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UM FILME DE BENOÎT DELÉPINE E GUSTAVE KERVERN

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um filme de BeNOÎT delÉPiNe e GuSTAVe KeRVeRN

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Mammuth:

“A redenção está na morcela,e porque não?” - Les Inrocks

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SINOPSESSINOPSE CURTAChegado à merecida reforma, o sexagenário Serge Pillardosse descobre que não a pode gozar porque alguns ex-empregadores esqueceram-se de o declarar! Incentivado pela mulher, monta a sua velha mota dos anos 70, uma Mammuth, e parte à procura dos seus antigos patrões, reencontrando pelo caminho velhos amigos e familiares.

SINOPSESerge Pillardosse fez 60 anos. Trabalha desde os 16, nunca esteve desempregado, nunca esteve doente. Mas a hora da reforma chegou e é a desilusão: faltam-lhe os pontos necessários para ter direito a ela, alguns empregadores esqueceram-se de o declarar!

Incentivado pela mulher, Catherine, monta na sua velha mota dos anos 70, uma Mammuth que é a razão de ser da sua alcunha, e parte em busca dos seus recibos de salário, regressando aos lugares da juventude. Uma viagem que o leva a juntar-se com antigos patrões, amigos e membros da família que há muito não via.Na estrada, começa a perceber que as pessoas sempre o viram como um imbecil sem educação. Cheio de dúvidas, perseguido pelas aparições do fantasma de Yasmine, o seu primeiro amor perdido num dramático acidente de mota, a sua jornada para recuperar os papéis em falta vai-se transformando, pouco a pouco, numa futilidade.A salvação chega pelas mãos da sua jovem sobrinha, que acorda o poeta feliz ador-mecido dentro dele. Em vez de envelhecer lentamente em direcção à morte, Mammuth decide dar um novo começo à sua vida.

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UMA DECLARAÇÃO DOS AUTORESQueríamos um filme que fosse engraçado e emotivo.

Engraçado porque estamos a confrontar um homem “deficiente em termos sociais” com uma sociedade moderna que está para lá do seu alcance. Emotivo pela mesma razão.

Uma espécie de mamute num mundo de raposas. Que se safam muito melhor que ele no meio da multidão.

A emoção emerge a partir da sua devota afeição pelas três mulheres da sua vida. A mulher Catherine (Yolande Moreau) que todos os dias tem de aturar as suas fraquezas e, mesmo assim, o ama profundamente. Yasmine (Isabelle Adjani), o primeiro amor de juventude, anjo da guarda/fantasma que aparece ao seu lado nos momentos de aguda depressão. E a sobrinha (Miss Ming), cuja frescura e imaginação lhe abrem horizontes que ele nunca suspeitaria existirem.

Quanto ao humor, embora menos negro e ácido que nos nossos filmes anteriores, está omnipresente, denunciando, sem o parecer, as condições laborais do nosso país envelhecido e a pouca esperança da nossa juventude. Como toda a gente sabe, só o riso pode deitar abaixo o medo…

Queríamos um protagonista que fosse, ao mesmo tempo, forte e perdido, impressio-nante e afectuoso. Este filme foi escrito para Gérard Depardieu. Embora não seja pre-ciso mais nada para provar a sua genialidade, queríamos confrontá-lo com uma forma de filmar, mais modesta e livre e com actores não profissionais menos previsíveis, já para não falar de emoções reais que o levassem a dar o melhor de si mesmo.

Em termos estilísticos, queríamos um filme simples na sua montagem e enquadramen-tos, prefe-rindo longos planos fixos e planos sequência. Tal como nos nossos filmes anteriores, o mais importante para nós é usar o tamanho do ecrã de cinema para narrar a cena, muitas vezes com vários níveis de leitura, sem ter de enfatizar este ou aquele detalhe. Cabe ao espectador escolher aquilo a que quer prestar atenção. Por outro lado, nas nossas escolhas de enquadramento, incluímos sempre elementos dissonantes que lhe dão um pouco de confusão ou de mistério, por vezes quase imper-ceptível, para nunca cair na banalidade ou no esteticismo gratuito.

