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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS PROJETO A VEZ DO MESTRE A REALIDADE DO FRACASSO ESCOLAR: UMA TENTATIVA DE PROBLEMATIZAÇÃO MANUELL GALDINO DOS SANTOS FILHO ORIENTADOR: Prof. Ms. Carlos Alberto Cereja de Barros RIO DE JANEIRO, JUN./2002

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO

DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS

PROJETO A VEZ DO MESTRE

A REALIDADE DO FRACASSO ESCOLAR: UMA TENTATIVA DE

PROBLEMATIZAÇÃO

MANUELL GALDINO DOS SANTOS FILHO

ORIENTADOR:

Prof. Ms. Carlos Alberto Cereja de Barros

RIO DE JANEIRO, JUN./2002

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO

DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS

PROJETO A VEZ DO MESTRE

A REALIDADE DO FRACASSO ESCOLAR: UMA TENTATIVA DE

PROBLEMATIZAÇÃO

MANUELL GALDINO DOS SANTOS FILHO

Monografia apresentada à Universidade Cândido

Mendes como requisito do Curso de Pós-Graduação

“Lato Sensu” em Psicopedagogia.

Rio de Janeiro, Jun./2002

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Dedico este trabalho de maneira especial ao Diretor da Sede

Campestre do Círculo dos Subtenentes e Sargentos da Vila

Militar em Araruama – RJ, Ao segundo tenente Valdecir

Bortolotto; à sua esposa Elza Maria Soares Bortolotto e aos seus

filhos Heloísa, Jefferson e Pollianne.

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Este trabalho foi realizado graças à sabedoria e a ajuda de

muitas pessoas. Sou eternamente grato a todas elas. Agradeço a

Deus pela vida. À minha mãe, Maria Aldenora; ao meu pai,

Manuell Galdino; aos meus irmãos e sobrinhos e ao CSSVM -

Círculo dos Subtenentes e Sargentos da Vila Militar em

Araruama – RJ. Sou grato à família Batista da Silva. À Unidade

Integrada Terezinha Alves Rocha, ao meu Educandário Olinda

do Maranhão – MA. E às “mulheres da minha vida” Celeste,

Jaqueline, Maria Santa, Rosy e Wanilda, minhas amigas, minha

alegria, pelo carinho e experiências compartilhadas. Finalmente,

agradeço “aos amigos mais chegados que um irmão”,

Helizandro, Firmino, Luciano, Lucivânio, Zezinho, Manuel

Jailton, Gesoniel, Gonçalinho, Ezequias, Fredson, Magnólia,

Gracieth, Gilvana, ao Édson e Claudinho, Antonio e minha,

Róbson e Élida, Rafael e Rackel, e ao meu sobrinho querido

Marcus Vinícius, pela força, ajuda, carinho e compreensão.

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RESUMO

O fracasso escolar é um problema complexo e se relaciona com outros importantes

temas da pedagogia, como formas de avaliação, reprovação escolar, curriculum e disciplinas

escolares. Para combater o fracasso escolar, portanto, é preciso atacar em duas frentes: uma de

ação imediata que busca resgatar o aluno "fracassado", e outra de reestruturação interna que

implica na discussão e avaliação das diversas questões enumeradas acima. É nesse contexto,

que o estudo aqui apresentado se propõe a discutir tal tema, abordando também o que pode ser

desenvolvido no sentido de minimizar tal fato.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 07 CAPÍTULO I - INTERAÇÃO PROFESSOR-ALUNO E O SUCESSO ESCOLAR 09 1.1 As diferentes concepções do fracasso escolar nas redes públicas de ensino no Brasil ............................................................................................................................ 11 CAPÍTULO II –ASPECTOS DO FRACASSO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA .............................................................................................................. 13 2.1 Ciclo básico de alfabetização, uma saída para a diminuição da repetência? ......... 17 2.2 Aspectos relevantes acerca da repetência e evasão escolar ................................... 18 CAPÍTULO III – AS AÇÕES DA ESCOLA PARA SUPERAR O FRACASSO ESCOLAR ................................................................................................................... 22 3.1 Linhas gerais .......................................................................................................... 25 3.2 Princípios teórico-metodológicos ........................................................................... 27 3.3 Alvos a atingir ........................................................................................................ 29 3.4. Os alunos a serem atendidos: o grupo-classe ........................................................ 29 3.5. Vinculando as classes de aceleração às propostas curriculares ............................. 30 3.6 A avaliação na classe de aceleração ....................................................................... 35 3.7 O aluno defasado e sua auto-estima ....................................................................... 36 CONCLUSÃO ............................................................................................................. 38 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 40 ANEXOS ..................................................................................................................... 41

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INTRODUÇÃO

A escola é um lugar que proporciona aos estudantes experiências, sociabilidade,

criatividade e aprendizagem. O Brasil enfrenta há alguns anos o grave problema do fracasso

escolar, representado pela reprovação e o abandono dos estudos de crianças e adolescentes

(dos 7 aos 18 anos). Geralmente os professores apontam como dificuldade para o processo

escolar a falta de interesse dos pais em relação ao ensino dos filhos, a miséria, falta de

alimento em casa, rebeldia dos alunos, necessidade de trabalhar para ajudar em casa, gravidez

entre as adolescentes, uso de drogas, entre outros.

As dificuldades no desempenho acadêmico dos alunos podem ocorrer devido a

distúrbios orgânicos ou prejuízo do interesse, atenção, cognição e da performance dos

mesmos. Os distúrbios de aprendizagem podem também ser originados por crises situacionais

como: separação dos pais; perda de um ente querido; nascimento de um irmão; falta de

atenção dos pais; troca de escola; professores; cidade; etc.

A família desempenha um importante papel na vida do ser humano e, portanto, deve

procurar satisfazer as necessidades básicas de afeto; apego/ desapego; segurança; disciplina;

aprendizagem e comunicação. O clima emocional da família influencia na aprendizagem e na

integração social, pois crianças e jovens que possuem boa estrutura familiar conseguem ser

mais bem sucedidos em suas relações com as demais pessoas e mostrar maior abertura para

aquisição de conhecimentos (aprendizagem).

Os distúrbios de aprendizagem geralmente ocorrem com os filhos mais novos, face a

menor disponibilidade dos pais para estimulá- los, enquanto os filhos mais velhos iniciam a

vida como filhos únicos e dispõe de maiores atenções. Também é possível verificar que a

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família que possui mais de três filhos apresentam maior incidência de fracasso escolar, visto a

pouca disponibilidade dos pais para atender as necessidades de cada filho.

A nossa sociedade não admite o fracasso escolar e nem familiar, por isso quando o

aluno vai mal. O fracasso muitas vezes é simplesmente atribuído a ele que passa a ser

chamado de "aluno problema", tal rótulo o coloca como um "fora da lei" e depositário da

patologia escolar e familiar sentindo-se como um “bode expiatório”. A conseqüência disso é

que este aluno acaba sentindo-se excluído e passa a comportar-se e achar que é indisciplinado,

violento, burro, malandro e fracassado na vida. A família por sua vez acaba mobilizada com

tal situação pois todos acabam se envolvendo: avós, tios, irmãos que em coro acusam os pais

de "educadores fracassados".

É necessário pontuar que alguns dos transtornos específicos de aprendizagem podem

ser patológicos e de causas orgânicas como por exemplo, a disfunção cerebral mínima;

dislexia; hiperatividade; etc., dependendo do caso o encaminhamento será para um

neurologista; psicólogo; psicopedagogo; fonoaudiólogo, etc.

Para afastar o fantasma da repetência é importante realizar-se alianças entre pais,

professores e profissional da área de saúde no sentido da promoção escolar. A família deve

reestruturar-se na medida em que os filhos crescem promovendo a comunicação, colocação de

limites, bem como de limites interpessoais que favoreçam o desenvolvimento psicossocial de

seus membros, oferecendo assim bases seguras para mudanças, crescimento e aquisição de

conhecimentos.

Pedagogicamente, uma das medidas adotadas tem sido a formação das classes de

aceleração, vista como uma proposta político-pedagógica das Secretarias de Educação dos

Estados e Municípios, destinadas a alunos de primeiro segmento do ensino fundamental que

apresentam sucessivas repetências em sua vida escolar, como uma forma de combater ao

fracasso escolar.

