UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … · da conduta do agente ao tipo, tipicidade...

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E A SUA APLICABILIDADE NO DIREITO BRASILEIRO Por Alexandro da Silva Moraes Aluno do curso de Pós-graduação em Direito e Processo penal (Princípio da insignificância) Orientador: Francis Rajzman Universidade Candido Mendes 1 ° semestre de 2010

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E A SUA APLICABILIDADE NO

DIREITO BRASILEIRO

Por

Alexandro da Silva Moraes

Aluno do curso de Pós-graduação em Direito e Processo penal (Princípio da

insignificância)

Orientador: Francis Rajzman

Universidade Candido Mendes

1 ° semestre de 2010

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E A SUA APLICABILIDADE NO

DIREITO BRASILEIRO

Apresentação de Monografia a Universidade Candido Mendes como requisito

parcial para a obtenção do gral de especialista em direito penal e processo penal.

Por: Alexandro da Silva Moraes.

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AGRADECIMENTO

Ao autor da vida, Jesus Cristo de Nazaré,

que tem me acompanhado durante toda caminhada,

seja na alegria, seja na dor.

Em todos os momentos, Ele nunca me abandonou.

Nas lutas saí vitorioso.

Graças e louvor Te dou.

Em Ti, todos aqueles que têm sede

podem se saciar do verdadeiro amor.

E eu me saciei, alegre sou.

Graças e louvor te dou.

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DEDICATÓRIA

Para minha amada esposa Luciana.

Para minha filha Beatriz, inspiração de vida.

Para Marlucia e Luiz Carlos, meus amados pais.

Para minhas irmãs Jaqueline e Fabiane.

Para meus sobrinhos Cindy, Larisa, Kayky e Maria Claudia.

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RESUMO

Este trabalho objetiva a análise do princípio da insignificância e a sua aplicação

no direito pátrio e nos tipos penais. Assim é que no primeiro capitulo abordamos a

origem histórica do princípio da insignificância. No terceiro capitulo, buscamos delinear

o conceito do princípio em comento e em seguida abordamos outros princípios do

direito penal como o da intervenção mínima, que muito corrobora com o estudo do

princípio da bagatela. O estudo deste trabalho busca abordar também a aplicação do

princípio da insignificância aos crimes complexos, ou seja, aqueles que tratam de tutelar

bens jurídicos de diversas espécies, visto que há divergência entre a jurisprudência e a

doutrina entre a sua aplicação. Mostraremos também algumas jurisprudências e

posições doutrinarias, neste sentido, a fim de melhor elucidar as questões abordadas.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO...........................................................................................................7

2. HISTÓRICA DO PRINCÍPIO DA

INSIGNIFICÂNCIA.......................................................................................................9

3. CONCEITO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.......................................10

4. PRINCÍPIOS DO DIREITO PENAL QUE SE RELACIONA COM O PRINCÍPIO

DA

INSIGNIFICÂNICA.......................................................................................................11

4.1- Princípio da Legalidade............................................................................................12

4.2- Princípio da Intervenção Mínima............................................................................12

4.3- Princípio da Fragmentariedade................................................................................13

4.4- Princípio da Subsidiariedade...................................................................................14

4.5- Princípio da Adequação Social...............................................................................14

4.6- Princípio da proporcionalidade...............................................................................16

4.7- Princípio da Lesividade...........................................................................................17

5. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA PERANTE A JURISPRUDÊNCIA

BRASILEIRA..................................................................................................................18

6. A RESISTÊNCIA A APLICAÇÃO NO DIREITO PATRIO DO PRINCÍPIO DA

INSIGNIFICÂNCIA AO CRIME DE ROUBO..............................................................20

7. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AO CRIME DE

ROUBO...........................................................................................................................24

8. CONCLUSÃO.............................................................................................................25

9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................26

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1- INTRODUÇÃO

Temos como objetivo neste trabalho apresentar a origem histórica do princípio

da insignificância, o conceito do princípio da insignificância e a divergência das

opiniões a respeito da aplicabilidade do princípio a todo crime, em especial aos crimes

patrimoniais violentos.

Para a minoria dos doutrinadores, o princípio da bagatela surgiu no século XX,

na Europa, em decorrência das crises advindas das duas grandes guerras mundiais. O

desemprego, a escassez de alimentos, dentre outros fatores sociais, políticos e

econômicos, fizeram surgir pequenos furtos, subtrações de mínima relevância que foram

denominadas de criminalidade de bagatela. Para estes, o princípio em comento teve sua

origem e evolução com o passar do tempo, ligada ao princípio da legalidade, em matéria

penal. Mas a maioria da doutrina entende que o princípio da insignificância existe desde

o direito romano, ou seja, o princípio já vigorava no direito romano onde o pretor não

cuidava, de modo geral, de causas ou delitos de bagatela, consoante a máxima contida

no brocardo de minimis non curat praetor.

Os princípios, como um todo, são aqueles que fundamentam o ordenamento

jurídico, de forma a orientar os legisladores na edição das leis. Deste modo, as leis não

podem ir contra os princípios que são o espírito da lei. Neste sentido, o princípio da

insignificância nos traz política criminal juridicamente e socialmente relevante, no

sentido de revelar a atipicidade de uma conduta dada, em um primeiro momento, como

criminosa, conduta esta revelada como criminosa só porque se adequou ao tipo descrito

na lei (tipicidade formal).

Para que ocorra crime, se faz necessário, sob uma visão analítica, a ocorrência

dos seguintes elementos: conduta (dolosa ou culposa, comissiva ou omissiva), resultado,

nexo causal (entre a conduta e o resultado) e tipicidade. No entanto, de acordo com a

teoria da tipicidade conglobante, criada pelo Alemão Claus Roxin, para que uma

conduta seja típica não basta a tipicidade formal, pois é necessário ainda a

antinormatividade e a tipicidade material. Expliquemos os elementos do crime, para que

se torne mais claro o que se quer dizer: tipicidade formal consiste na perfeita adequação

da conduta do agente ao tipo, tipicidade material consiste na conduta materialmente

lesiva ao bem protegido e antinormatividade consiste em verificar se não há nenhuma

norma que determine, autorize ou fomente tal conduta.