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PEQUENO LÉXICO DE CARÁCTER INFORMATIVO

Benoît Delépine e Gustave Kervernpor Jérôme Mallien

MITOLOGIA“Mammuth é a história de um tipo que tenta regressar a casa. É Ulisses.”

ANARQUIA“Mammuth é, sem dúvida, um filme menos anarca que Aaltra ou Louise-Michel. Enfim, aparentemente. Ainda que para os adeptos da sintetização, não possamos fazer mais do que dizer que se trata da história de um homem que parte com a sua mota e que regressa com uma djellaba. Bem, não podemos estar a dizer a cada filme: é preciso matar os patrões. Isso cansa. De qualquer maneira, o ponto de vista é o mesmo, o es-pírito está lá. Seja como for, não estamos sempre obrigados a fazer a mesma coisa. O importante é não nos chatearmos. Porque se te chateias, acaba tudo, estás morto.”

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ONIRISMO“Os nossos filmes são realistas poéticos. São realistas porque partem do mundo real. E são poéticos porque tentam escapar dele. Mas, atenção: para nós, os tipos que apanham coisas nas lixeiras são poéticos.”

ADMINISTRAÇÃO“Quando deixo o imaginário ‘Groland’, volto-me para o inferno administrativo. Há nele o suficiente para dar um tiro na cabeça, tal é a estupidez. A única porta de saída é a loucura. É essa a história dos papéis. Mas enquanto procuramos os documentos administrativos para a sua reforma, há também toda uma história que regressa, onde trabalhámos, onde vivemos. É nostalgia pura.”

CONTO“Não se trata de um conto, nem nada que se pareça. Li demasiados quando era peque-no. Não estamos no mundo dos contos e das lendas, é preciso criá-los.”

CONTO (BIS)

“É verdade que há uma casa cor-de-rosa, com uns bizarros anões de jardim um pouco por todo o lado. Mas não é uma casa de contos, apenas uma casa pintada de cor-de--rosa num terreno apodrecido. Se quiseres, é como nas casas ocupadas em Berlim, com a excepção de que aqui não é colectiva. Se fazes o mesmo no teu pavilhão dos subúrbios, vais fazê-lo sozinho, sem ter pessoas convencidas desde o princípio. Va-mos gritar aos loucos, aos furiosos. É disso que gostamos.”

MOTA“Gérard conduz uma Münch 1200 de 1972 no filme. Deve haver uma dezena no mundo, esta foi-nos confiada por um coleccionador. Uma mota alemã dos anos 60, nunca tínhamos visto uma coisa assim: o inventor agarrou num motor de automóvel e colo-cou--a no quadro de uma mota. Quando era pequeno, no campo, a mota representava para mim uma forma de libertação.”

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TRABALHO“Claro que é um filme sobre o trabalho. Sobre a brutalidade do trabalho. Porque no momento em que esticas o pernil, nem sequer é a isso que te agarras. Mamuth é um tipo que vive no presente.”

PARVO“Não é que o Mammuth seja parvo. Vive alheado.”

DEPARDIEU“No princípio da rodagem, não era generoso, porque está habituado a actuar em filmes onde há actores. Connosco não há actores, há passantes. Depois, as coisas ficaram melhores. Globalmente, é um gajo que dá tudo, ficas com a impressão de que está sempre nu. Descobriu uma série de truques: quando Mammuth toma banho no rio, como um bebé grande, é ele. É um dom: colocámo-lo em situações impossíveis e ele avançou.”

MOREAU“Sem ela, era impossível fazer Louise-Michel. E face a Mammuth, só havia uma Catherine possível.”

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ADJANI“É a Mulher de Branco que aparece à beira de todas as estradas depois de um aci-dente. Um espectro, mas que repreende Mammuth, que o agarra pelos cabelos. É um fantasma que dá pontapés no rabo das pessoas, seja como for, as mulheres estão sempre a dar pontapés no rabo dos homens. Adjani foi genial. Tivemo-la três dias; quando não estava a interpretar, estava a filmar com uma câmara Super 8 ao pé de Gérard. As imagens estão no filme.”

