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A D IVERSIDADE DA G EOGRAFIA B RASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO 7321 UM ESTUDO DA CLASSE MÉDIA NO BRASIL: UMA NOVA CLASSE OU UMA NOVA SOCIEDADE? 1 Me. LUCIANO TIAGO BERNARDO 2 Dra. GEISA DAISE GUMIERO CLEPS 3 Resumo: Este trabalho tem por objetivo fazer uma análise da Classe Média brasileira no que tange às profundas transformações em sua composição. Para sua elaboração, primeiramente foi realizado um levantamento de dados secundários sobre as diferentes classificações das classes econômicas no Brasil, bem como das alterações ocorridas nas mesmas nos últimos anos. De posse dos dados, os procedimentos metodológicos aplicados foram a análise e a interpretação dos dados obtidos. Verificou-se que dezenas de milhões de brasileiros ascenderam economicamente e saíram de uma situação de pobreza para ingressar no mercado de trabalho e, consequentemente, de consumo e ascenderam de posições a partir das classes econômicas em que se encontravam, aumentando a Classe Média brasileira segundo alguns estudiosos, ou mesmo formando uma Nova Classe Trabalhadora. Palavras-chave: Classe C; Classe Média; Classe Trabalhadora. Abstract: This study aims to analyze the Brazilian Mediun Class in regard to the profound changes on its composition over the last decades. Data about different Brazilian‟s standards of economic classes‟ classification and its changes during the past few years were collected and analyzed through an interpretative approach. It was found that millions of Brazilians ascended economically and came out of poverty to enter on the labor market and, consequently, became consumers. Besides that, Brazilians reached upper positions in comparison to the economic classes they were in increasing the Brazilian Middle Class or even forming a New Working Class, according to some scholars. Key-words: Class C; Middle Class; Working Class 1. Introdução Nos últimos anos, a pirâmide social do Brasil tem passado por profundas mudanças demonstradas pelas alterações das classes econômicas da sociedade. O que vem ocorrendo é uma diminuição da base da pirâmide (constituída por grande parcela da população que vive em situação de extrema pobreza) e um aumento em sua parte intermediária. O presente trabalho não pretende adentrar na discussão sociológica de análise das classes sociais, ou seja, de uma discussão entre proletários e 1 Este trabalho é parte da pesquisa de doutorado (em andamento) realizado no Programa de Pós- Graduação em Geografia/Instituto de Geografia/Universidade Federal de Uberlândia (IG/UFU). 2 Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Uberlândia. E-mail de contato: [email protected] 3 Docente do Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Uberlândia: E- mail de contato: [email protected]

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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

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UM ESTUDO DA CLASSE MÉDIA NO BRASIL: UMA NOVA CLASSE OU UMA NOVA SOCIEDADE?1

Me. LUCIANO TIAGO BERNARDO 2 Dra. GEISA DAISE GUMIERO CLEPS 3

Resumo: Este trabalho tem por objetivo fazer uma análise da Classe Média brasileira no que tange às profundas transformações em sua composição. Para sua elaboração, primeiramente foi realizado um levantamento de dados secundários sobre as diferentes classificações das classes econômicas no Brasil, bem como das alterações ocorridas nas mesmas nos últimos anos. De posse dos dados, os procedimentos metodológicos aplicados foram a análise e a interpretação dos dados obtidos. Verificou-se que dezenas de milhões de brasileiros ascenderam economicamente e saíram de uma situação de pobreza para ingressar no mercado de trabalho e, consequentemente, de consumo e ascenderam de posições a partir das classes econômicas em que se encontravam, aumentando a Classe Média brasileira segundo alguns estudiosos, ou mesmo formando uma Nova Classe Trabalhadora.

Palavras-chave: Classe C; Classe Média; Classe Trabalhadora.

Abstract: This study aims to analyze the Brazilian Mediun Class in regard to the profound changes on its composition over the last decades. Data about different Brazilian‟s standards of economic classes‟ classification and its changes during the past few years were collected and analyzed through an interpretative approach. It was found that millions of Brazilians ascended economically and came out of poverty to enter on the labor market and, consequently, became consumers. Besides that, Brazilians reached upper positions in comparison to the economic classes they were in increasing the Brazilian Middle Class or even forming a New Working Class, according to some scholars.

