UM ESTUDO CRÍTICO DAS INSTITUCÕES PÚBLICAS ... -...

121
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE LINGUAGENS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM APARECIDA BORRALHO DIAS DE CARVALHO UM ESTUDO CRÍTICO DAS INSTITUCÕES PÚBLICAS E A ESCOLA MENINOS DO FUTURO ENTRELAÇANDO PODER E SABER CUIABÁ Dezembro /2015

Transcript of UM ESTUDO CRÍTICO DAS INSTITUCÕES PÚBLICAS ... -...

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE LINGUAGENS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM

APARECIDA BORRALHO DIAS DE CARVALHO

UM ESTUDO CRÍTICO DAS INSTITUCÕES PÚBLICAS E A

ESCOLA MENINOS DO FUTURO – ENTRELAÇANDO PODER E

SABER

CUIABÁ

Dezembro /2015

2

APARECIDA BORRALHO DIAS DE CARVALHO

UM ESTUDO CRÍTICO ENTRE INSTITUIÇÕES PÚBLICAS E A ESCOLA

ESTADUAL MENINOS DO FUTURO - ENTRELAÇANDO PODER E SABER

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

Estudos de Linguagem do Instituto de Linguagens da

Universidade Federal de Mato Grosso, como requisito parcial

para obtenção do título de Mestre em Estudos de Linguagem.

Área de Concentração: Estudos Linguísticos.

Linha de Pesquisa: Paradigmas de Ensino de Línguas

Orientadora: Profª. Drª. Solange Maria de Barros

CUIABÁ/MT

2015

3

4

DEDICATÓRIA

À minha querida, mãe que fez do ato de amar o próximo o caminho

e a essência divina para o progresso e transformação social.

5

AGRADECIMENTOS

Agradeço à melhor orientadora que se possa desejar, Profa. Drª Solange Maria de

Barros, que conduziu com maestria a orientação o meu trabalho. Com seu exemplo,

ensinamento e amor incondicional à causa da exclusão social, indica caminhos e se faz

SOL a iluminar o caminho da transformação.

À Profª Drª Denize Elena G. Silva, por ter aceitado fazer parte da minha banca e

por contribuir com a construção deste estudo.

À Profª. Drª Ana Antônia de Assis-Peterson, por sua orientação durante o

mestrado e sua presença no fechamento de mais um ciclo de aprendizagem acadêmica, e

pela colaboração generosa com sugestões valiosas, que enriqueceram muito o meu

trabalho.

À equipe gestora e aos docentes da Escola Estadual Meninos do Futuro, por

permitir o uso do corpus aqui utilizado.

Aos professores doutores Ana Antônia de Assis-Peterson, Maria Inês P. Cox,

Danie Marcelo de Jesus, Sérgio Flores, que compartilharam conhecimentos e saberes com

eficiência e responsabilidade acadêmica.

Aos colegas de pesquisa em ACD, Betsemens, Márcio, Janice, Jordana,

Terezinha, Patrícia, pelos debates e reflexões necessárias para o amadurecimento desta

pesquisa.

À minha amiga Lucia Ida Fortes que faz da formação continuada uma extensão

de sua trajetória profissional e de vida compartilhando com amor sua sabedoria.

Ao Welton, meu amor, companheiro de todas as horas, por compartilhar comigo

todos os momentos de estudos, aflições, alegrias e superação das dificuldades.

Aos meus filhos, Flávio e Amanda Borralho, pelo apoio constante, por

compreender as minhas ausências. E ao meu neto, Antônio Borralho, por ser a luz que

ilumina minha vida.

À minha mãe, Dália Borralho (no meu coração), com todo o amor do mundo, pelo

seu exemplo de vida, perseverança e espiritualidade elevada, e ao meu pai, Adenair

Bezerra (no meu coração), pelos momentos que passamos juntos.

À espiritualidade de luz, pela iluminação e fortalecimento da minha trajetória

evolutiva durante o mestrado.

6

EPÍGRAFE

A emancipação não pode ser imposta

de fora, a emancipação sempre vem

de dentro [...].

Como isso funciona exatamente? A

partir de uma inspiração espiritual,

você passa a ter uma experiência

política, que o leve a um

compromisso com a mudança social

radical (BHASKAR, 2002a).

7

RESUMO

BORRALHO, Aparecida Carvalho Dias. Um estudo crítico entre instituições públicas

e a Escola Estadual Meninos do Futuro - Entrelaçando poder e saber. Dissertação

(Mestrado em Estudos de Linguagem). Universidade Federal de Mato. Instituto de

Linguagens, 2015.

Esta dissertação investiga as articulações existentes entre duas instituições públicas de

Cuiabá, Mato Grosso, Secretaria de Estado de Educação (SEDUC) e Secretaria de Justiça

e Direitos Humanos (SEJUDH), ambas voltadas para a garantia da educação e do direito

à integridade dos jovens adolescentes que se encontram privados de liberdade –, e a

Escola Estadual Meninos do Futuro, a qual integra o Centro Socioeducativo Pomeri,

instância maior responsável pela manutenção das unidades que acolhem jovens e

adolescentes que cometem infrações. O estudo fundamenta-se nos pressupostos da Teoria

das Representações de Atores Sociais (Van Leeuwen, 1997; 2008) e da Análise Crítica

do Discurso (ACD) de Fairclough (1989, 2001, 2003) e na filosofia do Realismo Crítico

de Bhaskar (1989, 2002). Trata-se de um trabalho de pesquisa balizado por uma

triangulação teórica de natureza crítica, o que permite descrever e interpretar dados

qualitativos colhidos no ambiente escolar, mediante entrevistas com atores sociais, desde

gestores até a equipe socioeducativa. A pesquisa norteia-se pelas seguintes perguntas: (1)

De que maneira ocorrem as relações da SEDUC com a SEJUDH, na organização,

planejamento e gestão da Escola Estadual Menino do Futuro de Cuiabá? (2) Como a

SEJUDH vê a SEDUC, o Centro Socioeducativo Pomeri e a Escola Estadual Menino do

Futuro”(3) Como a SEDUC percebe a Escola Estadual “Menino do Futuro” e como se

organiza no atendimento às demandas de alunos? (4) Que estruturas são necessárias para

assegurar uma política de atendimento ao jovem privado de liberdade? Os resultados

apontam a falta de uma integração institucional efetiva entre as instituições SEDUC e

SEJUDH, na sua organização, planejamento e gestão escolar. Os dados evidenciaram que

SEJUDH e SEDUC se vêem de forma equivocada, com responsabilidades distintas,

contrariando as orientações do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo

(SINASE).

Palavras–chave: SEJUDH/MT; SEDUC/MT; Centro Socioeducativo Pomeri; Escola

Estadual Meninos do Futuro; Jovens e Adolescentes.

8

ABSTRACT

BORRALHO, Aparecida Carvalho Dias. A critical study of public institutions and the

State School Meninos do Futuro – Interweaving power and knowledge. Master Thesis in

Language Studies. Universidade Federal de Mato Grosso. Instituto de Linguagens, 2015.

This study examines the relations between two public institutions of Cuiabá, Mato

Grosso: State Department of Education (SEDUC) and Department of Justice and Human

Rights (SEJUDH) – both geared at the warranty of education and at the right to justice of

young adolescents who are deprived of freedom –, and the State School Meninos do

Futuro that is part of Pomeri Social Educational Center, a higher division that is in charge

of the units that receive the adolescents who commit infractions. The study is based on

the assumptions of the Theory of Representations of Social Actors (Van LEEUWEN,

1997; 2008), Critical Discourse Analysis of Fairclough (1989, 2001, 2003) and the

philosophy of Critical Realism of Baskar (1989, 2002). It is a research study marked by

a theoretical triangulation of critical nature that makes it possible to describe and interpret

qualitative data collected in the school environment by means of interviews with social

actors from administrators to the social and educational team. The guiding research

questions are: 1) How are the relations between SEDUC and SEJUDH regarding

organization, planning and the management of the State School Meninos do Futuro? 2)

How does SEJUDH view SEDUC, Pomeri Social Educational Center, and the State

School Meninos do Futuro? 3) How does SEDUC view the State School Meninos do

Futuro and how is organized to attend the demands of the students? 4) What structures

are necessary to guarantee a policy of proper assistance to the young adolescents deprived

of freedom? Results show a lack of a proper institutional integration between SEDUC

and SEJUDH in its organization, planning and school management. Data demonstrated

that relations between SEJUDH and SEDUC are not well articulated in that they view

each other with distinct responsibilities, and as a result of that they contradict the

guidelines of National System of Social Educational Assistance (SINASE).

Keywords: SEJUDH/MT; SEDUC/MT; Pomeri Social Educational Center; State School

Meninos do Futuro; young adolescents.

9

LISTA DE SIGLAS

CEFAPRO- Centro de Formação e Atualização de Professores

ECA- Estatuto da Criança e do Adolescente

FUNABEM- Fundação do Bem Estar do Menor

LDB- Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

TJ- Tribunal de Justiça

PIA- Plano Individual de Menores

PROSOL- Fundação de Promoção Social

EEMF- Escola Estadual Meninos do Futuro

CSP- Centro Socioeducativo Pomeri

SEDUC/MT- Secretaria de Estado de Educação do Estado de Mato Grosso

SEJUDH/-MT- Secretária de Justiça e Direito Humanos

SUS- Sistema Único de Saúde

SINASE- Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo

SE - Sala de Educador

PPP- Projeto Político Pedagógico da EEMF

RI- Regimento da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos/MT

RI- Regimento da Secretária de Estado de Educação /MT

10

Sumário

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 11

CAPÍTULO I

ESTRUTURA ORGANIZACIONAL ........................................................................ 18

1.1 - Escola Estadual Meninos do Futuro .................................................................. 23

1.2 - Estrutura e organização da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos/

SEJUDH/MT .............................................................................................................. 29

1.3 - Secretaria de Estado de Educação ...................................................................... 33

1.4 - O Entrelaçamento Institucional .......................................................................... 36

CAPÍTULO II

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ............................................................................... 39

2.1 - Análise Crítica do Discurso ............................................................................... 39

2.2 - Representação de Atores Sociais........................................................................ 45

2.2.1 - Categorias de Análise: Inclusão e Exclusão ................................................ 49

2.3 - Realismo Crítico e Emancipação Social ............................................................ 52

2.4 - Michel Foucault e a instituição prisional ........................................................... 54

2.4.1 - O poder da punição ..................................................................................... 58

2.5 - A Teoria Freiriana .............................................................................................. 59

CAPÍTULO III

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS: TRAJETÓRIAS DOS CAMINHOS

PERCORRIDOS ........................................................................................................... 63

3.1 - Pesquisa Qualitativa ........................................................................................... 63

3.2 - Representações de atores sociais: categorias de análise..................................... 64

3.3 - Participantes da pesquisa .................................................................................... 67

3.5 - O percurso da pesquisa ....................................................................................... 69

3.4 - Procedimentos para geração de dados e instrumentos utilizados ....................... 70

CAPÍTULO IV

ANÁLISE DOS DADOS .............................................................................................. 73

4.1 SEDUC/MT e SJUDH/MT- Ausência de integração .......................................... 74

4.2 - CSP- Conflitos e violências ............................................................................... 77

4.3 CENTRO SOCIOEDUCATIVO POMERI - Estruturas precárias ..................... 84

4.4 - Reflexões ............................................................................................................ 94

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 104

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 111

ANEXOS ..................................................................................................................... 114

11

INTRODUÇÃO

A pesquisa intitula-se Um estudo crítico entre instituições públicas e a Escola

Estadual Meninos do Futuro - Entrelaçando poder e saber.

Meu objetivo é discutir o modo como se encontram organizadas as estruturas

socais, bem como as articulações existentes entre duas instituições públicas, a saber,

Secretaria Estadual de Educação do Estado de Mato Grosso (SEDUC/ MT) e Secretaria

de Justiça e Direitos Humanos (SEJUD/MT), voltadas para a garantia da educação e do

direito à integridade dos jovens e adolescentes que se encontram privados de liberdade.

Essas inquietações, que foram ganhando consistências a cada passo que eu

avançava, remetem à minha trajetória de vida, pautada pela dedicação à égide do trabalho

voluntário junto aos excluídos das políticas sociais. Assim, retomo a escalada do

conhecimento através de estudos dedicados ao magistério, que passo a relatar. Concluí o

curso de Magistério (1979), me formei em Pedagogia (1986/1) e em Letras Português

/Inglês (1997), em busca de me qualificar. No exercício da docência, realizei quatro

Especializações: Metodologia do Ensino (1987), Políticas Sociais (2002), Tecnologia

Educacional (2010) e Gestão do Conhecimento com Ênfase em Técnicas de Planejamento

Prospectivo para Tomada de Decisão (2011). Iniciei meu trabalho voluntário aos 12 anos,

no Lar Espírita Monteiro Lobato, depois na Creche Espírita São Francisco de Assis, como

auxiliar de professor.

Iniciei minha carreira no magistério em 1980, atuando como professora efetiva

na Educação Básica da Rede Estadual de Mato Grosso, na Escola Estadual Presidente

Médici, como professora de Educação Infantil; lecionei no Ensino Fundamental, exerci a

função de Coordenadora Pedagógica, Técnica em Assuntos Educacionais, na Delegacia

de Ensino, Superintendência de Educação, Conselho Estadual de Educação e atualmente

trabalho na Secretaria de Educação/ Superintendência de Formação dos Profissionais da

Educação Básica. Sem nunca perder de vista a ação de voluntariado, com crianças,

jovens, adultos e idosos, atualmente, realizo atividades sociais voluntárias no Bairro

Jardim Florianópolis, com palestras interativas na área social.

A minha trajetória profissional alinhada à minha prática no serviço voluntariado

tem um viés significativo voltado para jovens excluídos socialmente. Entendi que o

trabalho voluntário requer, antes de tudo, conhecimento das políticas sociais, para que se

12

efetive em ações propositivas e emancipatórias. Assim, realizei o curso de Especialização

em Políticas Sociais (2002), em que fundamentei a minha pesquisa de conclusão de curso

discutindo “A reinserção social do dependente químico”, por entender que a família, a

comunidade e, principalmente, a escola não se estruturam para o acolhimento desses

jovens. Pelo contrário, a exclusão pode ser percebida e referendada em todos esses

ambientes, que deveriam ser o primeiro refúgio seguro, onde jovens pudessem se sentir

abrigados e com forças suficientes para se afastar das drogas.

Passando por essa experiência que me coloca em constante revisão da nossa

realidade frente às políticas sociais que não atendem as necessidades dessa parcela social

ainda tão excluída, penso em avançar no conhecimento da realidade de outros espaços.

Ao realizar o seletivo para o mestrado na Universidade Federal de Mato Grosso - Instituto

de Linguagem/ MeEL, decidi voltar meu olhar para uma área ainda desconhecida por

mim, em se tratando de exclusão social: a de jovens que cumprem medidas

socioeducativas no Centro Socioeducativo Pomeri - Cuiabá. Esse universo me foi

apresentado pela Profª Drª Solange Maria de Barros que, desde de 2006, dedica boa parte

de seu tempo a pesquisas em ambientes de exclusão social. Ao estudar a disciplina

Análise Crítica do Discurso, percebi a necessidade de caminhar por essa apaixonante área

de conhecimento.

Assim, também passei a vivenciar o cotidiano dessa nova, para mim, realidade.

Busquei fortalecer meus conhecimentos teóricos e passei a ouvir vários relatos de

professores e da equipe gestora da Escola Estadual Meninos do Futuro¹ - EEMF; notei

que apresentavam caráter de depoimentos. Dei início à pesquisa de campo, passei a

realizar pequenas vivências, como encontros, seminários e reuniões, entre professores e

agentes socioeducadores, socializando suas experiências, ao mesmo tempo que me

encantava com o envolvimento da gestão escolar e professores, por defenderem esse

espaço, e me assustava com a dura realidade percebida entre os agentes socioeducadores

e esses jovens, materializada nos conflitos instalados nessa relação. Ao vivenciar os

desafios que essa realidade apresenta, conscientizei-me da amplitude das minhas

limitações em relação à compreensão de como agir/intervir nesse espaço. Nesse contexto,

deparei-me com a realidade de exclusão social, que exigia novos conhecimentos

referentes às políticas sociais, provocando um repensar nos saberes que sustentam as

estruturas desse espaço e, ao mesmo tempo, sob a orientação da Profª Solange, analisar

práticas de exclusão cristalizadas.

13

O sentido desse movimento traduz-se na edificação de uma visão de práticas que

proporcionem o entendimento das conjunturas e estruturas que envolvem o Centro

Socioeducativo Pomeri, de responsabilidade da SEJUDH, onde está inserida a Escola

Estadual Meninos do Futuro, sob a responsabilidade da SEDUC, com o objetivo voltado

para entender não apenas as estruturas, mas a ideologia e a relação de poder que circulam

nesse espaço. Com esse entendimento, busco por meio da pesquisa, descrever como as

instâncias de poder se entrelaçam na efetivação do direito aos adolescentes privados de

liberdade, estudantes da Escola Estadual “Meninos do Futuro”, mantida pela SEDUC/MT

e integrante do “Centro Socioeducativo Pomeri”², congregando as unidades masculina e

feminina de execução da Medida de Internação e da Medida de Internação Provisória.

Esta pesquisa fundamenta-se em pressupostos da Teoria das Representações de

Atores Sociais discutidas por Van Leeuwen, (1997; 2008). Para o autor, “atores sociais”

representam indivíduos, sob a ótica do discurso, que são produzidos no interior do sistema

de contexto e cultura predefinidos, mudam de acordo com a intencionalidade de quem

fala ou escreve, pois as escolhas linguísticas imprimem as representações sociais. Na

Análise Crítica do Discurso, na visão de Fairclough (1989, 2001, 2003), o uso da

linguagem corresponde a uma forma de prática social, não uma atividade puramente

humana.

Nesse sentido, este estudo nasce como uma tentativa de compreender como o

poder forja e modela a prática discursiva na perspectiva de um discurso como prática

política, considerando a relação entre discurso e poder, a partir do entendimento de

Foucault (1972,1979, 1981) na Análise Crítica do Discurso, por representar mudança

social dialética e mudança discursiva.

A pesquisa aporta no campo da filosofia do Realismo Crítico, fundamentada em

Bhaskar (1989, 2002). O autor considera que toda e qualquer investigação sobre o ser

social deve envolver a estrutura social e seus mecanismos ou processos que geram os

fenômenos, uma dimensão nem sempre observada. Conforme Bhaskar (1989), as

questões de emancipação significam libertação, que é desenvolvida mediante a prática. O

dicionário da língua portuguesa de Francisco da Silveira Bueno (1996) define o termo

emancipar como: s.f. Libertar; chegar à maioridade. Emancipar é sinônimo de desobrigar,

eximir, isentar, libertar, livrar, liderar, alforriar.

Para o Realismo crítico, emancipar significa libertar-se da opressão, conquistar a

liberdade pela prática social coletiva. Esse olhar traz uma concepção de emancipação que

não se reduz ao nível de consciência, mas reconhece o saber fazer do sujeito, com base

14

nas lutas solidárias em que se envolve por uma sociedade justa e igualitária que possa

para alcançar níveis reais de transformação social. Isso não pode se dar de forma

individualizada, mas coletivizada em uma comunidade ou grupos sociais capazes de

promover a transformação social e libertar do jugo do opressor o oprimido. Essa luta é

construída na sua prática cotidiana. Logo, a emancipação do sujeito passa pelo

comprometimento e pelo trabalho, espaços férteis e provocadores de mudanças e

transformações nas estruturas sociais.

Com base em Paulo Freire (1999), busco discutir a educação como prática social

na perspectiva da liberdade. Segundo Freire (1999), a libertação só se concretiza numa

pedagogia em que o oprimido tenha condições de descobrir-se e conquistar-se como

sujeito de sua própria destinação histórica. A prática social nesse contexto, de acordo com

Papa (2008), é inerentemente discursiva e acontece por meio do discurso e das relações

de poder, construídas historicamente, que vão sendo naturalizadas e transformadas.

A opção metodológica da pesquisa ancora-se em pressupostos da pesquisa

qualitativa defendida por Chizzotti (2006), para o qual esse tipo de pesquisa corresponde

a uma designação que abriga correntes de pesquisa muito diferentes e sua abordagem

parte do fundamento de que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito,

identificado, e o sujeito-observador. O autor evidencia ainda que o conhecimento não se

reduz a um rol de dados isolados, conectados por uma terapia aplicativa, descrevendo o

sujeito observador como parte integrante do processo de conhecimento que leva o

pesquisador a interpretar os fenômenos, atribuindo-lhes um significado. Além disso, para

esse autor, o objeto não é um dado inerte, neutro; pelo contrário, está repleto de

significados e relações que os sujeitos concretos criam em suas ações. Logo, a pesquisa

não pode ser o produto de um observador fora das significações que os indivíduos

atribuem aos seus atos, mas deve ser o desvelamento do sentido social que os indivíduos

constroem em suas interações cotidianas.

A pesquisa foi norteada com as questões de pesquisa:

a) De que maneira ocorrem as relações da Secretaria de Estado de

Educação/MT com a Secretaria de Justiça de Direitos Humanos/MT, na organização,

planejamento e gestão da Escola Estadual Menino do Futuro de Cuiabá/MT?

b) Como a SEJUDH/MT vê a SEDUC/MT, o Centro Socioeducativo Pomeri

e a Escola Estadual Meninos do Futuro?

15

c) Como a SEDUC/MT percebe a EEMF e como se organiza no atendimento

às demandas de alunos existentes?

Objetivo Geral:

Investigar o modo como se articulam as relações existentes entre a Secretaria de

Estado de Educação (SEDUC/MT) e a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos

(SEJUDH/MT), por serem consideradas instituições responsáveis por garantir os direitos

e a integridade dos jovens e adolescentes que se encontram privados de liberdade.

Objetivos Específicos:

a) Apontar e analisar as relações existentes entre a Escola Estadual Meninos

do Futuro, o Centro Socioeducativo Pomeri, SEDUC/MT e SEJUDH/MT.

b) Descrever e interpretar as práticas discursivas de autoridades

representativas da SEDUC/MT e SEJUDH/MT, no atendimento aos direitos

constitucionais dos jovens e adolescentes que se encontram privados de liberdade.

c) Desvelar as marcas linguístico- discursivas com base nos os elementos

léxicos-gramaticais materializados nos enunciados dos gestores da SEDUC e SEJUDH.

Para chegar às respostas a essas questões e atingir os objetivos propostos, parto de

uma perspectiva teórico-metodológica de caráter crítico, voltada especialmente para as

categorias de representação dos atores sociais (VAN LEEUWEN 1997; 1998; 2008) e

para o discurso, como prática social (FAIRCLOUGH, 2001; 2013).

Segundo Bogdan e Boklen (1994, p. 48), “os investigadores qualitativos

frequentam os locais de estudo porque se preocupam com o contexto”. Assim, esta

pesquisa qualitativa tem por base registar dados por observação direta, entrevista

semiestruturada e análise documental.

Esta dissertação estrutura-se em quatro capítulos, além das Considerações Finais.

Capítulo 1- Nesse capítulo, discorro sobre a estrutura organizacional do CSP

onde esta localizada a EEMF, tomando como base suas estruturas de sustentação e a

organização das instituições mantenedoras SEJUDH/MT/SEDCU/MT. Está dividido em

quatro seções: 1ª Centro Socioeducativo Pomeri; 2ª Escola Estadual Meninos do Futuro;

3ª SEJUDH; 4ª SEDUC.

16

Para o desenvolvimento desse capítulo, inicialmente, apresento a estrutura do

Centro Socioeducativo Pomeri/Cuiabá, suas gerências, suas unidades e o atendimento

social dos adolescentes e jovens privados de liberdade. Em seguida, destaco o papel,

articulações e viabilização no desenvolvimento do Projeto Político Pedagógico. Na

sequência, apresento as estruturas da SEJUDH/MT, seus gestores e respectivos campos

de atuação, pontuando responsabilidades de cada área. Finalmente, destaco o papel da

Secretaria de Estado de Educação nesse contexto, suas ações, articulações.

Capítulo 2 - Nesse capítulo, trago os pressupostos teóricos que fundamentam a

pesquisa, no sentido de explicitar o fenômeno investigado. Inicialmente, apresento as

contribuições da Análise Crítica do Discurso (ACD), com base em Fairclough (1989,

2001, 2003). Em seguida, direciono o meu olhar para a compreensão do significado

representacional, a partir da representação de atores sociais discutida em Van Leeuwen

(1997). E, finalmente, abordo questões sobre Realismo Crítico (RC), na visão de Bhaskar

(1989, 2001), noção que auxilia a compreensão sobre emancipação social. Na obra de

Michel Foucault (1974; 2013), busco compreender o sistema penitenciário, como se

constitui as prisões, o poder do Estado na aplicação da pena, punição, sistema

penitenciário, poder jurídico, à luz da obra “Vigiar e Punir: nascimento da prisão”. Além

disso, discorro sobre o pensamento de Paulo Freire, materializado nos livros Pedagogia

do Oprimido (1968 - 2014) e Paulo Freire para Educadores (2003).

Capítulo 3 - Neste capítulo, discorro sobre os caminhos metodológicos

percorridos na realização deste trabalho. Na primeira seção, apresento o contexto da

pesquisa qualitativa como forma de direcionar a análise e interpretações, considerando as

relações construídas entre SEDUC/MT e SEJUDH/MT, e compreendendo que essas duas

instituições entrelaçam as tomadas de decisões em relação às ações educacionais e

socioeducativas no Centro Socioeducativo Pomeri/Cuiabá. Na segunda, relato as

vivências de campo. Em seguida, exponho sucintas considerações de Van Leeuwen sobre

Representação de Atores Sociais – RAS em que o autor propõe uma rede de sistema sócio-

semântico que vai desde o nível léxico-gramatical até o nível do enunciado dos atores

sociais, pelas categorias de inclusão e exclusão. Na última seção, delineio os

procedimentos para geração de dados e instrumentos utilizados neste estudo.

17

Capítulo 4 - Nesse capítulo, apresento a análise dos dados da pesquisa, com base nas

entrevistas orais realizadas com gestores que representam a Secretaria Estadual de

Educação e a Secretaria de Justiça Direitos Humanos no Centro Socioeducativo Pomeri -

Cuiabá. Foram desveladas marcas linguísticas, as quais anunciam diversas formas de

representação dos atores sociais, identificadas com auxílio do arcabouço teórico

metodológico proposto por Fairclough (2001, 2003a) e Theo Van Leeuwen (1998, 2003).

Na primeira seção, analiso as representações dos atores sociais acerca das categorias:

conflitos e violência, condições precárias e ausência de integração. Na segunda e última

seção, teço algumas reflexões sobre as relações existentes entre a EEMF e o CSF, sob o

ponto de vista político, social e ideológico.

Nas Considerações Finais, abordo de forma reflexiva o resultado alcançado e sua

pertinência, à luz do arcabouço teórico utilizado, apontando como eixo norteador as

perguntas de pesquisa. Apresento o projeto de formação multidisciplinar destinada aos

agentes socioeducadores, professores e equipe de gestores que atuam no Centro

Socioeducativo Pomeri e EEMF, como política de aproximação das ações da SEDUC/MT

e SEJUDH/MT. Proponho, ainda, revisão da Portaria de Atribuição de Aula, do Termo

de Parceria celebrado entre a SEJUDH/MT e SEDUC/MT, matriz curricular, além da

elaboração de projetos sociais envolvendo as duas instituições, com participação direta

dos jovens que cumprem medidas socioeducativas e de suas famílias.

18

CAPÍTULO I

ESTRUTURA ORGANIZACIONAL

Neste capítulo, discorro sobre a estrutura organizacional e administrativa do

Centro Socioeducativo Pomeri (CSP), Escola Estadual Meninos do Futuro (EEMF),

Secretaria de Justiça e Direitos Humanos- SEJUDH/MT e Secretaria de Estado de

Educação, SEDUC/MT.

Inicialmente, apresento a estrutura do Centro Socioeducativo Pomeri - Cuiabá,

suas Gerências, unidades de atendimento e o atendimento aos jovens e adolescentes que

cumprem medidas socioeducativas. Em seguida, abordo a organização administrativa e

pedagógica da EEMF, unidade escolar que compõe o CSP. Em seguida, a presento a

estrutura das instituições públicas mantenedoras, a saber, SEJUDH/MT e SEDUC/MT.

Figura 1 – Estrutura das gerencias e unidades do Centro Socioeducativo Pomeri1-

O CSP esteve ligado à Secretaria de Segurança Pública até o ano de 2010, quando

foi criada a SEJUDH/MT. A partir daí, algumas mudanças vieram ao encontro das

necessidades de operacionalização, revisão de projetos, reorganização da estrutura, entre

outras, para o atendimento de jovens e adolescentes que cumprem medidas

socioeducativas, sendo a mais urgente a realização de concurso público para atender essa

demanda.

O Programa socioeducativo é uma denominação genérica que engloba um

conjunto de ações para o atendimento ao adolescente sentenciado com a medida

1 POMERI: Cerimônia indígena em que jovens passam por um processo de “reclusão” em torno de 18

meses, visando à preparação para o exercício da cidadania junto às suas respectivas comunidades

(MIRANDA, 2014, p. 58).

19

socioeducativa. A medida socioeducativa é aplicada ao adolescente que tem entre doze e

dezoito anos de idade e que comete ato infracional – Estatuto da Criança e do Adolescente-

ECA - (BRASIL, 1990) que visa. O CSP - Cuiabá abriga em suas dependências a EEMF,

que tem por objetivo preparar os adolescentes e jovens privados de liberdade para assumir

papéis sociais relacionados à vida coletiva, ao mundo do trabalho, ao comportamento justo

na vida pública e no uso adequado e responsável de conhecimentos, capacidades e

habilidades, disponíveis nos tempos e espaços da sociedade em que se encontra inserido.

Assim, as ações socioeducativas devem ser garantidas pelas organizações,

governamentais e não-governamentais, com o objetivo de se alcançar o rompimento de um

círculo vicioso, marcado por posturas historicamente engessadas que inibem ações de

superação e a atribuição de novos papéis a serem desenvolvidos no atendimento de

ressocialização de jovens e adolescentes que se encontram privados de liberdade.

1.1 Estrutura organizacional- CSP- Cuiabá

O Centro Socioeducativo Pomeri é composto pelos seguintes órgãos: Juizado da

Infância e da Juventude - Varas Cíveis e Infracional; Ministério Público - Varas Cíveis e

Infracional; Defensoria – Varas Cíveis e Infracional; Secretaria de Justiça e Direitos

Humanos - SEJUDH; Superintendência do Sistema Socioeducativo, Diretoria do Centro

Socioeducativo, Gerência de Atendimento Meio Aberto; Secretaria de Segurança

Pública/SESP; Delegacia Especializada do Adolescente – DEA; Delegacia Especializada de

Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente-DEDICCA; Projeto Rede Cidadã- PM,

Batalhão da Guarda- PM; Centro Integrado de Segurança e Cidadania-CISC; Secretaria de

Estado de Educação/SEDUC- Escola Estadual Meninos do Futuro - EEMF.

O Centro Socioeducativo Pomeri de Cuiabá apresenta a estrutura interna da Diretoria

do CSP, o qual está organizado em microestruturas responsáveis pela execução das medidas

socioeducativas, assim constituídas:

- Unidade de Internação Provisória e responsável pelo cuidado aos adolescentes na faixa

etária de 12 a 18 anos que ficam à disposição da justiça, para que se possa averiguar o ato

infracional no prazo máximo de 45 dias.

- Unidade de Internação Masculina: destina-se ao atendimento exclusivo para adolescente

na faixa etária de 12 a 18 anos; em caso excepcional, poderá atender jovens de 21 anos, já

20

sentenciados pelo Juiz, devendo ser avaliados semestralmente, não podendo ultrapassar três

anos de permanência nessa Unidade.

- Unidade de Intervenção Provisória Feminina: abriga adolescentes de 12 a 18, as quais

aguardam decisão judicial, ficando nessa unidade no máximo por 45 dias.