GODIN (NOËL, CHAMADO DE ATIRADOR DE TARTES)

“Está em todos os nossos filmes, aqui é uma estátua, a estátua do atirador de tartes, a que chamamos Tartóbulo. É preciso ter olho para o encontrar. De cada vez que lhe pegamos, temos sempre a mesma apreensão: que nos diga que estamos a transigir, que perdemos a agressividade. Que acabe por nos atirar com tartes.”

E OS OUTROS“Existe mundo neste filme. Benoît Poelvoorde, que é um pouco a nossa mascote e será bom que um dia lhe encontremos um papel de protagonista, Blutch, Catherine Hosmalin, Philippe Nahon, Bouli Lanners, Anna Mouglalis, Siné, Rémy Kolpa Kopoul (com quem Gérard discutiu muito). São pessoas…”

SOM“A nossa obsessão, desde sempre. O som é o contrário da literatura, é o contrário do guião. É o cinema.”

ANACRONISMO“Claro que é um filme anacrónico. Mesmo a imagem é anacrónica. Com os 8 mm, película velha que já ninguém usa. Na verdade, já ninguém a fabrica. Fizemos um stock, voltaremos a servir-nos dele. Queríamos uma verdadeira beleza da imagem, queríamos uma coisa que não se vê hoje. É o preto e branco a cores. Nunca fizemos making of, aqui fizemos um: foi o Fred Poulet que o filmou, em Super 8 mm. Estará no DVD.”

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ACTORES“Recorremos muitas vezes a actores não profissionais, pessoas que conhecemos ou que encontramos durante a rodagem. Como não temos guião, a maioria das vezes filmamos em continuidade, quando encontramos alguém dizemos: olha, aquele ficará bem aqui. E esco-lhemo-lo. Pedimos-lhe que seja sincero, que não faça de conta. Os nossos filmes estão cheios de gente parecida connosco. Portanto, não somos directores de actores ou de não actores. Não somos directores de nada. Somos apenas cornacas. O importante é aquilo que os ac-tores têm no coração. E depois usamos um truque: que não tenham medo do ridículo.”

PERFEIÇÃO“Parvoíces. O filme só nos agrada quando é imperfeito.”

“O trabalho, o meu dedo mindinhodiz-me que passei a vida a trabalhar.Toda a vida a contar as horasToda a vida a verter suor.Aquilo que ganhava em todo o Invernogastava-o no Verão.Ano após ano.São essas as férias pagas.Trabalhei como um loucoPara esquecer.Trabalhei como um surdoPara manter o meu amor.Agora posso-vos dizer.O pior já passou.Mas graças às minhas musasSei que o meu único trabalhoserá amar como se fosse a última batalha.” - Serge Pillardosse 9

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CRÍTICAS“Durante o esperançoso arranque de Mammuth, que descreve com engenho e pa-tetismo a reforma de um talhante e o seu périplo em mota por todos os trabalhos que praticou ao longo da sua perdedora existência em busca de uns documentos que lhe permitam cobrar a sua pensão por inteiro, o assombro e a vulnerabilidade da personagem provocam risos e ternura.”

Carlos Boyero, El País

“As piadas, sobretudo nos primeiros 30 minutos, são realmente divertidas, e Delépine e Kervern, como escritores de comédia de televisão, são excelentes nesta área.”

Peter Brunette, The Hollywood Reporter

LE MONDE“Mammuth”: nascido para ser selvagem, nas estradas de Charentes

Jacques Mandelbaum

De certa maneira, toda a gente teve 20 anos em 1969. Toda a gente adorou Easy Rider, de Dennis Hopper, esse manguito à sociedade bem pensante transformado em filme farol da contra-cultura americana e, de uma forma mais geral, da aspiração à liberdade. Toda a gente pensará sempre, para dizê-lo de outra maneira, que nunca desmereceu a sua juventude.