Key-words: Class C; Middle Class; Working Class

1. Introdução

Nos últimos anos, a pirâmide social do Brasil tem passado por profundas

mudanças demonstradas pelas alterações das classes econômicas da sociedade. O

que vem ocorrendo é uma diminuição da base da pirâmide (constituída por grande

parcela da população que vive em situação de extrema pobreza) e um aumento em

sua parte intermediária.

O presente trabalho não pretende adentrar na discussão sociológica de

análise das classes sociais, ou seja, de uma discussão entre proletários e

1 Este trabalho é parte da pesquisa de doutorado (em andamento) realizado no Programa de Pós-

Graduação em Geografia/Instituto de Geografia/Universidade Federal de Uberlândia (IG/UFU). 2 Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Uberlândia.

E-mail de contato: [email protected]

3 Docente do Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Uberlândia: E-

mail de contato: [email protected]

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burgueses, capitalismo e comunismo. O que será analisado são alterações ocorridas

nos últimos anos na pirâmide social brasileira, particularmente, nos seus estratos

econômicos. O trabalho tem por objetivo fazer uma análise da Classe Média

brasileira, ou Classe Trabalhadora, no que tange às profundas transformações

ocorridas nos últimos anos em sua composição.

Para sua elaboração foi realizado um levantamento de dados secundários

sobre as diferentes classificações das classes econômicas no Brasil, bem como das

alterações ocorridas nas mesmas nos últimos anos, além de leituras referentes à

temática. De posse dos dados, os procedimentos metodológicos adotados foram a

análise e a interpretação dos dados obtidos.

Enquanto que para alguns estudiosos o aumento na parte intermediária da

pirâmide demonstra um aumento da Classe Média da sociedade brasileira, também

denominada por “Nova Classe Média”, para outros não seria possível considerar que

está ocorrendo um crescimento efetivo desta Classe Média, mas de uma “Nova

Classe Trabalhadora”, que tem conseguido escapar da base da pirâmide e

ascendida à parte intermediária.

Mas o que tem possibilitado que milhões de pessoas possam ascender na

pirâmide social brasileira a tal ponto de atingir novas classes econômicas e, até

mesmo, aumentar a parte intermediária da pirâmide a tal ponto que fossem

levantadas tantas discussões sobre este processo?

As recentes alterações nas classes econômicas que demonstram a ascensão

de milhões de brasileiros por meio da diminuição na base da pirâmide social é

resultado não apenas de um, mas de vários fatores que, em conjunto, levaram a

essas alterações e serão comentadas a seguir.

2. Fatores determinantes nas alterações das classes econômicas no Brasil

Dentre os fatores que levaram às alterações nas classes econômicas no

Brasil, o primeiro diz respeito à estabilidade econômica, ou seja, a drástica redução

da inflação e do chamado imposto inflacionário4, que penalizavam a população,

4 Deve-se ressaltar que, atualmente, o quadro econômico brasileiro apresenta um aumento

inflacionário, o que vem exigindo medidas contracionistas tanto no âmbito fiscal, quanto monetário. Este aumento da inflação pode conduzir à volta do imposto inflacionário. Sobre imposto inflacionário ver mais a respeito em Cysne (1994).

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principalmente de menor renda, pela dificuldade de acesso que essa tinha ao

sistema financeiro.

Um segundo fator é o crescimento da economia brasileira nos últimos anos (a

exceção é o ano de 2009, com o agravamento da crise econômica internacional e

seus reflexos no Brasil, levando a um decréscimo na economia de -0,3%). Este

aumento, demonstrado no Gráfico 1, foi acompanhado pelo setor de serviços.

Gráfico 1: Brasil: Variação anual do PIB e do setor de serviços (em %) (2003-2013)

Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (2015). Disponível em: <

http://www.mdic.gov.br/sitio/interna/interna.php?area=4&menu=4485>. Acesso em: 15 jun. 2015.

O setor de serviços, além acompanhar o aumento da atividade econômica

brasileira, demonstrou um gradativo aumento de sua participação no Produto Interno

Bruto brasileiro no período 2003-2013 (Gráfico 2).

De acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio

Exterior esta participação passou de 64,7% em 2003 para 69,4% em 2013, um

aumento de 4,7%. O crescimento da economia brasileira, acompanhada pelo setor

de serviços, foi fundamental para o aumento do trabalho formal, consequentemente

favorecendo o aumento na renda da população.