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CAPÍTULO I

INTERAÇÃO PROFESSOR-ALUNO E O SUCESSO ESCOLAR

Sucesso é uma palavra que sugere várias interpretações, e cada pessoa, conforme sua

história de vida, tem uma opinião do que seria ser bem sucedido. Neste texto vou usar a

palavra sucesso no contexto escolar.

Segundo os Aprioristas, as possibilidades de aquisição do conhecimento são herdadas

de forma inata ou submetidas ao processo maturacional. Eles acreditam em

"práticas pedagógicas (…) em que o indivíduo, e mais particularmente seu fracasso ou seu sucesso, dependem exclusivamente, de seu talento, aptidão, dom ou maturidade. Terá sucesso escolar a criança que tiver aptidões básicas, que implicarão na garantia de aprendizagem, tais como: inteligência, esforço, atenção, interesse, ou mesmo maturidade para aprender. Assim, a responsabilidade está na criança e não na sua relação com o contexto social mais amplo, nem tão pouco na própria dinâmica da escola." (REGO, 1995).

Em contrapartida para os Interacionistas

"o indivíduo ao mesmo tempo que internaliza as formas culturais, as transforma e intervém em seu meio. Deste ponto de vista, o homem é visto como alguém que transforma e é transformado nas relações produzidas em uma determinada cultura. (…) É portanto, na relação dialética com o mundo que o sujeito se constitui e se liberta. "(REGO, 1995).

Segundo Vygotsky, quando uma criança adquire alguma habilidade, realiza um ato

que envolve necessariamente uma ação instrutiva do adulto, antes do período escolar ou

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durante. “(…) A própria noção de aprendizagem significa processo de ensino-aprendizagem,

justamente para incluir quem aprende, quem ensina e a relação social entre eles, de modo

coerente com a perspectiva sócio-histórica." (OLIVEIRA, 1995). Sendo assim, quais os

fatores que, na vida escolar de um indivíduo, interferem para que ele obtenha sucesso na

aprendizagem?

O sucesso escolar está intimamente relacionado ao processo de interação

professor/aluno. Neste processo cabe ao professor instrumentalizar o aluno, para que este

consiga fazer relações entre o que está aprendendo e o que já sabe, tendo consciência de seu

desenvolvimento. De posse desses subsídios, o aluno deve ter clareza de suas dificuldades

percebendo que elas fazem parte do aprendizado.

O papel do professor é o de mediador e o de facilitador na apropriação da cultura pelos

alunos, sendo assim é de grande responsabilidade do professor se seu aluno não está

aprendendo.

Mas, se, conforme Vygotsky, o processo de ensino e aprendizagem pressupõe uma

troca, uma relação que se estabelece entre o professor, o objeto a ser apreendido e o aluno,

este último também é agente nesse processo. O que fazer então quando um aluno não quer

aprender? Como motivá-lo e despertar- lhe o interesse? O que leva um aluno a ser

desinteressado? Será que as intervenções adequadas do professor podem mudar esse quadro?

Ainda que o professor esteja atento, que reflita sobre a sua atuação e consiga fazer um

diagnóstico claro da situação de um aluno ou de uma classe, não podemos dizer que o sucesso

escolar estará garantido. Uma vez que o ensino-aprendizagem não apenas depende da atuação

do professor e sim da interação entre este e o aluno, qualquer iniciativa pedagógica está

sempre condicionada à receptividade do aprendiz.

Segundo Isabel Solé,

"para sentir interesse, deve-se saber o que se pretende e sentir que isso preenche alguma necessidade (de saber, de informar-se, de realizar e de aprofundar). (...) se ao contrário, quando tudo isso permanece desconhecido, o que emerge como guia são as indicações do professor para cumprir o requisito da tarefa…" (SOLÉ, 1998).

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São muitos os fatores que colaboram para o sucesso escolar, que pode depender tanto

das atitudes do professor quanto das do aprendiz. Mas certamente um primeiro passo para o

uma aprendizagem bem sucedida é o estabelecimento de uma ação conjunta em que

professores e alunos se sintam motivados a aprender e assim consigam estabelecer interações

significativas.

1.1 As diferentes concepções do fracasso escolar nas redes públicas de ensino no Brasil

Anos 60: medicalização generalizada do fracasso escolar, com a visão

psiconeurológica do desenvolvimento humano, que tenta explicar os desvios ou dificuldades

por quadros tais como a disfunção cerebral mínima, a dislexia e a dislalia.

Anos 70: entram em cena os psicopedagogos, uma nova categoria profissional que,

orientada por esta abordagem, dedica-se ao atendimento das dificuldades de aprendizagem e

passam a colaborar no debate sobre os altos índices de repetência na escola pública de 1º grau.

Nessa perspectiva, o fracasso escolar passa a ser explicado pela existência de diferenças

individuais na capacidade de aprendizagem das crianças.

Nessas décadas, vigoraram-se duas principais teorias para explicar o fracasso escolar:

a Teoria da Carência Cultural e as Teorias Crítico-Reprodutivistas.

Teoria da Carência Cultural: como a maioria das crianças mal sucedidas na escola

são de classes populares, as deficiências no desenvolvimento psicológico infantil seriam

conseqüências da pobreza de estímulos do ambiente cultural desfavorecido, do qual provêm.

Em nome da carência cultural, foram organizados, no Brasil, inúmeros projetos de educação

compensatória, mas que, no entanto, da mesma forma como ocorreu nos EUA, não

apresentaram resultados satisfatórios, servindo para marcar ainda mais a discriminação e a

conseqüente seletividade social.

Teorias Crítico-Reprodutivistas: introduziram a possibilidade de se pensar o papel

da escola numa perspectiva crítica de sociedade. Essas teorias limitavam-se a explicar o

fracasso escolar como sendo, na verdade, o êxito da escola, na medida em que, sendo um

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instrumento de reprodução, a escola na sociedade capitalista necessariamente reproduziria a

dominação e exploração.

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CAPÍTULO II

ASPECTOS DO FRACASSO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

O grande drama da educação brasileira é manter índices estáveis e alarmantes de

fracasso escolar, em torno de 50% nos últimos anos da nossa história. E apesar disso

convivemos mais ou menos pacificamente com esses mesmos índices, postura própria de uma

cultura de submissão e de não autonomia.

Vê-se que, no Brasil, de cada 100 crianças que ingressam na 1a série, 12 delas chegam

à 8a série. Portanto, as taxas revelam um problema de incompetência coletiva.

Ao se examinar estes mesmos dados por estrato social, tem-se taxas bem mais

alarmantes, acentuando-se nas ditas camadas populares. Cerca de 80% de crianças reprovadas

são delas provenientes, evidenciando não o fracasso de uma população em geral, mas de uma

população específica.

Lourenço Filho, um grande educador da década de 30, já denunciava este problema,

mas até agora estas tendências não foram invertidas.

O descaso com que a questão é tratada é fruto de uma falta de vontade política, a nível

estadual e a nível municipal, e reflete-se na própria escola, onde as discussões giram em torno

de questões acessórias.

O fenômeno fracasso escolar constitui-se de várias faces extremamente negativas:

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1- Representa um desperdício de verba, na medida em que cria um estrangulamento de

oferta de vagas nas séries iniciais. Se não tivéssemos mais de 8 milhões de reprovados

no Brasil, poderíamos oferecer vagas para todos;

2- Revela a baixa capacidade da escola em trabalhar com classes populares. Sempre

alegamos que os nossos alunos precisam aprender conosco, mas, como Paulo Freire

diz claramente: “é preciso que nós aprendamos no primeiro momento.”

3- É prenúncio da exclusão. O aluno que é reprovado numa 1a e numa 2a vez vai lendo

nas entrelinhas que a escola não é o seu lugar.

4- Limita as oportunidades educacionais para outras crianças.

5- Aumenta os custos da sociedade, que a grande pagadora de impostos que mantém a

rede de serviços públicos, aumentando o montante de verbas necessárias ao

financiamento da escola pública.

6- Acima de tudo, produz fracassados sociais, crianças condenadas a subempregos, mal-

remunerados, à margem da cidadania.

Destituídas do poder material e cultural, as crianças de classes populares são

submetidas por esses processos a outra violência, a simbólica. No entanto, o fenômeno do

analfabetismo não ocorre isoladamente, ele vem associado a questões sociais muito graves,

como a fome que se abate sobre o país.

O analfabetismo se concentra em dois níveis: em primeiro lugar há crianças que não

conseguem entrar na escola e, em segundo lugar as muitas crianças que nela não tem sucesso.

