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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU INSTITUTO A VEZ DO MESTRE O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES E OS REFLEXOS DE SUA INOBSERVÂNCIA Por: Renata Noronha Loureiro Orientador Profª. Valesca Rodrigues Rio de Janeiro - RJ 2009

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA MOTIVAÇÃO DAS

DECISÕES E OS REFLEXOS DE SUA INOBSERVÂNCIA

Por: Renata Noronha Loureiro

Orientador

Profª. Valesca Rodrigues

Rio de Janeiro - RJ

2009

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITO E PROCESSO PENAL

O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA MOTIVAÇÃO DAS

DECISÕES E OS REFLEXOS DE SUA INOBSERVÂNCIA

Apresentação de monografia ao Instituto A Vez do

Mestre – Universidade Cândido Mendes como

requisito parcial para obtenção do grau de

especialista em DIREITO E PROCESSO PENAL

Por: Renata Noronha Loureiro

AGRADECIMENTOS

À pequena Catarina, razão da

minha vida, por seu amor incondicional.

4

DEDICATÓRIA

Ao meu pai Osvaldo, eterno amor,

grande amigo e exemplo de integridade,

simplicidade, determinação e coragem, a

quem devo todas as minhas conquistas.

Saiba, querido, de onde estiver: não te

esquecerei um dia, nem um dia.

5

RESUMO

Monografia de conclusão de curso apresentada à Universidade Cândido

Mendes – Instituto A Vez do Mestre como requisito para a obtenção do título

de especialista em Direito e Processo Penal

O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES E OS

REFLEXOS DE SUA INOBSERVÂNCIA

Renata Noronha Loureiro

Orientadora: Valesca Rodrigues

O presente estudo tem por objetivo apresentar o princípio da motivação -

instrumento indissociável do devido processo legal -, sobretudo sob o ângulo

da Ciência Processual, não apenas como dever dos magistrados, mas como

garantia constitucional das partes e da coletividade a um processo que viabilize

uma tutela jurisdicional efetiva, como direito fundamental próprio dos Estados

Democráticos, especialmente em se tratando de matéria penal. Para tanto,

demonstram-se, inicialmente, as origens e a evolução histórica do princípio em

referência, culminando com sua consagração, a nível constitucional, após a II

Guerra Mundial. Prosseguindo, são descritas e sistematizadas as várias

funções endo e extraprocessuais desempenhadas pela motivação e sua

correlação com os demais princípios constitucionais, tais como: a

imparcialidade, a ampla defesa e o contraditório, e com outros elementos

norteadores de toda a atividade estatal, como a transparência, a participação e

a confiança. Contempla, por fim, a pesquisa, após estabelecer o campo de

abrangência da garantia constitucional, os principais vícios de fundamentação

das decisões, com enfoque nos métodos admitidos e nas sanções prescritas

pelo ordenamento jurídico pátrio. Buscou-se, sempre que possível, ao longo do

trabalho, ilustrar o estudo com posições doutrinárias e jurisprudenciais, tanto

do Brasil como do exterior.

6

METODOLOGIA

Utilizou-se, como metodologia, para o desenvolvimento do tema e elaboração

do presente trabalho, a pesquisa bibliográfica em livros, artigos e material

disponível na internet, optando-se pelo método dissertativo para a produção da

monografia.

7

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 9

2. CAPÍTULO I – ANTECEDENTES HISTÓRICOS 13

2.1 Do Direito Romano ao Século XVII 13 2.2 A Influência Iluminista e a Revolução Francesa 14 2.3 O Constitucionalismo Europeu no Séc. XX 16 2.4 Os Países do Common Law 18

3. CAPÍTULO II – FUNÇÕES ENDOPROCESSUAIS 19

3.1 Os Limites Objetivos do Julgado 19 3.2 O Reexame pelos Tribunais 20 3.3 Persuasão das Partes 22 3.4 Imparcialidade, Contraditório e Publicidade 23 3.5 Uniformização da Jurisprudência 26 3.6 Justificativa das Escolhas 26 4. CAPÍTULO III – FUNÇÕES EXTRAPROCESSUAIS 28

4.1 Estado Democrático de Direito 28 4.1.1 O Princípio da Participação 30 4.1.2 O Princípio da Transparência 31 4.1.3 O Princípio da Legalidade 31 4.2 O Devido Processo Legal 33 5. CAPÍTULO IV – AMPLITUDE DA GARANTIA CONSTITUCIONAL 35 6. CAPÍTULO V – VÍCIOS E ARTIFÍCIOS 39 6.1 Ausência de Fundamentação e Fundamentação Sucinta 39 6.2 Insuficiência de Motivação 47 6.3 Incoerência da Motivação 47 6.4 Motivação Implícita 48 6.5 Motivação Per Relationem 49 6.6 Motivação por Formulários 52 7. CAPÍTULO VI – REFLEXOS DA INOBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA MOTIVAÇÃO 54 7.1 Sanção Constitucional de Nulidade 54 7.2 Remédios Processuais 54

8

8. CONCLUSÕES 56

9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 59

9

1. INTRODUÇÃO

O princípio da motivação, ao qual se confere estatura constitucional na

grande maioria dos países democráticos, seja explicitamente ou como

exteriorização do devido processo legal e da efetividade da tutela jurisdicional,

é instituto que contém em sua essência uma dupla natureza: se, por um lado,

constitui direito fundamental das partes, como verdadeira garantia

instrumental, bem como de toda a coletividade, que por meio dela pode aferir a

atuação dos magistrados, por outro, também se configura em inescusável

obrigação para estes, que têm por dever demonstrar, de modo transparente e

racional, as razões que os conduziram a tomar determinada opção,

ponderando as alegações dos litigantes e as provas produzidas nos autos.

Na concepção objetiva de um dos maiores especialistas sobre o tema, o

processualista italiano MICHELE TARUFFO, a motivação pode ser definida

como um discurso que possui a função de justificar racionalmente a decisão1.

Oportuna, outrossim, a comparação de NÁDIA DE ARAÚJO – citando

PERELMAN -, segundo a qual, assim como as preferências humanas

conseguem ser explicadas por razões bem formuladas, “[...] o mesmo ocorre

com o direito, na medida em que tão melhor será a interpretação dada pelo juiz

quanto melhor fundamentação apresente.”2

Como bem observou o filósofo francês MONTESQUIEU em seu clássico

“Do Espírito das Leis”, a nobre, porém árdua tarefa de decidir não está, a toda

evidência, imune a determinadas limitações inerentes à própria condição

humana, como a falibilidade e, especialmente, a tendência ao excesso no

exercício do poder, quando este não encontre formas razoáveis de contenção.

1 “Il Controllo di Razionalitá della decisione fra Lógica, Retórica e Dialettica”, p. 6 [tradução livre].

2 “Direitos Fundamentais e Imunidade de Jurisdição – Comentários Tópicos ao RE n. 222.368 do STF”,

p.6.

10

ENRICO TULLIO LIEBMAN chega a afirmar que “a história do processo,

nos últimos séculos, pode ser concebida como a história dos esforços feitos

por legisladores e juristas para limitar o âmbito de arbítrio dos juízes.”3

A função judicante, nesta perspectiva, como uma das faces do poder

estatal, encontra seus limites, primordialmente, na aplicação da lei, pela qual

se deve pautar, e nas demais fontes do direito, como a analogia, os costumes

e os princípios gerais do direito.

Assim, a norma jurídica, expressando a volonté generále - e não mais

qualquer poder de origem divina ou arbitrária -, na esteira do pensamento de

ROUSSEAU4, é o parâmetro de toda a atuação do Estado, que a ela também

se sujeita, resultando numa maior segurança e previsibilidade nas situações

jurídicas subjetivas.

Especificamente com relação ao Judiciário, será justamente a

fundamentação da sentença o momento culminante da observância deste

Governo das Leis - Rechtsstaat, Régne de La Loi ou Rule of Law, a depender

da matriz (na era moderna) germânica, francesa ou anglo-saxônica5 -,

possibilitando-se a verificação de eventuais desvios ou incongruências e

permitindo seu controle quanto aos aspectos de legalidade e justiça.

Conquanto seja certo que, modernamente, não se exige dos julgadores

um comportamento “robotizado”, frio e passivo, na condução dos processos, é

igualmente imprescindível que todas as escolhas vinculem-se aos valores

imanentes aos anseios sociais, sob pena do surgimento de arbitrariedades e,

por conseguinte, da instabilidade de todo o sistema.

O objetivo do presente estudo é demonstrar a visceral importância do

papel desempenhado pelo princípio da motivação das decisões judiciais para a

preservação de um processo justo, equilibrado e compatível com as garantias

fundamentais reconhecidas pelos Estados Democráticos de Direito.

3 “Do Arbítrio à Razão: Reflexões Sobre a Motivação da Sentença”, p.1.

4 Apud BANDEIRA DE MELLO, “Discricionariedade e Controle Jurisdicional”, p.11.

5 Cf. CANOTILHO “Direito Constitucional”, pp. 354 e 355.

11

É bem verdade que esta obrigatoriedade traz consigo uma série de

implicações relacionadas desde a Filosofia do Direito até às Ciências Políticas,

passando pela Retórica Argumentativa. A presente pesquisa, não obstante,

sem maiores pretensões, centraliza-se em sua análise sob a ótica do Direito

Processual Constitucional, com ênfase nos reflexos de sua inobservância na

aplicação do Direito Penal.

Nesse diapasão, o princípio da motivação será dissecado desde uma

perspectiva histórica até o posicionamento atual da jurisprudência pátria, sem

se descuidar de breves considerações ao tratamento dado à questão pelo

direito alienígena.

Serão também abordadas, no decorrer dos próximos tópicos, as funções

endoprocessuais do instituto sob exame - que, à primeira vista, referem-se

apenas aos litigantes -, e as extraprocessuais - concernentes a todo o conjunto

social.

Com efeito, será exposto como tal mecanismo permite a legitimação das

decisões estatais, bem como a adequação de seu conteúdo em face da lei e

do material probatório produzido pelas partes. Aspectos estes, que poderão

ser revistos em grau recursal, pelas instâncias superiores, ou, se for o caso,

mediante uma justificação plenamente convincente, até mesmo dissuadir

eventuais impugnações, quando fatalmente inócuas.

Nos capítulos finais, será apresentado breve panorama da prática de

nossos tribunais, com referência a acórdãos que abordam o tema, bem como

introduzidos os artifícios comumente utilizados no modo de fundamentar as

decisões, que, muito embora freqüentemente tolerados, terminam por

comprometer a plenitude da respectiva garantia no processo democrático,

assim como os vícios e nulidades que irremediavelmente a contaminam.

Desdobramento da garantia da tutela jurisdicional efetiva e do devido

processo legal6, a motivação funciona, pois, como garantia da observância do

contraditório, da participação popular na administração da justiça, da

6 Constituição da República Federativa de 1988: artigo 5º, incisos XXXV e LV.

12

publicidade e da transparência, imperativos da ordem democrática na proteção

da esfera de direitos dos jurisdicionados.

Num momento em que ainda não se encerraram os debates públicos

sobre o controle externo do Judiciário e do Ministério Público, sobretudo no

que tange à real eficácia dos Conselhos Nacionais instituídos para esse fim,

inegavelmente contaminados pelo corporativismo e parcialidade dos membros

que majoritariamente os compõem, oriundos de suas respectivas carreiras de

origem, bastante oportuno se revela o estudo daquele que ainda se apresenta,

sem sombra de dúvida, como o mais genuíno dos controles: a própria

fundamentação das decisões judiciais.

