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UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL ALANA MICHELLI BOF O VALOR DO JORNALISMO CULTURAL NO BRASIL O CASE DA REVISTA BRAVO! Caxias do Sul 2015

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UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL

ALANA MICHELLI BOF

O VALOR DO JORNALISMO CULTURAL NO BRASIL – O CASE DA REVISTA BRAVO!

Caxias do Sul 2015

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ALANA MICHELLI BOF

O VALOR DO JORNALISMO CULTURAL NO BRASIL – O CASE DA REVISTA BRAVO!

Trabalho de Conclusão de Curso para obtenção do grau de bacharel em Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo da Universidade de Caxias do Sul.

Orientador: Paulo Ribeiro

Caxias do Sul 2015

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ALANA MICHELLI BOF

O VALOR DO JORNALISMO CULTURAL NO BRASIL – O CASE DA REVISTA BRAVO!

Trabalho de Conclusão de Curso para obtenção do grau de bacharel em Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo da Universidade de Caxias do Sul. Aprovado em ___/12/2015

Banca Examinadora ________________________________ Prof. Dr. Paulo Ricardo Ribeiro Universidade de Caxias do Sul - UCS ________________________________ Prof. Dra. Alessandra Paula Rech Universidade de Caxias do Sul – UCS _________________________________ Prof. Dra. Ivana Almeida da Silva Universidade de Caxias do Sul - UCS

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente aos meus pais, Angela Maria Michelli e Alvaro

Antônio Bof, por terem desde sempre me incentivado a ter um apreço especial pela

cultura de uma maneira geral. Um agradecimento especial à minha mãe por ter ido

até Porto Alegre comigo para peregrinar em diversos sebos as edições de Bravo!

que faltavam para a realização deste trabalho. Agradeço também a minha tia,

Alvana Maria Bof por, mesmo de longe, ter me incentivado a conhecer as culturas de

diversos países, por meio dos cartões postais enviados de diferentes lugares,

quando eu era criança, e também por me levar em algumas dessas viagens.

Agradeço aos meus amigos, em especial à Luisa Biondo por ter dividido

comigo as aflições, dúvidas e realizações no período de execução da monografia, à

Andressa Lima pelo auxílio e à Maiara Calgaro pelas dicas de uma monografia nota

10.

Agradeço também aos ex editores de Bravo!, Armando Antenore e Luiz

Felipe D’Avila, pelas entrevistas concedidas que contribuíram muito e foram

essenciais para a execução desse trabalho de pesquisa.

E por fim, agradeço a todos os meus professores, desde o período escolar

até o acadêmico, que foram essenciais para que eu chegasse até aqui, transmitindo

conhecimentos e sua própria cultura. Nesse trajeto, se destacam as professoras

Adriana Schleder e Roberta Mânica, e é claro, o professor Paulo Ribeiro, meu

orientador nesse trabalho. A ele, agradeço pelo auxílio, pelas dicas, pela paciência e

pelo apoio durante todo esse período monográfico.

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Cultura não é patrimônio de guetos intelectuais, nem o refinamento

supérfluo das elites. A cultura transcende barreiras geográficas,

políticas, sociais e econômicas, e é um dos instrumentos mais

eficazes na formação da cidadania.

Luiz Felipe D’Avila

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RESUMO

A presente monografia é uma pesquisa sobre o valor dado ao jornalismo cultural Brasileiro. Para isso se fará um panorama desde a disseminação das artes por meio da indústria cultural até a chegada ao Brasil do jornalismo focado na cultura. Para ilustrar o estudo será feita uma análise da revista Bravo!, que foi a maior revista de temática cultural já produzida em território brasileiro. As entrevistas exclusivas com os ex-editores da publicação Armando Antenore e Luiz Felipe D'Avila também servirão de alicerce para compreender a importância da revista no contexto do jornalismo cultural e os problemas por ela enfrentados. A história das revistas no Brasil e sua posterior segmentação também serão abordadas para contextualizar o estudo, além das características do texto jornalístico de revista, que é mais analítico e tem a reportagem como principal modelo. Tendo como metodologia a análise de conteúdo serão respondidas as hipóteses previamente formuladas para este estudo. Palavras-chave: jornalismo cultural, revista, Bravo!, artes, cultura, indústria cultural

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ABSTRACT

The following monograph is a research about the value of the brazilian's cultural

journalism. For this, it will be done a panorama since the dissemination of the arts

through the culture industry until the arrival in Brazil of the journalism focused in

culture. To exemplify the study, it will be done an analysis of Bravo! magazine, that

was the biggest cultural magazine produced in brazilian territory.

The exclusives interviews with the ex editors of the publication, Armando

Antenore and Luiz Felipe D'Avila also will be used to understand the importance of

this magazine in the journalism cultural's context and the problems faced by it. The

magazine's history in Brazil and its segmentation will be addressed to contextualize

the study, and also the characteristics of the magazine's journalist text, that is more

analytic and has the reportage how the main model. With the content

analysis methodology, the assumptions listed for this study will be answered.

Key words: cultural journalism; Bravo!; magazine, arts, culture, culture industry

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Capa revista Bravo! n. 1 (1997)................................................................55

Figura 2 – Capa revista Bravo! n.50 (2001)...............................................................55

Figura 3 – Sumário revista Bravo! n. 1 (1997)............................................................66

Figura 4 – Sumário revista Bravo! n.192 (2013).........................................................66

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..........................................................................................................10

2 A INDÚSTRIA CULTURAL ....................................................................................13

3 O JORNALISMO CULTURAL NO BRASIL...........................................................22

4 A REVISTA NO BRASIL........................................................................................34

4.1 REVISTAS CULTURAIS......................................................................................40

4.2 A REVISTA BRAVO!............................................................................................43

5 BRAVA BRAVO! ...................................................................................................49

5.1 PRÉ ANÁLISE......................................................................................................49

5.2 JORNALISMO DE QUALIDADE..........................................................................52

5.2.1 O aniversário do Masp e o nascimento de Bravo!.......................................52

5.2.2 O Nobel de Saramago.....................................................................................53

5.2.3 Bravo! é arte – na forma e no conteúdo........................................................54

5.2.4 O alcance da arte contemporânea.................................................................56

5.2.5 A popularidade das sinfônicas......................................................................57

5.2.6 O perfil de Nelson Rodrigues.........................................................................58

5.2.7 Dédale – entre a crítica e a resenha...............................................................60

5.2.8 Contos célebres...............................................................................................61

5.2.9 Adeus em metáfora.........................................................................................62

5.2.10 Os melhores da cultura.................................................................................63

5.3 ESTRUTURA CLÁSSICA, CULTURA CONTEMPORÂNEA................................65

5.4 A (FALTA DE) CULTURA ARTÍSTICA – ENTRE LEITORES, EDITORAS E

ANUNCIANTES..........................................................................................................69

5.5 INFERÊNCIAS.....................................................................................................73

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................76

REFERÊNCIAS..........................................................................................................79

ANEXOS....................................................................................................................83

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1 INTRODUÇÃO

Se o trabalho dignifica o homem, como afirmou Max Weber, pode-se dizer

que a cultura enobrece a humanidade. Ter cultura é ter consciência do seu tempo e

espaço e buscar conhecer os demais. É procurar, por meio das mais variadas artes

que são expressões do pensamento e da criatividade humana, refletir não só sobre

o mundo em que vivemos, mas também sobre o que sonhamos, criamos ou

desejamos. O jornalismo que divulga, debate, explica e coloca a produção artística

como personagem principal é chamado de jornalismo cultural.

Tendo em vista a importância desse ramo jornalístico, que atualmente é

pouco valorizado, a presente monografia tem como tema o valor do jornalismo

cultural no Brasil focando especialmente no case da revista Bravo!, que foi a maior

revista cultural brasileira. A questão norteadora deste trabalho é: por que as

publicações de jornalismo cultural não têm sucesso duradouro no Brasil a ponto de a

maior revista da área, a Bravo!, ter deixado de ser publicada em 2013?

O objetivo geral desta pesquisa é comprovar a importância do jornalismo

cultural brasileiro como disseminador das artes, criando espectadores e leitores

interessados, além de refletir sobre a produção cultural. Dentro dessa ideia, há

alguns objetivos mais específicos como verificar a qualidade do jornalismo cultural

produzido pela revista Bravo!, constatar como a revista auxiliou na divulgação de

eventos e trabalhos artísticos no Brasil, assim demonstrando a importância desse

segmento jornalístico para criar interesse público na área artística. Outro objetivo é

descobrir os erros e acertos de Bravo!, que apesar de ter durado 16 anos, foi

encerrada em 2013.

Entre as hipóteses formuladas para o desenvolvimento do trabalho está o

fato de a revista ter produzido conteúdo jornalístico de qualidade, mas também de

não ter se modernizado com o passar dos anos. A cultura não ser um assunto

vendável no Brasil e o jornalismo cultural não ser valorizado pelas grandes editoras

jornalísticas são as demais hipóteses.

Para que os objetivos sejam alcançados e as hipóteses sejam colocadas à

prova, se percorrerá o seguinte caminho.

No capítulo 2, o assunto abordado será a indústria cultural, considerando

sua íntima relação com a popularização das artes e a criação de produtos culturais.

Serão abordados aspectos históricos do surgimento da indústria cultural como

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fenômeno da Revolução Industrial, além do surgimento do termo, na escola de

Frankfurt, e os sucessivos efeitos da indústria cultural no meio das artes, seus

aspectos positivos, negativos e a inserção da cultura na lógica mercantil. Para tal,

serão utilizados como referências desde autores mais clássicos como Theodor

Adorno e Walter Benjamin até os mais contemporâneos como Teixeira Coelho e

Muníz Sodré.

O jornalismo cultural no Brasil, um dos assuntos centrais deste trabalho, terá

lugar especialmente no capítulo 3, que vai apresentar desde os primórdios do

jornalismo cultural, com a revista The Spectator, na Inglaterra, até sua vinda para o

Brasil, passando pela sua disseminação nos Estados Unidos com a criação da

revista New Yorker, que serviu de inspiração para grande parte das publicações

brasileiras. As dicotomias que atingem o jornalismo cultural no Brasil também serão

abordadas. A presença de escritores e da literatura nos primórdios dos jornais

impressos e o posterior surgimento dos cadernos culturais também ganham lugar

neste capítulo, que usará como base autores como Daniel Piza, Arthur Dapieve,

Humberto Werneck e András Szantó.

No capítulo 4 entrará em cena a história das revistas no Brasil, que surgiram

como publicações que, por terem uma periodicidade maior, davam mais espaço à

reportagem, à investigação. A partir daí, ganha espaço a corrente do jornalismo que

não apenas transmite informações, mas também analisa os fatos e estimula a

reflexão sobre eles. Na parte histórica, o capítulo irá abordar desde revistas que

foram referências mundiais, como a Life, até as nacionais como Realidade, O

Cruzeiro e Veja. O fenômeno das revistas segmentadas, nos anos 1960, também

será abordado. Textos de Marília Scalzo e Maria Celeste Mira serão utilizados como

principais referências.

O subcapítulo 4.1 terá como temática as revistas culturais, focando

especialmente no histórico das revistas culturais brasileiras, sua inovação em termos

de diagramação e seu papel de divulgar as vanguardas artísticas nacionais. Um livro

de Sérgio Cohn e outro da própria editora Abril serão as principais referências

teóricas.

A revista Bravo!, protagonista desse trabalho, terá sua história contada no

subcapítulo 4.2, desde seus primórdios na editora D’Avila até seus últimos anos,

passando pela transferência do título para a editora Abril e a mudança no estilo

textual. As principais referências serão as entrevistas feitas com o ex-editor da

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publicação Armando Antenore e com o ex proprietário da editora D’Avila, Luiz Felipe

D’Avila.

A análise em si começará no capítulo 5. Serão os objetos de análise dez

edições da revista Bravo! além de duas entrevistas exclusivas com Armando

Antenore e Luiz Felipe D’Avila. Cada uma das hipóteses vai ser debatida em um

subcapítulo da análise, dialogando com o referencial teórico de autores utilizados

nos capítulos anteriores.

A metodologia utilizada será hipotético dedutiva com aferições qualitativas.

Segundo Bauer, esse método é o mais apropriado para analisar textos e suas

respectivas mensagens. Autores como Laurance Bardin e Fonseca Junior também

serão utilizados para fundamentar a análise de conteúdo. Para Bardin, o método

qualitativo é o ideal para a compreensão de conteúdos específicos, como é o caso

do jornalismo cultural inserido na revista Bravo! Assim, a análise buscará inferências

que irão validar as hipóteses previamente formuladas.

Por fim, se pretenderá responder à questão norteadora e assim

compreender os fatores que levaram ao fechamento da revista Bravo!, além de

apontar o que é necessário para que o jornalismo cultural no Brasil seja valorizado e

ganhe a importância, a notoriedade e o espaço que lhe são devidos.

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2 A INDÚSTRIA CULTURAL

Apesar de ser um fenômeno intrínseco à Revolução Industrial do século

XVIII, o termo indústria cultural só passou a ser utilizado, teorizado e criticado a

partir dos pensadores da Escola de Frankfurt. A escola, entendida como um instituto

de filosofia social, foi fundada na Alemanha em 1923, tendo sido transferida para a

Suíça em 1933, só retornando a Frankfurt após a Segunda Guerra Mundial, em

1950.

Nesta instituição, reuniram-se pensadores como Theodor Adorno, Walter

Benjamin e Herbert Marcuse para discutir a filosofia social, que está entre a reflexão

filosófica e a investigação científica. É uma aproximação sociológica que, segundo

Paul-Laurent Assoun “dá lugar a uma imensa literatura em que se misturam

sociologia, reflexão sobre a civilização e a história, vasto rio alimentado por

correntes tão diversas como as ideias sociais, a ética noeokantiana ou a filosofia dos

valores.” (1989, p.9).

Resumidamente, segundo Assoun (1989), a escola de Frankfurt é, antes de

tudo, um fenômeno ideológico que marca a criação de um instituto de filosofia social

que motivou movimentações teóricas diversas.

Dentro da Escola de Frankfurt, a indústria cultural foi um dos assuntos

abordados. O termo foi utilizado para designar o processo que envolve a

transformação de cultura em mercadoria e da mercadoria em matriz da cultura.

Adorno foi um dos primeiros estudiosos a escrever sobre a crítica da

indústria cultural. Para ele, a indústria cultural é uma forma de expressão de

movimentos de massa que procura tornar aceitável, em nível subjetivo, a situações

de vida precária de grande parte da população, estimulando a passividade diante

dos sistemas (políticos, educacionais, econômicos etc.) vigentes.

Para Benjamin, a problemática principal da indústria cultural é a incansável

reprodutibilidade técnica, que faz com que as obras de arte percam sua aura.

Segundo ele, essa aura era resultado da singularidade da produção desta obra,

gerando uma rede de sentido “sacralizada”. É o “aqui e agora” da obra que se perde,

a tradição presente no contexto em que ela estava inicialmente inserida.

A autenticidade de uma coisa é a suma de tudo o que desde a origem nela é transmissível, desde a sua duração material ao seu testemunho histórico. Uma vez que este testemunho assenta naquela duração, na reprodução ele acaba por vacilar, quando a primeira, a autenticidade escapa ao homem e o

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mesmo sucede ao segundo; ao testemunho histórico da coisa. Apenas este é certo; mas o que assim vacila é exatamente a autoridade da coisa. (BENJAMIN, p.4, 1955).

.

Ou seja, segundo esta corrente de pensamento, mesmo que a indústria não

modifique o conteúdo da obra de arte, ela perde a sua unicidade. Na modernidade, a

necessidade da posse da obra como produto prevalece sobre a capacidade de

fruição e reflexão. Como explica Assoun

A obra de arte reprodutível perde seu valor como “objeto cultural” em proveito do seu valor como “realidade a expor”. Como a fotografia, ela é dada a ver em série: função da exposição que se dá livre curso com o cinema, que impõe uma mediação técnica a selar definitivamente o destino tecnológico da obra de arte moderna. (ASSOUN, 1989, p.93).

A experiência, assim como os produtos, não é mais pessoal e observa-se

uma separação entre o espírito crítico e a busca do prazer por meio do consumo dos

produtos culturais e de arte.

Já o doutor em Ciências Sociais Francisco Rüdiger (1998) explica que, para

Dieter Prokop, que lançou o livro Sociologia do Filme em 1970, as experiências

proporcionadas pelos produtos culturais não são necessariamente padronizadas, no

caso de produções alternativas que também podem ser de massa. Segundo ele, no

caso de produtos menos estereotipados, a tecnologia estimula uma espécie de

reflexão espontânea.

Essas contradições entre a função e as consequências da indústria cultural,

seus efeitos positivos e negativos e até sua validade como propulsora ou destruidora

da arte propriamente dita, rondam o tema desde seu surgimento como fenômeno

discutível.

Dicotomias que são abordadas por Teixeira Coelho (1980), em uma tentativa

de criar um panorama sobre o que é, como surgiu e quais os prós e contras da

indústria cultural. Para ele, são características intrínsecas a ela o capitalismo, o

liberalismo econômico e a sociedade de consumo.

O autor aponta as principais consequências da indústria cultural que são

alvo de críticas: a alienação e a reificação (ou coisificação). Nesse processo, a

própria cultura é vista não mais como um instrumento de expressão e libertação,

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mas como produto que desperta desejo e deve ser trocado por dinheiro, passando

assim a ser regida pelas leis de mercado.

Assim, os produtos culturais e artísticos são comercializados como qualquer

outro produto. O público não tem tempo nem interesse em questionar aquilo que

consome nem o porquê deste consumo. E é daí que provem uma das críticas

centrais feitas à indústria cultural, colocando-a como instrumento alienante.

Segundo Coelho (1980), sob essa visão, a cultura de massa é oferecida

como produto de divertimento para mascarar realidades inaceitáveis, promovendo o

conformismo e a ausência de senso crítico.

Seria como o circo daquela política instaurada pelo Império Romano na

antiguidade apelidada pelo poeta Juvenal (100 d.C) de política do Pão e Circo, que

fornecia à plebe comida e entretenimento com o objetivo de desestimular qualquer

tipo de movimentos ou reivindicações sociais. Agora, porém, o circo estaria

disfarçado de produto cultural simplificado ou entretenimento. Para Adorno, a

indústria cultural é o embasamento do totalitarismo moderno.

A indústria cultural como divertimento e a ausência de senso crítico é ainda

mais notória quando se fala em indústria cultural no Brasil, segundo Coelho. A

dependência extrema de verbas publicitárias, nos veículos propagadores da cultura,

faz com que os traços do comercialismo sejam exacerbados. No universo de

estímulo constante ao consumo, não há nenhum interesse em incentivar o senso

crítico.

Na corrente que defende a indústria cultural, estão argumentos como o de

que, por mais rasa que seja a abordagem feita por ela e pelos meios de

comunicação de massa, com relação à cultura, isso contribui para a compreensão

do mundo. Seguindo a dialética proposta por Engels, o acúmulo de informações

pode constituir uma forma, ainda que primária, de conhecimento. Há também a ideia

de que ela democratiza a cultura ao colocá-la ao acesso da massa populacional, não

ficando restrita apenas a uma minoria de letrados.

Coelho (1980) apresenta dois modos de análise para determinar a validade

positiva ou negativa da indústria cultural: o quê (conteúdo) e o como (meio e modo

de operar). Considerando que o foco desta pesquisa é o jornalismo cultural, a

análise irá se deter ao aspecto do conteúdo e dos elementos de significação

utilizados para apresentá-lo.

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Sob o viés do conteúdo, o autor explica: “Deste ponto de vista os produtos

da indústria cultural serão bons ou maus, alienantes ou reveladores conforme a

mensagem por eles eventualmente veiculada.” (1980, p.29).

A dificuldade desse tipo de análise, porém, reside no fato de que a qualidade

ou relevância do conteúdo, em alguns casos, é subjetiva e depende da ideologia

pessoal. Em termos de ideologia de esquerda e de direita, ao analisar um conteúdo

cultural, ambas têm em comum a crítica ao prazer, porém por motivos diferentes.

Enquanto a direita incentiva o controle do prazer em benefício do trabalho, a

esquerda defende que a diversão é alienante e por isso deve ser combatida. Nesta

visão ideológica, a cultura de qualidade não tem relação com o prazer, pois deve ser

compromissada e combativa.

Porém, a exigência por seriedade é muito mais intensa em relação à cultura

dita de massa do que em relação à alta cultura. Ou seja, é um duplo preconceito,

segundo Coelho (1980), pois se condena o prazer desconsiderando o seu papel

importante na psicologia humana e avalia-se a indústria de massa de forma mais

rígida. Para uma análise fidedigna da indústria cultural, preconceitos como este

devem ser superados.

Uma das primeiras observações que o autor faz sobre o assunto da indústria

cultural é a existência de três níveis de cultura comumente aceitos. Baseado em

Dwight MacDonald, ele aborda as manifestações culturais superior, média e de

massa.

A cultura superior é entendida como a conhecida cultura erudita, as formas

de arte já consagradas, mais tradicionais e ditas clássicas, que em alguns aspectos

dependem de um conhecimento prévio para uma fruição mais completa e reflexiva.

A cultura média ou midcult é aquela que tem como inspiração a cultura superior,

porém acrescentando elementos populares ou simplificadores. Já a baixa cultura ou

masscult é aquela que provém das massas e a elas se direciona, de assimilação

mais fácil, consumo compulsivo.

Ele ressalva que a catalogação dos produtos ou obras em uma dessas

culturas é uma tarefa nem sempre simplória, dependendo também do período

histórico e das características que se busca analisar. Para Coelho (1980), a

passagem de um produto cultural de uma categoria inferior para uma superior,

muitas vezes, só depende do tempo, como no caso do jazz e de escritores como

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Dostoiévski. Além disso, ele critica a ideia de que a cultura superior só desperta o

interesse das classes dominantes.

Isso significa que as formas culturais atravessam as classes sociais com uma intensidade e uma frequência maiores do que se costuma pensar. Maiakoviski sempre acreditou que o povo podia ser um consumidor da arte de experimentação vulgarmente chamada de elite – e acreditou nisso até que a burocracia stalinista levou-o a morte. (COELHO, 1980, p.17).

O poeto russo Maiakosvski acreditava que a cultura do povo deveria ser

elevada. Como explica o historiador Célio Turino (2003), sob essa visão, a cultura

crítica deveria ampliar seu raio de alcance, porém sem enfraquecer seu conteúdo.

Estimular a consciência quebrando os processos hierarquizantes da cultura e

impedindo a alienação do sujeito com relação ao objeto e ao mundo.

Outro esclarecimento feito por Coelho (1980), seguindo a ideia de

MacDonald, é que diferente do que se costuma afirmar, os produtos da indústria

cultural não têm como subproduto principal a cultura de massa, e sim a midcult. Ele

explica que, mesmo banal e pouco profunda, a cultura de massa tem bases

históricas concretas e é autêntica. Enquanto isso, a midcult apenas dá nova

roupagem a ideias e estereótipos da cultura superior, fazendo o público acreditar

que não há diferenciação entre esta cultura mediana e aquela de valores reais já

consagrados.

Em grande parte dos países onde a indústria cultural se faz presente, ela

exerce também um papel de homogeneização das classes de cultura, de modo que

os produtos de cultura superior, média e inferior se confundem e se mesclam.

Porém, Coelho observa que no Brasil esse fenômeno é enfraquecido, pois

as diferenças grotescas em níveis sociais e educacionais obriga a indústria cultural a

oferecer vertentes diversas para atingir os diferentes nichos de mercado.

A masscult, no entanto, prevalece, pois a cultura superior nunca foi forte no

Brasil. Historicamente, o desenvolvimento brasileiro como nação não estimulou a

fruição ou o consumo de obras eruditas. A parcela da população nelas interessadas

é insignificante se comparada ao consumo de masscult e midcult. Isso se deve a um

desenvolvimento incompleto da cultura brasileira, que faz com que veículos como a

televisão, que tem o apelo da imagem e do entretenimento, prevaleçam sobre outros

meios como o jornal ou o livro.

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Surge assim uma cultura de massa heterogênea e firmada em ampla estilização de forma e conteúdos da cultura popular. Milanesi nota ainda que “passa-se de uma cultura oral (...) para uma cultura onde prevalece a imagem, saltando sobre uma cultura letrada.” No Brasil, uma etapa foi queimada e as possibilidades de retorno são mínimas. (COELHO, 1980, p. 83).

Neste aspecto que trata da arte e da cultura das diferentes classes sociais,

cabe ressaltar a observação feita por Muníz Sodré (2001) de que a arte, mesmo que

seja de usufruto majoritário das elites burguesas, faz registros históricos e sociais

tendo como inspiração as realidades das diversas classes, gerando “efeitos

potencialmente universais de conhecimento”. “Assim, a obra literária do aristocrata

Tolstoi é fundamental para a compreensão da alma do camponês russo ou mesmo

de qualquer sujeito humano colocado em situação de miséria ou de opressão”.