- Gerência de Educação e Formação Profissional - elabora projetos, ministra cursos,

palestras, oficinas, voltados para a formação profissional dos adolescentes do Centro

Socioeducativo; esses projetos se ampliam para a formação dos agentes, com o objetivo de

melhorar o desempenho dos mesmos no ambiente socioeducativo.

- Gerência de Serviços Social de e de Saúde: essa gerência é responsável pelo atendimento

básico de saúde dos adolescentes; em caso de atendimento mais especializado, o jovem é

encaminhado pela rede sócio assistencial do estado e município, por meio do Sistema Único

de Saúde (SUS).

A estrutura apresentada é assegurada pela Lei n° 12.594/2012, que institui o Sistema

Nacional de Atendimento Socioeducativo/SINASE e regulamenta a execução das medidas

destinadas a adolescente que pratiquem ato infracional; surge da necessidade de estabelecer

Planos de Atendimento Socioeducativo, com ações articuladas na área da educação, saúde,

assistência social, cultura, capacitação para o trabalho e esporte, para os adolescentes

atendidos pelo sistema socioeducativo. Além disso, essa estrutura também está apoiada na

Lei nº 8.069/1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA – (BRASIL, 1990), ação

que fortalece a implementação de práticas envolvendo questões como os direitos

fundamentais das crianças e dos adolescentes, assim como as sanções, quando há o

cometimento de ato infracional. O ECA define, ainda, quais são os órgãos que devem prestar

assistência a esses jovens, entre outras questões.

O Centro Socioeducativo Pomeri-Cuiabá resulta desse processo e assume o papel de

garantir o direito à Educação Escolar aos adolescentes que cumprem medidas

socioeducativas. Propõe organizar condições pedagógicas favoráveis de aprendizagem,

articuladas ao cumprimento de ações de ressocialização direcionadas à aplicação de penas

aos adolescentes que cometem atos infracionais. Trata-se de espaço complexo e silenciado

e, ao mesmo tempo, dinâmico, desafiador. Assim, propor ações alternativas via projetos é

uma ação viável nesse espaço.

No entanto, o cumprimento dessas medidas não tem se efetivado como

assegurado na lei. Em entrevista midiáticas, em 2014, a Juíza da Vara da Infância e Juventude

21

de Cuiabá, Drª Gleide Bispo dos Santos, denuncia que as instalações do Complexo

Socioeducativo Pomeri é um local que apresenta péssimas condições para abrigar

adolescentes que cumprem medidas socioeducativas. Em suas palavras: “Não é local de

receber seres humanos, pois trata-se de um local onde adolescentes convivem com ratos e

baratas [...] a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos tem ciência disso”.

Apesar das condições precárias denunciadas por autoridades, há a intenção da direção

do socioeducativo e gerências em manter o funcionamento mínimo de organização interna das

unidades. É desejo também que essa organização evolua para uma rotina saudável, em que

prevaleça o bom senso nas relações entre adolescentes, gestores, socioeducadores e a EEMF.

A interferência repressora por parte dos socioeducadores inviabiliza o desenvolvimento de

projetos e de uma rotina escolar, por inibirem a concretização dos projetos. Estão implantados

nesse espaço Projetos PRONATEC - SENAI-SENAC, que oferecem cursos de formação e

qualificação profissional, sustentados com recursos do governo estadual e federal.

O CSP oferece ainda oficinas, atividades de lazer, atendimento médico, odontológico,

psicológico e terapêutico, atendimento jurídico, de assistência social, religiosa e educação

profissional.

As Unidades que compõem o Centro Socioeducativo Pomeri-Cuiabá apresentam as

seguintes estruturas: 1 Unidade de Internação Provisória, com capacidade de atender até 70

adolescentes; Unidade Feminina, podendo atender até 14 adolescentes; Unidade Masculina de

internação, com atendimento de até 40 adolescentes. Para atender aos dispositivos legais, o

CSP abriga: um Juizado da Infância e Juventude, com duas Varas, uma cível e outra

infracional; Ministério Público, com duas varas, uma cível e outra infracional; Delegacia

Especializada do Adolescente; Delegacia Especializada de Defesa e Direitos da Criança e

Adolescente; Superintendência do Sistema Prisional; Superintendência do Sistema

Socioeducativo; Projeto Rede Cidadã; Centro Integrado de Segurança e Cidadania- CISC;

Guarda da Polícia Militar; Direção do CSP-Cuiabá e a EEMF. Em atendimento às orientações

do SINASE, o acompanhamento e desenvolvimento do processo socioeducativo é

desencadeado pelo Plano Individual de Atendimento – PIA, ferramenta pedagógica que

identifica o perfil do adolescente, com registro de aproximação familiar, sobre atividades que

possivelmente ele vai realizar dentro desse espaço. Ao delinear esse plano, o adolescente

participa ativamente, pois as ações são direcionadas buscando sua formação integral no

cumprimento da medida socioeducativa. Essa ferramenta é acompanhada sistematicamente

22

por uma equipe multidisciplinar e atualizada diariamente, para não comprometer a qualidade

de desenvolvimento socioeducativo do adolescente.

Outra questão que chama a atenção no atendimento socioeducativo no CSP-Cuiabá,

é a obrigação de, por força da lei, receber jovens de vários municípios do Estado. Muitos

não portam a documentação mínima para serem encaminhados para triagem, nem a natureza

infracional cometida. Apesar dessa dificuldade, segundo depoimentos narrados no

Seminário de Avaliação SEJUDH/MT, em 24 e 25/03/ 2015, os projetos realizados, com a

participação restrita de adolescentes são: Projeto artesanato, palestras antidrogas, palestras

sobre DSTs, Projeto Biblioteca, Horta, entre outros. Dada a natureza do CSP-Cuiabá, é quase

impossível traçar um perfil de rotina de trabalho. As relações são instáveis, e há um

silenciamento e uma ocultação das ações. Na insistência para conhecer melhor esse espaço,

a gerência esclarece que o dia se inicia com revista nas unidades, café da manhã, ida até as

salas de aula, almoço; no turno vespertino, participação nas atividades de educação física,

recreação; no contra turno, Projeto Mais Educação, atendimento às necessidades de

tratamentos odontológico, médico, jurídico etc, recolhimento nas unidades, jantar e dormir.

Todas as atividades são acompanhadas por socioeducadores. Caso haja suspeita de revolta,

motim, ou se forem encontrados objetos cortantes, armas brancas, drogas, celulares, todas

as ações, mesmos aquelas devidamente planejadas, como ida ao cinema, as aulas são

imediatamente suspensas.

As ações planejadas e executadas no CSP- Cuiabá, são mediadas pela prática de

integração socioeducativa, aliada às condições de atendimento das necessidades do

adolescente. Este, ao adentrar nesse espaço em consonância com o ato infracional realizado,

e devidamente asseguradas as penalidades previstas no Estatuto da Criança e Adolescente/

Art. 112/ECA (BRASIL, 1990), passa pela aplicação das seguintes penalidades:

1- Advertência, que se expressa por uma admoestação verbal, com evidente prova de

materialidade e indícios de autoria (art. 115).

2- Obrigação de reparar o dano, ato infracional com reflexos patrimoniais, constitui a

compensação do prejuízo da vítima (artigo 116).

3- Prestação de serviços à comunidade: são lhe atribuídas tarefas gratuitas, estipuladas

em um prazo máximo de seis meses (artigo 117).

4- - Liberdade Assistida: trata-se de medida de caráter socioeducativo, em que

prevalecem o acompanhamento, o auxílio e a orientação o adolescente, a qual deve

23

ser cumprida num período máximo de seis meses, podendo ser prorrogada, revogada

ou substituída (artigo 118).

5- Inserção em Regime de semiliberdade: esta proposta está para ser implantada no

complexo Socioeducativo Pomeri- Cuiabá; trata-se de possibilitar ao adolescente sair

do regime fechado para o da internação em local onde ele tenha maior contato com a

sociedade, podendo realizar atividade externa, que independe de autorização do juiz.

Não há um prazo fixado (art.120).

6- Internação em Estabelecimento Educacional: trata-se de medida privativa de

liberdade essa medida socioeducativa deve ser revista a cada seis meses (artigo 121)

(SOUZA e LIRA, 2008, p 26).

1.1 - Escola Estadual Meninos do Futuro

A EEMF localiza-se na Avenida Dante Martins de Oliveira, s/nº, Bairro Planalto,

no CSP, em Cuiabá, e foi criada pelo Decreto nº 404, de 22/09/95, autorizada pela

Resolução nº 027/97, do CEE/MT; destina-se a Educação Infantil e Ensino Fundamental

de 1ª a 4ª séries, com o objetivo de atender crianças e adolescentes excluídos do ensino e

de todo o contexto social, encaminhados às unidades da Fundação de Promoção Social -

PROSOL - os que permaneciam em situação de rua. Essas crianças e adolescentes eram

encaminhadas para as unidades por ordem judicial.

SEJUDH/MT

SEDUC/MT

CENTRO SOCIOEDUCATIVO POMERI-CUIABÁ

ESCOLA ESTADUAL MENINOS DO

FUTURO

24

Em Janeiro de 2003, por meio do Decreto nº 04/03, do Governador Blairo Borges

Maggi, a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública assumiu a gestão da política

de atendimento do adolescente, antes executada pela Fundação de Promoção Social do

Estado de Mato Grosso- PROSOL.

O sistema socioeducativo esteve ligado à Secretaria Estadual de Segurança

Pública até 2010, quando foi criada a Secretaria Estadual de Justiça e Direitos Humanos,

à qual passou a vincular-se a EEMF, criada após a extinção da Escola de 1º Grau

Agostinha Guimarães.

O Direito à educação torna-se mais complexo quando se trata de adolescentes e

de jovens privados de liberdade, que muitas vezes cresceram sujeitos ao abandono e à

exclusão. E, é de consenso, o que deveria ser uma educação ressocializadora torna-se um

desafio, uma vez que não existe um projeto específico para atender as necessidades

formativas desses jovens. Além disso, a formação de professores ainda apresenta

diversidades de entendimento sobre o desenvolvimento escolar dessa demanda.

O direito à educação é um direito fundamental, previsto na Constituição Federal,

enfatizada no Estatuto da criança e do Adolescente – ECA – (BRASIL, 1990),

regulamentado e ordenado na Lei de Diretrizes e Base LDB – Lei nº 9.394/1996

(BRASIL, 1996). O Art. 1º dessa lei dispõe que:

a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na

vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de

ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações de ensino e

pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e

nas manifestações culturais (BRASIL, 1996).

A SEDUC, institucionalmente é a mantenedora da EEMF, inserida no espaço

CSP. A trajetória dessa unidade de ensino se inicia em 1981, como Centro Integrado de

Ensino Profissionalizante-CIEP, o qual atendia os alunos das comunidades das diversas

Unidades da Fundação Estadual do Bem Estar do Menor – FEBEM - na escolarização,

ofertava cursos profissionalizantes, como mecânica, cabeleireiro, manicure, borracharia

e pedreiro. Esses alunos recebiam uma bolsa como auxílio financeiro da Fundação

Nacional do Bem Estar do Menor- FUNABEM, com vistas à permanência na escola.

Encerrou suas atividades em 1988.

No ano de 1989, passou à denominação de CEPEM - Centro de Promoção

Educacional do Menor, cujo objetivo era atender crianças e adolescentes de diferentes

bairros que estavam fora da rede escolar, a fim de possibilitar-lhes escolarização, cultura,

25

lazer e cursos profissionalizantes. O Centro mantinha um convênio com a SEDUC/MT,

que se responsabilizava pela cedência de professores, e a FUNABEM repassava os

recursos para instalação e manutenção de uma cozinha industrial e também de uma

padaria, oferecendo cursos profissionalizantes de datilografia, corte e costura, tricô,

crochê, mecânica, dentre outros. Preparados profissionalmente, eram encaminhados ao

mercado de trabalho, por meio da União Social do Adolescente- USA.

A EEMF ocupa um imóvel da SEJSP/MT - Secretaria de Estado e Justiça e

Segurança Pública, e a SEDUC/MT oferece a Educação Básica: Ensino Fundamental

Organizado em Ciclos de Formação Humana/1º, 2º, 3º Ciclos; Ensino Médio Regular, 1º,

2º, 3º anos; Educação de Jovens e Adultos. O Quadro de Pessoal é composto por: a)

Técnicos Educacionais Administrativos/ TAE; Apoios Educacionais Administrativos/

AAE; b) profissionais docentes: professores regentes; c) Equipe Gestora: coordenação

pedagógica, Direção, secretaria.

A EEMF atende as Unidades de Intervenção Provisória e Internação Masculina e

Feminina, do CSP. O regime de trabalho atende aos preceitos da matriz curricular. A

equipe pedagógica, diretor, coordenadores pedagógicos e secretário correspondem ao

regime de trabalho de 40 horas semanais, já equipe docente cumpre jornada de 20 horas,

inclusive os técnicos administrativos e apoio escolar.

A EEMF tem como princípio construir no interior da escola uma natureza de

acolhimento, organização e socialização dos saberes, um espaço da atuação político-

pedagógica que visa à formação de alunos sujeitos de seus direitos.

O desafio presente é constituir uma escola com um Projeto Político Pedagógico

que consiga reconhecê-los como agentes de direito em um ambiente de constantes

conflitos, violência, com estruturas precárias. Assim, para que a proposta pedagógica se

efetive, deve estar envolver a ação concreta dos socioeducadores, aliada ao trabalho da

equipe docente e pedagógica da escola, como parte integrante da formação desses jovens.

Essa ação poderá ajudar o jovem privado de liberdade a criar uma expectativa de

ressocialização, contribuindo para a construção de sua identidade formativa, e ajudando-

o a se sentir preparado, produtivo, para voltar ao convívio social e familiar, com

autoestima elevada, afastando-se de reiteração de atos infracionais. A demanda da escola

é itinerante, pois ela recebe alunos que passaram por vários processos de exclusão e

trazem consigo situações desafiadoras, entre elas abandono precoce da escola, não

conclusão da formação, defasagem ano/série. A estrutura física da escola apresenta: duas

salas de aula (construídas pela SEDUC/MT), uma sala para laboratório de informática

26

(equipamentos defasados), uma sala para coordenação/direção/sala de professor, uma

quadra coberta, uma piscina (construída pela SEDUC/MT). A estrutura física não condiz

com as necessidades básicas de atendimento pedagógico, já que falta espaço físico capaz

de oferecer condições de desenvolver programas e projetos em consonância com as

diretrizes do Projeto Político Pedagógico, da matriz curricular e do calendário escolar,

documentos que norteiam as ações pedagógicas e que se encontram arquivados em

armários, sem condições de serem executados.

Para concretizar as ações pedagógicas, constante no Projeto Político Pedagógico-

PPP há a exigência de cumprimento das 800/horas, em 200 (duzentos) dias letivos

preconizados na LDB nº 9.394/96 (BRASIL, 1996), essa ação encontra alguns entraves

dentre elas; a falta de recurso humano (socioeducadores) em número suficiente para

conduzir os adolescentes da Unidade de Internação e se dirigir às salas de aula, ingerência,

suspensão das atividades pedagógicas, punição por desobediência, prevenção quanto a

motim, revista nas Unidades que compõem o CSP.

Toda situação acima elencada põem em risco o cumprimento do planejamento

escolar, tendo em vista momentos de conflitos que se instalam no CSP. Os registros

escolares na efetivação das ações planejadas demonstram ainda que alguns projetos são

afetados por decisões unilateral do CP de integração com a escola que sabe se o

adolescente participará da aula compromete seriamente a execução de projetos e

programas institucionais e de formação e qualificação profissional.

A Secretaria de Estado de Educação/SEDUC/MT tem o papel de garantir aos

adolescentes e jovens atendidos pelo CSP o direto à educação, cumprindo o que dispõem

a Constituição Federal de 1988 e a LDB 9.394/1996. Observando as exigências legais,

considerando a complexidade da demanda, a SEDUC/MT cria e credencia a EEMF para

a oferta do Ensino Fundamental e de Ensino Médio e também na modalidade de EJA,

sustentados por uma estrutura pedagógica, de gestão administrativa e operacional para o

funcionamento da Unidade Escolar que, apesar de apresentar grandes diversidades, busca

estabelecer uma rotina pedagógica de escola e sala de aula, assegurando, assim, o

processo e escolarização desses adolescentes.

A EEMF está estruturada para oferecer condições de aprendizagem, apoiada em

pressupostos estratégicos e metodológicos que promovam vivências e experiências que

deem sentido à formação escolar. Em sua estrutura, a escola conta com uma equipe

gestora pedagógica (Direção, Coordenação, Secretaria), com quadro docente de professor

pedagogos e por área de conhecimento; também apresenta um quadro de profissionais

27

Técnicos Administrativos Educacionais/TAE e de Apoio Administrativos

Educacionais/AAE, habilitados e com experiência para atuar nesse espaço.

Como forma de fortalecer a política de inclusão, em 2011 a SEDUC/MT

implantou o “Projeto Educar” e criou, na Superintendência de

Currículo/SUEB/SEDUC/MT, a Coordenadoria de Atendimento do Socioeducativo, de

natureza pedagógica, com a função de delinear ações de acompanhamento e

desenvolvimento de jovens e adolescentes privados de liberdade, matriculados na EEMF,

e proporcionar situação favorável para o diálogo entre as instituições socioeducativas –

escola – SEDUC/MT.

O projeto apoia-se em princípios de uma educação emancipatória, diretiva, crítica

e democrática, humanizadora, com finalidade de atender as necessidades e

especificidades da demanda de adolescentes e jovens que se encontram privados de

liberdade. A criação da coordenadoria foi no sentido de dar unicidade de rede de ensino

aos trabalhos da EEMF. Com isso, elaborou-se a Portaria nº

450/11/2011/GS/SEDUC/MT, que normatiza o processo de atribuição, de seleção de

classe/aula e de jornada de trabalho, para compor o quadro de lotação dos profissionais

da educação básica que atuam na Escola Meninos do Futuro, desejo e reivindicação antiga

da direção da escola. O Projeto Educar também se encontra nesse anseio.

Com essa portaria, a escola passa a trabalhar com critérios de atendimento da

demanda das Unidades Socioeducativas. Em 2011, e com resultados efetivos na melhoria

do quadro de profissionais que atuam nessa área, houve a necessidade em dar

prosseguimento a essa normativa institucional; esse ato passou a ser regulamentado

anualmente pela Portaria 310/12/2012/GS/SEDUC/MT, Portaria nº

346/11/2013/GS/SEDUC/MT e Portaria 347/11/2014/GS/SEDUC/MT.

Ao serem normatizadas as ações pedagógicas e socioeducativas, houve

necessidade do desdobramento e corporificação de ações importantes para o atendimento

desses jovens e adolescentes, surgindo, assim, Unidades Socioeducativas e salas anexas

em diferentes locais: Escola Estadual Ana Maria das Graças de Souza Noronha - Salas

Anexas/Cáceres; Escola Estadual Wunibaldo Tauller Rodrigues - Salas

Anexas/Rondonópolis; Escola Estadual São João Batista - Salas Anexas/Barra do Garças;

Escola Estadual Olimpo João Pissinati Guerra - Salas Anexas/Sinop.

O Projeto Educar/SEDUC/MT busca efetivar ação que venha ao encontro da

necessidade de compreender o adolescente privado de liberdade em sua complexidade,

com o propósito de possibilitar diferentes modos de atendimento, com novas formas de

28

enturmação, novo modelo de Histórico Escolar, que não evidenciem sua vida escolar

pregressa, mas voltados para a construção de um instrumento de avaliação diagnóstica, a

ser realizada a partir do momento em que o adolescente ingresse no sistema

socioeducativo. Esses instrumentos definirão a capacidade cognitiva do aluno para

composição das turmas, possibilitando o planejamento condizente com a necessidade

formativa desse aluno.

As salas de aula são organizadas com turmas de oito a dez alunos, com respaldo

na Portaria de Atribuição/SEDUC/MT vigente, para atribuição de classes/aulas dos

professores e, ainda, a organização interna dos grupos de alunos para otimizar o

atendimento, conforme o encaminhamento da equipe gestora da Escola Estadual Meninos

do Futuro. O currículo faz parte das Orientações Curriculares de Mato Grosso -

OCs/SEDUC – (MATO GROSSO, 2010), organiza-se por área de conhecimento e tem o

papel de desenvolver, de forma concomitante, a educação escolar projetos e oficinas com

o objetivo de ajudar no desenvolvimento do aluno.

Consta no Projeto Educar - CAS/SEDUC - (MATO GROSSO, 2014) estratégia

didática e metodológica, por eixo integrador: conhecimento, cultura e trabalho articulado

com diferentes áreas do conhecimento, conforme assegura a Resolução CNE/nº

007/2010, que contempla as áreas de Linguagens, Ciências Humanas, Ciências da

Natureza e Matemática. Outra singularidade está relacionada ao tempo de permanência

do aluno no sistema socioeducativo. Está previsto o cumprimento do currículo proposto

ao adolescente que está no regime provisório ou de internação.

Essa estrutura curricular é colocada em prática, observando a avaliação

diagnóstica e a enturmação. A SEDUC/MT, através do sistema online, buscou realizar o

controle de frequência, carga horária cursada, o conteúdo e as atividades organizadas com

registros de portfólio. Todos esses itens, necessários para a documentação e

acompanhamento da vida escolar do aluno, são acompanhados pela secretaria escolar e

coordenação pedagógica. A Escola Estadual Meninos do Futuro utiliza como forma de

acompanhamento sistematizado do aluno o relatório descritivo da aprendizagem, que

pode ser anual ou parcial, dependendo do tempo em que o adolescente fica privado de

liberdade.

Em caso de transferência, o aluno recebe um relatório que expressa a dimensão

cognitiva, o nível de operações mentais e a construção do conhecimento elaborado. A

avaliação socioemocional diagnóstica é uma prática dos professores, momento em que se

29

organizam novas situações de ensino e aprendizagem, buscando-se auxiliar o

desenvolvimento do educando.

Ao deixar o CSP, o aluno é encaminhado para uma escola regular da rede pública

de ensino, com um Relatório de Avaliação Descritiva. Assim, a escola receptora, com

base no relatório e na documentação de sua vida escolar, fará sua enturmação, mediante

o processo de classificação e idade, ambos estão assegurados nas Resoluções

02/2009/CEE/MT e 262/2002/CEE/MT.

Quanto à estrutura física da escola, hoje esse espaço destinado às ações de ensino

e de aprendizagem não reproduz imagens de escola, mas de uma situação de prisão.

Muitas vezes, as aulas são ministradas dentro de salas com grades, insalubres, escuras,

tornando-as inadequadas às necessidades formativas básicas de atendimento ao jovem

que cumpre medida socioeducativa. Mesmo assim, a escola “é um lugar onde eles gostam

de estar” (MIRANDA 2014, p. 113).

A SEDUC/MT, no ano de 2014, através da Secretaria Adjunta de Políticas

Educacionais e Secretaria Adjunta de Estrutura Física, pensando na melhoria das

condições de trabalho dos docentes e na adequação de um ambiente que pudesse receber

esses jovens, respeitando a história de vida de cada um que cumpre medidas

socioeducativas, disponibilizou recursos para construção de duas salas de aula, mas a

indicação para do local é responsabilidade da SEJUDH/MT, proprietária do terreno.

1.2 - Estrutura e organização da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos/

SEJUDH/MT

A Secretaria de Justiça e Direitos Humanos/SEJUDH/MT é uma instituição

pública que insere em sua estrutura o Complexo Socioeducativo Pomeri, administrado

por uma diretoria com sede em Cuiabá, na qual a Escola Estadual “Meninos do Futuro”

está integrada , conforme organogramas 01, apresentado acima, e 02, a seguir.

30

Figura 2 - Estrutura SEJUDH/MT

A SEJUDH/MT, órgão de instância estadual que administra e executa medidas

socioeducativas de privação de liberdade, por determinação do poder judiciário, aos

adolescentes e jovens aos quais cometem atos infracionais, tem por finalidade

supervisionar, coordenar e controlar o Sistema Penitenciário, o CSP e as atividades

diretamente relacionadas ao Sistema de Defesa do Consumidor e aos Conselhos

responsáveis pela defesa dos direitos individuais e coletivos.

A estrutura organizacional básica e setorial, definida no Decreto nº 170, de 10 de

Março de 2011, é composta por cinco níveis:

Nível de Decisão Colegiada, que compreende: Conselho Penitenciário do

Estado- CONPEN; Conselhos Antidrogas- CONEAD/MT; Conselho da Defesa dos

Direitos da Pessoa Humana; Direito do Idoso; Direitos da Mulher; da Promoção da

Igualdade Racial- CEPIR; Defesa do Consumidor; Direitos da Pessoa com Deficiência e

Secretaria Executiva dos Conselhos.

• Nível de Direção Superior, que integra: Gabinete do Secretário de Estado de

Justiça e Direitos Humanos; Secretário Adjunto de Justiça e Secretário de

Administração Penitenciária.

• Nível de Assessoramento Superior, do qual fazem parte o Gabinete de Direção

e a Unidade de Assessoria.

31

• Nível de Execução Programática, que se organiza em: Superintendência do

Sistema Socioeducativo; Diretoria da Cadeia Pública de Vera; Gerências

Regionais dos Centros Socioeducativos - Polos de Vera, de Cáceres e de

Rondonópolis.

• Nível de Administração Descentralizada, constituído pela Fundação Nova

Chance- FUNAC.

Este estudo busca também conhecer as estruturas de sustentação do CSP,

buscando, assim, desvelar o modelo de organização e de funcionamento.

Gabinete do Secretário de Justiça e Direitos Humanos, responsável por coordenar,

orientar e fiscalizar as ações dos órgãos subordinados. Estas ações devem ser alinhadas e

compartilhadas com as diretrizes do Governo. Além dessas atribuições, é função desse

Gabinete aprovar as ações administrativas diretas ou indiretas, analisar e aprovar o

orçamento de sua pasta, bem como os planos de trabalho da SEJUDH/MT, dentre outras

competências. Há, ainda, o Secretário Adjunto, ligado diretamente ao Secretário. O

Secretário - Adjunto auxilia no desenvolvimento das ações da pasta da Justiça e Direitos

Humanos, trabalhos mais próximos da direção do CSP.

- Superintendência da SEJUDH, incumbida de planejar, programar, dirigir, coordenar,

supervisionar e controlar áreas do CSP.

- Direção do CSP, encarregada de dirigir todos os serviços do estabelecimento e executá-

los, é responsável direta pelo clima institucional, disciplina, segurança e economia. Deve

promover reuniões periódicas, a fim de realizar o acompanhamento de programas e

projetos desenvolvidos sob a sua responsabilidade, primando pelo trabalho gerencial de

planejamento, liderança, organização, além de: reunir-se diariamente com os servidores

responsáveis pela segurança e disciplina da unidade, para estabelecer normas de

segurança; oficiar ao juízo competente quando da transferência e remoção de jovens

privados de liberdade; estar em constante diálogo com os órgãos que compõem o sistema

socioeducativo, para maior integração das atividades realizadas ao atendimento dos

jovens privados de liberdade.

- Gerência de Atendimento Meio Aberto, responsável por promover os trabalhos em

equipe e o desenvolvimento continuado de seus membros, estabelecendo metas a serem

atingidas: elaborar proposta técnica, bem como executar projetos em sua área, além de

garantir a eficiência, eficácia e efetividade na execução das ações propostas. Os projetos

32

para implementação e as metas a serem atingidas deverão constar na proposta

orçamentária, a fim de assegurar execução dos mesmos.

- Gerência Técnica, incumbida de organizar e elaborar projetos, ministrar cursos,

palestras, oficinas, voltados para a formação profissional dos adolescentes do Centro

Socioeducativo. Alguns desses projetos serão desenvolvidos com os agentes, visando

ampliar a sua formação e, assim, melhorar o desempenho dos mesmos no ambiente

socioeducativo.

A SEJUDH/MT organiza-se por meio de um conjunto de disposições,

instrumentos e mecanismos, com a finalidade de oferecer proteção aos adolescentes e

jovens privados de liberdade. Nessa rotina, cabe ao gestor executar a política de

atendimento, mediando princípios e diretrizes que sinalizam os documentos oficiais, além

de observar as diretrizes gerais fixadas pela União, no âmbito federal.

Nesse contexto, a SEJUDH busca auxiliar os municípios na construção e

implementação do Sistema Socioeducativo, nele compreendidos políticas, planos,

programas e demais ações voltadas ao adolescente e jovem a quem se atribui ato

infracional, desde o processo de apuração, aplicação e execução de medidas

socioeducativa.

A Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos/SEJUDH-MT possui um

layout de um modelo organizacional regimental específico que se converge nas ações

socioeducativas, corporificando-se em atividades, programas e projetos que têm por

princípio dar sustentação às atividades pedagógicas e sociais. São condições necessárias

para a construção de um plano de trabalho global, considerando-se toda complexidade

existente no interior do CSP.

A SEJUDH orienta para uma gestão, cujas metas se situam no desenvolvimento

de programas de atendimento para a execução das medidas de semiliberdade, internação,

internação provisória, através da colaboração com os municípios para o atendimento ao

meio aberto, este último ainda em fase de estudo. Esta informação não faz parte da

descrição/apresentação do órgão.

No ano de 2015, a Unidade de Semiliberdade foi apresentada ao Poder Judiciário,

o qual deve ajudar na liberação de recursos. A Unidade possui uma estrutura física com

cinco quartos, banheiros, cozinha, área de lazer, sala multiuso, refeitório e lavanderia,

possibilitando o atendimento de 20 (vinte) adolescentes. A equipe técnica é formada por

16 agentes socioeducativos, dois psicólogos, dois assistentes sociais e dois técnicos

33

administrativos. As ações socioeducativas de semiliberdade serão norteadas pelo

regimento interno, o qual passa por aprovação do Conselho da SEJUDH, conforme se lê

em entrevista do Secretário Adjunto, publicada no Jornal O Documento, de 17/03/2015.

O Projeto Educar-SEJUDH/2014, pensado no estreitamento das relações

institucionais entre SEDUC/SEJUDH, contempla ações socioeducativas e educacionais.

Direcionado ao acompanhamento de jovens e adolescentes privados de liberdade é uma

proposta interna da instituição com o objetivo de contribuir com o desenvolvimento de

projetos e programas que orientam a gestão no trabalho de cumprimento da medida

socioeducativa. Esse projeto tenciona instituir espaços de reflexão e de proximidade com

a realidade desses adolescentes, buscando incentivá-los para o convívio com seus

familiares, dar-lhes sentido à vida em comunidade, escola. Em resumo, esse projeto

propõe criar condições que favoreçam a reinserção social dos adolescentes.

Em relação aos recursos financeiros, a estrutura física, a estrutura organizacional,

as medidas protetivas e as legislações vigentes são de responsabilidade da Secretaria de

Estado de Justiça e Direitos Humanos/SEJUDH.

1.3 - Secretaria de Estado de Educação

A estrutura organizacional da Secretaria de Estado de Educação possui em seu

organograma a Escola Estadual “Meninos do Futuro”, projeto relacionado diretamente

com o Complexo Socioeducativo, conforme se vê abaixo:

34

Figura 3 - Estrutura SEDUC/MT

A Secretaria de Estado de Educação cumpre o papel de garantir a oferta da

educação básica pública e com qualidade à sociedade mato-grossense. A SEDUC/MT

atualmente está assim organizada:

- Gabinete da Secretaria; Assessoria de Comunicação; Secretário Adjunto Executivo;

Superintendência de Planejamento e Finanças; Gerência de Prestação de Contas e

Transferências Descentralizadas; GEPC- Gerência de Prestação de Contas e Convênios;

GCON- Gerência de Convênios; CPL- Coordenadoria de Planejamento; CCF-

Coordenadoria Contábil Financeiro; Controle Interno; Superintendente Administrativa;

Coordenadoria de Aquisição e Contratos- CAC; Coordenadoria de Tecnologia da

Informática (COT); Gerência de Sistemas; Gerência de Suporte; Coordenadoria de Apoio

Logístico (CAL); Gerência de Serviços Gerais (GESG); Gerência de Transporte;

Gerência de Protocolo; Gerência de Arquivo Setorial; Coordenadoria de Almoxarifado e

Patrimônio; Gerência de Patrimônio Imobiliário.

- Secretaria Adjunta de Estrutura Escolar, estruturada em: Gerência de Projetos da Rede

Física, Escolar; Assessoria Jurídica; Coordenadoria de Alimentação Escolar/CAE;

Coordenadoria de Aplicação e Desenvolvimento e Qualidade de Vida; Gerência de

Desenvolvimento Organizacional; Superintendência de Gestão de Pessoas,

35

compreendendo Gerência de Desenvolvimento; Gerência de Aplicação; Gerência de

Despesa de Pessoal; Gerência de Informação e Vida Funcional.

- Secretaria Adjunta de Infraestrutura: responsável pela estrutura física dos prédios

escolares em nosso estado, tem por missão reunir-se com a Coordenadoria

Socioeducativa, propor a construção da escola, com salas para a gestão, salas de aula,

cozinha, refeitório, biblioteca, laboratório, banheiros. Hoje, a EEMF conta com quadra

de esporte, uma piscina, duas salas isoladas de aula, uma sala minúscula para gestão

escolar; as demais atividades são realizadas nas alas de internação.

- Secretaria Adjunta de Políticas Educacionais: está diretamente relacionada com a

manutenção e organização da escola e tem a finalidade de assegurar o desenvolvimento

integral do jovem que se encontra privado de liberdade. Discorremos somente sobre

alguns setores da secretaria que realizam ações integradas ao CSP Cuiabá.

- Secretaria Adjunta de Políticas Educacionais- SAPE é o órgão responsável pela

elaboração e execução das políticas educacionais da educação básica; ela comporta as

Superintendências: a) Gestão Escolar, a qual se ocupa das seguintes ações: avaliação e

desempenho escolar, informação e estatística escolar, avaliação e planejamento do

atendimento escolar, calendário escolar, matriz curricular, Assessorias Técnicas

Pedagógicas, documentação escolar; b) Superintendência de Formação, responsável pela

formação docente e de funcionários; c) Superintendência de Diversidade Educacionais,

que trabalha com as especificidades: Escola do Campo, Educação de Jovens e Adultos,

Quilombola, Educação Especial, Educação Indígena, Educação Ambiental; d)

Superintendência de Educação Básica/SUEB, que integra a Gerência de Núcleo de

Avaliação, Coordenadoria de Ensino Fundamental, Coordenadoria de Ensino Médio.

É pertinente ressaltar que, em 2013, a Superintendência de Educação Básica cria

a Coordenadoria da Educação Socioeducativa, que passa a ser responsável pelas ações

educacionais no CSP. A partir desse ano, a referida coordenadoria passa a integrar o

organograma da SEDUC/MT, com o objetivo de acompanhar o desenvolvimento de

projetos, em especial o Projeto Mais Educação, que compõe a matriz curricular da EEMF,

contribuindo com o processo de ensino e aprendizagem dos jovens que cumprem medida

socioeducativa no CSP.

36

1.4 - O Entrelaçamento Institucional

A SEDUC/MT e a SEJUDH estruturam-se de acordo com as necessidades básicas

de formação escolar e socioeducativas dos jovens e adolescentes que cumprem medidas

socioeducativas no CSP/Cuiabá. Possuem quadro de profissionais qualificados para o

trabalho com a especificidade da demanda, respaldando-se, também, em um conjunto de

legislação e normas que dão legitimidade às ações e atividades das instituições.

Fundamentam-se no Estatuto da Criança e do Adolescente/ECA (BRASIL, 1990) e na

Lei nº 12.594/2012 SINASE, apoiadas em princípios de reinserção social, com vistas a

amenizar os problemas sociais e de exclusão, uma realidade presente no atendimento ao

adolescente que comete ato infracional e se encontra privado de liberdade no CSP/Cuiabá.

Humanizar esse ambiente parece ser umas das metas institucionais, o que

significa rever ações de atendimento a esse segmento. Isso que implica estabelecer

diálogos permanentes entre a SEJUDH/MT e SEDUC/MT e o entrelaçamento de ações.

Consta a necessidade de intensificar as relações na busca de um reordenamento

institucional, no qual o objetivo de todo esforço se concentre na concretude das ações

planejadas, tanto das ações socioeducativas quanto das pedagógicas.

Em 2011, a SEJUDH, normatizou o atendimento ao adolescente já no ingresso na

unidade socioeducativa. A partir dessa data, o adolescente, ao chegar ao CSP, passa por

uma triagem realizada por uma equipe multidisciplinar; em seguida, é encaminhado à

gerência, a unidades provisórias e a outros segmentos. Após essa triagem, é realizado o

encaminhamento para os setores de psicologia, setor de assistência social e, mediante um

relatório, é feita a indicação da unidade onde ele ficará, no sistema provisório ou regime

fechado, de acordo com o ato infracional cometido.

37

O atendimento no sistema provisório pode ocorrer em um período de três e no

máximo de quarenta e cinco dias. Caso seja encaminhado para o sistema fechado, ele será

submetido a parecer do Juizado de Infância e Adolescência. Esse procedimento está

contemplado no Regimento Interno, Portarias e outros documentos oficiais da SEJUDH,

Estatuto da Criança e Adolescente/ECA (BRASIL, 1990) e SINASE (2006).

À SEDUC/MT compete, através da EEMF, garantir o processo de escolarização,

como também assegurar um atendimento integral na formação pedagógica desse

adolescente. A escola foi criada especialmente para atender o adolescente privado de

liberdade; há em seu quadro de profissionais uma equipe docente e de gestão escolar que

tem a função de acompanhar o ingresso do aluno após a triagem realizada pela equipe do

socioeducativo/SEJUDH/MT.

Ao chegar ao CSP, após passar pela triagem realizada pela equipe do Sistema

Socioeducativo, verifica-se se o adolescente fica no sistema provisório ou se vai para o

regime interno; esse adolescente é submetido a uma avaliação diagnóstica implantada

pela SEDUC/MT, via Coordenadoria de Atendimento Socioeducativo, a qual é tomada

como base para desencadear as suas ações no Projeto Educar. Alinhar as suas ações de

atendimento diferenciado, com o objetivo de melhor aproveitamento na formação escolar

do jovem que se encontra privado de liberdade, é um dos objetivos contemplados no

projeto.

Essa estrutura curricular é colocada em prática em observância à avaliação

diagnóstica e à enturmação. Após a avaliação diagnóstica, o aluno é enturmado em um

dos três estágios:

• Estágio Básico Civil: nesse estágio, são agrupados alunos que se

encontram na fase inicial do processo de desenvolvimento de habilidades linguísticas,

leitura e escrita, compreensão de texto e aprendizagem de Matemática.

• Estágio Intermediário - atende alunos que tenham um conhecimento

mínimo de leitura, escrita e Matemática. Há uma preocupação da equipe pedagógica em

fortalecer esses conhecimentos; assim, organiza a matriz curricular por área de

conhecimento, adota o método contextualizado e interdisciplinar conforme orientações

curriculares - OCs/SEDUC- (MATO GROSSO, 2010).

• Estágio Avançado - atende adolescentes que trazem o histórico escolar e,

após realização da análise documental e diagnóstico cognitivo, passam a compor no

estágio avançado adolescentes que apresentam condições de continuidade de seus estudos

no ano em foram privados de liberdade. O Projeto Educar foi elaborado por uma equipe

38

multidisciplinar da SEDUC/MT, tem como objetivo acompanhar o desenvolvimento

escolar do adolescente que cumpre medida socioeducativa.

Após triagem inicial para localizar o aluno no ano que corresponda a sua idade e

ciclo, o mesmo é encaminhado à equipe escolar que dará cumprimento à efetivação de

sua matrícula, evitando que ele fique sem uma rotina escolar.

Parece que essas instituições apresentam uma organização capaz de desenvolver

as políticas de atendimento aos adolescentes privados de liberdade. Porém, vê-se que

ainda é tímida a integração das ações.

Na sequência, apresento a fundamentação teórica em que se baseiam as análises

realizadas nesta dissertação.

39

CAPÍTULO II

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Neste capítulo, trago os pressupostos teóricos que irão fundamentar a pesquisa,

explicitando o fenômeno investigado. Inicialmente, apresento as contribuições da Análise

Crítica do Discurso (ACD), com base em Fairclough (1989, 2001, 2003). Em seguida,

direciono o meu olhar para a compreensão do significado representacional, a partir da

representação de atores sociais discutida em Van Leeuwen (1997, 1998). Também discuto

alguns aspectos do Realismo Crítico (RC), na visão de Bhaskar (1989), noção que auxilia

a compreensão sobre emancipação social. E, finalmente, apoio minhas discussões em

Michel Foucault (2014), que contextualiza a realidade das prisões, o poder do Estado na

aplicação da pena, punição, sistema penitenciário, poder jurídico, no livro “Vigiar e Punir:

nascimento da prisão”, e discorro sobre o pensamento de Paulo Freire, apresentado nas

obras “Pedagogia do oprimido” (FREIRE, 2014) e “Paulo Freire para Educadores”

(BARRETO, 2003).

2.1 - Análise Crítica do Discurso

A ACD surgiu na década de 1980, na Inglaterra, em uma abordagem elaborada

por Norman Fairclough, da Universidade de Lancaster, a qual foi denominada Critical

Discourse, traduzida no Brasil como Análise Crítica do Discurso e Análise do Discurso

Crítica. Nesta dissertação, será empregada a primeira forma. No ano de 1992, lança o

livro Discourse and Social Change, obra em que Fairclough aprofunda a teoria-crítica.

Conforme Fairclough (1992), a ACD surgiu como concretização do desejo de um

grupo específico de linguistas de criação de um método para analisar a linguagem, que

aliasse as teorias linguísticas, sociológicas e políticas. O autor percebia tal método como

a única prática de abordagem da linguagem, que é um objeto essencialmente dinâmico.

A Análise Crítica do Discurso pretende de uma forma geral, mostrar o modo como

ás práticas linguístico-discursivas estão imbricadas com as estruturas sociopolíticas mais

abrangentes, de poder e dominação. De acordo com Fairclough (2003a), a ACD pretende

também "aumentar a consciência de como a linguagem contribui para a dominação de

umas pessoas por outras, já que essa consciência é o primeiro passo para a emancipação".

40

A ACD surge como uma ferramenta capaz de descrever, interpretar e explicar

como a vida social se realiza por meio da manifestação linguística. Fairclough (2001;

2003a) reconhece que é de responsabilidade do analista crítico do discurso investigar as

relações dissonantes de poder investidas na linguagem, fornecendo ferramentas de

compreensão sobre os mecanismos que podem ser usados para analisar tais

desigualdades.

Fairclough (2003 apud SILVA, 2008) enfatiza que a pesquisa social crítica

começa com questionamentos a respeito de como as sociedades podem promover

algumas pessoas com tantos recursos e possibilidades para enriquecer e satisfazer vidas,

e como, por outro lado, negam a outras pessoas esses recursos e possibilidades.

Nesse contexto, são identificadas três dimensões de análise na composição do

discurso, que compreende o texto, a prática social e a prática discursiva.

Para Fairclough (1992, p. 22), “qualquer evento discursivo é considerado

simultaneamente um texto, um exemplo de prática discursiva e um exemplo de prática

social". De acordo com o autor, o discurso é visto como um tipo de prática social, de

representação e de significação do mundo. Trata-se de uma teoria que apresenta o

discurso como constituinte do social, como um modo de ação, isto é, como as pessoas

podem agir sobre o mundo e sobre os outros. Para, além disso, é como uma forma de

representação de mundo, pois nele valores e identidades são representados de forma

particular.

Para o autor, os discursos são concebidos como não apenas reproduzindo

entidades e relações sociais, mas também como as construindo de diversas maneiras, cada

uma das quais posicionando os sujeitos sociais também de diferentes maneiras. O

conceito de gênero do discurso na ACD refere-se, de acordo com Magalhães (2001, p.19),

a um "conjunto estável de convenções o qual se associa a um tipo de atividade aprovada

socialmente, encenando-a parcialmente, como, por exemplo, um bate-papo informal, um

documentário de televisão, um poema, um artigo específico, etc".

2.1.1 - Significados do discurso

Fairclough (apud PAPA, 2008, p. 64) observa que o discurso se apresenta em três

formas na prática social: gênero, discurso e estilo. Para esse autor, interagimos por meio

da oralidade e da escrita. Assim, propõe uma articulação entre a ACD e a Linguística

Sistêmico Funcional – LSF, entre as macrofunções de Halliday e os conceitos de gênero,

41

estilo e discurso, sugerindo no lugar da função da linguagem três principais tipos de

significados:

• Significado Acional: põe em evidência os gêneros textuais ou discursivos,

ancorados nos quais os textos se declaram como modos de interação em eventos

sociais com a prática; engendra e utiliza gêneros discursivos peculiares, que

articulam estilos e discursos de maneira referentemente estável em determinado

contexto sócio histórico e cultural.

• Significado Identificacional: relaciona-se com a identificação de atores sociais em

textos e com a forma como o processo de identificação no discurso envolve seus

efeitos constitutivos.

• Significado Representacional: está relacionado ao conceito de discurso como

modo de representação de aspectos do mundo.

Fairclough operou essa articulação tendo como suporte de partida não as

macrofunções, tais como propostas por Halliday (ideacional, interpessoal e textual), mas

as funções relacional, ideacional e identitária. A operacionalização dos três significados

mantém a noção de multifuncionalidade presente na LSF, uma vez que Fairclough

enfatiza que os três atuam sistematicamente em todo enunciado. O autor explica que o

discurso figura de três principais maneiras como parte de práticas sociais, na relação entre

texto e eventos: como modo de agir, como modo de representar e como modo de ser.

A cada um desses modos de interação entre discurso e prática social corresponde

um tipo de significado acional que focaliza o texto como modo de (inter)ação em eventos

sociais, aproximando-se da função relacional, pois a ação legitima/questiona relações

socais. O significado representacional enfatiza a representação de aspectos do mundo

físico–mental-social em textos, aproximando-se da função ideacional. O significado

ideacional, por sua vez, refere-se à construção e à negociação de identidades no discurso,

relacionando-se à função identitária.

Fairclough (2003a) propõe uma correspondência entre ação e gêneros,

representação e discurso, identificação e estilos-gêneros. Ressaltamos neste estudo as três

formas em que se apresenta o discurso nas práticas sociais (FAIRLCOUGH, 2003a, p

64):

42

• Gênero é definido por Fairlcough (2003a, p. 64) como: “aspecto discursivo das

maneiras de agir e interagir nos eventos sociais”. Por exemplo, a entrevista, lições

de sala de aula, relatório etc. são considerados gêneros. O conceito de gênero

implica, então, uma visão dinâmica da situação social, na qual os participantes

trazem e negociam juntos uma multiplicidade de significados que são construídos

nas práticas sociais.

• Discurso é entendido por Fairclough (2003) como maneira de representar o mundo

material. Ele explica que nós “podemos distinguir diferentes discursos, que podem

representar a mesma área do mundo sob diferentes perspectivas ou posições”. Ou

seja, o discurso é entendido tanto de forma abstrata, envolvendo a linguagem e a

semiose, quanto de maneira mais concreta, envolvendo maneiras particulares de

representar o mundo.

• Estilo é entendido em termos de identificação, ou seja, maneiras de ser,

identidades. O termo identificação é um dos principais tipos de significado do

texto. É um processo complexo que envolve aspectos pessoais e sociais da

identidade. Conforme o autor, estilo está identificado com a identidade, incluindo

valores e crenças, bem como maneira de falar, gesticular, olhar, vestir etc.

A análise discursiva é um nível intermediário entre o texto em si e o texto social:

eventos, práticas, estruturas. Então, a análise de discurso deve ser simultaneamente a

análise de como os três tipos de significado são realizados em traços linguísticos dos

textos e da conexão entre o evento social e as práticas sociais, verificando-se quais

gêneros, discursos e estilos são utilizados e como são articuladas nos textos as suas

relações externas; por isso, a operacionalização desses conceitos mantém o cerne do

pensamento de Halliday.

Resende e Ramalho (2006) trazem como exemplo o discurso neoliberal, o qual

apresenta alto grau de repetibilidade e atua em escala global, influenciando um sem-

número de práticas (BOURDIEU, 1998 apud RESENDE e RAMALHO). Um mesmo

texto pode envolver diferentes discursos, e a articulação da diferença entre eles pode

realizar-se de muitas maneiras, variando entre a cooperação e a competição em um texto;

por essa razão, é comum haver um discurso “protagonista” e outro “antagonista”. Assim,

a articulação serve a propósitos de negação de um discurso em nome da afirmação do

outro.

Para Faircluogh (2003a), a heterogeneidade de um texto em termos de articulação

de diferentes discursos é chamada de interdiscursividade. A análise interdiscursiva de um

43

texto relaciona-se à identificação dos discursos articulados e à maneira como são

articulados. A identificação de um discurso em um texto cumpre duas etapas: a

identificação de que partes do mundo são representadas (os “temas” centrais) e a

identificação das perspectivas particulares pelas quais são representadas. As maneiras

particulares de representação de aspectos do mundo podem ser especificadas por meio de

traços linguísticos, que podem ser vistos como “realizando” um discurso.

O mais evidente desses traços distintivos é o vocabulário, pois diferentes discursos

“lexicalizam” o mundo de maneiras diferentes (FAIRCLUOGH, 2003a). Meu trabalho

se fundamenta no significado representacional em textos e na representação de atores

sociais. Para esse autor, “representação é um processo de construção social de práticas,

incluindo a construção reflexiva de si – representações penetram em processos sociais e

práticas e os moldam” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 123).

2.1.2 - Ideologia e poder

Ruth Wodak (2004, p. 234-235) conceitua crítica como uma ação inerente à ACD.

Para essa autora, basicamente, crítica significa distanciar-se dos dados, situá-los no social,

adotar uma posição política de forma explícita e focalizar a auto-reflexão, envolvidos com

a ACD. A aplicação dos resultados é extremamente importante, seja em seminários

práticos para professores, médicos ou funcionários públicos, na produção de pareceres

técnicos, ou no desenvolvimento livros didáticos.

Na ACD, ideologia é vista como um importante aspecto da criação e manutenção

das relações desiguais de poder. Thompson (1990, p. 235) postula que a ideologia é o

estudo “de como o significado é constituído e transmitido através de formas simbólicas

de vários tipos”. O estudo sobre a ideologia na ACD investiga também os contextos

sociais nos quais as formas simbólicas são empregadas e organizadas. O investigador está

interessado em determinar se tais formas estabelecem ou sustentam relações de

dominação.

Para a ACD, a linguagem não é poderosa em si mesma; ela adquire poder pelo uso

que os agentes detentores do poder fazem dela. O poder envolve relações de diferenças,

particularmente, os efeitos dessas diferenças nas estruturas sociais. A unidade permanente

entre a linguagem e outras questões sociais garante que a linguagem classifique o poder,

expresse esse poder, e esteja presente onde há disputa e desafio ao poder. O poder não

44

surge da linguagem, mas a linguagem pode ser usada para desafiá-lo, subvertê-lo e alterar

sua distribuição a curto e longo prazo.

A linguagem constitui um meio articulado com precisão para construir diferenças

de poder nas estruturas sociais hierárquicas. Pouquíssimas estruturas linguísticas não

foram colocadas, em algum momento, a serviço da expressão do poder através de um

processo de metáfora sintática textual. A ACD está interessada em como as formas

linguísticas são usadas em várias expressões e manipulações do poder. O poder é

sinalizado não somente pelas formas gramaticais presentes em um texto, mas também

pelo controle que uma pessoa exerce sobre uma ocasião social através do gênero textual.

Com frequência, é justamente dentro dos gêneros associados a certas ocasiões sociais que

o poder é exercido (WODAK, 2004).

2.1.3 - O discurso como mercadoria

Fairclough (2003a) apresenta sua visão de análise do discurso, de maneira

resumida, a teoria da Análise Crítica do Discurso e o quadro metodológico para a análise

de eventos discursivos. O autor ilustra a prática da análise crítica do discurso discutindo

o que ele chama de "mercantilização" do discurso público na educação superior da Grã-

Bretanha contemporânea. Na discussão teórica, Fairclough (2003a, p. 35) explicita que a

teoria em foco é nomeada crítica porque tenciona explorar criticamente relações

frequentemente opacas de causalidade e determinação entre práticas discursivas, eventos

e textos e estruturas sociais e culturais e relações e processos mais amplos.

Fairclough considera as relações e lutas de poder como formadoras ideológicas

dos referidos textos, eventos e práticas e coloca a análise crítica a serviço da investigação

da maneira como a opacidade das relações entre discurso e sociedade opera como um dos

fatores que garantem o poder e a hegemonia.

Assim, fica evidente que, ao se tratar da dimensão do evento discursivo como

prática social, o foco do autor é político e seus alvos são as relações de poder e dominação.

A mudança histórica deve, na visão de Fairclough (2003a), ser o foco e a preocupação

principal da Análise Crítica do Discurso: os textos são vistos como transformadores do

passado no presente; neste ponto, o foco da análise está na intertextualidade, considerada

constitutiva de todos os textos.

45

Fairclough (2003a) trata de outro tema de importância crucial em sua teoria: a

linguagem e o discurso na sociedade capitalista tardia. Segundo ele, a relação entre o

discurso e as outras facetas do social é uma variável histórica, podendo ser observadas

mudanças qualitativas na dinâmica dessa relação. De acordo com o autor, uma ordem do

discurso global está emergindo e o discurso na sociedade contemporânea caracteriza-se

por ter o papel de destaque, o papel mais importante na constituição e na reprodução das

relações de poder, operando por meio do senso comum das práticas cotidianas.

O autor aponta algumas características discursivas da sociedade contemporânea,

como a conversacionalização, numa demanda crescente pela negociação através do

diálogo, a reflexividade e a colonização dos demais discursos pelos discursos

promocionais ou de consumo. Concentrando-se no que chama de "promoção como função

comunicativa", Fairclough (2003a, p.48) termina o artigo analisando o já citado discurso

de instituições da educação superior na Grã-Bretanha, relacionando-o à emergência dos

traços discursivos apontados por ele como típicos da sociedade contemporânea. Traços

como a personalização do leitor e da instituição, a simulação de uma relação

conversacional e a autopromoção são apontados pelo autor como marcas discursivas dos

textos analisados, o que vem a confirmar as características do discurso nas sociedades

contemporâneas, anteriormente mencionadas por ele.

Papa (2008, p. 59), apoiada em Fairclough (2003a), entende que as questões

ideológicas implicam uma relação de “representações de aspectos de mundo que

contribuem para estabelecer e manter relações de poder, dominação e exploração”. Nesse

sentido, acredito ser relevante este estudo por oferecer subsídios para conhecer as

estruturas que se propõem a garantir direito integral aos adolescentes por meio de um

conjunto de ações que possa reintegrá-los na vida social, ações que possam acompanhá-

los para além dos muros do Complexo Socioeducativo Pomeri-Cuiabá.

Esta pesquisa tem as contribuições de Fairclough (2003a) e Wodak (2004), pois

os autores consideram as práticas sociais como inerentemente discursivas e que as

relações de poder e ideologias são historicamente construídas, naturalizadas e

transformadas, indo ao encontro dos interesses desta pesquisa.

2.2 - Representação de Atores Sociais

Van Leeuwen (1997) discorre acerca da Representação de Atores Sociais,

explanando que estes são representados em textos, indicando maneiras e posicionamentos

46

ideológicos em relação a eles próprios e a suas atividades. A análise de representações

acontece a partir do modo como esses atores sociais representam suas atividades e

enunciados, que podem valorizar julgamentos acerca do que são ou do que fazem. Nesse

caso, a análise das representações é útil para a compreensão das ideologias em textos e

nas interações. Gomes e Barbara (2011) enfatizam que, para Van Leeuwen (2008), no

âmbito dos estudos discursivos críticos, a representação é uma forma de

recontextualização de práticas sociais realizadas em evento, relacionadas às práticas

sociais baseadas naquele que diz/faz/ representa em contextos socioculturais distintos,

instanciando realizações diferentes. Ressalta-se, portanto, o valor potencial da linguagem

na manutenção, produção e transformação das representações de aspectos do mundo

físico e mental por meio de crenças, sentimentos, valores, realizados por meio de escolhas

linguísticas intencionadas em variados contextos. O conceito de escolha, tomado de

estudos semântico-funcionais, é de extrema importância para este estudo, uma vez que as

escolhas léxico-gramaticais realizadas por falantes não são aleatórias, mas estão

correlacionadas ao contexto. Esta pesquisa consiste em investigar, de forma

interpretativa, as representações de uma prática social: a forma pela qual o discurso dos

atores sociais, gestores institucionais, representam o CSP e EEMF.

Segundo Gomes e Barbara (2011), a pesquisa em representações de atores sociais

concentra-se na investigação da maneira pela qual os participantes são incluídos ou

excluídos. Alguns princípios básicos que constituem a Teoria de Representação de Atores

(RAS), desenvolvida por Van Leeuwen (1998), propõem um inventário sócio-semântico

por meio de uma rede de sistema e categoria pan-semântica para representar indivíduos

em textos. A partir desse inventário, Theo Van Leeuwen analisa as realizações

linguísticas das representações sociais, atentando-se a Teoria Linguística Sistêmica

Funcional, que vê a linguagem como potencial de significados produzidos em contexto

de situação e cultura (HALLIDAY, 1978) (Linguística Sistêmico Funcional).

A RAS2 é uma das vertentes que tratam da relação entre linguagem, poder e

controle. Para Gomes e Barbara (2011), Fairclough (2003a), no campo dos estudos

discursivos críticos e alinhando-se às ideias de Van Leeuwen, entende que há formas

diferentes de representar processos e participantes em situações específicas. Fairclough

cita como exemplo a mídia, que produz discursos aparentemente desinteressados,

imparciais ou mesmo neutros, de forma a materializar significados.

2 Representação de Atores Sociais.

47

Nesse viés, Fairclough (1993) destaca a notícia jornalística como prática social da

imprensa. É um tipo de prática recontextualizada em que participantes ali posicionados

transformam e/ou recontextualizam os eventos de forma a representá-los a seus leitores.

Nesse processo, os participantes dessa prática social podem rearranjar as relações sociais,

reposicionar os papéis sociais de forma a atender aos interesses e propósitos

socioculturais.

Van Leeuwen (1998) propõe, assim, uma rede de sistema sócio-semântico que

vai desde o nível léxico-gramatical até o nível do discurso, da transitividade da referência

do grupo nominal até as figuras retóricas, dentre outras possibilidades etc. (VAN

LEEUWEN, 1998, p. 2016). Tal rede de sistemas tem como ponto de partida dois eixos:

Quadro 1 - Representação dos atores sociais no discurso: rede de sistema3

Para Silva (2002), a categoria da exclusão revela-se de grande importância para

os estudos críticos da linguagem, pois tem funcionado, de acordo com Van Leeuwen

3 A representação dos atores sociais no discurso: rede de sistema (VAN LEEUWEN, 1997, p. 218).

48

(1998), como importante aspecto para compreender como atores sociais são

representados em textos, visto que as “representações incluem ou excluem atores sociais

para servir os seus interesses e propósitos em relação aos leitores a quem se dirigem”

(VAN LEEUWEN, 1998, p.183). O processo de exclusão ocorre por supressão, que é

uma forma de excluir sem deixar referência aos atores sociais, e é materializado no texto

pelo ato de colocar o ator em segundo plano (os atores excluídos podem ser mencionados

em dada atividade, mas estão presentes em algum lugar do texto).

Para Van Leeuwen (1997), os atores no contexto sociocultural são, numa

primeira análise de identificação, incluídos ou excluídos do discurso de modo bastante

substancial. Essa análise tem como base a Gramática Sistêmica Funcional de Halliday e

especificidades linguísticas retóricas para averiguar como indivíduos ou grupos sociais

são identificados.

O papel dos atores sociais no discurso é atuar como forma sócio-político de poder

e dominação. A categoria de exclusão, objeto desta análise na representação de atores

socais frente às instituições, fará parte do capítulo da análise das entrevistas, e dos

discursos dos gestores institucionais, que representam a SEDUC e SEJUDH.

Conforme Silva (2002), a exclusão por supressão ocorre quando não se deixa

marca no texto; ou seja, se os atores sociais nunca forem mencionados em qualquer parte

do texto, tem-se a supressão. Observa-se esse fenômeno nos casos em que atores sociais

são pouco visíveis no texto, isto é, são mencionados de forma indireta ou ambígua, como

se estivessem em segundo plano.

Os casos de supressão são realizados na materialidade linguística do texto através

do apagamento do agente da passiva, de orações infinitivas cujo verbo no infinitivo

funciona como participante gramatical das nominalizações ou dos adjetivos. Esses

recursos podem nos levar ao pressuposto, mas nunca à certeza da identidade dos atores

sociais suprimidos. Se optarmos por exclusão do ator social, isso poderá ser uma decisão

de tornar o texto mais coeso e não repetir o léxico, mas também poderá ser um

apagamento da responsabilidade, ou mesmo a exclusão de práticas hegemônicas de poder,

daquele ator naquela prática social.

Van Leeuwen (1998) aponta que a exclusão tem sido uma categoria bastante

utilizada nas pesquisas críticas do discurso que buscam investigar como atores sociais e

suas atividades são excluídos.

49

2.2.1 - Categorias de Análise: Inclusão e Exclusão

Van Leeuwen (1997) aponta dois motivos para se suprirem atores sociais e

atividades: Quando os leitores já sabem quem é o ator social; ou para bloquear o acesso

a uma prática que, se representada detalhadamente, poderia gerar algum tipo de reação

ou contestação.

Exclusão por encobrimento é a realização parcial da exclusão, ou seja, o ator é

deixado em segundo plano, porque não é importante que se explicite a sua

presença, ou porque é possível marcar a sua presença em qualquer outra parte do

co-texto. Neste caso, que pode ser resultado de simples elipse ocorrida em orações

infinitas coordenadas, a exclusão não é total, pois os atores sociais excluídos

podem ser mencionados em outras partes do texto, podendo ser recuperados.

Representação por exclusão se dá quando há a supressão ou encobrimento

(segundo plano) do ator social. Na categoria de exclusão, o ator social não aparece

ao longo do texto. A supressão não é total, pois o ator social pode ser excluído,

mas mencionado em outras partes do texto. No encobrimento, o ator social é

colocado em segundo plano, poderá ser recuperado.

Van Leeuwen (1997) observa que a exclusão de atores sociais é possível por

meio de alguns recursos léxico-gramaticais, tais como: nominalização,

adjetivação, elipse, apagamento do agente da passiva e do beneficiário.

A representação de atores socais – (RAS) de inclusão é um sistema complexo, no

qual o ator social pode ser representado de diversas maneiras e por diferentes papéis. Para

Van Leeuwen (1997, p. 186), as escolhas feitas refletem, de alguma forma, os interesses

e propósitos daqueles que as selecionariam. As maneiras escolhidas para representar um

ator social e suas atividades podem ser dinâmicas ou passivas, personalizadas ou

impersonalizadas, entre outras (GOMES e BARBARA, 2011).

Representação por Inclusão

Inclusão: Presença de indivíduos no texto.

Nessa representação, os atores sociais estão materializados linguisticamente no

texto e podem revestir-se de diferentes papéis. É possível acontecer de o ator social não

ser o integrante agente na oração, podendo exercer outra função de acordo com a estrutura

50

linguística selecionada. Ocorrem na inclusão a ativação, passivação, gerenciação,

especificação, personalização e impersonilização, de acordo com o modo como se

realizam. Para Leeuwen (1997), a inclusão ocorre através da ativação e passivação dos

atores sociais no texto.

Subsistemas de Inclusão: Ativação, passivação (sujeição e beneficiação), personalização,

impersonalização (objetivação e institucionalização) e determinação (associação,

categorização).

