltado a permitir a efetividade da tutela específica,
independentemente da prestação devida. Lembre-se que o art. 461, no seu § 4.º, afirma
que o juiz poderá, na sentença ou na tutela antecipatória, impor multa diária ao réu,
independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação.
<texto>Porém, existe na doutrina italiana a idéia de que existe um nexo de
alternatividade entre a execução indireta e a execução por sub-rogação, no sentido de
que se é possível a execução por sub-rogação não é possível a execução indireta e vice-
versa. 251
Giuseppe Borrè, autor de um denso volume sobre a “esecuzione forzata degli
obblighi di fare e di non fare”, 252
entende que a execução indireta não é cabível quando
247
José Joaquim Calmon de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil, v. 3, cit., p. 167 e ss;
Alcides de Mendonça Lima, Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1974, v.
6, t. 2, p. 771 e ss; José Carlos Barbosa Moreira, O novo processo civil brasileiro. Rio de Janeiro:
Forense, 1975, v. 2, p. 52 e ss; Athos Gusmão Carneiro, Das astreintes nas obrigações de fazer fungíveis.
Ajuris 14, p. 125 e ss. 248
Esta é a ementa do acórdão: “Ação de preceito cominatório. Cabimento da multa. Agravo retido.
Ausência de razões. 1. Conquanto se cuide de obrigação de fazer fungível, ao autor é facultado pleitear a
cominação da pena pecuniária. Inteligência dos arts. 287 e 644 do CPC. 2. Não se dispensa ao agravo
retido o requisito de conter a necessária fundamentação. Recurso especial conhecido, em parte, mas
improvido” (REsp. 6.377-SP, 4.a Turma, Rel. Min. Barros Monteiro, Revista do Superior Tribunal de
Justiça, v. 25, p. 389-390). 249
“Os ordenamentos processuais cunharam um sistema de sanções pecuniárias, representativas das
medidas coercitivas, concebidas para induzir o devedor a cumprir espontaneamente as obrigações que lhe
incumbem, principalmente as de natureza infungível” (Ada Pellegrini Grinover, Tutela jurisdicional nas
obrigações de fazer e não fazer. Reforma do Código de Processo Civil, cit., p. 255-256). 250
“Se o que se busca por meio da multa é atuar sobre a vontade do devedor, constrangendo-o
psicologicamente a cumprir o preceito – resultando em proveito do credor – não vejo por que não possa a
sanção pecuniária ser cominada também às obrigações de fazer fungíveis, pelo só fato de poder tal
obrigação ser executada por terceiro” (J. E. Carreira Alvim, Tutela específica das obrigações de fazer e
não fazer na reforma processual. Belo Horizonte: Del Rey. 1997, p. 176). 251
Ver Sergio Chiarloni, Misure coercitive e tutela dei diritti. Milano: Giuffrè, 1980, p. 15; Elisabetta
Silvestri e Michele Taruffo, Esecuzione forzata. Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 13, p. 2. 252
Sergio Chiarloni, Misure coercitive e tutella dei diritti, cit., p. 15.
114
é viável a execução por sub-rogação. 253
<texto>Não há, entretanto, qualquer fundamento lógico para se afirmar que a
previsão de meios típicos de execução por sub-rogação implica a exclusão da execução
indireta. Como observa Chiarloni, haveria, no máximo, um fundamento histórico, que
poderia ser retirado do fato de que algumas medidas executivas indiretas, em certos
ordenamentos – como o alemão–, sempre foram admitidas apenas onde a execução por
sub-rogação não se mostra adequada; contudo, mesmo esse tipo de argumentação cai
por terra quando se observa que há muito tempo, no ordenamento francês, que é aquele
que serve de modelo, inclusive em termos históricos, às investigações teóricas
preocupadas com a incidência da multa ou das astreintes, tais formas de execução
podem ser cumuladas e coexistem pacificamente. 254
<texto>Frise-se, aliás, que não é verdade que a jurisprudência francesa tenha
caminhado no sentido de excluir o emprego das astreintes nas hipóteses contempladas
pela execução por sub-rogação. Como diz Chiarloni, a prática jurisprudencial das
astreintes afirmou-se também no que diz respeito às obrigações em relação às quais a
execução por sub-rogação é prevista, revelando-se assim errônea, caso entendida em
sentido absoluto e não como simples representação de uma linha de tendência, a
afirmação segundo a qual as astreintes são buscadas somente quando é impossível obter
o resultado do adimplemento mediante a execução forçada. 255
<texto>A multa, ao agir sobre a vontade do obrigado, elimina a demora e as
complicações que marcam a execução por sub-rogação. 256
Na verdade, a opção pela
nomeação de um terceiro para fazer aquilo que deveria ter sido feito pelo réu não só
acarreta maior demora, como também custos para o autor, que fica obrigado, ao menos
segundo a disposição do § 7.º do art. 634, a adiantar as despesas necessárias ao fazer.
253
“Vuoi che si riconduca la esecuzione indiretta alle esigenze della equity (come nella tradizione
giurisprudenziale anglosassone), vuoi che si scorga in essa lo strumento per temperare, attraverso scelte
economiche sempre più severe, il valore condizionante della volontà del debitore riguardo alla
prestazione di un risultato non altrimenti conseguibile dall’avente diritto (come nella giurisprudenza
francese), certo è comunque che il correlato logico di tale figura è rappresentato da una nozione di
infungibilità, la quale scaturisce da una valutazione sociale, e non da un apprezzamento individuale”
(Giuseppe Borré, Esecuzione forzata degli obblighi di fare e di non fare, cit., p. 136-137). 254
Sergio Chiarloni, Misure coercitive e tutela dei diritti, cit., p. 15-16. 255
Idem, ibidem, p. 16. 256
Silvestri e Taruffo têm a mesma opinião: “L’impiego di misure coercitive anche quando sia possibile
l’esecuzione in forma specifica è d’altronde opportuno in quanto, operando nel senso di indurre
l’obbligato all’adempimento, consente di evitare il ricorso ai procedimenti di esecuzione diretta, con le
relative complicazioni e perdite di tempo” (Elisabetta Silvestri e Michele Taruffo, Esecuzione forzata.
Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 13, p. 11).
115
<texto>Não é justo obrigar o autor a adiantar as despesas necessárias ao fazer
quando é o réu que deve; obrigar o autor a pagar para evitar o ilícito, reservando-se a ele
o direito ao ressarcimento da quantia adiantada, implica uma completa desconsideração
do princípio de que o processo não pode prejudicar o autor que tem razão. 257
<texto>Se é verdade que não há sentido em se executar o réu por quantia certa para
somente depois se iniciar a execução do fazer, isto significa que a melhor opção, mesmo
na hipótese de fazer fungível, é o emprego da multa.
<texto>Quando se diz que a obrigação infungível deve ser tutelada através de multa,
não se quer dizer que apenas esta espécie de obrigação pode ser tutelada desta forma,
mas sim que a obrigação infungível somente pode ser tutelada mediante a imposição de
multa. 258
Se todos têm direito à efetividade da tutela inibitória – efetividade que poderia
ser comprometida se a execução tivesse que ser feita necessariamente através da
execução por sub-rogação –, e se o processo não pode prejudicar o autor que tem razão,
não há como não admitir que a tutela inibitória que implica em um fazer fungível possa
ser executada através de multa.
<texto>Pois a nova redação do art. 287 do CPC foi sensível a tudo isto. Esta nova
redação é a seguinte: “Se o autor pedir que seja imposta ao réu a abstenção da prática de
algum ato, tolerar alguma atividade, prestar ato ou entregar coisa, poderá requerer
cominação de pena pecuniária para o caso de descumprimento da sentença ou da
decisão antecipatória de tutela (arts. 461, § 4.º, e 461-A)”. Como se vê, alterou-se a
antiga redação que aludia a “prestar fato que não possa ser realizado por terceiro”,
passando a nova norma a falar apenas em “prestar ato”.
<texto>Se é certo que a idéia contida nesta alteração já era aceita pela doutrina e
pela jurisprudência brasileiras, é inegável que ela importa em uma tomada de posição
pelo Código de Processo Civil, a qual possui significado bastante amplo, e que assim
deve ser desvendado.
257
Tal princípio foi descrito por Chiovenda no ensaio “Sulla perpetuatio iurisdictionis”, no qual o mestre
italiano afirmou que “la necessità di servirsi del processo non deve tornar a danno di chi è costretto ad
agire o difendersi in giudizio” (Giuseppe Chiovenda, Sulla perpetuatio iurisdictionis. Saggi di diritto
processuale civile. Roma, 1930, p. 264 e ss). 258
“Di conseguenza, non si può dire che in astratto esecuzione diretta ed esecuzione indiretta siano
necessariamente alternative l’una rispetto all’altra: le misure coercitive sono necessarie quando la
sentenza non sia eseguibile in forma specifica, ma sono possibili e utili anche in presenza di forme di
esecuzione diretta, proprio perché possono evitare, inducendo il debitore ad adempiere, la necessità del
ricorso all’esecuzione in forma specifica” (Elisabetta Silvestri e Michele Taruffo, Esecuzione forzata,
Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 13, p. 2). Ver, também, Michele Taruffo, Note sul diritto alla
condanna e all’esecuzione. Rivista Critica del Diritto Privato, 1986, p. 635 e ss.
116
<texto>É importante analisar a razão pela qual havia resistência ao emprego da
multa em relação às obrigações fungíveis. Entendia-se, simplesmente, não ter
fundamento constranger alguém a fazer algo que pode ser feito por terceiro, uma vez
que tal maneira de proceder, por não se apresentar como necessária e por isto – nesta
perspectiva – não ter legitimidade, atentaria contra a liberdade dos cidadãos. Acontece
que esta conclusão é própria de uma época em que se dava valor demasiado à idéia de
não permitir a interferência do Estado na esfera jurídica do particular.
<texto>Além disto, nesta época não era percebida a necessidade de um processo
jurisdicional célere e barato para dar efetividade ao direito que dependia da imposição
de um fazer, até porque nem sequer se concebia que a jurisdição pudesse atuar antes da
violação do direito. Supunha-se que a lei já continha em si força suficiente para evitar a
sua violação, e assim a agressão dos direitos. Nessa linha, se nem mesmo a tutela
jurisdicional inibitória era admitida, não haveria como se pensar em processo que,
atendendo à necessidade desta espécie de tutela jurisdicional, viabilizasse a imposição
de um fazer fungível.
<texto>Acontece que a realidade da sociedade contemporânea é outra. E o direito
processual não pode ser repetido, ainda que tenha sido construído por ilustres juristas, se
foi pensado para outra realidade. É por este motivo que se diz que o direito processual
não pode escapar à idéia do histórico, uma vez que os valores se expressam, como é
evidente, por meio de formas que se inserem dentro da consciência das épocas. 259
<texto>Ora, a sociedade atual mostra claramente a necessidade de tutela dos direitos
difusos que estão na dependência da implementação de ações positivas por parte dos
particulares e do Poder Público. Ademais, não são poucos os direitos individuais que
exigem, para não serem lesados, a observância de condutas positivas. Imaginar que o
processo apenas pode responder a esta necessidade por meio da execução por sub-
rogação, é simplesmente negar a possibilidade de efetividade à tutela inibitória.
<aa>3.20 A plasticidade da tutela inibitória e os limites para a imposição do
fazer e do não fazer
<a1a>3.20.1 Breve observação inicial
<texto>A plasticidade da tutela inibitória, ao permitir a imposição da ordem
259
V. Nelson Saldanha, O estado moderno e a separação de poderes, São Paulo: Saraiva, 1987, p. 73.
117
adequada à prevenção do ilícito, traz algumas dificuldades, principalmente quando se
percebe que a imposição de um fazer ou de um não fazer sob pena de multa pode
constituir um peso muitas vezes excessivo para o réu.
<texto>Assim, por exemplo, no caso em que alguém tem o dever de não poluir o
meio ambiente ou de não perturbar o sossego do vizinho, seria possível imaginar, em
princípio, o cabimento da tutela inibitória para obrigar o réu a cessar as suas atividades,
ainda que fosse possível a inibição do ilícito de uma forma menos onerosa para o
demandado.
<texto>Porém, como a tutela do direito do autor deve ser proporcionada da forma
menos gravosa para o réu, cabe verificar em que limites a tutela inibitória pode ser
usada e quais são os critérios que devem guiar sua utilização.
<a1a>3.20.2 Os princípios do meio idôneo e da menor restrição possível como vetores
para o adequado uso da tutela inibitória
<texto>A tutela cautelar e, mais recentemente, a tutela antecipatória, impuseram à
doutrina brasileira a procura de uma justificação para a concessão da tutela sumária que
pode causar risco ao direito do réu.
<texto>A doutrina percebeu, a partir de memorável conferência proferida por Moniz
de Aragão na XI Jornada Ibero-Americana de Direito Processual Civil, que em muitos
casos, para que o direito do autor não seja sacrificado de forma irreversível, não há
outra alternativa a não ser o deferimento de uma tutela jurisdicional que coloque em
risco o direito do réu. 260
<texto>Grande parte da doutrina brasileira admite a tutela de cognição sumária
(cautelar ou antecipatória), ainda que sua concessão possa pôr em risco o direito do réu.
261 Quando se pensa em balanceamento de riscos ou de oportunidade de proteção de
260
Moniz de Aragão, ao desenvolver o seu raciocínio, vale-se do princípio da proporcionalidade (Medidas
cautelares inominadas. Revista Brasileira de Direito Processual, v. 57, p. 43-44). 261
Ovídio Baptista da Silva, Curso de processo civil. Porto Alegre: Fabris, 1993, v. 3, p. 108 e ss; Luiz
Guilherme Marinoni, Tutela cautelar e tutela antecipatória, cit., p. 126 e ss; Luiz Guilherme Marinoni, A
antecipação da tutela, cit., p. 171 e ss; Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, Efetividade e processo
cautelar, Ajuris 61, p. 176/177; Alcides Munhoz da Cunha, A lide cautelar no processo civil. Curitiba:
Juruá. 1992, p. 144 e ss; Teori Albino Zavascki, Antecipação da tutela e colisão de direitos fundamentais,
Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva. 1996, p. 143 e ss.
118
uma das partes, pode ser invocado o balance of hardships, 262
muito utilizado no direito
anglo-americano, especialmente para justificar as preliminary injunctions. 263
<texto>O balance of hardships, 264
embora seja empregado com mais intensidade
quando o juiz se depara com uma preliminary injunction – permitindo a valoração
comparativa entre o prejuízo que o autor poderá sofrer se não for concedida a tutela e o
prejuízo que o réu poderá sofrer se esta for deferida –, também é utilizado em face da
final ou perpetual injunction. 265
<texto>Muito embora a inadequação dos legal remedies seja em regra suficiente
para legitimar a injunction, 266
entende-se que o juiz pode negá-la quando conclui que a
sua concessão poderá causar um prejuízo excessivo, injusto e irracional ao réu, 267
não
obstante o dano que o autor possa sofrer por ficar confinado aos limites dos remédios at
law. 268
<texto>A equity utiliza-se, especialmente nas hipóteses de nuisances, das chamadas
experimental orders. Trata-se de “ordens experimentais”, voltadas a permitir a
valoração da hardship que pode ser imposta ao réu se concedida a inibitória nos
262
Harold Greville Hanbury, referindo-se a este princípio, afirma que no caso de uma quia timet “there is
more weight in the defendant’s scale than in a case where the injunction is sought to restrain the
continuance or repetition of an injury” (Modern Equity – The principles of equity, cit., p. 576). 263
Ver Vincenzo Varano, Injunction. Digesto delle discipline privatistiche, v. 9, p. 492; Tendenze
evolutive in materia di tutela provvisoria nell’ordinamento inglese, con particolare riferimento
all’interlocutory injunction, Rivista di Diritto Civile, 1985, p. 39 e ss; Aldo Frignani, L’injunction nella
common law e l’inibitoria nel diritto italiano, cit., p. 156 e ss; I.C.F. Spry, The principles of equitable
remedies, cit., p. 390 e ss. 264
Ver Christine Gray, Interlocutory injunctions since cyanamid. The Cambridge Law Journal, 1981, p.
333 e ss. 265
Vincenzo Varano, Injunction. Digesto delle discipline privatistiche, v. 9, p. 492. 266
Idem, ibidem. 267
Os limites do sistema da common law fizeram surgir a necessidade de um sistema paralelo e
complementar de tutela, que levou o nome de equity. A equity é que permitiu a criação de remedies a
situações não tuteláveis at law, à medida que estas situações emergiam como economicamente relevantes
(ver Michele Taruffo, L’attuazione esecutiva dei diritti: profili comparatistici. Rivista Trimestrale di
Diritto e Procedura Civile, 1988, p. 145 e ss). Como explica Frignani, “tra le caratteristiche più
sorprendenti della equity è certamente da annoverare l’attitudine dei giudici nel creare i rimedi giuridici
più disparati, in modo che ad ogni situazione concreta corrispondesse un mezzo di tutela adeguato. In ciò
era, como si è detto, la sua prima ragion d’essere e la sua funzione primaria, in relazione alle
technicalities ed alla rigidità della common law. Questo fatto acquista un risalto ancora maggiore se viene
messo in rapporto a quanto si verificava di fronte alle corti di common law, dove il normale mezzo di
tutela era dato dai damages, rimedio provvisto di una sua propria procedura esecutiva, intesa a realizzare
coattivamente la somma che il giudice aveva stabilito a favore di una delle parti” (Aldo Frignani,
L’injunction nella common law e l’inibitoria nel diritto italiano, cit., p. 37). 268
De fato, como afirma Spry, “the court may in its discretion decline to grant an injunction if to do so
would result in such substantial hardship to the defendant that, account being taken of any detriment that
the plaintiff will suffer on his being confined to damages, disproportionate prejudice would be caused by
its intervention” (I. C. F. Spry, The principles of equitable remedies, cit., p. 392).
119
parâmetros solicitados pelo autor. 269
Nos casos de poluição industrial, tais ordens
consistem em experiências que são conduzidas dentro da indústria ré sob o controle
científico de peritos; nas hipóteses em que através dessas experiências, conclui-se que a
fumaça, o gás, os rumores ou outras emissões podem ser reduzidas ou até mesmo
eliminadas em virtude do uso de novas tecnologias, o juiz concede a mandatory
injunction determinando o fazer necessário para que tais tecnologias possam ser
empregadas de modo a prevenir o ilícito. 270
O que se deseja evitar – ao menos pelo que
se infere do leading case na matéria – é que seja destruída uma obra ou determinado o
fechamento de uma indústria ou o encerramento de uma atividade quando se pode
recorrer a meios que podem ser menos gravosos ao réu e, ainda assim, impedir a
continuação do ilícito. 271
<texto>Nada impede, no direito brasileiro, especialmente porque os arts. 461 do
CPC e 84 do CDC permitem a concessão da inibitória antecipada, que o juiz determine,
de ofício ou a requerimento da parte, prova pericial destinada a verificar se o meio
solicitado pelo autor pode ser substituído por outro menos gravoso ao réu.
<texto>No direito brasileiro, ainda que se possa demonstrar a probabilidade de um
futuro ilícito, não é possível requerer uma tutela inibitória que, muito embora destinada
a evitar o ilícito, acabe causando um dano excessivo ao réu. A tutela deve ser solicitada
dentro dos limites adequados a cada situação concreta, evitando-se a imposição de um
não fazer ou de um fazer que possa provocar na esfera jurídica do réu uma interferência
que se revele excessiva em face da necessidade concreta de tutela. Ou seja, a inibitória
deve ser imposta ao réu dentro dos limites necessários à prevenção do ilícito.
<texto>No direito italiano, como já foi dito, admite-se a destruição da obra ou a
paralisação de uma atividade apenas quando não há outra forma para se eliminar as
emissões ilícitas. 272
Reconhece-se que, através de ordens de imposição de uso de meios
técnicos adequados à eliminação de emissões, são temperados no melhor dos modos os
interesses das partes envolvidas: de um lado, eliminando as emissões; do outro, não
suprimindo a obra ou a atividade lícita, uma vez que os seus efeitos são contidos dentro
de limites de uma normal tolerabilidade. 273
269
Aldo Frignani, L’injunction nella common law e l’inibitoria nel diritto italiano, cit., p. 165. 270
Idem, ibidem. 271
Idem, ibidem. 272
Interpretando-se o art. 844 do CC. 273
Aldo Frignani, L’injunction nella common law e l’inibitoria nel diritto italiano, cit., p. 291.
120
<texto>A jurisprudência italiana aplica, ainda que sem revelar expressamente, o
princípio do meio mais idôneo. Trata-se de um princípio com forma de proposição
jurídica, 274
de cuja presença no direito brasileiro ninguém pode duvidar. Prova disto
está no art. 620 do CPC, que estabelece que “quando por vários meios o credor puder
promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o
devedor”. O sentido que a doutrina brasileira empresta ao art. 620 tem uma íntima
relação com o referido princípio. Dinamarco, por exemplo, referindo-se ao substrato
ético do art. 620, afirma que é em nome dos valores humanos e éticos alojados na base
do sistema executivo que a lei busca o adequado equilíbrio entre os interesses das partes
em conflito, para que a execução seja tão eficiente quanto possível, com o menor
sacrifício ao patrimônio do devedor. 275
<texto>Ao lado do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado estão os
direitos ao trabalho e à livre iniciativa, bem como as necessidades decorrentes da
produção. Se o direito à higidez do meio ambiente não pode ser negligenciado, isto não
significa que a sua tutela jurisdicional possa extrapolar os limites do necessário à sua
efetiva proteção, principalmente quando a ordem do juiz pode prejudicar outro direito
digno de consideração.
<texto>Como diz Karl Larenz, a idéia de “justa medida” tem uma relação estreita
com a idéia de justiça, tanto no exercício dos direitos como na imposição de deveres e
ônus, de equilíbrio de interesses reciprocamente contrapostos na linha do menor
prejuízo possível. 276
O autor da inibitória deve requerer a ordem que imponha a
conseqüência menos gravosa ao réu exatamente para que seja preservada a idéia de
“justa medida”, que está indissociavelmente ligada à de justiça. 277
A tutela inibitória
somente pode ser dita “justa” quando o meio utilizado para a tutela do direito, além de
ser idôneo a sua efetividade, não traz prejuízos excessivos, ou desrazoáveis, ao
demandado.
<texto>O princípio da necessidade, que se desdobra nos princípios da menor
274
“Entre os princípios com forma de proposição jurídica podem contar-se também os princípios do
‘meio mais idôneo’ e da ‘restrição menor possível’ que, como vimos, servem muitas vezes aos tribunais
de pauta de ‘ponderação de bens’. São ‘em forma de proposição jurídica’, enquanto exista um meio ‘mais
idôneo’, apenas uma restrição ‘menor possível’ – a que protege suficientemente o bem preferido – do bem
postergado, não se requerendo, portanto, uma ulterior concretização da pauta” (Karl Larenz, Metodologia
da ciência do direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989, p. 585). 275
Cândido Rangel Dinamarco, Execução civil. São Paulo: Malheiros. 1997, p. 307. 276
Karl Larenz, Metodologia da ciência do direito, cit., p. 514. 277
Idem, ibidem, p. 585.
121
restrição possível e do meio idôneo – e que é uma modalidade especial do princípio da
proporcionalidade –, tem relação com o que Lerche chama de proibição de excesso.
Quando se fala em proibição de excesso surge claramente a idéia de “equilíbrio” e de
“justa medida”, que visa evitar que o direito do autor seja tutelado mediante a imposição
de conseqüências “desmedidas” ao réu. 278
<texto>O princípio da necessidade, abrindo-se nos princípios do meio idôneo e da
menor restrição possível, deve orientar as hipóteses de tutela inibitória, evitando que,
em nome da efetividade da tutela preventiva, seja descurada a idéia de que a tutela do
direito do autor deve ser obtida sem gerar conseqüências desrazoáveis à esfera jurídica
do réu.
<texto>A ética da tutela inibitória consiste na efetividade da prevenção sem
prejuízos excessivos ao demandado, privilegiando o “equilíbrio” e a “justa medida”
como critérios que devem iluminar a relação entre a efetividade da tutela preventiva e a
necessidade de preservação da esfera jurídica do réu.
<texto>A aplicação destes princípios tem estreita relação com os poderes de
execução que foram conferidos ao juiz por meio dos arts. 461 do CPC e 84 do CDC, e
especialmente com a possibilidade da utilização da multa.
<texto>A possibilidade da utilização da multa permite a adequação da tutela
jurisdicional a cada caso conflitivo concreto, o que sempre foi inadmitido no processo
civil clássico. Na época em que foram elaboradas as bases do direito processual, deixou-
se clara a idéia de não se permitir ao juiz invadir a esfera jurídica da parte, a não ser
através dos meios executivos expressamente previstos em lei. Desejava-se outorgar ao
cidadão a garantia de que sua esfera jurídica somente poderia ser invadida através dos
meios de execução tipificados na legislação. Falava-se, então, em princípio da tipicidade
das formas executivas, visando-se dar garantias ao cidadão contra a possibilidade de
abusos no exercício do poder jurisdicional. Este princípio, como as “formas” típicas ao
direito processual, sempre foi ligado à liberdade individual. 279
<texto>Como é óbvio, não se quer negar, aqui, a importância das formas
processuais, mas é preciso esclarecer que o princípio da tipicidade dos meios de
execução imobilizou o juiz, inviabilizando a tutela efetiva de uma série de situações de
278
Idem, ibidem. 279
Ver Vittorio Denti, Il processo di cognizione nella storia delle riforme, Rivista Trimestrale di Diritto e
Procedura Civile, 1993, p. 808.
122
direito substancial. Foi por esta razão que o legislador instituiu um novo sistema de
execução, dando ao juiz o poder de determinar a modalidade executiva adequada ao
caso concreto, e assim permitindo que agora se fale em princípio da concentração dos
poderes de execução.
Porém, não é porque foi outorgada ao juiz uma ampla latitude de poder para a
determinação do meio executivo, que esse poder poderá ser utilizado de forma
inadequada ou irracional. Os critérios para a aplicação da multa e das medidas
executivas diretas estão presentes nas regras do meio idôneo e da menor restrição
possível, os quais devem ser devidamente explicitados na fundamentação da decisão..
<aa>3.21 Tutela inibitória e tutela de remoção do ilícito
<texto>Passemos, agora, a uma das mais intrigantes questões relacionadas à tutela
inibitória: a da continuação do ilícito. Ao que parece, não é correto supor que a
prestação de tutela jurisdicional para impedir a continuação do ilícito não constitua
tutela preventiva. Ora, é importante registrar que, dentro da sociedade contemporânea,
são inúmeras as situações em que uma atividade se perpetua no tempo, causando danos
de forma continuada. Basta pensar no fenômeno de poluição ambiental. A ação que
objetiva evitar a propagação da poluição tem evidente fim preventivo.
<texto>Neste sentido também pensa Cristina Rapisarda: “A ligação da tutela
inibitória a um ilícito em parte já praticado, não influi, de modo algum, sobre a sua
natureza preventiva, uma vez que a tutela possui eficácia somente em face do possível
ilícito futuro. A tutela prescinde dos efeitos do ato ou da atividade ilícita, sejam estes
danosos ou não, porque se dirige unicamente contra o perigo de repetição ou
continuação do ilícito”. 280
Nesta mesma conclusão acertadamente chegou, entre nós e
recentemente, Joaquim Felipe Spadoni, ponderando que o cabimento da ação inibitória
“independe da temporalidade do ilícito a ser inibido, isto é, se ele se consumará em ato
único, ou em ato continuativo, ou repetitivo”. 281
<texto>Como já havíamos dito quando da 1.ª edição deste livro, existe, no caso de
continuação do ilícito, enorme dificuldade para se precisar a natureza da tutela
jurisdicional que contra ela se dirige. Não parece correto entender que a tutela contra o
ilícito continuado é repressiva, e assim volta-se para o passado, apenas pelo fato de o
280
Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitória, cit., p. 90-91. 281
Joaquim Felipe Spadoni, Ação inibitória, cit., p. 75.
123
ilícito já estar em atividade à época em que a ação processual é proposta. É preciso
observar que, neste caso, a tutela jurisdicional mira o futuro, e não o passado.
<texto>Concluiu-se, nas primeiras edições deste livro, que a tutela jurisdicional que
visa a convencer, sob pena de multa, o demandado a não continuar o ilícito, é inibitória,
ao passo que a tutela jurisdicional que determina a supressão da situação de ilicitude,
por não dar qualquer possibilidade ao agir voluntário do réu, remove o ilícito. Esta é
uma classificação que, partindo de um determinado ângulo de visão, toma em
consideração os efeitos da tutela jurisdicional sobre o ilícito continuado em si.
<texto>Entretanto, para não restar dúvida de que há direito à tutela inibitória contra
o ilícito continuado, é importante deixar evidenciada uma concepção que parte de um
ângulo visual distinto. Trata-se de tentar a distinção entre os efeitos continuados do ato
ilícito e a prática continuada do ilícito. Cabe esclarecer, de início, que não foi possível
encontrar, na doutrina do direito civil, brasileira e estrangeira, qualquer alusão a esta
distinção. Contudo, não há como se negar a diferença entre os efeitos continuados
decorrentes de um ilícito e a prática continuada de uma ação ou omissão ilícita. Quando
o ilícito se perpetua no tempo em decorrência de uma ação que já ocorreu, mas cujos
efeitos ainda se propagam no tempo, não há mais como impedir a continuação do agir
(da ação) ilícito, pois apenas os seus efeitos é que se propagam ou continuam. Ou seja,
somente a ação (ou omissão) continuada pode ser inibida, e não a ação cujos efeitos se
perpetuam no tempo. Existe diferença entre impedir o agir ilícito e remover o ilícito
cujos efeitos estão repercutindo no tempo. 282
<texto>Neste sentido, todo agir ilícito pode ser inibido, seja através de provimento
atrelado à multa, seja por meio de provimento jurisdicional ligado às medidas
executivas que permitam a inibição independentemente da vontade do réu. A ação
inibitória, nesta nova perspectiva, além de manter a sua capacidade de atuar em face
do ilícito continuado, passa a viabilizar a prestação de tutela inibitória através da multa
ou de qualquer medida executiva necessária e adequada. 283
282
Discutimos sobre esta questão com Sérgio Arenhart quando da elaboração de sua tese de doutorado, a
qual tivemos o prazer de orientar na Universidade Federal do Paraná. Entretanto, sua conclusão, ao menos
na tese, foi no sentido de que toda tutela jurisdicional voltada contra o “ilícito continuado” é tutela
repressiva, e não preventiva. 283
Como já havíamos dito, aliás, aludindo à “tutela preventiva executiva” (Luiz Guilherme Marinoni,
Tutela específica. São Paulo: RT, 2000 e 2001, 1.ª ed. e 2.ª ed.). A “tutela preventiva específica” serve
para expressar o conteúdo da idéia de uma tutela inibitória que pode ser prestada através de medidas que
podem ser chamadas de “execução direta”. O cuidado na utilização deste nome, pensado propriamente
para distinguir as formas de atuação jurisdicional para a obtenção da inibição do ilícito, tomou em
124
<texto>Reafirme-se que o ilícito que pode ser inibido é aquele que decorre de um
agir ilícito (seja comissivo, seja omissivo). Assim, por exemplo, a poluição ambiental é
um ilícito que consiste em agir continuado; a ordem para conter a poluição constitui
tutela inibitória. Porém, se o comerciante expôs à venda produto nocivo à saúde do
consumidor, o agir ilícito já foi cometido, de modo que apenas os seus efeitos ainda se
propagam no tempo. Neste caso, a eliminação do ilícito somente pode ocorrer se o
comerciante voltar atrás, retirando o produto do mercado. Sublinhe-se, por meio de
outro exemplo, que a apreensão da mercadoria produzida em desrespeito a patente de
invenção igualmente elimina o ilícito, não se destinando a convencer o réu a não voltar
a produzir a mercadoria ou ainda a não colocá-la à venda. É aí que se apresenta o espaço
em que a tutela de remoção do ilícito deve atuar.
<texto>Importa notar, entretanto, que a tutela de remoção do ilícito, assim como a
tutela inibitória, não é uma tutela contra o dano. A tutela de remoção do ilícito objetiva
a remover ou eliminar o próprio ilícito, isto é, a causa do dano; não visa ressarcir o
prejudicado pelo dano. No caso de tutela de remoção do ilícito, é suficiente a
transgressão de um comando jurídico, pouco importando se o interesse privado tutelado
pela norma foi efetivamente lesado ou se ocorreu um dano. 284
Como diz Michele
Mòcciola, em ensaio publicado na Rivista Critica del Diritto Privato, a conseqüência
lógica da distinção entre dano e ilícito conduz à formulação do critério segundo o qual
todas as vezes em que a intervenção judiciária tem por objeto a fonte do dano, não há
tutela ressarcitória. 285
<texto>Deixando-se claro que a tutela de remoção do ilícito visa a eliminar o ilícito,
e assim não tem relação com o dano, esclarece-se, igualmente, que esse tipo de tutela, à
semelhança da tutela inibitória, não tem entre os seus pressupostos a culpa ou o dolo.
consideração a preocupação que sempre existiu na doutrina com o direito de liberdade dos
jurisdicionados. Como dissemos quando da publicação de Tutela específica, no ano 2000, “designamos a
tutela destinada a evitar o ilícito ou a sua repetição, mas que prescinde da vontade do demandado, de
preventiva executiva, justamente para deixar claro que os seus significados, ou os impactos que
provocam sobre a esfera do réu, são distintos” – em relação à tutela inibitória em que ordena sob pena de
multa (ob. cit., p. 122-123). Atualmente, já consolidada e aceita a tese da tutela inibitória, não há razão
para continuarmos com esta diferença de nomes, pois já existe plena consciência de que a ação inibitória
deve ser utilizada com prudência. 284
Ver Michele Giorgianni, Tutela del creditore e tutela “reale”. Rivista Trimestrale di Diritto e
Procedura Civile, 1975, p. 853 e ss; Renato Scognamiglio, Il risarcimento del danno in forma specifica.
Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1957, p. 201 e ss; Michele Mòcciola, Problemi del
risarcimento del danno in forma specifica nella giurisprudenza. Rivista Critica del Diritto Privato, 1984,
p. 367 e ss. 285
Michele Mòcciola, Problemi del risarcimento del danno in forma specifica nella giurisprudenza.
Rivista Critica del Diritto Privato, 1984, p. 380-381.
125
Consoante escreve Cesare Salvi, a tutela ressarcitória (seja pelo equivalente ou na forma
específica) pressupõe que o ofendido prove a responsabilidade do sujeito ao qual o dano
é imputado (a não ser, obviamente, nos casos de responsabilidade sem culpa), o que não
acontece no outro âmbito de tutela, em que está presente a tutela que visa a eliminar o
ilícito. 286
<aa>3.22 A fungibilidade da tutela inibitória
<a1a>3.22.1 Breves observações sobre o princípio da congruência entre o pedido e a
sentença
<texto>O Código de Processo Civil, em duas oportunidades, frisa a necessidade de
o juiz ater-se ao pedido formulado pelo autor. O art. 128 afirma que “o juiz decidirá a
lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não
suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte”; o art. 460, por sua vez, diz
claramente que “é defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa
da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do
que lhe foi demandado”.
<texto>Entende-se, a partir daí, que a sentença deve limitar-se ao que foi pedido
pelo autor, seja no que diz respeito ao pedido imediato, seja no que pertine ao pedido
mediato. 287
<texto>Em relação ao pedido imediato, ou no que concerne à natureza da
providência solicitada, as sentenças podem variar em declaratória, constitutiva,
condenatória, mandamental e executiva. Assim, por exemplo, se “A” pede que o juiz
ordene sob pena de multa, o juiz não pode proferir uma sentença executiva; vice-versa,
não cabe ao juiz proferir uma sentença mandamental quando o autor pediu algo que
deve ser atendido através de uma sentença executiva ou condenatória. Por outro lado, o
pedido mediato refere-se ao bem que se pretende conseguir; 288
determina-se o pedido
mediato através do bem jurídico pretendido pelo autor. 289
<texto>Os arts. 461 do CPC e 84 do CDC admitem expressamente que o juiz pode
286
Cesare Salvi, Il risarcimento del danno in forma specifica. Processo e tecniche di attuazione dei diritti.
Napoli: Jovene, 1989, p. 587. 287
Moacyr Amaral Santos, Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1976, v.
4, p. 441. 288
José Carlos Barbosa Moreira, O novo processo civil brasileiro, cit., p. 23. 289
Moacyr Amaral Santos, Comentários ao Código de Processo Civil, v. 4, cit., p. 442.
126
conceder a tutela específica da obrigação ou o resultado prático equivalente ao do
adimplemento. Com isto, o juiz está autorizado, desde que respeitados os limites da
obrigação originária, a impor o fazer ou o não-fazer mais adequado à situação concreta
que lhe é apresentada para julgamento.
<texto>Poderia ser dito que o bem pretendido, por meio da ação inibitória, é a
prevenção. Contudo, se bastasse ao autor da ação inibitória pedir prevenção, não haveria
razão para pensar na possibilidade de o juiz conceder a tutela específica ou o seu
resultado prático equivalente. Se o autor não necessita precisar o pedido, não há motivo
para o legislador dar ao juiz a possibilidade de julgar fora do pedido. Isto pela razão de
que o juiz, ao impor um não fazer ou um fazer, sempre estaria atendendo à necessidade
de prevenção, e assim jamais julgando fora do pedido.
<a1a>3.22.2 Os arts. 461 do CPC e 84 do CDC como exceções ao princípio de que a
sentença deve ficar adstrita ao pedido
<texto>De acordo com os arts. 461 do CPC e 84 do CDC, o juiz pode conceder a
tutela específica da obrigação ou o resultado prático equivalente ao do adimplemento.
<texto>Reconhece-se ainda, em ambos os dispositivos, a possibilidade de o juiz
fixar a multa (§ 4.º, arts. 461 e 84) ou determinar as chamadas “medidas necessárias” (§
5.º, arts. 461 e 84) de ofício (na sentença ou na decisão concessiva da tutela
antecipatória), para que seja obtida a tutela específica ou o resultado prático equivalente.
<texto>A doutrina brasileira tem admitido que os arts. 461 do CPC e 84 do CDC
constituem exceções à regra geral de que a sentença não pode fugir do pedido. Arruda
Alvim, por exemplo, referindo-se à multa prevista no art. 84 do CDC, afirma que “a
possibilidade de imposição desta multa diária independe de pedido do autor, o que é
novidade. Não se segue a regra geral (principalmente, arts. 128 e 460, primeira frase, do
CPC), de que qualquer decisão, ordem ou sentença, sempre depende de pedido da parte
e haverá de a este se cingir para o respectivo acolhimento, ou não”. 290
<texto>Kazuo Watanabe, considerando essa mesma questão, não teve dúvidas em
concluir que “não há que se falar, diante desse poder concedido ao juiz, em ofensa ao
princípio da congruência entre o pedido e a sentença, uma vez que é o próprio legislador
federal, competente para legislar em matéria processual, que está excepcionando o
290
José Manoel de Arruda Alvim, Código do Consumidor Comentado. São Paulo: RT, 1995, p. 402.
127
princípio”. 291
Ada Pellegrini Grinover é ainda mais enfática ao dizer que “caberá à
sensibilidade do juiz” optar entre a multa e as medidas sub-rogatórias capazes de
conduzir ao resultado prático equivalente ao adimplemento.292
Está expressa, nos arts. 461 do CPC e 84 do CDC, a possibilidade de o juiz
determinar atuação diferente daquela que foi pedida, desde que capaz de conferir
resultado prático equivalente àquele que seria obtido em caso de adimplemento da
obrigação originária. Assim, por exemplo, se é requerida a cessação do agir ilícito, o
juiz pode entender que basta a instalação de determinada tecnologia para que a poluição
seja estancada (um filtro, por exemplo), e assim determinar a sua instalação.
<texto>No exemplo acima, determinou-se atuação diversa da pedida. Acontece que
há também a possibilidade de o juiz, atendendo a postulação realizada pelo autor, ater-
se àquilo que foi solicitado, mas mediante a imposição de meio “executivo” diverso do
requerido. Ora, a possibilidade de imposição de atuação diversa da solicitada não se
confunde com a possibilidade de imposição do pretendido através da utilização de meio
“executivo” diferente do postulado. Isto ocorreria, observando-se ainda o exemplo
acima narrado, se o autor houvesse requerido a instalação do filtro sob pena de multa, e
o juiz, considerando as circunstâncias do caso concreto, determinasse que um terceiro o
instalasse.
<texto>A distinção entre a determinação de algo diverso do solicitado e a imposição
de meio “executivo” diverso para a imposição daquilo que foi requerido, não é
meramente acadêmica, mas se destina a demonstrar que o juiz pode deixar de lado, além
do meio executivo solicitado, o próprio pedido mediato, ou melhor, a providência (e não
apenas o provimento ou o meio executivo) que foi pedida.
<a1a>3.22.3 A sub-rogação de uma obrigação em outra para a obtenção da tutela
específica ou do resultado prático equivalente ao do adimplemento
<texto>O problema que passamos a enfrentar, ainda que bastante difícil, é
fundamental para a efetividade da tutela inibitória.
<texto>A questão diz respeito a saber se o juiz pode converter uma obrigação
(compreendida como uma obrigação que se deseja ver imposta pela tutela jurisdicional
291
Kazuo Watanabe, Tutela antecipatória e tutela específica das obrigações de fazer e não fazer. Reforma
do Código de Processo Civil, cit., p. 43. 292
Ada Pellegrini Grinover, Tutela jurisdicional nas obrigações de fazer e não fazer. Reforma do Código
de Processo Civil, cit., p. 259.
128
ao réu) em outra, para conferir ao autor a tutela específica da obrigação ou um resultado
prático equivalente ao do adimplemento.
<texto>Se os arts. 461 do CPC e 84 do CDC excepcionam a regra da congruência
entre o pedido e a sentença, isto decorre da tomada de consciência de que a tutela
jurisdicional deve proporcionar, na medida do possível, a tutela específica dos direitos,
evitando-se, principalmente nos casos de direitos não patrimoniais, a insatisfatória saída
pela via da técnica ressarcitória. A doutrina brasileira, aliás, tem afirmado,
parafraseando conhecida máxima de Chiovenda, 293
que a idéia central que está na base
das normas de que nos ocupamos é proporcionar a quem tem direito à situação jurídica
final que constitui objeto de uma obrigação específica precisamente aquela situação
final que ele tem o direito de obter. 294
<texto>Se o objetivo que preside a “tutela específica das obrigações de fazer e de
não-fazer” é proporcionar a quem tem direito à situação jurídica final, que constitui
objeto de uma obrigação, precisamente aquela situação final que ele tem o direito de
obter, parece correto admitir que o juiz pode deixar de atender ao pedido formulado
para – convertendo uma “obrigação” em outra – conferir ao autor a tutela específica da
obrigação originária ou um resultado prático equivalente ao do adimplemento.
<texto>Ora, se os arts. 461 do CPC e 84 do CDC excepcionam expressamente a
regra da congruência entre o pedido e a sentença, e ainda afirmam que o juiz
“determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do
adimplemento”, eles conferem ao juiz o poder necessário para que ele – mediante a
conversão de uma obrigação em outra – possa conceder um resultado prático
equivalente ao do adimplemento, deixando de atender ao pedido formulado pelo autor,
que pode ser de tutela específica da obrigação originária ou de um outro resultado
prático equivalente ao do adimplemento. Na verdade, se o autor desde logo postula um
resultado prático equivalente ao do adimplemento, o juiz pode conceder a tutela
específica da obrigação originária ou um outro resultado prático equivalente ao do
adimplemento. É uma só idéia, ou seja, a noção de que o juiz deve ter o poder decisório
suficiente para garantir a adequada e efetiva tutela do direito, que está por detrás de tudo
isto. Como diz Kazuo Watanabe, o art. 461 procura dar efetividade, nos limites da
possibilidade prática e jurídica, ao postulado chiovendiano da máxima coincidência
293
O processo deve dar a quem tem um direito tudo aquilo e exatamente aquilo que ele tem o direito de
obter. 294
Cândido Rangel Dinamarco, A reforma do processo civil, cit., p. 151.
129
entre a tutela jurisdicional e o direito que assiste à parte, tanto em relação às obrigações
de fazer como às de não-fazer. 295
<texto>Para que tudo fique mais claro, nada melhor do que alguns exemplos. Se
“A”, alegando que “B” está poluindo o meio ambiente, pede que o juiz ordene, sob pena
de multa, a cessação de suas atividades, a determinação da instalação de um filtro, sob
pena de multa, constitui um resultado prático equivalente ao da ordem de não-fazer? Em
um outro exemplo, se “A” requer a ordem de instalação do filtro, está o juiz autorizado
a ordenar a cessação da atividade ilícita, uma vez constatada que a instalação do
equipamento não será suficiente para impedir o prosseguimento da poluição? E se “A”
requer que “B” instale um equipamento sofisticado e caro, e verifica-se que basta a
instalação de um simples filtro, o juiz está autorizado a ordenar a instalação deste filtro?
<texto>Kazuo Watanabe, considerado o principal artífice dos arts. 461 do CPC e 84
do CDC, 296
referindo-se à sub-rogação de uma obrigação em outra como forma de se
obter a tutela específica ou o resultado prático equivalente ao do adimplemento, diz o
seguinte: “Pensemos, por exemplo, no dever legal de não poluir (obrigação de não
fazer). Descumprida, poderá a obrigação de não fazer ser sub-rogada em obrigação de
fazer (v.g., colocação de filtro, construção de um sistema de tratamento de efluente etc.),
e descumprida esta obrigação sub-rogada de fazer poderá ela ser novamente convertida,
desta feita em outra de não fazer, como a de cessar a atividade nociva”. 297
<texto>O art. 84 do CDC (assim como o art. 461 do CPC), ao permitir ao juiz
conceder a tutela que implica um resultado prático equivalente ao do adimplemento,
visa a viabilizar a tutela da obrigação originária da forma mais adequada possível.
Assim, verificando-se que a instalação do filtro é o meio mais idôneo para a situação
ilícita, está o juiz autorizado a ordenar a sua instalação. Desta forma, aliás, permite-se
que a tutela seja prestada de forma efetiva e com a imposição do menor gravame
possível ao réu. A instalação do filtro, no caso em que é requerida a ordem de cessação
da atividade ilícita, proporciona ao autor um resultado prático que o satisfaz, já que é
295
Kazuo Watanabe, Tutela antecipatória e tutela específica das obrigações de fazer e não fazer. Reforma
do Código de Processo Civil, cit., p. 41. 296
Segundo Ada Pellegrini Grinover, deve-se a Kazuo Watanabe a “empreitada de ter introduzido no
processo brasileiro a tutela específica do credor nas obrigações de fazer ou não-fazer, por meios sub-
rogatórios capazes de levar ao resultado prático equivalente ao adimplemento” (Ada Pellegrini Grinover,
Tutela jurisdicional nas obrigações de fazer e não fazer. Reforma do Código de Processo Civil, cit., p.
256). 297
Kazuo Watanabe, Tutela antecipatória e tutela específica das obrigações de fazer e não fazer. Reforma
do Código de Processo Civil, cit., p. 44.
130
adequado para solucionar a situação de ilicitude.
<texto>Se o autor já requereu, através do seu pedido, um resultado equivalente ao
do adimplemento, nada impede que o juiz conceda a tutela específica da obrigação
originária ou um outro resultado equivalente ao adimplemento. Assim, se “A” pediu a
instalação do filtro, que é um resultado equivalente ao do adimplemento do dever de
não poluir, nada obsta a que o juiz, ao concluir que a instalação do filtro será
insuficiente para evitar a continuação da poluição, ordene que o réu cesse as suas
atividades sob pena de multa. Da mesma forma, se “A” requereu a instalação de um
equipamento e verifica-se que outro é o apropriado, o juiz não fica impedido de ordenar
a instalação do equipamento mais adequado.
<texto>Interpretar os mencionados artigos em sentido diverso seria desconsiderar a
idéia de que o juiz pode deixar de lado o pedido para conceder a tutela jurisdicional
capaz de atender de forma adequada e efetiva o direito material. Os limites da atuação
do juiz, na conversão de uma obrigação em outra, são ditados pela própria obrigação
originária; ou seja, não cabe ao juiz conceder uma tutela que implique um resultado que
não esteja na própria obrigação originária.
<texto>Quando o autor pede a instalação de um filtro (que seria um resultado
prático equivalente), o seu pedido, ainda que objetive um fazer, tem por escopo fazer
cessar a atividade ilícita, visando, em outras palavras, a impedir que o réu continue a
inadimplir a sua obrigação de não-fazer. Se os arts. 461 do CPC e 84 do CDC conferem
ao juiz o poder decisório para a conversão de uma obrigação em outra, está ele
autorizado, quando o fazer requerido não é suficiente para a tutela do direito, a ordenar
o fazer ou o não-fazer que se afigure adequado à efetiva proteção do direito.
<texto>É preciso perceber, em outras palavras, que essas normas, ao darem ao juiz o
poder decisório suficiente para a conversão de uma obrigação em outra, objetivam
permitir a concessão da tutela jurisdicional adequada a cada caso conflitivo concreto.
Ora, o juiz só pode ordenar a instalação do filtro quando, por exemplo, a ordem de não
fazer, que determinaria a cessação das atividades do réu, não é o meio mais adequado à
hipótese concreta.
<texto>Aliás, se os próprios arts. 461 e 84 excepcionam expressamente o princípio
da congruência entre o pedido e a sentença, e se o espírito de tais normas é tocado pela
idéia de que o processo deve proporcionar a tutela efetiva do direito, impõe-se a
interpretação que admite que o juiz pode fugir do pedido para que o direito do autor não
131
seja transformado em pecúnia – ou para que direitos, como o direito à higidez do meio
ambiente, não sejam expropriados –, quando o próprio juiz, em virtude do
desenvolvimento do contraditório, está em condições de declarar a situação de ilicitude.
<a1a>3.22.4 O poder decisório do juiz e o princípio da efetividade
<texto>Entende-se, atualmente, que há um direito à adequada tutela jurisdicional,
constitucionalmente garantido. 298
<texto>Sustenta-se, na doutrina italiana, que o art. 24 da Constituição da República
estabelece o princípio da efetividade da tutela jurisdicional. 299
Na interpretação desse
princípio, afirma-se que o legislador é obrigado a traçar formas de tutela adequadas às
várias situações de direito substancial e que o doutrinador e os operadores jurídicos
devem ler e compreender as normas infraconstitucionais sempre à luz da garantia da
efetividade. 300
<texto>Os arts. 461 do CPC e 84 do CDC, como reconhece a doutrina brasileira, 301
298
Ver, na doutrina brasileira, Kazuo Watanabe, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor (comentado
pelos autores do anteprojeto), cit., p. 523; José Roberto dos Santos Bedaque, Direito e processo. São
Paulo: Malheiros, 1995, p. 83; José Carlos Barbosa Moreira, Notas sobre o problema da efetividade do
processo. Temas de direito processual, Terceira Série. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 209; Donaldo
Armelin, A tutela jurisdicional cautelar. Revista da Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo n. 233,
p. 118; Luiz Guilherme Marinoni, A antecipação da tutela, cit., p. 107 e ss. Na doutrina italiana, é
interessante consultar, entre outros, Luigi Paolo Comoglio, Commentario della Costituzione. Bologna-
Roma: Zanichelli-Foro italiano, 1981; Luigi Paolo Comoglio, Principi costituzionali e processo di
esecuzione. Studi in memoria di Gino Gorla. Milano: Giuffrè, 1994, v. 2, p. 1.584; Andrea Proto Pisani,
Brevi note in tema di tutela specifica e tutela risarcitoria. Foro Italiano, 1983, p. 128 e ss; Andrea Proto
Pisani, L’effettività dei mezzi di tutela giurisdizionale con particolare riferimento all’attuazione della
sentenza di condanna. Rivista di Diritto Processuale, 1975, p. 633 e ss; Andrea Proto Pisani, Nuovi diritti
e tecniche di tutela. Scritti in onore di Elio Fazzalari. Milano: Giuffrè, 1993, v. 2, p. 51 e ss. 299
Comoglio, ao comentar o art. 24 da Constituição italiana, na importante obra coordenada por G.
Branca, diz o seguinte: “Al di là di ogni diatriba teorica, il problema cruciale dell’accesso alla giustizia
sta, in ultima analisi, nell’effettività della tutela giudiziaria. Non basta riconoscere, in astratto, la ‘libertà
di agire’ e garantire a ‘tutti’, almeno formalmente, l’occasione di esercitarla, proponendo al giudice la
domanda di tutela. Limitarsi a tale configurazione, nel catalogo tradizionale delle libertà civili, significa
disconoscere il senso profondamente innovativo dei diritti ‘sociali’ di libertà (ed, in particolare, di quello
attribuito ai non abbienti dal 3 comma della norma in esame), nei loro inevitabili riflessi
sull’amministrazione della giustizia. Occorre, dunque, assicurare a qualsiasi individuo,
indipendentemente dalla sua abbienza o dalle condizioni personali e sociali, non certo (in termini
statistici) la probabilità, né tantomeno la certezza, ma in ogni caso la possibilità, seria e reale, di ottenere
adeguata tutela dall’organo giurisdizionale adito” (Luigi Paolo Comoglio, Commentario della
Costituzione, cit., p. 10). 300
Ver Italo Andolina e Giuseppe Vignera, Il modello costituzionale del processo civile italiano, cit., p.
89. 301
Ver Ovídio Baptista da Silva, Curso de processo civil, v. 1, cit., p. 123 e ss; Kazuo Watanabe, Tutela
antecipatória e tutela específica das obrigações de fazer e não fazer (arts. 273 e 461 do CPC), Reforma do
Código de Processo Civil, cit., p. 40 e ss; Ada Pellegrini Grinover, Tutela jurisdicional nas obrigações de
fazer e não fazer, Reforma do Código de Processo Civil, cit., p. 251 e ss; J. E. Carreira Alvim, Tutela
específica e tutela assecuratória das obrigações de fazer e não fazer na reforma processual, Reforma do
132
constituem uma resposta à necessidade de uma efetiva tutela dos direitos. 302
Trata-se,
em outras palavras, de normas que foram ditadas em razão do peso do princípio da
efetividade, e que devem ser lidas e interpretadas à luz desse princípio.
<texto>Está presente, na própria dicção das normas dos arts. 461 e 84, uma nítida
preocupação com a efetividade do processo. Esses artigos, ao afirmarem que o juiz pode
conceder a tutela específica ou o resultado prático equivalente ao do adimplemento,
demonstram uma inegável intenção de viabilizar a tutela efetiva e adequada dos direitos.
<texto>Lembre-se de que uma das maiores preocupações da doutrina italiana mais
moderna advém do fato de o Código de Processo Civil italiano não propiciar uma
efetiva tutela jurisdicional das obrigações infungíveis. 303
É importante perceber,
contudo, que o que mais chama a atenção da doutrina italiana é a inidoneidade da
sentença condenatória para a tutela adequada dos direitos não patrimoniais, como o
direito à higidez do meio ambiente. 304
<texto>Os artigos ora em destaque estão muito mais preocupados com os direitos
não patrimoniais do que com os direitos patrimoniais. 305
É que os direitos não
patrimoniais não só são mais importantes, como se afastam, de modo muito mais
Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 271 e ss; J. E. Carreira Alvim, Tutela específica
das obrigações de fazer e não fazer na reforma processual, cit., p. 61 e ss. 302
Como diz Ovídio Baptista da Silva, uma das idéias que está na base da formulação do art. 461 está
presente no “princípio de que o processo deve, tanto quanto possível, satisfazer o direito como se ele
estivesse sendo cumprido voluntariamente pelo devedor, a evidenciar o caráter instrumental do processo,
o que, por si só, já seria capaz de romper a camisa-de-força com que a Ciência do Processo se vestiu ao
reduzir o fenômeno executivo exclusivamente à execução obrigacional, estruturada em esquemas rígidos
e estereotipados, liberando-a para adequar-se instrumentalmente ao direito material que lhe cabe tornar
efetivo e realizado” (Curso de processo civil, v. 1, cit., p. 124). 303
Ver Andrea Proto Pisani, Appunti sulla tutela di condanna. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura
Civile, 1978, p. 1.104 e ss; Sergio Chiarloni, Misure coercitive e tutela dei diritti, cit.; Elisabetta Silvestri,
Problemi e prospettive di evoluzione nell’esecuzione degli obblighi di fare e di non fare. Rivista di Diritto
Processuale, 1981, p. 41 e ss; Michele Taruffo, Problemi in tema di esecutorietà della condanna alla
reintegrazione del lavoratore. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1976, p. 789 e ss;
Michele Taruffo, Note sul diritto alla condanna e all’esecuzione. Rivista Critica del Diritto Privato, 1986,
p. 635 e ss. 304
Ver, principalmente, Andrea Proto Pisani, La tutela giurisdizionale dei diritti della personalità:
strumenti e tecniche di tutela. Foro Italiano, 1990, p. 1 e ss. 305
Registre-se o que diz Watanabe a respeito da necessidade de meios executivos mais “fortes e
adequados” para a tutela dos direitos não patrimoniais: “Por que, então, não aceitar que, para a tutela de
direitos não patrimoniais, mais relevantes que os patrimoniais, quais os ligados aos direitos da
coletividade à qualidade de vida ou os direitos absolutos da personalidade (como os direitos à vida, à
saúde, à integridade física e psíquica, à liberdade, ao nome, à intimidade etc.), possa o sistema possuir
provimentos que concedam tutela específica eficaz às obrigações de fazer e não fazer?” (Kazuo
Watanabe, Tutela antecipatória e tutela específica das obrigações de fazer e não fazer. Reforma do Código
de Processo Civil, cit., p. 46).
133
evidente do que os direitos patrimoniais, da tutela ressarcitória. 306
Admitir a tutela
ressarcitória, no caso de direitos não patrimoniais, é o mesmo que aceitar que o
processo, ao invés de servir à efetiva tutela do direito, somente pode condenar o
violador a pagar por algo que não tem preço. 307
<texto>Portanto, a idéia de que a tutela efetiva e adequada do direito não pode ser
trocada pela tutela ressarcitória, deve ser compreendida principalmente em face dos
direitos não patrimoniais, aos quais, aliás, a própria Constituição Federal reserva uma
posição de destaque.
<texto>Se os arts. 461 e 84 devem ser lidos à luz do princípio da efetividade, e se os
direitos (principalmente os não patrimoniais) não podem ser transformados em pecúnia,
é exato concluir que esses artigos, ao afirmarem que o juiz pode conceder a tutela
específica da obrigação ou o resultado prático equivalente ao do adimplemento e, de
ofício, fixar a multa ou determinar as chamadas “medidas necessárias”, consagram não
só a possibilidade de o juiz impor o meio executivo necessário a cada caso concreto,
mas também o autorizam a determinar a providência adequada – ainda que diversa da
pedida – para que o direito seja efetivamente tutelado. Perceba-se que, nesta última
hipótese, a atividade do juiz não fica limitada à imposição de meio executivo diverso,
mas pode conceder providência distinta da solicitada.
<texto>O juiz, assim, pode fugir do pedido formulado pelo autor para, em vez de
ordenar, sob pena de multa, a instalação de um filtro, ordenar a cessação da atividade
ilícita. Aliás, se o juiz verifica que a necessidade da cessação do ilícito é premente, não
comportando a dúvida sobre ter ou não a multa influência suficiente para convencer a ré
a adimplir, pode ele determinar o fechamento ou a interdição da indústria ré, inclusive
mediante o auxílio de força policial.
<texto>São vários os fundamentos que podem ser alinhados para admitir tal
proceder: i) a possibilidade de o juiz, de ofício, fixar a multa ou determinar as “medidas
necessárias”; ii) o fato de os arts. 461 e 84 terem admitido ao juiz, em desatenção ao
306
Como escreve Proto Pisani, “se i diritti della personalità per definizione hanno contenuto e funzione
non patrimoniale, allora per definizione la tutela risarcitoria si manifesta come forma (da sola) non
adeguata di tutela, perchè non è in grado di soddisfare il bisogno non patrimoniale assicurato da tali
diritti” (Andrea Proto Pisani, La tutela giurisdizionale dei diritti della personalità: strumenti e tecniche di
tutela. Foro Italiano, 1990, p. 6). 307
Sobre a inefetividade das tutelas tradicionais para a efetiva garantia dos direitos não patrimoniais, ver
José Carlos Barbosa Moreira, Processo civil e direito à preservação da intimidade, Temas de direito
processual, Segunda série, cit., p. 5 e ss; José Carlos Barbosa Moreira, Tutela sancionatória e tutela
preventiva, Temas de direito processual, Segunda série, cit., p. 21 e ss.
134
princípio da congruência entre o pedido e a sentença, conceder a tutela específica da
obrigação ou o resultado prático equivalente ao do adimplemento; iii) a idéia, que
decorre do princípio constitucional da efetividade, e que preside os arts. 461 e 84, no
sentido de que cabe ao juiz buscar a tutela efetiva dos direitos, principalmente quando
em jogo direitos não patrimoniais, afastando-se, de todas as formas, da inefetiva – e
porque não se dizer injurídica – tutela ressarcitória.
<texto>Admitir-se o desenrolar de um contraditório que evidencia a existência de
uma situação ilícita, retirando-se do juiz o poder de conferir a tutela jurisdicional
adequada para a respectiva cessação, é desconsiderar não só o espírito das normas em
questão, como também o fato de que elas objetivam evitar, inclusive em nome da
garantia de importantes direitos protegidos constitucionalmente, a degradação da tutela
efetiva do direito em ressarcimento em pecúnia. Se o juiz pode declarar o ilícito, e a
providência requerida não é suficiente para impedir o seu prosseguimento, negar-lhe a
possibilidade de conceder a tutela jurisdicional adequada é subtrair da jurisdição a
possibilidade de impedir a transformação do direito em pecúnia, o que é flagrantemente
contrário a tudo o que está em torno das normas dos arts. 461 do CPC e 84 do CDC.
<texto>Não se diga que a concessão da tutela jurisdicional fora do pedido
formulado pelo autor pode impedir o réu de se defender adequadamente. Admitir que o
réu possa defender-se invocando a inadequação da tutela jurisdicional requerida, é o
mesmo que aceitar que as normas apontadas dão mais relevância à forma, ou seja, à
exatidão do pedido formulado pelo autor, do que à necessidade de se evitar que os
direitos deixem de ter efetividade. Este argumento, na verdade, esbarra não só no
espírito dos arts. 461 e 84, como na própria letra dessas normas, que deixam entrever,
com toda clareza, a obsessão do legislador em permitir ao juiz a prestação da efetiva
tutela do direito material.
<a1a>3.22.5 O poder decisório do juiz e o princípio da necessidade
<texto>Já vimos que o princípio da necessidade, que se desdobra nos princípios do
meio idôneo e da menor restrição possível, 308
destina-se a conter os eventuais excessos
no uso da tutela inibitória.
<texto>Por outro lado, também restou evidenciado, nos itens antecedentes, que ao
juiz foi dado um grande poder para a determinação não só do meio executivo adequado
308
Karl Larenz, Metodologia da ciência do direito, cit., p. 584 e ss.
135
a cada hipótese concreta, mas também para conceder providência diversa da solicitada.
Se este poder é necessário para a efetividade da tutela do direito, é evidente que devem
ser elaborados critérios para que ele seja utilizado sem ferir os direitos do réu.
<texto>Se o juiz está autorizado, em face de uma ação inibitória, a conceder
providência de conteúdo diverso da requerida, não há como negar que ele está
submetido ao princípio da necessidade e, desta forma, impedido de conceder uma tutela
jurisdicional que – embora apropriada para fazer cessar o ilícito – mostre-se excessiva
em relação ao réu, por ser viável o uso de um meio capaz de trazer um menor gravame a
sua esfera jurídica.
<texto>Aliás, os arts. 461 do CPC e 84 do CDC, ao afirmarem que é possível a
concessão da tutela específica da obrigação ou de um resultado prático equivalente ao
do adimplemento, admitem que o juiz deixe de atender ao pedido de tutela formulado
pelo autor quando esta se mostra excessiva, porque distante da noção de “justa medida”
e, assim, da própria concepção de “meio mais idôneo”.
<texto>Não teria sentido admitir que o juiz tem o poder de ordenar a cessação da
atividade nociva ao verificar que a instalação do filtro não é suficiente para impedir o
prosseguimento do ilícito, mas não tem o mesmo poder para ordenar a instalação de um
filtro quando a ordem de paralisação das atividades da empresa ré não se configura
como o meio mais suave.
<texto>Considerado o princípio da isonomia, não é possível imaginar que os arts.
461 do CPC e 84 do CDC outorgaram poder ao juiz apenas pensando no direito do
autor; é preciso que se imponha uma interpretação consentânea com a isonomia, ou seja,
uma interpretação que obrigue o juiz a conceder, para a proteção do direito do autor, a
tutela que implique na imposição do meio idôneo e que, além disto, gere a menor
restrição possível ao réu.
<texto>A necessidade do uso do meio mais idôneo tem uma íntima ligação com a
idéia de justiça, tanto no exercício dos direitos como na imposição de deveres, 309
motivo pelo qual não se pode entender que uma norma tenha dado poder ao juiz apenas
para garantir os direitos do autor, esquecendo-se dos direitos do réu.
<texto>É a própria idéia de “justa medida” que obriga que os arts. 461 do CPC e 84
do CDC sejam lidos no sentido de que o juiz deve determinar conduta diversa da
solicitada quando necessário para evitar gravame excessivo ao réu. 309
Idem, ibidem, cit., p. 514.
136
<a1a>3.22.6 A fungibilidade da tutela inibitória reafirma a idéia da fungibilidade da
tutela de segurança, que sempre esteve na base da “tutela cautelar”
<texto>Note-se, aliás, que esse modo de compreender os arts. 461 e 84 apenas
reafirma uma idéia que sempre esteve na base da “tutela cautelar”. Os processualistas
sempre se mostraram muito sensíveis à necessidade de tutela adequada às situações de
perigo, 310
muitas delas envolvendo hipóteses de tutela genuinamente inibitória.
<texto>Barbosa Moreira, como já foi dito, ao aludir à falta de efetividade da ação
cominatória (que era fundada no art. 287) para a prevenção do ilícito, na época que
ainda não estava presente no Código de Processo Civil o novo art. 461 e, portanto, a
tutela antecipatória inibitória, afirmou que não deveria “escandalizar ninguém a
sugestão de buscar-se nos arts. 798 e 799 o apoio textual” a uma tutela preventiva
provisória. 311
O que dizia Barbosa Moreira, trocando-se os termos, é que, embora os
arts. 798 e 799 pudessem não constituir, “do ponto de vista científico”, sede própria
para a tutela que proíbe, antecipadamente, a prática de um ato, qualquer escrúpulo desse
gênero seria como a hesitação em ministrar ao enfermo o remédio que
comprovadamente lhe melhora o estado, só porque nas indicações da bula não se
designa a enfermidade pelo nome cientificamente mais correto. 312
Como é óbvio,
Barbosa Moreira, com essa construção, pretendia dar efetividade à prevenção, tornando
possível uma tutela inibitória antecipada que pudesse eliminar, desde logo, o perigo de
ilícito.
<texto>Isto significa, com efeito, que a tutela inibitória antecipada sempre foi
prestada sob o manto protetor da tutela cautelar. Ou seja, como a evolução da sociedade
e o surgimento de novas situações de direito substancial evidenciaram a necessidade de
tutela inibitória antecipada, e esta não podia ser prestada através do processo de
conhecimento – feito para atender a outras necessidades –, admitiu-se o uso da via
310
Ver Egas Dirceu Moniz de Aragão, Medidas cautelares inominadas. Revista Brasileira de Direito
Processual, v. 57, p. 52-56; Luiz Fux, Tutela de segurança e tutela da evidência. São Paulo: Saraiva,
1996, p. 90 e ss; Ovídio Baptista da Silva, Curso de processo civil. Porto Alegre: Fabris, 1993, v. 3, p.
101; Donaldo Armelin, A tutela jurisdicional cautelar. Revista da Procuradoria-Geral do Estado de São
Paulo, v. 23, p. 123; Galeno Lacerda, Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense,
1980, v. 8, t. 1, p. 222; Fritz Baur, Tutela jurídica mediante medidas cautelares. Porto Alegre: Fabris,
1985, p. 96 e ss. 311
José Carlos Barbosa Moreira, A tutela específica do credor nas obrigações negativas. Temas de direito
processual, Segunda série, cit., p. 42. 312
José Carlos Barbosa Moreira, A tutela específica do credor nas obrigações negativas. Temas de direito
processual, Segunda série, cit., p. 43.
137
cautelar313
para permitir a obtenção da tutela inibitória.
<texto>Entretanto, a melhor doutrina, preocupada com a efetividade da tutela
cautelar e, conseqüentemente, com a efetividade da tutela inibitória antecipada, admitia
que o juiz pudesse conceder tutela cautelar diversa da solicitada. Se o juiz estava
autorizado a conceder, antecipadamente, uma tutela preventiva diversa da solicitada
através dos pedidos de tutela cautelar e de tutela final, isto decorria da necessidade de se
dar a ele o poder necessário para tutelar da forma mais adequada possível a situação de
perigo. 314
<texto>O que se pretende evidenciar, como se pode perceber, é que o Leitmotiv que
inspirou a doutrina a criar a brilhante tese315
de que o juiz pode conceder tutela cautelar
diversa da pedida316
é o mesmo que nos leva a propor a interpretação dos arts. 461 do
313
Via técnica que não precisa, e não deve, mais ser utilizada para a obtenção da tutela inibitória
antecipada. 314
Referindo-se à fungibilidade da inibitória fundada no art. 700 do CPC italiano, lembra Cristina
Rapisarda que é “attribuito al giudice ‘il potere di costruire il provvedimento caso per caso piú adeguato
alle esigenze della tutela, prescindendo dalla domanda della parte’. È perciò da respingere l’opinione di
chi ha ultimamente affermato l’applicabilità alla tutela cautelare urgente del princípio di corrispondenza
tra il chiesto e il pronunciato, riferendo, in tal modo, la discrezionalità giudiziale soltanto alla
determinazione delle modalità esecutive del provvedimento di tutela, anziché ‘all’individuazione
dell’effetto anticipabile’” (Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 133). 315
Ver, fundamentalmente, Egas Dirceu Moniz de Aragão, Medidas cautelares inominadas. Revista
Brasileira de Direito Processual, v. 57, p. 52-56. 316
Recorde-se, aliás, de que Galeno Lacerda chegou a admitir a incoação do processo cautelar ex officio:
“Se, em regra, a cautela de ofício surge no curso de processos iniciados pela parte ou interessado, cumpre
observar, contudo, que em situações raras e graves a lei chega ao ponto de prescrever ao juiz a própria
incoação do procedimento cautelar” (...) No livro destinado ao processo cautelar, além das providências
examinadas ao longo deste comentário, convém desde logo chamar atenção para as ‘outras medidas
provisionais’ indicadas no art. 888: obras de conservação em coisa litigiosa ou judicialmente apreendida,
entrega de bens de uso pessoal do cônjuge e dos filhos, posse provisória dos filhos no desquite (hoje,
separação judicial) ou anulação de casamento, afastamento do menor autorizado a contrair casamento
contra a vontade dos pais, depósito de menores ou incapazes castigados imoderadamente ou induzidos à
prática de atos contrários à lei ou à moral, afastamento temporário de um dos cônjuges da morada do
casal, guarda e educação de filhos e interdição ou demolição de prédio para resguardo da saúde, da
segurança ou outro interesse público. Em todos estes casos, patente como é o interesse público ou de
ordem pública, prescreve o art. 888 que ‘o juiz poderá ordenar ou autorizar a providência’. A alternativa
de verbos – ‘ordenar ou autorizar’ – torna claro que a medida poderá ser decretada de ofício, ‘ordenada’,
ou a pedido, ‘autorizada’” (Galeno Lacerda, Comentários ao Código de Processo Civil, v. 8, t. 1, cit., p.
115/119/120). Luiz Fux, ao discorrer sobre a possibilidade de o juiz conceder tutela cautelar ex officio no
curso da ação de conhecimento, diz o seguinte: “Esse regime jurídico especial das ações de segurança,
acompanhado de uma exegese mais adequada e realista do princípio dispositivo, autoriza que o juiz, numa
ação proposta, defira uma medida de segurança contra o autor em favor do réu sem qualquer pedido deste,
desde que haja uma possibilidade de grave lesão ao direito do demandado. Exemplificando-se com um
caso concreto, cita-se a causa em que uma loja de vime situada no interior de um posto de gasolina
postulou, em medida cautelar, a interdição de uma das bombas de gasolina situada muito próximo à loja,
alugada pelo próprio posto de abastecimento proprietário do terreno. Obtida a liminar, o Tribunal de
Justiça cassou-a, com o que, na prática, manteve a coexistência das atividades. Em ofício aterrorizante, o
Corpo de Bombeiros alertou para o imenso perigo de explosão da loja, por isso o juiz a quo interditou o
estabelecimento requerente da cautela, decisão que foi mantida, em razão de sustentarmos a possibilidade
138
CPC e 84 do CDC no sentido já enunciado. 317
<aa>3.23 O pedido de tutela inibitória e as violações de eficácia instantânea
suscetíveis de repetição no tempo
<texto>De acordo com o art. 290 do CPC, “quando a obrigação consistir em
prestações periódicas, considerar-se-ão elas incluídas no pedido, independentemente de
declaração expressa do autor; se o devedor, no curso do processo, deixar de pagá-las ou
de consigná-las, a sentença as incluirá na condenação, enquanto durar a obrigação”.
<texto>A doutrina, ao interpretar a primeira parte do art. 290, costuma distinguir as
prestações vencidas das vincendas, dizendo que nas obrigações de caráter periódico o
devedor fica desincumbido de pedir, expressamente, o adimplemento das prestações
vincendas. 318
<texto>Como é óbvio, não interessa, neste momento, a condenação para o futuro,
presente na referida norma. A condenação para o futuro, como será melhor explicado
mais tarde, 319
constitui condenação anterior à violação, tendo o objetivo de criar
antecipadamente o título executivo. Ela é solicitada com base no argumento de que a
violação acontecerá, porém é preciso criar desde logo o título executivo, para que a
realização do direito, posterior à violação, possa ocorrer de maneira mais rápida. Como
está claro, a condenação para o futuro não objetiva impedir a violação do direito. Ao
contrário, aquele que pede condenação para o futuro afirma que a violação ocorrerá. A
sua finalidade não é a prevenção, mas apenas uma maior tempestividade da tutela
repressiva. Deixe-se claro, assim, que a condenação para o futuro não é idônea para
prevenir o ilícito. Aliás, a “condenação” 320
constitui meio processual completamente
de o provimento de segurança ser adotado independentemente de provocação de qualquer das partes”
(Luiz Fux, Tutela de segurança e tutela da evidência, cit., p. 85-86). 317
Para que isso fique claro, veja-se o exemplo que Ovídio Baptista da Silva apresenta para elucidar a
“fungibilidade das medidas cautelares”: “Outro exemplo: o autor da ação cautelar postula a retirada de
uma janela do prédio vizinho que lhe contraria o direito de vizinhança. O juiz poderá julgar procedente a
ação cautelar, deferindo porém, sob forma de liminar, não a supressão da janela, mas a colocação nela de
vidros foscos que impeçam a visão para o prédio do autor” (Curso de processo civil, v. 3, cit., p. 101). 318
Ver J. J. Calmon de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil, v. 3, cit., p. 177 e ss;
Wellington Moreira Pimentel, Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 1975, v. 3, p.
188 e ss; Araken de Assis, Cumulação de ações. São Paulo: RT, 1995, p. 227; Fernando Luso Soares,
Processo civil de declaração. Coimbra: Almedina, 1985, p. 579-581. 319
Ver item 4.3 320
Como explica Fernando Luso Soares, “a condenação em prestações futuras não significa que o réu seja
condenado a pagar todas as prestações. O que se admite é que, vencida no futuro mais uma prestação, o
autor pode invocar a sentença que antes obteve, e executar. Nesta hipótese, de prestações periódicas de
139
incapaz de propiciar verdadeira tutela preventiva.
<texto>Tratando-se de tutela inibitória, é possível pensar em hipóteses em que a
violação de um dever pode ocorrer em diversos momentos. Assim, por exemplo, se uma
indústria tem o dever de inserir nas propagandas de um de seus produtos determinado
aviso aos consumidores, não há dúvida de que esta indústria poderá violar este dever em
diferentes oportunidades.
<texto>Em relação a hipóteses desta natureza, torna-se adequada, em vez da
condenação para o futuro, a tutela inibitória, que apenas redundantemente poderia ser
chamada de “inibitória para o futuro”. Isto porque se deseja meio processual idôneo
para a inibição do ilícito. Note-se, por exemplo, que se já houve violação, ou seja, se a
indústria já deixou de fazer constar referido aviso aos consumidores em uma de suas
propagandas na televisão, isto não importa em termos de inibitória, uma vez que esta
terá como objetivo apenas impedir a repetição do ilícito. 321
<texto>Se o Ministério Público pede, através de uma ação coletiva inibitória, que a
indústria que já praticou o ilícito não volte a praticá-lo, não é preciso, como é óbvio, que
se deixem expressas as hipóteses em que a indústria deve inserir, em suas publicidades,
o aviso aos consumidores, bastando que se peça que a indústria ré introduza tal aviso em
suas futuras propagandas (já que ela tem o dever de sempre agir desta forma).
<texto>Compreende-se, por estar implícito, que aquilo que se deseja, quando se
pede que alguém faça aquilo que tem o dever de fazer, é que não haja mais violação
deste dever. Este item, na verdade, não fosse o fato de a tutela inibitória ainda ser
desconhecida na doutrina brasileira, seria desnecessário, pois é evidente que quando se
pede tutela inibitória de atos suscetíveis de repetição, pede-se que não haja qualquer
violação futura em relação ao dever.
<texto>Contudo, a má compreensão do tema da coisa julgada material também pode
dificultar a compreensão deste assunto. A imutabilidade da coisa julgada se projeta para
o futuro, alcançando todas as situações que tenham identidade com a que foi objeto da
decisão. Decidindo-se que determinado ato temido é ilícito, e assim não pode ser
trato sucessivo, exigindo uma prestação já vencida, o autor pede, ao mesmo tempo, que o réu seja
condenado em todas as futuras ainda não vencidas” (Processo civil de declaração, cit., p. 580). 321
Nestes casos, como agudamente percebeu Proto Pisani, “per essere praticamente efficace, la condanna
non deve limitarsi ad eliminare gli effetti della violazione già effettuata, ma deve ordinare che – rebus sic
stantibus – la violazione non sia ripetuta in futuro: per questa parte la condanna potrà trovare attuazione
unicamente tramite il ricorso alla tecnica delle misure coercitive” (Lezioni di diritto processuale civile,
cit., p. 168).
140
praticado, é pouco mais do que evidente que não é somente o ato expressamente narrado
na petição inicial que não poderá ser praticado. Veda-se que o réu volte a praticar ato
com o mesmo conteúdo do reconhecido ilícito na sentença que produziu coisa julgada
material. 322
Assim, surgindo circunstâncias semelhantes àquelas que justificaram a
decisão que já produziu coisa julgada material, bastará solicitar ao juiz ordem para que
o novo ato temido não venha a ser praticado, não tendo cabimento exigir que o juiz
decida, novamente, sobre a licitude ou ilicitude do ato.
<texto>Um ato temido, cuja substância não é nova, mas já foi dita ilícita em
sentença que produziu coisa julgada material, não justifica outra ação. É a alteração da
substância do ato, ou seja, um outro ato, que abre ensejo a outra ação. Resumindo: se o
ato não é outro, mas sim apenas novo, vale a coisa julgada material. Mas se o ato temido
for outro, evidentemente será necessária outra ação inibitória, e neste caso a coisa
julgada material não poderá ser invocada.
<aa>3.24 Tutela inibitória e cumulação de pedidos. A tutela antecipatória
mediante o julgamento antecipado de pedido inibitório cumulado com pedido
ressarcitório
<texto>A tentativa de isolar o direito processual do direito material e a busca da
construção de princípios e conceitos processuais universalmente válidos, que marcaram
a escola italiana do direito processual civil do começo do século XX, 323
fizeram com
que ficasse fora da Universidade qualquer experiência com casos concretos. 324
<texto>A investigação doutrinária, entretanto, tem no caso concreto uma rica fonte
para a problematização de situações que o jurista dificilmente imaginaria.
<texto>Não é preciso dizer que, tratando-se de direito processual civil, a
322
Como diz Sérgio Arenhart, “a sentença gera efeitos futuros imodificáveis – e, em princípio, eternos –
seja em termos de ação reparatória, seja em termos de ação inibitória. A ordem emanada de uma ação
como esta vigorará ad eternum, ao menos enquanto perdurarem existentes os motivos que ensejaram tal
decisão judicial, da mesma forma que vigerá ilimitadamente a imutabilidade da declaração da
ocorrência do ilícito” (Sérgio Cruz Arenhart, A tutela inibitória coletiva, cit., p. 288). 323
Ver Giovanni Tarello, Il problema della riforma processuale in Italia nel primo quarto del secolo (per
uno studio della genesi dottrinale e ideologica del vigente Codice italiano di Procedura Civile). La
formazione storica del diritto moderno in Europa. Firenze: Leo S. Olschki Editore, 1977, p. 1409 e ss;
Salvatore Satta, Dalla procedura civile al diritto processuale civile. Rivista Trimestrale di Diritto e
Procedura Civile, 1964, p. 28 e ss; Amedeo Giannini, Gli studi di diritto processuale civile in Italia.
Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1949, p. 103 e ss; Giovanni Tesoriere, Appunti per una
storia della scienza del processo civile in Italia dall’unificazione ad oggi. Rivista Trimestrale di Diritto e
Procedura Civile, 1972, p. 1576 e ss. 324
Ver Ovídio Baptista da Silva, Jurisdição e execução..., São Paulo: RT, 1996, p. 192 e ss.
141
importância da prática torna-se ainda mais aguda, já que os tribunais constituem o banco
de prova da adequação das tutelas jurisdicionais aos diversos casos concretos. A idéia
de se criar um “mundo jurídico” à distância do que acontece na vida das pessoas,
portanto, não poderia sobreviver à necessidade de se buscar na experiência concreta dos
tribunais não só as respostas às indagações a respeito de como funcionam as tutelas
jurisdicionais, como também os problemas, muitas vezes nem sequer intuídos, que
podem surgir ao redor de sua utilização no cotidiano forense.
<texto>De modo que não só é legítimo, como também adequado, do ponto de vista
metodológico, partir de um caso concreto para a explicação de uma determinada
situação teórica. É o que faremos neste item.
<texto>O Tribunal de Alçada do Paraná fornece-nos uma hipótese muito
interessante para a análise do problema da cumulação de pedidos inibitórios e, ainda,
para o estudo da questão da cumulação da tutela inibitória com a tutela ressarcitória. 325
<texto>Em caso julgado pelo Tribunal de Alçada do Paraná, o autor, afirmando o
uso nocivo da propriedade vizinha, alegou que a empresa ré estaria emitindo fuligens ou
poluentes resultantes de atividade de fundição de metais não ferrosos; solicitou, em
razão disto, que o juiz “condenasse” a ré a paralisar suas máquinas ou a adotar
mecanismos capazes de neutralizar os efeitos nocivos decorrentes da atividade de
fundição e, ainda, a pagar indenização por danos morais e patrimoniais, estes últimos
consistentes em danos que teriam sido ocasionados à pintura externa e interna da casa
de propriedade do autor.
<texto>Nesta hipótese houve a cumulação de dois pedidos inibitórios, e, ainda, a
cumulação destes pedidos com dois pedidos de ressarcimento de dano.
<texto>Não há dúvida sobre a possibilidade de o autor pedir a instalação de
equipamentos para que a poluição seja contida e, para a hipótese de esta alternativa não
se mostrar adequada ou possível, a cessação das atividades ou a paralisação das
máquinas da indústria demandada. Note-se que nada impede que esses pedidos
assumam a forma de ordem sob pena de multa, ou que um deles assuma natureza
mandamental e o outro executiva. Ou seja, nada impede que se solicite ordem sob pena
de multa para a instalação dos equipamentos e, como alternativa, a interdição da
indústria (medida executiva).
<texto>Mas, é no que concerne à cumulação da tutela inibitória com a tutela 325
TAPR, Ap. Cível 49.998-3, 4.ª C.C., Rela. Juíza Regina Afonso Portes.
142
ressarcitória que o problema torna-se mais interessante.
<texto>O autor, no recurso de apelação, insistia, entre outros pontos, na indenização
integral pelos danos materiais, eis que a sentença havia condenado a ré a indenizar
apenas os danos provocados à pintura externa da casa; em relação à parte interna, não
teria ficado demonstrado o nexo de causalidade entre as emissões de fuligem e o dano.
<texto>Perceba-se que a tutela ressarcitória pode exigir mais do processo, ou
melhor, mais tempo para que o processo tenha fim. Em outras palavras, havendo
cumulação de tutela inibitória com tutela ressarcitória, é possível que o pedido de tutela
inibitória torne-se “maduro” para julgamento antes do pedido ressarcitório, já que, a
partir de determinado momento, apenas a existência do dano ainda poderá restar não
esclarecida.
<texto>Neste caso, é possível admitir, por meio da tutela antecipatória, o
julgamento antecipado do pedido inibitório, aguardando-se o desenrolar do
procedimento para a definição do pedido ressarcitório.
<texto>Não há razão para não se aceitar o julgamento antecipado de pedido
cumulado, quando um dos pedidos está “maduro” para o julgamento e o outro requer
instrução dilatória. A respeito desse ponto, cabe reafirmar, aqui, o que dissemos em
livro publicado em 1997: “No estágio em que vive o direito processual, com o realce
cada vez maior da importância da efetividade do processo, é praticamente inconcebível
que o autor tenha que esperar o tempo necessário à instrução de uma das demandas para
ter a outra, que desnecessita de instrução dilatória, devidamente julgada. Se o direito à
tempestividade da tutela jurisdicional é corolário do direito de acesso à justiça e é,
portanto, garantido constitucionalmente, o processo civil deve estar predisposto de
modo a possibilitar a realização plena e concreta (e não apenas formal) desse direito.
Assim, se um direito pode mostrar-se incontroverso, ou evidenciado, no curso de um
processo igualmente destinado a investigar a existência de um outro direito que requer
instrução dilatória, é necessário que esse processo seja dotado de técnica que, atuando
em seu interior, viabilize a pronta tutela do direito que comporta julgamento imediato.
Ora, se o cidadão tem direito à tutela jurisdicional tempestiva e é injusto obrigá-lo a
esperar a tutela de um direito que não se mostra mais controvertido, o legislador está
obrigado, para atender ao princípio constitucional de acesso à justiça, a estruturar o
143
procedimento de modo a permitir a fragmentação do julgamento dos pedidos”. 326
<texto>Ora, cabe ao processualista ler as normas infraconstitucionais do processo à
luz dos princípios constitucionais e, portanto, extrair do ordenamento processual as
virtudes necessárias à concretização do direito à efetividade e à tempestividade da tutela
jurisdicional. 327
<texto>Por esta razão, escrevemos, na 1.ª edição do presente livro, o seguinte: “Se o
processo deve prosseguir, não obstante a evidência de um direito, a tutela antecipatória
fundada no art. 273, II, do CPC é o único instrumento, dentro do atual sistema
processual, que permite que o procedimento comum atenda ao direito constitucional à
tempestividade da tutela jurisdicional, evitando que o autor seja obrigado a esperar
indevidamente a tutela de um direito incontroverso. Na verdade, a defesa que diz
respeito a um pedido não pode postergar a tutela adequada dos demais pedidos
cumulados, sob pena de atentar indevida e abusivamente contra o direito do autor à
tempestividade da tutela jurisdicional. Assim, no caso de tutela inibitória cumulada com
tutela ressarcitória, é possível, se o caso concreto admitir, a tutela antecipatória
mediante o julgamento antecipado do pedido inibitório”.
<texto>Esta tese foi expressamente admitida pela reforma introduzida no Código de
Processo Civil através da Lei 10.444/2002. Como é sabido, esta Lei introduziu o § 6.º
ao art. 273, o qual tem o seguinte teor: “A tutela antecipada também poderá ser
concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se
incontroverso”.
<texto>Contudo, a determinação do significado de “incontroverso” exige algumas
considerações. Incontroverso não é apenas o não-contestado, ou o parcialmente
reconhecido. Incontroverso é o pedido, ou a parcela do pedido, que se tornou maduro (e
assim incontroverso) no curso do processo. Maduro, ou incontroverso, é o pedido que
não exige a produção de outras provas para ser analisado. Portanto, a tutela do pedido
incontroverso nada mais é do que a tutela do direito que se tornou evidente no curso do
processo.
<texto>Se um dos pedidos cumulados (ou parcela do pedido) está maduro para
julgamento no curso do processo, é porque deve haver cognição exauriente, não
326
Luiz Guilherme Marinoni, Tutela antecipatória, julgamento antecipado e execução imediata da
sentença. São Paulo: RT, 1997, p. 162-163. 327
Idem, ibidem, p. 163.
144
existindo a necessidade de produção de outras provas em relação a ele. Veja-se outro
exemplo, desta feita tomando-se em consideração hipótese em que o autor cumula dois
pedidos, postulando no primeiro que o réu seja inibido a não usar mais a sua marca
comercial e no segundo que ele seja condenado a pagar perdas e danos. O autor possui
provas documentais do registro da marca em seu nome e de que o réu está utilizando-a
em suas embalagens (tais provas estão anexas à petição inicial), mas necessita de prova
pericial para demonstrar o seu direito às perdas e danos. Na audiência preliminar, o
pedido inibitório estará maduro para julgamento, abrindo oportunidade para uma
decisão fundada em cognição exauriente – por não existir necessidade de outras provas
em relação a ele –, mas o pedido relativo às perdas e danos ainda exigirá mais tempo
da “justiça”, obrigando à produção de prova pericial. Ora, a pergunta que
naturalmente surge é a seguinte: é justo obrigar o autor a esperar o tempo para a
produção da prova pericial para poder obter a tutela que impeça o uso da sua marca
comercial? A resposta não pode ser outra: é evidente que não! Mas se não couber a
tutela antecipatória mediante o julgamento do pedido cumulado, e não houver “perigo
de dano” (que abre ensejo para a tutela antecipatória do art. 273, I), o que fazer? A
resposta também é simples: nada!
<texto>Se ninguém dúvida que é cabível tutela baseada na aparência do direito (art.
273, I), é completamente equivocado supor que não cabe tutela do direito evidenciado.
328 Alguém poderia dizer que a primeira exige “fundado receio de dano”, ao passo que a
não concessão da segunda não ocasionará prejuízo algum(?). Pensar assim é
desconsiderar o direito constitucional à tempestividade da tutela jurisdicional, e admitir
que o procedimento pode estar estruturado em desatenção às garantias de justiça
contidas na Constituição, o que certamente é um absurdo. Perceba-se que não há
sentido em estimular o cidadão a cumular pedidos, em homenagem ao princípio da
economia processual, e não possibilitar que o pedido cumulado, que se apresentar
maduro para julgamento antes do outro, possa ser definido imediatamente. Ou seja, não
tem qualquer lógica pensar que o princípio da economia processual pode colocar em
segundo plano o direito à tempestividade da tutela jurisdicional.
<texto>Se ninguém ousaria dizer que o juiz, diante da evidência de parte do direito
328
De acordo com esta posição, ver Rogéria Dotti Doria, A tutela antecipada em relação à parte
incontroversa da demanda, São Paulo, RT, 2000; Joel Dias Figueira Júnior, Comentários ao Código de
Processo Civil. São Paulo, RT, 2001, p. 175 e ss; José Rogério Cruz e Tucci, Lineamentos da nova
reforma do CPC, São Paulo, RT, p. 62 e ss.
145
postulado, deve simplesmente cruzar os braços e assistir à produção de uma prova que
somente tem a ver com a outra parcela do direito, não há como não admitir a tutela
antecipatória mediante o julgamento antecipado da parcela do pedido ou de um dos
pedidos cumulados, ainda que não tenha ocorrido não-contestação ou reconhecimento
jurídico. Se a interpretação ora sustentada não for aceita, a nova tutela antecipatória será
reduzida a quase nada, pois será pouco provável, especialmente após a introdução do
novo § 6.º ao art. 273, a não-contestação ou o reconhecimento jurídico.
<texto>Deixando-se de lado esta questão, cabe analisar outra que, embora posta
pelo Código Civil italiano, é bastante significativa para o direito brasileiro. O Código
Civil italiano, nos arts. 2.599 e 2.600, evidencia a possibilidade de cumulação das
tutelas inibitória, de remoção do ilícito e ressarcitória em face da prática de atos de
concorrência desleal. Diz o primeiro desses artigos que “la sentenza che accerta atti di
concorrenza sleale ne inibisce la continuazione e dà gli opportuni provvedimenti
affinché ne vengano eliminati gli effetti”.
<texto>Isso quer dizer que é possível a concessão: i) da tutela inibitória, para que o
réu cesse a prática dos atos de concorrência desleal; ii) da tutela de remoção do ilícito,
para que sejam eliminados ou destruídos os objetos que configurem a concorrência
desleal; e iii) da tutela ressarcitória, para que o autor seja ressarcido pelos danos que lhe
foram causados.