13

2. CAPÍTULO I

ANTECEDENTES HISTÓRICOS

2.1 - Do Direito Romano ao Século XVII:

A atenção dispensada ao princípio da motivação vai, ao longo da

história, acompanhando, proporcionalmente, a evolução política-institucional

das sociedades. Sem embargo quanto a sua existência no direito romano, o

processualista espanhol IGNÁCIO COLOMER HERNÁNDEZ assevera o

seguinte:

“Em la antiga Roma no se conocia la necessidad de motivar, ya que

existia uma jurisprudência ocular em la que los magistrados no teniam

la obrigación de indicar la ratio decidendi de sus decisiones, pues no

hay que olvidar que la avtividad juzgadora era uma tarefa reservada a la

nobleza, por lo que el fundamento y respaldo de la actividad de um juez

se encontrava em su prestigio social, sin necessidad de

fundamentación racional expressa.” 7

A primeira referência expressa à limitação ao arbítrio da função

judicante – através da motivação – remonta ao direito canônico, mais

especificamente com a decretal Quum medicinalis de Inocêncio IV (-1199) 8

Seguiram-se, no século XIII, alguns precedentes embrionários no

direito medieval, conquanto sua ausência não ensejasse qualquer nulidade ou

espécie de sanção, que, aliás, não era nem mesmo recomendada pela

doutrina, pois representava um entrave à máquina judiciária, conforme aponta

ANTÔNIO MAGALHÃES GOMES FILHO.

Durante o período do absolutismo monárquico, cuja tônica era

7 “La Motivación de las Sentencias: Sus Exigências Constitucionales e Legales”, p. 61.

8 Cf. MAGALHÃES GOMES, “A Motivação das Decisões Penais”, p. 52.

14

justamente o poder soberano nas mãos da figura do rei, este exercia a

jurisdição superior ao seu talante, isentando-se de quaisquer manifestações de

cunho explicativo.

2.2 - A Influência Iluminista e a Revolução Francesa:

À exceção de algumas reformas na legislação de Florença e da

Catalunha, no século XVI, pode-se afirmar que este quadro somente começou

a se alterar de forma generalizada a partir das influências do pensamento

iluminista – grande pressuposto de fundo para tal guinada9 –, repercutindo

inicialmente nos estados de despotismo esclarecido, como os reinados

prussianos de Frederico II (1748) e Frederico, O Grande, (Allgemeine

Gerichtsordnung de 1793) e os da península itálica em Piemonte (1723),

Nápoles (Prammatica de 1774) e o Principado de Trento (1788).

MICHELLE TARUFFO considera a Prammatica como avançadíssima

para a época, tanto é que a obrigação de motivar, após ser objeto de inúmeras

resistências, restou como mera faculdade. 10

O primeiro grande marco na trajetória do princípio da motivação reside,

todavia, na consagração que lhe foi levada a cabo pela Revolução Francesa,

numa clara reação às arbitrariedades cometidas no Ancién Regime. A

motivação (estabelecida pelo artigo 15, Título V, da Lei de Organização

Judiciária de 24 de agosto de 1790), foi considerada como um instrumento de

salvaguarda da legalidade das decisões, bem como, também, da unidade do

direito aplicado.

Recentemente, aliás, o Tribunal Constitucional da Espanha teve a

oportunidade de reafirmar a origem do princípio da motivação, qual seja um

antídoto contra o que se denomina “absolutismo judicial”:

9 Cf. TARUFFO, “La Motivazione della Sentenza Civile”, p. 326.

10 Cf. TARUFFO apud MAGALHÃES GOMES, op. cit., p. 59 (nota 34).

15

“la exigencia de motivación de las Sentencias está directamente

relacionada com los principios de um Estado de Derecho (art. 1.1 CE) y

com el carácter vinculante que para Jueces y Magistrados tiene la Ley,

a cuyo imperio están sometidos em el ejercício de su potestad

jurisdiccional (art. 117 CE, párrafos 1 y 3). Em contra de lo que com

naturalidad ocurría em el Antíguo Régimen”. [...] “em um Estado de

Derecho hay que dar razón del Derecho judicialmente interpretado y

aplicado. Con ello se cumple tanto com la finalidad de evidenciar que el

fallo es uma decisión razonada em términos de Derecho y no um simple

y arbitrário acto de voluntad del Juzgador em ejercicio de um

rechazable absolutismo judicial, como com la de hacer posible el control

jurisdiccional de la resolución através del sistema de recursos previsto

em el ordenamiento.” 11

Em que pese enfocar apenas a dimensão endoprocessual – tema mais

desenvolvido à frente, que significa, porém, em breve síntese, abranger tão-

somente aspectos técnico-processuais da lide em si mesma, sem atentar para

a função participativa, de cunho democrático e político-social do instituto em

alusão –, o diploma francês influenciou sobremaneira as codificações

processuais posteriores em todo o continente europeu.

Especificamente com relação ao sistema luso-brasileiro, desde as

Ordenações Filipinas já havia menção ao dever de fundamentar as sentenças

(Livro II, Título Civil, artigo 485, nº IV, e Livro III, § 7º, Título LXVI) – cuja

seguida inobservância levou, inclusive, o Ministro Clemente Ferreira França a

editar uma portaria em 31 de março de 1824 ratificando tal obrigação –, nos

seguintes termos:

“E para as partes saberem se lhes convém apellar, ou agravar das

sentenças diffinitivas, ou vir com embargos a ellas, e os Juízes da mor

alçada entenderem melhor os fundamentos por que os juízes inferiores

se movem a condenar, ou absolver, mandamos que todos os nossos

11 STC 24/1990, de 15 de fevereiro (FJ 4). Disponível em http://www.tribunalconstitucional.es/JC.htm

[artigos referentes à Constituição Espanhola]

16

Desembargadores, e quaesquer outros Julgadores, ora sejam Letrados,

ora não o sejam, declarem specificamente em suas sentenças

diffinitivas, assim na primeira instância, como no caso de apelação ou

agravo ou revista, as causas em que se fundamentam a condenar, ou

absolver, ou a confirmar, ou revogar.”12

Interessante apontar, outrossim, que o Regulamento 737, de 1850,

inicialmente aplicável às causas comerciais, mas que a partir de 1890 passou a

ser também observado nas causas cíveis, continha disposição expressa com a

mesma finalidade:

“Artigo 232 – A sentença deve ser clara, sumariando o juiz o pedido e a

contestação com os fundamentos respectivos, motivando com precisão

o seu julgado, e declarando sob sua responsabilidade a lei, uso ou

estilo em que se funda.”

Da mesma forma, os códigos estaduais de processo civil da Bahia

(artigo 308), do Rio Grande do Sul (artigo 499), de Minas Gerais (artigo 382),

de São Paulo (artigo 333), do Distrito Federal (artigo 273), do Ceará (artigo

330), do Paraná (artigo 231) e de Pernambuco (artigo 338), bem como os

Códigos Nacionais de 1939 (artigos 118 e 280) e, posteriormente, de 1973, o

Código de Processo Penal comum de 1941 (artigo 381,III) e o Código de

Processo Penal Militar de 1969 (artigo 438, c).13

2.3 - O Constitucionalismo Europeu de Meados do Século XX:

Por outro prisma, em termos garantísticos, não resta dúvida de que a

12 Cf. NOJIRI, “O Dever de Fundamentar as Decisões Judiciais”, p. 28.

13 No período compreendido entre as Constituições Federais de 1891 e de 1937, os Estados dividiram

com a União a competência legislativa em matéria processual (sistema dualista). Cf. NOJIRI, op. cit., p.

29 (nota 4).

17

análise da motivação foi sobremaneira valorizada no período após a II Guerra

Mundial – em uma conjuntura de reação às barbáries cometidas –, ocasião na

qual passou a gozar de prestígio constitucional, por obra das modernas cartas

européias: primeiramente, com a Constituição da Itália (1948) e com a Lei

Fundamental da Alemanha (1949), e, mais tarde, com as Constituições

Espanhola (1976) e Portuguesa (após a Reforma de 1982).

Destarte, como bem ressalta o mestre BARBOSA MOREIRA, atribuiu-

se ao dever de fundamentar maior estabilidade, enquadrando-o no sistema de

garantias fundamentais.

O caso da Alemanha é bastante significativo, pois não obstante

ausência de regra expressa contendo a obrigação de motivar, a Corte

Constitucional consagrou que a motivação é inerente ao próprio Estado de

Direito, porquanto os cidadãos têm o direito de conhecer as razões sobre as

quais está fundamentado um ato estatal capaz de influir em sua esfera de

direitos.14 Ademais, também exsurge sistematicamente do direito de ser ouvido

em juízo (rechtliches Gehor) e da subordinação do juiz à lei, conforme os

artigos 103, 1ª alínea, e 20, 3ª alínea, da Lei Maior Tedesca.

Este foi, portanto, o quadro histórico que conduziu a Assembléia

Constituinte Brasileira de 1988 a incluir em nossa Magna Carta o artigo 93,

inciso IX, nos seguintes termos:

“artigo 93:

[...] inciso IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário

serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de

nulidade, [...];”

Seguiu-se, assim, o espírito dos moldes citados, também adotado por

cartas posteriores, como, por exemplo, a da República Peruana.

2.4 - Os Países do Common Law: 14 TROCKER apud MAGALHÃES GOMES, op. cit., p. 68.

18

Ressalva deve ser feita com relação aos ordenamentos do Common

Law, porquanto nestes países a regra geral é a da não obrigatoriedade de

motivar as decisões judiciais, inexistindo prescrições em sentido diverso.

Todavia, não obstante a ausência de determinação expressa, verifica-

se na Grã-Bretanha registros da prática da motivação desde o século XII,

generalizando-se este costume aponto de ser regularmente observado pelos

Lords daquela Corte. 15

Como observa MAGALHÃES GOMES16, isto ocorre espontaneamente

em virtude do próprio sistema estar alicerçado na importância dos precedentes

judiciais, dada a função criativa das decisões – que se tornam normas gerais e

abstratas para casos futuros.

Entretanto, por se tratar de mero costume, e não requisito essencial da

sentença, MARIA THEREZA PERO17 alerta que, nesses países, o vício da

motivação não dá ensejo qualquer tipo de impugnação, ficando a critério do

juiz decidir se motiva ou não o julgado e, em caso afirmativo, de que forma

(oralmente ou por escrito; sucinta ou amplamente).

Mais grave se afigura o caso dos Estados Unidos, onde há “uma

verdadeira tendência dos juízes a não motivar”, salvo raras exceções. Segundo

a mesma autora, é interessante perceber que a motivação é ignorada

“justamente no país que se considera o esteio da democracia”. E,

complementa, dizendo que, paradoxalmente, tal garantia é desprezada

exatamente nos países em que nasceu o próprio conceito de devido processo

legal, sendo o princípio da motivação um de seus corolários.

3. CAPÍTULO II

15 PERO, Maria Thereza Gonçalves. “A Motivação da Sentença Civil”, pp. 9-10.

16 op. cit., p. 13.

17 op. cit., p. 11.

19

FUNÇÕES ENDOPROCESSUAIS

Como visto no tópico que trata da evolução histórica, a concepção

primeira do dever de motivar as sentenças está relacionada com um plano

estritamente técnico-processual, como garantia da observância das demais

garantias e como forma de tornar a atividade judicante mais racional e efetiva,

conforme assinala BARBOSA MOREIRA.18

No tocante ao conteúdo mínimo essencial da garantia da motivação,

uma vez mais cumpre destacar a lição de TARUFFO19: “compreende, em

síntese, o enunciado das escolhas do juiz com relação à: a) individuação das

normas aplicáveis; b) análise fática; c) qualificação jurídica; d) conseqüências

jurídicas decorrentes.”

Em excelente artigo sobre o tema, FLÁVIO RENATO CORRÊIA DE

ALMEIDA20 sintetiza de forma objetiva o télos da motivação, sob a ótica das

partes do processo justo:

“[...] ao entregar a tutela jurisdicional, compete ao juiz muito mais do

que simplesmente dizer ´aqui está o direito`, ou ´condeno a parte a

pagar`. Cumpre-lhe explicar as razões de tal solução. Isso se dá porque

é necessário que as partes compreendam a razão de serem ou não

agraciadas com a sentença.”