Ativação das representações pode atribuir papéis ativos e passivos aos atores

sociais, além de recolocar regras e rearranjar as relações sociais entre os

participantes (VAN LEEUWEN, 2008). Isso se deve, principalmente, ao fato de

ser por meio de representação que a identidade e a diferença se ligam ao sistema

de poder, ou seja, “quem tem o poder de representar tem o poder de definir e

determinar, ativar, apassivar, categorizar e classificar atores atividades sociais”

(DA SILVA, 1996, p. 91). Ao ser ativado, o ator social pode ser representado

como um agente, uma constatação dinâmica e ativa, cuja realização pode ocorrer

por meio das categorias, participação, circunstancialização e passivação.

Passivação: Van Leeuwen (1997) aponta que os atores sociais podem ser dotados

quer por papéis ativos, quer por papéis passivos. Na passivação, o ator social é o

paciente, aquele que é submetido a uma ação, cuja realização se dá pela sujeição

e beneficiação.

Sujeição: o ator é sujeito/paciente/vítima da ação, enquanto na beneficiação, o

beneficiado é aquele a quem os bens são dados ou o cliente para quem os serviços

são prestados; o participante pode se beneficiar de forma positiva ou negativa de

algum objeto.

Beneficiação: é uma das categorias sócio-semânticas proposta por Van Leeuwan

(1997), pela qual o ator social é favorecido ou desfavorecido em relação a alguém;

a ação ou atividade o beneficia em geral; é animado, beneficiado ou prejudicado

por algum serviço; portanto, é uma ação em que o participante recebe vantagens

que podem ser, inclusive, um objeto.

Personalização: as escolhas léxico-gramaticais podem revelar também a forma

como autores sociais podem ser representados de forma personalizados

51

personalização por meio de pronomes pessoais, possessivos, adjetivos ou

substantivos, com características humanas.

Personalização por determinação: ocorre quando o ator social se associa a outro

para formar um grupo institucional e estável.

Impersonalização - refere-se aos atores sociais que não apresentam aspectos

humanos, se caracteriza por meio de substantivos abstratos concretos que não

possuem, em sua opção , característica humana.

Diferenciação – indivíduos ou grupos identificados concretizam-se pelos

pronomes pessoais ou possessivos, por nomes ou substantivos próprios, outras

vezes por meio de adjetivos que apresentam características humanas.

Determinação – esta relacionado de forma específica, dos atores sociais no texto

se subdivide em funcionalização, identificação e avaliação.

Funcionalização: ocorre quando um ator social é referido por meio de substantivo,

e o grupo nominal refere-se a um papel ou atividade institucional.

Identificação - é uma subcategoria da categorização; (VAN LEEUWEN, 1997)

distingue três principais formas de identificar algo ou alguém, a saber:

classificação, identificação relacional e identificação física. Enquanto na

funcionalização os atores sociais são representados pelo que fazem, na

classificação, o foco está no que eles são.

As classificações podem incluir gênero, origem geográfica, riqueza, etnicidade,

orientação sexual, entre outras categorias históricas e culturalmente variáveis.

Quando classificamos algo ou alguém, podemos representar com doing

(fazendo/acontecendo) ou como being (estando ou sendo algo ou alguém).

Impersonalização- Há dois tipos de impersonalização proposto por Van Leeuwen

(1997,p 208): a abstração e a objetivação.

Abstração ocorre quando uma qualidade do ator social faz menção a si próprio,

sendo efetivada por um substantivo abstrato.

Objetivação se estabelece quando o ator social é evidenciado pelo local ou por

uma fato diretamente relacionado a sua pessoa ou atividades que desenvolve; ou

seja, por meio da objetivação se desenvolve uma referência metonímica.

Institucionalização é a forma de referência ao ator social por meio da instituição

à qual ele pertence. A institucionalização também pode ser compreendida como

52

forma de personificação, humanização das instituições, que, por si sós, não podem

agir no mundo.

A partir dessas categorias basilares, outras são constituídas e subdivididas.

Dependendo das escolhas linguísticas, os atores sociais podem ser incluídos seus

discursos ou deles excluídos, conforme as representações aqui elencadas.

2.3 - Realismo Crítico e Emancipação Social

O Realismo Crítico, fundado pelo britânico Roy Bhaskar (1989), teve grande

influência nas ciências filosóficas, alicerçado numa estrutura teórica que chega ao Brasil,

intensificado por um de seus livros de Filosofia da Ciência, o qual inclui discurso sobre

ciência social, marxismo, emancipação, realismo crítico. A expressão RC vem dos

seguidores de Bhaskar, que buscou reforçar em sua obra o naturalismo transcendental

com naturalismo crítico.

O seu primeiro trabalho é sobre “Uma teoria realista da ciência” (BAHSKAR,

1979), no qual ele aborda a ciência social. Já no livro “A possibilidade do naturalismo”,

de 1979, Bhaskar direciona sua tese para além do campo da ciência social. Merece

destaque, ainda, o livro “Dialética: pulsar da liberdade” (1993), no qual ele discute a

emancipação como libertação, materializada na prática. Para o autor, ação requer uma

prática de comprometimento e trabalho. Estar engajado em atividades de transformação

é como buscar a emancipação coletiva. Este pensamento implica a consciência de que

ninguém emancipa ninguém, pois ela parte do próprio indivíduo; busca-se, então, o

comprometimento com a mudança radial.

Na esteira de Bhaskar (1998), Papa (2008, p. 22-23) aponta cinco tópicos que

evidenciam a mudança que envolve as diversidades, especificamente as minorias

oprimidas e excluídas na sociedade:

razões devem ter causas, ou o discurso se torna ontologicamente redundante;

• valores devem ser imanentes (como latentes ou parcialmente manifestados) nas

práticas em que nos engajamos, ou o discurso normativo se torna utópico e

inoperante;

• crítica deve ser interna (e condicionada) aos seus objetos;

• no momento emancipatório, deve haver uma coincidência de necessidades

subjetivas e possibilidades objetivas;

53

• para a emancipação ser possível, as leis emergentes devem funcionar.

Assim, o projeto emancipatório de Bhaskar, destacado por Collier (1998, p.466-

7), consiste na transformação das estruturas sociais. Conforme Papa (2008), o RC orienta

para a compreensão da intensidade dos níveis da realidade, em que se ocultam os

determinantes causais, nos quais se inserem seus agentes causais e seus poderes. Para o

RC, a vida social não é um sistema fechado, mas o inverso, pois todo evento é conduzido

por mecanismos ou poderes emergentes que acontecem simultaneamente (PAPA, 2009,

p.145).

Para Bhaskar (1998), a atividade experimental é a base de sustentação que define

as ciências naturais. Um experimento deve possibilitar diagnosticar leis ou mecanismo

causais a partir do afastamento de determinado evento, que é a causa de outros eventos

que possam encontrar-se também no controle de um dado evento.

O momento da realidade independe das observações e descrições que alcançamos

a respeito dela. Isso não significa que possamos compreender a realidade

independentemente de tais observações e descrições. Pode não haver ocorrência da

distinção entre realidade, ou seja, a forma como adquirimos o conhecimento não seria

controlado pelo mundo “real”.

Antagonicamente, a construção sócio-histórico e cultural mutável edificaria a

realidade do nosso conhecimento; é o que caracteriza o que subsiste. Para Bhaskar (1978,

p. 36), esta inabilidade de discernir entre realidade objetiva e os diversos modos como a

representamos ou a descrevemos é cognominada “falácia epistêmica”. A falácia

epistêmica se apoia em admitir que nossa prática social corrente tem inferências

ontológicas que delimitam aquilo que existe. É por essa razão, conforme Bhaskar (1998),

que as ciências sociais não são neutras; ao contrário, elas devem ser críticas, com

possibilidades de intervenção prática na vida social. Para o autor, os cientistas sociais

precisam assumir uma posição sobre o que realmente nos interessa acerca do que fazer,

dizer, sentir e pensar. Às vezes, implica juízos práticos de valor. A possibilidade da crítica

científica coloca para as ciências humanas um importante impulso emancipatório.

O filósofo assegura que as ciências sociais devem ser morais. O mundo não é

constituído apenas de crenças, mas também de valores. Ao explicar uma crença como

falsa, ou seja, como uma ideologia, é necessário fazer uma avaliação negativa do sistema

que provocou essa falsa crença e, ao mesmo tempo, realizar uma avaliação positiva da

ação transformadora, visando modificar o sistema.

54

Bhaskar (1998, p. 410) assegura ainda que, embora o conhecimento seja

necessário, é insuficiente para a liberdade. Segundo o autor, ser livre implica em:

(i) conhecer os reais interesses;

(ii) possuir habilidades, recursos e oportunidade para agir;

(iii) estar disposto a agir. A política emancipatória deve estar,

portanto, alicerçada em teoria científica e revolucionária.

Nessa mesma esteira, Barros (2014), por sua vez, pondera que pensamos e

refletimos sobre o nosso cotidiano e sobre o mundo ao nosso redor, com vistas a

transformá-lo. Só nos tornamos quem somos através do sentido que damos às reflexões

que fazemos.

As contribuições desses autores aqui resenhados permitem melhor compreensão

das ações de entrelaçamento institucional na relação de poder que se faz presente nos

discursos de atores que representam as instituições SEDUC e SEJUDH na sustentação

direta, efetivada nas ações de ensino e socioeducativas dirigidas aos jovens privados de

liberdade que cumprem medidas socioeducativas no CSP-Cuiabá.

Delinear, interpretar as circunstâncias como são construídos e consumidos os

discursos e representações dos atores sociais equivale a iluminar os caminhos possíveis

de emancipação, em ambientes de opressão e silenciamento já naturalizado em nome da

“ordem social”.

2.4 - Michel Foucault e a instituição prisional

Michel Foucault (2013), em seu livro sobre Vigiar e punir: nascimento da

prisão, revela o véu oculto dos castigos no corpo e na alma de pessoas que comentem

algum ato infracional. Segundo o autor, trata-se de uma história correlativa da alma

moderna, uma genealogia do atual complexo científico-judiciário em que o poder de punir

se apoia, recebe suas justificações e suas regras, estende seus efeitos e mascara sua

exorbitante singularidade.

Para Foucault (2013), a pena não mais se centraliza no suplício, como técnica de

sofrimento; tornou-se objeto de perda de um bem ou de um direito. No entanto, castigos

como trabalhos forçados, prisão – privação pura e simples da liberdade – nunca

funcionaram sem certos complementos punitivos referentes ao corpo: redução alimentar,

privação sexual, expiação física, distanciamento familiar. Desse modo, a prisão nunca

55

deixou de praticar certas medidas de sofrimento físico. A crítica ao sistema penitenciário

na primeira metade do século XIX (a prisão não é bastante punitiva) indica um postulado

que jamais foi levantado: é justo que o condenado sofra mais que outros homens? A pena

se dissocia totalmente de um complemento de dor física? Que seria um castigo

incorporal?

O jovem privado de liberdade é visto pela sociedade como delinquente, bandido,

que deve passar por todo tipo de sofrimento, se possível os mesmos ou maiores pelos

quais fez passar a sua vítima. O preso é aquele que “sente menos frio, menos fome, aquele

que estraga o convívio social” (2013, p.10) e deve sofrer mais do que os esquecidos

socialmente.

Para o autor, o afrouxamento da severidade penal no decorrer do último século é

um fenômeno bem conhecido dos historiadores do direito, visto muito tempo como se

fosse fenômeno quantitativo: menos sofrimento, mais suavidade, mais respeito e

“humanidade”. Foucault indaga: se não é mais ao corpo que se dirige a punição, em suas

mais duras formas, sobre o que, então, se exerce? Segundo o autor a resposta a essa

indagação é simples, quase evidente. Dir-se-ia inscrita na própria indagação, pois não é

mais o corpo; é a alma que se quer ferir, sai de cena os castigos corporais e chega aos

presídios a tortura psicológica. Foucault complementa: a expiação que tripudia sobre o

corpo deve suceder um castigo que atue, profundamente, sobre o coração, o intelecto, a

vontade, as disposições. A esse respeito, o autor cita (Mably, 1789, p. 21): “Que o castigo,

se assim posso exprimir, fira mais a alma que o corpo”.

Para Foucault (2013, p. 21), o “aparato da justiça punitiva tem que se ater, agora,

a esta nova realidade: a realidade incorpórea”. Esta realidade não se distancia do espaço

socioeducativo, posto que castigos físicos são proibidos, assegurados nos documentos

oficiais ECA (BRASIL, 1990) e SINASE (BRASIL, 2006); no entanto, castigos

“incorpóreos” são percebidos, tais como as constantes privações dos direitos dos

adolescentes à formação escolar, à prática de atividades físicas, culturais. Essas punições

são constantemente reduzidas ao ato autorizatório do agente “socioeducador”, o qual, a

seu dispor, decide se ficam na cela ou se permite, após vários suplícios, sua participação

em aulas, recreação, programas e projetos, atividades culturais, entre outras ações

disponibilizadas aos jovens que cumprem medidas socioeducativas. Para os

socioeducadores, tais atividades são vistas como privilégios concedidos aos adolescentes,

e não um direito assegurado em lei, sendo esta uma das maiores causas de conflitos que

levam a constantes rebeliões, agressões e punições descabíveis.

56

Os documentos oficiais indicam um tratamento humanizado nas ações de

privação de liberdade; portanto, compreender o percurso histórico do espaço de privação

de liberdade se faz imprescindível para iluminar a trajetória de manifestação desumana,

que se desenvolve atrás dos muros do CSP, nas unidades e celas que compõem o

complexo. A Secretaria de Justiça e Direitos Humanos - SEJUDH/MT, tecnicamente

organizada através dos seus instrumentos jurídicos operacionais, deve ser capaz de

assegurar a execução homologada pelo juiz, à luz da legislação vigente, sem tomar partido

nem querer infringir aos jovens ações de natureza perversa.

Sobre a suavidade na aplicação das penas, Foucault (2013) propõe o estudo de

quatro regras gerais:

• não centrar o estudo dos mecanismos punitivos unicamente em seus efeitos

“repressivos”, em seu aspecto de “sanção”, mas recolocá-los na série completando

efeitos positivos que eles podem induzir, mesmo se à primeira vista são marginais.

Consequentemente, tomar a punição como uma função social complexa;

• analisar os métodos punitivos não como simples consequências de regras de

direito ou como indicadores de estruturas sociais, mas como técnicas que têm suas

especificidades no campo mais geral dos outros processos de poder. Adotar em

relação aos castigos a perspectiva da tática política;

• em lugar de tratar a história do direito penal e das ciências humanas como duas

séries separadas, cujo encontro teria sobre as duas, talvez, um efeito, digamos,

perturbador, verifica-se que não há uma matriz comum se as duas não se originam

de um processo de formação “epistemológico-jurídico”; em resumo, isso significa

colocar a tecnologia do poder no princípio tanto da humanização da penalidade

quanto do conhecimento do homem;

• verificar se esta entrada da alma no palco de justiça penal, e com ela a inserção

na prática judiciária de todo um saber “científico”, não é efeito de uma

transformação na maneira como o próprio corpo é investido pelas relações de

poder.

Para o autor, tentar estudar a metamorfose dos métodos punitivos a partir de uma

tecnologia política do corpo é o lugar onde se poderia ler uma história comum das relações

de poder e das relações de objetos. Dessa maneira, pela análise da suavidade penal como

técnica de poder, poderíamos compreender, ao mesmo tempo, como o homem, a alma, o

indivíduo normal ou anormal vieram fazer a dublagem do crime como objetos de

57

intervenção penal e de que maneira um modo específico de sujeição pôde dar origem ao

homem como objeto de saber para o discurso com status “científico” (FOUCAULT,

2013, p 27).

Para Foucault (data), o corpo está mergulhado num campo político; por isso, as

relações de poder têm alcance imediato sobre ele; investindo-o, marcando-o, dirigindo-o,

supliciando-o, sujeitam-no a trabalhos, obrigam-no a cerimônias, exigem-lhes sinais. Este

investimento político do corpo está ligado, segundo relações complexas e recíprocas, à

sua utilização econômica; é, numa boa proporção, como força de produção que o corpo é

investido por relações de poder de dominação; mas, em compensação, sua constituição

como força de trabalho só é possível se ele está preso num sistema de sujeição (onde a

necessidade é um instrumento político cuidadosamente organizado, calculado e

utilizado). O autor esclarece que essa sujeição não é obtida somente pelo instrumento da

violência ou da ideologia; pode muito bem ser direta, física, agir sobre elementos

materiais; pode ser calculada, organizada, tecnicamente pensada; pode ser útil não fazer

uso de armas nem de terror e, no entanto, continuar a ser de ordem física. Para o filósofo,

toda tecnologia é difusa, raramente formulada em discursos contínuos e sistemáticos;

compõe-se muitas vezes de peças ou de pedaços; utiliza material e processos sem relação

entre si, de difícil localização, quer num tipo definido de instituição, quer num aparelho

de Estado. No entanto, estes recorrem a ela, utilizam-na, valorizam-na ou impõem

algumas de suas maneiras de agir.

Trata-se, de alguma maneira, de uma microfísica do poder posta em jogo pelos

aparelhos e instituições, mas cujo campo de validade se coloca de algum modo entre esses

grandes funcionamentos e os próprios corpos com sua materialidade e suas forças. Esse

estudo supõe que o poder nela exercido não seja concebido como uma propriedade, mas

como uma estratégia, e que seus efeitos de dominação não sejam atribuídos a uma

“apropriação”, mas a disposições, manobras, táticas, técnicas, fundamentos. Esse

panorama possibilita desvendar nessas relações quem cometeu ato infracional e a quem

cabe a aplicação da pena, uma rede de relações sempre tensas, sempre em atividade.

Para Foucault, o homem de que nos falam e que nos convidam a libertar já é em

si mesmo o efeito de uma sujeição bem mais profunda que ele: “uma ‘alma’ o habita e o

leva à existência, que é ela mesma uma peça de domínio exercido pelo poder do corpo. A

alma, efeito e instrumento de uma anatomia política; alma, prisão do corpo”

(FOUCAULT, 2013, p.32).

58

2.4.1 - O poder da punição

As técnicas corretivas imediatamente fazem parte da armadura institucional da

detenção penal. Para FOUCAULT (2013, p. 222), a prisão tem poder quase que total

sobre os detentos, pois tem seus mecanismos internos de repressão e de castigos, que os

obrigam a obedecer às normas prisionais. Esse filósofo acrescenta que a prisão tem que

ser a maquinaria mais potente para impor uma nova formação ao individuo pervertido;

seu modo de ação é a coação de uma educação total:

Na prisão o governo pode dispor da liberdade da pessoa e do tempo do

detento; a partir daí, concebe-se a potência da educação que não em só

um dia, mas na sucessão dos dias e mesmo dos anos, pode regular para

o homem tempo da vigília do sono, da atividade e do repouso, o número

e a duração das refeições, a qualidade e a ração dos alimentos, a

natureza e o produto do trabalho, o tempo da oração, o uso da palavra

e, por assim dizer, até o do pensamento, aquela educação que, nos

simples e curtos trajetos do refeitório à oficina, da oficina à cela, regula

os movimentos do corpo e até nos momentos de repouso determina o

horário, aquela educação, em uma palavra, que se apodera do homem

inteiro, de todas as faculdades físicas e morais que estão nele e do tempo

em que ele mesmo está (LUCAS, 2014, p, 222).

Os três princípios buscam prescrever uma recodificação da existência no sistema

de privação jurídica de liberdade:

Primeiro princípio - o isolamento - Isolamento do condenado em relação ao

mundo exterior, a tudo o que o motivou à infração e às cumplicidades que a facilitaram.

• Segundo princípio - o Trabalho, que é definido, junto com isolamento, como um

agente de transformação carcerária.

• Terceiro princípio - Privação de Liberdade - a mais importante, pois excede a

simples privação de liberdade e tende a se tornar um instrumento de modulação

da pena: um aparelho que, através da execução da sentença de que se encarrega a

prisão, teria de retomar, pelo menos em parte, seu princípio, de privação de

liberdade, reclamado pelos responsáveis pela administração penitenciária como a

própria condição de um bom funcionamento da prisão e de sua eficácia nessa

tarefa de regeneração que a própria justiça lhe confia .

Algumas estatísticas indicam que as prisões não diminuem a taxa de

criminalidade: podem aumentá-la, multiplicá-la ou transformá-la.

A privação de liberdade estabelece rotinas, independentemente das condições para

realizá-las: o isolamento na cela, imposição de trabalho inútil, cursos de qualificação,

59

profissionalização técnica, sem nenhum interesse com o qual o jovem privado de

liberdade possa se identificar e, aí sim, poder vislumbrar uma relação com o mundo do

trabalho, após o cumprimento da medida socioeducativa.

Segundo Foucault (2013, p. 255), os princípios, de que ainda hoje se esperam

efeitos maravilhosos, são conhecidos: constituíram há quase 150 anos as sete máximas

universais da boa “condição penitenciária”, aqui apresentada:

Princípio da correção: a detenção penal deve ter por função essencial a

transformação do comportamento do indivíduo.

• Princípio da classificação: Os detentos devem ser isolados, ou pelo menos

repartidos, de acordo com a gravidade penal de seu ato, mas principalmente

segundo sua idade, suas disposições, técnicas de correção que se pretende utilizar

para com eles, as fases de suas transformações.

• Princípio das modulações das penas: as penas devem poder ser modificadas

segundo a individualidade dos detentos, os resultados obtidos, os progressos ou

as recaídas.

• Princípio do trabalho como obrigação e como direito: o trabalho deve ser uma das

peças essenciais da transformação e da socialização progressiva dos detentos.

• Princípio da educação: a educação do detento é, por parte do poder público, ao

mesmo tempo, uma precaução indispensável no interesse da sociedade e uma

obrigação para com o detento.

• Princípio do controle técnico da detenção: o regime da prisão deve ser, pelo menos

em parte, controlado e assumido por um pessoal especializado que possua as

capacidades morais e técnicas de zelar pela boa formação dos indivíduos.

• Princípios das instituições anexas: o encarceramento deve ser acompanhado de

medidas de controle e de assistência até a readaptação definitiva do antigo detento.

Para Foucault (2013, p 255-7), são as mesmas palavras que se repetem ao longo

da história das prisões.

2.5 - A Teoria Freiriana

Na visão de Freire (2013), os caminhos da libertação só estabelecem sujeitos

livres e a prática da liberdade só pode se concretizar numa pedagogia em que o oprimido

tenha condições de descobrir-se e conquistar-se como sujeito de sua própria destinação

histórica. Freire considera a questão de formação de sujeitos críticos como preocupação

60

primeira, através de uma educação que eduque para a vida, pois só assim ele poderão

participar de forma crítica na sociedade em que se inserem.

Freire (2014 p.31-32), afirma: “A consciência crítica (dizem) é anárquica”. Ao

que os outros acrescentam: não poderia a consciência crítica conduzir à desordem? Para

Freire, não é a conscientização que pode levar o povo a “fanatismo destrutivos”. Pelo

contrário, a conscientização, que lhe possibilita inserir-se no processo histórico, como

sujeito, evita os fanatismos e o inscreve na busca de sua afirmação.

O medo da liberdade nem sempre se manifesta abertamente, segundo Freire

(2014), o medo se manifesta de forma camuflada é antes, camuflá-lo, num jogo manhoso,

ainda que, às vezes, inconsciente. Trata-se de um jogo artificioso de palavras em que o

opressor aparece ou pretende aparecer como quem defende a liberdade e não como o que

a teme. O opressor assume nesse ato a necessidade em manter o status quo; por isso, se

a conscientização põe em discussão esse status quo, ameaça a liberdade. A liberdade

evoca a luta da humanização, pelo trabalho livre, pela desalienação. A desumanização,

mesmo que um fato concreto na história, não é, porém, destino dado, mas resultado de

uma “ordem” injusta que gera a violência dos opressores, e esta, o ser menos.

Libertar-se a si e aos opressores é considerada por Freire (2014) a grande tarefa

humanista e histórica dos oprimidos. O grande problema está em como poderão os

oprimidos que “hospedam” o opressor em si participar da elaboração, como seres duplos,

inautênticos, da pedagogia de sua libertação. O “medo da liberdade” de que fazem objeto

os oprimidos, medo da liberdade que tanto pode induzi-los a pretender ser opressores

também, quanto pode mantê-los atados ao status de oprimidos, é outro aspecto que merece

igualmente nossa reflexão.

A liberdade, que é uma conquista e não uma doação, exige uma permanente busca,

que só existe no ato responsável de quem a faz. Ninguém tem liberdade para ser livre;

pelo contrário, luta por ela precisamente porque não a tem. Não é também a liberdade um

ponto ideal, fora dos homens, do qual inclusive se alienam. É condição indispensável ao

movimento de busca em que estão inscritos os homens como seres inconclusos. Daí a

necessidade que se impõe de superar a situação opressora. Isso implica o reconhecimento

crítico, a “razão” desta situação, para que através de uma ação transformadora que incida

sobre ela, se instaure uma a outra, que possibilite aquela busca do ser mais.

A libertação, por isto, é um parto. E um parto doloroso. O homem que nasce deste

parto é um homem novo que só é viável na e pela superação da contradição –opressores-

oprimidos, que é a libertação de todos. A superação da contradição é o parto que traz ao

61

mundo este homem novo não mais opressor, não mais oprimido, mas homem libertando-

se.

Segundo Paulo Freire (2003), estes que oprimem, exploram e violentam, em

razão de seu poder não podem ter, neste poder, a força de libertação dos oprimidos nem

de si mesmo. Só o poder que nasça da debilidade dos oprimidos será suficientemente forte

para libertar a ambos. Os opressores, falsamente generosos, têm necessidade de que a sua

“generosidade” continue tendo oportunidade de realizar-se na permanência da injustiça.

A ordem social injusta é a fonte geradora, permanente, dessa generosidade, que se nutre

da morte, do desalento e da miséria. A falsa generosidade vem na contramão da

verdadeira generosidade, pois esta luta para fazer desaparecer o falso amor. Quem,

melhor que os oprimidos, se encontrará preparado para entender o significado terrível de

uma sociedade opressora? Quem sentirá, melhor que eles, os efeitos da opressão? Quem

mais que eles, para ir compreendendo a necessidade da libertação?

A pedagogia do oprimido tem como finalidade propiciar condições de luta que

possibilitem aos oprimidos opor-se ao desamor contido na violência dos opressores, até

mesmo quando esta se revista da falsa generosidade referida. Assim, a pedagogia do

oprimido, na palavra de Freire (2007), é “aquela que tem de ser forjada com ele e não

para ele, enquanto homens ou povos, na luta incessante de recuperação de sua

humanidade”. Pedagogia que faça da opressão e de suas causas objeto da reflexão dos

oprimidos, de que resultará o seu engajamento necessário na luta por sua libertação, em

que esta pedagogia se fará e refará.

Para Barreto (2003), é impossível imaginar-se uma educação que contribua para

que as pessoas se acomodem e, ao mesmo tempo, busquem transformações. A educação

ou será conservadora ou transformadora. Ao ser conservadora, estará a favor dos grupos

beneficiados e contra os prejudicados. Mas, ao afirmar que toda educação é política, Paulo

Freire fazia questão de afirmar que ela não é partidária. Reduzir a educação aos limites

partidários seria empobrecê-la, não atendendo ao objetivo de “ser mais” que os seres

humanos buscam ao educarem. Assim sendo,

o papel do educador não é propriamente falar ao educando, sobre sua

visão do mundo ou lhe impor esta visão, mas dialogar com ele sobre

sua visão e a dele. Sua tarefa não falar, dissertar, mas problematizar a

realidade concreta do educando, problematizando-se ao mesmo tempo

(FREIRE, ano, p.65).

62

Paulo Freire (2003) defende o diálogo como forma de interação. Para ele, pode

haver diálogo na exposição crítica metódica de um educador a quem os educados assistem

não como quem “comem” a fala, mas como quem aprende sua intelecção. É que há um

diálogo invisível, os educadores democráticos não estão - são dialógicos. Para que exista

o diálogo proposto por Freire é necessário o amor ao mundo e às pessoas, a humildade, a

fé nas pessoas, a esperança e um pensar verdadeiro.

É importante para o adolescente que se encontra privado de liberdade se enxergar

como sujeito capaz de mudar a sua realidade, de enxergar o mundo e ser considerado em

seu desenvolvimento em condições de interferir na sua realidade, buscar transformá-la,

superá-la.

Freire (1974) aponta que assim ele despe as velhas respostas e aprende as novas,

possibilitando um recomeço de cidadania. A transformação começa a partir do educador

e inicia-se no repasse ao educando a transformação coletiva.

No próximo capítulo, apresento os procedimentos metodológicos da pesquisa.

63

CAPÍTULO III

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS: TRAJETÓRIAS DOS

CAMINHOS PERCORRIDOS

Neste capítulo, discorro sobre os procedimentos metodológicos e analíticos

empregados na pesquisa. Na primeira seção, apresento o contexto da pesquisa qualitativa

como forma de direcionar a análise e interpretações, considerando as relações construídas

entre SEDUC/MT e SEJUDH/MT, compreendendo que essas duas instituições

apresentam dificuldades no entrelaçamento para tomada de decisões quanto às ações

educacionais e socioeducativas, no CSP/Cuiabá. Na segunda, mostro os caminhos

percorridos. Na terceira, exponho sucintas considerações de Van Leeuwen sobre a

representação de atores sociais, a qual propõe uma rede de sistema sócio-semântico que

vai desde o nível léxico-gramatical até o nível do discurso, permitindo a construção de

categorias de inclusão e exclusão. Na última seção, delineio os procedimentos para

geração de dados e instrumentos utilizados neste estudo.

3.1 - Pesquisa Qualitativa

Conforme Chizzotti (2006), a abordagem qualitativa parte do fundamento de que

há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma interdependência viva entre

o sujeito e o objeto, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade

do sujeito. Na pesquisa qualitativa, o conhecimento não se reduz a um rol de dados

isolados, conectados por uma teoria explicativa; o sujeito-observador é parte integrante

do processo de conhecimento e interpreta o processo de conhecimento e os fenômenos,

atribuindo-lhes um significado. Para CHIZZOTTI (2006, p. 78-79), o objeto não é um

dado inerte e neutro; está possuído de significados e relações que os sujeitos concretos

criam em suas ações.

Haguette (1987, p. 132) enfatiza que a simples observação não é suficiente; para a

autora, é preciso criar situações quase experimentais, nas quais se possam analisar de

forma profunda e duradoura grupos restritos e nas quais o autor fique em condições de

manifestar o questionamento de sua situação, seus objetivos e sua consciência a respeito

dos conflitos em que está envolvido. Para Triviños ([1987] 2006, p. 127- 129), a pesquisa

64

qualitativa é fenomenológica. Nessa mesma trilha, Bogdan e Biklen (1994) destacam

cinco características da pesquisa qualitativa, as quais observo como relevantes neste

trabalho:

1- ambiente natural; 2- a natureza predominantemente descritiva; 3 - a preocupação com

o processo e não simplesmente com resultados e o produto; 4- análise de dados de maneira

indutiva; 5- o significado é a preocupação essencial na abordagem qualitativa.

Acredito que estar imerso no ambiente da pesquisa possibilita descobrir o

significado das ações e das relações que se ocultam nas estruturas sociais, SEDUC/MT e

SEJUDH/MT, e como se relacionam ao darem sentido às suas ações no CSP/Cuiabá.

3.2 - Representações de atores sociais: categorias de análise

Com base em Fairclough (2003a), os três significados do discurso se apresentam

como parte de práticas sociais, na relação entre texto e eventos, como modo de agir, modo

de representar e modo de ser. A análise dos dados desta pesquisa pauta-se no significado

representacional, o qual está relacionado ao conceito de discurso como modo de

representação de aspecto do mundo. O autor assegura que o significado representacional

enfatiza aspectos de mundo físico–mental-social- em texto, aproximando-se da função

ideacional de Halliday (1994).

Para desvelar as representações de atores socais em determinados contextos,

Fairclough (2003a) propõe um diálogo com as teorias de Theo Van Leeuwen (1997,

2008), por considerar que a representação de atores sociais ajuda a sustentar relações de

dominação dentro de uma determinada prática, pois elas são ideológicas e, como

representações, podem ser (des)construídas.