<texto>Assim, por exemplo, no caso em que os atos de concorrência desleal são
praticados mediante a divulgação de cartazes publicitários, torna-se possível a
cumulação das tutelas inibitória, de remoção do ilícito e ressarcitória; a primeira para
que outros atos não sejam praticados no futuro; a segunda para que sejam removidos os
cartazes que concretizam a situação ilícita; e a terceira para que o autor seja
devidamente indenizado pelos danos.
<texto>Como escreve Luigi Mosco – um eminente especialista italiano no tema da
concorrência desleal –, a sorte da ação de remoção é independente do resultado das
demandas inibitória e ressarcitória. Diz ele: Poderá ser repelida a demanda inibitória por
inexistência de perigo, e eventualmente também rejeitada a ação ressarcitória por falta
de danos efetivos, e todavia ser acolhida a ação de remoção. 329
Cada uma destas tutelas,
portanto, tem seus próprios pressupostos.
<texto>No Brasil, em vista do art. 209 da nova Lei da Propriedade Industrial, é
329
Luigi Mosco, La concorrenza sleale, cit., p. 277.
146
possível ao juiz, na própria ação de ressarcimento “de prejuízos causados por atos de
violação de direitos de propriedade industrial e atos de concorrência desleal” (art. 209,
caput), “determinar liminarmente a sustação da violação ou de ato que a enseje, antes da
citação do réu” (art. 209, § 1.º) e, ainda, “nos casos de reprodução ou imitação flagrante
de marca registrada”, “determinar a apreensão de todas as mercadorias, produtos,
objetos, embalagens, etiquetas e outros que contenham a marca falsificada ou imitada”
(art. 209, § 2.º).
<texto>Como se vê, o art. 209 viabiliza o ressarcimento, a inibição da continuação
ou da repetição do ilícito e, ainda, a remoção dos “objetos” que contenham a “marca
falsificada ou imitada”. A norma do art. 209, entretanto, não é feliz, uma vez que a
tutela inibitória e a tutela de remoção do ilícito não têm uma relação necessária com a
tutela ressarcitória. Note-se que é possível que a tutela ressarcitória seja negada
(sentença de improcedência), muito embora a necessidade da manutenção da tutela
inibitória antecipada, ou mesmo da apreensão dos objetos que contenham a marca
falsificada ou imitada. Ora, não há como entender que a tutela inibitória e a tutela de
remoção podem ser antecipadas em ação em que se postula, como tutela final, somente
ressarcimento. Note-se que, em uma hipótese como esta, caso o dano não reste provado,
e a sentença então seja de improcedência, as tutelas inibitória e reintegratória terão que
ser revogadas!! Como é evidente, o legislador do art. 209 não percebeu que pode não
haver dano, mas existir ilícito a ser removido ou ameaça de ilícito.
<texto>Felizmente, porém, a própria Lei da Propriedade Industrial abre
oportunidade para a tutela adequada dos direitos por ela protegidos, ao dispor, no seu
art. 207, que “independentemente da ação criminal, o prejudicado poderá intentar as
ações cíveis que considerar cabíveis na forma do Código de Processo Civil”.
<texto>O titular de uma patente de invenção, exatamente porque tem o direito–
entre outros330
– de impedir que um terceiro produza o “produto” objeto de sua patente
(art. 42, I, Lei da Propriedade Industrial), tem a possibilidade de propor, na hipótese de
alguém estar violando o seu direito de invenção: i) ação ressarcitória; ii) ação inibitória;
330
Eis o que dispõe o art. 42 da Lei da Propriedade Industrial (Lei 9.279, de 14.05.1996): “A patente
confere ao seu titular o direito de impedir terceiro, sem o seu consentimento, de produzir, usar, colocar à
venda, vender ou importar com estes propósitos: I – produto objeto de patente; II – processo ou produto
obtido diretamente por processo patenteado. § 1.º Ao titular da patente é assegurado ainda o direito de
impedir que terceiros contribuam para que outros pratiquem os atos referidos neste artigo. § 2.º Ocorrerá
violação de direito da patente de processo, a que se refere o inc. II, quando o possuidor ou proprietário
não comprovar, mediante determinação judicial específica, que o seu produto foi obtido por processo de
fabricação diverso daquele protegido pela patente”.
147
e iii) ação de remoção do ilícito.
<texto>Além do direito à indenização pelos danos, o titular da carta-patente tem,
segundo expressão contida no próprio art. 42 da Lei da Propriedade Industrial, “direito
de impedir terceiro” de produzir, colocar à venda, vender etc. Esse direito de impedir
terceiro de produzir o “produto” objeto de patente de invenção pode ser adequadamente
atendido a partir da tutela inibitória fundada no artigo 461 do CPC.
<texto>É possível ao titular da patente, entretanto, não só requerer tutela inibitória
(para que o réu não mais produza o produto), mas também solicitar a apreensão daquilo
que já foi produzido. Como se vê, é totalmente viável a cumulação das tutelas inibitória,
de remoção do ilícito e ressarcitória.
<aa>3.25 A importância da audiência preliminar à luz da experiência anglo-
americana do undertaking do réu
<texto>A “reforma do Código de Processo Civil”, seguindo as linhas dos mais
modernos ordenamentos processuais, 331
instituiu a chamada “audiência preliminar”, que
precede a audiência de instrução e julgamento.
<texto>De acordo com o art. 331, 332
encerrada a fase postulatória, e caso a hipótese
não seja de julgamento antecipado do mérito ou de extinção do processo e verse a causa
sobre direitos que admitam transação, 333
o juiz deverá designar audiência preliminar, a
realizar-se no prazo de trinta dias. Nessa audiência, uma das principais tarefas do juiz é
tentar conciliar as partes para que o conflito seja eliminado com menos gasto e energia e
de uma forma mais efetiva no plano da pacificação social.
<texto>É muito comum, no direito anglo-americano, ocorrer o que se denomina de
undertaking do réu, 334
que nada mais é do que um compromisso que ele assume perante
a Corte de abster-se dos atos que o autor teme ver praticados, ou ainda de dar-lhe
notícia, com antecipação, dos atos que deve praticar. Esse compromisso, em regra, é
331
ZPO austríaca, § 230; ZPO alemã, §§ 272 a 275; CPC italiano, arts. 183 a 185; CPC português, arts.
508 a 512; ver, também, o art. 300 do CPC Tipo para a América Latina. 332
Eis a redação que foi dada ao caput do art. 331 pela Lei 10.444/2002: “Se não ocorrer qualquer das
hipóteses previstas nas seções precedentes, e versar a causa sobre direitos que admitam transação, o juiz
designará audiência preliminar, a realizar-se no prazo de 30 (trinta) dias, para a qual serão as partes
intimadas a comparecer, podendo fazer-se representar por procurador ou preposto, com poderes para
transigir”. 333
Sobre isto, ver Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, Manual do processo de
conhecimento. 2. ed. São Paulo: RT, 2003, p. 286 e ss. 334
Ver Vincenzo Varano, Injunction. Digesto delle discipline privatistiche, v. 9, p. 491-492.
148
considerado elemento suficiente para a não-concessão da injunction e acaba tendo um
valor equivalente a ela, pois abre oportunidade ao contempt of Court na hipótese de o
réu deixar de observá-lo. 335
<texto>Suponhamos que o autor, alegando que as emissões químicas da fábrica
vizinha estão causando danos a sua propriedade, peça que o réu se abstenha de
continuar exercendo suas atividades. O réu, na audiência preliminar, pode assumir o
compromisso de instalar equipamento que seja efetivamente capaz de neutralizar as
emissões, eliminando, assim, a razão para o prosseguimento da demanda. Nesse caso,
como é óbvio, deve ser acordada uma multa para a hipótese de o réu descumprir o que
prometeu, o que acaba conferindo ao autor uma espécie de garantia de que o réu fará o
que é necessário para que o ilícito não prossiga.
<texto>A audiência preliminar, em hipóteses como esta, é muito importante, pois
pode encontrar um réu propenso a fazer o que é necessário para que o ilícito não
prossiga, justamente para não correr o risco de sofrer uma imposição que possa trazer-
lhe maior gravame.
<aa>3.26 A tutela inibitória antecipada
<a1a>3.26.1 Primeiras considerações
<texto>Considerando-se a natureza da tutela inibitória, compreendida como uma
tutela voltada essencialmente para o futuro, não é difícil perceber que a efetividade
dessa tutela dependerá, em casos não raros, da possibilidade de sua antecipação.
<texto>A análise do tema da tutela inibitória, portanto, passa necessariamente pelo
estudo da tutela inibitória antecipada. 336
Não se trata somente de estudar as hipóteses
em que a tutela inibitória pode ser concedida no curso do processo de conhecimento,
mas também de abordar alguns pontos que são essenciais para um uso adequado dessa
imprescindível forma de tutela.
<texto>Como a questão da tutela antecipatória envolve o interessante problema
335
É o que dizem Baker e Langan: “If the defendant gives an undertaking to the court to abstain from the
acts of which the plaintiff complains, or even to give sufficient notice before attempting to act, an
injunction may be refused. Such an undertaking is equivalent to an injunction, and a breach may be
punished in the same way as a breach of an injunction” (P. V. Baker e P. St. J. Langan, Snell’s principles
of equity, cit., p. 633). 336
Sobre a tutela antecipada das obrigações de fazer e de não fazer, ver Teori Albino Zavascki,
Antecipação da tutela e obrigações de fazer e de não fazer. Genesis – Revista de Direito Processual Civil
4, v. 4, p. 111 e ss.
149
teórico da separação entre execução e conhecimento, parece-nos fundamental, antes de
uma análise mais particularizada da inibitória antecipada, evidenciar que não há mais
razão para se pensar em uma regra que submeta a tutela de um direito ao encontro da
“verdade”. 337
<a1a>3.26.2 A quebra da regra da nulla executio sine titulo
<texto>A sentença condenatória sempre foi compreendida como uma sentença
destinada a viabilizar a execução forçada. Não nos interessa, entretanto, neste momento,
descobrir a razão pela qual a sentença condenatória abre as portas da execução forçada,
mas sim o fato de que a execução forçada sempre foi correlacionada com a declaração
da existência do direito do credor.
<texto>A necessária precedência da sentença condenatória em relação à execução
resulta da suposição de que a cognição, ou o conhecimento da existência do direito
afirmado pelo autor, deve anteceder a execução. 338
Isto porque a execução não poderia
dar-se sem a declaração da existência do direito, ou seja, sem a verificação de que este
direito realmente existe. Note-se que Liebman deixa claro que uma das finalidades da
tutela condenatória é “proporcionar a evidência de um direito existente e não satisfeito”.
339
<texto>Chiovenda, nas suas Instituições, mostra-se preocupado com a execução
provisória da sentença, mais precisamente com a possibilidade da execução da sentença
na pendência do recurso interposto contra a decisão do tribunal que julgou a apelação.
Esta seria, segundo o grande mestre italiano, uma das hipóteses em que “pode ocorrer a
figura duma sentença não definitiva, mas executória, e, pois, a separação entre a
definitividade da cognição e a executoriedade”. Para Chiovenda, a separação entre a
definitividade da cognição e a executoriedade conduziria a uma figura “anormal”, ou a
uma “ação executória descoincidente, de fato, da certeza jurídica”. 340
<texto>Como se vê, está presente, por detrás da afirmação de que a declaração
precede a execução, o pensamento de que o juiz só pode tutelar o direito após ter
337
Sobre a questão da busca da verdade no processo civil, ver Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz
Arenhart, Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2000, v. 5, t. 1, com grande
discussão deste assunto. 338
Como dizia Carnelutti, “la preordinazione della cognizione all’esecuzione” se exprime “con la formula
della condanna” (Diritto e processo. Napoli: Morano, 1958, p. 49). 339
Enrico Tullio Liebman, Processo de execução. São Paulo: Saraiva, 1968, p. 13. 340
Giuseppe Chiovenda, Instituições de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 1965, v. 1, p. 234-
235.
150
encontrado, nas próprias palavras de Chiovenda, a “certeza jurídica”. É certo que a
doutrina clássica admitia as chamadas “declarações com predominante função
executiva”, onde estava inserida a executoriedade ope legis da sentença. 341
É
importante não esquecer, com efeito, que Liebman, no seu conhecido e já distante
ensaio Il titolo esecutivo riguardo ai terzi, havia advertido para as hipóteses em que o
efeito característico da condenação pode ser produzido sem a (ou antes da) obtenção da
“piena certezza di quella che può considerarsi la causa sostanziale dell’esecuzione”.
Disse ele: “Se é verdade que normalmente a aplicação da sanção pressupõe a declaração
de um direito a uma prestação que restou inadimplida, é também verdade, por outro
lado, que esta declaração é um pressuposto político, mas não jurídico, e que o nexo
entre estes dois atos, reciprocamente autônomos, pode ser atenuado quando a lei, por
exigências práticas notórias, deseja antecipar o efeito executivo sem esperar o encontro
da plena certeza daquela que pode ser considerada a causa substancial da execução, e
é portanto induzida a se contentar com um determinado grau de probabilidade da sua
existência. Assim, e somente assim, explicam-se aquelas figuras (provimentos) que a
doutrina chama de ‘declarações com predominante função executiva’, nas quais o efeito
característico da condenação se produz sem, ou antes, que seja obtida a declaração”. 342
<texto>As “declarações com predominante função executiva”, porém, sempre
constituíram exceções à busca da “piena certezza di quella che può considerarsi la causa
sostanziale dell’esecuzione”. Basta lembrar que Chiovenda, justamente o processualista
que criou esta categoria, ao tratar do tema nas suas Instituições, deu o seguinte título ao
primeiro item da seção dedicada à sua análise: “Executoriedade e definitividade da
sentença condenatória em geral. Ação executória anormal”. 343
Ora, a qualificação
“anormal” é bastante forte para evidenciar que a doutrina tradicional jamais pensou em
transigir com a ideologia da busca da verdade.
<texto>A idéia de busca da certeza jurídica, ou de busca da verdade, tem uma
íntima relação com os princípios do direito liberal. Em primeiro lugar, parece que se
pode ver na necessidade da “descoberta da verdade” uma nítida vinculação com a
“neutralidade do juiz”.
<texto>Não se pode negar que já no início do século XVII havia uma certa
341
Idem, ibidem, p. 236. 342
Enrico Tullio Liebman, Il titolo esecutivo riguardo ai terzi, Rivista di Diritto Processuale Civile, 1934,
p. 139. 343
Giuseppe Chiovenda, Instituições de direito processual civil, v. 1, cit., p. 234.
151
passividade do juiz na aplicação da lei. Francis Bacon, em inglês arcaico, já dizia o
seguinte: “Iudges ought to remember, that their Office is Ius dicere, and not Ius dare;
To Interpret Law, and not to Make Law, or Giue Law”. 344
<texto>Contudo, quando se pensa em neutralidade do juiz, não é possível esquecer a
influência da Revolução Francesa. Como se sabe, os magistrados anteriores à
Revolução Francesa eram considerados aliados da nobreza e do clero; a desconfiança da
burguesia em relação aos juízes – que era totalmente justificada – foi de certa forma a
responsável pela feição passiva e neutra que a própria Revolução Francesa atribuiu ao
Judiciário. Recorde-se de que Montesquieu, ao dissertar sobre a separação dos poderes,
disse o seguinte: “Não haverá também liberdade se o poder de julgar não estiver
separado do poder legislativo e do poder executivo. Se estivesse ligado ao poder
legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz
seria legislador. Se estivesse ligado ao poder executivo, o juiz poderia ter a força de um
opressor”. 345
<texto>Para Montesquieu, o julgamento não poderia ser “mais do que um texto
exato da lei”; 346
o juiz, portanto, deveria ser apenas a bouche de la loi, ou seja, um juiz
passivo e sem qualquer poder criativo ou de imperium. Eis a passagem da obra de
Montesquieu em que se pode identificar a alusão ao juiz como bouche de la loi:
“Poderia acontecer que a lei, que é ao mesmo tempo clarividente e cega, fosse em certos
casos muito rigorosa. Porém, os juízes de uma nação não são, como dissemos, mais que
a boca que pronuncia as sentenças da lei, seres inanimados que não podem moderar
nem sua força nem seu rigor”. 347
<texto>Manter o juiz preso à lei seria sinônimo de segurança jurídica; o próprio
Montesquieu faz coro pela segurança jurídica fundada na estrita aplicação da lei, ao
afirmar que se os julgamentos “fossem uma opinião particular do juiz, viver-se-ia na
sociedade sem saber precisamente os compromissos que nela são assumidos”. 348
Essa
passagem de Montesquieu, segundo Giovanni Tarello, evidencia uma ideologia política
344
Francis Bacon, Essays. London: Oxford University Press, 1937, p. 222. 345
Charles-Louis de Secondat (Barão de Montesquieu), Do espírito das leis. São Paulo: Abril Cultural.
1973, p. 157. 346
Montesquieu, Do espírito das leis, cit., p. 158. Ver, também, Giovanni Tarello, Storia della cultura
giuridica moderna. Bologna: Il Mulino, 1976, p. 280. 347
Montesquieu, Do espírito das leis, cit., p. 160; ver Giovanni Tarello, Storia della cultura giuridica
moderna, cit., p. 192. 348
Montesquieu, Do espírito das leis, cit., p. 158; ver Giovanni Tarello, Storia della cultura giuridica
moderna, cit., p. 194.
152
voltada a sugerir que a liberdade política, entendida como segurança psicológica do
indivíduo, realiza-se através da certeza do direito. 349
<texto>Não é de estranhar, assim, que as tutelas sumárias não estejam de acordo
com os princípios liberais. Ora, como ressalta Giovanni Verde, pensou-se, no início do
século XIX, em alguns países onde o pensamento de Montesquieu era mais vivo (por
exemplo, em França), até mesmo em proibir o juiz de interpretar a lei. 350
Se o juiz é um
mero aplicador da lei, pelo mesmo motivo havia de ser proibido de julgar com base em
verossimilhança. Dar ao juiz poder para tutelar um direito aparente é o mesmo que dar
ao Judiciário poder para avaliar uma determinada situação concreta com base em
critérios que certamente não agradariam aqueles que queriam ver o juiz impedido de
interpretar a lei. Ora, se o sistema admite que o juiz pode afirmar que não deveria ter
concedido a tutela sumária, o próprio sistema concebe que a “justiça” do juiz pode não
ser a justiça da lei. 351
<texto>O juiz, para manter-se fiel à lei, deveria julgar após ter encontrado a “plena
certeza jurídica”. Porém, como a “busca da verdade” é uma quimera, já que toda
“certeza jurídica”, na perspectiva gnosiológica, sempre se resolve em mera
verossimilhança, 352
a idéia de “busca da verdade” encobria o fato de que o juiz pode
errar e, até mesmo, a obviedade de que o juiz possui valores pessoais e uma vontade
inconsciente que, na maioria das vezes, ele próprio não consegue desvendar.
<texto>Se o juiz, para se manter neutro e fiel à lei, não pode julgar com base em
verossimilhança – onde a vontade do juiz, como é intuitivo, pesa muito mais –, é fácil
perceber a relação entre “busca da verdade” e neutralidade do juiz. E assim a nítida
relação entre o fato de a Revolução Francesa ter suprimido do sistema processual as
ações sumárias que lhe eram anteriores e a lógica da neutralidade do juiz.
<texto>Note-se, ademais, que a provisoriedade, inerente ao juízo sumário, foi vista
349
Giovanni Tarello, Storia della cultura giuridica moderna, cit., p. 294. 350
Giovanni Verde, Profili del processo civile. Napoli: Jovene, 1988, p. 39. 351
É necessário reproduzir, neste passo, a seguinte lição de Ovídio Baptista da Silva: “Está, portanto,
determinada a precedência da cognição sobre a execução que, como já vimos, é uma exigência da estrita
submissão do juiz à lei, já que, dar-lhe poder de executar antes de julgar seria o mesmo que outorgar-lhe o
direito de conceder tutela a quem, depois, a sentença reconhecesse não ter o tutelado direito ao que lhe
fora antes concedido; o que, dizia Hobbes, sendo, no caso, justiça do juiz e não da lei (Leviathan, XXVI,
7), seria por definição injusta; ou, como diria depois Montesquieu, o juiz que concedesse uma medida
executiva antes da declaração de certeza, expressa na sentença, de que o destinatário da tutela era de fato
o titular do direito tutelado, tornar-se-ia, ipso facto, legislador, com ‘grave risco para a liberdade dos
cidadãos’” (Jurisdição e execução..., cit., p. 147). 352
Ver Piero Calamandrei, Verità e verosimiglianza nel processo civile. Rivista di Diritto Processuale,
1955, p. 166.
153
como algo pernicioso para uma sociedade que requer “segurança” para o
desenvolvimento das relações jurídicas. Recorde-se de que Chiovenda afirmou que os
processos sumários seriam incompatíveis com os princípios e objetivos da “civilização
moderna”, que exigiria um processo teleologicamente voltado para a descoberta da
verdade e, além disso, capaz de oferecer a indispensável segurança de que as relações
jurídicas necessitariam para desenvolver-se. 353
<texto>Um processo de cognição sumarizada, ao admitir uma ação posterior, pode
permitir ao vencido reverter o resultado econômico obtido pelo vencedor, o que
certamente não geraria a “segurança” exigida para o desenvolvimento da produção
industrial. A ideologia da civilização industrial, portanto, de certa forma reafirmou a
tendência da expulsão das tutelas sumárias do sistema processual, incompatíveis que
eram com os negócios dos “homens de negócios”. 354
<texto>É oportuno observar, contudo, que a universalização do procedimento
ordinário, ao mesmo tempo em que propiciou a segurança almejada pelos membros do
mundo dos negócios, impediu o tratamento diferenciado das situações de direito
substancial, 355
espécie de tratamento que, na realidade, era indesejado em uma
economia preocupada apenas em manter em funcionamento os mecanismos de mercado.
356
<texto>Ao lado de tudo isto, é correto dizer, ainda, que a suposição de que a tutela
do direito jamais poderia dar-se no curso do processo de conhecimento e, assim, na
forma antecipada, é também uma decorrência da idéia de que a esfera jurídica do réu
somente pode ser invadida após a ele ter sido dada a oportunidade de ampla defesa.
<texto>Como é óbvio, não se deseja, aqui, negar a importância do direito de defesa,
mas apenas frisar que as situações de direito material, assim como os sujeitos do
processo (que são concretos e assim não simplesmente “partes”), não podem ser olhados
353
Cf. Ovídio Baptista da Silva, Comentários ao Código de Processo Civil, v. 11, cit., p. 16-17. 354
Luiz Guilherme Marinoni, Efetividade do processo e tutela de urgência, cit., p. 2-3. 355
Sergio Chiarloni. Introduzione allo studio del diritto processuale civile. Torino: Giappichelli, 1975, p.
29). 356
Discorrendo sobre a relação entre a tutela ressarcitória pelo equivalente e a economia liberal, assim
escreve Salvatore Mazzamuto: “I soggetti dello scambio sono liberi di autodeterminarsi attraverso il
contratto e debbono soltanto rispettare le regole del giuco, le quali sono concepite nel presupposto della
parità formale dei contraenti e non impongono di adeguare il regolamento d’interessi a parametri di
valutazione sociale. I limiti posti dall’ordinamento all’autonomia dei privati appaiono come limiti
squisitamente negativi. Così è per il divieto di conformare il negozio in contrasto con le norme imperative
e per la corrispondente sanzione della nullità. Ma così è anche per la misura del risarcimento del danno
che consegue all’inattuazione dello scambio” (L’attuazione degli obblighi di fare. Napoli: Jovene, 1978,
p. 37-38).
154
como se fossem iguais, como pretendia o direito liberal, e ainda supõe a idéia que
sustenta a suficiência de um procedimento comum a todos os direitos e pessoas (neutro
em relação ao direito material e à realidade social).
<texto>A compreensão das peculiaridades das diferentes situações concretas, além
de permitir ver a necessidade de distribuição do tempo do processo e de antecipação da
tutela, alerta o legislador para a estruturação de técnicas processuais diferenciadas,
como aquelas que estão nos arts. 273 e 461 do CPC, as quais não estão voltadas apenas
a uma determinada situação (e assim não abrem oportunidade à construção de um
procedimento especial), mas se dirigem a viabilizar a tutela jurisdicional adequada de
diversas situações de direito substancial.
<texto>Entretanto, o princípio da nulla executio sine titulo, que visa a impedir que a
esfera jurídica do réu seja invadida antes da formação da coisa julgada material e,
portanto, da realização integral do princípio do contraditório e do conseqüente encontro
da “plena certeza jurídica”, não se concilia com as novas necessidades de tutela e com a
recente “descoberta” de que o tempo do processo não é um ônus que deva ser suportado
unicamente pelo autor. 357
<texto>Há um verdadeiro conflito entre o direito à tempestividade da tutela
jurisdicional e o direito de defesa; esse conflito, entretanto, não pode ser resolvido em
abstrato, como se todas as situações de direito material fossem iguais. 358
Na realidade,
como é fácil perceber, a idéia de que o tempo do processo deveria ser compreendido
como algo neutro, deriva da suposição de que os direitos não precisariam ser tratados
de forma diferenciada e de que o tempo do processo deveria constituir ônus do autor,
como se ele fosse o culpado pela demora inerente à cognição dos direitos.
<texto>O tradicional procedimento ordinário (obviamente que sem a previsão da
possibilidade de tutela antecipatória), ao não tomar em consideração as peculiaridades
das diferentes situações concretas, não tem condições de permitir que o processo tutele
os direitos de forma adequada. Aliás, esta espécie de procedimento é irracional, uma vez
que sempre causa um “dano marginal” ao autor que tem razão. 359
357
Ver Luiz Guilherme Marinoni, Tutela antecipatória, julgamento antecipado e execução imediata da
sentença, cit., p. 15-32. 358
A respeito das chamadas “tutelas jurisdicionais diferenciadas”, ver, principalmente, Andrea Proto
Pisani, Sulla tutela giurisdizionale differenziata, Rivista di Diritto Processuale, 1979, p. 579 e ss. 359
“Questo peculiare tipo di danno può essere indicato come ‘danno marginale in senso stretto’, oppure
come ‘danno marginale da induzione processuale’, appunto in quanto esso è specificamente causato, e
non soltanto genericamente occasionato, dalla distensione temporale del processo” (Italo Andolina,
155
<texto>O conflito executivo endoprocessual, 360
derivado da disputa entre a
necessidade de tutela imediata e o direito à ampla cognição do mérito, pode ser
resolvido através de normas que atribuam a qualidade de título executivo judicial a
provimentos de cognição sumária. 361
Nada impede que o legislador atribua eficácia
executiva a um provimento sumário, uma vez que o título executivo não deve ser visto
como uma conseqüência lógica da existência do direito, 362
mas sim como uma opção
pela sua realização prática, ou ainda como o resultado de uma necessidade concreta de
tutela jurisdicional.
<texto>A tutela antecipatória, ao viabilizar a tutela do direito no curso do processo
de conhecimento, 363
resolve de forma adequada o grave problema da necessidade de
distribuição isonômica do tempo do processo e, mais do que isso, destrói o mito de que
o juiz somente pode julgar após ter encontrado a “certeza jurídica”.
<texto>Os “novos direitos”, especialmente os de conteúdo não patrimonial, fizeram
surgir novas necessidades de tutela, especialmente de tutela inibitória sumária. Daí a
importância do estudo da tutela inibitória antecipada, a qual, antes do atual art. 461, era
prestada sob o manto protetor da tutela cautelar, não apenas porque se confundia tutela
cautelar com tutela inibitória, mas também porque a tutela cautelar, em determinado
período, transformou-se em verdadeira técnica de sumarização do processo de
conhecimento. 364
“Cognizione” ed “esecuzione forzata” nel sistema della tutela giurisdizionale. Milano: Giuffrè, 1983, p.
20). 360
Italo Andolina fala em “conflito executivo endoprocessual”, “Cognizione” ed “esecuzione forzata”
nel sistema della tutela giurisdizionale, cit., p. 21-24. 361
“La certezza del diritto eseguibile infatti non è in alcun modo in relazione necessaria con la stabilità, la
immutabilità dell’accertamento che condotto sul diritto ha portato alla conclusione che esso veramente
esiste tra quei dati soggetti e con quel dato contenuto e oggetto. Non lo è per i titoli giudiziali, e ancor
meno lo è per i titoli stragiudiziali. Quanto ai primi, la sola esistenza dell’istituto della esecuzione
provvisoria (sempre meno fondata sull’alta probabilità di esattezza del giudizio di merito da quando la si
va estendendo ex lege a provvedimenti di primo grado o di prima sommaria fase) già mostra in luce
meridiana l’esattezza di quanto qua osservato” (Sergio La China, Esecuzione forzata, Enciclopedia
Giuridica Treccani, v. 13, p. 3). 362
Sergio La China, Esecuzione forzata, Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 13, p. 3. 363
Segundo Ovídio Baptista da Silva, “a reintrodução em nosso direito de uma forma de tutela
antecipatória – tão extensa quanto o permite sua conceituação, como tutela genérica e indeterminada –
invalida todos os pressupostos teóricos que sustentam o processo de conhecimento, pois as antecipações
de julgamento, idôneas para provocarem tutela antecipatória, pressupõem demandas que contenham,
conjugadas e simultâneas, as atividades de conhecimento e execução” (Ovídio Baptista da Silva, Tutela
antecipatória e juízos de verossimilhança. O processo civil contemporâneo. Curitiba: Juruá, 1994, p. 127). 364
Sobre o uso “satisfativo” da tutela cautelar, ver Sergio La China, Quale futuro per i provvedimenti
d’urgenza? I processi speciali (studi offerti a Virgilio Andrioli dai suoi allievi). Napoli: Jovene, 1979, p.
151; Roger Perrot, Procédure de l’instance; jugements et voies de recours; voies d’execution et mesures
conservatories. Revue Trimestrielle de Droit Civil, 1982, p. 342.
156
<a1a>3.26.3 A tutela inibitória antecipada na ação inibitória
<b> 3.26.3.1 Fundamento e pressupostos da tutela inibitória antecipada na
ação inibitória
<texto>De acordo com o art. 461, § 3.º, do CPC, “sendo relevante o fundamento da
demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz
conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu”.
<texto>Como está claro, o autor está autorizado a requerer tutela antecipatória na
“ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não-fazer”. A ação
inibitória, por tomar em consideração uma “obrigação”, caminha sobre os trilhos do art.
461 e, portanto, a tutela inibitória antecipada individual funda-se no próprio § 3.º do art.
461. Por sua vez, a tutela inibitória coletiva pode ser antecipada com base no § 3.º do
art. 84 do CDC, que tem o mesmo teor do § 3.º do art. 461 do CPC.
<texto>O requerente da tutela inibitória antecipada deve demonstrar, em termos de
fumus boni iuris, a probabilidade da ilicitude. Frise-se que aquilo que deve ser
demonstrado é a probabilidade de ato contrário ao direito, e não a probabilidade de
dano. Assim, por exemplo, em uma ação destinada a impedir a repetição do uso
indevido de marca, basta demonstrar a probabilidade de violação do direito à marca.
<texto>Entretanto, além da probabilidade do ilícito, exige-se o que as normas dos
arts. 461, § 3.º, CPC, e 84, § 3.º, CDC, chamam de “justificado receio de ineficácia do
provimento final”. Há “justificado receio de ineficácia do provimento final” quando há
“justificado receio” de que o ilícito (que pode ou não estar associado ao dano) seja
praticado no curso do processo de conhecimento, isto é, em momento anterior àquele
em que o provimento final pode ser executado.
<b> 3.26.3.2 A prova e a tutela inibitória antecipada
<texto>O Código de Processo Civil brasileiro, no seu art. 273, ao tratar
expressamente da “tutela antecipatória”, afirma que o juiz poderá antecipar, total ou
parcialmente, os efeitos da tutela, desde que, “existindo prova inequívoca, se convença
da verossimilhança da alegação”.
<texto>Quando se fala em antecipação da tutela, pensa-se em uma tutela que deve
ser prestada em um tempo menor do que aquele que será necessário para o término do
procedimento. Como o principal responsável pelo gasto de tempo no processo é a
157
produção da prova, muitas vezes admite-se a concessão da tutela antes que as provas
requeridas pelas partes tenham sido produzidas. Neste sentido, afirma-se que a tutela é
concedida com a postecipação da produção da prova, ou com a postecipação do
contraditório. Em casos como estes, “prova inequívoca” somente pode significar a
prova formalmente perfeita, cujo tempo para produção não é incompatível com a
imediatidade em que a tutela deve ser concedida (para que o direito não seja frustrado).
<texto>Quando o procedimento deve prosseguir para que outras provas sejam
produzidas, o juízo formado, no curso do procedimento, deve ser denominado de “juízo
provisório”, muito embora seja designado, pelo Código de Processo Civil brasileiro, de
“juízo de verossimilhança”. A prova não pode ser qualificada de “prova de
verossimilhança”; é o juízo, formado a partir da prova, que é chamado, a nosso ver
equivocadamente, de “juízo de verossimilhança”.
<texto>Falar que a prova deve formar um “juízo de verossimilhança”, como
preceitua o mencionado art. 273, é dizer o óbvio. Isto porque toda prova, esteja
finalizado ou não o procedimento, apenas pode permitir a formação de um “juízo de
verossimilhança”, uma vez que a verdade é algo absolutamente inatingível. 365
Com
efeito, se o legislador, ao aludir a “juízo de verossimilhança”, pretende expressar a idéia
de juízo não formado com base na plenitude de provas e argumentos das partes, deveria
ter feito referência a “juízo-provisório”.
<texto>Contudo, o importante é a demonstração de que a diferença entre prova e
juízo não permite que se pense e fale, quando se pretende aludir para um juízo
provisório, em prova de verossimilhança ou em juízo de verossimilhança. Ademais, a
idéia de juízo provisório, como contraposta a de juízo final, permite perceber que não é
365
“No que tange à questão da valoração da prova, é necessário que o juiz tenha em mente, lembrando-se
de Voltaire, que as verdades históricas nunca passam de mera verossimilhança. Calamandrei, referindo-se
a uma assertiva de Wach, advertiu que quando se diz que um fato é verdadeiro, afirma-se, em substância,
que ele atingiu na consciência de quem assim o julga, aquele grau máximo de verossimilhança que, em
relação aos meios limitados de conhecimento de que o julgador dispõe, é suficiente para lhe dar a certeza
subjetiva de que aquele fato se verificou. Como diz Calamandrei, mesmo para o juiz mais atento e
escrupuloso vale o limite fatal de relatividade que é próprio da natureza humana, pois o que vemos é
aquilo que parece estarmos vendo. É por isso que todo sistema probatório civil é preordenado não
somente a permitir, mas verdadeiramente a impor ao juiz de contentar-se, no apreciar dos fatos, com a
verossimilhança.
Não existe verdade, pois a verdade está no campo do impossível. A verdade varia de acordo com a
subjetividade de cada um. A certeza seria a manifestação subjetiva de alguém, a respeito de um dado, de
onde pode surgir a verdade para ela, mas não para os outros ou para todos. Esta certeza – mesmo porque a
subjetividade do próprio ser cognoscente pode mudar – não existe, ou existirá, como absoluta, nem àquele
que um dia a afirmou. Toda certeza, pois, não passa de mera verossimilhança. Mas o juiz, não obstante,
deve procurar encontrar, por assim dizer, a “certeza do caso concreto” (Luiz Guilherme Marinoni, Novas
linhas do processo civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 107-108).
158
a tutela, concedida no curso do processo, que é provisória, e sim o juízo. O contrário de
juízo final é juízo provisório, ao passo que a tutela fundada em juízo provisório pode ser
antecipada (e aí posta em relação com a tutela final) ou cautelar.
Por outro lado, é importante salientar a diferença entre o objeto da prova em face da
tutela antecipatória inibitória e da tutela antecipatória repressiva. A natureza da tutela
inibitória – voltada para o futuro – tem relação íntima com a prova. Na ação inibitória,
deverá ser provado fato que constitua indício de que a violação futura provavelmente
ocorrerá. Tratando-se de tutela inibitória antecipada, o juízo provisório deve recair sobre
fato que indique que o fato temido poderá ocorrer antes da efetivação da sentença e,
evidentemente, sobre a afirmada ilicitude deste último. Ao contrário, no caso de tutela
antecipada em ação ressarcitória, o juízo provisório deve estar centrado sobre o fato
violador e a necessidade de a tutela ser prestada antecipadamente para que não venha a
ocorrer dano diverso daquele que se deseja reparar. É o caso, por exemplo, da tutela
antecipada de soma em dinheiro, requerida em ação ressarcitória, sob o argumento de
que há necessidade imediata desta tutela para que sejam supridas necessidades
primárias. Nesta situação, importa a probabilidade da responsabilidade do réu pelo dano
e o fundado receio de que, se o ressarcimento não ocorrer – ao menos em parte – na
forma antecipada, outro dano possa acontecer.
<b> 3.26.3.3 Momento da concessão da tutela inibitória antecipada
<texto>É preciso perceber, na linha do que inclusive já decidiu a Corte
Constitucional italiana, que a tutela de urgência constitui um componente essencial366
e
ineliminável da tutela jurisdicional, nos limites em que é necessária para neutralizar um
perigo de dano irreparável. 367
Proto Pisani, aliás, discorrendo sobre a tutela dos direitos
não patrimoniais, afirma que a Corte Constitucional, através dessa decisão, conferiu
relevância constitucional ao princípio chiovendiano de que a demora do processo não
366
Em 1974, a Corte Constitucional italiana já havia dito que no estado atual “di evoluzione della cultura
giuridica e di applicazione dei principi costituzionali la tutela cautelare è componente essenziale della
tutela giurisdizionale” (Corte Cost, 27 de dezembro de 1974, Foro Italiano, 1975, p. 262 e ss). 367
“L’insegnamento che ci viene anche dalla recente sentenza n. 190 della Corte costituzionale, è che
l’esigenza di tutela della effettività della tutela giurisdizionale contro i danni derivanti dalla durata o
anche a causa della durata del processo a cognizione piena, impone di ritenere che la tutela giurisdizionale
cautelare atipica costituisca una componente essenziale ed ineliminabile della tutela giurisdizionale, nei
limiti in cui sia necessaria per neutralizzare pericula in mora che assurgano agli estremi della
irreparabilità del pregiudizio” (Andrea Proto Pisani, Intervento (Atti del XV Convegno Nazionale). La
tutela d’urgenza. Rimini: Maggioli 1985, p. 118). Ver, também, Vittorio Denti, Intervento (Atti del XV
Convegno Nazionale). La tutela d’urgenza. Rimini: Maggioli editore, 1985, p. 164; Luiz Guilherme
Marinoni, A antecipação da tutela. 3. ed. cit., p. 132-134.
159
pode prejudicar o autor que tem razão. 368
<texto>Tratando-se de tutela inibitória antecipada, não pode haver dúvida sobre a
possibilidade de sua concessão antes de ser ouvido o réu. Ora, se a tutela inibitória
exerce uma função eminentemente preventiva, não há como negar a possibilidade de
seu deferimento quando não se pode esperar o tempo necessário para ouvir o
demandado.
<texto>Não teria sentido conclusão diversa, uma vez que o Estado, ao conceber a
tutela antecipatória, conferiu ao cidadão uma via destinada a permitir a efetiva tutela do
direito que ainda não teve condições de ser evidenciado, sem se importar com o
momento em que a necessidade de tutela pode surgir, até porque seria ilógico imaginar
que o autor só tem direito à adequada tutela jurisdicional após o réu ter sido ouvido.
Aliás, a boa doutrina, ao analisar a questão da tutela inaudita altera parte em face do
princípio constitucional do contraditório, tem entendido que o contraditório pode ser
diferido quando não há outra forma de tutelar de forma efetiva o direito do autor. 369
<texto>O Bundesverfassungsgericht alemão acolheu a tese de que a efetiva proteção
de direitos que correm o risco de ser lesados pode exigir a concessão da tutela sem um
completo esclarecimento da matéria de fato, mas alertou que, por tratar-se de ingerência
na esfera jurídica do réu, a derrogação do princípio geral da audiência prévia deve ser
admitida apenas quando esta resulte indispensável – unabweisbar – para a
concretização do escopo da própria tutela. 370
A Corte Constitucional italiana tem
decidido com base em princípios análogos; assim, por exemplo, ao declarar infundada a
questão de legitimidade constitucional do art. 2.450, terceira parte, do Código Civil,
afirmou que a tutela inaudita altera parte prevista nesta norma possui caráter interinal e,
assim, não retira do interessado a possibilidade de fazer instaurar um juízo ordinário,
com a garantia de um contraditório amplo. 371
<texto>Por outro lado, ainda há, em nosso Código de Processo Civil, algo que
entendemos ser verdadeira contradição. Note-se que o juiz está autorizado a conceder a
tutela antecipatória no curso do processo de conhecimento, mas sua sentença não tem
368
Andrea Proto Pisani, Nuovi diritti e tecniche di tutela. Scritti in onore di Elio Fazzalari. Milano:
Giuffrè, 1993, v. 2, p. 57. 369
Nicolò Trocker, Processo civile e costituzione, Milano: Giuffrè, 1974, p. 405-408; Giuseppe
Martinetto, Contraddittorio (Principio del), Novissimo digesto italiano, v. 4, p. 461; Nelson Nery Junior,
Princípios do processo civil na Constituição Federal. São Paulo: RT, 1992, p. 136. 370
Nicolò Trocker, Processo civile e costituzione, cit., p. 407. 371
Idem, ibidem.
160
executividade imediata. 372
<texto>A Lei 10.352/2001 tentou corrigir este defeito, acrescentando ao art. 520,
caput, (que diz: “a apelação será recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo. Será,
no entanto, recebida só no efeito devolutivo, quando interposta de sentença que:”),
inciso com a seguinte redação: “VII – confirmar a antecipação dos efeitos da tutela”.
Realmente, a contradição antes apontada não foi eliminada. De nada adianta afirmar que
a sentença pode produzir efeitos na pendência da apelação quando confirmar a
antecipação dos efeitos da tutela. É que, neste caso, os efeitos da tutela, por terem sido
antecipados, já terão sido, ou estarão sendo, produzidos no momento em que a sentença
for proferida. Portanto, não será a sentença de procedência que produzirá efeitos; a
sentença de procedência, no caso, somente agregará força declaratória à decisão
concessiva da tutela.
<texto>O real problema surgia quando o perigo ainda estava presente no momento
da sentença, mas a tutela antecipatória não tinha sido concedida porque o juiz, antes do
final da instrução probatória, não possuía convicção sobre a probabilidade da existência
do direito. Mais tarde, com o perigo ainda rondando, e o direito evidenciado, a sentença
não podia ser executada na pendência da apelação. Ora, o novo inciso VII do art. 520
nada fez para alterar esta situação, uma vez que não trata da hipótese em que a tutela
antecipatória não foi concedida.
<texto>Contudo, como o intérprete não pode render-se ao irracional e como não tem
lógica admitir que o juiz pode conceder a tutela antes, e não depois, de finalizada a
instrução, parece correto admitir a concessão da tutela antecipatória, mediante decisão
interlocutória, antes de ser proferida a sentença, mas depois de a instrução probatória
ter encerrado.
<texto>Note-se que se o juiz concede a tutela antecipatória através de decisão
interlocutória, logo após poderá proferir sentença confirmando a antecipação dos
efeitos da tutela, e assim dar aplicação ao art. 520, VII, do CPC. A tutela antecipatória
será concedida por meio de decisão interlocutória, e não através de sentença, ainda que
372
Como já dissemos, “Carnelutti, nas suas Instituições, falava em ‘execução imediata’. Essa expressão
tem a falha de não servir para diferenciar a execução fundada em sentença definitiva da execução fundada
em sentença provisória, porém é inegavelmente mais adequada do que a expressão ‘execução provisória’”
(Luiz Guilherme Marinoni, Tutela antecipatória e julgamento antecipado, cit., p.198). Ver, ainda, sobre a
impropriedade da expressão “execução provisória”, Federico Carpi, La provvisoria esecutorietà della
sentenza. Milano: Giuffrè, 1979, p. 7; Bruno Lasagno, Esecuzione provvisoria. Le riforme del processo
civile (a cura di Sergio Chiarloni). Bologna: Zanichelli, 1992, p. 341.
161
possa constar no mesmo instrumento desta última. Ou seja, a tutela antecipatória e a
sentença poderão ser proferidas na mesma folha de papel.
<texto>Não cabe a idéia no sentido de que, quando a tutela antecipatória deve ser
concedida ao término da instrução probatória, ela deve ser deferida na própria sentença
e a apelação ser recebida apenas no efeito devolutivo. É que a sentença, no caso em que
o recurso é recebido apenas no efeito devolutivo, somente pode produzir efeitos a partir
da data em que o juiz recebe o recurso apenas neste efeito. Ora, qualquer advogado que
conhece a prática forense sabe muito bem que, no caso em que a tutela antecipatória é
necessária, não há como esperar tempo semelhante àquele que será gasto entre a
sentença e o recebimento do recurso no efeito devolutivo. Perceba-se, ademais, que o
recorrente, neste caso, não terá interesse algum em apresentar rapidamente a apelação.
Não há fundamento, principalmente quando em jogo a tutela inibitória, em não admitir
que o juiz possa conceder a tutela depois de encerrada a instrução probatória. Isto pelo
inocultável motivo de que a urgência, derivada do perigo de ilícito, é inerente à ação
inibitória. Portanto, interpretação diversa da ora proposta não se conciliaria com a
própria razão de ser da ação inibitória.
<texto>Lembre-se, porém, que, consoante o art. 14 da Lei 7.347/85 (Lei da Ação
Civil Pública), o recurso de apelação deve ser recebido, em regra, apenas no efeito
devolutivo, podendo o juiz conferir efeito suspensivo “para evitar dano irreparável à
parte”. 373
<b> 3.26.3.4 Justificação prévia e tutela inibitória antecipada
<texto>Afirma o § 3.º do art. 461 do CPC, assim como o § 3.º do art. 84 do CDC,
que o juiz pode conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o
réu.
<texto>Se o autor não detém prova capaz de convencer o juiz da presença do fumus
boni iuris e do periculum in mora, mas supõe que pode demonstrar, por meio de
justificação prévia, os requisitos exigidos para a concessão da tutela inibitória
antecipada, cabe a ele requerer a designação da justificação prévia, quando terá lugar a
inquirição das testemunhas que podem auxiliar na elucidação da matéria fática. 374
Nesse momento, e para poder melhor decidir sobre a oportunidade da tutela 373
Ver Rodolfo de Camargo Mancuso, Ação civil pública, cit., p. 180 e ss. 374
Ver J. E. Carreira Alvim, Tutela específica das obrigações de fazer e não fazer na reforma processual,
cit., p. 155 e ss.
162
antecipatória, o juiz também poderá ouvir as partes em interrogatório livre. 375
<texto>Como é óbvio, o juiz não deve esperar formar, a partir da justificação prévia,
um juízo suficiente para a definição do mérito, mas apenas um juízo de probabilidade
que seja idôneo para permitir a concessão da tutela inibitória antecipada.
<texto>A justificação prévia é um instrumento importante dentro da estratégia
criada para viabilizar a efetividade da tutela dos direitos, pois torna possível ao autor,
que não dispõe de prova no momento da propositura da ação, a imediata formação de
prova capaz de convencer o juiz da necessidade de concessão da tutela antecipada. 376
<b> 3.26.3.5 A tutela inibitória antecipada e o princípio da probabilidade. A
questão da irreversibilidade
<texto>Embora o art. 461 não contenha previsão similar à do § 2.º do art. 273 do
CPC – que afirma que “não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo
de irreversibilidade do provimento antecipado” –, o certo é que se poderia dizer que a
tutela antecipatória não deve ser concedida, ainda que com caráter inibitório, quando
puder causar um dano irreversível ao réu.
<texto>Entretanto, aprofundando-se o estudo do problema, é possível concluir, até
com alguma facilidade, que o fato de a tutela antecipatória poder trazer prejuízos
irreversíveis ao réu não pode constituir obstáculo a sua concessão. É preciso sempre
considerar, quando se trata de tutela antecipatória, o princípio da probabilidade.
<texto>O princípio da probabilidade consagra a própria lógica da tutela
antecipatória contra o periculum in mora. Na tutela antecipatória fundada em periculum
in mora está sempre em jogo um direito provável que pode ser lesado. Assim, a
afirmação de que o direito do réu, em virtude da tutela antecipatória, pode ser lesado de
forma irreparável, não é suficiente para convencer alguém – que esteja caminhando
375
Egas Dirceu Moniz de Aragão, Alterações no Código de Processo Civil: tutela antecipada, perícia.
Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 242. 376
A justificação prévia não é privilégio das ações fundadas nos arts. 461, CPC, e 84, CDC. Como diz
Moniz de Aragão, a justificação prévia, “embora prevista apenas para situações disciplinadas no art. 461,
bem pode ser aplicada também aos casos submetidos ao disposto no art. 273. Trata-se de natural corolário
de velhas regras de hermenêutica, relacionadas à interpretação analógica ou à meramente extensiva ou
construtiva. Além disso, para atingir os fins previstos na lei reputam-se naturalmente concedidos os meios
a tanto necessários. Se o intuito da lei fosse o de limitar o emprego da justificação apenas aos fatos
previstos no art. 461, por certo teria feito esse esclarecimento para os casos regulados no art. 273 (diria,
por exemplo: ‘desde que existindo prova documental inequívoca, se convença da verossimilhança’).
Como não o fez, estima-se possível realizar justificação prévia também nas hipóteses relacionadas no art.
273” (Egas Dirceu Moniz de Aragão, Alterações no Código de Processo Civil: tutela antecipada, perícia.
Reforma do Código Processo Civil, cit., p. 241-242).
163
sobre os trilhos da boa lógica – de que a tutela antecipatória não pode ser concedida.
Admitir que a tutela antecipatória está obstaculizada, apenas porque sua concessão pode
trazer um dano irreversível ao réu, é esquecer que a própria tutela antecipatória
pressupõe que o direito do autor pode ser lesado e, mais do que isso, que este direito
deve ser provável. Portanto, cair na armadilha de que a tutela antecipatória não pode ser
admitida apenas porque pode causar dano irreparável ao réu, é desprezar a obviedade de
que não tem cabimento impedir a tutela adequada de um direito provável para se
proteger um direito improvável. 377
<texto>Tommaseo, em um célebre congresso internacional que foi coordenado pelo
professor Giuseppe Tarzia na Universidade de Milão, 378
abordou exatamente a questão
que ora estamos enfrentando. Perguntou ele: que tipo de tutela jurisdicional é essa que,
para evitar uma lesão ao direito do autor, pode, e legitimamente pode, provocar um
prejuízo ao direito do réu? Para Tommaseo, a objeção contida nessa pergunta deve ser
aceita apenas como um convite à prudência, como uma exortação para o juiz usar com
moderação o potente instrumento que a lei lhe atribuiu, mas jamais como base para a
construção de um limite estrutural para a concessão de tutelas sumárias que possam
prejudicar o réu. 379
<texto>Quem insistisse nesta objeção estaria esquecendo – segundo o próprio
professor da Universidade de Trieste – que a medida sumária é concedida para tutelar
um direito cujo fundamento seja provável, sacrificando-se um direito que se afigure
improvável. 380
Usando outras palavras, concluiu Tommaseo, de forma absolutamente
clara, que se não há outro modo para evitar um prejuízo irreparável a um direito
subjetivo que se afigure provável, deve-se admitir que o juiz possa provocar um
prejuízo, ainda que irreparável, ao direito que lhe pareça improvável. 381
<texto>É preciso deixar claro, porém, que nos casos em que o ilícito se dissocia do
dano, a tutela antecipatória pode ser concedida apenas para impedir a prática do ilícito.
Pense-se, por exemplo, no caso em que se requer tutela antecipatória para impedir a
construção de uma indústria em lugar proibido pela legislação ambiental. Nessa 377
Ver Luiz Guilherme Marinoni, A antecipação da tutela. 7. ed., cit., p. 226. 378
Congresso Internacional sobre “as medidas provisórias no processo civil”, Instituto de Direito
Processual Civil da Universidade de Milão, 12 e 13 de outubro de 1984. Les mesures provisoires en
procédure civile. Milano: Giuffrè, 1985. 379
Ferruccio Tommaseo, “Intervento” (Atti del Colloquio Internazionale, Milano, 12-13 ottobre 1984).
Les mesures provisoires en procédure civile. Milano: Giuffrè, 1985, p. 306. 380
Idem, ibidem, p. 307. 381
Idem, ibidem.
164
hipótese, a tutela antecipada inibitória requer apenas a probabilidade da prática do
ilícito. A prevenção do dano, no caso, já é feita pela própria legislação, ao determinar
que naquele local não é possível a instalação da indústria (pois se parte da suposição de
que a instalação da indústria, neste local, irá gerar danos). A tutela antecipatória não se
liga, em situações como esta, à probabilidade do dano, mas sim à probabilidade do
ilícito.
<texto>Como já foi dito, o dano é uma conseqüência meramente eventual do ilícito.
O ilícito deve ser compreendido como um ato contrário ao direito que eventualmente
pode ocasionar um dano. Ora, se não há razão para se estabelecer uma relação
necessária entre o ilícito e o dano, não há como exigir probabilidade de dano ao se
requerer tutela inibitória antecipada. Lembre-se que, tratando-se de tutela inibitória, seja
antecipatória ou final, interessa apenas a ameaça de ilícito, nunca o dano.
<texto>É certo que se impedindo o ilícito se evita um provável e futuro dano; o que
importa, entretanto, é que para a concessão da tutela inibitória antecipada basta o
fundado receio do ilícito, pouco importando se o dano não é iminente. Em hipóteses
como esta, estando o ilícito caracterizado como provável e iminente, cabe a tutela
antecipatória ainda que não haja a iminência de um “dano irreparável ou de difícil
reparação”.
<texto>Lembre-se, por fim, que o juiz, na determinação da probabilidade suficiente
para a concessão da tutela, pode considerar os valores dos bens que estão em confronto.
Quanto maior é o valor do bem invocado pelo autor (pense-se nos casos de tutela de
direitos não patrimoniais), menor é a probabilidade que deve ser exigida para sua tutela;
quanto maior é o valor do bem que pode ser lesado pela tutela antecipatória, mais
seguro deve estar o juiz de que o direito do autor abre oportunidade para a tutela
sumária requerida. 382
<b> 3.26.3.6 A fungibilidade da tutela inibitória antecipada
<texto>Já foi analisada a questão da fungibilidade da tutela inibitória final, ou
melhor, a questão de o juiz poder atuar fora do pedido para bem prestar a tutela
inibitória. Assim, não é preciso muito esforço para demonstrar que o juiz também não
fica vinculado ao pedido de tutela inibitória antecipada, podendo conceder (mesmo que
antecipadamente) tutela diversa da solicitada, quando mais adequada, em vista do
382
Ver Luiz Guilherme Marinoni, A antecipação da tutela. 7. ed., cit., p. 229-236.
165
princípio da efetividade ou do princípio da necessidade, à situação concreta posta nos
autos. 383
<texto>Se o autor requer, mediante tutela antecipatória, que o juiz ordene, sob pena
de multa, a cessação das atividades da empresa ré – que estariam causando danos ao
meio ambiente –, nada impede que o juiz ordene, também sob pena de multa, a
instalação de um equipamento capaz de neutralizar a poluição. Aliás, da mesma forma
que o juiz pode determinar, ao final, que certa providência seja efetivada através de
meio executivo diverso do solicitado, nada impede que ele determine, por exemplo, no
caso de ter sido requerida ordem sob pena de multa para compelir a empresa a cessar as
suas atividades, a sua imediata interdição.
<texto>Além disso, o autor pode pedir uma tutela inibitória antecipada que não
tenha o mesmo conteúdo da tutela inibitória final, se for ela suficiente para tutelar de
forma efetiva e adequada o direito que o réu ameaça violar. Ora, se o juiz pode conceder
uma tutela inibitória antecipada que não guarda estreita relação com a tutela inibitória
final solicitada pelo autor, nada impede que este solicite uma tutela inibitória antecipada
que, muito embora não seja exatamente uma antecipação daquela pedida como tutela
final, seja adequada e suficiente para tutelar o direito que se teme ver violado.
<b> 3.26.3.7 A possibilidade de modificação e de revogação da tutela
inibitória antecipada
<texto>O § 3.º do art. 461 diz claramente que “a medida liminar poderá ser
revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada”.
<texto>O que importa, neste momento, não é saber se a tutela inibitória antecipada
pode ser modificada ou revogada em razão da interposição de agravo de instrumento.
Nesse caso, mesmo depois da Lei 11.187/05 (novo art. 522), não há dúvida alguma
sobre a possibilidade de modificação ou de revogação da tutela.
<texto>O que interessa, como é óbvio, é definir quando a tutela inibitória antecipada
pode ser modificada ou revogada sem a interposição de recurso.
<texto>A temática da revogação e da modificação da tutela urgente de cognição
383
O fundamento da fungibilidade da tutela inibitória antecipada encontra-se na fungibilidade da própria
tutela inibitória final.
166
sumária também aparece no direito italiano, 384
em vista do art. 669-decies do CPC, que
afirma, em sua primeira parte, que “nel corso dell’istruzione il giudice istruttore della
causa di merito può, su istanza di parte, modificare o revocare con ordinanza il
provvedimento cautelare anche se emesso anteriormente alla causa se si verificano
mutamenti nelle circostanze”. 385
<texto>A doutrina italiana, ao tratar do assunto, dirige sua atenção à expressão
“mutamenti nelle circostanze”, aceitando, com tranqüilidade, que estão presentes na
referida expressão “i mutamenti extraprocessuali delle circostanze di fatto”. 386
A
dúvida surge quando se indaga se uma nova circunstância probatória pode constituir
fundamento para a modificação ou para a revogação da tutela. 387
<texto>Considerada a natureza da tutela urgente de cognição sumária, não há como
se impedir a modificação ou a revogação da tutela que, segundo a própria evolução da
instrução probatória e da cognição do magistrado, perdeu sua justificativa. A própria
provisoriedade da tutela antecipatória autoriza a pensar que a alteração da cognição do
juiz a respeito do fundamento que o levou a conceder a tutela pode conduzir, conforme
o caso, a sua revogação ou modificação.
<texto>Portanto, Giovanni Arieta tem toda a razão quando afirma que a
interpretação restritiva do art. 669-decies seria ilógica, enquanto impediria de ter em
conta os desenvolvimentos, sobretudo instrutórios, do mérito, que são aqueles que, em
relação aos quais, mais evidentes podem ser as exigências de revogação ou modificação
384
Giorgio Frus, Revoca e modifica. Le riforme del processo civile (a cura di Sergio Chiarloni). Bologna:
Zanichelli, 1992, p. 739; Massimo Cirulli, La nuova disciplina dei rimedi contro i provvedimenti
cautelari. Padova: Cedam, 1996, p. 32 e ss; Giovanni Arieta, in Giovanni Arieta e Luigi Montesano, Il
nuovo processo civile. Napoli: Jovene, 1991; Claudio Consolo, Il nuovo procedimento cautelare. Rivista
Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1994, p. 309 e ss; Sergio Casadei, Il controllo sul
provvedimento d’urgenza, Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1989, p. 349 e ss; Claudio
Cecchella, in Romano Vaccarella, Bruno Capponi e Claudio Cecchella, Il processo civile dopo le riforme.
Torino: Giappichelli, 1992, p. 376 e ss; Elena Merlin, I limiti temporali di efficacia, la revoca e la
modifica. Il nuovo processo cautelare (a cura di Giuseppe Tarzia) Padova: Cedam, 1993, p. 299 e ss;
Enrico A. Dini e Giovanni Mammone, I provvedimento d’urgenza. Milano: Giuffrè, 1993, p. 519 e ss. 385
Antes da recente reforma do Código de Processo Civil italiano, não cabia recurso algum contra as
decisões que concediam as “cautelas inominadas”, e a doutrina aí enxergava uma grave falha do sistema,
que não permitia um eficaz controle das decisões. Hoje, após a Lei 353, de 26 de novembro de 1990, que
entrou em vigor em janeiro de 1992, há no direito italiano o reclamo contro i provvedimenti cautelari (art.
669-terdecies) e a possibilidade de o juiz revogar ou modificar a tutela em caso de mutamenti nelle
circostanze (art. 669-decies) (Ver Luiz Guilherme Marinoni, A antecipação da tutela. 3. ed., cit., p. 159). 386
Giorgio Frus, Revoca e modifica. Le riforme del processo civile, cit., p. 739; Massimo Cirulli, La
nuova disciplina dei rimedi contro i provvedimenti cautelari, cit., p. 32 e ss. 387
Ver Giorgio Frus, Revoca e modifica. Le riforme del processo civile, cit., p. 740 e ss.
167
da medida. 388
<texto>Assim, por exemplo, se o juiz verifica, em virtude de prova trazida aos autos
com a contestação, que a tutela inibitória antecipada não deveria ter sido concedida, não
há que pensar em preclusão, já que é da própria essência da tutela urgente de cognição
sumária a modificabilidade e a revogabilidade, por ser inerente a ela a provisoriedade.
<b> 3.26.3.8 Sobre a possibilidade de se manter eficaz a tutela inibitória
antecipada no caso de sentença de improcedência
<texto>É certo que, em princípio, o julgamento de improcedência deveria implicar o
desaparecimento da tutela antecipatória, já que a afirmação de que o direito não existe
seria suficiente para descalçar a tutela antecipatória de um dos seus pressupostos, que é
exatamente o fumus boni iuris. 389
<texto>Porém, é necessário perceber que o desaparecimento da tutela que ampara o
autor que teme sofrer iminente lesão pode tornar absolutamente inútil o julgamento de
segundo grau. Ou seja, é preciso enxergar que, se a execução imediata da tutela
antecipatória pode, em alguns casos, não ter justificativa, também a revogação desta
tutela, em determinadas hipóteses, pode não ser a melhor solução.
<texto>A afirmação de que o direito não existe não é inconciliável com a
necessidade de manutenção da tutela. A declaração de que o direito não existe, no caso
de tutela inibitória, não elimina a possibilidade de lesão iminente e, dessa forma, a
completa frustração do escopo da própria tutela.
<texto>Como a doutrina não trabalha com a lógica da tutela inibitória, e porque não
se dizer, com a lógica da tutela dos direitos não patrimoniais, é natural que não perceba
que é fundamental, em se tratando de tutela inibitória, a prevenção, e, em casos
excepcionais, a manutenção da tutela antecipatória em caso de sentença de
improcedência. Ora, se a sentença revoga a tutela inibitória antecipada, ela abre
oportunidade para a lesão e, assim, retira qualquer chance de efetividade da tutela
inibitória, restando verdadeiramente inútil o julgamento do tribunal. 390
388
Giovanni Arieta, in Giovanni Arieta e Luigi Montesano, Il nuovo processo civile, cit., p. 149. 389
Ver Giuseppe Vignera, Sui rapporti tra provvedimento d’urgenza e sentenza di merito (alla ricerca di
una soluzione ragionevole). Rivista di Diritto Processuale, 1993, p. 510. 390
Como escrevem Silvestri e Taruffo, “il risarcimento del danno o la prestazione dell’equivalente
monetario possono considerarsi surrogati adeguati della mancata prestazione, quando questa abbia un
contenuto integralmente riducibile a valore economico, ma non quando la prestazione abbia natura
esclusivamente o prevalentemente non patrimoniale. Questo è pero il caso di gran parte delle c. d. ‘nuove
168
<texto>Portanto, no caso de sentença de improcedência do pedido inibitório, cabe
ao juiz ponderar se a tutela inibitória antecipada não deve ser mantida, evitando-se,
assim, que ela seja substituída por uma tutela (ressarcitória) completamente inidônea à
efetiva proteção do direito material. 391
<a1a>3.26.4 A evidente distinção entre tutela inibitória antecipada e tutela cautelar
<texto>Classificando-se as tutelas de acordo com as suas reais repercussões no
plano do direito material, fica fácil perceber a distinção entre a tutela antecipatória e a
tutela cautelar.
<texto>Não há dúvida de que a tutela que antecipa pagamento de soma à vítima de
ato ilícito é tutela ressarcitória antecipada. A dificuldade de compreender a tutela
ressarcitória na forma antecipada deriva do fato de que, ao imaginar-se que o pagamento
de dinheiro tem por fim somente ressarcir o dano cometido, torna-se impossível
perceber que, algumas vezes, o imediato ressarcimento em dinheiro é imprescindível
para que um direito não-patrimonial, conexo ao direito de crédito, não seja
irreparavelmente prejudicado. Em outros termos, é a visão patrimonialista dos direitos,
que está à base do direito liberal e da doutrina processual preocupada apenas em
classificar as técnicas processuais, que impede que se enxergue o real significado da
tutela ressarcitória antecipada.
<texto>Porém, quando entram em cena as tutelas inibitória e de remoção do ilícito
na forma antecipada, percebe-se, com maior nitidez, a razão pela qual há uma grande
dificuldade na distinção das tutelas cautelar e antecipatória. É que o significado das
tutelas inibitória e de remoção do ilícito ainda é pouco difundido, estando os
operadores do direito ainda submetidos à unificação das categorias da ilicitude e da
responsabilidade civil.
<texto>A tutela antecipatória que determina a retirada de cartazes publicitários que
situazioni di vantaggio’, spesso tutelate a livello costituzionale, dove i diritti relativi ai rapporti tra
cittadino e Stato, ai rapporti di famiglia, alle libertà sindacali, e così via, o non hanno contenuto
patrimoniale o non sono integralmente riducibili ad un equivalente monetario” (Elisabetta Silvetri e
Michele Taruffo, Esecuzione forzata (esecuzione forzata e misure coercitive). Enciclopedia Giuridica
Treccani, v. 13, p. 3). 391
Em um caso em que se pediu, com base no art. 700 do CPC italiano, que um semanário fosse inibido
de publicar as correspondências entre o marido (já falecido) da autora e uma terceira pessoa, a Pretura di
Roma, ao conceder a tutela inibitória antecipada, teve a oportunidade de frisar, em relação ao periculum
in mora, o seguinte: “La sussistenza del secondo requisito è dimostrata dalla stessa natura personale del
diritto e dalla qualità dell’interesse tutelato che non consentono una idonea e completa reintegrazione del
danno, non essendo valutabile economicamente” (Pretura di Roma – Sez. I – Ordinanza de 25 de
novembro de 1976. Temi Romana, 1977, p. 709).
169
configuram concorrência desleal, evidentemente não é uma tutela que pode receber a
designação de instrumental, justamente porque elimina, desde logo, a ilicitude. Uma
tutela como esta, logicamente não fica limitada a assegurar o resultado útil do processo,
pois o resultado útil que se espera do processo é cumprido exatamente no momento em
que os cartazes são retirados, eliminando-se o ilícito.
<texto>Quando se teme um eventual ilícito, ou mesmo um eventual dano, a tutela
que deve ser dirigida a impedir a sua produção é a inibitória, que tem absoluta
autonomia, retratando uma genuína ação de conhecimento, em tudo diferente da ação
cautelar, que sempre exige uma ação principal.
<texto>Atualmente não há mais razão para pensar em usar a ação cautelar para obter
tutela inibitória. Quem precisa de tutela inibitória, nos dias de hoje, deve lançar mão da
ação inibitória, a qual pode ser fundada, conforme o caso, no art. 461 do CPC (ação
individual) ou no art. 84 do CDC (ação coletiva).
<texto>A tutela que é prestada antecipadamente na ação inibitória nada mais é do
que uma tutela inibitória antecipada, que não pode ser confundida com a tutela dirigida
a assegurar o resultado útil do processo. Na verdade, quando se tem consciência de que
há ação destinada a impedir a prática, a repetição ou a continuação do ilícito, verifica-
se, com absoluta nitidez, que a tutela antecipada que cumpre esta função dá ao autor o
único resultado útil que ele esperava obter do processo, isto é, a prevenção do ilícito.
<texto>Um dos motivos que impedem a percepção de que a tutela inibitória, quando
antecipada, não tem caráter instrumental, encontra-se exatamente na suposição de que a
tutela final deve ser de reparação do dano, ou melhor, decorre da suposição de que a
tutela preventiva destina-se a assegurar o resultado útil da tutela reparatória, o que é
mais do que ilógico.
<texto>Frise-se, ademais, que a confusão entre tutela inibitória e tutela cautelar
também advém da inexistência de sentença mandamental no quadro da classificação
clássica das sentenças. Nenhuma das sentenças da classificação trinária (declaratória,
constitutiva e condenatória) é capaz de permitir a imposição de uma ordem dirigida a
impedir a prática, a repetição ou a continuação do ilícito, motivo pelo qual, aliás, não há
como se postular tutela inibitória, na Itália, através de uma ação de conhecimento (a não
ser em razão de procedimentos específicos).
<texto>Com efeito, no direito italiano, onde jamais existiu sequer a ação
cominatória, há ainda mais razão para se confundir tutela cautelar com tutela inibitória.
170
Se na Itália existem somente as ações declaratória, constitutiva e condenatória, não há
outra saída, para se obter uma tutela inibitória célere, a não ser usar a tutela cautelar,
que não por outra razão passou a ser utilizada, segundo o entendimento da própria
doutrina italiana, de forma distorcida. 392
<texto>A falta de distinção entre tutela antecipatória e tutela cautelar é o resultado
de uma visão panprocessualista, em que não importa o resultado da tutela jurisdicional
no plano do direito material, mas apenas as características formais e de ordem
processual que permitem a sua identificação e conseqüente classificação.
<texto>Na realidade, a razão que levaria a doutrina a não classificar as tutelas de
cognição sumária e a falar em “tutela provisória”, também autorizaria os processualistas
a não classificar as “tutelas finais”, o que seria um grande absurdo.
<texto>Com efeito, afirma-se que a tutela antecipatória, por ser caracterizada pela
“provisoriedade”, não difere da tutela cautelar. O que se pretende, com isto, é criar uma
tutela que deveria ser chamada de “provisória”, e que teria como espécies a tutela
cautelar e a tutela antecipatória.
<texto>Falar em “tutela provisória”, contudo, nada diz para quem realmente está
preocupado em pensar o processo na perspectiva do direito material. Perceba-se que
“tutela provisória” somente pode ser o contrário de “tutela definitiva”, até pelo motivo
de que, quando se fala em tutela provisória, não se pensa exatamente na tutela (que é um
bem da vida), mas sim no juízo que é pressuposto para a sua concessão. Falar em “tutela
provisória”, portanto, é raciocinar em termos de “juízo” e não de “tutela”; pois se o
contrário de tutela antecipatória é tutela final, o contrário de juízo provisório é juízo
definitivo. Melhor explicando: “antecipatório” e “final” são termos que dizem respeito à
“tutela”, enquanto que “provisório” e “definitivo” têm relação com o “juízo”.
<aa>3.27 A execução da tutela inibitória
<a1a>3.27.1 A tutela inibitória e a multa
<b> 3.27.1.1 Primeiras observações
<texto>Para a adequada análise do tema da tutela inibitória, é imprescindível a
abordagem da multa, prevista nos arts. 461, CPC, e 84, CDC, pois o seu emprego é
392
Ver Vittorio Denti, Diritti della persona e tecniche di tutela giudiziale, em L’informazione e i diritti
della persona. Napoli: Jovene, 1983, p. 263.
171
fundamental para a efetividade da inibição do ilícito.
<texto>O art. 461 do CPC – na mesma linha do art. 84 do CDC – afirma que o juiz
poderá, na tutela antecipatória ou na sentença, “impor multa diária ao réu,
independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação,
fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito”.
<texto>O emprego da multa, como forma de atuação das decisões do juiz, suscita
dificuldades que não podem ser ignoradas pela doutrina. Tais dificuldades decorrem não
só do fato de a multa ter amplo espaço de ação, mas também de sua complexidade e,
porque não dizer, da própria originalidade de sua fisionomia, que já levou a doutrina
francesa a falar em “mystère de l’astreinte”. 393
<b> 3.27.1.2 Breve análise das medidas coercitivas em outros sistemas
<texto>A ZPO alemã disciplina, precisamente nos §§ 888 e 890, as Zwangsstrafen.
O § 888 diz respeito, em princípio, às obrigações cuja execução não se pode dar através
de um terceiro. A norma exclui as obrigações que podem ser tuteladas através da
execução forçada, ou seja, as obrigações fungíveis, e além disto determinadas
obrigações infungíveis, como, por exemplo, as marcadas por particulares qualidades de
natureza artística ou científica. 394
<texto>As sanções previstas no § 888 são articuladas de modo que o juiz deva
aplicar em primeiro lugar a sanção pecuniária, deixando para impor a prisão quando não
é possível o uso da primeira ou quando ela não surte efeitos. 395
<texto>O § 890 aplica a mesma técnica sancionatória às obrigações de não-fazer e,
especificamente, às obrigações de se abster de determinada atividade e de consentir que
uma atividade seja praticada. 396
<texto>Não obstante a discussão em torno da natureza destas medidas, não se nega
– até porque a soma devida pelo inadimplente reverte para o Estado e não para o
393
Paolo Cendon, Le misure compulsorie a carattere pecuniario. Processo e tecniche di attuazione dei
diritti. Napoli: Jovene, 1989, p. 294. 394
Ver Elisabetta Silvestri e Michele Taruffo, Esecuzione forzata (esecuzione forzata e misure
coercitive), Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 13, p. 5); Elisabetta Silvestri, Rilievi comparatistici in
tema di esecuzione forzata degli obblighi di fare e di non fare. Rivista di Diritto Civile, 1988, p. 538. 395
Elisabetta Silvestri e Michele Taruffo, Esecuzione forzata (esecuzione forzata e misure coercitive).
Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 13, p. 5. 396
Idem, ibidem.
172
autor397
– que tais sanções têm a função de reprimir a violação da autoridade do Estado.
398
<texto>Na França, 399
a partir de intenso movimento jurisprudencial, surgiu a Lei
72-226, de 5 de julho de 1972, que teve o mérito de ter fornecido um fundamento geral
e preciso às astreintes. 400
Atualmente, em vista da Lei 91-650, de 9 de julho de 1991, é
possível dizer que o ordenamento francês traça com bastante precisão os contornos
dessa figura, evidenciando as suas características e a forma de sua atuação. 401
<texto>Deixa-se claro no primeiro artigo da Seção 6 – do Capítulo II, da Lei 91-
650, de 9 de julho de 1991 –, intitulada “L’astreinte”, que “todo juiz pode, mesmo de
ofício, ordenar uma astreinte para assegurar a execução de sua decisão” (art. 33); e
afirma-se, logo no artigo subseqüente, que a “astreinte é independente da indenização”.
<texto>Não há dúvida, portanto, acerca do caráter coercitivo da astreinte, já que ela
não se confunde com a indenização (dommages-intérêts) e é, segundo a expressa
disposição do referido art. 33, destinada a assegurar a execução das decisões judiciais.
<texto>Há na França, ainda, uma interessante modalidade de astreinte, que é
chamada de endoprocessual. 402
Com a reforma do Código de Processo Civil francês, a
astreinte também passou a ser utilizada como meio de coação ao adimplemento de
obrigações processuais; a astreinte endoprocessual, segundo a doutrina, é importante
meio de coerção nos casos em que a parte ou um terceiro deixa de atender às
determinações do juiz em matéria de prova. 403
<texto>Entre os ordenamentos que adotam as astreintes como medida de coerção ao
adimplemento, estão ainda Luxemburgo, Holanda e Bélgica. Como é sabido, a
Convenção Benelux de lei uniforme sobre a astreinte, que entrou em vigor nestes três
397
Aldo Frignani, Il mondo dell’astreinte: sviluppi recenti e prospettive. Processo e tecniche di
attuazione dei diritti. Napoli: Jovene, 1989, p. 368. 398
Elisabetta Silvestri e Michele Taruffo, Esecuzione forzata (esecuzione forzata e misure coercitive).
Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 13, p. 5. 399
Ver Henri Mazeaud, León Mazeaud e André Tunc, Traité théorique et pratique de la responsabilité
civile délictuelle et contractuelle. Paris: Éditions Montchrestien, 1960, v. 3, p. 640 e ss; Georges Ripert e
Jean Boulanger, Traité de droit civil. Paris: Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence, 1957, p. 591. 400
Elisabetta Silvestri e Michele Taruffo, Esecuzione forzata (esecuzione forzata e misure coercitive).
Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 13, p. 6. 401
Ver Jean Carbonnier, Droit civil – Les obligations. Paris: Presses Universitaires de France, 1994, v. 4,
p. 587. 402
Sobre a astreinte endoprocessual no direito francês, ver Angelo Dondi, Effettività dei provvedimenti
istruttori del giudice civile. Padova: Cedam, 1985, p. 71-101. 403
Elisabetta Silvestri e Michele Taruffo, Esecuzione forzata (esecuzione forzata e misure coercitive),
Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 13, p. 6; Angelo Dondi, Effettività dei provvedimenti istruttori del
giudice civile, cit., p. 73-74.
173
países no período compreendido entre 1976 e 1980, também consagrou algo que – à
semelhança do que ocorreu na França – já havia se consolidado nos tribunais, sobretudo
na Holanda e em Luxemburgo. 404
<texto>A astreinte dos países do Benelux, ao contrário da astreinte francesa, não
pode ser imposta de ofício. O Code Judiciaire belga, por exemplo, é claro ao dispor que
“o juiz pode, a requerimento da parte, condenar a outra parte, para o caso de não ser
satisfeita a condenação principal, ao pagamento de uma soma em dinheiro, denominada
astreinte, tudo sem prejuízo da indenização ...” (art. 1385-bis, primeira parte). 405
<texto>Além disso, não há menção de que haja alguma hipótese – nos países
signatários da referida convenção – em que a soma correspondente à astreinte possa ser
atribuída a um sujeito diverso do autor. Lembre-se, porém, que na França ocorreu um
movimento contra o efeito perverso que poderia derivar de um uso inadequado da
cumulação das perdas e danos com a soma correspondente à astreinte, 406
ou seja, contra
o eventual enriquecimento ilícito do autor; foi esse problema, aliás, que deu origem, já
há algum tempo, à previsão de que uma parte da soma relativa à astreinte imposta pelo
Conseil d’État pode ser atribuída aos fonds d’équipement. 407
<texto>Merece menção, ainda, o uso do contempt of Court no direito anglo-
americano. Trata-se de um instituto que apresenta duplo aspecto, já que pode
configurar-se como civil contempt ou como criminal contempt. 408
O civil contempt
caracteriza-se como uma medida coercitiva que atua nas hipóteses de obrigações
(sobretudo de fazer e de não-fazer) impostas por decisões judiciais – finais ou interinais
–, e que tem por fim assegurar ao credor o adimplemento específico das prestações
devidas pelo demandado. 409
O criminal contempt, por sua vez, entra em ação nos casos
de comportamentos que se constituem em obstáculo à administração da justiça, que
interferem indevidamente nessa, ou que de qualquer forma representem uma ofensa à
autoridade do juiz. O criminal contempt, ao contrário do civil contempt, atua apenas no
404
Elisabetta Silvestri, Rilievi comparatistici in tema di esecuzione forzata degli obblighi di fare e di non
fare. Rivista di Diritto Civile, 1988, p. 536. 405
Art. 1.385-bis, segunda parte: “Toutefois, l’astreinte ne peut être prononcée en cas de condamnation au
paiement d’une somme d’argent, ni en ce qui concerne les actions en exécution de contrats de travail”. 406
Ver André Tunc, Obligations et contrats spéciaux. Revue Trimestrielle de Droit Civil, 1960, p. 672. 407
Elisabetta Silvestri, Rilievi comparatistici in tema di esecuzione forzata degli obblighi di fare e di non
fare. Rivista di Diritto Civile, 1988, p. 537. 408
Sobre a diferença entre o criminal contempt e o civil contempt, ver Dan B. Dobbs, Contempt of Court:
A Survey, Cornell Law Review, v. 56, p. 235 e ss. 409
Elisabetta Silvestri e Michele Taruffo, Esecuzione forzata (esecuzione forzata e misure coercitive).
Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 13, p. 7.
174
plano do interesse público no correto funcionamento da administração da justiça, o que
não quer dizer que o civil contempt também não objetive preservar a autoridade do
Estado. 410
<texto>Interessa-nos, nesse momento, o civil contempt, que abre oportunidade à
imposição das penas pecuniária e de prisão. É preciso que fique claro, de fato, que
mesmo o civil contempt pode permitir o uso da prisão no caso de simples
inadimplemento do réu. O juiz dispõe de discricionariedade na aplicação da pena de
prisão ou da pena pecuniária e, além disso, no momento em que escolhe uma delas, tem
a oportunidade de graduá-la de acordo com a gravidade que circunda a violação e o grau
de resistência do réu. 411
<texto>Ainda que se sustente, no direito inglês, a necessidade da criação de
procedimentos especiais para a tutela das novas situações de direito substancial de
conteúdo não patrimonial, certo é que o contempt of Court continua a ser considerado o
meio mais adequado para garantir a efetividade dos chamados non-money judgements.
412 É oportuno advertir, entretanto, que nos Estados Unidos – ao contrário do que
acontece na Inglaterra, onde não se põe em discussão a eficácia do civil contempt na
forma pecuniária – afirma-se que essa modalidade de civil contempt poderia produzir
melhores resultados se o juiz fixasse a multa em um certo valor por dia de atraso no
cumprimento da ordem judicial, à semelhança do que ocorre com o modelo da astreinte
francesa. 413
<texto>No direito argentino, o art. 37 do Código Procesal Civil y Comercial de La
Nación afirma que “los jueces y tribunales podrán imponer sanciones pecuniarias
compulsivas y progresivas tendientes a que las partes cumplan sus mandatos, cuyo
importe será a favor del litigante perjudicado por el incumplimento. Podrán aplicarse
sanciones conminatorias a terceros, en los casos en que la ley lo establece. Las condenas
se graduarán en proporción al caudal económico de quien deba satisfacerlas y podrán
ser dejadas sin efecto, o ser objeto de reajuste, si aquél desiste de su resistencia y
justifica total o parcialmente su proceder”.
410
Idem, ibidem. 411
Elisabetta Silvestri e Michele Taruffo, Esecuzione forzata (esecuzione forzata e misure coercitive).
Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 13, p. 7. 412
Elisabetta Silvestri, Rilievi comparatistici in tema di esecuzione forzata degli obblighi di fare e di non
fare. Rivista di Diritto Civile, 1988, p. 539. 413
Elisabetta Silvestri, Rilievi comparatistici in tema di esecuzione forzata degli obblighi di fare e di non
fare, Rivista di diritto civile, 1988, p. 539 e 542; ver, também, Aldo Frignani, Il mondo dell’astreinte:
sviluppi recenti e prospettive. Processo e tecniche di attuazione dei diritti, cit., p. 370.
175
<texto>A multa, no direito argentino, pode ser imposta de ofício ou a requerimento
da parte e, no caso de inadimplemento, a soma é devida ao autor e não ao Estado. O art.
37 evidencia a possibilidade de a multa ser fixada em caráter progressivo – aumentando
à medida que o réu resiste à pressão que é exercida –, além da necessidade de ser ela
graduada “en proporción al caudal económico” daquele que deve suportá-la. 414
<texto>Em princípio, segundo a doutrina, “las sanciones conminatorias no proceden
cuando el deber, obligación y prestación exigida, pueda obtenerse por otros carriles
procesales”. 415
É interessante notar, contudo, que se admite o emprego da multa em
determinadas situações, ditas peculiares, como a relativa a uma obrigação alimentar, 416
apesar de aí ser possível – ainda que não efetivo – o uso da execução forçada.
<texto>É importante frisar que a parte final do referido art. 37 afirma que a sanção
pecuniária poderá ser deixada sem efeito, ou ser objeto de reajuste, se o réu desiste de
sua resistência e justifica total ou parcialmente seu procedimento. Referindo-se a esta
parte do dispositivo legal, explica Luis Ramon Madozzo que a imposição da sanção
pecuniária se “realiza a título de amenaza y no con carácter definitivo, por lo cual, ante
esta eventual variación, no causan instancia ni hacen cosa juzgada”. 417
<b> 3.27.1.3 A multa e a indenização pelo dano. A sua cumulabilidade
<texto>É sabido que os tribunais franceses confundiram, por muito tempo, a
astreinte com o ressarcimento do dano. Somente em 1959 a Corte de Cassação francesa
colocou fim a essa antiga confusão, que foi definitivamente sepultada com a já
mencionada Lei 72-226, de 5 de julho de 1972. 418
<texto>Importa perceber que a astreinte tem por fim forçar o réu a adimplir,
enquanto o ressarcimento diz respeito ao dano. 419
É evidente que a multa não tem
414
Luis Ramon Madozzo, Derecho procesal civil: medidas conminatorias. Genesis – Revista de Direito
Processual Civil 1/156-158. 415
Idem, ibidem, p. 159. 416
Idem, ibidem, p. 158-159. 417
Idem, ibidem, p. 156. 418
Paolo Cendon, Le misure compulsorie a carattere pecuniario. Processo e tecniche di attuazione dei
diritti, cit., p. 298. 419
Como diz João Calvão da Silva, “a sanção pecuniária compulsória não tem, pois, natureza
indemnizatória, sendo independente da existência e da extensão do dano resultante do não cumprimento
pontual e do desrespeito ou do não respeito no tempo devido da condenação que reforça” (João Calvão da
Silva, Cumprimento e sanção pecuniária compulsória. Coimbra: Almedina, 1987, p. 410).
176
qualquer relação com o dano, 420
até porque, como acontece na tutela inibitória, pode
não haver dano a ser indenizado.
<texto>O que se quer dizer, quando se afirma que “a indenização por perdas e danos
dar-se-á sem prejuízo da multa”, é que a multa será devida independentemente de ser
porventura igualmente devida a indenização pelo dano.
<texto>Note-se que se a multa não for suficiente para convencer o réu a adimplir,
ela poderá ser cobrada independentemente do valor devido em face da prestação
inadimplida e do eventual dano provocado pela falta do adimplemento na forma
específica e no prazo convencionado. Se a ordem do juiz, apesar da multa, não é
prontamente observada, mas conduz, ainda que depois de algum tempo, ao
adimplemento, é possível cumular a multa com a indenização pelo eventual dano
provocado pela mora do demandado.
<texto>No caso da tutela inibitória não se concebe confusão entre a multa e a
indenização. Se o réu não observa a ordem inibitória, praticando o ilícito temido, a
multa é devida independentemente do eventual dano que tenha sido produzido e deva
ser reparado. Da mesma forma que a tutela inibitória não se confunde com a tutela
contra o dano, a multa nada tem a ver com a indenização relativa ao dano. Se não fosse
assim, a tutela inibitória jamais teria alguma efetividade, pois o demandado, ainda que
sem obedecer à ordem inibitória, responderia apenas pelo eventual dano que tivesse
provocado, o que seria obviamente absurdo.
<texto>Na verdade, sem a correta compreensão dos diferentes escopos da multa e da
indenização, o caráter coercitivo da primeira não passaria de uma miragem ou mesmo
de uma ilusão. 421
Faltar-lhe-ia, como bem diz João Calvão da Silva, uma condição
essencial da sua eficácia, isto é, da sua capacidade de realizar as finalidades que lhe são
próprias – forçar o devedor a cumprir a obrigação e a respeitar a ordem do juiz –,
porquanto a indenização respeita ao prejuízo que repara, mas não previne e não faz
cessar o ilícito, fonte daquele que urge secar. 422
<texto>A multa objetiva pressionar o réu a adimplir a ordem do juiz, visando à
prevenção do ilícito mediante o impedimento de sua prática, de sua repetição ou de sua
420
Referindo-se ao direito francês, diz Paolo Cendon: ”L’astreinte può essere chiesta, pronunciata e
liquidata anche là dove l’inadempimento o il ritardo non abbia, in effetti, arrecato nessun danno al
creditore” (Paolo Cendon, Le misure compulsorie a carattere pecuniario. Processo e tecniche di
attuazione dei diritti, cit., p. 298). 421
João Calvão da Silva, Cumprimento e sanção pecuniária compulsória, cit., p. 411. 422
Idem, ibidem.
177
continuação.
<texto>Torna-se difícil compreender, portanto, a afirmação de Carreira Alvim,
contida no livro Tutela específica das obrigações de fazer e não fazer, no sentido de que
“a pena pecuniária só cumpre realmente a sua função se se tratar de direitos
patrimoniais”. 423
Ora, a tutela inibitória, justamente porque se vale da multa, tem plena
eficácia nos casos de direitos não patrimoniais, pois pode influir sobre a vontade do réu,
convencendo-o a fazer ou a não fazer. O que se pode admitir, na realidade, é que a
multa não tem eficácia quando o réu não detém patrimônio, o que é algo absolutamente
diferente.
<b> 3.27.1.4 Critérios para a imposição da multa
<texto>A multa, em sua essência, tem natureza nitidamente coercitiva, porque se
constitui em forma de pressão sobre a vontade do réu, destinada a convencê-lo a
adimplir a ordem do juiz.
<texto>Enquanto instrumento que atua sobre a vontade do réu, é inegável sua
natureza coercitiva; entretanto, se a multa não surte os efeitos que dela se esperam,
converte-se automaticamente em desvantagem patrimonial que recai sobre o réu
inadimplente. Isto significa que a multa, de ameaça ou coerção, pode transformar-se em
mera sanção pecuniária, que deve ser suportada pelo demandado, mas aí sem qualquer
caráter de garantia de efetividade da ordem do juiz.
<texto>Para que a multa possa constituir uma autêntica forma de pressão sobre a
vontade do réu, é indispensável que ela seja fixada com base em critérios que lhe
permitam atingir seu fim, que é garantir a efetividade da tutela jurisdicional.
<texto>A partir do Código de Processo Civil de 1973 – deixando de lado o art.
1.005 do Código de Processo Civil de 1939424
– a doutrina brasileira passou a entender
que a multa não sofre limitação pelo valor da prestação. 425
423
J. E. Carreira Alvim, Tutela específica das obrigações de fazer e não fazer na reforma processual, cit.,
p. 116. 424
Art. 1.005 do CPC de 1939: “Se o ato só puder ser executado pelo devedor, o juiz ordenará, a
requerimento do exeqüente, que o devedor o execute, dentro do prazo que fixar, sob cominação
pecuniária, que não exceda o valor da prestação”. 425
Ver José Carlos Barbosa Moreira, A tutela específica do credor nas obrigações negativas. Temas de
direito processual, Segunda série, cit., p. 40; José Joaquim Calmon de Passos, Comentários ao Código de
Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1977, v. 3, p. 252; Alcides de Mendonça Lima, Comentários ao
Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1977, v. 6, t. 2, p. 846; Amilcar de Castro,
178
<texto>O Código de Processo Civil de 1973, ao referir-se à multa cominatória, não
fez qualquer limitação a seu valor. O art. 644, em sua redação anterior à Lei 8.953/94,
afirmava o seguinte: “Se a obrigação consistir em fazer ou não fazer, o credor poderá
pedir que o devedor seja condenado a pagar uma pena pecuniária por dia de atraso no
cumprimento, contado o prazo da data estabelecida pelo juiz”. O silêncio do legislador
acerca da limitação do valor da multa foi interpretado pela doutrina como uma
verdadeira exclusão da sua limitação. 426
<texto>Atualmente, em face do art. 461 do CPC, não há mais qualquer dúvida
acerca da possibilidade de a multa exceder ao valor da prestação. Tal norma, na
verdade, estando completamente atrelada à idéia de que a tutela específica é
imprescindível para a realização concreta do direito constitucional à adequada tutela
jurisdicional, não faz qualquer limitação ao valor da multa.
<texto>Ora, a multa, para convencer o réu a adimplir, deve ser fixada em montante
que seja suficiente para fazer ver ao réu que é melhor cumprir do que desconsiderar a
ordem do juiz. Além disso, tratando-se de direitos não patrimoniais, ou de direitos que
dificilmente podem ser reduzidos a pecúnia, não há como não se dar ao juiz o poder
necessário para fixar o valor da multa de modo que ela atinja, no caso concreto, os fins a
que se destina. 427
<texto>Na fixação do valor da multa, é importante considerar a capacidade
econômica do demandado. Lembre-se de que o art. 37 do CPC argentino afirma que a
multa deve ser graduada “en proporción al caudal económico” daquele a que se dirige.
428 A mesma preocupação está presente no berço das astreintes, ou seja, no direito
francês, onde a Corte de Cassação já decidiu que o valor da astreinte deve ser
estabelecido de acordo com o potencial econômico de quem deve suportá-la. 429
De fato,
como diz Paolo Cendon, a astreinte é modelada com base em parâmetros “tipicamente
subjetivos – a capacidade de resistência do obrigado, o grau da sua culpa, as suas
Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 1974, v. 8, p. 189; José Frederico Marques,
Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 1976, v. 4, p. 134. 426
José Carlos Barbosa Moreira, A tutela específica do credor nas obrigações negativas. Temas de direito
processual, Segunda série, cit., p. 40. 427
Nem mesmo o valor da causa, como é óbvio, pode servir de parâmetro para a fixação da multa. 428
Luis Ramon Madozzo, Derecho procesal civil: medidas conminatorias. Genesis– Revista de Direito
Processual Civil 1/156-158. 429
Elisabetta Silvestri e Michele Taruffo, Esecuzione forzata (esecuzione forzata e misure coercitive).
Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 13, p. 6.
179
condições econômicas”. 430
<texto>O juiz, ao considerar a capacidade econômica do réu, não deve limitar-se a
analisar seu patrimônio imobilizado, mas tudo o que indique sua verdadeira situação
financeira, como, por exemplo, o salário que é por ele auferido. 431
<texto>Ainda que as normas dos arts. 461 do CPC e 84 do CDC guardem silêncio
quanto à possibilidade da fixação de uma multa progressiva, nada impede que o juiz a
fixe com este caráter, à semelhança do que ocorre no direito argentino, onde, segundo o
que dispõe o próprio art. 37 do Código Procesal Civil y Comercial de la Nación, o juiz
pode “imponer sanciones pecuniarias, compulsivas y progresivas”. Como esclarece
Luis Ramon Madozzo em comentário a este artigo, “dado el fin perseguido”, tais
sanciones “pueden ser progresivas, es decir, fijada en una pequeña suma diaria, pueden
ser aumentadas a medida que el conminado resiste la conminación”. 432
<texto>O fato de o § 6.º do art. 461 autorizar ao juiz, ainda que de ofício, a
“modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente
ou excessiva”, não proíbe que a multa seja fixada em forma progressiva. Dada a
finalidade da multa e a possibilidade – que é inerente a sua utilização – de o devedor
resistir à pressão que ela tem por fim exercer, é até mesmo aconselhável que o juiz fixe
uma multa que aumente progressivamente com o passar do tempo. O fluir do tempo sem
o adimplemento do réu evidencia sua capacidade de resistência, e se o objetivo da multa
é justamente quebrar esse poder de resistir, nada mais natural do que sua fixação em
caráter progressivo.
<texto>O art. 461 – e também o art. 84 do CDC – afirma que o juiz poderá “impor
multa diária ao réu”. De acordo com Carreira Alvim, “a multa imposta será
necessariamente diária, o que afasta a possibilidade de multa em valor fixo (R$
1.000,00 se não cumprir a ordem) ou por período diverso de tempo (semanal, quinzenal,
mensal etc.)”. 433
Afirma Carreira Alvim que “a mens legis foi mesmo a multa diária,
com o que se evita a eventual decomposição do seu valor, fixado por período diverso
(semana, quinzena ou mês), para o caso de vir a obrigação a ser satisfeita antes do termo 430
Paolo Cendon, Le misure compulsorie a carattere pecuniario. Processo e tecniche di attuazione dei
diritti, cit., p. 297. 431
Ver J. E. Carreira Alvim, Tutela específica das obrigações de fazer e não fazer na reforma processual,
cit., p. 115. 432
Luis Ramon Madozzo, Derecho procesal civil: medidas conminatorias, Genesis – Revista de Direito
Processual Civil 1/156. 433
J. E. Carreira Alvim, Tutela específica das obrigações de fazer e não fazer na reforma processual, cit.,
p. 171.
180
final”. 434
<texto>Não nos parece que essa seja a interpretação adequada. Note-se que,
tratando-se de tutela inibitória, a “multa diária” só tem eficácia nos casos de tutela que
tem por fim fazer cessar o ilícito, ou seja, nas hipóteses de ilícito continuado. A multa,
em tais casos, pode ser aplicada por dia de atraso na cessação do ilícito. Entretanto,
quando se deseja impedir a prática ou a repetição de um ilícito, não há outra saída que
não a imposição da multa em valor fixo. 435
<texto>Recorde-se de que o art. 829-A do CC português é claro ao preceituar que
“nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que
exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a
requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária
por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais
conveniente às circunstâncias do caso ...”. Como é óbvio, o legislador brasileiro, ao
tratar da multa, não desejou proibir a tutela que tem por fim impedir a prática ou a
repetição do ilícito, como é o caso da tutela que objetiva impedir que notícia lesiva à
honra de determinada pessoa seja (ou volte a ser) divulgada. De modo que a alusão à
multa diária, presente nos arts. 461 do CPC e 84 do CDC, não impede que a multa seja
empregada de outra forma, pois o que deve servir de parâmetro para a fixação da multa
capaz de permitir a efetiva “tutela das obrigações de fazer e não fazer” são as
características do próprio caso concreto apresentado ao juiz.
<b> 3.27.1.5 A respeito do beneficiário da multa
<texto>O art. 461 afirma em seu § 2.º que a indenização por perdas e danos dar-se-á
sem prejuízo da multa. Além disto, este artigo não contém qualquer disposição
direcionada a autorizar o Estado a cobrar o valor da multa, o que impõe a conclusão de
que a multa é devida ao autor e não ao Estado. 436
<texto>Parece-nos, entretanto, que não deveria ser assim. A multa, ainda que
mediatamente tenha por fim tutelar o direito do autor, visa, precipuamente, a garantir a
434
Idem, ibidem. 435
De acordo com o art. 1.385ter do Code Judiciaire Belga, “le juge peut fixer l’astreinte soit à une
somme unique, soit à une somme déterminée par unité de temps ou par contravention. Dans ces deux
derniers cas, le juge peut aussi déterminer un montant au-delà duquel la condamnation aux astreintes
cessera ses effets”. 436
Ver, neste sentido, Sérgio Bermudes, A reforma do Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Freitas
Bastos, 1995, p. 53; J. E. Carreira Alvim, Tutela específica das obrigações de fazer e não fazer na
reforma processual, cit., p. 121-122.
181
efetividade das decisões do juiz. Sem a multa não seria possível ao Estado exercer
plenamente a atividade jurisdicional, até porque a sentença mandamental se constituiria
em mera recomendação, a refletir a falta de capacidade do Estado para tutelar
efetivamente os direitos. É ela, portanto, instrumento indispensável para o Estado
exercer seu poder. Prova disso está no fato de o Código de Processo Civil admitir ao
juiz impor a multa de ofício na tutela antecipatória, na sentença, e ainda na fase
executiva (art. 461, §§ 4.º e 6.º). No direito francês, aliás, onde se admite que o juiz
imponha a astreinte de ofício, argumentam Pierre Hébraud e Pierre Raynaud que é
ilógico enriquecer o patrimônio de um particular em detrimento de sua vontade e em
razão de um fim que lhe é estranho e exprime um interesse público. 437
<texto>A cumulação das perdas e danos com a multa não espelha o direito do
autor. O autor, no caso de direito patrimonial, deve ser indenizado por perdas e danos;
por outro lado, no caso de direito não patrimonial, não é o valor da multa que será capaz
de remediar alguma coisa, já que, se a indenização é insuficiente para a tutela desses
direitos, não será o valor da multa que compensará adequadamente o autor pela lesão
sofrida.
<texto>A multa, mesmo quando postulada pelo autor, serve apenas para pressionar
o réu a adimplir a ordem do juiz, motivo pelo qual não parece racional a idéia de que ela
deva reverter para o patrimônio do autor, como se tivesse algum fim indenizatório. A
multa não se destina a dar ao autor um plus indenizatório ou algo parecido com isso; seu
único objetivo é garantir a efetividade da tutela jurisdicional.
<texto>Conforme antes lembrado, a preocupação com o enriquecimento ilícito do
autor em virtude da cumulação da indenização com a soma correspondente à astreinte
está presente no direito francês. 438
Como afirma André Tunc, se é legítimo que a parte
que não satisfaz o direito reconhecido ao seu adversário seja apenada, é contrário aos
princípios que seu adversário possa obter uma soma maior do que aquela que
compense o prejuízo que sofreu. 439
Jean Carbonnier, raciocinando nesta mesma linha, e
já aludindo ao art. 33 da Lei 91-650, de 9 de julho de 1991, argumenta que se a astreinte
437
Pierre Hébraud e Pierre Raynaud, Jurisprudence française en matière de droit judiciaire privé. Revue
Trimestrielle de Droit Civil, 1968, p. 755. Tradução livre. 438
Elisabetta Silvestri e Michele Taruffo, Esecuzione forzata (esecuzione forzata e misure coercitive),
Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 13, p. 6; Elisabetta Silvestri, Rilievi comparatistici in tema di
esecuzione forzata degli obblighi di fare e di non fare, Rivista di Diritto Civile, 1988, p. 535-536. 439
André Tunc, Obligations et contrats spéciaux. Revue Trimestrielle de Droit Civil, 1960, p. 672.
Tradução livre.
182
objetiva assegurar a efetividade das decisões judiciais, seria racional que o seu montante
revertesse para o Estado. 440
<texto>O direito português, a partir dessa mesma preocupação, chegou a uma
solução intermediária, determinando que a soma relativa à “sanção pecuniária
compulsória” reverta, em partes iguais, para o autor e para o Estado. 441
Com efeito,
segundo o art. 829-A, n. 3, do Código Civil português, “o montante da sanção
pecuniária compulsória destina-se, em partes iguais, ao credor e ao Estado”.
<texto>A melhor solução, a nosso ver, é a do direito alemão, onde a soma reverte
apenas ao Estado, pois não há qualquer razão para se pensar em um sistema híbrido,
como é o do direito português. O legislador brasileiro, contudo, ainda poderá deixar
claro que a multa não reverte em benefício do autor, mas sim em proveito do Estado.
<texto>Não parece que o fato de o Estado poder ser o próprio devedor da multa
possa se constituir em argumento favorável à tese de que a soma resultante da sua
aplicação deva ser dirigida ao autor. 442
Nesse caso, que é exceção, basta que se preveja
o encaminhamento da multa para um fundo. 443
Lembre-se de que no direito francês o
Conseil d’Éstat pode impor a astreinte contra as pessoas jurídicas de direito público e,
ao mesmo tempo, determinar que parte de seu montante seja atribuída “au fonds
d’équipement des collectivités locales”. 444
No direito italiano, por outro lado, um
projeto de 1975 (que não teve êxito), mandava acrescentar ao Código de Processo Civil
italiano a seguinte norma (art. 279-bis): “A sentença que declara a violação de uma
obrigação de fazer ou de não fazer, além de tratar do ressarcimento do dano, ordena a
cessação do comportamento ilegítimo e confere os oportunos provimentos a fim de que
venham eliminados os efeitos da violação; para tal fim pode fixar uma soma devida por
cada violação ou inobservância sucessivamente constatada, e por cada dia de atraso na
440
“Le problème de principe ayant été vidé par la loi, peut-être faudrait-il se préoccuper des abus de
l’astreinte, car il y en a. S’il s’agit d’assurer le respect des décisions de justice, comme le suggère la loi de
1991 (a. 33), il semblerait rationnel de dériver vers l’Etat le profit de l’astreinte, d’en faire une amende
civile sanctionnant le contempt of court” (Jean Carbonnier, Droit civil – Les obligations, v. 4, cit., p. 587). 441
João Calvão da Silva, Cumprimento e sanção pecuniária compulsória, cit., p. 444. 442
Carreira Alvim usa este argumento para fundamentar a tese de que o valor da multa deve ser
endereçado ao autor (J. E. Carreira Alvim, Tutela específica das obrigações de fazer e não fazer na
reforma processual, cit., p. 122). 443
Frise-se que de acordo com o art. 2.º, I, do Dec. 1.306, de 9 de novembro de 1994, constitui recurso do
Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD) o produto da arrecadação “das condenações judiciais de que
tratam os arts. 11 e 13 da Lei 7.347, de 24 de julho de 1985”. 444
Elisabetta Silvestri e Michele Taruffo, Esecuzione forzata (esecuzione forzata e misure coercitive).
Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 13, p. 7; Elisabetta Silvestri, Rilievi comparatistici in tema di
esecuzione forzata degli obblighi di fare e di non fare. Rivista di Diritto Civile, 1988, p. 536.
183
execução dos provimentos contidos na sentença, especificando os sujeitos, ou mesmo as
instituições públicas ou privadas, a quem estas somas devem ser atribuídas”. 445
<b> 3.27.1.6 O momento a partir do qual a multa torna-se eficaz e o momento
a partir do qual a multa pode ser cobrada
<texto>É preciso distinguir o momento a partir do qual a multa torna-se eficaz do
momento a partir do qual ela pode ser cobrada.
<texto>Não é difícil tratar da primeira dessas questões. A decisão que concede a
tutela antecipatória, em razão de sua própria natureza, produz efeitos imediatamente,
motivo pelo qual a multa que lhe é atrelada também passa a operar de imediato;
interposto recurso de agravo, o tribunal pode lhe “atribuir efeito suspensivo” (arts. 527,
III, e 558 do CPC), quando evidentemente a multa também deixará de atuar.
<texto>Fixada a multa na sentença, três são as hipóteses que podem ocorrer: i) a
sentença não é impugnada através de recurso, quando a sentença e a multa passam a
produzir efeitos após escoado o prazo recursal; ii) a sentença é impugnada através de
recurso de apelação recebido nos efeitos devolutivo e suspensivo, e a sentença e a multa
permanecem sem produzir qualquer efeito; e iii) a sentença é impugnada através de
recurso recebido apenas no efeito devolutivo – o que, é importante lembrar, é a regra na
ação coletiva, em vista do que dispõe o art. 14 da Lei 7.347/85 –, quando a sentença e a
multa passam a produzir efeitos imediatamente.
<texto>A questão complica-se quando se pensa na possibilidade da cobrança da
multa antes do trânsito em julgado, tomando-se em consideração a tutela antecipatória
ou a execução provisória da sentença. Na realidade, o problema não é exatamente saber
se a multa pode ser cobrada antes do trânsito em julgado, mas sim definir se ela é devida
na hipótese em que o julgamento final não confirma a tutela antecipatória ou a sentença
que já foi executada.
<texto>Se o nosso sistema confere ao autor o produto da multa, é completamente
irracional admitir que o autor possa ser beneficiado quando a própria jurisdição chega à
conclusão de que ele não possui o direito que afirmou estar presente ao executar
(provisoriamente) a sentença ou a tutela antecipatória. Se o processo não pode
prejudicar o autor que tem razão, é ilógico imaginar que o processo possa beneficiar o
445
Ver Giuseppe Tarzia, Presente e futuro delle misure coercitive civili. Rivista Ttrimestrale di Diritto e
Procedura Civile, 1981, p. 806.
184
autor que não tem qualquer razão, apenas porque o réu deixou de adimplir uma ordem
do Estado-juiz.
<texto>Paolo Cendon, referindo-se ao uso abusivo das astreintes, trata exatamente
da possibilidade de se pretender cobrar a multa que é imposta para fazer valer uma
sentença que mais tarde não é confirmada pelo tribunal. Suas ponderações, proferidas
em importante congresso que foi realizado em Palermo, merecem ser aqui reproduzidas:
“É ainda mais desconcertante, parece-me, a orientação – minoritária, certamente, mas
significativa para mostrar até que ponto uma certa mitologia possa levar – a orientação
(dizia) segundo a qual, uma vez impugnada com sucesso pelo devedor a condenação à
prestação principal, a própria condenação deveria permanecer em pé em relação à
astreinte, ao menos no caso em que houvesse sido concedida a execução provisória
(teria sido violado um comando do juiz!)”. 446
<texto>Não se diga que a circunstância de a multa não poder ser cobrada pelo autor
que a final é declarado sem razão retira seu caráter coercitivo. O que atua sobre a
vontade do réu é a ameaça do pagamento da multa; essa, assim, não perde o poder de
coerção apenas porque o réu sabe que não terá que pagá-la na hipótese de o julgamento
final não confirmar a tutela antecipatória ou a sentença que foi “provisoriamente
executada”. Ora, no caso de tutela antecipatória ou de “execução provisória da
sentença”, o réu certamente temerá ter que pagar a multa, não só porque é provável que
o julgamento final acabe confirmando a tutela antecipatória ou a sentença, mas
fundamentalmente porque ninguém pode ter segura convicção de qual será o “último
julgamento”.
<texto>O que importa, em outras palavras, quando se pensa na finalidade coercitiva
da multa, é a ameaça de o réu ter que futuramente arcar com ela. Com efeito, é
importante deixar claro que a multa cumpre seu papel através da ameaça que exerce
sobre o réu; a multa, para exercer sua finalidade coercitiva, não precisa ser cobrada
antes do trânsito em julgado. A finalidade coercitiva não se relaciona com a cobrança
imediata da multa, mas apenas com a possibilidade da sua cobrança futura; essa
possibilidade é suficiente para atemorizar o demandado e, assim, convencê-lo a
adimplir.
<texto>Lembre-se, aliás, em abono desta posição, de que a própria Lei da Ação
446
Paolo Cendon, Le misure compulsorie a carattere pecuniario. Processo e tecniche di attuazione dei
diritti, cit., p. 301.
185
Civil Pública afirma, em seu art. 12, § 2.º, 447
que “a multa cominada liminarmente só
será exigível do réu após o trânsito em julgado da decisão favorável ao autor, mas será
devida desde o dia em que se houver configurado o descumprimento”. 448
<b> 3.27.1.7 A questão da modificação do valor da multa
<texto>De acordo com o § 6.º do art. 461, “o juiz poderá, de ofício, modificar o
valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou
excessiva”.
<texto>Cabe indagar, em vista desta norma, se a modificação do valor ou da
periodicidade da multa encontra óbice na autoridade da coisa julgada material. O que
importa verificar, em outras palavras, é se a multa pode ser agravada ou atenuada pelo
juiz ainda que inexistente alteração na situação de fato, pois havendo esta alteração
não se pode falar – como é óbvio– em óbice da coisa julgada, uma vez que a sentença
sempre espelha uma situação jurídica e fática que existia em determinado instante.
<texto>O novo § 6.º do art. 461, ao permitir que o juiz reduza ou aumente o valor da
multa fixada na sentença já transitada em julgado, demonstra claramente que a parte da
sentença que fixa o valor da multa não fica imunizada pela coisa julgada material.
Como é evidente, se houvesse qualquer desejo de deixar intacto o valor da multa, não
teria o legislador previsto a possibilidade de o juiz aumentá-la ou reduzi-la.
<texto>A intenção desta norma é permitir que o juiz altere o valor ou a
periodicidade da multa, segundo as necessidades – que podem variar – de cada caso
concreto. A multa não é fixada para castigar o réu ou dar algo ao autor. O seu escopo é
o de dar efetividade às decisões do juiz. Assim, verificando o juiz que a periodicidade
ou o valor da multa não mais estão de acordo com a idéia que presidiu a sua própria
447
A mesma regra está reproduzida no art. 213, § 3.º, do Estatuto da Criança e do Adolescente: “A multa
só será exigível do réu após o trânsito em julgado da sentença favorável ao autor, mas será devida desde o
dia em que se houver configurado o descumprimento”. 448
Arruda Alvim, ao comentar o art. 84 do CDC, reafirma a idéia contida no art. 12 da Lei da Ação Civil
Pública: “Se assim é, segue-se que esta multa terá incidência já a partir desta decisão liminar, ou, da
liminar concedida após justificação prévia, mas somente poderá ser cobrada ou executada a final (é, de
resto, o sistema do art. 12, § 2.º, da Lei 7.347, de 24 de julho de 1985, aplicável no caso, pela analogia das
situações, à luz do art. 90 deste Código, ao sistema do Código de Proteção e Defesa do Consumidor). A
cobrança somente ao depois do trânsito em julgado justifica-se, porque: a) se a interpretação decorrente
do Código de Defesa do Consumidor é mais favorável ao consumidor, do que o é o Código de Processo
Civil, nem por isto, todavia, deve-se descartar a possibilidade de que o fornecedor venha a ser o vencedor;
b) ora, se o fornecedor se sair vencedor da ação, seja ela coletiva, seja ela individual, a decisão que assim
haja resolvido o litígio, não poderá deixar de ter a multa como não devida” (Código do Consumidor
comentado, cit., p. 402).
186
fixação na sentença, poderá ela ser agravada ou atenuada, conforme as exigências do
caso concreto. Ora, é evidente que a técnica instituída no novo § 6.º do art. 461 guarda
relação com a própria natureza da astreinte, figura que tem uma conformação
nitidamente provisória, vale dizer, suscetível de ser alterada apenas para que seja
assegurada a efetividade da decisão judicial. De modo que não há razão para pensar que
o juiz somente pode modificar a multa se surgirem novas circunstâncias.
<texto>Na verdade, tomando-se em consideração a natureza da multa, é fácil
perceber que sua fixação é feita sempre em caráter provisório, exatamente porque ela
tem por fim apenas garantir a efetividade da tutela jurisdicional, e não um direito de
crédito em favor do autor ou um direito de não pagar uma multa superior a “x” por parte
do réu.
<a1a>3.27.2 Outras medidas de execução
<b> 3.27.2.1 A quebra do dogma da tipicidade das formas executivas
<texto>De acordo com o art. 461, § 5.º, do CPC, 449
“para a efetivação da tutela
específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a
requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por
tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras
e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial”.
<texto>Como se vê, esta norma, ao conferir ao juiz um amplo poder para a
determinação das modalidades executivas adequadas às diversas situações conflitivas
concretas, quebra o princípio da tipicidade das formas executivas. 450
<texto>Esse princípio expressa que os meios de execução devem estar previstos na
lei e, assim, que a execução não pode ocorrer através de formas executivas não
tipificadas. O seu objetivo é, de um lado, impedir que meio executivo não previsto em
lei possa ser utilizado, e ao mesmo tempo garantir o jurisdicionado contra a
possibilidade de arbítrio judicial na fixação da modalidade executiva. Ora, se o
jurisdicionado sabe, em razão de previsão legal, que a sua esfera jurídica somente
poderá ser invadida através de determinadas modalidades executivas, confere-se a ele a
449
Ver, também, o art. 84, § 5.º, do CDC. 450
No direito italiano, sobre a quebra deste princípio, principalmente em face do art. 18 do Estatuto do
Trabalhador, ver Michele Taruffo, Problemi in tema di esecutorietà della condanna alla reintegrazione del
lavoratore. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1976, p. 801-802.
187
possibilidade de antever a reação ao seu inadimplemento, bem como a garantia de que a
jurisdição não determinará ou permitirá a utilização de meio executivo diverso daqueles
previstos.
<texto>Esta relação pode ser evidenciada através da demonstração do argumento
que levou a doutrina italiana clássica a pensar na tipicidade das formas de execução. A
doutrina de Mandrioli, um dos maiores estudiosos da “esecuzione forzata in forma
specifica” 451
na Itália, serve para provar a nossa tese. Afirmou ele – elogiando o
princípio da tipicidade – que “a precisa referência às formas previstas no Código de
Processo Civil implica no reconhecimento da regra fundamental da intangibilidade da
esfera de autonomia do devedor, a qual somente poderia ser invadida nos modos e
através das formas tipicamente previstas pela lei processual”. 452
<texto>Com efeito, é muito interessante frisar a ligação entre o culto às idéias
liberais e as formas do processo, que na verdade seriam “formas de garantia das
liberdades”. Aliás, esta ligação foi posta à luz por Denti quando, ao escrever sobre “Il
processo di cognizione nella storia delle riforme”, advertiu que a antiga concepção
burocrática da função jurisdicional, marcada pela excessiva racionalização do exercício
dos poderes do juiz, foi a responsável pela idéia de se criar um modelo único de
procedimento. 453
Nesta ocasião, Denti lembrou que Chiovenda, em uma de sua mais
famosas conferências (Le forme nella difesa giudiziale del diritto, 1901), não apenas
sublinhou a necessidade das formas como garantia contra a possibilidade de arbítrio do
juiz, como ainda deixou clara “a estreita ligação entre a liberdade individual e o rigor
das formas processuais”. 454
<texto>Como se vê, não há como negar que a idéia de garantir a “liberdade
individual” está na base do princípio da tipicidade das formas executivas. Entretanto, a
tomada de consciência de que os procedimentos não podem ficar distantes do direito
material, ou de que devem ser construídas tutelas jurisdicionais adequadas às diversas
451
Mandrioli tem um livro com o título L’esecuzione forzata in forma specifica. Milano: Giuffrè, 1953. 452
Crisanto Mandrioli, L’esecuzione specifica dell’ordine di reintegrazione nel posto di lavoro. Rivista di
Diritto Processuale, 1975, p. 23. Ver, ainda, Crisanto Mandrioli, Sulla correlazione necessaria tra
condanna ed eseguibilità forzata. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1976, p. 1.347; Luigi
Montesano, Condanna civile e tutela dei diritti. Napoli: Jovene, 1965, p. 86; Giuseppe Borrè, Esecuzione
forzata degli obblighi di fare e di non fare, cit., p. 91. Em sentido crítico, ver, ainda, Salvatore
Mazzamuto, L’attuazione degli obblighi di fare, cit., p. 146 e ss; Lanfranco Ferroni, Obblighi di fare ed
eseguibilità, cit., p. 139 e ss. 453
Vittorio Denti, Il processo di cognizione nella storia delle riforme, Rivista Trimestrale di Diritto e
Procedura Civile, 1993, p. 808. 454
Idem, ibidem.
188
situações de direito substancial, 455
obrigou ao abandono da idéia de tipicidade das
formas executivas, levando às disposições dos arts. 461, CPC, e 84, CDC. Tais artigos
partem da premissa de que, para o processo tutelar de forma adequada e efetiva as várias
situações de direito substancial, é imprescindível não apenas procedimentos e sentenças
diferenciados, mas também que o juiz tenha amplo poder para determinar a modalidade
executiva adequada diante do caso concreto.
<texto>É possível dizer, assim, que o legislador, ao perceber a necessidade de dar
maior mobilidade ao juiz para a efetividade da tutela dos direitos, não teve outra
alternativa a não ser deixar de lado a garantia que era estabelecida no princípio da
tipicidade das formas executivas, e assim instituir os arts. 461, CPC, e 84, CDC.
<texto>Frise-se, aliás, que o legislador somente exemplificou, nos arts. 461, CPC, e
84, CDC, algumas medidas que podem ser utilizadas pelo juiz. Lembre-se que estas
normas afirmam que “o juiz poderá determinar as medidas necessárias, tais como...”. A
redação destes dispositivos, ao dizer que o juiz pode determinar as medidas necessárias,
tais como aquelas que estão expressamente enumeradas, evidencia de forma nítida a
intenção de conferir ao juiz poder para determinar a medida adequada a cada caso
concreto, ainda que ela não esteja expressamente nominada. Isto não quer dizer, como é
óbvio, que o juiz possa deixar de explicar o motivo que o levou a determinar certa
medida, uma vez que a sua atuação, como já foi dito, deve ser controlada através dos
princípios do meio idôneo e da menor restrição possível.
<texto>Hoje, portanto, diante do amplo poder executivo que foi conferido ao juiz, é
exato falar em princípio da concentração dos poderes de execução do juiz. A tutela
fundada nos arts. 461, CPC, e 84, CDC, é marcada por este princípio, pois o juiz, diante
destas normas, tem o poder de determinar as medidas necessárias para que ocorra a
efetiva tutela do direito.
<b> 3.27.2.2 O uso das medidas de coerção direta e de sub-rogação para a
prestação da tutela inibitória
<texto>Sempre tivemos receio de evidenciar a possibilidade da utilização de meios
de coerção direta e de sub-rogação diante da ameaça da prática, repetição ou
continuação do ilícito. Isto por uma razão bastante simples. É que a doutrina sempre
455
Ver Andrea Proto Pisani, Appunti preliminari sui rapporti tra diritto sostanziale e processo. Diritto e
giurisprudenza, 1978, p. 5 e ss.
189
mostrou preocupação em relação à tutela inibitória, exatamente por representar uma
forma de interferência na esfera jurídica do particular que se funda apenas na
probabilidade de um ilícito. O grande argumento utilizado contra a aplicação de uma
tutela inibitória genérica sempre foi o de que esta forma de atuação jurisdicional poderia
colocar em risco o direito de liberdade, pois limitaria a liberdade antes que uma
violação de direito houvesse ocorrido.
<texto>Como a atuação jurisdicional que determina a observância de uma ordem
sob pena de multa é menos drástica, considerando a interferência da jurisdição no
direito de liberdade, do que o uso de medidas de coerção direta ou de sub-rogação,
classificamos a tutela preventiva, no livro Tutela específica (publicado em 2000), 456
em
tutela inibitória (ordem de não fazer ou de fazer) e tutela preventiva executiva (ou tutela
inibitória executiva). Como é evidente, isto quer dizer que nada impede que se pense em
tutela inibitória imposta através da técnica da ordem seguida da multa ou do uso de
medidas de coerção direta, mas é necessário mais cautela no uso desta última técnica.
<texto>É importante deixar claro que a coerção indireta é um meio técnico que pode
ser utilizado pela jurisdição para forçar a parte a fazer ou a não fazer alguma coisa (por
exemplo, multa), enquanto a coerção direta não atua sobre a vontade da parte para
convencê-la a adimplir. Se a coerção indireta constitui meio técnico que pode ser
utilizado pela jurisdição para forçar a parte ao cumprimento, é evidente que a multa
configura meio de coerção indireta. Acontece que a multa não é o único meio que pode
ser utilizado para pressionar ao adimplemento. Basta pensar na prisão, 457
que, assim
como a multa, representa medida que serve para constranger ao cumprimento, ou em
outro meio capaz de, diante das circunstâncias de dado caso concreto, também servir
para pressionar a vontade da parte.
<texto>Há coerção direta quando o direito pode ser efetivamente tutelado
independentemente da vontade do demandado, ou seja, quando se pode dispensar a sua
vontade. Há coerção direta quando o direito é realizado em virtude da atuação de um
auxiliar do juiz, ou de alguém que do juiz recebe esta qualificação. Como exemplo de
aplicação de coerção direta, pode ser referido o caso em que o juiz, objetivando tutelar
contra o ilícito continuado, impõe a interdição de fábrica que está poluindo o meio
ambiente, determinando que o oficial de justiça realize o lacre dos seus portões de
456
Luiz Guilherme Marinoni, Tutela específica. São Paulo: RT, 2000. 457
Mais adiante será analisada a possibilidade do emprego da prisão, como meio de coerção indireta
capaz de colaborar para a efetividade da tutela inibitória.
190
entrada. Há, ainda, a possibilidade de o juiz nomear administrador provisório para atuar
no seio de determinada empresa, à semelhança do que ocorre no direito anglo-
americano, quando se pensa nas figuras do master ou administrator, ou ainda do
receiver. 458
Lembre-se, aliás, que o receiver americano pode administrar uma
propriedade para fazer cessar a poluição, 459
o que, sem dúvida, configura hipótese de
coerção direta.
<texto>Entretanto, ao lado da coerção indireta (pressão sobre a vontade da parte) e
da coerção direta (participação de um auxiliar do juízo para a tutela do direito), é
possível vislumbrar medidas de sub-rogação. Estas últimas, se evidentemente não
podem ser confundidas com a coerção indireta, uma vez que não atuam sobre a vontade
do demandado, também têm diferenças em relação às medidas de coerção direta.
<texto>Atua-se mediante coerção direta no caso em que se teme violação de caráter
instantâneo (prática ou repetição de ilícito que se concretize em fazer ou não fazer) ou
um agir ilícito (por exemplo, poluição ambiental). Contudo, há situações – embora mais
restritas – em que é necessário um fazer que deve ser praticado por um terceiro. Na
hipótese de não agir ilícito (por exemplo, não observância de norma que obriga, visando
evitar a poluição ambiental, a instalação de determinada tecnologia), ou de tutela que
imponha a instalação desta tecnologia para evitar a continuação da violação do dever de
não poluir, poderá o juiz determinar que um terceiro instale o instrumento técnico
adequado. Neste caso, o terceiro substitui o réu, fazendo aquilo que por ele já deveria ter
sido feito.
Quando a atuação executiva não implica na prática de fazer que já deveria ter sido
observado, e assim não pode ser dita substitutiva do fazer, há medida de coerção direta,
e não medida de sub-rogação. No caso em que a atuação executiva não presta o fazer
inadimplido, mas apenas é necessária para garantir, independentemente da vontade do
réu, a efetividade da tutela jurisdicional, a medida é de coerção direta.
<texto>A sub-rogação, como é evidente, é medida de menor efetividade diante da
multa e da coerção direta, e assim somente deve ser utilizada nos casos em que uma das
duas primeiras for absolutamente inviável. De qualquer forma, não há dúvida que
existem medidas de coerção indireta, medidas de coerção direta e medidas de sub-
458
Ver Elisabetta Silvestri, Rilievi comparatistici in tema di esecuzione forzata degli obblighi di fare e di
non fare. Rivista di Diritto Civile, 1988, p. 542. 459
Neste sentido, Kazuo Watanabe, Tutela antecipatória e tutela específica das obrigações de fazer e não
fazer. Reforma do Código de Processo Civil, cit., p. 45.
191
rogação, e que todas elas, consideradas as diferenças dos casos concretos, podem ser
utilizadas para a efetividade da tutela inibitória, embora não seja possível esquecer que
jamais poderão ser utilizadas de forma indiscriminada, pois o seu uso não poderá trazer
gravame despropositado à esfera jurídica do demandado.
<texto>Como é fácil perceber, já que a atividade de execução do juiz, como é óbvio,
deve respeitar a esfera jurídica do réu, o grande problema que existe, diante da
variedade das formas que podem ser utilizadas para dar efetividade à tutela inibitória, é
o de definir os critérios que devem ser utilizados para orientar a atividade executiva.
<texto>Antes disto, porém, já que configura questão que necessariamente deve
anteceder a da adequada utilização dos meios de execução da tutela inibitória, é
necessário analisar a possibilidade do uso da ameaça de prisão como forma de coerção
indireta.
<b> 3.27.2.3 A prisão como meio de coerção indireta
<texto>O enfrentamento da questão da possibilidade do uso da prisão civil, como
meio de coerção indireta, necessariamente requer a consideração do disposto no art. 5.º,
LXVII, da CF: “não haverá prisão por dívida, salvo a do responsável pelo
inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário
infiel”.
<texto>É costume afirmar, a partir de uma visão deitada exclusivamente em valores
do passado, que o uso da prisão é uma forma violenta e odiosa para se procurar a
efetividade do processo. 460
<texto>Na análise da norma que veda a prisão civil por dívida, com exceção da
prisão do devedor de alimentos e do depositário infiel, não é difícil encontrar a sua
razão de ser. O seu objetivo é vedar a prisão civil por descumprimento de obrigação que
dependa, para seu adimplemento, da disposição de dinheiro. É neste sentido que se pode
460
Entre outros, não admitem o uso da prisão como meio de coerção: Humberto Theodoro Júnior,
Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro: Forense, 1978, v. 5, p. 390; Marcos Afonso
Borges, Comentários ao Código de Processo Civil, Leme: Leud, v. 4, p. 102; Sérgio Sahione Fadel,
Comentários ao Código de Processo Civil comentado, cit., p. 327. São favoráveis ao seu uso: Pontes de
Miranda, Comentários à Constituição de 1967. São Paulo: RT, 1968, t. V, p. 253; Donaldo Armelin, A
tutela jurisdicional cautelar, Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, v. 23, p. 136; Luiz
Rodrigues Wambier, Liminares: alguns aspectos polêmicos. Repertório de jurisprudência e doutrina
sobre liminares. São Paulo: RT, 1995, p. 166; Marcelo Lima Guerra, Execução indireta, São Paulo: RT,
1999, p. 245-246; Sérgio Cruz Arenhart, Tutela inibitória coletiva, cit., p. 259; Alexandre Câmara,
Lineamentos do novo processo civil. Belo Horizonte: Del Rey, 1995, p. 75; Rogéria Dotti Doria, A crise
do processo de execução, Revista de Direito Processual Civil, v. 2, p. 386.
192
dizer que a norma proibiu a prisão por “dívidas pecuniárias”. 461
<texto>Ovídio Baptista da Silva, contudo, ao analisar o art. 885 do CPC, afirmou
que não teria procedência dizer que a norma constitucional veda apenas a prisão por
dívida em sentido estrito, quando ela própria prevê, como exceção, a prisão do
depositário infiel, que não constitui caso de dívida pecuniária. Diz ele: “Se a prisão por
dívidas que não fossem monetárias estivesse sempre autorizada, não faria sentido a
exceção constante do texto constitucional para o caso de depositário infiel”. 462
<texto>Cabe lembrar, porém, que a linguagem utilizada na Constituição Federal não
é tecnicamente precisa, mas sim comum, e assim pouco importa que a exceção, relativa
ao depositário infiel, não envolva caso de dívida pecuniária. O fato é que a hipótese do
depositário infiel, assim como a do devedor de alimentos, possui características
próprias, as quais conduziram a Constituição a traçá-la como exceção. Isto apenas para
deixar evidenciada a possibilidade de prisão no caso de depositário infiel e de não
pagamento de alimentos.
<texto>Frise-se que o débito alimentar não tem origem em obrigação, mas constitui
dever legal com repercussão não-patrimonial, razão pela qual não pode ser comparado a
uma simples dívida pecuniária. Mas a Constituição se preocupou em deixar clara a
possibilidade de se conferir tratamento diferenciado ao crédito alimentar, e assim
excepcionou a possibilidade de prisão do devedor de alimentos. 463
Portanto, sua
intenção – ao estabelecer as exceções – foi apenas evidenciar a possibilidade da prisão.
Isto porque, como é sabido, a Constituição não deve atingir somente os juristas, mas a
todos os cidadãos.
<texto>Aliás, se o objetivo da norma fosse o de proibir toda e qualquer prisão, com
exceção dos casos do devedor de alimentos e do depositário infiel, não haveria como
explicar a razão pela qual deu conteúdo à prisão civil, dizendo que “não haverá prisão
por dívida” . É pouco mais do que evidente que a norma desejou proibir uma
determinada espécie de prisão civil, e não toda e qualquer prisão civil. O que importa 461
Pontes de Miranda sustentou que a proibição da Constituição estaria na prisão por não-pagamento de
dívida pecuniária, e que assim seria possível utilizar a prisão como meio coercitivo (Pontes de Miranda,
Comentários à Constituição de 1967, cit., t. V, p. 253). 462
Ovídio Baptista da Silva, Do processo cautelar. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 574. Nesta
linha, Eduardo Talamini, Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer, cit., p. 297. 463
Certa da absoluta diversidade da situação do devedor de alimentos – que não apenas deixa de adimplir
uma simples dívida, porém descumpre obrigação fundamental para suprir uma necessidade primária (e
por isto é vista como obrigação com função não-patrimonial) –, a Constituição evidenciou a possibilidade
do uso da prisão, pensando logicamente na sua importância para a efetividade da tutela do credor de
alimentos.
193
saber, assim, é a espécie de prisão civil que foi vedada. Se não há como fugir da idéia de
que foi proibida somente uma espécie de prisão civil, e não toda e qualquer prisão civil,
a prisão proibida somente pode ser a prisão por “débito”. O entendimento de que toda e
qualquer prisão está proibida, implica retirar qualquer significado da expressão
“dívida”. Afirmar que existem outras modalidades de dívida, que não apenas a
pecuniária, e concluir que estas vedam a prisão, é dizer nada sobre a espécie de prisão
proibida, mas simplesmente insistir na idéia de que a norma constitucional veda o uso
da prisão civil como meio de coerção, e deste modo retirar qualquer significado da
expressão “dívida”.
<texto>Na verdade, a interpretação do art. 5.º, LXVII, da Constituição Federal, deve
ser alçada a um nível que considere os direitos fundamentais. Ou seja, se é necessário
vedar a prisão do devedor que não possui patrimônio – e assim considerar um direito
fundamental –, é absolutamente indispensável permitir o seu uso para a efetividade da
tutela de outros direitos fundamentais.
<texto>Karl Engisch464
adverte, aludindo ao Tratado de Direito Civil de
Enneccerus, que o direito é apenas uma parte da cultura global e, assim, o preceito da lei
deve, na dúvida, ser interpretado de modo a ajustar-se o máximo possível às exigências
da nossa vida em sociedade e ao desenvolvimento de toda a nossa cultura. Não há
sentido na preocupação com a linguagem da lei, quando o seu fim, em uma
interpretação que deseja fazer valer os direitos e, por conseqüência, o direito à
efetividade da tutela jurisdicional, impede que se extraia da norma que fala em prisão
por dívida a idéia de que é possível a utilização da prisão nos casos em que há
necessidade de vedar ação ilícita, e deste modo impedir a violação de um direito. 465
<texto>Não há dúvida de que os direitos perdem sua qualidade se não puderem ser
464
Karl Engisch, Introdução ao pensamento jurídico. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
1977, p. 111-112 465
Correto, assim, Sérgio Arenhart: “Quanto à prisão para cumprimento de ordem judicial, não tem
caráter obrigacional. Ao contrário, deriva do imperium estatal e tem por fim resguardar a dignidade da
justiça. Enfim, encontra apoio na regra do art. 5.º , inciso XXXV, da Constituição Federal, no que pertine
à garantia de um provimento jurisdicional útil. Isto porque, em tese, pode haver situações em que a única
forma de se obter provimento jurisdicional capaz de ser eficaz no caso concreto será contando com a
colaboração do réu (sujeito a uma ordem judicial); e, também, não é difícil imaginar hipóteses
(especialmente em sede de tutela inibitória) em que a imposição de astreintes ou de outra medida de
apoio, que não a prisão civil, seja totalmente inadequada para garantir o cumprimento da determinação.
Para estes casos, então, será legítima a imposição da prisão civil como meio coercitivo, sem que se
vislumbre qualquer óbice a isto na regra constitucional do art. 5.º, LXVII (ou mesmo nos textos das
convenções inicialmente mencionadas)” (Sérgio Cruz Arenhart, A tutela inibitória coletiva, cit., p. 270).
194
efetivamente tutelados. 466
É por isto que, diante da proibição da autotutela, fala-se que o
processo é imprescindível, em nível de efetividade, para a existência do próprio
ordenamento jurídico. Por outro lado, é certo que o processo exige, diante de certas
situações de direito substancial, o uso da coerção indireta. Entretanto, a multa não
constitui a única forma de coerção indireta, e nem se pode dizer que é ela suficiente para
a efetiva prestação da tutela jurisdicional. Como é evidente, e já foi dito neste livro, a
multa não tem efetividade diante de um réu que não possui patrimônio. Portanto, a
violação de direitos é muito fácil a pessoas inescrupulosas, uma vez que também não é
difícil, por exemplo, que estas possam constituir um “testa-de-ferro” sem patrimônio
para violar, sem qualquer preocupação, direitos da personalidade.
<texto>Não admitir a prisão como forma de coerção indireta é aceitar que o
ordenamento jurídico apenas proclama, de forma retórica, os direitos que não podem ser
efetivamente tutelados sem que a jurisdição a tenha em suas mãos para prestar tutela
jurisdicional efetiva. Soará absolutamente falsa e demagógica a afirmação da
Constituição Federal, no sentido de que “todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade
de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-
lo para as futuras gerações” (art. 225, caput), se não for viável a utilização da prisão
como meio de coerção indireta. Seria o mesmo que interpretar esta norma constitucional
como se ela dissesse que o meio ambiente, embora fundamental para a sadia qualidade
de vida e para as futuras gerações, infelizmente não pode ser efetivamente tutelado em
face de um réu que não se importa com os efeitos da multa. Ora, esta interpretação seria,
para dizer o mínimo, incoerente.
<texto>De modo que a doutrina, consciente da importância da natureza não
patrimonial de certos direitos, não pode ver na norma constitucional que proíbe a
prisão por dívida uma porta aberta para a expropriação de direitos fundamentais para
o homem.
<texto>Em uma interpretação realmente atenta aos direitos fundamentais, e de
acordo com a moderna hermenêutica constitucional, não há como enxergar apenas o que
466
Sobre a importância da prisão civil, ver ainda Elton Venturi, A tutela executiva dos direitos difusos nas
ações coletivas. Processo de execução e assuntos afins (coord. de Teresa Arruda Alvim Wambier). São
Paulo: RT, 1998, p. 164 e ss.
195
há de negativo na utilização da prisão. 467
Se ela constitui violência inconcebível em
face de dívidas em sentido estrito, não há como deixar de perceber o seu lado positivo
diante da necessidade de tutela inibitória e de prestações que não dependam do
desembolso de dinheiro.
<texto>Esta interpretação deixa de lado o conceito mítico de que a prisão civil é um
simples atentado contra a liberdade dos cidadãos e, atenta para a necessidade do uso da
coerção pessoal para a efetiva tutela dos direitos, propõe que se veja, ao lado da
proibição da prisão civil em todos os casos em que, para o adimplemento, é necessário o
desembolso de dinheiro, a possibilidade do seu uso para impedir a expropriação dos
direitos.
<texto>A forma de interpretação que não vê a prisão como meio coercitivo constitui
um método hermenêutico clássico, não suficiente quando comparado aos métodos
hermenêuticos modernos, 468
os quais são absolutamente necessários quando o que se
tem a interpretar, diante das características da sociedade contemporânea e da
importância que nela assumem os direitos fundamentais, é um contexto de grande
riqueza e muita complexidade. Com efeito, não sendo o caso de apenas considerar o
texto da norma, como se ela estivesse isolada do contexto, é necessário recorrer ao
método hermenêutico-concretizador.
<texto>Na verdade, deparando-se com as norma do art. 5.º, LXVII, da CF, deve o
intérprete estabelecer, como é óbvio, a dúvida que a sua interpretação suscita. Ou seja,
se ela veda o uso da prisão como meio de coerção indireta ou somente a prisão por
dívida em sentido estrito. A partir daí, verificando-se que a norma aponta para dois
direitos fundamentais, isto é, para o direito à efetividade da tutela jurisdicional e para o
direito de liberdade, deve ser investigado o que significa dar aplicação a cada um deles.
Concluindo-se, a partir da análise da própria razão de ser destes princípios, que a sua
aplicação deve ser conciliada ou harmonizada, não há como deixar de interpretar a
norma no sentido de que a prisão deve ser vedada quando a prestação depender da
467
Como corretamente afirma Marcelo Lima Guerra, “encarada a prisão como um importante meio de
concretização do direito fundamental à tutela efetiva e não apenas como uma odiosa lesão ao direito de
liberdade, uma exegese que restrinja a vedação do inc. LXVII do art. 5.º da CF aos casos de prisão por
dívida em sentido estrito preserva substancialmente a garantia que essa vedação representa, sem eliminar
totalmente as possibilidades de se empregar a prisão civil como medida coercitiva para assegurar a
prestação efetiva da tutela jurisdicional” (Marcelo Lima Guerra, Execução indireta, cit., p. 245-246). 468
Sobre a interpretação constitucional, ver José Joaquim Gomes Canotilho, Direito constitucional.
Coimbra: Almedina, 1993, e Jorge Miranda, Manual de direito constitucional. Coimbra: Coimbra
Editora, 1983, t. II.
196
disposição de patrimônio, mas permitida para a jurisdição poder evitar – quando a multa
e as medidas de coerção diretas não se mostrarem adequadas – a violação de um direito,
já que de outra maneira os próprios direitos ficarão desprovidos de tutela, e assim o
ordenamento, exatamente na parte que consagra direitos invioláveis e fundamentais,
assumirá a configuração de mera retórica, e desta forma sequer poderá ser chamado de
“ordenamento jurídico”. Note-se que esta interpretação, além de considerar o contexto, e
por esta razão ser muito mais abrangente do que a “clássica”, dá ênfase aos direitos
fundamentais, realizando a sua necessária harmonização para que a sociedade possa ver
sua concretização nos locais em que a sua própria razão recomenda.
<b> 3.27.2.4 Critérios que devem guiar a atividade executiva. A multa, a
prisão, as medidas de coerção direta e as medidas de sub-rogação na
prestação da tutela inibitória
<texto>Consideradas as diversas formas que podem ser utilizadas pelo juiz para dar
efetividade à tutela inibitória, é imprescindível estabelecer critérios para orientar a
atividade executiva.
<texto>Como já foi dito acima, 469
o princípio da necessidade, abrindo-se nos
princípios do meio idôneo e da menor restrição possível, deve orientar as hipóteses de
tutela inibitória, evitando que em nome da sua efetividade seja descurada a idéia de que
a tutela do direito deve ser obtida sem gerar conseqüências desrazoáveis à esfera
jurídica do réu.
<texto>A tutela inibitória deve preservar os direitos sem causar prejuízos indevidos
ao demandado. Assim, a sua ética está em privilegiar o “equilíbrio” e a “justa medida”
como critérios que devem iluminar a relação entre a sua efetividade e a necessidade de
preservação da esfera jurídica do réu.
<texto>Isto quer dizer que a tutela do direito sempre deve ser prestada através de
um meio adequado e mais idôneo. Este deverá ser o necessário para a tutela do direito e,
ao mesmo tempo, o que gere a menor restrição possível ao demandado. O meio mais
idôneo, assim, é aquele que, além de tutelar o direito, causa a menor restrição possível.
Assim, por exemplo, se basta determinar a instalação de determinada tecnologia para
que a poluição não prossiga, não há cabimento em se determinar a cessação das
469
Quando tratamos dos “princípios do meio idôneo e da menor restrição possível como vetores para o
adequado uso da tutela inibitória”.
197
atividades produtivas.
<texto>Contudo, o que interessa agora não é insistir no fato de que determinada
providência, quando causar menor restrição do que outra em vista de seu conteúdo,
necessariamente deverá merecer a preferência do juiz, mas sim esclarecer em que
termos devem ser utilizadas as várias formas de execução postas a sua disposição.
Portanto, a preocupação não é mais com o conteúdo da determinação, mas sim com a
forma de execução do provimento.
<texto>Quando se pensa em forma adequada de execução, há tensão entre o direito
à efetividade da tutela jurisdicional e o direito do réu, a qual deve ser solucionada pelo
juiz também diante do caso concreto, mas não mais apenas tomando em consideração a
idoneidade do conteúdo da providência a ser determinada, mas sim a idoneidade da
forma de execução para a implementação do conteúdo da providência. Ou seja, a forma
de execução capaz de tutelar de forma efetiva o direito somente será idônea quando não
implicar em “excesso” em face do réu. Ou melhor, a forma de execução deve configurar
uma “justa medida” – que tem a ver com a necessidade de “proibição de excesso” – para
a implementação do conteúdo da providência.
<texto>Considerando a natureza da tutela inibitória, e a necessidade de evitar que
ela seja utilizada de modo arbitrário, deverá ela ser prestada, em princípio, através de
ordem sob pena de multa. Contudo, a coerção direta estará justificada nos casos em que
for possível supor que a ameaça patrimonial não afetará o demandado, ou quando não
houver tempo para esperar a efetivação de ordem sob pena de multa, sendo preferível
determinar que um auxiliar do juízo atue diretamente de modo a evitar a violação do
direito.
<texto>Nestes casos, como é evidente, o juiz deverá explicar as razões que o
levaram a preferir a multa ou a coerção direta. A necessidade de o juiz explicar os seus
motivos de maneira bastante precisa, advém do fato de que hoje não mais vigora o
princípio da tipicidade dos meios executivos, mas sim o da concentração dos poderes de
execução do juiz, uma vez que a ele foi outorgada ampla latitude de poder destinada à
determinação da modalidade executiva adequada ao caso concreto. Na realidade, a
necessidade de justificação caminha de mãos dadas com este poder que foi conferido ao
juiz. Melhor explicando: o juiz não apenas está obrigado a utilizar o “meio idôneo” e a
forma executiva que, tutelando o direito, cause a “menor restrição possível”, mas
também tem o dever de justificar as suas escolhas.
198
<texto>A “proibição de excesso”, que é uma das faces do princípio da
proporcionalidade, e remete às idéias de “justa medida” e de “equilíbrio”, é instrumento
que permite o controle do poder do juiz na determinação da forma executiva. Se a
prisão, como meio de coerção, somente pode ser admitida nos casos em que não houver
necessidade de prestação que implique em disposição de dinheiro, sua utilização
somente é possível nos casos em que se teme um ilícito.
<texto>Nessas hipóteses, entretanto, o juiz somente poderá ordenar sob pena de
prisão quando estiver em condições de justificar, racionalmente, a impossibilidade de
efetivação da tutela mediante o emprego da multa e da coerção direta. Nestes casos, por
existir “necessidade” do uso da prisão, é que se poderá concluir que o seu uso constitui
medida necessária para que a tutela jurisdicional possa alcançar efetividade, quando
então o juiz poderá aplicá-la com base nos arts. 461, CPC, e 84, CDC. 470
<texto>Perceba-se que a falha da justificativa é que evidenciará a ilegitimidade da
escolha do juiz, e assim que a sua atividade não ficou contida na advertência de
“proibição de excesso”. É por isto que se pode dizer que a necessidade de justificativa
(ou de motivação) é a outra face do poder de escolha da modalidade executiva.
<texto>O poder de escolha, se é fundamental para o adequado exercício do poder, e
é orientado pelas idéias de “adequação”, de “meio idôneo” e de “menor restrição
possível”, é legitimado pela necessidade de “justificativa”, vale dizer, de explicação
das razões de escolha.
<texto>Como se vê, esta forma de viabilizar o exercício do poder e, ao mesmo
tempo controlá-lo, é fundamental em face dos direitos da sociedade contemporânea, e
constitui pura manifestação da crescente necessidade de se pensar o direito para o caso
concreto.
<texto>Porém, é preciso finalizar esclarecendo que é impossível desenhar –
exatamente pelo fato de que aqui o direito é pensado para o caso concreto– uma precisa
e exata tabela para o uso das medidas de execução. Isto não é possível e desejável. O
que é necessário deixar claro é que o poder de execução do juiz está sujeito a controle
por meio dos critérios antes delineados, e que estes somente poderão ser precisamente
testados diante dos casos concretos.
470
No mesmo sentido, Marcelo Lima Guerra, Execução indireta, cit., p. 245-246; Sérgio Cruz Arenhart,
Tutela inibitória coletiva, cit., p. 259; Alexandre Câmara, Lineamentos do novo processo civil, cit., p. 75.
199
<tit>4
<tit1>O DELINEAMENTO DA TUTELA INIBITÓRIA
EM FACE DAS TUTELAS DECLARATÓRIA Ee
CAUTELAR E DA CONDENAÇÃO
PARA O FUTURO
<s>SUMÁRIO: 4.1 Tutela inibitória e tutela declaratória – 4.2 Tutela inibitória e
tutela cautelar – 4.3 Tutela inibitória e condenação para o futuro.
<a>4.1 Tutela inibitória e tutela declaratória
<texto>A ação declaratória, como é sabido, visa fundamentalmente a eliminar a
incerteza em torno da existência ou da inexistência de determinada relação jurídica.471
<texto>Costuma-se afirmar que a tutela declaratória tem fim preventivo, excluindo-
se, como é óbvio, a hipótese em que a ação é proposta depois da violação do direito –
como admite o art. 4.o, par. ún., do CPC.472
<texto>Gian Antonio Micheli, na conferência sobre “L’action en prévention en
dehors des litiges immobiliers”, pronunciada em um importante congresso internacional
de direito comparado que versou sobre as tutelas preventivas, incluiu a tutela
declaratória no gênero tutela preventiva, dizendo que “a primeira figura de ação
preventiva é aquela da ‘action en fixation de droit’ (ação declaratória), admitida para a
obtenção da declaração de um direito quando este, embora não tenha sido violado ou
judicialmente contestado, torna-se objetivamente incerto em sua existência ou conteúdo,
na medida em que é discutido ou não reconhecido pelos outros”.473
<texto>É importante verificar, contudo, em que termos a tutela declaratória exerce
471
De acordo com o art. 4.o, caput, do CPC, “o interesse do autor pode limitar-se à declaração: i) da
existência ou da inexistência de relação jurídica; ii) da autenticidade ou falsidade de documento”. 472
De acordo com o art. 4.o, parágrafo único, do CPC, “é admissível a ação declaratória, ainda que tenha
ocorrido a violação do direito”. 473
Gian Antonio Micheli, L’azione preventiva. Rivista di Diritto Processuale, 1959, p. 205.
200
sua função preventiva. A tutela declaratória realiza-se com a prolação da sentença que,
contendo um juízo meramente declaratório, é revestida pela coisa julgada material; a
sentença declaratória, portanto, dá ao autor apenas a vantagem de que a relação jurídica
que até então era controvertida não mais poderá ser discutida.474 Tal sentença,
entretanto, é incapaz de obrigar alguém a fazer ou deixar de fazer alguma coisa em
virtude da declaração que contém. É perfeita, portanto, a observação de Barbosa
Moreira, no sentido de que a tutela declaratória somente pode prevenir uma violação
quando a parte vencida sai também convencida e resolve cumprir a obrigação em tempo
oportuno: “como meio de intimidação, e pois de coerção, todavia, o remédio é fraco:
basta pensar que, na eventualidade de inadimplemento, o titular do direito lesado terá de
voltar a juízo para pleitear a condenação do infrator, ao qual se concede assim uma
folga em boa medida tranqüilizadora”.475
<texto>A tutela declaratória, com efeito, não tem capacidade para permitir uma
efetiva prevenção do ilícito. No direito italiano, aliás, onde não há sentença “genérica”
que se ligue à multa, há grande dificuldade para se dar efetividade à tutela inibitória;476
é apenas por esta razão – isto é, pela inexistência de sentença que possa ordenar sob
pena de multa – que Proto Pisani propôs a reconstrução do conceito de sentença
condenatória, sustentando que ela deveria ser vista como uma ordem judicial que, em
caso de inadimplemento, dá margem à prisão, em vista do art. 388 do CP italiano.477
<texto>Note-se que a relação entre tutela declaratória e tutela preventiva, que foi
posta à luz pela doutrina chiovendiana,478 decorreu, em primeiro lugar, de uma
exigência de construção sistemática. Não importava, de fato, se a tutela declaratória
exercia uma função realmente preventiva, mas sim que a tutela declaratória, ao ser
pensada em contraposição à condenação, demonstrava o princípio da autonomia da
ação, o qual obviamente se ligava à marca nitidamente publicista que Chiovenda
imprimiu à jurisdição.479
<texto>Não é possível esquecer, ademais, que a escola sistemática formou-se sob a 474
Ver Ovídio Baptista da Silva, Curso de processo civil, v. 1, cit., p. 133 e ss. 475
José Carlos Barbosa Moreira, Tutela sancionatória e tutela preventiva. Temas de direito processual,
Segunda série, cit., p. 27. 476
Ver Cristina Rapisarda e Michele Taruffo, Inibitoria. Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 17, p. 8-9;
Cristina Rapisarda, Inibitoria. Digesto delle discipline privatistiche, v. 9, p. 486 e ss. 477
Ver Andrea Proto Pisani, L’attuazione dei provvedimenti di condanna, Foro italiano, 1988, p. 184;
Andrea Proto Pisani, Lezioni di diritto processuale civile, cit., p. 183. Ver, também neste sentido, Aldo
Frignani, L’injunction nella common law e l’inibitoria nel diritto italiano, cit., p. 592 e ss. 478
Giuseppe Chiovenda, L’azione nel sistema dei diritti. Saggi di diritto processuale civile. Roma:
Società Editrice Foro Italiano, 1930, p. 82. 479
Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 67-68.
201
influência de um modelo de Estado de Direito de matriz liberal, o que significa que a
doutrina chiovendiana de certa forma ainda estava sob a influência da orientação que
inspirou os juristas do século XIX. Esse modelo institucional de Estado, marcado por
uma acentuação dos valores de liberdade individual em relação aos poderes de
intervenção estatal, reflete-se sobre a concepção de tutela declaratória,480 enquanto
tutela que regula apenas formalmente uma relação jurídica já determinada em seu
conteúdo pela autonomia privada.481
<texto>Não parece errado afirmar, em outras palavras, que a contraposição tutela
declaratória-tutela inibitória expressa diferentes necessidades e valores, sendo a
primeira marcada pelo desejo de não permitir a intervenção do Estado nas relações dos
particulares, e a segunda por uma exigência praticamente oposta, ou seja, por uma real
necessidade de impedir a violação de direitos considerados fundamentais dentro de um
contexto de Estado que, deixando de lado a necessidade de apenas preservar a liberdade
do cidadão, passa a apostar não só na consagração formal, mas sobretudo na tutela
efetiva e concreta de direitos imprescindíveis para uma organização social mais justa e
equânime.
<a>4.2 Tutela inibitória e tutela cautelar
<texto>O delineamento do perfil da tutela inibitória, aliado à convicção de que as
tutelas devem ser classificadas de acordo com os resultados que proporcionam no plano
do direito material, traz várias e importantes conquistas ao tema da tutela de urgência e,
principalmente, ao esclarecimento da árdua temática da tutela cautelar.482
<texto>Parece não haver dúvida de que a ação inibitória, compreendida como ação
480
Vittorio Denti reconhece a ligação da tutela declaratória, como remédio de caráter preventivo, com o
modelo institucional liberal: “Altro punto che va tenuto fermo è il carattere preventivo dell’azione
inibitoria. La dottrina processualistica ha, per lunga tradizione, risolto la tutela giurisdizionale preventiva
nel mero accertamento, con una scelta che non ha avuto – come è stato recentemente dimostrato –
soltanto carattere concettuale, poiché era condizionata dalla tendenza a delimitare rigidamente i poteri di
ingerenza statale nella sfera giuridica privata. Si trattava, quindi, della adesione al modello istituzionale
liberale, chiaramente presente nel maggiore teorizzatore dell’azione di mero accertamento e della sua
funzione preventiva, Giuseppe Chiovenda” (Vittorio Denti, Diritti della persona e tecniche di tutela
giudiziale. L’informazione e i diritti della persona. Napoli: Jovene, 1983, p. 267). 481
Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 70-72. Ver, também, Cristina Rapisarda,
Premesse allo studio della tutela civile preventiva. Rivista di Diritto Processuale, 1980, p. 128 e ss. 482
No direito brasileiro, sobre a tutela cautelar, ver Egas Moniz de Aragão, Medidas cautelares
inominadas. Revista Brasileira de Direito Processual, v. 57, p. 33 e ss; Ovídio Baptista da Silva, Curso
de processo civil, v. 3, cit.; Comentários ao Código de Processo Civil. Porto Alegre: Lejur, 1986, v. 11; A
ação cautelar inominada no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1991; Galeno Lacerda,
Comentários ao Código de Processo Civil, v. 8, t. 1, cit.; Victor A. Bomfim Marins, Tutela cautelar.
Curitiba: Juruá, 1996; Alcides Alberto Munhoz da Cunha, A lide no processo cautelar. Curitiba: Juruá,
1992; Humberto Theodoro Júnior, Processo cautelar. São Paulo: Leud, 1976.
202
autônoma e independente de qualquer “ação principal”, não pode ser confundida com a
ação cautelar.
<texto>A própria doutrina italiana não faz qualquer confusão entre tais tutelas. Aldo
Frignani, um dos grandes especialistas italianos em “tutela inibitória”, admite que a
problemática que envolve esta tutela é bem diversa daquela que surge a propósito da
tutela cautelar; nesta última prevalecem considerações de ordem processual, como as
concernentes à existência de um direito autônomo de cautela, à relação entre a ação
cautelar e o direito acautelado e, ainda, à natureza da relação entre o provimento
cautelar e o provimento definitivo; no que diz respeito à tutela inibitória, ao contrário,
o ponto crucial refere-se à possibilidade de evitar ou prevenir o ilícito.483
<texto>Micheli, ao discorrer exatamente sobre o problema do delineamento das
diversas tutelas que poderiam ser consideradas preventivas, afirmou que “a primeira
distinção que é oportuno fazer (e é conhecida também pela doutrina francesa que fala de
‘action en prévention’) é aquela entre medidas cautelares e provimentos definitivos que
não atuam uma sanção para restabelecer o equilíbrio jurídico violado”.484
<texto>No mesmo Congresso Internacional de Direito Comparado que teve lugar
em Bruxelas, Jacques Michel Grossen, ao tratar da ação preventiva no direito suíço,
acabou deixando de lado a tutela cautelar, sob o argumento de que ela teria um caráter
acessório: ”Falando de atividade preventiva do juiz não se deveria esquecer o
importante instituto das medidas cautelares, nem aquele da instrução preventiva. Nós o
deixamos de lado, por seu caráter acessório, ao fim de dedicar mais espaço às ações que
tendem principalmente e exclusivamente à prevenção de um dano”.485
<texto>Entretanto, a mesma doutrina que diferencia a tutela cautelar da tutela
inibitória, inclusive salientando a peculiar função preventiva desta última, não consegue
distinguir a tutela inibitória de cognição sumária da tutela cautelar.486
<texto>A tutela cautelar genérica, em princípio, pressupunha a violação de um
direito, que deveria ser reparado ou reintegrado pela tutela final. Se atualmente ainda se
discute sobre a viabilidade de uma tutela genuinamente preventiva, é imperiosa a
conclusão de que a prevenção não era a função que se esperava ver cumprida pela tutela
483
Aldo Frignani, Inibitoria. Enciclopedia del diritto, v. 21, p. 574. 484
Gian Antonio Micheli, L’azione preventiva, Rivista di Diritto Processuale, 1959, p. 221. 485
Jacques Michel Grossen, L’azione in prevenzione al di fuori dei giudizi immobiliari. Rivista di Diritto
Processuale, 1959, p. 419. 486
Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 117 e ss; Cristina Rapisarda e Michele
Taruffo, Inibitoria. Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 17, p. 12 e ss.
203
cautelar.
<texto>Adolfo Di Majo, em recente polêmica com Aldo Frignani – que supõe que o
art. 700 do CPC italiano (similar ao art. 798 do nosso CPC) é o fundamento da tutela
inibitória sumária e final –, deixa bem clara a idéia de que a tutela cautelar não foi
pensada para exercer a função hoje reservada para a inibitória. Segundo Adolfo di Majo,
para a obtenção de tutela cautelar, nem mesmo seria suficiente afirmar a ocorrência de
uma violação de direito, sendo necessário demonstrar que esta violação, com o
transcurso do tempo, causaria um prejuízo iminente ou irreparável.487
<texto>Não se pode negar, contudo, que, no direito italiano, a tutela cautelar
inominada passou a assumir, em alguns casos – principalmente a partir do momento em
que foi aceita com tranqüilidade na ação declaratória –, caráter genuinamente
inibitório.488
<texto>A partir de determinado momento, o art. 700 do CPC italiano – fundamento
da tutela cautelar inominada – tornou-se também a raiz da tutela inibitória sumária
genérica, a qual, muito embora satisfativa de uma pretensão de direito material, passou a
ser seguida de uma ação meramente declaratória, apenas para o juízo sumário poder ser
transformado em juízo definitivo.
<texto>Alguém poderia perguntar a razão por que a tutela inibitória sumária atípica
não pode ser seguida – no direito italiano – de uma tutela inibitória final atípica. É que o
direito italiano não admite, de forma genérica, a sentença que ordena sob pena de multa,
mas apenas as três sentenças tradicionais, isto é, as sentenças declaratória, constitutiva e
condenatória. Como a sentença condenatória é, na definição da própria doutrina italiana,
correlacionada com a execução forçada (e portanto repressiva),489 a tutela inibitória
sumária atípica não pode, como é óbvio, ser seguida de uma ação condenatória, a qual,
exatamente por ser correlacionada com a execução forçada, não tem aptidão para
permitir a prevenção do ilícito. Lembre-se, aliás, que o veto de parte da doutrina italiana
à atipicidade da tutela inibitória final também decorre da ausência de uma sentença que,
487
Adolfo di Majo, La tutela civile dei diritti, cit., p. 144. 488
Ver Ferruccio Tommaseo, I provvedimenti d’urgenza – Struttura e limiti della tutela anticipatoria, cit.,
p. 256 e ss. 489
Ver Enrico Tullio Liebman, Manuale di diritto processuale civile. Milano: Giuffrè, 1984, v. 1, p. 145 e
ss; Piero Calamandrei, La condanna. Opere Giuridiche. Napoli: Morano, 1972, v. 5, p. 493 e ss; Crisanto
Mandrioli, Sulla correlazione necessaria tra condanna ed eseguibilità forzata. Rivista Trimestrale di
Diritto e Procedura Civile, 1976, p. 1.344 e ss.
204
colocando-se ao lado das três tradicionais, possa ordenar sob pena de multa490 – como
ocorre no direito brasileiro, em vista dos arts. 461 do CPC e 84 do CDC –, e não apenas
de uma afirmada inexistência de fundamento normativo para a atipicidade da tutela
inibitória ou da relutância em se admitir a expansão dessa forma de tutela, com base no
velho argumento de que a sua extensão poderia trazer perigo ao direito de liberdade.491
<texto>Aldo Frignani, ao admitir que o art. 700 do CPC italiano constitui o
fundamento da tutela inibitória sumária atípica e, por conseqüência, da tutela inibitória
final atípica,492 que seria executada sob pena de prisão (com base no Código Penal
italiano)493 – com o que a grande maioria da doutrina italiana está em desacordo
494 –,
apenas evidencia que o problema do direito italiano está na dificuldade de se afirmar a
existência de uma tutela inibitória final atípica.
<texto>Há quem diga, é certo, que a atipicidade da tutela inibitória final está
garantida pelo art. 24 da Constituição da República italiana.495 Entretanto, mesmo
aqueles que admitem a atipicidade da tutela inibitória final com base neste argumento
acabam concluindo que a tutela sumária inibitória possui natureza cautelar.496
Rapisarda, na verdade, afirma expressamente o “carattere cautelare dell’inibitoria
urgente anticipatoria”, ou que o emprego da “inibitoria provvisoria in funzione
490
Ver Elisabetta Silvestri e Michele Taruffo, Esecuzione forzata (esecuzione forzata e misure coecitivi).
Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 13, p. 2-3. 491
Ver Lodovico Barassi, La teoria generale delle obbligazioni, cit., p. 428. 492
Aldo Frignani, Inibitoria. Enciclopedia del diritto, v. 21, p. 563; Aldo Frignani, L’injunction nella
common law e l’inibitoria nel diritto italiano, cit., p. 465 e ss. 493
Aldo Frignani, L’injunction nella common law e l’inibitoria nel diritto italiano, cit., p. 592 e ss. Ver,
também neste sentido, Andrea Proto Pisani, L’attuazione dei provvedimenti di condanna. Foro Italiano,
1988, p. 182; Andrea Proto Pisani, Lezioni di diritto processuale civile, cit., p. 178 e ss. 494
“Sul piano interpretativo è noto anzitutto che la possibilità di applicare l’art. 388, I comma, c.p. in
funzione coercitiva delle sentenze impositive di obblighi infungibili è esclusa dall’opinione, prevalente in
dottrina e in giurisprudenza, secondo cui il bene protetto dalla norma sarebbe, non già l’autorità o, come
anche si è detto, la ‘forza obbligatoria’ della sentenza, bensí più semplicemente la sua efficacia esecutiva
(...) Riguardo all’applicabilità dell’art. 650 c.p., il discorso può farsi ancora più breve. L’obbiezione
principale all’impiego delle sanzioni ivi previste nei casi di inottemperanza delle sentenze civili fa leva
sulla collocazione sistematica della norma. Non si può non condividere, infatti, l’opinione dominante,
secondo cui la sedes materiae è tale da non consentire un’interpretazione estensiva dell’art. 650, che
includa nella categoria del ‘provvedimento legalmente dato dall’autorità per ragione di giustizia’ anche i
provvedimenti giurisdizionali del giudice civile” (Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria,
cit., p. 212-213). Ver, também, Sergio Chiarloni, Misure coercitive e tutela dei diritti, cit.; Giuseppe
Tarzia, Presente e futuro delle misure coercitive civili. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile,
1981, p. 803. 495
“Mentre non appare individuabile un principio generale di divieto della tutela inibitoria al di fuori dei
casi espressamente previsti, esiste, invece, un principio generale dal quale è possibile dedurre
l’ammissibilità di siffatta tutela ogniqualvolta essa sia indispensabile o utile per la completa ed effettiva
attuazione di una situazione sostanziale. Tale principio è contenuto nell’art. 24, 1 co., Cost., inteso come
norma generale diretta a garantire la disponibilità di adeguati strumenti di tutela giurisdizionale por ogni
situazione sostanziale giuridicamente rilevante” (Cristina Rapisarda e Michele Taruffo, Inibitoria,
Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 17, p. 8-9). 496
Cristina Rapisarda e Michele Taruffo, Inibitoria. Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 17, p. 9.
205
anticipatoria” não faz oposição ao seu “carattere cautelare”.497
<texto>O que está por detrás dessa concepção doutrinária é a premissa de que há
diferença entre tutela de cognição sumária e tutela final, pouco importando se elas
realizam idêntica missão no plano do direito material. Ou seja, o que importa, para a
definição da tutela cautelar, é fundamentalmente a provisoriedade e a
instrumentalidade, ainda que esta última realmente não exista em alguns casos, para o
que, evidentemente, a doutrina fecha os olhos.
<texto>A doutrina clássica, ao tratar da tutela cautelar, afirma que ela é
caracterizada pela provisoriedade. Calamandrei é bastante claro neste sentido: “La
opinión más extendida, dentro de la cual se encuentran nuestros procesalistas más
autorizados, es la que ve un carácter constante o, en absoluto, un carácter distintivo de
las providencias cautelares en su provisoriedad, o sea en la limitación de la duración de
los efectos (declarativos o ejecutivos) propios de estas providencias. Las mismas
difieren, según esta opinión, de todas las otras providencias jurisdiccionales no por la
cualidad de sus efectos, sino por una cierta limitación en el tiempo de los efectos
mismos (...) La cualidad de provisoria dada a las providencias cautelares quiere
significar en sustancia lo siguiente: que los efectos jurídicos de las mismas no sólo
tienen duración temporal (...), sino que tienen duración limitada a aquel período de
tiempo que deberá transcurrir entre la emanación de la providencia cautelar y la
emanación de otra providencia jurisdiccional, que, en la terminología común, se indica,
en contraposición a la calificación de cautelar dada a la primera, con la calificación de
definitiva. La provisoriedad de las providencias cautelares sería, pues, un aspecto y una
consecuencia de una relación que tiene lugar entre los efectos de la providencia
antecedente (cautelar) y los de la providencia subsiguiente (definitiva), el inicio de los
cuales señalaría la cesación de los efectos de la primera”.498
<texto>É muito interessante observar que a distinção entre a tutela cautelar e as
tutelas finais, segundo as palavras do próprio Calamandrei, não reside na qualidade dos
efeitos da primeira, mas sim em sua “limitação no tempo”. Em outras palavras, e
confirmando o que já havia sido dito, a tutela cautelar se contrapõe à tutela definitiva
497
Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 151 e ss. Rapisarda e Taruffo afirmam
expressamente que “ove esista un’azione inibitoria in senso proprio, gli effetti del relativo provvedimento
di merito possono essere anticipati nel tempo con un provvedimento d’urgenza, ove ricorrano i
presupposti della tutela cautelare indicati nell’art. 700 c.p.c.” (Cristina Rapisarda e Michele Taruffo,
Inibitoria. Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 17, p. 13). 498
Piero Calamandrei, Introduccion al estudio sistematico de las providencias cautelares. Buenos Aires:
Ejea, 1945, p. 36-37.
206
em razão de sua peculiar provisoriedade, pouco importando o significado de sua
atuação no plano do direito material.
<texto>Calamandrei, ao tratar da “anticipación de providencias decisorias”, que
constitui um dos grupos que fazem parte de sua classificação das “providencias
cautelares”, admite que essas tutelas se aproximam conceitualmente das chamadas
“declarações com predominante função executiva”: “En este terreno, como en todas las
zonas fronterizas, son más difíciles y más sutiles las distinciones, tanto que no falta
quien, sin más, incluye entre las declaraciones de certeza con predominante función
ejecutiva gran parte de las providencias que yo incluyo, considerándolas cautelares, en
este tercer grupo”.499 Para Calamandrei, o ponto distintivo fundamental entre a tutela
cautelar e as “declarações com predominante função executiva” reside no fato de que a
“decisión anticipada y provisoria del mérito”, ou seja, a tutela cautelar, “no puede
aspirar a convertirse ella misma en definitiva, sino que está siempre preordenada a la
emancipación de una providencia principal, a la llegada de la cual los efectos
provisorios de la medida cautelar están destinados a caer totalmente, porque aun cuando
la decisión principal reproduzca sustancialmente y haga suyas las disposiciones de la
providencia cautelar, funciona siempre como decisión ex novo de la relación
controvertida, y no como convalidación de la providencia cautelar”.500
<texto>Calamandrei, porém, ao tratar da execução provisória da sentença, conclui
que essa figura assume natureza cautelar nos casos em que se dá ao juiz o poder de
conceder a cláusula de execução provisória contra o periculum in mora.501 Nesses casos,
a função cautelar pode configurar-se de duas diferentes formas: “A veces el daño que la
misma trata de prevenir es el que derivaría del retardo en la satisfacción del derecho, en
vista de que, funcionando aquélla como medio para acelerar, a través de la inmediata
ejecución forzada, tal satisfacción (ejs., muy evidentes, arts. 363, ns. 3, 4 y 8 del Cód.
de Proc. Civ.; 328 del Cód. Civ. etc.), tiene cabida típicamente entre las providencias
cautelares del grupo c); otras veces, el daño que trata de prevenir es el que podría
derivarse de la dispersión, posible mientras pende el juicio de apelación, de los bienes
del deudor, y en tal caso, funcionando aquélla como un medio para asegurar (no para
499
Piero Calamandrei, Introduccion al estudio sistematico de las providencias cautelares, cit., p. 59. 500
Idem, ibidem, p. 60. 501
Piero Calamandrei, Introduccion al estudio sistematico de las providencias cautelares, cit., p. 61 e ss.
Ver, reafirmando expressamente esta posição, Carlo Furno, La sospensione del processo esecutivo.
Milano: Giuffrè, 1956, p. 55; Giuseppe Vignera, Sui rapporti tra provvedimento d’urgenza e sentenza di
merito (alla ricerca di una soluzione ragionevole). Rivista di Diritto Processuale, 1993, p. 514.
207
acelerar) la ejecución forzada futura, debe dársele cabida entre las providencias del
grupo b)”.502
<texto>É altamente significativa, para quem deseja tratar das tutelas na perspectiva
do direito material, sem se importar com a questão de serem elas finais ou provisórias, a
afirmação de que, embora exista distinção entre a tutela que acelera, através da imediata
execução forçada, a satisfação do direito e a tutela que objetiva apenas assegurar a
futura execução forçada, ambas podem ser incluídas no gênero cautelar.
<texto>Como está provado, a doutrina de Calamandrei, ao dar realce à
provisoriedade (que é um critério processual), simplesmente apaga a diferença entre a
tutela que satisfaz antecipadamente um direito e a tutela que se limita a assegurá-lo. É
por esta razão que a doutrina italiana pensa que a tutela antecipatória possui caráter
cautelar. Na verdade, é muito difícil, considerando-se a precariedade do Código de
Processo Civil em termos de instrumentos processuais, pensar de outra forma.
<texto>Adolfo Perez Gordo, na obra “La ejecución provisional en el proceso civil”,
apresenta uma razoável distinção entre a tutela cautelar e a execução provisória da
sentença, ao dizer que, enquanto a primeira não pode ter uma extensão maior do que a
de mera garantia ou de segurança de uma sentença hipotética e futura, a execução
provisória, além de permitir a invasão da esfera jurídica do executado, pode levar à
própria satisfação do exeqüente.503
<texto>Pensando-se, apenas por exemplo, no procedimento monitório italiano, é
irracional admitir a cautelaridade da execução provisória do decreto ingiuntivo, ainda
quando ela é baseada na segunda parte do art. 642 do CPC italiano, ou seja, em perigo
de grave “pregiudizio nel ritardo”. Ora, se a execução provisória fundada na
particularidade da prova também surge da necessidade de evitar que a demora do
processo possa trazer dano marginal ao autor, é equivocado pensar que, justamente
quando se torna mais evidente a necessidade de antecipar a execução, esta assume as
vestes de tutela cautelar, como se o fato de se outorgar ao juiz o poder para apreciar a
existência do “periculum in mora” pudesse ser capaz de transmudar uma tutela que
realiza um direito com base em cognição não definitiva em tutela de simples
502
Piero Calamandrei, Introduccion al estudio sistematico de las providencias cautelares, cit., p. 63. O
grifo, como é óbvio, é nosso. 503
Adolfo Perez Gordo, La ejecución provisional en el proceso civil. Barcelona: Bosch, 1973, p. 42.
208
segurança.504 Em outras palavras, a execução provisória do decreto ingiuntivo, ainda
que fundada em perigo, é tão execução provisória quanto aquela que se dá, por
exemplo, quando o “credito è fondato su cambiale, assegno bancario, assegno circolare,
certificato di liquidazione di borsa, o su atto ricevuto da notaio o da altro pubblico
ufficiale autorizzato” (art. 642, primeira parte, do CPC italiano).
<texto>Frise-se que o art. 700 do CPC italiano também abre ensejo à tutela
antecipatória de pagamento de soma em dinheiro.505 Essa tutela, não é difícil perceber,
difere apenas no que diz respeito à cognição da execução provisória de uma sentença
que condena ao pagamento de soma. Isso quer dizer que o motivo que impede que se
atribua caráter cautelar à execução provisória da sentença não pode deixar de estar
presente quando se pensa na natureza da tutela sumária que implica na realização
antecipada do direito do credor.
<texto>Para continuarmos usando o exemplo antes apontado, é possível dizer que
tanto a execução provisória da sentença que condena ao pagamento de soma quanto a
tutela antecipatória sumária de pagamento de soma506 satisfazem o direito de crédito, e
que isto obviamente não é o mesmo do que lhe dar simples proteção cautelar.507 Não
deve ter sido por outra razão, aliás, que Giovanni Verde afirmou, em tom incisivo, que
504
Referindo-se à “ordinanza di ingiunzione” (art. 186-ter do CPC italiano), demonstra Gabriella
Rampazzi que o juiz deve “dichiarare l’ordinanza provvisoriamente esecutiva se il credito è fondato su
cambiale, assegno bancario e circolare, certificato di liquidazione di borza o su atto ricevuto da notaio od
altro pubblico ufficiale autorizzato; ha, invece, un potere discrezionale di concederla qualora vi sia
pericolo di grave pregiudizio per il creditore nel ritardare l’inizio delle procedure esecutive, nonché, per la
sola ipotesi di debitore costituito, se le sue difese non sono fondate su prova scritta o di pronta soluzione”
(Gabriella Rampazzi, Le riforme del processo civile (a cura di Sergio Chiarloni). Bologna: Zanichelli,
1992, p. 254). 505
Ver Achille Saletti, Le riforme del codice di rito in materia di esecuzione forzata e di attuazione delle
misure cautelari. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1992, p. 458 e ss; Bruno Capponi,
Sull’esecuzione-attuazione dei provvedimenti d’urgenza per condanna al pagamento di somme. Rivista di
Diritto Processuale, 1989, p. 88 e ss; Giampiero Rossielo. Tema di esecuzione di provvedimenti
d’urgenza recanti l’ordine di corrispondere somme di denaro. Rivista di Diritto Processuale, 1987, p.
1.046 e ss; Pasquale Frisina, La tutela cautelare d’urgenza dei diritti a prestazione pecuniarie. Rivista di
Diritto Processuale, 1986, p. 972 e ss. 506
Sobre a tutela antecipatória de pagamento de soma fundada em abuso de direito de defesa, ver Luiz
Guilherme Marinoni, Tutela antecipatória, julgamento antecipado e execução imediata da sentença, cit. 507
Como escreve Ovídio Baptista da Silva, “se tivermos nossa visão voltada exclusivamente para o plano
das normas jurídicas, sem qualquer preocupação com o que acontece no mundo da realidade, talvez
possamos dizer que a satisfação obtida pelo credor que logre receber os alimentos sob forma de
provisionais poderá ser uma satisfação diversa da que ele próprio obteria se o juiz do processo de
conhecimento o declarasse, em sentença, verdadeiro credor dos alimentos definitivos. Se, no entanto,
examinarmos a questão sobre outro ângulo para determinar se os provisionais apenas asseguram ou, ao
contrário, satisfazem – ainda que provisoriamente – a pretensão alimentar, veremos que o uso que o
credor irá fazer da pensão, tanto provisional quanto definitiva, será rigorosamente o mesmo. A
contraposição entre alimentos provisórios e alimentos definitivos dá-se exclusivamente no plano lógico
das normas jurídicas. O que são provisórios ou definitivos não são os alimentos, mas os respectivos
provimentos judiciais” (Curso de processo civil, v. 3, cit., p. 23).
209
seria sinal de escassa honestidade intelectual, ou ainda de ingenuidade não escusável,
pensar que o pagamento que satisfaz um crédito alimentar, ainda que fundado em um
provimento cautelar, não implique satisfação do direito de crédito, “ma serva
meramente a cautelarlo”.508
<texto>Apesar dessa crítica de Verde, o certo é que a doutrina italiana continua a
entender que a característica fundamental da tutela cautelar está na provisoriedade.509 É
importante perceber, contudo, que a nota da provisoriedade acaba por atribuir natureza
cautelar a todas as tutelas antecipatórias sumárias contra o periculum in mora; este, sem
dúvida alguma, é o resultado a que chega aquele que se vale das premissas que foram
fixadas por Calamandrei510 e recentemente reafirmadas por Ferruccio Tommaseo na
obra sugestivamente denominada I provvedimenti d’urgenza – Struttura e limiti della
tutela anticipatoria.511
<texto>Rapisarda e Taruffo afirmam que é impossível reunir na mesma categoria os
provimentos inibitórios sumários e os provimentos inibitórios finais, “uma vez que não
há dúvida que estes últimos são provimentos finais, emanados depois de uma cognição
ordinária (exauriente) sobre o direito a tutelar, e dotados dos efeitos típicos das
sentenças de mérito”.512 Como se vê, está implícito, nesse raciocínio, a premissa antes
recordada, pois o que torna cautelar a tutela inibitória sumária é o fato de que esta não é
dotada “degli effetti tipici del provvedimento di merito”; ora, não é preciso dizer que
Rapisarda e Taruffo não estão falando da repercussão desses efeitos no plano do direito
material, mas sim da limitação no tempo dos efeitos da tutela de cognição sumária.
<texto>É preciso observar, porém, que a tutela inibitória sumária responde a um
direito material à tutela inibitória. Tem-se direito à tutela jurisdicional inibitória sumária
porque há direito à tutela inibitória, assegurado no plano do direito material. Da mesma
forma que o direito à tutela ressarcitória é inerente ao próprio direito material, o direito
à tutela inibitória exige, para poder ser efetivamente atendido, instrumentos processuais
adequados. 508
Giovanni Verde, L’attuazione della tutela d’urgenza. La tutela d’urgenza. Rimini: Maggioli, 1985, p.
92. 509
Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 146 e ss. 510
Piero Calamandrei, Introduccion al estudio sistematico de las providencias cautelares, cit. 511
Trata-se de obra publicada em 1983 pela Cedam. Tommaseo, ao referir-se à possibilidade de se
imprimir aos provvedimenti d’urgenza um conteúdo antecipatório, afirma que, neste caso – ao contrário
do que ocorre quando se trata “di prevenire con la misura cautelare il danno ulteriore che può derivare dal
verificarsi, nelle more del processo, di fatti lesivi del diritto controverso” –, importa “contenere il
pregiudizio che il perdurare di una situazione antigiuridica provoca al titolare del diritto” (Ferruccio
Tommaseo, I provvedimenti d’urgenza – Struttura e limiti della tutela anticipatoria, cit., p. 135). 512
Cristina Rapisarda e Michele Taruffo, Inibitoria. Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 17, p. 12.
210
<texto>Negar, neste momento, a existência de um direito material à tutela inibitória,
é esquecer que o legislador infraconstitucional está obrigado a construir tutelas
preventivas justamente porque não há como conceber um ordenamento jurídico que não
permita a tutela efetiva do direito à prevenção.513
<texto>Assim como para a tutela ressarcitória há a sentença condenatória e a
execução por expropriação (art. 475-J e ss. do CPC), que servem para prestar o
ressarcimento, as sentenças que podem utilizar coerção indireta ou coerção direta
(conforme os arts. 461, CPC, e 84, CDC), bem como a técnica antecipatória, são
necessárias para a prestação da tutela inibitória.
<texto>De modo que a tutela que impede a violação de um direito, ainda que no
curso do processo, embora seja antecipada e de cognição sumária, é obviamente
inibitória. A doutrina italiana dá a este tipo de tutela o nome de “cautelar” apenas pela
razão de que na Itália não há previsão de tutela antecipatória, mas apenas de tutela
cautelar. Na realidade, como a inibição antecipada é necessária, a doutrina italiana,
embora tendo consciência de que a tutela cautelar foi elaborada para outro fim, acaba
propondo a sua utilização de modo anômalo.
<texto>Entretanto, compreendendo-se que a relação que deve ser estabelecida é
entre tutela final e tutela antecipada e entre provimento definitivo e provimento
provisório, fica fácil perceber que a tutela final não pode ser contraposta ao provimento
provisório. Melhor: as tutelas não podem ser contrapostas às técnicas de tutela, isto é,
aos provimentos. A tutela inibitória é prestada por meio de um provimento, que pode ser
provisório ou definitivo. Quando o provimento é provisório, a tutela inibitória é
antecipada; quando o provimento é definitivo, há tutela inibitória final. Como se vê, é
evidente o equívoco da doutrina que afirma que a tutela inibitória, concedida através de
um provimento provisório, possui natureza cautelar. A tutela inibitória, como é óbvio,
não perde a sua natureza somente pelo fato de ser concedida por um provimento
provisório.
<texto>Observa-se, examinando-se os julgados dos tribunais brasileiros, o uso do
interdito proibitório para a tutela de direitos como o direito à invenção e o direito
513
Ver Andrea Proto Pisani, Breve premessa a un corso sulla giustizia civile. Appunti sulla giustizia
civile, cit., p. 10.
211
autoral.514 O interdito proibitório era utilizado porque abria oportunidade para uma
efetiva tutela preventiva sumária, o que não era possível em face da “ação cominatória”,
uma vez que – conforme já foi lembrado – o antigo art. 287 somente admitia a
imposição de multa no caso de “descumprimento da sentença”.
<texto>O Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar o cabimento do interdito
proibitório para a tutela do direito à invenção, fixou a seguinte ementa em acórdão
proferido em 1991:
<texto>“I – A doutrina e a jurisprudência assentaram entendimento segundo o qual
a proteção do direito de propriedade, decorrente de patente industrial, portanto bem
imaterial, no nosso direito pode ser exercida através das ações possessórias.
<texto>II – O prejudicado, em casos tais, dispõe de outras ações para coibir e
ressarcir-se dos prejuízos resultantes de contrafação de patente de invenção. Mas tendo
o interdito proibitório índole eminentemente preventiva, inequivocamente é ele o meio
processual mais eficaz para fazer cessar, de pronto, a violação daquele direito”.515
<texto>Como se vê, o uso do interdito proibitório era admitido, para a tutela destes
direitos, com base no argumento de que era o “meio processual mais eficaz” à
disposição do jurisdicionado. Nestes casos, a liminar do interdito proibitório, que era
vista e utilizada como expressão da mais pura técnica processual, concedia verdadeira
tutela inibitória sumária.
<texto>Ora, se o que importa é a repercussão no plano do direito material dos
efeitos da tutela sumária – e não sua limitação no tempo –,a liminar do interdito
proibitório viabiliza a concessão de tutela inibitória (ainda que sumária). Tanto a liminar
do interdito proibitório, quanto a tutela inibitória antecipada propriamente dita,
conferem, ainda que sumariamente, tutela satisfativa e não tutela meramente
acautelatória. Lembre-se, com efeito, na lição de Ovídio Baptista da Silva, de que “nos
interditos proibitórios, desde a liminar, há prestação jurisdicional satisfativa que
ultrapassa a simples segurança”.516
514
“É cabível a concessão de medida liminar, em pedido de interdito proibitório, para impedir o uso não
autorizado de obra musical” (TAPR, 1.a C.C., Agravo de instrumento 54837-8, rel. Juiz Munir Karam,
julg. em 17.11.1992). 515
STJ, 3.a Turma, REsp 7.196-RJ, rel. Min. Waldemar Zveiter, julg. em 10.06.1991. 516
É importante registrar algumas passagens da obra de Ovídio Baptista da Silva que demonstram que a
tutela liminar possessória não tem natureza cautelar: “Para Carnelutti, pois, o possessório seria cautelar
por ser provisório e preparatório da lide petitória. Contudo, as liminares no processo possessório nada
mais são do que adiantamento de eficácia sentencial, que se há de confirmar ou não na mesma relação
processual (...) Isso significa que o juiz, ao conceder a liminar, aprecia já a pretensão possessória, dando-
212
<texto>Na verdade, a estruturação técnica de um procedimento que contém em seu
bojo a tutela antecipatória inibitória é apenas uma resposta à necessidade de se dar tutela
efetiva ao direito à prevenção, e não algo que tenha relação com a necessidade de se
garantir “la eficacia y, por decir así, la seriedad de la función jurisdiccional”,517 como
dizia Calamandrei.
<texto>Se isto é evidente quando se pensa na tutela inibitória sumária na ação
inibitória, alguma dúvida poderia surgir ao ser deslocado o enfoque para a questão da
tutela inibitória sumária na ação declaratória. É inegável, contudo, que a inibitória,
ainda que concedida no curso de uma ação declaratória, não “serve ao processo”, mas
tutela o próprio direito material à prevenção. Aliás, para se concluir que não há
diferença de natureza entre a tutela inibitória sumária na ação inibitória e a tutela
inibitória sumária na ação declaratória, basta perceber que a tutela inibitória sumária,
tanto num caso como no outro, satisfaz imediatamente o direito material à prevenção.
