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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO MESTRE PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” CURSO DE PSICOLOGIA JURÍDICA O PAPEL DA FAMÍLIA NA PREVENÇÃO AO USO DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS ANA MARIA PIRES MENEZES ORIENTADORA PROFESSORA ANA ABREU Rio de Janeiro 2011

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” CURSO DE PSICOLOGIA JURÍDICA

O PAPEL DA FAMÍLIA NA PREVENÇÃO AO USO DE ÁLCOOL E

OUTRAS DROGAS

ANA MARIA PIRES MENEZES

ORIENTADORA PROFESSORA ANA ABREU

Rio de Janeiro 2011

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” CURSO DE PSICOLOGIA JURÍDICA

O PAPEL DA FAMÍLIA NA PREVENÇÃO AO USO DE ÁLCOOL E

OUTRAS DROGAS

Apresentação de monografia à Universidade Candido Mendes como condição prévia para a conclusão do Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” em Psicologia Jurídica.

Por: Ana Maria Pires Menezes

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AGRADECIMENTOS

A Deus pela oportunidade de realizar mais este projeto.

A meu pai Adimar que sempre me incentivou a estudar. Para tanto não mediu esforços

chegando a vender um automóvel para comprar uma enciclopédia.

À minha mãe Maria por se fazer presente no momento em que mais precisei.

A meus filhos Moisés, Michelle e Cristina que com carinho e amor me apoiaram nesta

tarefa.

A meu esposo José Wilson, que com amor e paciência, suportou a divisão do meu tempo entre trabalho e estudo. E a todos os professores e alunos com os quais convivi durante um ano dividindo alegrias e preocupações.

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“Conta antiga lenda indiana que dois homens aproveitavam um

dia de sol para se distraírem pescando, quando ouviram gritos de socorro. Para surpresa dos dois, os gritos vinham do meio do rio: eram duas crianças que se afogavam! Imediatamente os dois pularam na água e salvaram as crianças. Nem bem recuperados, outros gritos encheram o ar: eram pedidos de socorro de quatro crianças que se encontravam na iminência de morrer. Sem um olhar para o outro, automaticamente, os pescadores lançaram-se no rio e conseguiram salvar duas das quatro crianças! Sem fôlego, aterrorizados com o ocorrido, ouviram mais gritos, desta vez, de oito crianças! Um dos pescadores virou as costas para o rio e começou a caminhar… O outro, desesperado, gritou suplicando-lhe ajuda… Como resposta, ouviu apenas: é preciso ir à cabeceira do rio, saber quem joga as crianças!” (Autor desconhecido).

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................................ 06

CAPÍTULO I – Não existe sociedade sem drogas..................................................... 08

1- Breve Histórico sobre as drogas........................................................................ 08

2- As drogas na sociedade contemporânea............................................................ 12

CAPÍTULO II – Família e drogadição...................................................................... 15

1- O papel da família ao longo da história.............................................................. 15

2- Entendendo as famílias....................................................................................... 15

3- Winnicott: A importância das relações primárias............................................... 18

4- Pai: Figura indispensável.................................................................................... 23

CAPÍTULO III – Família e prevenção...................................................................... 25

1- Funções familiares.............................................................................................. 25

2- Fatores de risco e de proteção............................................................................. 28

3- Estilos parentais.................................................................................................. 31

4- Famílias e políticas públicas............................................................................... 34

CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................... 36

BIBLIOGRAFIA......................................................................................................... 38

WEBGRAFIA.............................................................................................................. 40

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INTRODUÇÃO

Para a realização deste estudo foi necessária a utilização de pesquisa

bibliográfica, tendo como ponto de partida alguns textos referenciados pelos professores

do curso de Psicologia Jurídica. Foram consultados as Políticas Públicas sobre Drogas

no Brasil e o Estatuto da Criança e do Adolescente. Também buscou-se textos

complementares pesquisados na internet.

No cenário brasileiro, o uso de álcool e outras drogas tem-se constituído como

um problema de saúde, segurança pública e sobre tudo como uma questão social de

grande dimensão. Alguns fatores se colocam como de risco e de proteção ao uso de

substâncias psicoativas. Eles estão no próprio indivíduo, na família, na escola, na

comunidade e na sociedade em geral.

O presente estudo enfocará o papel da família como fator protetivo ao uso de

álcool e outras drogas. Para tanto, é preciso analisar o uso de substâncias psicoativas

pela sociedade ao longo da história e na contemporaneidade, tendo em vista que a

família terá características relacionadas à cultura a qual está inserida.

Pesquisar diferentes modelos de organização familiar, compreender os diversos

estilos parentais e sua correlação com o uso de substâncias psicoativas bem como

investigar formas de proteção que possam ser utilizadas pelas famílias são alguns dos

objetivos desse trabalho.

As relações familiares serão abordadas em seu aspecto primário, ou seja, a

importância da relação mãe-bebê e as consequências geradas quando esta relação não

acontece de forma satisfatória pela criança. A importância da presença do pai, mesmo

que seja, em alguns casos, simbolicamente no imaginário da criança.

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A reflexão sobre família e prevenção será realizada através da apresentação dos

assuntos: fatores de risco e de proteção, funções familiares e estilos parentais. Por fim, é

necessário trazer a cena o apoio do Estado às famílias utilizando como estratégia as

políticas públicas para acelerar a inclusão social.

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CAPÍTULO I

NÃO EXISTE SOCIEDADE SEM DROGAS

1- Breve histórico sobre as drogas.

O consumo de substâncias psicoativas popularmente referidas como “drogas” é

fenômeno recorrente e disseminado em diversas sociedades humanas e em diferentes

momentos de suas histórias. Do ponto de vista do campo de estudos da cultura e da

política, no seu sentido mais amplo, a existência e o uso de substâncias que promovem

alterações na percepção, no humor e no sentimento são uma constante na humanidade,

remontando a lugares longínquos e a tempos imemoriais. Os múltiplos modos pelos

quais essa existência e esses usos são concebidos e vivenciados variam histórica e

culturalmente (Labate, 2008, p.13).

Drogas não são somente compostos dotados de propriedades farmacológicas

determinadas, que possam ser natural e definitivamente classificadas como boas ou más.

Sua existência e seus usos envolvem questões complexas de liberdade e disciplina,

sofrimento e prazer, devoção, aventura, transcendência e conhecimento, sociabilidade e

crime, moralidade e violência, comércio e guerra.

As definições e práticas relacionadas à “drogas” são produtos históricos e

culturais, que remetem a modos particulares de compreensão, experimentação e

engajamento no mundo, sujeitos a regularidades e padrões, mas também a variações e

mudanças (Ibid., p.13).

No Brasil, no inicio da colonização, os portugueses descobriram o costume

indígena de produzir e beber uma bebida forte, fermentada a partir da mandioca,

denominada cauim. Ela era utilizada em rituais, em festas, portanto, dentro de uma

pauta cultural bem definida. Os índios usavam também o tabaco, que era desconhecido

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dos portugueses e de outros europeus. No entanto, os portugueses conheciam o vinho e

a cerveja, e logo mais aprenderiam a fazer a cachaça. Conhecida de muito tempo, era

utilizada para alterar a consciência, para calar as dores do corpo e da alma. Para tudo, na

alegria e na tristeza, o brasileiro justifica o uso do álcool. Bebida íntima da população,

pois com pouco dinheiro pode-se beber o suficiente para perturbar a si e aos demais que

estiverem a sua volta.