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O princípio da insignificância reside na tipicidade material, pois, para a teoria de

Claus Roxin, não basta que uma determinada conduta humana tenha dado causa a um

resultado previsto em uma norma penal. Neste sentido, se faz necessário que o bem

tutelado pela norma jurídica seja relevante e que tenha ocorrido a efetiva lesão. Isso

porque, o direito penal como instrumento mais violento que é, na repressão contra o

crime não pode se ocupar de bagatelas. O direito penal é a ultima razão, ou seja, só se

deve lançar mão do direito penal quando todos os outros ramos do direito não se

mostrarem adequado a dar uma efetiva solução ao caso.

Em princípio, podemos afirmar que há certos crimes que não se aplicam o

princípio da insignificância, como o caso do homicídio, pois não é preciso muito

esforço para se chegar a esta conclusão tão evidente. É que não se pode alegar bagatela

sobre um dos bens mais importantes que é a vida humana. De outra monta, há

divergência doutrinária e jurisprudencial a respeito da aplicabilidade ou não do

princípio da insignificância aos crimes patrimoniais violentos, como é o caso do roubo,

previsto no código penal brasileiro. Há quem entenda que nos casos de crimes

complexos, como é o caso do roubo em que temos mais de um bem juridicamente

tutelado, não se aplicaria o princípio da insignificância. No entanto, há entendimento

contrário que diz que nestes casos de crimes complexos, teríamos que analisar e caso

fosse constatado que existe insignificância em relação a um dos bens tutelados no crime

complexo, subsistiria o crime em relação ao outro bem relevante e que sofreu uma real

lesão.

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2- HISTÓRICA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

O princípio da insignificância existe desde o direito romano, ou seja, o princípio

já vigorava no direito romano onde o pretor não cuidava, de modo geral, de causas ou

delitos de bagatela, consoante a máxima contida no brocardo de minimis non curat

praetor.

Segundo CAPEZ (2007, p. 11),

Originário do direito Romano, e de cunho civilista, tal princípio funda-se no conhecimento brocardo de minimis non curat praetor. Em 1964 acabou sendo introduzido no sistema penal por Claus Roxin, tendo em vista a sua utilidade na realização dos objetivos sociais traçados pela moderna política criminal.

SILVA (2006, p. 87) corrobora neste sentido dizendo que:

O recente aspecto histórico do princípio da insignificância é, inafastavelmente, devido Claus Roxin, que, no ano de 1964, o formulou com base de valides geral para a determinação do injusto, a partir de considerações sobre a máxima latina mínima non curat praetor.

Como se pode ver, os autores citados dão crédito a Claus Roxin, mas o segundo

autor citado – Silva – diz que mesmo antes de 1964 já havia referência a esta mesma

ideia, a saber:

A formulação do princípio em debate tenha sido por Roxin, encontramos vestígios dele na obra de Franz Von Liszt, que, em 1903, a discorrer sobre a hipertrofia da legislação penal, afirmava que a legislação de seu tempo fazia uso excessivo da pena e, ao final, indagava se não seria oportuno restaurar a antiga máxima latina mínima non curat praetor. Com efeito, ensina a doutrina que o princípio em tela já vigorava no direito Romano, onde o praetor, regra geral, não se ocupava das causas ou delitos de bagatela.

PRADO (2006, p. 148 e 149) dizia que:

De acordo com o princípio da insignificância formulado por Claus Roxin e relacionado com o axioma mínima non curat praetor , enquanto manifestação contraria ao uso da sanção criminal, devem ser tidas como atípicas as sanções e omissos que afetam infimamente um bem jurídico-penal. A irrelevante lesão do bem jurídico protegido não justifica a imposição de uma pena, devendo-se excluir-se a tipicidade da conduta de pouca importância. O princípio da insignificância é tratado pelas modernas teorias da imputação objetiva como critério para a determinação do injusto penal, isto é, como um instrumento para a exclusão da imputação objetiva de resultados. Alguns assimilam ou equiparam o instituto da adequação social de Welzel e o critério da insignificância elaborado por Roxin. Entretanto, a finalidade dos casos englobados por ambos os critérios permite identificar diferença entre eles, posto que nos casos abarcados pelo chamado princípio de insignificância não há a valoração social implícita na adequação social. Exemplo paradigmático é o de furto de objeto de ínfimo valor.

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Contudo, há quem defenda que o princípio da insignificância não tenha se

originado do direito romano, mas sim na Europa, em decorrência das crises advindas

das duas grandes guerras mundiais em que o desemprego, a escassez de alimentos

dentre outros fatores sociais, políticos e econômicos, fizeram surgir pequenos furtos,

subtrações de mínima relevância que foram denominadas de criminalidade de bagatela.

Esta corrente advoga a tese de que o direito Romano desconhecia a máxima “mínima

non curat praetor” e que o princípio em comento vem da evolução do princípio da

legalidade, mas esta corrente é minoritária, pois para a maioria da doutrina o princípio

da insignificância surge no direito Romano.

3- CONCEITO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

O conceito de delito de bagatela não está definido em nossa legislação, porém, a

interpretação doutrinária e jurisprudencial tem permitido delimitar as condutas tidas

como insignificantes, sob o condão de um direito penal mínimo, fragmentário e

subsidiário.

Sendo assim, percebemos que o princípio da insignificância pode ser entendido

como aquele que permite excluir a tipicidade de fatos que, por sua inexpressividade,

constituem ações de bagatela, totalmente desprovida de reprovabilidade, não

possibilitando valoração da norma penal e tidas como irrelevantes. Desta forma, o

princípio está ligado à gradação qualitativa-quantitativa do injusto que permite ser o fato

insignificante e assim retirado da tipicidade penal.