Magda Soares (1999, p. 10) nos mostra que

“ao longo do tempo, o discurso pela democratização do ensino, toma uma direção quantitativa, em defesa da ampliação de ofertas educacionais – aumento do número de escolas para as classes populares, obrigatoriedade e gratuidade do ensino elementar.”

Ora se volta para a melhoria qualitativa do ensino – reformas educacionais,

reformulações da organização escolar, introdução de novas metodologias de ensino,

aperfeiçoamento de professores.

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Na verdade, o discurso oficial pela democratização da escola seja na direção

quantitativa, seja na direção qualitativa, procura responder à demanda popular por educação,

por acesso à instrução e ao saber.

Porém, o povo ainda continua vencido: não há escola para todos, e a escola que existe

é antes contra o povo que para o povo.

A repetência, isto é, a não aprendizagem, e a evasão, o abandono da escola, explicam

esse progressivo afunilamento, que vai construindo a chamada “pirâmide educacional

brasileira”.

Essa construção se dá através da rejeição pela escola, das camadas populares:

pesquisas têm demonstrado as relações entre origem social e fracasso escolar. Como se

explica essa contradição? Ou seja: a escola qual seria para o povo é, na verdade, contra o

povo.

Segundo Magda Soares (1998, p. 12):

“os mais dotados, os mais aptos, os mais inteligentes constituíram, exatamente por serem possuidores dessas características, as classes dominantes e socioeconomicamente favorecidas, enquanto os destituídos dessas características, os menos dotados, menos aptos, menos inteligentes, constituíram as classes dominadas e socioeconomicamente desfavorecidas.”

Assim sendo, seria natural que os alunos provenientes das classes dominadas tivessem

maior probabilidade de fracasso na escola: pertenceriam a essas classes exatamente por serem

dotados, menos aptos, menos inteligentes. Quando bem dotados e inteligentes, não

fracassariam, e teriam fácil acesso às classes dominantes.

Permanece, assim a questão: Por que o fracasso escolar atinge predominantemente os

alunos das classes dominadas?

Sendo assim, Magda Soares aponta mais uma explicação, as desigualdades sociais que

seriam responsáveis pelas diferenças de rendimento dos alunos na escola.

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Porém, os que propõem essa explicação para o fracasso escolar das classes dominadas

não criticam a estrutura social responsável pela desigualdade social, pela existência de classes

dominantes e dominadas. Assim, o que propõem como explicação para o fracasso, na escola,

dos alunos apresentariam desvantagens, resultantes de problemas de “deficiência cultural”,

“carência cultural”.

Uma terceira explicação é colocada em evidência a ideologia das diferenças culturais

onde os termos deficiência, privação, carência, remetem ao sentido de falha, falta, ausência;

as expressões deficiência cultural, privação cultural, carência cultural significam, falta ou

ausência de cultura.

É significativo verificar que os conceitos de “deficiência cultural”, “privação cultural”,

“carência cultural” tenham surgido exatamente em países em que essas características de

pluralismo cultural se somam à organização capitalista da sociedade.

A escola, como instituição a serviço da sociedade capitalista, assume e valoriza a

cultura das classes dominantes; assim, o aluno proveniente das classes dominadas nela

encontra padrões culturais que não são os seus. Padrões que são apresentados como “certos”,

enquanto os seus próprios padrões são ou ignorados como inexistentes, ou desprezados como

“errados”.

Esse aluno sofre, dessa forma, um processo de marginalização cultural e fracasso, não

por deficiências intelectuais ou culturais, como sugerem a ideologia do dom e a ideologia da

deficiência cultural, mas porque é diferente, como afirma a ideologia das diferenças culturais.

Em conseqüência, nesse quadro de confrontos culturais, a linguagem é também o fator de

maior relevância nas explicações do fracasso escolar das camadas populares.

É o uso da língua na escola que evidencia mais claramente as diferenças entre grupos

sociais e que gera discriminações e fracasso: o uso pelos alunos das camadas populares, de

variantes lingüísticas e leva a dificuldades de aprendizagem, já que a escola usa e quer ver

usada a variante-padrão socialmente prestigiada.

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2.1 Ciclo básico de alfabetização, uma saída para a diminuição da repetência?

Nos últimos tempos, a organização da escola em ciclos apareceu no cenário

educacional como uma espécie de solução perfeita para o problema do fracasso escolar.

No entender de Corina Dotti, “ao que tudo indica não estamos diante de mais um

modismo, mas de uma verdadeira alternativa de trabalho na perspectiva democracia de

educação” (2000, p. 01).

Como qualquer inovação, vem acompanhada de muita polêmica, falta de informação e

mesmo de equívocos tanto de concepção, quanto de implantação, deve se fazer algumas

reflexões sobre esta nova forma de conceber a organização escolar, sobretudo no sentido de

evitar que uma idéia tão boa seja distorcida”.

A organização da escola em ciclos implica fortíssimas rupturas, tanto administrativas,

como tempo, espaço, recursos, trabalho com a comunidade, processo de implantação, quanto

políticas, papel da escola, projeto educativo, éticas, pedagógicas e didáticas.

Significa quebrar a estrutura tradicional de seriação, que é um dos fundamentos da

lógica classificatória e excludente da escola, qual seja, é uma das formas privilegiadas de a

escola não ensinar e apesar disto, se sentir justificada.

Entende-se, segundo Corina Dotti (2000, p. 01), que “a proposta de ciclos é uma das

mais avançadas concepções de educação escolar, uma grande alternativa para a

organização do ensino” pois:

- Reconhece que as pessoas passam por diferentes fases no seu desenvolvimento, que

não correspondem a períodos curtos de um ano e, muitos menos, ao não do calendário

escolar.

- Corresponde a uma forma mais avançada de compreender o processo de

conhecimento, visto que o regime de seriação implica uma departamentalização

artificial dos saberes a própria definição rígida dos conteúdos para cada não letivo é

motivo de reprovação, cada série é um “estágio”, e o professor com receio que o aluno

não acompanhe o estágio seguinte, o retém.

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- Há uma continuidade nos estudos, não interrompendo o processo de desenvolvimento

e aprendizagem do aluno pela repetição mecânica da série.

- Abre-se a possibilidade de romper com a nota/conceito/menção como forma de

alienação da relação pedagógica.

- O mercado de trabalho está mudando, havendo exigência da ruptura com o modelo de

formação homem-máquina.

- Converge com uma intenção de democratização do ensino.

Esclarece Corina Dotti (2000, p. 02):

“É preciso ficar muito claro, no entanto, que o que está em questão não é absolutamente apenas o colocar fim à reprovação, seja no interior do ciclo ou na sua totalidade. Não temos dúvidas de que a reprovação é um nó que incomoda há pelo menos duzentos anos aqueles que sonham com uma educação democrática. Todavia, de nada adianta acabar com a reprovação se não for revista toda uma concepção de conhecimento, aprendizagem, desenvolvimento, currículo, ocupação do espaço e do tempo escolar”.

Porém, não basta apontar novas idéias, é preciso desmontar aquelas equivocadas já

instaladas. Esta concepção implica, entre outras coisas, remover o paradigma do ensino como

transmissão. O ciclo é incompatível com o esquema tradicional de ensino.

O tempo é outra questão que tem dimensão básica da aprendizagem. porém tem que

ser bem pensado, tem de ser um tempo, devidamente trabalhado rico em interações e

articulado a uma organização curricular cíclica, qual seja, os conteúdos não são trabalhados de

forma linear.

2.2 Aspectos relevantes acerca da repetência e evasão escolar1

Em 1970, a taxa de analfabetismo no Brasil registrada pelo Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística (IBGE) foi de 33,6% da população acima de 15 anos de idade.

Transcorridos quase trinta anos, este índice, em 1997, já havia recuado para 14,7%, o que

corresponde a cerca de 15,8 milhões de pessoas. Os dados revelam que, embora ainda não 1 Este tópico foi realizado a partir de um resumo de uma pesquisa feita pelo IBGE, os dados na íntegra encontram-se disponível no site do MEC.

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equacionada, a questão da educação no Brasil apresenta uma positiva e constante evolução,

resultado, em última instância, da conjugação de esforços entre o Governo, em seus diferentes

níveis, e a sociedade.