<texto>Loriana Zanuttigh, escrevendo sobre o uso da tutela cautelar atípica na
proteção dos direitos da pessoa, afirma que graças à progressiva alteração da estrutura
e da função da tutela cautelar inominada, criou-se um modelo de proteção mais
avançado e eficaz, “com resultados de incisa aderência a especificidade dos direitos da
pessoa”.518 Trata-se de uma bela confissão de que a tutela cautelar perdeu a sua
fisionomia para permitir a adequada proteção de direitos que, de outra forma, não
encontrariam adequada resposta em nível de tutela jurisdicional no ordenamento
italiano.519
<texto>Vittorio Denti, após lembrar que o art. 700 do CPC italiano permitiu que os
tribunais suprissem a ausência de tutela jurisdicional adequada, adverte que também
emergiu a necessidade de uma “tutela de urgência com função não cautelar, ou seja,
lhe satisfação. A circunstância de ser decisão provisória e tomada sem plena cognitio não a transforma
em provimento cautelar” (Ação cautelar inominada no direito brasileiro, cit., p. 54). 517
Piero Calamandrei, Introduccion al estudio sistematico de las providencias cautelares, cit., p. 140. 518
Loriana Zanuttigh, La tutela cautelare atipica. L’informazione e i diritti della persona. Napoli: Jovene,
1983, p. 281. 519
“Un ulteriore profilo dell’esperienza concreta dell’istituto conferma, ai fini di una valutazione
complessiva, che le indicazioni emergenti dalla evoluzione degli orientamenti dei giudici e dalle istanze
degli utenti della giustizia sono nel senso di una chiara propensione verso forme sempre più estese di
tutela preventiva e non repressiva, almeno per talune categorie di diritti. Ne è prova, l’attitudine dei
provvedimenti urgenti a porsi come strumenti di tutela sommaria non cautelare, nella sostanza cioè ad
operare come forma autonoma di tutela. Siffatta alterazione della funzione delle misure cautelari atipiche
è resa percepibile e viene accentuata da talune applicazioni dell’istituto” (Loriana Zanuttigh, La tutela
cautelare atipica. L’informazione e i diritti della persona, cit., p. 276-277).
213
não vinculada instrumentalmente com a tutela que o art. 700 define ordinária”.520 Denti
admite – e isto é muito importante para quem está fazendo um juízo crítico acerca da
doutrina de Calamandrei – que o ponto de partida dessa evolução da utilização do art.
700 foi indubitavelmente a reconhecida viabilidade de um possível efeito antecipatório
da tutela cautelar em relação à sentença de mérito, característica esta que – segundo ele
– teria induzido Calamandrei, “no seu clássico estudo sobre as medidas cautelares, a
tratar destas medidas de urgência juntamente com as declarações com predominante
função executiva”.521
<texto>A necessidade de uma tutela efetiva dos direitos não patrimoniais levou
Proto Pisani a insistir para a oportunidade de um procedimento sumário não cautelar,522
o que, segundo Denti, superaria o “o equívoco que vicia a atual aplicação do art. 700,
submetido a exigências de tutela que não têm a característica da instrumentalidade,
própria das medidas cautelares”.523 Como está claro, a doutrina italiana mais moderna
reconhece expressamente não só que a tutela inibitória sumária não é marcada pela
instrumentalidade, e que assim não é cautelar, mas também que o art. 700 do CPC,
quando permite a concessão desta tutela sob o rótulo de cautelar, assim atua por ter
surgido a necessidade de uma “tutela de urgência com função não cautelar”, o que dá
suporte à tese de que a tutela inibitória deve ser diferenciada da tutela cautelar524 e,
ainda, evidencia que Calamandrei cometeu um equívoco ao não perceber que a
“decisión anticipada y provisoria del mérito”525 mais se aproxima das declarações com
predominante função executiva do que da tutela cautelar.
520
Vittorio Denti, Diritti della persona e tecniche di tutela giudiziale. L’informazione e i diritti della
persona, cit., p. 263. 521
Idem, ibidem, p. 263. 522
Andrea Proto Pisani, La tutela giurisdizionale dei diritti della personalità: strumenti e tecniche di
tutela. Foro Italiano, 1990, p. 17 e ss. 523
Vittorio Denti, Diritti della persona e tecniche di tutela giudiziale. L’informazione e i diritti della
persona, cit., p. 265. 524
Esta também parece ser a posição de Verde: “Nel tirare le somme, avviandomi a concludere, mi
accorgo di avere tenuto un discorso confuso, disarticolato e in qualche parte incoerente. Ma la verità è
che sono stato travolto dalla stessa maniera disorganica con la quale l’istituto del provvedimento
d’urgenza si è venuto modificando e adattando alle concrete esigenze. E mi pare che le indicazioni
fornite, dalle quali si sono volutamente tralasciate le ricchissime serie di provvedimenti a tutela dei diritti
della personalità (in senso tradizionale) e della concorrenza, che rappresentano il campo naturale di
applicazione dei provvedimenti in esame, abbiano confermato che non ci sia stata vicenda di qualche
rilievo (...) che non sia passata per tale forma di giustizia. Ne è venuta fuori una tipologia assai varia e
che forse meriterebbe di essere organizzata secondo criteri sistematici, che non sono stato in grado di
elaborare. Si potrebbero, così, isolare accertamenti sommari con prevalente funzione cognitiva,
accertamente sommari con prevalente funzione esecutiva, ingiunzione, inibizione oltre che meri
provvedimenti cautelari” (Giovanni Verde, Considerazioni sul procedimento d’urgenza – come è e come
si vorrebbe che fosse. I processi speciali – Studi offerti a Virgilio Andrioli dai suoi allievi. Napoli:
Jovene, 1979, p. 458-460). 525
Piero Calamandrei, Introduccion al estudio sistematico de las providencias cautelares, cit., p. 59.
214
<texto>Se alguém propõe uma ação ressarcitória e, no curso do processo, passa a
temer a repetição dos atos danosos, a tutela cabível é a inibitória, já que o autor não quer
assegurar o direito que está sendo discutido, mas apenas prevenir a repetição do ato
lesivo. Neste caso, porém, o autor terá que propor uma ação inibitória e requerer tutela
inibitória antecipada. A tutela inibitória antecipada, entretanto, estará mais uma vez
respondendo ao direito à prevenção, que não se confunde com o direito à cautela, ou
com a proteção cautelar de um direito que se teme possa não ser efetiva e
adequadamente reparado ou reintegrado.
<texto>Note-se que o arresto, por exemplo, difere nitidamente da tutela inibitória, já
que não exerce função inibitória, mas destina-se a assegurar a efetividade da futura
tutela ressarcitória. Ou seja, há uma nítida diferença entre a tutela inibitória e a tutela
que visa a dar segurança a um direito que já foi violado.
<texto>Na verdade, e para irmos um pouco mais além, parece mais exato afirmar
que a tutela cautelar, além de ter por fim assegurar a efetiva tutela de um direito já
violado, pode ter por escopo assegurar um direito para a hipótese de ele ser violado.
Basta pensar nos casos em que a caução cautelar pode ser utilizada para assegurar ao
autor a efetividade da eventual (e aí não necessária) tutela ressarcitória, que poderá ser
requerida se o direito (que apenas se teme ver violado) for realmente lesado.
<texto>Da mesma forma que a condenação para o futuro – que, por pressupor a
violação do direito, não tem natureza preventiva (apesar da expressa discordância de
Calamandrei, que afirma que a condenação para o futuro constitui o “caso más notorio”
de tutela preventiva)526 –, a caução que visa a assegurar uma eventual e futura tutela
ressarcitória também não pode deixar de ser diferenciada da tutela inibitória. Tanto a
tutela que visa a assegurar a efetividade da tutela de um direito que já foi violado quanto
a tutela que objetiva assegurar um direito para a hipótese de ele ser violado, têm
natureza acautelatória, ou seja, de segurança que não se dirige a impedir a violação do
direito, mas sim a garantir o direito na suposição de que ele, após ter sido violado,
poderá não ser efetivamente tutelado.
<texto>Lembre-se de que no direito italiano a tutela inibitória passou a ser prestada
sob o manto protetor da tutela cautelar em razão das novas exigências de tutela,527 e não
em virtude de especial disposição legislativa, ou de interpretação doutrinária que tivesse
526
Idem, ibidem, p. 41. 527
Ver Maria Monteleone, Diritto all’immagine e provvedimenti d’urgenza. Foro Italiano, 1978, p. 242 e
ss.
215
enxergado no art. 700 do CPC italiano a base de um princípio geral de prevenção.528
<texto>Se o art. 700 do CPC italiano passou a servir de base, em razão das
necessidades concretas de tutela, à tutela inibitória, isto não quer dizer que a tutela
cautelar, na sua gênese, constituía um gênero a que pertencia a tutela inibitória. Ao
contrário, a tutela cautelar inominada jamais abrangeu a tutela inibitória, até porque
seria contraditório pensar que uma tutela que foi desenhada para ser “instrumento do
instrumento”529 poderia viabilizar a tutela preventiva em um sistema de tutelas finais
que foi construído sobre a idéia de que o direito material só pode ser prevenido em
hipóteses excepcionais.
<texto>Na verdade, é completamente ilógico imaginar que, em um sistema que
trabalha apenas com as sentenças declaratória, constitutiva e condenatória (as quais não
viabilizam a concessão de tutela inibitória), a tutela cautelar – criada para dar
efetividade à jurisdição – poderia ir além da sua função de segurança do processo,
extrapolando dos seus limites para dar tutela ao próprio direito material, e assim tornar
sem sentido a própria “ação principal”. É certo, portanto, que a tutela cautelar, quando
originariamente pensada, não podia se confundir com a tutela inibitória.
<texto>Se essa confusão foi instalada na prática forense em virtude da própria
necessidade de tutela adequada dos direitos, é tarefa da doutrina eliminá-la,
esclarecendo que a tutela inibitória não se identifica com a tutela cautelar, constituindo a
primeira uma forma de tutela que ainda é confundida com a cautelar em razão de a
doutrina não ter separado conceitualmente as noções de prevenção e cautela.
<texto>No Brasil, aliás, diante dos arts. 461 do CPC e 84 do CDC, e assim da
528
Proto Pisani, ao discorrer sobre a “tutela jurisdicional dos direitos da personalidade”, confirma o que
estamos dizendo: “È alla porta di questo art. 700 che hanno finito per bussare tutte quelle situazioni
soggettive nuove, specie di marca non proprietaria ma personalistica, che sono emerse a livello di
disciplina sostanziale a seguito della Costituzione del 1948 e della legislazione ordinaria successiva. Per
questa ragione io spesso – a fronte dei frequenti tentativi di criminalizzare questa norma o comunque di
porla sul banco degli accusati – vado dicendo che essa è la disposizione che ha consentito al nostro
sistema di tutela giurisdizionale complessivamente inteso di superare il vaglio di costituzionalità, in
quanto ha assolto la funzione di munire di tutela urgente tutti quei diritti che – in assenza di azioni
sommarie tipiche – sarebbero stati altrimenti rimessi alla tutela per essi inadeguata del solo processo
ordinario di cognizione” (Andrea Proto Pisani, La tutela giurisdizionale dei diritti della personalità:
strumenti e tecniche di tutela. Foro Italiano, 1990, p. 3). 529
“La tutela cautelar es, en relación al derecho sustancial, una tutela mediata: más que a hacer justicia
contribuye a garantizar el eficaz funcionamento de la justicia. Si todas las providencias jurisdiccionales
son un instrumento del derecho sustancial que se actúa a través de ellas, en las providencias cautelares se
encuentra una instrumentalidad cualificada, o sea elevada, por así decirlo, al cuadrado; son, en efecto, de
una manera inevitable, un medio predispuesto para el mejor éxito de la providencia definitiva, que a su
vez es un medio para la actuación del derecho; esto es, son, en relación a la finalidad última de la función
jurisdiccional, instrumento del instrumento” (Piero Calamandrei, Introduccion al estudio sistematico de
las providencias cautelares, cit., p. 45).
216
evidência da ação inibitória – que é de conhecimento e, portanto, autônoma – constitui
verdadeira heresia continuar confundido tutela cautelar com tutela inibitória. A tutela
inibitória, no Brasil, ao contrário do que acontece na Itália, não precisa ser requerida
com base em uma norma construída para servir de base à tutela cautelar. No Brasil,
assim, justamente porque a inibitória tem endereço nos arts. 461 do CPC e 84 do CDC,
jamais surgirá o problema que aparece na prática italiana quando é requerida tutela
inibitória sob o rótulo de cautelar, e indaga-se, com surpresa, a respeito da sua
instrumentalidade.
<texto>A distinção entre prevenção e cautela, se realizada no direito italiano,
poderia inviabilizar a tutela inibitória sumária atípica na própria ação declaratória;
certamente por isso, ou seja, para não se construir uma teoria contra as próprias
necessidades da vida, é que a doutrina italiana se mantém calada sobre o assunto. No
direito brasileiro, porém, onde estão presentes os instrumentos processuais dos arts. 461
do CPC e 84 do CDC, deve ser prontamente revelado o equívoco da confusão entre a
tutela cautelar e a tutela inibitória, pois somente assim o uso do processo civil será mais
adequado e efetivo.
<texto>Com efeito, a confusão entre tutela inibitória sumária e tutela cautelar
também decorre da exigência prática de tutela inibitória em um sistema de tutelas
fundado sobre o binômio sentença condenatória-execução forçada. Teoricamente, em
um sistema como este, não há lugar para a tutela inibitória atípica sumária, mas apenas
para aquela que deseja garantir a tutela final do direito violado.
<texto>Portanto, a necessidade de separar conceitualmente as tutelas inibitória e
cautelar deriva, de um lado, da evidência da imprescindibilidade da tutela inibitória na
sociedade contemporânea, e, de outro, do surgimento de novas sentenças e meios de
execução, os quais se colocam ao lado das sentenças declaratória, constitutiva e
condenatória (as únicas que eram admitidas pela doutrina), viabilizando, assim, a
concessão de tutelas que antes não podiam ser prestadas, e desta forma uma maior
efetividade ao processo. Ora, se o Código de Processo Civil consagra expressamente as
sentenças mandamental e executiva e a antecipação da tutela (art. 461), há bastante luz
para afirmar, sem medo de errar, que a tutela inibitória deve ser prestada através de ação
inibitória, e assim não pode mais ser confundida com a cautelar.
<texto>Lembre-se, finalmente, de que as tutelas, sejam elas finais ou antecipadas,
devem ser classificadas a partir de sua relação com o plano do direito substancial. Ora,
217
se o nexo de separação-abstração do direito processual do direito material, transmitido
pelo pensamento chiovendiano, pode hoje ser considerado historicamente superado,530
constituindo preocupações da doutrina mais moderna a relativização do binômio direito-
processo e a construção de tutelas jurisdicionais aderentes às diversas necessidades do
direito material, é evidente que as tutelas não mais devem ser classificadas com base em
critérios processuais, como é o da provisoriedade, devendo, sim, merecer atenção o que
as tutelas significam no plano do direito material e na vida das pessoas.
<a>4.3 Tutela inibitória e condenação para o futuro
<texto>É necessário eliminar, ainda, outro equívoco, presente nas doutrinas italiana
e brasileira desde Chiovenda,531 certamente em virtude de pouca ou nenhuma reflexão
sobre o verdadeiro escopo da tutela preventiva.
<texto>Trata-se, em outras palavras, de estabelecer a desejável distinção entre a
condenação para o futuro e a tutela preventiva, demonstrando-se, ainda, que a tutela
inibitória de forma alguma se relaciona com essa modalidade de condenação.
<texto>A condenação para o futuro constitui uma condenação anterior à violação do
direito; no momento em que se pede a condenação para o futuro, ainda não ocorreu a
violação, razão pela qual esta espécie de condenação representa uma exceção à regra de
que a condenação é condicionada a uma violação atual do direito.532 A condenação para
o futuro, em outras palavras, cria antecipadamente um título executivo, ou cria um título
executivo prescindindo da atualidade do inadimplemento.533
<texto>No direito italiano – entre outros casos de condenação para o futuro –, o art.
657 do CPC permite que o locador obtenha, antes do término do contrato, um título
executivo que lhe permita executar o despejo, uma vez escoado o prazo contratual.534
No direito brasileiro, o art. 290 do CPC afirma que “quando a obrigação consistir em
prestações periódicas, considerar-se-ão elas incluídas no pedido, independentemente de
declaração expressa do autor; se o devedor, no curso do processo, deixar de pagá-las ou
530
Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 217. 531
Ver Giuseppe Chiovenda, L’azione nel sistema dei diritti. Saggi di diritto processuale civile, cit., p.
79; Giuseppe Chiovenda, Instituições de direito processual civil, v. 1, cit., p. 191. 532
Ver, neste sentido, Giuseppe Chiovenda, Instituições de direito processual civil, v. 1, cit., p. 191. 533
Andrea Proto Pisani, Lezioni di diritto processuale civile, cit., p. 185. 534
Ver Renata Paolini, Note sulla condanna in futuro. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile,
1976, p. 511 e ss; Andrea Proto Pisani, Lezioni di diritto processuale civile, cit., p. 184.
218
de consigná-las, a sentença as incluirá na condenação, enquanto durar a obrigação”.535
Isto significa que o credor pode obter uma condenação que diga respeito não só às
prestações que vencerem no curso do processo, mas também àquelas que vencerem
posteriormente ao trânsito em julgado da sentença condenatória. Neste caso, ao
contrário do que ocorre no exemplo antes lembrado – em que o locador obtém
antecipadamente o título executivo –, há um inadimplemento em ato; o que importa,
porém, é que a condenação abarca as prestações futuras, em relação às quais ainda não
há qualquer inadimplemento. Como corretamente percebeu Pontes de Miranda, “não
precisa o autor vencedor no litígio intentar ação para haver a condenação no que se vai
vencendo”. O que o autor precisa é exercer a ação executiva da sentença, que vai
nascendo à medida que as prestações se vencem, até que se vença a última prestação
vincenda. A condenação foi quanto ao vencido e ao vincendo. A executabilidade é que
depende de que se vençam as prestações.536
<texto>Argumenta-se, em favor da condenação para o futuro, que é preciso evitar a
multiplicação de ações para cobrar aquilo que é devido periodicamente e, ainda, que a
constituição antecipada do título executivo serve para evitar que a própria efetividade da
tutela jurisdicional seja frustrada em razão do longo espaço de tempo que, na
generalidade dos casos, está presente entre o momento da lesão e o da real e concreta
satisfação do direito.537
<texto>Chiovenda, ao tratar da condenação para o futuro, afirmou que suas
principais vantagens estariam: i) “na necessidade de prevenir o dano que decorreria da
falta de um título executório no momento em que a prestação será devida” e ii) “na
conveniência de evitar processos reiterados para conseguir o que é devido
periodicamente (quota de aluguel, de alimentos, de juros, de rendas), uma vez que haja
razão para supor que esses processos se tornariam, de qualquer forma, necessários:
como quando o devedor se mostra moroso no pagamento de algumas quotas”.538
<texto>O problema é que Chiovenda inseriu a condenação para o futuro entre os
535
A hipótese é semelhante à do art. 644, primeira parte, do CPC italiano, a qual, segundo Proto Pisani,
“in ipotesi di sfratto per morosità, consente al giudice adito di pronunciare ‘decreto d’ingiunzione per
l’ammontare dei canoni scaduti e da scadere fino all’esecuzione dello sfratto’: anche in questo caso la
condanna è richiesta per crediti futuri (...)” (Andrea Proto Pisani, Lezioni di diritto processuale civile, cit.,
p. 184). 536
Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro:
Forense, 1974, v. 4, p. 62. 537
Andrea Proto Pisani, Lezioni di diritto processuale civile, cit., p. 185. 538
Giuseppe Chiovenda, Instituições de direito processual civil, v. 1, cit., p. 191.
219
“processos preventivos”.539 Em um de seus mais importantes trabalhos, encontra-se, de
fato, a afirmação de que “uma prática que remonta à doutrina italiana medieval (in
Mancini, Comm. II n. 99 seg.; Weismann, Feststellungsklage p. 99 seg.) admite os
juízos preventivos, nos quais, por razões especiais, previne-se o dano que derivaria ou
da inútil repetição de ações sucessivas, ou mesmo da falta de um título executivo no
momento do vencimento da obrigação”.540
<texto>Esta afirmação de Chiovenda, entretanto, acabou sendo absorvida e
potencializada pela doutrina de Calamandrei sobre tutela cautelar. Calamandrei, embora
não tenha incluído a condenação para o futuro entre as “providencias cautelares”, ao
diferenciar a tutela cautelar da tutela preventiva acabou concluindo que a condenação
para o futuro constitui o “caso más notorio” de tutela preventiva. É necessário
transcrever a passagem da obra de Calamandrei que espelha o que acabamos de dizer:
“Es preciso no establecer confusión entre tutela preventiva y tutela cautelar: conceptos
distintos, aunque entre ellos pueda existir la relación de género a especie. En ciertos
casos, también nuestro sistema procesal admite que el interés suficiente para invocar la
tutela jurisdiccional pueda surgir, antes de que el derecho haya sido efectivamente
lesionado, por el solo hecho de que la lesión se anuncie como próxima o posible: en
estos casos, la tutela jurisdiccional, en lugar de funcionar con la finalidad de eliminar a
posteriori el daño producido por la lesión de un derecho, funciona a priori con la
finalidad de evitar el daño que podría derivar de la lesión de un derecho de la que existe
la amenaza todavía no realizada. Se habla en estos casos, en contraposición a la tutela
sucesiva o represiva, de tutela jurisdiccional preventiva, en la cual el interés en obrar
surge no del daño sino del peligro de un daño jurídico: el caso más notorio de este tipo
de juicios preventivos se tiene en la figura de la condena en futuro”.541
<texto>Se a condenação para o futuro objetiva garantir maior tempestividade à
satisfação do direito violado,542 Calamandrei, ao falar de condenação para o futuro,
evidentemente não está pensando em tutela preventiva, mas sim em uma tutela que
garante antecipadamente ao credor, para a hipótese de violação do direito, a
539
Ver Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 189. 540
Giuseppe Chiovenda, L’azione nel sistema dei diritti. Saggi di diritto processuale civile, cit., p. 79. 541
Piero Calamandrei, Introduccion al estudio sistematico de las providencias cautelares, cit., p. 40-41. 542
Como diz Massimo D’Antona, “il contenuto essenziale della condanna in futuro sta nella
precostituzione del titolo esecutivo giudiziale, idoneo a garantire la massima tempestività della
soddisfazione coattiva ...” (Massimo D’Antona, La reintegrazione nel posto di lavoro (art. 18 dello
Statuto dei Lavoratori), Padova: Cedam, 1979, p. 161). Ver, no mesmo sentido, Renata Paolini, Note
sulla condanna in futuro. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1976, p. 526.
220
possibilidade de acesso imediato à via executiva, a qual, sem dúvida alguma, só pode
exercer função “repressiva”, para utilizarmos a própria terminologia do grande mestre
italiano.
<texto>Uma técnica processual que permite, antes da violação do direito, a
possibilidade de acesso imediato à via (art. 475-J e ss. do CPC) que implementa a tutela
repressiva – isto é, a tutela que supõe a violação do direito – está muito longe de conter
qualquer resquício ou vestígio de preventividade. É preciso que reste claro, com efeito,
que a condenação para o futuro, ainda que admitida antes da violação do direito, é
concedida para o caso de violação, ou seja, para atuar depois que o direito foi lesado, e
não para impedir sua lesão. Como é óbvio, é neste sentido que se diz que a condenação
para o futuro não exerce verdadeira função preventiva, uma vez que a preocupação com
a prevenção, aqui, exige que se pense em tutela efetivamente capaz de impedir a
violação do direito.
<texto>A doutrina chiovendiana e mesmo a doutrina pós-chiovendiana não
compreendiam bem a função que deve ser exercida pela tutela preventiva. Isto porque
esta doutrina estava sob a influência dos princípios do Estado liberal e, principalmente,
atenta às necessidades de se manter o juiz sem poder de imperium e o Estado sem
interferir nas relações privadas.
<texto>É importante lembrar, nesta linha, que a própria doutrina francesa chegou a
afirmar que a astreinte invoca o papel que era reservado ao pretor romano543 e que,
portanto, faria surgir um juiz que não seria aquele que melhor se adaptaria ao princípio
da separação dos poderes. Com efeito, Henri Mazeaud, Léon Mazeaud e André Tunc,
tratando da justificação da astreinte, lembram que parte da doutrina enxergou na
possibilidade do seu emprego a consagração dos princípios do direito romano e do
antigo direito francês sobre o papel do juiz; “ao lado de seu poder de jurisdictio, o juiz é
revestido de imperium, o que lhe dá o direito de determinar as injunctions e de penalizar
aqueles que a elas não se submetem; este é o real papel da astreinte”. Advertem, porém,
que outra parcela da doutrina objetou dizendo que o poder do juiz não poderia ser visto
desta forma e que o princípio da separação dos poderes dele retirou todo o poder de
543
“Par sa nature, la théorie des astreintes se rattache à la matière des voies d’exécution: si ce n’est pas à
proprement parler une voie d’exécution, c’est tout au moins un moyen indirect d’assurer l’exécution d’un
jugement. En s’en servant, les juges font usage, non de leur jurisdictio, mais de leur imperium” (Georges
Ripert e Jean Boulanger, Traité de droit civil, cit., p. 591).
221
imperium.544
<texto>Se na concepção da doutrina clássica o juiz não podia ter poder para impor
algo similar às astreintes para obrigar alguém a não fazer, até porque tal atividade
fugiria do papel que se esperava ver cumprido por um juiz que deveria ser o espelho de
um Estado que não podia interferir nas relações privadas, a doutrina não tinha condições
de sequer pensar em uma tutela jurisdicional realmente preventiva.
<texto>Isto tudo reflete-se, por exemplo, na famosa obra L’interesse ad agire, de
Attardi, onde o professor italiano, ao analisar a possibilidade de uma “condenação para
o futuro” no campo das obrigações negativas, e depois de afirmar que a lei não prevê o
uso da força ou “uma execução forçada da obrigação de abstenção”, chega à conclusão
de que é de se excluir uma forma de realização coativa dos direitos de conteúdo
negativo.545
<texto>De qualquer forma, a idéia que foi plantada por Chiovenda e difundida por
Calamandrei, no sentido de que a condenação para o futuro tem natureza preventiva,
continua a disseminar-se. Apenas para demonstrar como as doutrinas dotadas de
autoridade se espalham sem muita reflexão, é oportuno lembrar que Massimo
D’Antona, ao tratar de uma recente e polêmica questão envolvendo a condenação para o
futuro no direito italiano, volta a incidir no velho equívoco, ao dizer, sem qualquer
constrangimento, que “o fato que a condenação seja dissociada da violação atual do
direito, comprova a sua função tipicamente preventiva, ao lado da ordem de
reintegração: esta responde ao interesse do trabalhador de ‘encontrar-se já in executivis
no momento em que a prestação for devida’”.546
<texto>Barbosa Moreira, ao tratar da tutela preventiva no direito brasileiro, de certa
maneira acabou reproduzindo o problema que teve origem na doutrina italiana, ao
enxergar no antigo art. 287, especificamente no tocante às obrigações de não fazer,
“base sólida” para a condenação para o futuro, isto é, para a “condenação anterior à
lesão”.547 Eis o que diz Barbosa Moreira: “Que dizer da condenação para o futuro, isto
é, da condenação anterior à lesão? Sua possibilidade, em certos casos, é inequívoca no
sistema do Código: assim, quanto às relações jurídicas sujeitas a condição ou termo, ela
544
Henri Mazeaud, León Mazeaud e André Tunc, Traité théorique et pratique de la responsabilité civile
délictuelle et contractuelle, v. 3, cit., p. 640-641. 545
Aldo Attardi, L’interesse ad agire. Padova: Cedam, 1958, p. 116-117. 546
Massimo D’Antona, La reintegrazione nel posto di lavoro, cit., p. 161-162. 547
José Carlos Barbosa Moreira, Tutela sancionatória e tutela preventiva. Temas de direito processual,
Segunda série, cit., p. 27.
222
resulta inquestionavelmente do disposto no art. 572; e no tocante às obrigações de não
fazer, o art. 287 parece ministrar-lhe base sólida. Há quem acrescente a hipótese das
prestações periódicas vincendas, com invocação do art. 290”.548
<texto>Para se admitir como válida a construção de Barbosa Moreira – uma vez que
esse ilustre autor não deve estar pensando em uma condenação para o futuro que
viabilize a execução forçada daquilo que não deveria ter sido feito –, é necessário
raciocinar no sentido de que a condenação não é caracterizada por sua necessária
correlação com a execução forçada, e que a sentença condenatória, portanto, pode
constituir-se em uma ordem sob pena de multa. Essa espécie de sentença, entretanto,
segundo a própria doutrina que construiu o conceito de sentença condenatória, não pode
ser definida como condenatória.549 Tal sentença é, indiscutivelmente, mandamental, e
assim inconfundível com a condenação para o futuro.
<texto>Frise-se que a condenação para o futuro, embora prestada antes da violação
do direito, é concedida para a hipótese de o direito ser violado. Ou seja, quem pede
condenação para o futuro aceita a possibilidade de ter o direito violado, uma vez que
tem interesse apenas em formar antecipadamente o título executivo, o que desde logo
permitirá a instauração da execução, abreviando-se o tempo para a satisfação do direito
lesado. Ao contrário, quem deseja impedir a violação do direito, somente pode pedir
tutela jurisdicional que atue antes da lesão. Neste caso, a tutela jurisdicional cabível é a
inibitória, e não a condenação para o futuro. Barbosa Moreira, portanto, jamais poderia
ter incluído a tutela das obrigações de não-fazer dentro da categoria da condenação para
o futuro.
<texto>Note-se que Proto Pisani conseguiu perceber a diferença entre a condenação
para o futuro e a tutela inibitória, demonstrando a função repressiva da primeira: “O
problema da admissibilidade da condenação para o futuro é um problema diferente
daquele da admissibilidade, ou não, da tutela inibitória geral: contrariamente à
inibitória, a condenação para o futuro possui uma função que pode ser qualificada como
preventiva somente se a este termo for dado um significado muito amplo; o que de fato
a condenação para o futuro objetiva prevenir não é tanto a violação quanto a diferença
temporal entre o momento da violação e possibilidade de instaurar a execução forçada;
assim parece mais correto inserir tal tipo de condenação entre as hipóteses em que a
548
Idem, ibidem, p. 27-28. 549
Piero Calamandrei, La condanna. Opere giuridiche, v. 5, cit., p. 493 e ss; Enrico Tullio Liebman,
Manuale di diritto processuale civile, v. 1, cit., p. 145 e ss.
223
condenação cumpre uma função repressiva”.550
<texto>A confusão que se faz entre tutela preventiva e condenação para o futuro é
resultado da falta de reflexão sobre o real objetivo da tutela de prevenção e, por que não
dizer, do descaso com a tutela dos direitos não patrimoniais, fruto de uma ideologia que
não leva em consideração a necessidade de tutela efetiva de direitos que, ainda que
vitais dentro do contexto do Estado contemporâneo, podem ser transformados pelo
inadimplente em simples pecúnia. Perceba-se, com efeito, que a condenação para o
futuro é plenamente adequada à tutela dos direitos patrimoniais; pense-se, apenas, nos
exemplos que são fornecidos pela doutrina que trata desta modalidade de condenação.
<texto>Observe-se que tudo isso, ou seja, a demonstração de como a doutrina
acabou na realidade confundindo tutela preventiva com condenação para o futuro,
também serve para evidenciar que a doutrina clássica não tinha muita noção do que
falava quando estudava tutela cautelar. Ora, se a doutrina não conseguia perceber – por
estar cegada por uma ideologia comprometida com um modelo institucional de Estado
de Direito de matriz liberal – a diferença entre tutela preventiva e condenação para o
futuro, ela não podia conceber uma tutela inibitória contraposta à tutela cautelar, nem
muito menos perceber a nítida distinção que há, por exemplo, entre o arresto e a tutela
inibitória que impede a violação do meio ambiente.
<texto>É certo que essa argumentação não tem qualquer relação com o que foi dito
a respeito da posição de Barbosa Moreira, uma vez que o professor da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro revela, no ensaio que foi referido, uma grande sensibilidade
para a necessidade de se conferir tutela efetiva e adequada aos direitos não patrimoniais.
O que desejamos deixar claro, no que concerne à posição desse ilustre processualista, é
que a tutela inibitória não pode ser inserida entre as hipóteses de condenação para o
futuro e – o que é mais importante – que é chegado o momento não só de pensar em
novas sentenças, mas sobretudo de classificar os efeitos destas sentenças diante da vida
dos direitos, isto é, de uma classificação preocupada com os reais resultados do
processo em face do direito material, o que corresponde a uma classificação das
tutelas.
550
Andrea Proto Pisani, Lezioni di diritto processuale civile, cit., p. 184. No mesmo sentido, Cristina
Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 215.
224
<titpart>PARTE 2
<titpart>SENTENÇA E TUTELA
INIBITÓRIA
<tit>1
<tit1>CONSIDERAÇÕES INICIAIS
<texto>A sentença condenatória, por se ligar à execução por sub-rogação, não deve
ser confundida com as sentenças dos arts. 287 e 461; na verdade, nem mesmo o antigo
art. 287 poderia ter chamado de condenatória a sentença nele prevista.
<texto>Também no direito italiano não se encontra um uso unívoco da palavra
condenação.551
Considerando a grande influência que o direito italiano teve e tem sobre
o direito brasileiro, pareceu-nos necessário investigar a existência de uma definição
legislativa de sentença condenatória na Itália. Encontramos, porém, normas que –
referindo-se à sentença – utilizam expressões que não têm qualquer relação com a
sentença condenatória, aproximando-se da sentença mandamental, e outras normas que
– embora nada expressando de relevante – admitem formas de sentença que não têm
qualquer semelhança com a condenação, compreendida em sua acepção clássica, de
sentença correlacionada com a execução por sub-rogação.
<texto>É interessante ressaltar, por exemplo, que o art. 949 do CC italiano, ao
disciplinar a “azione negatoria”, diz que o proprietário, em caso de turbação ou
molestamento, pode requerer que seja ordenada a cessação, além da condenação ao
ressarcimento do dano (“se sussistono anche turbative o molestie, il proprietario può
chiedere che se ne ordini la cessazione, oltre la condanna al risarcimento del danno”).
<texto>Note-se que, nesse caso, o legislador italiano falou de ordem e condenação
na mesma norma, o que sugere que a ordem não se amolda ao conceito de condenação,
551
Ver Sergio Chiarloni, Misure coercitive e tutela dei diritti, cit., p. 149 e ss.
225
tal como concebido pelos próprios criadores da classificação trinária das sentenças. 552
<texto>Além disso, há vários casos em que a sentença, por se ligar à multa
pecuniária, não pode ser definida como título executivo, a teor do art. 474 do CPC
italiano. Lembre-se, apenas como exemplo, da norma que permite ao juiz fixar uma
soma para inibir ulteriores violações ao direito à marca.
<texto>O uso equivocado da palavra condenação nos sistemas italiano e brasileiro
não apenas autoriza, mas verdadeiramente obriga o intérprete a buscar os elementos de
que os doutrinadores clássicos se valeram para conceituar condenação553 e, mais do que
isso, as razões culturais escondidas atrás das formulações da doutrina, até porque a
história do processo não é apenas a história das doutrinas, mas sobretudo a história das
ideologias jurídicas. 554
<texto>Nesta parte do trabalho analisaremos os elementos do conceito clássico de
condenação, as diversas razões que contribuíram para a formação deste conceito, a
chamada “crise da sentença condenatória” e a tentativa de reconstrução de seu conceito
na Itália, para finalmente tentarmos definir a natureza da sentença concessiva da tutela
inibitória.
552
Montesano – um dos maiores estudiosos da sentença condenatória na Itália – confessa que a
condenação não se amolda a determinadas tutelas do Código Civil italiano: “Invero il c.c esclude ogni
definizione di condanna quando prevede tutele giurisdizionali dirette al compimento di doveri diversi
dalle obbligazioni civili. Ad esempio, non parla mai di condanna per la rivendica e per le altre azioni
dirette alla soddisfazione di diritti reali. Significativa è tra l’altro la differenza, nell’art. 949 comma 2o.
c.c., tra il cosiddetto ordine di cessare dalle turbative o molestie e la condanna al risarcimento del danno.
Non meno significativa è l’assenza della parola ‘condanna’ negli artt. 2.930, 2.931 e 2.933 c.c., dedicati
all’esecuzione forzata di obblighi che, come si vedrà, non sono obbligazioni civili ...” (Luigi Montesano,
Le tutele giurisdizionali dei diritti. Bari: Cacucci, 1981, p. 108). 553
O conceito de sentença condenatória, como reconhece a própria doutrina italiana, é um “concetto di
elaborazione esclusivamente scientifico-dottrinale” (Girolamo Monteleone, Spunti per una revisione del
concetto di sentenza di condanna come titolo esecutivo. Processo e tecniche di attuazione dei diritti.
Napoli: Jovene, 1989, p. 176). Ver, ainda, Sergio Chiarloni, Misure coercitive e tutela dei diritti, cit., p.
149 e ss. 554
Como escreve Denti, “tracciare la storia della giustizia civile significa anche ripercorrere la storia della
cultura processuale, che non è soltanto storia delle dottrine, ma anche delle ideologie giuridiche” (Vittorio
Denti, La giustizia civile. Bologna: Il Mulino, 1987, p. 32).
226
<tit>2
<tit1>O ESCOPO REPRESSIVO
DA SENTENÇA CONDENATÓRIA
<texto>Em um primeiro momento, como é sabido, a jurisdição foi concebida como
função voltada à tutela dos direitos subjetivos privados. Essa função era nitidamente
repressiva, ou seja, dirigida a garantir a reparação do direito subjetivo violado.
<texto>Há, entretanto, nessa concepção de jurisdição, uma forte influência dos
valores do Estado liberal.555 A tendência em privilegiar os valores da liberdade
individual em relação aos poderes de intervenção estatal não permitiu o surgimento de
uma função jurisdicional preventiva. Se o valor que deveria ser preservado era a
liberdade individual, com a proibição de o Estado interferir na vida dos cidadãos,
qualquer ingerência sua nas relações entre os particulares sem que houvesse sido
violado um direito seria vista como um atentado à liberdade individual.
<texto>Pesquisando-se a doutrina do final do século XIX, encontra-se o célebre
Programma del corso di diritto giudiziario civile, publicado em 1884 por Giuseppe
Manfredini. Referindo-se aos princípios que informavam a “procedura civile”, destaca
Manfredini o princípio político, que sintetizaria a necessidade de se conferir aos direitos
privados a máxima garantia social com o mínimo sacrifício de liberdade individual.
Vale a pena registrar passagens da obra de Manfredini que refletem com muita clareza a
presença dos valores liberais no pensamento da doutrina pré-chiovendiana: “A base da
‘procedura’ é a pesquisa do melhor caminho para se chegar à conservação e ao exercício
dos direitos, essa portanto não deve de nenhum modo sacrificar, sem necessidade, o
maior dos direitos humanos, a liberdade (...) A liberdade pode ser ofendida na
‘procedura’ com qualquer preceito e proibição que não seja nem necessário nem útil
para a boa administração da justiça, e, pior ainda, que lhe seja danoso ou perigoso (...)
Tenha-se presente para aplicá-lo em outras ocasiões, que cada restrição à liberdade do
555
Cf. Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 16.
227
indivíduo é superior ao poder de todas as leis positivas humanas, e que
conseqüentemente também a lei de ‘procedura’ deve respeitar este limite”. 556
<texto>Os valores do direito liberal, de fato, tiveram grande contribuição para o
surgimento da concepção de jurisdição como função voltada a garantir a reparação do
direito subjetivo violado.
<texto>Tal concepção de jurisdição é ligada, como se sabe, a uma noção de ação
nitidamente dependente do direito material. O conceito de jurisdição do final do século
XIX reflete uma visão privatista do processo, ao qual é atribuída uma posição de nítida
subordinação ao direito material. Não havia, nesta época, uma adequada separação entre
o direito material e o direito processual; daí porque não se conferia autonomia ao direito
de ação. 557
<texto>Ora, o fato de a jurisdição não estar autorizada a agir preventivamente e a
inexistência de dissociação entre o direito material e o direito processual somente
poderiam levar à conclusão de que o direito de ação surge com a violação do direito
material. 558
<texto>O conceito de violação do direito, com efeito, também esteve na base da
noção de interesse de agir. Essa relação somente é quebrada com a teorização da ação
declaratória, 559 que, por ser admitida independentemente da violação do direito, faz
aparecer um interesse de agir completamente desligado da lesão ao direito. 560
<texto>O surgimento da teoria de Chiovenda a respeito da jurisdição e da ação
permite que seja definitivamente encontrado o lugar da violação do direito em face do
556
Giuseppe Manfredini, Programma del corso di diritto giudiziario civile. Padova: Premiata Tipografia
Edit. F. Sacchetto, 1884, p. 43-44. Tradução livre. 557
Cf. Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 22. 558
Segundo Rapisarda, “l’identificazione dell’azione con il diritto sostanziale sottostante implicava, cioè,
la perfetta coincidenza tra il sorgere del diritto di azione ed il verificarsi del momento patologico della
violazione o della lesione del diritto soggettivo materiale, prima della quale esisteva solo il diritto
sostanziale, in regime di pacifico godimento” (Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria,
cit., p. 23). 559
Cabe lembrar que o Código de Processo Civil italiano de 1865 não apenas suprimiu os chamados
“giudizi di giattanza”, mas também permitiu a conclusão – a partir do art. 36, que afirmava que “per
proporre una domanda e per contraddire alla stessa è necessario avervi interesse” – de que estaria preclusa
a possibilidade do uso da ação declaratória. Entretanto, a melhor doutrina, capitaneada por Chiovenda,
acabou convencendo os tribunais a admitirem a ação declaratória, ficando claro que o interesse de agir
que dá origem à ação declaratória não se confunde com o interesse que abre margem à ação condenatória
(ver Pier Luigi Falaschi, Certezza del diritto e accertamento preventivo: prospettive storiche e
comparatistiche, Il diritto dell’economia. Rivista di Dottrina e Giurisprudenza, 1963, p. 609). Sobre os
“giudizi di giattanza”, ver Angelo Olivieri, Giattanza (Giudizio di). Digesto Italiano, v. 12, p. 235 e ss;
Pier Luigi Falaschi, Giattanza (Giudizio di). Novissimo Digesto Italiano, 1961, v. 7, p. 836 e ss. 560
Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 28.
228
interesse de agir. O início do século XX, especialmente o ano de 1903, é marcado pela
famosa “prolusione” de Chiovenda561 sobre a ação,
562 que assinala o surgimento da
chamada visão publicista do processo.563
<texto>O abandono do antigo conceito privatista de processo e a necessidade de
demonstração de que a ação não se confunde com o direito material tiveram importante
papel para a identificação de um fim preventivo na ação declaratória. 564
<texto>A teoria chiovendiana, preocupada em demonstrar a autonomia da ação em
relação ao direito material, encontrou na ação declaratória um ponto favorável para a
consecução de seu objetivo. É sabido que Chiovenda discordou da teoria de Redenti
sobre o fim sancionatório da justiça civil, exatamente porque, ao aceitar a tese de Wach,
que demonstrava uma relação teórica entre a autonomia do direito de ação e a ação
declaratória, concluiu que a ação declaratória não supõe a violação de um direito e não
tem por fim aplicar uma sanção. 565 A ação declaratória, além de permitir a
demonstração da autonomia da ação, separa, definitivamente, a ação da violação do
direito. É necessário recordar as palavras ditas por Chiovenda na “prolusione” lida na
Universidade de Bolonha em 3 de fevereiro de 1903: “É verdade que a ação pode ser
coordenada à satisfação de um direito subjetivo, mas não necessariamente. Aqui
interessa expor sumariamente os casos nos quais o poder de pedir a atuação da lei
aparece coordenado a um simples interesse, portanto como um direito em si mesmo,
independente de algum outro direito (...) O mesmo ocorre nas ações declaratórias
positiva e negativa, admitidas também em nossa lei, seja em casos particulares, seja
como figura geral, em virtude do art. 36 do CPC, e que constituem figuras distintas seja
dos ‘giudizi preventivi’, seja dos abolidos ‘giudizi di giattanza’. Quando alguém pede
que se declare a existência de uma relação jurídica, sem aspirar a outros efeitos
jurídicos, que não aqueles imediatamente derivados da declaração, não afirma algum
direito subjetivo contra o adversário que não o próprio direito de ação, coordenado a um
interesse de declaração; qualquer tentativa de dar um outro conteúdo a este direito é
inútil, porque precisamente a declaração judicial a que se tende não é prestação que se
561
Ver Giuseppe Chiovenda, L’azione nel sistema dei diritti. Saggi di diritto processuale civile. Roma:
Società editrice Foro Italiano, 1930, p. 3 e ss. 562
Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 51. 563
Embora Lodovico Mortara já houvesse proposto uma concepção de jurisdição como função voltada à
defesa do direito objetivo (ver Commentario del Codice e delle leggi di procedura civile. Milano:
Vallardi, 1923, p. 18 e ss). 564
Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 52-53. 565
Idem, ibidem, p. 52-53.
229
possa pretender do réu. E isto por razões mais fortes, quando a ação é coordenada a um
interesse de declaração negativa, isto é, à declaração da não existência de uma relação
jurídica”.566
<texto>Porém, a doutrina chiovendiana, embora desvinculando a ação da violação
do direito, continuou a estabelecer uma relação entre a violação do direito e o interesse
de agir na sentença condenatória. Eis o que diz Chiovenda em suas Instituições:
“Questão muito agitada outrora foi a de se, para haver ação, será necessária uma
violação da vontade da lei que garanta um bem ao autor, isto é, uma lesão do direito. Há
que resolvê-la diversamente, ao talante da vária natureza das sentenças. No campo das
sentenças de condenação, pode resolver-se, em regra, afirmativamente”. 567
<texto>Para Chiovenda, como está claro, a violação do direito seria requisito da
condenação apenas em alguns casos. Em outros – os de condenação para o futuro –, a
sentença condenatória poderia ser proferida independentemente da lesão: “Nem
sempre, porém, a sentença de condenação se condiciona a uma violação, e ainda menos
a uma violação atual, do direito; isso acontece, como dissemos, somente em regra.
Casos há em que se pode agir por uma prestação ainda não devida, e que só será
devida depois da condenação, pelo que não há nenhuma violação do direito no
momento da sentença”. 568
<texto>Lembre-se de que Chiovenda sustentou a natureza preventiva da condenação
para o futuro. Entretanto, se é certo – como dizia Chiovenda – que no momento da
sentença de condenação para o futuro ainda não há violação do direito, não é correto
supor que tal sentença exerça função preventiva. A sentença, embora proferida
antecipadamente, deve atuar após a violação do direito, tendo por escopo, portanto,
tutelar o direito violado, e não prevenir o ilícito.
<texto>Na verdade, a posição de Chiovenda, no sentido de que a condenação para
o futuro tem natureza preventiva, apenas reforça o caráter nitidamente repressivo da
condenação, uma vez que a sentença condenatória é proferida antecipadamente em vista
de uma eventual lesão a direito que não se objetiva evitar, mas apenas reparar.
<texto>Carnelutti, no que diz respeito ao fim da sentença condenatória, não assumiu
posição diferente a de Chiovenda. Carnelutti viu na condenação, inicialmente, a 566
Giuseppe Chiovenda, L’azione nel sistema dei diritti. Saggi di diritto processuale civile, cit., p. 16.
Tradução livre. 567
Giuseppe Chiovenda, Instituições de direito processual civil, v. 1, cit., p. 185-186. 568
Idem, ibidem, p. 191.
230
declaração de um ilícito, 569 tendo mais tarde mudado de opinião em razão de críticas
apresentadas à sua teoria por Liebman. 570
<texto>Liebman, ao criticar o primeiro posicionamento de Carnelutti – que anularia
a distinção entre sentença declaratória e sentença condenatória, 571 já que a sentença
condenatória, como definida por Carnelutti, seria apenas uma espécie de sentença
declaratória572 –, afirma: “Por outro lado, aquela explicação suprime qualquer diferença
real entre as duas espécies de sentenças, quando a verdade é muito diferente: a
declaratória contenta-se com verificar como estão as coisas, ao passo que a
condenatória, além disso, visa as conseqüências do ato ilícito pelo qual é responsável o
réu. É uma simples verdade que a condenação prepara a execução”. 573
<texto>Carnelutti, após as ponderações de Liebman, chega à seguinte conclusão: “a
condenação não é outra coisa que não a declaração de um fato jurídico, pelo qual
alguém (o condenado) deve ser sujeitado a uma sanção; está em tal declaração a
preordenação do processo de conhecimento ao processo executivo; porque, de outra
parte, a sujeição à sanção se resolve na responsabilidade, a condenação, por sua vez,
resolve-se na declaração da responsabilidade”. 574
<texto>Carnelutti admite expressamente os motivos pelos quais deixou de falar em
“accertamento di un illecito” para passar a falar em “accertamento della responsabilità”:
“Porque normalmente a responsabilidade deriva de um ato ilícito, eu defini a
condenação, em um primeiro momento, como declaração de um ilícito (Lezioni di
diritto processuale civile, cit., v. 2, p. 28); mais tarde, após as objeções de Liebman (Le
opposizioni di merito nel processo di esecuzione, Roma, Soc. ed. del Foro italiano,
1931), substitui a declaração de ato ilícito pela declaração de responsabilidade (Titolo
569
Francesco Carnelutti, Lezioni di diritto processuale civile. Padova: Cedam, 1931, v. 2, p. 28. 570
Enrico Tullio Liebman, Le opposizioni di merito nel processo di esecuzione. Foro Italiano, 1931, p.
143 e ss. 571
“Por isso, entenderam outros que a diferença está não na própria sentença, mas em seu objeto, isto é,
na qualidade da relação jurídica controvertida: quando a sentença tiver por conteúdo a declaração da
existência de direito a uma prestação e da falta de seu cumprimento – ou, com fórmula mais breve e
eficaz, da existência de um ato ilícito (Carnelutti), então a sentença seria condenatória. Esta não seria,
pois, senão um caso especial e qualificado de sentença declaratória e propriamente aquela que tiver por
efeito criar a certeza da existência daquele que, como vimos acima, é justamente o pressuposto prático da
execução” (Processo de execução, cit., p. 14). 572
Recorde-se, contudo, que Liebman admitiu que a sentença de condenação não seria diferente da
sentença de declaração no plano substancial (Le opposizione di merito nel processo d’esecuzione, cit., p.
129). 573
Enrico Tullio Liebman, Processo de execução. São Paulo: Saraiva, 1968, p. 15. 574
Francesco Carnelutti, Diritto e processo. Napoli: Morano, 1958, p. 49-50. Tradução livre.
231
esecutivo. Studi di diritto processuale, cit., IV, p. 118, nota 1; conf. Sistema di diritto
processuale civile, cit., I, p. 138; Istituzioni del processo civ. it., cit., I, p. 35)”. 575
<texto>Não importa aqui demonstrar qual das teorias é a mais adequada, se a de
Liebman ou a de Carnelutti, 576 mas deixar claro que ambas partem da premissa de que
a condenação pressupõe um direito violado. 577 Enquanto Carnelutti frisa a declaração
da responsabilidade, deixando transparecer claramente que a condenação pressupõe a
violação do direito, Liebman afirma que a condenação “é o ato que aplica, impõe,
determina in concreto a sanção que o transgressor deverá sofrer pelo ato cometido”.
578
<texto>Para demonstrar, em definitivo, a natureza repressiva da sentença
condenatória, nada melhor do que o registro da seguinte passagem da doutrina de
Micheli: “O sujeito que recorre ao juiz para pedir-lhe a atuação de um tipo de tutela
jurisdicional não se limita normalmente a pedir a mera declaração, mas solicita qualquer
coisa a mais: precisamente o meio para restabelecer efetivamente o equilíbrio jurídico
violado, com a remoção das conseqüências da violação do direito. Tal meio é oferecido
pelo remédio da sentença condenatória, mediante a qual o juiz, uma vez declarada a
violação de um direito, não apenas reafirma in concreto o comando abstrato da lei, mas
atribui àquele a favor do qual a tutela deve ser concedida o instrumento para obter
eventualmente a realização prática da sua pretensão, reconhecida fundada, ainda contra
a vontade e de qualquer forma independentemente da vontade da outra parte”. 579
<texto>É importante deixar claro que a elaboração dogmática da sentença
575
Francesco Carnelutti, Diritto e processo, cit., p. 50, nota 2. Tradução livre. 576
Liebman lembra que Carnelutti completou a definição que havia dado anteriormente à sentença
condenatória (declaração de ato ilícito), acrescentando a declaração da sanção a que o réu deve ser
submetido (Rivista di Diritto Processuale Civile, 1931, p. 316). Argumenta, contudo, que a declaração da
sanção não é suficiente e a sentença é, nesta parte, constitutiva; antes de sua prolação não falta só a
certeza, como até a existência da situação jurídica que habilita à execução (Enrico Tullio Liebman,
Processo de execução, cit., p. 16, nota 12). 577
“La concezione della condanna come tutela repressiva esprime il punto di vista più diffuso tra la
dottrina processualistica tradizionale. È infatti comune, nella delimitazione dell’interesse a proporre
l’azione di condanna, il riferimento ad una fattispecie già attuale di violazione del diritto posto a
fondamento della domanda. Tale indicazione proviene anche dal secondo grande indirizzo interpretativo
in materia di definizione della condanna, che si fonda, anziché sul collegamento con l’applicazione della
sanzione, sul particolare oggetto della tutela. Si pensi, in particolare, all’ultima teoria carneluttiana della
condanna come accertamento di responsabilità, che pone in luce l’idoneità della tutela ad
intervenire unicamente dopo il compimento della lesione, ed anche alla teoria del Garbagnati, che fa
consistere l’oggetto della condanna nell’accertamento di un diritto soggettivo insoddisfatto” (Cristina
Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 188-189). 578
Enrico Tullio Liebman, Processo de execução, cit., p. 16. 579
Gian Antonio Micheli, Corso di diritto processuale civile, cit., p. 47-48. Tradução livre.
232
condenatória não teve qualquer preocupação com a prevenção do ilícito, mas apenas
com a necessidade de reparação do direito violado.
<texto>A função preventiva ficou reservada à ação declaratória. Note-se, porém,
que um remédio preventivo que atua no plano normativo, regulando apenas
formalmente as relações privadas, sem incidir concretamente na realidade social, é o
reflexo de um Estado ainda marcado pela idéia de não intervenção na “vida privada”. Se
a sentença (declaratória) se limita a analisar a regularidade de uma relação jurídica já
formada e determinada pela vontade individual, resta intacta a esfera da liberdade
individual, respeitando-se os valores do Estado liberal. 580
<texto>A sentença declaratória, porém, ao mesmo tempo em que não interfere nas
relações privadas, não permite que seja inibida a prática do ilícito, deixando uma série
de direitos – de grande importância dentro do contexto do Estado contemporâneo – sem
resposta jurisdicional adequada e efetiva.
580
É nesse sentido a argumentação de Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 67 e
ss. Ver, também, Piero Calamandrei, Istituzioni di diritto processuale civile. Padova: Cedam, 1944, parte
1, p. 71 e ss.
233
<tit>3
<tit1>A SENTENÇA CONDENATÓRIA
E A SUA CORRELAÇÃO COM
A EXECUÇÃO FORÇADA
<texto>A doutrina afirma que a sentença de condenação e a sentença constitutiva
equivalem, antes e acima de tudo, a sentenças de declaração, já que a sentença, em
todos os casos, deve declarar a existência do direito.581 A sentença de condenação,
contudo, conteria um plus em relação à sentença declaratória. Lembre-se, nesse sentido,
que Chiovenda afirmou que a sentença condenatória gera uma ordem destinada aos
órgãos encarregados da execução e, nesse aspecto, afasta-se da sentença declaratória,
582 enquanto Calamandrei entendeu que a função específica da condenação é a de
transformar a obrigação em sujeição, 583 discordando de Liebman, para quem a
condenação caracteriza-se por aplicar a sanção. 584
<texto>Para Liebman, a sentença condenatória tem duplo conteúdo e dupla função:
declara o direito existente e, além disso, “faz vigorar para o caso concreto as forças 581
Cf. Giuseppe Chiovenda, Instituições de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 1965, v. 1, p.
182-3. 582
“Historicamente, a sentença nasce como preparação à execução, como sentença de condenação. Ou
seja: a verificação do direito surge como um incidente no curso da atuação do direito. Com o tempo, a
verificação adquire importância em si, conforme vimos e conforme veremos melhor em seguida. Duas
funções, portanto, podem assistir à verificação: a) tornar certo o direito, com todas as vantagens
decorrentes diretamente dessa certeza; b) preparar a execução, formando a convicção dos órgãos do
Estado sobre a ulterior atuabilidade do direito. Na sentença de condenação associam-se as duas funções”
(Giuseppe Chiovenda, Instituições de direito processual civil, cit., p. 185). 583
Para Calamandrei, o condenado, “prima della condanna, non è altro che un obbligato: cioè il soggetto
passivo di un rapporto giuridico sostanziale, vincolato, in forza di questo, a tenere volontariamente un
certo comportamento. Finchè egli resta un obbligato, la osservanza del suo obbligo è affidata alla sua
volontà: nel campo del diritto sostanziale, anche quando al rapporto obbligatorio primario si sostituisce un
rapporto obbligatorio sanzionatorio, l’adempimento volontario è l’unico mezzo su cui il creditore può
contare per il sodisfacimento del suo diritto. Ma, dopo la condanna, la volontà del debitore, sulla quale
finora il diritto sostanziale faceva affidamento per ottenere l’adempimento dell’obbligato, si trasforma, da
soggetto attivo di volontà, in oggetto passivo di una volontà altrui. In questa trasformazione dell’obbligo,
per il cui adempimento il diritto contava sulla volontà attiva dell’obbligato, in assoggettamento passivo
alla forza altrui, contro la quale la volontà del condannato non conta più, mi pare che consista la
caratteristica essenziale della condanna, comune alla condanna civile ed a quella penale” (Piero
Calamandrei, La condanna. Opere giuridiche. Napoli: Morano, 1972, p. 491). 584
Enrico Tullio Liebman, Processo de execução, cit., p. 13 e ss.
234
coativas latentes da ordem jurídica, mediante aplicação da sanção adequada ao caso
examinado – e nisto reside a sua função específica, que a diferencia das outras sentenças
(função sancionadora)”. 585 A sentença condenatória, ao aplicar a sanção, constitui a
situação jurídica que abre oportunidade para a execução, afastando-se, assim, da idéia
de mera declaração da responsabilidade, sustentada por Carnelutti. 586
<texto>Por outro lado, se Calamandrei entende que a obrigação se extingue – ao
afirmar que a condenação transforma a obrigação em sujeição do devedor à execução –,
temos que dar razão a Liebman quando argumenta que a sentença condenatória não
extingue a obrigação, mas apenas põe ao lado da obrigação a nova relação
sancionadora. 587
<texto>O que importa, entretanto, é deixar claro que a sentença condenatória, na
definição de Liebman, caracteriza-se por aplicar a sanção. Contudo, o que significa
exatamente aplicar a sanção? Vejamos a explicação do próprio Liebman: “A execução
consiste na realização de certas medidas que em conjunto representam a sanção para a
falta de observância do direito material. Mas os órgãos incumbidos desta atividade só a
podem exercer quando houver uma regra jurídica (regra sancionadora) que assim o
determine. Ora, as regras sancionadoras abstratas, quer expressas (como as do direito
penal), quer latentes na estrutura orgânica da ordem jurídica (como as que prescrevem a
execução civil para o caso de falta do cumprimento da obrigação), não se tornam
automaticamente concretas pela simples ocorrência do ato ilícito. Seja este um crime ou
um ilícito civil, o autor do fato não é só por isso submetido à atuação da sanção: esta
deve ser-lhe aplicada, imposta, determinada para o caso concreto que lhe foi imputado.
A condenação representa exatamente o ato do juiz que transforma a regra sancionadora
de abstrata e latente em concreta, viva, eficiente”. 588
<texto>Liebman, ao caracterizar a condenação pela aplicação da sanção, evidencia
585
Enrico Tullio Liebman, Processo de execução, cit., p. 16. 586
Barbosa Moreira, porém, critica a posição de Liebman, afirmando que à declaração do direito se junta,
na sentença condenatória, outra declaração, a de que determinada sanção é aplicável ao vencido. “Duas
declarações, portanto, apenas distinguíveis pelos respectivos objetivos – o que torna lícito dizer-se da
construção de Liebman o mesmo que este diz, com sentido crítico, da concepção carneluttiana da
sentença condenatória, que lá como aqui não é ‘senão um caso especial e qualificado de sentença
declaratória’. Fácil concluir a que, nessa perspectiva, se reduz a dupla função de tal sentença: quando
muito, poderia enxergar-se aí o exercício duplo de uma única função” (José Carlos Barbosa Moreira,
Reflexões críticas sobre uma teoria da condenação civil. Temas de direito processual. São Paulo: Saraiva,
1977, p. 80). 587
Ver Enrico Tullio Liebman, Processo de execução, cit., p. 16-17. 588
Idem, ibidem, p. 16.
235
que a sentença condenatória está muito longe de ser uma ordem para que o devedor
cumpra sua obrigação. 589 Para Liebman, essa ordem já existe na lei,
590 de modo que o
juiz, mesmo na sentença declaratória, “ao declarar existente entre as partes uma relação
jurídica, pela qual uma delas deve dar ou fazer alguma coisa em favor da outra, declara
e formula como vigorante entre as partes uma regra jurídica concreta que exige de uma
delas o cumprimento da prestação devida”. 591 Nesse aspecto, e na concepção de
Liebman, a sentença declaratória não seria diferente da sentença condenatória: o que
distingue a condenação, efetivamente, é a aplicação da sanção.
<texto>A aplicação da sanção abre oportunidade à execução forçada. Liebman
demonstrou, de fato, que a condenação opera um fenômeno complexo e vasto, que
consiste na constituição de uma nova situação jurídica, autônoma no que concerne à
relação substancial obrigacional, fundada na concreta vontade do Estado de que a
sanção executiva seja atuada, e que se resolve subjetivamente no poder do órgão
processual de proceder à atuação da sanção executiva, no poder do credor de provocá-la
(ação executiva) e na sujeição do devedor a suportá-la (responsabilidade executiva). 592
<texto>Calamandrei, aliás, deixou claro que a condenação, na perspectiva de
Liebman, seria necessária para fazer entrar em vigor a “sanzione delle sanzioni”, que
seria exatamente a execução forçada. De acordo com a lição do mestre de Florença, a
condenação – para Liebman – não é necessária para determinar a entrada em vigor de
qualquer sanção, “mas é necessária para colocar em ação aquela sanção extrema
(aquela que, poderia ser dito, é a sanção das sanções) que consiste na execução
forçada”. 593
<texto>É importante ressaltar, com efeito, que a doutrina italiana clássica sempre
589
Idem, ibidem, p. 14. 590
Neste particular, a concepção de Liebman não difere da de Chiovenda. Para Chiovenda, a condenação
não é, em relação à parte vencida, um ato autônomo de vontade do juiz, “não é uma ordem do juiz; é a
formulação de uma ordem contida na lei, e só é um ato de vontade do juiz neste sentido, de que o juiz
quer formular a ordem da lei. Quando, portanto, se vislumbra no dispositivo da sentença um ato de
vontade, uma ordem, pretende-se deduzir que a ordem da lei adquire na sentença novo vigor de fato,
maior força cogente e que a sentença, como ato de autoridade, encerra virtude de ordem paralelamente à
lei. (...) Em outro sentido, porém, a sentença de condenação verdadeiramente gera uma nova ordem, a
saber, com respeito aos órgãos encarregados da execução; e eis aí como se distingue da sentença
declaratória” (Giuseppe Chiovenda, Instituições de direito processual civil, cit., p. 185). 591
Enrico Tullio Liebman, Processo de execução, cit., p. 14. 592
Enrico Tullio Liebman, Il titolo esecutivo riguardo ai terzi, cit., p. 137. 593
Piero Calamandrei, La condanna. Opere giuridiche. Napoli: Morano, 1972, p. 490.
236
estabeleceu uma correlação entre a condenação e a execução forçada. 594 Como
observou, por exemplo, Gian Antonio Micheli, a condenação, como forma de remédio
jurisdicional, possui a sua eficácia característica não especificamente na declaração em
si, “mas na ligação eventual entre o provimento do juiz e a possibilidade, oferecida ao
vencedor, de obter, se for o caso, uma outra forma de tutela, a execução forçada”. 595
<texto>Se a sentença condenatória pressupõe a violação de um direito, é necessário
que o Estado crie instrumentos que permitam a reparação do direito lesado. A sentença
condenatória sempre foi correlacionada com a execução por sub-rogação, o que
equivale a dizer que a doutrina sempre compreendeu execução forçada como execução
por sub-rogação.
<texto>Como será demonstrado nos próximos itens, o direito italiano já sentiu a
necessidade de uma sentença que pudesse se ligar a formas de execução por coerção.
Proto Pisani chega a propor uma reconceituação de condenação, 596 admitindo que ela
pode consistir em ordem que, em caso de inadimplemento, abre oportunidade para a
prisão, cuja ameaça já atuaria sobre a vontade do obrigado, convencendo-o a adimplir.
<texto>A polêmica causada pela tese de Pisani obrigou a doutrina italiana a voltar a
estudar a natureza da sentença condenatória e, inclusive, o problema de sua correlação
com a execução por sub-rogação. Crisanto Mandrioli, ao entrar nessa discussão,
elaborou um artigo que recebeu, não sem razão, o título de “Sulla correlazione
necessaria tra condanna ed eseguibilità forzata”. 597 Nesse trabalho, que na realidade é
uma resposta a um dos primeiros ensaios que Proto Pisani escreveu a respeito da
questão da efetividade da sentença condenatória, Mandrioli observa que a correlação
entre a condenação e a execução forçada está implícita na definição de condenação:
“Antes de tudo: é claro que se, com a doutrina que prevalece há muito tempo,
594
Ver Crisanto Mandrioli, Sulla correlazione necessaria tra condanna ed eseguibilità forzata. Rivista
Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1976, p. 1.344 e ss; Piero Calamandrei, La condanna. Opere
giuridiche. Napoli: Morano, 1972, v. 5, p. 493 e ss; Enrico Tullio Liebman, Manuale di diritto
processuale civile. Milano: Giuffrè, 1984, v. 1, p. 145 e ss; Luigi Montesano, Condanna civile e tutela
esecutiva. Napoli: Jovene, 1965, p. 5 e ss e p. 19 e ss; Edoardo Garbagnati, Azione e interesse, Jus, 1955,
p. 333 e ss; Girolamo Monteleone, Recenti sviluppi nella dottrina dell’esecuzione forzata. Rivista di
Diritto Processuale, 1982, p. 281 e ss; Giuseppe Borrè, Esecuzione forzata degli obblighi di fare e di non
fare. Napoli: Jovene, 1966, p. 138 e ss. 595
Gian Antonio Micheli, Corso di diritto processuale civile. Milano: Giuffrè, 1959, v. 1, p. 48. Tradução
livre. 596
Andrea Proto Pisani, L’effettività dei mezzi di tutela giurisdizionale con particolare riferimento
all’atuazione della sentenza di condanna. Rivista di Diritto Processuale, 1975, p. 620 e ss; Appunti sulla
tutela di condanna. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1978, p. 1.104 e ss. 597
Crisanto Mandrioli, Sulla correlazione necessaria tra condanna ed eseguibilità forzata. Rivista
Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1976, p. 1.342 e ss.
237
chamamos de condenação o provimento judiciário que, com a declaração de um direito,
declara a ulterior exigência de tutela mediante execução forçada, também declarando
os pressupostos da concreta exeqüibilidade deste direito, a referida correlação
necessária é já implícita nesta definição; mais precisamente, é implícita a correlação
entre condenação e título executivo, no sentido que não pode ser definido como
condenatório o provimento ao qual a lei não atribua a eficácia executiva que, no art. 474
do CPC, é claramente individualizada na capacidade de dar origem a um dos
procedimentos executivos disciplinados no livro terceiro do código”. 598
<texto>O conceito de sentença condenatória como sentença que aplica a sanção,
abrindo caminho à execução forçada, obviamente deixa as obrigações infungíveis sem
proteção adequada. Essa é uma das constatações com as quais devemos trabalhar para
definir a natureza da sentença capaz de efetivamente prestar a tutela inibitória.
<texto>A ligação entre sentença condenatória e execução por sub-rogação não é
apenas o resultado de interpretação baseada no ordenamento jurídico italiano, mas
também reflexo de diversos valores, valendo lembrar, por exemplo, a influência do
princípio do nemo ad factum praecise cogi potest.
<texto>Não se pode negar, contudo, que o conceito de condenação, formulado pela
doutrina italiana, foi totalmente absorvido pela doutrina brasileira, 599 ainda que os
valores submersos a tal conceito não tivessem relação necessária com o nosso país. Daí
a importância da análise das motivações culturais da sentença condenatória, tarefa que,
embora árdua, impõe-se quando se tem consciência de que o direito comparado não tem
muito valor sem o conhecimento dos fatores políticos, econômicos, sociais e religiosos
que marcam a história da evolução dos ordenamentos. 600
598
Crisanto Mandrioli, Sulla correlazione necessaria tra condanna ed eseguibilità forzata. Rivista
Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1976, p. 1.344 (Tradução livre). Em ensaio anterior, Mandrioli
já havia dito: “Ho già accennato poc’anzi che la suddetta correlazione sta in ciò che il proprium della
condanna suole essere ravvisato precisamente nel fatto che essa contiene l’accertamento della sussistenza
dei pressupposti dell’esecuzione forzata, ossia l’accertamento dell’eseguibilità coattiva del diritto nonché
della concreta esigenza della sua esecuzione attraverso l’esercizio dell’azione esecutiva” (Crisanto
Mandrioli, L’esecuzione specifica dell’ordine di reintegrazione nel posto di lavoro. Rivista di Diritto
Processuale, 1975, p. 20). 599
Como diz Miguel Reale, “é no campo do direito que se revela a mais viva repercussão da cultura
italiana nos meios sociais brasileiros, adquirindo, especialmente a partir da era republicana, uma linha de
notável continuidade, a ponto de constituir um dos fatores integrantes não só de nossa doutrina, como da
legislação e da jurisprudência” (Miguel Reale, O direito italiano na cultura brasileira. A presença italiana
no Brasil (organizado por Luis A. De Boni), Porto Alegre-Torino, Escola Superior de Teologia-
Fondazione Giovanni Agnelli, 1990, v. 2, p. 735). 600
“Queste battute iniziali, tra il serio ed il faceto (se me consentite l’espressione jheringhiana), volevano
introdurre il rilievo, a mio parere fondamentale, che è impossibile fare seriamente della comparazione
senza una conoscenza adeguata dei fattori politici, economici, sociali, religiosi che stanno dietro
238
l’evoluzione degli ordinamenti. In altri termini, la comparazione presuppone che venga posto
correttamente il rapporto tra diritto e cultura: come ha osservato recentemente Massimo Corsale, occorre
che ogni discorso sul diritto si immerga nella cultura della società di cui quel diritto è la struttura (...): ‘il
diritto di cui si parla nelle aule dei tribunali e nei libri dei giuristi non è che la parte emergente
dell’iceberg che è il diritto-cultura del gruppo’” (Vittorio Denti, Diritto comparato e scienza del processo.
Rivista di Diritto Processuale, 1979, p. 335-336).
239
<tit>4
<tit1>AS MOTIVAÇÕES CULTURAIS
DA SENTENÇA CONDENATÓRIA
<s>SUMÁRIO: 4.1 O princípio nemo ad factum praecise cogi potest: 4.1.1
Observações prévias; 4.1.2 A tese que relaciona a diversidade de tratamento
dado ao não-comparecimento em juízo com a diferente evolução do uso das
medidas de coerção para garantir o adimplemento da sentença na Alemanha e na
França; 4.1.3 O sistema feudal e o seu reflexo no uso dos meios de coerção
sobre a pessoa; 4.1.4 A preservação da autoridade do Estado como fundamento
do uso das medidas de coerção; 4.1.5 O Código Napoleão e sua influência sobre
o conceito de sentença condenatória; 4.1.6 A doutrina brasileira e os valores
submersos no art. 920 do CC de 1916 – 4.2 A concepção liberal de jurisdição
como função meramente declaratória e o seu reflexo sobre o conceito de
sentença condenatória – 4.3 A expansão do conceito de obrigação e a
universalização da sentença condenatória.
<a>4.1 O princípio nemo ad factum praecise cogi potest
<a1>4.1.1 Observações prévias
<texto>Não há mais dúvida de que está implícita, na definição clássica de sentença
condenatória, a correlação necessária entre a condenação e a execução forçada. Cabe
perguntar, contudo, se atrás dessa correlação está escondida uma opção pela
incoercibilidade das obrigações infungíveis. Sergio Chiarloni pensa que sim,
argumentando que o fato de a doutrina predominante ter individuado o proprium da
sentença de condenação em sua relação com a execução forçada por sub-rogação, longe
de ser o resultado de abstratos exercícios conceituais, constitui o reflexo, em nível
teórico, de uma situação histórica pela qual o ordenamento italiano moderno não
240
introduziu – ao menos segundo as construções até aqui absolutamente predominantes –
um sistema generalizado de medidas coercitivas indiretas destinadas a assegurar o
adimplemento das obrigações infungíveis.601
<texto>O princípio nemo ad factum praecise cogi potest, que fundou o dogma da
absoluta incoercibilidade das obrigações infungíveis, 602 impediu, até hoje, a introdução
de um sistema generalizado de meios de coerção indireta no direito italiano. A validade
de tal princípio tem sido questionada atualmente na Itália, 603 principalmente em razão
da necessidade da tutela específica de direitos que dependem do cumprimento de
obrigações infungíveis.
<texto>O nemo ad factum não exprime um princípio que possa ser válido para todas
as épocas e todos os países, já que sua aplicação depende dos valores de um povo
inserido em determinado momento histórico. 604 É sabido que o uso dos meios
coercitivos teve uma evolução diferente na Alemanha, França e Itália. A elaboração
legislativa e doutrinária italiana foi muito influenciada, em um primeiro momento, pelos
valores do direito francês, 605 o que significa, em outras palavras, que a elaboração
italiana, naquilo que nos interessa, tem muito a ver com o que se passou na França.
<texto>É importante tentar desvendar, assim, as razões da diferente evolução do uso
dos meios coercitivos na Alemanha e na França, para que também sejam precisados os
valores que presidiram a formação do conceito de sentença condenatória.
<a1>4.1.2 A tese que relaciona a diversidade de tratamento dado ao não-
comparecimento em juízo com a diferente evolução do uso das medidas de
coerção para garantir o adimplemento da sentença na Alemanha e na França
<texto>Kohler, realizando uma comparação entre as experiências alemã e francesa,
e tentando demonstrar as razões pelas quais a vedação do uso da coerção sobre a pessoa
firmou-se na França e não na Alemanha, estabeleceu estreita conexão entre o não 601
Sergio Chiarloni, Misure coercitive e tutela dei diritti. Milano: Giuffrè, 1980, p. 148-149. 602
Moacyr Amaral Santos, referindo-se ao art. 1.005 do CPC de 1939, que previa o uso da multa,
afirmava que este meio de coerção praticamente derrogava o brocardo nemo ad factum praecise cogi
potest (Moacyr Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil. São Paulo: Max Limonad,
1969, v. 1, p. 350). 603
Ver Salvatore Mazzamuto, L’attuazione degli obblighi di fare, cit., p. 8 e ss. 604
Ver, sobre este princípio, Salvatore Mazzamuto, L’attuazione degli obblighi di fare, cit., p. 28-30;
Sergio Chiarloni, Misure coercitive e tutela dei diritti, cit., p. 54-108; Vittorio Colesanti, Misure
coercitive e tutela dei diritti. Rivista di Diritto Processuale, 1980, p. 601-626. 605
Sergio Chiarloni, Misure coercitive e tutela dei diritti, cit., p. 68 e ss; Vittorio Colesanti, Misure
coercitive e tutela dei diritti. Rivista di Diritto Processuale, 1980, p. 601 e ss.
241
comparecimento do réu perante o juiz e o não adimplemento espontâneo da sentença.
606
<texto>Partindo da relação entre o não comparecimento do réu e o não
adimplemento espontâneo da sentença, Kohler tenta demonstrar, através de análise
histórico-comparativa procedida a partir do século XII, a razão pela qual o ordenamento
alemão conservou as medidas coercitivas para assegurar o cumprimento da sentença,
enquanto na França consolidou-se um princípio que não admitia a coerção sobre a
pessoa como forma de garantir o adimplemento das decisões do juiz. 607
<texto>Houve época – lembra o jurista alemão – em que ambos os comportamentos
davam lugar a uma hipótese de contumácia e eram concebidos como grave ofensa à
autoridade do juiz, abrindo ensejo a medidas severas, como multa, confisco de bens,
prisão etc. 608
<texto>Referindo-se à experiência alemã, diz Kohler que a manutenção através do
tempo de meios coercitivos para assegurar o comparecimento do réu permite explicar,
por argumento a fortiori, a persistência de meios ainda mais severos para assegurar o
cumprimento espontâneo da sentença. É óbvio que, com o passar do tempo, os antigos
meios coercitivos são substituídos por outros, como pena pecuniária e prisão; contudo,
permanece presente, na Alemanha, a idéia de que o inadimplemento espontâneo da
sentença integre uma grave Verletzung da autoridade e, na verdade, essa idéia sobrevive
mesmo depois de ter deixado de caracterizar a disciplina do procedimento contumacial,
projetando-se sobre a codificação processual unitária. 609
<texto>Na França, ao contrário do que sucedeu na Alemanha, já a partir do século
XII os meios coercitivos deixam de ser utilizados para assegurar o comparecimento do
réu; as sanções são exclusivamente endoprocessuais. 610 Em um primeiro momento, da
mesma forma que a contumácia do autor determina a rejeição da demanda, a
contumácia do réu impõe o seu acolhimento. Por volta do final do século XIV, como
continua a historiar Chiarloni, atenua-se este rigor e, assim, para que o réu revel possa
ser condenado pelo simples fato do não-comparecimento, é necessário que ele não
atenda a quatro chamadas de audiência perante o juiz; por fim, com a ordenança
606
Cf. Sergio Chiarloni, Misure coercitive e tutela dei diritti, cit., p. 65. 607
Idem, ibidem, p. 66 e ss. 608
Idem, ibidem, p. 66. 609
Idem, ibidem, p. 69-70. 610
Idem, ibidem, p. 70.
242
processual de 1539, é introduzido, contra veterem stylum Galliae, o princípio – que
caracteriza os ordenamentos processuais modernos influenciados pelo direito francês –
pelo qual “auparavant que donner aucunes sentences contre les défaillans contumaces et
non comparans, le demandeur sera tenu de faire apparoir du contenu en sa demande”.
611
<texto>Para Kohler, o fato de o não-comparecimento ter passado a suscitar na
França, a partir do século XII, conseqüências meramente processuais, teve repercussão
na não-utilização da prisão para assegurar o adimplemento da sentença. Na Alemanha,
onde o uso dos meios de coerção para assegurar o comparecimento perdurou por muito
tempo, teria ocorrido a assimilação do uso da prisão para assegurar o adimplemento da
sentença. 612
<texto>Como está claro, Kohler tenta demonstrar, através da comparação das linhas
evolutivas do direito processual na França e na Alemanha, a razão pela qual se
consagrou, apenas no sistema alemão, o uso da coerção sobre a pessoa como forma de
assegurar o cumprimento das decisões judiciais.
<a1>4.1.3 O sistema feudal e o seu reflexo no uso dos meios de coerção sobre a
pessoa
<texto>Chiarloni critica a investigação histórica de Kohler, dizendo que não há
prova de que exista uma relação causal entre o uso de medidas coercitivas contra o réu
que não comparece e o uso de iguais medidas para assegurar o cumprimento espontâneo
da sentença.
<texto>O verdadeiro problema consistiria em compreender porque foi mantida na
Alemanha a noção de contumácia em sentido amplo, como Verletzung des Königs, com
toda a sua bagagem de severíssimas medidas de coerção – seja diante do condenado
inadimplente, seja diante do réu que não comparece –, enquanto na França a contumácia
em sentido estrito passou a dar lugar, em um primeiro momento, a sanções exclusivas
sobre o plano do processo e, depois, nem mesmo mais a estas. 613
<texto>Para Chiarloni, é evidentemente ilusório esperar encontrar uma explicação
desse contraste de disciplinas dentro dos institutos processuais; seria particularmente
611
Idem, ibidem, p. 70-71. 612
Idem, ibidem, p. 72. 613
Idem, ibidem, p. 73.
243
significativo, contudo, o fato de que a passagem da antiga estrutura feudal para um
sistema de rendas fundiárias ocorreu antes e com maior rapidez na França do que na
Alemanha. 614 É importante registrar parte da argumentação do professor da
Universidade de Turim: “Com os séculos XI e XII, inicia-se um movimento pelo qual
os senhores feudais tendiam a exigir dos súditos não mais o trabalho da pars dominica
no curso do ‘ano agrário’, mas antes o pagamento de ‘canoni’, primeiro in natura e
depois em dinheiro; a renúncia a ‘valorização pessoal’ fez que os camponeses
rapidamente se transformassem em produtores, duramente taxados, porém
economicamente autônomos. A isto se ajunta o fato de que repetidas liberações
diminuíram de modo sensível, a partir do século XIII, o número de servos franceses. Na
Alemanha, o desenvolvimento ocorre diversamente, seja em relação ao tempo, seja em
relação ao próprio modo. As cadeias de dependência, que ligam os camponeses às suas
terras e a um patrão, são precisadas e consolidadas mais tarde, no ‘Alto Medioevo’,
porém ainda mais tarde, com lentidão incomparavelmente maior e não sem
contradições e giros viciosos, inicia o processo da sua dissolução, com a
transformação do vínculo pessoal ao trabalho no vínculo econômico ao pagamento de
rendas: ainda no século XVIII e em grande parte do XIX, na perdurante predominância
da estrutura feudal agrária e do sistema político das ‘ordini’, é normal que os
camponeses tenham que fazer a prestação de ‘corvées’ nas terras do proprietário”. 615
<texto>Argumenta Chiarloni que não é irracional supor que, na França, o
desaparecimento do princípio segundo o qual a contumácia em sentido estrito constitui
um comportamento punível em si, por ofensa à autoridade do juiz, e principalmente a
renúncia às medidas de coerção sobre a pessoa diante do devedor do fazer, constituam o
reflexo indireto e mediato do processo histórico pelo qual, através da substituição das
corvées pelo pagamento de canoni, primeiro in natura e depois em dinheiro, o súdito
transformou-se em contribuinte.
<texto>Por outro lado – ainda segundo Chiarloni –, não seria imprudente pensar
que, na Alemanha, o longo perdurar das medidas coercitivas contra o réu contumaz e a
perpetuação de medidas de coerção ao fazer sobre a pessoa do devedor constituam o
reflexo da própria cultura alemã, que também teria projetado suas sombras sobre a
614
Idem, ibidem, p. 73. 615
Idem, ibidem, p. 73-74. Tradução livre.
244
evolução dos institutos processuais. 616
<texto>Chiarloni alude ao Codex iudiciarius bavarese de 1753 para tentar provar a
sua tese. Adverte que, no momento em que o legislador alemão do século XVIII
preocupou-se em exemplificar uma obrigação de fazer, cujo inadimplemento
determinasse a aplicabilidade de medidas de coerção sobre a pessoa do devedor, não
encontrou nada melhor do que o Scharwerk, que é uma hipótese típica de Frohndienst, e
assim de corvée. 617
<texto>Chiarloni, de fato, a partir de laboriosa investigação histórica, chega à
conclusão de que a manutenção da prisão, como medida coercitiva, no ordenamento
alemão, é um mero resíduo histórico de uma tardia superação da estrutura feudal. Na
França teve início muito antes – e foi muito mais rápida do que na Alemanha – a
passagem da antiga estrutura social feudal para um sistema de rendas fundiárias. Desta
forma, a renúncia ao emprego das medidas de coerção sobre a pessoa do devedor do
facere, na França, constituiria o reflexo do grandioso processo histórico pelo qual o
súdito transformou-se em contribuinte, que pelas suas obrigações civis passou a
responder apenas com o patrimônio. 618
<a1>4.1.4 A preservação da autoridade do Estado como fundamento do uso das
medidas de coerção
<texto>A obra de Chiarloni levou Colesanti a publicar na Rivista di Diritto
Processuale, também sob o título de Misure coercitive e tutela dei diritti, 619 trabalho
que se contrapõe à tese de que a diferente evolução dos ordenamentos francês e alemão
é relacionada com o abandono antecipado e rápido do feudalismo na França. 620
<texto>Colesanti critica, inicialmente, a metodologia utilizada por Chiarloni,
afirmando que sua investigação parece ser marcada por intuições ou por hipóteses
abstratas, sem as confirmações e aprofundamentos necessários para sustentá-las. 621
<texto>A tese de Chiarloni, como já foi dito, baseia-se na idéia de que a preservação
616
Idem, ibidem, p. 74-75. 617
Idem, ibidem, p. 76. 618
Idem, ibidem, p. 73-75. 619
Vittorio Colesanti, Misure coercitive e tutela dei diritti. Rivista di Diritto Processuale, 1980, p. 607 e
ss. 620
Silvestri e Taruffo (Esecuzione forzata – Esecuzione forzata e misure coercitive. Enciclopedia
Giuridica Treccani, v. 13, p. 10) também criticam a análise histórico-comparativa de Chiarloni. 621
Vittorio Colesanti, Misure coercitive e tutela dei diritti. Rivista di Diritto Processuale, 1980, p. 609.
245
das medidas coercitivas sobre a pessoa deriva do prolongamento no tempo da estrutura
feudal da sociedade alemã, fundada nas corvées ou Scharwerke. Colesanti adverte,
contudo, que nas fontes apresentadas por Chiarloni encontra-se a previsão, em um texto
normativo do século XVIII, de sanções pecuniárias ou pessoais de coerção ao
adimplemento, em que apenas como exemplo vem indicada a Scharwerk. Com base
nessa fonte – diz Colesanti –, pretende-se sustentar, com surpreendente transposição,
que a manutenção das medidas de coerção sobre a pessoa seja apenas o reflexo do
perdurar no tempo de uma estrutura social “basata sul servigio”; e até mesmo, através
de uma generalização ainda mais audaz – sempre com base no referido texto e, por
assim dizer, projetando-o para trás nos séculos –, deseja-se individuar a razão de ser da
previsão das medidas de coerção ao fazer na intenção de assegurar a atuação das
corvées, ou, em geral, das prestações de trabalho próprias da época feudal. 622
<texto>Argumenta Colesanti que, mesmo no âmbito daquela que é chamada por
Chiarloni de “una struttura sociale basata sul servigio”, revela-se simplesmente
inconcebível a idéia de se fazer uso de medidas coercitivas impostas pelo juiz, e
previstas pelos Estatutos ou Landsrechte, como instrumentos de coerção ao
cumprimento das prestações de trabalho. 623
<texto>Além disso, seriam as próprias fontes que desaprovariam a idéia de
relacionar-se a previsão das medidas de coerção ao fazer com o cumprimento das
corvées; afirma Colesanti que não há nas fontes qualquer previsão expressa de medidas
de coerção para as prestações de fazer, autonomamente consideradas, e que isso
permitiria a conclusão de que a questão do adimplemento das corvées era regulada extra
ius. 624
622
Idem, ibidem, p. 610-611. 623
“Viene spontanea, e irresistibile, l’obiezione che appunto in una simile struttura sociale ben altri, al
tempo stesso più brutali e incisivi, saranno stati i mezzi per indurre i Leibeigene al compimento delle loro
prestazioni, che non ... il ricorso al giudice! Chi può seriamente pensare che ai tempi, che so, ad es.
dell’assimilazione dei Vendi o degli Obodriti, o della ‘colonizzazione’ delle terre baltiche, mentre sassoni
e fiamminghi emigrati andavano acquisendo la dignità di uomini liberi, si sarebbero sviluppate le misure
coercitive quali strumenti ‘giudiziali’ per costringere i franconi, o peggio le popolazioni assimilate ... alle
Scharwerke? Eppure, proprio quelli dovrebbero essere i tempi iniziali della ‘divergente evoluzione’ degli
ordinamenti germanico e francese: non a caso, secondo il Chiarloni, mentre già nella Francia di Filippo
Augusto le misure personali di coazione sarebbero andate sparendo, perchè (asserisce il Bloch) il
censuario non lavorava più che pochi giorni all’anno nelle terre padronali, per contro, altrove,
precisamente l’intento di assicurare il compimento del Frondienst avrebbe rappresentato ‘il movente della
previsione di misure di coazione al facere’” (Vittorio Colesanti, Misure coercitive e tutela dei diritti.
Rivista di Diritto Processuale, 1980, p. 611). 624
Vittorio Colesanti, Misure coercitive e tutela dei diritti. Rivista di Diritto Processuale, 1980, p. 612-
613.
246
<texto>Adverte Colesanti que, nos casos em que as sanções pessoais são
relacionadas à inoboedientia, não há distinção entre as situações relativas às obrigações
de dar, de fazer ou de não fazer, e ainda que não está presente nas fontes qualquer
medida de coerção sobre a pessoa relacionada especificamente ao facere, excetuando-se
o Codex iudiciarius bavarese (no qual se baseia Chiarloni para fundamentar a sua tese),
que, além de ser de vários séculos depois, precisamente de 1753, diz respeito não só às
obrigações de fazer, mas também às de pati. 625 Nesse particular, vale a pena
transcrever a argumentação de Colesanti: “Ora, este texto, enquanto prevê a
eventualidade de sanções pecuniárias ou detentivas como medidas de coação ao fazer ou
ao ‘pati’, entre as quais vem mencionada a ‘Scharwerk’, é invocado por Chiarloni para
sustentar a sonhada correlação antes referida, mas isto autoriza a inversão do raciocínio:
se medidas de coação ao fazer são expressamente previstas em uma região
tradicionalmente sujeita a influência francesa, propriamente quando a antiga estrutura
social já aproximava-se de seu fim, e de resto na previsão relativa ao pati, isto quer
dizer que é anti-histórico pretender ver na tensão ao cumprimento das prestações de
trabalho ‘o móvel’ originário (o fundamento) das medidas coercitivas ou, pior ainda, a
ratio da ‘divergente evolução’ aludida. Esta ‘divergente evolução’ naquele ponto já
estava completa, e parece estranho pretender identificar a origem ou as razões iniciais
em qualquer coisa que vem se manifestando ao seu término. Na realidade, descabe a
correlação pensada por Chiarloni, porque nada lhe dá sustentação; embora sugestivo o
discurso realizado, tem ele a aparência de ser daqueles que ‘projetam no passado
pensamentos modernos’, ou mesmo pretendem interpretar o passado à luz de valorações
preconcebidas ou esquematizações próprias de correntes culturais modernas”. 626
<texto>Lembra Colesanti, aliás, que mesmo os estatutos de determinadas cidades
sul-ocidentais – que eram consideradas “città libere” – previam instrumentos de coerção
para vencer o Ungehorsam, e que assim não teria procedência concluir que as medidas
coercitivas ter-se-iam se perpetuado para assegurar a observância dos vínculos de
dependência servil e, em particular, para assegurar a atuação do Frondienst. 627
<texto>Se na França não se enxergou na contumácia obstáculo para o julgamento do
mérito, nem mesmo se viu na inoboedientia comportamento que merecesse sanção, na
Alemanha o objetivo seria o de vencer a contumácia, compreendida como Ungehorsam,
625
Idem, ibidem, p. 613. 626
Idem, ibidem, p. 613-614. Tradução livre. 627
Idem, ibidem, p. 615-616.
247
pouco importando a natureza da prestação devida, se de dar, de fazer ou de não fazer.