Destarte, quanto ao princípio em comento, frente à antijuridicidade material e o

limite quantitativo-qualitativo, percebemos que não há racional consistência de crime,

nem justificação de pena, sendo irrelevante os fatos que se encontrem abaixo deste

limite.

Assim, vale citar a lição de Vico Mañas (1994, p. 81):

O princípio da insignificância é um instrumento de interpretação restritiva, fundado na

concepção material do tipo penal, por intermédio do qual é possível alcançar, pela via judicial e sem macular a segurança jurídica do pensamento sistemático, a proposição político-criminal da necessidade de descriminalização de condutas que, embora formalmente típicas, não atingem de forma relevante os bens jurídicos protegidos pelo direito penal.

Cabe destacar que concordamos com a lição do autor, data vênia, não achamos

correta a afirmação de que através do princípio da insignificância se chegue à

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descriminalização de condutas, pois sua função é apenas desconsiderar a tipicidade da

conduta no caso concreto, enquanto a descriminalização já requer todo um processo

legislativo.

Nossa interpretação é de que os crimes de bagatela são delitos que, num

primeiro momento, se moldam ao fato típico, mas que, posteriormente, tem sua

tipicidade desconsiderada por tratarem-se de ofensas a bens jurídicos que não causam

uma reprovabilidade social, de maneira a não fazer-se necessária a atuação do direito

penal.

Ao analisarmos a importância deste princípio doutrinário, nos remetemos às

lições de Diomar Ackel Filho, que nos lembra a seriedade da função jurisdicional, como

atividade através da qual o Estado, com eficácia vinculativa plena, elimina a lide,

realizando o direito objetivo. Atividade-poder, de tal magnitude, implicando em ato de

soberania do próprio Estado, não deve deter-se, de qualquer forma, para considerar

bagatelas irrelevantes, de modo a vulnerar os valores tutelados pela norma penal.

O princípio da insignificância é importante também, pois serve como um

instrumento de limitação da abrangência do tipo penal às condutas realmente nocivas à

sociedade, resguardando, assim, o ideal de proporcionalidade que a pena deve guardar

em relação à gravidade do crime.

Assim sendo, podemos retirar do direito penal ações cujo conteúdo se revela

ínfimo para a atuação da Justiça Penal, evitando-se assim a saturação de seus órgãos,

com a retirada de um sem número de processos que podem ser resolvidos por outros

meios.

4- PRINCÍPIOS DO DIREITO PENAL QUE SE RELACIONA COM O

PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNICA

Para podermos alcançar um entendimento satisfatório e completo do princípio

doutrinário da insignificância na esfera do direito penal, temos que nos interar dos

outros princípios que guardam relação com o princípio em comento, quais sejam, como

o princípio da legalidade, mínima intervenção, proporcionalidade, subsidiariedade,

fragmentariedade, adequação social e o da lesividade.

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4.1 - Princípio da Legalidade

Como se sabe, o princípio da legalidade desdobra-se em quatro vertentes, ou

seja, a primeira mostra que a lei deve ser anterior ao fato, a segunda que a lei deve ser

positivada, ou seja, escrita, a terceira diz que a lei deve ser estrita e certa e a quarta diz

que a lei deve ser válida e eficaz ao caso concreto, garantindo a justa e adequada

cominação das normas penais. O jargão derivado do princípio da legalidade que retrata

o seu sentido é o nullum crimem nulla poena sine iuria que significa não há crime sem

dano relevante a um bem jurídico penalmente protegido. Como se sabe, estas quatro

vertentes do princípio da legalidade tem profunda relação com o princípio da

insignificância, pois nos revela o seu sentido. E os acontecimentos, que não tenham

grande importância social, não devem sobrecarregar o Poder Judiciário, pois não

possuindo um resultado significante devem ter desconsiderada a tipicidade, já que não

existe dano de relevância ou maior expressão a um bem jurídico protegido.

Contudo há quem afirme não se poder aplicar o princípio da insignificância,

como Vani Benfica que advoga a tese de não estar previsto na legislação e, portanto,

não incorporado ao ordenamento jurídico. Posição formalista como esta, ao nosso ver,

não procede, pois há princípios que não estão expressos no ordenamento jurídico, ou

seja, há princípios normativos e há doutrinários, como o princípio da insignificância.

4.2 - Princípio da Intervenção Mínima

É sabido que o direito penal é o ramo mais violento do direito e por isso só deve

se preocupar em proteger os bens mais relevantes como é o caso do bem jurídico da

Vida. Assim, o direito penal deve deixar para os outros ramos do direito, como o direito

civil, a proteção de bens de menor relevância, ou seja, o direito penal só deve intervir

nos casos em que os outros ramos do direito não se mostram adequados a prestar a

efetiva tutela. Deste modo, o legislador por meio de um critério político que vai variar

de acordo com o aspecto temporal, ou seja, com o momento em que vive a sociedade.

Assim, percebendo-se que os outros ramos do direito não se mostram capazes de tutelar

aqueles bens mais importantes para a sociedade, deve-se selecionar e escolher as

condutas positivas e negativas, que deverão merecer uma resposta mais dura, ou melhor,

uma proteção do direito penal.

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Deste modo, podemos entender o princípio em comento como um princípio

limitador do poder do Estado. Destarte, é importante ressaltar que o princípio da

insignificância além de orientar o legislador na seleção dos bens mais importantes a

serem tutelados pelo direito penal, também se presta a orientá-lo na descriminalização

de condutas que, de acordo com as mutações da sociedade, hoje já não tem necessidade

da proteção do direito. Isto porque, como se sabe, a sociedade está sempre em mudança

nos aspectos políticos, morais, filosóficos, entre outros. E um bem que seja considerado

relevante hoje pode não ser amanhã.

O direito penal deve intervir o menos possível na vida privada, ou seja, ele só

deve ser utilizado quando os outros ramos do direito não se mostrarem adequados a

proteger os bens importantes para a sociedade.