3.1 - Os Limites Objetivos do Julgado:

Neste primeiro plano, no qual a preocupação é apenas com as partes

imediatamente envolvidas na relação processual: juiz, autor e réu, a obrigação

18 “A Motivação das Decisões Judiciais como garantia inerente ao Estado de Direito”, p. 86. 19 apud SCARANCE “Processo Penal Constitucional”, p. 140. 20 “Da Fundamentação das Decisões Judiciais”, RePRO 67/203.

20

de motivar viabiliza a correta interpretação da res iudicata, eis que delimita o

âmbito de conhecimento utilizado pelo julgador para chegar à decisão que pôs

fim à controvérsia apresentada.

3.2 - O Reexame pelos Tribunais:

Outra função da motivação, destacada desde os tempos das

Ordenações Filipinas, é a de permitir aos juízes da alçada superior uma melhor

compreensão da questão submetida à apreciação judicial, para conferir, em

grau recursal, efetividade ao controle da legalidade e justiça das decisões

impugnadas.

Na conhecida obra “Eles, os Juízes, vistos por nós os advogados”,

PIERO CALAMANDREI21 enaltece esta função garantidora, nos seguintes

termos:

“A fundamentação da sentença é, sem dúvida, uma grande garantia de

justiça, quando consegue reproduzir exatamente, como num

levantamento topográfico, o itinerário lógico que o juiz percorreu para

chegar à conclusão, pois, se esta é errada, pode facilmente encontrar-

se, através dos fundamentos,em que altura do caminho o magistrado

desorientou.”

Assim, o controle a ser exercido pelos revisores do julgado, pressupõe,

portanto, que tenha havido um exame prévio por parte do sentenciador, algo

que somente poderá ser conhecido através da análise da fundamentação.

Todo equívoco na condução do iter decisório – a partir de vícios que vão desde

o arbítrio até a inadequação da norma aplicada, passando pela valoração do

material probatório ou ainda dos próprios fatos – restará lá evidenciado.

Cumpre acrescentar que, eventual omissão no julgado pode acabar

impedindo a correta e adequada formulação das razões recursais de modo

individualizado, conforme preconiza o Código de Processo Civil (artigos 514, II,

e 524, II).

21 Apud NOJIRI, op. cit., p. 32.

21

É tão evidente a preocupação do legislador infraconstitucional com a

fundamentação das decisões judiciais (e com a observância dessa garantia),

que o artigo 381, inciso III, do Diploma Processual Penal, inclui expressa e

taxativamente entre os requisitos formais de validade da sentença a indicação

das razões de fato e de direito que levaram o magistrado competente a formar

sua convicção, justamente a fim de que as partes possam, efetivamente,

dispor de elementos quanto ao que devem combater e argumentar em

eventual impugnação.

Não é demais lembrar que, especialmente no que se refere ao acesso

às instâncias excepcionais – cada vez mais estreito –, a jurisprudência dos

Tribunais Superiores construiu a tese do prequestionamento como requisito

obrigatório para a admissibilidade dos recursos, o que significa, obviamente,

que a fundamentação do decisum contestado deve conter uma apreciação

objetiva e pontual da tese jurídica e/ou do dispositivo de lei a ser(em)

atacado(s).

Com efeito, tal orientação, largamente utilizada na prática, restou,

inclusive, consolidada nas súmulas nºs 282 e 356 do Supremo Tribunal

Federal, e 211 do Superior Tribunal de Justiça, a seguir colacionadas:

“Súmula 282/STF: É inadmissível o recurso extraordinário quando

não ventilada, na decisão federal recorrida, a questão federal

suscitada.”

“Súmula 356/STF: O ponto omisso da decisão, sobre o qual não

foram opostos embargos de declaração, não pode ser objeto de

recurso extraordinário, por faltar o requisito do

prequestionamento.”

22

“Súmula 211/STJ: Inadmissível recurso especial quanto à questão

que, a despeito de interposição de embargos declaratórios, não

foi apreciada pelo tribunal a quo.”22

3.3 - Persuasão das Partes:

Aspecto extremamente relevante da motivação, em termos psicológicos

– intimamente relacionado às finalidades sociais da prestação jurisdicional, de

que cuida especificamente CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO23 – é a

possibilidade, ao menos em tese, de uma sentença adequadamente

fundamentada convencer aquele que, de fato, não se encontra amparado pelo

direito, a acatar o pronunciamento estatal, pondo fim à contenda, em virtude da

correção e justiça da atuação do julgador.

Mesmo no campo Penal, onde o bem jurídico que a defesa do réu se

debela a tutelar, sobre toda e qualquer ponderação, é a própria liberdade do

indivíduo acusado, e que deve ser perseguida com todo o empenho e

determinação, há situações onde a excelência de uma decisão, por sua

irretocabilidade técnica e jurídica, impede materialmente à parte condenada

fazer uso de qualquer modalidade de inconformismo.

Em alusão ao direito lusitano e seguindo este mesmo norte, conclui

EDUARDO CORREA que: “só [...] racionalizada e motivada a decisão judicial

realiza aquela altíssima função de [...] ´convencer `as partes e a sociedade da

sua justiça, função que em matéria penal a própria designação do condenado

por ´convencido` sugere.” 24

22 todas em vigor, extraídas do sítio do Superior Tribunal de Justiça: http://www.stj.gov.br.

23 Segundo leciona DINAMARCO, a função jurisdicional não visa a atender somente objetivos jurídicos

(atuação da vontade concreta do direito objetivo), ma também políticos (participação democrática;

preservação do valor liberdade e afirmação do poder estatal) e sociais (pacificar com justiça e educar

para consciência dos próprios direitos e respeito aos direitos alheios). Op. cit., pp. 139-140.

24 Parecer da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra sobre o artigo 653º do Projeto em 1ª

Revisão Ministerial de alteração do Código de Processo Civil Português – Boletim da Faculdade de

Direito da Universidade de Coimbra vol. XXXVII (1961), p. 184, apud Acórdão 465/98, Rel. MARIA DOS

PRAZERES P. BELEZA. Disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19980680.html .

23

Por conseguinte, uma vez exercitada a função endoprocessual de

persuasão da parte sucumbente, estamos diante de valiosa contribuição para a

tão almejada celeridade processual que as ciências correlatas ao direito

visam persistentemente alcançar como instrumento de garantia irrestrita de

acesso à justiça e, em última análise, de harmonização social.

3.4 - Imparcialidade, Contraditório e Publicidade:

Se, por um lado, o sistema processual vigente – seja ele civil ou penal

– assegura ao juiz o livre convencimento na apreciação do material probatório

apresentado ou, quando a lei assim o exige, produzido, pelas partes em sede

judicial, por outro, impõe-lhe a inescusável obrigação de motivá-lo,

encarregando-se de limitar este trabalho através de um controle crítico da

atuação e raciocínio do magistrado, sempre em face dos mandamentos legais.

Neste contexto, a lógica, a clareza e a precisão da análise dos

elementos produzidos pelos litigantes devem, necessariamente, ser

demonstradas de maneira objetiva.

Reside aqui, aliás, uma das grandes funções da motivação, porquanto

se presta como verdadeira garantia das garantias, ou garantia de segundo

grau, pois, segundo leciona FERRAJOLI, citado por ANTÔNIO MAGALHÃES25,

“representa na verdade instrumentos pelos quais se assegura um controle

sobre a efetividade das demais” e, conseqüentemente, do processo justo,

relacionando-se especialmente a outras garantias constitucionais como o

princípio do contraditório e a imparcialidade.

Com efeito, é exatamente na motivação da sentença que ocorre o

momento culminante da manifestação do contraditório, eis que aí ficará

25 op. cit., p. 48

24

cristalizado se foram ou não levados em consideração os argumentos e as

provas produzidas por cada parte ao longo do processo.

Inquestionável, portanto, que há um verdadeiro direito dos

jurisdicionados à atenta e minuciosa valoração das provas e alegações, como

destacou o Ministro GILMAR FERREIRA MENDES26, por ocasião do

julgamento do Mandado de Segurança nº 24268/MG, em irreparável acórdão,

o qual se pede vênia, nesta oportunidade, para transcrição de relevantes

trechos, referindo-se ao tratamento dispensado ao tema pela doutrina e

jurisprudência constitucional alemães:

“... Não é outra a avaliação do tema no direito constitucional

comparado. Apreciando o chamado “Anspruch auf rechtliches Gehör

(pretensão à tutela jurídica) no direito alemão, assinala o

Bundesverfassungsgericht que essa pretensão envolve não só o direito

de manifestação e o direito de informação sobre o objeto do processo,

ma também o direito de ver os seus argumentos contemplados

pelo órgão incumbido de julgar (Cf. Decisão da Corte Constitucional

Alemã – BverfGE 70, 288-293; sobre o assunto ver, também, Pieroth e

Schlink, Grundrechte – Staatsrecht II, Heidelberg, 1988, p. 281; Battis,

Ulrich, Gusy, Christoph, Einführung in das Staatsrecht, 3ª edição,

Heidelberg, 1991, p. 363-364).

Daí afirmar-se, corretamente, que a pretensão á tutela jurídica, que

corresponde exatamente à garantia consagrada no art. 5º, LV, da

Constituição, contém os seguintes direitos:

1) direito de informação (Recht auf Information), que obriga o órgão

julgador a informar à parte contrária dos atos praticados no processo e

sobre os elementos dele constantes;

[...]

3) direito de ver seus argumentos considerados (Recht auf

Berücksichtigung), que exige do julgador capacidade, apreensão e

isenção de ânimo (Aufnahmefähigkeit und Aufnahmebereitschaft

para contemplar as razões apresentadas (Cf. Pieroth e Schlink,

Grundrechte – Staatsrecht II, Heidelberg, 1988, p. 281; Battis, Ulrich, 26 Cf. Informativo Semanal de Jurisprudência nº 343 do STF.

25

Gusy, Christoph, Einführung in das Staatsrecht, 3ª edição, Heidelberg,

1991, p. 363-364; Ver, também, Dürig/Assmann, in: Maunz-Dürig,

Grundgesetz-Kommentar, Art. 103, vol IV, nº 85-99).

Sobre o direito de ver os seus argumentos contemplados pelo

órgão julgador (Recht auf Berücksichtigung), que corresponde,

obviamente, ao dever do juiz ou da administração de a eles conferir

atenção (Beachtenspflicht), pode-se afirmar que envolve não só o

dever de tomar conhecimento (Kenntnisnahmepflicht), como também

o de considerar, séria e detidamente, as razões apresentadas

(Erwägungspflicht) (Cf. Dürig/Assmann, in: Maunz-Dürig, Grundgesetz-

Kommentar, Art. 103, vol IV, nº 97)...”

Encerra, finalmente, com a seguinte colocação:

“É da obrigação de considerar as razões apresentadas que

deriva o dever de fundamentar as decisões (Decisão da Corte

Constitucional – Bverf GE 11, 218 (218); Cf. Dürig/Assmann, in: Maunz-

Dürig, Grundgesetz-Kommentar, Art. 103, vol IV, nº 97)”. [g.n.]

Na mesma direção, a oportuna lição de ADA PELLEGRINI, segundo a

qual de nada adiantaria assegurar às partes o direito à prova e à formulação

de argumentos, se o juiz pudesse deixar de apreciá-los e valorá-los, no

momento do julgamento.27

É o que adverte LÚCIA VALLE FIGUEIREDO ao ponderar que “não

seria viável, de forma alguma, o contraditório e a possibilidade de ampla

defesa se motivação não houvesse.”28

Esta honrosa missão é, outrossim, desempenhada também pelo

princípio da publicidade dos atos processuais. Ligado ao princípio da

motivação de forma umbilical, atua pari passu com o fito de viabilizar a

27 “Nulidades no Processo Penal”, p. 127.