Esse tratamento indiferenciado da Ungehorsam deixaria claro – segundo Colesanti –
não só que o que importava era a inoboedientia enquanto tal, mas também o apriorismo
de se pretender compreender as medidas coercitivas, em sua origem ou em sua
evolução, como preordenadas a assegurar o cumprimento de determinadas prestações de
fazer. 628
<texto>Exatamente porque a razão de fundo das medidas coercitivas estaria na
necessidade de vencer a inoboedientia – compreendida como ofensa à autoridade – é
que seria arbitrário traçar uma relação entre as medidas de coerção e o adimplemento
das obrigações de fazer como espelho de um certo “sistema di produzione”. 629
<texto>O que estaria – segundo Colesanti – na base da consideração da contumácia
e da inoboedientia como Verletzung des Königs, seria a idéia da tutela da autoridade
suprema, enquanto garantidora da “paz pública”. 630 A existência de medidas contra a
inoboedientia (compreendida como violação da autoridade) independentes do conteúdo
da prestação devida, revelaria – ao contrário do que pretendeu demonstrar Chiarloni –
que as medidas de coerção nada têm a ver com a idéia do adimplemento das obrigações
de fazer próprias da época feudal, mas sim com a necessidade da manutenção da
autoridade do Estado. 631
<texto>O desenvolvimento das medidas coercitivas na Alemanha revela uma visão
do processo em que não importa tanto a satisfação do titular do direito quanto a punição
daquele que pratica a “violação da autoridade”. Tal maneira de ver o processo relaciona-
se intimamente com as Zwangsstrafen, tal como estão disciplinadas na ZPO e com sua
feição nitidamente publicista. Na França, ao contrário, justamente porque a
desobediência não foi compreendida como “despit de la Court”, que deveria ser
sancionada enquanto tal, prevaleceu a idéia de tutela da liberdade do homem, que
excluiu o recurso a medidas de coerção sobre a pessoa. 632
<texto>Se na Alemanha perpetuou-se o uso dos meios de coerção para assegurar o
cumprimento da sentença, isto não decorreu, como é óbvio, do fato de já ter sido 628
Idem, ibidem, p. 620. 629
Idem, ibidem, p. 618-620. 630
Vittorio Denti, ainda que no âmbito de uma discussão com Monteleone, concorda com a posição de
Colesanti, advertindo que “il sistema germanico ha costruito le misure coercitive come reazioni
all’attentato all’autorità del potere giudiziario, e quindi come ‘pene’ in senso proprio” (A proposito di
esecuzione forzata e di politica del diritto. Rivista di Diritto Processuale, 1983, p. 133). 631
Vittorio Colesanti, Misure coercitive e tutela dei diritti. Rivista di Diritto Processuale, 1980, p. 624. 632
Idem, ibidem, p. 625-626.
248
penalizado o não-comparecimento, mas sim do fundamento que justificou o tratamento
dado inicialmente ao não-comparecimento, e que continuou a justificar o tratamento
dado ao não-adimplemento da sentença. O que se esconde por detrás da penalização do
não-comparecimento e do não-adimplemento é, sem dúvida, a necessidade de
preservação da autoridade do Estado. Se a idéia de preservar a autoridade do Estado
esteve presente, em determinado momento, na penalização do não-comparecimento, foi
ela quem continuou a sustentar o uso dos meios de coerção para garantir o
adimplemento da sentença.
<texto>Por outro lado, a relação estabelecida por Chiarloni entre o uso da coerção
sobre a pessoa e a estrutura feudal não resiste à argumentação de Colesanti,
principalmente porque a fonte que serve de base ao argumento de Chiarloni, que é de
1753, se não pode ser o fundamento de uma divergente evolução social, também não
pode ser considerada o seu reflexo, uma vez que os estatutos de algumas “cidades
livres” previam medidas de coerção contra o não-adimplemento da sentença
independentemente de seu conteúdo, o que faz presumir que as medidas de coerção não
se perpetuaram para manter os vínculos de natureza servil.
<texto>É correto concluir, assim, que na Alemanha os meios de coerção, inclusive a
prisão, sempre tiveram o escopo de tutelar a autoridade do Estado, enquanto na França o
art. 1.142 do Code Napoléon pode ser considerado o espelho de uma ideologia
preocupada com a liberdade do homem.
<a1>4.1.5 O Código Napoleão e sua influência sobre o conceito de sentença
condenatória
<texto>A correlação necessária entre a condenação e a execução forçada esconde
não só uma opção pela incoercibilidade das obrigações infungíveis, mas também a
própria ideologia liberal da intangibilidade da vontade humana.
<texto>O conceito de sentença condenatória está comprometido com as doutrinas
que inspiraram o Code Napoléon, pelo qual “toda obrigação de fazer ou não fazer
resolve-se em perdas e danos e juros, em caso de descumprimento pelo devedor” (art.
1.142), e principalmente com a ideologia que deu origem ao dogma de que a coerção
das obrigações infungíveis constitui um atentado contra a “liberdade” dos homens.
<texto>Chegou-se a propor, em certo momento em que os fundamentos da
Revolução Francesa se apresentavam com mais intensidade, uma construção das
249
obrigações de fazer pela qual a atividade pessoal do devedor não seria in obbligatione,
mas in solutione. A obrigação de fazer teria um objeto juridicamente impossível; seria,
como obrigação natural, juridicamente não obrigatória. A hipótese não seria nem ao
menos de obrigação alternativa, mas de simples obrigação facultativa para o devedor,
que deveria os danos a título principal e teria a faculdade de liberar-se prestando o fazer.
633
<texto>A incoercibilidade do fazer, contudo, tem um significado que vai muito além
da mera intangibilidade da vontade humana. Em uma primeira análise, é certo, o art.
1.142 do Code Napoléon constituiria apenas a consagração jurídica dos princípios da
liberdade e da defesa da personalidade, próprios do jusnaturalismo e do racionalismo
iluminista. 634 Entretanto, há uma íntima relação entre a ideologia liberal e a
transformação do processo econômico, 635 ou, em outras palavras, uma estreita ligação
entre a concepção liberal de contrato, a igualdade formal das pessoas e o ressarcimento
do dano como sanção expressiva de uma determinada realidade de mercado. 636
<texto>Para o direito liberal pouco importa a qualidade do indivíduo contratante, se
é pobre ou rico, se pertence a determinada classe ou não, se é o detentor dos meios de
produção ou se vende a força de seu trabalho. Também não conta a qualidade do objeto
do contrato; se é um bem de consumo ou um bem essencial; se é a propriedade de um
meio de produção ou não. 637
<texto>A essa abstração, ou seja, a essa indiferença pela diversidade das pessoas e
dos bens, corresponde, no plano da sanção, a tutela ressarcitória, que não altera o natural
funcionamento dos mecanismos de mercado. 638
<texto>A tutela ressarcitória, limitando-se a exprimir o equivalente pecuniário do
bem almejado, nega as necessidades de determinado grupo ou classe e a diversidade de
633
Sergio Chiarloni, Misure coercitive e tutela dei diritti, cit., p. 83. 634
Salvatore Mazzamuto, L’attuazione degli obblighi di fare, cit., p. 36. 635
Como observa Mazzamuto, “il significato della garanzia dell’incoercibilità ed il ricorso alla sanzione
risarcitoria, allorché venga compromessa in obbligo la stessa persona del debitore nel suo multiforme
dispiegarsi in attività pratiche (materiali, intellettuali, giuridiche), va oltre, in sostanza, la pura difesa dei
valori di libertà e si ricollega direttamente alle trasformazioni del processo economico” (Salvatore
Mazzamuto, L’attuazione degli obblighi di fare, cit., p. 36). 636
Salvatore Mazzamuto, L’attuazione degli obblighi di fare, cit., p. 37. 637
Idem, ibidem. 638
Idem, ibidem.
250
importância dos bens. 639 Nada mais natural quando o objetivo é apenas preservar o
funcionamento do mercado, sem qualquer preocupação com a tutela das posições social
e economicamente mais fracas. 640
<texto>Além disso, se os sujeitos são iguais e, portanto, livres para se
autodeterminarem no contrato, não cabe ao Estado, no caso de inadimplemento,
interferir na relação jurídica, assegurando o adimplemento in natura. Os limites
impostos pelo ordenamento à autonomia privada são de conteúdo negativo, gozando
desta natureza a tutela de ressarcimento do dano. 641
<texto>Importava, para o Estado liberal, a defesa da liberdade do cidadão contra as
eventuais agressões da autoridade estatal e não as diferentes necessidades sociais do
grupo. O Estado não dirigia uma política destinada a garantir determinadas necessidades
sociais, não interferindo no processo econômico de modo a protegê-las.
<texto>A tutela in natura, por supor uma consideração articulada e diferenciada dos
interesses e das necessidades pelos quais se pede a tutela, não se conciliava com os
princípios da abstração dos sujeitos e da equivalência dos valores, próprios do direito
liberal. 642 A desconsideração da relevância da tutela jurisdicional in natura, assim, era
somente o reflexo de um Estado voltado apenas a garantir o natural funcionamento da
economia de mercado, e que não interferia na esfera dos particulares de modo a tutelar
situações que, em outra dimensão, seriam vitais para uma adequada organização social.
<texto>Em síntese, como diz Mazzamuto, “no âmbito da autonomia privada
emergente do Código Napoleão, o princípio ‘nemo ad factum praecise cogi potest’
constitui, em sua poli valência, uma precisa resposta normativa à irrelevância, no
plano das relações de troca, do estado de necessidade, seja esse tipicamente referido a 639
Como observa Adolfo di Majo, “le dottrine giuridiche dell’Ottocento, dopo la parentesi medioevale,
recuperano appieno il principio romanistico (della prevalenza) della condemnatio pecuniaria, dovendo
apparire, questa prevalenza, come la più funzionale alle esigenze del mercato. Nel mercato, com’è noto,
non contano le qualità dei soggetti né quelle dei valori od interessi in esso presenti (astrattezza dei valori).
In presenza di atti e/o di fatti che comportano inadempimento di obblighi e/o violazioni di diritti, la linea
tendenziale è di imporre al responsabile il mero ‘costo economico’ di sifatti comportamenti, tendendosi in
tal modo a riprodurre i meccanismi di mercato alterati” (Adolfo di Majo, La tutela civile dei diritti, cit., p.
156). 640
“L’imposizione di un costo economico dell’inadempimento, ancorché spogliato dalle connotazioni
equitative tipiche del diritto medioevale ed adeguato alle nuove esigenze di riproduzione del capitale,
ripristina, infatti, i meccanismi di mercato ma non presuppone alcun programma di sostegno del soggetto
economicamente o socialmente più debole: anzi ha uno spiccato carattere eguagliante, ignora le
caratteristiche ed i bisogni socialmente diversificati dei contraenti, si limita ad esprimire, a livello della
sanzione, l’equivalenza delle merci” (Salvatore Mazzamuto, L’attuazione degli obblighi di fare, cit., p.
37). 641
Salvatore Mazzamuto, L’attuazione degli obblighi di fare, cit., p. 37. 642
Adolfo di Majo, La tutela civile dei diritti, cit., p. 156.
251
uma categoria de sujeitos sociais, seja esse eqüitativamente definido em termos
individuais, e, portanto, reforça o ideal da colaboração voluntária dos sujeitos do
mercado e o agnosticismo garantista do novo Estado de Direito”. 643
<texto>O aparecimento de uma nova forma de Estado põe de lado a mera
contraposição entre indivíduo e Estado, que então deixa de ter apenas a finalidade de
tutelar os “direitos do homem” – conforme a Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão de 1789 – e passa a objetivar a organização da vida social, considerando todas
as suas peculiaridades e necessidades. 644
<texto>Na sociedade de massa, torna-se imprescindível garantir ao consumidor a
efetiva tutela de seus direitos, de modo que ele não seja prejudicado pela livre escolha
do empresário, que poderia até mesmo deixar de adimplir in natura em razão das
“variações do mercado”. 645
<texto>Os arts. 461 do CPC e 84 do CDC, ao privilegiarem a tutela específica em
relação ao mero ressarcimento pelo equivalente, refletem a postura de um Estado que
sabe que a efetiva realização dos direitos é fundamental para uma organização social
mais justa.
<a1>4.1.6 A doutrina brasileira e os valores submersos no art. 920 do CC de 1916
<texto>Como se sabe, o próprio direito francês viu surgir, em contraposição ao
referido art. 1.142 do Code Napoléon, e mediante criação dos Tribunais, as chamadas
astreintes, que passaram a ter o caráter de condenação à tant par jour de retard, sem
qualquer vínculo com o prejuízo efetivamente sofrido pelo credor. 646
<texto>O Código de Processo Civil de 1939, que era intimamente ligado ao antigo
art. 920 do CC, assim dispunha no seu art. 1.005: “Se o ato só puder ser executado pelo
devedor, o juiz ordenará, a requerimento do exeqüente, que o devedor o execute, dentro
do prazo que fixar, sob cominação pecuniária, que não exceda o valor da prestação”.
<texto>O Código de 1973, ao libertar-se da norma do art. 1.005 do CPC de 1939,
643
Salvatore Mazzamuto, L’attuazione degli obblighi di fare, cit., p. 41. Tradução livre. 644
Cf. Marco Comporti, Diritti reali in generale. Milano: Giuffrè, 1980, p. 29-30. 645
Ver Guido Alpa, Responsabilità dell’impresa e tutela del consumatore. Milano: Giuffrè, 1975, p. 461
e ss. 646
Salvatore Mazzamuto, L’attuazione degli obblighi di fare, cit., p. 52 e ss.
252
introduziu uma verdadeira medida coercitiva no sistema de tutela dos direitos, 647
abandonando definitivamente o princípio do nemo ad factum, que – por ser herança da
filosofia liberal – inegavelmente influenciou o antigo art. 920 do CC.
<texto>A doutrina clássica do direito civil, porém, já demonstrava o equívoco em
não se admitir multa com valor excedente ao da prestação. Dizia Clóvis Beviláqua, ao
comentar o art. 920 do CC de 1916, que “o limite imposto à pena por este artigo não se
justifica. Nasceu da prevenção contra a usura, 648 e é uma restrição à liberdade das
convenções, que mais perturba do que tutela os legítimos interesses individuais”. 649
<texto>Fábio De Mattia, ao lembrar antiga doutrina do professor Paulo Barbosa de
Campos Filho, também evidencia que a razão deste artigo se relaciona com o princípio
da incoercibilidade da vontade do devedor: “Interessantes comentários sobre o assunto
faz o Prof. Paulo Barbosa de Campos Filho em preleção já mencionada reportando-se a
Luís Machado Guimarães em seu trabalho ‘Comentários ao Código de Processo Civil’
(...) Diz o Prof. Paulo Barbosa de Campos Filho: ‘O Código Civil atribui à pena
convencional funções diversas: prefixação das perdas e danos resultantes da mora ou da
inexecução, medida repressiva (pena) e medida coercitiva. Essas diversas funções nem
sempre são entre si compatíveis. É assim que a fixação convencional das perdas e danos
visa o ressarcimento e este implica a idéia de equivalência, ao passo que é requisito
lógico da medida coercitiva a imposição ao obrigado de um mal mais grave do que o
resultante do cumprimento do preceito. Encerra o Código Civil, por isso, dispositivos
entre si inconciliáveis, de um lado os arts. 920 e 924, em que a cláusula funciona como
prefixação da importância do ressarcimento, e de outro lado o art. 927 em que tem ela
647
Com o Código de 1973 e, principalmente, em face do novo artigo 461, tudo mudou. Ora, se o que está
por detrás das multas dos arts. 287 e 461 é quase uma obsessão pela efetividade da tutela dos direitos, é
natural que se entenda que a multa pode exceder o valor da prestação. Ver Cândido Rangel Dinamarco, A
reforma do Código de Processo Civil, cit., p. 159; J. E. Carreira Alvim, Tutela específica das obrigações
de fazer e não fazer na reforma processual, cit., p. 113 e ss; José Joaquim Calmon de Passos,
Comentários ao Código de Processo Civil, v. 3, cit., p. 252; Alcides de Mendonça Lima, Comentários ao
Código de Processo Civil, v. 6, t. 2, cit., p. 846; Amílcar de Castro, Comentários ao Código de Processo
Civil, v. 8, cit., p. 189; José Frederico Marques, Manual de direito processual civil, v. 4, cit., p. 134. 648
Carvalho de Mendonça também viu na limitação da multa a preocupação em se evitar a usura: “Há
quem sustente em direito romano que a taxa da cláusula penal não deve exceder ao duplo da obrigação a
que é adjeta. É um erro combatido em muitas outras fontes. No direito moderno leis existem que
concedem às partes plena liberdade na estipulação do quantum da pena. Em nosso direito, se a pena
pecuniária do contrato exceder o valor da obrigação principal, é nula no excesso. Não encontramos razão
plausível para essa fixação positiva no direito moderno. Sua origem histórica era o antigo ódio à usura,
hoje recalcado para o domínio exclusivo da moral” (M. I. Carvalho de Mendonça, Tratado geral dos
direitos de crédito, 4. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1956, t. 1, p. 378-379). 649
Clóvis Beviláqua, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1955, v.
4, p. 57.
253
caráter acentuadamente penal. A disciplina das obrigações de fazer no Código Civil
assenta no princípio derivado do sistema do Código Francês, de incoercibilidade da
vontade do devedor; por isso a cláusula penal com o caráter de prefixação das perdas e
danos era suficiente”. 650
<texto>A partir das lições transcritas é possível afirmar que a limitação do art. 920
do CC de 1916, segundo a própria doutrina brasileira, i) “assenta no princípio derivado
do sistema do Código Francês, de incoercibilidade da vontade do devedor”; ii) “nasceu
da prevenção contra a usura”; e iii) “é uma restrição à liberdade das convenções, que
mais perturba do que tutela os legítimos interesses individuais”.
<texto>A idéia de que a multa não pode exceder ao valor da obrigação, além de se
relacionar com a usura, tem relação óbvia com a incoercibilidade das obrigações.
Apenas a multa que possa exceder ao valor da prestação pode agir sobre a vontade do
obrigado para convencê-lo a adimplir. Não é por outra razão, aliás, que Fábio de Mattia
corretamente observou que a disciplina das obrigações de fazer assenta no princípio da
incoercibilidade da vontade do devedor, derivado do sistema do Código francês. 651
<texto>Os arts. 461 do CPC e 84 do CDC, ao admitirem uma medida coercitiva
capaz de vencer a resistência do réu, rompem com a postura – obviamente de conteúdo
liberal clássico – que esteve na base da formulação do art. 920 do CC de 1916.
<texto>É certo que o novo Código Civil reproduziu, em seu art. 412, 652 a norma do
antigo art. 920. Entretanto, isto evidentemente não impede que o juiz imponha multa
superior ao valor da prestação, uma vez que o escopo da multa fixada na sentença é dar
efetividade à função jurisdicional, e assim não tem a mesma natureza da multa
convencional (contratual). Aliás, o novo art. 412 do CC, ao simplesmente reafirmar o
contido no antigo art. 920, parece já ter nascido “velho”. Se não é possível negar que a
limitação insculpida no art. 920 foi ditada em nome da “ordem pública e dos bons
costumes”, é importante frisar que conceitos como estes são marcados por sua evidente
relatividade histórica. Estes conceitos são definidos por Viehweg como topoi da
argumentação jurídica, ou como fórmulas vagas e variáveis que permitem soluções mais
650
Fábio De Mattia, Cláusula penal pura e cláusula penal não pura. RT 383/51-52. 651
Idem, ibidem, p. 52. 652
Art. 412, CC de 2002: “O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da
obrigação principal”.
254
adequadas aos diversos casos concretos. 653 Em razão da sua vaguidade e função de
topoi, tais conceitos devem ser preenchidos pela doutrina e pelo juiz em face das
diversas situações concretas, abrindo, assim, oportunidade para que os problemas
emergentes das novas realidades possam ser adequadamente considerados e julgados.
Ora, se antigamente o princípio da incoercibilidade das obrigações e a necessidade de
proteção contra a usura impediam a contratação de multa em valor superior ao da
prestação, atualmente não há razão para não se admitir a fixação de multa coercitiva,
ainda que mediante convenção, para a tutela do consumidor ou da parte mais fraca no
contrato.
<a>4.2 A concepção liberal de jurisdição como função meramente declaratória e o
seu reflexo sobre o conceito de sentença condenatória
<texto>Como já foi dito, a prevenção, dentro do sistema chiovendiano, ficou
reservada à ação declaratória. É evidente, contudo, que a sentença declaratória é incapaz
de impedir alguém de praticar um ilícito. É preciso melhor esclarecer, assim, a razão
pela qual a função preventiva ficou entregue a uma espécie de sentença inidônea para
permitir a prevenção do ilícito.
<texto>A classificação chiovendiana das sentenças, como é óbvio, não poderia
deixar de receber a influência das doutrinas liberais do final do século XIX. É sabido
que o Estado liberal foi caracterizado por garantir a liberdade individual mediante a
proibição da interferência do Estado na esfera dos particulares. Ora, a noção de
declaração, como sentença que regula apenas formalmente uma relação jurídica, sem
interferir concretamente na realidade social, está totalmente de acordo com a concepção
liberal de Estado. 654
<texto>Entretanto, não é apenas a sentença declaratória stricto sensu que está
comprometida com os valores do Estado liberal; a sentença condenatória igualmente
obedece a esses valores, pois também atua apenas no plano normativo. 655
653
Theodor Viehweg, Tópica e jurisprudência. Brasília, Departamento de Imprensa Nacional-UNB,
1979, p. 4. 654
Ver Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 70-72. 655
Ovídio Baptista da Silva, discorrendo sobre o “mundo jurídico” e a sua neutralidade (ao menos
pretendida) quanto a valores, diz o seguinte: “Não é de estranhar, portanto, que o direito esteja hoje
separado do fato, e as únicas ações que a doutrina reconheça sejam aquelas que operam exclusivamente
no mundo normativo, as declaratórias, condenatórias e constitutivas, considerando meras conseqüências
do ato jurisdicional as eventuais repercussões fáticas da sentença, como seus efeitos executivos e
255
<texto>Conforme antes foi explicado, o juiz, através da sentença condenatória, além
de declarar, aplica a sanção, abrindo as portas para a execução forçada. Portanto, o que
interfere, em concreto, no plano da realidade social, é somente a execução. Sem a
execução, aliás, a sentença condenatória ficaria reduzida a uma espécie de sentença
declaratória.
<texto>Não há dúvida de que a idéia de jurisdição, como função meramente
declaratória, está nitidamente marcada pela relevância institucional que foi dada pelo
direito liberal ao poder legislativo. A sentença lato sensu declaratória, neste sentido,
apenas reafirmaria a vontade da lei e a autoridade do Estado-legislador; o juiz seria, em
outras palavras, e como desejou Montesquieu, apenas a boca da lei. 656
<texto>Liebman, ao tratar da sentença condenatória, disse que “não é função do juiz
expedir ordens às partes e sim unicamente declarar qual é a situação existente entre elas
segundo o direito vigente”. 657 Essa passagem da doutrina de Liebman reafirma algo
que poderia passar despercebido a quem se empenha em estudar a sentença
condenatória; o juiz aplica a sanção, ao invés de dar uma ordem, porque a função do
Judiciário seria apenas declarar de acordo com o “direito vigente”.
<texto>Alguém dirá que o juiz, ao ordenar, também declara. Note-se, entretanto,
que quando se diz que há uma ligação entre a função declaratória da jurisdição e a
relevância institucional conferida ao legislativo pelo direito liberal, não se nega – e nem
mesmo se poderia negar – que o juiz deve investigar a existência do direito afirmado
para, depois, declará-lo. O problema está em se reduzir a função do juiz à declaração –
mandamentais que, sendo fáticos, para a doutrina, não seriam jurídicos” (Ovídio Baptista da Silva,
Jurisdição e execução..., cit., p. 157). 656
Para explicar como funciona uma Constituição na qual o poder controla o poder, Montesquieu deve
indicar os poderes; deve estabelecer quais e quantos são os poderes que, em uma Constituição voltada a
garantir a liberdade do cidadão, são predispostos de modo a propiciar um mútuo controle. Neste
momento, ele enuncia uma tese extremamente importante na história das doutrinas jurídicas; os poderes
não são diversos nos diferentes Estados, mas são sempre e somente três. São eles: o Poder Legislativo, o
Poder Executivo das coisas que dependem do direito das gentes e o Poder Executivo das coisas que
dependem do direito civil. O poder “executivo das coisas que dependem do direito civil” também é
chamado de “poder de julgar”; é neste momento, aliás, que a expressão “poder de julgar”, ou “poder
judiciário”, incorpora-se ao vocabulário jurídico-político. O “poder de julgar” é exercido através de uma
atividade puramente intelectual, e não produtiva de “direitos novos”. Esta atividade não é apenas
limitada pela legislação, mas também pela atividade executiva que, objetivando a segurança pública,
abarca igualmente a atividade de execução material das decisões que constituem o conteúdo do “poder
de julgar”. Não é por razões diversas que Montesquieu acaba por afirmar que o “poder de julgar” é,
“de qualquer modo, um poder nulo” (Cf. Giovanni Tarello, Storia della cultura giuridica moderna
(assolutismo e codificazione del diritto). Bologna: Il Mulino, 1976, p. 287-291). 657
Enrico Tullio Liebman, Processo de execução, cit., p. 14.
256
segundo o princípio de que “a ordem já estaria contida na lei” 658 –, privando-o da
possibilidade de dar ordens e de exercer imperium, o que faria retomar, aliás, segundo
parte da própria doutrina francesa, o papel que era atribuído ao juiz francês anterior à
Revolução Francesa. 659
<texto>O temor de se conferir ao juiz poder para dar ordens pode ser melhor
explicado através de uma comparação entre o nosso sistema e o da common law. 660 Há
na common law e, em particular, na disciplina do contempt of Court, 661 algo que não se
658
“Houve quem dissesse que na sentença condenatória se contém, além da declaração da existência do
direito, a ordem ao devedor de cumprir a sua obrigação. Todavia, esta ordem já existe na lei, e o juiz, em
todos os casos, não faz mais do que a declarar. (...) Não é função do juiz expedir ordens às partes e sim
unicamente declarar qual é a situação existente entre elas segundo o direito vigente. Idêntico é, neste
terreno, o conteúdo da sentença declaratória e da condenatória” (Enrico Tullio Liebman, Processo de
execução, cit., p. 14). 659
Georges Ripert e Jean Boulanger, Traité de droit civil, cit., p. 591. 660
É oportuno lembrar que o pretor romano exercia, através dos interditos, um poder semelhante àquele
que possui o juiz da common law, ou àquele que diz respeito à sentença que se consubstancia em uma
ordem que pode ser imposta mediante coerção. Na sentença que se impõe mediante coerção, aparece
muito mais imperium, como expressão da soberania estatal, do que iurisdictio. O ius dicere, que o direito
medieval reduziu somente à notio, compatibiliza-se plenamente com os pressupostos do Estado liberal, no
qual o poder de julgar foi concebido, na expressão do próprio Montesquieu, como um “poder nulo” (ver
Giovanni Tarello, Storia della cultura giuridica moderna (assolutismo e codificazione del diritto), cit., p.
291). John Henry Merryman (La tradición jurídica romano-canónica. México: Fondo de Cultura
Económica, 1968, p. 71-72), um eminente professor de direito comparado, ao demonstrar que o juiz da
civil law desempenha um papel muito mais modesto do que o seu colega da common law, afirma que
aquele tem uma posição e exerce uma série de funções determinadas pela tradição que remontam até o
iudex romano. Tal tradição, na qual o juiz jamais foi visto como artífice de uma atividade criadora, foi
influenciada, segundo Merryman, pela ideologia da revolução européia e pelas conseqüências lógicas da
doutrina da separação dos poderes. É possível dizer, assim, que o juiz da civil law, em razão da tradição e,
também, do princípio da separação dos poderes, exerce um papel semelhante ao do árbitro romano,
enquanto o juiz da common law está mais perto do pretor (ver, também, Ovídio Baptista da Silva, Curso
de processo civil, cit., v. 2, p. 248 e ss). 661
Há quem diga que a ética do protestantismo, em razão de seu forte acento sobre a responsabilidade
pessoal, teve influência sobre o sistema das injunctions, sabido que aí se tutelam, de forma absoluta, as
ordens do juiz civil. Eis o que diz Sergio Chiarloni: “... il contempt power costituisce un aspetto di una
generale concezione del processo fortemente influenzata dall’etica del protestantesimo ‘col suo forte
accento sulla responsabilità personale’, cosicché la severità delle ‘enforcements devices’ si spiega (anche)
riconoscendo il ‘religious and moralistic character’ che costituisce un momento essenziale del ‘vero
spirito’ che anima il common law, con il conseguente dispiegarsi di una ‘almost confessional athmosphere
in the relation between the Court and the party’. Né andava dimenticata la forte coesione social garantita,
almeno nelle piccole comunità decentrate, dal ‘popular, neighbourly character of the common law
institutions’, che facilita ad un tempo il controllo degli individui e la comunanza di valori tra questi ultimi
e l’autorità. Ed è quasi superfluo rilevare che ambedue queste caratteristiche mancano del tutto negli
ordinamenti di civil law, e specialmente in Italia” (Sergio Chiarloni, Ars distinguendi e tecniche di
attuazione dei diritti. Formalismi e garanzie (Studi sul processo civile). Torino: Giappichelli, 1995, p. 46-
47). Anote-se, ainda, a seguinte lição de Denti: “Su un piano che abbraccia nel loro complesso le forme
della tutela giudiziale, si può forse osservare che la stessa concezione del processo adversary, così
radicato nella tradizione di common law, è probabilmente inconcepibile, nel suo nucleo fondamentale, al
di fuori del quadro dell’etica del protestantesimo, col suo forte accento sulla responsabilità personale”
(Vittorio Denti, Diritto comparato e scienza del processo. Rivista di Diritto Processuale, 1979, p. 335).
Sobre a relação entre a ética protestante e o capitalismo, ver Max Weber, A ética protestante e o espírito
do capitalismo. Brasília: Pioneira, 1981; Anthony Giddens, Capitalismo e moderna teoria social. Lisboa:
Presença, 1990; Amintore Fanfani, Catolicismo y protestantismo en la genesis del capitalismo. Madrid:
257
concilia com as bases do direito liberal, já que o juiz, armado de contempt power para
sancionar suas próprias ordens, passa a exercer importante papel criativo, deixando de
ser um mero burocrata. 662
<texto>O juiz da sentença condenatória é um juiz sem qualquer poder criativo e de
imperium, pois a sentença condenatória liga-se apenas – em razão do princípio da
tipicidade dos meios executivos663 – às formas de execução por sub-rogação previstas
na lei. 664 Ao contrário, o juiz que pode sancionar suas ordens com a multa, ou mesmo
determinar as “medidas necessárias” para a obtenção da tutela específica ou do
resultado prático equivalente, afasta-se daquela figura do juiz “neutro” e inerte, tão ao
gosto do direito liberal.
<texto>Não há dúvida de que o juiz brasileiro tem poder para dar ordens; basta
pensar no art. 84 do CDC e no art. 461 do CPC, para não falar no mandado de
segurança. O fato de o art. 84 do CDC ter dado ao juiz – dentro do sistema de tutela
coletiva – poder para dar ordens, torna possível a tutela de determinadas situações que
jamais poderiam ser efetivamente tuteladas através da sentença condenatória. 665
<texto>Os arts. 84 do CDC e 461 do CPC são importantes não só porque a ordem,
quando ligada à multa, detém uma elasticidade muito grande, o que a torna passível de
Rialp, 1958; Philippe Besnard, Protestantisme et capitalisme. Paris: Armand Colin, 1970; Norman
Birnbaum, Interpretações conflitantes sobre a gênese do capitalismo. Max Weber e Karl Marx (org. por
René Gertz), São Paulo: Hucitec, 1994. 662
Chiarloni, ao justificar a sua posição, no sentido contrário à introdução de algo similar ao Contempt of
Court no direito italiano, confirma o que estamos dizendo: “In particolare, nella disciplina del Contempt
of Court è individuabile una fonte di creazione del diritto da parte del giudice che non si può introdurre in
ordinamenti come quello italiano, a pena di snaturarne fondamentali aspetti di struttura. Senza contare
che, almeno negli USA, il giudice armato del contempt power per sanzionare i propri comandi è
organizzato su basi istituzionali ben diverse da quelle proprie del giudice di un Paese di diritto
continentale. Infatti, là l’organo giurisdizionale è espressione della società civile attraverso l’istituto della
giuria e il principio dell’elettività. Qui l’organo giurisdizionale è, invece, incardinato in un apparato
burocratico, separato, gerarchico e fortemente centralizzato” (Sergio Chiarloni, Ars distinguendi e
tecniche di attuazione dei diritti. Formalismi e garanzie (Studi sul processo civile), cit., p. 47). 663
Sobre a questão da tipicidade das formas de tutela executiva, ver, no direito italiano, Crisanto
Mandrioli, Sulla correlazione necessaria tra condanna ed eseguibilità forzata. Rivista Trimestrale di
Diritto e Procedura Civile, 1976, p. 1.342 e ss. 664
Micheli, ao lembrar que as formas tradicionais da execução por sub-rogação – ao contrário do uso da
multa, que atua sobre a vontade do réu – não viabilizam uma tutela preventiva efetiva, adverte para a
necessidade de se conferir mais imperium ao juiz italiano: “... In quest’ultimo caso l’esecuzione, e quindi
la tutela giurisdizionale, si attuano con la distruzione di ciò che è stato fatto in violazione dell’obbligo di
non fare, ma non possono prevenire la violazione stessa. Per giungere a tale risultato occorre dunque
accogliere una più intensa concezione dell’imperium spettante al giudice civile” (Gian Antonio Micheli,
L’azione preventiva. Rivista di Diritto Processuale, 1959, p. 222). 665
A respeito do art. 84 do CDC é importante consultar Kazuo Watanabe, Código Brasileiro de Defesa do
Consumidor (comentado pelos autores do anteprojeto), cit., p. 501 e ss.
258
adequação a uma ampla variedade de situações concretas, 666 mas também porque a
tipificação dos meios de execução por sub-rogação nunca será suficiente para a tutela
das várias situações de direito substancial, especialmente daquelas que vêm surgindo,
dia após dia, em decorrência da vertiginosa evolução da sociedade.
<a>4.3 A expansão do conceito de obrigação e a universalização da sentença
condenatória
<texto>Havia, na época do direito romano, uma relação entre a obligatio, a actio e a
condemnatio. A actio contrapunha-se à vindicatio, sabido que esta última tutelava os
direitos reais, atuando mediante uma ordem para que o vencido não se opusesse à
retomada do bem espoliado. O vencido na ação real não era tratado como o devedor de
alguma coisa; apenas sofria a vindicatio do proprietário que vira seu direito declarado.
667
<texto>No direito real havia apenas uma relação entre sujeito e objeto e, portanto, a
violação do direito não gerava uma obrigação, exigindo-se apenas – mediante o
interdito – que o réu não se opusesse à retomada privada do bem espoliado. Como
definiu Paulo (D. 44, 7, fr. 3), “obligationum substantia non in eo consistit, ut aliquod
corpus nostrum aut servitutem nostram faciat, sed ut alium nobis obstringat ad dandum
aliquid, vel faciendum, vel praestandum” (a natureza das obrigações não consiste em
nos dar um bem ou uma servidão, mas em adstringir um outro a nos dar, nos fazer, nos
prestar algo).
<texto>Como observa Emilio Betti, o nexo jurídico entre o direito subjetivo privado
e a ação, no direito romano clássico, não era homogêneo e uniforme como no direito
666
Michele Taruffo, ao analisar as formas de execução da common law, atenta para o fato de que a
injunction, ao impor o fazer ou o não fazer, bloqueia a eventualidade substitutiva do ressarcimento do
dano derivado do inadimplemento. Nesse caso, ou se recorre a formas de execução específica por sub-
rogação, quando for possível, e quando a Corte assim julga oportuno, ou a execução é deixada ao
obrigado que, em caso de inadimplemento, é punível a título de Contempt of Court. (L’attuazione
esecutiva dei diritti: profili comparatistici. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1988, p.
151). 667
Ovídio Baptista da Silva, tratando da relação necessária entre a actio e a obligatio, bem como da
distinção entre a actio e a vindicatio, diz o seguinte: “a) a actio dizia respeito exclusivamente às
pretensões nascidas do direito das obrigações; b) o direito real era tutelado pela vindicatio; c) a execução
era privada e deveria ser levada a efeito pelo autor vitorioso, com a proteção e auxílio do pretor, mediante
a concessão de um interdito que, como vimos, não fazia parte propriamente da iurisdictio; d) quod
debetur era conceito referido exclusivamente ao direito das obrigações: o usurpador nada devia ao
proprietário, vencedor da reivindicatória; ele apenas deveria sofrer (patientia prestare) a vindicatio
(manum conserere) do titular do domínio que vira seu direito proclamado pelo iudex” (Jurisdição e
execução..., cit., p. 65).
259
moderno, mas variava profundamente de acordo com a natureza do direito subjetivo que
deveria ser tutelado. Um era o nexo entre a obrigação e a ação pessoal (actio in
personam), outro o nexo entre o direito real e a ação real (actio in rem). Isto resulta –
conclui Betti – do próprio endereço dessas ações: a primeira, actio in personam, como
ação contra a pessoa; a segunda, actio in rem, como ação contra a coisa. 668
<texto>É sabido, contudo, que o direito moderno transformou a vindicatio em actio.
Este fenômeno é conseqüência da expansão do conceito de obrigação, que de sua raiz,
entrelaçada originariamente apenas com o contrato e com o dano, 669 estendeu-se a
todas as relações jurídicas.
<texto>É possível dizer que o hipertrofiamento do conceito de obrigação gerou a
universalização da condemnatio e a supressão dos interditos do panorama da “tutela dos
direitos”. Um indício deste fenômeno pode ser encontrado na seguinte passagem da
doutrina de Betti: “Examinando-se o nexo entre obrigação e ação de condenação,
primeiro no direito moderno, e depois no direito romano clássico, encontra-se uma
profunda distinção. No direito moderno, assim no direito das obrigações como no
direito real, a garantia que a lei cria ao interesse em relação a um determinado bem, faz
surgir, eventualmente, ao titular, a expectativa, e em outra pessoa a obrigação de
realizar voluntariamente esta expectativa. A diferença essencial é que a pessoa, de frente
a qual a expectativa surge, que em um lugar é determinada desde o início, em outro se
determina pela primeira vez com a violação do direito; mas em ambas as categorias de
direitos, igualmente estão presentes os elementos da expectativa e da obrigação”. 670
<texto>O mesmo Betti, em outra obra, tenta explicar as razões da expansão da
condemnatio. Refere-se o jurista ao momento em que teria havido a aproximação – por
adulteração do texto das Instituições de Gaio – entre a actio in rem e a actio in
personam: “O motivo e a tendência da alteração suposta, poderia ser encontrado no fato
de que os compiladores tenderam não só a suprimir todos os vestígios do processo
formulário clássico (D. 3, 5, 46 (47) 1), mas também a atenuar e quase a cancelar aquela
nítida contraposição que no sistema do direito clássico existia entre a figura da actio in
668
Emilio Betti, Teoria generale delle obbligazione. Milano: Giuffrè, 1953, v. 2, p. 14. 669
Como lembra Emilio Albertario, “le fonti, da cui deriva il diritto reale, e quelle da cui deriva il diritto
personale, sono nettamente distinte; e le forme rispecchiano questa diversità. Fonti delle obbligazioni
sono o il delictum o il contractus. Contratti e delitti nulla hanno a che vedere coi diritti reali: la forma
tipica con cui questi si costituiscono è solitamente la mancipatio o la in iure cessio” (In tema di
classificazione delle azioni – Actiones in rem e actiones in personam. Rivista di Diritto Processuale
Civile, 1928, p. 185-186). 670
Emilio Betti, Teoria generale delle obbligazione, cit., p. 14. Tradução livre.
260
rem e a figura da actio in personam. Nas Instituições de Justiniano (4, 13, 5), estes
afirmam, um conceito de pretensão real como algo perfeitamente análogo a pretensão
pessoal. Estes dizem, de fato, contaminando dois passos de Gaio (III, 180, con IV 106-
7; cf. Segrè, Obligatio, in ‘Studi Bonfante’, III, 537: nr. 11, nt. 115); iudicio tecum
actum fuerit sive in rem sive in personam, nihilo minus obligatio durat”. 671
<texto>Ovídio Baptista da Silva toca exatamente nesta passagem da obra de Betti.
Lembrando que os compiladores justinianeus incluíram indevidamente a locução “sive
in rem” no texto das Instituições (III, 180), o professor da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul reproduz a lição de Segrè, referida por Betti na passagem acima
transcrita672
. Eis o texto de Segrè, que demonstra claramente a aproximação entre a
actio in rem e a obrigação no direito giustinianeu: “No direito justinianeu ocorreu um
obscuramento da distinção, não só na fraseologia, mas ainda também em relação a
estrutura da actio in rem. Essa não mais se dirige, como no direito clássico, apenas ao
fim de reconhecer e portanto tutelar contra o atual possuidor o poder imediato do autor
sobre a coisa, mas pode também servir para fazer valer obrigações a cargo do réu; de
fato, estas mutações processuais relativas principalmente aos frutos, a perda e as
deteriorações da coisa, a equiparação do falso ao verdadeiro possuidor, pertencem em
geral ao direito justinianeu”. 673
<texto>Segrè, ao aludir ao “oscuramento della distinzione”, invoca, em nota de
rodapé, a doutrina de Perozzi. Perozzi, com efeito, foi bastante enfático ao referir-se ao
equívoco cometido pelos juristas do período justinianeu: “Se na idade justinianéia, a
matéria relativa à obrigação ainda não estava elaborada, não há motivo para surpreender
a constatação de que Justiniano tenha usado o termo ‘obrigação’ em vários casos em
que os Romanos não admitiam que a ação (...). Ele chega até mesmo a dar o nome de
‘obrigação’ ao dever de entregar uma coisa ao seu proprietário em virtude de sua
propriedade (par. 5, I, 4, 13): uma aplicação monstruosa do termo para um clássico e até
mesmo para um bizantino educado sobre os clássicos”. 674
<texto>Observa Ovídio, a partir da mencionada lição de Segrè, que “a contaminação
da vindicatio por elementos obrigacionais, no direito romano tardio, limitava-se ainda
671
Emilio Betti, La struttura dell’obligazione romana e il problema della sua genesi. Milano: Giuffrè,
1955, p. 49-50. Tradução livre. 672
Ovídio Baptista da Silva, Jurisdição e execução. São Paulo: RT, 1996, p. 67 e ss. 673
Gino Segrè, Scritti vari di diritto romano. Torino: Giappichelli, 1952, p. 320. Tradução livre. 674
Silvio Perozzi, Istituzioni di diritto romano. Roma: Atheneum, 1928, v. 2, p. 14. Tradução livre.
Esta passagem também é citada por Ovídio Baptista da Silva, Jurisdição e execução ..., cit., p. 68.
261
exclusivamente às obrigações acessórias que gravaram o possuidor contra quem se
julgara procedente a reivindicatória. O demandado era condenado a indenizar ou
restituir os frutos, assim como a ressarcir o dano pela perda ou deterioração da coisa,
objeto da reivindicatória; não era condenado – pelo menos não com tanta evidência
como ocorre no direito moderno – a restituir a coisa, embora já se confundisse o dever
genérico atribuído a qualquer sujeito passivo do direito, com a obrigação, do Direito das
Obrigações”. 675
<texto>Não pode ser esquecido, contudo, que o valor que se deu à litis contestatio
também teve decisiva importância para a expansão da condenação.
<texto>Lembre-se que, através da litis contestatio, as partes assumiam o
compromisso de participar do processo e acatar o julgamento da lide; além disso, a litis
contestatio tinha a função de fixar os pontos litigiosos, definindo os limites da futura
sentença que seria proferida pelo iudex. Não é possível esquecer, ainda, que a litis
contestatio, produzindo um efeito análogo a uma novação, impedia que a obrigação
primitiva pudesse voltar a ser alegada em juízo. 676
<texto>Giuseppe Grosso, referindo-se à eficácia da litis contestatio nos iudicia
legitima e nos iudicia imperio continentia, esclarece que a eficácia da litis contestatio
nos iudicia imperio continentia resolvia-se através da exceptio rei iudicatae vel in
iudicium deductae, já que a litis contestatio, nessa hipótese, não consumia a obrigação,
deixando ao credor a possibilidade de propor a ação com base na mesma obrigação e
conferindo ao réu a possibilidade de apresentar exceção de coisa julgada, a qual – ao
contrário do que se passa no direito moderno – não podia ser decretada ex officio pelo
juiz. 677
<texto>No âmbito dos iudicia legitima, a eficácia da litis contestatio variava de
acordo com a natureza da ação; apenas no caso de actio in personam – jamais na
hipótese de actio in rem – a litis contestatio implicava na consumação da obrigação. 678
Sobre esse ponto, é oportuna a transcrição da esclarecedora lição de Grosso: “No âmbito
dos iudicia legitima em relação a ações com fórmula in ius concepta se põe uma
diferença entre actiones in rem e actiones in personam. E a diferença se liga à diversa
675
Ovídio Baptista da Silva, Jurisdição e execução ..., cit., p. 67-68. 676
Ver Giovanni Pugliese, La litis contestatio nel processo formulare. Rivista di Diritto Processuale,
1951; Franco Bonifacio, Litis contestatio. Novissimo Digesto Italiano, 1963. 677
Giuseppe Grosso, I problemi dei diritti reali nell’impostazione romana. Torino: Giappichelli, 1944, p.
235-236. 678
Idem, ibidem, p. 236.
262
natureza das relações; a obrigação é consumida e extinta por efeito da litis contestatio
(cf. Gaio III, 180-181), enquanto para a relação real, ao contrário, não há extinção,
não há direta consumação da pretensão afirmada; a necessidade da preclusão da ação
real se explica através da exceção (...) De resto, deixando-se de lado também a diversa
explicação da eficácia, seja ipso iure seja per exceptionem, significativo é o fato que
para a obrigação se fala de extinção por efeito da litis contestatio, enquanto a
obrigação é plenamente consumada, quando assim não é para o direito real, que nem é
consumado nem é extinto”. 679
<texto>Afirmou-se, de fato, que a litis contestatio consumia a obrigação primitiva,
transformando a obrigação que lhe dera origem em uma espécie de obrigação
processual. 680 A litis contestatio, se podia ser equiparada a uma novação, não se
confundia com uma obrigação no sentido substancial.
<texto>Se a litis contestatio consumia a relação jurídica obrigacional primitiva, era
natural que isto ocorresse apenas no tocante às ações pessoais. É importante observar
que a litis contestatio “transformava” a obrigação originária e, portanto, sempre
supunha uma obrigação anterior; isso quer dizer, precisamente, que a litis contestatio
não criava um vínculo sem a existência de uma relação obrigacional primitiva. 681
<texto>O problema surge – ao que nos parece – quando se atribui à litis contestatio
a magia de criar uma relação obrigacional no caso em que não há uma obrigação
anterior. Se é certo que a litis contestatio não cria uma nova relação jurídica substancial,
pior ainda é atribuir a ela o poder de criar uma obrigação quando não há, na base,
qualquer relação obrigacional. O autor da reivindicatória, em virtude da litis contestatio,
passaria a ser titular de um direito obrigacional e, em virtude da sentença (que seria
então condenatória), de uma obrigação de entrega de coisa. É o que parece querer dizer
Ovídio: “A pandetística, com efeito, ensinava que a litis contestatio correspondia a um
contrato judicial e que o próprio processo tinha natureza contratual, quando hoje se sabe
que esse instituto absolutamente não criava uma obrigação, se antes da propositura da
ação uma verdadeira relação obrigacional não existisse. Porém, como a litis contestatio
– uma solenidade imposta aos litigantes em todas as actiones – passara a ser pressuposto
679
Idem, ibidem, p. 236. 680
“La contestazione della lite aveva ne’giudizi legittimi e nella azioni personali in ius conceptae effetto
di distruggere totalmente il rapporto, cioè l’obbligazione, che prima esisteva tra le parti e generarne
invece uno nuovo stabilito dal contratto con cui le parti se obbligavano ad accettare il giudizio” (Pietro
Bonfante, Istituzioni di diritto romano. Milano: Giuffrè, 1975, p. 128). 681
Ovídio Baptista da Silva, Jurisdição e execução ..., cit., p. 72 e ss.
263
geral de todos os processos, foi fácil aos juristas, manejando os textos romanos, segundo
seus interesses, imaginar que o direito que caísse no processo sofreria uma prodigiosa
metamorfose, transformando-se numa relação obrigacional”. 682
<texto>A aproximação entre as ações in personam e as ações in rem, realizada a
partir do período justinianeu, contribuiu para a formação do que se passou a chamar de
“personalização” do direito real, fenômeno que teve consagração em uma conclusão de
Kant, segundo a qual todo direito – real ou pessoal – resume-se em uma relação
interpessoal, vale dizer, obrigacional entre pessoas, e não numa relação entre pessoa e
coisa. 683
<texto>Kant não admite que as coisas possam ser objeto de direitos e deveres e
sustenta que a relação jurídica, na qual estão em relação direitos e deveres, configura-se
sempre entre pessoas, oferecendo assim a primeira configuração da teoria personalista
do direito real, na qual o caráter absoluto da relação torna-se a nota qualificante da
categoria. 684
<texto>De acordo com a chamada teoria “personalista” do direito real,
predominante na segunda metade do século XIX e na primeira metade do século XX, a
relação entre sujeito e coisa não teria relevância jurídica, pois o direito seria constituído
por regras atinentes às relações intersubjetivas; a relação jurídica dar-se-ia
exclusivamente entre sujeito e sujeito, e não entre sujeito e coisa. 685 O direito real,
nesta perspectiva, é configurado como poder ou pretensão de um sujeito no confronto de
todos os outros sujeitos do ordenamento, os quais são levados a se abster de qualquer
ingerência sobre a coisa. Dessa forma, o conteúdo do poder que constitui o direito real
torna-se negativo, da mesma forma que é negativo o dever geral, que recai sobre todos
os sujeitos do ordenamento, de não turbar o titular do direito no exercício do próprio
direito. 686
<texto>O alargamento do conceito de obrigação, que se deu principalmente em
razão dos fatores antes expostos, conduziu à universalização da sentença condenatória.
Ou seja, a falta de efetividade que se sente, quando se percebe que a sentença
condenatória não é adequada à tutela de determinadas situações de direito substancial, é
682
Idem, ibidem, p. 70. 683
Idem, ibidem, p. 140. 684
Marco Comporti, Diritti reali in generale, cit., p. 13. 685
Idem, ibidem, p. 9-10. 686
Idem, ibidem, p. 10.
264
fruto da indevida expansão do conceito de obrigação e do entendimento de que toda
sentença condena a uma prestação que – em caso de não-cumprimento espontâneo –
deve ser obtida através de execução.
265
<tit>5
<tit1>A CRISE DA SENTENÇA CONDENATÓRIA
E A TENTATIVA DE RECONSTRUÇÃO
DO SEU CONCEITO NA ITÁLIA
<s>SUMÁRIO: 5.1 As razões da tentativa de reconstrução do conceito de
sentença condenatória na Itália – 5.2 A importância da leitura constitucional do
direito de ação. O princípio constitucional da efetividade e o entendimento de
que o direito à adequada tutela jurisdicional garante o direito às medidas
coercitivas – 5.3 O valor do princípio chiovendiano de que o processo deve dar a
quem tem um direito tudo aquilo e exatamente aquilo que ele tem o direito de
obter – 5.4 A tese de Proto Pisani: uma tentativa de reformulação do conceito de
condenação – 5.5 A crítica de Chiarloni – 5.6 A situação atual na doutrina
italiana – 5.7 Propostas de modificação do Código de Processo Civil italiano.
<a>5.1 As razões da tentativa de reconstrução do conceito de sentença
condenatória na Itália
<texto>Não há, no Código de Processo Civil italiano, norma similar à do art. 461 do
CPC brasileiro, que permite a imposição de multa para convencer o obrigado a adimplir.
<texto>A sentença que tem por objeto um direito de conteúdo negativo, ou um
direito a um fazer infungível, seria – no entendimento de parte da doutrina italiana –
meramente declaratória, justamente porque insuscetível de atuação.687
É digna de nota a
lição de Aldo Attardi, onde fica evidenciado que a única forma de tutela viável para
esses direitos seria a declaratória: “Considerado, de fato, que a função peculiar do
processo de condenação é a constituição de um título executivo, deve ser entendido
como inadmissível um processo de condenação que tenha por objeto um direito de
687
V. Sergio Chiarloni, Misure coercitive e tutela dei diritti, cit., p. 142.
266
conteúdo negativo, uma vez que no nosso ordenamento não são previstos meios para a
realização forçada de um direito deste tipo. A única forma de tutela de direitos de
conteúdo negativo, como para os direitos um fazer infungível, é portanto o processo de
declaração, quando naturalmente esteja presente o correspondente interesse de agir”.688
<texto>Na verdade, o Código de Processo Civil italiano não admite que alguém
obtenha a tutela específica de um direito que dependa de prestação infungível. O
processo civil italiano, em outras palavras, aceita a impotência das sentenças
tradicionais para a tutela específica e, o que é mais grave, para a tutela dos direitos que
não se compadecem com a técnica ressarcitória. Note-se que aí o processo não está a
serviço do direito material; ele está impedindo a tutela jurisdicional do direito.
<texto>Recentemente, em vista principalmente da necessidade de se dar efetividade
à tutela de reintegração do trabalhador no emprego,689
a doutrina italiana passou a
elaborar uma tentativa de reconstrução dogmática da sentença condenatória.690
A norma
que trata da reintegração do trabalhador no emprego – art. 18 do Estatuto dos
Trabalhadores – assinala a passagem de um regime de simples “monetização” do dano
sofrido pelo trabalhador injustamente despedido a um sistema que tem por fim tutelar a
estabilidade real no posto de trabalho.691
Como a decisão que determina a reintegração
no trabalho é caracterizada por uma ampla margem de infungibilidade,692
parte da
688
Aldo Attardi, L’interesse ad agire. Padova : Cedam, 1958, p. 117. Tradução livre. 689
Sobre a questão da reintegração do trabalhador no emprego, consultar Massimo D’Antona, La
reintegrazione nel posto di lavoro (art. 18 dello Statuto dei Lavoratori). Padova : Cedam, 1979; Michele
Taruffo, Problemi in tema di esecutorietà della condanna alla reintegrazione del lavoratore. Rivista
Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1976, p. 789 e ss; Adolfo di Majo, Reintegrazione nel posto di
lavoro e controllo del potere nell’impresa (a proposito di una pubblicazione). Rivista Giuridica del
Lavoro, 1979, p. 187 e ss. 690
É importante lembrar, porém, a advertência de Tarzia: “Avere ripensato l’intera portata
dell’esecuzione forzata in forma specifica, da un lato, e delle misure coercitive, dall’altro, e averne
proposto un’integrazione reciproca, costruendo un’esecuzione ‘mista’, direta e indiretta, sulla sola
esigenza di attuare, al massimo grado ritenuto possibile, la reintegra forzata del lavoratore licenziato, ha
costituito la proiezione di una problematica particolare (trattata con alquanta prudenza, e com un sistema
accorto di misure di pressione, nell’art. 18 st. lav.) su un campo di assai più vasta portata: una induzione,
insomma, dal particolare al generale, sulla quale sarebbe di certo fruttuosa un’approfondita riflessione
critica” (Giuseppe Tarzia, Presente e futuro delle misure coercitive civili. Rivista Trimestrale di Diritto e
Procedura Civile, 1981, p. 803). 691
Cf. Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 202. 692
“Il problema delle misure coercitive non è nuovo nella storia degli ordenamenti europei, anzi,
accompagna la più generale evoluzione degli strumenti di tutela giurisdizionale. È peraltro noto che esso
è relativamente nuovo nel nostro ordinamento, perché, dopo un periodo successivo all’entrata in vigore
del codice, in cui l’attenzione della dottrina si concentra sul tema dell’esecuzione in forma specifica degli
obblighi di fare, è soltanto negli anni’70 che il problema delle misure coercitive viene posto in primo
piano. Ciò non avviene però nell’ottica di una sistemazione dogmatica e concettuale del fenomeno, ma
per l’emergere di esigenze di tutela, in tutto o in parte ‘nuove’, che non trovano risposte soddisfacenti nel
preesistente sistema della tutela esecutiva. Al riguardo vi è, da un lato, uno stimolo specifico e, dall’altro
lato, la più generale maturazione della riflessione dei giuristi intorno a temi come l’effettività e
267
doutrina pensou na aplicação do art. 650 do CP italiano como medida de coerção
destinada a pressionar o empregador a adimplir.693
<texto>Não é o caso de se fazer referência aos argumentos que foram utilizados
pelos que admitiram e pelos que não admitiram a aplicação da prisão como meio de
coerção destinado a convencer o empregador a cumprir a decisão. O que importa é
deixar claro que a doutrina italiana tentou introduzir na sentença condenatória uma
ordem que, em caso de descumprimento, levaria à decretação da prisão. Na verdade, a
doutrina italiana, preocupada com a efetividade da norma que prevê a reintegração do
trabalhador no emprego, encontrou no Código Penal um meio para evitar que a sentença
do juiz se transformasse em mera recomendação.
<texto>Há, no direito italiano, uma série de situações em que a sentença não pode
ser executada na forma específica e em que o ressarcimento não se afigura como tutela
adequada; as chamadas “novas situações de vantagem”, freqüentemente conexas a
princípios ou garantias constitucionais, e muitas vezes com conteúdo não patrimonial,
não podem ser adequadamente tuteladas diante da ausência de meios coercitivos.694
Como observa Proto Pisani, a inexistência desses meios equivale a afirmar que a
sentença condenatória é de iure – e não só de fato – impotente para fazer valer a lei,
com referência justamente às situações subjetivas às quais a própria Constituição
italiana reserva uma posição superior.695
<texto>Uma vez que a sentença condenatória, em sua definição clássica, não é hábil
a permitir a prevenção do ilícito, verificou-se a necessidade de reelaboração do conceito
de condenação, para que então pudesse surgir uma tutela efetivamente preventiva. O
surgimento dos chamados “novos direitos”, relacionados com a sociedade de massa e
com a evolução da tecnologia, exigia não só um processo do tipo coletivo em
contraposição ao processo individual, mas igualmente o repensar da sentença
condenatória para o aparecimento de uma técnica que fosse capaz de garantir de forma
adequada tais direitos.
l’adeguatezza della tutela esecutiva, la natura e la funzione della tutela di condanna, e l’emersione o una
più intensa attenzione accordata ai ‘nuovi diritti’ o alle nuove ‘situazioni di vantaggio’. Lo stimolo
specifico è costituito dagli artt. 18 e 28 St. Lav., e dai problemi di non facile soluzione che essi pongono
quanto all’esecuzione del provvedimento che contenga, in particolare, la condanna alla reintegrazione
del lavoratore nel posto di lavoro” (Elisabetta Silvestri e Michele Taruffo, Esecuzione forzata.
Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 13, p. 1). Ver Salvatore Mazzamuto, L’attuazione degli obblighi di
fare, cit., 1978, p. 4 e ss. 693
Ver Massimo D’Antona, La reintegrazione nel posto di lavoro, cit., p. 241 e ss. 694
Ver Elisabetta Silvestri e Michele Taruffo, Esecuzione forzata. Enciclopedia Giuridica Treccani, v.
13, p. 1. 695
Andrea Proto Pisani, Lezioni di diritto processuale civile. Napoli : Jovene, 1994, p. 171.
268
<texto>Lanfranco Ferroni, em intervenção no famoso congresso sobre “Processo e
tecniche di attuazione dei diritti”, realizado em Palermo, esclarece a motivação da
doutrina italiana diante da impotência da sentença condenatória para a adequada tutela
dos direitos: “O auspício, quase unanimemente manifestado pela doutrina, a que
venham introduzidas medidas coercitivas indiretas para a atuação das sentenças
condenatórias proferidas pelo juiz civil, foram animadas pela exigência explícita de
prestar uma tutela adequada a situações existenciais ou, em sentido amplo, não
patrimoniais, que, pela sua própria natureza, refutam a lógica ressarcitória, e para a
quais, portanto, pouco se adaptam os mecanismos da responsabilidade patrimonial e da
expropriação forçada”.696
<texto>Inconformada com a inefetividade do sistema baseado no binômio sentença
condenatória-execução forçada, a doutrina italiana chega a falar em “mercificazione dei
diritti”,697
certa de que a impossibilidade da realização concreta de direitos não
patrimoniais equivale a uma real expropriação desses direitos.
<texto>A doutrina, ao afirmar que os direitos não patrimoniais não podem ser
tutelados através da sentença condenatória, adverte que é inadmissível uma posição
teórica voltada a preservar uma sentença que garante apenas os interesses monetários
das pessoas. Nesse sentido, registre-se a interessante observação de Elisabetta Silvestri e
Michele Taruffo: “A chave das argumentações de quem nega ou desvaloriza o problema
das medidas coercitivas está na afirmação de que o problema da efetividade da sentença
de condenação na realidade não existe, porque, quando se tratar de obrigações não
suscetíveis de execução forçada, estas se convertem automaticamente na obrigação de
prestar o equivalente monetário da prestação inadimplida ou de ressarcir o dano. Que
esta posição seja criticável, em uma perspectiva ideológica, por parte de quem não está
disposto a reconhecer que todos os direitos podem ser convertidos em dinheiro, e que a
tutela jurisdicional dos direitos não objetive somente os interesses monetários das
pessoas, não há dúvida ...”.698
<a>5.2 A importância da leitura constitucional do direito de ação. O princípio
constitucional da efetividade e o entendimento de que o direito à adequada
696
Lanfranco Ferroni, Considerazioni sulla tutela delle situazioni non patrimoniali. Processo e tecniche di
attuazione dei diritti. Napoli : Jovene, 1989, p. 235. Tradução livre. 697
Andrea Proto Pisani, Appunti sulla giustizia civile, cit., p. 127 e ss. 698
Elisabetta Silvestri e Michele Taruffo, Esecuzione forzata. Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 13, p.
3. Tradução livre.
269
tutela jurisdicional garante o direito às medidas coercitivas
<texto>Afirma a doutrina italiana que o ordenamento jurídico deve garantir uma
efetiva “tutela dei diritti” que nele são reconhecidos e garantidos. Deixaria de cumprir
sua função o ordenamento que se limitasse a reconhecer a abstrata titularidade dos
direitos e/ou de qualquer forma a relevância de determinadas classes de interesses, mas
não se preocupasse em garantir a efetiva tutela dos direitos e interesses.699
De acordo
com Adolfo di Majo, a exigência de tutela pode considerar-se implicitamente
reconhecida no próprio princípio da efetividade, que caracteriza o ordenamento jurídico:
“Um ordenamento se diz efetivo não apenas quando está formalmente em vigor, e assim
posto (positus) em conformidade com as regras que presidem a produção do direito
(regras sobre as fontes de produção), porém quando encontra concreta correlação na
realidade econômico-social, e assim nos fatos, como vulgarmente se diz, no sentido que
os comportamentos, particulares e coletivos, a estes (ao menos em geral)
espontaneamente se adeqüem, ou sejam operantes medidas coercitivas que realizem esta
adequação ou introduzam resultados ‘substitutivos’”.700
<texto>Proto Pisani – o processualista que escreve o ensaio que, reconstruindo o
conceito de sentença condenatória, causa grande polêmica (como se verá a seguir, item
5.4) – raciocina a partir de premissas semelhantes àquelas que são postas por Adolfo di
Majo, já que, segundo ele, “sem direito processual o direito substancial não pode existir
em um ordenamento caracterizado pela proibição de autotutela privada (ao menos não
pode existir como fenômeno jurídico, uma vez que a sua atuação, antes de ser garantida
pelo Estado, é renegada às meras relações de força: com a conseqüência que o detentor
ou os detentores do poder de fato tornem-se os detentores do poder legal,
independentemente do que estabelecem as normas substanciais)”.701
<texto>O art. 24 da Constituição italiana, ao dispor que “tutti possono agire in
giudizio per la tutela dei propri diritti e interessi legittimi”,702
permitiu que a doutrina
699
Adolfo di Majo, La tutela civile dei diritti, cit., p. 1. 700
Idem, ibidem. Tradução livre. 701
Andrea Proto Pisani, Breve premessa a un corso sulla giustizia civile. Appunti sulla giustizia civile.
Bari : Cacucci, 1982, p. 10. Tradução livre. 702
Art. 24 da Constituição da República italiana: “Tutti possono agire in giudizio per la tutela dei propri
diritti e interessi legittimi.
La difesa è diritto inviolabile in ogni stato e grado del procedimento.
Sono assicurati ai non abbienti con appositi istituti, i mezzi per agire e difendersi davanti ad ogni
giurisdizione.
La legge determina le condizioni e i modi per la riparazione degli errori giudiziari”.
270
passasse a tratar, com os olhos na Constituição, da necessidade de se dar tutela efetiva
aos direitos. O art. 24, em princípio, garantiria apenas o direito a uma sentença de
mérito: “O direito à tutela jurisdicional ex art. 24, primeira parte, da Constituição
italiana, implica necessariamente a garantia da pronúncia de um provimento sobre o
fundamento da demanda proposta: isto é, a garantia de uma decisão de mérito”.703
<texto>Em uma primeira análise, portanto, não estaria albergado na garantia
constitucional o direito às medidas executivas ou o direito às medidas coercitivas. É o
que demonstra, ainda que discordando da doutrina tradicional, Adolfo di Majo: “O que
é sujeito a crítica é a comum convicção de que a garantia de efetividade de tutela se
limita à possibilidade reconhecida aos cidadãos de exigir que os órgãos jurisdicionais
conheçam os seus próprios direitos e que, no êxito, emitam provimento de condenação.
Não há, ao invés, alguma garantia concreta de que são predispostos instrumentos
executivos destinados a tornar efetiva a condenação. Por exemplo, não há garantia que
condenações a obrigações de fazer ou de não fazer possam ser objeto de coerção”.704
<texto>Michele Taruffo, certamente estimulado pela necessidade de dar efetividade
à sentença que depende de medidas coercitivas, escreveu um original e importante
ensaio, sugestivamente denominado “Note sul diritto alla condanna e
all’esecuzione”.705
Neste trabalho, que foi publicado na “Rivista Critica del Diritto
Privato”,706
o professor da Universidade de Pavia adverte, inicialmente, que ainda não
foi adequadamente definido, na perspectiva da efetividade, no que consiste o fim da
ação, ou o que deve entender-se por tutela jurisdicional.
<texto>Ninguém duvida que o direito de ação é garantido constitucionalmente; é
certo que o art. 24 garante a todos o acesso à justiça para a “tutela dei propri diritti”. O
que não havia sido perguntado é se o direito de ação compreende o direito às
modalidades executivas707
ou, em outras palavras, se o direito à tutela jurisdicional é
apenas o direito à sentença do processo de conhecimento ou, mais amplamente, o direito
703
Italo Andolina, Il modello costituzionale del processo civile italiano. Torino : Giappichelli, 1990, p.
86. Tradução livre. 704
Adolfo di Majo, Forme e tecniche di tutela. Processo e tecniche di attuazione dei diritti. Napoli :
Jovene, 1989, p. 32. Tradução livre. 705
Giuseppe Tarzia reconhece que o interesse da doutrina pelas medidas coercitivas se liga a uma
tendência em assegurar, ao máximo possível, a efetividade da tutela jurisdicional e, em particular, da
tutela de condenação (Presente e futuro delle misure coercitive civili. Rivista Trimestrale di Diritto e
Procedura Civile, 1981, p. 801). 706
Michele Taruffo, Note sul diritto alla condanna e all’esecuzione. Rivista Critica del Diritto Privato,
1986, p. 635 e ss. 707
Ver, também, Massimo D’Antona, La reintegrazione nel posto di lavoro, cit., p. 169 e ss.
271
à tutela adequada à realização concreta do direito material.708
<texto>Taruffo afirma que é lícito duvidar da compatibilidade da tese sustentada
pela doutrina clássica – que estabelece a correlação entre a condenação e a execução
forçada – com uma leitura adequada do art. 24 da Constituição italiana,709
já que tal
modo de conceber a sentença condenatória não permite a tutela efetiva de uma série de
situações de direito material: “A tese em exame (que aceita a idoneidade da sentença
condenatória, ainda que ela não seja capaz de dar tutela às obrigações infungíveis) pode
ser admitida apenas se ignorar a dimensão constitucional do problema da tutela dos
direitos. Também aqui se encontra um comportamento difundido, consistente em não ler
as normas ordinárias a partir das garantias constitucionais, mas em reduzir a eficácia de
tais garantias somente àquele tanto, ou pouco, que de fato já é assegurado pelas normas
ordinárias”.710
<texto>Argumenta Taruffo, com razão, que salvo a vontade do titular do direito, não
deveria ser admitida a redução de uma forma de tutela mais eficaz (por exemplo, a de
condenação) em uma menos eficaz (por exemplo, a declaratória). O mesmo critério
deveria também induzir a excluir, em princípio, que ao titular do direito seja atribuído
um bem diferente daquele que lhe é devido. Assim, não só é eliminada a geral e
automática transformação da prestação no seu equivalente econômico, como tal
transformação é configurada como uma eventualidade residual que é admissível
somente quando, tendo-se tornado impossível a prestação, não se pode evitar a
degradação da tutela na atribuição do substitutivo monetário.711
<texto>Adverte Taruffo, na seqüência, que quando a necessidade de tutela consiste
708
“In particolare, al di là di ciò che discende da un diverso contesto, rappresentato dalla teoria o dalle
teorie dell’azione, non è ben chiaro in che consista concretamente l’oggetto della tutela. Se è ovvio che
esso consista almeno nella dichiarazione del diritto fatto valere, sussistono dubbi circa l’eventualità che
esso comprenda anche l’attuazione del diritto, e circa il significato da assegnare alla stessa ‘attuazione del
diritto’” (Michele Taruffo, Note sul diritto alla condanna e all’esecuzione. Rivista Critica del Diritto
Privato, 1986, p. 636-637). 709
Cabe registrar que Pisani já havia feito esta advertência: “O l’ordinamento conosce forme diverse
dall’esecuzione forzata per assicurare l’adempimento di quegli obblighi che non sono suscettibili di
esecuzione forzata e per garantire l’attuazione di una condanna che assolva una funzione diretta a
prevenire (e non solo a reprimere) la violazione, o per una serie particolarmente numerosa di diritti
(insuscettibili per loro natura di essere adequatamente soddisfatti nella forma dell’equivalente monetario
o necessitanti di forme di tutela dirette a prevenire oltre che a reprimere la violazione) il processo civile è
de iure e non solo di fatto impotente ad attuare la legge, impotente cioè – come si è detto più volte – ad
assolvere quella funzione strumentale cui istituzionalmente – anche ai sensi dell’art. 24 cost. – è
preordinato” (Andrea Proto Pisani, Appunti sulla tutela di condanna. Rivista Trimestrale di Diritto e
Procedura Civile, 1978, p. 1.123). 710
Michele Taruffo, Note sul diritto alla condanna e all’esecuzione. Rivista Critica del Diritto Privato,
1986, p. 640-641. Tradução livre. 711
Idem, ibidem, p. 645.
272
no prevenir a provável violação do direito, no fazer cessá-la ou no evitar-lhe a repetição,
não se pode obrigar o titular do direito a esperar a continuação da violação, ou mesmo a
sofrê-la, para só então poder requerer o ressarcimento dos danos: tal forma de tutela
seria “assai curiosa” e “sicuramente non molto efficace”.712
Taruffo lembra que a
necessidade de tutela inibitória, em vista das novas situações que emergem, é cada vez
maior, e que, portanto, é necessária a superação da tipicidade das inibitórias previstas
para situações específicas, configurando-se uma “inibitoria atipica” idônea a prevenir ou
a fazer cessar a violação do direito sempre que a situação concreta o exigir.713
<texto>Taruffo não poderia deixar de dizer que se pode falar de tutela jurisdicional
efetiva não só quando é possível chegar, no processo de conhecimento, a uma sentença
de condenação, mas também quando – ausente o adimplemento espontâneo do obrigado
– existem instrumentos idôneos a fazer com que a sentença encontre atuação concreta,
permitindo-se, assim, que a situação de fato torne-se correspondente à situação de
direito nela declarada.714
<texto>Taruffo conclui, então, que da garantia prevista no art. 24 da Constituição
italiana decorre não só o direito à condenação, nos casos em que esta seja a forma de
tutela adequada em relação à situação jurídica deduzida em juízo, mas também o direito
a obter a execução coercitiva nas hipóteses em que falte o adimplemento espontâneo.715
<texto>Nessa mesma linha, não pode deixar de ser lembrado um recente trabalho de
Comoglio, Principi costituzionali e processo di esecuzione, publicado nos Studi in
memoria di Gino Gorla, onde o colega de Taruffo na Universidade de Pavia, igualmente
considerando o significado constitucional da “efetividade da tutela jurisdicional”,
argumenta que, se é verdade que o elemento teleológico atribui plena relevância
constitucional ao fim da tutela, é também verdade que as condições de efetividade da
tutela somente podem ser reputadas satisfeitas quando a própria tutela assegura, dentro
das diversas formas disponíveis, o remédio jurisdicional adequado à natureza dos
direitos ou interesses substanciais afirmados em juízo.716
Isto significa – diz Comoglio –
712
Idem, ibidem, p. 646. 713
Idem, ibidem, p. 647. 714
Idem, ibidem, p. 650. 715
Idem, ibidem. 716
Comoglio, que é professor de Direito Processual Comparado, referindo-se ao “derecho a obtener la
tutela efectiva de los jueces y tribunales”, previsto na Constituição espanhola, afirma que esse direito
“esprime una realtà garantistica molto complessa, includendo fra le sue componenti non solo
l’aspirazione ad un processo pubblico, prevalentemente orale e rapido, sin dilaciones indebidas, ma anche
– quale corollario essenziale – il diritto ad un’esecuzione effettiva delle sentenze giurisdizionali.” (Luigi
273
que a sentença de condenação não poderá ser dita efetiva se – no caso de
inadimplemento do devedor – aquele que a obteve não tiver a sua disposição “efficaci
ed adeguati strumenti di tutela esecutiva, capaci di dare concreta attuazione a quella
condanna”.717
<texto>A importância dos trabalhos de Taruffo e Comoglio está não só em
demonstrar a insuficiência, no plano da efetividade, do conceito de sentença
condenatória, ou em propor uma leitura do direito de ação à luz do art. 24, dele
extraindo um direito à tutela jurisdicional como sinônimo de direito à realização
concreta do direito material, mas também em demonstrar o real papel que os valores
constitucionais devem ter na crítica da lei.718
<a>5.3 O valor do princípio chiovendiano de que o processo deve dar a quem tem
um direito tudo aquilo e exatamente aquilo que tem o direito de obter
<texto>A inefetividade da sentença condenatória levou parte da doutrina italiana719
a lembrar o célebre princípio de Chiovenda – no sentido de que o processo deve dar a
quem tem um direito tudo aquilo e exatamente aquilo que tem o direito de obter – para
evidenciar a necessidade da reconstrução do conceito de sentença condenatória.720
<texto>Cabe lembrar, porém, que Chiovenda, apesar de ter dito que o processo deve
dar a quem tem um direito tudo aquilo e exatamente aquilo que tem o direito de obter,
afirmou, nas suas “Instituições”, o seguinte: “Se, por sua natureza ou por falta de meios
Paolo Comoglio, Principi costituzionali e processo di esecuzione. Studi in memoria di Gino Gorla.
Milano : Giuffrè, 1994, tomo 2, p. 1.586-1.587). 717
Luigi Paolo Comoglio, Principi costituzionali e processo di esecuzione. Studi in memoria di Gino
Gorla, tomo 2, cit., p. 1.589. 718
Como escreve Clèmerson Merlin Clève, a lei não pode dispor de qualquer conteúdo. “O conteúdo da
lei deve concretizar a idéia de direito lançada na Constituição ou pelo menos não contrariá-la. Essa
construção permite apontar a substancial inconstitucionalidade de qualquer lei injusta, ou seja, de
qualquer lei que contrarie os standards de justiça plasmados normativamente no documento
constitucional. A dogmática constitucional alternativa deve desenvolver essa construção para filtrar todo
o direito infraconstitucional, apontando inconstitucionalidades (não apenas formais, mas especialmente
materiais), ou sugerindo novas leituras ajustadoras da legislação infraconstitucional à materialidade
constitucional” (A teoria constitucional e o direito alternativo. Direito Alternativo, publicação do Instituto
dos Advogados Brasileiros, p. 49). Ver, também, Vittorio Denti, Valori costituzionali e cultura
processuale. Rivista di Diritto Processuale, 1984, p. 461 e ss. 719
Andrea Proto Pisani, Appunti sulla tutela di condanna. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura
Civile, 1978, p. 1.104 e ss; Massimo D’Antona, La reintegrazione nel posto di lavoro..., cit., p. 169 e ss. 720
“L’analisi dei rapporti tra diritto sostanziale e processo, anche se condotta a livello elementare,
evidenzia come la tutela di condanna sia o dovrebbe essere la forma di tutela giurisdizionale civile dotata
di maggiore forza coercitiva. Si tratta di una forma di tutela di cui nessun ordinamento processuale può
fare a meno ove voglia assolvere la sua funzione strumentale di garantire al titolare del diritto ‘per quanto
possibile tutto quello e proprio quello’ che ha diritto di conseguire in base alla legge sostanziale” (Andrea
Proto Pisani, Appunti sulla tutela di condanna. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1978, p.
1.105).
274
de sub-rogação, não se pode conseguir um bem senão com a execução por via coativa, e
os meios de coação não estão autorizados na lei, aquele bem não é conseguível no
processo, salvo a atuação (se possível, por sua vez) da vontade concreta de lei que
deriva da lesão ou inadimplemento do direito a uma prestação; salvo, por exemplo, o
direito ao ressarcimento do dano”.721
<texto>Proto Pisani, em um dos mais originais e polêmicos trabalhos publicados na
Itália nas últimas décadas, afirma que seria injusto dizer que Chiovenda limitou-se a
registrar que a única tutela das obrigações insuscetíveis de execução direta seria a
prestada pelo equivalente.722
Seria injusto ler de tal modo Chiovenda porque toda sua
obra é voltada a pôr em relevo – algumas vezes através de árduas operações
hermenêuticas – os instrumentos técnicos idôneos a fazer atuar o princípio segundo o
qual “il processo deve dare per quanto è possibile praticamente a chi ha un diritto tutto
quello e proprio quello ch’egli ha diritto di conseguire”.723
Lembra Pisani, além disso,
que é de Chiovenda a frase de que “o processo como organismo público de atuação da
lei é por si mesmo a fonte de todas as ações praticamente possíveis, que tendem à
atuação de uma vontade da lei”, para depois assim concluir: “Embora sendo homem de
seu tempo, a Chiovenda era claríssima a função instrumental do processo, a desilusão
derivada da constatação da impotência do processo para assegurar a execução das
obrigações insuscetíveis de obrigação forçada a não ser na forma do equivalente ao
ressarcimento do dano, mesmo se Chiovenda não percebesse plenamente os limites de
uma tal forma residual de tutela, e não explicitasse com clareza as relações existentes
entre a função preventiva da sentença e a atuação através de medidas coercitivas”.724
<texto>Talvez Chiovenda não tenha percebido exatamente, como observou
Pisani,725
e por certo em virtude do ambiente em que vivia (acrescentamos nós), os
limites meramente residuais da tutela pelo equivalente monetário e a relação existente
entre a função preventiva da sentença e a sua atuação através de medidas coercitivas.
<texto>De qualquer forma, o certo é que o ditado de Chiovenda, no sentido de que o
processo deve ser a fonte de todas as ações praticamente possíveis, tem sido utilizado
pela doutrina italiana para chamar a atenção para a pouca utilidade da sentença
721
Giuseppe Chiovenda, Instituições de direito processual civil, v. 1, cit., p. 290. 722
Andrea Proto Pisani, Appunti sulla tutela di condanna. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura
Civile, 1978, p. 1.126. 723
Idem, ibidem. 724
Idem, ibidem, p. 1.126-1.127. Tradução livre. 725
Idem, ibidem, p. 1.126.
275
condenatória para uma gama de situações de direito material.726
<texto>Na realidade, o princípio de que o processo deve dar a quem tem um direito
tudo aquilo e exatamente aquilo que tem o direito de obter, tem sido associado ao art. 24
da Constituição italiana, que garante o direito à adequada tutela jurisdicional. Há quem
proponha, de fato, que o art. 24 seja interpretado à luz da máxima chiovendiana,
dizendo-se que o direito de ação deve garantir a quem tem um direito tudo aquilo e
exatamente aquilo que tem o direito de obter.727
<a>5.4 A tese de Proto Pisani: uma tentativa de reformulação do conceito de
condenação
<texto>Para tentar contornar a lacuna da legislação civil italiana – que somente
prevê meios de coerção para hipóteses específicas –, Proto Pisani elaborou uma
engenhosa reconstrução da sentença de condenação, propugnando o emprego da prisão,
como meio de coerção, para o caso de descumprimento de sentença que imponha um
não-fazer ou um fazer infungível.728
<texto>De acordo com Pisani, para se compreender a problemática da sentença
condenatória é necessário levar em conta o bem objeto da obrigação, o caráter dos
efeitos da violação e a fungibilidade ou a infungibilidade da prestação.729
<texto>Demonstra Pisani que no caso de violação de obrigação de fazer assume
grande importância saber se a obrigação é fungível ou não. Apenas no caso de
fungibilidade a condenação poderá ser atuada através da técnica da execução forçada;
no caso de infungibilidade, “a atuação da condenação deverá ser garantida ou pela
predisposição de um adequado sistema de medidas coercitivas dirigidas a pressionar o
obrigado a cumprir espontaneamente, ou – no caso em que o fazer consista em
declaração de vontade – através da técnica das sentenças constitutivas, atribuindo ao
provimento do juiz a produção daqueles efeitos jurídicos que normalmente deveriam
726
Ver, por exemplo, Massimo D’Antona, La reintegrazione nel posto di lavoro..., cit., p. 170; Andrea
Proto Pisani, Appunti sulla tutela di condanna. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1978, p.
1.126. 727
Andrea Proto Pisani, Appunti sulla tutela di condanna. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura
Civile, 1978, p. 1.004 e ss; Breve premessa ad un corso sulla giustizia civile. Appunti sulla giustizia civile.
Bari : Cacucci, 1982, p. 9 e ss. 728
Andrea Proto Pisani, Appunti sulla tutela di condanna. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura
Civile, 1978, p. 1.107 e ss. 729
Idem, ibidem, p. 1.107.
276
resultar do adimplemento do fazer jurídico”.730
<texto>Lembra o professor da Universidade de Florença que as obrigações de fazer,
de caráter continuativo ou periódico, exigem uma tutela que possa impedir que a
violação seja repetida no futuro; nesses casos, “a condenação poderá encontrar atuação
somente (ou ao menos em via primária) através do recurso às técnicas das medidas
coercitivas”.731
<texto>No que diz respeito às obrigações de não-fazer, acentua-se que a obrigação
negativa enquanto tal – enquanto obrigação de abstenção de um determinado
comportamento – é sempre infungível: para que seja possível evitar a violação de uma
obrigação de não-fazer, não há outra saída senão o uso das medidas coercitivas.732
<texto>Pisani critica severamente a doutrina que estabelece a correlação necessária
entre a condenação e a execução forçada. Vale a pena transcrever parte da sua
argumentação: “A instauração de uma correlação necessária ou normal entre
condenação e execução forçada, comporta portanto estas duas relevantíssimas
conseqüências: 1) todos os direitos cujo gozo é assegurado por obrigações (originárias
ou derivadas) não suscetíveis de execução forçada, podem ser tutelados somente através
da forma do equivalente monetário: esta monetização ou mercificação dos direitos de
obrigações, se podia encontrar qualquer justificativa em uma lei constitucional como a
do ‘Statuto Albertino’, ‘o qual refletia estruturas sociais baseadas sobre a propriedade
privada dos bens de produção, proclamada e tutelada como bem sacro e inviolável’,
por certo perdeu qualquer possibilidade de justificação teórica diante da Constituição
republicana de 1948, a qual põe como valores supremos do ordenamento o trabalho e a
pessoa ...; 2) a tutela de condenação pode exercer somente uma função de tutela
repressiva da violação já ocorrida, nunca uma função de tutela dirigida a prevenir a
violação: para que a sentença possa desenvolver também uma função preventiva, a sua
atuação deve ser garantida não somente através da técnica da execução forçada (a qual
pressupõe que a violação já tenha ocorrido), mas também através da técnica das
medidas coercitivas dirigidas a provocar o adimplemento espontâneo do obrigado”.733
<texto>Considerando o grande número de hipóteses específicas de tutela inibitória
contempladas no direito italiano, afirma Pisani que essa tutela tem caráter atípico: “Isto
730
Idem, ibidem, p. 1.107-1.108. Tradução livre. 731
Idem, ibidem, p. 1.109. 732
Idem, ibidem, p. 1.110-1.111. 733
Idem, ibidem, p. 1.119-1.121. Tradução livre.
277
se deduz não só a partir do grande número de hipóteses em que é tipicamente prevista
pelo legislador, mas também do fato que uma similar conclusão não é contrastada por
nenhuma disposição de lei”.734
<texto>É fácil perceber que Pisani supõe que a principal dificuldade em admitir a
atipicidade da inibitória está na tese que sustenta a correlação necessária entre a
condenação e a execução forçada. Em nome da generalização da inibitória e da
conseqüente necessidade de uma sentença que possa ser atuada via medidas de coerção
indireta, o professor da Universidade de Florença propõe que o art. 24 da Constituição
italiana seja interpretado “alla luce del principio secondo cui ‘il processo deve dare per
quanto è possibile praticamente a chi ha ragione tutto quello e proprio quello ch’egli ha
diritto di conseguire’”.735
<texto>A partir dessas premissas, Pisani retira conseqüências que incidem sobre os
planos prático e sistemático. Afirma que seriam aplicáveis às sentenças que condenam
ao adimplemento de uma obrigação não suscetível de execução forçada não só o art.
2.953 do CC (relativo aos efeitos da sentença de condenação transitada em julgado
sobre a prescrição), mas também (e principalmente) o art. 2.818 do mesmo Código
(relativo à idoneidade da sentença condenatória para constituir título para a inscrição da
hipoteca judiciária). No plano sistemático, a conseqüência seria a imposição de uma
nova concepção de “condenação”, não mais ligada apenas à execução forçada, mas
também às medidas coercitivas.736
<texto>Pisani, então, vai buscar no CP (arts. 388 e 650) as medidas que podem dar
efetividade às sentenças que “condenam” a um não-fazer ou a um fazer de caráter
infungível. O art. 388, primeira parte, do CP italiano, sob a rubrica “mancata esecuzione
dolosa di un provvedimento del giudice”, prevê a pena de reclusão ou de multa àquele
que praticar atos simulados ou fraudulentos sobre os próprios bens, ou praticar outros
atos fraudulentos, para subtrair-se ao cumprimento das obrigações civis originadas de
uma sentença de condenação.737
Segundo Proto Pisani, esta norma deve ser
734
Idem, ibidem, p. 1.161. Tradução livre. 735
Idem, ibidem, p. 1.161-1.162. 736
Idem, ibidem, p. 1.162-1.163. 737
Pisani, em seus primeiros ensaios sobre a questão da efetividade da sentença condenatória, inclusive
no trabalho Appunti sulla tutela di condanna, refere-se aos arts. 388 e 650 do CP para tentar justificar o
uso da prisão como meio capaz de fazer valer a sentença condenatória. Em conferência proferida em
1987, contudo, o professor de Florença confessa estar convencido de que o art. 650 não pode servir de
base para um raciocínio que pretenda ver na prisão uma forma de execução da sentença condenatória
(L’attuazione dei provvedimenti di condanna. Foro Italiano, 1988, p. 184). Pisani continua a entender,
278
compreendida no sentido de que o bem protegido é a autoridade da decisão do juiz e não
a eficácia executiva da sentença; tal interpretação teria a relevante vantagem de garantir
a atuação da sentença nos casos de obrigações infungíveis.738
<a>5.5 A crítica de Chiarloni
<texto>Logo após ter sido publicado o referido ensaio de Pisani na “Trimestrale”,
Chiarloni publica o livro Misure coercitive e tutela dei diritti,739
obra essa que passa a
consubstanciar-se na principal oposição teórica à tentativa de reconstrução do conceito
de sentença condenatória proposta pelo professor florentino.
<texto>Alega Chiarloni que a tese de Pisani apresenta-se de certa forma ligada à
teoria alemã que entende que a sentença de condenação tem por objeto declarar a
pretensão a uma prestação, e que levou a doutrina alemã a falar, indiferentemente, de
Verurteilungsurteil ou de Leistungsurteil.740
<texto>Lembra Chiarloni que essa teoria, que foi largamente seguida na Itália em
determinado período, se de um lado se assemelha à teoria de Pisani – já que ambas se
ligam ao conceito de prestação não cumprida –, de outro dela difere em um aspecto
essencial; isso porque a teoria alemã seria desvinculada da idéia de conexão com a
aplicação da sanção, compreendida no sentido, próprio da teoria geral, de (possível) uso
da força para o caso de inadimplemento espontâneo do obrigado, quer esse uso da força
se realize através da sub-rogação do comportamento devido, quer se realize na
imposição ao condenado de um gravame para induzi-lo a adimplir, ou, talvez, para puni-
lo por não ter adimplido.741
Adverte Chiarloni que, do ponto de vista da teoria do
Leistungsurteil, é possível dizer que A foi condenado a pagar 1000 a B, ou que C foi
condenado a conviver com D ou a casar-se com E; falar de condenação, nesses casos,
não exigiria qualquer referência à reação do ordenamento jurídico nas hipóteses em que
a soma não é paga, ou não é retomada a convivência conjugal, ou não é celebrado o
casamento.742
É que, ainda segundo Chiarloni, os teóricos do Leistungsurteil teriam se
preocupado apenas em definir o conceito legislativo de sentença de condenação tal
porém, que o art. 388 é suficiente para dar efetividade às sentenças do juiz italiano (Ver Lezioni di diritto
processuale civile. Napoli : Jovene, 1994, p. 181-182). 738
Andrea Proto Pisani, Appunti sulla tutela di condanna. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura
Civile, 1978, p. 1.165 e ss; Lezioni di diritto processuale civile, cit., p. 182. 739
O trabalho é publicado pela Giuffrè em 1980. 740
Sergio Chiarloni, Misure coercitive e tutela dei diritti, cit., p. 135. 741
Idem, ibidem, p. 136. 742
Idem, ibidem, p. 136.
279
como se apresentava no ordenamento processual civil alemão, dentro do qual, a partir
da codificação unitária, o próprio conceito se desvinculou da sanção em sentido próprio,
por causa de uma série de razões históricas e de um defeito de técnica legislativa devido
a um insuficiente aprofundamento, no momento da redação da ZPO, de noções que se
tornariam de fundamental importância na sistemática processual civil, exatamente por
mérito da doutrina alemã.743
<texto>Compreende-se – diz Chiarloni – a razão por que a concepção de sentença
condenatória como mera “sentenza di prestazione” não resultou pacífica por muito
tempo na doutrina alemã. Como explica o jurista, rapidamente, os doutrinadores mais
atentos perceberam a necessidade de construir, dentro do conceito legislativo –
extremamente genérico, já que sob uma idêntica fórmula lingüística agrupa fenômenos
heterogêneos, ainda que marcados pela vaga nota comum do direito a uma prestação –,
um conceito científico capaz de recuperar o nexo que liga indissoluvelmente (não
apenas na linguagem da teoria geral, mas também na experiência histórica do próprio
ordenamento alemão) a noção de condenação à aplicação da sanção.744
<texto>De acordo com Chiarloni, a importação do conceito alemão de condenação
provocou confusões e contradições na doutrina italiana, especialmente porque o
ordenamento italiano jamais desejou ligar a condenação ao conceito de prestação não
cumprida, “sic et simpliciter, independentemente de qualquer ligação com a aplicação
da sanção para o caso de ausência de satisfação espontânea”.745
<texto>Segundo Chiarloni, o defeito de técnica da ZPO, que fala em condenação
pressupondo a ausência de sanção, ou seja, falando, por exemplo, em devedor
“condenado” à emanação de uma declaração de vontade (§ 894), perpetuou-se no direito
italiano em razão de um uso lingüístico consagrado, pelo qual, no processo civil, em
vista do sempre possível adimplemento espontâneo da sentença, a fórmula condenatória
é uma fórmula elíptica. Nessa fórmula, como objeto da condenação aparece sempre a
prestação devida e não a sanção, de modo a ocultar o fenômeno jurídico que está em sua
base, o qual, para ser descoberto, requer o desenvolvimento da fórmula elíptica; assim,
por exemplo, “condeno o réu a pagar 100”, no desenvolvimento da fórmula, passaria a
ser “condeno o réu a sofrer a sanção executiva caso não pague espontaneamente
743
Idem, ibidem, p. 136. 744
Idem, ibidem, p. 138. 745
Idem, ibidem, p. 141. Tradução livre.
280
100”.746
<texto>Chiarloni insiste no argumento de que a concepção de sentença de
condenação como sentença de prestação é conseqüência de uma experiência histórica
determinada por suas peculiares ambigüidades, e não o resultado de teorizações sobre a
essência do conceito de condenação. De acordo com Chiarloni, a teoria que estabelece
uma correlação necessária entre a condenação e a aplicação da sanção já traz em si um
nexo também necessário entre a idéia de condenação e a idéia de prestação não
cumprida (ou que poderá não ser cumprida); esse nexo necessário seria o postulado
axiomático sobre o qual a própria teoria da sentença condenatória se funda.747
<texto>Isso significa que a premissa da teoria de Pisani, no sentido de que a
essência do conceito de condenação está em declarar a pretensão a uma prestação (de
qualquer tipo que seja, fungível ou infungível, de dar, de fazer ou de não-fazer), deveria
ser o resultado de um raciocínio, ou o êxito de um processo demonstrativo.748
Para
Chiarloni, a tese de Pisani padece de apriorismo conceitual, na medida em que não
existe, na legislação italiana, algum ponto do qual se possa retirar, com segurança, que
em qualquer caso em que não seja adimplida uma prestação está o juiz legitimado a
condenar o réu ao adimplemento.749
<texto>Pisani, ao associar a sentença condenatória às medidas do Código Penal
italiano, deixou claro, seguindo clássico trabalho de Vassalli,750 que o bem tutelado pelo
art. 388 não é a eficácia executiva da sentença, mas sim a autoridade da decisão do
juiz.751
Chiarloni objeta argumentando que nem da letra da norma, nem de sua
colocação sistemática, nem dos trabalhos preparatórios (da intenção legislativa) podem
ser retirados argumentos suficientes para justificar a conclusão a que chegou Pisani.