(SODRÉ, 2001, p.112).

A indústria cultural possibilitou, porém, que o contingente de pessoas

abrangidas pelas culturas e artes diversas fosse ampliado, ainda que com formatos

e linguagens mais banais. Sodré (2001) observa, por exemplo, que os folhetins

veiculados pelos jornais no século XIX incentivaram o hábito da leitura e o gosto

pela literatura, ainda que simplificada.

Há também casos de culturas regionais populares tornarem-se inspiração ou

fontes para a renovação estética de correntes artísticas universais e de bens

culturais consagrados e de amplo consumo. Como exemplifica Sodré “foi a partir das

máscaras africanas que Picasso criou o cubismo; a partir da pintura de areia dos

índios Navajor, o norte-americano Jackson Pollock rejeitou o cubismo e criou o

expressionismo abstrato”. (2001, p.121).

Ou seja, a indústria cultural colaborou para a amplificação do acesso e do

intercâmbio da cultura. No entanto, aqui cabe uma ressalva para apresentar a

segunda forma de análise apresentado por Coelho (1980), o ‘como’ da indústria

cultural, ou seja, a linguagem significante utilizada nos produtos dessa indústria.

É a perspectiva semiótica, que apresenta a maneira como os veículos de

indústria cultural operam as significações. Como explica Coelho, baseado em

Peirce, são três os tipos de signos existentes: ícone, índice e símbolo.

O ícone é uma analogia do objeto apresentado, como uma fotografia, e

desperta uma consciência intuitiva.

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O índice faz referência ao objeto, sem ser semelhante a ele. Não é

autônomo e precisa estar próximo do seu objeto para existir, é efêmero. Além disso,

ele não dá informações precisas sobre o objeto ao qual faz referência e exige um

esforço mental para ser interpretado.

Já o símbolo representa o objeto por meio de uma convenção, como é o

caso da palavra. Também não dá detalhes sobre o objeto representado, sendo uma

representação mais genérica. Traz na sua representação o despertar de uma

consciência lógica.

A maneira mais utilizada de significação da indústria cultural é, segundo

Coelho, a consciência indicial. Ou seja, utiliza signos passageiros e rápidos, sem

tempo para intuir ou interpretar logicamente. Há uma constatação superficial.

Na verdade, o que temos nesses veículos da indústria cultural realmente são ícones, porém ícones sufocados numa operação indicial com os signos. Os ícones existem superficialmente, mas o modo pelo qual são dispostos é indicial, formando-se no indivíduo receptor uma consciência na forma de mosaico. (COELHO, 1980, p.65).

Ou seja, nos veículos como a televisão, as imagens passam rapidamente e

sem conexão, não permitindo nenhum tipo de interpretação mais profunda,

estimulando assim o processo de alienação.

Coelho (1980) acredita que se faz necessária a utilização de processos

icônicos ou simbólicos para libertar o homem deste círculo vicioso da consciência

indicial, de interpretações rasas. Enquanto não é feita uma revolução radical neste

sentido da significação, pequenas modificações podem ser feitas.

(...) Lucien Goldmann destaca que a sociedade tecnocrática não pode e não quer imbecilizar completamente o indivíduo, por maior que seja o número dos diplomados analfabetos. Essa sociedade só existe enquanto houver a promoção de um saber, de algum saber (...). E já tivemos exemplos dessas possibilidade de utilização dos meios de comunicação num sentido favorável ao homem – embora nesse caso deixem de ser de massa para tornarem-se meios de indivíduos e grupos organizados. (COELHO, 1980, p.93).

Para além do fator da significação, a grande problemática trazida pela

indústria cultural não é exatamente o fato de ser produzida e consumida em massa,

mas sim a colocação da cultura na lógica mercantil, a ponto de a produção ser

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guiada pelas leis do mercado, pela demanda, deixando a função de expressão

criativa e manifestação reflexiva em segundo plano. Como explica Jayme Paviani:

“O erro está em considerar a arte só mercadoria, desvirtuando-lhe a função estética

e social. Função, aliás, que a crítica tem a missão de constantemente revelar”.

(1987, p.70).

Nesta observação, Paviani (1987) traz à tona outro quesito importante no

estudo sobre a indústria cultural: o papel dos meios de comunicação, dos críticos e

do próprio jornalismo cultural. Ainda segundo ele “a indústria da cultura pode usar a

crítica e os críticos como apoio mercadológico, como modalidade de promoção das

obras de arte.” (PAVIANI, 1987, p.70). Centra-se aqui no aspecto de divulgar a arte,

expandi-la, democratizá-la.

Com uma análise objetiva e embasada, a função atual da crítica é

justamente refletir sobre a produção cultural. Segundo Sodré, o poder consagrador,

até então pertencente às universidades, foi transferido majoritariamente para a

mídia, na figura dos críticos. “Nada impede, assim, que um material ou um produto

antes considerado ‘menor’ seja de repente alçado a condição de ‘obra de arte’ por

efeito da legitimação de um grupo especializado”. (SODRÉ, 2001, p.123).

Daí a responsabilidade do crítico, pois esse poder a ele entregue pode tanto

causar a banalização da obra de arte, por meio de uma crítica paternalista e mal

fundamentada, quanto pode ajudar a quebrar preconceitos e universalizar a ideia de

arte. Paviani (1987) ressalta, porém, que o tom da crítica não pode ser de um juízo

absoluto, mas sim de uma opinião apresentada de maneira objetiva, embasada por

conhecimentos prévios.

Por fim, sendo a indústria cultural um processo aparentemente irreversível, é

possível tomar proveito de suas estruturas para promover uma verdadeira

democratização das artes. Como observa Coelho

(...) se desejarem caminhar de fato para uma democracia em todos os domínios (incluindo o cultural), talvez não possam pôr de lado a ideia de que a cultura, hoje, como produto e enquanto produto, não pode evitar ou não precisa evitar o modelo industrial, pelo menos sob algumas de suas formas - e com algumas de suas inconveniências. (COELHO, 1980, p. 19).

Uma das funções primordiais do jornalismo e da crítica cultural na

modernidade parece ser promover a reflexão, os questionamentos sobre a arte e a

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cultura, impedindo dessa forma aquele fenômeno tão criticado da alienação, em que

o consumidor não pensa sobre o produto cultural consumido. É uma tentativa de

devolver à arte e ao processo artístico uma atividade simbólica definida assim por

Tolstoi: “Não é uma atividade lúdica em que o homem despende o excedente de

energia; não é a produção de objetos agradáveis; não é um prazer; é um meio de

reunir os homens, angariando-os pela unidade de sentimentos”. (TOLSTOI apud

SODRÉ, 2001, p.127).

A cultura e a arte, mesmo na era da indústria cultural, devem ser propulsoras

de movimentos, de criatividade, de expressão e de reflexão, e não paralisantes ou

passivas. O valor subjetivo da obra como manifestação do conhecimento precisa se

sobrepor à lógica de mercado e utilizar o aparato tecnológico para difundir ideias.

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3 O JORNALISMO CULTURAL NO BRASIL

Entre as definições da palavra cultura, no dicionário Houaiss (2008, p.204)

está “conjunto de padrões de comportamento, crenças, costumes, atividades etc. de

um grupo social”. Quando se fala em jornalismo cultural, o foco recai especialmente

sobre os costumes e as atividades de um grupo. E, para além desta definição, é

quando estes costumes e atividades se transformam em conhecimento, que é

colocado em prática, registrado, exposto, consumido e usufruído em forma de arte.

Por arte aqui se entende as sete formas primordiais de manifestação artística e o

intercâmbio entre elas: pintura, escultura, literatura, dança, teatro, música e, mais

recentemente, cinema.

Portanto, o jornalismo cultural é aquele que possibilita divulgar, debater,

refletir e propagar as manifestações artísticas, para disseminar as diferentes formas

de cultura e arte, mostrando a sua importância para o desenvolvimento das

civilizações. A arte é uma forma de manifestação do pensamento. O jornalismo é um

meio de expressão e comunicação. Portanto, o jornalismo cultural é a forma de

comunicar, informar e debater as manifestações de pensamento, expressas pela

arte, de diferentes grupos sociais.

Como explica Moacyr Scliar, o jornalismo que aborda a cultura é mais do

que a divulgação de obras e espetáculos. É o retrato das manifestações de uma

época e as relações com as tradições passadas.

Ao contrário do que se poderia pensar, jornalismo cultural não é uma

coleção de anedotas sobre o qual o leitor passa os olhos depois de

percorrer as seções de política, polícia e futebol. Jornalismo cultural é coisa

séria porque cultura, seja no sentido antropológico de cultura popular ou de

cultura erudita, é coisa séria. Na verdade, trata-se de interpretar o espírito

de uma época, de um lugar, por meio de manifestações diversas no campo

das artes, da literatura, do intelecto em geral. (SCLIAR, in apresentação

AUGUSTO, 2006).

A importância do jornalismo cultural mostra-se iminente também no contexto

histórico do jornalismo. A imprensa e a literatura tiveram laços estreitos desde seus

primórdios. O costume de publicar contos, novelas, romances e críticas literárias em

jornais e revistas marcou a historia do jornalismo e pode ser considerada uma forma

primordial de jornalismo cultural. Segundo Daniel Piza (2003), um dos marcos neste

sentido foi o lançamento, em 1711 na Inglaterra, de uma revista nomeada The

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Spectator, criada pelos ensaístas Richard Steele e Joseph Addison. Publicada

diariamente, a revista tinha como objetivo tornar públicos e mais abrangentes os

debates culturais e filosóficos, até então restritos à academia. “A revista falava de

tudo – livros, óperas, costumes, festivais de música e teatro, política – num tom de

conversação espirituosa, culta sem ser formal, reflexiva sem se inacessível”. (PIZA,

2003, p. 12).

O jornalismo cultural, nessa época, além de falar das artes e produtos

oriundos das manifestações artísticas, discutia as ideias e valores embutidos na

produção cultural. Segundo Piza, a liberdade de expressão presente no século XVIII

na Inglaterra, tendo o jornalismo cultural como uma de suas formas mais incisivas,

foi um dos fatores que impulsionaram o Iluminismo. Questionamentos filosóficos e

culturais sobre a racionalidade e o papel do homem na sociedade davam luz a

novos ideais e encontravam na literatura e no jornalismo cultural um meio de

expansão e disseminação destas ideias.

Neste período de questionamento e crítica com relação aos valores

tradicionais vigentes até então (como o teocentrismo) ganha evidência a figura do

crítico cultural. Piza cita Samuel Johnson como o primeiro grande crítico cultural,

definido como “o homem de letras mais lido e temido de seu tempo”. Nesta época,

os críticos culturais eram responsáveis por influenciar preferências, determinar o

sucesso ou o fracasso de uma obra ou exposição e colocar artistas até então

desconhecidos em evidência. Era comum escritores e poetas também exercerem o

papel de críticos, como foi o caso, conforme Piza, de Charles Baudelaire e Heinrich

Heine.

No século XIX, o jornalismo cultural chegou ao novo mundo em países como

EUA e Brasil. Em 1925, foi fundada nos EUA uma das principais representantes do

jornalismo cultural e literário, a revista New Yorker, que serviu de inspiração para

publicações de todo o mundo. A publicação revelou escritores e cartunistas.

No território brasileiro, a ligação entre jornalismo cultural e literatura tornou-

se ainda mais estreita, com ilustres escritores desempenhando o papel de contistas,

ensaístas e críticos literários na imprensa. Foi no jornalismo que talentos como o

escritor Machado de Assis foram revelados. Sendo os jornais mais ensaísticos do

que noticiosos nesta época, os escritores viam na imprensa, segundo Nelson

Werneck Sodré (1999), uma maneira de ganhar notoriedade e dinheiro. Isso resultou

numa intensa relação entre literatura e jornalismo, já que, como explicou Félix

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Pacheco em inquérito realizado no início do século XX, “toda a melhor literatura

brasileira dos últimos trinta e cinco anos fez escala pela imprensa”. (PACHECO apud

SODRÉ, 1999, p.292).

A partir dessa época, porém, literatura e jornalismo começam a se separar

de maneira mais nítida e incisiva. Como explica Sodré (1999), é assim que começam

a nascer os suplementos literários, que mais tarde se tornariam importantes veículos

de expressão para o jornalismo cultural brasileiro.

As colaborações literárias, aliás, começam a ser separadas, na paginação

dos jornais: constituem matéria à parte, pois o jornal não pretende mais ser,

todo ele, literário. Aparecem seções de crítica de rodapé, e o esboço do

que, mais tarde, serão os famigerados suplementos literários. (SODRÉ,

1999, p. 297).

Por um lado, essa busca pela objetividade deixou o jornal mais informativo e

até democrático, já que a simplificação da linguagem e formato textual, tendo o lead

1como principal característica, tornou o conteúdo mais acessível à população, não

ficando restrito apenas à compreensão dos mais letrados. Segundo Humberto

Werneck (2012), isso se deu, também, numa tentativa de aumentar o número de

vendas para agradar o mercado publicitário, que passou a ter na imprensa, a partir

do final do século XIX, umas das principais formas de divulgação de produtos.

Entretanto, essas transformações tiveram também reflexos negativos quanto

à qualidade textual, à profundidade do conteúdo e à tentativa de estimular reflexões,

como explica Werneck.

O modo de ver, o olhar jornalístico, passou por uma simplificação, para alcançar mais gente e para não inquietar essa gente ao ponto de que ela pudesse desistir de comprar o jornal. Caminhou-se para uma simplificação grosseira na qual os fatos, as coisas e as pessoas necessariamente perderam as nuances, os meios-tons. Passou a imperar o maniqueísmo do bom e do mau, do belo e do feio. Tudo, até mesmo as emoções, tornou-se mais ou menos estereotipado. (WERNECK, 2012, p. 16).

Segundo Piza (2008), o próprio jornalismo cultural passa por

transformações, colocando a reportagem e as entrevistas em evidência, e tornando

a crítica mais resumida.

1 Primeiro parágrafo dos textos jornalísticos em formato de notícia, que deve responder as questões básicas sobre o fato (quem?; o quê?; quando?; onde?; como?; por quê?.)

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Neste cenário em que o jornal impresso torna-se mais noticioso e factual, os

textos literários, profundos e reflexivos ganham campo nas revistas ilustradas, que

contam também com designs inovadores e originalidade na diagramação.

Na área da cultura, especificamente, uma das primeiras revistas brasileiras

do gênero, a Nytheroy, foi lançada muito antes, em 1836, como esclarece Sérgio

Augusto em entrevista concedida a Fabrício Marques (2012, p.04). Porém, ela não

era editada no Brasil, e sim em Paris, pelo poeta Gonçalves de Magalhães.

Uma das primeiras publicações culturais editadas e publicadas no Brasil foi,

segundo Sodré (1999), a revista Kosmos. Fundada em 1904, incluía desenhos e

fotografias e abordava assuntos como o teatro, os livros e as artes em geral.

Em termos de revista cultural, uma das publicações que mais marcaram

época foi a revista Klaxon. Assim como na Inglaterra o jornalismo cultural contribui

para aflorar o Iluminismo, no Brasil ajudou a divulgar as ideias do movimento

Modernista. A revista Klaxon foi lançada três meses depois da Semana de Arte

Moderna, em 1922, tendo Mario de Andrade e Oswald de Andrade entre seus

fundadores.

Sendo uma revista modernista, a Klaxon decidiu inovar até mesmo na

maneira de dispor os anúncios. Em sua curta duração seria possível perceber uma

característica que se repetiria nos anos seguintes em grande parte das publicações

culturais no Brasil: apesar do conteúdo inovador e reflexivo, falhas na administração

e o conservadorismo dos anunciantes determinariam sua brevidade.

Para o primeiro e o segundo número da revista, os ‘Klaxistas’ conseguiram anúncios de quarta capa – dos chocolates Lacta e do refrigerante Guaraná. Decidiram, porém, criar eles mesmos os anúncios, dentro do espírito de renovação estética em que estavam exaltadamente embarcados. O resultado é que os anunciantes, assustados com a modernidade gráfica, retiraram o patrocínio (...). (ABRIL, 2000, p. 118).

Foram publicadas nove edições da Klaxon. Apesar de fazer barulho, os ecos

dessa revista de vanguarda se limitaram aos meios intelectuais. Houve também a

Revista da Antropofagia, fundada por Oswald de Andrade em 1928, que publicou o

Manifesto Antropofágico e o famoso Poema da Pedra, de Oswald de Andrade.

Os versos de Drumond publicados na revista podem resumir o que

aconteceria com o jornalismo cultural brasileiro três décadas depois: “no meio do

caminho tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho”. Em 1964, o golpe

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militar levaria o Brasil a 21 anos de ditadura, em que qualquer forma de expressão

era veementemente censurada, o que inclui o jornalismo e a cultura de uma forma

geral.

De acordo com Werneck, o comandante do 10º contingente do batalhão

Suez, coronel Darcy Lázaro, já sabia o perigo que a cultura representava para um

regime ditatorial quando ameaçou: “se essa história de cultura vai-nos atrapalhar a

endireitar o Brasil, vamos acabar com a cultura durante trinta anos”.

Certamente, a censura atrapalhou o desenvolvimento pleno da cultura no

Brasil, porém passou longe de destruí-la. A cultura foi uma forma de resistência e

oposição durante esse período. Como explica o jornalista Marcos Augusto

Gonçalves (2015), enquanto o poder político era de direita, a hegemonia na cultura

era de esquerda, era uma cultura ideológica e politizante (informação verbal). 2

O jornalismo cultural no período ditatorial ajudou a expandir e refletir sobre

esta cultura de resistência da época, como corrobora o professor da PUC-SP José

Salvador Faro.

Vale a pena relembrar, neste caso, a importância que o Jornalismo Cultural teve na crítica teatral, na crítica cinematográfica, na musical e também na literária: as avaliações que eram feitas na imprensa em geral sobre as manifestações artísticas nesses setores, em diversas ocasiões, adquiriam o perfil de um embate entre tendências estéticas e conceituais democráticas e as restrições do Estado autoritário. (FARO, 2012, p. 14).

O período da ditadura unido ao desenvolvimento tardio do Brasil na área

educacional, e até mesmo a mentalidade de colônia de exploração, fizeram com que

parte da população ficasse prejudicada no sentido de ter acesso e interesse pelas

artes de uma forma geral, como explica Otávio Frias Filho

É como se o Brasil tivesse saltado diretamente do fogão a lenha para a televisão, para a internet, sem que tenha havido, 200, 300, 400 anos mediando esses dois processos, para que uma camada da população possa ter sido treinada para o hábito de ir ao ballet, de assistir concerto, de

ir à ópera, de ir ao teatro. (informação verbal).¹

Apesar de tais limitações, o jornalismo cultural se desenvolveu no Brasil,

mesmo que sem um interesse majoritário da população pelo assunto, como

acontece com outras áreas, como o jornalismo esportivo.

2 Conforme palestras proferidas no curso de Jornalismo Cultural (SP) em 22 de abril de 2015

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Tendo as revistas culturais problemas para se manter por um período mais

prolongado, e um acesso (ou procura) restrito aos intelectuais, o jornal diário foi o

meio encontrado para desenvolver de maneira mais plena o jornalismo cultural.

Mesmo em cadernos a parte ou suplementos, seu alcance seria maior do

que em publicações exclusivas do gênero.

O Jornal do Brasil lançou, em 1956, segundo Piza, aquele que seria o

primeiro caderno de jornalismo cultural nos modelos contemporâneos, intitulado

Caderno B, com crônicas de Clarice Lispector e crítica literária de Bárbara Heliodora.

Nos anos 1960, o Estado de S. Paulo lançou o Suplemento Literário, dirigido

por Décio de Almeida Prado. Havia uma luta, neste caderno, contra a mediocridade

dos textos jornalísticos, que em busca da objetividade e imparcialidade, já não

estimulavam a reflexão. Sobre essa postura, Prado declarou:

Não exigiremos que ninguém desça até se pôr à altura do chamado leitor

comum, eufemismo que esconde geralmente a pessoa sem interesse real

pela arte e pelo pensamento (...) Uma publicação que se intitula literária

nunca poderia transigir com a preguiça mental, com a incapacidade de

pensar, devendo partir, ao contrário, do princípio de que não há vida

intelectual sem um mínimo de esforço e disciplina. (PRADO apud PIZA,

2008, p. 37).

Este modelo foi seguido pelos cadernos literários dos demais grandes

jornais. Nesta época surgiu um movimento de combate à extrema objetividade e

superficialidade a que o jornalismo estava se entregando, numa corrente que se

convencionou chamar de New Journalism, ou no Brasil, Jornalismo Literário.

Na verdade, segundo Piza, o Jornalismo Literário já era praticado pelos

romancistas dos séculos XVIII e XIX, na Inglaterra. Porém, foi entre os anos 1950 e

1960 que ele foi resgatado, com uma linguagem mais moderna, tendo na revista

New Yorker um dos seus principais meios de divulgação, com a publicação de textos

emblemáticos como o perfil de Ernest Hemingway, escrito por Lilian Ross, e o relato

de não-ficção A Sangue Frio, de autoria de Truman Capote.

Werneck define este gênero como um resgate do jornalismo mais

aprofundado.

O New Journalism procurou devolver ao jornalismo, aperfeiçoando-as, algumas ferramentas da literatura, como o uso de diálogos, a descrição de cenas e ambientes, e, sobretudo, quebrando a assepsia, a secura, a pobreza de um texto raso, de uma visão rasa da realidade. Basta não

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esquecer que as palavras saber e sabor, tendo a mesma raiz, não precisam andar separadas. (WERNECK, 2012, p. 16).

No Brasil, o gênero teve como principais representantes Antônio Callado,

Joel Silveira e Zuenir Ventura. Os suplementos literários e as críticas dos cadernos

culturais também se beneficiaram desta corrente, que permitia textos mais longos e

reflexões.

Nos anos 1980, os jornais como O Estado de S. Paulo e a Folha de S. Paulo

lançaram seus cadernos diários de cultura, Ilustrada e Caderno 2, respectivamente.

Os cadernos também se valeram do período de redemocratização para tirar a

cultura da ‘clandestinidade’, colocando as discussões em pauta sem a “mão pesada”

da censura.

Segundo Arthur Dapieve (2002), a presença de cadernos diários de cultura é

uma característica do jornalismo cultural brasileiro. Na Europa e nos Estados

Unidos, apesar das múltiplas publicações voltadas à cultura, no jornal diário as

notícias culturais são publicadas soltas, sem uma editoria exclusiva.

Outro caderno de destaque no jornalismo cultural brasileiro é o Suplemento

Literário do Minas Gerais. Ele teve como base uma publicação chamada A Revista,

fundada em 1925 pelos modernistas mineiros. Conforme Werneck, o diferencial da

revista era abrir espaços para escritores e artistas de diferentes idades e estilos, e

não apenas para nomes já consagrados. Este modelo seria seguido pelo

Suplemento quatro décadas depois (1968), sob o comando de Murilo Rubião,

abrindo espaço também para pessoas de outros estados, superando a barreira local.

Apesar de nomeado Suplemento Literário, a publicação abordava outras artes além

da literatura, como o cinema e o teatro.

Apesar de não ter tanto prestígio em Minas Gerais, o Suplemento, que existe

até hoje, era reconhecido internacionalmente. Em Paris, Cortázar comentava que

em Minas Gerais tinha um suplemento literário muito bom, onde saíram impressas

as primeiras traduções do próprio Cortázar e de García Márquez no Brasil.

(WERNECK, 2007).

Nos anos 1990 o cenário voltou a se alterar. Os cadernos ditos

anteriormente de cultura passaram a se tornar cadernos de variedades, incluindo

assuntos como gastronomia, turismo, celebridades etc. Volta-se, novamente, à

busca incansável pela objetividade em detrimento da reflexão. Os motivos que

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levam a esta mudança tem relação, especialmente, com as pressões do mercado

(da publicidade à assessoria de imprensa) e ao advento da internet.

Existe, atualmente, uma busca por identidade nos veículos de jornalismo

impressos no geral, que se questionam entre aproximar-se das características dos

veículos online ou criar uma identidade própria, na busca por diferenciação. No

jornalismo cultural, essas problemáticas ficam ainda mais exacerbadas, como

comenta Israel do Vale

Para sobreviver como área autônoma, o jornalismo cultural carece reinventar-se. Pressionado, de um lado, pelos cadernos de ideias (que lhes subtraíram o caráter reflexivo e sufocaram a crítica) e, de outro, pelos guias de fim-de-semana (capazes de cumprir com maior eficiência o papel de catálogo de produtos e serviços), o jornalismo praticado nos cadernos ditos de cultura (ou variedades) vive hoje um não-lugar, como sintoma da crise de

identidade que assola os veículos de comunicação. (VALE, 2012, p. 28).

A indústria cultural também teve participação nesse processo, como explica

Piza, com o aumento das produções de entretenimento para consumo. Com mais

produções para serem divulgadas, o espaço para os textos profundos diminuiu.