28 “Estado de Direito e Devido Processo Legal”, p. 9.

26

efetividade das demais garantias. Um, sem o outro, não possuiria a

completude inerente ao processo de contornos garantísticos.

Por sinal, ressalvando-se a existência de uns poucos vestígios das

câmaras fechadas no continente europeu, vai-se ao longe o tempo da

chamada “justiça secreta”, administrada a portas cerradas, não exposta ao

público e à imprensa, em oposição à garantia de publicidade dos atos

processuais.29

Conclui-se, pois, sem hesitação, que somente através da correta

conjugação dos princípios da motivação com o da publicidade poder-se-á fazer

desaparecer a desconfiança popular na administração da Justiça e, finalmente,

conferir a dimensão educativa que as decisões judiciais devem oferecer ao

povo, em geral.

3.5 - Uniformização da Jurisprudência:

Destaca, ainda, a doutrina, de modo majoritário, interessante aspecto

relacionado à nobre tarefa de uniformizar a jurisprudência como corolário do

princípio da unidade de jurisdição, uma vez que, não as meras disposições de

lei, mas as teses jurídicas formuladas nos sucessivos casos submetidos a

apreciação judicial é que darão suporte a esse mecanismo preservador da

isonomia e da estabilidade das relações jurídicas.

3.6 - Justificativa das Escolhas:

Não se olvida que o processo decisório envolve opções do julgador,

sejam elas de natureza jurídica ou mesmo político-filosóficas, como sublinha

IGNÁCIO COLOMER HERNÁNDEZ 30:

29 Cf. COMOGLIO, “Garanzie Costituzionle e Giusto Processo (Modelli a Confronto)”, p. 117 [na própria

Itália ainda há sessões de julgamento a portas fechadas].

30 op. cit., p. 36.

27

“Em general, toda decisión supone um acto de elección entre várias

opciones que llevan acarreadas distintas consecuencias. De ahí que,

por tanto, se afirme que la decisión em cuanto acto de elección

constituye siempre um acto de voluntad de um sujeto. Y em este

sentido, toda decisión adoptada expressa la voluntad de una persona

em relación com lãs distintas opciones que se la presentan com um

diversogrado de validez e aceptabilidade.”

Sem a pretensão de adentrar nos meandros do discurso

argumentativo, pode-se afirmar, contudo, que este papel vem ganhando

contornos ainda maiores na atualidade, sobretudo na dimensão dos

denominados “conceitos jurídicos indeterminados”.

De fato, a complexidade das relações humanas vem fazendo com que

o legislador delegue, cada vez mais, ao juiz, a ponderação de determinadas

situações, à luz da concretude dos conflitos. Esta tendência, não obstante

aumente a autonomia interpretativa dos julgadores, garante um maior

dinamismo e adaptação das normas jurídicas à realidade e às exigências dos

novos tempos.

Tal panorama, certamente irá reclamar do Poder Judiciário um cuidado

ainda maior no que concerne aos valores eleitos e suas respectivas

fundamentações, de forma a se manter constantemente legitimado perante a

sociedade envolvente.

4. CAPÍTULO III

FUNÇÕES EXTRAPROCESSUAIS

28

Esta parte do estudo é, por certo, a mais fascinante e bastante

oportuna na atualidade, diante dos freqüentes questionamentos da opinião

pública acerca dos fundamentos das decisões do Judiciário, sobretudo quando

em confronto com atos dos poderes Legislativo e Executivo, teoricamente mais

legitimados, em virtude do sufrágio direto.

Com efeito, numa perspectiva mais moderna, desborda-se os limites

do processo puramente técnico para ampliar os horizontes em direção às

funções da motivação no plano das garantias constitucionais, seja no direito à

tutela jurisdicional efetiva (com seus múltiplos desdobramentos), seja sob o

prisma da legitimidade decorrente da soberania popular.

4.1 - Estado Democrático de Direito:

Como mais uma vez destaca SÉRGIO NOJIRI31, com propriedade, não

é possível adentrar no estudo deste tópico sem antes fazer remissão a um

conceito fundamental, ou princípio estruturante – na concepção do mestre JJ.

CANOTILHO32 –, que é o de Estado Democrático de Direito, adotado pela

Constituição da República Brasileira de 1988 (artigo 1º, caput), sob a influência

das Cartas Portuguesa e Espanhola.

A lição do ínclito lusitano acerca do princípio democrático, da qual a

motivação é consectária, afigura-se de suma importância para o

desenvolvimento do presente tema:

“...o princípio democrático implica a estruturação de processos que

ofereçam aos cidadãos efectivas possibilidades de aprender a

democracia, participar dos processos de decisão, exercer controlo

crítico da divergência de opiniões, produzir inputs políticos

democráticos. É para este sentido participativo que aponta o exercício

democrático de poder (artigo 2º), a participação democrática dos

cidadãos como instrumento fundamental da consolidação do sistema

31 op. cit., p. 39. 32 op. cit., p. 350.

29

democrático (artigo 112º) e aprofundamento da democracia participativa

(artigo 2º)...”33 [artigos referentes à Lei Maior de Portugal]

Na doutrina nacional, JOSÉ AFONSO DA SILVA, em breve exposição,

enumera algumas características essenciais ao conceito de Estado

Democrático de Direito, quais sejam: 1) constitucionalidade; 2) princípio da

legalidade; 3) segurança jurídica; 4) divisão de poderes; 5) princípio

democrático; e 6) sistema de proteção dos direitos fundamentais.

Cumpre destacar que todos esses elementos estão, de alguma forma,

relacionados com o princípio da motivação, enquanto garantia político-

constitucional que, inegavelmente, representa.

Observação de relevo, concernente à única exceção

constitucionalmente admitida para a motivação das decisões, justamente no

âmbito do direito penal, onde, via de regra, a obediência às garantias

individuais (aí incluídas as processuais) são ainda mais rígidas, refere-se ao

sistema da íntima convicção dos jurados, ainda adotado no Brasil, no

julgamento popular dos crimes dolosos contra a vida (CF/88, artigo 5º, inciso

XXXVIII, alínea b).

A propósito, o jurista espanhol JUAN IGARTUA SALAVERRÍA aduz

que os juízes leigos, de fato, não podem, nem devem, motivar seus veredictos

quanto à parte jurídica, por não possuírem qualificação técnica para tanto, mas

deveriam, por certo, elaborar um breve juízo acerca dos fatos reputados como

verdadeiros para suas decisões (consoante determina o artigo 61, da Ley do

Jurado daquele país), muito embora reconheça que esta seja uma tarefa de

quase impossível cumprimento, em virtude da diversidade de formações dos

representantes do Júri e a dificuldade material de se exigir dos mesmos um

método de justificação.34

33 op. cit., p. 422

34 “La motivacion de las sentencias, imperativo constitucional”, pp. 211-215 e 239.

30

4.1.1 - O Princípio da Participação:

Outro princípio bastante relevante, que, como desdobramento do

princípio democrático, integra a estrutura do processo justo, é o princípio da

participação, cuja presença igualmente encontrará seu ápice na motivação das

decisões.

CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO ressalta a importância deste

princípio, sobretudo quando expressado pelo contraditório, ao permitir a

influência efetiva daqueles que estarão sujeitos ao poder estatal:

“...sabe-se que no Estado-de-direito tem-se por indispensável fator

legitimante das decisões in fieri a participação de seus futuros

destinatários, a quem se assegura a observância do procedimento

adequado e capaz de oferecer-lhes reais oportunidades de influir

efetivamente e de modo equilibrado no teor do ato imperativo que virá.

Tal é o primeiro significado da exigência democrática [...].”35

Na realidade, como visto, o princípio da participação está contido numa

esfera ainda maior de controle, que caracteriza o moderno Estado de Direito. A

motivação dá azo, portanto, não apenas ao controle das instâncias superiores,

mas também ao controle democrático difuso pelo povo, em nome de quem a

sentença está sendo pronunciada.

É de toda evidência, que quanto mais tiverem sido consideradas, de

forma democrática, ao longo do competente procedimento, as manifestações

de cada pólo da demanda, maior legitimidade será conferida à prestação

jurisdicional concretizada, pois, como já aduzido, é através do conhecimento

da motivação que a sociedade poderá exercer um juízo crítico sobre a

correção do discurso apresentado e o nível de capacitação dos magistrados.

Tal controle popular acaba por impor ao julgador um cuidado ainda maior do

que sua função, por si só - ao menos no campo ideológico - já ensejaria, na

coerência da formação de seu convencimento e na apresentação de suas

razões, diante do contexto sócio-econômico-cultural em que atua.

35 op. cit., p. 154.

31

Pode-se afirmar, assim, que a fundamentação das decisões é o ponto

de contato entre o Poder Judiciário e os cidadãos. Diante do proeminente

papel que a informação, através dos meios de comunicação,exerce atualmente

na formação das opiniões de massa, é inegável que os eventuais deslizes

observados nessa atuação e levados à conhecimento público – sobretudo nos

casos de elevado apelo midiático – reverberam de forma ainda mais intensa,

prejudicando a imagem da instituição como um todo e propagando um

sentimento generalizado de descrédito e injustiça.

4.1.2 - O Princípio da Transparência:

No que concerne às funções extraprocessuais da motivação, não se

pode deixar de fazer referência ao princípio da transparência, exigência natural

de um Estado que se almeja conduzir com lisura e boa-fé.

Imperativo, portanto, da ordem democrática, o princípio da

transparência deve informar toda e qualquer atividade estatal, não mais se

admitindo procedimentos nebulosos ou secretos, nos quais se omita do povo

os caminhos decisórios e sejam adotadas medidas e formuladas resoluções

autoritárias.

Em última análise, o mandamento da transparência é substrato que

permeia outros fundamentais elementos norteadores da atuação dos Poderes

Públicos, consubstanciados na publicidade e na própria moralidade

administrativa, consoante o artigo 37, caput, da Constituição Federal de 1988.

4.1.3 - O Princípio da Legalidade:

Não subsiste dúvida quanto ao fato de que o poder estatal deve curvar-

se ao princípio da legalidade. Assim, em se cuidando de verdadeira limitação

de poder, “O Estado que se justifica” - no resumo de BRÜGGEMANN36 -, se

obriga a desempenhar suas funções em harmonia com os ditames

36 Apud MAGALHÃES GOMES, op. cit., p. 75.

32

constitucionais e legais, explicitando, sempre, suas razões de modo

transparente.

Abordando o princípio da legalidade sob o prisma do Estado

Democrático, esclarece NOJIRI37:

“Mas o que deve ficar claro é que a obrigatoriedade da lei

(princípio da legalidade), num Estado Democrático de Direito,

funda-se na noção de soberania popular, no sentido de que o

cidadão somente obedece a si próprio, segundo os

mandamentos emanados de seus representantes políticos, que

legislam em seu nome. Ou seja, é o próprio cidadão, dono da

res pública, que se autodetermina mediante o resultado de um

processo legislativo de democracia representativa.”

Destarte, consoante nosso ordenamento constitucional, somente a lei

pode compelir o indivíduo a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, na forma do

que dispõe o artigo 5º, inciso II.

Para que uma sentença, decisão ou pronunciamento seja legítima,

portanto, deve conter (dentre outros requisitos, é claro), primordialmente,

embasamento direto nas normas gerais e abstratas vigentes para a solução

dos conflitos.

Tal procedimento, cuja obediência somente poderá ser apurada

através de uma fundamentação adequada, tutela, outrossim, o princípio da

segurança jurídica, na medida em que presta-se a evitar surpresas no

momento decisório, uma vez que o julgador (ou até mesmo o membro do

parquet, na hipótese de manifestação ministerial ) não poderá se furtar à

aplicação dos diplomas legais em benefício de convicções estritamente

particulares.

No campo penal, cumpre ressaltar, essa garantia possui uma

dimensão ainda mais significativa, considerando os bens jurídicos que o direito

visa resguardar: a vida, a liberdade e a dignidade da pessoa humana,

37 op. cit., p. 50.