Contudo, o princípio da intervenção mínima limita o poder do legislador, já que

o princípio da legalidade busca limitar o arbítrio judicial, entretanto não impede que o

Estado, em observância a reserva legal, crie penas não perfeitas e cruéis. É sabido que a

pena criminal não repara a situação fática anterior, não iguala o valor dos bens jurídicos

postos em confronto, mas impõe um sacrifício social alto. Logo, o direito penal deve ser

a última ratio.

4.3 - Princípio da Fragmentariedade

Como se sabe o princípio da fragmentariedade é corolário dos princípios da

intervenção mínima, da lesividade e da adequação social. E como corolário dos

princípios citados acima, nos revela que: uma vez escolhido os bens mais relevantes a

serem tutelados (princípio da intervenção mínima), uma vez comprovado a lesividade

(princípio da lesividade), e existente a inadequação das condutas que os ofendem

(princípio da adequação social), esses bens passarão a fazer parte de uma pequena

parcela a ser tutelada pelo direito penal.

Neste diapasão, citamos a lição de MUNÕS CONDE (1975, p.71-72),

nem todas as ações que atacam bens jurídicos são proibidos pelo direito penal, nem tão pouco todos os bens jurídicos são protegidos por ele. O direito penal, repito mais uma vez, se limita somente a castigar as ações mais graves contra os bens jurídicos mais importantes, daí seu caráter ‘fragmentário’, pois que de toda a gama de ações proibidas e bens jurídicos protegidos pelo ordenamento jurídico, o direito penal só se ocupa de uma parte, fragmentos, se bem que da maior importância.

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Destarte, é certo que o legislador, ao prever o tipo penal, somente pensa no

prejuízo relevante que o comportamento incriminado possa causar à esfera social e

jurídica. Contudo, o legislador não tem como evitar que tal disposição legal venha a

atingir somente os casos mais relevantes. O princípio da insignificância, neste aspecto,

se revela de suma importância, pois sem tal princípio seriam atingidos os casos de

menor relevância para o direito penal, ou seja, seriam atingidos os casos leves e aos

mesmos seria dado tratamento desproporcional.

Como se sabe, o princípio da insignificância foi criado para evitar que causas de

verdadeira irrelevância para o direito penal fossem punidas com o ramo mais violento

do direito. Assim, o princípio da insignificância atua como instrumento de interpretação

restritiva do tipo penal, revelando a sua natureza subsidiária e fragmentária.

Deste modo, o direito penal tem caráter fragmentário devendo ocupar-se

somente dos casos em que existe uma ameaça grave aos bens jurídicos protegidos pelo

Estado, não disciplinando bagatelas irrelevantes.

4.4 - Princípio da Subsidiariedade

O princípio da Subsidiariedade está relacionado ao princípio da

fragmentariedade. O princípio da Subsidiariedade nos revela que o direito penal como

ramo mais violento do direito só deve ser usado quando nenhum outro ramo, do direito,

se mostrar suficiente para solucionar o conflito.

Desta forma, o direito penal só se mostra legítimo quando os outros ramos do

direito se mostrarem ineficazes.

Segundo ROXIM (1997, p. 65), o direito penal só deve ser usado quando

fracassarem as demais formas de tutela do bem jurídico predispostas pelos demais

ramos do direito. Vejamos:

A proteção de bens jurídicos não se realiza só mediante o direito penal, senão que nessa missão cooperam todo o instrumental do ordenamento jurídico. O direito penal é, inclusive, a última dentre todas as medidas protetoras que devem ser consideradas, quer dizer que somente pode intervir quando falhem outros meios de solução social do problema – como a ação civil, os regulamentos de policia, as sanções não penais, etc. por isso se denomina a pena como a ‘ultima ratio da política social’ e se define sua missão como proteção subsidiárias de bens jurídicos.

4.5 - Princípio da Adequação Social

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Segundo PRADO (1999, p. 83):

a teoria da adequação social, concebida por Hans Welzel, significa que apesar de uma conduta se subsumir ao modelo legal não será considerada típica se for socialmente adequada ou reconhecida, isto é, se estiver de acordo com a ordem social da vida historicamente condicionada.

Segundo GRECO (2008), a vida em sociedade por natural já nos impõe riscos

que não podem ser punidos pelo direito penal, pois necessário é que se conviva com eles

da forma mais harmônica possível. Como exemplo, é citado o trânsito nas grandes

cidades, o transtorno aéreo, usinas atômicas que tornam a vida em sociedade perigosa,

mas muito embora perigosas, são consideradas socialmente adequadas e assim não

podem serem criminalizadas.

Neste sentido, citamos os ensinamentos de TOLEDO (1984, P. 131):

se o tipo delitivo é um modelo de conduta proibida, não é possível interpretá-lo, em certas situações aparentes, como se estivesse também alcançando condutas licitas, isto é, socialmente aceitas e adequadas.

Vale ainda colacionar a análise entre o tipo e a adequação social realizada por

WELZEL que diz:

na função dos tipos de apresentar o ‘modelo’ de conduta proibida se põe de manifesto que as formas de conduta selecionados por eles têm, por uma parte, um caráter social, quer dizer, são referentes a vida social; ainda, por outra parte, são precisamente inadequadas a uma vida social ordenada. Nos tipos, encontra-se patente a natureza social e ao mesmo tempo histórica do direito penal: indicam as formas de conduta que se separam gravemente dos mandamentos históricos da vida social.

Assim percebe-se que o princípio da adequação social possui duas funções, a

primeira, como visto, é a de restringir o âmbito de abrangência do tipo penal de forma a

limitar a sua interpretação e retirando as condutas socialmente consideradas adequadas e

aceitas.

Destarte, a segunda função do princípio se divide em duas vertentes. A primeira

significa que o legislador ao escolher os bens mais importantes a serem tutelados pelo

direito penal deve observar se estes bens são socialmente adequados, pois se assim for,

o legislador não poderá reprimi-lo através do direito penal. A segunda vertente serve de

norte ao legislador que deverá observar se há, no ordenamento jurídico, normas que

devido à evolução da sociedade já não são consideradas inadequadas ao convívio social

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e assim devem ser excluídas do ordenamento jurídico. Desta forma, o princípio em

comento orienta o legislador a não reprimir condutas aceitas como adequadas pela

sociedade e a revogar as normas que se mostram, naquele instante, adequadas ao

convívio em sociedade.