Para autores como Neri (2011, p. 36) o crescimento do trabalho formal

representa “[...] o principal símbolo do surgimento da classe média brasileira” e esse

crescimento ocorreu, principalmente, no setor de serviços, tanto em termos

absolutos, quanto relativos, se comparado aos setores primário e secundário.

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Gráfico 2: Brasil: Participação dos Serviços no PIB (2003-2013)

Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (2015). Disponível em: <

http://www.mdic.gov.br/sitio/interna/interna.php?area=4&menu=4485>. Acesso em: 15 jun. 2015.

Ainda destacando a relação da melhoria das condições econômicas de

grande parte da população ao setor terciário, Pochmann (2013, p. 167) corrobora

esta importância ao afirmar que:

[…] estudos e pesquisas recentes indicam, cada vez mais, o engodo de se associar a ascensão nos rendimentos da população assentada na base da pirâmide social aos segmentos de classe média. Na realidade, trata-se do alargamento das classes trabalhadoras impulsionado pela ampliação do setor terciário da economia nacional.

Como último fator que ocasionou as alterações na pirâmide social brasileira,

principalmente em sua base, encontram-se os projetos sociais governamentais

(dentre eles destaca-se o Bolsa Família)5. Segundo Assis e Ferreira (2010, p. 268) o

Programa Bolsa Família “tornou-se importante instrumento, no âmbito da política

social do governo federal, de redução da pobreza ou do hiato da pobreza e de

melhoria da distribuição de renda no país”.

Nos últimos anos, devido, principalmente, aos fatores citados anteriormente,

dezenas de milhões de brasileiros ascenderam economicamente e saíram de uma

situação de pobreza para ingressar no mercado de trabalho e, consequentemente,

de consumo e ascenderam de posições a partir das classes econômicas em que se

5 Implantado através da Lei n° 10.836 de 09 de janeiro de 2004, configura-se como um programa de

transferência de renda para famílias pobres e extremamente pobres (Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome-MDS, 2013). Ainda de acordo com o MDS atualmente o programa atende mais de 12 milhões de famílias.

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encontravam. Os questionamentos que nos cabem são: quem são esses brasileiros?

Como classificá-los em uma determinada classe econômica? Quais foram as

mudanças que ocorreram nos estratos de classificação da pirâmide social brasileira?

3. As classes econômicas

3.1 - A Classe C e a Classe Média.

“Classe Média”, “Classe C”, “Emergentes” etc, são todas denominações que

encontramos em leituras sobre o tema que procuram classificar uma determinada

parcela da população que aumentou enormemente e de maneira sem precedentes

na história brasileira. Mas antes de analisarmos as alterações ocorridas nas classes

econômicas é fundamental que sejam definidas quais são estas classes e uma

primeira classificação é da Fundação Getúlio Vargas/Centro de Políticas Sociais.

Classe Limites (em R$)

A Acima de 9.745,00

B 7.475,01 a 9.745,00

C 1.734,01 a 7.475,00

D 1.085,01 a 1.734,00

E Até 1.085,00

Tabela 1: Definição das Classes Econômicas (renda mensal total familiar atualizada a preços de julho de 2011) Fonte: Elaborado a partir de Neri (2012, p. 44)

Segundo a Tabela 1, as classes podem ser divididas entre as famílias que

possuem renda mensal até R$ 1.085,00 (Classe E); renda de R$ 1.085,01 até R$

1.734,00 (Classe D); renda de R$ 1.734,01 até R$ 7.475,00 (Classe C); renda de R$

7.475,01 até R$ 9.745,00 (Classe B) e, por último, renda familiar média acima de R$

9.745,00 (Classe A).

Outra classificação dos estratos econômicos foi realizada pela Federação do

Comércio do Estado de São Paulo (FecomercioSP) como demonstrado na Tabela 2.

Classe Limites (em R$)

A Acima de 11.000

B 7.000 a 11.000

C 1.400 a 11.000

D 900 a 1.400

E Até 900

Tabela 2: Definição das Classes Econômicas (renda média familiar mensal – POF 2009)

6

Fonte: Elaborado a partir de FecomercioSP (2012, p. 19)

6 Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

(IBGE) entre os meses de maio de 2008 e maio de 2009.