33

indissociáveis, também, da figura do acusado, do réu, ou mesmo do

condenado.

Verifica-se, por conseguinte, que, no que concerne ao princípio da

motivação, grande parte da jurisprudência pátria refere-se justamente a

processos de natureza penal.

Com efeito, não nos surpreende que a ciência jurídica confira

tratamento ainda mais acurado ao princípio sob exame, quando em jogo bens

jurídicos de tamanha magnitude.

4.2 - O Devido Processo Legal:

Prosseguindo, é igualmente incontestável que um dos corolários da

cláusula do due process of law, originária da Magna Carta Inglesa de 1215,

revitalizada pelas Emendas 5ª e 14ª da Constituição dos Estados Unidos,

respectivamente em 1791 e 1868, é o princípio da motivação.

Idêntico fenômeno ocorre, também, com os princípios do juiz natural,

da imparcialidade, da vedação de provas ilícitas, da ampla defesa, da

publicidade, entre outros, naturalmente influenciados pela obrigatoriedade de

fundamentação, funcionando, sempre, como fatores legitimadores da função

jurisdicional do Estado.38 Assevera DINAMARCO que o devido processo legal

é muito mais que simples garantia, mas um conjunto de garantias que

asseguram às partes, por um lado, o exercício de suas faculdades processuais

e, de outro, o correto exercício da jurisdição: “na sua redução mais sintética, é

uma garantia de justiça e consiste no direito ao processo”.

Esse direito a um processo justo, que tem como um de seus pilares a

motivação, conforme as lições de COMOGLIO39, decorre do chamado

“movimento de garantismo legal”, expressão oriunda do moderno

constitucionalismo dos Estados Democráticos.

38 GRINOVER, SCARANCE e MAGALHÃES, “As Nulidades do Processo Penal”, p. 24. 39 Cf. COMOGLIO, op. cit., p. 102-104 (v. Nota 29).

34

Em âmbito nacional, a primeira vez que se fez referência expressa ao

devido processo legal, foi na Carta Republicana de 1988, que o inseriu em seu

artigo 5º, incisos XXXV, LIV e LV, principalmente.

Destaca-se, pois, a partir de então, a dimensão alcançada pelos

direitos processuais, alçados à órbita dos direitos fundamentais.

Nesse diapasão, esclarece, com propriedade, LEONARDO GRECO40,

que a tutela jurisdicional efetiva universalizou-se junto com o conceito de

dignidade da pessoa humana, reforçado a partir da jurisprudência dos tribunais

constitucionais europeus e das instâncias supranacionais de direitos humanos.

Com efeito, tal suporte axiológico, parece mesmo se solidificar como a

tônica do direito processual neste início do século XXI.

A título ilustrativo, no que tange ao tema deste trabalho – princípio da

motivação –, a Corte Européia de Direitos Humanos, em decisão de 19 de

fevereiro de 2004, julgando o caso Gilles Baucher contra o Estado da França41,

decidiu pela admissibilidade do recurso 53640/00, considerando que a falta de

motivação tempestiva na sentença condenatória pelo crime de publicidade

enganosa, ao impedir o conhecimento das razões do julgamento, viola o artigo

6, §§ 1º ao 3º da Convenção Européia de Direitos Humanos, bem como o

artigo 2º do Protocolo 7º (Strasburgo), os quais tratam do direito ao processo

justo e ao duplo grau de jurisdição, respectivamente.

5. CAPÍTULO IV

AMPLITUDE DA GARANTIA CONSTITUCIONAL

É de toda evidência, que o artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal

de 1988, com redação determinada pela Emenda Constitucional nº 45, de 8 de

dezembro de 2004, contempla a necessidade de fundamentação de todos os

40 “Garantias Fundamentais do Processo: O Processo Justo”, p.2. 41 Recurso 53640/00, 3ª Seção, em julgamento presidido por I. CABRAL BARRETO.

35

provimentos judiciais de conteúdo decisório – abrangendo, por conseguinte,

tanto as decisões interlocutórias e terminativas (sentenças), de primeiro grau,

quanto as decisões judiciais proferidas pelos Tribunais, em sede recursal ou

não, – e, também, os provimentos de cunho administrativo, quando emanados

por estes últimos.

Justamente por faltar-lhes caráter resolutório, situam-se fora do campo

de incidência desta garantia constitucional os despachos de mero expediente

praticados pelos competentes magistrados no curso da instrução processual.

Importante ressaltar, não obstante, que o comando constitucional em

referência deve pautar toda a atividade jurisdicional, em qualquer de suas

esferas, informando, pois, tanto o processo civil, quanto – com maior rigidez –

o processo penal, e, ainda, o processo do trabalho.

Única exceção à regra genérica da obrigatoriedade de motivação das

decisões, comportada por nosso sistema legal (já comentada em tópico

anterior), ocorre no julgamento popular dos crimes dolosos contra a vida, onde

prevalece o regime da íntima convicção dos jurados, adotado pelo próprio texto

fundamental, no artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea “b”, que garante o sigilo da

votação.

Até mesmo nos casos de extinção do processo sem julgamento de

mérito (artigo 267, do CPC), estabelece o diploma processual aplicável a

observância ao princípio da motivação, na medida em que, consoante

inteligência do artigo 269, segunda parte, impõe ao magistrado o dever de

decidir (e, portanto fundamentar), ainda que de forma concisa.

Com efeito, de acordo com a sistemática perfilhada pelo Código de

Processo Civil vigente, tem-se, teoricamente, a imposição de motivação

complexa para determinados atos decisórios, tais como sentenças e acórdãos

terminativos, de modo geral, enquanto para outros, a exemplo das decisões

incidentais e das disposições contidas no artigo 269, incisos II, III, IV e V, do

CPC, se admite motivação meramente sucinta, o que, como reconhece a

doutrina e jurisprudência dominantes, não significa, de per si, desrespeito ou

“desapego” ao texto constitucional, porquanto, embora de breve

36

fundamentação, a decisão concisa exige que dela constem os elementos

necessários para a sua sustentação, elencados no artigo 458.

No que toca ao processo penal, todavia, cuja utilização como

instrumento de efetiva aplicação do conteúdo formal da norma penal – por sua

própria excepcionalidade e finalidade – somente se justifica quando

plenamente assegurados os limites e garantias individuais que o circundam,

intrínsecos ao sujeito passivo da investigação/acusação penal, impõe-se aos

operadores do direito um especial dever de cuidado na observância do

princípio da motivação e de sua eventual relativização.

Nesse compasso, em um modelo de processo penal democrático,

centralizado na busca de um juízo pautado na “verdade formal”

(diferentemente do que ocorre no âmbito do processo civil), incumbe aos

magistrados, no exercício do mister de decidir, relevantíssimo papel para que

os princípios constitucionais da presunção de inocência, do contraditório e da

ampla defesa sejam, de fato, acatados e preservados.

Assim, quaisquer provimentos judiciais que se afigurem relevantes no

curso do processo penal, a despeito de seu caráter definitivo ou interlocutório,

principalmente quando afetem direitos individuais, deverão obedecer

estritamente a exigência de motivação contida no artigo 93, inciso IX, da Carta

Constitucional de 1988.

Em harmonia com esse pressuposto lógico, os artigos 315, do Código

de Processo Penal, e 2º, § 2º, da Lei 7.960/89, determinam, expressamente, a

fundamentação das decisões interlocutórias que importarem, respectivamente,

em prisão preventiva ou temporária.

Lamentavelmente, a despeito da clareza do texto constitucional, e do

próprio espírito que orientou o legislador constituinte, em nome da vontade

popular, a inserir o princípio em debate no artigo 5º, da CF/88, os juízes

criminais de primeiro grau, em sua quase totalidade, arraigados à bolorenta

praxe preexistente – e, pior, com o apoio maciço da jurisprudência, inclusive do

Supremo Tribunal Federal –, mantiveram a prática de não fundamentar as

decisões de recebimento da denúncia, sob os seguintes e equivocados

argumentos: 1) cuida-se de ato de mero expediente, sem conteúdo resolutivo;

37

2) ainda que, hipoteticamente, se vislumbre carga decisória, esta não se

equipara à que têm as sentenças condenatórias ou absolutórias; e 3) a

exigência constitucional não atinge todas as decisões.

É flagrante, todavia, o desacerto de tais considerações, que não se

apóiam, obviamente, em fundamentos jurídicos válidos, mas em arbitrária

política de conveniência para os representantes do Poder Judiciário, que,

protegidos pelo manto da aparente legalidade de suas condutas, no que tange

a este particular, furtam-se ao dever de, já num primeiro momento, analisar

detidamente a regularidade da peça acusatória e justificar as razões de seu

recebimento, em manifesto desrespeito aos direitos e garantias fundamentais

do acusado.

Na esteira do pensamento de ANTÔNIO SCARANCE FERNANDES42,

afirma-se, sem hesitação, que o ato de recebimento da denúncia não se traduz

em mero despacho de expediente, posto que remete ao juiz a verificação da

presença dos pressupostos processuais e das condições da ação, revestindo-

se de evidente caráter decisório, conquanto, instaura efetivamente o processo

e atribui ao, até então, indiciado, a qualidade mais gravosa de acusado.

Destaca-se, por oportuno, a pertinente lição de ROGÉRIO LAURIA

TUCCI43:

“É absolutamente necessário que o órgão jurisdicional justifique

a presença de fundamento razoável da acusação e de legítimo

interesse, em consonância e perfeita harmonia com os

elementos colhidos nos autos de investigação criminal ou

constantes peças de informação.”

Demonstrada a amplitude do princípio constitucional objeto do estudo,

que deve, inexoravelmente, permear toda e qualquer decisão relevante do

processo, especialmente do processo penal, seja qual for a sua natureza:

incidental ou terminativa, precária ou definitiva, passamos a enfrentar os

42 op. cit., p. 141. 43 op. cit., pp. 141-142.

38

reflexos de sua inobservância que, muito embora não raro acobertada por

nossos Tribunais, resulta em causa de nulidade absoluta – cuja declaração

nestes termos se impõe –, por constituir inadmissível ofensa a importante

garantia do devido processo legal e a preceito constitucional fundamental.

6. CAPÍTULO V

VÍCIOS E ARTIFÍCIOS

Assentadas as premissas teóricas acerca da relevância do dever de

fundamentação das decisões judiciais, bem como da amplitude conferida a

esta garantia pelo texto constitucional de 1988, serão observados, com maior

profundidade, neste capítulo, o que vem se sucedendo no plano prático da

atividade judiciária, as deficiências comumente apontadas pela doutrina e, por

conseguinte, o tratamento dispensado à questão pela jurisprudência, para

além das hipóteses casuisticamente abordadas em tópicos anteriores.

39

Num primeiro momento, no que concerne aos vícios, serão

apresentados os três grandes defeitos que a motivação pode conter : 1)

inexistência; 2) incompletude; e 3) incoerência.

Sem obliterar que muitas vezes a abstração, ou seja, a inconsistência

da fundamentação, possa, fatalmente, equiparar-se à sua ausência,

repisaremos que, de outra sorte, nem sempre a brevidade de suas exposições,

a que a doutrina costuma denominar concisão, importará em irremediável

nulidade, consoante os argumentos já oportunamente deduzidos.

Com relação aos artifícios – modo como alguns doutrinadores, a

exemplo de MAGALHÃES GOMES, costumam referir-se a certos

“mecanismos” usuais de motivação, tolerados pelo cotidiano forense – ,em que

pese não se constituírem em vícios propriamente ditos, ao deixarem um vácuo

no discurso justificativo, representam, sem dúvida, temerária ameaça à

integridade da garantia constitucional em comento. São dois os seus principais

arquétipos: 1) motivação implícita; e 2) motivação per relatione.