Na área do combate ao analfabetismo, a Comunidade Solidária instituiu, em janeiro de

1997, o projeto-piloto do "Programa Alfabetização Solidária", com o objetivo de alfabetizar

jovens de 12 a 18 anos, sem exclusão de adultos e priorizando as regiões com índice de

analfabetismo acima da média nacional. O Programa funciona por meio da divisão de custos

entre empresas privadas e o Ministério da Educação (MEC), o qual se encarrega do

fornecimento do material didático. Participam, igualmente, as universidades, incumbidas do

treinamento dos alfabetizadores (escolhidos entre os moradores dessas regiões), e as

prefeituras, as quais recrutam os alfabetizadores e fornecem as salas de aula. Entre janeiro de

1997 e junho de 1998, haviam sido alfabetizados 75.900 alunos.

Significativa prioridade tem sido concedida ao ensino fundamental. Em 1997, como

corolário da política nacional de educação, o Governo Federal lançou o Programa "Toda

Criança na Escola", no intuito de assegurar a universalização do acesso ao ensino. No

contexto do programa, o MEC realizou, em 1998, campanha para estimular a matrícula nas

escolas públicas.

De acordo com os dados do INEP, e em especial de sua publicação "Desempenho do

Sistema Educacional Brasileiro: 1994-1999", percebe-se uma evolução importante no tocante

ao ensino fundamental. O percentual de crianças na faixa etária de 7 a 14 anos atendidas pelo

ensino fundamental passou de 86,1%, em 1991, para 90,8%, em 1996, até atingir o índice de

95,5%, em 1999, fato que está a indicar que o Brasil se encontra próximo de garantir a

universalização do acesso à educação (considerados os alunos desta faixa etária que estudam

nos demais níveis de ensino, a taxa de atendimento escolar já atinge 96,2%). Em números

absolutos, o ensino fundamental possui 36,170 milhões de alunos.

Ademais da universalização do ensino, outra política que vem recebendo especial

atenção é a da regularização do fluxo escolar e diminuição da distorção idade/série. Como

resultado da instituição das "classes de aceleração da aprendizagem", tem-se procurado

reduzir as excessivas taxas de repetência verificadas, sobretudo, nas primeiras séries do

ensino fundamental. A gravidade do tema fica patente quando se observa que, em 1998, 24%

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de alunos do ensino fundamental possuíam 15 anos ou mais de idade e já deveriam estar

cursando o ensino médio. Notam-se, no entanto, avanços nesse campo, com a queda dos

índices de repetência e de evasão. Entre 1995 e 1997, a taxa de repetência caiu de 30,2% para

23,4% e a de evasão de 5,3% para 3,9%.

Como reflexo da queda da repetência e, portanto, da progressão de um maior número

de alunos em direção às classes mais avançadas, de 1998 para 1999, a matrícula no ensino

fundamental apresentou decréscimo de 1,5% nas quatro série iniciais e incremento de 4,8%

nas quatro séries finais.

O incremento dos índices de escolaridade no ensino fundamental tem gerado, por sua

vez, reflexos positivos sobre os demais níveis. No ensino médio, por exemplo, houve uma

expansão da taxa de matrículas da ordem de 11,5%, mantendo a tendência dos últimos quatro

anos. Por sua vez, a taxa de escolarização dos jovens de 15 a 17 anos evoluiu, naquele mesmo

período, de 22,7% para 32,6% (o Brasil possui, hoje, 7,8 milhões de alunos no nível médio).

A rapidez com que a matrícula no ensino médio se expande já faz o MEC prever a

possibilidade de que, em 2007, a taxa de escolarização dos jovens de 15 a 17 anos chegue a

cerca de 60%.

Não obstante os avanços registrados pelo Brasil no campo da educação, os desafios

ainda a serem superados não permitem afiançar que a questão seja de todo confortável.

Incorporar o restante da população compreendida pela faixa etária de 07 a 14 anos que

permanece fora da escola (cerca de 1,7 milhão de crianças) e criar as condições de

permanência e sucesso escolar (diminuindo as taxas de repetência e evasão) são tarefas que

ainda demandarão a continuidade e o aperfeiçoamento de políticas ora em curso.

No âmbito do Governo Federal, o Ministério da Educação vem implementando

inúmeros projetos com o fito de garantir a melhoria do ensino no país. Entre esses, encontra-

se o Programa de Garantia de Renda Mínima (PGRM), com o objetivo de incentivar,

mediante a complementação da renda das famílias carentes de municípios pobres, a

escolarização das crianças de 7 a 14 anos, procurando evitar que estas se vejam na

contingência de abandonar a escola para suplementar a renda familiar.

Ainda no contexto do combate ao trabalho infantil, destaca-se o Programa de

Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), promovido pela Secretaria de Estado de Assistência

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Social (SEAS), do Ministério da Previdência e Assistência Social, em coordenação com o

Ministério do Trabalho, Ministério Público do Trabalho, Governos estaduais e municipais e

Organizações Não-governamentais. Enquanto o PGRM encontra-se voltado, em princípio,

para a prevenção, o PETI tem por objetivo eliminar o trabalho infantil existente, em particular

em suas manifestações intoleráveis.

O programa visa ao (re)ingresso e à permanência da criança e do adolescente na

escola, por meio da concessão de uma bolsa às famílias, em geral moradoras de áreas rurais,

que firmam um compromisso de manter seus filhos longe do trabalho e de cumprirem uma

jornada complementar às aulas, que compreende atividades extracurriculares e de reforço

escolar.

A parceria entre Governo e entidades civis – as quais vêm desenvolvendo importantes

iniciativas no campo da educação e da eliminação do trabalho infantil, como a Fundação

ABRINQ - tem sido decisiva, nesses últimos anos, para reverter essa negativa herança social.

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CAPÍTULO III

AS AÇÕES DA ESCOLA PARA SUPERAR O FRACASSO ESCOLAR

A significativa parcela de alunos que apresentam defasagem de idade, em relação à

série em que estão matriculados, mostra que a repetência e suas causas constituem um

problema inadiável, a ser enfrentado pelas escolas e pela administração do sistema de ensino.

Na análise da defasagem, verifica-se que até a 4° série os índices aproximam-se dos

30%, a passam de 40% a partir da 5° série. Concentra-se nas regiões mais empobrecidas do

Estado, o que evidencia relações com uma problemática mais ampla, bastante conhecida e

muito complexa, cujos efeitos atingem a Rede Pública de Ensino.

A Secretaria de Estado da Educação entende que a Proposta Classes de Aceleração

pode desencadear uma série de medidas que precisam ser acionados para melhorar a

qualidade do atendimento escolar oferecido à população.

De acordo com Pernigotti (1999, p. 45)

“O que se pretende é recuperar a trajetória dos alunos em situação de defasagem, através da criação de classes que desenvolvam uma Proposta de Aceleração da aprendizagem, que lhes possibilite avanços reais, reintegrando-os no percurso regular do Ensino Fundamental. Ainda que o foco inicial desta Proposta seja a clientela das primeiras séries, as modificações deverão atingir, gradualmente, as séries finais do 1° Grau.”

Assim, nas etapas seguintes, será preciso localizar as séries a disciplinas que

apresentam congestionamento de fluxo, para construir uma nova proposta que seja um

desdobramento das classes iniciais de aceleração.

23

Para que esta Proposta atinja seus objetivos de forma competente a possibilite que os

alunos sejam promovidos para séries mais adiantadas e adequadas à sua idade, é preciso que

se parta de um entendimento claro a respeito dessa situação, no que se refere às condições dos

alunos a ao contexto escolar.

Há que se observar cuidadosamente essas crianças e jovens, e o seu desempenho,

procurando afastar possíveis rótulos que já carreguem, a compreender as suas dificuldades

escolares de uma perspectiva pedagógica. Significa dizer que condições de vida, por exemplo,

explicam determinadas atuações escolares desses alunos, mas não justificam um rendimento

insatisfatório e, muito menos, um trabalho pedagógico insuficiente.

Condições desfavoráveis de vida já são, por si sós, fatores sociais suficientes para

impedir o acesso a muitos benefícios e direitos, sem que seja necessário à escola reforçar

estigmas e criar novos obstáculos aos projetos de vida de sua clientela e de suas famílias. Com

todas as adversidades de sua história, essas crianças e jovens conseguiram chegar à escola,

sabendo comunicar-se, correr e brincar, tendo desenvolvido recursos pessoais que lhes

permitem enfrentar dificuldades, resolver muitos problemas a até trabalhar, contribuindo para

o sustento das famílias.