Não depende sempre da vontade o desejo de beber, pelo menos em muitos casos.

É quase uma imposição; a bebida está bem entranhada na cultura brasileira. O ato de

beber faz parte da nossa maneira de ser social. Temos uma pauta cultural: o vinho no

natal, a cerveja no carnaval, o licor na festa de São João e assim por diante. O tabaco,

uma droga que pode ser utilizada isoladamente ou associada ao álcool, desperta a

atenção dos pesquisadores por, assim como outras drogas lícitas, causar riscos à saúde.

Entretanto, no início, eram-lhe atribuídas propriedades curativas:

“O tabaco é uma planta cujo nome científico é Nicotina Tabacos, da qual é extraída uma substância chamada nicotina. Seu uso surgiu aproximadamente no ano 1000 A.C., nas sociedades indígenas da América Central, em rituais mágicos – religiosos com o objetivo de purificar, contemplar, proteger e fortalecer os ímpetos guerreiros, além de acreditar que a mesma tinha o poder de predizer o futuro.

A planta chegou ao Brasil provavelmente pela migração de tribos tupis-guaranis. A partir do século XVI, o seu uso foi introduzido na Europa, por Jean Nicot, diplomata francês vindo de Portugal, após ter-lhe cicatrizado uma úlcera de perna, até então incurável.

No início, utilizado com fins curativos, através do cachimbo, difundiu-se rapidamente, atingindo Ásia e África, no século XVII. No século seguinte, surgiu a moda de aspirar rapé, ao qual foram atribuídas qualidades medicinais, pois a rainha da França, Catarina de Médicis, o utilizava para aliviar suas enxaquecas.”

[...] “Seu uso espalhou-se por todo mundo a partir de meados do século XX, com

ajuda de técnicas avançadas de publicidade e marketing, que se desenvolveram nesta época.” (Rosemberg, 2011)

O uso de maconha, com propósitos medicinais, data de 2700 a.C. Largamente

utilizada na Europa durante os séculos XVIII e XIX , foi introduzida no Brasil pelos

escravos africanos e foi também difundida entre os indígenas, no início com propósitos

medicinais e nas atividades recreativas. Nos Estados Unidos, ela já era conhecida pelos

índios quando os mexicanos a trouxeram para aquele país. No final do primeiro quarto

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do século XX, no Brasil, segundo descrição de Pernambuco – Filho&Botelho,

distinguiam –se duas classes de “vícios”: os vícios elegantes que eram o da morfina, da

heroína e da cocaína, consumidos pelas elites (branca em sua maioria) e os

deselegantes, destacando-se o alcoolismo e o maconhismo, próprios das camadas

pobres, em geral, formadas por negros e seus descendentes.

Não tardou para que a maconha viesse a “escravizar a raça opressora”. Estas

afirmações mostram que já naquela época, ocorria a difusão do seu consumo por todas

as classes sociais. Este é um fato incontestável diante da realidade nacional, entretanto

permanece no imaginário social a associação “pobre–preto-maconheiro-marginal-

bandido” traduzidas nas ações policiais dirigidas às pessoas autuadas pelo porte de

maconha, que na periferia das grandes cidades são muito mais severas do que nas áreas

mais ricas e socioeconomicamente mais favorecidas.

A partir dos anos oitenta, evidenciou-se um aumento considerável das

apreensões de cocaína no Brasil. Em paralelo, houve um aumento do consumo e com

isso a cocaína tomou o lugar dos medicamentos como o dextropropoxifeno e derivados

anfetamínicos (bolinhas e arrebites) na preferência dos usuários desse tipo de

substâncias estimulantes. Outros aspectos culturais estão associados ao uso da cocaína,

além do lugar que ocupa, como produto proibido. Sua folha tem sido usada

milenarmente pelos povos andinos para reduzir a fadiga e o cansaço das longas jornadas

de trabalho. Em nossa cultura, algumas pessoas fazem uso para se manterem acordadas

e atentas por mais tempo que o habitualmente suportável. Um estudo realizado entre

adolescentes que procuraram tratamento na cidade de São Paulo, encontrou como

principal (64,7%) motivo de uso de cocaína o “alívio do desânimo”.

No início dos anos noventa, o crack, uma forma de cocaína de uso relativamente

recente em nosso país, teve os primeiros registros científicos de seu consumo. O crack é

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uma droga ilegal derivada da planta de coca. É feita do que sobra do refinamento da

merla, que é sobra do refinamento da cocaína, ou da pasta não refinada misturada ao

bicabornato de sódio e água. Foi criada por soldados americanos em meados do ano de

1966, para tentar diminuir o movimento dos Panteras Negras. Pedras como cristais são

fumadas em uma espécie de cachimbo. A rapidez e intensidade de seus efeitos, que se

devem à intensa absorção da cocaína ao nível dos pulmões, são fatores que favorecem a

dependência dessa droga.

Mas, afinal de contas, o que é droga? Entre os próprios especialistas das

ciências biomédicas não há acordo no que diz respeito ao sentido preciso do termo

“droga”. Na linguagem mais técnica, “droga” serve para designar amplamente qualquer

substância que, por contraste ao “alimento”, não é assimilada de imediato como meio de

renovação e conservação pelo organismo, mas é capaz de desencadear no corpo uma

reação tanto somática quanto psíquica, de intensidade variável, mesmo quando

absorvida em quantidades reduzidas (Labate, 2008, p.14).

“Psicoativo” é um dos termos cunhados para referir às substâncias que

modificam o estado de consciência, humor ou sentimento de quem as usa –

modificações essas que podem variar de um estímulo leve, como o provocado por uma

xícara de café, até alterações mais intensas na percepção do tempo, do espaço ou do

próprio corpo, como as que podem ser desencadeadas por alucinógenos vegetais, como

a ayahuasca, ou “anfetaminas psicodélicas” sintéticas, como o MDMA, popularmente

conhecido como ecstasy (Ibid., p.15)

Ao lado das significações atuais mais costumeiras de “medicamento” e de

“psicoativo”, encontra-se nas línguas européias uma utilização mais antiga do termo

para designar ingredientes empregados não só na medicina, mas também na tinturaria e

na culinária, provenientes de terras estrangeiras distantes, como as especiarias do

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Oriente e, posteriormente, o açúcar, o chá, o café e o chocolate (Goody apud Ibid.). Na

linguagem mais comum, por fim, “drogas” significam substâncias psicoativas ilícitas

(maconha, cocaína, crack, heroína, LSD, ecstasy etc.), cujo uso é tido necessariamente

como abusivo e que são alvo dos regimes de controle e proibição.

2- As drogas na sociedade contemporânea.