Contudo, muito embora sirva de norte ao legislador, este princípio não tem o

poder de revogar as leis em vigor, pois, como se sabe, de acordo com o caput do artigo

2º da lei de introdução ao código civil, uma lei somente poderá ser revogada por outra

lei.

Neste diapasão, Welzel entende que o princípio da adequação social é suficiente

para retirar certas lesões insignificantes. No entanto, percebemos que tal afirmativa não

pode ser acertada, isto porque o princípio da adequação social não se relaciona com o

princípio da insignificância, pois no princípio da adequação social a conduta é

socialmente tolerável, já no princípio da insignificância ela não é tolerável, e sim

desconsiderada por tratar-se de bem jurídico insignificante.

4.6 - Princípio da proporcionalidade

Segundo SILVA FRANCO (1997, p. 67), ao tratar do o princípio em comento,

diz:

O princípio da proporcionalidade se exige que se faça um juízo de ponderação sobre a relação existente entre o bem que é lesionado ou posto em perigo (gravidade do fato) e o bem de que pode alguém ser privado (gravidade penal). Toda vez que nessa relação, houver um desequilíbrio acentuado , estabelece-se em conseqüência, inaceitável desproporção. O princípio da proporcionalidade, rechaça, portanto, o estabelecimento de cominações legais (proporcionalidade em abstrato) e a imposição de penas (proporcionalidade em concreto) que careçam de relação valorativa com o fato cometido considerado em seu significado global. Tem, em conseqüência, um duplo destinatário: o poder legislativo (que tem que estabelecer penas proporcionais, em abstrato, à gravidade do delito) e o juiz (as penas que os juizes impõem ao autor do delito tem de ser proporcionada a sua concreta gravidade).

Assim é que, como se percebe, o princípio da proporcionalidade serve como

norte para o legislador na hora de legislar e serve aos magistrados no momento da

aplicação da pena. Deste modo, vale dizer que com o princípio em comento busca-se

evitar um ato violento contra o cidadão de modo que a pena, a ser aplicada, deve ser

necessariamente a menor a ser imposta nas circunstâncias.

A tarefa do legislador de observar a proporcionalidade se mostra mais difícil

frente às inúmeras infrações penais existentes em nosso ordenamento jurídico, o que

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impossibilita o raciocínio da proporcionalidade. No entanto, quanto à

proporcionalidade em concreto, ou seja, aquela efetuada pelo juiz quando da aplicação

da pena ao caso concreto, esta se mostra mais fácil, pois o artigo 68 do código penal

implementou o critério trifásico de aplicação da pena. O que possibilita aos magistrados

encontrar a quantidade e a pena na medida do fato cometido pelo delinquente.

Percebemos que o princípio da bagatela relaciona-se, com o da

proporcionalidade, pois a sua fundamentação está na ideia de proporcionalidade, pois a

pena deve manter relação com a significância do crime ou gravidade do crime. Quando

houver ínfima relevância ao bem jurídico tutelado pelo direito penal e sendo o conteúdo

ou lesão ao bem jurídico irrelevante, este deverá ser até mesmo desconsiderado, ou seja,

declarado atípico.

O princípio da proporcionalidade deve ser respeitado de forma a se buscar um

direito penal compatível com as bases de sustentação de um Estado Social e

Democrático de Direito, onde todos devem observância à lei, seja governante, seja

governado.

4.7 - Princípio da Lesividade

Segundo GRECO (2008), os princípios da intervenção mínima e da lesividade

são correlatos, pois enquanto o princípio da intervenção mínima orienta o legislador no

sentido da escolha dos bens mais relevantes a ser tutelado pelo direito penal, o princípio

da lesividade determina as condutas que não deverão sofrer os rigores do direito penal.

Corroborando para este entendimento, afirma SARRULE (1998, p. 98):

As proibições penais somente se justificam quando se referem a condutas que afetem gravemente a direitos de terceiros; como conseqüência, não podem ser concebidas como respostas puramente éticas aos problemas que se apresentem senão como mecanismos de uso inevitável para que sejam assegurados os pactos que sustentam o ordenamento normativo, quando não existe outro modo de resolver o conflito.

Assim é que, de acordo com GRECO (2008, p. 53), o princípio da lesividade

“cujo origem se atribui ao período iluminista, que por intermédio do movimento de

secularização procurou desfazer a confusão que havia entre o direito e a moral”. Batista

(1979), diz que há quatro funções principais: a primeira, é a proibição de se incriminar

atitudes internas; a segunda é a proibição de se incriminar condutas que não ultrapasse o

âmbito do próprio autor; a terceira é a de se proibir a incriminação de simples estados

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ou condições existenciais; a quarta é a de se proibir a incriminação das condutas

desviadas que em nada afeta qualquer bem jurídico.

Neste sentido, a primeira das quatro funções, acima mencionada, do princípio da

lesividade, tem o seu sentido expresso pelo brocardo latino cogitationes poenam nemo

patitur, que significa que ninguém pode ser punido por aquilo que pensa ou mesmo por

seus sentimentos pessoais. Desta forma, é que o homem não poderá ser punido por

aquilo que pensa ou sente, ou seja, não poderá ser punido por aquilo que está no íntimo

de seu ser salvo se externado causar lesão à terceiro. Quanto à segunda das vertentes

aqui cogitada, o direito penal não pode utilizado para punir conduta que afete ou cause

lesão a bem ou bens de terceiro, ou seja, condutas que não passem do âmbito do próprio

autor não pode ser criminalizada. No que diz respeito à terceira das vertentes, busca-se

proibir que o agente seja punido pelo que ele é e não pelo que ele faz. Assim é que

segundo ZAFFARONI (1996, p. 73), procura-se impedir um verdadeiro direito penal do

autor, afirmando que:

Seja qual for a perspectiva a partir de que se queira fundamentar o direito penal do autor (culpabilidade de autor ou periculosidade), o certo é que um direito que reconheça, mas que também respeite, a autonomia moral da pessoa jamais pode penalizar o ‘ser’ de uma pessoa, mas somente o seu agir, já que o direito é uma ordem reguladora de conduta humana.