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Por essas razões, Mammuth é o filme a evitar urgentemente esta semana, porque mostra claramente aquilo em que se transformaram os homens dessa geração e em que é que o mundo se transformou desde aí e, de uma maneira genérica, o que aconteceu aos ideais da juventude. E se este filme nos faz rir muito, também nos faz terrivelmente mal.

Benoît Delépine e Gustave Kervern, os dois monstruosos extravagantes de “Groland” - um dos programas mais insolentes do Canal + -, reeditam então o golpe do road movie metafísico para a sua quarta longa-metragem, jogando mais do que nunca na décalage espácio-temporal com os cânones do género.

Estamos agora a 40 anos da estreia de Easy Rider, e na outra costa do Atlântico, nas estradas de França e o argumento caracteriza-se consequentemente por algumas remo-delações que têm por efeito uma clara mudança para reduzir a dimensão mitológica.

A estrada Los Angeles-New Orleans é, em primeiro, substituída pelos caminhos munici-pais do Charente-Maritime. Peter Fonda, Dennis Hopper e Jack Nicholson são a seguir fundidos numa única personagem interpretada por Gérard Depardieu que, logicamente, triplicou de volume, encarnando um sexagenário burilado por uma vida de proletário, cabelos pelas costas e melena ao vento.

A mota já não é uma Haley Davidson personalizada, mas uma Munch 4 TTS-E1 200 de 1972. É um monstro teutónico de 1300 centímetros cúbicos e 104 cavalos cujo nome suave pela qual era conhecido, Mammuth, é também a alcunha do seu condutor.

Enfim, não se trata de estourar o dinheiro ganho facilmente no tráfico de droga a ver o país, mas partir à procura dos seus antigos patrões para recuperar os recibos de sa-lário necessários para conseguir os pontos que lhe possam garantir a sua reforma.

Podemos também dizer que, ao contrário dos heróis de Easy Rider, a personagem cen-tral de Mammuth não tem necessidade de ser assassinada por reaccionários locais, pois o sistema, mais subtil, já o transformara num farrapo, na morte em pé.

Chama-se, na verdade, Serge Pilardosse. No princípio do filme, deixa a empresa de desmancho de porcos onde passou a maior parte da sua existência e volta para casa depois de uma degustação de batatas fritas em sua honra e enriquecido com um puzzle de 900 peças nos braços, sumptuosa prenda de despedida pelos seus leais serviços.

Em casa, espera-o Catherine (Yolande Moreau), a mulher, uma gorda simpática, em-pregada numa grande superfície, cuja ternura toma a forma de advertências noctur-nas do género: “Levanta a tampa da sanita!”

O casal tem dificuldade em equilibrar o orçamento. Quando a caixa de pensões anuncia a Serge que os seus descontos não existem, só lhe resta partir, destapar a Mammuth que dorme na sua garagem desde os anos 1970 e fazer-se à estrada, cabelos ao vento.

A colecção de encontros lamentáveis, desconexos e truculentos justificam desde logo que o pretexto do argumento valha o seu peso em amendoins: desde o coveiro can-

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tor (Dick Annegan) até ao coleccionador de moedas na praia (Benoît Poerlvoorde), passando pela prostituta que o rouba (Anna Mouglalis) ou a estranha sobrinha que o enfeitiça (Miss Ming).

As judiciosas anotações sobre o estado da sociedade contemporânea, a laminagem da cultura operária e da cultura tout court, o arruinar da solidariedade e da dignidade de classe, o desamor pelo trabalho bem feito, a tristeza da paisagem contemporânea, a desmaterialização informatizada do mundo, tudo isso está perfeito.

O filme vai, no entanto, mais longe. Ao ataviar Pilardosse com a presença a seu lado do fantasma do seu amor de juventude (Isabelle Adjani), reconstitui implicitamente o casal de actores de Escândalo de Primeira Página (1976), de André Téchiné, e transforma-se numa comovente meditação melancólica sobre o tempo que passa, sobre a despos-sessão do mundo, sobre o cinema como registo poético da morte a trabalhar.