Por isso, é muito importante compreender cada um e sua situação para localizar

necessidade de atendimento e adequar o processo pedagógico, a fim de que todos possam

receber ensino de boa qualidade e ter chances reais de sucesso.

É sabido que a escola faz parte das instituições criadas ou mantidas pela sociedade

para acolher e formar as novas gerações, que deverão preservar as suas conquistas e o seu

patrimônio cultural, e, ao mesmo tempo, produzir transformações necessárias à melhoria de

vida do grupo social. Para esse esforço coletivo, não se justificaria deixar de lado e sem o

devido atendimento um número considerável de crianças e jovens que, por direito, são

sujeitos, isto é, partícipes da construção e reconstrução sociais.

Os grupos sociais mais pobres, que constituem a maioria de nossa população, buscam

formação escolar para seus filhos, contando com o trabalho da Escola Pública como parte de

um projeto de melhoria de vida. Na escola, índices alarmantes de exclusão e seletividade

24

atestam que a resposta a essa busca tem confirmado o "destino" socialmente produzido destas

pessoas, pelo qual ficam reduzidas as suas . aspirações a expectativas.

Uma instituição como a Escola Pública, aberta à população, não poderia desistir de

seus alunos, ainda quando não apresentem as condições tidas como facilitadoras da

aprendizagem escolar. O que se verifica, entretanto, é uma relevante perda de alunos,

ocasionada, principalmente, pela repetência.

Segundo Patto (1999, p. 63),

“Ano após ano, muitos dos repetentes deixam a escola, diminuindo o número dos que conseguem chegar até a 8° série do Ensino Fundamental, enquanto outros continuam a freqüentá-la pela merenda, pela convivência e por um pouco de esperança de que alguma coisa melhor lhes possa acontecer. Estes alunos repetentes, que permanecem, congestionam o fluxo, prejudicando o processo de atendimento; ao mesmo tempo, expõem a fragilidade do sistema de ensino, que produz o seu próprio fracasso, inviabilizando a realização da função social que lhe cabe. Sem desconsiderar as questões estruturais mais amplas, pode-se afirmar que a produção do fracasso também tem origem no interior da escola, e um de seus focos é a não adequação da proposta de ensino à clientela.”

Adequar a proposta significa não o rebaixamento das expectativas, mas a organização

de um enfoque nítido, que parta das necessidades dos alunos, da criação de condições

favoráveis a de uma sistemática de avaliação do trabalho desenvolvido que não considere

apenas a quantidade de informações devolvidas em provas de verificação. Tradicionalmente,

entretanto, vem sendo observado um desequilíbrio nesse aspecto, como mostram estudos da

história das disciplinas escolares. Sabe-se da importância de considerar a realidade e as

diferenças entre os alunos; afirma-se a possibilidade de toda criança aprender; no entanto, ao

selecionar a programação e os parâmetros de promoção, a escola determina um nível ideal de

aquisições possível de ser alcançado somente por uma parte dos alunos.

Assim, se por um lado temos os alunos e suas possíveis dificuldades, por outro temos

um contexto escolar que precisa ser alterado, no sentido de adequar a sua proposta a tornar-se

mais estimulante, para favorecer a ocorrência de aprendizagens, acolhendo e acreditando nas

possibilidades de avanço desses alunos.

25

Como transformar, então, crianças estrangeiras à cultura escolar em alunos motivados,

ativos e produtivos, com bom rendimento, atingindo e até superando expectativas? Se esse

desafio for vencido, a escola não será mais a mesma, pois aprenderá a trabalhar as questões de

conhecimento a aprendizagem de forma viva e realmente adequada às condições dos alunos -

gente jovem, que não consegue aprender ficando sentada horas a fio, sem conversar, sem

perguntar, sem entender o nexo que liga sua vida à situação escolar e aos conteúdos de ensino.

Importa lembrar que a organização necessária para que ocorram as aprendizagens escolares -

aprendizagens que não são espontâneas, isto é, exigem condições especiais - não pode

significar opressão, peso, memorização de coisas sem sentido, formalismo, rigidez.

Ao contrário, ela deve ser flexível, permitir descontração, estimular esforços e

tentativas, desenvolver o espírito de persistência, os sentimentos de autoconfiança e

cooperação; deve, enfim, estar a serviço de um clima estimulante ao trabalho intelectual, que

é próprio da escola.

Com clareza a respeito de seu trabalho específico, do que podem oferecer como

resposta às expectativas e necessidades da clientela real de cada uma de nossas escolas, os

seus educadores poderão organizar e realizar um trabalho novo, a favor de todos os alunos. O

trabalho da escola é trabalho com o conhecimento, e isso é mais do que fornecer ferramentas

para entender o mundo, porque conhecer é também um processo de fortalecimento, de

ampliação de visão e de possibilidade de atuação das pessoas no meio físico a social.

Uma proposta com este referencial precisa ser clara e planejada em suas várias

dimensões, para que consiga eliminar, em suas raízes, os obstáculos que vêm impedindo o

fluxo de 1ª a 8ª série, desmontando a cultura da repetência e instalando definitivamente a

cultura da aprendizagem escolar.

3.1 Linhas gerais

É preciso juntar objetividade e sonho, para que se possa ver cada aluno com um olhar

novo, percebendo-o como alguém que está hoje conosco, mas pertence ao futuro. E tem o

direito de aproveitar ao máximo este seu tempo de escola para adquirir ferramentas que o

26

ajudem no processo de compreensão do mundo, de participação social e construção de uma

realidade que ainda não existe.

Assumir o compromisso com a aprendizagem dos alunos que estacionaram no

percurso significa que a escola passa a se empenhar para que eles adquiram os instrumentos

que ela guarda, os quais podem contribuir para que consigam uma inserção mais satisfatória

em seu tempo, em sua realidade.

Se é assim, esses instrumentos, concretizados na proposta curricular da escola,

constituem um núcleo privilegiado para a revisão do que seria realmente indispensável

assegurar nesta retomada do percurso de aprendizagem com os alunos em defasagem idade-

série. Por esse caminho, serão inevitavelmente encontrados alguns pontos de chegada, bem

claros, como parâmetros primeiros, necessários mas não suficientes para estruturar uma

proposta pedagógica significativa e relevante.

Neste sentido, conforme os apontamentos de Pernigotti (1999), será preciso:

· priorizar princípios e delinear um certo padrão metodológico favorável à mobilização de

interesses e participação no processo de ensino-aprendizagem, de forma a enfatizar processos

de conhecimento e desenvolver sentimentos de segurança e auto-estima nos alunos;

· detalhar alvos ou pontos de chegada, explicitando os conteúdos em termos de concertos,

habilidades, operações de pensamento, hábitos ou valores, e também especificando as

diferentes dimensões ou níveis de sua aquisição;

· conhecer os alunos em suas semelhanças e especificidades, para organizar formas de

trabalho que possam atendê-los individualmente, em pequenos grupos e no conjunto do

grupo-classe.

Esses parâmetros possibilitam elaborar uma nova programação para essas classes, que

só será inovadora se partir realmente das condições e aprendizagens prévias dos alunos,

integrando tais características a seus interesses no processo de ensino-aprendizagem. Isto

ainda não se fez, certamente, de modo consistente e organizado. Os professores partirão de

uma referência conhecida, uma vez que esta se apóia no referencial das propostas curriculares

em vigor na Rede.

27

A escolha dessas propostas como referências centrais respeita o caminho de

reformulação curricular, percorrido pelo sistema estadual de ensino, considerando

desnecessário reinventar e recomeçar, uma vez que já se conta com bons instrumentos para

nortear o trabalho curricular no Ensino Fundamental. Além das propostas dos componentes

curriculares, consideram-se os parâmetros presentes no documento da proposta pedagógica

para a Pré-escola e as orientações curriculares da atual administração".

3.2 Princípios teórico-metodológicos

Para chamar e atrair os alunos, incluindo-os no processo pedagógico, com

probabilidade significativa de sucesso, esta Proposta tem como pressupostos uma visão

positiva das possibilidades dos alunos e uma aposta no crescimento da competência da escola.

Identificadas as necessidades dos alunos, o trabalho deverá desenvolver-se de maneira

flexível, mas sem desvios de rumo, dentro de um padrão metodológico que se sustente em

princípios norteadores claros. Assim, mobilizar interesses, ativar a participação, desafiar o

pensamento, instalar o entusiasmo e a confiança, possibilitar acertos, valorizar os avanços e

melhorar a auto-estima passam a ser diretrizes da atuação do professor, numa busca de tornar

significativo o processo de ensino-aprendizagem.