A importância do estudo de Van Leeuwen consiste em relacionar os aspectos

sociais na representação de atores sociais linguisticamente e o modo como são

representados. Para o autor, não há co-referência exata entre as categorias sociológicas e

linguísticas, não havendo maneira possível de se conciliarem as duas perspectivas na

língua. Reforça ainda que o significado não está na língua, mas na cultura. Assim, a língua

pode representar o papel dos atores sociais de forma impessoal (VAN LEEUWEN, 1998,

p.171), dependendo do seu significado da visão de mundo numa dada cultura.

A Representação de Atores Sociais de Van Leeuwen (1997) propõe uma rede de

sistema sócio-semântico que vai desde o nível léxico-gramatical até o nível do discurso,

apresentando, por exemplo, as categorias de inclusão e exclusão.

65

Para a análise dos dados, utilizo a Representação de Atores Sociais, com enfoque

nas categorias de inclusão e exclusão. Conforme Silva (2002, p.40), o processo de

exclusão ou inclusão, parte da categoria sociológica, contempla variedade de fenômenos

linguísticos e retóricos, capazes de servir à manipulação do ouvinte na preservação dos

interesses do emissor. A categoria de exclusão por supressão apresenta dois motivos para

suprimir atores sociais e atividades: quando os leitores já sabem quem é o ator social; ou

para bloquear o acesso a uma prática que, se representa detalhadamente, poderia gerar

algum tipo de contestação. A exclusão ocorre por encobrimento quando o participante é

posto em segundo plano. No caso de simples elipse ocorrida em orações infinitas

coordenadas, os atores sociais não são excluídos, podem ser recuperados. A supressão

leva à exclusão de atores sociais por meio da utilização de alguns recursos léxico-

gramaticais, tais como: normalização, objetivação, elipse, apagamento do agente da

passiva e do beneficiário. Casos clássicos de supressão são realizados na materialidade

linguística do texto através do apagamento do agente da passiva, de orações infinitivas,

cujo verbo no infinitivo funciona como um participante gramatical, das nominalizações

ou adjetivos, todos como participante gramatical, todos dentro de um contexto que pode

nos levar ao pressuposto, mas nunca à certeza da identidade dos atores sociais suprimidos.

A representação por inclusão marca a presença do indivíduo no texto; por ela, os

atores sociais estão materializados linguisticamente no texto e podem revestir-se de

diferentes papéis.

Para Van Leeuwen (2008), é na representação de inclusão que reside a grande

força política da representação dos atores sociais, já que nos discursos as representações

e as relações dos atores sociais sofrem uma atribuição que não reflete a prática social, ou

seja, não é necessário que haja congruência entre o papel que os atores sociais

desempenham, de fato, em práticas sociais e os papéis gramaticais que lhe são atribuídos

no discurso. A ativação ocorre quando o ator social é representado como dinâmico com

relação ao evento. Já a passivação acontece quando lhe é atribuído um papel passivo,

quando sofre uma ação não produzida por ele mesmo, tornando-se um sujeito da

passividade (sujeição) ou beneficiando-se com a passividade (beneficiação).

As entrevistas dos representantes institucionais SEDUC e SEJUDH, que

constituem o corpus deste trabalho, serão analisadas a partir das categorias de

representação de atores sociais e da ACD de Fairclough. Assim, selecionei, dentre as

categorias referendadas, aquelas que mais se destacaram no meu corpus. O nome desses

representantes é fictício, para resguardar seu anonimato.

66

A seguir, apresento um quadro com as principais categorias de representação

de atores sociais retirados da pesquisa com destaque em negrito.

Quadro 2 – Categorias de Análise

Fonte: Quadro demonstrativo criado pela autora com base na teoria de representação de atores

Sociais de Van Leeuwen (1997)

A seguir, apresento alguns exemplos retirados do meu corpus. São excerto das

entrevistas realizadas no CSP-Cuiabá nos dias, 4/9/2914 e 5/9/2014, que mostram marcas

linguísticas dos processos em análise:

Exclusão por supressão: “a SEJUDH, trabalha para isso” (Alfredo)¹.

67

Exclusão segundo plano: “eu implantei o culto evangélico”, mostra que o ator

social inicialmente excluído aparece em segundo plano.

Por ativação: “..sou responsável pelo acolhimento e disciplina dos

adolescentes...” (Izabel)¹.

Nominação: “... a SEDUC/MT planeja, via projetos, as atividades a serem

desenvolvidas pela escola...” (Simone).

3.3 - Participantes da pesquisa

A pesquisa contou com três sujeitos que aceitaram participar deste trabalho,

conforme demonstrado no Quadro 4. A seleção dos participantes da pesquisa observou

os critérios: fazer parte do campo de investigação; cargo ocupado; aproximação com os

adolescentes e jovens privados de liberdade. Os participantes da pesquisa, até então,

ocupavam a função de gestores e mantinham uma relação direta com os adolescentes que

cumprem medidas socioeducativas no ano de 2014.

A disponibilidade para a entrevista foi colocada posteriormente como um ponto a

considerar, visto que o tempo constituiu um marcador presente nas falas dos gestores.

Assim que era colocado o teor da entrevista, logo se ouvia a indicação de outra pessoa

com argumentos de “falta de tempo”, “compromissos de última hora”, “viagens, entre

outras”.

As minhas aproximações com os participantes da pesquisa foram motivadas pelo

desejo de conhecer como são planejadas as ações e como é percebida a inserção dos

adolescentes privados de liberdade no contexto escolar, situação essa que exige a

participação de todos os profissionais que atuam nesse espaço. Também era minha

intenção saber que avanços são identificados para além da necessidade de ações

interdisciplinares.

A partir daí, foram realizados quatro encontros formais, conforme demonstra o

Quadro 3 abaixo.

QUADRO 2- DEMONSTRATIVO DAS AÇÕES REALIZADAS-2014

Nº MÊS ATIVIDADE

PARTICIPANTES

ANO

1 Março Atividade de Astronomia-

mediada pelo Ouvidor da

Adolescentes -CSP

Equipe gestora e

docentes -EEMF

2014

68

SEDUC/MT- Eduardo

Baldaci

Gerentes e

Socioeducadores-

CSP

Equipe-SEDUC/MT

2 Abril Seminário: Educação

e ressocialização – um

diálogo necessário

Equipe gestora e

docentes-EEMF

Gerentes e

Socioeducadores-

CPS

2014

4 Junho Seminário - Apresentação

de Projetos e Programas do

CSP e da EEMF

Equipe gestora-

EEMF

Gerentes e

Socioeducadores-

CSP

2014

5 Junho Seminário - Apresentação

de Projetos e Programas do

CSP e da EEMF

Equipe gestora-

EEMF

Gerentes e

Socioeducadores-

CSP

2014

6 Agosto Encontro – Relato de

experiências - Educadores

e Socioeducadores

7

Outubro Seminário: Escola e

Tecnologia- Mediada pelo

Prof. Doutorando

Edvemilton Lima de

Oliveira

Equipe Gestora e

Docentes – EEMF

Socioeducadores –

CSP

2014

No seminário realizado no mês de Abril (2014), a equipe gestora da EEMF e as

gerentes do CSP apresentaram projetos que buscam desenvolver atividades

socioeducativas e escolares. Foram momentos ricos de fala para expor o ponto de vista

de cada um sobre as ações desenvolvidas com jovens e adolescentes privados de

liberdade, onde se percebeu o desejo da equipe gestora da EEMF e das Gerentes do CSP

que, mesmo diante de dificuldades em promover ações, tentam superar as diversidades

desse ambiente.

A aproximação proporcionada pelos encontros que antecederam as entrevistas

possibilitou o relato de problemas, conflitos, proporcionando um clima de confiança e de

comprometimento para avançar em ações socioeducativas e educacionais para além da

conclusão da pesquisa. Entrevistado e entrevistador se misturam nesse ambiente de

cumplicidade e juntos refletem sobre a implementação da formação com foco nas

69

dimensões humanizadoras, considerando o entendimento do complexo sistema de

privação de liberdade e como estabelecer relação com esses adolescentes que cumprem

medidas socioeducativas na perspectiva ressocializadora.

3.5 - O percurso da pesquisa

Com o objetivo de conhecer o cenário de pesquisa, lugar de identidades, espaço

de ações, de relações e de territórios, dirigi o meu olhar para as instituições SEDUC/MT

e SEJUDH, mantenedoras da EEMF, do CSP e dos adolescentes, considerando suas ações

desenvolvidas no ano de 2014. Para tal, o primeiro contato aconteceu com a equipe

gestora da EEMF, formada pela direção e coordenação pedagógica da escola. Esse

contato não apenas me permitiu conhecer os trabalhos da equipe gestora, como também

fazer um reconhecimento dos diferentes ambientes da UE, identificando cada espaço e

função. Nesse percurso, conversei informalmente com professores e funcionários sobre

sua visão em fazer parte dessa equipe de trabalho. Visitei as salas de aula e a sala da

Coordenação Pedagógica conjugada com a sala da Direção.

A empatia com a escola foi imediata, justificada por pertencer ao quadro de

profissionais da sede/SEDUC/MT. Contudo, fazendo parte da mesma rede de ensino,

houve um estranhamento. Percebi uma realidade ainda muito distante dos profissionais

da sede. Nesse caminhar, contei com o auxílio da Superintendência de Gestão

Escolar/SUGT para me inserir nesse universo e assim poder conhecer sua estrutura física,

sua organização e funcionamento, gestão da unidade escolar, unidades de atendimentos,

juizados, superintendência e demais estruturas.

O primeiro encontro com os adolescentes não foi de acesso imediato, pois notei a

preocupação das gerentes responsáveis pelo ato autorizatório de conceder ou não a

participação dos adolescentes nas atividades propostas, no caso uma de aula sobre

Astronomia, mediada pelo ouvidor da SEDUC/MT, Baldacc. Os gerentes percebiam o

contato como sendo de alto risco, até mesmo para as pessoas que já trabalhavam

diretamente com esses adolescentes. Nesse impasse, solicitei uma reunião com a equipe

da escola e do socioeducativo para explicar o objetivo da atividade/aula. A equipe gestora

da escola não mediu esforços no sentido de sensibilizar as gerentes para agendar um

horário de aula para ministrar conteúdos de Astronomia. Argumentou que se trata de um

conteúdo curricular, necessário para a aprendizagem desses adolescentes. Só assim elas

autorizam a realização da aula.

70

A atividade sobre astronomia não aconteceu conforme o pensado e planejado. Nas

falas das gerentes, para liberar a autorização, foi preciso solicitar inicialmente ao diretor

que, ao tomar conhecimento do teor dessa atividade, concedeu a autorização. Para a

realização dessa aula, a estrutura contou com escolta de policiais militares, armados de

fuzil e de agentes prisionais. Confesso que a sensação foi de ser um estranho no ninho.

Indaguei sobre o que acontecia, na tentativa de compreender a situação e me ver nesse

processo. Foi explicitado pelas gerentes que toda ação que envolve os adolescentes no

interior do complexo requer esse “protocolo estrutural”, como forma de conter qualquer

ato de indisciplina.

No decorrer da aula, alguns adolescentes não puderam participar na atividade

desenvolvida na quadra descoberta da unidade de internação masculina, uns pelo

comportamento, outros por serem considerados “perigosos”. Estar com os adolescentes e

ouvi-los foi importante para dar início a este trabalho. Da mesma forma, a participação

nas atividades culturais desenvolvidas pela EEMF, tais como Dia das Mães, Festa Junina,

serviu de chave para coleta de informações, com a função de mostrar esse universo e a

complexidade desse fenômeno social. Tudo isso permitiu fazer uma leitura de como

atender as especificidades do CSP-Cuiabá e da EEMF, na situação de isolamento

institucional.

Durante o ano de 2014, foram muitos os momentos de apreensão, pois a

frequência de conflitos internos impediu maior aproximação com os adolescentes. Outro

fator que chama a atenção nesse espaço é a alta rotatividade de funcionários, juízes e

diretor. Consegui, com grande esforço, e sempre contanto com o apoio integral da equipe

gestora e pedagógica da escola, representando a SEJUDH, duas entrevistas com a gerente

do sistema masculino e a gerente da unidade feminina, com o diretor do complexo

socioeducativo, o diretor da Escola Meninos do Futuro e a Coordenadora do

Socioeducativo/SEDUC.

3.4 - Procedimentos para geração de dados e instrumentos utilizados

A pesquisa teve seu início em 2014 e foi organizada em duas etapas. Na primeira

etapa, acompanhada pelo diretor da EEMF, conheci o espaço onde se deu a pesquisa do

fenômeno e seus atores sociais. Pela observação em reuniões com a equipe gestora e

docentes da EEMF, coletei relatos de experiências com projetos, construção da Portaria

71

de Atribuição/SEDUC/MT do quadro da EEMF e atividades desenvolvidas nos

seminários constantes no (Quadro 4).

Interagir com a equipe gestora da escola, a qual de forma generosa apresentou os

projetos desenvolvidos com os adolescentes, disponibilizando-os para leitura, ouvir as

narrativas da escola e do socioeducativo possibilitaram compreender o sentido das ações

e construções de atividades, ainda desencontradas, já que na elaboração dessas atividades

não há integração entre as equipes. Isso impossibilita a completude formativa dos

adolescentes. Busquei, durante o ano de 2014, ficar o maior tempo possível em contato

com a equipe gestora da EEMF. Apesar das circunstâncias, não superadas, pelos

constantes conflitos nas relações internas do CSP, a participação naquele local apresenta

estrutura satisfatória para a realização da análise. Também a leitura de documentos

oficiais das instituições SEDUC/MT e SEJUDH/MT possibilitou conhecer a estrutura

organizacional das mesmas.

A segunda etapa ocorreu no início do ano de 2015, ano de mudança: nova

estrutura e novos gestores se apresentam no cenário institucional SEDUC/MT e

SEJUDH/MT. Para não perder de vista o fio condutor deste trabalho, busco participação

ativa nos debates e inscrição para posicionamentos sobre a estrutura da EEMF. Observo

diferentes recursos discursivos, diferentes enunciados e gêneros que trazem à tona os

recentes gestores empossados. São apontadas novas necessidades de atendimento ao CSP,

novos projetos organizados para atender o adolescente privado estão sendo estão sendo

estruturados. A mudança de gestores não compromete o atendimento ao CSP-Cuiabá,

posto que as ações educacionais e socioeducativas estão asseguradas no ECA (BRASIL,

1990) e SINASE (2006). É de responsabilidade direta das instituições SEDUC/MT e

SJUDH//MT manter o atendimento de medidas socioeducativas e educacionais naquele

espaço. Manter e intensificar esse olhar funciona como ferramenta imprescindível para a

compreensão desse fenômeno social, o qual deverá ser significado na análise pautada no

Significado Representacional (Faircliough 2003a) e na Representação de Atores Sociais,

de Theo Van Leeuwen (1997).

A pesquisa conta com termo de consentimento livre e esclarecido à direção da

EEMF, deixando claro o estabelecimento de parceria e confiança de ambas as partes.

A coleta de dados foi organizada a partir de quatro momentos, para melhor

compreensão do contexto da pesquisa bem como da análise. São eles:

• Familiarização com o contexto: Seminários da SEJUDH/MT; reuniões pedagógicas

e administrativas realizadas na escola e no auditório do socioeducativo do Pomeri. A

72

observação no local da escola foi autorizada pela direção, tanto da escola quanto a

do Complexo Socioeducativo. Durante a observação, procurei registrar as ações em

um caderno de campo. Foram anotados os momentos da fala, de silêncios,

concordâncias, discordâncias e, em especial, a complexidade de oposições entre o

Centro e a Escola. Outro ponto marcante refere-se à ocultação de ações dentro desse

ambiente sensivelmente conflitante. Estar nesse lugar é um desafio para qualquer

pesquisador.

• Participação: Atividades internas com a gestão da EEMF, docentes, gerentes e

socioeducadores, conforme apresentadas no Quadro 3, acima.

• Constituição do corpus para análise - Foram gravadas e, posteriormente, transcritas

as entrevista com os gestores e socioeducadores. Inicialmente, foram agendadas duas

entrevistas com as Gerentes das Unidades de regime fechado, separadamente, Diretor

e Coordenadora.

As entrevistas transcorreram em forma de diálogo, com conversas que fluíam dos

questionamentos. A participação foi efetiva, não houve resistência quanto às

respostas às indagações realizadas. Ao todo, foram realizadas cinco entrevistas; para

a análise do corpus, foram selecionadas três entrevistas. O tempo de cada entrevista

variou de 25 a 30 minutos, evitando inibir o entrevistado, mas sempre retomando a

questão central que se relacionava com a função exercida, com o objetivo de colher

informações pertinentes ao tema da minha pesquisa.

QUADRO 3 - PARTICIPANTES DA PESQUISA -2014

CARGOS OCUPADOS

ENTREVISTA

Alfredo Diretor Agosto de 2014 Izabel

Gerente

Junho 2014

Simone Coordenadora Dezembro 2014

Para a análise de dados, foram selecionados recortes de três entrevistas: com a

gerente da unidade masculina, com o diretor e com a Coordenadora/SEDUC/M. Essas

entrevistas serão analisadas a partir das categorias de representação de atores sociais e

análise crítica do discurso, de Fairclough (2003a).

No próximo capítulo apresento a análise dos dados.

73

CAPÍTULO IV

ANÁLISE DOS DADOS

Neste capítulo, apresento a análise dos dados da pesquisa com base nas

entrevistas dos representantes das instituições SEDUC/MT e SEJUDH/MT. Nos

enunciados dos representantes da pesquisa, foram desveladas marcar linguísticas, as quais

anunciam diversas representações, entre elas: ausência de integração, conflitos e

violências e estruturas precárias. Sob o arcabouço teórico metodológico proposto por

Fairclough (2001, 2003a) e Theo Van Leeuwen (1998, 2003), a materialidade linguística

ajuda a compreender a Representação de Atores Sociais acerca da realidade em que se

encontra inserida a Escola Estadual Meninos do Futuro e seus desafios na realização de

sua ação educadora. Finalizo com algumas reflexões sobre as relações existentes entre a

EEMF e o CSP, sob o ponto de vista político, social e ideológico.

Os trechos das entrevistas são fiéis à fala de cada representante institucional.

Conforme mencionado, a partir da análise do corpus, emergiram algumas

categorias: ausência de integração, conflitos e violências e estruturas precárias.

Na sequência, serão apresentadas e discutidas.

Conflitos/violência

Estruturas precárias

Escola Escola Estadual Meninos

do Futuro

Centro Socioeducativo

Pomeri

Ausência de Integração

74

4.1 SEDUC/MT e SJUDH/MT- Ausência de integração

Na entrevista realizada com Alfredo, percebi que as atividades estão divididas

entre o CSP e a EEMF conforme os enunciados do diretor. Vejamos o excerto1:

(1) - As ações realizadas no socioeducativo estão em

conformidade com as determinações da SEJUDH; sou

responsável pela direção do socioeducativo; estou pouco

tempo aqui, mas de olho, sei que a SEDUC é responsável pela

escola e ela faz a parte dela.

(Alfredo – Diretor, Entrevista, em 5/8/2014)

Ao falar sobre o socioeducativo, Alfredo ressalta a importância da hierarquia na

relação entre a SEJUDH e SEDUC. Ele diz: “as ações realizadas no socioeducativo estão

em conformidade com a SEJUDH ... sei que a SEDUC é responsável pela escola".

Percebe-se, aqui, que os atores sociais SEJUDH e SEDUC são ativados, ocorrendo a

inclusão por ativação. A ativação ocorre quando os atores sociais são representados como

ativos de uma relação à determinada atividade. Portanto, ao se referir à SEJUDH -“as

ações estão em conformidade com a SEJUDH”- Alfredo quer ressaltar que é a SEJUDH

quem determina quais ações devem ser efetivadas no CSP. Ao se referir à SEDUC - "sei

que a SEDUC é responsável pela escola”- Alfredo revela a representação pela ativação e

a escola por inclusão.

A ativação ocorre quando os “atores sociais são representados como forças ativas

e dinâmicas numa atividade" (VAN LEEUWEN, 1998, p. 187), ou seja, os atores

representados no processo de ativação são protagonistas do processo em questão. No

trecho “sou responsável pela direção do socioeducativo”, Alfredo é restabelecido em

segundo plano, uma vez que não trabalha na SEJUDH, mas no CSP. No caso de se colocar

em segundo plano, o ator social pode não ser mencionado em uma dada atividade, mas é

mencionado em algum lugar no texto (VAN LEEUWEN, 1998, p. 181). Nos enunciados

"as ações realizadas no socioeducativo estão em conformidade com a SEJUDH” e “sei

que a SEDUC é responsável pela escola", Alfredo sinaliza exclusividade na ação da

SEJUDH para efetivar ações voltadas ao CSP, e a SEDUC para realizar as ações voltadas

para a EEMF.

75

A falta de integração entre essas duas instituições também é mencionada por

Izabel. A gerente traz representações de distanciamento entre as relações do

socioeducativo com a escola. No exemplo ilustrado a seguir, ela faz a seguinte

consideração:

(2) - Nosso trabalho com a escola é só conduzir os meninos da

unidade de internação até a sala de aula; não entramos na sala …

ficamos do lado de fora, para qualquer ocorrência... (Izabel,

Entrevista, em 17/6/2014)

Ao falar sobre o seu trabalho com a EEMF, Izabel traz à tona a delimitação nas

relações com a escola. Ao referir ao “nosso trabalho”, Izabel se coloca em segundo plano,

não explicita quem realiza o trabalho, pressupondo que o entrevistador sabe quem o faz.

Considera desnecessário especificar os agentes da ação passiva “conduzir os meninos.”

Quem conduz os meninos? Os meninos são conduzidos por quem? Podemos dizer, assim,

que ocorre a exclusão por supressão, pois não há referência aos atores sociais,

socioeducadores: “Algumas exclusões não deixam marcas na representação, excluindo

quer atores sociais quer suas atividades” (VAN LEEWUEN, 1997, p. 180).

Izabel, ao enunciar “não entramos na sala", nos remete à ideia de que a sala de

aula é o espaço onde “não entramos”. Evidencia aqui que as relações entre o

socioeducativo e a escola não se integram, não interagem. As relações internas no

socioeducativo parecem ser naturalizadas pelo não diálogo, mas tão somente por

delimitações territoriais. Para compreender o excerto acima, reporto-me a Fairclough

(2003a), para o qual os espaços de poder são delimitados pelas estruturas internas que

estabelecem espaços “fixos” onde cabe a cada um atuar. Tal delimitação, por si só, já

dificulta a integração institucional.

Observa-se também que no enunciado “nosso trabalho” ocorre a inclusão por

possessivação, devido ao uso do pronome “nosso”, que ativa os atores sociais, neste caso

os socioeducadores. Para Izabel, a sala de aula, ainda que localizada dentro do CSP, não

pode ser representada como extensão das ações socioeducativas ou, em uma visão mais

progressista, como complementação das ações educacionais onde poderiam ser integradas

as ações socioeducativas e escolares. No enunciado “ficamos do lado de fora, para

qualquer ocorrência...”, Izabel mais uma vez demarca e limita o espaço onde os

76

socioeducadores podem permanecer. Essa escolha léxico-gramatical representa a

exclusão dos socioeducadores no processo escolar.

Além de Alfredo e Izabel, a coordenadora Simone também revela algumas

representações acerca dessas instituições, conforme o enunciado abaixo:

(3) - SEDUC e SEJUDH efetivam políticas educacionais e

socioeducativas direcionadas aos adolescentes privados de

liberdade. A escola é de responsabilidade da SEDUC, a qual

propõe um currículo que busca acompanhar o desenvolvimento

integral dos alunos. A SEJUDH efetiva ações estruturais e

socioeducativas destinadas aos adolescentes que cometem atos

infracionais encaminhados ao Centro Socioeducativo Pomeri.

(Simone, Coordenadora, Entrevista em 17/12/2014)

No enunciado “a SEDUC e SEJUDH efetivam políticas educacionais e

socioeducativas”, percebe-se a ocorrência da categoria de inclusão por ativação e

passivação. A passivação acontece na frase quando o ator social é representado como

aquele que se submete à atividade ou é afetado por ela. Nesse caso, “efetivam políticas”

a passivação se realiza por meio da participação, pois os atores sociais SEDUC e

SEJUDH são o centro da fala de Simone.

Outros atores sociais explicitamente representados de modo ativo são a EEMF e

o CSP, pois a efetivação das políticas é representada pela SEDUC e SEJUDH destinada

à escola e ao centro. Simone, ao ressaltar que as políticas são efetivadas pela SEJUDH e

SEDUC, traduz que os atores sociais são representados por nomeação. A nomeação,

segundo Van Leeuwen (1997), é geralmente reconhecida pelos substantivos próprios,

usados de maneira formal e informal.

Nos enunciados “a escola é de responsabilidade da SEDUC e a SEJUDH efetiva

ações estruturais e socioeducativas...”, verifica-se, primeiramente, a ocorrência de papéis

que os atores sociais dão à escola, A escola é de responsabilidade da SEDUC e à SEJUDH

cabe a responsabilidade pelas ações estruturais e socioeducativas. Observa-se que os itens

lexicais “escola” e “ações estruturais e socioeducativas” são usados para identificar algo

ou alguém, portanto registra-se aqui a categorização por identificação. A identificação

ocorre quando os atores sociais são referidos, não em termos daquilo que fazem, mas em

termos daquilo que, mais ou menos permanentemente ou inevitavelmente, são.

77

Assim, não se pode perder de vista a necessária integração entre as instituições,

SEJUDH/MT e SEDUC/MT, com projetos voltados para a formação dos socioeducadores

e professores, por compartilharem do mesmo espaço. A fragmentação das relações

institucionais obriga a levantar barreiras e estranhamentos onde deveriam ser executadas

ações socioeducativas e educacionais que pela natureza das ações deveriam ser um

prolongamento uma da outra e assim amenizar a distância entre o que se planeja e o se

executa. Apesar de estarem fisicamente no mesmo espaço, a EEMF e o CSP não atuam

sob o prisma da formação desses jovens para que possam auxiliá-los enquanto estão

privados de liberdade e sob a custódia do Estado. Essa atitude prejudica e, às vezes,

impede a ressocialização dos adolescentes e, consequentemente, seu convívio social.

4.2 - CSP- Conflitos e violências

Ao falarem sobre o contexto do CSP, seu cotidiano, os sujeitos da pesquisa

revelaram preocupação com os conflitos existentes nas relações entre os adolescentes

privados de liberdade e os socioeducadores. Quanto à EEMF, parece haver uma relação

menos conflituosa entre professores e os adolescentes. Vejamos o que Alfredo diz:

(4) - [...] eles dizem que os professores passam a mão na cabeça

dos adolescentes ... os socioeducadores não têm formação

voltada para atuar no socioeducativo; eles só aprenderam

sobre repressão/contenção ... É visível como eles incitam os

meninos para brigar (Alfredo, Entrevista, 5/8/2014)

Percebe-se que Alfredo analisa a relação dos adolescentes e professores sob um

enfoque diferente dos socioeducadores, na forma mais repressiva: “só aprendem sobre

repressão/contenção”, “é visível eles incitam os meninos para brigar”. Nas escolhas

léxico-gramaticais “professores passam a mão na cabeça dos meninos”, o verbo no

presente do indicativo “passam” indica que os professores são condescendentes com a

situação do adolescente em sala de aula. Essa relação entre professores e alunos é

interpretada pelos socioeducadores como uma forma de afrontá-los, e até mesmo, de

ridicularizá-los diante dos adolescentes. Enquanto os professores “aliviam” a situação dos

adolescentes, os socioeducadores entendem que, para manter a ordem e a disciplina no

CSP, têm que “endurecer”, para que os mesmos possam ter respeito por eles. Para eles, a

ação de os professores “passarem a mão na cabeça dos adolescentes” significa serem

78

complacentes com os internos, que não merecem ser tratados com afagos. No Seminário

realizado no mês de Abril de 2014, o objetivo foi sensibilizar para a necessidade de

fortalecer as ações da EEMF e a integração com CSP, para juntos realizarem ações

efetivas para educação e ressocialização dos jovens e adolescentes privados de liberdade.

Nessa atividade, alguns socioeducadores manifestaram descontentamento com a EEMF

em relação ao tratamento aos adolescentes, afirmando que os mesmos são infratores e que

estão no CSP para serem punidos e não para receberem carinho. Alfredo atribui à falta de

formação dos socioeducadores a atitude de violência no tratamento aos adolescentes no

contexto socioeducativo: “os socioeducadores não têm formação voltada para atuar no

CSP”. Ao levar em consideração a falta de formação como uma das justificativas para a

ação de truculência no tratamento das relações internas no CSE, Alfredo remete a sua fala

a um discurso pedagógico de formação profissional que poderia amenizar a situação de

conflito entre os socioeducadores e os adolescentes, enfatizando a força da ação formativa

como uma ação necessária, capaz de transformar a atitude dos socioeducadores para atuar

naquele espaço.

Ao enunciar “os agentes não têm formação voltada para atuar no CSP”, ocorre a

ativação, que atribui papel ativo aos socioeducadores, remetendo à necessidade da sua

ação formativa para que assim os socioeducadores poderiam atuar com mais eficiência

na relação com os adolescentes. Os agentes seriam os beneficiários de uma formação

capaz de habilita-lo para atuar no CSP. Pois no enunciado de Alfredo os agentes são

apresentados como não habilitados para atuar naquele espaço, sendo este um dos motivos

que faz emergi situações de conflitos permeadas de violência, entre os socioeducadores

e os jovens privados de liberdade. A ativação ocorre quando os atores sociais são

representados como forças ativas e dinâmicas numa ação, como no exemplo a seguir.

Exemplo 2 - Eles só aprenderam sobre repressão/contenção e

brutalidade ... é visível como eles incitam os meninos para

brigar. Estava observando, vi oito meninos com um professor

enquanto acontecia uma rebelião no pavilhão; se esses

meninos estivessem com agentes todos se rebelariam. (Alfredo,

diretor, Entrevista, 5/8/2014)

Os enunciados de Alfredo revelam que, na sala de aula, o professor mantém uma

relação de confiança, amizade e controle da situação: “vi oito meninos com um professor

enquanto acontecia uma rebelião no pavilhão”; ele ressalta que, mesmo estando em um

79

mesmo espaço, os adolescentes estavam tranquilos, atentos à aula, enquanto ocorria uma

rebelião do outro lado. Ao referir “vi oito meninos”, ocorre a assimilação por

coletivização, na qual o grupo de participantes vem quantificado; na coletivização, os

atores sociais são retratados numericamente de forma coletiva (VAN LEEUWEN, 1997,

p, 210).

Observa-se, em seu enunciado, que a relação professor-aluno muito se diferencia

da relação socioeducadores-adolescentes, sendo a primeira permeada de confiança (eles

estavam tranquilos) e a segunda, permeada pela violência e conflito: “se esses meninos

estivessem com os agentes eles se rebelariam”. Percebe-se que o uso do pronome na 3ª

pessoa do plural “eles” atribui, sem exceção, a todos os adolescentes a ação de se

rebelarem, motivados pela diferença de tratamento proveniente dos socioeducadores, que,

ao invés de controlar a situação, “eles incitam os meninos para brigar”. Na relação

professor- aluno, “... meninos com um professor”, ocorre a impersonalização por

abstração dos atores sociais, por traduzir uma situação de confiança.

Izabel, ao se referir aos adolescentes sobre a convivência dentro do

socioeducativo na entrevista, revelou:

(6) Sabe? Não é tranquilo, os meninos precisam ser

acompanhados de perto, desde a hora que acordam até a hora

de dormir; quando tem visita, na aula, eles podem rebelar,

pegar alguém como refém, e assim exigir várias coisas... temos

que ter vigília constante aqui; é fogo... sempre tem umas

reviravoltas, quando pensa que esta tudo calmo, eles aprontam,

surge uma rebelião, é muito perigoso. Somos treinados para

conter e fazer com que eles retornem às Unidades, mas a situação

sempre fica muito grave.

(Izabel, gerente, Entrevista, em 17/6/2014).

É interessante destacar a ênfase que Izabel dá à ação de violência dentro do CSP,

o que leva a crer que seria uma justificativa de contratação de um número maior de

socioeducadores, e a realização de permanente acompanhamento das ações dos

adolescentes no socioeducativo. Aqui, os adolescentes são vistos como uma ameaça

diária, seja recebendo uma visita, na sala de aula, “da hora de acordar até dormir”.

Percebe-se que os socioeducadores sempre estão na ação de vigilância, pois veem os

adolescentes como constante ameaça não só entre eles mesmos, mas também em relação

aos professores e/ou visitantes: “temos que ter vigília constante; aqui é fogo”. Izabel

reforça que aquele lugar é permeado por conflitos: “sempre tem umas reviravoltas”,

80

“surge rebelião”. Segundo Izabel, os adolescentes são protagonistas e responsáveis pelos

constantes conflitos que ocorrem naquele espaço. É como se o adolescente tivesse essa

natureza “selvagem”, pois está no CSP por ter cometido um crime. Neste caso, ocorre a

assimilação por coletivização dos atores que dá ideia de coletividade, evidenciada na

frase “os meninos precisam ser acompanhados de perto”.

Fica claro na fala de Izabel - “quando pensa que está tudo calmo eles aprontam” -

a defesa que ela faz do trabalho dos socioeducadores; há uma valorização excessiva e a

importância de estar em constante vigília é imprescindível para conter os adolescentes

que agem sempre com violência. Dessa forma, enuncia: “temos que ter vigília constante”,

e assim ocorre a ativação dos socioeducadores, pois representam força dinâmica com

relação ao evento, ou seja, na vigilância das ações dos adolescentes. A situação de

violência, no enunciado da Izabel, é direcionada, particularmente, aos adolescentes; no

entanto, percebe-se que o gatilho que aciona a revolta desses adolescentes decorre do

tratamento desumano e desrespeitoso dos socioeducadores na sua relação com os jovens,

concretizando situações de barbárie4.

Vale ressaltar também que dois dias antes da realização do Seminário interno sobre

“Formação e Integração das Ações Socieducativas e Educacionais”, agendado para o dia

8 de outubro de 2014, houve um ato de violência dentro do CSP, envolvendo dois

adolescentes no quarto 09, do Bloco 01, sendo que um dos internos teria desferido golpes

de chuço (punhal improvisado) no oponente.

O que mais chama a atenção nesse episódio é o fato de nenhum dos socioeducadores

ter “ouvido” ou “visto” qualquer procedimento dos adolescentes que pudesse ter chamado

a atenção e pelo qual poderia ter feito uma intervenção, evitando, assim, a ação de

violência que culminou em uma morte. Há um ocultamento das ações preventivas de

conflitos; parece não haver um planejamento ou uma preocupação da direção no sentido

de evitar fatos como esses, que provocam indignação. Pelo motivo exposto, não foi

possível realizar o Seminário.

A observação do fato ocorrido contraria a fala de Izabel, que ressalta a necessidade

uma vigilância sistemática dos socioeducadores, para evitar a violência/conflitos no

4 Reportagem apresentada pelo jornal o Globo MT, em 10/12/2012 e publicada em mídia eletrônica:

Adolescentes que atearam fogo em cela continuam internados em Cuiabá, um deles teve parte do rosto e

perna queimados. Adolescente diz que se rebelou após ter sido retirado da sala de aula (g1.globo.com/mato-

grosso, em 10/12/2012); Agente é suspeito de permitir estupro contra menor no Complexo Pomeri

(g1.globo.com/mato-grosso, em 29/6/2013).

81

socioeducativo. Se, de fato os socioeducadores estavam observando constantemente esses

adolescentes, cabe a pergunta: onde os socioeducadores estavam na hora da tragédia? Ao

se rebelarem contra as formas desumanas com as quais são tratados dentro do CSP, as

atitudes dos adolescentes denotam uma das principais características da ACD, que é a

superação de obstáculos, Ao se sentirem “acuados”, buscam a superação dessa violência

se rebelando; assustadoramente, usam uma violência maior como superação dos

obstáculos. No contexto socioeducativo, a única “arma” que os adolescentes têm é o ato

de combater com agressividade as constantes provocações e humilhações a que são

submetidos por alguns socioeducadores. A cariz da justiça fica encoberta, uma vez que

não se cumpre o que estabelece a legislação vigente constante nos documentos e diretrizes

ECA (1990) e SINASE (2006). Ao serem desprovidos do abrigo da lei, os adolescentes

são representados como violentos; esta visão contribui para que o ambiente e as relações

internas onde os adolescentes não têm com quem contar nos momentos mais difíceis se

tornem tensos. Por isso, corre-se o risco de acontecerem tragédias, muitas vezes

anunciadas.

Fairclough (2003a) observa que a construção de significados está muito mais

atrelada ao que está implícito- presumido. Assim, por mais que tentem esconder-se, os

entrevistados são expostos por meio de alguns elementos linguísticos que revelam um

tom de experiência vivenciada naquilo que dizem.

A ACD possibilita analisar os enunciados das entrevistas e as relações de

opressão no contexto socioeducativo, pois se apresenta como instrumento teórico para a

análise das práticas discursivas que constroem as várias ordens sociais vigentes e como

forma de investigação das formações discursivas que engendram as relações de poder;

sustenta-se na noção de que o discurso constitui e é constituído por práticas sociais, sobre

as quais se podem revelar processos de manutenção e abuso de poder. Observa-se nesta

análise que as formas linguísticas são usadas em várias expressões e manipulações de

poder.

Para Fairclough (2001, p.76), o discurso e a linguagem são de importância central

nos processos sociais: “[...] analisar as instituições e organizações em termos de poder

significa entender e analisar suas práticas discursivas”. Ao defender a permanente

vigilância por parte dos socioeducadores, Izabel justifica a ação de dominação e poder

sob seu comando como necessária nesse ambiente, deixando claro que ali os

socioeducadores devem ser a autoridade, aos quais cabe vigiar e conter os adolescentes.

82

Simone destaca na sua entrevista uma situação de conflito em particular, uma

ação que causa estranhamento, porém já se naturalizou no CSP: o não cumprimento da

carga horária escolar, conforme se observa no trecho a seguir:

(7) Eu sei que a carga horária escolar não é cumprida por

vários motivos, dentre eles pontuo as constantes rebeliões

dentro do complexo socioeducativo. Os adolescentes recebem

tratamento desumanizado, eles ficam em condições precárias,

instalações deficitárias, falta de estrutura física tanto da escola

quanto do socioeducativo. Está em desalinho com o que

estabelece o SINASE e o ECA. (Simone, Coordenadora,

Entrevista, em 17 /12 /2014)

Simone apresenta informações sobre a escola, mais precisamente sobre o não

cumprimento da carga horária e as relações de violência internas no Complexo

Socioeducativo. Afirma que as relações internas são de conflitos. Ao dizer: “Eu sei que a

carga horária escolar não é cumprida por vários motivos, entre eles apontamos as

constantes rebeliões dentro do complexo socioeducativo”, Simone usa a expressão “eu

sei que a carga horária não é cumprida”, para expressar, denunciar uma prática que já se

naturalizou dentro do socioeducativo e, ao mesmo tempo, coloca em evidência a

realização do seu trabalho como coordenadora das ações educacionais e socioeducativas

no acompanhamento das atividades, programas e projetos planejados para serem

executados pela Escola Estadual Meninos do Futuro com adolescentes que cumprem

medidas socioeducativas no CSP.

Ela reconhece que o não cumprimento da carga horária prejudica o

desenvolvimento do ensino e aprendizagem desses adolescentes. Enfatiza que os

constantes conflitos são responsáveis pela falta de efetivação da ação pedagógica. Ao

destacar “os adolescentes” e “eles ficam em condições precárias”, ocorre a representação

de atores sociais por coletivização.

Na unidade de informação “Eu sei que a carga horária não é cumprida”, observa-

se a presença do pronome na 1ª pessoa, denotando personalização, ou seja, o ator social

é representado de forma personalizada, por meio do pronome pessoal. Observa-se que os

fragmentos acima analisados apresentam exclusão dos atores sociais, equipe gestora,

professores. Nesse enunciado, Simone não explicita quem seria responsável por fazer

cumprir a carga horária, pois não há referências aos atores sociais. Assim, ocorre a

83

exclusão por supressão. Com a expressão “Está em desalinho com o que estabelece o

SINASE e o ECA”, Simone denuncia o não cumprimento da legislação vigente, ECA e

SINASE, que estabelece ações protetivas, em flagrante desrespeito ao direito dos

adolescentes. Percebe-se aqui a ocorrência de representação dos atores sociais por

nominalização, “SINASE e ECA”; desse modo, o Estatuto da Criança e Adolescente e o

Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo assumem a representação jurídica do

direito dos jovens que cumprem medidas socioeducativas no CSP. Simone demonstra

acentuada preocupação com as rebeliões que ocorrem naquele espaço, o que acontece

com certa frequência; talvez, por esse motivo, a carga horária e a rotina diária dos

adolescentes são sumariamente alteradas. Na visão dos socioeducadores, qualquer atitude

diferente do comportamento cotidiano por parte dos adolescentes pode desencadear uma

rebelião. Esse é um dos principais motivos para não permitir que o adolescente saia da

ala de internação (Reunião interna em agosto de 2014- CSP).

Segundo normas internas no CSP, caso um socioeducador “desconfie” de algum

ato de rebeldia por parte do adolescente, na unidade em que se encontra o interno

“transgressor” a ala inteira fica sem aula e os demais impedidos de participar de qualquer

atividade, sejam elas planejadas pela escola, seja a participação em projetos de

qualificação do próprio CSP. Ao se sentirem discriminados pela ação da gestão do CSP,

por deixarem de participar das ações de que eles mais gostam, os adolescentes se rebelam,

pois se sentem injustiçados. Percebem isso como uma provocação por parte dos

socioeducadores; por essa razão, o ambiente fica tenso e todos ficam em sentido de alerta,

pois provavelmente ocorrerá um conflito. Infelizmente, fatos como esses ocorreram

algumas vezes no ano de 2014, no decorrer da pesquisa de campo.

As relações existentes no contexto socioeducativo retratam a violência e o conflito

associados ao adolescente. Essa visão contribui para alargar e aprofundar as relações de

desigualdade e opressão que emergem no cotidiano institucional. Embora se saiba que a

violência não ocorre somente na relação com os socioeducadores, é notório que a situação

de violência, nesse contexto, esteja relacionada ao tratamento violento que os mesmos

dispensam aos adolescentes privados de liberdade.

Estas representações são reais e acarretam profundas implicações em prejuízo dos

adolescentes. A título de exemplo, pode-se citar a dificuldade no cumprimento da carga

horária das aulas que eles precisam efetivar e são ameaçados constantemente pelos

socioeducadores, que detêm o poder de liberar, permitir ou não ao adolescente assistir à

aula. Assim, o adolescente deixa de executar uma etapa de integração social, por não

84

poder usufruir de um direito inalienável, a educação. O direito à escolaridade já não pode

ser estabelecido, pois não é percebido pelos socioeducadores como direito, mas como

privilégio ao adolescente, que, na visão dos socioeducadores, não são sujeitos de direito,

“pois são bandidos, delinquentes que estão ali para pagar pelo que fizeram” (Reunião

Interna no CSP, Outubro de 2014). Os itens lexicais e expressões “marginais”,

“delinquentes”, “infratores”, “bandidos”, comumente usados pelos socioeducadores, são

palavras que “lexicalizam” o mundo de maneira particular (FAIRCLOUGH 2001, p.103).

A crença, largamente divulgada na mídia, de que os jovens privados de liberdade

no CSP são beneficiados pelo ECA e que estão naquele lugar como se estivessem em uma

colônia de férias, vem sendo rebatida por pesquisadores conceituados: Barros (2008,

2015), Resende e Ramalho (2006), Silva (2008), Miranda (2014), entre outros, que se

dedicam a pesquisa/estudos sobre exclusão social, empobrecimento, crianças de rua, e os

que abordam o cumprimento dos atos infracionais, estrutura, conjuntura e instâncias

jurídicas.

É imprescindível avançar nas pesquisas sobre o socioeducativo, assim como trazer

para o debate questões da adolescência, esclarecer que o ECA assegura direitos de caráter-

socioeducativo e também protetivo, que o cometimento do ato infracional não faz cessar

o direito, nem mesmo durante o tempo da medida socioeducativa de privação de

liberdade; ao contrário, o que a legislação prevê é a possibilidade de ressocialização do

adolescente e a reafirmação dos seus direitos, de sua cidadania, que, em geral, foram

suplantadas precocemente. Para Fairclough (2003a), não basta ter consciência de sua

existência; é preciso lutar para vencer o opressor e atuar na transformação da exclusão

social em emancipação, identificando potenciais de mudança na realidade que se

apresenta e buscando eliminar suas lacunas e contradições.

4.3 CENTRO SOCIOEDUCATIVO POMERI - Estruturas precárias

Ainda nas entrevistas e na observação dos atores sociais, é possível vislumbrar as

condições precárias das estruturas onde se encontra instalado o CSP, o qual abriga em seu

interior a EEMF. O diretor Alfredo, ao falar sobre as condições físicas das instalações do

CSP, lamenta a falta de um espaço apropriado para desenvolver atividades

ressocializadoras expressando:

85

(8) Esse dia assisti o filme “Deus não está morto”. Esses

meninos não saia da minha cabeça, e fiquei pensando se eu levar

um (para assistir o filme), só um, já seria um sucesso; eu poderia

levá-los ao cinema, mas é difícil, poderíamos passar o filme

aqui, ou no ministério público... gostaria trazer a família...

seria uma forma de sensibilizar o pessoal. Mas infelizmente, não

tenho condições de passar esse filme aqui, falta sala apropriada,

um ambiente para trazer a família. As estruturas precisam ser,

urgentemente, melhoradas; assim como está não tem condições.

( Alfredo diretor -Entrevista 5/8/2014)

Alfredo, ao enunciar que assistiu ao filme “Deus não está morto”, acrescenta que

gostaria de compartilhar essa experiência com os adolescentes, isto é, levá-los ao cinema

para assistir ao filme ou apresentá-lo no CSP. Bhaskar (1997, p. 51) argumenta “que a

estrutura fundamental do homem no mundo é Deus”. Ao enunciar “passar o filme aqui”,

com a denotação de lugar, o ator social destaca, por encobrimento, que o CSP poderia ser

o local apropriado, por ser o local onde adolescentes cumprem medidas socioeducativas;

reconhece, no entanto, que a estrutura física não apresenta condições para realizar a

apresentação do filme. Assim, ocorre a inclusão dos adolescentes, pois estão inclusos na

proposta de Alfredo, já que o filme deve ser assistido pelos adolescentes internos.

Ressalta, no entanto, que aquele espaço não oferece condições de realizar a tão sonhada

ação: “mas isso é muito difícil”, “poderíamos passar no Ministério Público”, “podemos

trazer a família”.

Alfredo evidencia a impossibilidade de realizar a ação dentro do CSP, dadas as

precárias condições, físicas e estruturais que o espaço apresenta, tanto na falta de estrutura

para a realização de um evento quanto para abrigar adolescentes que cumprem medidas

socioeducativas. Cita como local apropriado para realização da ação o Ministério Público,

local referência que possui estruturas compatíveis para abrigar não só os adolescentes,

mas também a sua família, como forma de aproximação e socialização. Ao incluir no seu

enunciado a participação da família, ponto alto da entrevista, ator social vê como

necessária a ação de reaproximar o adolescente privado de liberdade de sua família, além

de proporcionar um momento de lazer e cultura. Alfredo lamenta o fato de o

socioeducativo não ter espaços de socialização e integração que pudessem proporcionar

aprendizagem social e reflexiva. Deveria ter infraestrutura condizente com o que se espera

de um evento como esse. Por se tratar de um filme de cunho religioso, “Deus não está

morto”, Alfredo acredita que ajudaria a sensibilizar o adolescente para uma reflexão sobre

sua vida, sobre o que fez de errado, ajudando na transformação de um adolescente em

86

desenvolvimento, capaz de mudar o comportamento na relação com os demais internos e

com os socioeducadores. Eleva a expectativa dessa transformação o fato de a família

poder compartilhar desse momento, ao assistir a esse filme que, segundo Alfredo, deixaria

todos sensibilizados, pois fala diretamente ao coração e à razão da criação do mundo

“Deus”.

Desse modo, o ator social se apresenta no texto de forma ativa, ocorrendo a

representação por personalização, na qual se observam as escolhas léxico-gramaticais,

revelando a forma como o ator social é representado pelo pronome pessoal na primeira

pessoa: “eu fiquei pensando se eu levar um (adolescente) (para assistir o filme)”. Na frase

“mas infelizmente, não tenho condições de passar esse filme aqui, falta sala apropriada,

um ambiente para trazer a família”, ocorre o papel passivo. Observa-se que lhe é atribuído

um papel passivo, ocorrendo a categoria de passivação por sujeição, pois torna-se sujeito

da passividade, isto é, o ator social é o paciente, aquele que é submetido a uma ação cuja

realização se dá pela sujeição. Evidenciado sua sujeição na frase “mas infelizmente, não

tenho condições de passar esse filme aqui”, Alfredo se coloca na condição de sujeição a

uma instância maior, alegando não ter recurso suficiente para executar a ação:

“infelizmente”. Não deixa de procurar alternativa de realizar a ação, que seria assistir ao

filme: “poderia passar no “Ministério Público”, outra instância da justiça diretamente

ligada à SEJUDH. Ao ativar uma outra instituição como local apropriado para exibir o

filme, Alfredo acredita que poderia beneficiar tanto adolescentes quanto seus familiares

em uma ação coletiva. Baskar (1997) observa a emancipação como libertação,

materializada na prática com o fim de poder mudar as estruturas sociais. Para o autor, a

ação requer uma prática de comprometimento e trabalho. Estar engajado em atividades

de transformação é como buscar a emancipação coletiva.

O ator social marca a necessidade de mostrar mudança perante a instituição que

representa. Baskar (1998, p. 410) esclarece que o ator social ao nível de estrutura interna

empodera-se da autonomia e da emancipação social. Nesse caso, ocorre a representação

de atores sociais por especificação, por individualização. Para Alfredo, as condições

físicas do socioeducativo não são adequadas para a realização de projetos e de ações de

ressocialização e convivência familiar, devido à precariedade da instituição. Alfredo

apresenta grande preocupação em relação às estruturas deficitárias, impossibilitando o

avanço das ações ressocializadoras propostas nos documentos oficiais, em especial o que

estabelece o ECA e orienta o SINASE. Nota-se que o emprego da ativação no lugar da

passivação remete ao discurso institucional pela representação no seu enunciado como

87

sujeito social ativo, propositor de ações para além do que se pode esperar de um gestor

no cargo que ocupa.

Ao se referir às condições físicas do socioeducativo, Alfredo se expressou:

(9) A estrutura física aqui no socioeducativo precisa ser

urgentemente melhorada, oferecer um ambiente melhor de

trabalho para os socioeducadores…meninos ... nós,

direção, socioeducadores .... precisamos conviver de forma

mais próxima com os meninos e com os familiares ...

promovendo encontro cultural, com música, filme,

momentos de culto e louvor. (Alfredo Diretor –

Entrevista, em 5/8/2014 )

Alfredo acentua a necessidade de propiciar uma convivência social aos

adolescentes; para isso, necessita que as estruturas físicas possam ser compatíveis com as

ações que se pretende realizar. Ao enunciar “aqui no Socioeducativo”, o ator social

representado pelo “Socioeducativo” é incluído de forma ativa em sua fala. Alfredo marca

no seu enunciado que o espaço físico onde funciona o CSP não oferece condições de

realização de ações culturais, reconhecendo a vulnerabilidade que o espaço apresenta.

Destaca que, caso tivesse uma estrutura capaz de abrigar familiares, facilitaria a

aproximação e sensibilização dos socioeducadores para que eles percebam a necessidade

de ações ressocializadoras, como forma de melhorar as relações internas entre eles e os

adolescentes privados de liberdade.

Observa-se que os atores sociais “meninos” são representados por coletivização,

por representarem a ideia de coletivo. A análise de representação de atores sociais

“família” caracteriza-se como inclusão por ativação e marca o ator social integrante da

ação em estarem juntos na realização do evento.

Para Van Leeuwen (1998), a inclusão ocorre através da ativação e passivação dos

atores no texto. No trecho “promovendo encontro cultural, com música, filme, momentos

de culto e louvor”, o ator social notabiliza as atividades culturais e religiosas (música,

filme, culto e louvor) como ações aqui representadas como atividades multidisciplinares,

capazes de ajudar a ressocialização dos adolescentes privados de liberdade. Baskar (1998)

ressalta que o educador crítico considera as emoções, os valores, os sentimentos dos

adolescentes.

Em “socioeducadores …meninos”, ocorre a coletivização. Percebe-se na análise

que os atores sociais socioeducadores e meninos são incluídos através da coletivização,

88

na qual os atores sociais são retratados de forma coletiva (VAN LEEUWEN, 1997, p.

210)

No enunciado da gerente Izabel, observa-se a preocupação com a falta de

estrutura do CSP:

(10)... gostaria de fazer mais... assim como esse projeto (aqui a

gerente apresenta um projeto apenso a essa entrevista), mas não

temos estrutura para realizar o projeto... Na nossa opinião

precisamos de laboratório de informática, uma sala para teatro,

cultura, isso ajuda os meninos. Nós temos que colocar os

projetos para funcionar, eles precisam participar de

atividades que vai ajudar ter uma nova profissão ou pelo menos

ajudar que sair daqui, para que ele possa trabalhar lá fora.

Gostaria de levar os meninos no SESC Arsenal, mas falta

ônibus, segurança; não temos estrutura suficiente para fazer

esse passeio. (Izabel, Gerente, em 17/6/2014)

Ao enunciar “Nós temos que colocar os projetos para funcionar”, Izabel

constitui-se como ator social ativo, pelo uso do pronome na primeira pessoa do plural. A

expressão “na nossa opinião” evidencia a cumplicidade e a responsabilidade dos demais

segmentos que compõem o sistema socioeducativo na efetivação dos projetos, como se

chamasse à responsabilidade os demais atores sociais. Nesse caso, ocorre a

personalização, pela qual o ator social pode ser representado de forma personalizada;

assim, ocorre e encobrimento dos demais atores sociais.

Na frase “eles precisam participar dessas atividades”, ocorre a coletivização dos

atores sociais. Izabel enfatiza que a ação ou a necessidade de promover a participação dos

adolescentes nas atividades/projetos poderá ser o caminho para que encontrem uma

profissão e possam, ao deixar o CSP, realizar-se profissionalmente, ação que poderia, de

alguma forma, ajudar em sua emancipação e projetá-lo para a reinserção social. O

empenho de Izabel em elaborar um projeto que contribua para projetar um futuro melhor

aos adolescentes está na margem do que realmente interessa aos internos. Geralmente,

são ofertados cursos de ajudante de pedreiro, azulejista, artesanato, surge mais como um

“passa tempo” do que uma qualificação profissional. Parece que a gestão desconhece as

aspirações dos jovens e adolescentes que desejam uma profissionalização capaz de

colocá-los no mundo do trabalho. Por apresentar em seus quadros equipes

multidisciplinares, composta por assistentes sociais, psicólogos, educadores etc., as

89

instituições SEDUC/MT e SEJUDH/MT, poderiam convergir suas ações em um plano

global voltado ao desenvolvimento da formação profissional dos jovens privados de

liberdade.

O adolescente quer ser ouvido como partícipe de sua formação profissional.

Consultá-lo, escutar o que ele deseja como formação profissional, deve se constituir como

proposta a ser considerada pelos gestores das instituições pública. O adolescente quer ser

autor na proposição de projetos que têm relação com o seu futuro profissional; assim ele

deseja participar nas discussões das propostas; por essa razão, não aceita projetos

‘prontos”, elaborados por profissionais que desconhecem a sua realidade; negam-se a

participar somente na execução, especialmente projetos que vão de encontro aos

reivindicados pelos internos.

Prova disso é que, na audiência pública ocorrida no dia 18 de Maio de 2015, em

que estive presente, no tribunal de Justiça de Mato Grosso, um adolescente observou que

os cursos e atividades desenvolvidos no espaço CSP não atendiam aos anseios dos

internos que cumprem medidas socioeducativas. Vale ressaltar que a minha participação

nesse evento possibilitou reivindicar ao Secretário da SEJUDH/MT a reestruturação do

espaço físico da Escola Estadual Meninos do Futuro no Plano

Decenal/2015/SEJUDH/MT. Os enunciados evidenciam uma preocupação: como

desenvolver projetos que visam à formação profissional, via cursos técnicos e de

qualificação, em um espaço que não apresenta condições mínimas para concretização da

ação?

Ao mesmo tempo em que Izabel propõe ação de realização do projeto, ela se

considera impotente para realizar tal ação, pois a estrutura física e operacional no CSP

não oferece condições mínimas para concretizar a ação proposta, como se observa na

frase: “mas não temos estrutura para realizar o projeto, sabe?” “Gostaria de levar os

meninos no Sesc Arsenal, mais falta ônibus, segurança, não temos estrutura suficiente

para fazer esse passeio”.

Ao acionar o verbo “gostaria”, Izabel se coloca como protagonista da ação, ao

mesmo tempo suprimindo o pronome na primeira pessoa “eu”. Nesse caso, ocorre

objetivação. Segundo Van Leeuwen (1998, p. 208), a objetivação ocorre quando o ator

social é representado por meio de uma referência a um local ou coisa diretamente

associado a uma pessoa ou atividade. Neste caso, Izabel é representada pela atividade que

deseja realizar com os adolescentes, através do projeto e do deslocamento do

socioeducativo até o SESC Arsenal.

90

A coordenadora Simone argumenta sobre a necessidade de mais recursos, não só

para efetivar os projetos, mas também para organizar o espaço físico. Assim declara:

(11) Precisamos de mais recurso pessoal e recursos orçamentários

para ajudar no desenvolvimento de projetos. A grande

preocupação … é o espaço físico, que é uma calamidade….

Outra dificuldade que encontramos no espaço socioeducativo

compartilhado com a escola, é a falta de estrutura.

(Simone, Coordenadora, entrevista em 17/12/2014)

Fica explícita a dificuldade em trabalhar e efetivar projetos no CSP, pois as

precárias condições impossibilitam a execução das ações planejadas, conforme enuncia

Simone: “a grande dificuldade que encontramos no espaço CSP que compartilha com

EEMF é a falta de estrutura”. Ao incluir a escola, ocorre a representação do ator social

por nomeação. Observa-se que Simone, ao expressar “a grande preocupação”, faz uso do

adjetivo “grande”, pelo qual expressa a preocupação que se tem com o espaço destinado

à escola.

No enunciado abaixo, Simone fala do comprometimento da SEDUC/MT com a

EEMF.

(12) A escola apresenta uma estrutura fragmentada, tem

algumas salas.... SEDUC cumpre com a responsabilidade em

acompanhar e exigir o cumprimento das aulas...não é da

responsabilidade da SEDUC …a parte física do espaço, no

entanto foi construída uma quadra e uma piscina....

Construídas pela SEDUC; recentemente a Seduc construiu

duas salas de aula…” (Simone Coordenadora - Entrevista

17/12/2014)

Na fala de Simone, a instituição é representada como cumpridora da

responsabilidade social na efetivação da ação educativa junto à escola, enfatiza no seu

enunciado, que a instituição cumpre com a sua responsabilidade e assegura a efetivação

de um currículo formativo: “a SEDUC cumpre com a responsabilidade em acompanhar e

exigir o cumprimento das aulas”. Ao acionar a instituição SEDUC/MT, ocorre a

objetivação por especialização, na qual o ator social é representado por meio de uma

referência a um local ao qual está, num dado contexto, diretamente associado. Neste caso,

91

ao ser designada pela Secretária de Educação para o cargo de Coordenadora das ações

socioeducativas, Simone fala especificamente da instituição SEDUC/MT onde exerce

atividades.

Ao acionar a instituição SEDUC/MT, ocorre a ativação, pela qual as

representações podem incluir papéis ativos aos atores sociais, além de recolocarem regras

e rearranjarem as relações sociais entre os participantes: “tem uma quadra…piscina,

construção de mais duas salas de aula ... construídas pela Seduc”.

Simone quer dar concretude a sua fala, conforme se percebe pelo uso da expressão

“construídas pela Seduc”.

Segundo Simone, a ação da SEDUC/MT viabiliza o cumprimento curricular

formativo no processo de ensino e aprendizagem e, para além disso, na organização física

do espaço. De forma encoberta, marca no seu enunciado que a responsabilidade pela

estrutura física é da SEJUDH/MT: “não é da responsabilidade a parte física do

socioeducativo”; assim, ocorre a exclusão por encobrimento.

O encobrimento do ator social no texto ocorre devido à realização parcial da

exclusão. O ator é deixado para o segundo plano, porque não é importante que se explicite

a sua presença ou porque é possível marcar a sua presença em qualquer outra parte do co-

texto.

Van Leeuwen (1998) aponta dois motivos para suprir atores sociais e atividades:

Quando os leitores já sabem quem é o ator social; ou para bloquear o acesso a uma pratica

que, se representada detalhadamente, poderia gerar algum tipo de reação ou contestação.

Os problemas relatados nos enunciados são um dos aspectos que mais chamam atenção

em relação ao CSP, pois apresentam não só o descaso do estado com relação à

manutenção e preservação do espaço físico, como também denuncia a inexistência de

espaços físicos que poderiam otimizar a realização de atividades socioeducativas, de

formação escolar e profissional.

As péssimas condições do patrimônio institucional são um reflexo da falta de

aplicação das políticas públicas, que deveriam ser efetivadas em nome de uma ação que

se diz ressocializadora. O aspecto físico assusta já na portaria do CSP; internamente, é

visível a falta de manutenção do prédio, o que se agrava nas unidades de internação; é um

afronta à condição humana o que se vê nas dependências físicas da instituição. Esse fato

levou a juíza da Vara da Infância e Juventude de Cuiabá, Drª Gleide Bispo dos Santos, a

tornar públicas, em uma entrevista no ano de 2014, as péssimas condições em que se

encontravam os adolescentes privados de liberdade.

92

Após constatar as precárias condições em que o CSP se encontrava abrigando

adolescentes que cumprem medidas socioeducativas, a juíza determinou a interdição

imediata daquele espaço e demolição da parte mais danificada pela ação do tempo,

fragrante descaso do poder público na conservação do patrimônio público.

As instituições SEDUC/MT e SEJUDH/MT propõem ações e políticas que se

destinam ao cumprimento das legislações vigentes, em especial SINASE e ECA.

Recentemente, a Unidade de Cuiabá, CSP, recebeu a Presidente da Comissão de Direitos

Humanos, Janaína Riva, a qual se referiu ao local como “escola do crime”. Disse, ainda,

que o CSP encontra-se em “total abandono” e que “as celas estão em condições precárias,

os adolescentes não faziam a higiene pessoal por falta de água e sabonete, e dormiam

sobre o chão de concreto”.

A OAB também se manifestou em relação à falta de estrutura física para abrigar

adolescentes privados de liberdade, e responsabilizou o estado pela calamidade em que

se encontra o sistema socioeducativo. A falta de estrutura física coloca em risco a

efetivação das ações formativas e socioeducativas; disso, fica a indagação: como atender

a uma demanda específica que apresenta tantas fragilidades?

O caso requer uma tomada de decisão urgente. Compreendemos como prioridade

a construção de uma estrutura física compatível com uma escola, um plano de trabalho

compartilhado entre o CSP e a equipe pedagógica da EEMF, para juntos pensarem em

ações que possam ser concretizadas, possibilitando a harmonia no cotidiano escolar

desses jovens. Desse modo, poderiam desenvolver projetos, programas de reinserção

social com competência, com o objetivo de possibilitar a ressocialização dos jovens

privados de liberdade.