Debaixo da trivialidade paquidérmica desta balada, Gérard Depardieu revela-se como aquilo que nunca deixou de ser: um enorme actor romântico, com falta de amor e de ternura. É, aliás, o único bem que resta à sua personagem, que regressa para o pé da sua mulher Gros-Jean como antes, mas agora com o coração em fogo por ela. Será o amor, nos tempos que correm, a última revolução? Façam o favor de assinalar aos autores e ao jornal uma eventual outra solução.

LES INROCKUPTIBLES“Um reformado volta a percorrer em mota todos os empregos da sua vida para reco-lher folhas de ordenado. Uma cantilena folk dedilhada por um Depardieu sublime.”

Axelle Ropert

Existem provavelmente duas maneiras de jogar com a idiotice do cinema: fazer de ma-neira a que a idiotice da ficção assoma ao real (Jerry Lewis, Quentin Dupieux, os irmãos Farrelly, etc.) ou fazer de maneira a que a idiotice do real assoma à ficção (Moullet e os seus documentários, os “Belges”, “Groland”, etc.). Nesses dois KO, trata-se de forçar ao máximo o espanto, de maneira a que nenhuma questão seja possível.

Em Mammuth, a simplicidade do gancho (um talhante parte estrada fora à procura de documentos que asseguram a sua reforma), das personagens (a sua natureza: nunca reflectem) e o ajustamento da mise en scène contribuem para criar um fundo de in-credulidade e uma constante comicidade.

O perigo da monotonia é contrariado pela chegada da fatalidade, da ternura e da tragé-dia e todas três com rosto de mulher: Anna Mouglalis, Yolande Moreau, Isabelle Adjani, ícones desse mundo antigo onde os homens meio adormecidos, meio alucinados, os pés na lama e a cabeça na lua, praticam uma forma de santo suplício trivial. A redenção está na morcela, e porque não?

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As cenas são muito engraçadas, mas há uma ideia no mínimo genial, que impede as facilidades da misantropia mal-humorada e liberta os abraços neste mundo de idiotas: ter confiado o papel de Mammuth a Gérard Depardieu.

Para a ocasião, arranjou o aspecto de Mickey Rourke em O Wrestler, cabelos exibidos como se fossem um troféu Cash Converters. Delépine e Kerven, com mil vezes mais delicadeza que Aronofsky, que repassava sem vergonha pela patética carne do seu ac-tor, inventaram para Depardieu planos à medida para acolher a sua monumentalidade trémula.

Ele contenta-se em se atirar para lá, um talhante à espera do último grito em salsichas como se fosse a chegada do Messias, absorvendo toda a imbecilidade do mundo e restituindo-a, digerida, como um homem cujo único ofício fosse viver com uma doçura que nos faz vir as lágrimas aos olhos. “Não podem sequer imaginar o tamanho da minha solidão… É sombria e quente como o ventre da minha mãe”, escrevia Jean-Pierre Martinet, um escritor que sem dúvida teria amado este filme.

É o actor dos distanciamentos impossíveis, populista (amor por Georges Frêche) e elitista (amor por Marguerite Duras) e exótico (em Dumas, crioulo recentemente), porco e delicado, que deixou de amar o cinema e, portanto, é de uma precisão infinita em relação à sua arte.

Chegou a nossa vez de dizer uma coisa, idiota mas perturbadora: é o maior actor do mundo.

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BIOGRAFIASBenoît Delépine e Gustave Kervern aprenderam o ofício (durante 15 anos!) na televisão, escrevendo e interpretando sketches. Para um foram os Guignols de L’Info e Groland (programas satíricos), para outro Le plein de Super (programa de rock).

Conheceram-se há nove anos quando trabalharam juntos em Groland, um programa completamente livre, realizado em vídeo digital, que lhes permitiu testar novas soluções narrativas; escrevendo pequenas ficções cada vez mais elaboradas.

No seu currículo têm Toc Toc Toc, uma série de humor graças à qual conheceram Maurice Pialat que os empurrou para o cinema, e Don Quichotte de la Revoluccion, um road-movie protagonizado por um motard anarquista acompanhado de um entregador de pizzas numa motocicleta.