Para finalizar, a quarta vertente nos revela que com base no princípio da

lesividade, busca-se impedir que as condutas desviadas, que não afetem nenhum bem

jurídico de terceiro, sejam criminalizadas. Para que se esclareça melhor, segundo

GRECO (2008), condutas desviadas são aquelas que a sociedade trata com certo

desprezo ou repulsa e que muito embora sejam reprovadas sob o aspecto moral, não

causam qualquer lesão à bem ou bens jurídicos de terceiros.

Concluindo, o princípio da lesividade limita o poder do Estado de punir de

forma a limitá-lo apenas aos casos que possam causar efetiva lesão a bem ou bens de

terceiros, ou seja, não pode se criminalizar condutas por aspectos simplesmente éticos

ou moral. E neste aspecto guarda relação com o princípio da insignificância que orienta

os operadores do direito no sentido de aplicação da norma penal.

5- O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA PERANTE A JURISPRUDÊNCIA

BRASILEIRA.

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Como se sabe, o Direito Penal só deve se preocupar com os bens que forem de

maior relevância para o direito penal e a sociedade. Por isso, o Direito Penal só deve

intervir impondo sanção, nos casos que houver absoluta necessidade, ou seja, nos casos

em que a ofensa ao bem jurídico protegido seja intolerável. E por este motivo, se busca

modernamente um direito de intervenção mínima devendo-se procurar afastar do âmbito

da proibição penal comportamentos que causem uma lesão ínfima ao bem jurídico

tutelado pela norma. Afasta do direito penal os bens de menor expressividade para que,

entre outros motivos, não se venha a banalizar o direito penal que é o ramo do direito

mais grave, ou seja, de maior rigor.

Conforme leciona MAURICIO RIBEIRO LOPES, foi Claus Roxin quem

primeiro enunciou o princípio da insignificância (geringfügigkeitsprinzip), segundo o

qual os delitos de baixa ou nenhuma lesividade social devem ser objeto de intervenção

mínima do direito penal.

No Brasil, o princípio da insignificância foi acolhido pela mais lúcida doutrina

sobre o tema, valendo citar, por todo o magistério do MINISTRO FRANCISCO DE

ASSIS TOLEDO, (princípios básicos de direito penal. 4º ed. São Paulo: saraiva, 1991,

p. 133): “segundo o princípio da insignificância, que se revela por inteiro pela própria

denominação, o direito penal, por sua natureza fragmentária, só vai aonde seja

necessário para a proteção do bem jurídico. Não deve ocupar-se de bagatelas”.

Os doutrinadores SAFARONE E PIERANGELI, a seu turno, entendem que a

insignificância da afetação de bens jurídicos exclui a tipicidade, mas só pode ser

estabelecida mediante consideração conglobada da norma. O princípio da

insignificância, portanto, seria causa de atipicidade conglobante que é formada pela

antinormatividade da conduta e relevância material. Neste sentido, se a conduta do

agente não possui relevância material em virtude da insignificância da lesão causada ao

bem, não há tipicidade conglobante, sendo seu comportamento atípico.

É necessário mencionar que o Supremo Tribunal Federal, no HC 88.393, tendo

como relator o Ministro César Peluso, reconheceu a aplicabilidade do princípio da

insignificância com base nos seguintes vetores, a saber:

1- quando houver a mínima ofensividade da conduta do agente;

2- nenhuma periculosidade da ação;

3- reduzidíssimo grau da reprovabilidade do comportamento e

4- inexpressividade da lesão jurídica provocada.

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Neste diapasão, o entendimento do Supremo Tribunal Federal é que a “privação

da liberdade e a restrição de direitos do individuo somente se justificam quando

estritamente necessárias a própria proteção das pessoas, da sociedade e outros bens

jurídicos que lhe sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores

penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de

significativa lesividade”.

Contudo, verificando-se que em um caso esteja configurado o princípio da

insignificância em decorrência da ausência de relevo material do comportamento do

agente e sendo ínfima a lesão causada ao bem jurídico protegido pela norma, teríamos

atipicidade penal da conduta do agente o que acarreta a absolvição do agente.

Assim foi o entendimento do Supremo Tribunal Federal no HC nº 77.033/PE,

vejamos: (STF – HC nº 77.033/PE. 2º Turma. Rel. Min. Marco Aurélio. DJU 11/09/98)

“JUSTA CAUSA. INSIGNIFICÂNCIA DO ATO APONTADO COMO DELITUOSO.

Impõe-se o trancamento da ação penal por falta de justa causa. A isto direciona-se os

princípios da razoabilidade e da proporcionalidade”.

6- A RESISTÊNCIA A APLICAÇÃO NO DIREITO PÁTRIO DO PRINCÍPIO

DA INSIGNIFICÂNCIA AO CRIME DE ROUBO.

O princípio da insignificância é uma política criminal que se revela necessária,

pois os nossos legisladores ao realizar o trabalho de redação do tipo penal só

vislumbram os prejuízos de maior expressividade que o comportamento incriminado

possa causar a ordem jurídica e social. E que, o legislador não possui meios para evitar

que os casos mais leves sejam alcançados pelas normas penais. Assim, como

consciência da natureza fragmentária do direito penal fica fácil entender a grande

importância do princípio em comento.

Deste modo, tal política criminal se revela um relevante instrumento de atuação

para operadores do direito, auxiliando os mesmos na interpretação, quando da análise do

tipo penal.