Nas sociedades contemporâneas, o uso de “drogas” assumiu as proporções de

uma preocupação central no debate público, principalmente por sua representação

unilateral como perigo para a saúde pessoal e coletiva e por sua associação imediata

com a criminalidade e a violência urbana. Esse viés da ameaça à saúde, à juventude, à

família e à ordem pública, que ainda organiza em grande parte a discussão do tema,

promove uma distorção decisiva, já que tende a atribuir à existência de “drogas” o

sentido universal de encarnação do mal e a tratá-lo como um problema conjuntural que

poderia ser definitivamente eliminado por meio da proibição e da repressão.

Há, pois, pelo menos dois sérios inconvenientes com a acepção

convencionalmente predominante que identifica o uso de “drogas” com o abuso de

psicoativos ilícitos. Em primeiro lugar, ela confina a discussão ao âmbito da patologia

da drogadição: “drogas” seriam substâncias usadas por “viciados” ou “dependentes” e,

por conta disso, acarretam graves problemas à saúde pessoal e à ordem pública. Em

conseqüência, a própria existência de “drogas” é tida unilateralmente como um perigo

em si, uma ameaça à sociedade. Compõe-se assim o cenário familiar da “guerra às

drogas” com sua seqüela de estigmatização, violência, cinismo e estreiteza intelectual,

numa espécie de espiral viciosa que naturaliza a ilegalidade e potencializa a repressão.

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A fracassada tentativa de proibir a fabricação, o comércio e o transporte de

bebidas alcoólicas nos EUA nos anos 1920 (conhecida popularmente como “lei seca”)

deveria ser suficiente para mostrar a íntima conexão que se estabelece entre a proibição

oficial e a violência social crescente: o negócio clandestino tornou-se fonte fabulosa de

lucro, corrupção e crime, além de aumentar grandemente os riscos para os consumidores

com a oferta de produtos adulterados e de má qualidade (Chesnais apud Labate, 2008).

Apesar disso, nossa legislação continua a fazer vistas grossas às evidências de

que o sofrimento e as mortes associadas pelas autoridades e pela mídia ao uso de

“drogas” em nossas grandes cidades decorrem principalmente da clandestinidade que

nutre o mercado e cria mundos de delinqüência, ligados tanto ao tráfico quanto à

repressão, os quais freqüentemente se superpõem e se reforçam mutuamente como

forças de extorsão (Misse; Rodrigues apud Labate, 2008).

Embora a idéia da “redução de danos” venha ganhando terreno nos últimos anos,

como diretriz alternativa de políticas públicas relacionadas às “drogas”, o debate

público entre nós ainda se pauta pela proibição, que repudia e criminaliza o uso e o

comércio de determinadas substâncias. Os especialistas biomédicos reconhecem que

nem todo usuário de “drogas” é necessariamente um “dependente”.

Com relação à “redução de danos” a Lei Nº 11.343, de 23 de agosto de 2006 que

institui o Sistema Nacional de Políticas sobre drogas – Sisnad; prescreve medidas para

prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de

drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito

de drogas; define crimes e dá outras providências; refere em seu Art.19 inciso VI - o

reconhecimento do ”não-uso”, do “retardamento do uso” e da redução de riscos como

resultados desejáveis das atividades de natureza preventiva, quando da definição dos

objetivos a serem alcançados.

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Freud, em seu texto “O mal – estar na civilização”, aponta para alguns métodos

existentes na sociedade humana para evitar o sofrimento e buscar a felicidade (mesmo

que parcial). “A vida, tal como a encontramos, é árdua demais para nós; proporciona-

nos muitos sofrimentos, decepções e tarefas impossíveis. A fim de suportá-las, não

podemos dispensar as medidas paliativas” (2011). Segundo ele, seriam algumas

medidas desse tipo: as satisfações substitutivas (as fantasias), as substâncias tóxicas, a

sublimação das pulsões, o trabalho, o remodelamento delirante da realidade, o amor e a

enfermidade neurótica.

No que se refere às substâncias tóxicas, relata que o serviço prestado por elas na

luta pela felicidade é tão altamente apreciado como um benefício, que tanto indivíduos

quanto povos lhes concederam lugar permanente na economia de sua libido. Diz ainda

que a sociedade deve a tais substâncias não só a produção imediata de prazer, mas

também um grau altamente desejado de independência do mundo externo, pois sabe-se

que, com o auxílio desse “amortecedor de preocupações “, é possível, em qualquer

ocasião, afastar-se da pressão da realidade e encontrar refúgio num mundo próprio, com

melhores condições de sensibilidade. Exatamente esta propriedade dos intoxicantes que

determina o seu perigo e a sua capacidade de causar danos. Satisfação dos instintos

equivale à felicidade (ibid.). Talvez, por essas razões, a família ocupe lugar tão

importante na prevenção do uso de álcool e outras drogas.

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CAPÍTULO II

FAMÍLIA E DROGADIÇÃO

1- O papel da família ao longo da história.

O autor Philippe Áries faz uma análise da história da família da Idade Medieval

à Idade Moderna. A família no Antigo Regime era vista como a “casa”, cujas principais

funções eram assegurar a transmissão da vida, dos bens e dos nomes e que privilegiava

a dimensão da sociabilidade. Na Idade Média não existia o conceito de individualidade,

não havia o sentimento de infância e nem laços afetivos entre pais e filhos: a família se

confundia com o patrimônio e com a reputação.

A partir do século XVIII, com o nascimento da concepção de infância e de

educação moderna, o sentimento de família estendeu-se à sociedade como um todo e

uma nova organização familiar foi ocupando o espaço antes reservado à sociabilidade.

Essa nova forma de família, moderna, é caracterizada pela organização da sua vida em

torno da imprescindível presença da criança junto aos pais, e pela importância da

intimidade proporcionada pela vida privada.

Na nova família o que une os membros é o sentimento, o costume e gênero de

vida. Na cena contemporânea, não é mais possível falar em família como única

possibilidade existente, mas em famílias, que representam as diversas configurações

atuais (Rosa, 2011).

2- Entendendo as famílias.

No mundo todo, nas últimas décadas, observa-se o crescimento do consumo de

álcool e outras drogas paralelamente ao agravamento de muitos problemas sociais.

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Nesse caso, é possível pensar na influência para os dois lados, pois os problemas sociais

(desemprego, más condições de saúde e educação, falta de opções de lazer, etc.)

contribuem para o aumento desse consumo, agravando assim os problemas dos

indivíduos, famílias, comunidades e países, criando um círculo vicioso.

Nesta situação, jovens e seus familiares se encontram envolvidos por uma

mistura de ausência de emprego estável com remuneração justa, dificuldades escolares,

dificuldades nos relacionamentos familiares e convivência constante com atividades

criminosas, violência, repressão policial e carência de políticas de assistência pública.