Para o seu primeiro filme como realizadores, Aaltra, (apresentado em numerosos fes-tivais internacionais), quiseram encontrar a vida que, por vezes, falta ao cinema ac-tual, misturando actores com não-actores, câmara visível e invisível, textos escritos ou improvisados, explorando sempre ao máximo os lugares e os encontros humanos que se vão fazendo durante uma rodagem. Aquele com Aki Kaurismaki permanecerá para eles como um dos grandes momentos da sua vida.

Essa primeira longa-metragem, bem recebida pela crítica, obteve um sucesso de culto que encorajou os dois realizadores a prosseguir com a sua colaboração com Avida, uma comédia metafísica, absurda e surrealista, projectada fora de competição em Cannes, em 2006.

Em 2008, a sua terceira longa-metragem Louise-Michel (também estreada em Portugal pela Alambique), comédia social e satírica sobre os patrões vigaristas, foi apresen-tado na competição oficial do Festival de San Sebastián onde recebeu o Prémio do Júri para o Melhor Argumento. Louise-Michel também o Prémio Especial do Júri do Festival de Sundance. O filme foi um grande sucesso de crítica e público em França e em numerosos países.

Mammuth é a sua quarta longa-metragem enquanto argumentistas e realizadores.

Benoît Delépine nasceu a 30 de Agosto de 1958.Gustave Kervern nasceu a 27 de Agosto de 1962.

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BENOÎT DELÉPINE

Cinema2010 MAMMUTH Selecção oficial (em competição) do Festival de Berlim 2010 (Argumentista, realizador, produtor)

2008 LOUISE-MICHEL selecção oficial em competição no Festival de Cinema de San Sebastián

(Argumentista, realizador, produtor)

2006 AVIDA selecção oficial fora de competição no Festival de Cinema de Cannes (Argumentista, realizador, actor)

2004 AALTRA selecção oficial no Festival de Cinema de Roterdão (Argumentista, realizador, actor)

1998 MICHAEL KAEL argumentista, actor

1996 A L’ARRACHÉ curta-metragem premiada em Gérardmer (França) (Argumentista, actor)

Televisão1992-2008 GROLAND programa satírico do Canal (Argumentista, actor)

1990-1996 LES GUIGNOLS DE L’INFO Canal+ (Argumentista)

1989 DYNAMO programa cultural do canal La Sept, (Produtor)

1988 Canal+ autor de vários programas de pequena dimensão

Benoît Delépine foi chefe de redacção da revista CREATION e escreveu os argumentos para os livros de banda desenhada L’imposteur, La Bombe e God Killer.

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GUSTAVE KERVERN

Cinema2010 YA BASTA! Curta-metragem (co-realizador, argumentista) MAMMUTH Selecção oficial (em competição) do Festival de Berlim 2010 (Argumentista, realizador, produtor, actor)

2008 LOUISE-MICHEL selecção oficial em competição no Festival de Cinema de San Sebastián

(Argumentista, realizador, produtor)

2006 AVIDA selecção oficial fora de competição no Festival de Cinema de Cannes (Argumentista, realizador, actor)

2006 ENFERMÉS DEHORS, de Albert Dupontel (actor)

2004 AALTRA selecção oficial no Festival de Cinema de Roterdão (Argumentista, realizador, actor)

1996 DELPHINE: 1. YVAN: 0 de Dominique Farrugia (actor)

Televisão2000-2008 GROLAND (argumentista, actor)

2003 CÁMERA CAFÉ M6 (actor)

1999 «H» série do Canal+ (actor)

1994-1995 LE PLEIN DE SUPER Canal+ Programa musical com Yvan Le Bolloch e Bruno Solo (Argumentista, actor)

1995 AUDIARD EN TOUTES LETTRES documentário (Argumentista)

Gustave Kervern é o autor de 50 Propositions pour sauver votre pouvoir d’achat (2008), um livro ilustrado por Lefred Thouron e publicado por Danger Public.

GÉRARD DEPARDIEUUm dos mais talentosos e bem sucedidos actores do nosso tempo, Gérard Depardieu começou a sua carreira de actor no pequeno teatro itinerante “Café de la Gare”. A sua estreia cinematográfica aconteceu em 1974 com “Uma Mulher Para Dois”, de Bertrand Blier.