Os cadernos e revistas culturais têm dado cada vez menos espaço para a

crítica. Juremir Machado (2001) observa a ausência de senso crítico nos textos

culturais. Segundo ele, a crítica transformou-se inicialmente em resenha, para então

converter-se em release.

Além disso, a reportagem cultural foi, aos poucos, ocupando o lugar da

crítica, o que é considerada uma característica positiva por András Szantó (2007). É

um produto jornalístico que não deixa de ser analítico, porém é menos hierarquizado

que a crítica em si. Mais adiante, em muitos veículos, a própria reportagem perdeu o

espaço que permitia que fosse mais interpretativa e até literária, sendo substituída

pela agenda, ou seja, um texto que oferece apenas o serviço, sem nenhum tipo de

reflexão, como corrobora o professor Teixeira Coelho.

A maior parte do jornalismo cultural, sobretudo em jornais impressos, não é nem curatorial, nem crítico: simplesmente se limita a descrever um objeto (por exemplo, uma montagem teatral) e não raro informa mal o leitor sobre o que está em jogo. O que fazem é “serviço cultural”, nada mais. (FONSECA apud COELHO, 2011, p. 10).

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O jornalismo cultural ficou voltado exclusivamente para a agenda de

eventos. Sem mais refletir sobre a realidade e dela retirar pautas, hoje predomina a

ideologia de que só deve se falar do que é atual, do novo espetáculo, da exposição

que estreou, sem delegar importância para a qualidade das obras e para a

profundidade das discussões.

Essa característica também se deve a possibilidade que se tem nos dias

atuais de conhecer quem é o leitor e oferecer a ele exatamente o que ele deseja

encontrar. Isso desestimula novos olhares e a apresentação de conteúdos

alternativos. É o que o Werneck chama de “ditadura dos best-sellers”. Segundo ele,

antes dos anos 1980, não havia ferramentas para identificar as preferências dos

leitores, o que era benéfico para o pleno exercício da profissão de jornalista.

(...) havia espaço para falar também daquilo que vendia menos, mas era bom. Havia espaço para o jornalista cumprir o papel, hoje meio esquecido, de garimpar coisas importantes, preciosas, que correm o risco de passar despercebidas do público na massa cada vez mais volumosa da produção cultural. (WERNECK, 2007, p.66).

Para Piza, algumas dicotomias que rondam o jornalismo cultural na

atualidade acabam prejudicando sua qualidade. Com essa variedade de produção

na área das artes, unida à modernização do jornalismo, começou-se a questionar a

polarização entre arte pop e arte erudita. Segundo o autor, o erro está nos

preconceitos, como o que determina que arte erudita não tem apelo popular ou que

arte pop não exige conhecimentos prévios. Grande parte das artes hoje ditas de elite

foram populares em suas respectivas épocas, e até serviram de inspiração para as

correntes contemporâneas, seja na música, dança, ou literatura. Enquanto isso, a

arte pop tem uma linguagem muito própria e possui suas segmentações,

Arte erudita e popular estão em constante troca e possuem interessados em

todas as classes sociais. Vê-las como antagônicas é um erro para Szantó. Segundo

ele, o mais importante é o modo como o conteúdo é apresentando, a relevância da

discussão, a qualidade do discurso.

Apenas uma distinção deveria ser relevante sobre o jornalismo cultural: é inteligente? Pode-se escrever sobre ópera e ser estúpido. Pode-se escrever sobre hip hop e ser brilhante. O jornalismo deve considerar seus assuntos com extrema seriedade e comunicar essa importância numa linguagem que seja atraente aos leitores. (SZANTÓ, 2007, p. 43)

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Outra polarização existente, segundo Piza (2008), é entre as produções

nacionais e internacionais. Enquanto não se deve manter um nacionalismo

exacerbado como na época da ditadura, como se o Brasil fosse uma ilha sem

influências externas, também é errôneo pensar que tudo o que é produzido no

exterior é consequentemente melhor do que as produções nacionais. Para Piza,

jornalismo é dosagem. É preciso uma constante alternância de temas, sem esquecer

que cultura é diversidade.

“Ser culto é pertencer a todos os tempos e lugares” disse Octávio Paz, “sem deixar de pertencer a seu tempo e lugar”. Note que ele não disse que ser culto é pertencer a seu tempo e lugar, sem deixar de pertencer aos outros; cultura é expandir horizontes até mesmo para enxergar melhor o seu entorno. O jornalismo cultural deve se nutrir disso. (PIZA, 2008, p. 62).

Na contemporaneidade, a diversidade cultural e a mistura entre as artes e

suas referências estão presentes em diversos segmentos. Mescla-se dança e teatro,

musica clássica e samba, grafite e aquarela. Assim como existe, na política, na

economia e no âmbito social, um constante combate para extrapolar as fronteiras

que separam ou dividem os seres humanos, na cultura existe o mesmo movimento.

Segundo Szantó (2007), os jornais e as universidades são os únicos que

trabalham em um movimento contrário, insistindo em categorizar as artes nas

divisões tradicionais do século XIX. A consequência é que a os artistas e a

sociedade em geral não mais se reconhecem nas publicações. Pois até mesmo as

editorias ou revistas de cultura, que deveriam ser inovadoras e criativas, mostram-se

presas ao conservadorismo.

Ao mesmo tempo, em algumas publicações, existe um movimento de

inclusão de assuntos alternativos nesses cadernos. Assuntos como a moda e o

design passam a ser vistos também como manifestações culturais, pois demandam

criatividade e criações. Para Piza (2008), isso representa um ganho para o

jornalismo cultural, pois reflete novos hábitos e comportamentos sociais e abre

fronteiras.

É importante lembrar, no entanto, que as artes tradicionais não podem

perder seu espaço, que já é reduzido. O jornalismo cultural não pode se reduzir a

entretenimento, nem se limitar aos assuntos ditados pela indústria cultural. A

reflexão trazida pelo jornalismo cultural, acompanhada de informações e análises

sociológicas e históricas, são funções primordiais do segmento.

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Sobre a inclusão de assuntos diversos nos cadernos de cultura, Piza (2008,

p.57) comenta “não que não seja possível uma coabitação equilibrada e fértil, mas o

jornalismo cultural sai perdendo quando os critérios passam a ser resumidos ao de

afastar o leitor de abordagens que considera erroneamente ‘muito sérias’ ou

críticas”.

O leitor não deve ser menosprezado. O jornalismo cultural também possui

uma função social de democratizar o acesso e o conhecimento das artes. Ainda que

a função primordial do jornalismo seja informar, e não educar, a informação bem

trabalhada pode levar a construção ou a busca pelo conhecimento.

É um pouco da ideia inicial das primeiras publicações de jornalismo cultural,

na Inglaterra, que pretendiam, por meio da imprensa, ampliar a discussão de ideias

e filosofias. Hoje, essa democratização deve ser ainda mais ampla, não apenas para

atingir um contingente maior da população, mas também diversas classes sociais,

em um movimento de inclusão.

Um saudável jornalismo cultural – significando crítica e reportagem sobre artes – é absolutamente essencial para um ambiente saudável para as artes. E se quisermos ter uma cultura democrática, na qual a arte não seja apenas uma brincadeira da elite, devemos ter canais de comunicação para alcançar audiências mais amplas. (SZANTÓ, 2007, p.36).

Neste processo de democratização da cultura, a internet pode ser um meio

interessante, pela sua abrangência e baixo custo de acesso. No entanto, é preciso

tomar cuidado com a proliferação de informações errôneas e para não confundir

opinião pessoal com análise crítica. No jornalismo de uma maneira geral, a

credibilidade ainda é um fator relevante.

A pesquisadora Geane Alzamora (2012) observa a quantidade considerável

de sites que divulgam agendas culturais, o serviço cultural de diferentes cidades e

regiões. Talvez essa função possa ser preferencialmente delegada para os sites, ao

invés dos jornais impressos, considerando a característica da web de leituras mais

dinâmicas e textos objetivos.

Assim, ao retirar dos jornais impressos a responsabilidade de divulgar todos

os eventos culturais das cidades, especialmente nas capitais, fica disponível mais

espaço para textos aprofundados, unindo informação e análise.

Afinal, como afirmou Dapieve, o texto do caderno de cultura é diferenciado

das demais seções do jornal, existe maior liberdade no estilo, é permitido utilizar-se

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da criatividade tão comum no campo das artes. O jornalista do caderno de cultura

deve mediar subjetividades, sem deixar e ser informativo.

(...) cabe a ele, profissional do uso das palavras, transformar seu texto em algo atraente (no primeiro momento) e recompensador (no saldo final). Com esse objetivo, ele pode contar histórias ou anedotas, recorrer a metáforas futebolísticas, buscar analogias com a situação política nacional, emular o próprio estilo da obra em pauta, conversar com o leitor, provocá-lo, pô-lo para pensar. Sem detrimento da missão primordial de todo o jornalista, qual seja, a de informar (DAPIEVE, 2002, p.104).

Ou seja, as matérias e reportagens de cultura não devem ignorar o lead,

mas também não devem ser “escravas” dele. Como afirmou Ricardo Noblat (2001,

p.99), “o lead é inimigo do prazer que a leitura de um texto pode proporcionar.

Porque inibe a imaginação e a criatividade dos jornalistas. E estimula a preguiça”. A

seis questões primordiais (quem? o quê?, onde? quando? como? e por quê?) devem

ser respondidas ao longo do texto, mas, no caso do jornalismo cultural, não

necessariamente no primeiro parágrafo.

Se diferenciar dos sites e blogs de cultura por meio da qualidade textual,

aprofundamento dos temas e credibilidade é uma alternativa para o jornalismo

cultural dos veículos impressos sobreviver no mundo conectado.

Talvez a substituição periódica do impresso pelo online seja inevitável. O

mais importante é que o jornalismo cultural sobreviva, especialmente em um país

como o Brasil.

O jornalismo cultural só deveria desaparecer, e ter menos espaço nos jornais e meios de comunicação, quando todos tivessem um nível cultural minimamente satisfatório. Aqui, para não dizer que esse nível é vergonhoso e aviltante, como de fato é, vamos dizer que ele está longe de ser o mais minimamente satisfatório possível. (COELHO, 2007, p.28).

Ou seja, divulgar e discutir a cultura, de maneira ampla e democrática, é

necessário e urgente. É preciso criar interesse, pois a demanda nunca deixou de

existir. As empresas de comunicação precisam acreditar na potência do gênero e

superar o preconceito de que cultura não é, nem nunca será, um assunto vendável

ou de interesse popular no Brasil.

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4 A REVISTA NO BRASIL

As revistas são veículos de comunicação de massa, assim como os jornais,

porém mais segmentadas e aprofundadas. Segundo Patrícia Ceolin Nascimento

(2002), as principais diferenciações das revistas com relação aos jornais diários são

o aspecto visual (papel, diagramação, fotos ampliadas) e o textual (informações

mais aprofundadas e interpretativas).

Segundo Marília Scalzo (2004), foi na Alemanha que surgiu a primeira

revista, em 1663, nomeada Edificantes Discussões Mensais. Ela era, na verdade,

uma reunião de artigos, muito semelhante a um livro, porém sendo periódica e

voltada para um público específico. Com o passar do tempo, as revistas foram se

diferenciando, sendo intermediárias entre os jornais e os livros.

O termo revista só começou a ser empregado em 1704, na Inglaterra.

Segundo Scalzo (2004), também foi em terras inglesas que, em 1731, foi fundada a

primeira revista semelhante às publicações de hoje, denominada The Gentleman’s

Magazine.

Porém, é apenas a partir do século XIX que as revistas começam a ganhar o

mercado mundial, efetivamente. Nos Estados Unidos, elas progrediram juntamente

com o crescimento da população alfabetizada, que passou a se interessar em

propagar suas ideias e em ler conteúdos variados. Como explica Scalzo “(...) as

revistas acabam tomando para si um papel importante na complementação da

educação, relacionando-se intimamente com a ciência e a cultura”. (2004, p.21). As

primeiras revistas costumavam tratar de um único assunto, mas com o tempo

expandiram o leque de abordagens.

Nos anos 1930 surge o grande fenômeno editorial norte-americano, a revista

Life, que mais tarde inspiraria grande parte das publicações brasileiras. Conforme

explica Maria Celeste Mira (2001), seu estilo, que valorizava especialmente as

fotografias, fez sucesso na mesma época em que o apelo imagético era forte,

também graças ao cinema. Os principais acontecimentos do século XX, como a

Segunda Guerra Mundial, foram registrados nas páginas da revista, até o seu

fechamento em 1972. Mesmo tendo chegado à gigantesca tiragem de oito milhões

de exemplares, segundo Scalzo, a revista não resistiu aos seus próprios custos de

produção e postais, que aumentaram muito com o passar do tempo.

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No Brasil, conforme Scalzo (2004), as primeiras revistas tiveram vida curta.

A primeira publicação do gênero, a Variedades ou Ensaios de Literatura (1812), teve

apenas duas edições. De caráter mais erudito, as primeiras revistas brasileiras não

seguiam uma linha noticiosa.

No início do século XX, os jornais começaram a abandonar seu caráter

literário para abordar temas mais factuais, como política e economia, criando

cadernos específicos para a literatura e a cultura, separados da paginação normal.

Assim, como explica Sodré (1999), os escritores e contistas que até então tinham o

jornal como meio de divulgar seus trabalhos, começam a se refugiar nas revistas.

Como relata a Mestre em Comunicação Ranielle Moura (2011), nesta época se

disseminaram as revistas ilustradas, com ampla utilização da fotografia, charges,

crônica, caricaturas, manifestações artísticas etc.

Então, em 1928 é fundada, pelo jornalista Assis Chateaubriand, a publicação

brasileira que marcaria uma transição no modo como as revistas apresentavam seus

conteúdos: O Cruzeiro. A revista tinha influencia da Paris Match, que por sua vez

seguia a linha Life. De caráter mais noticioso, O Cruzeiro trazia temas atuais e

relevantes, apresentados com grandes reportagens e séries de fotografias.

Foi com a reportagem fotográfica de O Cruzeiro que surgiram as duplas de repórteres (um repórter e um repórter fotográfico). A mais conhecida e considerada a grande estrela do semanário era formada pelo jornalista David Nasser e o fotógrafo francês, Jean Manzon. O Cruzeiro, mais que informar, passou a interferir nos hábitos e costumes de uma sociedade, ou seja, passou a transformá-la. E, com isso adquiriu um grande prestígio, fazendo que outras revistas passassem a ingressar numa nova era, a da reportagem. (MOURA, 2011, p.10).

O Cruzeiro inspirou e foi modelo para diversas publicações subsequentes,

que teriam o gênero reportagem como estilo textual e a realidade brasileira como

temática central, diversificando os assuntos abordados.

A revista Manchete, por exemplo, de 1952, valorizou ainda mais os aspectos

visuais, como explica Scalzo. Foi em 1966 que surgiu outra revista que marcou

época, muito bem vista tanto por leitores quanto pelos estudiosos e acadêmicos: a

Realidade. Diferente das outras revistas que eram semanais, Realidade era mensal,

o que permitia, segundo Mira, que os textos fossem mais aprofundados. Outro

diferencial da revista era a diversidade de assuntos e a habilidade de abordar temas

de considerável interesse popular.

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Os assuntos que interessam em uma boa revista variam consideravelmente de acordo com a classe social, o sexo e a idade do leitor. São de interesse mais geral, matérias sobre ciência e progresso, grandes problemas brasileiros e assuntos relativos ao sexo e educação sexual. (MIRA, 2001, p.70).

Após a implementação do AI-5, no entanto, a revista polêmica que abordava

assuntos tabus passou por reformulações, e aos poucos foi perdendo leitores, até

encerrar em 1976. Entre as revistas de notícias variadas de grande circulação, a

mais recente que é hoje a mais vendida do Brasil é a revista Veja. Envolvida em

polêmicas desde sua criação, Veja foi fundada em 1968 e mudou consideravelmente

sua linha editorial, especialmente após a demissão de Mino Carta, em 1975.

Durante os anos de ditadura, a revista foi amplamente censurada por seu

caráter combativo. No entanto, segundo Mira (2001), com a saída de Carta e o fim

da ditadura, a publicação adotou uma linha regrada especialmente pelo liberalismo

econômico e pelo conservadorismo. Conforme Raimundo Pereira, que foi

colaborador de Veja na primeira fase, “salvo um período de resistência aos aspectos

mais nocivos do regime, quando era editada por Mino Carta, ela tem sido uma

revista a serviço de grupos palacianos, com um estilo de jornalismo que tem se

deteriorado em função disso”. (PEREIRA apud MIRA, 2001, p.79).

Em comum, as revistas Cruzeiro, Realidade e Veja tinham o estilo textual,

com a reportagem como principal gênero. Isso faz com que o texto das revistas não

esteja preso à extrema objetividade e brevidade dos jornais impressos. Nas

reportagens, a pirâmide invertida e o lead não são obrigatórios e o texto torna-se

mais leve, interessante, dando ao jornalista liberdade para empregar criatividade no

estilo textual. Segundo Vilas Boas (2002), baseado em Muniz Sodré, a narrativa, a

humanização do relato e a clareza da objetividade são imprescindíveis em uma

reportagem.

Vilas Boas (2002) também cita outras características presentes nas boas

reportagens. A abertura envolvente é uma delas, de modo a fisgar a atenção do

leitor nas primeiras linhas, podendo ser descritiva ou por meio de citação.

Sendo um texto mais longo, a reportagem também precisa, em seu

andamento, manter vivo o interesse do leitor. Para isso, são usados recursos da

própria literatura, descrevendo aparências, cenários e trejeitos, porém sempre tendo

a realidade como base sólida.

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No entanto, Vilas Boas lembra que, apesar da liberdade estilística permitida

pela reportagem, especialmente nas revistas, o estilo jornalístico não pode ser

esquecido. O texto deve ser criativo, mas apresentado de maneira clara e acessível.

Apesar de também estar presente em alguns jornais, a reportagem é

explorada de maneira muito mais ampla nas revistas, tanto devido à periodicidade

prolongada, que oferece mais tempo para a apuração dos fatos, quanto porque os

leitores têm o costume de disponibilizar mais tempo para a leitura de revistas.

Apesar de seu estilo mais autoral e interpretativo, Ana Arruda Callado (2002)

lembra que reportagem não é um gênero opinativo. “A reportagem não é matéria

opinativa nem seu texto segue a estrutura da notícia. Porque a reportagem não é o

relato de um fato, mas o levantamento de um problema ou o balanço de uma

situação”. (CALADO apud CALDAS, 2002, p.52).

O jornalismo de revista é, portanto, menos factual e mais interpretativo. É o

que Luiz Beltrão chama de jornalismo intensivo, em que as informações são

transmitidas da maneira mais completa possível, estimulando a reflexão sobre o

fato. O jornalista é responsável por fazer o diagnóstico do acontecimento.

Esse tipo de jornalismo mais aprofundado até pode existir em outros meios

de comunicação, como o rádio e a televisão, mas é no jornalismo impresso que ele

pode e é explorado de maneira mais ampla, pois não é tão fugaz quanto à imagem

em sequência ou o som, permitindo que o leitor assimile as informações de maneira

mais eficaz, como corrobora Scalzo

Ainda hoje, a palavra é o meio mais eficaz para transmitir informações complexas. Quem quer informações com profundidade deve, obrigatoriamente, buscá-las em letras de forma. Jornais, folhetos, apostilas, revistas, livros, não interessa o quê. Quem quer saber mais tem que ler. (SCALZO, 2004, p.13).

Considerando que o livro, apesar de oferecer um conhecimento mais

aprofundado, não é um objeto muito popular no Brasil (a média de leitura por ano é

de dois livros inteiros, segundo pesquisa realizada em 2012 pelo instituto Pró-Livro)

parte do papel educacional conferido aos livros é transferido para o jornalismo,

especialmente o de revista. Nestas publicações, o entretenimento unido à

informação e uma maneira ainda que superficial de conhecimento contam com uma

adesão maior de leitores do que os livros, e são mais aprofundadas do que o jornal

diário.

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Revista une e funde entretenimento, educação, serviço e interpretação dos acontecimentos. Possui menos informação no sentido clássico (as “notícias quentes”) e mais informação pessoal (aquela que vai ajudar o leitor em seu cotidiano, em sua vida prática). Isso não quer dizer que as revistas não busquem exclusividades no que vão apresentar a seus leitores. Ou que não façam jornalismo (SCALZO, 2004, p. 14).

As revistas tornam-se, então, objetos queridos pelos leitores, de fácil acesso

e transporte, com conteúdos atuais, interessantes e até colecionáveis.

Vilas Boas (2002) explica que as revistas podem ser divididas em três

gêneros: ilustradas, especializadas e de informação geral. Para Roberto Civita, um

dos fundadores da editora Abril, saber definir o público é o que faz o sucesso de

uma revista.

A infinidade de assuntos que podem ser abordados nas revistas e a

diversidade de gostos e estilos de leitores fez com que voltassem a existir, além das

revistas noticiosas semanais, periódicos mensais voltados para um assunto ou

público mais específicos.

Há então uma explosão de títulos de revistas segmentadas. Um exemplo

que fez grande sucesso no Brasil foi a revista Cláudia, voltada para o público

feminino. Claudia foi fundada nos anos 1960. Nesta época, com explica Mira, a

sociedade de consumo brasileira estava em pleno desenvolvimento, especialmente

devido ao “milagre econômico”. Além disso, o sucesso da revista se deve também

por ela tratar de assuntos mais polêmicos justamente na época em que a sociedade

passava por consideráveis mudanças no padrão de comportamento, ajudando a

quebrar alguns tabus.

Já a revista Quatro Rodas, fundada na mesma época, era voltada a

assuntos relacionados a carros. Mira também explica que, não por acaso, ela

nasceu juntamente com a implantação da indústria automobilística no Brasil. Foram

títulos que refletiram os interesses de uma época, focalizando em públicos

específicos.

As revistas de sucesso buscam sempre criar identificação com o seu leitor,

seja na linha editorial, na diagramação, no estilo fotográfico, na distribuição das

seções. Scalzo (2004) observa que a variedade deve estar presente em cada

edição, mas as revistas precisam ter marcas de identidade, que crie um sentimento

de familiaridade com o leitor, em aspectos pessoais e visuais, e ao mesmo tempo a

diferencie em meio à extrema variedade de títulos existentes nas bancas.

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A partir dos anos 1990, segundo Scalzo, a segmentação passou a ser ainda

mais discutida e surgiram títulos sobre os mais variados assuntos, de história às

revistas de novela, música e preparação para o vestibular.

Para Scalzo (2004), apesar disso, as revistas não são tão individualistas

quanto a internet, que é criticada por oferecer aos internautas apenas aquilo que

eles querem ler, deixando-os dentro de uma “bolha” de ideologias, sem promover o

debate e a diversidade. “Para as revistas, fica o meio termo: não falar com todo

mundo (como fazem a televisão ou os jornais) e não individualizar seu leitor (como a

internet)”. (SCALZO, 2004, p.49).

Uma revista que merece destaque por seu formato inovador, textos

extensos e bem escritos, com reportagens no estilo do new journalism é a revista

piauí. Ela foi fundada em 2006 por João Moreira Salles, durante a Festa Literária de

Parati, evento que combina muito com o caráter literário da publicação. A revista

mensal trata especialmente de política e problemas sociais, mas também tem a

cultura entre suas pautas. A publicação tem um público fiel, mesmo com seus textos

longos em total contrapartida com a era digital do jornalismo.

Apesar da segmentação intensa nos assuntos das publicações, Scalzo

aponta que, enquanto alguns assuntos são amplamente abordados pelo mercado

editorial das revistas, outros permanecem na penumbra, com pouca ou nenhuma

exploração.

Há publicações generalistas demais: todas falando das mesmas coisas e concorrendo pela atenção das mesmas pessoas. É como se apenas alguns focos estivessem iluminados e todas as publicações se voltassem para eles, enquanto todo o resto permanece inexplorado, mergulhado na mais absoluta escuridão. (SCALZO, 2004, p.50).

Um exemplo disso são as revistas de cultura. Apesar da abundância de

títulos criados no século XX, que divulgaram movimentos artísticos, críticas e

poesias, hoje títulos que tenham a arte como tema central e que explorem o

jornalismo cultural são cada vez mais raros.

4.1 REVISTAS CULTURAIS

Desde o início do século XX, os mais importantes movimentos culturais e

correntes artísticas brasileiras tiveram revistas que representassem suas ideias. Os

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períodos de maior efervescência cultural na sociedade brasileira tiveram, nas

revistas desse gênero, um meio de debater ideias, divulgar talentos e espetáculos. A

crítica e a reportagem culturais foram de extrema importância nesse processo de

democratizar o acesso e os debates sobre as artes e os produtos culturais.