É claro que nem todos os crimes comportam a aplicação do princípio da

insignificância, como é o caso do crime de homicídio previsto no artigo 121 do código

penal brasileiro. Mas há casos de infrações penais em que a aplicação do princípio em

comento afastará a injustiça do caso concreto, pois há casos em que uma simples

adequação da conduta do agente ao tipo formal evidenciaria uma verdadeira aberração.

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Contudo, nossos Tribunais têm se posicionado no sentido de aplicação do

princípio da insignificância nos casos de crimes patrimoniais cometidos sem violência a

pessoa conforme transcrição abaixo:

Princípio da insignificância. Identificação dos vetores cuja a presença legitima o reconhecimento desse postulado de política criminal. Conseqüente descaracterização da tipicidade penal, em seu aspecto material. Delito de furto. Condenação imposta a jovem desempregado, com apenas 19 anos de idade. Res furtiva no valor de R$ 25,00 (equivalente a 9,61% do salário mínimo atualmente em vigor). Doutrina. Considerações em torno da jurisprudência do STF. Pedido Deferido. O princípio da insignificância qualifica-se como fator de descaracterização da tipicidade penal. (STF – HC 84412 MC/SP – 2º Turma – Rel. Min. Celso de Mello, Publicado no DJ de 19/11/2004, p. 00037).

Destarte, há resistência a aplicação do princípio em comento aos crimes

patrimoniais violentos, conforme se vê pelos fundamentos do acórdão do Superior

Tribunal de justiça a seguir:

1. Não há como aplicar, aos crimes de roubo, o princípio da insignificância – causa supralegal de exclusão da ilicitude -, pois, tratando-se de delito complexo, em que há ofensa a bens jurídicos diversos (patrimônio e a integridade da pessoa), é inviável a afirmação do desinteresse estatal à sua repressão. 2. Acrescente-se, ademais, que, sob o prisma da tipicidade material, a lesividade ao patrimônio da vítima não foi irrelevante, porquanto, ainda que o valor do bem – uma bicicleta – seja inferior a um salário mínimo, era o seu meio de locomoção urbano (HC 37423/DF – Hábeas Corpus 2004/0110246-0 – 5º Turma – Rel. Min. Laurita Vaz, publicado no DJ de 14/03/2005, p. 396).

Além disso, como nos diz Odone Sanguiné, o princípio da insignificância teve,

pela primeira vez, seu acolhimento "expresso" pelo Supremo Tribunal Federal em julho

de 1988 (RHC nº 66.869-1, 2º turma, votação unanime). No julgamento, o STF decidiu

arquivar a ação penal com o fundamento de que uma equimose, de três centímetros de

diâmetro, decorrente de um acidente automobilístico, escapa ao interesse punitivo do

Estado em virtude do princípio da insignificância - não acolhendo a tese do Tribunal

inferior e da Procuradoria-Geral da República que sustentavam que a lesão preenchia os

requisitos necessários para a existência da tipicidade penal, ainda que de nenhuma

consequência funcional - alegando que o prosseguimento da ação penal não lograria

nenhum resultado, só sobrecarregaria mais os serviços da Justiça e incomodaria

inutilmente a vítima. Configurando-se, portanto, como uma diretriz jurisprudencial da

mais alta valia e, servindo como precedente aos Tribunais inferiores.

A jurisprudência tem adotado o princípio da insignificância, principalmente, nos

casos de furto, lesão corporal, descaminho e crimes contra a fauna. Entretanto, o

entendimento adotado segue sempre uma mesma linha, ou seja, a lesão ou o fato

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praticado, por ser insignificante, torna-se atípico, além dos argumentos da

proporcionalidade, da mínima intervenção, da fragmentariedade e da subsidiariedade.

Por fim, mesmo não estando tipificado em nenhum instituto legal, o princípio

da insignificância vem, ultimamente, sendo utilizado e invocado pela jurisprudência

brasileira. Assim, vislumbra-se uma aplicação cada vez maior dos conceitos trazidos

pelo princípio doutrinário da insignificância, como podemos observar em inúmeras

decisões dos Tribunais Estaduais e Federais, como também do Superior Tribunal de

Justiça.

Os Tribunais Estaduais têm aplicado o princípio da insignificância mais

comumente aos casos de furto e lesões corporais leves e levíssimas consoante aos

argumentos de irrelevância social e econômica da res furtiva, aliados à ausência de

perigosidade da conduta incriminada, e os argumentos da falta de potencialidade

ofensiva do fato, a natureza levíssima das lesões causadas e a falta de ameaça danosa ou

concretamente perigosa que justifique a imposição de uma pena.

Com relação ao furto, podemos exemplificar com a jurisprudência do TJGO:

Furto qualificado. Apelação da acusação. Botijão de gás. Crime de bagatela. Pequeno valor da ‘res’ em relação ao patrimônio das vítimas. Apreensão e devolução imediatas. Ausência de prejuízo. Aplicação do princípio da insignificância. Absolvição - O furto de um botijão de gás sem prejuízo, ínfimo que seja para a vítima, diante da imediata apreensão e devolução, decorrente do flagrante, sem também, maiores conseqüências ao adquirente do bem furtado, é fato de nenhuma relevância social na escala de valor atual da norma incriminadora, a merecer a movimentação do caro mecanismo judiciário num direito penal clássico como o nosso.

Com relação às lesões corporais leves, cita-se a jurisprudência do TJSC: "A

insignificância da lesão sofrida pela vítima afasta a tipicidade do crime previsto no

artigo 129 do CP, impondo-se a solução absolutória".

Os Tribunais Regionais Federais são os órgãos que mais se utilizam da aplicação

do princípio da insignificância para a resolução dos litígios, sendo, em certos casos,

como nos delitos de descaminho, aplicado o princípio de forma pacífica, sob os

argumentos de que descaminho de mercadoria de valor irrisório não chega a causar

lesão relevante; também é muito utilizado nos crimes contra a fauna, sob os argumentos

de que nos crimes contra a fauna, o direito penal não deve preocupar-se com ações

insignificantes, que pela sua natureza não causam um dano ao bem jurídico tutelado.