<texto>Adverte Chiarloni que, de acordo com a tese de Pisani, a simples
inobservância da ordem de atender a sentença constituiria o momento consumativo do
crime, sendo irrelevante a eventual insolvência do devedor; porém, uma segunda – e,
para Chiarloni mais importante conseqüência – seria que na previsão do art. 388
também cabem as sentenças que dizem respeito a um fazer infungível como, por
746
Idem, ibidem, p. 137-141. 747
Idem, ibidem, p. 142-143. 748
Idem, ibidem, p. 143. 749
Idem, ibidem, p. 143-144. 750
Giuliano Vassalli, La mancata esecuzione di provvedimento del giudice. Torino : Utet, 1958. 751
Andrea Proto Pisani, Appunti sulla tutela di condanna. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura
Civile. 1978, p. 1.169 e ss.
281
exemplo, aquelas relativas a uma obrigação de conteúdo artístico.752
<texto>O emprego da medida do art. 388 – no entendimento de Chiarloni –
conduziria a uma “penalizzazione surrettizia” das obrigações, o que, segundo seu
entendimento, seria bastante perigoso, já que poderia justificar, por exemplo, a
imposição da prisão no caso de descumprimento da ordem que determinasse limitação
ao exercício do direito de greve.753
Na verdade, argumenta-se que o uso do art. 388
levaria a uma “penalizzazione” do processo civil, já que toda sentença que “condenasse
a uma prestação”, independentemente de seu conteúdo, abriria oportunidade para a
aplicação da prisão, o que faria retomar “tempos obscuros”.754
<texto>Depois de negar a existência de medidas coercitivas voltadas a garantir a
atuação das sentenças insuscetíveis de execução por sub-rogação, afirma Chiarloni que
não se pode aceitar a proposta de Pisani, pela qual se poderia recorrer à sentença
condenatória todas as vezes em que se estivesse na presença de um dever de prestação
do réu. A aceitação de tal reconstrução acabaria por deslocar, do âmbito da declaração
para a condenação, sentenças que não podem ser atuadas mediante o uso da força do
Estado e que, portanto, nada teriam de condenatórias.755
<texto>Contudo, Chiarloni admite que as sentenças que – em vista de disposições
expressas da lei – podem ser atuadas mediante medidas coercitivas (como, por exemplo,
as sentenças que tutelam a marca ou o invento – concessivas de tutelas inibitórias)
devem ser classificadas como condenatórias. Para assim concluir, apresenta esta frágil
justificativa: “Pois bem, os provimentos mencionados (aqueles previstos em hipóteses
típicas) devem ser, no nosso entendimento, classificados entre o provimentos de
condenação do ponto de vista de quem, fiel ao ensinamento metódico de acordo com o
qual entia non sunt multiplicanda sine necessitate, considera inoportuno introduzir
novas categorias ao lado daquelas tradicionalmente aceitas pela doutrina”.756
<texto>A postura de Chiarloni não merece acolhida, não apenas porque finge não
enxergar que Pisani sugeriu o emprego da prisão apenas para remediar a falta de atenção
752
Sergio Chiarloni, Misure coercitive e tutela dei diritti, cit., p. 176-177. 753
Idem, ibidem, p. 224. 754
“L’origine feudale delle injunctions e della correlativa sanzione è, invero, a differenza di quanto
riguarda la Handlungs – e la Unterlassungsvollstreckung germaniche, un dato di comune dominio.
Qualunque buon manuale di Equity mette più o meno distesamente in rilievo come gli equitable remedies,
cui le injunctions appartengono, siano sorti al servizio delle tendenze accentatrici della corona contro le
autonomie della aristocrazia fondiaria nell’Inghilterra del XIII secolo” (Sergio Chiarloni, Misure
coercitive e tutela dei diritti, cit., p. 236). 755
Sergio Chiarloni, Misure coercitive e tutela dei diritti, cit., p. 200-201. 756
Idem, ibidem, p. 202.
282
do legislador à necessidade de efetividade da tutela dos direitos, mas também pelo fato
de que, ao deparar-se com as sentenças ligadas à multa (previstas de forma típica para a
tutela da marca e da invenção), comete heresia imperdoável ao raciocinar negando a
razão de ser do próprio trabalho do jurista, que é exatamente analisar as novas
categorias jurídicas que surgem em virtude da evolução da sociedade. Dizer que a
sentença condenatória é correlacionada com a execução forçada, e a seguir afirmar que
a sentença ligada à multa pode ser classificada como condenatória em razão do
princípio que aconselharia a não conceituar esta nova modalidade de sentença por isto
não ser necessário, é esquecer a relatividade histórica das classificações ou, o que é pior,
pretender sua perpetuação, ainda que novos fenômenos não possam ser enquadrados nos
conceitos por elas considerados. Ora, ao contrário do que deve supor Chiarloni, não são
os fenômenos que devem se enquadrar nas classificações; são as classificações que
devem ser deixadas de lado quando surgem novos fenômenos.
<a>5.6 A situação atual na doutrina italiana
<texto>Após a obra de Chiarloni, a doutrina italiana continuou a discutir sobre o
conceito de sentença condenatória e acerca da necessidade das medidas coercitivas para
a efetividade da tutela dos direitos.
<texto>Como foi demonstrado, Pisani entende que a condenação não pode, sob pena
de não realizar o princípio do “tudo aquilo e exatamente aquilo”, deixar de se ligar ao
art. 388 do CP italiano, que constituiria a única saída para a efetividade da ordem do
juiz que impõe um não-fazer ou um fazer infungível. Chiarloni, por sua vez, por
entender que a generalização do emprego das medidas coercitivas pode atentar inclusive
contra os direitos dos próprios trabalhadores – aos quais ela, em princípio, tenderia a
beneficiar –, nega a possibilidade do uso da prisão como alternativa para a efetividade
das sentenças.
<texto>É interessante observar, contudo, que Chiarloni, ao não aceitar a tese de
Pisani, admite a suficiência da tutela declaratória para situações que exigem, no plano
da efetividade, medidas coercitivas para convencer o obrigado a adimplir. Também
como já foi dito, o professor da Universidade de Turim afirma que a sentença que se
liga à multa – nas hipóteses expressamente previstas no ordenamento italiano – possui
283
natureza condenatória.757
<texto>Silvestri e Taruffo, quando tratam da “esecuzione forzata” e,
particularmente, da problemática das “misure coercitive”, na respeitada “Enciclopedia
Giuridica Treccani”, parecem admitir que a doutrina de Chiarloni se confunde com a
tese que foi sustentada já há algum tempo por Aldo Attardi. Dizem os eminentes
processualistas de Pavia: “O segundo modo para eliminar o problema consiste em
conceber a tutela de condenação de maneira tal que este não surja, ou seja, em admitir
que somente possa existir condenação quando se trate de provimento exeqüível na
forma específica segundo as modalidades positivamente previstas, configurando
qualquer outra hipótese como tutela declaratória, independentemente do nomen de vez
em quando usado pelo legislador (neste sentido, v. p. ex. Chiarloni, S., cit.; Mandrioli,
C., cit.; Attardi, A., L’interesse ad agire, Padova, 1955, 125 ss)”.758
<texto>Attardi, de fato, realizou as seguintes ponderações: suponhamos, por
exemplo, a obrigação de não-fazer uma construção; o resultado que seria conferido ao
titular do direito, ou seja, a não-construção, poderia ser obtido coativamente se estivesse
previsto no ordenamento o uso da força para impedir a eventual atividade do obrigado.
Entretanto, a lei assim não prevê... Segundo Attardi, se a função do “processo de
condenação” é a de constituir um título executivo, e se o ordenamento não dispõe de
instrumentos que viabilizem a realização coativa das obrigações negativas, não há como
se admitir uma “condenação” que imponha uma obrigação desta natureza.759
<texto>Aldo Attardi, contudo, diverge em um ponto fundamental de Chiarloni. Para
Attardi, mesmo as sentenças que se ligam a medidas coercitivas são declaratórias.
Sustenta o autor de L’interesse ad agire que a sentença que contém, além da declaração
do direito, a cominação de uma “pena pecuniária”, é título executivo para a atuação da
pena em caso de violação da obrigação, mas não para a realização coativa do direito que
757
“Il discorso sistematico può qui concludersi riconoscendo che l’asserto secondo il quale la correlazione
necessaria tra condanna ed esecuzione forzata ‘non si rivela a perfetta tenuta’ è di per sé esatto. Ma non
nel senso ampio che gli si è voluto attribuire, per cui si potrebbe agire in condanna tutte le volte che sul
convenuto gravi un qualunque obbligo, ivi compresi tutti gli obblighi non suscettibili di esecuzione
forzata (dagli obblighi di fare materialmente o giuridicamente infungibili, agli obblighi di non fare la cui
violazione non comporti il sorgere di un obbligo derivato di disfare surrogabile dall’organo esecutivo).
Bensì nel senso, molto più ristretto, che si può agire in condanna anche le poche volte (da contarsi per ora
sulle dita di una mano) che sul convenuto grava un obbligo di fronte al cui inadempimento – dopo che
l’obbligo medesimo sia stato consacrato in sentenza – il sistema reagisce con misure coercitive
espressamente e specificamente prevedute” (Sergio Chiarloni, Misure coercitive e tutela dei diritti, cit., p.
202-203). 758
Elisabetta Silvestri e Michele Taruffo, Esecuzione forzata (esecuzione forzata e misure coercitive).
Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 13, p. 10. Tradução livre. 759
Aldo Attardi, L’interesse ad agire, cit., p. 116-117.
284
constitui o objeto da declaração. Eis a prova da divergência entre as teorias de Attardi e
de Chiarloni: “Referida conclusão não é contraditada nem naqueles ordenamentos
(alemão e suíço, por exemplo) em que se reconhece ao juiz o poder de aplicar, na
decisão declaratória, medidas coercitivas contra o obrigado para constranger ao
adimplemento: como, por exemplo, a cominatória de uma pena (pecuniária ou
detentiva: a prisão) para o caso de contravenção à obrigação. A sentença que contenha,
além da declaração do direito, a cominação de uma pena pecuniária ou detentiva é sem
dúvida título executivo para a atuação da própria pena no caso de violação da obrigação;
mas não para a realização forçada do direito, objeto da declaração. Em relação a este, a
eficácia da sentença se exaure necessariamente na sua declaração, não tendo o conteúdo
(constituição do estado de sujeição do obrigado) que possui razão de ser somente no
fato de que a sentença possa dar acesso à execução forçada do direito, que se trate
portanto de um direito realizável forçadamente, o que caracteriza, como se viu, a
sentença de condenação em relação a de declaração”.760
<texto>Como já foi dito, Crisanto Mandrioli – que também seria, segundo a lição de
Silvestri e Taruffo, adepto da tese sustentada por Chiarloni –, animado pelo discurso de
Proto Pisani em “L’effettività dei mezzi di tutela giurisdizionale con particolare
riferimento all’attuazione della sentenza di condanna”, publicou em 1976 o trabalho
intitulado “Sulla correlazione necessaria tra condanna ed eseguibilità forzata”.761
Nesse artigo, o professor da Universidade de Milão, analisando a afirmação de Pisani no
sentido de que a correlação necessária entre a condenação e a execução forçada teria
sido superada pelo ordenamento italiano, indaga se tal afirmação teria o efeito de propor
o alargamento da eficácia própria do título executivo, ou seja, da possibilidade de
execução forçada fora das formas de tutela disciplinadas pelo terceiro livro do Código
de Processo Civil italiano, ou se estaria propondo, mediante o abandono da correlação
necessária entre condenação e título executivo, uma noção mais ampla de condenação,
no sentido de que também as sentenças que declaram um direito, e que não são
suscetíveis de execução forçada (e que, portanto, não seriam títulos executivos), devam
ser qualificadas de condenatórias.762
<texto>Debruçando-se sobre a primeira das possibilidades, argumenta Mandrioli
760
Idem, ibidem, p. 118-119. Tradução livre. 761
Crisanto Mandrioli, Sulla correlazione necessaria tra condanna ed eseguibilità forzata. Rivista
Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1976, p. 1.342 e ss. 762
Idem, ibidem, p. 1.345.
285
que somente se fosse possível a demonstração de que a execução forçada pode-se dar
independentemente da predeterminação das suas formas é que se poderia concluir que
há, no ordenamento italiano, sentenças que, não sendo exeqüíveis através das formas
tipificadas no Código, podem ser qualificadas como título executivo.763
<texto>Surge, então, no curso da análise, a problemática da sentença que ordena a
reintegração do trabalhador no emprego, à qual o art. 18 do Estatuto do Trabalhador
atribui a qualidade de título executivo, mas que não pode ser executada através das
formas típicas do Código. O que importa, aqui, é que Mandrioli, ao referir-se a esta
hipótese, deixa claro que não aceita a opinião daqueles que enxergam na coerção
indireta uma forma de tutela executiva: se assim fosse – diz o processualista – o
problema do superamento da tipicidade das formas de tutela executiva estaria resolvido,
ou mesmo superado; mas é claro que não é assim, já que a execução indireta pode
provocar apenas o adimplemento espontâneo.764
<texto>Se é certo que Mandrioli não vê na coerção indireta uma forma de tutela
executiva,765
não é tão clara sua posição a respeito da natureza da sentença que se liga à
chamada execução indireta. Entretanto, quando o processualista trata da tese de Pisani,
no sentido de que a condenação poderia ligar-se às medidas coercitivas, transparece de
seu discurso sua antipatia pela quebra da correlação entre a condenação e a execução
forçada: “... me parece que o preço que se deveria pagar para incluir, no âmbito da
condenação, as sentenças suscetíveis apenas de execução indireta, seria mais elevado
do que a vantagem que poderia ser obtida. De fato, enquanto esta vantagem seria pouco
maior do que a terminológica, pois se reduziria a exprimir, em termos de condenação,
todas as declarações nas quais se manifesta a vontade do ordenamento de obter o
resultado da execução forçada através de outros instrumentos, a contrapartida deste
alargamento consistiria na inevitável cisão entre a noção de condenação e a de
execução forçada. E é claro que esta cisão deixaria um espaço vazio entre a declaração
e a condenação-título executivo, que tornaria inevitável a configuração de um tertitum
763
Idem, ibidem, p. 1.346. 764
Idem, ibidem. 765
É importante registrar o que já dizia Mandrioli em 1953, quando da publicação de L’esecuzione
forzata in forma specifica: “Lo stesso ricorso ai mezzi di coercizione indiretta, previsto da talune
legislazioni straniere e consentito dalla giurisprudenza francese attraverso un’interpretazione poco
ortodossa della legge, non potrebbe essere considerato una tutela esecutiva specifica e di effetto sicuro.
Poiché infatti questo mezzo consiste in una pressione psicologica sul debitore attraverso la minaccia di
mali diversi per il caso di mancato adempimento, è chiaro che solo allora esso avrà raggiunto il suo
scopo, quando potrà non essere applicato, ossia quando avrà indotto il debitore all’adempimento. Ma
quando sarà applicato non otterrà affatto il risultato della realizzazione specifica dell’interesse tutelato”
(Crisanto Mandrioli, L’esecuzione forzata in forma specifica. Milano : Giuffrè, 1953, p. 66).
286
genus, vale dizer, a condenação-não título executivo”.766
<texto>Boa parte da doutrina italiana,767
ainda que não aceitando a tese de que a
sentença condenatória pode ligar-se às medidas previstas nos arts. 388 e 650 do CP, é
consciente da falta de uma medida coercitiva atípica (de caráter patrimonial) capaz de
dar efetividade à sentença que impõe um não-fazer ou um fazer infungível.768
Nessa
perspectiva, também não é aceita a teoria de Chiarloni,769
no sentido de que a sentença
declaratória seria suficiente para tutelar as situações onde as medidas coercitivas estão
ausentes. Não parece, com efeito, que o problema da efetividade da sentença
condenatória possa ser resolvido mediante sua troca pela declaração, pois, como dizem
Silvestre e Taruffo, se é verdade que esta última pode ser útil, ela se mostra insuficiente
todas as vezes em que o problema da tutela não consiste apenas no eliminar a incerteza
jurídica ou a contestação em torno da existência de um direito, mas em assegurar que
este seja realizado no plano da realidade concreta.770
“É verdade, como diz Sergio
Chiarloni, que aí entram opções de valor”; porém – prosseguem Silvestri e Taruffo –
não parece aceitável a opção de valor de quem supõe que a melhor forma de tutela das
obrigações de conteúdo não patrimonial seja a declaratória, com a conseqüente
“monetizzazione” da violação do direito em termos de ressarcimento do dano. Silvestri
e Taruffo deixam claro que não estão de acordo com a opção de valor de quem tende a
resolver o problema da efetividade da tutela através da sentença declaratória, uma vez
que esta não tem condições de conferir resposta adequada às mais relevantes situações
de vantagem.771
<texto>Advertem Silvestri e Taruffo que há, no direito italiano, várias hipóteses
específicas que refletem a intervenção do legislador em nome da efetiva tutela de
particulares situações de direito substancial – que não se contentam com uma tutela
766
Crisanto Mandrioli, Sulla correlazione necessaria tra condanna ed eseguibilità forzata. Rivista
Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1976, p. 1.352. Tradução livre. 767
É certo que há doutrinadores, como Girolamo Monteleone, que são manifestamente contrários a uma
sentença ligada a medidas coercitivas: “Le cosidette misure coercitive, che secondo le vedute qui criticate
dovrebbero costituire il cardine su cui si fonda il sistema coattivo atto ad assicurare l’adempimento di
qualsiasi obbligazione anche (come suol dirsi erroneamente) infungibile, e la funzione preventiva della
sentenza di condanna, manifestano ad una attenta riflessione tutta la loro inconsistenza logica e
l’evanescenza giuridica” (Recenti sviluppi nella dottrina dell’esecuzione forzata. Rivista di Diritto
Processuale, 1982, p. 281 e ss). 768
Elisabetta Silvestri e Michele Taruffo, Esecuzione forzata (esecuzione forzata e misure coercitive).
Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 13, p. 12. 769
Sergio Chiarloni, Misure coercitive e tutela dei diritti, cit., p. 220 e ss. 770
Elisabetta Silvestri e Michele Taruffo, Esecuzione forzata (esecuzione forzata e misure coercitive).
Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 13, p. 10. 771
Idem, ibidem.
287
meramente declaratória, mas, ao contrário, exigem o adimplemento específico por parte
do obrigado –, mas está faltando uma tutela adequada para outras situações que estão a
exigir o uso da coerção.772
<texto>Pisani e Chiarloni, no final da década de 80, e particularmente no congresso
que recebeu o título de Processo e tecniche di attuazione dei diritti, voltaram a
polemizar sobre a questão da efetividade da sentença condenatória.
<texto>Pisani, em conferência proferida no referido congresso, lembrou que a tutela
declaratória não é adequada nos casos em que são praticados atos que concretamente
limitam ou excluem a utilidade garantida pela norma de direito material. Quando – por
exemplo – “A” deixa de contestar o direito à marca, e passa a exercer atos concretos de
violação deste direito, não é mais suficiente a tutela declaratória, tornando-se necessária
uma tutela que possa, efetivamente, inibir o ilícito.773
<texto>O professor de Florença confessa que não é um “innamorato” da solução
que vem do art. 388 do CP, e que nem mesmo em uma perspectiva de iure condendo –
pensando-se em um sistema adequado de medidas coercitivas – é mais favorável à
solução alemã das Geldstrafen do que à francesa das astreintes.
<texto>Pisani deixa claro que sua posição, no sentido de admitir o uso da prisão
como forma de execução da sentença condenatória, decorre do fato de que não existe
outra maneira para se tutelar de forma adequada os direitos do cidadão.774
Para ele, é
dever do intérprete – antes de se render, limitando-se a denunciar a ilegitimidade
constitucional da omissão e a indicar propostas de iure condendo – tentar de todos os
modos admitidos pela hermenêutica jurídica verificar se de iure condito é possível
oferecer resposta positiva ao problema da atuação dos provimentos que têm como
objeto ordem de adimplir obrigações não suscetíveis de execução através da técnica
sub-rogatória.775
<texto>Chiarloni teria cometido um grande equívoco ao tentar inutilizar, a partir de
772
Idem, ibidem. 773
Andrea Proto Pisani, L’attuazione dei provvedimenti di condanna, Foro italiano, 1988, p. 180. Esta
conferência também está publicada em Processo e tecniche di attuazione dei diritti. Napoli : Jovene,
1989, p. 39 e ss. 774
“Nessun amore quindi verso l’art. 388 c.p., ma solo consapevolezza che esso costituisce l’unica
possibilità offerta dal nostro ordinamento per non lasciare sguarniti di tutela effettiva una serie numerosa
di diritti riguardo ai quali pure il legislatore ha esplicitamente disposto che il giudice debba ordinare
l’adempimento di obblighi o obbligazioni non suscettibili di essere attuati attraverso la tecnica
surrogatoria della esecuzione forzata” (Andrea Proto Pisani, L’attuazione dei provvedimenti di condanna.
Foro Italiano, 1988, p. 184). 775
Andrea Proto Pisani, L’attuazione dei provvedimenti di condanna. Foro Italiano, 1988, p. 182.
288
sua preocupação com o direito de greve, a possibilidade de se dar tutela efetiva aos
direitos que dependem do adimplemento de obrigações infungíveis.776
Quer dizer
Pisani, como é óbvio, que Chiarloni teria partido de um caso particular – o uso da
coerção como forma de inibir a greve – para negar a possibilidade de tutela adequada a
diversas situações de direito material, notadamente às de conteúdo não patrimonial.
<texto>Levando a polêmica às últimas conseqüências, Pisani diz não compreender
como Chiarloni pode não admitir – em um freudiano instinto de autocastração – um
sistema de tutela jurisdicional efetivo e adequado para todos os direitos com base em
considerações de caráter político-contingente. Considerações dessa espécie poderiam
servir de base apenas para propostas de supressão ou redimensionamento de
determinados direitos ou poderes (no caso, os poderes do empresário), ou de reforço à
tutela de outros, mas jamais para permitir interpretações dirigidas a negar sub-
repticiamente os direitos, negando-lhes a tutela jurisdicional, ou concedendo-lhes uma
tutela “pela metade”.777
<texto>Chiarloni, respondendo a Pisani, afirma admitir, de iure condendo, o uso de
medidas coercitivas que recaiam sobre o patrimônio ou sobre a pessoa. Contudo,
demonstra ter dúvida acerca dos benefícios da generalização das medidas coercitivas
sobre o patrimônio (as únicas que, obviamente, poderiam ser admitidas na forma
generalizada), embora não vacile ao concluir que as medidas de coerção (sobre o
patrimônio ou sobre a pessoa) possam ser introduzidas no ordenamento italiano para
tutelar particulares situações de direito substancial.778
<texto>Para Chiarloni, a tese de Pisani padece, principalmente, de um erro
metodológico que consistiria em uma “generalização indevida”, já que o professor de
Florença, pensando na efetividade da tutela de reintegração do trabalhador no emprego,
passa a admitir o uso da prisão como meio de execução de todas as sentenças
776
“Preoccupato dal rischio di una utilizzazione dell’art. 388 c.p. in funzione antisciopero, Chiarloni
dedica tutta la sua monografia al tentativo di dimostrare l’inesistenza di un sistema atipico di misure
coercitive, l’inutilità dei tentativi effettuati in tal senso da Mazzamuto e da me, l’opportunità, de iure
condendo, di introdurre solo misure coercitive tipiche in relazione a quei soli diritti ritenuti meritevoli di
tutela rafforzata. Orbene, attraverso un simile modo di ragionare Chiarloni, partendo dai problemi di una
situazione particolare, lo sciopero, perviene ad una generalizzazione che, anziché ampliare,
consapevolmente restringe l’area della tutela giurisdizionale: il che mi sembra peccato niente affatto
veniale” (Andrea Proto Pisani, L’attuazione dei provvedimenti di condanna. Foro Italiano, 1988, p. 186).
Andrea Proto Pisani, L’attuazione dei provvedimenti di condanna. Foro Italiano, 1988, p. 185.777
778
Sergio Chiarloni, Ars distinguendi e tecniche di attuazione dei diritti, Formalismi e garanzie (Studi sul
processo civile). Torino : Giappichelli, 1995, p. 32 e ss. A conferência também está publicada em
Processo e tecniche di attuazione dei diritti. Napoli : Jovene, 1989, p. 183 e ss.
289
condenatórias.779
Sustenta Chiarloni, ainda, e entre outras coisas, que o modelo do
contempt power anglo-saxão, em vista de suas peculiaridades próprias, não é algo a ser
imitado pelo direito italiano.780
<a>5.7 Propostas de modificação do Código de Processo Civil italiano
<texto>Se é certo que a tese de Pisani não é a melhor solução para o problema da
efetividade da tutela dos direitos, é inegável que os direitos que dependem do
cumprimento de “obrigações infungíveis” ainda permanecem sem tutela adequada na
Itália.781
Alguns doutrinadores incentivam a introdução de uma figura similar às
astreintes no Código de Processo Civil italiano,782
embora exista discussão sobre a
possibilidade de emprego dos meios coercitivos, de forma generalizada, em relação a
todas as obrigações de fazer infungíveis.
<texto>Cabe lembrar que Tarzia também discordou da teoria de Pisani, alegando
que o reavivamento das medidas coercitivas pessoais, através de uma difícil
interpretação e aplicação dos arts. 388 e 650 do CP, está bem longe daquilo que poderia
parecer, no âmbito de um “perfezionamento” da jurisdição civil, a melhor realização do
princípio do exato adimplemento. Dessa forma, não se estaria ante uma integração da
tutela executiva no plano civil, mas se assistindo à “criminalizzazione surretizia” do
ilícito civil e à criação de um sistema repressivo misto com características das
779
Sergio Chiarloni, Ars distinguendi e tecniche di attuazione dei diritti. Formalismi e garanzie, cit., p. 37
e ss. 780
Idem, ibidem, p. 45 e ss. 781
Ver Giuseppe Tarzia, Presente e futuro delle misure coercitive civili. Rivista Trimestrale di Diritto e
Procedura Civile, 1981, p. 800 e ss; Giuseppe Borrè, Verso la riforma del codice di procedura civile?
Riflessi sulla disciplina dell’esecuzione forzata nel disegno di legge delega n. 1.463. Foro Italiano, 1983,
V, p. 140 e ss; Vittorio Colesanti, Misure coercitive e tutela dei diritti. Rivista di Diritto Processuale,
1980, p. 601 e ss; Lanfranco Ferroni, Obblighi di fare ed eseguibilità. Publicazioni della Scuola di
perfezionamento in diritto civile dell’Università di Camerino, 1983, p. 192 e ss; Salvatore Mazzamuto,
L’attuazione degli obblighi di fare, cit., p. 39 e ss; Luigi Montesano, Considerazioni su storia moderna e
proposte di riforme della giustizia civile in Italia. Rivista di Diritto Processuale, 1981, p. 597 e ss;
Michele Taruffo, Note sul diritto alla condanna e all’esecuzione. Rivista Critica del Diritto Privato, 1986,
p. 650 e ss; Elisabetta Silvestri e Michele Taruffo, Esecuzione forzata (esecuzione forzata e misure
coercitive). Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 13, p. 1 e ss. 782
“Il nostro ordinamento, infatti, non conosce, quali misure coercitive, né le astreintes del diritto
francese (e di quelli che a tale modello si sono ispirati), né le c.d. pene esecutive del diritto tedesco. (...) In
prospettiva di riforma del nostro ordinamento processuale, si è discussa l’opportunità di introdurre in via
generalizzata, nell’ipotesi di inadempimento di obblighi di fare infungibili, misure coercitive ispirate
all’uno o all’altro dei due modelli ricordati. Il Disegno di legge delega per la riforma del c.p.c. del 1981
ha suggerito una sorta di commistione tra i due modelli, prevendendo che ai fini dell’adempimento degli
obblighi di fare e di non fare infungibili, il giudice possa condannare l’obbligato, su istanza di parte, al
pagamento di pene pecuniarie a favore dell’avente diritto, per ogni giorno di ritardo nell’adempimento,
entro limiti minimi e massimi prefissati per legge. Si è inteso, quindi, prescindere da finalità risarcitorie,
puntando sul carattere compulsorio della misura, ma nel contempo si è prevista la devoluzione delle
somme al creditore, anziché allo Stato” (Vittorio Denti, La giustizia civile, cit., p. 135-136).
290
jurisdições civil e penal.783
<texto>Em dezembro de 1994, o Ministério da Justiça italiano designou uma
comissão, presidida pelo Prof. Tarzia, para revisão do Código de Processo Civil.784
Recentemente, no volume 4 da Rivista di Diritto Processuale do ano de 1996, o ilustre
professor da Universidade de Milão nos apresenta o “testo del disegno di legge delega”
acompanhado da “relazione illustrativa” por ele elaborada.785
<texto>A proposta de modificação do Código toca em vários pontos e,
particularmente naquilo que nos interessa, nas medidas coercitivas. Adverte Tarzia, em
sua “relazione”, que não é recente a tentativa de introduzir no ordenamento italiano
medidas coercitivas patrimoniais nos moldes da astreinte francesa e dos países do
Benelux.786
Diz ainda: “A difusão destas medidas acentua-se cada vez mais também em
nível internacional (cf. o art. 461, recentemente introduzido no Código de Processo
Civil brasileiro e as normas ditadas em relação a isto no projeto de harmonização do
direito processual da União Européia, redigido pela Comissão presidida pelo Prof.
Storme) e já foi objeto de viva atenção, ainda que de iure condendo, em nossa
doutrina”.787
<texto>Objetiva-se introduzir a possibilidade de o juiz fixar uma soma devida por
dia de atraso no cumprimento das obrigações de fazer ou de não-fazer, na sentença ou
em momento posterior a ela.788
Deixa-se claro, porém, que ficam excetuadas as
obrigações do trabalhador autônomo ou subordinado e aquelas que podem pôr em risco
783
Giuseppe Tarzia, Presente e futuro delle misure coercitive civili. Rivista Trimestrale di Diritto e
Procedura Civile, 1981, p. 803. 784
“Il compito affidato alla Commissione era quello di ‘provvedere allo studio ed alla elaborazione,
redigendo apposito schema di legge delega, dei principi e dei criteri direttivi per una organica e completa
revisione delle norme del codice di procedura civile e delle disposizioni di attuazione’. Altrettanto
chiaramente erano indicate dal decreto istitutivo le finalità dell’opera: ‘la razionalizzazione e l’effettiva
accelerazione delle procedure, nel più scrupoloso rispetto dei diritti di difesa delle parti’, coniugando
dunque i due valori (diversi ma tra loro avvinti) della garanzia della difesa e dell’effettività del processo;
e l’introduzione di ‘una disciplina più moderna e funzionale del processo, con particolare riguardo
all’esecuzione ed ai procedimenti speciali non considerati dalla legge n. 353 del 1990” (Giuseppe Tarzia,
Per la revisione del Codice di Procedura Civile, Qualche notizia. Rivista di Diritto Processuale, 1996, p.
945). 785
Giuseppe Tarzia, Per la revisione del Codice di Procedura Civile. Rivista di Diritto Processuale, 1996,
p. 945 e ss. 786
Basta lembrar que o projeto Carnelutti de 1926 (arts. 667 e 668) e uma proposta apresentada por uma
comissão que foi presidida pelo Prof. Enrico Tullio Liebman já propunham a introdução de algo
semelhante em nome da efetividade da sentença que depende do adimplemento de obrigações infungíveis. 787
Giuseppe Tarzia, Per la revisione del Codice di Procedura Civile, Relazione. Rivista di Diritto
Processuale, 1996, p. 993-994. Tradução livre. 788
Admite-se, igualmente, que o juiz fixe multa no caso de obrigação de entregar coisa que não seja
objeto de contrato de locação de caráter residencial.
291
direitos da personalidade.789
<texto>Confere-se ao juiz do “appello” o poder de conceder o “provvedimento” ou,
por justos motivos, de modificá-lo, suspendê-lo ou revogá-lo. O juiz que concedeu o
“provvedimento” não impugnado fica com o poder de revogá-lo, modificá-lo ou
suspendê-lo por impossibilidade total ou parcial, temporária ou definitiva, de o obrigado
adimplir.790
<texto>Tal proposta não logrou êxito. Porém, em julho de 2002, outra comissão,
dirigida pelo Prof. Vaccarella, apresentou projeto de lei de delegação para a reforma do
Código de Processo Civil. Neste projeto, o art. 44, aludindo à figura das astreintes,
possui a seguinte redação: “Prevedere forme di esecuzione indiretta per la tutela di
diritti correlati ad obblighi infungibili, secondo i seguenti principi: a) fissazione
dell’obbligo di pagamento di una somma di denaro per ogni frazione di tempo nel
ritardo all’adempimento dell’obbligo; b) previsione di un procedimento sommario per la
verifica del ritardo e la liquidazione di quanto previsto nella comminatoria, da attivarsi
ad istanza dell’avente diritto; c) previsione che la sanzione pecuniaria sia versata nelle
forme del deposito giudiziario o in altre analoghe; d) previsione che le somme così
versate siano destinate a risarcire l’avente diritto del danno prodotto
dall’inadempimento dell’obbligo, e che il residuo vada allo Stato”.
789
Giuseppe Tarzia, Per la revisione del Codice di Procedura Civile, Relazione. Rivista di Diritto
Processuale, 1996, p. 994. 790
Idem, ibidem.
292
<tit>6
<tit1>A DOUTRINA BRASILEIRA E A NATUREZA
DAS SENTENÇAS DOS ARTS. 287 E 461
DO CPC BRASILEIRO
<texto>O Código de Processo Civil brasileiro, mesmo antes das modificações nele
introduzidas no final do ano de 1994, previa uma fórmula que possibilitava ao juiz fixar
multa para convencer o réu a fazer ou a não fazer. Trata-se – como já foi dito – do
antigo art. 287, que dispunha: “se o autor pedir a condenação do réu a abster-se da
prática de algum ato, a tolerar alguma atividade, ou a prestar fato que não possa ser
realizado por terceiro, constará da petição inicial a cominação da pena pecuniária para o
caso de descumprimento da sentença”.
<texto>O fato de esta redação (do antigo art. 287 do CPC) falar em “pedir a
condenação” não significa que o direito brasileiro tenha um conceito de sentença
condenatória que não pressupõe a correlação entre a condenação e a execução forçada.
Barbosa Moreira, tratando da tutela específica do credor nas obrigações negativas, faz
oportunas ponderações sobre esse ponto: “Não é pacífica em doutrina, cumpre ressalvar,
a possibilidade de verdadeira condenação em matéria de obrigações negativas. O
argumento capital que se pode invocar para negá-la é o de que a sentença não se mostra
suscetível de execução forçada, no sentido próprio: de fato, sendo infungível a prestação
– como sempre acontece nessa espécie de obrigações –, é impensável o emprego de
“meios de sub-rogação”, e portanto a satisfação do credor por obra do órgão judicial,
independentemente da colaboração do devedor. Descaberia enfrentar aqui em toda a
sua extensão o problema da natureza da sentença em foco. Vamos limitar-nos a duas
palavras sobre o argumento exposto. Ele pressupõe, naturalmente, a noção, muito
difundida, da existência de uma correlação necessária entre a índole condenatória da
sentença e a viabilidade da execução forçada: por assim dizer, a sentença condenatória
define-se pela aptidão a servir de título executivo. Tal premissa tem sido contestada por
vozes de grande autoridade; este não é, porém, o lugar próprio para o exame ex professo
293
da questão”.791
<texto>O Prof. Barbosa Moreira, ao afirmar que a “premissa tem sido contestada
por vozes de grande autoridade”, refere-se, em nota de rodapé, ao ensaio “Appunti sulla
tutela di condanna” (amplamente noticiado linhas atrás), escrito por Proto Pisani. Como
ficou claro no item que antecedeu, o professor da Universidade de Florença tentou
reconstruir o conceito de sentença de condenação – a partir do princípio da efetividade
do processo, consagrado no art. 24 da Constituição italiana – porque o Código de
Processo Civil italiano não permite que o juiz atue sobre a vontade do devedor de uma
prestação infungível. Proto Pisani, como restou evidenciado, não estava preocupado em
estabelecer um conceito adequado de sentença condenatória, mas em permitir a
efetividade da tutela de direitos que dependem do adimplemento de obrigações
infungíveis.792
<texto>No Brasil, não é necessário ao intérprete retirar de uma sentença (a
condenatória) que, em princípio, não admite a tutela de direitos que dependem da
observância de obrigações infungíveis, uma virtude que permita a efetividade da tutela
desses direitos. Ora, no sistema brasileiro, mesmo antes da reforma de 1994, já era
possível ao juiz trabalhar com a multa para dar efetividade às suas sentenças. Portanto, o
que importa, neste momento, é saber se a sentença que se liga à multa pode ser definida
como condenatória.
<texto>Parece-nos, embora isto deva ser melhor explicado a seguir, que o conceito
de sentença condenatória jamais foi alterado pelo antigo art. 287 – que falava em
“condenação” pela falta de melhor expressão –, já que a condenação pressupõe, como
disse o Prof. Barbosa Moreira, “a noção, muito difundida, da existência de uma
correlação necessária entre a índole condenatória da sentença e a execução forçada”.793
<texto>São raras, na doutrina brasileira, as considerações a respeito de uma quarta
espécie de sentença. Não podem deixar de ser referidas, portanto, no que diz respeito ao
791
José Carlos Barbosa Moreira, A tutela específica do credor nas obrigações negativas. Temas de direito
processual, Segunda série, cit., p. 35-36. 792
Denti demonstra esta mesma preocupação: “Su un piano generale, d’altronde, recenti tendenze
dottrinali hanno negato la necessaria correlazione tra condanna ed esecuzione forzata, ponendo l’accento
sulla possibilità di coazione all’adempimento che discende sia dalle sanzioni penali che si sono già
ricordate, sia da misure di coercizione indiretta alle quali si farà riferimento più oltre. Questa prospettiva
appare particolarmente convincente nei casi in cui la condanna ha per oggetto prestazioni infungibili
caratterizzate dalla necessità di adempimento personale del debitore. In tali casi, infatti, non può farsi
ricorso al processo di esecuzione forzata, che presuppone la fungibilità della prestazione, e può trovare
spazio soltanto la coazione indiretta dell’obbligato” (Vittorio Denti, La giustizia civile, cit., p. 124). 793
José Carlos Barbosa Moreira, A tutela específica do credor nas obrigações negativas. Temas de direito
processual, Segunda série, cit., p. 35-36.
294
art. 461, as posições de Ovídio Baptista da Silva e Kazuo Watanabe. O art. 461, como é
sabido, descende do art. 84 do CDC. Kazuo Watanabe, ao comentar o Código de Defesa
do Consumidor, admite que o provimento do juiz, na tutela das obrigações de fazer e
não-fazer, não se restringe à condenação. Diz ele: “No plano do provimento
jurisdicional, ao juiz foi conferido o poder de adotar todas as providências adequadas e
legítimas à tutela específica das obrigações de fazer ou não-fazer, sendo-lhe dado desde:
a) impor multa diária independentemente de pedido do autor (sem prejuízo,
evidentemente, do efetivo cumprimento da prestação), se a peculiaridade do caso
indicar que a multa é suficiente ou compatível com a obrigação (art. 84, § 4.o), até b)
determinar medidas que sejam adequadas à obtenção do resultado prático equivalente ao
do adimplemento da obrigação se não for possível o atingimento de sua tutela
específica. Como será discorrido nos comentários aos arts. 83 e 84 e parágrafos, o
provimento do juiz na tutela das obrigações de fazer ou não-fazer não se restringirá à
mera condenação (provimento condenatório na concepção tradicional), mas abrangerá
a expedição de mandamentos ou ordens (ação mandamental), que se descumpridos, à
semelhança das injuctions do sistema anglo-saxão ou da ‘ação inibitória’ do sistema
italiano, poderá configurar o crime de desobediência, como ato de afronta à Justiça, e
não apenas à parte contrária, e ainda ensejará a adoção de técnicas de sub-rogação de
obrigações em outras que permitam a obtenção do resultado prático equivalente ao do
adimplemento da obrigação”.794
<texto>Ovídio Baptista da Silva, sabidamente um grande defensor da classificação
quinária das sentenças, ao escrever sobre o art. 461 do CPC, conclui que o conceito de
sentença condenatória não se amolda aos novos poderes que foram conferidos ao juiz:
“... os poderes conferidos ao magistrado, pelo art. 461, além de afastarem
definitivamente a demanda do conceito de pretensão e ação condenatória, correspondem
aos poderes que o art. 799 do CPC confere ao juiz para concessão dos provimentos
cautelares que, como se sabe, não têm o menor parentesco com as ações e sentenças
condenatórias”.795
<texto>A nova redação do art. 287 (trazida pela Lei 10.444/2002) reconhece o
equívoco que o antigo art. 287 trazia, pois deixa de falar em “condenação”. Agora, o art.
287 é assim escrito: “Se o autor pedir que seja imposta ao réu a abstenção da prática de
794
Kazuo Watanabe, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor (Comentado pelos autores do
Anteprojeto), cit., p. 503-504. 795
Ovídio Baptista da Silva, Curso de processo civil, cit., v. 1, p. 125.
295
algum ato, tolerar alguma atividade, prestar ato ou entregar coisa, poderá requerer
cominação de pena pecuniária para o caso de descumprimento da sentença ou da
decisão antecipatória de tutela (arts. 461, § 4.o, e 461-A)”. Sublinhe-se que,
anteriormente, o art. 287 iniciava aludindo a pedido de “condenação do réu a abster-se
...”. O importante é que o silêncio do novo art. 287 em relação à condenação não é
acidental, mas objetiva frisar que as suas sentenças não devem ser vistas como
condenatórias, como está expressamente registrado na Exposição de Motivos relativa a
esta norma, elaborada pelos Professores Sálvio de Figueiredo Teixeira e Athos Gusmão
Carneiro.
296
<tit>7
<tit1>A DOUTRINA BRASILEIRA
E A SENTENÇA MANDAMENTAL
<texto>Pontes de Miranda, como se sabe, foi o primeiro doutrinador brasileiro a
tentar elaborar uma conceituação de sentença mandamental. Como a doutrina desse
jurista não é de fácil compreensão, torna-se importante extrair de sua obra uma
passagem que identifica seu pensamento: “Na sentença mandamental, o ato do juiz é
junto, imediatamente, às palavras (verbos) – o ato, por isso, é dito imediato. Não é
mediato, como o ato executivo do juiz a que a sentença condenatória alude (anuncia);
nem é incluso, como o ato do juiz na sentença constitutiva. Na sentença mandamental, o
juiz não constitui: ‘manda’. Na transição entre o pensamento da sentença condenatória e
o ato da execução, há intervalo, que é o da passagem em julgado da sentença de
condenação e o da petição da ação iudicati. Nas ações executivas de títulos não-
judiciais, essa mediatidade desaparece, de modo que o ato prima; ainda que se tenha de
levar em conta o elemento condenatório, a ação é executiva. Na ação mandamental,
pede-se que o juiz mande, não só que declare (pensamento puro, enunciado de
existência), nem que condene (enunciado de fato e valor); tampouco se espera que o juiz
por tal maneira fusione o seu pensamento e o seu ato e que dessa fusão nasça a eficácia
constitutiva. Por isso mesmo, não se pode pedir que dispense o ‘mandado’. Na ação
executiva, quer-se mais: quer-se o ato do juiz, fazendo, não o que devia ser feito pelo
juiz como juiz, sim o que a parte deveria ter feito. No mandado, o ato é ato que só o juiz
pode praticar, por sua estatalidade. Na execução, há mandados – no correr do processo;
mas a solução final é ato da parte (solver o débito). Ou o juiz forçando”.796
<texto>Ovídio Baptista da Silva, o processualista que mais se aprofundou no estudo
da “sentença mandamental”, afirma que esta sentença difere da condenatória
precisamente por não se limitar a condenar: “A sentença mandamental ordena que as
796
Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Tratado das ações, cit., v. 1, p. 211.
297
partes se comportem segundo o direito que a sentença houver atribuído ao
demandante”.797
<texto>Além desse aspecto, que seria significativo para a diferenciação das duas
sentenças, pondera Ovídio que a aceitação de uma sentença mandamental implica a
admissão da existência de conhecimento e execução em uma única demanda.798
<texto>A doutrina jamais discutiu de forma adequada a questão da sentença
mandamental. Parte da doutrina estabeleceu uma ligação entre a teoria da sentença
mandamental e a sentença do mandado de segurança, ou, o que é pior, entre a sentença
mandamental e o seu único destinatário, que seria apenas o agente público. A prova do
que estamos dizendo está nesta passagem da obra de Frederico Marques: “... as
denominadas ações mandamentais não têm tido aceitação na doutrina. Para
Goldschmidt, a ação de mandamento teria por objeto conseguir ou obter mandado
dirigido a outro órgão do Estado, através de sentença judicial. Mas, como ressaltou A.
Schönke, não há razão para essa nova espécie de ações: ‘esses casos não devem ser
reunidos para formar um novo grupo de ações, porque não se trata de uma
diversificação no conteúdo, mas tão-só nos efeitos’. Realmente, proposta uma ação de
reparação de dano contra pessoa jurídica de Direito Público, a sentença proferida
contra a ré será condenatória. O mandado contra o órgão estatal que deva cumprir a
sentença é efeito da condenação ou da execução desta, não havendo motivo, portanto,
de se qualificar a ação proposta, como de mandamento”.799
<texto>Ao que parece, mencionada doutrina brasileira somente deu importância à
teoria elaborada na Alemanha, a qual possui diferenças gritantes em relação à teoria da
sentença mandamental, aqui proposta. Com efeito, a doutrina alemã afirmou que a
sentença, em alguns casos, poderia ser dirigida contra outro órgão estatal, e não contra o
vencido, e nestas hipóteses a sentença teria características próprias em relação à
condenatória.800
<texto>A preocupação desta doutrina alemã foi a de conceituar a sentença dirigida a
outro órgão do Estado; ela não voltou atenção à diferença entre a sentença
correlacionada à execução forçada e a sentença que se liga à coerção indireta. Ou seja, a
797
Ovídio Baptista da Silva, Curso de processo civil, cit., v. 2, p. 259. 798
Ovídio Baptista da Silva, Curso de processo civil, cit., v. 2, p. 259. Ver, também, Ovídio Baptista da
Silva, Sentença mandamental. Sentença e coisa julgada. 3. ed. Porto Alegre: Fabris, 1995, p. 35 e ss. 799
José Frederico Marques, Manual de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 1974, v. 2, p. 36. 800
Ver José Carlos Barbosa Moreira, A sentença mandamental – Da Alemanha ao Brasil. Temas de
direito processual, Sétima série, São Paulo: Saraiva, 2001, p. 53 e ss.
298
referida doutrina alemã nada tem a ver com a necessidade de conceituação da sentença
ligada à coerção indireta. A doutrina elaborada na Alemanha, e apontada como
originária da teoria da sentença mandamental, teve preocupações totalmente diferentes
daquelas que aqui nos movem. Como ficará mais claro no item posterior, mesmo as
doutrinas de Pontes de Miranda e Ovídio Baptista da Silva, que possuem sentidos
diversos daqueles que estão à base da doutrina alemã, não satisfazem diante das novas
realidades normativas dos arts. 461, CPC, e 84, CDC. E não vai aí, como é evidente,
nenhum reparo a estas doutrinas, uma vez que não só tiveram objetivos diversos, como
consideraram realidades distintas.
<texto>É equivocado pensar em uma quarta espécie de sentença em razão de o seu
destinatário ser outro órgão estatal, ainda que estranho ao processo (como desejava a
doutrina alemã). Porém, se isto não deve gerar a conceituação de nova espécie de
sentença, não é razoável negar que a sentença que se liga à coerção indireta, que jamais
foi misturada com aquela correlacionada com a execução forçada, não deva abrir
oportunidade a uma nova classificação.
<texto>Se a sentença condenatória difere da declaratória por abrir oportunidade à
execução por sub-rogação, a mandamental delas se distancia por tutelar o direito do
autor forçando o réu a adimplir a própria ordem do juiz. Na sentença mandamental há
ordem, ou seja, imperium, e existe também coerção da vontade do réu; tais elementos,
como foi amplamente demonstrado, não estão presentes no conceito de sentença
condenatória, compreendida como uma sentença correlacionada com a execução
forçada.
<texto>Na sentença mandamental há tutela jurisdicional integral, enquanto a
sentença condenatória constitui uma “tutela pela metade”, já que dependente da
execução. É preciso que se perceba que não há ordem ou uso de coerção na sentença
condenatória, há, simplesmente, declaração e aplicação da sanção.
<texto>Na sentença mandamental, o juiz usa a força do Estado para estimular o
vencido a adimplir, ao passo que na condenatória há apenas a constituição de uma
situação jurídica que pode abrir oportunidade ao seu uso. Não se diga que na sentença
mandamental, assim como na condenatória, há apenas ameaça do uso da força,
supondo-se, equivocadamente, que esta força, diante da ordem sob pena de multa,
somente entre em atividade quando da cobrança da multa. Isto seria negar a
característica da própria ordem sob pena de multa. Como é sabido, o juiz, quando
299
ordena sob pena de multa, não determina o cumprimento sob pena do pagamento de
valor equivalente ao da prestação inadimplida (e nem deveria), mas impõe
necessariamente a multa em valor suficiente para constranger o réu a adimplir. Ora, se
a imposição da multa serve para forçar o adimplemento, é evidente que ela significa o
uso da força do Estado. O que menos importa, aí, é a cobrança do valor da multa. Algo
bem diferente ocorre, como é óbvio, quando a condenação não é cumprida e o vencedor
passa a percorrer o caminho da execução forçada. Nesta última hipótese, o réu não foi
forçado a cumprir; ao contrário, deu-se a ele a possibilidade de adimplir.
<texto>É necessário frisar, entretanto, que a sentença mandamental não difere da
condenatória apenas por conter ordem, mas fundamentalmente por poder levar à tutela
de um direito que não pode ser efetivamente tutelado mediante a condenação.
300
<tit>8
<tit1>A NATUREZA DA SENTENÇA
QUE SE LIGA À COERÇÃO INDIRETA
<texto>A definição clássica de sentença condenatória, como se viu, pressupõe a
correlação necessária entre a condenação e a execução por sub-rogação. A pergunta que
naturalmente surge, portanto, é a seguinte: a sentença que se liga à coerção indireta pode
ser definida como condenatória?
<texto>Parte da doutrina brasileira, diante de uma inexplicável fidelidade à
classificação trinária das sentenças, ignora a necessidade de se pensar em uma quarta
espécie de sentença. Assim, é conveniente lembrar, desde logo, que a própria doutrina
italiana, mostrando-se perplexa ante a natureza da sentença concessiva de tutela
inibitória, cogita acerca de um quarto tipo de sentença. Prova disso está na seguinte
passagem da doutrina de Pisani: “As sentenças que contêm ordens inibitórias (ou
relativas a um fazer infungível) devem ser classificadas como uma espécie de
condenação, ou constituem, ao contrário, uma quarta espécie de sentença que se une à
tradicional tripartição das sentenças (declaratória, constitutiva e condenatória)?” .801
<texto>Pisani e Chiarloni entendem que a sentença ligada a uma medida coercitiva
indireta deve ser classificada como condenatória. Suas justificativas, entretanto, não
convencem. Pisani afirma, simplesmente, que a sentença inibitória somente não poderia
ser classificada como condenatória em razão do “preconcetto” da correlação necessária
entre a condenação e a execução forçada.802
Chiarloni, por sua vez, referindo-se às
hipóteses – tipificadas no ordenamento italiano – de sentenças ligadas a medidas
coercitivas, diz que tais sentenças devem ser classificadas entre as condenatórias,
apresentando como fundamento o curioso e frágil argumento de que seria inoportuno
introduzir uma nova classificação ao lado daquelas já tradicionalmente consideradas na
801
Andrea Proto Pisani, L’attuazione dei provvedimenti di condanna. Foro Italiano, 1988, p. 180. 802
Idem, ibidem.
301
doutrina.803
<texto>Para Pisani, como foi dito, a ordem inibitória somente não pode ser
classificada como condenatória se é aceita a correlação necessária entre condenação e
execução forçada. Lembre-se, porém, que Pisani equipara a inibitória à injunction do
direito anglo-americano, já que a sentença condenatória conteria uma ordem que, em
caso de inadimplemento, abriria oportunidade para a prisão. Pisani, em outras palavras,
enxerga na inibitória uma ordem e, no inadimplemento, uma insubordinação à
autoridade do Estado.
<texto>A tese de Pisani teria procedência se fosse possível equiparar a ordem à
condenação e, mais do que isso, se houvesse alguma relação entre a aplicação da sanção
(própria da condenação) e a medida de coerção como meio destinado a fazer valer a
autoridade estatal.
<texto>A sentença de condenação não sujeita o devedor a uma ordem do juiz, que
como autoridade estatal determina seu adimplemento. A condenação – conforme
adverte Montesano – não transforma os deveres privados em sujeição à autoridade
estatal, ainda que abra oportunidade à utilização de instrumentos de direito público para
a satisfação dos direitos subjetivos; o devedor condenado continua apenas civilmente
obrigado perante o credor, e não vinculado a uma ordem do juiz.804
De acordo com
Montesano, a ordem – não de adimplir a obrigação declarada na sentença, mas sim de
mettere ad esecuzione a sentença, enquanto ato autoritario de exercício de função
soberana – não é dirigida ao devedor, mas sim aos órgãos e auxiliares judiciários.805
<texto>Na verdade, parece que Pisani não percebeu a nítida diferença entre o uso da
força do Estado, que existe na ordem sob pena de multa, e a simples aplicação da
sanção, que apenas abre oportunidade para o uso desta força. Não há dúvida que a
autoridade estatal se faz presente em ambas as sentenças. Porém, na mandamental, a
autoridade do Estado é utilizada para forçar o cumprimento, ao passo que, na
condenatória, esta autoridade limita-se a constituir a situação que abre oportunidade
para o uso da força do Estado, mediante a utilização de instrumentos de direito público.
<texto>A dificuldade em admitir-se uma nova categoria de sentença está no fato de
não se ter bem definido o conceito de condenação. Theodoro Júnior, por exemplo, em 803
Sergio Chiarloni, Misure coercitive e tutela dei diritti, cit., p. 202. 804
Cf. Luigi Montesano, Condanna. Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 7, p. 2; e Le tutele
giurisdizionali dei diritti. Bari: Cacucci, 1981, p. 109. 805
Luigi Montesano, Condanna, Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 7, p. 2; e Le tutele giurisdizionali
dei diritti, cit., p. 110.
302
sua notável tese apresentada à titularidade da Universidade Federal de Minas Gerais,
afirma que a “sentença condenatória é a que satisfaz a pretensão do autor de que o réu
seja submetido a uma ordem de realizar certa prestação, cuja obrigação preexiste ao
processo. Condenar é expedir un mandamiento de prestación”.806
Na mesma tese, e
ainda tratando da sentença condenatória, o professor mineiro subscreve a posição de
Tomás Pará Filho, fundada em Liebman, dizendo o seguinte: “Na sentença
condenatória, segundo Tomás Pará Filho, o juiz realiza as seguintes funções: a) acerta
ou declara os fatos e a relação jurídica a eles correspondente; b) reconhece, em prol do
autor, a existência, no todo ou em parte, do direito demandado e, em conseqüência,
expressa, fazendo vigorar, ‘para o caso concreto, as forças coativas latentes da ordem
jurídica, a aplicação da sanção adequada, e esta é a sua função específica’; e c) afinal,
assegura ao autor, conforme o ordenamento jurídico, a possibilidade de tutela efetiva ao
direito reconhecido, mediante execução forçada”.807
<texto>Como se vê, Theodoro Júnior, ao analisar a sentença condenatória, refere-se
a dois conceitos de sentença condenatória que absolutamente não se identificam.
Lembre-se, em primeiro lugar, que o conceito alemão mais remoto de sentença
condenatória não foi aceito pela doutrina italiana, e especialmente por Liebman, em que
se baseia Tomás Pará Filho, citado pelo ilustre professor da Universidade de Minas
Gerais. Nesse conceito alemão não há qualquer referência à sanção, compreendida em
termos amplos, próprios da teoria geral do direito, no sentido de possível uso da força
no caso de inadimplemento;808
não há, em outras palavras, explicação para o que
acontece se o devedor não cumpre o mandado. De fato, os alemães, em um primeiro
momento, definiram sentença de condenação a partir de um conceito posto no
ordenamento processual alemão, sem vislumbrarem qualquer ligação entre condenação
e sanção.809
806
Humberto Theodoro Júnior, Fraude contra credores – A natureza da ação pauliana. Belo Horizonte:
Del Rey, 1996, p. 188. 807
Idem, ibidem, p. 190. 808
Ver Sergio Chiarloni, Misure coercitive e tutela dei diritti, cit., p. 136. 809
“Ed invero, il 888, Abs. 2. ZPO parla di ‘condanna’ alla celebrazione del matrimonio, di ‘condanna’
alla ripresa della convivenza coniugale, di ‘condanna’ ad eseguire la prestazione di lavoro, nel momento
stesso in cui stabilisce che per consimili ‘condanne’ non è applicabile, a differenza di quanto avveniva in
passato, alcuna sanzione, il 894, Abs. 1 ZPO parla di debitore ‘condannato’ alla emanazione di una
dichiarazione di volontà, per stabilire che la dichiarazione si ha come emessa non appena la sentenza
diventi esecutiva e, nuovamente, all’Abs. 2, di ‘condanna’ alla celebrazione di un matrimonio, nel
momento in cui esclude che consimile ‘condanna’ possa dar luogo agli effetti previsti all’Abs. 1. Che la
preoccupazione dei teorici del Leistungsurteil fosse quella di descrivere comprensivamente il concetto
legislativo di condanna risulta con estrema chiarezza, ad esempio, in Kisch, Beiträge, cit., p. 14, nota 14
ove si osserva che, mentre le espressioni Verurteilungs e Kondemnationsurteile sono da ritenere corrette,
303
<texto>Quando não há correlação entre condenação e sanção, é possível dizer que
alguém pode ser condenado a prestar um fazer infungível ainda que o ordenamento não
disponha de meios para fazer o obrigado adimplir. A sentença seria condenatória apenas
porque impõe uma prestação. Uma mera “sentença de prestação”, entretanto, não pode
ser confundida com a sentença condenatória, que é indissociavelmente ligada à força do
Estado. Para nós, a sentença que impõe uma prestação, mas não se liga à “sanção”, é
meramente declaratória. Por esta razão, não é possível pensar que condenar é
simplesmente expedir mandado de prestação; é necessário, para que a sentença tenha
razão de ser como condenatória, que ela possa ser executada.
<texto>Por outro lado, uma sentença não é mandamental apenas porque manda, ou
ordena mediante mandado. A sentença que “ordena”, e que pode dar origem a um
mandado, mas não pode ser executada mediante meios de coerção suficientes, não pode
ser classificada como mandamental. A mandamentalidade não está na ordem, ou no
mandado, mas na ordem conjugada à força que se empresta à sentença, admitindo-se o
uso de medidas de coerção para forçar o devedor a adimplir. Só há sentido na ordem
quando a ela se empresta força coercitiva; caso contrário, a ordem é mera declaração.
Da mesma forma que a condenação só é condenação porque aplica a “sanção”, a
sentença somente é mandamental quando há coerção indireta.
<texto>Contudo, se Theodoro Júnior entende estar implícito o uso da força do
Estado na sentença que manda expedir “um mandado de prestação”, ainda assim há que
se distinguir esse conceito daquele formulado por Liebman, já que no conceito do
professor mineiro estaria admitida a execução por coerção indireta e a execução por
sub-rogação, o que não acontece na doutrina que formulou o conceito de sentença
condenatória e, inclusive, na de Liebman, onde se estabelece uma correlação entre
condenação e execução por sub-rogação em virtude de uma série de razões culturais.
<texto>Devemos voltar, porém, ao ponto inicial: a sentença que se liga à coerção
indireta pode ser definida como condenatória? Pois bem, a ordem, quando dirigida ao
devedor, determina o adimplemento sob pena de um mal, enquanto a sentença
condenatória não traz gravame algum no caso de não ser voluntariamente observada.
Além do mais, a sanção que o réu sofre após a sentença condenatória confere ao autor
um adimplemento que se realiza apenas por força da própria sentença, enquanto que,
è da respingere l’espressione Vollstreckungsurteile, in quanto vi sono sentenze di condanna che non
comportano alcuna esecuzione forzata, come, appunto, nel caso del 894 ZPO” (Sergio Chiarloni, Misure
coercitive e tutela dei diritti, cit., p. 137).
304
diante da sentença mandamental, é o próprio réu que resolve adimplir, ainda que
mediante a ameaça contida na sentença. Em um caso, o adimplemento ocorre em razão
do emprego de instrumentos do Estado, o qual é autorizado pela sentença condenatória,
ao passo que, no outro, o adimplemento é realizado pelo próprio réu, mesmo que
premido pela força da sentença. Perceba-se, com efeito, que a condenação sempre supõe
a execução por sub-rogação, enquanto a multa somente pode provocar o adimplemento
espontâneo.
<texto>É importante demonstrar que Mandrioli, no artigo sugestivamente
denominado de “L’esecuzione specifica dell’ordine di reintegrazione nel posto di
lavoro”,810
ao enfrentar exatamente a questão respeitante a se saber se a execução
indireta pode ser enquadrada na figura – que passaria a ter conteúdo mais largo – da
execução forçada, ainda que admitindo que a execução indireta tem forte probabilidade
de permitir a obtenção de um resultado prático análogo àquele da execução forçada (e
que isto aconselharia, em um plano político-legislativo, a adoção de uma figura que
poderia ser comparada à astreinte), deixou claro, analisando a questão em um plano
puramente funcional, que a impossibilidade de se pensar além da referida forte
probabilità exclui, ao menos em uma perspectiva jurídica, a obtenção de um autêntico
resultado executivo.811
<texto>Além disso, ao tratar da questão no plano estrutural e sistemático,
argumentou Mandrioli que não há execução forçada se não há o superamento de um
obstáculo e a invasão coativa da esfera de autonomia do devedor,812
nada
acrescentando, nesse aspecto, ao que outros especialistas na matéria da “execução das
obrigações de fazer” sempre disseram na Itália.813
<texto>Note-se, ademais, que a sentença condenatória abre oportunidade para a
810
Crisanto Mandrioli, L’esecuzione specifica dell’ordine di reintegrazione nel posto di lavoro. Rivista di
Diritto Processuale, 1975, p. 9 e ss. 811
Idem, ibidem, p. 19. 812
Idem, ibidem, p. 19-20. 813
Giuseppe Borrè, Esecuzione forzata degli obblighi di fare e di non fare. Napoli: Jovene, 1966, p. 102-
103. Carnelutti, em relação a este ponto, embora sem revelar uma posição muito nítida, escreveu: “Quello
che importa è che le misure coercitive non si confondano, in ogni caso, nè con la vera e propria pena, nè
con la vera e propria esecuzione (...) Non si dimentichi che, come fu detto, il carattere peculiare della
esecuzione consiste propriamente nell’ottenere, senza il concorso della volontà dell’obbligato (o grifo
está no original), quella stessa subordinazione del suo interesse, che corrisponde all’adempimento
dell’obbligo. Ora, in quanto l’adempimento consista in un facere dell’obbligato, poichè il facere è un
prodotto della sua volontà, l’esecuzione resta, per definizione, esclusa. Qui la tutela del creditore, in
quanto si tratta di fargli avere proprio quel bene, al quale si rivolge il suo diritto, non si può svolgere che
sulla linea delle misure coercitive ...” (Francesco Carnelutti, Diritto e processo nella teoria delle
obbligazioni. Studi di diritto processuale in onore di Giuseppe Chiovenda. Padova: Cedam, 1927, p. 243).
305
execução, mas não executa ou manda; a sentença mandamental manda que se cumpra a
prestação mediante o emprego de coerção indireta. Na condenação são apenas criados
os pressupostos para a execução forçada. Na sentença mandamental há ordem para que
se cumpra; há um “mandado”, que não se confunde com o mandado que será expedido,
já que o juiz manda que se cumpra e não apenas exorta ao cumprimento, limitando-se a
fixar a base para a execução forçada. Na sentença mandamental não há, note-se bem,
apenas exortação ao cumprimento; e há ordem de adimplemento que não é mera ordem,
mas ordem atrelada à coerção indireta.
<texto>A sentença que ordena mediante o emprego de coerção indireta já usa a
força do Estado, ao passo que a sentença que condena apenas abre oportunidade para o
uso desta força. É correto dizer, nesse sentido, que a sentença que ordena sob pena de
multa tem força mandamental, enquanto a sentença condenatória não tem força alguma,
nem mesmo executiva; sua eficácia é que é executiva.
<texto>O mandado é mera decorrência da ordem; não cabe a ele definir a essência
da mandamentalidade. A essência da mandamentalidade está no mandamento, vale
dizer, na ordem imposta mediante o emprego de coerção indireta. Quem pretende ver
inibida a prática de um ilícito pede ordem sob pena de multa e não apenas mandado;
mas também não pede, como é óbvio, simples condenação. O que varia do mandamento
para a condenação é a natureza do provimento; o provimento condenatório condena ao
adimplemento, criando o pressuposto para a execução forçada, ao passo que o
provimento mandamental ordena sob pena de multa (ou sob pena de prisão).
<texto>Frise-se que só há mandamentalidade quando o juiz, na sentença, manda
forçando; não há sentença mandamental quando o mandado destina-se apenas a servir
de “meio de execução” de uma sentença constitutiva (execução imprópria).
<texto>Registre-se, porém, que o critério que nos permite definir a
mandamentalidade é meramente processual. O que define a mandamentalidade é a
possibilidade de se requerer ordem sob pena de multa ou sob pena de prisão. Como será
melhor demonstrado mais à frente, não é possível aceitar a tese de que a sentença
mandamental é veículo exclusivo dos direitos absolutos.
<texto>Chiarloni, como visto acima, pretende desconsiderar as visíveis diferenças
entre a sentença condenatória, tal como definida pela doutrina, e a sentença que se liga à
multa. Parece que Chiarloni não percebe que não é possível incluir realidades distintas
em uma mesma categoria, ou incluir em uma espécie de uma classificação algo que nela
306
não se insere, segundo os princípios doutrinários que moldaram a própria classificação.
Inserir algo que não cabe em uma categoria de uma classificação doutrinária é o mesmo
que manter a classificação apenas na nomenclatura, desprezando-se-lhe o conteúdo.
<texto>Se é certo que a nomenclatura equívoca traz prejuízos à necessidade de
comunicação, é também inegável que uma mesma palavra não pode trazer significados
diversos quando se pretende um real desenvolvimento da ciência. De modo que não há
como admitir a posição de quem se nega a traçar as linhas de uma nova classificação
ainda que consciente de que os fenômenos que estão à base da classificação tradicional
nela não mais se encaixam. Nestas condições, deixar de elaborar nova definição e
classificação é o mesmo que não permitir a identificação de diferentes realidades. Ou
pior do que isto: é permitir que elas sejam confundidas.
<texto>Na verdade, não há razão para reunir sob o rótulo de condenação
provimentos que, de acordo com a própria doutrina que construiu a classificação
trinária, jamais tiveram alguma semelhança entre si. Lembre-se, com efeito, de que a
doutrina sempre correlacionou a condenação com a execução por sub-rogação814
e que o
próprio Liebman disse que a sentença condenatória, ao aplicar a sanção, constitui a
situação jurídica que abre oportunidade para a execução forçada.815
<texto>Mandrioli – como já foi dito antes –, advertiu que o preço que deveríamos
pagar para incluir as sentenças suscetíveis de execução indireta na categoria da
condenação é mais elevado do que a vantagem que poderíamos obter. Enquanto a
vantagem estaria reduzida ao plano da terminologia, a contrapartida da inclusão da
sentença (ligada às medidas coercitivas) na categoria da condenação levaria a uma
inevitável cisão entre o conceito de condenação e a noção de execução forçada. Tal
cisão deixaria um espaço vazio entre a declaração e a condenação-título executivo, o
que tornaria inevitável a configuração de um tertium genus, que seria a condenação-não
título executivo.816
<texto>Admitir uma condenação-não título executivo é um equívoco de lógica, pois
814
Como reconheceu Jacques Michel Grossen, Professor da Universidade de Neuchâtel, “la tutela del
diritto, quale risulta dalla facoltà di agire per la condanna, rimane tuttavia imperfetta. Senza essere
ancora violato, un diritto può trovarsi minacciato. I moderni sistemi giuridici ammettono talvolta il
ricorso all’autorità giudiziaria per prevenire un danno, senza dover attendere che soltanto la riparazione
possa esserne ordinata” (Jacques Michel Grossen, L’azione in prevenzione al di fuori dei giudizi
immobiliari. Rivista di Diritto Processuale, 1959, p. 418). 815
Enrico Tullio Liebman, Processo de execução, cit., p. 16. 816
Crisanto Mandrioli, Sulla correlazione necessaria tra condanna ed eseguibilità forzata. Rivista
Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1976, p. 1.352.
307
é aceitar e negar um conceito ao mesmo tempo. Não atentar ao conceito de sentença
condenatória, projetando-se-lhe a refundação, é desconsiderar que o conceito de
condenação é elaboração científico-doutrinária e, ao mesmo tempo, desprezar não
apenas os esforços que a doutrina fez para conceituar condenação, como também os
valores culturais que presidiram a formação do conceito dessa modalidade de
sentença. De qualquer forma, ainda que este possa ser o desejo de alguns, não há razão
para se reunir na mesma categoria duas sentenças que, necessariamente, levarão a
uma subclassificação, exatamente por não se conciliarem.
<texto>Ora, se surgiu uma nova necessidade de proteção jurisdicional e, assim, uma
nova modalidade de sentença, não há razão para se preservar a antiga classificação
trinária, como se ela fosse absoluta e intocável. A tentativa de manter a classificação
trinária – realizada por Chiarloni – é derivada de um equívoco sobre a verdadeira
função das classificações, vício que, na verdade, não é encontrado apenas entre os
juristas, mas que no direito acaba adquirindo um peso bastante significativo.817
817
Genaro R. Carrió, Notas sobre derecho y lenguaje, cit., p. 98.
308
<tit>9
<tit1>A SENTENÇA EXECUTIVA, A TUTELA DOS DIREITOS REAIS E A
TUTELA CONTRA O ATO CONTRÁRIO AO DIREITO
Cabe agora abordar a sentença executiva a partir dos elementos apontados por Satta
e Pontes de Miranda, analisando-se a sua relação com a tutela dos direitos reais, para
após propor a sua ligação com a tutela contra o ato contrário ao direito, isto é, com as
tutelas inibitória e de remoção do ilícito.
<texto>Satta, como se sabe, sustentou que apenas algumas posições jurídicas, por
ele qualificadas de “direitos a posições finais” – isto é, a propriedade e outros direitos
reais – gozariam da tutela na forma específica, ao passo que outras posições jurídicas,
qualificadas de “direitos a posições instrumentais” – entre as quais, em particular, o
direito de crédito –, não poderiam receber tal forma de proteção818
e sua violação
somente poderia ser sancionada através do ressarcimento pelo equivalente.819
<texto>Segundo Satta, as “situações jurídicas finais” são aquelas que se identificam
com a satisfação do interesse contido no direito, enquanto as “situações jurídicas
instrumentais” apenas tendem a constituir aquelas situações e, portanto, somente
818
Salvatore Satta, L’esecuzione forzata. Trattato di diritto civile (diretto da Vassali), 1952, p. 17 e ss. 819
Deixe-se claro, desde logo, que, se há alguma relação entre os direitos reais e a sentença executiva, a
idéia de se reservar a tutela específica apenas aos direitos reais já foi superada há muito tempo. Lembre-
se, apenas para ilustrar, a seguinte passagem de um conhecido ensaio de Giorgianni: “Abbiamo però
assistito già nel secolo passato, e continuiamo ad assistere, ad un movimento dottrinale, giurisprudenziale
e legislativo diretto ad attribuire al creditore una tutela più intensa, tendente cioè a fargli raggiungere
coattivamente, nel più largo numero possibile di casi, il soddisfacimento dell’interesse che il rapporto
obbligatorio effettivamente protegge. Si sono venute, perciò, delineando via via altre forme di tutela del
diritto di credito, profondamente diverse dalla esecuzione forzata ‘per equivalente’ ovverosia dalla
espropriazione dei beni del debitore. Il codice civile del 1942 ha raggruppato sotto l’etichetta di
‘esecuzione forzata in forma specifica’ (è questa la intitolazione della sez. II del capo II del titolo IV del
libro V del codice civile) – per evidente contrapposizione a quella ‘per equivalente’ – le più importanti
forme di siffatta tutela. Queste però non esauriscono le manifestazioni del movimento cui sopra abbiamo
accennato, il quale si estrinseca anche attraverso una evoluzione interpretativa ed applicativa, dottrinale e
giurisprudenziale” (Michele Giorgianni, Tutela del creditore e tutela “reale”. Rivista Trimestrale di
Diritto e Procedura Civile, 1975, p. 854).
309
mediatamente podem levar à satisfação do interesse.820
Não há, nas obrigações, aquela
coincidência entre direito e satisfação do interesse que é própria das “situações jurídicas
finais”. Nas obrigações, a satisfação do interesse depende da prestação de um sujeito em
favor do outro; o direito, na relação obrigacional, é reflexo da própria obrigação, e esta
assume posição instrumental em relação à satisfação do interesse.821
<texto>De acordo com Satta, a declaração do direito, inerente às “situações jurídicas
finais”, resume-se, quando em jogo uma obrigação, na afirmação da obrigação.
Entretanto, a afirmação da obrigação nunca é fim em si mesma; ela sempre está em
função de uma ulterior exigência de tutela jurídica, em harmonia com a posição
instrumental da obrigação, e disso deriva o seu caráter constitutivo, que se exprime na
condenação e concretamente se manifesta na execução que surge da própria
condenação.822
<texto>Referindo-se à ação reivindicatória, afirma Satta que aquele que é
reconhecido proprietário pela sentença precisa apenas exercer o seu direito de
propriedade para retomar a coisa que lhe pertence, sendo-lhe vedado agir privadamente
somente porque a posse do réu, ainda que ilegítima, é tutelada pelo ordenamento
jurídico. O caso, assim, não seria de execução forçada, uma vez que bastaria à jurisdição
manifestar-se através de atos de assistência material para a retomada da coisa.823
<texto>Satta demonstra, ao tratar da ação reivindicatória, que quando a posse é
restituída ao titular do direito esse não passa a ter nada além daquilo que já possuía
820
Salvatore Satta, L’esecuzione forzata nella tutela giurisdizionale dei diritti. Scritti giuridici in onore di
Francesco Carnelutti. Padova: Cedam, 1950, v. 2, p. 4. 821
Idem, ibidem, p. 5-9. 822
Idem, ibidem, p. 9. 823
“La contrapposizione da noi stabilita fra accertamento dell’obbligo e accertamento del diritto
(situazione giuridica finale) sotto il profilo della tutela giurisdizionale può destare qualche dubbio quando
si osservi che molto spesso l’accertamento del diritto non è sufficiente a far conseguire al titolare la
soddisfazione dell’interesse, ad esempio perchè il bene, del quale si è affermata la proprietà, si trova
nell’altrui possesso: è questa anzi la situazione normale nelle azioni di rivendica. E tanto più sarà
legittimo il dubbio, in quanto si consideri che sia il codice civile come quello di procedura pongono sotto
il comune denominatore dell’esecuzione l’attività conseguente alla sentenza di rivendica e alla sentenza di
condanna. Senonchè, un attento esame permette di comprendere la profonda differenza che corre fra le
due ipotesi. Se è infatti vero che il diritto accertato può non essere materialmente soddisfatto, non è meno
vero che il diritto medesimo ha in sè, intrinsecamente, la capacità di realizzarsi: il proprietario
riconosciuto tale nei confronti dell’illegittimo possessore, per riprendersi il possesso della cosa sua non ha
altro da fare che esercitare il proprio diritto. Se non lo può fare, ciò è per una ragione di carattere formale:
e cioè che il possesso, anche illegittimo, è tutelato dalla legge, e il proprietario non può rompere questo
ormai tenue diaframma, che lo separa dalla sua cosa, senza turbare la pace sociale. Per questo l’esercizio
del diritto riconosciuto è ancora intermediato dalla giurisdizione, la quale si esplica sia in comandi
complementari all’accertamento (ordini, inibizioni ecc.), comandi che non sono “condanne”, ma semplici
atti di imperio, sia nell’assistenza materiale alla ripresa del possesso” (Salvatore Satta, L’esecuzione
forzata nella tutela giurisdizionale dei diritti. Scritti giuridici in onore di Francesco Carnelutti, cit., p. 10).
310
quando o direito foi declarado: “Não será, por exemplo, mais ou menos proprietário do
que já era”.824
E, comparando tal situação com a da sentença condenatória, explica:
“Não é preciso dizer quão diferente e oposta seja a situação na hipótese de declaração
da obrigação (condenação). Falar aqui de exercício de direito não tem sentido algum:
aqui não há um direito a exercer, mas um direito a constituir em adimplemento da
obrigação, precisamente aquele direito a cuja constituição a obrigação era
estruturalmente preordenada. Somente com a constituição deste direito (que implica na
expropriação do obrigado) a tutela jurisdicional será realizada. Obtém-se a confirmação
desta diferença considerando-se os reflexos penais das posições do titular do direito
declarado (propriedade) e do devedor (obrigação): enquanto o primeiro, ao apossar-se
da coisa reconhecida como sua sem o auxílio do órgão jurisdicional, comete um simples
exercício arbitrário das próprias razões, o credor que subtrai do devedor um bem para
satisfazer o seu crédito comete furto.”825
<texto>Satta estabelece nítida diferença entre a execução de créditos e a “execução”
peculiar aos direitos reais, mostrando que a posse, depois da sentença que declara o
direito de propriedade, é ilegítima, enquanto o direito de propriedade do devedor, na
execução forçada, é legítimo.
<texto>A doutrina de Satta assemelha-se à teoria de Pontes de Miranda.826
Pontes
afirma que o autor da reivindicatória pede a coisa que está, contrariamente ao direito, na
esfera do demandado, não ocorrendo o mesmo na condenação e na execução que a
segue, já que aí os bens estão, de acordo com o direito, na esfera do “devedor”.827
Na
execução derivada da condenação há a retirada do bem da esfera jurídica do devedor
para a esfera jurídica do credor, ocorrendo o que Pontes de Miranda chama de
modificação da linha discriminativa das esferas jurídicas. Essa modificação da linha
discriminativa, tratando-se de ação reivindicatória, ocorre no momento em que a
sentença é proferida, pois aí, como bem disse Satta, o proprietário é reconhecido como
tal no confronto do possuidor ilegítimo.828
824
Salvatore Satta, L’esecuzione forzata nella tutela giurisdizionale dei diritti. Scritti giuridici in onore di
Francesco Carnelutti, cit., p. 10. Tradução livre. 825
Idem, ibidem, p. 10-11. Tradução livre. 826
Ver Ovídio Baptista da Silva, Sentença mandamental. Sentença e coisa julgada, cit., p. 37 e ss, em que
o professor gaúcho refere-se às doutrinas destes dois juristas. Sobre a importância da classificação de
Pontes de Miranda, ver Clóvis do Couto e Silva, A teoria das ações em Pontes de Miranda. Ajuris 43/78. 827
Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro:
Forense, 1976, v. 9, p. 17 e ss. 828
Salvatore Satta, L’esecuzione forzata nella tutela giurisdizionale dei diritti. Scritti in onore di
Francesco Carnelutti, cit., p. 10.
311
<texto>Há, sem dúvida, real diferença, no que diz respeito à alteração da linha
discriminativa das esferas jurídicas, entre a sentença que condena ao pagamento e a
sentença proferida na ação reivindicatória.829
<texto>Lembre-se de que à época do direito romano, uma vez proferida a sentença
reconhecendo o direito de propriedade, poderia o autor recuperar o objeto de seu
domínio independentemente de qualquer colaboração do réu, o que não se dava no caso
de condemnatio – obviamente oriunda de uma obligatio –, já que, nessa hipótese, por
ser naturalmente necessária uma prestação do devedor, podia o autor apenas manter o
devedor em cativeiro à espera de um terceiro que, pagando a dívida, libertasse o
encarcerado.830
Isto demonstra que, uma vez declarada a ilegitimidade da posse do
demandado, a ação de recuperação da coisa – que um dia foi privada – prescindia
totalmente da vontade do demandado, que justamente por isso não era condenado.
<texto>Nesta perspectiva, portanto, é bastante clara a razão pela qual em uma
hipótese podem ser praticados atos executivos imediatamente, e em outra há de se
esperar o adimplemento para o início da execução. Contudo, parece que a verdadeira
razão da dificuldade em se compreender que a condenação não é a tutela jurisdicional
adequada a uma série de situações de direito substancial pode ser explicada a partir da
clássica concepção de direito real. Afirma-se, como já foi dito (ver Parte 1, Capítulo 4,
item 4.3), que no direito real há uma relação entre o titular do direito e todas as demais
pessoas, que teriam um dever negativo em relação ao próprio titular do direito. Se o
direito deve ser uma relação jurídica entre pessoas, o direito real apenas pode ser um
direito obrigacional com sujeito passivo universal. Amplia-se, assim, o domínio da
obrigação, universalizando-se, por conseqüência, a condenação, que passa a ser a tutela
jurisdicional de direitos que, por sua própria natureza, não podem ser adequadamente
829
Ovídio também concorda que a sentença condenatória não modifica a linha discriminativa das esferas
jurídicas, já que a posse dos bens do devedor continua a ser tão legítima e conforme ao direito quanto o
era antes da sentença; é o processo de execução que, mediante a expropriação, opera a modificação da
linha discriminativa. Demonstra, porém, que, na ação de despejo, a própria sentença, ao supor ilegítima a
posse do locatário, realiza a alteração da linha discriminativa, e exatamente por isto configura espécie de
sentença executiva: “Depois de seu trânsito em julgado, nenhuma nova alteração da linha discriminativa
entre os dois patrimônios, do demandante e do demandado, se faz: existirá alguém que se transformou em
possuidor ilegítimo de algo que não lhe pertence; e alguém que procura recuperar a posse do que é seu”
(Ovídio Baptista da Silva, Sentença mandamental, Sentença e coisa julgada, cit., p. 66-67). É importante
frisar que a sentença que julga procedente o despejo, ao desconstituir a relação obrigacional,
configurando a ilegitimidade da posse do locatário, realiza a alteração da linha discriminativa entre as
esferas jurídicas, tornando necessária apenas a prática de ato executivo realizador da recuperação da
posse. Mas esta sentença não se limita a desconstituir ou a condenar o réu a entregar a coisa (caso em que
seria necessária a ação de execução); ela é, por viabilizar a imediata recuperação da posse, inegavelmente
executiva. 830
Ovídio Baptista da Silva, Curso de processo civil, cit., v. 2, p. 142.
312
por ela tutelados.
Porém, a relação entre direitos reais e sentença executiva, estabelecida por Satta e
Pontes de Miranda, estende-se naturalmente a outras situações de direito substancial
quando se percebe a distinção entre ato contrário ao direito, inadimplemento e dano. A
prática de ato contrário ao direito, quando declarada judicialmente, não fica a espera de
qualquer prestação do demandado, ao contrário do que acontece quando há
inadimplemento de obrigação contratual ou dano. Quem viola uma obrigação ou comete
um dano está obrigado a uma prestação ou ao ressarcimento do dano, não ocorrendo o
mesmo quando se prática um ato contrário ao direito. Nesse último caso, não há que se
esperar algo ou alguma prestação de quem praticou o ilícito, restando à jurisdição
apenas remover os seus efeitos concretos.
Na hipótese em que a sentença declara a probabilidade da violação ou a violação do
direito, o direito obviamente não depende de qualquer prestação, sendo absolutamente
desnecessário esperar algo do demandado para implementar a tutela jurisdicional. Em
tais situações o juiz não atua no lugar do demandado ou para suprir algo que é por ele
devido. Melhor explicando: quando se inibe ou remove o ilícito, a ameaça ao direito ou
a prática do ilícito não requerem qualquer prestação do réu, sendo os atos de coerção
necessários apenas para que a declaração contida na sentença se transforme em
realidade, ao passo que, nos casos de ressarcimento ou de adimplemento, há declaração
de algo que ainda precisa ser feito, aparecendo a execução como indispensável para
realizar o que deveria ter sido feito pelo demandado e, assim, para satisfazer o direito.
Este item, assim, espera ter demonstrado que a tese que relaciona a sentença
executiva com a tutela dos direitos reais pode servir de base para outra idéia, essa
intimamente vinculada com os direitos do Estado constitucional, no sentido de que as
tutelas inibitórias e de remoção do ilícitos não dependem de uma prestação do
demandado ou de atividade executiva que a substitua.
313
<tit>10
<tit1>A LEI 11.232/05 E AS SENTENÇAS CONDENATÓRIA,
MANDAMENTAL E EXECUTIVA
A Lei 11.232/05 unificou os processos de conhecimento e de execução,
transformando a execução por expropriação na fase final do processo instaurado com a
ação de conhecimento (art. 475-J e seguintes, CPC).
Diante disto, indaga-se sobre a natureza da sentença que impõe o pagamento de
quantia, ou melhor, se ela ainda deve ser chamada de condenatória. Note-se, porém, que
tal sentença, embora dispensando a ação de execução, liga-se a uma forma de execução
que, visando satisfazer o direito de crédito, retira bens que estão legitimamente no
patrimônio do devedor. Portanto, na doutrina de Pontes de Miranda, a supressão da ação
de execução obviamente não é capaz de transformar a sentença condenatória em
executiva. Na teoria de Pontes, a sentença executiva não tem relação de causa e efeito
com a desnecessidade da ação de execução. De qualquer forma, aí está a grande
dificuldade em se compreender o conceito de sentença executiva em Pontes de Miranda.
Essa dificuldade faz com que se suponha que a supressão da ação de execução
transforme, na própria concepção de Pontes de Miranda, a sentença condenatória em
sentença executiva.
Contudo, é preciso perceber que a classificação de Pontes de Miranda parte de uma
análise espectral das sentenças, ou seja, de uma análise interna das sentenças, e não de
uma análise externa, como aquela que conduziu à classificação trinária. A análise
interna da sentença permite fazer ver o efeito executivo na alteração da linha
discriminativa das esferas jurídicas, a qual nada tem a ver com a eficácia executiva
própria da sentença condenatória, ligada à instauração da execução por expropriação.
O 475-J afirma que, “caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou
já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da
314
condenação será acrescido de multa de dez por cento e, a requerimento do credor e
observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora
e avaliação”. Ou seja, a sentença que condena ao pagamento, caso não adimplida
voluntariamente, abre oportunidade para a expedição de mandado de penhora e
avaliação, ou seja, para a prática dos atos de execução por sub-rogação expressamente
definidos na legislação.
A sentença que condena ao pagamento continua a não ter força executiva. O
emprego da força executiva é somente autorizado pela sentença condenatória. E, o que é
mais relevante, a sentença continua a abrir oportunidade apenas para o uso da forma
executiva previamente determinada na lei.
A única diferença dessa sentença, para a concebida pela doutrina clássica, está em
dispensar uma nova ação para viabilizar a execução por expropriação. Porém, isso não
significa que a sentença não mais impõe a sanção que abre oportunidade para a
execução forçada tipificada na lei.
Perceba-se que a sentença que impõe o pagamento de soma contém todos os
elementos que caracterizam a condenação na história. Tal sentença é repressiva, capaz
de prestar tutela pelo equivalente pecuniário ao direito lesado e relacionada a meios de
execução por sub-rogação expressamente tipificados na lei. A sentença tem a mesma
função e submete-se aos mesmos princípios da sentença condenatória clássica.
De outra parte, não há dúvida que o art. 475-J inova ao dizer que, caso o réu não
cumpra a sentença no prazo devido, terá o montante da condenação acrescido em dez
por cento, o que poderia tentar alguém a enxergar na sentença força mandamental.
Acontece que tal multa não tem caráter coercitivo, pois não objetiva constranger o
demandado a pagar. Ela constitui somente uma pena. É certo que toda pena, ao lado da
sua função punitiva, possui função intimidadora, mas isto está muito longe de ser capaz
de conferir-lhe natureza coercitiva.
Tal pena, inserida no art. 475-J, é fruto de tese que apresentamos ao Instituto
Brasileiro de Direito Processual. Mas a nossa proposta era muito mais abrangente, já
que objetivava dar ao juiz poder para impor multa em valor suficiente para constranger
o devedor a pagar, sem qualquer limitação de valor, para o que obviamente seria
indispensável considerar as circunstâncias do caso concreto, especialmente a capacidade
econômica do réu.
315
A multa, tal como definida no art. 475-J, não retira da condenação a sua feição. Essa
sentença apenas assumiria natureza mandamental se houvesse sido dado ao juiz poder
de coerção indireta, quando a forma de execução seria completamente distinta da que
prevaleceu intacta. Perceba-se que, quando se dá ao juiz poder coercitivo indireto, não é
o procedimento executivo que realiza o adimplemento; o adimplemento é feito pelo
próprio devedor, em virtude da pressão da sentença que impõe a multa.
Supomos, agora raciocinando de lege ferenda, que inexiste razão para não se admitir
o uso cumulado da execução por expropriação e da execução sob pena de multa quando
se pretende cobrança de dinheiro. Recorde-se que a doutrina brasileira sempre admitiu a
utilização da multa para convencer o obrigado a prestar um fazer fungível.831
A multa,
dentro da cultura jurídica brasileira, jamais foi vinculada a uma prestação de caráter
infungível. Tanto é verdade que a nova redação do art. 287 (Lei 10.444/2002) fez
questão de explicitar a possibilidade de se compelir o réu, sob pena de multa, a uma
prestação fungível. Ora, se é possível usar a multa para constranger alguém a fazer algo
que dependa de gasto de dinheiro, não há qualquer motivo para impedir a utilização de
igual forma de coerção para compelir ao pagamento de soma.
<texto>O objetivo do uso da multa – na nossa proposta - seria convencer o obrigado
a adimplir, evitando-se as complicações, o custo e a demora inerentes à execução por
expropriação.832
Aliás, considerando-se que a demora da prestação jurisdicional também
decorre do grande número de feitos que circulam pelos órgãos do Poder Judiciário, não
é incorreto supor que o uso da multa, ao permitir a tutela do direito sem a necessidade
da execução forçada, poderia contribuir para diminuir a demora, quase patológica, da
justiça civil.
<texto>De qualquer forma, cabe lembrar que a melhor execução forçada é aquela
que não é necessária, uma vez que a forma ideal de realização de um direito decorre do
adimplemento voluntário do obrigado.833
Ora, se a estrutura da técnica executiva não
pode deixar de tomar isto em consideração, não há motivo para inadmitir a execução
indireta (a multa) – obviamente de forma cumulada com a execução forçada – diante do 831
José Joaquim Calmon de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil, v. 3, cit., p. 167 e ss;
Alcides de Mendonça Lima, Comentários ao Código de Processo Civil, v. 6, t. 2, cit., p. 771 e ss; José
Carlos Barbosa Moreira, O novo processo civil brasileiro, v. 2, cit., p. 52 e ss; Athos Gusmão Carneiro,
Das astreintes nas obrigações de fazer fungíveis. Ajuris 14, p. 125 e ss. 832
Michele Taruffo, Note sul diritto alla condanna e all’esecuzione. Rivista Critica del Diritto Privato,
1986, p. 668. Ver, também, Elisabetta Silvestri e Michele Taruffo, Esecuzione forzata. Enciclopedia
Giuridica Treccani, v. 13, p. 2 e 11. 833
Michele Taruffo, Note sul diritto alla condanna e all’esecuzione. Rivista Critica del Diritto Privato,
1986, p. 668.
316
crédito pecuniário. Se o objetivo é evitar a execução forçada, não resta outra saída senão
convencer o obrigado a adimplir,834
dando-se sempre a ele a oportunidade de justificar o
não-adimplemento, especialmente porque a multa não pode incidir contra quem não tem
patrimônio.835
<texto>Não se suponha, apressadamente, que tal forma de conceber a técnica
executiva corresponda a uma forma autoritária de compreender o sistema de tutela dos
direitos.836
Não é possível esquecer que grande parte das ações de condenação
encaminhadas ao Judiciário objetiva a cobrança de pequenas parcelas, devidas por
sólidas pessoas jurídicas de direito privado a pessoas físicas.