Como relata Sérgio Cohn “a revista sempre exerceu um papel essencial na

cultura e no pensamento brasileiro. Por seu formato ágil, é o suporte ideal para

obras que unam reflexão, crítica e/ou criação artística com o desejo de intervenção

na cultura e sociedade”. (2011, p.11).

Conh (2011) também comenta sobre a difusão, por meio das revistas, de

contos e poesias de autores que mais tarde se tornariam grandes nomes da

literatura nacional. É o caso de Machado de Assis, que teve seus primeiros textos

divulgados em Periódico dos Pobres e O Espelho, além de Carlos Drumond e

Guimarães Rosa e a sua relação com a revista O Cruzeiro. Essa possibilidade de

difundir produtos literários pela imprensa fez com que inúmeros escritores

empreendessem na área para ganhar notoriedade, fato que também determinou a

brevidade da maioria das primeiras publicações do gênero.

Parece ser próprio dessas publicações ter vida breve, suficiente apenas para plantar novidades, deflagrar debates e, sobretudo, revelar talentos. (...) Criadas por grupos de jovens ávidos por abrir espaço na cena literária, é natural que tais revistas percam o valor de ser quando esses se emplumam e ganham segurança para voar sozinhos em seu livro de estreia. (ABRIL, 2000, p. 112)

É o caso, por exemplo, de Alguma Poesia, lançada em 1930.

Houve também aquelas revistas breves que ajudaram a difundir as ideias de

movimentos artísticos, como é o caso de Klaxon e Revista da Antropofagia, ligadas

intimamente ao movimento modernista de 1922 e já citadas no capítulo 3 da

presente monografia. A Revista da Antropofagia foi uma das mais marcantes do

período e foi dividida em duas fases, conforme livro da editora Abril. A primeira fez

críticas à cultura estrangeira. Já na segunda não ficaram livres das críticas nem os

próprios membros do movimento. O radicalismo foi tanto que Chateaubriand, dono

do Diário de São Paulo, ao qual a revista estava vinculada, encerrou a publicação.

Em 1941 surge a revista Clima, fundada pelos estudantes de Filosofia,

Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. Ela era focada, segundo Cohn

(2011), na crítica cultural, com seções fixas de literatura, artes plásticas, cinema,

música, economia, ciências e direito. Diferente da linguagem cômica e satírica usado

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pelos modernistas, estes acadêmicos tratavam a crítica cultural com extrema

seriedade. O conservadorismo da publicação também podia ser observado nos

aspectos visuais da revista, que se estendeu até 1944.

Dois anos depois do encerramento de Clima surge a revista paranaense

Joaquim, voltando a defender alguns princípios modernistas. Conforme Cohn, o

periódico motivou discussões nacionais sobre a renovação artística e cultural, com

colaboração de Mario e Oswald de Andrade e Vinícius de Moraes.

O compositor e cantor de alguns dos maiores sucessos da nossa MPB

também foi colaborador de outra publicação, a Revista da Música Popular, criada em

1954 por Lucio Rangel e Pérsio de Moraes. Conh (2011) explica que a publicação,

que durou 14 edições, tinha como objetivo estimular os debates sobre a música

nacional.

Mas foi em 1959 que nasceu, no Rio de Janeiro, uma das publicações mais

marcantes desse período, a revista Senhor, que mais tarde inspirou a revista

Dinners. Como explica Piza, “em ambas há uma mescla saborosa de reportagens

interpretativas, crítica cultural, inéditos literários, humor, roteiro e seções de moda e

comportamento” (2008, p.38). Senhor também foi notória por contar com

colaboradores de peso como Guimarães Rosa, Clarice Lispector e Jorge Amado.

Segundo Cohn, a publicação também inovou no projeto gráfico, comandado pelos

artistas plásticos Carlos Scliar e Glauco Rodrigues, que utilizaram gravuras,

desenhos e pinturas como inspiração. Era uma combinação de textos inteligentes

com design inovador. Como é citado no livro da editora Abril sobre as revistas:

“‘Nenhum de nós respondia pelo todo’ lembra Scliar. Já na época, sabia que ‘não há

diagramação brilhante que salve uma matéria chata’” (2000, p.132).

A partir do golpe militar de 1964, a imprensa se dividiu naqueles que

apoiavam a ditadura e nos que buscavam combater os militares. As revistas culturais

tornaram-se politicamente engajadas, e assim passa a predominar, como já citado

por Gonçalves (2015), uma cultura ideologicamente esquerdista.

A revista Pif Paf foi um exemplo desta imprensa combativa. Fundada por

Millôr Fernandes, utilizava-se do humor para bater de frente com os militares,

conforme Cohn. A brevidade da revista é explicada por Millôr mais tarde, na primeira

edição de O Pasquim: “se for independente, não durará três meses. Se durar três

meses, não é independente”. (COHN, 2011, p.100).

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Outra revista que, segundo Cohn, foi marcante como publicação que

divulgava a contracultura brasileira foi a revista Navilouca, lançada em 1972. Ela

contava com a colaboração de personalidades como Duda Machado, Jorge Salomão

e Caetano Veloso. A publicação inspirou o surgimento de outras revistas

independentes de cultura e poesia.

Uma das mais duradouras publicações culturais brasileiras foi, segundo

Conh, a Revista de Cultura Vozes, com dez números anuais durante 90 anos.

Fundada em Petrópolis em 1907, nas décadas de 1960 e 1970 a revista se abriu

para as novas tendências da cultura brasileira, divulgando textos sobre os

movimentos artísticos da época.

Muitas das revistas culturais oriundas do século XX eram hiper

segmentadas, pois escolhiam apenas um dos assuntos dentro das artes para

abordar. Exemplo disso foi a versão brasileira revista Rolling Stone (1972), só sobre

música, e Sinopse (1997), abordando temas cinematográficos.

A grande maioria das revistas culturais, além de difundir ideias inovadoras e

contra-hegemônicas, também trouxeram muita criatividade na apresentação de seu

conteúdo. Não apenas falavam de arte, mas se inspiravam nela para criação de sua

identidade visual.

A arte não evolui – muda. Revistas mudam e fazem sentido quando se tornam uma fala poética, transcendem o óbvio. Lembra o poeta e crítico Ferreira Gullar que “para acrescentar à vida mais banalidade, não se faz necessário o artista”. Pois, nesses quase dois séculos de existência, os artistas gráficos se fizeram necessários. Sua função foi enaltecer o conteúdo das palavras. (ABRIL, 2000, p.136)

Os anos 1990 não foram fáceis para as publicações culturais, pelas

dificuldades financeiras enfrentadas. A experiência dos anos anteriores mostrou que

a dificuldade não estava em criar uma revista cultural, mas sim em arranjar meios

para mantê-la.

Da mesma forma, em 1997 é fundada a revista Cult, da editora Bregantini.

Voltada mais para artigos analíticos e reflexivos, a revista, que existe até hoje, trata

especialmente de temas literários e filosóficos, tem uma linguagem mais acadêmica

e também se aventura em outros temas culturais como o cinema e o teatro.

No Rio Grande do Sul, em 1998, uma notória publicação própria de

jornalismo cultural foi fundada graças ao financiamento da Lei Rouanet e de Lei

Estadual de Incentivo à Cultura. Com direção geral de Jorge Polydoro e edição de

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Ricardo Lacerda, Aplauso abordava as áreas artísticas como teatro, música, dança,

literatura, cinema etc. de maneira abrangente. Conforme o site da revista, em seu

período de existência a publicação conquistou diversos prêmios como o Açorianos

de Literatura (1999, 2004, 2005, 2006 e 2007) e o Prêmio ARI de Reportagem

Cultural (2005 e 2007). Em 2012 Aplauso deixou de circular.

Um ano antes de Aplauso, em 1997, nasce de uma pequena editora paulista

intitulada D’Ávila a publicação que seria uma surpresa em termos gráficos e

editoriais, dando a todas as áreas artísticas o mesmo espaço: a revista Bravo!

4.2 A REVISTA BRAVO!

A Bravo! nasceu de uma pequena editora paulista nomeada D’Avila. Na

verdade, ela é 'filha' de outra publicação da editora, a República, que tinha como

subtítulo “o prazer da política e as políticas do prazer”. Segundo Wagner Carelli

(2004), jornalista que trabalhou em ambas as publicações, a seção que

representava “as políticas do prazer” foi a que deu origem ao que mais tarde viria a

ser a revista Bravo!.

A ideia do nome da revista foi de Luis Carta, que chegou a registrá-lo por

considerar um bom nome de periódico. Porém, ele nunca chegou a usá-lo e, na

época em que a D'Avila resolveu lançar sua revista cultural, pediram para Andrea

Carta, filho de Luis, autorização para utilizá-lo – que acabou sendo concedida.

A revista foi viabilizada graças a uma lei de incentivo a cultura, como explica

Luiz Felipe D'Avila, então proprietário da editora.

No início conseguimos fechar grandes pacotes publicitários antes do lançamento da revista, graças a utilização da Lei Rouanet. Isso nos permitiu ter acesso a uma publicidade que não disputávamos com a verba publicitária da "guerra cotidiana" nas agências de publicidade. A Bravo!

sempre deu uma pequena margem de lucro. (D’AVILA, 2015). 3

Conforme explica Carelli, Luiz Felipe D'Avila conseguiu arrecadar todo o

dinheiro para financiar a revista no mês de setembro de 1997, e só então a primeira

edição começou a ser projetada. Só que o lançamento da revista tinha sido

prometido para outubro do mesmo ano. Assim, ela foi toda projetada e montada,

2 Entrevista exclusiva conferida por e-mail em seis de agosto de 2015 (em anexo)

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deste projeto editorial e matérias até fotos e diagramação, em 23 dias, com uma

equipe de seis pessoas, que anteriormente trabalhavam na República.

Ele explica que, no início, eles imaginaram que não haveria assuntos

culturais suficientes no Brasil para preencher todas as páginas da primeira edição, e

cidades como Nova York e Paris entraram na pauta. Porém, a equipe se

surpreendeu com a quantidade de eventos culturais relevantes que aconteciam no

Brasil, não só no Rio de Janeiro e em São Paulo, mas também em cidades como

Belo Horizonte, Salvador e Porto Alegre. Assim, nenhum assunto internacional

acabou sendo utilizado.

Carelli relata que o resultado alcançado na primeira edição surpreendeu

tanto os jornalistas que participaram do projeto quanto os jornaleiros e leitores.

A revista foi para as bancas numa segunda-feira. Na terça-feira as bancas da região dos Jardins ligaram para pedir reposição de muitas centenas de exemplares, que eram exibidos a frente de todas as outras revistas. Os jornaleiros eram unânimes em dizer que aquela era a revista mais bonita já feita no Brasil. Não tínhamos esquema de assinaturas montado, mas ao cabo da primeira semana já se somava quase 200 pedidos – o pessoal procurava o número do PBX lá em baixo do expediente, pequeninho, e ligava reservando a sua assinatura “pra quando tivesse”. (CARELLI, 2004)

Carelli, que foi diretor de redação da primeira edição, também comenta que

em novembro do mesmo ano a revista já ganhou o prêmio de melhor lançamento do

ano.

Com 162 páginas, a primeira edição de Bravo! teve como matéria de capa

os 50 anos do MASP (Museu de Arte de São Paulo), com um encarte que era uma

espécie de mapa mostrando as estruturas e o acervo do museu. Ela foi dividida

inicialmente em seis editorias: Artes Plásticas, Cinema, Livros, Teatro e Dança,

Música e Seções.

Na carta do editor Luiz Felipe D'Avila, publicada na primeira edição, ficava

claro que a revista estava longe de ser uma agenda cultural. Seriam ensaios,

reportagens e críticas, tratando a cultura de maneira aprofundada, porém com um

texto prazeroso. Desde o início, também, a ideia era ampliar o alcance das artes e

do debate sobre elas.

Cultura não é patrimônio de guetos intelectuais, nem o refinamento supérfluo das elites. A cultura transcende barreiras geográficas, políticas, sociais e econômicas, e é um dos instrumentos mais eficazes na formação da cidadania. (…) Para que se amplie o público, não é preciso vulgarizar o tratamento dos temas culturais. O bom texto, a ilustração apropriada e o

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talento reconhecido dos profissionais permitem conciliar o conteúdo profundo com a leitura prazerosa. (D’AVILA, 1997, p.3).

A qualidade da revista foi confirmada por Piza, quando publicou seu livro

sobre jornalismo cultural.

A Bravo! também é uma publicação que quer comunicar o prazer da cultura, não só, em seu caso, pela qualidade dos textos (de autores como Sergio Augusto, Hugo Estenssoro, Sergio Augusto de Andrade, Michel Laub, Almir de Freitas e José Onofre), mas também pela produção visual. (PIZA, 2008 p.115).

Segundo Carelli, a revista chegou a ter 52 páginas de anúncio. No entanto,

isso não impediu que, com o fechamento da editora D’Avila, a Bravo! fosse vendida

para a editora Abril, no fim do ano de 2003. Luiz Felipe D’Avila explicou, em

entrevista, que foi convidado a trabalhar na Abril, mas não estava disposto a fechar

a maior revista de cultura do Brasil. Então, aceitou vendê-la para a editora Abril.

Na época, Carelli, que havia sido editor da Bravo! mas não trabalhava mais

na publicação, encarou a notícia com alguns receios quanto às mudanças que

poderiam ocorrer na qualidade do conteúdo e escreveu que “Bravo! não pode ser

‘apenas um rostinho bonito’. Foi seu conteúdo brilhante, seus textos longos e

abundantes em total contrapartida à tendência geral da imprensa, toda presa ao

dogma falacioso segundo o qual ‘ninguém lê nada’ que fez da revista um sucesso

(...)” (2004, p. 3).

Não se pode dizer que a qualidade da revista diminui com a transferência

para a Abril, mas a linha editorial e o estilo textual se modificaram

consideravelmente. Segundo Armando Antenore, que começou a trabalhar na

publicação nesta época como editor sênior, a revista passou a abandonar os longos

ensaios substituindo-os por reportagens. Além disso, por uma característica da

editora Abril de trabalhar com comunicação de massa e públicos amplos, buscou-se

simplificar a linguagem, torná-la menos intelectual e mais ‘pop’. As matérias se

tornaram menores e, segundo Antenore, ela perdeu 25% do seu número de páginas.

O perfil do público também mudou um pouco. Alguns leitores que gostavam do

antigo formato abandonaram a publicação, enquanto outros foram atraídos por esse

novo estilo.

O número de pessoas que trabalhavam na revista também diminui

consideravelmente. No início, havia um editor e um subeditor para cada área, além

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do editor chefe. Nos últimos anos, a revista era executada por apenas três pessoas

na redação e duas na arte, além de alguns editores terceirizados.

Já a organização da revista não mudou tanto assim. Apesar da capa ter se

tornado um pouco mais “limpa” visualmente, com apenas uma foto grande e as

outras chamadas de matérias em títulos menores, as editorias permaneceram as

mesmas.

Segundo Luiz Felipe, enquanto permaneceu na editora D’Avila, a revista

chegou a vender 15 mil exemplares por mês. Na Abril, esse número aumentou,

porém não de forma estrondosa, chegando, segundo Antenore, a vender 30 mil

exemplares mensais, entre assinantes e compradores de banca. Considerando que

cada exemplar chegava em média a quatro leitores (segundo parâmetros do

mercado publicitário), cada edição alcançava 112 mil pessoas. O número não era

muito expressivo se comparado com outras publicações da Abril, como a Veja, mas

era considerável levando em conta que era uma publicação segmentada.

Em comparação com as revistas de massa, a maioria editada pela própria Abril, os números de Bravo! nem chegavam a fazer cócegas. Mas, considerando que o título voltava-se para um nicho relativamente restrito, o da cultura mais sofisticada, as cifras não parecem tão ruins. Em geral, Bravo! falava sobre manifestações artísticas que, embora se destacassem pela qualidade, não atraíam público quantitativamente significativo. (...) A publicação, por sua natureza, enfrentava o mesmo problema que amargaram todos os artistas do país dispostos a correr na contramão dos blockbusters. (ANTENORE, 2013, p.1).

Da mesma forma, muitos dos eventos, publicações, reflexões, espetáculos e

exposições divulgados na revista não chegariam nem perto de um número como 100

mil pessoas se não fosse a divulgação dada, nas páginas de Bravo!, a essas

manifestações culturais.

E esse era, justamente, o objetivo do publisher Roberto Civita, um dos donos

da editora Abril, ao resolver comprar e manter uma revista como a Bravo!: tornar as

manifestações artísticas mais relevantes do Brasil acessíveis a um número maior de

pessoas, ultrapassando barreiras geográficas e até sociais.

Segundo Antenore, Roberto Civita tinha um olhar renascentista sobre a arte

e até tinha dificuldade de entender algumas manifestações contemporâneas (2013).

O perfil do publisher se refletiu um pouco na revista. No entanto, Antenore afirma

que ele nunca impediu a divulgação de nada que a redação acreditasse ser

relevante no meio cultural.

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Outra característica do periódico, principalmente após ser vendido para a

editora Abril, era não ter um caráter provocativo. Apesar de ter uma seção de crítica

em cada editoria, o texto se classificava mais como uma resenha, pois raramente

apontava aspectos negativos. Para o próprio Antenore, a Bravo! era uma revista

muito ‘boazinha’. Ele acreditava que ela devia “ser mais provocativa nas ideias

mesmo. Isso é uma coisa que se perdeu muito no jornalismo cultural, se é que

algum dia teve isso muito profundamente no Brasil”. (2015). 4

Além disso, o ex editor aponta algumas outras características que poderiam

ter se modificado na revista. Um exemplo disso era a divisão rígidas por áreas

artísticas. Para Antenore, a arte contemporânea misturou muito os tipos de arte

como música, teatro e artes visuais, e a revista não acompanhou essa

modernização. Nesse sentido, tinha um formato um tanto “quadrado”. Ele afirma que

havia muita resistência interna dentro da editora Abril quanto a qualquer modificação

mais drástica, pelo receio de perder leitores (2015).

Além disso, também se pensou em modificar outros aspectos da revista,

para barateá-la, como mudar o papel e o formato, que eram mais caros que os das

demais revistas, mas Civita não aceitava.

Antenore acredita que, apesar dos leitores da revista terem aumentado após

a transição de editora, o fato de ela pertencer a uma estrutura gigantesca como a

editora Abril acabou prejudicando a publicação. Um exemplo disso era a captação

de publicidade, que não era direcionada e acabava captando poucos anunciantes.

Ele explica que, dentro dos núcleos que a editora era dividida, a Bravo! estava no de

Celebridades, junto com a Contigo!. E era muito mais fácil vender anúncios para a

Contigo!, por ter um público mais abrangente. Então, os responsáveis pela venda de

anúncios nem se preocupavam em vender para a Bravo!

E aí, ela nunca direcionou, por exemplo, a publicidade para captar anúncios especificamente para a Bravo! Eu digo, captadores que tivessem uma expertise na área da cultura, que pudessem captar dinheiro junto a anunciantes que de fato pudessem se interessar pela revista. (...). Muitos dos caras que captavam anúncios para a Contigo! nunca tinham aberto a Bravo!. (ANTENORE, 2015). 5

4 Entrevista exclusiva conferida por telefone em 27 de abril de 2015 (em anexo) 5 Entrevista exclusiva conferida por telefone em 27 de abril de 2015 (em anexo)

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A verdade é que a Bravo! não gerava um lucro significativo e às vezes

fechava no vermelho. Muitas pessoas dentro da Abril queriam encerrar o título, mas

Roberto Civita não deixava. Era um desejo pessoal dele ter uma revista como

aquela dentro da editora

No entanto, com a morte de Civita, em 2013, o primeiro título que foi

encerrado foi a Bravo! O fato ainda coincidiu com a fase mais intensa da crise do

impresso, em que a Abril começou a ser atingida, resultando em muitas demissões.

Segundo Antenore, não foram buscadas alternativas para manter a Bravo!, como

vender o título para outra editora ou mesmo mantê-la só online

A gente achava que poderia ter outras saídas, mas eles não discutiram isso com a gente, nada foi discutido com relação ao fechamento da revista com a redação, a gente sabia por boatos. (..) Eu acho que a Bravo! poderia inclusive continuar existindo, mas nunca dentro de uma estrutura como a Abril. (ANTENORE, 2015).

Apesar de alguns problemas administrativos e editoriais, em seu período de

existência Bravo! foi responsável por divulgar e refletir sobre os mais notórios

acontecimentos culturais e artísticos do Brasil. Mesmo aqueles que a criticavam, não

deixavam de admirar a publicação.

Com todos os defeitos que pudesse ter (...) Bravo! não perdeu o respeito do meio cultural. Uns o acusavam de ser conservador, outros de elitista, superficial ou condescendente demais. Mas havia também muita gente boa que gostava de nossas edições. O fato é que mesmo os opositores jamais recusaram sair nas páginas de Bravo! (...) Todos, de um modo geral, reconheciam que a publicação buscava primar pela seriedade. (ANTENORE, 2013).

Em agosto de 2013 chegou às bancas a última edição de Bravo! A capa era

toda em preto e branco e falava sobre José Saramago (que curiosamente também

apareceu na primeira edição da revista). A carta da redação, publicada na página

seis da última edição, falava sobre o avô de Saramago, mas se despedia, em forma

de metáfora. Após 16 anos, chegava ao fim a maior e uma das mais duradouras

revistas de cultura do Brasil.

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5. BRAVA BRAVO!

5.1 PRÉ-ANÁLISE

Os lançamentos de revistas com temática cultural, abrangendo o mundo das

artes, seja de forma ampla ou segmentada, foram relativamente significativos no

século XX. Em livro sobre essa temática, intitulado Revistas de invenção, Sergio

Cohn cita cerca de cem revistas culturais, de 1922 aos anos 2000. Muitas delas

expressaram as ideias de movimentos artísticos, como o modernismo, ou foram

meios de expressão em tempos de censura.

A qualidade de tais publicações sempre esteve em evidência, tanto em

questões de conteúdo como em apresentação estética, a exemplo de Klaxon,

Senhor e Navilouca. Sua importância como meio de expressão e expansão das

ideias artísticas, ou mesmo divulgação de notórios escritores (vide Machado de

Assis e Clarisse Lispector) são incontestáveis.

A grande problemática que envolve as revistas culturais é, portanto, sua

manutenção. Encontrar maneiras de viabilizá-las a longo prazo, de financiá-las, de

captar anunciantes com perfil semelhante e, especialmente de conseguir leitores.

Não apenas manter os leitores já cativos do mundo das artes, mas também atrair

aqueles que não têm um interesse tão específico pelo assunto.

No histórico de revistas literárias ou de jornalismo cultural, mesmo

publicações de reconhecida qualidade e importância tiveram vida breve. Em Minas

Gerais, o periódico intitulado A Revista abria espaço para escritores de diferentes

estilos e idades, como relata Werneck, e durou apenas três edições. No entanto,

serviu de inspiração para o Suplemento Literário, que resite até hoje.

Já Clima, de São Paulo, teve duração de três anos (1941-1944). A revista

Senhor, de reconhecida importância, que contava com colaboradores como Jorge

Amado e Guimarães Rosa, foi lançada em 1959 e durou até 1964.

A maioria dessas publicações tinha caráter independente. Era essa

característica que, segundo Millôr Fernandes, determinava sua brevidade. Bravo!

também começou de maneira mais independente, como publicação da editora

D’Avila e financiamento da Lei Rouanet.

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Aliás, algumas revistas tentaram se manter por meio de leis de incentivo a

cultura. É o caso, por exemplo, da revista Aplauso, de Porto Alegre, fundada um ano

antes de Bravo!. Apesar de ter circulado por 14 anos, a publicação saiu do mercado

em 2012. Tanto no caso de Aplauso, como na primeira fase de Bravo!, antes de ser

vendida para a Abril, apesar de as leis de incentivo terem ajudado a viabilizá-las, a

burocracia e complexidade de tais leis não facilitaram o processo de mantê-las, por

serem revistas periódicas com características próprias, muito diferente de livros.

Jorge Polydoro, em artigo sobre o assunto, explica:

Várias são as dificuldades, a começar pelo rotineiro descasamento entre a circulação que não pode ser interrompida, e os momentos em que ocorrem os aportes dos apoiadores culturais. Isso obriga muitas vezes o produtor cultural a adiantar recursos até receber os aportes para o projeto. Como os recursos chegam a partir da lógica das demonstrações contábeis das empresas, podem demorar. Quando não acontece o pior: não vêm. Nesse caso, a única solução é o produtor bancar a diferença com recursos do próprio bolso, o que ocorreu várias vezes na existência da Aplauso. (POLYDORO, 2013, p.1).

Como observa Polydoro, situação semelhante aconteceu com relação ao

início de Bravo! e a Lei Rouanet: os prazos da lei não acompanharam o processo de

circulação de um periódico.