A formação não acontece desvinculada das condições físicas estruturais. Assim, a

Escola Estadual Meninos do Futuro deve ter uma estrutura compatível com as

necessidades e especificidades, sendo elas: salas para direção, coordenação pedagógica,

laboratório de informática, biblioteca, salas de aulas, sala de professor, copa-cozinha,

refeitório, banheiros masculino e feminino.

Entre os desafios a serem enfrentados, destacamos o primordial: a SEDUC/MT e

SEJUDH/MT devem priorizar ações voltadas para o atendimento da unidade escolar,

dialogar para que as estruturas de sustentação possam realmente atender as metas e

preceitos descritos nos instrumentos legais e devidamente assegurados na Constituição

Federal. Repensar um currículo que atenda a especificidade das necessidades formativas

dos jovens privados de liberdade, trazer para discussão projetos de formação para os

93

profissionais que trabalham nesse contexto, consolidar práticas e pensamentos,

considerando os eixos norteadores presentes nas Orientações Curriculares de Mato

Grosso/2010, são eles:

Conhecimento, Trabalho e Cultura com foco nas relações sociais

que possam dimensionar a formação humana voltada para o

desenvolvimento integral e o trabalho como forma de integrar o

jovem em um mundo globalizado e diverso, e por princípio devem

estruturar seus programas, projetos, matriz curricular com base nos

eixos aqui explicitados, para não correr o risco de não realizar a

transformação desejada (MATO GROSSO, p. 22, 2010).

A estrutura física do CSP, lócus da pesquisa, mantido pela SEJUDH/MT, deve

assegurar condições de ressocialização aos adolescentes que cumprem medidas

socioeducativas, em conformidade como que estabelece o SINASE (BRASIL, 2006),

dispondo de espaço físico apropriado ao desenvolvimento de projetos pedagógico. A

legislação rejeita locais provisórios e sem condições para o atendimento socioeducativo

(BRASIL, 2006, p. 64).

Intensificar o debate sobre a questão exige um olhar mais aguçado desse espaço,

uma vez que os discursos institucionais que circulam nas mídias, encontro, seminários,

asseguram o cumprimento das responsabilidades sociais, administrativas e estruturais.

Assim, elegemos como primordial nesse processo adotar boas práticas de gestão, rever o

Projeto Político Pedagógico da escola, colocar como prioridade a formação de alunos,

professores, funcionários, apoiados em princípios de uma educação com qualidade social,

inclusiva, que não apenas assegure um currículo diferenciado que possa compreender o

movimento e os aspectos específicos dessa demanda, mas também que oportunize a

transformação social que vai para além dos muros do CSP. Devem ser metas

institucionais a serem perseguidas pela consciência social coletiva, com vista ao

deslocamento da representatividade para a participação emancipatória.

Bhaskar (1989, 2002) considera importante a investigação sobre o ser social, pois

deve envolver a estrutura social e seus mecanismos ou processos que geram fenômenos.

Para ele, muitas vezes, esses fenômenos não são observados nas estruturas socais. Nessa

perspectiva, a emancipação não pode ser alcançada somente com a consciência, mas

principalmente, com o saber fazer do sujeito, isto é na sua prática cotidiana. O

engajamento de atores sociais, na escala interdisciplinar, é uma das possibilidades de

94

romper com a invisibilidade da situação de adolescentes privados de liberdade que se

encontram cumprindo medidas socioeducativas.

Ao propor um trabalho multidisciplinar, nos comprometemos e fortalecemos o

sentido de emancipação que requer tomada de consciência e trabalho para que ocorram

mudanças e transformações nas estruturas sociais.

4.4 - Reflexões

Algumas reflexões valem ser destacadas nesta seção. Os excertos analisados

acima me instigam a uma tomada de consciência crítica sobre como vejo as relações

institucionais entre a SEDUC e SEJUDH e como elas se intensificam nas ações com o

Socioeducativo e a Escola. A análise dos dados evidenciou que há uma ausência de

integração entre essas instituições. E, nesse contexto, as políticas públicas dessas

instituições constituem questões a considerar, visto que, mesmo com acesso à educação,

à assistência social e jurídica, entre outras, parecem não atender as exigências das ações

ressocializadoras e educativas dos jovens e adolescentes privados de liberdade. Se não

atendem a tais necessidades, são, portanto, no mínimo questionáveis.

Observa-se a centralidade das questões socioeducativas e educacionais nos

aspectos técnicos e administrativos, demonstrado no capítulo da organização da

SEJUDH/MT e SEDUC/MT; contudo, suas ações parecem ficar às margens, localizadas

na transversalidade do processo. Parece haver um descompasso entre o discurso e o

compromisso efetivo com as políticas educacionais e ressocializadoras, comprometendo,

com isso, a execução das ações, bem como fragilizando o compromisso firmado entre os

entes federados.

Foram identificados, por exemplo, indícios que demonstram algumas incoerências

das estruturas organizacionais dessas instituições. Foram encontradas ações de gestão e

de planejamento não compatíveis com o cenário ressocializador. Observou-se que as

ideologias presentes no cenário social reforçam o senso comum que naturaliza a

ineficiência das ações ressocializadoras e a questão de atos infracionais cometidos por

jovens e adolescentes. Essa visão solidifica a ideologia e reforça a imagem desses jovens

e adolescentes como “bandidos”, que, ao saírem do CSP, retornarão para o presídio na

fase adulta. Nesse sentido, o descrédito nas políticas ressocializadoras ganha força,

95

trazendo para debates acirrados a questão da maioridade como única “solução” para

diminuir a violência juvenil.

Para a SEJUDH/MT, o espaço CSP se apresenta como uma política de

ressocialização, porém se assemelha a um sistema prisional, não lembrando um ambiente

ressocioalizador. O ambiente prisional ganha concretude nos registros das condições da

estrutura física inadequada, na falta de tratamento e acolhimento aos jovens e

adolescentes, no despreparo e na falta de formação dos socioeducadores que se

movimentam entre o espaço socioeducativo e o sistema prisional, ora tratando-os como

adultos ora como adolescentes. Em um espaço ele é “agente prisional” e no outro ele é

“socioeducador”.

Esse tipo de profissional não se identifica no processo e não recebe formação

específica exigida para trabalhar no contexto do CSP. Esta é uma questão que requer

visibilidade da gestão central; caso contrário, a situação coloca em risco o artigo 112º-

Lei 8.069,13/7/1990 - ECA (BRASIL, 1990), que propõe a garantia da formação de

valores positivos de participação.

Mesmo considerando que as estruturas organizacionais da SEJUDH/MT estão em

consonância com a política nacional de atendimento socioeducativo, o que se observa é

que as ações executadas e planejadas são distantes das ações efetivadas no CSP, pois não

contribuem para ajudar o adolescente na reinserção social. A rotina do CSP impõe ordem

de prisão, não permitindo avançar na concretização de projetos ressocializadores.

Em relação aos socioeducadores que mantêm relação de rotina com os

adolescentes, constatei a falta de uma relação mais próxima, com mais afetividade; parece

haver um sentido de alerta constante, levando a crer que, se a relação não estiver pautada

na contenção e defesa, a segurança do espaço socioeducativo e escolar poderá estar

ameaçada.

Tal postura é atribuída à formação destinada a esse grupo, que tem o foco na

contenção, defesa e vigilância. A ausência de ações de inclusão social possibilita a criação

de caminhos férteis para o aumento de conflitos, visto que esses jovens e adolescentes já

são excluídos das ações que foram planejadas, que já foram orçadas. E, ainda a considerar,

há questões sobre a ampliação do quadro de servidores não somente para atender essa

demanda, como também para a manutenção e funcionamento das estruturas do CSP. Essa

96

situação se traduz na seguinte indagação: o plano decenal da instituição não se efetiva por

falta de uma gestão competente?

Mas, o que realmente há de ações ressocializadoras, já que estas ações não

contemplam as expectativas que se expressam nas políticas sociais e nos discursos

institucionais? Para Fairclough (2001), o discurso problematiza-se como prática política

que contribui para estabelecer, manter e transformar relações de poder e entidades

coletivas. São relações de cunho ideológico que surgem para naturalizar, manter ou

transformar os significados de mundo, nas mais diversas posições das relações de poder

(p. 94). Desse modo, as representações institucionais são evidenciadas, mas não para

todos, visto que os discursos não se apresentam de forma objetiva e precisa. Possuem

caráter emancipatório com destaques na busca das relações entre discursos e práticas

sociais, voltadas a desnaturalizar crenças que promovem dominação, com finalidade de

favorecer sua desarticulação.

Relembrando Bhaskar (1998), esse tipo de estrutura social surge como condição

sempre presente e como resultado de uma reprodução contínua da mediação humana. Para

o autor, a prática social se constitui no entrelaçamento das relações mediadas pela

construção das nossas ações na posição que ocupamos, ou cargo que exercemos. Nesse

caso, a gestão institucional não considera e nem se sensibiliza para questões de

ressocialização, uma vez verificado que as ações planejadas não chegam a ser executadas,

expondo, assim, a fragilidade do processo de desenvolvimento humano.

Vejo a necessidade de que sejam concretizadas propostas de ações que promovam

a ressocialização como ações da SEJUDH/MT. Caso contrário, os constantes conflitos,

atos de violência e revoltas no interior do CSP, que colocam em evidência o

descumprimentos das políticas de ressocialização de jovens privados de liberdade,

poderão ser intensificados. Nesta pesquisa, demonstrou-se que os instrumentos legais da

SEJUDH/MT, associados a sua estrutura e aos recursos humanos, têm condições de

atender o CSP, como também de possibilitar aos jovens e adolescentes privados de

liberdade, condições de executar ações de profissionalização, de inserção no mundo do

trabalho como jovem aprendiz, de oferecer, ainda, projetos culturais, esportes, pontuando

que em seu quadro de pessoas há profissionais habilitados por área de conhecimento, com

condições de realizar um trabalho integrador.

97

É lamentável dizer, mas o CSP o não se apresenta como espaço de ressocialização,

em consequência de a sua estrutura ser igual à do sistema prisional de adultos. A imagem

construída é de uma intencionalidade em conservar feições de prisão, com a presença

ostensiva de policiais, celas, uniformes, vigilância rigorosa, um cenário semiótico de

representação de força de poder e opressão. De acordo com Michel Foucault (2013, p.

161), algumas técnicas minuciosas podem definir certo modo de investimento político,

detalhado como se tendesse a cobrir o corpo social inteiro, propondo uma nova

“microfísica” do poder, posturas existentes desde do século XVII. Há uma preocupação

dos gestores institucionais em apresentar como estrutura do CSP condições favoráveis

para o atendimento desses jovens e adolescentes; asseguram que os investimentos, bem

como as políticas ressocializadoras são realmente aplicados nesse contexto.

Os detalhes que sustentam o sistema socioeducativo não constam em manuais,

nem nas diretrizes das políticas ressocializadoras, mas se revelam nas ações cotidianas,

coercitivas, no olhar, nos enunciados dirigidos aos adolescentes e, especialmente, essas

ações se fortalecem na ausência de articulação entre as estruturas internas e externas na

gestão central. Foucault (2013, p 135) chama a atenção para o fato de “como é perigoso

negligenciar as pequenas coisas”. Para o autor, constituem a base da engrenagem que faz

movimentar a cadeia de microações.

Observa, assim, que o CSP é um espaço complexo que ao adentrarmos nos

coloca frente a uma realidade de aprisionamento, fechamento, isolamento, de controle,

repressão, rebeliões. Percebe-se um espaço que emerge da realidade prisional; mesmo

sendo negado pelos gestores, corresponde a um espaço de constante vigilância, onde a

opressão recebe o status de disciplina, defendida por alguns socioeducadores como

essencial, e ganha o título de “ressocialização”. Para Foucault (2013), determinados

lugares se definem, para além de satisfazer a necessidade de vigiar, de romper as

comunicações perigosas, um espaço útil. Esse filósofo (2013, p. 142) descreve que as

disciplinas, a organização em “celas”, os “lugares” e as “fileiras” criam espaços

complexos e, ao mesmo tempo, funcionais e hierárquicos:

São espaços que realizam a fixação e permitem a circulação, recortam

segmentos individuais e estabelecem ligações operatórias, marcam

lugares e indicam valores, garantem a obediência dos indivíduos, mas

também uma melhor economia do tempo e dos gastos (FOUCAULT,

2013, p. 142).

98

As ações de ressocialização não atendem as expectativas que constam nas

políticas sociais e nos discursos institucionais, lembrando que o CSP traz em sua

historicidade a cariz do sistema carcerário. Conforme Foucault (2013, p. 221), a prisão

não deve ser vista como instituição inerte, que volta e meia teria sido sacudida por

movimento de reforma. A prisão sempre fez parte de um campo ativo de onde acordam

projetos, os remanejamentos, as experiências, os discursos teóricos, os testemunhos, os

inquéritos. Trata-se de uma ação nociva, pois jovens e adolescentes são encarcerados sem

que haja de fato ações significativas para recuperá-los. Há necessidade de intervenção

institucional competente para reverter a situação de desigualdade, abandono e violência

vivenciada no sistema CSP. Percebe-se a ausência de políticas afirmativas de sustentação

do discurso, ressaltando o discurso midiático, o qual chama a atenção, por alcançar um

público considerável.

É um segmento que representa o adolescente que comete ato infracional como um

criminoso, devendo ir para a cadeia ou algo pior. Os fatos são narrados com

intencionalidade de ignorar o contexto de violência que envolve menores. O discurso,

nesse caso, é visto como um momento da prática social que caminha ao lado de outros

momentos igualmente importantes e que também devem ser colocados na análise.

Ramalho e Resende (2006) ressaltam que os discursos constituem mostras historicamente

situadas que permitem entender a internalização de outras práticas nos discursos.

Observa-se, nesse contexto, a existência de uma relação dialética entre a

linguagem e a sociedade, em que o discurso traz consigo as representações de todas as

dimensões da estrutura social, molda e restringe as práticas sociais, possui normas

próprias e conversações, como também relações identidades, instituições que lhe são

subjacentes (FAIRCLOUGH, 2001, p. 91). Desse modo, os discursos que defendem a

construção de presídios como “solução” para a violência contrariam o que dispõem os

documentos SINASE (2006) e ECA (1990). Logo, há necessidade de se refletir sobre as

relações institucionais que geram ações desarticuladas do propósito de ressocializar esse

jovem e adolescente que comete ato infracional. Esta ação, segundo Freire (2014, p. 19),

implica a reflexividade que constitui a raiz da objetivação.

Assim, a reflexão sobre a história de vida desse sujeito, nas diversas dimensões

da sua vida social, informações que possibilitam o diagnóstico de uma possível exclusão

social, suas vivências, poderiam contrapor-se à ideia da prisão como solução da violência.

Concordo, assim, com Foucault (2013, p. 252), que a prisão não pode deixar de fabricar

99

delinquentes, visto que os detentos levam uma vida isolada nas celas, estão sujeitos às

limitações violentas e abusos.

Nesse contexto, a SEDUC/MT tem o papel de ofertar a escolarização para esses

adolescentes e jovens; para tanto, foi criada a EEMF, local de investigação e de análise

deste trabalho. A escola no organograma da SEDUC/MT faz parte de uma Unidade

Desconcentrada que está sob a responsabilidade da Secretaria Adjunta de Políticas

Educacionais/SAPE. Essa secretaria possui em sua estrutura quatro superintendências:

Superintendência de Gestão Técnica Escolar/SUGT; Superintendência da Educação

Básica/SUEB, com a Coordenadoria do Socioeducativo, até em 2014; Superintendência

de Formação dos Profissionais da Educação Básica/SUFP, responsável pelos 15 Centros

Formação dos Profissionais da Educação Básica/Cefapro, que faz a coordenação e o

acompanhamento do Projeto de Formação Continuada Sala de Educador. Essas

Superintendências executam ações que asseguram o funcionamento, cumprimento do

calendário escolar, execução do currículo, formação dos profissionais da escola,

orientações curriculares. Estas estruturas não oferecem integração interna dos setores da

SEUC/MT, o que pode colocar em risco o desenvolvimento da proposta político-

pedagógica da escola em consonância com as necessidades específicas do adolescente e

do jovem privado de liberdade.

A EEMF é a única unidade de ressocialização em que a escola está na mesma

dependência física do CSP; as demais unidades trabalham com salas anexas. Embora

possa contar com uma escola na sua estrutura interna, há um distanciamento entre a escola

que existe e a escola que se propõe. A estrutura física está comprometida, não oferece

condições favoráveis para a aprendizagem do aluno, o que pode dificultar a execução de

projetos e programas, pois os mesmos requerem estruturas devidamente organizadas para

realização das ações formativas, educacionais e culturais, como laboratório de

informática, auditório para apresentações culturais, espaço para qualificação profissional,

entre outras. Há necessidade de alinhavar ideias e propostas pedagógicas articuladas com

as políticas de ressocialização na realidade do CSP, no sentido de reintegrar esse

adolescente à vida social, oferecendo-lhe uma participação ativa em seu processo de

escolarização. Avançar na proposta de alfabetização, que visa atender as necessidades de

inclusão a partir da realidade, das dificuldades de aprendizagem, conduzindo-o para a

superação, é uma alternativa viável.

100

A incompletude das ações institucionais é percebida principalmente na dimensão

pedagógica da EEMF, porque nem todos os projetos são concluídos, ora por falta de

recursos, ora por falta de acompanhamento institucional. Também é notada a ausência de

ações sistematizadas que contemplem os objetivos da socioeducação, bem como práticas

que se refletem em ações descontextualizadas da vivência dos adolescentes, seja por falta

de estrutura física e ou recursos pedagógicos. Essa situação coloca em risco a

operacionalidade do planejamento escolar.

As equipes técnicas da SEDUC/MT, assim como a equipe gestora da

EEMF, e gestores do CSP, reconhecem que a escola é uma possibilidade, talvez a única,

para que esses sujeitos possam mudar de vida, desejar viver outra realidade. Assim, este

trabalho evidencia a escola na centralidade das ações de ressocialização. É preciso ainda,

buscar aproximação entre a SEDUC/MT e escola, com propostas interdisciplinares

articuladas com o Projeto Educar/Coordenadoria do Socioeducativo, Projeto Sala de

Educador. Tal integração fertiliza a construção de um planejamento educacional,

considerando o currículo e a formação dos profissionais a partir de temas transversais,

como questões de trabalho, família, projetos de vida, drogas, violência, entre outras.

Nesse contexto, a escola é o espaço identificado como protagonista das

ações ressocializadoras, apresentando uma proposta pedagógica compatível com a

realidade em que está inserida. Apesar de uma estrutura frágil, a ação pedagógica ganha

consistência pela habilidade dos gestores e equipe docente que atuam nesse contexto. São

anos de experiência e convivência nesse espaço, como se percebe no enunciado do diretor

da escola: “aqui somos a esperança que esses adolescentes têm de melhorar pelos

estudos; eles acreditam que a escola pode ajudá-los e nos esforçamos para atingir nossos

objetivos”.

Vale ressaltar aqui a opinião da coordenadora pedagógica:

os adolescentes têm uma relação de confiança com a escola; aqui somos

a sua família e os consideramos como jovens que precisam de toda

nossa dedicação para almejar um futuro melhor. A nossa relação não é

de julgamento sobre o que eles fizeram para estarem aqui; temos como

princípio o respeito aos valores humanos ( Coordenadora Pedagógica

EEMF, 2014).

Apesar de toda articulação e empenho da EEMF em cumprir a proposta pedagógica,

é notória a ausência de ações da SEDUC/MT e SEJUDH/MT. Algumas ações até dificultam

a efetivação do planejamento escolar, pois o que se constata é descontinuidade, burocracia,

101

falta de consistência dos programas e projetos. Esse círculo de descontinuidade das ações

institucionais compromete a execução socioeducativas e escolares.

Outra questão a considerar está em aproveitar o interesse demonstrado pelo

adolescente em relação à escola, por ser um lugar que o agrada; é acolhido pela equipe

gestora e pelos professores. A escola sempre enfrentou desafios, contudo, vem adotando

práticas de acolhimento, buscando, assim, juntamente com os alunos, estabelecer diálogos

sobre trajetórias e perspectivas de novos rumos para a sua vida. Esse fato foi verificado na

participação dos adolescentes na 11ª Olímpiada Brasileira de Ciências da Matemática das

Escolas Públicas, competição em que 07 (sete) jovens foram aprovados para a segunda

etapa da prova.

Os adolescentes que participaram da referida olímpiada sentiram-se animados

pela conquista dos resultados positivos e ressurgiram novas esperanças e desejos de

investir em novos caminhos, assumir novos papéis, reconstruir sua história. Segundo

Freire (2014, p, 20), o homem se redescobre, mesmo a consciência ingênua acaba por

despertar criticamente, para identificar-se como personagem que se ignorava e é chamado

a assumir seu papel.

A escola vem construindo essas trajetórias, considerando suas necessidades e

intencionalidades, percursos que Fairclough (2001, p. 120) identifica como ajuda, no

sentido de provocar as pessoas a perceberem suas práticas, que não se reduzem ao meio

social no qual estão inseridas. Assim, é preciso a vontade de mudar, porém não basta

somente a intenção da mudança, mas a luta efetiva por ela. Essa situação demanda a

necessidade de integração dos adolescentes e jovens com o meio social, através de

parcerias, sistema de semiliberdade, envolvendo-os em projetos culturais e outros,

possibilitando, assim, uma diminuição do isolamento, aproximando-o mais da família e

da comunidade.

Essa integração requer diálogos constantes, participação ativa dos envolvidos no

processo, comprometimento de todos – SEDUC/MT e SEJUDH/MT. O que foi verificado

como um contexto emergente da realidade prisional, por mais que se negue, é um espaço

de constante vigilância; ali, o comportamento disciplinar tem visibilidade de um ato de

“ressocialização”. É evidente e preocupante que a rotina instaurada ou imposta no sistema

socioeducativo tenha base nas normas do sistema prisional, contrariando propostas de

unidades institucionais com fim ressocializador. Para Foucault (2013, p. 144), essa

102

engrenagem visa ao controle, à dominação e opressão, isto é, propõe, no interior da

instituição, estabelecer censuras, cumprir atividades, rigor nos tempos, impor disciplina.

O poder disciplinar e situacional que corresponde a uma individualidade, para

Foucault (2013), é um exercício que supõe um dispositivo normatizado pelo jogo do

olhar, um aparelho em que as técnicas permitem ver que induzam a efeitos de poder e que

os meios de correção tornem claramente visíveis aqueles sobre quem se aplicam.

A vigilância é outro importante fator no tratamento dos socioeducadores e

policiais em relação aos adolescentes e jovens, sujeitos deste estudo. As técnicas

utilizadas para a vigilância e contenção fazem parte da formação dos socioeducadores.

Recorrendo a Foucault (2013, p. 169), nas questões abordadas sobre as pequenas técnicas

de vigilâncias, os olhares que devem ver sem ser vistos, luminosidade e outras, vêm sendo

utilizados pelos socioeducadores. Segundo o autor (2013, p, 171), as disciplinas

estabelecem uma “infrapenalidade”, que qualifica e reprime um conjunto de

comportamentos que escapava aos grandes sistemas de castigo, por sua relativa

indiferença.

Assumir tais características de “justiceiro” permite identificar situações e

selecionar ações em que os socioeducadores, em nome da disciplina, oprimem e

violentam os direitos do adolescente e do jovem que cumprem medidas socioeducativas,

uma prática considerada por Michel Foucault (2013, p. 172) como uma maneira explícita

de punir, representando um modelo reduzido do tribunal. O castigo disciplinar nesse

contexto tem a função de reduzir os desvios, vistos como um ato essencialmente corretivo.

São reproduções do modelo judiciário.

Enfim, a disciplina é um imperativo com dever de fazer funcionar uma prisão,

desencadeando as relações de poder na própria trama da multiciplicidade, da maneira

mais discreta possível e articulada. O diálogo adquire sentidos quando os envolvidos

propõem a reflexão e tomadas de decisão sobre a necessária e urgente transformação do

cenário em que se insere a EEMF. Apoiada em Paulo Freire ( 2014 p. 109), acredito que

este diálogo deva ser: “o encontro de homens, mediatizados pelo mundo, para pronunciá-

lo, não se esgota, portanto na relação eu-tu”.

A filosofia pautada no realismo crítico de Bhaskar (1998) assegura que a

ciência deve estar a serviço da transformação da realidade. Segundo o autor, a realidade

que se apresenta nessas instituições não é facilmente observável. É “algo que está abaixo

103

da superfície”. Nesse sentido, é preciso aprofundar-se nas questões sociais para visualizar

camadas mais profundas, para que a realidade social possa ser transformada. É preciso

desnaturalizar crenças que servem de suporte a estruturas de dominação, a fim de favorecer

sua desarticulação.

Ativar mecanismos de transformação dessa realidade exige do pesquisador um olhar

mais apurado das estruturas organizacionais. Barros (2008) alerta que é preciso penetrar na

raiz dos problemas sociais, com suas estruturas, mecanismos e poder, visualizando, assim,

uma critica explanatória5 que possa gerar argumentos críticos a favor da transformação

social. No entanto, a reflexão que traz a filosofia do realismo crítico não permite um olhar

complacente; ela nos faz refletir e nos tira de um lugar comum; dela, nasce um querer que

exige transformação do inaceitável, ou seja, aceitar que o CSP deixe de ser prisão para se

transformar, de fato e de direito, em um espaço ressocializador.

A reflexão crítica aqui implementada evidencia urgência de uma postura

política eficaz e com coragem para superar a burocracia e assegurar o reconhecimento dos

direitos e a necessidade da atuação compatível com as ações ressocializadoras e

educacionais.

Na sequência, apresento as considerações finais propiciadas por esta pesquisa.

5 Crítica Explanatória: conceito usado para enfatizar a estreita conexão lógica entre algumas formas de

explicação do social e adoção de um ponto de vista em relação ao fenômeno explicado.

104

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa teve como objetivo compreender o modo como estão estabelecidas

as articulações entre as Secretarias de Estado de Educação (SEDUC/MT) e de Justiça e

Direitos Humanos (SEJUDH/MT), na organização, planejamento e gestão da Escola

Estadual Meninos do Futuro, de Cuiabá/MT, uma vez que as três instituições estão

intimamente relacionadas, com a Escola Estadual sendo mantida pela SEDUC/MT e

integrando o Centro Socioeducativo Pomeri, congregando as unidades masculina e

feminina de execução da Medida de Internação e da Medida de Internação Provisória,

sob responsabilidade e manutenção da SEJUDH/MT.

A seguir, passo a responder as minhas perguntas de pesquisa:

1 - De que maneira ocorrem as relações da SEDUC/MT com a SEJUDH/MT,

na organização, planejamento e gestão da Escola Estadual Meninos do Futuro de

Cuiabá/MT?

A realização deste trabalho evidenciou a falta de integração institucional na

organização, planejamento e gestão escolar. Nos enunciados dos atores sociais, a falta de

integração institucional acontece no nível técnico-burocrático, o que impossibilita a

necessária integração entre as atividades socioeducativas e escolares. Parece que as

autoridades veem os adolescentes ora como delinquentes que não têm chance de

ressocilizar-se, ora como adolescentes que necessitam das bênçãos do assistencialismo.

Esse cenário se evidencia nas ações observadas no Centro. É indispensável sensibilizar

os gestores quanto à necessidade de compreender que jovens e adolescentes estão em

pleno desenvolvimento humano e que a privação de liberdade e o isolamento, sem que

haja a promoção do convívio social, com a família, escola, projetos, comunidade

poderão, seguramente, coloca em risco toda e qualquer forma de sucesso na sua reinserção

social.

Ao analisar os elementos léxico-gramaticais dos atores sociais que representam a

SEJUDH e a SEDUC, identifiquei as representações que se materializam nas frases

“gostaria que esses meninos assistissem ao filme.”, “não temos estrutura...”, “Os

socioeducadores dizem que a escola fica passando a mão na beça desse adolescente.”

Esse contexto evidencia a fragmentação das ações, bem como o equívoco de alguns atores

sociais na elaboração e efetivação da proposta pedagógica. Essa forma de agir fortalece

o caráter de improvisação nas ações que envolvem jovens e adolescentes privados de

105

liberdade, tais como planejar uma ida ao cinema, dar uma volta no shopping, ficar na

quadra jogando bola sem privilegiar a técnica das regras esportivas que poderiam auxiliar

o adolescente a refletir sobre o respeito ao outro, a parceira etc.

2- Como a SEDUC/MT percebe a Escola Estadual “Meninos do Futuro” e como se

organiza no atendimento às demandas de alunos existentes?

A SEDUC/MT reconhece a necessidade da escola no espaço socioeducativo, pois

esta representa o acesso inquestionável ao direito do adolescente à formação escolar; para

tanto, disponibiliza em seu quadro equipe gestora, professores devidamente habilitados

por área de conhecimento e funcionários/técnicos e apoio. Apoia e incentiva os projetos

e programas educacionais, oferece formação continuada, cumpre com as

responsabilidades administrativas, gestora e orçamentária. Criou a Coordenadoria

Socioeducativa, com objetivo de integrar as ações educacionais e socioeducativas. No

entanto, as ações são delineadas no contexto que abrange toda a rede estadual de ensino.

Creio que, pela distância entre o órgão central e a realidade da escola, a Secretaria

de Educação desconheça a realidade e a diversidade de jovens e adolescentes que estudam

na EEMF. Mesmo a coordenadoria socioeducativa, talvez por estar em processo de

construção, ainda não conseguiu transpor as barreiras naturais daquele espaço e avançar

em uma proposta inovadora, reunindo ações concretas que evidenciassem o atendimento

à demanda de alunos que cumprem medidas socioeducativas.

3- Que estruturas são necessárias para assegurar a política de atendimento ao jovem

privado de liberdade?

As estruturas necessárias para assegurar a política de atendimento ao jovem

devem atender o que determinam os preceitos legais constantes na Constituição Federal

(BRASIL, 1988), ECA (BRASIL, 1990), LDB 9.394/1996 (BRASIL, 1996), SINASE

(BRASIL, 2006). Percebemos, na análise, que as estruturas não são conectadas ao projeto

maior; são fragmentos do todo, independentes, e isso pode ser um dos fatores que

apontam o fracasso da ação ressocializadora. Devido ao pouco tempo para conhecer as

camadas mais profundas dessas estruturas, destaco dois aspectos que na minha análise

sobressaíram:

106

• Estrutura organizacional: A proposta organizacional das instituições SEDUC/MT e

SEJUDH/MT apresenta compatibilidade com as diretrizes e normas que regulamentam

o atendimento educacional e socioeducativo, porém se distanciam dos documentos na

efetivação das ações no CSP, devido a inúmeros fatores. Dentre eles, ressalto a

disparidade entre o que se estabelece como políticas sociais e a realidade do sistema

socioeducativo, no qual as estrutura são incapazes de dar conta de tanta diversidade.

• Estrutura Física: Desponta como fator de precariedade de atendimento aos adolescentes

que comentem atos infracionais. Com relação à escola, até meados do ano de 2012,

tinha estrutura física que atendia aos requisitos básicos de funcionamento. Hoje, se

compõe de quatro salas de aula, onde o improviso impera entre uma atividade e outra.

Com essa estrutura, a equipe gestora e professores não têm espaço para realizar

atividades formativas de gestão, orientação e planejamento. As salas são abafadas, com

móveis improvisados e obsoletos, o que torna impossível a realização de atividades que

requerem a formação pedagógica como uma continuação de sua prática. Tem ainda

uma quadra coberta e uma piscina, construídas pela SEDUC/MT, assim como duas

salas de aula, recursos usados especialmente pelo Projeto Mais Educação.

O CSP apresenta uma estrutura física incompreensível, distante da arquitetura que

se espera de uma instituição ressocializadora. É composto por “casas” distantes que

servem a diferentes instâncias: juizado, superintendência, direção, entre outros. As alas,

divisão para separar os adolescentes, possuem quartos/celas, que, muitas vezes, servem

como salas de aula. A estrutura física da EEMF e do CSP apresenta necessidade urgente

de reforma. E isso é de conhecimento das instituições e do estado.