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Para a FecomercioSP, semelhantemente ao trabalho de Neri (2012), as

classes são divididas em A, B, C, D e E, cujos limites de rendas são de até R$

900,00 para a classe E; entre R$ 900,00 e R$ 1.400,00 para a classe D; entre R$

1.400,00 e R$ 7.000,00 para a classe C; entre R$ R$ 7.000,00 e R$ 11.000,00 para

a classe B e; por último, acima de R$ 11.000,00 para a classe A. Ainda segundo a

FecomércioSP (2012, p. 19), o estrato que representa a classe média é a classe C

“[...] por mostrar, em termos de média familiar mensal, o valor mais próximo da renda

média familiar mensal, o valor mais próximo da renda média mensal de todas as

famílias brasileiras – cerca de R$ 2.900,00 mês/família.”

A Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), por meio da Comissão para

Definição da Classe Média do Brasil, também apresenta uma estratificação das

classes econômicas conforme Tabela 3:

Classe Renda familiar média (R$/mês)

Extremamente pobre 227,00

Pobres, mas não extremamente pobres 648,00

Vulnerável 1.030,00

Baixa classe média 1.540,00

Média classe média 1.925,00

Alta classe média 2.813,00

Baixa classe alta 4.845,00

Alta classe alta 12.988,00

Tabela 3: Renda familiar média (valores expressos em R$ em abril de 2012) Fonte: Secretaria de Assuntos Estratégicos (2013). Disponível em: <http://www.sae.gov.br/site/?p=13425>. Acesso em: 15 out. 2013.

A SAE apresenta a seguinte divisão das classes econômicas: Extremamente

pobre, com renda familiar média até R$ 227,00; Pobres, mas não extremamente

pobres, renda até R$ 648,00; Vulnerável, renda até R$ 1.030,00; Baixa classe

média, renda até R$ 1.540,00; Média classe média, renda até R$ 1.925,00; Alta

classe média, renda até R$ 2.813,00; Baixa classe alta, renda até R$ 4.845,00 e, por

último, Alta classe alta, com renda familiar média de R$ 12.988,00 ou acima desta.

Todos os trabalhos apresentados até o momento se utilizam de

estratificações econômicas e, a partir delas, definem a Classe Média tomando por

referência a classe C. Diferenças de nomenclatura ocorrem, pois enquanto para Neri

(2012) e para a FecomercioSP (2012) exista somente a denominação Classe Média

(ou mesmo “Nova Classe Média”) para a SAE, existem a baixa classe média, a

média classe média e a alta classe média.

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3.2 - Classe Média ou Classe Trabalhadora?

Estratificações e nomenclaturas que definem a Classe Média, ou as diferentes

Classes Médias apresentadas, são bastante discutidas e não encontram consenso.

Ao contrário, são bastante questionáveis.

Segundo Souza e Lamounier (2010, p. 21), “[...] tentar definir classe média em

termos que possam ser aceitos por todos os pesquisadores é cortejar a frustração.

Não existe uma definição consensual.” A mesma ressalva aparece em

FecomercioSP (2012) quando é observado que não há consenso nem mesmo aos

critérios de recortes de rendas de A até E, o que torna subjetiva uma classificação.

Realmente, outros trabalhos apresentam denominações diferentes quanto às

classes econômicas. Pochmann (2012) considera um equívoco identificar como

“Nova Classe Média”7 um enorme contingente da classe trabalhadora que ascendeu

economicamente com uma remuneração de até 1,5 salário mínimo. Para analisar as

alterações das classes econômicas, o referido autor faz uma comparação entre o

peso relativo da renda oriunda da propriedade e o peso dos salários na renda

nacional. Enquanto entre os anos 2004 e 2010 o peso dos salários subiu 10,3%, o

peso da renda da propriedade decresceu 12,8%. Esse aumento no peso dos

salários ficou concentrado nos trabalhadores de salário de base, com renda de até

1,5 salário mínimo, ou seja, as pessoas na condição de pobreza foram para uma

condição de trabalhadores de salário de base, sem que possam ser, efetivamente,

consideradas da classe média “tradicional”8. Segundo Pochmann (2014) a

“medianização” das sociedades urbanas e industriais e o surgimento de uma nova

classe média brasileira se trata de uma absorção da ideologia e da política

neoliberal.

Seguindo a linha de pensamento de Pochmann, Souza (2012) considera que

os emergentes que dinamizaram o capitalismo brasileiro na última década faziam

parte do que o autor considerava de “ralé”9 da sociedade, ou um enorme grupo de

indivíduos tratados de maneira precária há gerações.

