Um problema de Erdös resolvido com matemática básica

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Por sugestão de Kovacec, estudou-se a resolução de um problema de Erdös, usando matemática básica. Foi publicado na Folha Informativa nº 9 da SPM, Janeiro de 1999,

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Um problema de Erdös resolvido por Vilmos Komornik

Arsélio de Almeida Martinssobre uma sugestão de A. Kovačec

Aveiro, 1997/1998

A ideia:

Numa sessão de formação de professores acompanhantes do programa do ensino secundário de Matemática,A. Kovačec propôs o estudo de um artigo seu intitulado "Dum Teorema de Euler a uma conjectura deErdös".

Para a maioria dos presentes, preocupados com problemas de geometria sintética e introdução do métodocartesiano, o estudo proposto – demonstração de teoremas envolvendo desigualdades em círculos e triângu-los – apareceu deslocado. Os professores acompanhantes ansiavam por apoio ao ensino rápido de assuntosenvolvendo posições relativas de pontos, rectas e planos (no plano e no espaço), de situações problemáti-cas com poliedros que pudessem ser resolvidas por observação apoiada em modelos e representações emprojecção cavaleira e servissem para retirar algumas consequências métricas e introduzir o método carte-siano.

Nessa sessão, A. Kovačec apresentou várias propostas para estudo e entre elas a de estudar outras demon-strações do Teorema de Erdös-Mordell. Como é óbvio, a proposta não colheu fácil adesão. Foi só quandocomeçaram as preocupações com a gestão do tema geral (transversal) do Programa é que a proposta gan-hou sentido. Esse tema geral não está localizado temporalmente na gestão do Programa. Pretende-seque as questões de que trata sejam introduzidas à medida das necessidades e aproveitando oportunidadessugeridas pelo desenvolvimento dos diferentes temas centrais do Programa. Desse tema geral, fazem parteas noções de Lógica, Teoremas e Métodos de demonstração, bem como a reflexão sobre as heurísticas paraa resolução de problemas e o processo de modelação matemática.

Neste contexto, as propostas de A. Kovačec ganharam então todo o sentido.

O que é agora referido como Teorema de Erdös-Mordell foi originalmente proposto por Erdös [1] comoum problema, a saber:

“De um ponto O do interior de um triângulo ABC tiram-se perpendiculares, OP,OQ e ORaos seus lados. Provar que

OA+OB +OC ≥ 2(OP +OQ+OR)"

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O problema de Erdös resolvido por Vilmos Komornik

A proposição

Dado um ponto P dentro de um triângulo ABC,e sendo RA, RB , RC as distâncias de P aos vérticesA,B, e C e ra, rb, rc as distâncias a que esse ponto P está dos lados a = BC, b = AC e c = AB,então

RA + RB + RC ≥ 2(ra + rb + rc) (1)

foi conjecturada por Erdös (Vilmos Komornik [9]). Ele chegou a esta conjectura por via experi-mental em 1932, depois de ter desenhado muitos e muitos triângulos.

Elementos no Triângulo de Erdös-Mordell

O estudo deste assunto foi sugeerido por Alexander Kovačec que, após apresentar uma demon-stração [7], desafiou a que se procurassem e estudassem outras soluções do problema de Erdös [1].De todas as soluções encontradas, estudámos duas delas em detalhe: a de Komornik que utilizaexclusivamente resultados básicos (obrigatórios para um estudante que complete o ensino básico)e uma outra, apresentada por L. J. Mordell [2], que utiliza tão somente trigonometria básica (aoalcance de um estudante do ensino secundário).

O tema é rico de informações e implicações formativas para professores e alunos. Constitui um dosmuitos exemplos da imaginação de Paul Erdös e a prova de que se podem esperar resultados novosonde já nada de novo há para ser acrescentado. Para o problema, agora conhecido como Teorema deErdös-Mordell, foram apresentadas muitas soluções extremamente diversas, mobilizando diferentesnoções de diferentes níveis de complexidade.

Estudo da solução apresentada por Vilnos Kormornik

Como já foi referido, a primeira demonstração que escolhemos pode ser realizada recorrendo ex-clusivamente a resultados conhecidos da matemática básica. Apontemos esses resultados:

a2 + b2 ≥ 2ab (2)

a

b=

c

d=⇒ a

b=

a + c

b + d, ∀a, b, c, d ∈ R+ (3)

(ab

=c

d∧ a < c

)=⇒ b < d, ∀a, b, c, d ∈ R+ (4)

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Considerando o triângulo ∆ABC, da figura abaixo em que P ∈ BC; PR ⊥ AC, QT ⊥ AC,PS ⊥ AB e QU ⊥ AB.

AQ

AP=

QU

PS=

QT

PR(5)

Esboçamos, em seguida, as demonstrações desses resultados básicos,

1. ∀a, b ∈ IR, (a− b)2 ≥ 0, a2 + b2 − 2ab ≥ 0

2.a

b=

c

d=⇒ ad = bc =⇒ ad + ab = bc + ab =⇒ a(b + d) = b(a + c) =⇒ a

b=

a + c

b + d

3.a

b=

c

d⇔ ad = bc⇔ d =

c

b.b ∧ a < c =⇒ b = a.

b

a< c.

b

a=

cb

a= d

4. ∠AQU = ∠APS, ∠AQT = ∠APR,∠AUQ,= ∠ASP = ∠ATQ = ∠ARP , rectos.