No entanto, ao ser vendida para a Abril, as dificuldades de financiamento

pareciam ter sido superadas. Pertencendo a uma grande editora, a revista não era

mais totalmente dependente dos investimentos governamentais via Lei Rouanet

para conseguir dinheiro. No entanto, a estrutura gigantesca da Abril, apesar de ter

ajudado a Bravo! a se manter por 16 anos, acabou sendo sua algoz, como explicou

o ex –editor da revista, Armando Antenore.

A verdade é que Bravo! contou com um histórico de importantes revistas

culturais como inspiração. Os acertos e erros das publicações anteriores serviram de

base. Isso fez ela se tornar a mais abrangente revista de cultura do Brasil. No

entanto, alguns fatores intrínsecos à revista em si, e outros relacionados à cultura

brasileira, ao mercado editorial, ao jornalismo cultural no Brasil e à modernidade

fizeram com que ela fosse encerrada em 2013.

Para entender esse processo que envolve o jornalismo cultural e a cultura

das artes no Brasil, será feita uma análise da revista Bravo!, considerando que foi a

mais notória revista do gênero até o seu encerramento. Para uma análise mais

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abrangente serão analisados diferentes itens de cada exemplar (reportagem, crítica,

editorial, capa etc.), além de duas entrevistas exclusivas com os ex-editores da

revista Armando Antenore e Luiz Felipe D’Avila, realizadas em 27 de abril e 6 de

agosto de 2015, respectivamente. Os dez exemplares a serem comentados foram

escolhidos a partir da primeira publicação, de 1997, até a última, de 2013,

respeitando um intervalo de dois anos, para um panorama mais amplo, além de uma

edição especial, que data de 2007. Portanto, servirão como objetos de análise os

seguintes exemplares: 1, 21, 50, 73, 95, 118, 143, 163, 192 e a edição especial nº 4

A metodologia utilizada para tal estudo será a análise de conteúdo hipotético

dedutiva com aferições qualitativas. Como explica Bauer (2011), esse tipo de análise

busca tornar iminente as qualidades e distinções de textos específicos,

especialmente na área das ciência sociais.

Um corpus de texto oferece diferentes leituras, dependendo dos vieses que ele contém. A AC não é exceção; contudo ela traça um meio caminho entre a leitura singular verídica e o 'vale tudo', e é, em última análise, uma categoria de procedimentos explícitos de análise textual para fins de pesquisa social. (BAUER, 2011, p.191).

Ela é utilizada principalmente para o estudo de textos impressos.

O objetivo principal da análise de conteúdo é a formulação de inferências.

Ou seja, formular deduções a partir da análise, utilizando-se, neste caso, do método

qualitativo, que busca significações nas mensagens apresentadas e observa a

presença ou ausência de determinada característica

(…) corresponde a um procedimento mais intuitivo, mas também mais maleável e mais adaptável, a índices não previstos, ou à evolução das hipóteses (...). A análise qualitativa apresenta certas características particulares: válida, sobretudo, na elaboração das deduções específicas sobre um acontecimento ou uma variável de inferência precisa, e não em inferências gerais. (BARDIN, 2004, p.106)

Por meio da análise de conteúdo é testada a veracidade das hipóteses

previamente formuladas. Segundo Bardin, a compreensão do pesquisador sobre o

assunto, durante o processo de análise, pode sofrer consideráveis modificações. As

inferências, portanto, apresentam o resultado, as conclusões da pesquisa, sendo as

hipóteses corroboradas ou invalidadas.

Passaremos então a dissertar sobre as hipóteses.

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5.2 JORNALISMO DE QUALIDADE

5.2.1 O aniversário do Masp e o nascimento de Bravo!

Na primeira edição da revista Bravo!, datada de outubro de 1997 (ANEXO

A), a matéria de capa trouxe os 50 anos do Museu de Arte de São Paulo (Masp)

como temática, apresentando as quatro exposições comemorativas em cartaz no

museu: Michelangelo, Botero, Monet e Portinari. A matéria tem 19 páginas entre

fotos, reportagem, crítica, entrevistas, uma linha do tempo e até um mapa

apresentando as partes do museu. O texto traz todos os elementos citados por

Marília Scalzo (2004) como próprios das revistas, ou seja, entretenimento,

educação, serviço e interpretação.

Ao trazer o dado do número de peças do acervo do Masp, na página 26, o

texto, escrito por Jorge Caldeira, faz uma comparação com o Metropolitan Museum

para facilitar a interpretação do leitor. “A coleção é mínima para os padrões

mundiais: pouco mais de cinco mil peças (o Metropolitan de Nova York tem 2,2

milhões).” (CALDEIRA, 1997, p. 26).

Na mesma página, aparece a primeira retranca da matéria, intitulada

Coronel Macunaíma. A partir daí, o repórter traz uma retrospectiva da história do

museu, contextualizando com a história do país na época “O Masp foi fundado no

dia 2 de outubro de 1947, justo no tempo em que a São Paulo dos imigrantes

começava a dar lugar à São Paulo do migrantes nordestinos. Os italianos eram

substituídos pelos baianos como massa para moldar com carne o cimento da

cidade.” (CALDEIRA, 1997, p. 26).

Aqui entra a parte da educação citada por Scalzo. Trazendo personagens

emblemáticos que foram essenciais na história do museu, como Assis

Chateaubriand e Pietro Maria Bardi, a reportagem vai fazendo uma retrospectiva da

construção do museu concomitante com a modernização e as mudanças sociais da

cidade de São Paulo.

A linha do tempo, presente no rodapé da matéria, também facilita a

compreensão dos principais acontecimentos da história do Masp, em ordem

cronológica.

Já o serviço aparece unido à crítica. Na página 36, Teixeira Coelho

apresenta em seu texto as quatro exposições em cartaz no museu que são

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comemorativas aos 50 anos do local. Porém, ao invés de simplesmente apresentar

ou descrever as obras, Coelho faz uma crítica em forma de reflexão, não

exatamente relacionadas às obra em questão, mas à arte como um todo, aos

artistas da exposição, à industria cultural e à inauguração de exposições como

eventos sociais. Coelho apresenta uma crítica da crítica.

É assim que o Masp, para seus 50 anos, programou quatro exposições para oferecer à cidade: Monet, Michelangelo, Portinari e Botero. As dúvidas e críticas emergem por toda a parte: não é muita arte comercial, não será muito heterogêneo, que imagem de arte o público fará através dessa coletânea? Para começar, já é hora de pôr de lado os clichês que dão o impressionismo de Monet como arte fácil, já aceita e, portanto, desnecessária num grande evento. Uma forma de arte não se torna menor porque seu público se ampliou. (COELHO, 1997, p. 38).

O texto de Coelho traz as características que Piza apresenta como as que

devem existir em uma boa crítica: fazer pensar em coisas que não tinha se pensado,

não adjetivar excessivamente, argumentar em defesa do seu ponto de vista e

demonstrar conhecimento, formação cultural para escrever sobre o assunto em

questão. Aqui começa-se a comprovar a hipótese número um, de que a revista

Bravo! produzia conteúdo jornalístico de qualidade.

5.2.2 O Nobel de Saramago

Apenas dois anos depois de sua criação, Bravo! já era um título respeitável e

notório no meio cultural. Isso pode ser comprovado na edição nº 21 de 1999

(ANEXO B), cuja matéria de capa apresenta uma entrevista com o escritor José

Saramago. Na verdade, foi a primeira entrevista exclusiva concedida à imprensa

brasileira logo após o escritor ter ganho o prêmio Nobel de Literatura.

Intitulada “A terceira palavra de Saramago” a entrevista estilo ping pong

ocupa 11 páginas da publicação e possui 24 perguntas/questionamentos. Em seu

livro sobre jornalismo cultural, Piza recomenda este estilo de entrevista quando o

entrevistado tem frases marcantes, argumentação sólida com declarações fortes e

inéditas. E por isso mesmo esse foi o estilo empregado na entrevista desta edição.

Isso pode ser observado quando Saramago declara, em uma de suas respostas:

“Cristo ressuscitou ao terceiro dia, eu ressuscito à terceira palavra. Porque a partir

do momento em que começo a falar, alguém tem de me dizer: cala-te”

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(SARAMAGO, 1999, p. 62). A afirmação é tão emblemática que inspirou, inclusive, o

título da matéria.

Algumas páginas depois, o escritor faz mais uma afirmação forte que

justifica o uso de uma entrevista pingue pong. “No fundo, a palavra autêntica, a

palavra verdadeira é a palavra dita. A palavra escrita é apenas uma coisinha morta

que está ali, à espera de que a ressuscitem. E é no dizer da palavra que a palavra é

efetivamente palavra”. (SARAMAGO, 1999, p. 66).

Outra observação feita por Piza, se tratando de entrevistas na área da

cultura, é de que o jornalista deve ter um considerável conhecimento sobre a obra

do artista para fazer questionamentos que fujam do óbvio. Piza recomenda: “E,

claro, especialmente quando for, digamos, um grande escritor, procure ler seus

principais trabalhos e as entrevistas que deu antes, para chegar ao encontro com

perguntas pertinentes” (PIZZA, 2003, p.85).

Na entrevista feita pelos jornalistas de Bravo! com Saramago, este

conhecimento da obra é demonstrado em perguntas como “O Sr concorda que

Ensaio sobre a Cegueira tem muitas semelhanças com o universo da obra de

Kafka?” (RIOS, ALBUQUERQUE e LAUB, 1999, p. 65).

Além de questionar o escritor sobre suas obras passadas, seu estilo de

escrita e o prêmio Nobel, a entrevista não perde o espírito jornalístico da busca pela

novidade, quando, entre as últimas perguntas, surge o questionamento sobre o novo

romance do escritor. No final, a informação crítico jornalística aparece em um box

que indica os quatro melhores livros de Saramago na seleção de Bravo!

5.2.3 Bravo! é arte – na forma e no conteúdo

Desde sua primeira edição, Bravo! causou grande alvoroço nos meios

culturais e editoriais brasileiros. Além dos textos de qualidade, uma das

características que mais chamou atenção na revista foi a apresentação visual, o

projeto gráfico original e criativo. Como citou o ex- editor de Bravo!, Wagner Carelli,

“os jornaleiros eram unânimes em dizer que aquela era a revista mais bonita já feita

no Brasil” (2003).

Apesar de já ter nascido com um projeto editorial inovador, Bravo! não

deixou de buscar aprimoramento também em sua apresentação visual. Na edição nº

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50, de 2001 (ANEXO C), a revista traz a capa mais “limpa” visualmente, com apenas

uma foto grande e ampla.

No editorial, a então diretora de redação Vera de Sá explica as mudanças.

“Bravo! muda por fidelidade a si mesma, para reafirmar sua recusa de ser apenas

uma bela embalagem da cultura produzida no Brasil, e permanecer ela própria como

um produto cultural de referência contemporânea.” (SÁ, 2001, p.17).

Isso vai ao encontro do que Scalzo cita como necessário em um bom design

e plano editorial: variedade e algumas marcas de identidade. Ou seja, Bravo!

manteve suas marcas mas buscou trazer uma apresentação inovadora em alguns

aspectos, como pode ser observado nas figuras 1 e 2, que comparam a capa da

primeira edição com a de número 50.

Figura 1 – Capa revista Bravo! n. 1 Figura 2 – Capa revista Bravo! n. 50

.

Fonte: Revista Bravo! (1997, n.1, p. 1) Fonte: Revista Bravo! (2001, n.50, p.1)

Scalzo também diz que a tipologia da revista deve ser regida conforme o

universo de interesse dos leitores. Sendo Bravo! uma revista de cultura e arte, sua

apresentação não poderia deixar a desejar no aspecto visual. As cores que

diferenciam as editorias, e a grande quantidade de fotografias e ilustrações casam

com a temática da revista.

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Em livro da editora Abril sobre as revistas, nota-se a importância da

apresentação visual e edição para que os textos e a revista como um todo possam

se comunicar efetivamente com o leitor, atrair sua atenção e criar um sentimento de

identidade.

Essa mágica que dá expressão e personalidade ao que o repórter escreveu, o fotógrafo documentou e o diretor de redação imaginou chama-se editar. No caso das revistas, é dar a tudo uma identidade (com uma capa – que é a face), para torná-las um conjunto coerente e singular (as páginas – o miolo) buscando atrair o leitor e ganhar dele a lealdade eterna. (ABRIL, 2000, p.123).

Bravo! buscava, assim, uma combinação de apresentação visual agradável

aos olhos (com combinação harmoniosa de cores e fotografias) e comunicativa, de

modo a facilitar e ampliar a compreensão do leitor por meio de infográficos e box

informativo.

5.2.4 O alcance da arte contemporânea

As reflexões abrangentes sobre o mundo das artes permeavam as pautas de

Bravo!, especialmente nesta primeira etapa, antes de ser vendida para a editora

Abril. A revista utilizava-se de acontecimentos, novidades e lançamentos no mundo

das artes para refletir sobre assuntos que ultrapassavam a própria notícia.

Um exemplo disso é a reportagem/ensaio apresentada na edição 73,

publicada em 2003 (ANEXO D). O texto utiliza o mote da 4ª Bienal do Mercosul, que

estava em cartaz em Porto Alegre, para trazer reflexões sobre a arte contemporânea

como um todo. A abertura da matéria já traz um questionamento provocador,

seguida de uma resposta parcial que deixa brechas para interpretação do leitor.

A arte contemporânea está ultrapassada? Embora possa parecer um tanto capciosa, a pergunta procede. Há claros indícios de que a arte que assim se intitula está cada vez mais distanciada do grande público, mais à margem das preocupações da sociedade como um todo, enfim, cada vez menos atual. (CARDOSO, 2003, p. 72).

No segundo parágrafo, a matéria traz informações sobre a Bienal, como a

temática, os países dos artistas participantes e a curadoria. Em seguida, faz uma

relação com o evento e as reflexões a respeito da arte contemporânea. O texto

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apresenta algumas características do que Vilas Boas (1996) define como jornalismo

interpretativo intensivo, ou seja, determinar o sentido de um fato, fazer reflexões

sobre ele e transmitir informações da maneira mais completa possível. No caso

dessa reportagem, intitulada “A Pergunta Incômoda”, o autor da matéria, Rafael

Cardoso, utiliza o fato da realização da Bienal para estimular reflexões sobre a arte

contemporânea, trazendo também dados e fatos para justificar seus

questionamentos e interpretações.

“A questão gira em torno da relação entre a arte e o público. Existe um

público para a arte contemporânea? Seria fácil demonstrar, a partir de estatísticas,

tanto que sim como que não.” (CARDOSO, 2003, p.74). Em seguida, ele cita os

casos da Bienal de São Paulo com seu amplo alcance e das mostras individuais e

seus públicos reduzidos. A interpretação, presente nesta matéria, é uma das

funções primordiais, segundo Vilas Boas, do jornalismo de revista.

5.2.5 A popularidade das sinfônicas

Em 2005, a publicação nº 95 (ANEXO E) trouxe, entre suas chamadas de

capa, a seguinte frase: sinfônicas, o público aumenta e as orquestras aparecem.

Mesmo não sendo a matéria principal da edição, a reportagem ganhou dez páginas,

com direito a amplas fotografias, três boxes informativos e um infográfico explicando

a localização e função de cada grupo de instrumentos dentro de uma orquestra.

Mais uma vez, a revista fez uso de informações mais factuais, como as

orquestras em cartaz nos teatros de Rio de Janeiro e São Paulo e a vinda de

renomados grupos internacionais para o Brasil, para debater temas mais

abrangentes como as causas do considerável aumento de público nos concertos de

música clássica.

A reportagem intitulada “Sinfônicas movimentam novas plateias” traz uma

característica bastante utilizada nos textos de revistas, denominada por Vilas Boas

(1996) de abertura envolvente. É aquela abertura que não apenas foge do lead

tradicional dos jornais impressos diários, mas também “fisga” a atenção do leitor.

Segundo Vilas Boas, a abertura pode ser descritiva ou começar por uma declaração

citação. No caso da matéria sobre as orquestras, a descrição foi a tática adotada

para chamar a atenção do leitor e, ao mesmo tempo, revelar o assunto que seria

abordado no texto.

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Num dia do último mês de maio, a soprano búlgara Mariana Zvetkova saiu de seu camarim pouco antes de sua apresentação e foi conferir de perto uma cena inusitada: uma fila de mais de um quarteirão diante da bilheteria do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Zvetkova presenciara um fato incomum na história da música erudita brasileira, especialmente porque se tratava da apresentação de uma ópera sem grande popularidade por aqui, Macbeth, de Giuseppe Verdi. O que será que mudou? (TRINDADE, 2005, p. 72).

Em texto sobre jornalismo cultural, Arthur Dapieve (2002) fala sobre a

importância de fazer com que as informações sejam assimiladas pelo maior número

de pessoas sem, no entanto, tratar o leitor como imbecil. Ele diz que o jornalista

pode ser traído por seu próprio conhecimento e por isso é preciso otimizar a

comunicação. Na reportagem sobre as orquestras, esse quesito é atendido, tanto no

box que explica a origem das orquestras, sua formação e o início da cultura dos

concertos no Brasil, quanto no infográfico que, por meio de imagens, apresenta a

localização exata e a função de cada classe de instrumentos.

5.2.6 O perfil de Nelson Rodrigues

Apesar de já ser editada pela Abril desde o início de 2004, na edição de

2007 de Bravo! é possível perceber uma maior semelhança com o modelo adotado

nos últimos anos, em termos de diagramação e organização da revista. A capa, por

exemplo, apresenta no cabeçalho, acima do título, as seis principais áreas

abordadas pela revista (música, cinema, livros, artes plásticas, teatro e dança).

Além disso, na edição 118 (ANEXO F), a carta do editor fala de algumas

alterações, como a mudança de lugar da seção ensaio, que deixa de figurar entre as

primeiras páginas da revista e se desloca para depois da reportagem que trata do

assunto em questão no ensaio. Além disso, percebe-se o que Armando Antenore

afirmou em entrevista quando disse que, ao ser vendida para a Abril, a Bravo!

perdeu muito do seu caráter ensaístico, passando a trabalhar mais com reportagens.

Comparativamente, a edição 73 de 2003, aqui já citada, trazia um ensaio de nove

páginas enquanto essa, de 2007, o ensaio ocupa apenas uma página.

As indagações pertinentes e textos de qualidade, no entanto,

permaneceram. Na edição 118, a manchete traz a pergunta “Por que não temos

mais um cronista como ele?” com uma foto de Nelson Rodrigues ao fundo. No

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interior, a edição apresenta, a partir da página 28, um perfil do escritor e cronista

brasileiro, com um total de oito páginas entre texto e fotos.

Piza (2005) fala sobre os elementos de um bom perfil em seu livro sobre

jornalismo cultural. Entre eles está contar passagens relevantes da vida e carreira do

entrevistado. No caso do perfil de um artista já falecido, como é o caso de Nelson

Rodrigues, fez-se uso de entrevistas com pessoas próximas e críticos.

A reportagem começa com o relato de um episódio do início da carreira do

escritor, que o consagrou como dramaturgo.

Na noite de 28 de dezembro de 1943, a nata da elite intelectual carioca – embaixadores, escritores, poetas e jornalistas – lotou o Teatro Municipal do Rio de Janeiro para assistir a estreia de Vestido de Noiva. O autor, o então jovem dramaturgo Nelson Rodrigues, de 31 anos, passou todo o tempo na antecâmera de um camarote apavorado, ora de frente, ora de costas para o palco, a úlcera pegando fogo. (PIMENTA, 2007, p.30).

Neste trecho, nota-se o uso de técnicas do new journalism com a descrição

miniciosa de uma cena, dando ao leitor a sensação de estar assistindo ao ocorrido.

O perfil também revela, no decorrer do texto, algumas curiosidades da vida

do autor, como o fato de fumar quatro maços de cigarro por dia, ter tuberculose aos

23 anos, ser cardíaco e enxergar mal. Isso demonstra uma intensa pesquisa do

jornalista que fez o perfil, não só a respeito da obra do escritor, mas de todo a sua

vida, o que é essencial em um perfil.

Piza também recomenda que, ao fazer um perfil, o jornalista recolha

depoimentos dos amigos e inimigos do artista em questão. Apesar de não seguir a

risca esta indicação, Edward Pimenta, autor do perfil de Nelson nesta edição de

Bravo!, mostra os dois lados do escritor. Apresenta, no lado positivo, a fala do

professor de literatura da USP Fabio de Souza Andrade. “Nelson Rodrigues tinha

alguma coisa de vitoriano deslocado, de Disckens da Pavuma, sem demérito para

nenhum dos dois. A atualização de arquétipos míticos e uma linguagem sensível às

imagens fazem de seu teatro coisa difícil de se igualar” (ANDRADE apud PIMENTA,

2007, p.32). Já no aspecto negativo, Pimenta decide trazer à tona o apoio de Nelson

Rodrigues com relação ao regime militar.

No final do perfil, são elencados alguns tópicos que podem responder, ainda

que parcialmente, a pergunta de por que não existe mais um cronista como Nelson

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Rodrigues. O contexto histórico está entre os principais motivos. Assim, a revista traz

dados e costumes que permearam a história brasileira nos anos 1930.

5.2.7 Dédale – entre a crítica e a resenha

Sendo uma publicação sobre arte e cultura, Bravo! não poderia deixar de dar

espaço para a crítica, apesar de nunca ter sido o seu foco, seguindo uma tendência

do próprio jornalismo cultural moderno, de dar mais espaço para a reportagem do

que para a crítica (PIZA, 2003).

Desde sua primeira edição, no entanto, a revista apresentava um espaço

intitulado Crítica para cada uma das áreas abordadas. Apesar do espaço reduzido

(uma página) a crítica de Bravo! conseguia dar conta, ainda que de forma resumida,

aos itens que Artur Dapieve (2002) apresentou como essenciais em um bom texto

desse gênero.

Na edição 143, de 2009 (ANEXO G), a revista traz uma crítica escrita por

Renata Peppl intitulada “Encontro no Labirinto”. A obra em questão é o filme-

instalação Dédale, criado pelo cineasta francês Pierre Colibeuf, que estava em

exibição no Instituto Iberê Camargo, em Porto Alegre. O texto segue o roteiro básico

apresentado por Dapieve: fornecer um mínimo de informação sobre a obra (serviço),

contextualizar o trabalho dentro da obra do autor, contextualizar o autor dentro do

cenário artístico e opinar. Este último item é o que mais caracteriza a crítica, ou seja,

a tomada de posição sobre a qualidade ou os defeitos da obra em questão.

Trata-se de um pedido para também sentir – e não só pensar - o encontro de Colibeuf com Iberê. Além de oferecer uma nova ótica sobre o legado de um dos maiores nomes da arte moderna brasileira, Dédale pode ampliar ainda o alcance do trabalho dos dois artistas, estimulando não só o interesse brasileiro pelo cineasta francês, mas também a projeção internacional da obra de Iberê. (PEPPL, 2009, p.64).

Em suma, segundo Piza, a crítica deve informar o leitor sobre o que é a

obra, analisá-la e fazer o leitor refletir. Isso é parcialmente alcançado pela crítica de

Bravo!, ainda que, como afirmou o próprio editor da revista Armando Antenore, a

crítica na revista tivesse também alguns elementos de resenha. As características de

uma boa resenha são esclarecidas por Piza:

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A boa resenha, portanto, e ainda que em pouco espaço, deve buscar uma combinação desses atributos: sinceridade, objetividade, preocupação com o autor e o tema. E deve ser em si uma “peça cultural”, um texto que traga novidade e reflexão para o leitor, que seja prazeroso ler por sua argúcia, humor e/ou beleza. (PIZA, 2003, p.71).

A crítica desta edição também apresenta uma foto que reproduz uma cena do

filme-instalação e um pequeno box com o serviço da exposição.

5.2.8 Contos célebres

Ainda em 2003, Bravo! começou a publicar, nas últimas páginas, uma seção

de contos de ficção de diversos autores. A ideia segue uma tradição de periódicos

culturais. Colaborações literárias já estiveram presentes até mesmo nos jornais

diários quando havia, no século XIX, uma relação muito próxima entre jornalismo e

literatura. Quando surgiram os cadernos culturais, estas colaborações foram

transferidas para lá. Como já foi visto no capítulo 4, as revistas culturais mais

importantes do século XX também contaram com seções literárias, com

colaboradores como Carlos Drumond de Andrade e Clarice Lispector.

Ou seja, a literatura de ficção foi separada do jornais no início do século XX,

passou a se refugiar nas revistas culturais e ilustradas e foi, gradativamente,

desaparecendo, sendo substituída por crônicas. Nas publicações culturais, a

reportagem passou a ser o principal estilo textual.

A revista Bravo!, portanto, buscou resgatar essa tradição de publicar contos

na imprensa e conseguiu unir, em uma mesma revista, além do jornalismo das

reportagens, perfis e críticas, a literatura presente nos contos.