Humberto Theodoro Júnior elogia o sistema do processo do trabalho pela
circunstância da sentença dispensar a propositura da ação de execução e a própria
iniciativa do demandante.837
Entretanto, a sentença que dispensa a propositura de ação
de execução ou a iniciativa do autor não resolve qualquer dos problemas antes
apontados. Note-se que aí não há qualquer alteração no procedimento de execução;
ainda é necessária a execução através da expropriação de bens. Ora, o grande problema
da tutela do crédito pecuniário não está na necessidade de uma ação de execução ou no
requerimento do credor, mas sim nas complicações, na demora e no custo da execução
por expropriação. De modo que a supressão da ação de execução, com a manutenção da
velha forma de execução, é muito pouco. É preciso conceber uma nova forma de
execução do crédito pecuniário.
<texto>Na verdade, a execução por expropriação, na Justiça do Trabalho, é um
verdadeiro entrave não só à promessa constitucional de duração razoável do processo,
como também à própria tutela do direito ao sustento do trabalhador. Tal procedimento
somente serve para incentivar os que têm dinheiro a não pagar pontualmente. Sabe-se,
em uma visão de mercado, que é muito melhor esperar para pagar depois de finalizado o
procedimento (visto como autônomo ou como uma fase, tanto faz) de execução por
834
Idem, ibidem. 835
Luiz Guilherme Marinoni, A execução da tutela antecipatória de pagamento de soma sob pena de
multa. Genesis – Revista de Direito Processual Civil 4/163. 836
“Il necessario rafforzamento del sistema esecutivo nel suo complesso, con l’estensione e la maggiore
efficienza degli strumenti di esecuzione diretta, e con l’introduzione di adeguate misure di coercizione
indiretta, non risponde dunque ad una logica autoritaria, né ad uno spirito punitivo nei confronti del
debitore. Ipotesi di questo genere, che pure sono state avanzate, non colgono l’essenza del problema, e
sembrano invece il frutto di una distorsione ideologica dei suoi termini, piuttosto che di un’attenta e
realistica analisi della funzionalità della tutela esecutiva” (Michele Taruffo, Note sul diritto alla condanna
e all’esecuzione. Rivista Critica del Diritto Privato, 1986, p. 669). 837
Humberto Theodoro Júnior, A execução de sentença e a garantia do devido processo legal, Rio de
Janeiro: LEUD, 1987, p. 181 e ss.
317
expropriação, uma vez que o dinheiro, neste período de tempo, certamente dá frutos
àquele que tem o tempo ao seu favor. Ademais, a demora também é utilizada pelo
executado para vencer as resistências do exeqüente e, assim, para fazer gerar um acordo
em que o trabalhador abre mão de parte do direito em troca da lentidão da justiça. Aí o
devedor é mais uma vez beneficiado em prejuízo do credor; a diferença é a de que, no
caso de “acordo”, lança-se ao demandante o imoral argumento de que a “justiça é
demorada”, como se isto fosse um problema de quem é obrigado a ir a Juízo e não de
quem têm o dever de remediá-la.838
O art. 475-N, ao elencar os títulos executivos judiciais, substituiu o antigo inciso
que falava exclusivamente em “sentença condenatória proferida no processo civil” (art.
584, I) por um inciso que diz ser título executivo judicial “a sentença proferida no
processo civil que reconheça a existência de obrigação de fazer, não fazer, entregar
coisa ou pagar quantia” (art. 475-N, I).
Como é óbvio, o fato de a norma falar em sentença que reconhece a obrigação,
não transforma as antigas sentenças condenatória, mandamental e executiva em
sentenças declaratórias. A norma, ao aludir a reconhecer a obrigação, declara um
efeito jurídico no plano do direito material, no sentido de que uma tutela deve ser
prestada.
Quando se declara um efeito jurídico que requer uma prestação, evidentemente
não há sentença declaratória, já que a declaração é de que a prestação faltante deve ser
838
Eduardo Talamini, ao sustentar que não é “apropriada a extensão da multa para o campo da tutela
atinente a pretensões pecuniárias” (Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer, cit., p. 470), nega-
se a enxergar que o uso da multa certamente terá efetividade em relação aos réus que possuem
patrimônio. Parece que seu raciocínio parte do pressuposto de que a execução de crédito pecuniário deve
ser utilizada contra o devedor destituído de patrimônio, e não contra o inadimplente (que pode, ou não,
ter patrimônio). Contra o devedor que não possui patrimônio penhorável não basta nem mesmo a
execução por expropriação. A execução de crédito pecuniário, seja qual for a sua modalidade, somente
permite que o credor seja satisfeito quando o devedor possui patrimônio. Contra este, que logicamente
prefere pagar após o longo tempo da execução por expropriação, a multa evidentemente possuirá
efetividade. De qualquer maneira, referido autor não compreendeu a razão pela qual se pensa no uso da
multa em relação ao crédito pecuniário. Diz ele: “recorrer-se-ia à multa porque a execução monetária
tradicional é inefetiva, mas o crédito advindo da multa seria exeqüível através daquele mesmo modelo
inefetivo” (Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer, cit., p. 470). Ora, como é óbvio, o objetivo
da multa é libertar o credor das complicações, da demora e do custo da execução por expropriação, e não
o de permitir a satisfação de créditos contra devedores que não possuem patrimônio. Ao contrário de
Talamini, Bedaque, percebendo a falácia de uma tutela que não pode ser adequadamente executada,
afirma que a multa pode ser utilizada, ainda que diante do atual panorama do sistema processual
brasileiro, para permitir a efetiva execução da tutela antecipada. São estas as suas palavras: “a fixação de
multa pecuniária pelo descumprimento do provimento antecipatório constitui providência possível,
adequada e útil para conferir maior efetividade à antecipação” (José Roberto dos Santos Bedaque, Tutela
cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 365). A esta
forma de argumentar é inerente o valor da busca de um processo que realmente seja capaz de responder às
necessidades dos cidadãos, sem tratá-las de forma desigual e discriminatória.
318
implementada mediante a via executiva.
Mas não se pense que a declaração é de ausência de prestação de fazer, não fazer,
entregar coisa ou pagar quantia, ou simplesmente de que deve ser imposto fazer, não
fazer, entrega de coisa ou pagamento de dinheiro. A declaração é de um efeito jurídico
que exige uma tutela jurisdicional do direito que requer a imposição de fazer, não
fazer, entrega de coisa ou pagamento de dinheiro.
A tutela do direito – por exemplo, inibitória ou ressarcitória – não se confunde
com a imposição processual expressa na decisão. Ou seja, quando a decisão impõe
fazer, não fazer, entrega de coisa e pagamento de dinheiro, o juiz atua objetivando
prestar uma determinada espécie de tutela do direito. O efeito jurídico declarado no
plano do direito material, assim, não é de que deve ser cumprido um não fazer etc, mas
sim de que deve ser prestada a tutela inibitória etc.
Como está claro, o art. 475-N, I, do CPC, ao aludir a reconhecimento de
obrigação, não cria uma nova espécie de sentença declaratória, mas sim evidencia que
a sentença declara efeitos jurídicos no plano do direito material, no sentido de que
devem ser implementadas, mediante as modalidades executivas adequadas, tutelas que
dependem de fazer, não fazer, entrega de coisa e pagamento de soma.
Note-se que as tutelas, por derivarem dos efeitos jurídicos declarados no plano do
direito material, não se confundem com as sentenças, que são técnicas processuais que
só adquirem significação quando relacionadas com as modalidades executivas.
É evidente que uma sentença que “reconhece a existência de obrigação” somente
pode ser qualificada a partir da análise dos meios de execução que lhe conferem
particularidade. Isto porque, à distância dos meios de execução, tais sentenças têm a
mesma natureza. As sentenças que não bastam por si, isto é, que precisam ser
implementadas quando são adimplidas voluntariamente - obviamente devem ser
classificadas com base nas formas executivas que as particularizam. Apenas as
sentenças declaratória e constitutiva, por serem sentenças satisfativas, livram-se desse
modo de conceituação.
Porém, é importante sublinhar que as sentenças nada mais são do que instrumentos
ou técnicas processuais que variam conforme as necessidades do direito material
expressas em cada momento histórico. A classificação das sentenças, do mesmo do que
319
a ação – como a doutrina já fez questão de frisar839
-, tem uma visível relatividade
histórica. A compreensão das sentenças, isto é, das técnicas processuais – que podem
ser chamadas sentenças, provimentos etc. – capazes de permitir a tutela dos direitos
depende da consideração do Estado, do momento social e político e do ordenamento
jurídico nos quais operam.
Isto quer dizer que toda classificação de sentenças é transitória, sendo por isso
equivocado imaginar que uma classificação possa se eternizar, como se as classificações
devessem obrigar os juristas a ajeitar as novas realidades aos antigos conceitos.
Conforme adverte CARRIÓ, como a teoria jurídica trabalha, em quase todos os setores,
com classificações herdadas, a maioria contando com aval de grande prestígio e
tradição, os juristas acabam acreditando que as classificações constituem formas
verdadeiras de agrupar as regras e os fenômenos, em lugar de nelas ver simples
instrumentos para a sua melhor compreensão. Nessa visão distorcida da razão de ser das
classificações, são os fenômenos que devem acomodar-se às classificações e não o
contrário.840
À época da formação do processo civil, bastava ao Estado e aos seus valores apenas
três sentenças – declaratória, constitutiva e condenatória. Com o passar do tempo e o
surgimento de novos direitos, tornaram-se necessárias novas técnicas para a tutela dos
direitos, tendo sido instituídos os instrumentos dos artigos 84 do CDC e 461 do CPC.
Por um lado, surgiu a possibilidade de se recorrer à multa, fixando-se o seu valor
conforme as necessidades da situação concreta (art. 461, §4º). Uma sentença que ordena
sob pena de multa atua sobre a vontade do demandado, dá maior poder ao juiz e coloca
de lado a idéia de que essa forma de atuação representaria uma agressão à liberdade.
As mesmas normas deram ao juiz e ao autor o poder de escolher a modalidade
executiva capaz de permitir a realização do direito segundo as peculiaridades do caso
concreto, independentemente da vontade do demandado. Trata-se do que passou a ser
denominado, a partir da dicção do §5º do art. 461, de poder de utilização das “medidas
necessárias”.
Como uma classificação, além de se pautar pela realidade normativa, deve capturar
a realidade social e política que a circunda, a classificação das sentenças não pode fugir
de uma metodologia que tome em conta a forma como se manifesta o poder
839
CALAMANDREI, Piero, La relatività del concetto di azione, Rivista di diritto processuale civile,
1939; ORESTANO, Ricardo, Azione in generale, Enciclopedia del diritto, 1959. 840
CARRIÒ, Genaro R. Notas sobre derecho y lenguaje. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1990. p. 99.
320
jurisdicional de execução, o seu impacto sobre as partes e o seu significado perante o
direito material.
A principal distinção entre os sistemas jurisdicionais de execução está nos princípios
que os regem, especialmente na observância ou não do princípio da tipicidade dos meios
executivos, considerado um dos princípios cardeais da execução. Esse princípio foi
formulado pela doutrina – mergulhada nos valores do direito liberal - que construiu o
processo civil clássico, a qual o pensou como uma garantia de liberdade diante da
possibilidade de arbítrio do juiz.841
Sabe-se que, enquanto o direito da “civil law” adotou o princípio da tipicidade, o
direito da “common law” preferiu munir o juiz de uma ampla latitude de poder para dar
atuação às suas decisões. Lembre-se que existe na “common law” e no instituto do
“contempt of Court”842
algo que se choca com os fundamentos do direito liberal, pois o
juiz armado de “contempt power” para sancionar as suas decisões exerce um relevante
papel criativo, ao contrário do juiz idealizado a partir do princípio da separação dos
poderes.
O juiz da “common law” sempre teve o poder de sancionar as suas decisões
mediante multa e até mesmo prisão nos casos em que o litigante comete “contempt of
Court” ou pratica um ato que significa “desprezo à Corte”. Esse poder, outorgado ao
juiz, revela muito mais “imperium” – compreendido como expressão do poder estatal –
do que “iurisdictio”. O “ius dicere”, que o direito medieval reduziu à “notio”,
obviamente se compatibiliza com os valores do Estado liberal, pois dizer o direito, na
própria lição de MONTESQUIEU, seria o exercício de um “poder nulo” – já que
significaria a simples reafirmação do poder outorgado ao legislativo.843
Além de o juiz da “common law” ter o poder de se valer da multa para sancionar as
suas decisões, o que lhe confere um poder de adequação às necessidades concretas
inimaginável a um juiz engessado pelo modelo da classificação trinária, ele não está
submetido a uma definição legal das modalidades executivas para poder utilizá-las
diante dos casos concretos. Ou seja, não se pensa, na “common law”, em princípio da
tipicidade dos meios de execução.
841
V. DENTI, Vittorio, Il processo di cognizione nella storia delle riforme, Rivista trimestrale di diritto e
procedura civile, 1993, p. 808 e ss. 842
Ver John Henry Merryman, The civil law tradition, Stanford, Stanford University Press, 1985, p.
73. 843
TARELLO, Giovanni. Storia della cultura giuridica moderna (assolutismo e codificazione del diritto),
cit., p. 288.
321
O artigo 461 do CPC não apenas dá ao juiz o poder de sancionar as suas decisões
mediante o uso da multa, como ainda lhe outorga uma ampla margem de poder para a
escolha da modalidade executiva capaz de atender às necessidades do caso concreto. A
norma do artigo 461 é importante não só porque a ordem, quando ligada à multa, detém
uma elasticidade muito grande, o que a torna passível de adequação a uma ampla
variedade de situações concretas,844
mas também porque a tipificação dos meios de
execução por sub-rogação, colocados à escolha daquele que teve seu direito reconhecido
na sentença condenatória, nunca será suficiente para a tutela das várias situações de
direito substancial, especialmente daquelas que surgem em decorrência da evolução da
sociedade.845
Em outras palavras, tal norma dá ao juiz um poder que ele jamais teve, assim como
tem um impacto sobre as partes completamente distinto daquele que sobre elas recaía à
luz do princípio da tipicidade.
O §5o do art. 461, ao quebrar o princípio da tipicidade, instituiu o princípio da
concentração do poder executivo do juiz. Além disso, conferiu uma nova dimensão ao
direito de ação, que passou a englobar o direito ao meio executivo adequado ao caso
concreto. Por conseqüência, obrigou à reformulação, em nome do direito de defesa, do
método de controle da utilização das modalidades executivas. Como as modalidades
executivas deixaram de ser expressamente definidas na lei, outorgando-se ao autor e ao
juiz o poder de sua escolha conforme as necessidades do caso concreto, conferiu-se ao
demandado uma forma muito mais sofisticada, embora também mais complexa, para o
exercício da sua defesa, baseada fundamentalmente na regra de que a execução deve ser
feita mediante o uso do meio executivo que cause a “menor restrição possível”.846
844
Michele Taruffo, ao analisar as formas de execução da common law, atenta para o fato de que a
injunction, ao impor o fazer ou o não fazer, bloqueia a eventualidade substitutiva do ressarcimento do
dano derivado do inadimplemento. Nesse caso, ou se recorre a formas de execução específica por sub-
rogação, quando for possível, e quando a Corte assim julga oportuno, ou a execução é deixada ao
obrigado que, em caso de inadimplemento, é punível a título de Contempt of Court. (L’attuazione
esecutiva dei diritti: profili comparatistici. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1988, p.
151). 845
MARINONI, Luiz Guilherme, Tutela inibitória, 3ª. ed., cit., p. 346-347. 846
“O princípio da necessidade, abrindo-se nos princípios do meio mais idôneo e da menor restrição
possível, deve orientar as hipóteses de tutela inibitória, evitando que em nome da efetividade da tutela
preventiva seja descurada a idéia de que a tutela do direito do autor deve ser obtida sem gerar
conseqüências desrazoáveis à esfera jurídica do réu. A ética da tutela inibitória consiste na efetividade da
prevenção sem prejuízos excessivos ao demandado, privilegiando o “equilíbrio” e a “justa medida” como
critérios que devem iluminar a relação entre a efetividade da tutela preventiva e a necessidade de
preservação da esfera jurídica do réu. A aplicação destes princípios tem estreita relação com os poderes
de execução que foram conferidos ao juiz por meio dos artigos 461 do Código de Processo Civil e 84 do
Código de Defesa do Consumidor, e especialmente com a possibilidade da utilização da multa. A
322
Tudo isto tem uma enorme relevância, pois, de uma só vez, retira a falsa segurança
que se pretendia outorgar ao réu mediante o princípio da tipicidade, incrementa o poder
executivo do juiz, transforma o direito de ação e faz com que o direito de defesa seja
pautado por critérios hermenêuticos desconhecidos pelo positivismo primário.
Tal sistema de execução deve ser separado, por razões óbvias, do sistema
caracterizado pela sentença condenatória. É que a condenação, em nome das garantias
da liberdade e da intangibilidade da autonomia da vontade, foi teoricamente
correlacionada com as formas de execução direta tipificadas na lei.
Como já dito, a sentença que “condena ao pagamento” (art. 475-J) não permite que
o juiz atue sobre a vontade do demandado ou opte por forma de execução diversa da
prevista na lei. Portanto, os valores presentes na sentença do art. 475-J são totalmente
diferentes daqueles que inspiraram o sistema executivo delineado pelo art. 461.
Mais do que isso, a nova sentença condenatória retomou, com força e vigor, o real
significado de condenação. Ao relacioná-la expressamente com “quantia certa”, o art.
475-J deixou claro que a sua principal função será a de prestar a tutela pelo equivalente
em dinheiro ao valor da lesão ou da obrigação inadimplida.
A tutela pelo equivalente dissolve a importância do direito material, pois exprime
em pecúnia o valor dos direitos lesados. Não é por outra razão que essa tutela já foi vista
como uma forma de neutralização da relevância dos bens e dos direitos.847
A tutela pelo
equivalente, na sua tentativa de igualização das posições sociais, contou com uma
possibilidade da utilização da multa permite a adequação da tutela jurisdicional a cada caso conflitivo
concreto, o que sempre foi inadmitido no processo civil clássico. Na época em que foram elaboradas as
bases do direito processual, deixou-se clara a idéia de não se permitir ao juiz invadir à esfera jurídica do
particular, mediante atos de execução, a não ser através dos meios executivos expressamente previstos em
lei. Desejava-se outorgar ao cidadão a garantia de que a sua esfera jurídica somente poderia ser
invadida através dos meios de execução tipificados na legislação. Falava-se, então, em princípio da
tipicidade das formas executivas, visando-se dar garantias ao cidadão contra a possibilidade de abusos
no exercício do poder jurisdicional. Este princípio, como as “formas” típicas ao direito processual,
sempre foi ligado à liberdade individual. Como é óbvio, não se quer negar, aqui, a importância das
formas processuais, mas é preciso esclarecer que o princípio da tipicidade dos meios de execução
engessou a figura do juiz, não viabilizando a tutela efetiva relativa a diversas situações de direito
substancial. Foi por esta razão que o legislador instituiu novos de meios de execução na legislação
brasileira, e assim permite que agora seja possível falar em princípio da adequação dos poderes de
execução. Ora, não é porque foi outorgado ao juiz uma enorme latitude de poder para a determinação da
execução, e assim da efetividade dos provimentos jurisdicionais, que este poder poderá ser utilizado sem
critérios para a sua adequada e justa utilização. Este poder deve ser utilizado de forma adequada; daí o
motivo para se falar em princípio da adequação dos poderes de execução. Pois os critérios para a
aplicação da multa, assim como das medidas executivas previstas nos artigos 461 do Código de Processo
Civil e 84 do Código de Defesa do Consumidor, estão inseridos nos princípios do meio mais idôneo e da
menor restrição possível, tal como descritos acima” (Luiz Guilherme Marinoni, Tutela inibitória, 3ª. ed.,
cit., p. 151-152). 847
Luiz Guilherme Marinoni, Técnica processual e tutela dos direitos, cit.
323
técnica elaborada pela doutrina processual, precisamente com a sentença condenatória.
A sentença condenatória, assim como a tutela pelo equivalente, é neutra em relação
ao direito material e aos casos concretos. E é por esse motivo que foi limitada a uma
única forma de execução, expressamente tipificada na lei, sem dar ao juiz e ao autor
qualquer poder de adequação à tutela específica do direito material e ao caso concreto.
Se a sentença condenatória objetiva prestar o equivalente ao direito lesado, o
sistema do art. 461 abarca sentenças voltadas à tutela específica do direito material.
Porém, dentro do sistema criado pelo art. 461 é preciso separar a sentença que atua sob
pena de multa e a sentença que atua mediante execução direta.
Isso porque, em uma classificação que tome em consideração os meios de execução,
certamente não é possível ignorar a distinção entre execução direta e execução indireta,
a qual expressa a forma como se manifesta a sentença em seu momento dinâmico, de
execução.
A execução direta se dá através de meios executivos que permitem a realização do
direito independentemente da vontade do réu, ao passo que a execução indireta objetiva
a realização do direito mediante meios de execução que atuam sobre a sua vontade,
objetivando convencê-lo a adimplir. Neste último caso se enquadram a multa e a prisão
civil, direcionadas a constranger a vontade do demandado para permitir a realização do
direito.
A diferença teórica entre execução direta e indireta não pode ser ignorada quando as
sentenças são classificadas a partir dos meios executivos.848
É certo que os meios de
execução direta e a multa fazem parte de uma sistema criado a partir da necessidade de
se dar tutela específica aos direitos e permitir a chamada “justiça do caso concreto”.
Porém, não há como ignorar a distinção entre os significados de execução indireta e
execução direta, lembrando-se, até mesmo, que parcela da doutrina italiana clássica
chegou a atribuir natureza declaratória à sentença ligada à multa.849
A forma de atuação de tais sentenças é completamente distinta. A execução indireta,
segundo o seu próprio nome indica, é incapaz de, diretamente, permitir a tutela do
direito. Ela atua sobre a vontade do demandado para constrangê-lo a adimplir a
sentença, de modo que a tutela do direito, em última análise, dependerá da vontade do
848
Crisanto Mandrioli chega a negar natureza executiva à coerção indireta. V. Crisanto Mandrioli,
L'azione esecutiva, Milano, Giuffrè, 1955; Sulla correlazione necessaria tra condanna ed eseguibilità
forzata, Rivista trimestrale di diritto e procedura civile, 1976, p. 1.342 e ss. 849
ATTARDI, Aldo, L’interesse ad agire, Padova, Cedam 1958, p. 116.
324
réu. Por sua vez, a execução direta, também conforme faz sentir a nomenclatura,
viabiliza a tutela do direito diretamente, sem se importar com a vontade do demandado.
Ao lado disso, em termos de valores, é substancialmente diversa a atuação judicial
mediante execução direta e a que se dá através de execução indireta. Ainda que, no caso
dos artigos 461, CPC e 84, CDC, ambas sejam resultado da quebra da garantia de
liberdade que se pensava outorgar através do princípio da tipicidade, é certo que a
atuação estatal sobre a vontade do cidadão tem sensível diferença em relação a atividade
do Estado que prescinde de tal forma de intervenção. Tanto é verdade que a grande
preocupação do direito liberal clássico sempre esteve ligada à incoercibilidade da
vontade.
A sentença que se liga à multa é mandamental, ao passo que a sentença que atua
mediante execução direta é executiva. Não importa se a execução direta, nesse caso,
substitui uma prestação devida pelo demandado ou apenas implementa a tutela do
direito – que não depende de qualquer prestação. É certo que a sentença que se liga à
execução direta, mas depende da imposição de fazer, não fazer e de entrega de coisa,
pode caracterizar-se como sentença que independe de prestação do demandado – nos
termos do que restou explicado no Capítulo anterior – e de sentença que requer a
execução para implementar a prestação devida pelo réu.
Porém, embora essa distinção seja verdadeira, tenha importado para revelar a
particularidade da tutela dos direitos reais e no presente momento histórico tenha
relevância para demonstrar que a tutela contra o ato contrário ao direito não depende da
implementação de uma prestação, há um elemento capaz de unificar em uma só
categoria as sentenças que independem de uma prestação e que dependem do
cumprimento de uma obrigação.
Tal elemento é vinculado à circunstância fundamental de que essa categoria
sentencial objetiva a tutela específica dos direitos e, justamente por isso, funda-se no
princípio da concentração dos poderes do juiz, afastando-se do clássico princípio da
tipicidade dos meios executivos.
É preciso sublinhar que foi o escopo de tutela específica do direito material que fez
com que o poder executivo do juiz fosse amplificado, quebrando-se o princípio da
tipicidade dos meios de execução e outorgando-se ao litigante uma forma muito mais
complexa e sofisticada de controle das decisões. Ou melhor, a base do novo sistema
executivo, e desta forma a inspiração de outra classificação das sentenças, está no
325
direito hegemônico, marcado por situações de direito substancial próprias ao Estado
constitucional, as quais não podem ser adequadamente protegidas através da tutela
ressarcitória e da técnica da sentença condenatória.
A sentença executiva, ao nosso ver, não decorre da estrutura do direito material
tutelado, mas sim do sistema de execução (art. 461, CPC) em que se insere, o qual
confere ao juiz poder para determinar a modalidade executiva necessária à situação de
direito substancial e ao caso concreto, visando a tutela na forma específica. De modo
que não se aceita, aqui, a tese de Satta e Pontes de Miranda, que define a sentença
executiva a partir da estrutura do direito tutelado, negando sentença executiva aos
direitos dependentes de prestações, ou melhor, às obrigações.
Não há dúvida que a concentração dos poderes do juiz importa especialmente para a
efetividade das tutelas inibitória e de remoção do ilícito e da tutela do direito real, as
quais não exigem prestações do demandado. Entretanto, não há como negar que esse
mesmo sistema executivo, fundados nos artigos 461, CPC e 84, CDC, também se aplica
às sentenças cujo implemento depende do cumprimento de obrigação contratual ou do
ressarcimento do dano na forma específica.
O que mais importa, porém, é que o art. 475-N, I, do CPC, ao aludir a sentença que
reconheça a obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia, evidencia a
necessidade de se estabelecer uma classificação das tutelas dos direitos, uma vez que,
conforme antes explicado, a sentença declara efeitos jurídicos no plano do direito
material, no sentido de que devem ser implementadas, mediante as modalidades
executivas adequadas, tutelas que dependem de fazer, não fazer, entrega de coisa e
pagamento de soma.
326
<tit>11
<tit1>A INEFETIVIDADE DA SENTENÇA
CONDENATÓRIA PARA A TUTELA
DOS DIREITOS ABSOLUTOS.
A CORRELAÇÃO ENTRE A TUTELA
INIBITÓRIA E A ESTRUTURA
DO DIREITO SUBSTANCIAL: CRÍTICA
<texto>É importante frisar, porém, e agora seguindo-se em nova direção, que os
chamados direitos absolutos não podem ser adequadamente tutelados através da
sentença de condenação. Não foi por outra razão, aliás, que parte da doutrina italiana
passou a entender que o local típico de atuação da tutela inibitória seria o dos direitos
absolutos.850
<texto>Lembre-se de que, já na época do Código Civil italiano de 1865, a doutrina
admitia a ação negatória do proprietário – que não era prevista pela lei – com base na
norma do art. 439 – que fazia referência à ação de reivindicação – a partir do caráter
exclusivo do direito de propriedade.851
Parte da doutrina italiana, a partir da premissa de
que a ação negatória do proprietário seria a mais importante forma de tutela inibitória
típica, generalizou o tipo de relação intercorrente entre o direito protegido e a tutela do
art. 949852
do CC (que atualmente regula a ação negatória), passando a sustentar, com o
auxílio da analogia,853
uma verdadeira tutela inibitória atípica para a proteção dos
850
“Quanto alla possibilità di applicazione dell’inibitoria a tutela dei diritti assoluti non ci sembra che, sul
piano puramente normativo, la dimostrazione sia particolarmente difficile, dopo l’esame analitico delle
norme che espressamente prevedono l’inibitoria. Da tale esame, infatti, risulta che sono tutelabili con
l’inibitoria tutti i diritti assoluti di natura patrimoniale e non patrimoniale” (Aldo Frignani, L’injunction
nella common law e l’inibitoria nel diritto italiano, cit., p. 443). 851
Cristina Rapisarda, Inibitoria. Digesto delle discipline privatistiche, v. 9, p. 484. 852
Art. 949 do CC italiano: “Il proprietario può agire per far dichiarare l’inesistenza di diritti affermati da
altri sulla cosa, quando ha motivo di temerne pregiudizio. Se sussistono anche turbative o molestie, il
proprietario può chiedere che se ne ordini la cessazione, oltre la condanna al risarcimento del danno”. 853
Tommaso Amedeo Auletta propõe o alargamento do uso da tutela inibitória a todos os direitos da
personalidade a partir da existência de formas típicas de tutela inibitória no quadro destes direitos:
“Indipendentemente dalla possibilità di ricostruire l’inibitoria come rimedio generale previsto
dall’ordinamento, non ci sembra che la sua applicazione al diritto alla riservatezza possa far sorgere
fondati dubbi. L’inibitoria è, infatti, attribuita in maniera ricorrente dalla legge al titolare dei diritti della
personalità espressamente disciplinati (nome, immagine, diritto d’autore) e ciò induce a ritenere che si
tratta di un remedio estensibile anche al altri diritti ricompresi nella medesima categoria, in virtù della
loro natura che non consente una tutela efficace mediante il risarcimento pecuniario” (Tommaso Amedeo
Auletta, Riservatezza e tutela della personalità. Milano : Giuffrè, 1978, p. 180).
327
direitos absolutos.854
<texto>Os direitos absolutos, aí incluídos os direitos da personalidade, são
caracterizados por uma relação jurídica imaginária, existente entre o titular do direito e
todas as demais pessoas, que teriam, em relação ao titular do direito, um dever de
abstenção.
<texto>Entretanto, o dever negativo de abstenção, que caracteriza os chamados
direitos absolutos, nada mais é do que o dever de respeito ou de alterum non laedere, ou
seja, o dever de não invadir a esfera jurídica alheia, dever que deve proteger todas as
esferas jurídicas, todos os direitos subjetivos, e desta forma também os direitos
relativos.855
<texto>Note-se que a configuração do dever negativo de abstenção, típico do direito
absoluto, como um mero dever de alterum non laedere, já deixa entrever a superação do
conceito kantiano de direito real e, mais do que isso, o papel que se atribuiu à figura da
“relação jurídica” na dogmática do direito civil.
<texto>O direito do Estado contemporâneo não é mais um mero sistema de limites
às esferas jurídicas individuais, estando submetido a um universo de valores
completamente diverso daquele que iluminou as concepções do final do século XIX; o
direito é visto hoje como um instrumento que, marcado principalmente pelos valores da
igualdade e da solidariedade, visa a permitir o desenvolvimento da personalidade
humana e a realização das relações sociais através da tutela – não mais formal, mas
concreta – da dignidade e do desenvolvimento do homem na comunidade em que
vive.856
<texto>Essa mutação dos escopos do Estado e do próprio fim do direito permite que
a norma seja considerada não mais como fonte de deveres e proibições e,
conseqüentemente, da relação direito/obrigação, mas como instrumento de valoração da
atividade humana por parte do ordenamento.857
Isso significa, precisamente, que o
854
Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 160. 855
Marco Comporti, Diritti reali in generale, cit., p. 23. Nesse sentido, e invocando a doutrina de
Comporti, Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 170 e ss. 856
Ver Marco Comporti, Diritti reali in generale, cit., p. 16. 857
“Nell’attuale realtà (innanzi tratteggiata nelle sue linee generali) l’idea del diritto soggettivo non
sembra evocare l’antistorica ed irreale sfera individuale in atteggiamento difensivo, né la psicologica
rappresentazione della ‘volontà’ o del ‘potere’ del soggetto. La valutazione sociale del diritto soggettivo
sembra infatti inserire il fenomeno nelle relazioni intersoggettive di una società organizzata, diretta non
solo a difendere l’ordine, ma anche a progredire nei rapporti sociali e nella conquista di valori sostanziali,
colmando le diseguaglianze di fatto: con ciò, da un lato, viene superata la prospettiva individualistica del
fenomeno, dall’altro lato viene in considerazione non solo il termine di riferimento soggettivo, ma anche
328
direito subjetivo, por conseqüência, não precisa mais ser construído sobre a base da
noção de relação jurídica.858
<texto>Se é verdadeira a proposição segundo a qual as relações jurídicas se
constituem entre os homens, não o é aquela segundo a qual o direito assegura um bem
da vida às pessoas necessariamente através do instrumento de uma relação jurídica.859
É importante a explicação de Comporti: “Em outros termos, o problema da relevância
jurídica se coloca atualmente como qualificação do fato diretamente pela norma, ou
seja, como subsunção do fato em um paradigma normativo independentemente dos seus
efeitos, e prescinde, obviamente, da necessidade de construção da relevância jurídica
sob o aspecto externo da relação. Assim, a relação sujeito-coisa é juridicamente
relevante para a identificação do tipo normativo do direito real: mas tal relação não se
configura como relação jurídica nem entre sujeito e coisa, nem entre o sujeito e as
demais pessoas”.860
<texto>Na relação jurídica há uma correlação entre a situação ativa, dita também de
vantagem, e a situação passiva, que seria de desvantagem. No direito real, porém, não
há essa correlação, exatamente porque o conteúdo do direito real tem a ver com a
relação de utilidade com a coisa,861
não dependendo do adimplemento daqueles que
possuem o dever negativo de abstenção; não é possível fazer ver o conteúdo do direito
real afirmando sua relação com um dever negativo de abstenção.862
<texto>Comporti demonstra que todos os direitos são relativos em relação ao objeto
e absolutos no que concerne a sua inviolabilidade por parte dos sujeitos do
ordenamento, afirmando a oportunidade da distinção entre oponibilidade – com sua
conseqüente característica de inviolabilidade por parte dos terceiros – e exigibilidade do
direito, ou seja, o poder de um sujeito obter uma determinada prestação da parte de um
quello oggettivo, cioè la rela-zione fra soggetto e bene giuridico. Ed è appunto sotto tale profilo oggettivo
della relazione fra soggetto e bene che nella realtà sociale appare adesso l’idea del diritto soggettivo,
come valore sostanziale tutelato dall’ordinamento” (Marco Comporti, Formalismo e realismo in tema di
diritto soggettivo. Studi in onore di Francesco Santoro-Passarelli, cit., p. 754). 858
Marco Comporti, Diritti reali in generale, cit., p. 20-21. 859
Idem, ibidem. 860
Idem, ibidem, p. 21-22. 861
Como diz Comporti, “il fenomeno giuridicamente rilevante rappresentato dal diritto soggettivo, il
fenomeno cioè che l’ordinamento coglie nella realtà sociale nell’atto in cui conferisce a tale realtà la
tutela giuridica, sembra consistere nella particolare posizione oggettiva, effettiva e concreta di utilità
instauratasi nella relazione tra soggetto e bene” (Marco Comporti, Diritti reali in generale, cit., p. 36). 862
Cf. Marco Comporti, Diritti reali in generale, cit., p. 22-23; ver, também, do mesmo autor,
Formalismo e realismo in tema di diritto soggettivo. Studi in onore di Francesco Santoro-Passarelli, cit.,
p. 779-784.
329
outro sujeito no âmbito de uma específica relação jurídica.863
Assim, todos os direitos
subjetivos devem ser qualificados de “absolutos”, porque existem e são tutelados em
face de terceiros. Já na perspectiva de sua realização, ou exigibilidade, alguns realizam
o seu conteúdo independentemente da colaboração alheia, e desta forma, com novo
significado, podem ser denominados absolutos, enquanto outros realizam seu conteúdo
na relação com outros sujeitos, cujo comportamento é instrumental a sua realização, e
então podem ser qualificados de relativos.864
<texto>Todo direito é inviolável; o conteúdo particular de cada direito é que pode
dispensar, ou não, uma colaboração alheia.865
Os direitos da personalidade, v.g.,
realizam o seu conteúdo independentemente da colaboração alheia. O titular do direito à
imagem não precisa que alguém pratique ou deixe de praticar um ato para ter o seu
direito realizado; quando alguém ameaça agredir o seu direito, surge ao titular do direito
à imagem a possibilidade de exigir que o eventual agressor se abstenha de praticar o ato
não porque haja uma relação jurídica entre o titular do direito e o eventual agressor e,
portanto, uma obrigação, mas sim porque o ordenamento garante a inviolabilidade do
direito à imagem, conferindo ao seu titular uma espécie de tutela (a inibitória) que
assegura o conteúdo do seu direito.
<texto>Contudo, se a sentença adequada à realização do direito à imagem (por
exemplo) obviamente não é a condenatória, mas sim a mandamental, até porque a
condenação, por ser correlacionada com a execução forçada, não pode conduzir a um
não-fazer, isto não significa que apenas os direitos absolutos possam ser objeto de
863
Marco Comporti, Diritti reali in generale, cit., p. 26. 864
Marco Comporti, Diritti reali in generale, cit., p. 27. Nesse sentido Cristina Rapisarda, Profili della
tutela civile inibitoria, cit., p. 172. 865
“Di solito l’assolutezza viene considerata come il carattere distintivo di determinati diritti (e in primo
luogo dei diritti reali in contrapposto ad altri diritti, che si chiamano relativi), e la si definisce (Giorgianni,
L’obbligazione, pag. 91), ‘il fenomeno per cui nel diritto reale si verificherebbe l’instaurazione di un
rapporto tra il titolare e tutti i consociati, ai quali incomberebbe un dovere negativo nei riguardi del
titolare medesimo’. Ma, a prescindere dal rapporto, sembra evidente che il dovere negativo sussista
rispetto al diritto non in quanto è reale, ma in quanto è diritto: tutti sono tenuti a rispettare il mio diritto di
obbligazione non meno del mio diritto reale. Quel che, del resto, si presenta come diritto di obbligazione
verso il debitore si presenta come diritto reale nei confronti del terzo, come chiaro appare dall’ipotesi
della lite fra pretendenti prevista dall’art. 109 cod. proc. civ. Si può anche aggiungere che la violabilità
dei diritti reali da parte di tutti i consociati, che costituirebbe una tipica differenza dai diritti di credito,
violabili solo da un determinato soggetto, e quindi giustificherebbe l’attributo di assolutezza a quelli
riservato, non sembra esattamente invocata. Il diritto, come tale, è inviolabile, e l’osservato fenomeno è in
relazione al contenuto particolare del diritto, e cioè all’interesse che col diritto si tutela, che può essere
soddisfatto da un’altra persona (obbligato) o senza alcuna intermediazione” (Salvatore Satta,
L’esecuzione forzata nella tutela giurisdizionale dei diritti. Scritti giuridici in onore di Francesco
Carnelutti, cit., p. 3-4).
330
sentença mandamental.866
Não há qualquer razão para se estabelecer uma relação
necessária entre direitos absolutos e sentença mandamental, ou seja, não se pode dizer
que a sentença mandamental é a forma de tutela típica dos direitos absolutos.
<texto>Não há também uma relação necessária entre direitos absolutos e tutela
inibitória.867
É verdade que a ligação da tutela inibitória com os direitos absolutos revela
uma tomada de consciência no sentido de que a condenação não é adequada a tais
direitos; entretanto, não é correto supor que apenas os direitos absolutos – em razão de
seu caráter de ius excludendi – devam ser tutelados através da inibitória. Como já foi
dito, o dever negativo de abstenção, compreendido como um dever geral de alterum non
laedere, diz respeito a todos os direitos.868
<texto>É preciso que resulte claro que a sentença mandamental não é veículo
exclusivo da tutela inibitória e, também, que a inibitória pode tutelar direitos absolutos e
relativos.
866
Do mesmo modo que, como é óbvio, a sentença executiva pode servir à tutela de direitos derivados de
obrigações contratuais. 867
Ver Cesare Salvi, Legittimità e “razionalità” dell’art. 844 Codice Civile. Giurisprudenza italiana,
1975, p. 591. 868
Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 170 e ss.
331
<tit>12
<tit1>A RELATIVIZAÇÃO DO BINÔMIO
DIREITO/PROCESSO E A RETOMADA
DO TEMA DA “TUTELA DOS DIREITOS”
<texto>A tentativa de se alargar o conceito de condenação, criando-se uma
condenação-não-título-executivo, revela a insuficiência da classificação trinária das
sentenças.
<texto>Na verdade, a superação da classificação tradicional é o resultado natural da
evolução da ciência processual e, nesta perspectiva, da retomada do conceito de tutela
dos direitos.
<texto>A doutrina869
costuma afirmar que as sentenças do modelo trinário foram
classificadas a partir de critérios exclusivamente processuais.870 Se esta assertiva é, em
princípio, verdadeira, é chegado o momento de nela fazermos alguns reparos. Na
verdade, a doutrina clássica, ao criar a classificação trinária, tentou não enxergar as
relações do processo com o direito material. Partindo de uma ação una e abstrata, os
processualistas clássicos imaginaram que poderiam criar um “universo de tutelas”
igualmente abstrato e independente do direito substancial. Contudo – e isto parece não
ser percebido pela doutrina do processo e, inclusive, por Rapisarda – , não é possível
pensar nas sentenças da classificação trinária sem olhar para o plano do direito
substancial. Como adverte Ovídio Baptista da Silva, ninguém se questiona como a
“ação” processual, que os processualistas conceberam como sendo una e abstrata,
poderia ter conteúdo declaratório, ou constitutivo ou condenatório, sem tornar-se
“azioni della tradizione civilistica”.871
O prodígio de alguma coisa que, não tendo
869
Ver, por exemplo, Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 216. 870
“Com efeito, tendo os processualistas reduzido apenas a três as espécies de ações e sentenças –
somente aquelas que operam exclusivamente no ‘mundo normativo’, as declaratórias, constitutivas e
condenatórias –, proclamam que estas eficácias são criações do direito processual, independentemente da
natureza dos respectivos direitos litigiosos que lhes cabe instrumentalizar” (Ovídio Baptista da Silva,
Jurisdição e execução..., cit., p. 179). 871
Ovídio Baptista da Silva, Jurisdição e execução..., cit., p. 179.
332
substância, por ser igual a si mesma, e a todos indistintamente concedida, possa ser
declaratória, constitutiva ou condenatória, é uma contradição lógica que não chega a
ofender a racionalidade dos juristas que lidam com processo.872
<texto>Não é possível esquecer, contudo, que a classificação trinária não teve
qualquer preocupação em evidenciar as relações do processo com o direito material, até
porque isso não estava nos planos da doutrina clássica, que se empenhava em
demonstrar a autonomia do processo frente ao direito material.
<texto>Deixe-se claro, portanto, que quando aceitamos a afirmação de que as
sentenças foram classificadas a partir de critérios processuais, queremos dizer que a
classificação trinária não expressa de forma adequada e precisa as relações do processo
com o direito material; o nosso desejo, em outras palavras, não é o de negar aquilo que
foi negado pelos próprios cultores da classificação trinária, mas, ao contrário, evidenciar
que é necessária uma classificação das tutelas que realmente expresse as relações entre
o processo e o direito material.
<texto>Como já foi dito, a jurisdição, ao final do século XIX, era concebida como
função destinada a garantir a tutela dos direitos.873
A ação, por sua vez, era
compreendida como entidade totalmente vinculada ao direito substancial;874
negava-se
qualquer autonomia ao direito de ação, que era visto como faculdade jurídica intrínseca
ao direito material.875
<texto>O surgimento da teoria publicista da jurisdição876 e, mais precisamente, da
872
Idem, ibidem. 873
Recorde-se da lição de Carlo Lessona: “L’esercizio proprio delle funzioni del giudice consiste nella
giurisdizione, cioè nella dichiarazione del diritto, riconoscendo e tutelando contro il torto i diritti
subiettivi” (Manuale di procedura civile. 6. ed. Milano: Società Editrice Libraria, 1932, p. 53). 874
Ver Giuseppe Manfredini, Corso di diritto giudiziario civile, cit., v. 1, p. 61 e ss. 875
Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 23. 876
Lodovico Mortara, antes de Chiovenda, já havia proposto uma concepção de jurisdição como função
destinada à defesa do direito objetivo. Ver Commentario del Codice e delle leggi di procedura civile.
Milano: Casa Editrice Dottor Francesco Vallardi, 1923, p. 18 e ss; Manuale della procedura civile.
Torino: Unione Tipografico-Editrice Torinese, 1921, p. 48 e ss. Vale a pena registrar, aliás, o que disse
Chiovenda em oração em homenagem póstuma a Mortara: “Il Mortara diffuse nel nostro mondo giuridico
la sensazione della insufficienza dei metodi in vigore e degli strumenti usati e con la sua critica penetrante
ed inesorabile gettò il discredito sopra idee, definizioni e figure prima adottate come vangelo. Il fatto
stesso che un giurista di così grande statura facesse oggetto principale dei suoi studi una materia come la
procedura civile prima negletta e quasi dispregiata, giovò sommamente ad elevare nella considerazione
dei nostri teorici e dei nostri pratici la dignità della scienza processuale ed a porne in evidenza
l’autonomia. (...) Fu grande merito del Mortara aver collocato (come la sua preparazione nel diritto
pubblico sola poteve permettere di fare) il processo civile nella sua giusta luce di istituto di diritto
pubblico, ciò che fu il punto di partenza dei progressi successivamente realizzati nel nostro campo”
(Giuseppe Chiovenda, Lodovico Mortara. Rivista di Diritto Processuale Civile, 1937, p. 101-102).
Calamandrei, em interessante estudo histórico, reafirma a importância do pensamento de Mortara no
surgimento da escola sistemática: “Il passaggio dal metodo esegetico al metodo storico-dogmatico fu
segnato dal Commentario di Ludovico Mortara, nel quale, specialmente nel primo volume, già si trova
333
concepção chiovendiana de jurisdição, implicou o abandono da idéia de jurisdição como
função voltada à tutela dos direitos; a jurisdição passa a objetivar a atuação da vontade
da lei. O conceito chiovendiano de ação, como não poderia deixar de ser, é permeado
por essa concepção de jurisdição,877
restando como conceito que não mais confunde a
ação com o direito material.878
<texto>Tal mudança de rota que se verificou na doutrina nada teve a ver com o
surgimento de uma ideologia política diversa da liberal, e muito menos com os
princípios socialistas, constituindo somente resultado da evolução da cultura jurídica,879
nettamente affermato il principio della unità della giurisdizione e della natura pubblica del processo (...)
Intorno a Giuseppe Chiovenda si è formata ed affermata una nuova scuola che, in contrapposto a quella
esegetica, culminata e implicitamente superata nel Commentario del Mortara, è stata denominata
sistematica, o anche storico-dogmatica, per indicare che nell’indirizzo partito dal maestro la dogmatica
non è mai fine a sè stessa, ma è sempre considerata come un mezzo per interpretare la realtà storica del
proprio tempo” (Piero Calamandrei, Gli studi di diritto processuale in Italia nell’ultimo trentennio. Opere
Giuridiche. Napoli: Morano, 1965, v. 1, p. 524-526). Ver, também, Piero Calamandrei. Lodovico
Mortara. Studi sul processo civile. Padova: Cedam, 1957, v. 4, p. 211 e ss; Francesco Carnelutti, Scuola
italiana del processo, Rivista di Diritto Processuale, 1947, p. 233-247; Giovanni Tesorieri, Appunti per
una storia della scienza del processo civile in Italia dall’unificazione ad oggi (I pre-chiovendiani). Rivista
Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1972, p. 1.340-1.348; Michele Taruffo, La giustizia civile in
Italia dal’700 a oggi. Bologna: Il Mulino, 1980, p. 187; Elio Fazzalari, Lodovico Mortara nella cultura
processualistica italiana. Rivista di Diritto Processuale, 1997, p. 303 e ss; Vittorio Colesanti, Lodovico
Mortara e le riforme processuali. La prima fase (1901-1912). Rivista di Diritto Processuale, 1997, p. 675
e ss; Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 14 e ss. Registre-se, aliás, que em 17
de abril de 1997 a “Accademia dei Lincei” e a “Associazione Italiana per gli Studi del Processo Civile”
promoveram um Congresso para recordar Lodovico Mortara e a sua obra (Ver Gabriella Rubino,
L’Accademia dei Lincei celebra Lodovico Mortara. Rivista di Diritto Processuale, 1997, p. 573 e ss). 877
“La c.d. ‘pubblicizzazione’ del processo civile inverte i presupposti di fondo che erano alla base del
codice del 1865 e della dottrina ottocentesca: il processo non è più esclusivamente un ‘affare delle parti’
ma un luogo in cui si esprime l’autorità dello Stato; esso non mira solo alla tutela di interessi privati, ma
realizza l’interesse pubblico all’amministrazione della giustizia; il perno del processo non è più
l’iniziativa delle parti, ma la funzione del giudice. In sintesi, il processo non è piú visto come una forma
in cui si esplica l’autonomia privata nell’esercizio dei diritti, ma come uno strumento che lo Stato mette a
disposizione dei privati in vista dell’attuazione della legge. Com tutto ciò si salda perfettamente la
ridefinizione del concetto di azione, compiuta essenzialmente da Chiovenda: l’azione non è piú una sorta
di appendice del diritto sostanziale privato, ma un diritto autonomo di natura pubblica, che mira a
produrre conseguenze giuridiche nella sfera della controparte (donde la nota definizione dell’azione come
diritto potestativo), ma che soprattutto chiama in gioco l’autorità dello Stato come tramite e garante
dell’attuazione della legge” (Michele Taruffo, La giustizia civile in Italia dal’700 a oggi, cit., p. 188). 878
Eis o que disse Chiovenda em L’azione nel sistema dei diritti: “A parte ciò, io non solo considero
come esatta, ma come uno dei capisaldi della moderna scienza processuale la concezione obbiettiva dello
scopo processuale. Essa sola permette di assorgere a un solo concetto generale e fondamentale d’azione,
che si adatti a tutte le figure che a noi paiono diverse tra loro, per natura e scopo, mentre pure le
chiamiamo tutte instintivamente col nome comune di azioni (cfr. Degenkolb, Einlassungszwang, cit., p.
6). Che mediante l’attuazione del diritto obbiettivo si possa giungere alla difesa di un diritto subbiettivo,
s’intende, non essendo questo che un potere derivato da quello: ma la sentenza di rigetto non tutela in
realtà alcun diritto subbiettivo del convenuto, se non si vuol ricorrere a quella vaga ed evanescente figura
che alcuni definiscono come diritto alla integrità della propria sfera giuridica. Senonchè anche quando la
sentenza accoglie una domanda, ciò non è che la conseguenza dell’accertamento di una norma e della
accertata conformità della domanda ad essa: il processo serve, sì, a chi chiede il giusto, in quanto chiede il
giusto; ma ciò che il processo si propone è la tutela del giusto” (Giuseppe Chiovenda, L’azione nel
sistema dei diritti. Saggi di diritto processuale civile, cit., p. 33). 879
Michele Taruffo, La giustizia civile in Italia dal’700 a oggi, cit., p. 186.
334
que apenas indiretamente pode conter implicações de natureza ideológica.880
<texto>Inaugura-se com Chiovenda a nova escola processual italiana, marcada por
deixar para trás o método exegético, próprio das tendências de origem francesa,881
e
assumir uma postura histórico-dogmática.882
Para que se compreenda melhor o que
significou o surgimento dessa escola, basta lembrar, nas palavras do próprio Chiovenda,
a misera condizione em que eram concebidos os estudos processuais ao final do século
XIX,883
ou antes do surgimento da obra de Mortara,884
à qual é conferida a importância
880
Há quem afirme que Chiovenda cultivou uma concepção autoritária de processo e desenvolveu o papel
de precursor “objetivo” da ideologia fascista: “La codificazione fascista della procedura civile può vedersi
come l’esito di una vicenda che, a partire dall’inizio del secolo, si identifica con gli atteggiamenti via via
tenuti dalla dottrina processualistica italiana. (...) Gli atteggiamenti della dottrina processualistica nel
periodo precedente quello fascista e nel periodo fascista non sono altro che la manifestazione dottrinaria
(non diversamente dalle dottrine di altre branche del diritto) di una realtà socioculturale che trovò nel
fascismo un nome e, più ancora, un insieme di collegamenti strutturali” (Giovanni Tarello, Il problema
della riforma processuale in Italia nel primo quarto del secolo (per uno studio della genesi dottrinale e
ideologica del vigente codice italiano di procedura civile). La formazione storica del diritto moderno in
Europa, Firenze: Leo S. Olschki Editore, 1977, v. 3, p. 1.409-1.410; ver, também, Giovanni Tarello,
L’opera di Giuseppe Chiovenda nel crepuscolo dello Stato liberale. Materiali per una storia della cultura
giuridica, Bologna: Il Mulino, 1973, v. 3, p. 681 e ss; Quattro buoni giuristi per una cattiva azione.
Materiali per una storia della cultura giuridica. Bologna: Il Mulino, 1977, v. 7, p. 147 e ss. Liebman,
porém, escreveu notável ensaio em defesa de Chiovenda, acusando Tarello de manipulador da história
(Enrico Tullio Liebman, Storiografia giuridica ‘manipolata’. Rivista di Diritto Processuale, 1974, p. 100
e ss). A argumentação de Tarello não tem qualquer consistência diante da resposta de Liebman, que fez
justiça à memória do grande mestre italiano. 881
Como diz Denti, referindo-se à codificação italiana de 1865: “Era del tutto naturale che gli esegeti di
questa codificazione si ispirassero alla trattatistica francese dell’800, dal momento che il codice di
procedura civile ripeteva il modello diffuso in Europa dal codice napoleonico. La fine del secolo, peraltro,
vede diffondersi (già lo si è rilevato a proposito di Silvio Spaventa) le costruzioni teoriche della dottrina
giuridica tedesca, ed in particolare della grande scuola processualistica, nella quale assumeva un ruolo
determinante la concezione c.d. pubblicistica del processo, centrata, como si è ricordato, sulla nozione del
rapporto processuale come rapporto di diritto pubblico e dell’azione come diritto pubblico soggettivo. La
figura centrale di questa vicenda culturale fu quella di Giuseppe Chiovenda (1872-1937); una figura
complessa, i cui tratti sono rimessi perennemente in discussione, ma della quale nessuno contesta il ruolo
decisivo giocato nella progettazione delle riforme processuali, in una vicenda storica che non si è ancora
conclusa” (Vittorio Denti, La giustizia civile, cit., p. 32). 882
Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 51 e ss. Sobre o método histórico-
dogmático e a influência de Chiovenda na evolução do direito processual civil na Itália, assim se
pronunciou Carnelutti: “Occorreva, a tal fine, non tanto modificare quanto addirittura capovolgere il
metodo dello studio del processo in Italia, da un capo insegnando a collegare, attraverso l’indagine
storica, la foce alla fonte dell’evoluzione processuale; dall’altra, attraverso la costruzione dogmatica, le
norme con i principi. Il che a nessuno sarebbe riuscito, che non possedesse la mirabile cultura, storica e
dogmatica, la infaticabile tenacia e la impareggiabile autorità, delle quali Chiovenda era dotato”
(Francesco Carnelutti, Scuola italiana del processo, Rivista di Diritto Processuale, 1947, p. 240). 883
“Misera condizione era quella in cui versavano allora in Italia gli studi del processo civile. La dottrina
si adagiava nell’ampia coltrice che aveva preparato ai suoi sonni il Trattato di Luigi Mattirolo, tesoro di
massime giudiziali, in cui gli insegnamenti della pratica, spesso pieni di buon senso e frutto, per nascosti
meandri del pensiero, d’antica sapienza, erano abilmente intrecciati con le brillanti esposizioni degli
scrittori francesi, e così rimessi in circolazione come un verbo che dispensava da più sottili ricerche.
Nessuna originale indagine storica; nessun tentativo di revisione e di costruzione dei concetti
fondamentali ...” (Giuseppe Chiovenda. Lodovico Mortara. Rivista di Diritto Processuale Civile, 1937, p.
100). 884
Referindo-se a Chiovenda, diz Giannini: “Affrontava decisamente una ricostruzione del diritto
processuale, con carattere pubblicistico, sulla base dell’autonomia dell’azione e del rapporto giuridico
processuale, elevando la scienza processuale, con un balzo di dignità, su quello già compiuto dal
335
de ter iniciado a publicização do direito processual na Itália.885
<texto>A necessidade de depurar as formas processuais de sua excessiva
contaminação pelo direito substancial, a elas imposta pela tradição jurídica do século
XIX,886
levou a doutrina chiovendiana a erguer as bases de um “direito processual civil”
completamente desvinculado do direito material. A escola sistemática, como se sabe,
preocupou-se em isolar o direito processual do direito material e em construir uma
ciência processual com conceitos e princípios próprios.
<texto>A partir da formação da escola sistemática até bem pouco tempo atrás, a
doutrina do processo esteve mergulhada, por assim dizer, no interior do processo,
desconsiderando suas conotações éticas, suas finalidades sociais e políticas e sua relação
efetiva com o direito material e com a vida das pessoas.887
Não se quer negar, como é
óbvio, a importância do trabalho dos processualistas que viveram a chamada fase
autonomista do processo;888
foi esse período que deu dignidade e autonomia ao direito
processual civil, antes concebido como mera procedura civile.889
<texto>O problema é que a fase autonomista do processo, preocupada
exclusivamente em firmar as bases do “direito processual civil”, permitiu que o
processo se distanciasse perigosamente da realidade social e do direito material, o que
Mortara, ad una ricostruzione sistematica storico-dogmatica, e traduceva concretamente le sue vedute nel
corsi di lezioni che ...” (Amedeo Giannini, Gli studi di diritto processuale civile in Italia. Rivista
Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1949, p. 109). Ver, também, Piero Calamandrei, Gli studi di
diritto processuale in Italia nell’ultimo trentennio. Opere Giuridiche, cit., p. 524. 885
Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 51 e ss. 886
Idem, ibidem, p. 217. 887
Ver Cândido Rangel Dinamarco, O futuro do direito processual civil. RF 336/29. 888
É didática a seguinte nota de Barbosa Moreira: “Toma-se consciência cada vez mais clara da função
instrumental do processo e da necessidade de fazê-lo desempenhar de maneira efetiva o papel que lhe
toca. Pois a melancólica verdade é que o extraordinário progresso científico de tantas décadas não pôde
impedir que se fosse dramaticamente avolumando, a ponto de atingir níveis alarmantes, a insatisfação, por
assim dizer, universal, com o rendimento do mecanismo da justiça civil” (José Carlos Barbosa Moreira,
Tendências contemporâneas do direito processual civil. Temas de direito processual, Terceira Série, São
Paulo: Saraiva, 1984, p. 3). 889
Salvatore Satta, em notável trabalho histórico, apresenta-nos o significado da evolução da procedura
civile ao diritto processuale civile: “Processo e procedura vengono così a costituire una autentica
opposizione e non soltanto su un piano scientifico, ma sul piano storico e sul piano legislativo. Se si
leggono le pagine che Chiovenda ha dedicato alla storia del processo civile si nota sùbito che egli traccia
la storia ideale di un processo che si involve in procedura per ritrovare nel rinnovato spirito dei tempi sé
stesso, cioè ridiventare processo. Processo è il processo romano, che nasce, come è facile intendere, da
tutti i presupposti giuridici, politici, filosofici che costituiranno dopo venti secoli i pilastri del diritto
processuale civile: una specie di età dell’oro del diritto processuale in cui i suoi postulati si trovano
naturalmente realizzati. Procedura è il processo comune (romano-canonico) in cui tutti quei presupposti si
oscurano, sotto la pressione delle mutate condizioni politiche, dando luogo a una svalutazione dell’ufficio
del giudice, a un prevalere delle forme e del formalismo. Processo ridiventa il processo moderno, sotto lo
spirito dei ‘nuovi princìpi fondamentali’ che animano il secolo XIX, e ricollegano il nostro spirito allo
spirito da cui era germinato il processo romano, o più semplicemente il processo” (Salvatore Satta, Dalla
procedura civile al diritto processuale civile. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1964, p.
29-30).
336
acabou por influir no seu próprio rendimento, visto como instrumento destinado a
permitir a atuação da vontade concreta do direito.
<texto>Porém, a constatação de que o processo não atendia às necessidades sociais
fez surgir, transcorrido bem mais de meio século do início da formação da escola
sistemática, nova perspectiva de análise, que pode ser designada de “acesso à
justiça”;890
o processo, a partir daí, passou a ser compreendido em sua dimensão
política, social e econômica.891
<texto>Como método de pensamento, o movimento pelo “acesso à justiça”
significou uma forte reação contra a dogmática formalista, que pretendia identificar o
“direito” apenas nas normas, essencialmente de derivação estatal, de determinado
país.892
<texto>O “dogmatismo”, porém, não apenas reduziu o direito a seu aspecto
normativo, como também foi o responsável por uma simplificação irreal das tarefas e
das responsabilidades do jurista e dos operadores jurídicos, as quais deveriam limitar-se
a uma aplicação mecânica das normas na prática, na docência e na análise científica.893
O movimento pelo “acesso à justiça”, como projeto de reforma, exatamente porque não
admite que o trabalho da doutrina seja equiparado a uma mera descrição das normas,
confere grande responsabilidade ao jurista no plano da elaboração e da apresentação
de reformas capazes de corresponder ao ideal de maior acesso e de justiça mais
efetiva.894
<texto>Propõe-se que o processo seja analisado na perspectiva do consumidor dos
serviços jurisdicionais,895
passando a ter relevo, assim, e entre outros pontos, os efeitos
concretos do processo na vida das pessoas. Seguindo essa linha, o movimento pelo 890
Ver, principalmente, Mauro Cappelletti, Acesso à justiça. Porto Alegre: Fabris, 1988; Problemas de
reforma do processo civil nas sociedades contemporâneas. O processo civil contemporâneo (coordenado
por Luiz Guilherme Marinoni). Curitiba: Juruá, 1994, p. 9-30; Proceso, ideologías, sociedad. Buenos
Aires: EJEA, 1974; Accesso alla giustizia come programma di riforma e come metodo di pensiero.
Rivista di Diritto Processuale, 1982, p. 233-245. 891
Ver Vittorio Denti, Un progetto per la giustizia civile. Bologna: Il Mulino, 1982; Processo civile e
giustizia sociale. Milano: Comunità, 1971. 892
Cf. Mauro Cappelletti, La dimensione sociale: l’accesso alla giustizia. Dimensioni della giustizia nelle
società contemporanee. Bologna: Il Mulino, 1994, p. 72. 893
Idem, ibidem. 894
Idem, ibidem, p. 79. 895
Como diz Cappelletti, a perspectiva do consumidor do serviço jurisdicional é a que melhor se adapta
“ad una società democratica, libera ed aperta, la quale deve pretendere che i suoi official processors
assolvano la loro funzione non in una visione ‘tolemaica’ del diritto e dello Stato, ma bensì in vista del
benessere dei consumatori: che è come dire che diritto e Stato devono finalmente essere visti per quello
che sono – come semplici strumenti al servizio dei cittadini e dei loro bisogni, e non viceversa” (Mauro
Cappelletti, Accesso alla giustizia come programma di riforma e come metodo di pensiero. Rivista di
Diritto Processuale, 1982, p. 243-245).
337
acesso à justiça abre a vertente da “efetividade do processo”.896
Se o processo é
analisado através de uma lente sociológica, na perspectiva do consumidor do serviço
jurisdicional, é natural que importem seus resultados concretos e não mais apenas seus
resultados formais. Surge, assim, uma forma de ver o processo intimamente preocupada
com sua efetividade.897
<texto>O esgotamento da linha de análise tradicional levou o processualista a
procurar no plano constitucional os valores que, iluminando a legislação
infraconstitucional, poderiam permitir uma interpretação capaz de dar ao processo uma
verdadeira função instrumental.898
O direito de ação, antes visto como o simples direito
de ir a juízo, passa a ser compreendido como o direito à tutela jurisdicional efetiva.899
<texto>A doutrina processual, autorizada pela Constituição a pensar o processo a
partir do direito à tutela jurisdicional efetiva, debruça-se sobre as técnicas capazes de
permitir real efetividade à prestação jurisdicional.900
Uma vez que a efetividade do
processo está indissociavelmente ligada a seus resultados no plano do direito material, o
896
Referindo-se aos principais obstáculos do movimento pelo “acesso à justiça”, aponta Cappelletti: “a)
l’ostacolo economico, per il quale molte persone non sono in grado di accedere alle corti di giustizia a
causa della loro povertà, onde i loro diritti corrono il rischio di essere puramente apparenti; b) l’ostacolo
organizzativo, per il quale certi diritti o interessi ‘collettivi’ o ‘diffusi’ non sono efficacemente tutelabili
se non si opera una profonda trasformazione delle regole e istituzioni tradizionali del diritto processuale,
trasformazione tale da consentire un coordinamento, un’”organizzazione” di quei diritti o interessi; c)
infine l’ostacolo propriamente processuale, per il quale certi tipi tradizionali di procedure sono
inadeguati ai loro compiti di tutela” (Mauro Cappelletti, La dimensioni sociale: l’accesso alla giustizia.
Dimensioni della giustizia nelle società contemporanee, cit., p. 81). 897
Ver, sobre a questão da efetividade do processo, Egas Moniz de Aragão, Efetividade do processo de
execução. RePro, v. 72, p. 16 e ss; José Manoel de Arruda Alvim Netto, Tratado de direito processual
civil. São Paulo: RT, 1990, v. 1, p. 105 e ss; Ovídio Baptista da Silva, Jurisdição e execução, cit.,
especialmente p. 161 e ss; José Carlos Barbosa Moreira, Notas sobre o problema da “efetividade” do
processo. Temas de direito processual, Terceira série, São Paulo: Saraiva, 1984, p. 27-42; Cândido
Rangel Dinamarco, A instrumentalidade do processo. São Paulo: Malheiros, 1996, especialmente p. 297 e
ss. 898
Ver Luigi Paolo Comoglio, Commentario della Costituzione (a cura di G. Branca), cit., p. 1 e ss; Italo
Andolina e Giuseppe Vignera, Il modelo costituzionale del processo civile italiano, cit., p. 61 e ss;
Ferruccio Tommaseo, Appunti di diritto processuale civile, cit., p. 169 e ss; Adolfo di Majo, La tutela
civile dei diritti, cit., p. 1 e ss; Vittorio Denti, Valori costituzionali e cultura processuale. Rivista di Diritto
Processuale, 1984, p. 484 e ss; Andrea Proto Pisani, Nuovi diritti e tecniche di tutela. Scritti in onore di
Elio Fazzalari, v. 2, cit., p. 51 e ss. 899
Italo Andolina e Giuseppe Vignera, por exemplo, afirmaram que o art. 24 da Constituição italiana –
similar ao art. 5.º, XXXV, da nossa Constituição, no modo de assegurar o direito de ação – garante o
direito à tempestividade da tutela jurisdicional: “Il primo comma dell’art. 24 Cost. riconosce a ciascuno
(anche) il diritto alla speditezza del giudizio avente ad oggetto una propria situazione giuridica soggettiva.
Anche la descritta garanzia di tempestività della tutela giurisdizionale è in grado di incidere
sull’organizzazione tecnica del processo, sia de iure condendo sia de iure condito. Dal primo punto di
vista, invero, il profilo in esame dell’art. 24, primo comma, Cost. comporta il dovere (che, purtroppo, è
solo “morale”) del legislatore ordinario di dare al processo un assetto strutturale idoneo ad assicurargli la
maggiore rapidità di movimento possibile” (Italo Andolina e Giuseppe Vignera, Il modello costituzionale
del processo civile italiano, cit., p. 89). 900
Ver, por exemplo, Andrea Proto Pisani, Sulla tutela giurisdizionale differenziata. Rivista di Diritto
Processuale, 1979, p. 536 e ss.
338
processo novamente volta a ser visto como instrumento capaz de conferir a devida tutela
ao direito material.901
Vittorio Denti, na obra “Un progetto per la giustizia civile”, após
lembrar a frase de Calamandrei no sentido de que os estudos doutrinários são feitos
“non per servire al gusto architettonico delle astratte costruzioni sistematiche, ma per
servire in concreto alla giustizia”, revela que suas propostas se movem essencialmente
em três direções, sendo uma delas a seguinte: “A redescoberta dos nexos entre processo
e direito substancial, que a tão conclamada autonomia da ação e da relação processual
acabaram colocando na sombra, descurando a estreita dependência dos institutos do
processo (de um dado processo em dado momento histórico) da estrutura dos direitos
substanciais, e assim do papel que o direito hegemônico desenvolve na sociedade”.902
<texto>Há, assim, uma relativização do binômio direito/processo, passando o
processo a ser concebido como instrumento que deve dar respostas adequadas às
diferentes situações de direito substancial carentes de tutela.903
Tem particular relevo,
neste contexto, a obra de Proto Pisani, especialmente sua ênfase à necessidade de as
“tutelas jurisdicionais” adequarem-se às diversas situações de direito material: “Não
existe um único processo que ofereça uma única forma de tutela a todas as situações de
vantagem, mas existem, ao contrário, uma pluralidade de processos e uma pluralidade
de formas de tutela jurisdicional; a diversidade destes processos e destas formas de
tutela, e de suas variadas combinações, refletem a diversidade das necessidades de tutela
das situações de vantagem”.904
<texto>A doutrina, então, passa a tratar das chamadas “técnicas jurisdicionais
diferenciadas”,905
demonstrando que o procedimento ordinário não é capaz de atender
de maneira adequada aos vários casos conflitivos concretos.906
O processualista, agora
901
Ver, por exemplo, Adolfo di Majo, La tutela civile dei diritti, cit.; La tutela dei diritti tra diritto
sostanziale e processuale. Rivista Critica del Diritto Privato, 1989, p. 363 e ss. 902
Vittorio Denti, Un progetto per la giustizia civile, cit., p. 12. 903
Ver José Roberto dos Santos Bedaque, Direito e processo, cit., p. 15 e ss; Luiz Guilherme Marinoni,
Novas linhas do processo civil, 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 115 e ss. 904
Andrea Proto Pisani, Breve premessa a un corso sulla giustizia civile. Appunti sulla giustizia civile,
cit., p. 11-12. 905
A respeito das tutelas jurisdicionais diferenciadas, ver Andrea Proto Pisani, Sulla tutela giurisdizionale
differenziata. Rivista di Diritto Processuale, 1979, p. 536-591; Federico Carpi, Flashes sulla tutela
giurisdizionale differenziata. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1980, p. 237-242; Nicola
Picardi, I processi speciali. Rivista di Diritto Processuale, 1982, p. 766-784; Adolfo Gelsi Bidart, Tutela
procesal diferenciada. RePro 44/100-105; Augusto Mario Morello, Las nuevas exigencias de tutela.
RePro 31/210-220; Donaldo Armelin, Tutela jurisdicional diferenciada. O processo civil contemporâneo.
Curitiba: Juruá, 1994, p. 103-115; Luiz Guilherme Marinoni, Efetividade do processo e tutela de
urgência, cit., p. 1-10; Tutela cautelar e tutela antecipatória, cit., p. 17-21. 906
“Come ho detto, quando si parla di tutele giurisdizionali differenziate ci si riferisce a modelli
processuali posti dal legislatore in alternativa al solemnis ordo iudiciarius e quindi al processo di
339
raciocinando a partir das necessidades do direito substancial, alerta para a inefetividade
de determinadas técnicas processuais destituídas da capacidade de realizar
concretamente os direitos e, até mesmo, a partir do argumento de que há um direito
constitucional à tutela jurisdicional efetiva, aponta para a sua falta de legitimidade.907
<texto>Não é preciso dizer que essa forma de pensar o processo é completamente
diversa daquela que marcou a fase autonomista do direito processual. O processo, agora,
é um instrumento que deve permitir a realização concreta – e não mais meramente
formal – dos direitos.
<texto>A doutrina fala, atualmente, em tutela jurisdicional dos direitos, estando
plenamente consciente de que a tutela jurisdicional apenas será adequada se puder
realizar efetivamente o direito material. Na verdade, o tema da tutela jurisdicional dos
direitos é decorrência natural da doutrina da “efetividade do processo” e de sua
preocupação com a efetiva tutela dos direitos.
<texto>A reabilitação da temática da “tutela dos direitos”908 é a mais pura
demonstração de que o processualista já não tem mais medo de cair no imanentismo909 –
pois sabe que a ação não se confunde com o direito material – e está consciente de que o
processo tem fortes compromissos com o direito material, ao qual deve servir de forma
efetiva para não ser transformado em algo distante da realidade da vida das pessoas.
<texto>As motivações que conduziram à classificação trinária não apenas já estão
cognizione a rito ordinario o, come si dice comunemente, al processo di cognizione ordinario, disciplinato
nel secondo libro del codice di rito (artt. 163-408)” (Ferruccio Tommaseo, Appunti di diritto processuale
civile, cit., p. 19). 907
Recorde-se de que a doutrina italiana, a partir do art. 24 da CR, demonstrou a insuficiência da tutela
condenatória para a efetividade da tutela dos direitos. Cf. Andrea Proto Pisani, L’attuazione dei
provvedimenti di condanna. Foro Italiano, 1988, p. 177 e ss; Michele Taruffo, Note sul diritto alla
condanna e all’esecuzione. Rivista Critica del Diritto Privato, 1986, p. 635 e ss; Luigi Paolo Comoglio,
Principi costituzionali e processo di esecuzione. Studi in memoria di Gino Gorla, tomo 2, cit., p. 1.586 e
ss. 908
É importante lembrar que o capítulo VI do Código Civil italiano tem o título de “Tutela dei diritti”;
esse capítulo evidencia que “tutela dei diritti” é expressão mais ampla do que “tutela giurisdizionale dei
diritti”. Vejamos a explicação de Denti: “La nozione di tutela giurisdizionale dei diritti è più ristretta di
quella di tutela dei diritti tout court, poiché la seconda comprende anche quelle forme di tutela che si
attuano al di fuori del processo ed, anzi, sono dirette ad evitare il ricorso all’intervento dell’organo
giurisdizionale. La stessa sistematica del codice civile adotta questa definizione, poiché il libro sesto,
intitolato, appunto ‘tutela dei diritti’, disciplina istituti che sono esterni al processo, come la trascrizione,
le prove documentali, le cause di prelazione, la prescrizione e la decadenza, e regola sotto il titolo ‘tutela
giurisdizionale dei diritti’ i pressupposti della tutela cognitiva ed esecutiva, nonché gli effetti dei
provvedimenti del giudice e di altri organi giudiziali” (Vittorio Denti, La giustizia civile, cit., p. 111). 909
“A expressão ‘tutela jurisdicional dos direitos’, como se sabe, foi afastada do cogito científico do
direito processual quando se concluiu que a ‘tutela dos direitos’ não deveria ser vista como o escopo da
jurisdição. A partir deste momento até bem pouco tempo, falar em tutela jurisdicional dos direitos poderia
constituir um pecado quase que mortal para o processualista; tal fala poderia significar um compromisso
com o imanentismo” (Luiz Guilherme Marinoni, Efetividade do processo e tutela de urgência, cit., p. 11).
340
ausentes, como foram superadas pelas novas necessidades de uma sociedade de massa
envolvida com outros valores. Ao contrário do que ocorreu quando do surgimento da
teoria chiovendiana, deseja-se hoje a aproximação do processo com o direito material,
pois é sabido que o processo somente será efetivo se puder corresponder plenamente às
necessidades do direito substancial.
341
<tit>13
<tit1>CLASSIFICAÇÃO DAS SENTENÇAS
E CLASSIFICAÇÃO DAS TUTELAS
<texto>Se o processo passou a ser pensado na perspectiva do direito material, sendo
a temática da “tutela dos direitos” apenas prova disto, é necessário não apenas construir
uma nova classificação das sentenças, mas erguer uma classificação das tutelas.
<texto>Uma nova classificação das sentenças é indispensável, como foi
demonstrado, pela razão de que apenas as sentenças declaratória, constitutiva e
condenatória não são suficientes para a prestação das várias formas de tutela devidas ao
jurisdicionado. Mas isto só não basta. Se é preciso evidenciar os reais resultados do
processo (e portanto das sentenças) no plano do direito material, é imprescindível
classificar as tutelas.
<texto>É que as sentenças são técnicas que servem à prestação das tutelas; as
sentenças, em outras palavras, não podem evidenciar os resultados do processo no plano
do direito material. Por exemplo: a sentença mandamental pode prestar a tutela
inibitória e a tutela específica da obrigação de fazer inadimplida. Porém, olhando-se
apenas para a sentença mandamental diante destas duas tutelas, nada se pode dizer
sobre o resultado substancial que foi proporcionado ao jurisdicionado. Melhor:
pensando-se somente na sentença mandamental, é impossível concluir se a tutela
devida ao autor pelo direito substancial foi realmente prestada. Ao contrário, quando
se analisa a tutela conferida pelo processo, e assim, por exemplo, a tutela inibitória e a
tutela específica da obrigação de fazer inadimplida, torna-se possível concluir sobre a
função que o processo desempenhou no plano do direito material.
<texto>Na realidade, para que tudo fique mais claro, é preciso frisar que uma
simples classificação das sentenças (seja ela trinária ou quinária) não é suficiente para
expressar os diversos resultados proporcionados pelo processo no plano do direito
material. Note-se que estes resultados nada mais são do que as diferentes espécies de
tutelas que o processo está obrigado a gerar para que o direito material não se
342
transforme em mera proclamação destituída de sentido.
<texto>Em outras palavras, indagar sobre o resultado substancial do processo é o
mesmo que perguntar a respeito da tutela por ele conferida. Nesta linha, a tutela deve
expressar a necessidade do direito material, e, em outros termos, reflete o bem da vida
buscado pelo jurisdicionado.
<texto>Se a tutela objetiva satisfazer as necessidades do direito material, e assim o
desejo da parte que vai ao Judiciário, é evidente que ela não pode ser confundida com a
técnica processual ou com as sentenças. A técnica processual, aí incluídas as sentenças,
deve estar estruturada de modo a permitir a efetiva proteção (tutela) das variadas
situações de direito substancial.
<texto>Se o estágio atual do direito processual exige que o processualista se
preocupe com a real repercussão do processo na vida das pessoas e no direito material, é
inevitável analisar se o processo está efetivamente prestando a tutela prometida ao
jurisdicionado. Ora, se questionar o resultado do processo significa analisar as tutelas
por ele prestadas, torna-se evidente a necessidade de uma classificação das tutelas,
capaz de expressar as suas diversas repercussões diante do direito material.
<texto>É apenas a partir desta análise que o doutrinador poderá demonstrar a
inefetividade do processo, e assim estabelecer uma crítica capaz de conferir-lhe maior
rendimento. Melhor explicando: o doutrinador terá uma possibilidade imensamente
maior de análise crítica se visualizar o processo a partir do direito material, isto é, se
olhar para a técnica a partir das necessidades da vida.
<texto>Quando o processo, objetivando atender certas necessidades, opera através
das sentenças declaratória e constitutiva, a tutela buscada pelo autor é prestada pela
própria sentença. Por tal razão, tais sentenças são ditas satisfativas,910
enquanto, por
exemplo, a condenatória é considerada uma sentença não-satisfativa. Embora não se
910
Segundo Raselli, “nelle sentenze di accertamento l’attestazione autorizzativa dell’esistenza di una
concreta volontà di legge – che stabilisce quale sia la tutela degli interessi delle parti in un dato rapporto
giuridico – esaurisce i provvedimenti che le parti possono o vogliono chiedere al giudice, dato il modo
con cui si è determinata la situazione di insoddisfazione dei loro interessi” (...) “Tale elemento nelle
sentenze di condanna è la pronunzia sulla possibilità di un’ulteriore attività giurisdizionale per assicurare
la tutela degli interessi protetti: nelle sentenze costitutive è un’ulteriore attività del giudice che addirittura
realizza nella stessa sentenza quella soddisfazione degli interessi cui è stato accertato che una parte ha
diritto. Questa soddisfazione è data da un cambiamento della preesistente situazione di diritto materiale”
(Alessandro Rasseli, “Sentenze determinative e classificazione delle sentenze”, cit., p. 580). Rapisarda, ao
tentar classificar as sentenças a partir do efeito que é por elas declarado no plano do direito material,
afirma que determinados provimentos (o declaratório e o constitutivo) realizam autônoma e
integralmente a tutela concedida pela norma à fattispecie substancial declarada, podendo, assim, receber
a designação de ‘satisfativos’ (Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 231 e ss).
343
possa confundir, como já foi dito, sentença e tutela, as sentenças satisfativas, como o
próprio nome indica, são suficientes para prestar a tutela buscada pelo autor. Assim, é
possível dizer que as sentenças declaratória e constitutiva prestam tutelas declaratória e
constitutiva. Não se está afirmando, como é óbvio, que as sentenças declaratória e
constitutiva possam ser enquadradas na mesma classificação da tutela inibitória. Mas
apenas que as sentenças declaratória e constitutiva, sendo afirmadas satisfativas,
prestam, independentemente de uma atividade que possa ser dita propriamente
executiva, tutelas que: i) conferem ao autor a certeza jurídica e ii) constituem nova
situação jurídica.
<texto>Se não é preciso indagar sobre a efetividade das sentenças satisfativas
(declaratória e constitutiva) para a prestação das tutelas declaratória e constitutiva, as
únicas sentenças que devem ser objeto de investigação são as não-satisfativas. A
distinção entre sentença satisfativa e sentença não-satisfativa permite que se isolem as
sentenças que não são, por si sós, suficientes para a tutela dos direitos, necessitando de
meios de coerção ou de sub-rogação para que o direito possa ser efetivamente realizado.
<texto>Na doutrina italiana, Satta já dizia, aludindo à sentença condenatória, que a
tutela do direito de crédito seria a execução forçada sobre o patrimônio do devedor.911
Mandrioli, em igual sentido, admitiu que nas sentenças declaratória e constitutiva a
tutela se exaure frutuosamente, ao passo que na sentença condenatória exaure-se
apenas uma fase da tutela jurisdicional.912
<texto>Como é evidente, só há razão para pensar em efetividade da sentença e dos
meios de execução quando se está diante de sentença não-satisfativa.913
São exatamente
as sentenças não-satisfativas, isto é, aquelas que “não exaurem frutuosamente a tutela
jurisdicional”, que tornam imperiosa a classificação das tutelas.
<texto>Quando se percebe que há sentenças que não respondem, por si sós, às
necessidades do jurisdicionado, evidencia-se a imprescindibilidade de se indagar se o
911
Salvatore Satta, Premesse generali alla dottrina della esecuzione forzata, Rivista di Diritto Processuale
Civile, p. 368, 1932. 912
Crisanto Mandrioli afirma no seu conhecido L’azione esecutiva, que “nelle sentenze di mero
accertamento e nelle sentenze costitutive la tutela giurisdizionale si esaurisce fruttuosamente, mentre
nella sentenza di condanna si esaurisce soltanto una fase di quella tutela” (L’azione esecutiva. Milano:
Giuffrè, 1955, p. 310). 913
Sentença não satisfativa, no presente contexto, significa sentença que não exaure frutuosamente a
tutela jurisdicional, mas apenas parte dela. Contudo, quando se diz que a tutela antecipatória é satisfativa
sumária, ao contrário da cautelar – que apenas assegura a obtenção efetiva da tutela final – deseja-se
deixar claro que a tutela antecipatória dá ao autor o bem da vida buscado em juízo – e por esta razão o
satisfaz –, ao passo que a cautelar, enquanto destinada a assegurar a utilidade do processo, evidentemente
não o pode satisfazer.
344
processo está adequadamente estruturado para dar tutela ao direito material. É
importante relacionar, por exemplo, tutela inibitória e sentença não-satisfativa,
exatamente para se verificar se as sentenças e os meios executivos preordenados pelo
legislador são suficientes para sua efetiva prestação.
<texto>Diante das sentenças não-satisfativas, não há como deixar de relacionar as
necessidades do direito material e as reais virtudes da técnica processual. Ou seja, é
neste exato espaço que passa a importar a adequação da sentença e dos meios
executivos ao direito material. As sentenças não-satisfativas exigem o delineamento das
tutelas a que devem servir. Requerem a identificação do resultado substancial do
processo, para que então seja possível concluir a respeito da adequação da sentença ao
direito material.
<texto>É importante sublinhar que não é possível acreditar na insuficiência da
classificação trinária das sentenças e na imprescindibilidade das sentenças mandamental
e executiva se o raciocínio não partir das necessidades do direito material, uma vez que
somente assim é possível pensar nas sentenças (se bastam, ou não, as três da
classificação clássica). Após isto é que deverão ser delineados os resultados que as
sentenças não-satisfativas (condenatória, mandamental e executiva) produzem no plano
do direito material (classificação das tutelas), pois deste modo será possível verificar se
estas sentenças realmente são efetivas.
<texto>Com efeito, para que seja possível concluir pela necessidade desta ou
daquela sentença, é preciso pensar nas necessidades do direito material. Em um segundo
passo, definido o exato raio de atuação das sentenças declaratória e constitutiva
(sentenças satisfativas), e assim a sua eventual inidoneidade para a prestação de
determinadas tutelas, passa a ser necessário investigar os resultados que as demais
sentenças proporcionam às pessoas, para que então seja possível concluir se o processo
está adequadamente estruturado.
<texto>Tomando-se em consideração este “segundo passo”, e assim a suficiência
das tutelas declaratória e constitutiva para responder ao direito material, torna-se
necessário pensar somente nas tutelas prestadas através das sentenças não-satisfativas. É
que não se parte da idéia de que estas sentenças são suficientes para dar tutela ao direito
material. Partindo-se da idéia de tutela constitutiva, por exemplo, é evidente a conclusão
de que a sentença constitutiva é adequada a gerá-la. Não é necessário tentar encontrar
na constituição formas diferenciadas de interferência no plano do direito material, uma
345
vez que, ao admitir-se a sentença constitutiva, parte-se do pressuposto de que a
constituição é adequada à tutela do direito material.
<texto>O mesmo não ocorre em face das sentenças não-satisfativas. Estas podem ter
a sua efetividade graduada. Exatamente por este motivo, a efetividade deste tipo de
sentença somente pode ser medida a partir da diferenciação das tutelas.
<texto> É por esta razão que, ao lado das várias tutelas que devem ser prestadas
pelas sentenças não-satisfativas, são dispostas as tutelas – declaratória e constitutiva –
conferidas pelas sentenças satisfativas.
346
cgb<tit>14
<tit1>PREMISSAS PARA UMA
CLASSIFICAÇÃO DAS TUTELAS
PERMEADA PELO DIREITO MATERIAL
<texto>Como visto, não basta pensar em uma nova classificação das sentenças, mas
é também necessário construir uma classificação das tutelas, ou seja, uma classificação
que tome em consideração os resultados que o processo produz no plano do direito
material.
<texto>Antes de mais nada, contudo, já que a classificação trinária das sentenças é
corolário da noção de um direito de ação totalmente descompromissado do direito
material, é preciso dizer que o direito de ação não pode mais ser compreendido como
simples direito a uma sentença de mérito.
<texto>Esse modo de compreender o direito de ação não guarda qualquer relação
com os postulados do direito processual moderno. Se o que importa, quando se pensa
em termos de efetividade do processo, é a realização concreta dos direitos, o direito de
ação, constitucionalmente garantido, deve ser visto como o direito que garante a tutela
adequada ao plano do direito material.
<texto>Não se pretende, é lógico, restabelecer a teoria civilista da ação, pois não se
deseja abrir mão da idéia, habilmente construída pela doutrina processual, de direito
abstrato de ação. Quando se alude à necessidade de o direito de ação garantir a tutela
adequada ao plano do direito material quer-se dizer, apenas, que o direito abstrato de
ação constituirá garantia da atipicidade da tutela apenas dentro de uma lógica que tome
em consideração as relações do processo com o direito material, concebendo a tutela
jurisdicional como autêntica resposta a suas necessidades.914
<texto>Entretanto, surge aí, mais uma vez, a noção de tutela, e nesse ponto devemos
914
Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 216; Luigi Paolo Comoglio, Note
riepilogative su azione e forme di tutela, nell’ottica della domanda giudiziale. Rivista di Diritto
Processuale, 1993, p. 465 e ss.
347
parar para melhor reflexão. Afinal, o que é tutela? Não se pode, como é óbvio, buscar
um conceito de tutela no campo exclusivo do processo; descarte-se, assim, a suposição
de que tutela é sinônimo de sentença. Se não tem mais relevância a idéia de direito de
ação como direito a uma sentença, tutela não pode significar, obviamente, apenas
sentença.915
<texto>Se o processo visa garantir resultados no plano do direito material, seu
escopo é a tutela concreta dos direitos. O verdadeiro conceito de tutela, assim, deve ser
buscado no entrelaçamento da sentença e, mais do que isto, do próprio processo, com as
normas de direito substancial.
<texto>Como ressalta Comporti, em uma perspectiva meramente econômica, o bem,
como entidade objetiva, tem por fim satisfazer as necessidades humanas; na perspectiva
do sujeito, este bem assume o valor de utilidade, motivo pelo qual o sujeito, porque
interessado no bem para a satisfação de suas necessidades, passa a nele depositar
interesse. Essa relação do sujeito com o bem é valorada pelo direito como situação
objetiva merecedora de tutela; a razão de ser dessa valoração é garantir o bem ao
sujeito.916
<texto>Com a valoração do interesse do sujeito no bem, o ordenamento confere
tutela jurídica à situação objetiva de utilidade ínsita na relação sujeito/bem; essa tutela
jurídica, como explica Comporti no trabalho “Formalismo e realismo in tema di diritto
soggettivo”, “ha il significato di garantire al soggetto una serie di ‘possibilità’,
generalmente di azione, rispetto al bene, in relazione alla varia natura di esso”.917
<texto>A norma de direito substancial, ao valorar positivamente o interesse do
sujeito no bem, garante a relação de utilidade contida no interesse, atribuindo ao sujeito
a possibilidade de tutelar essa relação. Essa tutela deve conferir ao sujeito a utilidade
inerente ao interesse protegido pela norma.918
<texto>Na verdade, a garantia de tutela jurídica dar-se-ia também, não tivesse sido
proibida a autotutela, através da ação privada, ou da ação de direito material.919
Não se
915
Em sentido diverso, Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 226 e ss; Vittorio
Denti, Flashes su accertamento e condanna. Rivista di Diritto Processuale, 1985, p. 256 e ss; Vittorio
Denti, Azione. Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 45, p. 1 e ss. 916
Cf. Marco Comporti, Formalismo e realismo in tema di diritto soggettivo. Studi in onore di Francesco
Santoro-Passarelli, cit., p. 755 e ss. 917
Idem, ibidem, p. 756. 918
Idem, ibidem, p. 755 e ss. 919
Sobre a ação de direito material, ver Ovídio Baptista da Silva, Curso de processo civil, v. 1, cit., p. 94
e ss; Jurisdição e execução..., cit., p. 161 e ss.
348
suponha, entretanto, que, por ter o Estado assumido o monopólio da jurisdição e vedado
a autotutela, as garantias inerentes à tutela jurídica do sujeito possam ser mutiladas pelo
processo. A ação processual, para atender às normas de direito substancial, não pode
deixar de dar ao sujeito tudo aquilo e exatamente aquilo que o direito material lhe
confere.
<texto>A ação, portanto, ao desembocar em uma tutela jurisdicional, deve permitir
a realização da tutela inerente ao direito material, tutela essa que visa garantir a situação
de utilidade ínsita na relação sujeito/bem.
<texto>É possível falar, assim, em tutela jurisdicional e tutela material. A tutela
jurisdicional é aquela que, no plano do processo, tem o compromisso de realizar
plenamente a tutela que decorre do direito material, ou seja, a própria tutela material.
<texto>A ação é apenas um meio de atuação da tutela do direito substancial, e nessa
perspectiva ela se apresenta, realmente, como instrumento de tutela. A tutela material,
entretanto, somente é prestada quando a sentença reconhece o direito material afirmado
pelo autor. Assiste razão a Satta, portanto, quando afirma que “la disposizione di legge
favorevole è condizione per la concessione della tutela, non già per l’azione”.920
<texto>Se a tutela material somente é prestada quando o juiz reconhece a existência
do direito afirmado pelo autor, a tutela jurisdicional independe de estar a alegação
contida na petição inicial amparada pelo direito material; há tutela jurisdicional em caso
de sentença favorável e em caso de sentença desfavorável ao autor.921
<texto>Cumpre verificar, entretanto, se a tutela jurisdicional realiza, e de que forma,
o prometido pela norma de direito substancial. Rapisarda, aderindo à doutrina de
Denti,922 e acatando uma classificação das tutelas fundada na diversidade dos efeitos
materiais declarados, afirma que determinados provimentos realizam autônoma e
integralmente a tutela concedida pela norma à fattispecie substancial declarada e que
apenas esses provimentos devem ser designados de satisfativos.923
Para melhor
esclarecer, cabe a transcrição da argumentação da processualista: “Em síntese, a tutela
dichiarativa pode ser dita satisfativa quando a utilidade conferida pela norma
920
Salvatore Satta, Premesse generali alla dottrina della esecuzione forzata. Rivista di Diritto Processuale
Civile, 1932, p. 366. 921
Nesse sentido, Flávio Luiz Yarshell, Tutela jurisdicional específica nas obrigações de declaração de
vontade, cit., p. 20. 922
Vittorio Denti, “Flashes” su accertamento e condanna. Rivista di Diritto Processuale, 1985, p. 256 e
ss; Azione. Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 4, p. 1 e ss. 923
Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 231 e ss.