Como se sabe, o clima de entusiasmo e realização de atividades variadas não garantem

alterações profundas no trabalho da sala de aula. Se estiver presente uma concepção de

conhecimento e aprendizagem baseada apenas em transmissão e memorização, o ensino se

encaminha nessa direção. Podem ocorrer discussões ou trabalhos em grupo, mas continuam

com peso maior os pontos na lousa, os questionários e os resumos dos livros didáticos.

O processo ensino-aprendizagem só se modifica de fato quando se compreende o

conhecimento como um processo dinâmico, vivo, de interações entre o sujeito que conhece e

o objeto a ser conhecido; trata-se de relações em que intervêm o sujeito, com seu

conhecimento anterior, e mais todo o ambiente social, incluindo as outras pessoas e os todos

novos. Nesse movimento de relações, modificam-se o sujeito e seu equipamento cognitivo,

assim como se modifica o que já existe, uma vez que o objeto de conhecimento passa a ter

significado, não é mais o mesmo, tem a marca do sujeito conhecedor.

28

Também o conhecimento socialmente acumulado e sistematizado tem marcas de seu

tempo e das necessidades do grupo social que o construiu. A simples transmissão trata esses

dados como prontos e absolutos, externos ao aluno: conseqüentemente, estimula apenas a

memorização, o desinteresse, a passividade e a submissão, criando obstáculos ao pensamento

criador. A transmissão e os livros didáticos têm o seu lugar no processo, mas não são

suficientes, assim como os procedimentos técnicos que, embora necessários, não realizam

milagres no ensino (Machado, 1999).

E mais, não baste apenas saber que a aprendizagem se dá por construção e interação. O

professor tem de ser também um conhecedor, buscando compreender a interação dos

fenômenos da realidade e a construção do conhecimento sistematizado como um processo

histórico-social, que o leva a apreender as ciências não mais como blocos fechados de

verdades prontas; ele tem de realizar o seu próprio movimento de elaboração, apropriando-se

dos aspectos relevantes dos assuntos, ordenando a compreensão da realidade com a ajuda do

novo conteúdo, dando maior sentido a seu próprio repertório de significados ou a aspectos da

realidade mais ampla. Aí o conteúdo é seu, a ele sabe selecionar, dosar e propor.

Ao proporcionar reais interações com o conhecimento nas situações de ensino-

aprendizagem que organiza, o professor possibilita um caminho de elaboração e apropriação

aos alunos, realizando na prática a ligação que se afirma existir entre conteúdo e forma no

tratamento do currículo.

Estes princípios gerais deverão nortear a organização das situações de aprendizagem

para as Classes de Aceleração, possibilitando que os alunos vivenciem situações vivas e ricas

de conhecimento, com múltiplas oportunidades de diálogo e expressão, interação grupal,

experimentação a manipulação de materiais, a possibilidades de observar, indagar, tirar

conclusões, organizar dados, discutir regras de trabalho e normas disciplinares.

Conteúdo e forma devem ser planejados, portanto, em estreita articulação, a fim de

garantir o domínio de conceitos e habilidades básicas, relativas ao processo de leitura e

escrita, às operações matemáticas e à compreensão do meio ambiente e da realidade sócio-

cultural, com auxílio dos parâmetros oferecidos pelos componentes curriculares do Núcleo

Comum.

29

3.3 Alvos a atingir

O estabelecimento de alvos de aprendizagem ou pontos de chegada exige a retomada

do que se pretende atingir com o Ensino Fundamental, de oito anos, para propor, então, o

indispensável a ser desenvolvido até o final do bloco de quatro anos, tempo em que o aluno

participa de um trabalho pedagógico mais geral, articulado por um professor principal, que

atua de forma polivalente. Outro aspecto a considerar é a necessidade de que se garantam

possibilidades de seqüência, o que pressupõe o planejamento de aprendizagens facilitadoras

do trabalho subseqüente e mais específico, por disciplinas; e, além disso, há implicações no

trabalho das séries seguintes, com vistas a impedir que especificidade se traduza em total

dissociação e fragmentação, como se verifica freqüentemente na prática.

Por isso, há necessidade do envolvimento de toda a equipe escolar, para a elaboração

de uma proposta integrada ao projeto da escola e direcionada à busca das aprendizagens

fundamentais, partindo de fato do ponto em que os alunos estão, para daí prosseguir, dando

impulso e continuidade ao processo de ensino-aprendìzagem.

3.4 Os alunos a serem atendidos: o grupo-classe

A caracterização inicial do grupo de alunos deverá permitir o conhecimento daquilo

que já conseguiram atingir, do que falta e ainda deve ser trabalhado, bem como das

dificuldades de aprendizagem que apresentam. Esse grupo, provavelmente, será heterogêneo

em termos de percurso escolar, aquisições realizadas, interesses e idade, e terá em comum o

seu distanciamento em relação à proposta da escola e uma grande necessidade de estímulo e

de confiança em suas possibilidades de aprender a avançar.

O grupo formado deve ser visto não como classe multisseriada, mas como uma classe

bastante heterogênea e diferenciada, que deverá atingir novos patamares de conhecimento,

através de um trabalho especial, de ensino intensivo e de estímulo ao processo de

aprendizagem. É uma classe nova, sem rótulos ou classificações prévias, exigindo que se dê

lugar ao aspecto lúdico e ao trabalho sério e exigente, que não infantiliza, não subestima, mas

consegue acolher as diferenças e atender às dificuldades.

30

Considerando o grupo de alunos, a programação a ser elaborada pelo professor deve:

· ser única para toda a classe e, ao mesmo tempo, apresentar várias possibilidades de

exploração e de aprofundamento, através de atividades diversificadas, que atendam às

diferenças de aproveitamento dos alunos;

· constituir-se em torno dos aspectos nodais e essenciais a serem atingidos até o final das

quatro primeiras séries, quando se desenvolve um nível de aprendizagem geral, básico,

introdutório e sem exigência de muito rigor de sistematização;

· ter em vista a formação de conceitos e habilidades socialmente relevantes e necessários à

reintegração dos alunos no processo regular;

· favorecer o tratamento articulado dos diversos componentes curriculares, estabelecendo

eixos nítidos de estruturação dos conteúdos, de organização metodológica e de avaliação;

· possibilitar um trabalho vivo de conhecimento, sustentado na interação, construindo uma

pedagogia envolvente, participativa, menos mecânica e mais humanizada.

Tudo isso recupera o sentido do ensinar, ou seja, do ato de organizar, articular e

apresentar os conteúdos para que possam ser aprendidos realmente. Ensinar exige, ainda, criar

situações para as crianças interagirem entre si e com os conteúdos de ensino, sob orientação

do professor; significa prever e organizar tais situações, cuidando, inclusive, da utilização do

espaço da sala de aula a da distribuição das atividades no tempo.

3.5 Vinculando as classes de aceleração às propostas curriculares

O que se espera do trabalho com o conhecimento realizado pela escola é que possa

tornar as pessoas mais equipadas para decifrar e utilizar códigos e linguagens socialmente

indispensáveis, para ampliar a compreensão e perceber-se no contexto sócio-espaço-temporal.

Códigos, linguagens, informações, conceitos e habilidades cognitivas são instrumentos

importantes para a decifração e compreensão integradas do mundo, que é muito mais

complexo do que se apreende pelo senso comum, pelo raciocínio mágico ou pelo horizonte da

opinião e do ouvir dizer.

Decifrar o mundo é um direito dos que chegam, de todos aqueles que são os mais

novos e vão construir o futuro. Isso se traduz em tornar-se para sempre decifrador, curioso e

31

investigador, ou seja, um conhecedor; alguém que duvida, pergunta e busca respostas, que

pode espantar-se, enfurecer-se e até maravilhar-se com a vida.

A decifração do mundo se faz graças à leitura e à escrita, nesta sociedade que escreve

o seu saber; depende do entendimento das quantidades, das medidas, dos índices e das formas

que organizam a ciência e a sociedade; significa desvendar a organização da cidade, do país,

do planeta, das relações de poder, dos vínculos e acordos entre as pessoas, e também chegar à

compreensão integrada do meio ambiente, da vida, do papel da ciência e da tecnologia.