7 Termo utilizado por Neri (2011).

8 Segundo Pochmann (2012) esta tampouco apresentou alterações significativas em seu tamanho.

9 Para Souza (2012) o termo “ralé” não está colocado para ofender pessoas com um passado tão

sofrido e humilhado, mas para chamar a atenção para o abandono social e político que essas pessoas vivem.

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Dizer que os „emergentes‟ são a „nova classe média‟, é uma forma de dizer, na verdade, que o Brasil, finalmente, está se tornando uma Alemanha, ou França ou um Estados Unidos, onde a “classe média”, e não os pobres, os trabalhadores e os excluídos, como na periferia do capitalismo, formam o fundamento da estrutura social. (SOUZA, 2012, p. 20)

Para Souza (2012), o que vem ocorrendo nos últimos anos é a constituição de

uma “Nova Classe Trabalhadora” e não de uma “Nova Classe Média” e esta “Nova

Classe Trabalhadora” não participada jogo da distinção que caracteriza as classes

alta e média.

Por último corroborando com os autores Pochmann e Souza, Chauí (2013)

desconsidera o aumento da Classe Média ou mesmo a formação de uma “Nova

Classe Média”. Chauí (2013, p. 130) considera que houve, sim, a formação de uma

“Nova Classe Trabalhadora”.

Como a tradição autoritária da sociedade brasileira não pode admitir a existência de uma classe trabalhadora que não seja constituída pelos miseráveis deserdados da terra, os pobres desnutridos, analfabetos e incompetentes, imediatamente passou-se a afirmar que surgiu uma nova classe média, pois isso é menos perigoso para a ordem estabelecida do que uma classe trabalhadora protagonista social e política.

Diante do exposto, podemos considerar que não há um consenso sobre a

definição das classes econômicas, ou, pelo contrário, o que há é uma profunda

discussão sobre suas conceituações. Ao se analisar as classes econômicas no

Brasil é necessário evitar tomar conclusões precipitadas baseadas somente em

números e estatísticas ou mesmo em estereótipos que venham a definir estas

classes, principalmente no que diz respeito à classe intermediária da estratificação.

Contudo, o que nos parece ser inquestionável são as profundas alterações que

ocorreram nas estruturas econômica e social na sociedade brasileira nos últimos

anos.

4. As alterações nas classes econômicas.

Profundas alterações ocorreram nas classes econômicas da sociedade

brasileira nos últimos anos. Milhões de pessoas tiveram expressivos aumentos reais

de renda, aumento do poder de consumo, acesso a melhores postos de trabalho

com melhor nível educacional e ascenderam de posição na pirâmide social

brasileira, consequentemente diminuindo a concentração de renda no país.

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O resultado destas alterações é que, se imaginarmos a sociedade brasileira

como uma pirâmide, sua base seria composta pelos indivíduos com menor renda até

chegarmos ao topo da pirâmide na qual esta representaria uma menor parte da

sociedade com maior renda.

Analisando as alterações nesta pirâmide, nos últimos anos ocorreu uma

profunda diminuição de sua base, já que milhões de pessoas deixaram-na e

ascenderam de posição, levando a um aumento sem precedentes da parte

intermediária dessa pirâmide e até mesmo de sua parte superior. A tabela a seguir

demonstra em termos relativos e absolutos estas transformações:

Evolução das Classes (em %)

Diferença populacional (números absolutos)

A/B 57,71 A/B 9.195.974

C 46,57 C 39.589.412

D - 24,03 D -7.976.346

E - 54,18 E -24.637.406

Tabela 4: Evolução da população por classes econômicas (2003-2011) Fonte: Elaborado a partir de Neri (2011, p. 88)

Analisando a tabela 4, percentualmente as Classes A/B (analisadas aqui em

conjunto) foram as que tiveram o maior aumento no período compreendido entre os

anos 2003 e 2011, com um aumento de 57,71%. Em seguida, aparece a classe C

com 46,57%. No mesmo período, a Classe D apresentou uma diminuição de

24,03%, enquanto que a Classe E diminuiu em 54,18%.

Ainda considerando a tabela 4, analisando as alterações a partir de números

absolutos, verifica-se que a Classe C apresentou um crescimento populacional de

39.589.412 e as Classes A/B tiveram um crescimento de 9.195.974 de pessoas. Ao

contrário das Classes A/B e C, a Classe D teve uma diminuição de 7.976.346 de

pessoas e, por último, a Classe E, uma diminuição de 24.637.406.