Alternando entre filmes de prestígio e comédias populares com incrível facilidade, prosseguiu a sua colaboração com Bertrand Blier, ao mesmo tempo que se tornava o

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alter-ego de vários mestres franceses: quatro filmes com Maurice Pialat, vencendo o prémio de melhor actor do Festival de Veneza de 1985 com “Police” e a Palma de Ouro do Festival de Cannes de 1987 por “Ao Sol de Satanás”; dois filmes com François Truffaut, cujo “O Último Metro” (1980) lhe valeu o seu primeiro César de melhor actor; três filmes com Jean-Paul Rappeneau, com “Cyrano de Bergérac” (1990) a dar-lhe o prémio de Melhor Actor no Festival de Cannes, o segundo César de Melhor Actor e a nomeação para o Oscar de Melhor Actor e muitos prémios e prestígio em festivais de cinema internacionais.

Trabalhou com os mais importantes: Claude Berri, Bernardo Bertolucci, Marco Ferre-ri, Jean-Luc Godard, Jean-Paul Rappeneau, Alain Resnais, Ridley Scott, Francis Veber, Peter Weir, para nomear apenas alguns.

Os destaques mais recentes da sua carreira são os filmes sobre Astérix (1999/2002/2008), 36 Anti-Corrupção (2004), Quand j’étais chanteur (2006), La Vie en Rose (2007), Mesrine (2008) e Bellamy (2009).

Mammuth, de Benoît Delépine & Gustave Kervern é a sua quarta colaboração com Isa-belle Adjani depois de Escândalo de Primeira Página (1976), A Paixão de Camille Claudel (1988) e Boa Viagem (2003).

ISABELLE ADJANIIsabelle Adjani é uma das mais talentosas e bem sucedidas actrizes do cinema francês e mundial. Começou a sua carreira na adolescência, tendo participado no seu primeiro filme aos 14 anos (em Le Petit Bougnat, de Michel Bernard Toublanc). A sua primeira grande oportunidade aconteceu em 1974, com La gifle, pelo qual recebeu o Prémio Suzanne Bianchetti, o primeiro de uma longa lista de prémios. Ainda nesse ano, inter-pretou a protagonista de A História de Adèle H., de François Truffaut, um papel que lhe valeu as suas primeiras nomeações para o Oscar e para o César como Melhor Actriz.

Trabalhou com alguns dos maiores realizadores franceses e internacionais (Werner Herzog, Claude Miller, Roman Polanski, Jean-Paul Rappeneau, André Téchiné…) e ganhou em 1981 o prémio de Melhor Actriz no Festival de Cannes pelo seu papel no filme em língua inglesa Os Anos Loucos de Monparnasse, de James Ivory. No ano seguinte, ganhou o primeiro de um recorde de quatro Césares por Possessão (Andrzej Zulawski), seguido por um segundo pelo seu papel em O Verão Assassino, de Jean Becker (1983) e o ter-ceiro por interpretar a escultora francesa Camille Claudel no filme A Paixão de Camille Claudel (1988). Este papel também lhe valeu a segunda nomeação para um Oscar de Melhor Actriz. O filme foi também nomeado para o melhor filme em língua estrangeira. Ganhou o seu quarto César no filme A Rainha Margot, de Patrice Chéreau (1994).

O seu papel mais recente foi em O Dia da Saia, de Jean-Paul Lilienfeld (2008), pelo qual recebeu uma nomeação para melhor actriz nos César de 2010.

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Mammuth, de Benoît Delépine & Gustave Kervern é a sua quarta colaboração com Gérard Depardieu depois de Escândalo de Primeira Página (1976), A Paixão de Camille Claudel (1988) e Boa Viagem (2003).

YOLANDE MOREAUYolande Moreau chamou a atenção de Agnés Varda, em 1985, numa peça de teatro no Festival de Avinhão, que levou a realizadora a oferecer-lhe o seu primeiro papel no cinema em Sem Eira Nem Beira.