Com relação aos crimes de descaminho, jurisprudência do TRF 4º Região:

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Pacificou-se a jurisprudência desta 1º Turma no sentido de que o descaminho de mercadorias de valor irrisório não chega a causar lesão relevante, que justifique o prosseguimento da ação penal, devendo nessas hipóteses, ser aplicado o princípio da insignificância.

Com relação aos crimes contra a fauna, jurisprudência do TRF 5º Região: "A

comercialização de 17 (dezessete) borboletas não pode ensejar uma pena de 2 a 5 anos

de reclusão. Homenagem ao princípio da insignificância".

A jurisprudência observada no Superior Tribunal de Justiça denota uma maior

aplicação do princípio da insignificância aos delitos de descaminho ou contrabando, sob

o mesmo argumento dos Tribunais Federais, ou seja, que as mercadorias de ínfimo valor

não caracterizariam crime de descaminho ou contrabando.

Nesse sentido jurisprudência, do STJ:

Descaminho. Princípio da insignificância. No caso ‘sub examine’, a pequena quantidade e o ínfimo valor da mercadoria de procedência estrangeira, apreendida em poder do acusado autoriza a aplicação do princípio da insignificância.

Cabe lembrar também, a discussão que se deu em torno de quatro minhocuçus,

onde o STJ sabiamente aplicou o princípio da insignificância, como podemos observar

no extrato jurisprudencial abaixo:

A apanha de apenas quatro minhocuçus não desloca a competência para a Justiça Federal, pois não constitui crime contra a fauna, previsto na Lei nº 5.197/67, em face da aplicação do princípio da insignificância, uma vez que a conduta não tem força para atingir o bem jurídico tutelado.

Cabe ressaltar, também, que nosso Supremo Tribunal Federal não rejeita o

princípio da insignificância, muito pelo contrário, o aceita, em determinados casos,

devendo ser analisado caso a caso.

Desse modo, jurisprudência do STF: "... a aplicação do princípio da

insignificância deve ser feita caso a caso".

É importante, também, salientar que o próprio Ministério Público Federal (MPF)

aceita e aplica a tese do princípio da insignificância, como podemos observar no 3º

ofício criminal, com relação aos autos nº 940011453/2, onde o MPF solicita o

arquivamento do inquérito policial de descaminho, com base no princípio da

insignificância, da irrelevância do valor da mercadoria apreendida.

Podemos observar, nos extratos jurisprudenciais aquilo que viemos defender, ou

seja, que através do princípio da insignificância podemos desconsiderar a tipicidade do

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fato, pois evidenciada a falta de potencialidade ofensiva social ou econômica do ato

delituoso, servindo, também, como um método auxiliar de interpretação que versa sobre

a atipicidade do fato.

7- APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AO CRIME DE

ROUBO

Há, contudo, aqueles que defendem a possibilidade da aplicação do princípio da

bagatela aos crimes de roubo. Com o argumento que por se tratar de crime complexo

onde se busca proteger bens distintos, quais sejam, patrimônio e a integridade física,

afastado pela insignificância, um dos elementos do crime subsistiria o outro.

Assim é o entendimento de Marchi Júnior, analisando a possibilidade de

aplicação do princípio comento ao crime de Roubo, dizendo que:

Como o princípio da bagatela afasta a tipicidade do crime de furto, deve também afastar a tipicidade do crime de roubo, ainda que praticado com violência ou grave ameaça a pessoa. Portanto, se o roubo, delito complexo, cuja a objetividade jurídica é a proteção do patrimônio e da liberdade individual ou da integridade física do ofendido, não pode subsistir sem que ocorra a lesão significativa a ambos os bens jurídicos protegidos. Se a lesão a liberdade individual for insignificante, a hipótese será de furto; ao contrário, se a lesão patrimonial for insignificante, subsistirá o crime contra a pessoa (ameaça, lesão corporal, constrangimento ilegal, etc.).

Contudo, como se percebe este não é o posicionamento aceito pelos nossos

tribunais que entendem na maioria de seus julgados que se tratando de delito complexo,

em que há ofensa a bens jurídicos diversos (patrimônio e a integridade da pessoa), é

inviável a afirmação do desinteresse estatal à sua repressão.

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8- CONCLUSÃO

Como vimos, muito embora haja controvérsia quanto à origem histórica do

principio da insignificância, a verdade é que o mesmo teve a sua origem em Roma, pois

segundo os autores citados, o princípio da insignificância já vigorava no direito romano

onde o pretor não cuidava, de modo geral, de causas ou delitos de bagatela, consoante a

máxima contida no brocardo de minimis non curat praetor.

Destarte, percebemos que a aplicação do princípio da insignificância não gera

uma descriminilização, ou seja, a interpretação é de que os crimes de bagatela são

delitos que, num primeiro momento, se moldam ao fato típico, mas que, posteriormente,

tem sua tipicidade desconsiderada por tratar-se de ofensas a bens jurídicos que não

causam uma reprovabilidade social, de maneira a não fazer-se necessária a atuação do

direito penal.

Além disso, percebemos que o princípio da insignificância tem se mostrado um

importante instrumento de política criminal, pois com base nele os magistrados podem

reconhecer a ausência de tipicidade Material, alcançando a vontade da lei, pois, como se

sabe, o legislador ao proibir uma conduta positiva ou negativa não quer alcançar os

casos ínfimos que não têm nenhuma relevância para o direito penal - que é o ramo mais

violento do direito e só deve ser usado em último caso.

Por fim, diante da controvérsia existente, no que diz respeito a aplicação do

princípio da bagatela aos crimes de roubo, podemos perceber que acertada é a posição

dos nossos tribunais que entendem não caber aplicação do princípio em comento aos

casos de roubo por ser este crime complexo, onde se tem mais de um bem a ser tutelado

e ,deste modo, incabível a alegação de desinteresse estatal.

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9- REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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