A partir das alterações ocorridas nas classes econômicas, de acordo com Neri

(2011) a “Nova Classe Média” passou a representar, a partir do ano de 2011, a

maior parte da população brasileira com um total 55,05% da população, ou 100,5

milhões de pessoas (no ano de 2003 esta classe compunha 37,56% da população,

ou 65.879.496 milhões de pessoas).

Souza e Lamounier (2010) também demonstram a alteração ocorrida na

“Nova Classe Média” no qual esta foi de 44% da população em 2002 para 52% em

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2008. Analisando não o total da população, mas o número de famílias, a

FecomercioSP (2012) coloca que em 2003 a classe média representava 19 milhões

de famílias (39% do total) e em 2009 um total de 30 milhões (52%).

As alterações na pirâmide social também estão presentes em trabalho de

Pochmann (2012), no qual o autor constata que indivíduos na condição de pobreza

diminuíram de 37% para 7,2% no período de 1995 a 2009 e, consequentemente, os

trabalhadores de salário de base aumentaram sua participação relativa de menos de

27% para 46,3% no mesmo período. Para o autor, essa força de trabalho, “embora

não sejam mais pobres, tampouco podem ser considerada de classe média”

(Pochmann, 2012, p. 20).

Independentemente da classe econômica que tenha sido alterada ou mesmo

a possível formação de uma nova classe (média ou trabalhadora), os dados

apresentados pelos autores analisados demonstram dois aspectos principais.

Primeiro que houve uma intensa diminuição da base da pirâmide social brasileira, na

qual estas pessoas saíram de uma situação de pobreza e ascenderam de posição.

Segundo, em valores absolutos, a base intermediária da pirâmide social apresentou

um enorme aumento em sua composição, levando à discussão se este aumento

seria o responsável pela formação de uma “Nova Classe Média” ou de uma “Nova

Classe Trabalhadora”. De qualquer modo, as alterações nas classes econômicas

ocorridas nos últimos anos são incontestáveis.

Portanto, enquanto que para alguns autores o aumento na parte intermediária

da pirâmide social brasileira demonstra um aumento da Classe Média, ou a

formação de uma “Nova Classe Média”, para outros, o que ocorreu foi

fundamentalmente a diminuição dos pobres brasileiros e o surgimento de uma “Nova

Classe Trabalhadora”, demonstrada pela diminuição na base da pirâmide.

5. Considerações finais.

Nos últimos anos os estratos econômicos da sociedade brasileira têm

passado por profundas alterações, principalmente naqueles situados na base e na

parte intermediária da pirâmide social. Dentre os fatores que possibilitaram estas

alterações podemos destacar a estabilidade econômica, ou seja, a drástica redução

da inflação e do chamado imposto inflacionário; o crescimento da economia

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brasileira, sendo este acompanhado pelo crescimento no nível de emprego formal,

principalmente no setor de serviços e, como último fator, os projetos sociais

governamentais.

Ao se analisar as classes econômicas no Brasil é necessário evitar tomar

conclusões precipitadas baseadas somente em números e estatísticas, ou mesmo

em estereótipos que venham a definir estas classes. Independentemente da classe

econômica que tenha sido alterada ou mesmo a possível formação de uma nova

classe (média ou trabalhadora), os dados apresentados pelos autores analisados

demonstraram dois aspectos principais.

Um primeiro aspecto é que houve uma intensa diminuição da base da

pirâmide social brasileira, na qual estas pessoas saíram de uma situação de pobreza

e ascenderam de posição. Como segundo aspecto apresentado, em valores

absolutos a base intermediária da pirâmide social apresentou um enorme aumento

em sua composição.

O que ficou demonstrado é que existe uma intensa discussão se este

aumento seria o responsável pela formação de uma “Nova Classe Média” ou de uma

“Nova Classe Trabalhadora”. Nomenclaturas utilizadas para definirem a parte

intermediária da pirâmide social brasileira são bastante divergentes e não é possível

encontrar um consenso. Ao contrário, são bastante questionáveis e alguns dos

autores citados neste trabalho fazem essa ressalva.

Portanto, enquanto que para alguns autores o aumento na parte intermediária

da pirâmide social brasileira demonstra um aumento da Classe Média, ou a

formação de uma “Nova Classe Média”, para outros, o que ocorreu foi

fundamentalmente a diminuição dos pobres brasileiros e o surgimento de uma “Nova

Classe Trabalhadora”, demonstrada pela diminuição na base da pirâmide.

6. Referências bibliográficas

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