Quatro anos depois juntou-se ao grupo de teatro de Jerôme Deschamps, com o qual criou as personagens de culto do programa de televisão do Canal + Les Deschiens. Isto abriu-lhe as portas do mundo do cinema, onde, em 2001, interpretou a porteira de Amélie Poulain no êxito internacional de Jean-Pierre Jeunet.

Protagonizou e co-realizou a sua primeira longa-metragem, Quand la mer monte (2004), com o seu amigo, o director de fotografia Gilles Porte, ganhando o César de Melhor Actriz pelo seu papel. A Academia de Cinema Francesa premiou o filme com outro César para a melhor primeira obra, que partilhou com Gilles Porte.

Em 2008, o seu talento e humanismo na interpretação da, há muito esquecida, pintora Séraphine, no filme homónimo de Martin Provost, valeu-lhe o seu segundo César como Melhor Actriz. Depois desta muito aclamada interpretação, transformou-se na assas-sina da classe operária na comédia negra Louise-Michel, de Benoît Delépine & Gustave Kervern, a que se seguiu Micmacs, de Jean-Pierre Jeunet, e Serge Gainsbourg (vie héroïque), de Joan Sfar.

MISS MINGMiss Ming pertence à categoria de artistas “crus” que partilham o gosto por um mundo menos polido. Já foi chamada de “simples declaração de amor ao ser humano naquilo que é mais irracional, frágil e belo”.

O seu estilo de escrita espontâneo e refrescante, as suas curtas de animação rudes e criativas no YouTube (ela acredita que rivaliza com a Pixar!), as suas canções in-fantis e travessas (que assina como Candy Rainbow) e a sua intimidade combinam-se poeticamente com a música dos seus amigos Credo Quia Absurdum e com o mundo ci-nematográfico dos realizadores Benoît Delépine & Gustave Kervern. Estes conheceram a poeta quando estavam a filmar a sua segunda longa-metragem, Avida, e Mammuth marca a sua segunda colaboração depois de Louise-Michel: “Ela tem uma forte pre-sença no ecrã, mesmo quando aparece apenas dez minutos sem dizer uma palavra”.

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FICHA ARTÍSTICAMammuth GÉRAD DEPARDIEU

Catherine YOLANDE MOREAU

O amor perdido ISABELLE ADJANI

O concorrente BENOÎT POELVOORDE

Miss Ming MISS MING

O empregado da caixa de pensões BLUTCH

O director do hospício PHILIPPE NAHON

O recrutador BOULI LANNERS

A falsa inválida ANNA MOUGLALIS

O viticultor SINÉ

O guarda do cemitério DICK ANNEGARN

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FICHA TÉCNICARealizadores BENOÎT DELÉPINE, GUSTAVE KERVERN

Argumentistas BENOÎT DELÉPINE, GUSTAVE KERVERN

Produtores JEAN-PIERRE GUERIN, GMT Production

Produtor executivo CHRISTOPHE VALETTE

Fotografia HUGUES POULAIN

Cenografia PAUL CHAPELLE

Vestuário FLORENCE LAFORGE

Montagem STÉPHANE ELMADJIAN

Mistura de som GUILLAUME LE BRAZ

Música original GAËTAN ROUSSEL

Produção GMT PRODUCTIONS | NO MONEY PRODUCTIONS

Em co-produção com DD PRODUCTIONS | MONKEY PACK FILMS | ARTE FRANCE CINEMA

Com a participação de BANQUE POSTALE IMAGE 3 | CANAL + | CINECINEMA

Com o apoio de Região de POITOU CHARENTES | Departamento da CHARENTEDepartamento da CHARANTE MARITIME

Em colaboração com CNC

Vendas Internacionais Funny Balloons

Distribuição em Portugal ALAMBIQUEDuração: 92 mn | Imagem: 1.1:85 | Cor | Som: Dolby Digital | Formato de rodagem: 1.85 | Formato de exploração: 35 mmNacionalidade: francesa | Nº Visa: 124 018 | Fotos GÉRARD MARTRON