No decorrer dos anos, a seção mudou de nome. Começou chamando-se

Inéditos, mudou para Saideira e, por último, para Ficção Inédita. Na edição 163 de

2011 (ANEXO H), é possível observar que Bravo! se preocupava com a qualidade

dos contos publicados, convidando autores de reconhecido talento, como é o caso,

nesta edição, de Fabrício Carpinejar. O conto, apesar de fictício, traz reflexões que

podem servir para situações reais. Ao apresentar uma carta supostamente escrita

por uma filha cuja mãe morreu em um acidente aéreo, Carpinejar traz à tona

debates sobre o relacionamento familiar e até mesmo sobre lembranças da ditadura

militar.

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É estranho que você tenha sido sorteada pela tragédia após vencer azar, desgosto, privação. Logo você que brigou contra a ditadura, não é justo. (...) Não parei para ouvi-la, você enfrentou a prisão quando jovem, eu sofria um pavor de que tivesse sido maltratada. A vontade era gritar: Cala a boca, não pedi para saber! (CARPINEJAR, 2011, p. 96).

Assim, Bravo! buscou, por meio de suas páginas, não apenas retratar

eventos culturais, divulgá-los e debater sobre eles, mas também ser um pouco

dessa cultura.

5.2.9 Adeus em metáfora

Em agosto de 2013, após 16 anos de existência, chegava às bancas o 192º

e último número da revista Bravo! (ANEXO I). Na capa, José Saramago (que

também esteve presente na primeira edição). Apesar das informações sobre o fim

da revista já terem vazado nos sites de notícia, os leitores menos informados

poderiam não saber que aquela seria a última edição de Bravo!. Isso porque, de

maneira explícita, o exemplar 192 não deixava claro este fato.

Porém, algumas dicas foram dadas, de forma subjetiva. Uma delas era que

Bravo!, acostumada a apresentar, como uma revista de arte que era, capas

coloridas e obras de arte, nesta edição estava toda em preto e branco, podendo

indicar uma espécie de luto.

Mas a principal indicação estava no editorial, a chamada Carta de Redação.

Aparentemente, não era de despedida. Não falava dos melhores momentos da

revista, da importância que ela teve para o jornalismo cultural e nem sequer

apresentava motivos para o seu fechamento.

Em sua última edição, Bravo!, na verdade, utilizou-se de recursos que

caracterizam o bom texto de jornalismo cultural. Dapieve fala que é permitido o uso

de ambiguidade. Piza comenta que o texto desses veículos pode utilizar metáforas e

riqueza verbal.

Todos esses elementos estavam presentes no editorial da última edição de

Bravo! A primeira vista, o título “O melhor jeito de dizer Adeus” parecia indicar uma

carta de despedida da redação. Porém, na linha de apoio, o assunto apresentado

era outro: “Como o avô de Saramago se despediu de uma pequena floresta”.

No decorrer do texto, falou-se sobre quando, após um Acidente Vascular

Cerebral, o avô de Saramago teve que se despedir da vila e casa onde morava para

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ficar sob cuidados no hospital. Ao invés de utilizar as palavras, tão queridas por seu

neto, o avô apenas abraçou as árvores plantadas no quintal.

Chegando então ao último parágrafo do texto, o redator-chefe, Armando

Antenore, explicou a metáfora utilizada:

Ocorre que, em determinadas circunstâncias, ações similares às do avô têm impacto maior que posturas como as do neto. Há despedidas que não encontram tradução. O que falar diante de um amigo que se muda pra bem longe, um amor que morre, um projeto querido que se interrompe? Às vezes, o melhor – o mais preciso e eloquente – é dar adeus em silêncio. (ANTENORE, 2013, p. 6).

Em 54 linhas e quatro parágrafos, a até então maior revista de cultura do

Brasil se despedia de seus leitores.

5.2.10 Os melhores da cultura

Além das revistas mensais que divulgavam, como dizia o próprio lema da

revista, o melhor da cultura no referido mês, algumas vezes Bravo! produzia edições

especiais. Entre essas edições esteve a série 100, que trazia o top 100 de assuntos

relacionados à cultura como os 100 livros essenciais da literatura brasileira, os 100

filmes essenciais ou os 100 livros essenciais da literatura mundial.

Na edição número quatro dessa linha de especiais (ANEXO J), Bravo trouxe

os 100 lugares essenciais da cultura, com os principais museus, teatros, bibliotecas

e monumentos do mundo, na área cultural. A seleção foi a partir de critérios que

ficam claros na carta do editor

Para a elaboração do ranking, nos guiamos, em primeiro lugar, pelos critérios mais objetivos para cada área - o acervo dos museus e das bibliotecas e a acústica das salas de concerto, por exemplo. Mas também pesaram a importância conferida pela história e pela tradição em alguns casos, porque os lugares, além dos destinos, têm uma carga simbólica. (FREITAS, 2007, p.5).

Em 111 páginas a edição trouxe os mais diversos pontos culturais do mundo

chegando a citar 49 cidades diferentes. Nesta edição, Bravo! mostra que não pecava

pelo nacionalismo exacerbado, que às vezes assola as publicações culturais. A

revista estava atenta à cultura em todo o mundo. Como ressalta Piza (2003) “cultura

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é expandir horizontes, até mesmo para enxergar melhor o seu entorno. O jornalismo

cultural deve se nutrir disso”. (2003, p.62).

Mais uma vez, Bravo! se mostrou uma intermediária entre o jornal e o livro.

Nesta edição, o texto não é técnico como em um guia turístico e nem breve como

em um caderno de viagens do jornal de fim de semana. Apesar de não ser um texto

totalmente jornalístico, tendo em vista que não há entrevistas, a linguagem

jornalística não deixa de estar presente, sendo um texto informativo, claro e, ao

mesmo tempo, interessante. Isso pode ser observado, por exemplo, na matéria que

fala sobre o Museu Hermitage, nº 25 na lista, localizado em São Petesburgo.

Com 3 milhões de itens, o Museu Hermitage ocupa seis edifícios localizados à margem do rio Neva, no centro de São Petesburgo, na Rússia. Seu imenso acervo conta a história da arte mundial com peças que vão da Antiguidade ao século 20. Mesmo com mais de mil salas, somente 5% das obras do museu estão expostas atualmente. Estima-se que para ver apenas esse percentual, uma pessoa poderia levar cerca de nove anos andando pelos corredores dos edifícios. (BRAVO!, 2007, p.46).

Na edição, aparecem desde pontos mais conhecidos como o Museu do

Louvre, a Brodway, o teatro Bolshoi e o MOMA, até locais menos famosos como o

Mosteiro de Mafra, o Museu Nacional do Iraque e o Concertgebouw (Amsterdã).

A abertura envolvente citada por Vilas Boas (1996) também está presente

em grande parte dos textos dessa edição. No texto sobre o Museu Guggenheim

(Bilbao), mostra-se como a cultura pode salvar a economia de uma cidade. “Como

um museu pode mudar a vida de uma cidade inteira? O museu de Guggenheim, que

comemorou 10 anos em 2007, é o exemplo de que uma instituição museológica

pode impulsionar a economia e a cultura de uma região inteira.” (BRAVO!, 2007,

p.39).

Entre os lugares citados, cerca de 15 se localizavam nos Estados Unidos, 14

na França, 12 na Inglaterra, 10 na Itália e 5 na Rússia. O Brasil também aparece no

ranking, porém apenas uma vez. O MASP (Museu de Arte de São Paulo) aparece

em 63º lugar. A escassez de lugares brasileiros pode ser entendida até mesmo

como uma crítica relacionada à ausência de locais culturais de importância mundial

em terras brasileiras.

Tendo esses dez exemplares como amostra do conteúdo produzido pela

revista Bravo!, foi possível, a partir da leitura deles, comprovar a hipótese número

um: a revista Bravo! produzia conteúdo jornalísticos de qualidade

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5.3 ESTRUTURA CLÁSSICA, CULTURA CONTEMPORÂNEA

Não se pode afirmar que a revista Bravo! permaneceu igual durante seus 16

anos. A linha editorial e as estrutura da revista sofreram algumas alterações. No

início, por exemplo, quando ainda pertencia à editora D’Avila, a revista era mais

ensaística, com textos longos e linguagem mais rebuscada. Quando foi vendida para

a Abril, a reportagem passou a ser o “carro chefe” e os ensaios diminuíram até

desaparecerem. A capa se tornou mais “limpa” visualmente. O ex redator-chefe

Armando Antenore, que começou a trabalhar na revista quando ela foi vendida para

a Abril, comenta sobre algumas dessas mudanças.

Perdeu muito do caráter ensaístico, ela passou a ser mais uma revista de reportagens, perdeu muito da linguagem mais rebuscada, acadêmica. Embora nunca tenha sido acadêmica, tinha uma linguagem intelectualizada e passou a ter uma linguagem mais pop, um pouco mais acessível a um público mais amplo. (ANTENORE, 2015).

Além disso, algumas editorias vieram e outras desapareceram, como é o

caso da “Primeira Fila”. Consistia nas seguintes seções: em ensaios fotográficos de

artistas ou bastidores de espetáculos, na seção ‘Nossa Aposta’ (que revelava

talentos) e em uma página que trazia um breve questionário com algum artista.

Apesar disso, de maneira geral, Bravo! não teve mudanças estruturais

significativas durante seus 16 anos de existência. É o que está dito na hipótese

número dois que afirma que o a revista não se modernizou com o passar dos anos.

Isso começa a ser comprovado quando se faz uma comparação entre os sumários

da primeira edição, de 1997, e a última, de 2013.

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Fugura 3 – Sumário revista Bravo! n. 1

Fonte: Revista Bravo! (1997, n.1, p. 6 e 8)

Figura 4 – Sumário revista Bravo! n. 192

Fonte: Revista Bravo! (2013, n. 192, p. 4-5)

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As editorias principais da revista permaneceram exatamente com a mesma

divisão: artes visuais, música, cinema, livros e teatro/dança, sendo que, nas edições

mais recentes, esta última seção passou a chamar-se somente teatro, apesar de

também divulgar eventos de dança.

Segundo Antenore, essa divisão tornava a revista um tanto engessada.

Por exemplo, eu achava que a divisão por editorias, como era quando ela nasceu, então tinha música, cinema, teatro, eu acho que isso não faz o menor sentido mais hoje em dia. Isso tudo se misturou muito. Mesmo na arte contemporânea, há tantas coisas que poderiam ser cinema ou que poderiam ser intervenções sonoras, enfim, ou a performance que se confunde com teatro. Eu achava que dividir desse jeito assim, cartesiano, engessava muito a revista. Havia meses que não tinha nada tão interessante para falar de teatro, então por que eu precisava ter a editoria de teatro? (ANTENORE, 2015).

Para Szantó, as universidades e os meios de comunicação são as únicas

instituições que ainda não eliminaram as barreiras de categorização das artes. “Nos

nossos dias as artes estão se mesclando como nunca antes. A maioria dos

desenvolvimentos vitais nas décadas recentes foi sobre como eliminar fronteiras”.

(2007, p. 43).

Ou seja, em 16 anos houve muitas mudanças, especialmente no campo da

comunicação, da cultura e das artes, mas a revista Bravo! não acompanhou essas

mudanças de maneira incisiva e continuou a seguir um modelo muito semelhante ao

adotado no século XX. Segundo Antenore, o que impedia que essas mudanças

fossem feitas era a própria editora Abril, que tinha resistência em inovar.

Para Antenore, a própria importância que a internet ganhou com o passar

dos anos deveria ter provocado mudanças substanciais na publicação. A agenda,

por exemplo, no final de cada editoria, já não era tão necessária. Transferindo-a

para o site, essas páginas poderiam ser utilizadas para o aprofundamento dos

assuntos. Aprofundamento esse que parece ser a principal função dos veículos

impressos na era digital.

Conforme Sergio Augusto, a agenda e o roteiro cultural passaram a dominar

os cadernos e publicações culturais

A crescente oferta de cultura no Brasil leva o jornalismo a ter uma preocupação frequente com o serviço, se vê pressionado a atender uma demanda de consumo de cultura de entretenimento. Não é mais o jornalismo cultural que está discutindo a literatura, o cinema. Você tem também uma pressão de orientação cultural e serviço cultural. Os cadernos

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de cultura tinham uma parte considerável ocupada pelo roteiro cultural. (informação verbal) 6

Antenore acredita, no entanto, que esse papel de agenda e serviço já

poderia ter sido delegado para a internet, para os sites que falam de eventos

culturais. Assim, sobraria mais espaço para que os veículos impressos pudessem

produzir textos mais analíticos, que provoquem o leitor. “O jornalismo cultural tem

esse papel simultâneo de orientar e incomodar, de trazer novos ângulos para a

mentalidade do leitor-cidadão” (PIZA, 2003, p.117).

Outra característica da revista, segundo o próprio ex editor, era ter uma

visão mais clássica com relação à arte, deixando a arte contemporânea em segundo

plano. Isso não é, necessariamente, um fator negativo, mas esse tradicionalismo

pode ter levado a publicação a não conquistar novos leitores.

Se fizer uma comparação, por exemplo, com a revista Select, que existe até

hoje, percebe-se uma considerável diferença. A Select é focada em arte e cultura

contemporânea, mas deixa essa segmentação clara logo na capa. Quem lê a Select

não espera encontrar matérias sobre arte clássica na revista. As seções são muito

mais maleáveis, não existe uma divisão por áreas artísticas, já que, como já foi dito,

atualmente as áreas se misturam muito.

Bravo! também tinha resistência em divulgar assuntos que não estivessem

em evidência no meio cultural. Isso era uma resistência da Abril, que tinha receio de

perder público se desse destaque para o que não fosse mainstream, como explica

Antenore:

Os assuntos que iam para a capa eram sempre mainstream (...). Quando a gente percebeu que o Crioulo era um cara que estava despontando, a gente nunca poderia dar na capa o Crioulo. A gente deu matéria, mas não podia dar capa, porque a Abril não deixava. (ANTENORE, 2015).

Essa característica, segundo Werneck (2007), é uma tendência do

jornalismo cultural: o que não está em evidência não merece espaço. As

ferramentas, hoje, permitem que as publicações conheçam o seu público e

determinem exatamente o tipo de conteúdo que lhe interessa. Isso parece bom, mas

pode ser prejudicial se for o fator determinante, pois não sobra espaço para divulgar

o que é bom, mas aparentemente não é tão vendável. Não há espaço para o

6 Conforme palestra proferida no curso de Jornalismo Cultural (SP) em 22 de abril de 2015

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jornalismo divulgar a novidade e oferecer ao público aquilo que nem ele próprio sabe

que gosta, pois desconhece.

O problema é que a certa altura, boa parte do jornalismo cultural passou a reservar todo o espaço para o mainstream, a corrente principal, da produção cultural. O que estiver fora disso quase fatalmente será ignorado. Mas não dá para ser escravo do mainstream! O que predomina é a postura elitista de falar apenas do que interessa à grande maioria. E na política das redações, é difícil e até arriscado tentar fugir disso. (WERNECK, 2007, p.67).

Ou seja, apesar de seu conteúdo relevante, com assuntos de interesse,

abrangência de todas as áreas da cultura, textos jornalísticos de qualidade e

apresentação gráfica atraente, Bravo! pecou por não acompanhar as mudanças,

tanto no modo de se fazer e estruturar a cultura, quanto no avanço tecnológico, que

ocasionou transformações significativas no modo de se comunicar. Acabou-se de

comprovar, portanto, a segunda hipótese: o formato e os assuntos abordados na

revista não se modernizaram com o passar dos anos.

A revista de arte e cultura foi vanguardista em seu lançamento, mas, com o

tempo, foi tomada pela inércia da grande estrutura em que estava inserida, no caso,

a editora Abril.

5.4 A (FALTA DE) CULTURA ARTÍSTICA – ENTRE LEITORES, EDITORAS E

ANUNCIANTES

Não restam dúvidas de que o Brasil já produziu inúmeras publicações de

qualidade na área do jornalismo cultural. Porém, a grande problemática encontrada

para esse tipo de publicação não é encontrar jornalistas ou escritores gabaritados

para delas fazer parte, e nem sequer eventos e assuntos relevantes no território

brasileiro para divulgar, mas sim encontrar uma maneira de se manter

financeiramente. O que determina o sucesso ou fracasso de uma publicação são,

essencialmente, três pontos: os leitores, as editoras e os anunciantes.

Como já foi visto no capítulo 3, o jornalismo cultural no Brasil nunca foi muito

popular. Isso porque as artes não chegam a despertar o interesse da massa

populacional brasileira. Isso se deve a diversos fatores. Como já foi citado, um deles

é o desenvolvimento tardio do Brasil na área educacional. Frias Filho explicou, em

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palestra proferida em 2015, que etapas foram queimadas e isso prejudicou o

desenvolvimento do interesse dos brasileiros pela arte de uma forma geral.

Nos países que se tem um desenvolvimento capitalista mais maduro, mais profissional, passaram por um período de educação artística anterior aos adventos dessas formas mais imediatas como a televisão e a internet, o que permitiu que se criasse uma clientela, com uma parcela da população que tinha o hábito, o gosto e o discernimento em termos dessas formas de arte mais exigentes. (informação verbal) 7

Como explica Muníz Sodré (2001), as pessoas que estão na base da

pirâmide social não têm tempo nem instrução para dar à cultura a devida atenção.

“(...) os objetos e os bens ditos ‘culturais’ são praticamente ignorados pelas classes

trabalhadoras, ocupadas como sempre estiveram nas lutas em favor de melhores

condições materiais de vida (salários, redução do tempo de trabalho etc.).” (SODRÉ,

2001, p.167).

Sendo o Brasil um país subdesenvolvido, esse contingente da população é

ainda maior. Além disso, outros fatores podem ter colaborado para um gradual

desinteresse da população pela cultura. Um deles é o período da Ditadura Militar.

Apesar de a produção cultural ter sido intensa nesse período, sendo uma forma de

resistência, a censura impediu que essa produção chegasse a um contingente

significativo da população. Além disso, a retirada de disciplinas como filosofia e

sociologia da grade curricular escolar intensificou o processo da alienação dos

jovens.

O interesse reduzido pela cultura, consequentemente, diminuiu o número de

leitores das publicações voltadas exclusivamente para as artes (apesar do esforço

dos cadernos culturais). No caso da revista Bravo!, esse público se resumia a cerca

de 30 mil compradores mensais. Armando Antenore explica que o número não é tão

desprezível considerando que era uma revista segmentada, mas era extremamente

pequeno para o padrão da editora Abril, acostumada em trabalhar com a

comunicação de massa.

Era como se houvesse um choque entre a velha ordem e a nova ordem. A velha ordem pensa em números grandes, pensa em comunicação de massa mesmo. E a nova ordem começa a entender que existem as comunidades e que você pode trabalhar para um pequeno nicho e dentro desse nicho tentar fazer um negócio. Claro que esse negócio não vai dar o mesmo tipo de lucro, não vai remunerar da mesma maneira as pessoas que trabalham nele, enfim, mas é um negócio viável. (ANTENORE, 2015).

7 Conforme palestra proferida no curso de Jornalismo Cultural (SP) em 22 de abril de 2015

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Ou seja, apesar de o público interessado em cultura ser relativamente

pequeno, ele existe e não deve ser ignorado. Além disso, um dos motivos que pode

ter levado este público a não aumentar consideravelmente é, justamente, o fato de

os grandes conglomerados de comunicação não darem a devida importância aos

assuntos culturais.

É muito clara e precisa a diminuição do espaço para a reflexão sobre a cultura. De maneira geral, há uma presunção tola dos meios de comunicação do Brasil, a de que o brasileiro não se interessa pelos assuntos, de que não há tempo para a leitura e que, portanto, deve-se reduzir os textos. A briga de muitos como eu é justamente para fazer o contrário, fazer com que o Brasil possa ter uma New York Review of Books, onde seja possível escrever um artigo com dez laudas, vinte, uma verdadeira reflexão sobre cultura. Mas a resposta, por parte dos empresários do jornalismo, é uma só: ‘Não há público para isso’. Vejo aí uma falta de espírito empreendedor muito grande. (COELHO, 2011, p.28).

Na França, por exemplo, como cita Ángeles García (2012), jornais como o

Le Monde trazem diariamente notícias sobre cultura na capa. No Brasil, isso é muito

raro. É um círculo vicioso: o público é reduzido e os meios de comunicação não dão

espaço para a cultura por causa do público reduzido, que não aumenta porque os

meios de comunicação não contribuem para isso. No caso da revista Bravo!, o fato

de ela pertencer a uma grande editora como a Abril até pode ter ajudado a revista a

sobreviver por mais tempo, com o fechamento da sua primeira editora, a D’Avila.

Porém, no fim das contas, a Abril acabou sendo a algoz de Bravo!. O ex editor da

revista, Armando Antenore, afirma que o fato de Bravo! pertencer a uma editora

como a Abril acabou prejudicando a publicação. Era uma megaestrutura

desnecessária e até prejudicial para o tipo de publicação segmentada que era a

Bravo!.

Então, por exemplo, a Abril ocupava um prédio de 24 andares. (...) E ela pagava um aluguel por esse prédio. Esse aluguel era rateado pelas redações. Então, a Bravo! pagava um aluguel para ocupar o espaço que ela ocupava, só que esse aluguel era super caro. A Bravo! poderia funcionar em uma casinha, pagando um aluguel dez vezes mais barato. (ANTENORE, 2015).

Outra problemática enfrentada pela publicação era relacionada com os

anunciantes. Quando o proprietário da editora D’Avila, Luiz Felipe D’Avila, vendeu a

Bravo! para a Abril, ele acreditava que a rentabilidade da publicação aumentaria

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substancialmente. “A Abril poderia dar a Bravo! o que ela nunca teve: escala. E

imaginava que dobraríamos a circulação com a venda de assinaturas e que

conseguiríamos muito mais anúncios com a máquina de venda publicitária da Abril”.

(D’AVILA, 2015).

A circulação até aumentou, de 15 para 30 mil, mas como tempo esse

número estagnou. Além disso, a editora não direcionava a publicidade para o tipo de

anunciante que poderia realmente se interessar por uma revista voltada à cultura.

Antenore explica que a Abril era dividida em núcleos e cada um tinha um

departamento de publicidade responsável por captar anunciantes para esses

núcleos. Porém, Bravo! não estava no núcleo compatível com o seu perfil. Ela

estava inserida no núcleo de celebridades, o mesmo da revista Contigo!.

Então, o cara ficava preocupado em captar anúncio para a Contigo, porque eles ganhavam por comissão. Ele tinha que vender anúncio para a Bravo! também, mas ele não estava preocupado se ia vender para a Bravo! ou para a Contigo!, ele estava preocupado em fazer a grana dele. E era muito mai fácil vender para a Contigo!, até porque o tipo de anunciantes que vai para a Contigo!, muitas vezes, não se interessa pela Bravo!. Então ninguém ficava trabalhando ali especificamente para a Bravo! (ANTENORE, 2015).

Ou seja, não havia um real interesse da editora pela continuidade da revista.

Tanto é que, como afirmou o próprio Antenore, quando a Abril decidiu encerrar

algumas de suas publicações devido à crise econômica e à crise do impresso, a

revista Bravo! foi a primeira da lista, e não foram debatidas outras formas de

viabilizá-la nem sequer no meio online

Eles não cogitaram absolutamente nada. Não cogitaram vender, não cogitaram transformar em online, isso deixou a gente bem chateado, porque foi realmente a primeira revista que eles cortaram logo que começou essa onda de demissões (...) as outras revistas não foram simplesmente fechadas, elas foram transferidas para a editora da Caras e com a Bravo! não teve nenhuma possibilidade de negociação (...). (ANTENORE, 2015)

A crise do impresso também foi determinante. A internet mudou

completamente a lógica de se comunicar, o que abalou o jornalismo drasticamente.

As grandes empresas, acostumadas com o velho modelo comunicacional, não

souberam se reinventar. O grande erro da imprensa foi que, ao invés de tentar se

diferenciar da internet, ela resolveu imitá-la, trazendo mais do mesmo.

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Na verdade, desde o surgimento da televisão, começou-se a acreditar que

todo o tipo de informação poderia ser simplificado, resumido, transformado em

imagem, e que a assimilação dos fatos por parte do público continuaria a ser o

mesmo. Porém, como explica Ignacio Ramonet (2004), a eficácia da palavra escrita

não é a mesma da imagem televisionada.

Muitos cidadãos acham que, confortavelmente sentados no sofá de sua sala de estar, vendo na telinha uma sensacional cascata de eventos com imagens muitas vezes fortes, violentas e espetaculares podem informar-se seriamente. É um erro total. (RAMONET, 2004, p.136).

O autor explica que para informar-se é preciso um esforço e mobilização

intelectual. A televisão e a internet, com seu imediatismo, ditaram algumas regras

como a de que as informações devem ser fáceis, rápidas e divertidas. E os veículos

impressos, ao invés de se apresentarem como uma alternativa a esse tipo de

comunicação, acabaram seguindo essas regras.