6.1 - Ausência de Fundamentação e Fundamentação Sucinta:

Partindo da premissa de que todo conflito submetido à apreciação do

Poder Judiciário clama por uma solução, que se corporifica na resposta

emanada do juízo competente, através de suas decisões, MARIA THEREZA

GONÇALVES PERO44 assinala que cada elemento ofertado pela parte

demandante representa um ponto que, ao se tornar controvertido (por ter a

parte adversa apresentado, sobre ele, uma dúvida de fato ou de direito

endereçada ao raciocínio do juiz) transforma-se numa questão.

Espera-se, naturalmente, que a resposta jurisdicional solicitada

enfrente os pontos e questões essenciais suscitados com racionalidade,

inteireza, imparcialidade, coerência e precisão. Por vezes, no entanto, revela-

se tarefa extremamente árdua a identificação do defeito que a decisão

44 op. cit., p. 79.

40

apresenta, como observa, com maestria, o ex-Ministro do Superior Tribunal de

Justiça ATHOS DE GUSMÃO CARNEIRO45:

“Não é tão simples, todavia, expressar, exatamente, o conceito

de decisão não fundamentada, distinguindo-o de decisão mal

fundamentada e de decisão insuficientemente fundamentada, e

precisando em que casos o vício existente na sentença (ou no

acórdão, ou na decisão interlocutória) resultará na gravíssima

sanção de nulidade.”

Conforme aponta a doutrina abalizada, a dificuldade encontrada para

uma sistematização da matéria reside, justamente (e de modo central), na

escassez normativa em torno da própria sentença. Com efeito, o Código de

Processo Civil limita-se a enunciar a arquitetura básica de um modelo formal

de sentença – composta por relatório, fundamentação e dispositivo – sem,

contudo, avançar no que diz respeito ao conteúdo de cada um dos pilares de

sustentação dessa estrutura e, conseqüentemente, de seus respectivos vícios.

A grosso modo, tem-se que os defeitos na motivação podem ser

agrupados em três espécies: ausência de motivação; deficiência de motivação;

e ausência de correlação entre a fundamentação e a decisão.

Dentre esses possíveis vícios, o que se manifesta de maneira

potencialmente mais grave é, obviamente, a inexistência de um discurso

justificativo, mínimo que seja.

Fazendo pertinente referência a ENNIO AMODIO, ressalta

MAGALHÃES GOMES que a ausência de motivação não se resume somente

à absoluta falta gráfica de ratio decidendi, pois, não raro, constata-se que em

algumas motivações (apenas aparentes) “são apresentados textos que nada

dizem, ou até mesmo dolosamente ocultam as efetivas razões de decidir.”46

Prosseguindo, exemplifica o autor citado que nesta hipótese situam-se

as afirmações genéricas que, vazias de conteúdo, podem ser aplicadas

45 RePro – p. 222 46 op. cit., p. 186.

41

indiscriminadamente em qualquer processo, conhecidas, outrossim, como

“petição de princípio”47. Significa dizer, em outros termos, que o juiz toma por

razão a letra da lei, quando, em verdade, deveria demonstrar a sua incidência

ao caso concreto.

Na visão de LEONARDO GRECO, esse “método” decisório,

consubstanciado na utilização de “frases feitas, de caráter absolutamente

vazio, tais como: ´falta de amparo legal` ou ´ausência de omissão, obscuridade

ou contradição`, sem o exame concreto e pontual das alegações das partes,

constitui flagrante violação à garantia do contraditório.48

Em decisão publicada no DJ de 30/06/2003, relativa ao julgamento do

HC 24087/SP, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça teve a oportunidade

de assentar a orientação aqui reproduzida, no tocante à motivação abstrata,

conforme trechos do acórdão lavrado pelo Ministro HAMILTON CARVALHIDO,

in verbis:

“HABEAS CORPUS. DIREITO PROCESSUAL PENAL.

PRISÃO POR PRONÚNCIA. MOTIVAÇÃO. NECESSIDADE.

REGRA GERAL.

1. A toda evidência, a fundamentação das decisões do

Poder Judiciário, tal como resulta da letra do inciso IX do

artigo 93 da Constituição da República é condição absoluta

de sua validade e, portanto, pressuposto de sua eficácia,

substanciando-se na definição suficiente dos fatos e do

direito que a sustentam, de modo a certificar a

realização da hipótese de incidência da norma e os

efeitos dela resultantes.

2. Tal fundamentação, para mais, deve ser deduzida em

relação necessária com as questões de direito e de fato

47 “segundo Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C.), falha lógica que consiste em considerar, involuntária ou artificiosamente, como o ponto de partida de uma demonstração, o mesmo argumento que será provado, de forma pretensamente dedutiva, no final deste processo argumentativo” in Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa [CD-ROM] – Ed. Objetiva – Versão 1.0 – 2001. 48 “Garantias Fundamentais do Processo: O Processo Justo”. Estudos de Direito Processual, p. 287-316.

42

postas na pretensão e na sua resistência, dentro dos limites

do pedido, não de confundindo, de modo algum, com a

simples reprodução de expressões ou termos legais, postos

em relação não raramente com fatos e juízos abstratos,

inidôneos à incidência da norma invocada. (...)”

Com relação à absoluta ausência de motivação, no plano

infraconstitucional, o STJ, a exemplo da hipótese a seguir transcrita, pertinente

ao julgamento do ROMS 14581/RJ, pela 2ª Turma, relatado pelo Ministro

FRANCIULLI NETTO, publicado no DJ de 02/06/2003, reconhece a inevitável

nulidade de atos desta natureza, por violação aos artigos 165 e 458 do Código

de Processo Civil, determinando-se o retorno dos autos ao tribunal de origem

(juízo a quo), a fim de que sejam proferidas novas decisões.

Confira-se, por oportuno:

“[...] AUSÊNCIA DE LAVRATURA DE ACÓRDÃO, COM

FUNDAMENTO NO REGIMENTO INTERNO DO TRIBUNAL DE

JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO. NULIDADE. VIOLAÇÃO AOS

ARTIGOS 165 E 458 DO CPC. RETORNO DOS AUTOS À

CORTE DE ORIGEM.

A determinação do Regimento Interno do Tribunal de

Justiça do Rio de Janeiro de que aos agravos regimentais

não providos por aquela Corte é dispensada a lavratura de

acórdão é ilegal, ua vez que são nulas as decisões judiciais

não fundamentadas (artigos 165 e 458 do Código de

Processo Civil). [X] determinar o retorno dos autos à Corte

a quo, de forma que outra decisão seja proferida, nos

termos do artigo 458 do CPC.”

Não se pode confundir, entretanto, a ausência de fundamentação com

a fundamentação concisa, prescrita expressamente, inclusive, pelo próprio

diploma processual civil aplicável, para determinadas situações, consoante o

disposto no artigo 459, e admitida pela jurisprudência, como explanado no

43

capítulo anterior, que cuida da amplitude da garantia constitucional ora

retratada.

Algumas dessas concessões, de ordem legal e jurisprudencial, podem

se dar quando: a) o juiz indeferir a petição inicial; b) o feito permanecer parado

por mais de 1 (um) ano por negligência das partes; c) por não promover os

atos e diligências que lhe competir, o autor abandonar a causa por mais de 30

dias; d) se verificar a ausência de pressupostos de constituição e

desenvolvimento válidos a regular o processo; e) o juiz acolher alegação de

perempção, litispendência ou coisa julgada; f) não concorrer qualquer das

condições da ação, como a possibilidade jurídica do pedido, a legitimidade das

partes e o interesse processual; g) pela convenção de arbitragem; h) o autor

desistir da ação; i) a ação for considerada intransmissível por disposição legal;

j) ocorrer confusão entre autor e réu; k) o autor não tiver promovido a citação

de todos os litisconsortes necessários, dentro do prazo determinado pelo juiz.

Frise-se, não obstante, mais uma vez, que a autorização para a

fundamentação sucinta não significa, em hipótese alguma, a ausência de

fundamentos, mas sim um discurso que, embora encerre o pensamento de

modo econômico, não o condene à obscuridade.

O cerne dos debates quanto à questão não reside, todavia, nos casos

em que a lei autorize a concisão, mas sim nas situações em que as

circunstâncias dos autos permitam, em tese, que a brevidade seja suficiente.

Se, por um lado, temos, por consagrado pela doutrina e jurisprudência

germânicas49, o direito das partes de terem considerados e apreciados os seus

argumentos (Recht auf Berücksichtigung), de outro, é incontestável o

excessivo volume de formulações absolutamente desprovidas de razoabilidade

e pertinência, freqüentemente construídas pelos advogados, como denota a

prática jurídica.

Diante desse cenário, como sopesar as garantias individuais em

conflito? Como conciliar a exigência de motivação, vista exaustivamente como

salvaguarda de um processo democrático, com a necessidade, também 49 Cf. trechos do acórdão lavrado pelo Ministro Gilmar Ferreira Mendes: supra, nota de rodapé nº 26.

44

imperiosa, de conferir maior celeridade à marcha processual, assegurando-se

às próprias partes litigantes a efetividade da tutela e, num plano menos

imediato, a garantia de acesso ao judiciário constitucionalmente prescrita para

toda a coletividade, de modo amplo?

Tais questionamentos transcendem, até mesmo, as barreiras do direito

pátrio, como demonstra a oportuna remissão que ora se faz ao tratamento

dispensado à matéria pelo Tribunal Constitucional da Espanha, que, cuidando

do direito à tutela efetiva, abranda o rigor da motivação extensa quando se

revele possível responder às diversas alegações com um único argumento:

“[...] aclarando que no puede entenderse vulnerado el derecho a

la tutela judicial efectiva por el hecho que el órgano judicial no dé

respuesta explícita e pormenorizadas a todas y cada uma de las

alegaciones vertidas em el processo, pues el derecho invocados

argumentos puede satisfacerse, atendiendo a las circunstancias

de cada caso, con una respuesta genérica o incluso aunque se

omita esa respuesta respecto de alguna

alegación que, a tenor de la respuesta ya obtenida, resulte

secundaria.”50

Oportuno afirmar que o Código de Processo Penal Português, ao

dispor sobre os requisitos da sentença, admite textualmente que a

fundamentação possa se efetivar de forma concisa – artigo 374, nº 2.51

Na doutrina nacional, sustenta ATHOS GUSMÃO CARNEIRO52 que se

deve ter relativa tolerância com as sentenças sucintamente fundamentadas,

esclarecendo que, em que pese não sejam aconselháveis, também não são

nulas, especialmente se os temas em debate já tiverem sido decididos

repetidas vezes no mesmo sentido.

50 STC 91/1995, de 19 de junho (fj 4), disponível em http://www.tribunalconstitucional.es/JC.htm. 51 “2. Ao relatório segue-se a fundamentação que consta da enumeração dos factos provados e não

provados bem como de uma exposição tanto quanto possível completa ainda que concisa dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão com indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.” (g.n.) apud Acórdão 680/98 da Corte Constitucional Portuguesa (v. supra, nota 24). 52 op. cit., p. 223.

45

Em sintonia com o pensamento espanhol, o ex-Ministro assevera que

“o juiz, por certo, não está adstrito a responder, um a um, os argumentos das

partes; tem o dever, contudo, de examinar as questões, (= pontos

controvertidos), todas elas, que possam servir de fundamento essencial”.