Essas condições sociais precárias podem contribuir para o aumento do uso e venda de

álcool e outras drogas nas comunidades (Cruz e Ferreira apud Lacerda, 2009). Para

uma melhor análise dessa questão e, a fim de entender a família em sua complexidade, é

importante observar um, dos vários conceitos de família existentes, o qual é muito

amplo:

“A família é um sistema aberto e interconectado com outras estruturas sociais e

outros sistemas que compõem a sociedade, constituído por um grupo de pessoas que

compartilham uma relação de cuidados (proteção, alimentação e socialização), vínculos

afetivos (relacionais), de convivência, de parentesco consanguíneo ou não,

condicionados pelos valores sócio-econômicos e culturais predominantes em um dado

contexto geográfico-histórico-cultural. (Pagani apud Castro, 2010)”

“Assim, é uma instituição social que se altera de acordo com as

transformações históricas de cada sociedade, estando atravessada por relações de poder

e dominação, tais como as demais instituições sociais. É a família que propicia os

aportes afetivos e, sobretudo materiais, necessários ao desenvolvimento e bem estar dos

seus componentes. Ela desempenha um papel decisivo na educação formal e informal e

é em seu espaço que são absorvidos os valores éticos e humanitários, e onde se

aprofundam os laços de solidariedade (Kaloustian apud ROSA, 2011).”

Ainda segundo Kaloustian, a família brasileira, permanece enquanto espaço

privilegiado de socialização, de prática de tolerância e de lugar inicial para o exercício

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da cidadania. A compreensão das situações de precariedade que atingem a família deve

levar em consideração as alterações que têm afetado a sua estrutura nas últimas décadas.

Pode-se chamar atenção para a mudança na organização e composição da unidade

familiar, manifesta na diversidade dos arranjos domésticos e familiares, alterando a

hegemonia do padrão da chamada família tradicional, formada por pais e filhos

morando na mesma casa.

Na prática, podem ser identificados novos arranjos familiares, dentre os quais se

pode destacar as famílias monoparentais com chefia feminina, decorrente de separações

ou abandonos; as famílias formadas a partir de uniões livres; e até mesmo famílias

formadas por pessoas convivendo no mesmo espaço, sem vínculos de aliança ou

consanguinidade, mas com ligações afetivas e mútuas dependência e responsabilidade.

Essas variações em relação ao padrão ainda dominante (a família composta de pai, mãe

e filhos) são observadas a partir da ruptura dos velhos padrões de vida familiar, baseado

na rigidez dos papéis sociais, das relações entre os sexos e da educação dos filhos.

No cenário da crise no mundo do trabalho, famílias inteiras são atingidas pelo

desemprego estrutural. Os pais perdem seus postos de trabalhos, ficando muitos meses

ou anos fora do mercado trazendo sequelas à dinâmica familiar, muitas vezes

irrecuperáveis. A ampliação do papel paterno para além das tarefas de provedor é hoje

algo comum. Mulheres voltam ao mercado, não mais na figura de complementadoras da

renda familiar, mas como figuras centrais na responsabilidade da provisão doméstica.

Os filhos, por sua vez, vivem o assombro de uma sociedade que ameaça não lhes abrir

espaço no mercado formal de trabalho, a despeito de toda a dedicação e investimentos

realizados pela família em sua formação educacional e profissional (Guimarães e

Almeida apud Rosa, 2011).

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De acordo com as ideias de Féres-Carneiro (apud Rosa, 2011), em termos de

saúde são consideradas famílias saudáveis aquelas que conseguem cumprir as funções

familiares essenciais, que se referem à “reciprocidade de relações entre os papéis

familiares de prover vias de solução para o conflito, de estabelecer complementariedade

eficaz e de prover apoio aos níveis de identificação“. O que diferencia uma família

saudável de uma família doente não é a ausência de problemas, mas a forma como

determinada família reage em situações conflituosas. Uma família que tem uma boa

rede de comunicação e que é eficaz em sua tarefa é um grupo operativo, onde cada

membro tem um papel específico, mas possui a plasticidade necessária para, em casos

de necessidade, assumir outras funções. Sendo assim, as várias formas de ser família

são completas em si, independente das configurações que tenham. Para melhor

entendimento, é preciso uma análise mais profunda das relações familiares.

3- Winnicott: a importância das relações primárias.

Winnicott, em seu texto ”Tudo começa em casa”, fala sobre privação emocional.

Trata-se de um “déficit”, de um comprometimento nas relações primárias,

fundamentais, estruturantes e edificantes da criança com as figuras parentais ou, mais

especificamente com a mãe. Essa “solidão primária“ vai deixar suas marcas, suas

feridas psíquicas. Da gravidade dessas feridas irá depender a capacidade do indivíduo

de solucionar os momentos futuros de solidão ao longo de sua vida.

A privação emocional por relações insuficientes acontece quando a mãe, ainda

que com esforço e boa vontade, não dá ou não consegue dar, no tempo e intensidade

necessários, a presença, a atenção e o carinho de que a criança necessita. Sem falarmos

de mães realmente mais preocupadas consigo mesmas do que com a criança,

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poderíamos citar o exemplo daquela que, ao chegar do trabalho ao final do dia em casa,

com o cansaço ou aborrecimentos de seu serviço, não consegue dar ao filho a atenção

necessária.

Veja-se que, nesse caso, as carências econômica e cultural em muito irão

facilitar esse tipo de privação. A carência econômica irá exigir que a mãe trabalhe fora

de casa e em serviços muitas vezes pouco compensadores. A carência cultural, por sua

vez, priva a mãe de recursos internos necessários para compreender as demandas do

filho, os “sinais”, os “alertas” que o filho lhe faz sobre a privação emocional que está

sofrendo. Aliás, em assunto de privação emocional, é bom que se diga e que se advirta

em tempo: os “sinais” e “alertas” raramente se fazem numa linguagem clara e de forma

explícita, e sim numa linguagem que precisa ser captada e decodificada...

preferivelmente antes que seja tarde.

A privação emocional por relações distorcidas se dá quando a percepção que a

mãe tem do filho e a conduta que assume perante ele vêm contaminadas por seus

problemas pessoais, suas angústias, suas experiências passadas e suas frustrações.

Podem ter relações distorcidas, as mães superprotetoras, as inseguras de seu papel de

mãe, as que não conseguiram se desvincular de sua condição de filhas protegidas e

dependentes. Terão certamente relações distorcidas, e por certo com expressiva

gravidade, as mães que fazem de seus filhos uma extensão de si mesmas, roubando-

lhes, ainda que inconscientemente, seu direito de conquistar sua maturidade, autonomia

e identidade. Incluem-se entre as relações distorcidas os casos de rejeição, hostilidade,

indulgência excessiva, controle repressivo, falta de afeto, entre outros.

A privação emocional por relações descontínuas: trata-se concretamente da

interrupção da convivência mãe-filho por um intervalo de tempo que seja significativo

para a criança. É a mãe que se ausenta da criança, ou para uma viagem mais longa ou

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por motivo de doença ou morte da mãe ou de separação do casal, ou por motivo de

afastamento da própria criança, que passa a viver em outro lar ou em instituição.

Há uma ruptura real, concreta na relação mãe–filho. Quanto às consequências da

privação emocional, elas irão variar em virtude da idade em que se deu a privação. Para

a análise dessas consequências, há que se levar em conta o desenvolvimento e a

maturação da vida psíquica. Os quais se dão na medida da capacidade do indivíduo se

desprender do manancial imediato de sensações, passando a representá-las e a elaborá-

las internamente, bem como a elaborar as respostas perante elas. Aliás, nisto consiste a

vida psíquica: na capacidade de representar o objeto na sua ausência (apud Sá, 2011).

A partir desse distanciamento, surge a capacidade de abstração, de controle e de

planejamento. Ocorre que, no início da vida da criança, quem tem a função de

“administrar” seus desejos, seus impulsos, de lhe dar uma retaguarda e segurança em

suas frustrações, ou seja, na suspensão de suas gratificações imediatas, é sua mãe. A

mãe, na expressão de Winnicott, é o primeiro “organizador psíquico” da criança.

Portanto, a mãe, a partir das relações emocionais significativas que se estabelecem entre

ela e o filho, será um primeiro grande referencial para que ele desenvolva a capacidade

de abstração, elaboração e planejamento (Bowlhy apud Sá, 2011)

Assim, se amadurecer significa alcançar o desenvolvimento do que é

potencialmente intrínseco, possíveis dificuldades da mãe em olhar para o filho como

diferente dela, com capacidade de alcançar certa autonomia, podem tornar o ambiente

não suficientemente bom para aquela criança amadurecer. Não basta, apenas, que a mãe

olhe para o seu filho com o intuito de realizar atividades mecânicas que supram as

necessidades dele; é necessário que ela perceba como fazer para satisfazê-lo e possa

reconhecê-lo em suas particularidades.

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A capacidade da mãe em se identificar com seu filho permite-lhe satisfazer a

função sintetizada por Winnicott na expressão holding. Ela é a base para o que

gradativamente se transforma em um ser que experimenta a si mesmo. A função do

holding em termos psicológicos é fornecer apoio egóico, em particular na fase de

dependência absoluta antes do aparecimento da integração do ego. O holding inclui

principalmente o segurar fisicamente o bebê, que é uma forma de amar; contudo,

também se amplia a ponto de incluir a provisão ambiental total anterior ao conceito de

viver com, isto é, da emergência do bebê.

E quando esse amadurecimento não acontece como deveria? A delinquência é

uma busca de solução por intermédio de uma tentativa de retorno à época em que as

coisas corriam bem, para voltar a usufruir da posse do objeto primordial, de sua

confiabilidade, e reconquistar a segurança e autoconfiança, graças às quais a criança

podia manifestar sua destrutividade. Por meio de sua conduta delinquente, diz

Winnicott, é como se a criança estivesse compelindo a sociedade a retroceder com ela à

época primordial e a testemunhar e reconhecer suas grandes perdas. A criança, segundo

o referido autor, antes de se preocupar em não fumar, não vagar pelas ruas, não fazer

isto ou aquilo, preocupa-se em não trair seu próprio eu – esta é sua moralidade precoce.

E o seu “eu” inclui seus impulsos primitivos, construtivos e destrutivos (Sá, 2011).

Sendo a delinquência um estilo de vida ou padrão de conduta que se caracteriza

pelo confronto e antagonismo frente às normas e valores sociais vigentes, o apelo

habitual às drogas, a adesão aos grupos de usuários e aos seus valores é quase uma

consequência. Haja vista a grande proliferação de usuários de crack em alguns estados

brasileiros.

Assim, como uma primeira “via de solução” da privação emocional por meio da

delinquência, surge o caminho das drogas. Levando-se em conta a classificação das

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drogas em psicolépticas (soníferos, tranquilizantes), psicoanalépticas (estimulantes) e

psicodislépticas (despersonalizantes) (Greco Filho apud ibid.), entende-se que o usuário,

por meio delas, poderia estar procurando satisfazer a uma ou mais entre três motivações

básicas. Com as psicolépticas, ele busca a conquista da “paz”, da tranquilidade, a

extinção do medo e da ansiedade. Com as psicoanalépticas, o estímulo, a excitação, a

vida, a coragem, a expansividade de seus impulsos. Com as psicodislépticas, ele busca

propriamente a fuga à realidade, as “ilusões perdidas”, outras formas de ser, certamente

na tentativa de reencontrar sua forma primordial de ser, quando da privação primordial.

Tais motivações básicas podem perfeitamente ligar-se às perdas fundamentais

associadas à privação primordial: perda do objeto (simbolizado pela própria droga);

perda da confiabilidade, segurança e autoconfiança para lidar com os próprios impulsos

destrutivos; perda da oportunidade do indivíduo ser “ele mesmo”, em sua autenticidade,

com todo o seu amor, seus impulsos construtivos e destrutivos. A criança e o

adolescente, diz Winnicott, têm como primeiro preceito moral não abrir mão de sua

autenticidade.

Outra forma de delinquência, aliás mais explícita e por todos reconhecida como

tal, são as condutas antissociais propriamente ditas: furtos, roubos, agressões,

depredações etc. Winnicott reconhece na tendência antissocial duas direções ou

motivações básicas, que não necessariamente se excluem: para o furto e para a

destrutividade. Na motivação para o furto (na qual poderíamos incluir os delitos contra

o patrimônio ou que visam à posse de objetos, de dinheiro, de bens materiais), o que se

tem é a procura obsessiva de “algo”, de forma insaciável, de “algo” que nunca se

encontra e que é exatamente o objeto primordial perdido. Tem-se aí a compulsão

libidinal. O furto expressa a privação do objeto.

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Na destrutividade, por outro lado (na qual poderíamos incluir os crimes contra a

vida, contra a integridade física e moral, contra o ambiente, os atos de vandalismo) o

que se tem é a procura dos limites, do controle externo, da continência dos próprios

impulsos, já que a criança, por si própria, não está sabendo como lidar com eles, como

contê-los, como administrá-los. É a procura do ambiente estável e indestrutível (que ela

perdeu um dia) que suporte sua tensão, sua mobilidade e excitação. E, conforme a

criança, ou o adolescente, vai se frustrando nessa procura, ela continua buscando um

suprimento ambiental cada vez mais amplo (compulsão agressiva). Ou seja, dos pais

para o lar, do lar para os parentes próximos, dos parentes próximos para a escola, da

escola para sociedade.

A destrutividade é a expressão da privação do controle. Winnicott retoma essa

questão dos diferentes significados do furto e da destrutividade em sua palestra A

delinquência como Sinal de Esperança , publicada no livro “Tudo Começa em Casa” .

Diz ele, nesse trabalho, que a criança, por meio do roubo, busca não somente o objeto,

mas também a capacidade para procurá-lo criativamente. E, pela sua conduta antissocial

destrutiva, ela busca o controle ambiental, para reconquistar sua segurança e resolver

sua ansiedade (Sá, 2011).

“A criança antissocial está simplesmente olhando um pouco mais longe,

recorrendo à sociedade em vez de recorrer à família ou à escola para lhe fornecer a

estabilidade de que necessita a fim de transpor os primeiros e essenciais estágios de seu

crescimento emocional.” (Winnicott apud ibid.).

4- Pai: figura indispensável.

Em sua tese de doutorado, Sá (2006) relata que ao ingressar no ambulatório, qual

seja, o ambulatório de Pediatria do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE),

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percebeu uma realidade social muito diferente da qual conhecia no Serviço de

Psicologia Aplicada do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de

Janeiro (UERJ): a maioria das crianças não tinha estrutura familiar estável; só uma

pequena parcela teve oportunidade de conhecer e conviver com o pai, e, em alguns

casos mais promissores, esse convívio tinha se mantido durante cinco ou seis anos.