Da semelhança dos triângulos ∆APS e ∆AQU , retira-se queAQ

AP=

QU

PSe da semelhança

dos ∆ARP e ∆ATQ, retira-seAQ

AP=

QT

PR

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Demonstração de Komornik

A solução de Vilmos Komornik para o problema de Erdös é feita em três passos:

1. Primeiro, considera um ponto P sobre [BC], um dos lados do ∆ABC, de comprimento a.

Como RA é maior ou igual à altura relativa a a, a.RA é maior ou igual que o dobro da áreado ∆ABC que é igual a b.rb + c.rc(área ∆ABC = área ∆APC + área ∆APB. Sem dúvidaque

a.Ra ≥ b.rb + c.rc (6)

E este resultado mantém-se válido se P for um ponto do interior do ∆ABC. Basta atentarna figura seguinte

De facto, como já vimos nos resultados preliminares, designando AP ′ por R′A,

R′A

RA=

r′brb

=r′crc

a.R′A

a.RA=

b.r′bb.rb

=c.r′cc.rc

a.R′A

a.RA=

b.r′b + c.r′cb.rb + c.rc

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Por isso, sendo verdade (como vimos atrás) que

a.R′A ≥ b.r′b + c.r′c

terá de sera.RA ≥ b.rb + c.rc (7)

De modo inteiramente análogo ao utilizado para o caso P ′ sobre a (ou permutação cíclicados índices) se conclui:

b.RB ≥ a.ra + c.rc (8)

c.RC ≥ a.ra + b.rb (9)

2. Para o caso do ∆ABC ser equilátero, a desigualdade de Erdös vem imediata: Como a = b = c,

a.RA ≥ b.rb + c.rc ↔ RA ≥ rb + rc

b.RB ≥ a.ra + c.rc ↔ RB ≥ ra + rc

c.RC ≥ a.ra + b.rb ↔ RC ≥ ra + rb

E, adicionando ordenadamente,

RA + RB + RC ≥ rb + rc + ra + rc + ra + rb

RA + RB + RC ≥ 2(ra + rb + rc)

Com esta demonstração, fica também estabelecido que

RA + RB + RC = 2(ra + rb + rc)↔ P é o centro do ∆ABC equilátero

3. Se o ∆ABC não é equilátero, convirá demonstrar um novo resultado por aplicação da de-sigualdade “a.ra ≥ b.rb + c.rc" a um ponto P ′ simétrico de P relativamente à bissectriz do∠BAC.

Considere-se a figura

em que AI é a bissectriz do ∠BAC e P ′ é o simétrico de P (relativamente a AI) e naturalmentedesignamos por R′

A = AP ′, r′b a distância de P ′ a b e r′c a distância de P ′ a c. Bastaatentar na figura e nas igualdades dos triângulos (da construção auxiliar) para saber queRA = R′

A, rb = r′c e rc = r′b. Acontece que sendo

a.RA ≥ b.rb + c.rc

ea.R′

A ≥ b.r′b + c.r′c

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podemos concluir que

a.RA ≥ b.rc + c.rb ←→ RA ≥b.rc + c.rb

a(10)

E evidentemente

b.RB ≥ a.rc + c.ra ←→ RB ≥a.rc + c.ra

b(11)

c.RC ≥ a.rb + b.ra ←→ RC ≥a.rb + b.ra

c(12)

Adicionando ordenadamente

RA + RB + RC ≥b.rc + c.rb

a+

a.rc + c.rab

+a.rb + b.ra

c=

=b.rca

+c.rba

+a.rcb

+c.rab

+a.rbc

+b.rac

=

=

(b

c+

c

b

)ra +

( c

a+

a

c

)rb +

(a

b+

b

a

)rc =

b2 + c2

bcra +

a2 + c2

acrb +

a2 + b2

abrc

E como já vimos que

a2 + b2

ab≥ 2, ∀a, b ∈ IR+

podemos concluir que RA + RB + RC ≥ 2(ra + rb + rc).

Bibliografia:

[1] Erdös, Paul (1935) Problem 3740, American Mathematical Monthly 42, 396.

[2] Mordell, l. J. (1937) Solution by L. J. Mordell, American Mathematical Monthly 44,252.

[3] Barrow, David F. (1937) Solution by David F. Barrow, American Mathematical Monthly 44,252-254

[4]Kazarinoff, Donat K, (1957) A simple Proof of the Erdös-Mordell Inequality for Triangles,Michigan Mathematical Journal 4, 97-98.

[5] Bankoff, Leon (1958) An Elementary Proof of the Erdös-Mordell Theorem, American Math-ematical Monthly 65, 521.

[6] Oppenheim, A (1961) The Erdös Inequality and other Inequalities for a Triangle, AmericanMathematical Monthly 68, 226-230

[7] Kazarinoff, N. (1961) Geometric Inequalities, Random House.

[8] Avez, André (1993) A Short Proof of a Theorem of Erdös and Mordell, American Mathe-matical Monthly 100, 60-62.

[9] Komornik, Vilmos (1997) A Short Proof of the Erdös-Mordell Theorem, American Mathe-matical Monthly 104, 57-68.