Para estabelecer e organizar a proposta nessa direção, é preciso considerar os demais

parâmetros já existentes na escola. As orientações atuais da Secretaria da Educação para o

Ensino Fundamental, no que se refere às séries iniciais, indicam que seu currículo deve

garantir à criança as aprendizagens necessárias:

"... para compreender e utilizar o sistema alfabético da escrita, desenvolver a competência de produtor e leitor de textos; para realizar contagens, compreender a utilizar as operações básicas em situações problema e desenvolver noções de espaço e forma; para compreender a organização funcional do mundo natural e a participação/interferência do ser humano nessa organização; para reconhecer que o espaço em que vive é produzido pela sociedade quando esta se apropria da natureza pelo trabalho; para compreender a organização social em que está inserida e a de outras épocas; para reconhecer, apreciar e produzir as linguagens visual, musical, corporal e teatral." (PCN, 2000)

Rede Estadual, que se articulam a tais diretrizes, são direcionadas no sentido de

possibilitar ao aluno o desvendamento do mundo, estimulando o seu processo pessoal de

conhecimento. Nelas, a indicação de conteúdos revela uma escolha baseada em critérios de

relevância social e no caráter histórico do conhecimento sistematizado; essa própria seleção se

atrela a uma concepção de aprendizagem e de ensino que se sustenta na interação entre os

agentes envolvidos, os dados da realidade e o conhecimento sistematizado. As metodologias

de ensino sugeridas nas propostas consideram as relações entre os conteúdos trabalhados e o

grupo de alunos, em seu contexto social e escolar.

32

É indispensável ter presente a necessidade de estreita articulação entre concepção de

educação, objetivos, conteúdos de ensino e formas de ensinar, ao se organizar o trabalho com

as Classes de Aceleração, para as quais se exige real integração curricular.

As propostas dos vários componentes, indicadas adiante, e que se apóiam nessas

referências, devem ser relacionadas entre si, a partir de seus núcleos centrais, para auxiliar o

professor na organização de uma proposta integrada de ensino. Todas elas apontam para onde

se quer chegar e dão pistas para o acompanhamento do desempenho dos alunos, propondo

trabalho interativo, rico e diversificado de aprendizagem. Apresentam uma concepção

ampliada a respeito de conteúdos, incluindo no elenco do que se pretende ensinar aqueles que

são específicos das disciplinas e uma série de habilidades cognitivas. Partem de núcleos

conceituais ou eixos centrais, que assim se explicitam:

· Leitura e Produção de Textos. (Língua Portuguesa)

· Resolução de Problemas em Números, Medidas e Geometria. (Matemática)

· O Ambiente, nos seus enfoques de matéria, energia, seres vivos e Terra como planeta,

considerando os componentes, os fenômenos e as interações entre eles e com o homem.

(Ciências)

· Espaço geográfico, nas suas relações com o homem, a natureza e o trabalho. (Geografia)

· Espaço social e a construção da História. (História)

· As Linguagens Expressivas - artes plásticas, teatro, música e dança -, considerando a

produção artística e a prática ou criação/expressão nessas linguagens. (Educação Artística)

· A Cultura Corporal, enquanto conhecimento teórico-prático, em suas formas de ginástica,

dança e, sobretudo, de esporte. (Educação Física)

Esses eixos permanecem como norte, detalhando-se em conteúdos a situações de

ensino-aprendizagem, e estabelecendo sua estreita relação. Assim, por exemplo, no caso de

Ciências, os itens de conteúdo sugeridos articulam-se na relação que guardam com a

compreensão integrada e relacional do Ambiente; todos e cada um dos bens devem ser

tratados nos enfoques ou modos inter-relacionados de sua organização no ambiente - como

matéria, energia ou seres vivos, e na Terra como planeta. A seqüência ou complexidade da

programação vai depender de sua evolução no grupo-classe, e as situações sugeridas para o

trabalho com os conteúdos são coerentes com o modo de conceber sua aprendizagem.

33

É preciso assegurar os nexos articuladores das propostas, expressos em seus núcleos

centrais e em outros pontos comuns de sustentação. Enfatiza-se muito, por exemplo, o que se

refere aos pontos de partida da aprendizagem escolar - o cotidiano das crianças, o seu espaço,

a sua linguagem e as suas formas de entendimento, as relações sociais de que participa. O

tratamento dado a essas questões deve ser de ponto de partida, indo muito além do que seria

apenas um estudo do que está próximo do aluno; interessa ressaltar as relações entre esses

elementos mais próximos e os fenômenos ou processos globais. Assim, quando a proposta de

Geografia recomenda tomar o percurso do aluno, de casa à escola, ou observar as atividades

comerciais que acontecem próximo da escola, o que está em jogo não é uma simples

constatação do que já se sabe, mas um reconhecimento desses dados, no contexto de

aprendizagem da localização espacial e da circulação e produção relacionadas ao espaço

urbano. Descolar-se do senso comum, da apreensão imediata, para atingir uma visão mais

integrada, com base no conhecimento sistematizado, exige que se estabeleçam nexos de

articulação e significado com as condições de partida dos alunos.

Faz sentido acentuar esses pontos, pois se está defendendo um ensino que parta com

os alunos, do seu real contexto de aprendizagem, sem permanecer apenas em torno do

cotidiano. Nesse sentido, as propostas indicam caminhos para tomar o mais próximo e

imediato como referência inicial, o que é indispensável nas Classes de Aceleração, com

alunos que precisarão estabelecer vínculos e descobrir significados novos, em relação à

situação escolar. Sua reintegração ao processo de ensino-aprendizagem pede integração

pessoal, o que requer, inclusive, trazer o que já conhecem para ser retomado e reconhecido.

Além disso, a chamada dos dados imediatos deve ser compreendida e contextualizada

no quadro de formação dos conceitos, distribuída ao longo do Ensino Fundamental, de oito

anos. Os alunos devem ser re-encaminhados para uma fase em que a sistematização e a

formalização dos conceitos estarão em início de processo. Isso exige que a passagem do

contexto imediato para o mais amplo seja trabalhada nas Classes de Aceleração.

Essa passagem pode ser esclarecida nas propostas dos vários componentes

curriculares. Na de Ciências, conceitos como densidade, por exemplo, são tratados, de início,

através de comparações entre massa e volume de diferentes objetos conhecidos;

posteriormente, experimentando fazer afundar e flutuar uma série de objetos na água,

34

seguindo-se de previsões e explicações provisórias; nas séries finais é que se chega a

estabelecer e formalizar a relação entre massa e volume dos objetos.

Nessa ótica, entende-se que o processo de conhecimento, que não é linear, cresce em

complexidade, sendo acompanhado pela seqüência de programação que se desenha para as

oito séries. Organizar a aprendizagem escolar como um processo de entendimento em

complexidade crescente tem produzido algumas interpretações equivocadas, como a

necessidade de pré-requisitos associados à seriação, o que estabelece padrões rígidos de

seqüência, dificultando o acompanhamento do processo de aprendizagem dos alunos. Uma

interpretação mais coerente associa aumento de complexidade à idéia de continuidade dos

alunos no processo, recomeçando do ponto em que pararam, o que torna o processo

pedagógico mais inteiro e competente.

Esta modalidade de organização curricular também pode ser compreendida de modo

confuso, quando a sequenciação dos conteúdos e seus níveis de complexidade são

mecanicamente referidos a necessidades das fases de desenvolvimento cognitivo, em que

supostamente estariam os alunos. Com os alunos das Classes de Aceleração, melhor não partir

de suposições em nome de sua idade ou dos anos na escola. Suas reais condições deverão ser

conhecidas no trabalho pedagógico, de modo que a complexidade crescente, colocada

inicialmente como exigência lógica de disposição dos conteúdos, seja operacionalizada e

significada nas condições reais, diante do grande parâmetro didático representado pelos

alunos, suas características e necessidades concretas.

As propostas dos componentes específicos são apresentadas como parâmetros ou

referenciais a serem flexibilizados e vivificados no trabalho de sala de aula, oferecendo pistas

de caminho e de chegada, para orientar o planejamento e a avaliação. Sabendo-se aonde se

quer chegar, torna-se possível dosar a seqüência, acompanhar o percurso e fazer correções de

rumo, quando necessário. Nesse sentido, a programação será organizada a partir de seus eixos

centrais, que se integram no parâmetro mais geral, que é o de reintegração dos alunos no

processo de aprendizagem e a sua compreensão cada vez mais relacional a integrada da

realidade.

O que constitui a realidade é o ambiente, o espaço, o tempo, as relações sociais, as

quantidades, as formas, as linguagens. O professor é chamado a realizar a sua aventura de

35

conhecedor junto com os alunos, inaugurando caminhos e perguntas, valendo-se dos

diferentes conteúdos. Nesta perspectiva, trabalhar em cada componente curricular significa

não retalhar o conhecimento, mas deter-se para a análise diferenciada de questões suscitadas

por perguntas reais, do professor e dos alunos, em sua busca de sentido para o que está

presente neste mundo.

3.6 A avaliação na classe de aceleração

No contexto do projeto da classe de avaliação é concebida como um instrumento para

ajudar o aluno a aprender e faz parte integrante do trabalho realizado em sala de aula. A partir

dela, o professor pode rever os procedimentos que vem utilizando e replanejar o trabalho.

Para o aluno, ela permite perceber os avanços e dificuldades. Tem assim, uma função

permanente de diagnóstico e acompanhamento do processo ensino-aprendizagem (Secretaria

de Educação e Esportes, 1996).

Nessa concepção, o professor assume o papel de um pesquisador que investiga quais

problemas os alunos enfrentam e porquê. Assim, percebe o que não entenderam bem, por que

fizeram esta ou aquela interpretação, por que cometeram este ou aquele engano.

Dessa forma, na classe de aceleração, a avaliação acontece intimamente vinculada às

atividades do dia-a-dia, possibilitando a reflexão contínua sobre o processo de aprendizagem.

No entanto, é necessário haver também momentos específicos, previstos no calendário, para

fazer um balanço geral do trabalho, uma síntese do desempenho dos alunos, da classe e do

professor, ao longo de um certo período.

Nesta abordagem, pois, a avaliação é concebida e usada a favor da aprendizagem do

aluno, como instrumento auxiliar do trabalho do professor, processando-se continuamente

com a função de diagnósticos e acompanhamento.

36

3.7 O aluno defasado e sua auto-estima

Um elevado número de crianças apresenta-se defasado em relação à série escolar e

idade cronológica. Muitos fatores, tanto ambientais quanto individuais, estão envolvidos no

processo educacional. O grupo social imediato do indivíduo – a família - influencia o

processo educacional formal, seja através do nível sócio-econômico e cultural, ou mesmo da

escolarização dos elementos da família, da valorização dada por essa ao ensino formal e à

exposição da criança ao estresse por excesso de atividades programadas. Maturano (1999)

lembra a influência do envolvimento dos pais, estilos parentais e organização do lar no

sucesso do processo educacional formal.

Os professores devem atuar, no processo ensino-aprendizagem, no sentido de

encorajar os alunos a propor soluções, explorar possibilidades, levantar hipóteses, justificar

seu raciocínio e validar suas próprias conclusões.

A autonomia é estimulada e os erros passam a fazer parte do processo de

aprendizagem, devendo ser explorados e utilizados de maneira a gerar novos conhecimentos,

novas questões e novas investigações num processo permanente de aprimoramento das idéias

discutidas. O aluno ao agir, discutir, decidir, realizar, avaliar, junto com seu grupo, irá

adquirir condições de vivenciar situações favoráveis para a aprendizagem, além de uma busca

contínua por novos conhecimentos. Dessa maneira, o vivido na escola por crianças e jovens,

desenvolve alunos autônomos social e intelectualmente, engajados e competentes,

direcionando-os para a conquista da cidadania.

Olhando para o próprio adolescente, os fatores internos mais associados ao fracasso

escolar são os relativos a aspectos orgânicos (como algumas disfunções neurológicas),

cognitivos e/ou afetivos (Jacob et al, 1999).

O rebaixamento cognitivo definido como retardo mental,

"é um funcionamento intelectual inferior à média, acompanhado de limitações significativas no funcionamento adaptativo em pelo menos duas das seguintes áreas de habilidades: comunicação, autocuidados, vida doméstica, habilidades sociais/interpessoais, uso de recursos

37

comunitários, auto-suficiência, habilidades acadêmicas, trabalho, lazer, saúde e segurança" (DSM-IV, 39).

Do ponto de vista do ambiente, marcamos a influência dos elementos ideológicos,

políticos e sociais referentes à qualidade do ensino, ao papel da escola e sua importância na

vida do adolescente, e a qualidade da formação dos professores, tanto no que se refere ao uso

de métodos e técnicas educacionais dentro da sala de aula, quanto ao conteúdo a ser

trabalhado.

Maia, Pereira e Souza (1999) consideram a escola como um fator determinante do

fracasso escolar, especialmente por causa de seus métodos de ensino. O fracasso escolar,

manifestado por repetências de séries ou mesmo pelo abandono da escola, é discutido no

aspecto sócio-político, porém revelado concretamente, no aluno, pela dificuldade em

aprender, especialmente a leitura e a escrita no processo inicial de alfabetização.

Observando atentamente os suportes dados aos professores, tanto por órgãos

governamentais, quanto pela iniciativa privada (programas de televisão, revistas), estes são

principalmente dirigidos à primeira fase do ensino fundamental, enfatizando-se a

alfabetização.

A auto-estima do repetente precisa ser estimulada. Mas o professor não pode se limitar

a encorajá-lo. O estudante só se sente seguro quando consegue cumprir tarefas. É um erro

exigir menos dos alunos defasados por achar que eles são problemáticos.

Para saber como o estudante evolui, é preciso avaliar o desempenho dele em cada

atividade. Isso exige enorme atenção do professor. E não basta ver se o aluno acertou: é

preciso saber que habilidade e raciocínio ele demonstrou.

Conversar com os pais e pedir o apoio deles para conferir tarefas e incentivar os filhos

a estudar. Antes de qualquer coisa, a família deve acreditar que o aluno é capaz de aprender.

38

CONCLUSÃO

Principal responsável no Brasil pela falta de vagas nas séries iniciais do ensino

fundamental e pela evasão escolar, o problema da repetência está sendo enfrentado com uma

série de ações eficazes. Uma delas é o Programa de Aceleração de Aprendizagem. Criado

pelo Ministério da Educação em 1997, ele procura nivelar o aluno à série correspondente à

sua idade, permitindo- lhe saltar com segurança várias classes em um ano de estudos.

A iniciativa propagou-se por todos os Estados, atraiu parceiros e indica que podemos

vencer a cultura do fracasso escolar e todas as perdas e danos que traz ao País. Era hora. Por

conta dessa fracassomania, agora em xeque, milhões de alunos introjetavam uma derrota que

não era sua e deixavam a escola, milhares de professores se frustravam em seu ofício e os

governos desperdiçavam vastos recursos financeiros e técnicos.

Dados coletados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (Inep), em 1996,

praticamente impuseram a aceleração. Eles mostravam que os alunos levavam em média 11

anos para concluir as oito séries do ensino fundamental. Muitos gastavam 15 anos, o que

acentuou a urgência do programa, agora tomando proporções nas redes de ensino.

Esse intolerável cenário fomentador do chamado "caldeirão social", responsável em

boa parte pelo cinturão de pobreza e violência nas cidades, é enfrentado hoje com a

aceleração, especificamente, em cerca de um quinto dos municípios brasileiros. Cerca de 800

prefeituras adotaram essas turmas e, de acordo com o Inep, o número de alunos nelas

atendidos chegou a 1,2 milhão no ano passado, devendo aumentar muito este ano. Quando

não saltam de vez todos os anos perdidos, os alunos avançam um, dois anos, mas recuperam a

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auto-estima e prosseguem estudando, os professores se enriquecem ao descobrir novas formas

de ensinar e o sistema se credencia, oferecendo vagas à demanda crescente.

Um programa revolucionário como é o da aceleração mexe com antigas concepções e

estruturas de ensino. Mas prova que pode dar certo, porque, em primeiro lugar, é o professor,

e não o aluno, o principal responsável pelo sucesso ou insucesso escolar. Depois, porque a

aceleração, que deixará de ter caráter emergencial à medida que o êxito cresça nas classes

regulares, obedece a uma metodologia que promove com responsabilidade. Terceiro, porque o

aluno consegue, sim, aprender rápido, se contar com professores dispostos a superar limites

pedagógicos e se desfrutar da viva colaboração da família.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ANEXOS