Para ela, a necessidade de convívio com o pai mostra-se indispensável, pois tal

ausência poderia parecer atenuada pela presença de figuras substitutas tais como

companheiros das mães, tios, avós e irmãos mais velhos; mas que nem sempre se

dispõem a assumir tal responsabilidade. Mesmo os que aceitem dar uma ajuda a essas

crianças não querem exercer a função de modo capaz de transmitir as qualidades e a

modelagem da identidade masculina.

Na população que estudou, Sá (Ibid.), percebeu que essa ausência sempre

pareceu um luto impossível de ser elaborado, uma falta, sobretudo nos meninos. Essa

falta necessitaria de compensação, de falas reparadoras da mãe (Aulagnier apud ibid).

Entretanto, as mães apresentavam contínuas agressões às imagens dos genitores e

reações agressivas diante das indagações das crianças sobre suas origens.

Uma vez que a criança é o resultado de uma relação sexual a dois, sua

ancestralidade não pode ser negada sem que isto represente uma perda impossível de ser

elaborada. A criança então, poderá buscar por modelos identificatórios oriundos do

imaginário social do seu entorno.

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CAPÍTULO III

FAMÍLIA E PREVENÇÃO

1- Funções familiares

Cada família tem uma cultura própria onde circulam seus códigos: normas de

convivência, regras ou acordos relacionais, ritos, jogos, crenças ou mitos familiares,

com um modo próprio de expressar e interpretar emoções e comunicações. Tais

emoções geram ações que formam o enredo do sistema familiar e constroem a história

singular de cada família, que se transformam com o tempo, com a cultura e com as

mudanças sociais.

As famílias como agregações sociais, ao longo dos tempos, assumem ou

renunciam funções, as quais estão implícitas, de proteção e socialização dos seus

membros, como resposta às necessidades da sociedade pertencente. Nesta perspectiva,

as funções da família regem-se por dois objetivos, sendo um de nível interno, como a

proteção psicossocial dos membros, e o outro de nível externo, como a acomodação a

uma cultura e sua transmissão.

A família deve então, responder às mudanças externas e internas de modo a

atender às novas circunstâncias sem, no entanto, perder a continuidade, proporcionando

sempre um esquema de referência para os seus membros (MINUCHIN apud Cruz,

2009). Existe consequentemente, uma dupla responsabilidade, isto é, a de dar resposta

às necessidades quer dos seus membros, quer da sociedade (STANHOPE apud Cruz,

2009).

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Não é por acaso que a Lei N°8069, de 13 de julho de 1990; que dispõe sobre o

Estatuto da Criança e do Adolescente, se estabeleça como garantia de direitos e de

proteção integral à criança e ao adolescente e, em seu Artigo 4° refere:

“É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder

público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes

à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à

profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a

convivência familiar e comunitária.”

e em seu Artigo 5º refere: “Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer

forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão,

punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos

fundamentais.” e ainda, no Artigo 9º refere: “O poder público, as instituições e os

empregadores propiciarão condições adequadas ao aleitamento materno, inclusive aos

filhos de mães submetidas a medida privativa de liberdade”; no Artigo 10-V refere: “Os

hospitais e demais estabelecimentos de atenção à saúde de gestantes, públicos e

particulares, são obrigados a manter alojamento conjunto, possibilitando ao neonato a

permanência junto a mãe.”; no Artigo 22º refere: “Aos pais incumbe o dever de

sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes,

a obrigação de cumprir as determinações judiciais.” O Estatuto da criança e do

adolescente busca, nas formas da lei, a garantia desses direitos.

A função protetora é responsável por formar laço afetivo; desenvolve segurança

emocional; procura a elevação da autoestima e respeita as características individuais. A

função socializadora está intimamente ligada à transmissão de valores, sejam eles

religiosos, (sentido da vida e o relacionamento com Deus) os quais unem seus membros

através do sentimento de amor, respeito e temor, assim como marcam as proibições

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sexuais; éticos (bom relacionamento com pessoas e respeito pela vida); morais (domínio

próprio); estéticos (apreciação da beleza-harmonia da forma, das cores, dos sons, etc.).

Além dessas, outras funções também importantes são identificadas. A função

cuidadora/econômica provê as necessidades básicas para manutenção das pessoas como:

moradia (oferecer abrigo, higiene, etc.), alimentação, saúde, educação/ formação,

vestuário e lazer (Minozzo, 2009). A função jurídica, na medida em que cada pessoa

tem direitos e deveres (cidadania).

Quando a família não consegue desempenhar de forma adequada as funções

inerentes a ela, de certa maneira, estará disfuncional. Ou seja, uma família disfuncional

é aquela que responde às exigências internas e externas de mudança, padronizando seu

funcionamento. Relaciona-se sempre da mesma maneira, de forma rígida não

permitindo possibilidades de alternativa. Ocorre um bloqueio no processo de

comunicação familiar. As disfunções de relacionamento e papéis dentro das famílias

podem afetar seus membros psicologicamente, tanto no contexto individual quanto no

familiar. As famílias estão doentes e podem eleger um dos seus membros para

representar a “doença da família”, podendo ocorrer psicose, esquizofrenia e

dependência química. A este membro, alguns autores referem-se como “paciente

identificado” (Kalina apud Cruz, 2006).

Por outro lado, a família que exclui é também a família que poderá acolher. A

família “problemática” é também a família que carrega a “solução”. Assim, numa visão

baseada no paradigma da complexidade, pode-se pensar a família como um espaço de

risco, e também, como contexto de proteção, sem que haja exclusão ou separação das

partes (DIOS apud Minozzo, 2009).

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2- Fatores de risco e de proteção.

Alguns estudos mostram que os programas de prevenção ao uso de álcool e

outras drogas envolvendo a família enfrentam um conflito que deve ser considerado: por

um lado a família é base para saúde preventiva, mas por outro lado muitos ambientes

familiares podem ser desfavoráveis, predispondo seus membros ao uso abusivo de

álcool e outras drogas. Ou seja, a família pode ser tanto um fator de proteção, quanto de

risco para o uso/abuso de substâncias psicotrópicas (Oliveira; Szapocznik apud Cruz,

2009).

Masten Gormenzy (apud Cruz, 2009) definiu três fatores de proteção para um

desenvolvimento adaptativo e bem sucedido entre crianças em situação de risco pessoal

e social:

a) Características individuais – autonomia, autoestima e orientação social

positiva;

b) Coesão familiar e ausência de conflito;

c) Disponibilidade de recursos externos de apoio que possam ser moduladores

das capacidades de enfrentamento das situações de vida.

Os fatores de risco e de proteção são variáveis e envolvem aspectos

psicológicos, ambientais, comportamentais e genéticos. Eles estão tanto no próprio

indivíduo, como na família, na escola, na comunidade e na sociedade em geral. Um

mesmo fator pode representar risco para uma pessoa e proteção para outra. Esses fatores

são características específicas que ocorrem estatisticamente mais frequentemente para

aqueles que desenvolvem problemas com álcool e outras drogas.