Assim, o jornalismo cultural, que já não era o mais popular, tornou-se, nos

meios impressos, ainda mais relegado ao esquecimento por não se diferenciar. As

decisões equivocadas das editoras e a falta de interesse em aprimorar uma área

que, aparentemente, não traz retorno financeiro satisfatório foram outros motivos

que levaram Bravo! a ser encerrada em 2013.

Assim, comprova-se a hipótese três: o jornalismo cultural não é valorizado

pelas grandes empresas jornalísticas. No entanto, a hipótese quatro, sobre o

jornalismo cultural não ser um assunto vendável no Brasil é comprovada apenas

parcialmente. Isso porque o fato de ser ou não vendável é relativo. Tendo a

comunicação de massa como parâmetro, os números são realmente pequenos.

Porém, se formos pensar na nova ordem e na comunicação segmentada, os 30 mil

compradores de Bravo! estão longe de ser um público irrisório.

5.5 INFERÊNCIAS

O jornalismo cultural brasileiro precisa ser valorizado. Como se pôde

perceber, por meio da análise de diferentes elementos dos 10 exemplares de Bravo!,

desde 1997 até 2013, muitas foram as contribuições da publicação para debates e

reflexões sobre a cultura e a produção artística no Brasil. Dos 50 anos do MASP até

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o aumento do público das orquestras, das bienais de arte contemporânea até os

lugares mais importantes da cultura mundial, a maior parte dos assuntos mais

relevantes da área da cultura foram, nas páginas de Bravo!, registrados,

aprofundados e debatidos. Além disso, desde o seu lançamento ela tinha um grande

diferencial: o de ser multidisciplinar, como explica o fundador da editora que deu

origem à Bravo!, Luiz Felipe D’Avila:

A Bravo! se propôs, desde o início a ser uma revista para as pessoas que

desejavam ter um guia para mergulhar no mundo fascinante da cultura.(...)

A segunda característica importante da revista era tratar de todos os temas

culturais em uma única revista: artes plásticas, cinema, literatura, música e

teatro. (D’AVILA, 2015).

Mesmo que tenha perdido número de páginas e corpo de texto com o passar

dos anos, especialmente após a transição de editoras, a revista não perdeu sua

qualidade. Apesar de vender cerca de 30 mil exemplares por mês, ela foi encerrada

em 2013. O fechamento se deu alguns meses após a morte de um dos proprietários

da editora Abril, o publisher Roberto Civita. Segundo Armando Antenore, ex-editor

da publicação, nos últimos anos Bravo! passou a ser quase que um projeto pessoal

de Civita, já que muitos queriam encerrar a publicação, considerando o retorno

financeiro pouco satisfatório, se comparado com outras revistas da editora Abril. Por

isso, é impossível dissociar o fechamento da publicação da morte do publisher.

Porém, este foi apenas o estopim de um processo de desinteresse por parte

da editora de reavivar a publicação, que já estava se estendendo há anos. A

publicidade, por exemplo, não era direcionada para empresas que pudessem

realmente se interessar em anunciar na revista. Estando no núcleo de Celebridades,

junto com a revista Contigo!, Bravo! jamais conseguiria arrecadar um número

considerável de anunciantes. Assim como os jornalistas que escrevem sobre cultura

devem ter conhecimento sobre o assunto, os profissionais que vendem anúncios

para uma publicação cultural devem ter uma mínima noção sobre os temas

abordados na revista em questão, para que possam oferecer anúncios para

empresas cujos clientes se identifiquem com a temática cultural.

Além disso, a ideia de comunicação de massa seguida pela Abril foi

prejudicial à Bravo!, considerando ser uma revista segmentada. Os parâmetros da

editora ligados à velha ordem impossibilitaram que a revista se modernizasse de

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maneira efetiva com o passar dos anos. Os assuntos da capa precisavam ser

mainstream, o que não permitia que a revista fosse de fato inovadora, como foram

grande parte das publicações culturais anteriores. Inclusive, essa "caretice” da

editora pode ter levado a revista a não conquistar novos públicos, especialmente os

jovens, interessados nas novidades.

Outro fator a ser levado em conta é que, ao considerarmos a segmentação

de interesses dos leitores, muito comum na modernidade, o público interessado pelo

jornalismo cultural existe e é expressivo, ainda que não seja de massa. A ampliação

desse público no Brasil poderia se dar se as editoras jornalísticas dessem mais

espaço para a cultura. Além disso, as deficiências educacionais do Brasil precisam

ser superadas. Ainda que se tenha melhorado muito nesse aspecto, com a

diminuição do número de analfabetos, por exemplo, ainda há muito para ser

aprimorado, especialmente na área da qualidade educacional. Como se pôde

perceber nas falas de Daniel Piza e Teixeira Coelho, cultura e educação estão

intimamente relacionadas, sendo uma alicerce da outra.

Por fim, para que o jornalismo cultural, tanto dos cadernos culturais quanto

das revistas no estilo de Bravo! se aproxime mais de seus leitores, ele precisa se

reinventar. Isso não quer dizer seguir o modelo comunicacional trazido pela web, de

informações objetivas e resumidas, até porque isso não combina com a natureza

profunda do jornalismo cultural, mas sim apresentar um modelo próprio de

comunicação, que possa unir interação e profundidade, despertar interesse e ser

relevante. Assim como a arte, o jornalismo cultural deve estar conectado com o seu

tempo, usar a tradição para criar novos modelos e nunca se entregar ao comodismo.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Viu-se até aqui um apanhado não só da modernidade do jornalismo cultural,

mas também de publicações históricas. Os capítulos iniciais trataram da indústria

cultural, do jornalismo cultural, seu surgimento e as publicações de renome, da

história e características das revistas no Brasil e, especificamente, das revistas

culturais. Pretendeu-se, com isso, dar um panorama que elucidasse minimamente o

porquê de as revistas culturais não terem sucesso duradouro no Brasil, a ponto de a

maior revista do gênero, a Bravo!, ter fechado em 2013, questão norteadora dessa

monografia.

Para tanto, nos servimos de hipóteses que ajudaram a fazer a leitura desse

fenômeno. Três delas, que diziam respeito à qualidade do conteúdo produzido pela

revista Bravo!, o fato de ela não ter se modernizado com o passar dos anos e as

editoras não valorizarem o jornalismo cultural no Brasil foram comprovadas. No

entanto, uma delas, que afirmava que o jornalismo cultural não é um assunto

vendável no Brasil, foi comprovada apenas parcialmente.

Isso porque, considerando os parâmetros da comunicação de massa

pertencentes à velha ordem, a revista Bravo! e as publicações de jornalismo cultural

no geral não têm número de vendas expressivo. Porém, se formos pensar na nova

ordem, que segmenta a comunicação, entende-se que o público está dividido em

núcleos de interesse e que é possível criar um negócio rentável tendo a

comunicação segmentada como base. Neste cenário, o jornalismo cultural pode ser

considerado um assunto vendável, ainda que não se aproxime, no Brasil, do

interesse alcançado por assuntos como o futebol.

Assim, os objetivos centrais desse trabalho foram alcançados. Eles

consistiam em comprovar a importância do jornalismo cultural para disseminação

das artes, além de verificar a qualidade do jornalismo produzido pela revista Bravo!,

sua importância no meio cultural, e apresentar os erros e acertos da revista durante

seus 16 anos de duração

Tolstoi afirmou que as artes têm a função de reunir os homens, transmitindo

para o meio físico a unidade de sentimentos que representam a humanidade. É por

meio da arte e da cultura que as pessoas se manifestam, expressam pensamentos,

filosofias, críticas, criatividade. Toda a história da humanidade e suas criações estão

na arte registrados. Por isso, o jornalismo cultural, como aquele que divulga as

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criações e eventos artísticos e amplia o debate sobre eles, é tão importante quanto o

jornalismo político, econômico ou social. É por meio dele que o alcance das artes e

da cultura pode se ampliar, assim formando uma sociedade mais consciente.

Alguns assuntos são super valorizados na mídia brasileira, enquanto outros

permanecem à margem do circuito midiático. Os esportes, por exemplo,

especialmente o futebol, ganham grande destaque, tanto na mídia impressa quanto

digital. Pode-se dizer que o apreço por esse assunto seja da tradição brasileira, e de

fato é.

Porém, isso provoca a desvalorização de outros assuntos de extrema

importância para o desenvolvimento de uma sociedade sadia. O público brasileiro

não é um apreciador nato de arte, mas também não é incentivado para que se torne.

E é a reflexão sobre essa problemática que esse trabalho buscou trazer à tona.

Autores como Daniel Piza, Teixeira Coelho e Szantó ajudaram a comprovar

o valor do jornalismo cultural e a importância a ele dada em outros países, enquanto

no Brasil ele é cada vez mais desvalorizado.

Com a ajuda desses autores, das entrevistas com Armando Antenore e Luiz

Felipe D’Avila e com a análise das revistas Bravo! também foi possível responder à

questão norteadora deste trabalho. O jornalismo cultural não tem sucesso duradouro

no Brasil devido ao contexto histórico, social e educacional do país, onde não há

uma predisposição do público para ter interesse por assuntos como as artes. Essa

situação se agrava ainda mais pois as grandes editoras jornalísticas não

demonstram um real interesse por tornar tais publicações mais abrangentes.

Preferem investir naquilo em que o lucro é garantido e dar cada vez mais espaço

para aquilo que já tem notoriedade suficiente.

No caso específico de Bravo! o seu fechamento foi provocado por uma soma

de fatores. Apesar dos esforços de Luiz Felipe D’Avila e Roberto Civita, a publicação

acabou sendo vítima da megaestrutura que estava inserida. A editora Abril foi falha

em questões administrativas e editoriais com relação à revista. Com a crise do

impresso, não conseguiu ser criativa, ou simplesmente não teve interesse de buscar

novas formas de viabilizar Bravo!, uma publicação tão admirada no meio cultural.

Apesar das perspectivas parecerem negativas, esse trabalho também

ajudou a relembrar que, apesar das dificuldades, diversas publicações de qualidade,

na área do jornalismo cultural, já foram produzidas em território brasileiro. O legado

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deixado por todas elas, e especialmente pela Bravo! não pode ser esquecido. O país

pode e deve se desenvolver na área do jornalismo cultural.

O primeiro passo para tornar isso viável é superar preconceitos no que diz

respeito ao jornalismo cultural, tanto no quesito importância quanto no seu alcance.

E a mudança, nesse caso, teria que vir de cima, das editoras. Ou então, de mentes

empreendedoras e criativas dispostas a investir nesse segmento, como fez a editora

D’Avila quando lançou a Bravo!.

Este estudo acadêmico, portanto, contribui para os debates sobre a

valorização do jornalismo cultural, apresentando algumas respostas e certamente

estimulando novas perguntas. O trabalho de pesquisa é de valia tanto para o

jornalismo quanto para os interessados em comprovar a importância da inserção da

cultura e das artes no cotidiano, que são essenciais para a construção de uma

sociedade brasileira em que a democracia esteja presente não só na política, mas

também no acesso à educação e à cultura.

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ENTREVISTAS

ANTENORE, A. Entrevista concedida a Alana Bof. Caxias do Sul, 27 de abr. de 2015 D’AVILA, L.F. Entrevista concedida a Alana Bof. Caxias do Sul, 6 de ago. de 2015 PALESTRAS

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ANEXOS

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ANEXO A

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ANEXO B

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ANEXO C

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ANEXO D

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ANEXO E

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ANEXO F

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ANEXO G

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ANEXO H

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ANEXO I

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ANEXO J

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ENTREVISTAS

Entrevista com Luiz Felipe D’Avila (via e-mail)

ALANA BOF: Como foram os primeiros anos da revista? Quais as principais

dificuldades enfrentadas?

LUIZ FELIPE D’AVILA: A revista BRAVO teve ótima acolhida pelo mercado desde o

primeiro número. Não demorou para a revista criar um número de leitores fieis. A

venda da revista foi sempre muito constante e estável. Vendíamos uma média de 12

a 15 mil exemplares/mês. A Bravo! tornou-se rapidamente a referência do mercado

de cultura. Em mercados hiper-segmentados, ser o líder é vital para a sobrevivência

da revista. As dificuldades enfrentadas eram inerentes aos títulos de pequena

circulação: venda de publicidade para um mercado viciado em "custo por mil

exemplares"; conseguir aumentar a carteira de assinantes; ter dinheiro para investir

em outras mídias, como internet e eventos.

Ao contrário de publicações, nunca tivemos dificuldade em recrutar gente talentosa

para trabalhar na redação. A Bravo! se tornou um sucesso, graças à sua capacidade

de reunir muita gente talentosa na redação.

ALANA BOF: Qual era o objetivo central da publicação quando ela foi lançada?

LUIZ FELIPE D’AVILA: A Bravo! se propôs desde o início de ser uma revista para

as pessoas que desejavam ter um guia para mergulhar no mundo fascinante da

cultura. Nosso objetivo foi tratar de maneira douta a cultura popular e de maneira

popular a cultura erudita. Era uma forma de despertar o interesse e a curiosidade do

nosso público para os assuntos da revista. A segunda característica importante da

revista era tratar de todos os temas culturais numa única revista: artes plásticas,

cinema, literatura, música e teatro.

ALANA BOF: Era difícil conseguir anunciantes para a revista? Ela chegou a dar

lucro?

LUIZ FELIPE D’AVILA: No início, conseguimos fechar grandes pacotes publicitários

antes do lançamento da revista, graças a utilização da Lei Rouanet. Isso nos

permitiu ter acesso a uma publicidade que não disputávamos com a verba

publicitária da "guerra cotidiana" nas agências de publicidade. A Bravo! sempre deu

uma pequena margem de lucro.

Mas, a batalha mensal pelos anúncios avulsos sempre foi difícil, o que nos levava a

criar cadernos especiais, encartes e outros projetos, como meio de conseguir nos

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diferenciar na batalha do "custo por mil" nas agências. Ademais, tínhamos muitos fãs

da revista nas empresas e nas agências de publicidade. Isso ajudou.

ALANA BOF: O que levou a revista a ser vendida para a Abril?

LUIZ FELIPE D’AVILA: Fui convidado pelo Roberto Civita para trabalhar na editora

Abril. Eu não conseguiria trabalhar na Abril e tocar a Bravo!. Também não estava

disposto a fechar a maior revista de cultura do Brasil para trabalhar na Abril. Quando

a Abril fez uma oferta pela revista, aceitei vendê-la e trabalhar na Abril.

A Abril poderia dar a Bravo! o que ela nunca teve: escala. E imaginava que

dobraríamos a circulação com a venda de assinaturas e que conseguiríamos muito

mais anúncios com a máquina de venda publicitária da Abril.

ALANA BOF: Após a venda, você continuou acompanhando a publicação?

Percebeu muitas mudanças no conteúdo e na linha editorial?

LUIZ FELIPE D’AVILA: Durante o período da Abril, criou-se o Prêmio BRAVO de

Cultura, que se tornou um dos prêmios culturais mais importantes do país. Eu não

dirigi a BRAVO durante a minha passagem pela ABRIL. Durante um curto período,

ela ficou no meu grupo de revistas, mas eu não tratava mais da parte editorial.

A linha editorial da revista mudou. Faz parte do jogo quando você vende um título. A

orientação editorial mudou.

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Entrevista com Armando Antenore (via telefone)

ALANA BOF: A primeira pergunta que eu queria fazer é se, antes da Bravo! ser

comprada pela editora Abril, se tu já acompanhava a publicação?

ARMANDO ANTENORE: Eu não era propriamente leitor da revista, mas eu tinha

trabalhado um tempo, justamente no momento em que a Bravo!, saiu da editora

D’Avila, que é a editora onde ela nasceu, eu trabalhava nesse momento em uma

revista também editada pela D’Avila chamada Revista da Jovem Pan, que a Jovem

Pan é uma rádio aqui de São Paulo, e a FM tinha uma revista, acho que ainda tem,

não tenho certeza se ainda tem. E naquele momento essa revista estava sendo

editada pela D’Avila editora, que fazia, além da Bravo!, revistas customizadas. E eu

tinha acabado de sair da Folha de São Paulo, onde eu tinha trabalho por onze anos,

e eu comecei a entrar no mercado das revistas aí. E a Jovem Pan dividia a redação

com o a redação da Bravo!. Foi mais ou menos de junho a dezembro de 2003. E no

fim de 2003, a D’Avila fechou e a Bravo! foi comprada pela Abril. Nesse momento,

em 2003, todo mundo que trabalhava na D’Avila foi demitido, com exceção da

redação da Bravo!, que foi para a editora Abril. Como eu não era da Bravo!, eu fiquei

sem emprego. Mas por coincidência, meses depois, eu fui trabalhar em uma outra

revista da Abril, chamada VIP, e só mais tarde é que eu fui cair na redação da

Bravo!. Eu não era leitor da revista, mas tinha contato com a revista, com os

jornalistas da revista, eu conhecia as pessoas.

ALANA BOF: Tu acha que teve muitas mudanças no perfil da revista depois que ela

mudou de editora ou ela permaneceu mais ou menos parecida com o que ela era?

ARMANDO ANTENORE: Teve mudanças grandes. Perdeu muito do caráter

ensaístico, ela passou a ser mais uma revista de reportagens do que de ensaios. Ela

perdeu muito da linguagem mais, não vou falar obscura, mas um pouco mais

rebuscada, um pouco mais acadêmica, embora a Bravo! nunca tenha sido uma

revista acadêmica, mas ela tinha uma linguagem mais intelectualizada. Eu não estou

encontrando o adjetivo melhor, mas acho que você está entendendo. E passou a ter

uma linguagem mais pop, um pouco mais acessível a um público mais amplo. A

linguagem da revista antes era uma linguagem voltada para pessoas que estavam

familiarizadas com o que a gente chama de alta cultura. E na Abril, por

características da própria editora, que busca sempre atingir um público mais amplo,

a primeira coisa que eles pediram foi que a gente simplificasse a linguagem da

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revista e que a gente fosse aos poucos retirando o caráter ensaístico da revista, que

ela passasse a ser uma revista de reportagens. Também o tamanho das matérias

diminui, o corpo da revista aumentou, o corpo da tipografia, ela perdeu massa de

texto e com o tempo foi perdendo páginas também. Começou com o mesmo número

de páginas que ela tinha na editora D’Avila, eu não lembro exatamente quantas, e

depois esse número caiu talvez um quarto, uns 25%. Mas teve sim mudanças, e

houve muita chiadera de leitores e perda de leitores. A gente perdeu, não sei te

precisar quantos leitores em porcentagem, mas a gente perdeu um número

significativo de leitores, e depois ganhou outros que vinham atraídos por essas

novas características da revista.

ALANA BOF: Mas e o saldo final foi positivo ou negativo? Quando ela ganhou

novos leitores ela ganhou mais do que ela perdeu?

ARMANDO ANTENORE: Acho que acabou ficando mais ou menos no mesmo lugar.

A revista nunca teve um grande crescimento dentro da Abril. Se manteve mais ou

menos no mesmo lugar que ela estava quando pertencia a D’Avila mas mudou um

pouco o perfil do público.

ALANA BOF: E ela tinha uma redação fixa de jornalistas ou eram mais

colaboradores?

ARMANDO ANTENORE: Então, isso também variou com a passagem do tempo. De

início ela tinha uma redação até grande para um tipo de revista como essa.

ALANA BOF: Quantos jornalistas mais ou menos?

ARMANDO ANTENORE: Ah, não sei exatamente, você teria que pegar os primeiros

números pra olhar porque no expediente tem. Tinha um editor pra cada área, e

ainda tinha um sub de cada área, um diretor de redação, um redator chefe, todos

muito bem pagos. Era uma utopia na verdade, porque o cara que fundou a revista

tinha pretensões de criar um jornalismo de alta cultura no Brasil.

Ele começou com duas revistas, uma chamada República, mais voltada para

política, e outra era a Bravo!. Todas revistas muito bem acabadas do ponto de vista

gráfico, com esse olhar mais de elite mesmo, mais liberal, com caráter liberal, mais

do que com um olhar de esquerda, era um olhar liberal. Tanto que o Reinaldo

Azevedo trabalhava na revista, esse colunista hoje, tido como um dos principais

colunistas de direita do país que tá ligado à Veja, ele trabalhava na revista.

Tinha uma redação super bem paga e grande, mas isso foi se mostrando

comercialmente inviável e quando a D’Avila vende a revista ela já tinha uma redação

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bem diminuída. E aí na Abril ela foi perdendo gente, de tal modo que no fim a revista

tinha eu como redator chefe, ela não tinha mais um diretor de redação, tinha uma

editora que trabalhava dentro da revista, que era a Lucia, tinha uma repórter, que

era a Nina, e o resto, tinha duas pessoas na arte, a revista era isso. Todas as

editorias perderam seus editores, então a gente terceirizava editores, trabalhava

com pessoas como freela que ganhavam um fixo pequeno por mês para serem

editores da área, eles editavam a distância. Mas quem fechava a revista éramos nós

três: eu, Nina e Lucia.

ALANA BOF: No texto que tu publicou quando a Bravo! fechou tu afirmou que ela

sempre operou no vermelho, e mesmo assim ela durou, permaneceu ativa por mais

de 15 anos. O que tu achas que fez com que ela durasse tanto tempo apesar de não

dar um lucro significativo?

ARMANDO ANTENORE: Pura e simplesmente a vontade dos publishers.

Primeiramente o Luiz Felipe D’Avila, quando ainda era da D’Avila, e depois o

Roberto Civita. Ele queria que a revista existisse. Ele me falou algumas vezes e

falou também pra alguns diretores da revista. Ele disse que não tinha interesse em

ganhar dinheiro com a revista. Se viesse dinheiro, melhor. Mas a meta dele era não

perder muito dinheiro ou no máximo empatar dinheiro, mas ele não tava preocupado

em fazer dinheiro, ele sabia que o mercado da cultura era um mercado difícil. Ele

acreditava que ela poderia ir um pouco mais longe do que foi, mas nunca acreditou

que ia fazer rios de dinheiro com a revista.

ALANA BOF: Então o fechamento, tu acha que existe um relação com a morte

dele?

ARMANDO ANTENORE: Sim, porque já havia dentro da empresa pessoas que

achavam que não fazia o menor sentido manter a Bravo!. Primeiramente porque

fugia muito do tipo de revista que a editora faz. Depois era uma revista cara, porque

ela tinha um formato diferente, um papel diferente. Isso tudo a tornava graficamente

muito cara. E ela não dava retorno dentro da editora. Então já tinha várias propostas,

ou de fechar a revista, ou de modificar a revista drasticamente, mudando o formato

dela, mudando o papel. Mas o Roberto resistia, ele não aceitava. Quando ele

morreu... Quer dizer, ninguém nunca me falou que foi por causa disso, da morte

dele, mas a primeira revista que foi fechada foi a Bravo!. Então a gente acredita que,

sim, que teve uma relação. Embora por uma dessas, sei lá, coincidências do

destino, o Roberto morre quando justamente a empresa começa a enfrentar o seu

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pior momento da história da Abril, que é quando o mercado todo de impressos

começa a entrar em derrocada. Ele não chegou a ver... Ele já sabia que isso estava

acontecendo, mas ele não chegou a ver essa queda absurda, drástica de

publicidade, e aí o fechamento de tantas outras revistas, as demissões em massa e

tal. Ele morreu antes disso. A gente não sabe se ele estando lá poderia ter sido um

pouco diferente, porque ele tinha um certo prestígio e talvez ele conseguisse segurar

algumas coisas, conseguisse mais dinheiro, enfim, não sei. Então há uma

coincidência ente a morte dele e a crise no impresso motivada pela revolução digital.

Por isso fica difícil dizer: ah, foi a morte dele. Eu acho que a morte dele ajudou a

eles tomarem a decisão ou consolidarem uma decisão que na cabeça de muita

gente da empresa já estava tomada e que só não era levada adiante porque o

Roberto não queria.

ALANA BOF: Em algum momento foi cogitada a ideia de manter ela só on-line ao

invés de fechar por completo?

ARMANDO ANTENORE: Não. Se foi, eu não fiquei sabendo. Eles não cogitaram

absolutamente nada. Não cogitaram vender, não cogitaram transformar em on-line.

Isso foi uma coisa que deixou a gente bem chateado, porque foi realmente a

primeira revista que eles cortaram logo que começou essa onda de demissões, essa

última grande onda de demissões que ainda segue e de fechamento de revistas. As

outras revistas não foram simplesmente fechadas, elas foram transferidas para a

editora da Caras e tal... Não teve nenhuma possibilidade de negociação,

simplesmente fecharam a revista. A gente achava que poderia ter outras saídas,

mas eles nem discutiram isso com a gente. Nada foi discutido sobre o fechamento

da revista com a redação. Isso a gente sabia por boatos, sabia por informações de

inside information de pessoas que estavam dentro das discussões que às vezes

passavam alguma coisa para a gente, mas nunca foi perguntado nada,

simplesmente fecharam. Chegou um dia... Só que eu já estava preparado, a gente já

estava preparado. Eu já vinha avisando a redação e tudo, mas não que tivesse

alguém lá que chegou e falou: “Olha, o que você imagina? Será que teria outras

saídas e tal?” Não.