Esta posição, a propósito, manifestada por ocasião de sua atuação

perante o Superior Tribunal de Justiça, acabou dando origem à conhecida

frase de que o tribunal “não é um órgão de consulta”:

“[...] não cabe ao tribunal, que não é órgão de consulta, responder

questionários postos pela parte sucumbente, que não aponta de

concreto injustiça nenhuma , obscuridade, omissão ou

contradição no acórdão, mas deseja, isto sim, esclarecimentos

sobre a situação futura e profliga o que considera decorrente do

´decisum` de inadmissibilidade dos embargos. [...]”53

Neste sentido, assentou, também, o Supremo Tribunal Federal:

“A Constituição não exige que a decisão seja extensamente

fundamentada. O que se exige é que o juiz ou tribunal dê as razões

de seu convencimento.”54

SÉRGIO NOJIRI conclui, por fim, que é indispensável o exame das

questões fundamentais para o deslinde da causa, devendo a irregularidade ser

sanada mediante embargos de declaração (v. infra, 6.4)

A solução encontrada, portanto, é aceitar a dispensa do exame apenas

daqueles pontos reputados como supérfluos ou irrelevantes para incidir no

espectro decisório, evitando-se sentenças excessiva e desnecessariamente

extensas e demoradas. Assim, com a análise precisa das questões realmente

importantes e das provas produzidas, respeita-se a garantia fundamental da

motivação, harmonizando-a com a necessidade da celeridade, almejada pelo

processo justo.

53 Embargos de Declaração no Resp nº 739, DJ 12.11.1990.

54 Agravo de Instrumento nº 162.809-8/DF, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, DJ 15.3.1999, p. 7209.

46

Não obstante, ressalva-se o entendimento pessoal de que tais

divagações (e conseqüentes soluções) sobre o tema restringem-se, de modo

praticamente absoluto, ao campo do direito processual civil, uma vez que,

defendeu-se categoricamente, até o presente momento, a irrestrita

imponderabilidade dos bens resguardados pelas garantias individuais

atribuídas ao acusado, ao réu e, até mesmo ao condenado, no curso da ação

penal.

É de toda evidência que, vida versus vida, vida versus liberdade,

liberdade versus liberdade, liberdade versus integridade física e/ou psicológica

de crianças, por exemplo, e outros valores visceralmente intrínsecos à

dignidade da pessoa humana, quando confrontados entre si, comportam,

excepcionalmente, ponderações em tormentosos casos concretos, mas jamais

quando cotejados com outros direitos individuais - ainda que de magnitude

igualmente constitucional e de incontestável relevância - , porém, menos

essenciais à nossa própria existência, como é o caso (sem qualquer demérito)

da celeridade processual ou, até mesmo, do acesso à justiça.

6.2 - Insuficiência de Motivação:

Outro aspecto a merecer destaque, em sede de vícios de

fundamentação, é a sua insuficiência, o que ocorre nas hipóteses onde,

embora se verifique a presença de um discurso justificativo, falece-lhe a

completude necessária para atender aos anseios constitucionais.

Nestes termos, como ressalta MAGALHÃES GOMES, devem ser

justificadas todas as escolhas que se revelarem indispensáveis para se chegar

à conclusão55

Assim, prossegue exemplificando, sempre que faltar menção ao valor

dos elementos probatórios ou sobre o porquê do não acolhimento de

específica formulação das partes, a motivação terá sido insuficiente.

55 op. cit., p. 186.

47

Acompanhando esta linha de raciocínio, MARIA THEREZA

GONÇALVES aponta que tais aspectos obscuros da sentença constituem-se,

resumidamente, pela não indicação dos critérios utilizados, que tanto podem

estar relacionados com a motivação da matéria de direito – como na referência

à aplicação de uma determinada norma em detrimento de outra –, como no

plano fático – mais uma vez o problema da valoração dos elementos

probatórios, mormente quando sopesados de maneira diversa –.56

A referência específica a todos os critérios utilizados é, portanto, o que

inevitavelmente irá caracterizar a inteireza ou, como costumam denominar os

italianos, a completezza da motivação das decisões judiciais.

6.3 - Incoerência da Motivação:

Mais um defeito a que está sujeita a motivação, passível de frustrar a

sua função garantidora, é a incompatibilidade lógica entre as afirmações

deduzidas pelo julgador ao longo da fundamentação e a conclusão, ao final,

obtida, ou seja, a contradição observada entre o resultado do iter decisório e

os argumentos expendidos.

Trata-se, pois, de uma manifesta ausência de nexo entre o raciocínio

desenvolvido e a decisão prolatada.

No exemplo simplório de MAGALHÃES GOMES, é o que se vislumbra

quando a parte dispositiva do julgado afirma “A”, ao passo que a motivação

nega “A”, ou quando o dispositivo declara “A”, enquanto que da motivação

resulta “B”.

6.4 - Motivação Implícita:

Na hipótese de motivação implícita, não se está diante do fenômeno

da ausência de fundamentação, eis que ela existe – só, que precisa ser

extraída a partir de um processo mental lógico. Aquilo que ficou expresso no

56 op. cit., p. 95.

48

discurso judicial serve, implicitamente, para solucionar um outro ponto em que

não foram exteriorizadas as razões do convencimento judicial.57

Alguns exemplos de motivação implícita colacionados por MARIA

THEREZA PERO ocorrem nas seguintes situações: a) quando o juiz, diante de

teses contrapostas, motiva a aceitação de uma, deixando subentendida a

rejeição da outra; b) quando deixa de se referir a um ou alguns dos pontos do

processo por serem supérfluos em relação a outros já considerados; c) o

exame de uma questão resulte em precluir o exame de questionamentos

sucessivos.58

Recente decisão do Superior Tribunal de Justiça59, relatada pelo

Ministro GILSON DIPP, retrata um caso de motivação implícita, consoante os

trechos a seguir reproduzidos:

“CRIMINAL. HC. ENTORPECENTES. NULIDADE. OMISSÃO DA

SENTENÇA QUANTO À TESE DA DEFESA DE FALTA DE

FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES QUE DEFERIRAM

INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS [...]

[...] Não se tem como omissa a sentença condenatória que, embora

não se referindo, expressamente, ás teses da defesa, fundamenta a

condenação com base nos elementos probatórios reputados

válidos para caracterizar os crimes narrados na denúncia e sua

autoria. Embora seja necessário que o magistrado aprecie todas as

teses ventiladas pela defesa, torna-se despiciendo a menção

expressa a cada uma das alegações se, pela própria decisão

condenatória, resta claro que o Julgador adotou a tese contrária.

[...]” (g.n.)

A respeito, informa MAGALHÃES GOMES60, com suporte na doutrina

italiana, tratar-se de uma técnica de aproveitamento de decisões, denominada

57 idem, p. 197.

58 op. cit., p. 96. 59 Habeas Corpus nº 24354/SP, 5ª Turma, DJ 23.06.2003, p. 399.

49

tecniche di salvattagio, utilizada pela Corte de Cassação daquele país com o

fito de evitar um demasiado número de declarações de nulidade.

Pondera o referido autor, todavia, que, reportando-se a expediente que

visa superar uma omissão, uma lacuna do discurso justificativo, os limites de

admissibilidade da motivação implícita devem ser delineados com especial

cautela.

6.5 - Motivação Per Relationem:

Constitui-se a motivação per relationem no segundo “método” de

fundamentação que, apesar de bastante criticável, vem sendo chancelado pela

jurisprudência pátria e reputado como incapaz de ensejar qualquer espécie de

nulidade.

Consiste na utilização expressa de uma fundamentação desenvolvida

e inserida em outra decisão, que pode ter sido, inclusive, prolatada em

processo distinto – ou naquele próprio, em momento anterior –, como nos

casos em que o órgão ad quem reporta-se à decisão de 1º grau ou a parecer

do Ministério Público.

Assim agindo, o julgador competente deixa de elaborar uma

argumentação autônoma, independente, para se reportar a razões que não

denotam o efetivo exame da controvérsia a ser decidida. Este procedimento,

com efeito, não atende, de forma plena, ao direito de tutela jurisdicional efetiva,

exteriorizado pelos princípios da ampla defesa e do contraditório.

À revelia dessas procedentes objeções, entretanto, até mesmo o

Supremo Tribunal Federal possui precedente legitimando a possibilidade de

utilização deste mecanismo decisório, em recurso relatado pelo Ministro Ilmar

Galvão (Agravo de Instrumento nº 167.580-3, 1ª Turma. DJ 20.10.1995, p.

35271).

No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, outrossim, há decisões

tanto da 1ª quanto da 2ª Turmas no sentido de admitir a motivação per

relatione, sob o fundamento de que não existe vedação legal:

60 op. cit., p. 196.

50

“PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.

INEXISTÊNCIA DE OBSCURIDADE, CONTRADIÇÃO OU OMISSÃO

NO ACÓRDÃO. CARÁTER MERAMENTE PROTELATÓRIO. MULTA.

[...]

4. Inexiste norma legal que impeça o magistrado, ao proferir

sua decisão, que a mesma tenha como fundamentação outro

julgado, e, até mesmo que o juízo “ad quem” não se apóie, no todo

ou em parte, em decisões outras prolatadas no mesmo feito que se

analisa.

Destarte, não está obrigado o magistrado a julgar a questão posta

a seu exame de acordo com o pleiteado pelas partes, mas, sim

com o seu livre convencimento (art. 131, do CPC), utilizando-se

dos fatos, provas, aspectos pertinentes ao tema, jurisprudência

pacificada e da legislação que entender pertinentes ao caso

concreto. [...]”61

“ACÓRDÃO – FUNDAMENTAÇÃO – [...]

A validade do acórdão impõe fundamentação. Revela-se,

entretanto, pelo conteúdo. Não exige longa explicação. Lícito e

suficiente reportar-se a outro julgamento, identificado e que tratou

da mesma matéria.”62

Consoante decidiu a 3ª Turma do STJ, em duas oportunidades, tal

procedimento somente é rechaçado quando se trata do que se costuma

chamar de “mero reenvio”, o que, na prática, significa manter a decisão, de

modo lacônico, tão-somente “por seus próprios fundamentos”.

Confira-se, a seguir, o teor dos correspondentes julgados:

“APELAÇÃO. JULGAMENTO.

61 Embargos de Declaração no REsp nº 159.365/RS, 1ª Turma, Rel. Min. JOSÉ DELAGADO, DJ

26.10.1998, p. 46. 62 REsp nº 1219/RJ, 2ª Turma, Rel. Min. LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, DJ 18.12.1989, P. 18471.

51

Impugnada a sentença, com a apresentação de motivos por ela

não examinados explicitamente, não se poderá no julgamento do

recurso, simplesmente adotar as razões do decidido

monocraticamente.”63

“APELAÇÃO – JULGAMENTO – FUNDAMENTAÇÃO.

Exigindo a lei apresente o apelante as razões por que pretende a

reforma da sentença, a isso corresponde o dever do tribunal de

esclarecer os motivos que o levam a confirmá-la. Insuficiência da

afirmação, traduzida na fórmula de que a sentença é mantida “por

seus próprios e jurídicos fundamentos”, salvo se o apelante se

limita a repisar argumentos já examinados pela sentença, sem

atacar os motivos que levaram o juiz a recusá-los.”64

Em se tratando de matéria penal, todavia, ressalvamos, mais uma vez,

entendimento particular sobre a imperiosa excepcionalidade do acolhimento da

motivação per relatione, bem como de qualquer outra medida mitigadora do

mandamento contido no artigo 93, inciso IX, da Carta Magna de 1988, haja

vista o especial dever de cautela atribuído aos magistrados pela inviolabilidade

das garantias constitucionais asseguradas aos sujeitos passivos da persecutio

criminis in judicio.

6.6 - Motivação por Formulários:

Cumpre destacar, por derradeiro, técnica bastante utilizada pelos

magistrados, mormente quando se cuida de matéria apenas de direito (o que,

a toda evidência, configura hipótese raríssima, senão inexistente, no processo

penal), reiteradas vezes apresentadas para julgamento: a motivação por

formulários ou modelos. 63 REsp nº 56029/RJ, 3ª Turma, Rel. Min. EDUARDO RIBEIRO, DJ 28.08.1999, p. 26630.