Quanto mais fatores de risco uma criança apresenta, mais provável será que se

engaje em abuso de substâncias e em problemas relacionados, na adolescência e como

adulto jovem. Por outro lado, a promoção de fatores protetores na vida da criança pode

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diminuir sua vulnerabilidade para posteriores problemas sociais e de saúde (Hwkins,

Catalano&Miller apud GIUSTI e SCIVOLETTO, 2011). É importante ressaltar que os

fatores protetores não são simplesmente o oposto dos fatores de risco, sendo, muitas

vezes, ações independentes. Por isso a identificação de fatores de risco e de proteção é

importante.

A Organização Mundial de Saúde refere três fatores de risco: uso abusivo de

álcool e outras drogas pelos pais; pais com transtornos psiquiátricos; regras familiares

rígidas ou, o contrário, ausência de regras e limites. Não obstante, outros fatores podem

ser citados como, na comunidade: amigos usuários (principalmente quando o vínculo é

mais forte com o usuário do que com a família), bairro onde haja violência e tráfico

intenso de drogas; no indivíduo: atividades sexuais precoces, propensão à ansiedade e

depressão, comportamento contrário a normas e regras na infância, experiência precoce

com drogas; na família: relação conflituosa ou permissiva, ausência de diálogo e

afetividade, falta de critério na aplicação de regras disciplinares, desinteresse pelo que

fazem os filhos ou tolerantes quanto ao uso de álcool e tabaco.

Há um consenso de que o uso/abuso de substâncias psicoativas é multifatorial,

com implicações de fatores psicológicos, biológicos e sociais. Alguns fatores

normalmente citados são: curiosidade, obtenção de prazer, relaxamento das tensões

psicológicas, facilitação da sociabilização, influência do grupo, isolamento social,

dinâmica familiar, baixa autoestima, manejo inapropriado da mídia na questão das

drogas, influências genéticas, excessiva medicalização da sociedade. De uma maneira

geral, pode-se dividi-los em fatores internos e externos.

A curiosidade natural dos adolescentes é um dos fatores internos de maior

influência na experimentação de substâncias psicoativas. Esta curiosidade os impulsiona

a experimentar novas sensações e prazeres. O jovem vive o presente, buscando

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realizações imediatas e os efeitos das drogas vão de encontro a esse perfil,

proporcionando prazer passivo e imediato. Somem-se a isso fatores externos como

opinião de amigos, modelagem social (mundo adolescente como produto, reprodução

do mundo adulto), fácil acesso às drogas e oportunidades de uso e se tem o ambiente

propício para a experimentação de drogas.

Fatores de proteção são aqueles que equilibram as vulnerabilidades, reduzindo as

chances de uma pessoa usar drogas como, na família: fortes vínculos dentro de uma

família pró-social, monitoramento paterno, regras de conduta muito claras e negociadas,

envolvimento dos pais na vida dos filhos, sucesso no desempenho escolar; na escola e

comunidade: forte vínculo com instituições sociais como escola e organizações

religiosas, adoção de normas convencionais sobre uso de drogas. (OMS; Nida apud

Cruz, 2009).

A prevenção do uso de álcool e outras drogas no ambiente familiar depende do

desempenho da família, no seu papel de cuidar, valorizando as relações e os princípios

básicos de uma comunicação clara e autêntica. Os limites e as regras precisam estar

presentes e, no contexto no qual está inserida, a família deve ser coerente nos atos e nas

palavras. Os ciclos de vida da família, assim como a função que os cônjuges e pais

exercem na formação de uma pessoa, também devem ser considerados em uma proposta

de prevenção.

De modo geral, é na adolescência que os jovens experimentam ou entram em

contato com o álcool e outras drogas. É um período de muitas transformações e convida

os cônjuges e pais a uma reorganização de seus papéis, funções e estabelecimento de

novas regras e limites. São necessárias adaptações na organização familiar para preparar

o adolescente para a vida adulta (Spoth e Remond apud Cruz, 2009). A coerência entre

os cônjuges, em relação às regras e normas na família, principalmente em relação ao uso

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de álcool, tabaco e outras drogas, pode contribuir para tomada de decisão do jovem em

experimentar ou não.

Crianças que crescem com regras claras, geralmente, são mais seguras. Quando

se defrontam com um limite, sabem lidar com a frustação, por terem desenvolvido

recursos próprios para superá-la. Quando a família não tem regras claras, é provável que

o jovem se sinta inseguro e, na tentativa de descobrir as regras na sociedade, testará seus

limites, deparando-se com frustrações. É nesse momento que o álcool e as outras drogas

surgem como “solução rápida”: o efeito imediato que a substância proporciona faz com

que os sentimentos desagradáveis desapareçam por um tempo transitório (Oliveira;

Bordin apud Cruz, 2009).

Os pais têm como função orientar os filhos e conscientizá-los dos riscos que as

drogas podem trazer, sejam elas lícitas ou ilícitas, sempre respeitando as diferentes

faixas etárias para que possam se fazer entender (Maluf apud Cruz, 2009). Estudos

sobre uso de álcool e outras drogas com filhos de pais dependentes, mostram que eles

têm uma chance quatro vezes maior de também se tornarem dependentes (Patterson;

Brickman; Wang apud Cruz, 2009).

3- Estilos parentais.

As mudanças nas relações entre pais e filhos decorrentes das transformações

pelas quais a família vem passando têm levado a um crescente questionamento sobre o

papel dos pais na educação dos filhos. As formas como os pais lidam com as questões

de poder, hierarquia e apoio emocional na relação com os filhos chama-se estilo

parental, o qual tem significativa influência em diversas áreas do desenvolvimento

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psicossocial, tais como ajustamento social, psicopatologia e desempenho escolar

(Maccoby e Martin apud Rivero, 2011).

Maccoby e Martin (Ibid.) propuseram um modelo teórico de estilos parentais

que trouxe à cena a ideia de duas dimensões fundamentais nas práticas educativas dos

pais, denominadas exigência e responsividade. A exigência parental inclui todas as

atitudes dos pais que buscam de alguma forma controlar o comportamento dos filhos,

impondo-lhes limites e estabelecendo regras. A responsividade refere-se aquelas

atitudes compreensivas que os pais têm para com os filhos e que visam favorecer o

desenvolvimento da autonomia e da autoafirmação dos jovens.

Os referidos autores, a partir dessas duas dimensões, propõem uma tipologia de

estilos parentais. Pais com elevada responsividade e exigência são classificados como

autoritativos; já aqueles que apresentam baixa responsividade e exigência são tidos

como negligentes. Pais muito responsivos, mas pouco exigentes são categorizados como

indulgentes, enquanto os muito exigentes e pouco responsivos são tidos como

autoritários. Analisando cada estilo separadamente é possível perceber melhor as

diferenças entre eles (Lamborn, apud Costa, 2011):

a) Autoritário – Pobreza de diálogo: não aceitação da opinião do outro; crença de

que existem dois tipos de ideias “as minhas e as erradas”.

Posse do poder e do conhecimento exercidos através da imposição e da força.

Atitudes de moralismo estéril, preocupação com que os outros irão pensar.

Controle excessivo, centrados na repressão. “Faça o que eu mando e não faça o

que eu faço”.

Esmaga o poder de decisão da criança que será necessário na adolescência, ao

fazer escolhas para vida (profissão, religião, companheiro, etc.)

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Proporciona desejo de escapar rapidamente do domínio familiar, despertando

sentimentos de rejeição e de impotência na criança.

Resulta na deformação do conceito de Deus, como sendo autoritário.

Empurra o adolescente para amigos dominadores.

b) Autoritativo- Abertura e diálogo com os filhos; trabalha através de negociação;

dosa amor e controle; filhos tomam decisões responsáveis; respeita e é

respeitada; usa autoridade e não autoritarismo; apresenta abertura para ouvir os

filhos e tempo para recreação juntos.

c) Indulgente- Os pais respondem aos pedidos das crianças e são carinhosos, não

sendo exigentes quanto a normas ou deveres, nem atuando como modelos de

comportamento.

d) Negligente- Os pais não se envolvem nas funções parentais, havendo uma

desresponsabilização crescente ao longo da vida da criança, mantendo apenas a

satisfação das necessidades básicas. Não estabelecem limites; a liberdade é

definitiva; ausência de controle; relaxamento dos costumes em nome de uma

pseudo-liberdade; sem fronteiras nítidas de certo e errado; a presença dos pais é

sem significado; códigos morais e éticos mal delineados.

Quando comparado aos demais estilos, o parental autoritativo está mais

fortemente associado aos aspectos positivos do desenvolvimento, como por

exemplo maturidade psicossocial (Steiberg apud Costa, 2011), competência

psicossocial (Lamborn apud Costa, 2011), desempenho escolar (Darnbusch,

apud Costa, 2011) e vários indicadores de adequação comportamental (Slicker,

apud Costa, 2011).

Entretanto, outras questões relacionadas à influência do estilo parental no

desenvolvimento dos adolescentes necessitam ser melhor investigadas, como os

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possíveis efeitos diferenciais das práticas educativas de pais e mães sobre o

desenvolvimento (Claes; Paulson&Spita apud Costa, 2011) e também possíveis

variações que possam existir entre diferentes grupos culturais.

4- Famílias e Políticas Públicas.

No Brasil colonial, a ausência de apoio às famílias de classe baixa determinou o

abandono de crianças por pais ou mães incapazes de sustentá-las. Muitas famílias

pobres entregavam seus filhos a Roda dos Expostos, o que acabava em alta mortalidade

infantil.

No cenário atual, as políticas públicas tem-se constituído como uma estratégia

utilizada para acelerar a inclusão social, visto que, no modelo capitalista, os benefícios

se acumulam longe da massa da população, apesar de haver desenvolvimento. O Estado

identifica a família como lugar privilegiado para promoção dessas políticas. O Programa

Bolsa – Família, no qual 93% de seus beneficiários são do sexo feminino e o Rede

Cegonha que prevê assistência médico- hospitalar à gestante, são alguns exemplos.

No Programa Bolsa –Família a transferência de renda está relacionada a vários

aspectos: presença na família de filhos de até 15 anos, manutenção de filhos em idade

escolar na escola, frequência regular de crianças de 0 a 6 anos de idade aos postos de

saúde, manutenção do cartão de vacinas atualizado, frequência de mulheres gestantes

aos exames de rotina, retorno de adultos analfabetos à escola e a participação das

famílias nas ações de educação alimentar que devem ser oferecidas pelo governo (Silva,

Yazbek e Giovanni apud Itaboraí, 2011).

A Lei Nº11.343 de 23 de Agosto de 2006, institui o Sistema Nacional de

Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad) e no capítulo I, que dispõe sobre atividades de

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prevenção do uso indevido de drogas, em seu artigo 19 refere que essas atividades

devem observar, entre outros, os seguintes princípios e diretrizes:

IV- o compartilhamento de responsabilidades e a colaboração mútua com as

instituições do setor privado e com os diversos segmentos sociais, incluindo usuários e

dependentes de drogas e respectivos familiares, por meio de estabelecimento de

parcerias.

VII- o tratamento especial dirigido às parcelas mais vulneráveis da população,

levando em consideração as suas necessidades específicas.

IX- o investimento em alternativas esportivas, culturais, artísticas, profissionais,

entre outras, como forma de inclusão social e de melhoria da qualidade de vida.

Esta lei tem a finalidade de articular, integrar, organizar e coordenar as

atividades de prevenção, tratamento e reinserção social de usuários e dependentes de

drogas, bem como a de repressão ao tráfico estando em perfeito alinhamento com a

Política Nacional sobre Drogas e com os compromissos internacionais do país

(Andrade, 2009).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como visto no presente estudo, não existe sociedade sem drogas. Histórica e

culturalmente as drogas, sejam elas lícitas ou ilícitas, estão presentes nos momentos de

alegria e de tristeza em boa parte das famílias. A complexidade deste fenômeno leva a

perceber que são medidas paliativas utilizadas pela humanidade a fim de suportar

sofrimentos e decepções. Problemas sociais como desemprego, más condições de saúde

e educação, falta de opções de lazer, etc., contribuem para o aumento do consumo,

agravando assim os conflitos dos indivíduos, famílias e comunidades.

Novos arranjos familiares são identificados, entretanto isso não interfere no uso

de álcool e outras drogas, desde que consigam desempenhar as funções familiares

essenciais. Ou seja, não importa a configuração familiar, mas sim a forma como

determinada família reage em situações conflituosas.

No que se refere às relações primárias, são muito importantes, pois delas irá

depender a capacidade do indivíduo de solucionar os momentos futuros de solidão ao

longo de sua vida. A mãe, como primeiro organizador psíquico da criança, será um

grande referencial para que ela desenvolva a capacidade de abstração, elaboração e

planejamento. O pai coloca-se como figura indispensável, ou seja, mesmo que devido a

separação do casal, ou por outros motivos, não esteja fisicamente presente não deve ser

depreciado na fala da mãe com riscos de causar uma perda impossível de ser elaborada.

A família é a base para a saúde preventiva mas por outro lado, muitos ambientes

familiares podem ser desfavoráveis, predispondo seus membros ao uso abusivo de

álcool e outras drogas. Quando os pais são usuários de drogas, quando não há diálogo,

quando o estilo parental é autoritário, permissivo ou negligente por exemplo. Ou seja, a

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família pode ser tanto um fator de proteção quanto de risco para o uso/abuso de

substâncias psicoativas.

Os programas sociais são estratégias utilizadas pelo Estado para reduzir a

vulnerabilidade social e a família identificada como lugar privilegiado para promoção

das políticas públicas. O crack, uma droga que no momento preocupa o setor público

pelo seu alto potencial para causar dependência, é utilizado principalmente nos bolsões

de pobreza por crianças e adolescentes jovens em situação de grande vulnerabilidade

social. Portanto não pode ser tratado como uma droga a ser enfrentada isoladamente.

Faz-se necessário ações intersetoriais de prevenção: ordem pública, saúde pública,

educação e sociedade em geral. É um desafio para a sociedade saber lidar/dosar o uso de

álcool e outras drogas de forma não patológica.

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