ALANA BOF: E tu achas que ela poderia ter se mantido no on-line, ou não era muito

o perfil da revista? Tinha uma quantidade boa de leitores on-line?

ARMANDO ANTENORE: Eu acho que a Bravo! poderia inclusive ter continuado

existindo, mas nunca dentro de uma estrutura como a Abril. Era impossível dentro

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daquela estrutura uma revista como a Bravo! existir, porque a Bravo! é uma revista

de um nicho muito restrito, e a Abril não trabalha com esse tipo de... Ela é uma

empresa de revistas de circulação maior. E aí ela nunca direcionou, por exemplo, a

publicidade para captar anúncios especificamente para a Bravo!. Eu digo,

captadores que tivessem uma expertise na área de cultura que pudessem captar

dinheiro junto a anunciantes que de fato poderiam se interessar pela revista.

Entende? Ela tinha um público pequeno para o padrão Abril, mas não era tão

pequeno assim. Ela tinha, sei lá, não lembro agora. Na carta eu coloco, mais ou

menos, o que ela tinha. Sei lá, uns 35 mil compradores, entre assinantes e banca. E

mais, sei lá, 55 mil seguidores no Facebook. É pequeno? É pequeno para a ideia de

comunicação de massa, para essa ideia antiga da velha ordem, mas uma

comunidade de 55 mil pessoas e uma publicação que venda 30 mil exemplares por

mês não é uma coisa desprezível. Então o que doeu para a gente foi a empresa

não... Era como se houvesse um choque entre a velha ordem e a nova ordem. A

velha ordem pensa em números grandes, pensa em comunicação de massa

mesmo. E a nova ordem começa a entender que existem as comunidades e que

você pode trabalhar para um pequeno nicho e dentro desse nicho tentar fazer um

negócio. Claro que esse negócio não vai dar o mesmo tipo de lucro, não vai

remunerar da mesma maneira as pessoas que trabalham nele, enfim, mas é um

negócio viável. Então a gente tinha um público. E mais do que isso tinha um certo...

Era uma marca. Tanto é que você não é a primeira que faz um trabalho sobre a

Bravo!. Várias pessoas até hoje estudam a Bravo!, ou me escrevem lamentando o

fim da Bravo!, ou ainda acham que a Bravo! existe. Essa carta que eu escrevi na

época foi o maior compartilhamento que eu tive de texto em toda a minha carreira na

Internet. Então tinha uma galera. Só que a revista era cara, então o número de

pessoas que compravam não saía muito desse patamar de 30 mil. Mas poderia

haver outras formas de explorar isso na Internet. Não só na Internet, fazendo em

papel e na Internet, mas não podia ser dentro da Abril. Eu ainda Acho...

ALANA BOF: Então o fato de ela pertencer a uma editora grande como a Abril, tu

achas que acabou prejudicando ela?

ARMANDO ANTENORE: Eu tenho certeza.

ALANA BOF: Se fosse uma editora menor talvez ela tivesse...

ARMANDO ANTENORE: Uma editora que... Não sei se uma editora menor dessas

que já existem. O que eu acho, e isso a gente sentia lá dentro, é que ela brigava

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com uma estrutura que era muito grande para uma revista com aquela vocação.

Então, por exemplo, a Abril ocupava um prédio de 24 andares. Hoje ela ocupa o

mesmo prédio, só que 12 andares, a metade do prédio ela entregou. Naquela época

ela ocupava o prédio inteiro. É um baita prédio que tem aqui em São Paulo. E ela

pagava um aluguel por esse prédio. Esse aluguel era rateado pelas redações. Então

a Bravo! pagava um aluguel para ocupar o espaço que ela ocupava, só que esse

aluguel era super caro por exemplo. A Bravo! poderia funcionar numa casinha,

pagando um aluguel dez vezes mais barato. O sistema de captação de publicidade

naquela época era um sistema quase que centralizado. Eles ficavam captando… A

Bravo! estava ligada... Não coloca que era centralizada, porque na verdade tinha

uma publicidade, tinha um departamento de publicidade que ficava captando

anúncios nas grandes agências e nos grandes anunciantes. E esses anúncios iam

para as revistas de maior circulação. E aí tinha uma publicidade que era ligada aos

núcleos da editora, porque a editora era dividida em núcleos. Em cada núcleo ficava

um grupo de revistas. Então o núcleo das revistas femininas, o núcleo das revistas

masculinas, o núcleo da Veja, o núcleo da Exame e tal. Então, cada um desses

núcleos tinha uma publicidade, um departamento de publicidade que ficava

captando publicidade para esse núcleo específico. Mas, além disso, eles existia um

núcleo que eles chamavam de... Existia um outro departamento de publicidade que

chamavam de centralizadas, que captava anúncios para a empresa inteira. Só que

esses anúncios eram captados junto aos grandes anunciantes, e os grandes

anunciantes só punham anúncio nas revistas de maior circulação. Então esses

anúncios não chegavam na Bravo!. O núcleo é que tinha que captar anúncios para a

Bravo!. Só que o núcleo em que estava a Bravo! era o mesmo núcleo da revista

Contigo!, que era um núcleo que eles chamavam de núcleo de celebridades. Então

eles achavam que a Bravo! casava bem com esse lugar, porque falava de artistas e

tal. Agora imagina, o cara que ia captar anúncio para esse núcleo, ele vendia

anúncio para a Contigo!. Por quê? Porque a Contigo! é que tinha mais circulação,

era uma revista semanal, com muito mais páginas e tal. Então o cara ficava

preocupado em captar anúncio para a Contigo!, porque eles ganhavam por

comissão. Ele tinha que vender anúncio para a Bravo! também, mas ele não estava

preocupado se ele ia vender para a Bravo! ou para a Contigo!, ele estava

preocupado em fazer a grana dele. E era muito mais fácil vender para a Contigo!,

até porque o tipo de anunciantes que vai para a Contigo! muitas vezes não se

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interessa pela Bravo!. Então ninguém ficava trabalhando ali especificamente para a

Bravo!. E imagina também o perfil do cara que vai captar anúncios para a Contigo!

não é exatamente o perfil do cara que deveria captar anúncios para a Bravo!. Muitos

dos caras que captavam anúncios para a Contigo! nunca tinham aberto a Bravo!.

Eles não sabiam direito, não trafegavam por aquele mundo. Eles estavam ligados ao

mundo da Contigo!, do axé, da música sertaneja, das novelas e tal. Então eles eram

bastante competentes até para captar anúncio para esse tipo de público. Agora,

quando bota uma revista como a Bravo! dentro desse mesmo núcleo, começava a

ficar difícil porque o cara da publicidade está pensando em dinheiro, ele está

pensando em cumprir metas. Aí a publicidade toda se voltava para a Contigo!, não

se voltava para a Bravo!. Então essa era uma das questões. Nunca teve ali ninguém

trabalhando publicitariamente a revista Bravo!, ou quando teve era de maneira muito

marginal, muito lateral. Entendeu?

ALANA BOF: Sim. Tu citaste assim vários errinhos, digamos, os grandes erros, não

sei, de gestão. Mas se tu tivesses que elencar um erro principal, tu achas que tu

conseguirias dizer assim: eu acho que esse era o principal problema que levou ao

fechamento da revista.

ARMANDO ANTENORE: Então, é um erro de gestão, eu não sei te dizer. Do ponto

de vista da empresa, a Bravo! era uma titica, era uma revistinha. Então eles... Na

verdade era um capricho do dono da editora que queria ter uma revista como aquela

lá dentro. Então do ponto de vista de gestão, não sei se foi exatamente um erro da

editora, porque o tempo todo em que a Bravo! existiu até o ano em que ela foi

fechada, tirando esse ano, a Editora Abril batia recordes de faturamento, de

lucratividade. Foram inclusive anos muito bons. Eu trabalhei lá durante onze anos.

Tirando os dois últimos anos, os noves anos que eu estive lá foram anos de muita

fertilidade. A Abril só faturava, só ganhava dinheiro e batia recordes mesmo de

lucratividade. Teve um ano lá que eles bateram um faturamento anual de um bilhão.

Então a Bravo! dentro desse contexto era uma revista deficitária, mas que do ponto

de vista do negócio não atrapalhava. Agora, se a gente pensar isoladamente na

revista, sim, teve vários problemas de gestão que eram problemas motivados pelo

fato de ela estar dentro de uma estrutura maior. Agora, do ponto de vista editorial

tinha vários problemas. Eu, propriamente, não gostava exatamente do jeito que a

revista era feita. Eu fazia daquele jeito porque tinha as ingerências da própria Editora

Abril, ela queria que fosse feito de um determinado jeito, mas eu achava, às vezes, a

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Bravo! uma revista muito careta, muitos às vezes empolada, olhava só para um

determinado tipo de cultura. Ela tinha um olhar elitista sobre a cultura muitas vezes.

Claro que isso ia tendo nuances ao longo dos anos, dependendo de quem estava no

comando, mas de modo geral a Bravo! sempre me soou como uma revista careta.

ALANA BOF: O que tu achas que ela precisava ter e que não tinha?

ARMANDO ANTENORE: Ela precisava... Por exemplo, eu achava que a divisão por

editorias, como era quando ela nasceu, então tinha música, cinema, teatro, eu acho

que isso não faz o menor sentido mais hoje em dia. Isso tudo se misturou muito. Sei

lá. Mesmo na arte contemporânea há tantas coisas que poderiam ser cinema ou que

poderiam ser intervenções sonoras, enfim, ou a performance que se confunde com o

teatro. Eu achava que dividir desse jeito assim tão cartesiano engessava muito a

revista. Havia meses que não tinha nada tão interessante assim para falar em teatro,

então por que eu precisava ter a editoria de teatro? Deveria ser uma revista mais

solta, mais fluida nesse sentido, não ter essas divisões tão rígidas editoriais. Aí

eventualmente ter uma agenda mais no fim da revista que aí sim pudesse ser

dividida nessas áreas. As pessoas estão mais acostumadas a ver essas divisões

desse jeito. Mas essa era é uma das questões. A gente se perguntava: por que não

pode ser diferente? Por que a gente não pode criar uma revista que fosse uma

revista de arte, mas sem ter essa obrigação de todo mês ter cinema ou todo mês

ter... A gente achava também que podia ousar mais no projeto gráfico, que era um

tanto quadrado.

ALANA BOF: E o que impedia vocês de fazer essas mudanças?

ARMANDO ANTENORE: A Abril.

ALANA BOF: A editora mesmo.

ARMANDO ANTENORE: Eles não queriam, eles achavam que... Tinha muita

resistência interna. Eles tinham um jeito de fazer a revista que eles achavam que era

o jeito certo. E foi um jeito que deu certo por muitos anos, mas agora não dá mais.

Além do que quando a Bravo nasce, ela nasce antes da Internet. Quer dizer, tudo

bem, existia a Internet, mas a Internet não tinha o peso que tem hoje. Então você

fica pensando: será que realmente era necessário ter aquela agenda, uma revista de

serviço, sendo que hoje em dia tem tanta oferta na Internet para esse tipo de

serviço? Eram muitas questões que eram motivadas, questões que no fundo não

eram só da Bravo!, que passam a ser do próprio meio revista. E a gente tinha isso lá

dentro também. Mas podia fazer muito pouco para mudar, para arriscar. E a gente

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também achava que era uma revista tão pequena, que ela poderia ser um lugar de

mais experimentação. Porque é muito mais difícil você mexer com uma revista

grande, tipo a Veja, porque ela tem uma massa de leitores, se tiver uma rejeição...

Mas no caso da Bravo! era tão pequeno que a gente achava que poderia ter feito

mais tentativas. Também tinha uma obrigação de... Os assuntos que iam para a

capa eram sempre meainstream, você não podia botar... Sei lá, quando a gente

percebeu que o Criolo era um cara que estava despontando, a gente nunca poderia

dar a capa para o Criolo. A gente deu matéria, mas não poderia ser capa, porque a

Abril não deixava, falava: “Não, ninguém conhece, tem que ser meainstream, tem

que ser coisas que as pessoas conhecem muito”. Então acabava virando uma

espécie de contradição com o próprio espírito do jornalismo, que é também apontar

o novo. Mas eles achavam que... E de fato, como o público estava acostumado com

um determinado tipo de artista que aparecia na revista, quando a gente mudava um

pouquinho caíam as vendas. Mas a gente acreditava que isso era uma questão de ir

reeducando o público. Eu me lembro, por exemplo, que a gente acabou... Talvez o

maior furo da Bravo!, que não era uma revista de dar furos e tal, mas no tempo em

que estive lá foi quando o Laerte se declarou cross-dressing. O cartunista Laerte se

declarou cross-dressing, então ele fez isso na revista Bravo!, ele falou isso na revista

Bravo!. Ele contou essa história toda pela primeira vez na revista Bravo!. Isso mudou

a carreira dele, mudou a forma de se encarar esse tipo de coisa no Brasil, abriu uma

série de discussões, enfim. A gente tinha essa história e não pôs na capa. Quer

dizer, a gente fez uma pequena chamada de capa. Obviamente era a capa daquela

edição.

ALANA BOF: Por exemplo, quando vocês fizeram aquela edição que a capa era a

Regina Duarte, como foi o retorno dos leitores?

ARMANDO ANTENORE: Foi péssimo.

ALANA BOF: Foi ruim?

ARMANDO ANTENORE: Não, não é que foi péssimo, foi polêmico. Muita gente

reclamou, chiou para burro. Aquela ali foi uma tentativa de a gente fazer uma

provocação, mas eu achava que tinha que fazer isso. Tudo bem, não vendeu muito

bem aquela edição, mas causou um buzz. Falaram, o leitor se manifestou. Nunca a

revista recebeu tanta manifestação, enfim, teve uma discussão. E a Bravo! tinha

essa característica, assim como muito do jornalismo cultural que se faz hoje em dia.

É tudo meio morno. O leitor da Bravo! era um leitor que não falava com a revista e

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tal. Quando fechou, aí todo mundo começou a falar. Aí eu ficava pensando: pô, por

que não falavam antes? Por que ninguém se manifestava? Por que... Nem escrevia

para a revista. Também tinha a ver com o jeito que a gente conduzia aquilo. Sabe o

canal... Eu brinco que tem uma coisa assim, tem essa ideia de uma cultura meio...

Não digo provocativa, porque essa provocação também que às vezes se fazia na

Ilustrada de antigamente era quase pueril, era uma coisa muito... Um pouco mais

vibrante, uma revista um pouco mais polêmica num sentido mais consequente da

palavra polêmica e mais profundo da palavra polêmica. Não meramente o

polemismo para atrair clique, ou sensacionalista, eu estou falando de uma coisa

mais... Ser mais provocativa nas ideias mesmo. Isso é uma coisa que se perdeu

muito no jornalismo cultural, se é que algum dia teve isso muito profundamente no

Brasil. Antigamente havia ainda uma provocação, nem que fosse uma provocação

de superfície, uma coisa mais... Mas a Bravo! era uma revista anódina num certo

sentido, ela era muito boazinha, muito... Aí o leitor era assim também. E aí quando

você fazia uma travessurinha, ficava puto, ficava louco da vida e tal. Mas era um

pouco isso que a gente achava que tinha que mexer, que tinha que provocar mais,

mas de um jeito bacana, elegante, sem ir para a baixaria. Não era isso. Sem ir

também para a discussão vazia, não era isso. A gente achava que... Mas era difícil,

porque a Abril segurava muito, porque o leitor também estava muito acostumado e

tal. Mas eu achava que o leitor ia se acostumando, se a gente fosse mudando. Tem

aquela música do Gil que ele fala: o povo sabe o que quer, mas também quer o que

não sabe.

ALANA BOF: Tu achas que faltava talvez também um pouco espaço de crítica,

digamos, mais crítica? Porque tinha o espaço de crítica na revista, mas quase

sempre era uma crítica positiva.

ARMANDO ANTENORE: Eram resenhas também. Era mais resenha do que crítica.

Sim, acho que a revista era muito... Para usar uma expressão de hoje, muito

coxinha, muito boazinha, muito educadinha, boa menina. A gente sabia disso. Tinha

uma redação que nem sempre tinha esse perfil. Às vezes o perfil da redação era

assim também. Não foi sempre assim, mas, mesmo não sendo assim, sobretudo na

Abril, ela tinha que fazer esse papel. Então eu acho... Não sei, se ela tivesse outro

perfil, se poderia ter mais público? Talvez não, não sei. Eu estou dizendo o que eu

pensava do ponto de vista jornalístico e do ponto de vista assim das coisas que eu

acredito em relação ao jornalismo cultural, embora eu próprio seja um jornalista

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muito comedido num certo sentido. Eu não sou polemista, eu não tenho esse texto

provocativo e tal. Eu sou muito mais... Eu sou um cara muito pouco assertivo no que

eu faço no jornalismo. Eu sou muito mais a dúvida do que a afirmação convicta. Eu

sou mais de dúvida do que assertivo. Mas mesmo que isso fosse um pouco na

contramão do meu temperamento, eu achava que a Bravo! deveria ter um pouco

mais disso.

ALANA BOF: Apesar de a revista ter fechado e tal, tu achas que o Brasil comporta

bem o jornalismo cultural como gênero jornalístico? Existe um público considerável

de leitores para o jornalismo cultural? Às vezes eu tenho impressão de que não, que

as pessoas não se interessam muito por esse tipo de leitura do perfil da Bravo!, mas

ao mesmo tempo, agora que eu comecei a fazer pesquisas para o meu trabalho,

muitos autores dizem, por exemplo, que o segundo caderno dos jornais, esses

cadernos mais culturais, tem um público cativo, são bem vistos e bem quistos pela

sociedade. Daí eu fico com essa dúvida: existe um público para o jornalismo

cultural?

ARMANDO ANTENORE: Então, eu acho que hoje em dia está tudo suspeito. Eu já

não sei mais nada, se tem público... Já não sei se tem público para o jornalismo

político, econômico. Eu acho que a gente está vivendo uma grande crise de

identidade. Eu não tenho mesmo certeza se vai ter público para pagar o jornalismo.

Eu, às vezes, acho que não. Acho que vai ter cada vez menos, que é uma profissão

que está correndo sérios riscos mesmo do ponto de vista de profissão, ou seja, de

você ser remunerado para fazer um trabalho. Do ponto de vista da existência do

jornalismo, eu acho que ele pode até continuar existindo. Talvez hoje haja até mais

jornalismo em certo sentido do que antes, porque tem um monte de publicações

independentes, apesar de muitas delas serem mero opinionismo e tal, inclusive

publicações que fazem reportagem e tal. O problema é como sustenta isso, como

você vai viver disso. Por que não vive? A publicidade diminuiu porque não tem

público para comprar. É muito difícil. Essa ideia de que a Internet de graça... Eu

acho que é quase impossível trocar, mudar. Eu não tenho visto nenhum projeto

realmente sustentável. Tem os crowdfunding, a agência pública que faz reportagens

por crowdfunding, mas é isso. O cara ganha R$ 5.000,00 para fazer uma

reportagem. Isso não... Quanto tempo? Você não consegue construir uma carreira

assim, fazer dinheiro desse jeito, ter uma vida... Então, hoje, eu acho que o

jornalismo como um todo, sobretudo o jornalismo impresso, esse jornalismo em que

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você compra papel ou mesmo compra informação na Internet, esse jornalismo está

em xeque mesmo. Do ponto de vista de jornalismo cultural, ele que já era o patinho

feio agora é o patinho mais feio ainda. Nunca teve no Brasil uma revista de cultura

que tenha durado tantos anos quanto a Bravo!, que eu saiba, 15 anos. E ela

conseguiu, no máximo, 30 mil leitores e teve que fechar porque ficava no vermelho.

A questão dos cadernos de cultura, tudo bem, os cadernos de cultura estão dentro

dos jornais. E aí você vai falar: ah, a Revista Serafina, que sai na Folha. Tudo

também, mas ela está dentro do jornal. Se a pessoa tivesse que comprar a Serafina

mesmo, tivesse que comprar a Ilustrada e não a Folha? Acho que quando está

dentro de um outro veículo, isso fazia, de fato, a Ilustrada ter o seu papel. Mas era

outra época. A Ilustrada fez muito sucesso, os cadernos de cultura fizeram muito

sucesso numa época em que o Brasil era mais fechado, que você não tinha acesso

nem a publicações em papel de outros países. Tinha muito pouca publicação. Agora

com a Internet, eu não sei. E tem um monte de diletantes escrevendo sobre cultura.

Alguns até melhores do que os jornalistas. Gente que faz crítica de cinema, que

escreve sobre livros e que não vive disso. São professores, são, às vezes, jovens

que ainda nem entraram no mercado de trabalho direito e que produzem coisas

interessantes. Às vezes até melhor do que a imprensa, porque a imprensa também

vem perdendo muita qualidade porque não tem investimento. Eu acho que essa

pergunta que você fez tem que ser estendida para o jornalismo como um todo. Acho

que teve um tempo em que o jornalismo cultural teve o seu momento de boom e tal,

mas nunca foi um puta negócio. Se você fala assim: qual foi a revista que deu muito

dinheiro? Eu não sei, eu não conheço. A Cult é uma revista que vem se mantendo,

mas é uma revista voltada para uma cultura mais acadêmica. Então ela encontrou

um nicho muito específico que é a universidade. Eu não sei, eu não conheço as

contas da Cult, mas eu sei que a dona da Cult é dona de uma grande assessoria de

imprensa. Ela também tem os cursos, o Espaço Cult. Eu não sei se o dinheiro que

ela faz para manter a Cult é o dinheiro que vem da Cult. E assim mesmo é uma

revista muito pequena. Eu não sei se chega a Cult aí em Caxias do Sul. Chega?

ALANA MICHELLI BOF: Chega.

ARMANDO ANTENORE: Mas eu acho que ela não chega no Brasil inteiro. E é uma

revista, essa vem sobrevivendo. Ela tinha a mesma idade da Bravo!, agora deve ter

uns 17 anos. E vem sobrevivendo muito porque a dona quer. Ela tem o mesmo perfil

do Roberto, ela queria ter uma revista como essa. Agora me fala outra. Têm várias

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na Internet agora, algumas bem legais, mas tudo de graça. Você escreve de graça

para essas revistas. Jornalismo de graça deixa de ser profissão.

ALANA BOF: E uma revista, por exemplo, como a piauí?

ARMANDO ANTENORE: Mas a piauí, as pessoas lá na Abril também ficavam

falando: Ah, é uma revista de cultura. Não é uma revista de cultura.

ALANA BOF: Não, não é de cultura, mas é um perfil bem diferenciado, são textos

muito longos, enfim.

ARMANDO ANTENORE: Sim, é uma revista que fala de política, que fala de

economia. As coisas que mais repercutem naquela revista são relacionadas a esse

universo. E assim mesmo, até onde eu acompanhava, a piauí ficava no vermelho.

Ela é bancada pelo dono do Unibanco, do Itaú, os acionistas lá do Itaú. Então o

cara... Graças a Deus que existem alguns mecenas assim. O João Moreira Salles

põe dinheiro na revista, só que ele é bilionário, ele pode pôr. Aí ele faz uma ótima

revista. Eu acho que é a melhor revista que tem no Brasil. Adoro a revista, leio todo

mês. Fico impressionado como eles ainda conseguem investir em reportagem

pesada, que leva meses para fazer e tal. Mas é isso, é uma revista que fica no

vermelho, que paga bem quem está na redação. Quem não está, não ganha tão

bem assim, não. Se você for fazer um free lá para eles, você vai ganhar R$ 3.000,00

para fazer um free que vai te tomar quatro meses de trabalho. É um problema isso

tudo, é um grande dilema. E eu vejo muita coisa boa na Internet, tem coisas

bacanas, mas a questão é: cadê o dinheirinho? Como se faz dinheiro com isso?

Como paga? Como a pessoa se sustenta escrevendo? Esse é o grande problema,

na minha opinião, porque sem remunerar você não tem uma profissão, você tem

amadorismo. Amadorismo não no sentido pejorativo da palavra, mas é amador.

Chega uma hora que você tem que pagar as contas. Como faz? Então você não

consegue... Enfim, é um problema, é um problemão para todos os jornalistas. E a

gente que viveu várias fases, porque eu estou na profissão há 30 anos, é a pior. Não

tenho a menor dúvida. É ruim falar isso, porque você está na faculdade, mas isso é

uma coisa que você precisa ter em mente que o mercado, hoje, é muito, muito

incerto, não dá para saber o que vai acontecer.

ALANA BOF: Está bom, Armando. Queria te agradecer muito pelo tempo que

dedicou para responder as minhas perguntas. Muito obrigada mesmo. Quando eu

tiver concluído, eu te mando por e-mail, se tu quiseres dar uma olhada, enfim.

ARMANDO ANTENORE: Está bom.