A seguir, apontamos alguns entraves que dificultam o entrelaçamento na

efetivação das ações institucionais:

a) Falta de diálogo: Na construção das políticas direcionadas ao atendimento

do socioeducativo, há uma singularidade nas ações. A SEDUC constrói suas ações com

olhar especificamente voltado para o currículo; nos aspectos interdisciplinares acontece

a junção dentro das áreas de conhecimento (planejamento), o que não se observa na

prática. Há boa vontade dos docentes, isso pode ser percebido através de efetiva

participação no projeto Sala de Educador. Já o diálogo com a SEJUDH, na busca do

planejamento multidisciplinar, não acontece. São percebidas como instituições distintas

e cada uma defende seu espaço de atuação de forma singular.

107

b) Gestão participativa: A SEDUC e SEJUDH não se reconhecem como

instituições que mantêm diálogo sobre o atendimento socioeducativo. No entanto,

parecem reconhecer a importância da gestão participativa, conforme seminários e fala dos

gestores e consultores das referidas instituições. A integração deve ser uma das metas a

ser perseguida, a fim de estabelecer ações conjuntas que permitam ocorrer ao mesmo

tempo a aprendizagem e a socialização em um espaço que compartilha unidade

socioeducadora e escola.

c) Integração das ações socioeducativas e aprendizagem: A proposição de

ações socioeducativas e de aprendizagem parece ser repetitiva, mas necessária, pois a

integração das atividades realizadas pelos professores e o acompanhamento dos

socioeducadores nas atividades cotidianas devem ser efetivados, visando à efetivação da

ressocialização dos adolescentes. A realização das ações pontuais, ora por parte da escola,

ora por parte do centro, evidência a ineficiência e fracasso de projetos, por causa da

descontinuidade e, especialmente, pela falta de integração nesse espaço.

d) Planejamento multidisciplinar: O CSP e a EEMF apresentam em seus

quadros profissionais devidamente habilitados nas áreas de saúde, psicologia, jurídica,

administrativa, gestora, pedagogia, área do conhecimento conjunto das disciplinas que

compõem o currículo escolar ; no entanto, não há uma articulação no planejamento das

atividades direcionadas ao atendimento das necessidades formativas escolares e

socioeducativas. O que se propõe é otimização coletiva das atividades, oportunizando aos

adolescentes o desenvolvimento de suas habilidades, motivados por um currículo que

permita a eficiência das ações ressocializadoras. Talvez, o local de privação possa ser a

primeira oportunidade que o adolescente tenha para frequentar uma escola, participar de

projetos e programas sociais, após passar por um longo caminho de exclusão social.

Muitos adolescentes chegam àquele local não alfabetizados, daí a importância do

conhecimento multidisciplinar, que poderia ajudar a orientar o planejamento escolar

formativo da aprendizagem do adolescente e assim possibilitar a efetivação do caminho

ressocializador e formativo.

e) Natureza das instituições: A natureza institucional é reconhecida como

necessária, pois atendem especificidades distintas. O que chama a atenção, neste caso, é

que todas as ações da SEDUC e da SEJUDH priorizam o desenvolvimento integral do

108

adolescente privado de liberdade. Isso, entretanto, não se vê efetivado na prática que se

diz ressocializadora. O que acontece? Na execução das ações há uma intencionalidade

efetiva em não “misturar” as coisas. Enquanto houver uma postura cautelar das

instituições em não integrar as ações, não só no planejamento, mas na efetivação das

atividades, a tão desejada e necessária integração não acontecerá. Sem a articulação na

efetivação das ações de ensino aprendizagem, formação profissional e ressocializadora,

não haverá a diminuição do isolamento do adolescente privado de liberdade nos muros

do CSP, realidade que efetiva sua exclusão e desumanização após a conclusão de sua

pena. A falência institucional se constata na reincidência dos atos infracionais. Apesar

da estrutura, dos recursos financeiros apresentados como ações que garantem a aplicação

no sistema socioeducativo, é evidente a distância entre o que se planeja e o que se

executa.

A integração deve ser o caminho para alcançar o objetivo ressocializador.

Entender, dialogar, ouvir, participar, promover ações de participação e não de

representação são ações que podem ser eficazes no cenário socioeducativo, conforme a

figura ilustrada a seguir.

Circularidade das ações Institucionais para uma melhor integração

Este estudo teve algumas limitações,

dentre as quais destaco:

SEDUC

Escola Estadual Meninos do

Futuro

Porjeto Integrador/

Muldisciplinar

Centro Socioeducativo

Pomeri

SEJUDH

109

• 2014: Ano de Eleição. Foi um período de transição por ser um ano de eleição e

finalização e mudança de governo. Por essa razão, muitos gestores, por estarem

encerrando seus mandatos e pela falta de agenda, indicaram outros gestores na

linha hierárquica que poderiam abordar melhor sobre o tema da pesquisa.

• Acesso às dependências do centro. A alegação de rebeliões, transferência de

unidade, incidentes, greve dos socioeducadores apresentaram-se como fatores

para restringir a entrada nesse espaço. Apesar do apoio irrestrito da gestão a todos

os eventos propostos, adentrar no espaço socioeducativo é sempre desafiador.

Passei muitos momentos de aflição e nervosismo, uma vez que não se trata de um

ambiente ressocializador e, sim, de prisão.

• Segurança emocional. Esse fator de autocontrole é indispensável para não se sentir

tão afetado pelos gestos, atitudes e tratamento dos socioeducadores em relação

aos adolescentes. Confesso que ao, iniciar a pesquisa, me senti extremamente

fragilizada, me vi envolta em sentimentos que independiam do meu querer em não

ceder à emoção. Com a orientação recebida, consegui superar alguns obstáculos

emocionais para dar continuidade à pesquisa.

Existem pontos da análise que merecem ser aprofundados, dentre os quais destaco

o orçamento destinado ao sistema socioeducativo, que abrange os entes federados

e ganha especificidades na política social de ressocialização de jovens e

adolescentes. Afinal, quanto custa manter um adolescente no sistema

socioeducativo? O que justifica o fracasso das ações ressocializadoras?

Constatei uma realidade oculta aos olhos dos gestores institucionais e que em

muito destoa dos projetos e programas constantes nos documentos oficiais que se

encontram engavetados, inertes frente a uma desesperada realidade que aflige a todos,

educadores, socioeducadores, e em especial jovens adolescentes que cumprem medidas

socioeducativas, pois são vitimados pela inoperância do sistema.

As relações organizacionais e, consequentemente, o planejamento das ações

socioeducativas e educacionais se apresentam de forma distintas. A SEDUC/MT tem o

seu corpo técnico formado por profissionais de diferentes áreas/disciplinas e

superintendências distintas que realizam ações específicas, as quais não se integram para

a realização de ações mais abrangentes, como exige o atendimento aos adolescentes

privados de liberdade. Como exemplo, na Superintendência de Formação - SUFP,

diretamente responsável pela formação continuada dos profissionais da educação, via

Sala de Educador, não há integração entre os setores que deveriam compreender a

110

construção do PPP, Portarias, acompanhamento das ações socioeducativas etc. Essa

realidade também está presente na ação da SEJUDH/MT, onde existe um plano gestor

que não dialoga com os inúmeros profissionais que atuam no contexto socioeducativo.

Tais divisões fragmentam a construção de um planejamento multidisciplinar.

Ao concluir este estudo, aponto, aqui, algumas sugestões que julgo ser relevantes

para um melhor desempenho das atividades da Escola, quais sejam:

• Reestruturação física do prédio do socioeducativo e da escola, com o objetivo de

assegurar os requisitos de segurança, saúde, desenvolvimento pedagógico,

conforme estabelece o ECA (BRASIL, 1990).

• Reformulação do Projeto Político Pedagógico multidisciplinar, pautado no

Projeto Educar, entre outros, quanto a diagnóstico, elaboração, desenvolvimento

e avaliação.

• Promoção da formação continuada dos socioeducadores, com foco no

conhecimento da realidade do CSP, incluindo o conhecimento do ECA, SINASE,

Projetos e Programas voltados ao desenvolvimento humano do jovem e

adolescente.

• Implementação da formação continuada dos docentes, em consonância com a

realidade em que a escola se insere, em observância às peculiaridades da Escola

Meninos do Futuro.

Vale ressaltar, finalmente, que no ano de 2016 me integrarei ao grupo de Direitos

Humanos, do qual fui convidada a participar. Esse grupo tem como objetivo acompanhar

e promover ações voltadas ao Sistema Socioeducativo. As reuniões acontecerão na

Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso. Essa nova ação contribuirá para que

novos horizontes sejam descortinados.

Novos caminhos ainda merecem ser percorridos e novos questionamentos surgem:

Como foi construído o PPP da Escola? A construção desse documento ocorreu de forma

coletiva? O PPP está em consonância com as diretrizes da SEDUC/MT e da

SEJUDH/MT? As ações previstas atendem, de fato, aos objetivos, metas e diagnóstico?

O que se espera dessas ações? Como essas atividades ajudam no desenvolvimento desses

jovens?

São essas inquietações que pretendo investigar no futuro.

111

REFERÊNCIAS

ÂNGELO, A. M. Título Gêneros Discursivos e Construção Identitária em Língua

Portuguesa. 2006. 125 f. Dissertação (Mestrado em Linguística) - Instituto de Letras,

Universidade de Brasília, Brasília. 2006.

ASSUNÇÃO R. A. A ideologia na legislação da educação inclusiva. 2007. 125 f..

Dissertação (Mestrado em Linguística Aplicada) - Instituto de Letras, Universidade de

Brasília, Brasília. 2007.

BANDEIRA, M. Atos infracionais e medidas socioeducativas: uma leitura dogmática,

crítica e constitucional. Ilhéus, BA: Editora da UESC, 2006.

BAHSKAR, R. Uma Teoria Realística da Ciência. Trad. Rodrigo Leitão, Niterói, RJ: Uf,

2000.

BHASKAR, R. Critical Realism. Essential Reeadings. In: ARCHER, M.; BHASKAR, R;

COLLIER, A.; LAWSON,T.; NORRIE, A. Centre For Critical Realim. London:

Routledge, 1998.

BHASKAR, R. From Science to Emancipation. Alienation and the Actuality of

Enlienation. Sage Publications. New Delhi/London, 2002.

BARONAS, R. L. e COX, M. I. P.(Org.). Estudos do Discurso de /em Mato Grosso.

Cuiabá, MT: Edufmt, 2014.

BARRETO, V. Paulo Freire para educadores. São Paulo, SP: Editora Arte e Ciência,

2003.

BARROS, S. M. Realismo Crítico e Emancipação Humana – Contribuições ontológicas

e epistemológicas para estudos críticos do discurso. Campinas, SP: Editora Pontes, 2015.

______. Análise Crítica do Discurso e Realismo Crítico: reflexões metodológicas.

Linguasagem, São Carlos, 16ª Edição. Disponível em www.letrasufscar.br/linguagem.

Acesso em: 04 abr. 2015

BRASIL. Estatuto da criança e do adolescente. Lei Nº. 8.069, de 13 de julho de 1990.

Brasília, DF. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069.htm .

Acesso em: 04 abr. 2015

______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei número 9394, 20 de

dezembro de 1996. Brasília, DF. Disponível em

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm. Acesso em: 04 abr. 2015

CALDEIRA, E. Representação de Atores Sociais: Discurso de Reforço e

Enfraquecimento na Constituição Discursiva de Identidades éticas. III Simpósio Nacional

Discurso Identidade e Sociedade – Dilemas e Desafios na Contemporaneidade, 2006.

CHIZZOTTI, A. Pesquisa em Ciências Humanas e Sociais. 8. ed. São Paulo, SP: Cortez

Editora, 2006.

COSTA, D.B. Charges Eletrônicas das Eleições. 2007. 178 f. Dissertação (Mestrado em

Linguística) - Aplicada 2006, Instituto de Letras, Universidade de Brasília, Brasília.

2007.

112

FAIRCLOUGH, N. Discurso e mudança social. Trad. Izabel Magalhães, Brasília, DF:

Editora Universidade de Brasília, 2001[1992].

______. Language and power. London: Longman

______. Media discourse.; Nova Iorque; Edward Arnold; 1995

______. Analysing discourse. Routledge: Taylor e Francis Group. London and New

York, 2003

______. Discurso, mudança e hegemonia. In: PEDRO, Emília Ribeiro. (Org.). Análise

Crítica do Discurso: Uma Perspectiva Sociopolítica e Funcional. Lisboa: Caminho, 1997.

(Coleção Universitária série LINGUÍSTICA).

FAICLOUGH, N.; WODAK, R. T. A. Critical discourse analysis. In: Van DIJK, T. (ed.).

Discourse Studies. A Multidisciplinary Introduction, v.2 Discouse as Social Interaction.

London: Sage, 1997.

FOUCAULT, M. Vigiar e Punir. História de violência nas prisões. São Paulo, SP: Editora

Vozes, 2014.

FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária,

1987.

FUZER, C. Formas de Representação de Atores Sociais no Contexto Jurídico. The

ESPecialist, Santa Maria, RS, v. 31, nº 1, p. 21-47, 2010.

FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia – Saberes necessários à prática educativa. 36. ed.

Rio de Janeiro, RJ: Editora Paz e Terra, 2007.

FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro, RJ: Editora Paz e Terra, 2014.

GADELHA, S.de S. Subjetividade e menor–idade. São Paulo, SP: Ed. Annablume,1998.

GIL, A. C. Método e Técnicas de Pesquisa Social. 5. ed. São Paulo, SP: Editora Atlas,

1999.

______. Paulo Freire Para Educadores. 5. ed. São Paulo, SP: Ed. Arte e Ciência, 2003.

HAGUETTE, T.M. F. Metodologias Qualitativas na Sociologia. 10. ed. Petrópolis, RJ:

Editora Vozes, 2005.

MAGALHÃES C. (Org.) Reflexão sobre a análise crítica do discurso. FALE-UFMG -

Belo Horizonte. Pelotas, RS, Estudos Linguísticos: Volume 2. Programa de Pós

Graduação em Letras, 2001

MIRANDA. K. A. da S. N. Adolescentes e Jovens em situação de vulnerabilidade social:

Um estudo crítico das representações de atores sociais. 2014,148 f. Dissertação (Mestrado

em Estudos de Linguagem) - Instituto de Linguagens, Universidade Federal de Mato

Grosso, Cuiabá, 2014.

OLIVEIRA, A.C.V. A Identidade Cigana na Modernidade Tardia: Construções

Fragmentadas. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Instituto de Letras, Universidade

de Brasília, Brasília. 2013

PAPA, S. M. de B.I. A prática emancipatória: o professor reflexivo em processos de

mudança. São Carlos, SP: Pedro & João Editoras, 2008.

PEREIRA, F. H.; V. M. RESENDE. (Org.) – Práticas Socioculturais e Discurso. Debates

Transdisciplinares. Universidade de Beira Interior. Covilhã, Portugal: Livros LabCam,

2010.

113

RONDÔNIA. Ministério Público. Manual de Orientação para Programa de

Atendimento ao Adolescente Privado de Liberdade. - SOCIOEDUCAR. Porto Velho.

2012

RESENDE, V. M.; RAMALHO, V. Análise do discurso crítica. São Paulo: Contexto,

2006.

SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCAÇÃO (SEDUC). Projeto Político Pedagógico-

PPP- Escola Estadual Meninos do Futuro- Cuiabá – 2014.

SILVA, D. E. G. A pobreza no contexto brasileiro da exclusão econômica e social: a

ruptura familiar – Universidade de Brasília. Discurso e Sociedade, Brasília, n. 2, p. 265-

296, 2008.

SILVA, M. C. - Representação de Atores Sociais no Discurso Político Eleitoral. 2002.

95 f. Dissertação (Mestrado em Linguística Aplicada) - Escola da Educação- Linguística

Aplicada, Universidade Católica de Pelotas. 2002

SINASE- Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo/Secretaria Especial dos

Direitos Humanos- Brasília- DF: CONANDA, 2006. Disponível em http://www1.direitos

humanos.gov.br/sedh.spdca/sinase_integra1. Acesso em: 10 mar. 2015.

SOUZA, R. de; LIRA,V.B.de. Caminhos para a municipalização do atendimento

socioeducativo em meio aberto: liberdade assistida e prestação de serviço à comunidade.

Rio de Janeiro: IBAM/DES; Brasília: SPDCA/SEDH, 2008.

SOUZA, R. Caminhos para a municipalização do atendimento socioeducativo em meio

aberto: liberdade assistida e prestação de serviços à comunidade. Rio de Janeiro, RJ:

IBAM/DES; Brasília: SPDCA/SEDH, 2008.

THOMPSON, JOHN B. Ideologia e cultura moderna: teoria sócio-crítica na era dos

meios de comunicação de massa. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.

TRIVIÑOS, A.N.S. Introdução à pesquisa em Ciências Sociais. A pesquisa qualitativa

em educação. São Paulo, SP: Editora Atlas,2006.

VAN LEEUWEN, T. Discourse and Pratice – New Tools For Critical Discourse Analysis

– Oxford Sudies In Sociolinguistics. Oxford, University Press, 2008.

VAN LEEUWEN, T. A representação dos actores sociais. In: PEDRO, E. (Org.). Análise

Crítica do Discurso: uma perspectiva sociopolítica e funcional. Lisboa: Caminho, 1997.

(Coleção Universitária série LINGUÍSTICA).

VOLPI, M. Sem liberdade, sem direitos: a experiência de privação de liberdade na

percepção dos adolescentes em conflito com a lei. São Paulo, SP: Cortez, 2001.

______. (Org.) O adolescente e o ato Infracional. 4. ed. São Paulo, SP: Cortez, 2002

______. (Org.). Adolescentes privados de liberdade: a normativa nacional e intencional

& reflexões acerca da responsabilidade penal. FONACRIAD. 3. ed. São Paulo, SP:

Cortez, 2006.

WODAK, RUTH. “Círculos Específicos” e discurso anti-semita: a construção do discurso

do “Outro”. In: PEDRO, Emília Ribeiro. (Org.). Análise Crítica do Discurso: Uma

Perspectiva Sociopolítica e Funcional. Lisboa: Caminho, 1997. (Coleção Universitária

série LINGUÍSTICA).

114

ANEXOS:

115

ENTREVISTAS – PARTICIPANTES DA PESQUISA

Alfredo

A SEJUDH é a instituição mantenedora do Centro Socioeducativo Pomeri- Cuiabá, como

são planejadas as ações de atendimento aos adolescentes privados de liberdade?

Todas as ações estão em conformidade com o ECA e SINASE seguimos o que esta

determinado pela SEJUDH. Tem pouco tempo que estou aqui, mas observo muito e não

paro um instante, procuro me aproximar dos meninos. Temos muito trabalho e estou

buscando parcerias para atender melhor esses adolescentes, oferecendo cursos, atividades

culturais e religiosas.

O que representa a EEMF no CSP?

Ferramenta imprescindível para melhorar a relação entre os agentes- socioeducadores e

os adolescentes percebe? Já a escola recebe os adolescentes e não tem um segurança

(socioeducador) dentro da sala, é só o professor e 08 a 10 alunos, e eles não se rebelam.

Por quê? É isso que pretendemos descobrir, porque ele tem uma relação com os

professores e outra com os agentes (socioeducadores). Precisamos melhorar essa relação,

para não propagar esse clima de conflito.

Como agem os socioeducadores no CSP e a relação com os adolescentes?

Os agentes não entendem o trabalho dos professores, eles dizem que os professores

passam a mão na cabeça dos adolescentes. Percebo isso, eles reclamam da escola. Eu

entendo, pois os agentes não tem formação voltada para atuar no socioeducativo, eles só

aprenderam sobre repressão/contenção. Precisamos fazer alguma coisa.

O que o senhor pensa sobre a formação dos agentes?

Em relação à proposta de formação de agentes, é extremamente importante, é oferecida

de graça, eles (agentes), precisam participar aprender a lidar com esses adolescentes de

forma tranquila, pois é visível como eles incitam os meninos para brigar. Eles dizem que

a escola “passa a mão na cabeça do adolescente” que aceita tudo o que eles fazem... Eu

vi. Estava observando, vi oito meninos com um professor enquanto acontecia uma

rebelião no pavilhão, se esses meninos estivessem com agentes todos se rebelariam,

precisamos melhorar a instituição se pudermos trabalhar juntos melhor.

Além da formação dos agentes, o que o senhor pensa em fazer para melhorar a relação

entre a EEMF e o CSP?

Esse, dia assisti o filme “Deus não está morto”. Esses meninos não saia da minha cabeça,

se levar um (para assistir o filme), só um, já seria um sucesso, poderíamos leva-los,.... é

difícil, poderíamos passar o filme aqui ou no ministério público... podemos trazer a

família... seria uma forma de sensibilizar o pessoal. Penso em ações para melhorar a

relação, através da cultura, esporte, momentos de aproximação da família.

A SEJUDH apoia essa ação?

Com toda certeza o Secretário (Sejudh), o Superintendente, a juíza, seria um momento

de lazer de conhecimento e cultura né?, poderia ser promovido pela escola, né? É um

filme excelente, traz Deus para o nosso convívio.

116

Quais atividades são planejadas para os adolescentes que cumprem medidas

socioeducativas?

Além das aulas, eles participam de projetos... o horário que mais acontece confusões é

das 17h30min às 19h30min, os meninos pediriam atividade nesse horário, os agentes

disseram que não ia dar certo, eu pedi... implantei no horário noturno um culto de louvor

com música, violão, já iniciei, os meninos gostam e se acalmam, é a palavra de Deus. Só

que os agentes já estão colocando barreira, pois dizem ser perigoso. O culto acontece

somente para a internação, eu pretendo levar adiante, é preferível eles ficarem com essa

atividade do que ficar brigando.

Os projetos formativos e socioeducativos, elaborados pela Seduc e Sejudh são efetivados

neste espaço?

A Sejudh trabalha, muito para que isso aconteça. No entanto temos algumas dificuldades,

estrutura física deficitárias, agentes socioeducativos que não interagem com a proposta,

falta formação dos agentes e a aproximação entre o CSP e a EEMF, pois são distantes.

Recebemos jovens do estado, eles chegam aqui e não sabem o que fazer o que espera

desse lugar. Muitos chegam com graves problemas de violência, alguns precisam ser

colocados em unidades separadas, e outros problemas, a diversidade existe e precisamos

entender melhor esse complexo de atendimento. Os meninos acreditam no meu trabalho,

confiam em mim, agora mesmo estou vindo de uma unidade e eles me entregaram esse

chucho (arma branca construída pelos adolescentes), esse é um sinal de confiança que

eles têm em mim.

Izabel

Qual o seu cargo e quais são as suas atribuições no CSP?

Sou gerente da unidade de internação masculina, sou responsável pelo recebimento dos

adolescentes após passar pela triagem, atuo na segurança e disciplina desses meninos

nesse espaço, estão sob meu comando os agentes socioeducadores da unidade masculina.

Em relação à EEMF, como é realizado o trabalho entre os socioeducadores, professores

e equipe gestora da escola?

Nosso trabalho é conduzir o adolescente da unidade de internação até a sala de aula, lá

ficamos do lado de fora para qualquer emergência que possa acontecer, né, agente nunca

sabe o que esses meninos podem aprontar.

O que eles podem “aprontar”?

Ahhhh, pode se rebelar pegar alguém como refém, e assim exigir várias coisas...

Coisas?

Sim eles pedem revisão de processo, melhor alimentação, colchão, participar de

atividades.. eles querem muitas coisas, se deixar... temos que ter vigília constante aqui é

fogo... sempre tem umas reviravoltas, quando pensa que esta tudo calmo surge uma

rebelião, é muito perigoso.

Quando surge uma situação de conflito qual o procedimento dentro do CSP?

Somos treinados para conter e fazer com que eles retornem as unidades, mas algumas

situações sempre ficam muito graves.

Fale sobre a formação oferecida pela SEJUDH.

117

Tivemos uma este ano um treinamento sobre defesa pessoal, como conter os meninos,

como reagir á situação de conflito de rebelião, achei que foi bom.

Vocês participam ou já participaram de alguma atividade formativa com a escola.

Não, nunca participamos.

Se for oferecido você participaria? Os socioeducadores participariam?

Sim, quer dizer depende o que vai ser apresentado se tem haver com o meu trabalho e

com o trabalho de segurança dos agentes, teríamos que ver a proposta. A escola poderia

propor ao CSP ações/projetos, isso poderia motivar agentes para participar, refletir sobre

a educação e as ações do socioeducativo.

Como é a rotina dos adolescentes no CSP?

Como assim?

Gostaria de saber como é dia a dia desses adolescentes, sobre atividades que

desenvolvem?

Ahhh sim... eles acordam por volta das 7:0h, tomam café, acompanhados pelos

socioeducadores são conduzidos até as salas de aula, participam de projetos da escola, do

projeto mais educação, almoçam, alguns são impedidos de participar de algumas

atividades por indisciplina, após as atividades da tarde eles são recolhidos na unidade,

tomam banho, jantam e depois, de uma ou outra atividade são recolhidos nas unidades.

Como você avalia seu trabalho no CSP? Recebem apoio da SEJUDH?

Olha... procuro fazer o meu trabalho, gostaria de fazer mais...assim como esse projeto

(aqui a gerente apresenta um projeto) é um projeto que vai ajudar os meninos a ter

profissão ou pelo menos ajudar para eles ao sair daqui ele queira trabalhar e não cometer

crime. Gostaria de ter mais apoio, mais estrutura. Por exemplo, levar os meninos para um

passeio cultural no SESI Arsenal, mas precisa de carro de um ônibus não tem, tem que

ter um número de agente, eu tenho vontade de fazer muito mais. Mas precisa ter

condições, né?

O que você sugere para melhorar?

Assim, mais materiais de trabalho, computador, mais agentes, recurso financeiro, boa

vontade nós temos não temos recursos.

Simone

Qual objetivo da SEDUC/MT em criar a Coordenadoria Socioeducatvo ?

Está coordenação tem como objetivo orientar, acompanhar e avaliar as atividades

escolares dos adolescentes que cumprem medidas socioeducativas no Centro

Socioeducativo Pomeri-Cuiabá e Unidades Socioeducativas do Estado de Mato Grosso.

Como se compõe?

Ela é composta por três professores, sendo uma coordenadora e dois técnicos.

Quais são as atribuições desta coordenadoria?

Acompanhamos de forma sistemática as ações escolares realizada no CSP e na EEMF,

percorremos todas as unidades, dialogamos com a gestão do CSP, e da EEMF,

procuramos aproximar nossas relações. Mas está muito longe do que gostaríamos de

realizar. Sabemos que a carga horaria escolar não é cumprida por vários motivos, entre

118

eles apontamos os constantes conflitos no CSP. As condições de internação dos

adolescentes são precárias e da escola também.

Quais ações da SEDUC/MT são propostas para melhorar esse quadro?

Propomos e realizamos seminários sempre em parceria SEDUC/MT e SEJUDH/MT. As

reuniões, seminários, encontros visam aproximar as instituições. No ano de 2011 a

SEDUC oficializou por meio de Portaria, o processo de atribuição de seleção e

classes/aulas de jornada de trabalho, esta ação ajuda a compor o quadro de lotação de

professores e funcionários que atuam na Escola Estadual Meninos do Futuro, não só em

Cuiabá, mas nas unidades de internação do Sistema Socioeducativo que possuem salas

anexas. Algumas ações estão contempladas no Projeto Educar.

O que propõe o Pojeto Educar?

O Projeto Educar é uma das propostas desta coordenadoria, busca estabelecer critérios

de atendimento da demanda das Unidades Socioeducativas, direcionada ao atendimento

de adolescentes e jovens que cumprem medidas socioeducativas, na faixa etária de 12 a

18 anos. Tem como base os preceitos do ECA/1990, Lei nº 8.069/2010,e do SINASE,

Lei nº 12.594/2012. O projeto propõe uma prática pedagógica nas unidades

socioeducativas de Mato Grosso voltada para ressignificação de ações desenvolvidas nas

unidades numa linha de educação humanizadora.

Quais são as ações realizadas pela coordenação?

Consta no relatório 2014 o quadro demonstrativo de atendimento de alunos que

estudaram no período de 2011 a 2014 no estado. Está coordenação desenvolve

atendimento diferenciado assegurando a enturmação, tem como objetivo a avaliação

diagnostica, realizada na entrada do adolescente á escola no sentido da inclusão,

possibilitando ao adolescente participar das atividades escolares tanto na intervenção

provisória quanto do cumprimento da medida socioeducativa.

O planejamento da Seduc/MT abrange as ações desta coordenação?

Por ser uma coordenadoria nova ela vem conquistando o seu espaço, porém não consta

um orçamento exclusivo para esta coordenação as ações fazem parte desta

superintendência (SUEB). O compromisso com a EEMF e o CSP, nos motiva a avançar

nas propostas educacionais e ressocializadoras.

Esse acompanhamento tem evidenciado as condições de desenvolvimento das ações

escolares e socioeducativas dos adolescentes privados de liberdade?

Sim. No entanto precisamos de mais recurso humanos orçamentários para ajudar no

desenvolvimento de projetos. Outra questão que trago como preocupação é o espaço

físico destinado a EEMF que é uma calamidade. A estrutura da escola não contempla as

ações necessárias para o desenvolvimento das atividades planejadas e especifica ao

atendimento de adolescentes na Unidade Socioeducativa. A SEDUC/MT cumpre com a

responsabilidade em acompanhar e exigir o cumprimento das aulas, dos projetos do PPP,

mas sabemos que avançamos pouco. Vamos continuar investindo para que a SEDUC/MT

e SEJUDH/MT possam atender de forma satisfatória a demanda do socioeducativo com

formação escolar e ações ressocializadoras possibilitando aos jovens que cometeram atos

infracionais condições de reinserção social.

O que você sugere para avançar na unificação das ações da SEDUC/MT e

SEJUDH/MT?

119

A EEMF e o CSP deve ser um espaço de políticas sociais com responsabilidades para

promover as ações de reinserção social, para tanto as instituições deve promover que

envolve, além das formações a partir da necessidade dos professores e socioeducadores,

projetos coletivos.

CATEGORIAS DE ANÁLISE

Quadro – 01 – Categorias de Análise – Falta de Integração

Nº ALFREDO IZABEL SIMONE Quantificação

1 Ativação Assimilação por

coletivação

Coletivação 1-Ativação

3- Coletivação

1- Personalização

1-Exclusão por

supressão

1- Nominalização

1- Assimilação por

coletivação

2 Coletivação Personalização

3 Impersonalização Exclusão por

Supressão

Nominalização

Quadro – 02- Conflitos e Violência

Nº ALFREDO IZABEL SIMONE Quantificação

1 Ativação Assimilação por

coletivação

Coletivação 1-Ativação

3- Coletivação

2- Personalização

1-Exclusão por

supressão

2- Nominalização

2- Assimilação por

coletivação

2 Coletivação Personalização

3 Impersonalização Exclusão por

Supressão

Nominalização

Quadro – 03- Categoria de Análise- Estruturas precárias

Nº ALFREDO IZABEL SIMONE Quantificação

1 Encobrimento Personalização Objetivação por

especialização

3- Personalização

1- Passivação por

sujeição

2- Objetivação

1- Encobrimento

2- Especificação

1- Individualização

1- Ativação

Exclusão por

encobrimento

1- Inclusão

2 Inclusão Coletivização Ativação Exclusão

por encobrimento

4 Personalização Objetivação

5 Passivação por

sujeição

6 Especificação

7 Individualização

8 Ativação

9 Coletivação

120

1 – Localização Centro Socioeducativo Pomeri- Cuiabá

https://www.google.com.br/maps/place/Complexo+Pomeri/@-15.5809779,

56.0435958,17z/data=!3m1!4b1!4m2!3m1!1s0x939db0662430740f:0x270ac49c85223de5?hl=pt-BR –

Acesso em 01/10/2015

Mapa 2 – Vista aérea Centro Socioeducativo Pomeri- Cuiabá

https://www.google.com.br/maps/place/Complexo+Pomeri/@-15.5809779,

56.0435958,17z/data=!3m1!4b1!4m2!3m1!1s0x939db0662430740f:0x270ac49c85223de5?hl=pt-BR –