349
substancial na fattispecie declarada coincide com o efeito jurídico declarado pelo
provimento judicial. Assim é, por exemplo, na hipótese contemplada pelo art. 949, I,
CC, em que a tutela concedida ao proprietário se resolve na declaração, em sede
judicial, da ‘inexistência dos direitos afirmados por outros sobre a coisa’; ou mesmo nas
hipóteses dos arts. 1.453, 1.467, 1.492 e 1.497, CC, em que a tutela do contratante se
realiza com a declaração judicial do efeito resolutivo do contrato, quando a fattispecie
esteja integrada, respectivamente, pelos elementos do inadimplemento, da excessiva
onerosidade, dos vícios redibitórios ou da falta da qualidade essencial da coisa vendida.
A tutela dichiarativa é, ao contrário, não-satisfativa, quando o efeito jurídico declarado,
determinando o surgimento de obrigações de adimplemento, requer, para atuação da
garantia ligada pela norma à fattispecie substancial declarada, uma ulterior atividade
que deve se desenvolver fora do processo e por obra do obrigado”.924
<texto>A sentença condenatória, na doutrina de Denti, declara um efeito jurídico no
plano do direito material,925
no sentido de que uma obrigação deve ser adimplida. Como
dessa obrigação decorre uma prestação, afirma Rapisarda que o seu conteúdo deveria
ser tomado em consideração para a classificação das tutelas jurisdicionais.926
<texto>Como o que está em jogo, em um primeiro momento, é a doutrina de Denti,
cabe melhor explicá-la e demonstrar a razão pela qual não a acolhemos. Nessa linha, e
por conseqüência, também ficará claro o motivo que nos obriga a não aceitar a
argumentação de Rapisarda.
<texto>Vittorio Denti, ao escrever sobre o assunto que ora nos interessa, refere-se à
correlação fattispecie-efeito jurídico, lembrando que essa correlação pode ser expressa
com clareza na regra sobre o ônus da prova,927
na qual os fatos que constituem o
fundamento do direito que se pretende fazer valer em juízo representam a fattispecie,
enquanto o direito é o efeito jurídico que se pede que o juiz declare.928
<texto>O mesmo Denti, no verbete Azione, publicado na Enciclopedia Giuridica
Treccani, ao falar sobre a declaração do efeito jurídico – que estaria contida em todas as
sentenças –, deixa claro que o que deve distinguir as sentenças é a espécie do efeito
924
Idem, ibidem, p. 232-233. 925
Vittorio Denti, “Flashes” su accertamento e condanna. Rivista di Diritto Processuale, 1985, p. 256 e
ss; Azione. Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 4, p. 1 e ss. 926
Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 233. 927
Denti refere-se ao art. 2.697 do CC italiano, que diz o seguinte: “Onere della prova – Chi vuol far
valere un diritto in giudizio deve provare i fatti che ne costituiscono il fondamento. Chi eccepisce
l’inefficacia di tali fatti ovvero eccepisce che il diritto si è modificato o estinto deve provare i fatti su cui
l’eccezione si fonda”. 928
Vittorio Denti, “Flashes” su accertamento e condanna. Rivista di Diritto Processuale, 1985, p. 257.
350
declarado, que tem caráter material, e não processual.929
<texto>O efeito jurídico próprio da declaração contida na sentença condenatória
estaria na obrigação que caracteriza o lado passivo da relação entre credor e devedor,
cujo adimplemento é dirigido a realizar o interesse ao qual a relação é preordenada.930
<texto>Como está claro, Denti pretende classificar as tutelas a partir do efeito que é
por elas declarado no plano do direito material. Contudo, afirma que se o efeito jurídico
declarado é constituído pela obrigação de prestação, é irrelevante a estrutura da
fattispecie à qual o efeito se correlaciona, e assim o fato de se tratar de obrigação
principal ou não, ou mesmo de obrigação correlata à tutela de um direito de crédito ou
de um direito real, ou ainda que a prestação tenha conteúdo pecuniário, ou consista em
um dar ou em um fazer.931
<texto>Denti, ao afirmar que o efeito jurídico declarado na condenação, consistente
na obrigação de adimplir, é a única coisa que importa, perdeu a oportunidade de
demonstrar que algumas situações de direito substancial não se compadecem com o
efeito jurídico que seria próprio da condenação e, por conseqüência, com a sentença
condenatória.
<texto>Vejamos, por exemplo, uma hipótese que demonstra a insuficiência da sua
previsão. A sentença de despejo certamente não se correlaciona com uma prestação.932
A sentença executiva, como já foi dito, altera a linha discriminativa das esferas
jurídicas; ora, seguindo-se a premissa da teoria de Denti, a sentença de despejo, ao
929
“Il significato proprio dell’accertamento, quindi, è dato dalla dichiarazione dell’effetto giuridico, che è
presente in ogni pronuncia sulla domanda, onde l’effettivo criterio di distinzione riguarda il tipo di effetto
accertato, ed ha carattere sostanziale, e non processuale. L’agnosticismo del legislatore finisce, quindi,
con l’apparire corretto, se le modalità della tutela vengono considerate dal punto di vista processuale,
poiché l’unico effetto possibile, quoad processum, è dato dall’accertamento, la cui idoneità a dar luogo
alla cosa giudicata costituisce il proprium della giurisdizione” (Vittorio Denti, Azione. Enciclopedia
Giuridica Treccani, v. 4, p. 8). 930
Vittorio Denti, “Flashes” su accertamento e condanna, Rivista di Diritto Processuale, 1985, p. 260;
Azione. Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 4, p. 9. 931
Idem, ibidem. 932
Atente-se, nesse passo, à lição de Ovídio: “Qual, porventura, será o fundamento que nos impõe essa
distinção entre ações condenatórias e ações executivas? Será legítimo que o processo opere, como até
agora tem feito, a redução de todo o fenômeno executivo apenas às execuções por crédito, como se todo o
direito material fosse obrigacional? Nossa resposta é terminantemente negativa, já que, sendo o processo
instrumento de realização do ordenamento jurídico, enquanto existir, em nosso sistema os direitos reais,
de um lado, e as obrigações de outro, o processo terá de submeter-se a esta determinação do direito
material, oferecendo formas de tutela diferenciadas às ações que nasçam dessas distintas pretensões”
(Ovídio Baptista da Silva, Jurisdição e execução..., cit., p. 176).
351
declarar a fattispecie, deveria declarar o efeito constitutivo933 e, também, a ilegitimidade
da posse do locatário e o despejo; a sentença, como é óbvio, não se limitaria a declarar
uma obrigação de adimplemento e a sua correspondente prestação. Quando se diz que a
sentença declara o despejo seguindo-se a premissa da teoria de Denti, não se fala em
declaração no sentido tradicional, ou seja, não se pensa na declaração própria da
“sentença declaratória”, mas em declaração de um efeito jurídico que é conseqüente ao
preenchimento das condições necessárias ao surgimento da fattispecie. Ora, se o despejo
é a tutela outorgada ao locador, já que o desalojamento do locatário que se tornou
ilegítimo possuidor atende à relação de utilidade contida no direito material, esta tutela
consiste na retirada de algo que está contrariamente ao direito na esfera jurídica do
demandado. É por essa razão que se declararia o despejo, e não apenas uma prestação a
ser cumprida pelo réu.
<texto>Há, contudo, uma objeção mais relevante a fazer. Rapisarda afirma
expressamente, como já foi lembrado, que a “tutela dichiarativa non satisfattiva” –
aquela em que o efeito jurídico declarado determina o surgimento de uma obrigação de
adimplemento – requer uma ulterior atividade que deve se desenvolver fora do processo
e por conta do obrigado. 934
Deixando de lado a questão de que em algumas hipóteses
não há prestação a ser adimplida, devendo o próprio órgão jurisdicional atuar de modo a
satisfazer o direito do autor, é importante observar que a postura de classificar as
tutelas a partir do efeito jurídico declarado não responde às exigências de “efetividade
do processo”. De nada adianta declarar uma obrigação de adimplemento se ela não
pode ser imposta ao réu em virtude de não estarem presentes no ordenamento jurídico
meios de coerção suficientes. A tutela jurisdicional não deve ser classificada a partir do
que deve (pode) ser feito pelo obrigado, ou simplesmente tomar em consideração o
conteúdo da prestação a ser adimplida, porém deve ser definida a partir do que a própria
tutela jurisdicional faz para dar ao autor tudo aquilo e exatamente aquilo que ele tem o
direito de obter de acordo com as normas de direito substancial.
<texto>A tutela que declara um dever e determina um comportamento de abstenção
não pode ser definida como inibitória na ausência de meios de coerção em um dado
ordenamento jurídico. A tutela somente pode ser definida como inibitória quando
efetivamente pode inibir; em outro caso é simplesmente declaratória, pouco importando
933
“Anche la sentenza costitutiva, infatti, è una pronuncia di accertamento dell’effetto giuridico che la
norma ricollega al verificarsi di una determinata fattispecie” (Vittorio Denti, “Flashes” su accertamento e
condanna. Rivista di Diritto Processuale, 1985, p. 259). 934
Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 232.
352
o efeito jurídico por ela declarado no plano do direito material.
<texto>A tutela jurisdicional, como já foi dito, não se confunde com a sentença, não
só porque não pode ser compreendida apenas à luz do direito processual, mas também
porque a diversidade das situações de direito substancial exige que sejam predispostos
meios de tutela adequados a essas diferentes realidades. Estes meios de tutela, como é
óbvio, não significam apenas sentença, mas se concretizam em técnicas antecipatórias,
sentenças diferenciadas e modalidades executivas adequadas às diversas realidades de
direito material.935
<texto>Se a tutela jurisdicional não é apenas a sentença, mas verdadeiramente o
conjunto de meios de que dispõe o direito processual para atender adequadamente às
disposições do direito substancial,936
o que importa verificar, quando se pensa em
classificar as tutelas, é a repercussão que a tutela jurisdicional efetivamente tem no
plano do direito material.
<texto>Parece correto dizer que as tutelas, em uma classificação que tome em
consideração as relações do processo com o direito material, devem ser definidas à luz
da tutela de direito material que o próprio processo tem a incumbência de atender. Frise-
se, aliás, que um ordenamento que se limitasse a afirmar um direito, sem garantir a
tutela jurisdicional capaz de permitir sua realização efetiva, certamente seria um
ordenamento que não poderia sequer receber o qualificativo de jurídico, pois não
garantiria o direito exatamente no momento em que ele mais necessita de proteção, isto
é, na ocasião em que é ameaçado ou violado.937
<texto>A tutela jurisdicional, se deve proporcionar a efetiva realização do direito
material, deve ser classificada a partir do resultado material almejado pelo autor. Porém,
é preciso que fique claro que uma coisa é a tutela material, outra o direito à tutela
jurisdicional efetiva - albergado no art. 5.º, XXXV, da CF -, e ainda outra os
instrumentos processuais predispostos pelo legislador do processo para atender a esse
direito. Portanto, tais instrumentos são corolários do direito à tutela jurisdicional efetiva,
935
Andrea Proto Pisani, I rapporti fra diritto sostanziale e processo. Appunti sulla giustizia civile. Bari:
Cacucci, 1982, p. 42. 936
Ver José Carlos Barbosa Moreira, A tutela específica do credor nas obrigações negativas. Temas de
direito processual, cit., p. 31; José Roberto dos Santos Bedaque, Direito e processo, cit., p. 31. 937
“La presenza nel nostro ordinamento del divieto di autotutela privata significa che il diritto sostanziale
può dirsi effettivamente esistente solo ove esistano norme processuali (disciplinatrici di mezzi di tutela
giurisdizionale) idonee a garantire l’attuazione anche in ipotesi di mancata cooperazione spontanea di chi
vi è tenuto, attraverso la messa a disposizione a favore del privato della forza dello Stato” (Andrea Proto
Pisani, Appunti sulla giustizia civile, cit., p. 10).
353
o qual deve permitir a tutela adequada do direito material.
<texto>O direito à tutela jurisdicional efetiva, se compreende o direito ao
procedimento, à sentença e aos meios executivos adequados à tutela do direito,
configura, no que diz respeito à sentença, o direito a uma sentença que aprecie a
pretensão processual e, em caso de procedência, realize ou viabilize a tutela material
pretendida pelo autor. A pretensão processual mostra a tutela material pretendida, ou
seja, indica o que deve ser feito para o que o direito material seja tutelado.938
<texto>Sublinhe-se que a sentença condenatória não presta a tutela prometida pelo
direito material. A sentença que condena o réu a pagar não satisfaz o direito à tutela
ressarcitória ou à tutela do direito de crédito, as quais dependem, em caso de não
cumprimento da condenação, da execução por expropriação.
<texto> Na hipótese de sentença condenatória, é o pagamento da soma que realiza o
direito material afirmado em juízo. A sentença condenatória, ao julgar procedente o
pedido, abre as portas para que a tutela de direito material seja realizada
independentemente da vontade do réu, através da execução por expropriação.
Não é por outra razão que, nas primeiras edições deste livro, afirmamos que a ação
que desembocava na sentença condenatória, e exigia a ação de execução, era uma ação
incapaz de propiciar a tutela do direito material. Não há racionalidade em exigir duas
ações para a obtenção de uma tutela. Na verdade, antes da Lei 11.232/05, quem
prestava a tutela do direito material – ao menos no caso de não cumprimento da
condenação – era a ação de execução. Hoje, a ação para a tutela do direito do crédito ou
ressarcitória ainda exige a sentença condenatória, que não mais põe fim ao processo,
mas permite o uso dos meios de execução adequados.
Lembre-se que as sentenças são apenas técnicas para a prestação das tutelas. Isso
fica ainda mais claro quando se toma em consideração as sentenças condenatória,
mandamental e executiva, as quais dependem de meios de execução para que a tutela do
direito seja efetivamente prestada.
Se a tutela é o que se pretende no plano do direito material, as técnicas processuais,
aí incluídas as sentenças, são apenas meios para o seu alcance. A sentença condenatória,
por exemplo, obviamente não constitui tutela do direito material. Aliás, caso
constituísse, jamais seria necessária a execução. Ou seja, tutelar, através do processo,
não é condenar, ordenar etc, mas sim ressarcir, inibir, remover o ilícito, cumprir a
938
Luiz Guilherme Marinoni, Novas linhas do processo civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 123.
354
obrigação contratual na forma específica etc.
Isto não quer dizer, como é evidente, que as sentenças possam deixar de responder
às necessidades do direito material. As sentenças somente se diferenciam porque devem
atender às diferentes situações de direito substancial carentes de tutela. Note-se, porém,
que as sentenças não-satisfativas (fora, portanto, as sentenças declaratória e constitutiva)
mostram adequação ao direito material apenas quando correlacionadas às variadas
formas de execução. É exatamente por esta razão que as sentenças não-satisfativas não
podem ser classificadas sem considerar os meios de execução a que se ligam.
As sentenças e os meios de execução são instrumentos para a prestação da tutela dos
direitos. Portanto, se as tutelas são classificadas a partir dos resultados do processo no
plano do direito material, as sentenças são classificadas com base nas formas
processuais – as quais também são constituídas pelos meios executivos - através das
quais se expressam para dar tutela aos direitos. Nesse sentido, as tutelas dependem do
efeito jurídico declarado pela sentença e, ainda, da predisposição de meio executivos
idôneos a sua realização. Já as sentenças têm a sua natureza atrelada às modalidades
executivas capazes de viabilizar a tutela do direito, que corresponde a tal efeito
jurídico.
<texto>Entretanto, a verdade é que muitos dos resultados obtidos no plano do
direito material têm algo em comum. Os pontos de contato entre os resultados do
processo no plano do direito material refletem, a nosso ver – na perspectiva das tutelas
que devem ser prestadas pelas sentenças condenatória, mandamental e executiva –, a
problemática da distinção entre a tutela contra o dano e a tutela contra o ilícito. Por
isto, passarão a importar, a partir de agora, os pontos de confluência dos resultados do
processo no plano do direito material, de modo que a partir deles se possa apresentar
uma classificação das tutelas aderente ao direito material.
355
<tit>15
<tit1>ESBOÇO DE UMA CLASSIFICAÇÃO
DAS TUTELAS ADERENTE AO DIREITO MATERIAL
<texto>É indispensável, quando se pensa em confeccionar uma classificação das
tutelas aderente ao direito material, levar em consideração os problemas que são
próprios à tutela dos direitos. Passaremos a enfrentar, portanto, a partir daqui, o tema da
“tutela dos direitos”, seguindo, em princípio, uma discussão que vem sendo travada,
principalmente entre os civilistas italianos, em torno da diferença entre a tutela
reintegratória e a tutela ressarcitória.939
<texto>Nessa linha, o principal problema é a falta de critérios para a correta e
segura separação das tutelas inibitória, ressarcitória e reintegratória. Lamentando-se, no
que diz respeito a essa questão, a pobreza da doutrina brasileira, não é possível deixar
de frisar a ambivalência, e muitas vezes a ambigüidade, das posições doutrinárias e
jurisprudenciais encontradas a respeito do assunto no direito italiano. 940
939
Ver Renato Sconamiglio, Il risarcimento del danno in forma specifica. Rivista Trimestrale di Diritto e
Procedura Civile, 1957, p. 201 e ss; Michele Mòcciola, Problemi del risarcimento del danno in forma
specifica nella giurisprudenza. Rivista Critica del Diritto Privato, 1984, p. 367 e ss; Gianfrancesco
Sforza, Ordine di cessazione e risarcimento in forma specifica, Foro italiano, 1978, p. 615 e ss; Emilio
Betti, Sul cosiddetto risarcimento del danno in forma specifica in materia contrattuale, Giurisprudenza
italiana, 1948, p. 259 e ss; Grazia Ceccherini, Risarcimento in forma specifica e diritti della persona: una
nuova forma di tutela? Rivista Critica del Diritto Privato, 1993, p. 75 e ss; Grazia Ceccherini,
Risarcimento del danno e riparazione in forma specifica. Milano : Giuffrè, 1989, p. 34 e ss; Angelo
Chianale, Diritto soggettivo e tutela in forma specifica. Milano : Giuffrè, 1993; Salvatore Mazzamuto,
Problemi e momenti dell’esecuzione in forma specifica. Processo e tecniche di attuazione dei diritti.
Napoli : Jovene, 1989, p. 453 e ss; Carlo Castronovo, Il risarcimento in forma specifica come
risarcimento del danno. Processo e tecniche di attuazione dei diritti. Napoli : Jovene, 1989, p. 481 e ss;
Roberto Pardolesi, Tutela specifica e tutela per equivalente nella prospettiva dell’analisi economica del
diritto. Processo e tecniche di attuazione dei diritti. Napoli : Jovene, 1989, p. 515 e ss; Mario Barcellona,
Sul risarcimento del danno in forma specifica (ovvero sui limiti della c.d. interpretazione evolutiva).
Processo e tecniche di attuazione dei diritti. Napoli : Jovene, 1989, p. 615 e ss; Cristina Ebene Cobelli,
Le ‘grandi braccia’ del risarcimento in forma specifica e della condamnation en nature (Note critiche
sulla giurisprudenza italiana e francese). Processo e tecniche di attuazione dei diritti. Napoli : Jovene,
1989, p. 701 e ss; Michele Giorgianni, Tutela del creditore e tutela reale. Rivista Trimestrale di Diritto e
Procedura Civile, 1975, p. 853 e ss; Adolfo di Majo, La tutela civile dei diritti, cit; Adolfo di Majo,
Forme e tecniche di tutela. Processo e tecniche di attuazione dei diritti. Napoli : Jovene, 1989, p. 11 e ss. 940
Michele Mòcciola, Problemi del risarcimento del danno in forma specifica nella giurisprudenza.
Rivista Critica del Diritto Privato, 1984, p. 367 e ss.
356
<texto>Na realidade, a dificuldade em se distinguir as tutelas assenta na questão,
bastante difícil, das noções de ilícito e dano, sobre as quais, aliás, gira a temática da
própria tutela inibitória. Sabe-se que a doutrina italiana, principalmente a partir de um
ensaio de Renato Scognamiglio, intitulado de “Il risarcimento del danno in forma
specifica”, 941 tem estabelecido importante distinção entre ilícito, compreendido como
conduta contrária ao direito, e dano, como fato histórico e material, que pode decorrer,
eventualmente, do ilícito, ou mesmo derivar de fatos não suscetíveis de tal qualificação
942, ou seja, de danos decorrentes de atos lícitos.
<texto>Não é difícil distinguir a tutela inibitória, que visa a prevenir o ilícito, da
tutela ressarcitória, que se dirige contra o dano ressarcível. Mais árdua, contudo, é a
tarefa de separar, conceitualmente, as tutelas ressarcitória e reintegratória.943
<texto>A tutela ressarcitória, em princípio, seria a simples tutela que responde a um
direito pecuniário equivalente ao valor do dano sofrido, ou ainda a tutela alternativa à
tutela específica, 944 vale dizer, a tutela que visa a ressarcir o autor em pecúnia pela
impossibilidade da tutela na forma específica. 945
<texto>O problema surge, no direito italiano, quando a doutrina toma em
consideração o art. 2.058 do CC, que assim dispõe: “2.058 – Risarcimento in forma
specifica – Il danneggiato può chiedere la reintegrazione in forma specifica, qualora sia
in tutto o in parte possibile. Tuttavia il giudice può disporre che il risarcimento avvenga
solo per equivalente, se la reintegrazione in forma specifica risulta eccessivamente
onerosa per il debitore”.
<texto>Atribui-se ao art. 2.058 uma confusão, pois ele fala, na rubrica, de
risarcimento, e, nas disposições, de reintegrazione, quando a norma está inserida na
941
Renato Scognamiglio, Il risarcimento del danno in forma specifica, Rivista Trimestrale di Diritto e
Procedura Civile, 1957, p. 201 e ss. Ver, também, Renato Scognamiglio, Illecito. Novissimo Digesto
Italiano, v. 8, p. 164 e ss. 942
Michele Mòcciola, Problemi del risarcimento del danno in forma specifica nella giurisprudenza.
Rivista Critica del Diritto Privato, 1984, p. 367. 943
Sobre a distinção entre tutela inibitória e tutela de remoção do ilícito (reintegratória), ver o item 3.21. 944
Sobre o conceito de tutela específica, ver Andrea Proto Pisani, Breve note in tema di tutela specifica e
tutela risarcitoria. Foro Italiano, 1983, p. 127 e ss; Crisanto Mandrioli, L’esecuzione forzata in forma
specifica, cit., p. 1 e ss; Vittorio Denti, L’esecuzione forzata in forma specifica. Milano : Giuffrè, 1953, p.
21 e ss; Francesco Paolo Luiso, Esecuzione forzata (Esecuzione forzata in forma specifica). Enciclopedia
Giuridica Trecanni, v. 13, p. 1 e ss. 945
Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 233-234.
357
parte do Código dedicada à responsabilidade por fatos ilícitos. 946
<texto>A tutela ressarcitória, além de pressupor a existência de um dano, expressa
uma forma de responsabilidade fundada, em regra, na culpa (ou no dolo), ou, em outras
palavras, na correlação do evento danoso ao sujeito, que se exprime através da chamada
imputabilidade. A tutela reintegratória, ao contrário, não protege contra o dano, pois tem
o fim de eliminar apenas uma situação de ilicitude, sem a necessidade de qualquer
valoração do comportamento do transgressor da norma947
. Como escreve Scognamiglio,
no caso de tutela reintegratória, bastando a transgressão de um comando jurídico,
prescinde-se da circunstância de que tenha ocorrido um dano, enquanto na hipótese de
tutela ressarcitória verifica-se a lesão de um bem do sujeito, a qual pode ser determinada
em concreto, considerando-se o próprio sujeito ou seu patrimônio. 948
<texto>Como se percebe, a questão não diz respeito a saber se é possível a tutela
específica do dano, ao invés da tutela de simples ressarcimento pelo equivalente. O que
se pergunta é se há distinção entre a tutela ressarcitória na forma específica e a tutela
reintegratória.
<texto>Não há dúvida de que a violação de uma norma, enquanto suficiente para
dar ensejo à tutela reintegratória, pode causar danos; trata-se, entretanto, como esclarece
Scognamiglio, “apenas de coincidências parciais e eventuais, em relação às quais é fácil
confirmar a diferença substancial dos dois fenômenos, que correspondem a momentos e
aspectos diversos da genérica noção de ilícito (comportamento ou estado contrário ao
direito). 949
<texto>A ambigüidade que se verifica na doutrina e na jurisprudência italiana, ou a
confusão que é feita entre a tutela ressarcitória na forma específica e a tutela
reintegratória, deve ser atribuída a uma constante sobreposição do ilícito e do dano, ou
melhor, a uma falta de distinção entre a transgressão da norma jurídica e a produção do
dano, fruto de uma posição que não distinguia as necessidades de eliminar o ilícito e de
reparar o dano.
<texto>Michele Mòcciola, em ensaio publicado na Rivista Critica del diritto
946
Michele Giorgianni, Tutela del creditore e tutela “reale”. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura
Civile, 1975, p. 862. 947
Idem, ibidem. 948
Renato Scognamiglio, Il risarcimento del danno in forma specifica. Rivista Trimestrale di Diritto e
Procedura Civile, 1957, p. 207. 949
Idem, ibidem. Tradução livre.
358
privato, faz ampla análise da jurisprudência italiana em tema de tutela ressarcitória na
forma específica, lembrando, entre outras, decisões que têm configurado a determinação
de demolição, no caso de construção realizada em desacordo à legislação urbanística,
como tutela reparatória in natura. 950
<texto>Mòcciola deixa claro, ao referir-se a esses julgados, que na base do
raciocínio dos tribunais encontra-se a habitual confusão entre os conceitos de ilícito e
de dano. A construção que desconsidera o regramento legal consiste em uma conduta
contra ius, simplesmente porque violadora de norma jurídica. A determinação de
demolição, nesse caso, não visa remediar o dano sofrido em razão da construção
abusiva, mas apenas restaurar a situação que era anterior à prática da conduta
contrária ao direito. 951
<texto>Note-se que construir em desacordo com a lei é, por si só, ilícito. Eventuais
conseqüências desse ilícito, como a poluição ambiental ocasionada pela obra que, por
exemplo, gerou dificuldades ao escoamento de esgotos, é que configura dano. 952
<texto>Outro caso, relacionado à tutela contra a concorrência desleal, auxilia a
compreensão. O art. 2.599 do CC italiano – como já foi lembrado – afirma que “la
sentenza che accerta atti di concorrenza sleale ne inibisce la continuazione e dà gli
opportuni provvedimenti affinché ne vengano eliminati gli effetti”. Deixando-se de lado,
por enquanto, a tutela inibitória, é interessante analisar a tutela que objetiva eliminar os
efeitos da concorrência desleal. Trata-se de tutela que visa apenas restaurar o estado
que era anterior à prática dos atos de concorrência desleal, e que por isso deve
merecer a qualificação de reintegratória. Frise-se que o art. 2.599, ao referir-se à tutela
que tem por fim eliminar os efeitos dos atos de concorrência desleal, não fala em dolo
ou em culpa, tratando dessa tutela juntamente com a inibitória. Essa tutela não é
dirigida contra o dano, até porque o art. 2.600 – seguindo o referido art. 2.599 – diz
que, se os atos de concorrência desleal são praticados com dolo ou com culpa, o seu
950
“Così nella nota sentenza delle sezioni unite della cassazione penale, relativa alla legittimazione del
comune a costituirsi parte civile in processi per reati di abusivismo edilizio, a proposito dell’ordine di
demolizione, la Suprema corte definisce quest’ultimo ‘misura risarcitoria in forma specifica di restitutio
in prestinum del turbato assetto urbanistico del territorio comunale’” (Michele Mòcciola, Problemi del
risarcimento del danno in forma specifica nella giurisprudenza. Rivista Critica del Diritto Privato, 1984,
p. 378). 951
Michele Mòcciola, Problemi del risarcimento del danno in forma specifica nella giurisprudenza.
Rivista Critica del Diritto Privato, 1984, p. 379. Ver, também, Gianfrancesco Sforza, Ordine di
cessazione dall’illecito e risarcimento in forma specifica, Foro Italiano, 1978, p. 615-619. 952
Michele Mòcciola, Problemi del risarcimento del danno in forma specifica nella giurisprudenza.
Rivista Critica del Diritto Privato, 1984, p. 380.
359
autor é obrigado a responder pelo ressarcimento dos danos. 953
<texto>Quando se remove a causa do dano não se tutela contra o dano, ou seja, não
se confere tutela ressarcitória ao demandante. Na verdade, estabelecendo-se adequada
distinção entre as noções de dano e de ilícito, surge naturalmente a conclusão de que a
tutela de remoção do ilícito (reintegratória) não repara o dano, porém extirpa sua causa.
954
<texto>A distinção, que ora se pretende estabelecer, entre tutela contra o dano,
tutela reintegratória e tutela inibitória não decorre de exigência meramente conceitual,
mas visa responder às diferentes necessidades do direito material. 955 Na tutela
ressarcitória toma-se em consideração o dano; na tutela reintegratória a necessidade de
supressão do ilícito e, na tutela inibitória, a exigência de prevenção contra a violação do
direito. Com a fundamental conseqüência de que na tutela ressarcitória, ao contrário do
que ocorre nas outras duas, exige-se que o prejudicado prove – de lado as hipóteses de
responsabilidade sem culpa – a culpa ou o dolo do sujeito a quem o dano é imputado.
956
<texto>Se é verdade que a tutela reintegratória não se confunde com a tutela contra
o dano, isso não quer dizer que não é possível uma tutela ressarcitória na forma
específica. Considerada, em primeiro lugar, a responsabilidade extracontratual, poder-
se-ia imaginar que a única forma de tutela contra o dano é aquela que se presta em
953
Sobre a tutela, inclusive inibitória, contra a concorrência desleal, ver Luigi Mosco, La concorrenza
sleale. Napoli : Jovene, 1956, p. 188 e ss; Marco Sertorio, Illecito civile, concorrenza sleale, prescrizione.
Archivio della responsabilità civile e dei problemi generali del danno, 1964, p. 132 e ss; Geraldo Santini,
Concorrenza sleale ed impresa. Rivista di Diritto Civile, 1959, p. 125 e ss; Eduardo Bonasi Benucci, Atto
illecito e concorrenza sleale, Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1957, p. 563 e ss; Gustavo
Minervini, Concorrenza e consorzi. Milano : Vallardi, 1965, p. 51 e ss; Gustavo Ghidini, La repressione
della concorrenza sleale nel sistema degli artt. 2.598 ss. Cod. Civ. Rivista di Diritto Civile, 1970, p. 329 e
ss; Per Giusto Jaeger, Valutazione comparative di interessi e concorrenza sleale. Rivista di Diritto
Industriale, 1970, p. 38 e ss; Remo Franceschelli, Studi sulla concorrenza sleale, IV – La fattispecie.
Rivista di Diritto Industriale, 1963, p. 268 e ss; Giuseppe Auletta, Divieto di concorrenza e divieto di
concorrenza sleale. Diritto e giurisprudenza, 1956, p. 279 e ss. 954
Michele Mòcciola, Problemi del risarcimento del danno in forma specifica nella giurisprudenza,
Rivista Critica del Diritto Privato, 1984, p. 380-381. 955
Cf. Cesare Salvi, Il risarcimento del danno in forma specifica, cit., p. 587; Adolfo di Majo, embora
falando em tutela repristinatória, atenta para as diversas necessidades que estão na base das tutelas
ressarcitória e reintegratória: “Il tradizionale confine tra tutela risarcitoria e tutela ripristinatoria va
mantenuto, e non per amore di categorie concettuali ma perché esso risponde a bisogni differenziati di
tutela. Altro in sostanza è il bisogno di essere tenuti indenni dal danno che altri, con il proprio
comportamento, ha provocato, danno da valutarsi come concreto accadimento, passato e non futuro, altro
è il bisogno di vedere ripristinate le condizioni, di fatto e di diritto, che consentano per il futuro ai soggetti
di continuare a fruire dei benefici e vantaggi assicurati dai diritti di cui sono titolari” (Adolfo di Majo,
Forme e tecniche di tutela, cit., p. 18). 956
Cesare Salvi, Il risarcimento del danno in forma specifica, cit., p. 587.
360
pecúnia. O ressarcimento, contudo, pode dar-se não só através de pecúnia, mas
igualmente com a prestação de uma coisa ou de uma atividade que resulte adequada, em
vista da situação concreta, para eliminar as conseqüências danosas do fato lesivo. 957
<texto>Ora, se ressarcir quer dizer eliminar o dano, não há qualquer razão para
estabelecer uma correlação entre o dano e a prestação em pecúnia. 958 Eduardo
Talamini, referindo-se aos arts. 1.537 e ss. do CC de 1916, afirma que, “no sistema
brasileiro, a regra geral é a da indenização pecuniária dos danos decorrentes de atos
ilícitos”. 959 Diz, ainda, que no direito brasileiro não existe norma similar à contida no
art. 2.058 do CC italiano, há pouco mencionada.
<texto>Tal posição é equivocada, pois todos sabem que, em tema de
responsabilidade civil, sempre esteve presente o princípio da dupla forma de
ressarcimento: ou o ressarcimento na forma específica ou a indenização em dinheiro.
960 Ou melhor, como esclarece Pontes de Miranda, “em nenhum lugar do Código Civil
ou do Código Comercial se diz que a indenização há de ser precipuamente em
dinheiro”. 961
<texto>Aliás, para se concluir pela subsidiariedade da indenização em dinheiro em
relação ao ressarcimento na forma específica, bastaria atentar para a norma que estava
no art. 1.534 do CC de 1916 – agora reproduzida no art. 947 do novo Código Civil –,
assim escrita: “Se o devedor não puder cumprir a prestação na espécie ajustada,
substituir-se-á pelo seu valor, em moeda corrente”. Essa norma estabelece a
centralidade do ressarcimento na forma específica, deixando em segundo lugar a
indenização em dinheiro, que por isso é meramente subsidiária.
<texto>Isso quer dizer, como explica Pontes de Miranda, que na ação que objetiva
reparar ato ilícito, “o pedido pode dirigir-se a restauração em natura, e somente quando
957
Idem, ibidem, p. 585. 958
Veja-se, porém, o que afirma Orlando Gomes: “Se bem que a reposição natural seja o modo próprio de
reparação do dano, não pode ser imposta ao titular do direito à indenização. Admite-se que prefira receber
dinheiro. Compreende-se. Uma coisa danificada, por mais perfeito que seja o conserto, dificilmente
voltará ao estado primitivo. A indenização pecuniária poderá ser exigida concomitantemente com a
reposição natural, se esta não satisfizer suficientemente o interesse do credor” (Orlando Gomes,
Obrigações, cit., p. 51). 959
Eduardo Talamini, Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer, cit., p. 184. 960
Como explica Aguiar Dias, “de duas formas se processa o ressarcimento do dano: pela reparação
natural ou específica e pela indenização pecuniária. O sistema da reparação específica corresponde
melhor ao fim de restaurar, mas a indenização em dinheiro se legitima, subsidiariamente...” (José de
Aguiar Dias, Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1979, v. 2, p. 407). 961
Pontes de Miranda, Tratado de direito privado. Rio de Janeiro: Borsoi, 1971, v. 26, p. 27. Ver, ainda,
Araken de Assis, Liquidação do dano, RT 759/14.
361
haja dificuldade extrema ou impossibilidade de se restaurar em natura é que, em lugar
disso, se há de exigir a indenização em dinheiro”. 962
<texto>Portanto, é errado afirmar que o direito material não permite o ressarcimento
na forma específica. Essa modalidade de ressarcimento, segundo o direito material,
pode se dar mediante um fazer ou a entrega de coisa da mesma espécie da destruída. O
problema, portanto, nunca esteve no plano do direito material.
<texto>Foi o Código de Processo Civil que transformou o direito ao ressarcimento
na forma específica em direito ao recebimento de dinheiro. Isso pela simples razão de
ter conferido ao jurisdicionado, sem raciocinar adequadamente sobre o direito à
indenização na forma específica, um processo civil completamente incapaz de atendê-
lo.
<texto>Se o problema do ressarcimento na forma específica nunca esteve no plano
do direito material, mas sim na legislação processual, a doutrina, exatamente porque
tem o dever de interpretar as regras processuais dando efetividade ao direito material,
não pode desconsiderar as recentes normas dos arts. 461 e 461-A do CPC e 84 do CDC.
<texto>Reafirme-se que a doutrina brasileira sempre entendeu que o ressarcimento
na forma específica prefere ao ressarcimento em pecúnia. Aguiar Dias, aliás, em livro
publicado há mais de vintes anos, chega até mesmo a dar exemplos de ressarcimento na
forma específica: “Assim, por exemplo, se o responsável é obrigado a reparar, pode
proporcionar ao prejudicado a prestação que resultará na reparação econômica
natural. Exemplos: a) o do carro destruído ou roubado, quando depositado na oficina do
próprio construtor. Supondo que a reparação pecuniária não satisfaça ao prejudicado,
pelo fato de não ser possível obter com ela um carro igual, deve admitir-se que exija do
responsável a construção de um carro exatamente igual ao primeiro. Assim como se
pode obrigar o indivíduo que rompe uma vidraça a substituí-la por uma nova, assim se
deve proceder no exemplo acima; b) o do inquilino de uma parte da casa que tem dois
andares exatamente iguais. Responsável o proprietário pela impossibilidade da
continuação do contrato, não lhe bastará em certos casos, como o da extrema
dificuldade de conseguir habitação no lugar, que indenize o inquilino pecuniariamente.
Parece certo que, se dispõe o senhorio de um andar livre, exatamente igual ao que o
inquilino teve de abandonar, deve cedê-lo em cumprimento da locação”. 963 Como se
962
Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, cit., v. 26, p. 28. 963
José de Aguiar Dias, Da responsabilidade civil, cit., v. 2, p. 407-408.
362
vê, a tutela ressarcitória na forma específica sempre foi admitida pelo direito material. O
que faltava eram técnicas processuais capazes de conferir-lhe real efetividade. O que
não existia, em outras palavras, eram os arts. 461 do CPC e 84 do CDC. Na atualidade,
o ressarcimento na forma específica deve ser pensado à luz dos arts. 461 e 461-A do
CPC e 84 do CDC, uma vez que essas normas somente instituíram instrumentos para a
efetividade da tutela dos direitos. Note-se que o legislador, diante do direito
fundamental à tutela jurisdicional efetiva, fez sua parte, cabendo agora à doutrina e aos
operadores do direito cumprirem as suas.
<texto>Se o art. 461-A confere àquele que pode exigir a entrega de coisa a
possibilidade de requerer ordem sob pena de multa e busca e apreensão, não há como
pensar que esse artigo excluiu de seu âmbito a tutela ressarcitória na forma específica.
Do mesmo modo, não há razão para se concluir que, quando a reparação na forma
específica exigir um fazer, não é viável a utilização dos instrumentos processuais
próprios aos arts. 461 do CPC e 84 do CDC.
<texto>Se não há como negar que o ressarcimento na forma específica é possível
dentro do ordenamento jurídico brasileiro, é importante ressaltar a sua
imprescindibilidade diante das novas situações de direito substancial. Como escreve
Clayton Maranhão, estando a sociedade de consumo exposta a riscos inevitáveis, cujos
exemplos marcantes são o da colocação no mercado de produtos ou serviços com
periculosidade inerente (art. 8.º, CDC) e de produtos ou serviços cujo desenvolvimento
da ciência é limitado sobre o seu alto grau de nocividade à saúde, só descoberto
posteriormente à sua colocação no mercado (art. 10, § 1,º, CDC), não há como impedir
que danos à saúde humana possam vir a ocorrer. Nessa linha, a necessidade de efetiva
reparação do dano está diretamente ligada à noção geral de expectativa legítima do
consumidor e ao princípio geral da segurança dos bens de consumo. 964
<texto>Maranhão, ciente de que o ressarcimento do dano à saúde, nas novas
relações de consumo, deve priorizar a forma específica, e que esta modalidade de tutela
somente possui real sentido quando é efetiva, já raciocinando com base no art. 84 do
CDC, apresenta o seguinte exemplo: “O dano à saúde decorrente de erro médico tem
sido muito freqüente. Uma dessas situações refere-se ao esquecimento de instrumentos
cirúrgicos no corpo do paciente, havendo um caso real, já apreciado pela jurisprudência,
964
Clayton Maranhão, Tutela jurisdicional específica do direito à saúde nas relações de consumo: um
capítulo do direito processual do consumidor, Revista de Direito Processual Civil (Genesis), v. 24, p. 248.
363
em que foram necessárias cinco cirurgias, a última delas estética reparadora de
deformidade. No caso concreto, a paciente foi submetida a uma simples cirurgia para
retirada de cálculos na vesícula, recebendo alta cinco dias depois. Sentindo fortes dores,
retirou de seu abdômen um objeto metálico da dimensão de uma agulha, reinternando-se
por quatro vezes sucessivas no mesmo hospital, onde foi submetida a tantas
intervenções para retirada de objetos esquecidos em seu abdômen na primeira cirurgia.
Por conseqüência, contraiu deformidades estéticas que exigiram uma sexta intervenção
cirúrgica reparadora. Não bastasse, apresentou problemas de locomoção em razão de
mais um erro profissional: a enfermeira quebrara a agulha quando aplicava uma injeção.
Diante de tanta negligência, demandou em face do hospital e da equipe médica. Como
arcou com todas as despesas, pleiteou indenização pela soma em dinheiro
correspondente. Contudo, poderia muito bem ter invocado o art. 84, §§ 3.º, 4.º e 5.º,
para pleitear ressarcimento na forma específica, com pedido de antecipação de tutela,
consistente: i) na ordem de fazer dirigida ao hospital, sob pena de multa, sem despender
qualquer soma em dinheiro, pois tudo deveria correr às custas do referido
estabelecimento”. 965
<texto>O que poderia ser dito é que o uso da multa – e não o ressarcimento na
forma específica – somente é possível quando o infrator for titular de capacidade
técnica suficiente para viabilizá-lo. Isso porque, fora daí, o ressarcimento na forma
específica teria que ser custeado pelo infrator. Eis o problema em sua dimensão exata.
<texto>Pois bem, se o infrator possui, antes de mais nada, o dever de reparar o dano
na forma específica, e se essa reparação, em termos de processo civil, somente pode ser
realizada – diante do caso concreto – se por ele custeada, é lógico que esse dever de
pagar deve ser visto como um simples dever acessório ao dever de reparar. Se não for
assim, o dever de reparar o dano terá sido transformado em dever de pagar. Ou em
outras palavras: o direito ao ressarcimento na forma específica somente existiria quando
o infrator tivesse condições técnicas suficientes. Ora, o direito ao ressarcimento na
forma específica objetiva melhor atender ao lesado, e assim não devem importar as
qualidades daquele que cometeu o dano. Com efeito, a especial qualidade do infrator
não pode servir para retirar a efetividade do direito ao ressarcimento.
<texto> Lembre-se que tanto o art. 461 do CPC, quanto o art. 84 do CDC, afirmam
literalmente que a tutela específica possui preferência às perdas e danos. Ora, se em 965
Clayton Maranhão, Tutela jurisdicional, cit., Revista de Direito Processual Civil (Genesis), v. 24, p.
257.
364
relação as obrigações contratuais de fazer existe nítida preferência pela tutela específica
em relação à tutela pelo equivalente monetário, podendo o juiz, diante de pedido de
tutela de obrigação de fazer fungível inadimplida, ordenar sob pena de multa – como
fez questão de recentemente reafirmar o novo art. 287 do CPC966 –, não há motivo para
pensar que a multa não possa ser utilizada em relação ao dever de reparar o dano.
<texto>Conclusão contrária estaria admitindo que aquele que for reconhecido como
obrigado a uma prestação fungível pode ser compelido a fazer sob pena de multa, porém
nunca aquele que o juiz afirmar que tem o dever de reparar o dano. Seria o mesmo que
concluir que somente o direito decorrente de uma obrigação de fazer, mas não o direito
à reparação do dano, merece tutela jurisdicional efetiva. Tal conclusão, como é
evidente, não tem sustentação alguma, não apenas diante do direito material (com visto
acima), mas igualmente em face do direito processual. Basta interpretar os arts. 461 e
461-A do CPC e 84 do CDC de forma correta, percebendo-se que eles contêm normas
que instituem instrumentos processuais para a tutela dos direitos dependentes de um
fazer ou da entrega de coisa, e não simplesmente para a tutela das obrigações.
<texto>Se ninguém nega que é possível obter forçadamente, através da expropriação
de bens, o custo do ressarcimento, porque razão seria impossível utilizar a multa para
pressionar o infrator a custear a reparação? Somente assim o lesado não será penalizado
pelo infrator e pelo processo, e apenas dessa forma o ordenamento jurídico será
efetivamente atuado.
<texto>Recorde-se que a inexistência de uma efetiva tutela ressarcitória implica na
aceitação da transformação dos direitos em pecúnia, e assim no pagamento do valor em
dinheiro que seria equivalente ao do dano após vários anos da infração. Para ser mais
preciso: a negação da efetividade do ressarcimento na forma específica, em face das
novas relações de direito substancial, equivale à própria negação do direito material,
ou na transformação das normas relativas ao direito do consumidor (por exemplo) em
mera proclamação retórica.
<texto>Como é óbvio, um processo que só permite a cobrança de dinheiro do autor
do dano não constitui resposta adequada aos direitos. Um processo desse tipo é, na
realidade, um incentivo à prática de danos ou, pior, uma porta aberta à
desconsideração do direito material, já que o infrator, nesse caso, somente terá que
pagar o valor equivalente ao do dano – e isso quando o direito puder ser medido em
966
Através da Lei 10.444/2002.
365
pecúnia – depois de um bom tempo, o que certamente poderá ser, em termos meramente
econômicos e de mercado, uma excelente opção.
<texto>Por outro lado, é importante constatar que o credor de uma obrigação de
fazer fungível pode, em tese, valer-se do mecanismo da execução por sub-rogação, pois
esta espécie de obrigação (de fazer fungível), por sua própria definição, pode ser
prestada por terceiro às custas do obrigado. Se é assim, é de se perguntar a razão pela
qual o CPC expressamente admite o uso da multa – inclusive reforçando tal
possibilidade por meio do novo art. 287 – para que o devedor seja compelido a prestar o
fazer fungível. Seria porque o direito de crédito relativo a uma obrigação contratual de
fazer é mais importante do que os direitos que podem ser lesados, ou ainda porque as
regras relativas a tais obrigações merecem maior proteção do que as regras legais que
objetivam manter em equilíbrio as relações de consumo, ou mesmo íntegros os direitos
(como, por exemplo, o direito ao meio ambiente sadio)? Ora, quando se admite o uso
da multa, diante das obrigações de fazer fungíveis, pensa-se apenas em livrar o credor
da demora e do custo – enfim da inefetividade – da execução por sub-rogação. Essa
especial atenção dada às obrigações de fazer fungíveis, em certo sentido, ficaria
encoberta pela neutralidade que alguns pretendem atribuir ao processo. Nessa linha, o
raciocínio seria o seguinte: não importa saber a razão pela qual o processo admite o uso
da multa em relação às obrigações de fazer fungíveis. Ou melhor, não teria relevância
saber que espécie de direito material é efetivamente atendido pelo processo,
importando somente o que dizem as normas processuais, sem que a partir delas fosse
possível estabelecer um raciocínio crítico ligado à efetividade do direito material.
<texto>Como é evidente, não há como pensar no processo e deixar de lado o direito
material, pois este é a razão de ser daquele. Assim, se o direito à prestação de um fazer
fungível não tem motivo para merecer tutela mais efetiva do que o direito ao
ressarcimento na forma específica, não há razão para supor que o uso da multa não pode
ser utilizado quando se pretende o ressarcimento na forma específica. Frise-se que o uso
da multa foi expressamente estabelecido em relação às obrigações de fazer fungíveis
apenas para dar maior efetividade à sua tutela jurisdicional.
<texto>Lembre-se que a doutrina e os operadores do direito têm o dever de
interpretar as normas processuais à luz do direito fundamental à tutela jurisdicional
efetiva. Trata-se de dever, exatamente porque a doutrina e os operadores do direito
devem pensar em um processo civil que seja capaz de garantir a efetividade da tutela do
366
direito material, e não em um obstáculo à realização daquilo que é almejado pelas
regras jurídicas. Se é assim, cabe voltar ao exemplo fornecido por Clayton Maranhão, e
referido linhas antes. Maranhão, ao apresentar o caso em que um erro médico exigiu
várias cirurgias, além de ter deixado claro – como mencionado ao final do exemplo
narrado acima – que a ordem poderia ser dirigida para obrigar o próprio hospital a
realizar as cirurgias, evidenciou que a ordem sob pena de multa pode ser dirigida para
obrigar à reparação do dano, ainda que o demandado não tenha aptidão técnica para o
fazer. Disse ele que o lesado poderia, invocando o art. 84 do CDC, postular tutela
ressarcitória na forma específica, inclusive na forma antecipada, consistente em “ordem
de fazer dirigida ao hospital, no sentido de entregar soma em dinheiro diretamente a
outro hospital e equipe médica de confiança”. 967
Ora, se não for viável o ressarcimento na forma específica mediante o uso da multa,
porém apenas o recurso ao mecanismo da execução por sub-rogação, o processo civil
estará aceitando a morte do paciente lesado968 e transformando o direito à reparação
específica em direito à herança.
<texto>Alguém poderia revelar preocupação com o que menos importa, ou seja,
com o fato de que, nesse caso, pessoa diferente da responsável pelo dano deverá realizar
o fazer. Ora, se isso pudesse ser empecilho ao ressarcimento na forma específica,
também o seria para a tutela reintegratória, como por exemplo a necessidade de
demolição de obra realizada em desrespeito às regras de urbanismo. Se o juiz pode
determinar a demolição de obra (realizada em local proibido) que está ameaçando poluir
o meio ambiente, pouco importando a capacidade técnica do réu em realizá-la, por que
estaria proibido de determinar a reparação do dano àquele que precisa dos serviços de
outra pessoa? Note-se que, em qualquer dos casos, será necessário o contraditório não
apenas sobre as qualidades da pessoa escalada para o fazer, mas especialmente sobre a
idoneidade do fazer em si. Ou melhor, o dano somente pode ser considerado
efetivamente reparado se o fazer, realizado pelo terceiro, for chancelado pelo juiz, a
partir de ampla oportunidade para o contraditório.
<texto>Deixe-se claro, por outro lado, que com a afirmação da preferência da tutela
ressarcitória na forma específica sobre a indenização em dinheiro não se está dizendo
967
Clayton Maranhão, Tutela jurisdicional, cit., Revista de Direito Processual Civil (Genesis), v. 24, p.
257. Ver, ainda, do mesmo autor, Tutela específica do direito à saúde. São Paulo: RT, 2003. 968
Ou, na melhor das hipóteses, que ele tivesse que se conformar com o seu estado durante a longa
demora para a obtenção de indenização em dinheiro.
367
que, para a efetiva tutela dos direitos, não é possível a cumulação do ressarcimento na
forma específica com o ressarcimento em dinheiro.
<texto>Há suposição de que o dano não-patrimonial não pode ser materializado, e
que assim somente pode ser compensado em dinheiro. Pensa-se, nesse sentido, na
chamada “dor moral”. Trata-se de engano, uma vez que a natureza do dano não pode
ser confundida com a forma de sua reparação. Há danos não-patrimoniais que, em
razão de sua natureza, podem ser reparados na forma específica, enquanto que outros
somente podem ser compensados em dinheiro. 969 O dano não-patrimonial pode abrir
ensejo ao ressarcimento na forma específica cumulado com o ressarcimento em dinheiro
ou, quando a primeira forma de reparação for impossível, apenas ao pagamento de
dinheiro.
<texto>É importante frisar que ressarcimento na forma específica não significa
mero restabelecimento da situação anterior à do ilícito, mas sim o estabelecimento da
situação que deveria existir caso o dano não houvesse ocorrido. 970 Há casos em que é
impossível o estabelecimento de uma situação equivalente àquela que existiria caso o
dano não tivesse ocorrido, mas é viável o estabelecimento da situação anterior à do
dano, ou de uma situação que satisfaz, em parte, à necessidade de sua reparação.
<texto>Assim, por exemplo, se somente é possível, no caso da poluição de um rio, o
estabelecimento de uma situação parcialmente equivalente àquela que existia antes da
poluição, apenas parcela do dano será ressarcida por meio da tutela ressarcitória na
forma específica. A outra parcela do dano, que não poderá ficar sem sanção, terá que
ser ressarcida por meio do pagamento de dinheiro. No caso de corte de árvores, a
determinação do plantio de pequenas árvores, evidentemente não equivalentes àquelas
que existiriam caso o corte não houvesse ocorrido, configura apenas ressarcimento
parcial do dano, sendo necessário, também nesse caso, para que o dano seja
969
A doutrina alemã entende que o ressarcimento na forma específica se aplica aos danos de natureza
patrimonial e não-patrimonial. Como afirma Othmar Jauernig, “im Rahmen der Naturalrestitution besteht
keine Trennung zwischen Vermögensschaden und Nichtvermögenssachaden (vgl Anm II vor § 249), §
253 gilt nur für den Geldersatz. Bsp: Widerruf einer beleidigenden Behauptung (BGB 37, 187); Abdruck
einer Gegendarstellung bei einer Ehrverletzung (Köln NJW 62, 1348); Entfernung eines unrichtigen
Zeugnisses aus der Personalakte (BAG NJW 72, 2016); Herausgabe von Abschriften eines widerrechtlich
kopierten Briefes (RG 94, 4)” (Othmar Jauernig, Bürgerliches Gesetzbuch mit Gesetz zur Regelung des
Rechts der Allgemeinen Geschäftsbedingungen, München, CH, Beck’ische Verlagsbuchhandlung, 1994,
p. 225). 970
Como deixa claro Helmut Rübmann, o § 249 do CC alemão fala em obrigação de estabelecer a
situação que existiria caso o dano não houvesse ocorrido. “§ 249 Satz 1 gibt dem Gläubiger einen
Anspruch auf Herstellung in Natur” (Helmut Rübmann, Kommentar zum Bürgerlichen Gesetzbuch.
Darmstadt, Luchtenhand, 1980, p. 185).
368
adequadamente sancionado, a cumulação da tutela ressarcitória na forma específica
com a tutela ressarcitória pelo equivalente monetário. 971
<texto>Lembre-se que, na doutrina italiana, a publicação da sentença é pensada
como forma de ressarcimento na forma específica, quando ela pode contribuir para
reparar o dano. De fato, segundo o art. 120, primeira parte, do CPC italiano, “nei casi in
cui la pubblicità della decisione di merito può contribuire a riparare il danno, il giudice,
su istanza di parte, può ordinarla a cura e spese del soccombente, mediante inserzione
per estratto in uno o più giornali da lui designati”. 972
<texto>Eduardo Talamini afirma “que o ressarcimento na forma específica não se
confunde com a restituição. A sanção restituitória busca estabelecer a própria situação
que se teria se não houvesse a violação. Sob esse aspecto, ataca a própria transgressão.
Já o ressarcimento na forma específica dirige-se contra os danos advindos da
transgressão”. 973 Porém, é o ressarcimento que, para ser integral, deve propiciar a
situação que existiria caso o dano não houvesse ocorrido. O ilícito, por configurar
somente transgressão, é tutelado apenas mediante a sua remoção, não sendo de se
pensar, aí, em estabelecer a situação “que se teria se não houvesse a violação”, mas
apenas no restabelecimento da situação anterior à da transgressão. Explica-se: é que, se
a transgressão não gerou dano, basta o restabelecimento da situação anterior, não sendo
necessário o estabelecimento da situação que existiria caso a violação não houvesse
ocorrido. Ou seja, é o dano, e não a simples transgressão ou violação, que pode exigir
mais do que o simples restabelecimento da situação anterior. É por essa razão que o
dano pode ser ressarcido mediante a cumulação da tutela ressarcitória na forma
específica com a tutela ressarcitória em dinheiro. Falar que a “sanção restituitória”
“busca estabelecer a própria situação que se teria se não houvesse a violação” é
confundir “sanção restituitória” com “sanção ressarcitória”. Ora, como já foi dito, esta é
971
Ver Peter Erman, Handkommentar zum Bürgerlichen Gesetzbuch. Münster: Aschendorf, 1993, v.1, p.
22. 972
“Piuttosto, escluso che ricorra qui un’ipotesi di risarcimento pecuniario – le spese sono addossate al
soccombente per il mero fine della pubblicazione – sembra doveroso ammettere che si tratti di un caso di
risarcimento in forma specifica e riconoscere così fin d’ora che la reintegrazione del danno possa
conseguirsi in forme un po’diverse da quella, a cui si è soliti pensare, in tema di ricostituzione dello stato
di fatto” (Renato Scognamiglio, Il risarcimento del danno in forma specifica. Rivista Trimestrale di
Diritto e Procedura Civile, 1957, p. 217-218). Não é diferente o entendimento de Salvi: “Talvolta il
contenuto della prestazione riparatoria è predefinito dalla legge: così accade, secondo la spiegazione
preferibile, per la pubblicazione della sentenza di condanna, che l’art. 120 C.P.C. prevede come mezzo di
riparazione del danno patrimoniale (e l’art. 186 C.P. anche di quello non patrimoniale). È, questa, una
modalità certo indiretta, ma in talune ipotesi adatta al fine di eliminare almeno in parte le conseguenze
dannose ...” (Cesare Salvi, Il risarcimento del danno in forma specifica, cit., p. 583). 973
Eduardo Talamini, Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer, cit., p. 183.
369
a função do ressarcimento. Pior ainda é não atentar para o fato de que somente o
ressarcimento, e não a remoção do ilícito, exige o dano e o elemento subjetivo. Eduardo
Talamini supõe que a “sanção ressarcitória” em dinheiro atua quando a “sanção
restituitória é inviável ou opera parcialmente”. 974 Contudo, o ressarcimento em
dinheiro pode ser postulado quando o ressarcimento na forma específica for
impossível, nada tendo a ver com a remoção de ilícito. É importante esclarecer, aliás,
que para a obtenção de ressarcimento em dinheiro é necessário provar o dano e o
elemento subjetivo, ao passo que, para o restabelecimento da situação anterior à
violação, estes elementos evidentemente não precisam ser demonstrados. Como é óbvio,
tais elementos somente precisam estar presentes em caso de ressarcimento, e não de
restituição.
<texto>Além disso, há casos em que o próprio ilícito pode ocasionar dano somente
em parte reversível, quando também seria necessário o ressarcimento na forma
específica cumulado com o ressarcimento em dinheiro. O Tribunal de Justiça do Rio
Grande Sul, analisando ação civil pública, já teve oportunidade de tratar de hipótese em
que somente parte do dano ao meio ambiente era reversível, chegando acertadamente à
conclusão de que o dano deveria ser indenizado por meio de ressarcimento em dinheiro
cumulado com ressarcimento na forma específica. Eis a ementa do julgado: “Apelação
cível. Reexame necessário. Ação civil pública. Dano ambiental. Sítio arqueológico.
Retirada de areia. Demonstrados nos autos os danos causados em decorrência do
proceder da demandada e da falta de fiscalização do município, impunha-se a
procedência da ação. A perícia atesta danos irreversíveis, de modo que é cabível a
restauração do que for possível mais a indenização dos danos. Apelação improvida.
Sentença confirmada em reexame”. 975
<texto>A impossibilidade do ressarcimento integral na forma específica não exclui
a possibilidade de cumulação de ressarcimento na forma específica com ressarcimento
pelo equivalente. Ao contrário, para que o direito seja efetiva e adequadamente
reparado, muitas vezes esses ressarcimentos terão que ser postulados na forma
cumulada.
<texto>Esclareça-se, por fim, que o ressarcimento na forma específica é
fundamental diante de danos a direitos difusos. Nessas situações, como, por exemplo, o
974
Idem, ibidem. 975
TJRS, 1.ª C.C., Ap. Cível 70000687921, rel. Des. Adão Cassiano, julg. em 20.06.2001.
370
da poluição de uma baía, o Estado certamente não tem condições econômicas para arcar
com os custos da reparação, para mais tarde cobrá-los do poluidor. Se isso ocorresse,
aliás, os eventuais poluidores, diante da transferência imediata do custo do dano ao
Estado, certamente receberiam um incentivo para não tomarem precaução em relação às
suas atividades. Teria ainda menor sentido submeter a reparação do meio ambiente a
cinco ou seis anos de processo, tempo que seria necessário para a obtenção de dinheiro
do poluidor através dos meios executivos tradicionais.
<texto>Demonstrado que o ressarcimento na forma específica é viável no direito
brasileiro, cabe sublinhar que a identificação dessa tutela com a reintegratória é fruto da
velha teoria unitária do ilícito civil. A confusão entre a tutela contra o dano e as outras
formas de tutela revela total ignorância em relação à mais significativa conquista das
modernas teorias da tutela civil dos direitos, consistente no reconhecimento do estreito
nexo existente entre os pressupostos, as funções e os efeitos das várias formas de
proteção dos interesses. 976
<texto>Porém, as dificuldades crescem ainda mais quando se pensa na tutela das
obrigações contratuais. Essa questão, embora fundamental dentro do discurso sobre a
tutela dos direitos, algumas vezes não é considerada – talvez por sua complexidade –
pela doutrina. 977
<texto>O problema é saber se a tutela da própria obrigação contratual inadimplida
pode ser vista como tutela ressarcitória ou como tutela reintegratória. Quem se volta ao
clássico trabalho de Scognamiglio encontra, de fato, a afirmação de que “a particolari
difficoltà da luogo la raffigurazione del risarcimento in forma specifica nel campo delle
obbligazioni: con riguardo soprattuto alla fase della esecuzione forzata in forma
specifica dal vincolo obbligatorio”. 978
<texto>Na verdade, a tutela da obrigação contratual liga-se apenas à necessidade do
adimplemento, pois tem por fim satisfazer o direito de crédito, nada tendo a ver com o
dano e, portanto, com a responsabilidade contratual ocasionada pela ausência da
prestação. É esta, ao que parece, a posição de Scognamiglio: “Também aqui o problema
não reveste mero interesse teórico: subsiste em qualquer caso uma diferença
976
Cesare Salvi, Il risarcimento del danno in forma specifica, cit., p. 590. 977
Cristina Rapisarda, por exemplo, deixa de enfrentar esta questão (ver Profili della tutela civile
inibitoria, cit., p. 233). 978
Renato Scognamiglio, Il risarcimento del danno in forma specifica. Rivista Trimestrale di Diritto e
Procedura Civile, 1957, p. 224.
371
fundamental entre o fundamento da realização, eventualmente forçada, da obrigação, e o
outro da responsabilidade (e do ressarcimento) pelo inadimplemento”. 979
<texto>Com efeito, a não-entrega da prestação devida não se confunde com o dano
que pode ser provocado pelo inadimplemento. O fundamento da exigência do
adimplemento nada tem a ver com o fundamento da responsabilidade contratual
derivada do inadimplemento. 980
<texto>O tratamento dessa questão, no direito brasileiro, não pode deixar de
considerar as classificações doutrinárias das variantes do inadimplemento, e assim a que
leva em consideração o efeito principal do não-cumprimento, distinguindo entre o não-
cumprimento definitivo, a mora ou simples retardamento no cumprimento e o
cumprimento defeituoso da obrigação. 981
<texto>Quando a prestação não é mais possível, há inadimplemento definitivo. Ou
seja, quando a prestação não pode mais ser exigida in natura, somente cabe a tutela pelo
equivalente. No caso de cumprimento defeituoso da obrigação, isto é, na hipótese em
que há deficiência da prestação ou falta de observância de um dos deveres acessórios de
conduta, há evidentemente responsabilidade, e deste modo pode ser exigido o
cumprimento da obrigação na “forma perfeita”. 982
<texto>Em determinados casos, independentemente do não-cumprimento, a
prestação ainda pode ser realizada e é do interesse do credor. Entra aí o art. 394 do novo
CC, que dispõe que se considera em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o
credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção
estabelecer.
<texto>Segundo o art. 396, não havendo fato ou omissão imputável ao devedor, não 979
Renato Scognamiglio, Il risarcimento del danno in forma specifica, Rivista Trimestrale di Diritto e
Procedura Civile, 1957, p. 226. Tradução livre. Emilio Betti, em outro trabalho clássico, já havia alertado
para esta questão: “Anzitutto è discutibile l’esattezza della delimitazione concettuale, che porterebbe a
riconoscere rigorosa e propria la qualifica, certamente impropria e approssimativa, di ‘risarcimento in
forma specifica’: dove in realtà si tratta di una reintegrazione, la cui affinità con altre forme di esecuzione
o di reintegra (riparazione) non pare seriamente contestabile” (Emilio Betti, Sul cosiddetto risarcimento
del danno in forma specifica in materia contrattuale, Giurisprudenza italiana, 1948, p. 262). 980
Renato Scognamiglio, Il risarcimento del danno in forma specifica, Rivista Trimestrale di Diritto e
Procedura Civile, 1957, p. 226. 981
Antunes Varela, Direito das obrigações. Rio de Janeiro : Forense, 1978, v. 2, p. 51. 982
Como explica Antunes Varela, “Durante muito tempo se partiu da idéia de que o cumprimento
defeituoso da obrigação não constituía uma espécie autônoma na área do não-cumprimento. Se o defeito
da prestação não afetava, em termos essenciais, o interesse do credor, o fato era irrelevante para o Direito.
Se o defeito da prestação prejudicava decisivamente o interesse do credor, este poderia defender-se,
através da tutela dos vícios redibitórios ou do erro sobre as qualidades do objeto, ou poderia mesmo
recusar o cumprimento” (Antunes Varela, Direito das obrigações, v. 2, p. 62). Ver os arts. 18, 19 e 20 do
CDC brasileiro.
372
incorre este em mora. A mora é definida como o injusto retardamento no cumprimento
da obrigação; em sua conceituação entra o elemento subjetivo. Afirma-se, assim, que há
mora, em relação ao devedor, quando a prestação não é cumprida por sua culpa.
<texto>Deixe-se claro, porém, que a mora somente importa para a definição da
responsabilidade relativa ao dano ocasionado pelo inadimplemento. Somente a mora, e
não o simples retardamento, faz com que o devedor tenha que responder por perdas e
danos. Havendo mora, diz o art. 395, responde o devedor pelos prejuízos a que ela der
causa. O devedor em mora tem não só que realizar a prestação, mas também que
indenizar os eventuais prejuízos sofridos pelo devedor. Há nítida diferença entre a tutela
específica do adimplemento e a tutela contra o dano que pode ser ocasionado em razão
do inadimplemento.
<texto>Antunes Varela, no seu excelente Direito das obrigações, afirma que nas
obrigações positivas, quando haja mora, o interesse do credor está apenas por satisfazer,
ao contrário do que acontece diante das obrigações negativas. Segundo Antunes Varela,
a eliminação dos atos praticados em contrariedade à obrigação negativa assumida pelo
credor não têm “o sentido de uma execução coativa da prestação devida, mas de uma
reparação do dano causado ao credor”. 983
<texto>Porém, não há razão para tal distinção. É certo que no caso em que o próprio
ato é removido, restabelecendo-se a situação anterior, realiza-se a obrigação derivada do
inadimplemento. Entretanto, na hipótese referida por Antunes Varela, tratando-se de
obrigação negativa de natureza continuada ou, mais precisamente, de violação de
obrigação de não-fazer que se concretiza em ato de eficácia continuada, a tutela da
obrigação derivada do inadimplemento da obrigação de não-fazer (obrigação de destruir
a obra), da mesma forma que a tutela da obrigação positiva originária, não se confunde
com a tutela contra o dano, que pode ser ocasionado pelo descumprimento da
obrigação positiva ou da obrigação negativa. Ora, se “A” obrigou-se a não construir
em determinado local, há nítida diferença entre a tutela que determina a destruição da
obra e a tutela contra o dano que pode ter sido provocado por sua construção.
<texto>Nessa perspectiva, não há como não estabelecer diferença entre a tutela da
obrigação contratual inadimplida e a tutela ressarcitória do dano eventualmente
provocado pelo inadimplemento. Na verdade, o equívoco da doutrina, em pensar que,
no caso de obrigação negativa, a imposição do desfazer constitui tutela ressarcitória,
983
Idem, ibidem, p. 110.
373
decorre da ausência de percepção de que, também no caso de inadimplemento de
obrigação de não fazer, o não-cumprimento apenas eventualmente pode gerar dano, e
somente nesse caso terá cabimento a tutela ressarcitória, que obviamente não exclui a
tutela de fazer (desfazer) derivada da obrigação originária de não fazer. Ora, o dano é
eventual não apenas diante de inadimplemento de obrigação de fazer, mas também no
caso de descumprimento de obrigação de não-fazer.
<texto>Imaginávamos que o Código Civil de 2002 iria delimitar o campo de
incidência da mora, deixando claro que ela somente importa quando se pergunta sobre o
dano proveniente do inadimplemento. Se o Código Civil afirma que há mora quando “o
devedor não efetuar o pagamento”, e que a mora depende de fato ou omissão imputável
ao devedor, é de perguntar o que existe quando há simples inadimplemento. Note-se
que, na linha do disposto no Código Civil, seria possível entender que a tutela específica
da obrigação inadimplida somente é cabível no caso de inadimplemento culposo.
Porém, quando a prestação ainda pode ser cumprida, não há razão para se vincular a
possibilidade de exigir o cumprimento específico à culpa.
<texto>Perceba-se que a diferença entre inadimplemento e mora não tem relação
com a possibilidade do cumprimento da obrigação. Inadimplir é descumprir. Se o prazo
para o cumprimento não foi observado, e a obrigação ainda pode ser adimplida, há
evidente inadimplemento (ou descumprimento). A mora é o inadimplemento
qualificado pela culpa. Portanto, embora a obrigação ainda possa ser adimplida, pode
haver inadimplemento e inadimplemento culposo (ou mora). Dizer que o simples
inadimplemento (não culposo) não importa quando há descumprimento “temporário” é
o mesmo que afirmar que, neste caso, a obrigação – ainda que o seu cumprimento seja
possível e desejável – não pode ser adimplida. Ora, o fundamento do direito à prestação
não tem nada a ver com o dano e, portanto, com a culpa. A culpa somente tem
relevância quando se investiga a responsabilidade pelo dano. Ou seja, a mora (ou o
retardamento culposo) somente importa quando se pensa na responsabilidade pelo
eventual dano causado pelo inadimplemento.
<texto>O inadimplemento também ocorre diante de cumprimento imperfeito. Neste
caso, quando se busca, através de tutela específica, a substituição das partes viciadas do
bem, a complementação do peso ou da medida, a substituição do produto ou a
reexecução do serviço (arts. 18, 19 e 20 do CDC), postula-se o adimplemento da
obrigação. Esta tutela não se funda na responsabilidade pelo dano, mas sim na garantia
374
de qualidade ínsita à própria obrigação. O devedor que cumpre de modo imperfeito
viola a sua obrigação de prestar, e assim abre ensejo a uma tutela voltada ao
adimplemento na forma específica – seja mediante a substituição das partes viciadas do
bem, a complementação do peso ou da medida, a substituição do produto ou a
reexecução do serviço (arts. 18, 19 e 20 do CDC). Esta tutela, assim como a tutela
baseada no descumprimento do prazo para a prestação, nada tem a ver com o dano e
com a culpa.
<texto>A doutrina italiana tem sentido grande dificuldade para classificar a tutela
voltada ao adimplemento na forma específica. Adolfo di Majo, por exemplo, ao referir-
se ao “adimplemento coattivo di obbligazioni derivanti dal contratto”, fala, confessando
que é por comodidade de linguagem, em “tutela satisfattiva”. 984 Entretanto, se o que
importa é estabelecer as diferenças da repercussão do processo diante das distintas
necessidades do direito material, é importante perceber que a tutela ora em questão tem
por fim satisfazer o direito à prestação garantida pela obrigação.
<texto>Por outro lado, as obrigações podem ser violadas por atos de eficácia
continuada ou atos de eficácia instantânea. Nessa última hipótese, aliás, não é
impossível pensar em obrigações que podem ser violadas por atos suscetíveis de
repetição no tempo. Imagine-se, por exemplo, que certa empresa ficou obrigada a
inserir, em sua publicidade, determinada informação ao público consumidor. Se, nas
primeiras publicidades televisivas dessa empresa, tal obrigação simplesmente foi
“esquecida”, parece inegável que a empresa interessada na correta informação do
consumidor possui interesse em impedir que novos inadimplementos ocorram. Excluir
esta possibilidade de tutela é o mesmo que transformar o direito garantido por meio do
contrato em direito a indenização em dinheiro que dificilmente poderá ser precisado e
avaliado. Tal tutela pode ser dita “tutela inibitória do inadimplemento”.
<texto>Deixando essa questão de lado, é correto dizer que a obtenção de coisa pode
atender a situações de direito substancial com conteúdos diferentes, ou seja, a diversas
necessidades do direito material. É evidente que a entrega de coisa pode satisfazer uma
simples obrigação contratual, quando a tutela será específica da obrigação contratual
inadimplida. Porém, a entrega de coisa também pode ser exigida com base em outro
fundamento, como o direito de propriedade.
<texto>Isso significa que o art. 461-A, recentemente introduzido no CPC, ao
984
Adolfo di Majo, Tutela civile dei diritti, cit., p. 252.
375
estabelecer novas técnicas processuais, passou a viabilizar, além da entrega de coisa
baseada em obrigação ou em direito não obrigacional, a tutela ressarcitória na forma
específica (entrega de coisa igual à que foi destruída).
<texto> Perceba-se que as novas técnicas postas nesse artigo poderão ser invocadas
por aquele que desejar reivindicação, imissão na posse, ou mesmo reintegração de
posse, no caso em que o esbulho tiver sido praticado há mais de ano e dia, e assim não
for aplicável o procedimento especial de reintegração de posse.985
<texto>Não há como não distinguir essas tutelas quando o objetivo é dar conta das
diversas necessidades do direito material e das diferentes repercussões do processo. Ora,
se é necessário atentar para as necessidades do direito material, também não há como
deixar de perceber as diferentes maneiras mediante as quais o processo, em razão delas,
repercute sobre o plano do direito material.
<texto>Não é possível, aqui, maior aprofundamento da questão da “tutela dos
direitos”, não só porque a presente obra objetiva, neste momento, apenas encontrar um
lugar adequado, dentro de um esboço de classificação das tutelas, à tutela inibitória, mas
também porque essa questão é – como reconhecem os próprios civilistas italianos – uma
das mais intrincadas da nova dogmática jurídica e, dessa forma, exige mais tempo e
espaço (talvez um outro trabalho) 986 para que seu tratamento possa ser mais
aprofundado. Portanto, é o caso de se passar, finalmente, à análise da tutela inibitória e
de seu enquadramento na classificação que está sendo elaborada.
<texto>Como se viu, se a tutela de inibição do ilícito tem alguma semelhança com a
tutela reintegratória, é bastante diferente das tutelas ressarcitória e do adimplemento.
985
Ver de forma ampla, sobre as tutelas relacionadas à coisa, Luiz Guilherme Marinoni, Técnica
processual e tutela dos direitos, São Paulo: Ed. RT, 2004, p. 475/603. 986
Considerando o grande número de excelentes alunos que vêm despontando nos Cursos de Mestrado e
Doutorado da UFPR, esperamos que algum deles se disponha a dar continuidade ao presente trabalho, até
porque as idéias não se cristalizam em determinado momento, mas continuam sempre a ser construídas
através do esforço de várias pessoas e de diversas gerações. Ver, já nesse sentido, Sérgio Cruz Arenhart,
A tutela inibitória da vida privada, São Paulo: RT, 2000; Sérgio Cruz Arenhart, A tutela inibitória
coletiva, São Paulo: RT, 2003; Clayton Maranhão, Tutela jurisdicional específica do direito à saúde nas
relações de consumo: um capítulo do direito processual do consumidor, Revista de Direito Processual
Civil, v. 24; Clayton Maranhão, Tutela específica do direito à saúde. São Paulo: RT, 2003; Paulo Ricardo
Pozzolo, Ação inibitória no processo do trabalho, São Paulo: LTr, 2001; Luciane Gonçalves Tessler, A
possibilidade da majoração da multa coercitiva para a prestação da tutela inibitória, Revista de Direito
Processual Civil, v. 21; Roberto Benghi Del Claro, A tutela inibitória na proteção do meio ambiente,
Revista de Direito Processual Civil, v. 19; Cleide Kazmierski, A ineficiência do art. 287 do CPC para a
proteção do direito à exclusividade no uso da marca, Revista de Direito Processual Civil, v. 20; Luiz
Fernando Pereira, Tutela inibitória na proteção de marca comercial, Revista de Direito Processual Civil,
v. 20, Rafaela Almeida do Amaral, Tutela inibitória e concorrência desleal, Revista de Direito Processual
Civil, v. 21.
376
Rapisarda, sem sequer aludir ao problema da tutela da obrigação contratual inadimplida,
e sem falar, portanto, na categoria da “tutela do adimplemento”, classifica a inibitória
como tutela reintegratória. A processualista, embora realize, em um primeiro momento,
adequada distinção entre a tutela ressarcitória e a tutela reintegratória, peca por não
distinguir a tutela reintegratória da tutela inibitória. 987
<texto>Com efeito, não há razão para confundir a inibitória com a tutela de remoção
do ilícito (reintegratória). Entretanto, para que ninguém suponha que a tutela inibitória
é repressiva, ainda que em relação ao ilícito, é imprescindível diferençar, neste
momento, a prática continuada de um agir ilícito e a simples propagação dos efeitos do
ilícito já praticado. Existe nítida diferença entre os efeitos continuados decorrentes de
um ilícito e a prática continuada de uma ação ou omissão ilícita. Quando o ilícito se
perpetua no tempo em decorrência de uma ação que já ocorreu, mas cujos efeitos ainda
se propagam no tempo, não há mais como impedir a prática da ação ilícita, sendo
apenas possível impedir o prosseguimento de seus efeitos. Melhor explicando:
exatamente porque somente a ação (ou omissão) continuada pode ser inibida, e não a
ação cujos efeitos se perpetuam no tempo, há diferença entre impedir a continuação do
agir ilícito e remover o ilícito cujos efeitos estão repercutindo no tempo.
<texto>É por esse motivo que a necessidade de apreensão de produto nocivo
exposto à venda ou de demolição de obra realizada em desacordo com as regras legais
podem ser obtidas através de tutela de remoção do ilícito. Mas, quando é preciso
impedir o prosseguimento de uma ação ilícita (por exemplo, poluição ambiental), a
tutela a ser utilizada é a inibitória. A inibitória objetiva impedir a continuação do agir
ilícito, ao passo que a tutela de remoção do ilícito tem por fim remover o ato cujos
efeitos prosseguem no tempo. Note-se que, nesse último caso, a tutela não ataca a
continuação de uma ação ilícita, mas a continuação dos efeitos de uma ação que já foi
praticada.
<texto>Porém, o que precisa ficar claro é que a tutela de remoção do ilícito, embora
voltada contra uma ação ilícita já praticada, tem função repressiva somente quanto ao
ilícito, e não diante dos danos que podem dele decorrer.
<texto>Entretanto, nada impede que se identifique na inibitória voltada contra o
chamado ilícito continuado uma dificuldade teórica, própria daquelas situações de “zona
de penumbra”, onde a tutela inibitória contra o ilícito continuado e a tutela de remoção
987
Cristina Rapisarda, Profile dela tutela civile inibitoria, cit.
377
do ilícito parecem encontrar lugar. Ora, se as próprias regras jurídicas têm uma zona de
incerteza, 988 não há porque não reconhecer que em alguns casos os conceitos jurídicos
deixam de ter nitidez para assumir uma feição nebulosa, como se estivessem envoltos
em nuvem de fumaça. Como diz Genaro Carrió, “los juristas (no todos) se dan cuenta
(no siempre) de estas cosas. Cuando no los obsesiona el afán de alcanzar una
inalcanzable seguridad, o el deseo de presentar, con fines didácticos, un cuadro de
perfiles nítidos, libre de zonas grises, reconocen que ‘las categorías jurídicas no
presuponen identidad con las categorías y conceptos de otras ciencias, sino que se
inspiran más bien en los conceptos vulgares’ (Rotondi, Istituzioni di diritto privato, p.
412), y admiten que por fuerza ‘tenemos que tropezar con la imprecisión o relatividad
de los conceptos jurídicos’, pues ‘existen numerosas zonas de transición, en las que el
jurista debe estar alerta para no caer en una peligrosa geometría jurídica”. 989
<texto>Lembre-se, contudo, de que há genuína prevenção no caso de tutela
inibitória dirigida a prevenir tout court o ilícito, uma vez que aí ainda não houve
qualquer lesão a direito. Assim, e porque a tutela inibitória, mesmo quando objetiva
apenas impedir a continuação de um ilícito, não pode ser confundida com a tutela de
remoção de ilícito (reintegratória), não há como não definir a tutela inibitória à margem
da tutela de remoção do ilícito.
<texto>Há, dessa forma: i) tutela ressarcitória (aí incluída a tutela ressarcitória na
forma específica – arts. 461, 461-A, CPC, e 84, CDC); ii) tutela reintegratória (de
remoção do ilícito, arts. 461, CPC, e 84, CDC); iii) tutela de obtenção e de restituição de
coisa (art. 461-A, CPC); iv) tutela específica do adimplemento da obrigação contratual
de fazer e de entregar coisa (inclusive no caso de cumprimento imperfeito – arts. 461,
461-A, CPC, e 84, CDC); v) tutela específica do dever legal de fazer (arts. 461, CPC, e
84, CDC); e vi) tutela inibitória (aí inseridas a tutela inibitória que tem por escopo
prevenir tout court a prática de um ilícito, as tutelas inibitórias destinadas a impedir a
repetição ou continuação do ilícito, e as tutelas inibitórias relacionadas ao
inadimplemento – arts. 461, CPC, e 84, CDC).
988
“Yet all rules have a penumbra of uncertainty where the judge must choose between alternatives. Even
the meaning of the innocent-seeming provision of the Wills Act that the testator must sign the will may
prove doubtful in certain circumstances. What if the testator used a pseudonym? Or if his hand was
guided by another? Or if he wrote his initials only? Or if he put his full, correct, name unaided, but at the
top of the first page instead of at the bottom of the last? Would all these cases be ‘signing’ within the
meaning of the legal rule?” (Herbert L. A. Hart, The concept of law. Oxford : Clarendon Press, 1993, p.
12). 989
Genaro R. Carrió, Notas sobre derecho y lenguaje, cit., p. 54-55.
378
<texto>É correto afirmar que essa classificação atende em cheio à lógica da
efetividade, embora não seja sua preocupação a completude. Lembre-se que a
classificação trinária das sentenças, dentro de sua própria lógica, não dá lugar a estas
tutelas, deixando fora da efetiva proteção jurisdicional exatamente os direitos mais
importantes do homem, isto é, os direitos da personalidade e os denominados “novos
direitos”.
<texto>A classificação ora proposta, justamente porque gira em torno do eixo da
efetividade, destrói a idéia, própria à classificação clássica das sentenças, de que o
processo tem escopo repressivo e patrimonial. A tutela inibitória, que não está amparada
na classificação trinária das sentenças, aparece como a grande novidade de uma
classificação que sabe que a tutela preventiva tornou-se tão importante – ou mais
importante – do que a tutela repressiva.
<texto>Além disso, a presente classificação, ao contrário das classificações das
sentenças, realmente espelha os resultados do processo no plano do direito material.
Tem ela a capacidade de separar as diversas tutelas que se dirigem contra o ilícito e o
dano, o que é fundamental quando se pensa na relação do processo com o direito
material. Essa classificação, assim, é uma tentativa990 de resposta à exigência de
relativização do binômio direito/processo.
<texto>Resta esclarecer que a classificação das tutelas obviamente não pretende
eliminar a classificação das sentenças. E nem poderia, uma vez que as sentenças são
técnicas que se destinam à prestação das tutelas. É por isso que uma mesma tutela
(ressarcitória) pode ser prestada por duas sentenças distintas (pense-se, por exemplo, na
tutela ressarcitória, que pode ser prestada em dinheiro por meio da condenação, e na
forma específica através da sentença mandamental).
<texto>Não é fácil propor outras formas de se compreender algo que vem sendo
pensado, sem muito questionamento, há muito tempo. Contudo, como disse Comoglio,
990
Como escreve Carrió, “buena parte de las controversias entre juristas consisten en problemas de
clasificación, abordados como si se tratara de cuestiones de hecho. No se advierte que no tiene sentido
refutar como ‘falsa’ una clasificación – o sus resultados – y postular en su reemplazo otra ‘verdadera’,
como si se tratara de dos modos excluyentes de reproducir con palabras ciertos parcelamientos y
subdivisiones que están en la ‘naturaleza de las cosas’. Las clasificaciones no son ni verdaderas ni falsas,
son serviciales o inútiles; sus ventajas o desventajas están supeditadas al interés que guía a quien las
formula, y a su fecundidad para presentar un campo de conocimiento de una manera más fácilmente
comprensibile o más rica en consecuencias prácticas deseables. Siempre hay múltiples maneras de
agrupar o clasificar un campo de relaciones o de fenómenos; el criterio para decidirse por una de ellas no
está dado sino por consideraciones de conveniencia científica, didáctica o práctica” (Genaro R. Carrió,
Notas sobre derecho y lenguaje, cit., p. 99).
379
a perspectiva que toma em consideração o direito material para a classificação das
tutelas é “affascinante”, 991 o que compensa o árduo e difícil caminho que tivemos que
percorrer para chegar até aqui.
991
E justamente referindo-se ao trabalho de Adolfo di Majo (La tutela civile dei diritti, cit.), Luigi Paolo
Comoglio, Note riepilogative su azione e forme di tutela, nell’ottica della domanda giudiziale. Rivista di
Diritto Processuale, 1993, p. 489.
380
<tit1>CONCLUSÃO
<texto>É chegado o momento de concluir. Pensamos que não é o caso de reprisar as
várias conclusões a que chegamos no curso do trabalho, mas sim de reafirmar, através
de uma tarefa de síntese, as suas principais propostas.
<texto>A partir de determinado momento, em vista principalmente das situações
jurídicas de conteúdo não patrimonial, sentiu-se não só a necessidade de uma ação
preventiva autônoma (processo de conhecimento), mas também que ela não poderia
sobreviver sem tutela antecipatória e apenas com as sentenças do modelo trinário.
<texto>O presente trabalho demonstrou a existência, no ordenamento jurídico
brasileiro, de uma ação idônea à prevenção do ilícito. Trata-se de ação que não tem
entre seus pressupostos o dano e que requer a probabilidade da prática, da repetição ou
da continuação do ilícito, do qual o dano é conseqüência meramente eventual. Tal ação,
que se volta para o futuro, contrapõe-se à idéia de que a tutela ressarcitória é a única
forma de tutela contra o ilícito.
<texto>A partir da constatação de que a ação cominatória – fundada no antigo art.
287 – e a ação cautelar inominada não se prestam para tutelar de maneira adequada os
direitos que estão a exigir tutela preventiva, deixamos claro que a ação inibitória é
garantida constitucionalmente (art. 5.º, XXXV, CF) e encontra fundamento, na
perspectiva dos instrumentos, nos arts. 461 do CPC e 84 do CDC, que são suficientes
para permitir a prestação da tutela inibitória nas formas individual e coletiva.
<texto>Demonstramos, em outras palavras, que o ordenamento jurídico brasileiro
consagra uma ação inibitória atípica, que pode ser positiva ou negativa, e que é capaz de
atender, v.g., aos direitos da personalidade (ação inibitória individual) e aos direitos que
necessitam de tutela na forma coletiva, como os direitos do consumidor e o direito à
higidez do meio ambiente (ação inibitória coletiva).
<texto>Para o delineamento do perfil da ação inibitória, tivemos que enfrentar uma
série de questões, como a da plasticidade da tutela inibitória e dos limites para a
imposição do fazer e do não-fazer, a da diferença entre a tutela inibitória e a tutela de
remoção do ilícito, a da fungibilidade da tutela inibitória, a da tutela inibitória
antecipada, a da execução da tutela inibitória etc. A análise dessas várias questões
pareceu-nos imprescindível para que a ação inibitória pudesse ser integralmente
381
compreendida em sua estrutura e função.
<texto>Se o sistema de tutela dos direitos assentou-se sobre o procedimento
ordinário clássico e as sentenças da classificação trinária, a tutela inibitória, por exigir
tutela antecipatória e sentenças que não estão presentes nesta classificação, apresenta-se
como tutela alternativa às tradicionais.
<texto>A sentença declaratória, como é óbvio, não tem condições de viabilizar uma
adequada tutela preventiva. Já a sentença condenatória, em sua própria definição,
formulada pela doutrina italiana e completamente assimilada pelos processualistas
brasileiros, pressupõe a correlação da condenação com a execução por sub-rogação,
tendo natureza nitidamente repressiva. Tal correlação, como se viu, esconde atrás de si
uma série de motivações culturais, que não podem ser desconsideradas quando se deseja
realmente entender a essência da sentença de condenação.
<texto>Não seria possível deixar de lado, contudo, principalmente em razão do fato
de a sentença condenatória ter sido moldada na Itália, a polêmica existente na doutrina
italiana acerca da natureza da sentença que se liga à multa. Em face das novas
necessidades de tutela, isto é, em vista da não-patrimonialidade da grande maioria dos
denominados “novos direitos” e das novas características da economia contemporânea,
que deixou de lado a troca de coisas para passar a funcionar essencialmente em torno da
prestação de fatos, tornou-se necessária uma espécie de sentença que não apenas
condenasse, mas que pudesse incidir sobre a vontade do réu, de modo a garantir a
efetiva tutela dos direitos.
<texto>A sentença que se liga à multa, que aparece como resposta às novas
exigências de tutela, passa a demandar nova classificação das sentenças, ou, no mínimo,
uma reconceituação de condenação. Entretanto, como não é possível enquadrar em uma
categoria algo que a ela não diz respeito, segundo a própria doutrina que concebeu a
classificação em que a categoria se encarta, restou imperiosa uma nova classificação das
sentenças.
<texto>A sentença que se liga à multa, assim, foi por nós classificada como
mandamental, compreendida a sentença mandamental como aquela que ordena e, ao
mesmo tempo, usa a força da coerção. Também está presente neste trabalho, de fato, a
preocupação de encontrar um lugar adequado à sentença que ordena sob pena de multa
dentro das classificações das sentenças já conhecidas e, apenas por tal razão, apresenta-
se um novo conceito de mandamentalidade, culminando-se por reconstruir uma
382
classificação que divide as sentenças em declaratória, constitutiva, condenatória,
mandamental e executiva. Frise-se que, em relação a esta última espécie de sentença,
também restou claro o seu lugar não só em face das necessidades do direito material,
como também diante das recentes normas processuais (exemplo: art. 461, CPC).
<texto>É essa nova classificação que permite ser eliminado o equívoco consistente
na confusão da tutela preventiva com a condenação para o futuro ou o erro de se supor
que a condenação para o futuro é capaz de efetivamente exercer função preventiva.
<texto>Como a classificação trinária das sentenças é marcada pelos princípios que
presidiram a formação da escola sistemática e como a classificação quinária ora
proposta não está plenamente ligada ao direito substancial, procuramos formular – a
partir da idéia de que a ação deve permitir a efetiva tutela prometida pelo direito
material e seguindo uma bela e árdua discussão que vem sendo travada principalmente
pelos civilistas italianos992 – um esboço de uma classificação das tutelas que pudesse
expressar os resultados do processo no plano do direito material.
<texto>O raciocínio em torno da tutela inibitória, exatamente porque deriva da
exigência de se dar tutela efetiva ao direito material, não tem qualquer relação com os
critérios que presidiram a classificação trinária, centrada sobre o conceito de ação
abstrata. O estudo da tutela inibitória, em outras palavras, constitui momento oportuno
para se refundar a temática da “tutela jurisdicional dos direitos” ou precisamente para se
propor uma classificação das tutelas que corresponda às diferenças entre as várias
necessidades do direito material. Sublinhe-se, assim, que não só foi formulada nova
classificação das sentenças (sentença mandamental etc.), mas também foi construída
verdadeira classificação das tutelas (tutela inibitória etc.).
<texto>Por outro lado, a compreensão da tutela jurisdicional a partir de sua efetiva
interligação com o direito material permite que as tutelas de cognição sumária sejam
classificadas com base em critérios que rompem com a visão formalista, fundada em
uma concepção panprocessualista, que levou a doutrina a definir a tutela cautelar
tomando em consideração a sua “provisoriedade”. Como as tutelas sumárias também
devem ser classificadas de acordo com o papel que efetivamente desempenham no
plano do direito material, não tivemos dúvida ao sustentar a existência de uma tutela
inibitória antecipada (fundada, por exemplo, no art. 461, § 3.º, CPC), que não se
confunde com a tutela cautelar.
992
Ver Parte 2, Capítulo 14.
383
<texto>Concluindo, é possível dizer que não só demonstramos a existência, no
direito brasileiro, de uma ação fundamental para a efetividade dos direitos, delineando
seus pressupostos, estrutura e função, como também evidenciamos que os critérios que
serviram de base às definições de tutela preventiva e de tutela cautelar e à classificação
trinária das sentenças não estão de acordo com uma forma de ver o direito processual
preocupada com a construção de um processo aderente ao direito material e à realidade
social.
384
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