64 REsp nº 8416/RJ, 3ª Turma, Rel. Min. EDUARDO RIBEIRO, DJ 09.09.1991, p. 12197.

52

À primeira vista, a utilização de modelos de sentença poderia sugerir

uma violação ao dever constitucional de motivar as decisões. No entanto, o

Tribunal Constitucional Espanhol65, manifestando-se sobre o assunto,

consagrou a tese de que tal prática não é, por si só, atentatória à tutela

jurisdicional efetiva, desde que os argumentos jurídicos sejam exatamente os

mesmos, como abaixo se observa:

“El análisis de esta cuestión [...] exige recordar que este Tribunal

há tenido ocasión de pronunciarse acerca de la utilización de

resoluciones “modelo” o “tipo”, incluso impresas, convalidándola

constitucionalmente em la medida em que el empleo de tales

médios no es necesariamente contrario a la

tutela judicial efectiva, pues no impide, de suyo, la

consideración correcta o completa Del caso propuesto, com uma

congruente respuesta [...], pues peticines idênticas pueden

recibir respuestas idênticas sin que la reiteración en la

fundamentación suponga ausência de ésta, debiendo analizarse

el caso concreto para determinar la suficiência de la respuesta

ofrecida. Dicho de outro modo, tal utilización es admisible

siempre que la resolución em la que se haya utilizado el modelo

impreso o formulário constituya na respuesta – incluída su

motivación – que satisfaga lãs exigências constitucionales (STC

74/1990, de 23 de abril, FJ 3; 8/2002, de 14 de enero, FJ 5)”.

65 STC 223/2003, de 15 de dezembro de 2003. Disponível em

http://www.tribunalconstitucional.es/JC.htm .

53

7. CAPÍTULO VI

REFLEXOS DA INOBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO

DA MOTIVAÇÃO

Após o estudo dos defeitos comumente apresentados pela motivação,

bem como dos métodos admitidos pela jurisprudência, cabe agora indicar a

conseqüência prevista para o não atendimento da determinação constitucional

dissecada.

7.1 - Sanção Constitucional de Nulidade:

Não persiste qualquer dúvida quanto à natureza de nulidade absoluta

dos vícios de motivação, sendo essa premissa inconteste tanto na doutrina

como na jurisprudência pátrias.

Esta fatal conseqüência resulta não só pela veemência do imperativo

constitucional contido no artigo 93, inciso IX, mas também por incidir em

ofensa à garantia processual que integra a cláusula do due process of law, vez

54

que esta “constitui requisito essencial para a correção da prestação

jurisdicional”.66

Por conseguinte, em virtude do interesse público subjacente, o prejuízo

evidencia-se, sendo certo que seu reconhecimento independe de provocação

das partes – podendo ser declarado de ofício pelo próprio juiz ou tribunal –

imune, inclusive, aos efeitos da preclusão.

7.2 - Remédios Processuais:

Na forma do que estabelecem os artigos 535, do Código de Processo

Civil, e 619, do Código de Processo Penal, o remédio processual adequado

para sanar eventuais ambigüidades, obscuridades, omissões ou contradições

verificadas na motivação, será, sem dúvida, os embargos de declaração.

Todavia, a despeito dos diplomas processuais acima referidos

relacionarem apenas as sentenças e acórdãos como objeto de impugnação, a

doutrina mais autorizada do saudoso mestre PONTES DE MIRANDA há muito

já registrava que os embargos de declaração são oponíveis contra qualquer

provimento judicial de conteúdo decisório, sejam sentenças, acórdãos ou

decisões interlocutórias, apesar do silêncio da lei.67

Tal orientação coaduna-se com o comando constitucional do artigo 93,

inciso IX, cuja redação já foi determinada pelo constituinte no sentido de

abarcar “todas as decisões”, sem distinção entre ter sido ela proferida no curso

do processo ou ao final.

Tanto é assim, que a persistir a omissão, dúvida ou contradição na

decisão dos embargos, caberá a utilização da via excepcional do Recurso

Extraordinário, a fim de que a Suprema Corte faça valer a garantia ínsita na

Constituição Federal, como leciona MARIA THEREZA PERO.68

Aponta, outrossim, a aludida autora, que, em sede de apelação, se

pode argüir a nulidade ou pleitear que o Tribunal ad quem aprecie a questão

66 GRINOVER, SCARANCE E MAGALHÃES, op. cit., p. 22. 67 “Embargos de Declaração no Processo Civil Brasileiro”, p. 4 apud CÂMARA “Lições de Direito Processual Civil, Vol. II, p. 103. 68 op. cit., p. 140.

55

sobre a qual o juiz não tenha se pronunciado, nos termos dos artigos 245 e

515, § 1º, do CPC.

No que se refere ao processo penal, entretanto, há que se ter sempre

em mente os princípios do favor rei e do favor libertatis, razão pela qual a

acusação não pode ser beneficiada pela anulação de uma decisão imotivada,

após a preclusão das vias normais de impugnação, conforme adverte

MAGALHÃES GOMES69, fazendo menção à súmula nº 160 do Supremo

Tribunal Federal, segundo a qual, “É nula a decisão do tribunal que acolhe

contra o réu nulidade não argüida no recurso da acusação, ressalvados os

casos de recursos de ofício.”

8. CONCLUSÃO

O presente estudo demonstra o quão importante é o papel

desempenhado pelo princípio constitucional da motivação das decisões,

especialmente no âmbito do direito processual penal, seus desdobramentos a

partir do binômio dever dos juízes / direito das partes e da sociedade, os

defeitos que costuma apresentar e a decorrente sanção de nulidade, bem

como os artifícios habitualmente utilizados pelos magistrados e admitidos –

nem sempre de modo recomendável – pela jurisprudência de nossos

Tribunais.

Com o avanço gradual das instituições políticas e o desenvolvimento

de uma consciência democrática, ainda que tímida em algumas culturas e

mitigada pela crescente preponderância do interesse individual sobre o coletivo

em outras, ao longo da história, associados à valorização da dignidade da

pessoa, o Direito Processual vem adquirindo contornos cada vez mais

humanísticos, fenômeno este que se revela essencialmente importante para

conter os avanços cometidos pelo poder estatal, o qual, não raro, apresenta-se

de forma abusiva e violadora.

Neste cenário, consagrou-se um genuíno direito a um processo justo

ou tutela jurisdicional efetiva, sendo inatacável que a garantia da motivação 69 op. cit., p. 204.

56

encontra-se hoje inserida no amplo espectro da cláusula do devido processo

legal.

Com efeito, dentre as funções que desempenha em termos

endoprocessuais, a motivação permite às partes aferir os limites objetivos do

julgamento, bem como o seu reexame pelos Tribunais, podendo, ainda, ao

menos potencialmente - quando elaborada de modo irretocável e fundada nas

razões de direito efetivamente aplicáveis ao caso submetido à apreciação do

Poder Judiciário -, evitar impugnações desnecessárias pela parte sucumbente,

contribuindo para a celeridade da prestação jurisdicional.

Ressalte-se, por oportuno, que esta tarefa de vital importância, pode,

eventualmente, ser exercida não apenas como discurso justificativo isolado,

mas – com resultados muito mais significativos – a partir da uniformização da

jurisprudência, o que só é possível mediante o cotejamento de grande número

de acórdãos.

Finalmente, observou-se que a motivação, tal qual a publicidade, é

uma espécie de “garantia das garantias”, na medida em que viabiliza o controle

sobre a obediência ao contraditório, à ampla defesa e à imparcialidade do

julgador no processo decisório, onde, afinal, restará evidenciado se os

argumentos expendidos, em caráter essencial, pelas partes, foram

efetivamente enfrentados, assim como consideradas as provas produzidas.

Sob outro ângulo, a fundamentação consubstancia-se em instrumento

de controle difuso da administração da justiça, via opinião pública, cujo ponto

de interseção é feito, ainda que nem sempre de modo ideal, pelos meios de

comunicação e informação global. Nesse contexto, a transparência e

adequação das decisões passa a ser alvo de um juízo crítico de toda a

sociedade, em nome de quem, na verdade, é exercido todo e qualquer poder

estatal, prestigiando-se, em última análise, o princípio da participação, corolário

do Estado Democrático de Direito.

Um encaminhamento racional e coerente do iter decisório revela-se,

pois, fator de legitimação do Poder Judiciário, ocasionando a ausência de

motivação a nulidade absoluta da sentença ou decisão, consoante sancionado

diretamente pelo legislador constituinte.

57

Distingue-se, todavia, na prática forense, a ausência de

fundamentação da fundamentação sucinta, assentando-se que, desde que

aborde todas as questões relevantes apresentadas, esta será válida.

Vêm sendo admitidas, outrossim, tanto pela jurisprudência pátria,

como de países como Portugal e Espanha, algumas “técnicas” de

fundamentação, como a motivação implícita, per relatione ou através de

formulários, que, conquanto não representem, de fato, a inexistência da

garantia, deixam, indubitavelmente, de atendê-la em sua plenitude, afigurando-

se, especialmente temerárias, no âmbito do processo penal.

Conclui-se, assim, que, diante da enorme importância de que se

reveste a motivação, não só porque decorrente, em nosso sistema, de

imperativo constitucional, mas por sua própria essência, e, também, em razão

das nefastas conseqüências que podem emergir de sua inobservância num

Estado que se afirme como “democrático”, urge que os magistrados, de modo

geral, mas sobretudo os que respondem pelo delicado mister da tutela penal,

dispensem-lhe maior atenção e respeito, demonstrando, justamente através da

fundamentação – sob a fiscalização crítica e participativa das partes, bem

como de toda a sociedade – que suas decisões amparam-se, não em seu puro

arbítrio e conveniência, mas no conjunto de valores e sentimentos que ainda

move nossa nação, reconhecidos e assegurados por uma Constituição

promulgada.

58

59

9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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63

ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO

2

AGRADECIMENTO

3

DEDICATÓRIA 4

RESUMO 5

METODOLOGIA 6

SUMÁRIO 7

INTRODUÇÃO 9

CAPÍTULO I

ANTECEDENTES HISTÓRICOS 13

2.1 Do Direito Romano ao Século XVII 13 2.2 A Influência Iluminista e a Revolução Francesa 14 2.3 O Constitucionalismo Europeu no Séc. XX 16 2.4 Os Países do Common Law 18

CAPÍTULO II – FUNÇÕES ENDOPROCESSUAIS 19

3.1 Os Limites Objetivos do Julgado 19 3.2 O Reexame pelos Tribunais 20 3.3 Persuasão das Partes 22 3.4 Imparcialidade, Contraditório e Publicidade 23 3.5 Uniformização da Jurisprudência 26 3.6 Justificativa das Escolhas 26 CAPÍTULO III – FUNÇÕES EXTRAPROCESSUAIS 28

4.1 Estado Democrático de Direito 28 4.1.1 O Princípio da Participação 30 4.1.2 O Princípio da Transparência 31 4.1.3 O Princípio da Legalidade 31 4.2 O Devido Processo Legal 33 CAPÍTULO IV – AMPLITUDE DA GARANTIA CONSTITUCIONAL 35 CAPÍTULO V – VÍCIOS E ARTIFÍCIOS 39 6.1 Ausência de Fundamentação e Fundamentação Sucinta 39

64

6.2 Insuficiência de Motivação 47 6.3 Incoerência da Motivação 47 6.4 Motivação Implícita 48 6.5 Motivação Per Relationem 49 6.6 Motivação por Formulários 52 CAPÍTULO VI – REFLEXOS DA INOBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA MOTIVAÇÃO 54 7.1 Sanção Constitucional de Nulidade 54 7.2 Remédios Processuais 54

CONCLUSÕES 56

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 59

ÍNDICE 63

65

FOLHA DE AVALIAÇÃO

Nome da Instituição: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES – INSTITUTO

A VEZ DO MESTRE

Título da Monografia: O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA MOTIVAÇÃO

DAS DECISÕES E OS REFLEXOS DE SUA

INOBSERVÂNCIA

Autor: RENATA NORONHA LOUREIRO

Data da entrega: 11/08/2009

Avaliado por: VALESCA RODRIGUES Conceito: