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UNIVERSIDADE DE LISBOA Faculdade de Medicina O luto nos Enfermeiros de Cuidados Paliativos Serviço de Medicina Paliativa do Hospital do Fundão Ana Filipa Nunes de Pina Curso de Mestrado em Cuidados Paliativos Lisboa, 2012 UNIVERSIDADE DE LISBOA

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

Faculdade de Medicina

O luto nos Enfermeiros de Cuidados Paliativos

Serviço de Medicina Paliativa do Hospital do Fundão

Ana Filipa Nunes de Pina

Curso de Mestrado em Cuidados Paliativos

Lisboa, 2012

UNIVERSIDADE DE LISBOA

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FACULDADE DE MEDICINA

O luto nos Enfermeiros de Cuidados Paliativos

Serviço de Medicina Paliativa do Hospital do Fundão

Ana Filipa Nunes de Pina

Orientador: Doutora Maria de Lurdes dos Santos Martins, Escola Superior de

Saúde, Instituto Politécnico de Setúbal

Co-orientador: Professor Doutor António Barbosa, Faculdade de Medicina,

Universidade de Lisboa

Todas as afirmações contidas neste trabalho são da

exclusiva responsabilidade do candidato, não cabendo à

Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa

qualquer responsabilidade

Curso de Mestrado em Cuidados Paliativos

Lisboa, 2012

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Esta dissertação foi aprovada pelo Conselho Científico da Faculdade de Medicina da

Universidade de Lisboa em reunião de 22 de Janeiro de 2013

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RESUMO

A morte, com a evolução sociocultural do último século e o aumento da longevidade de

vida dos indivíduos, tornou-se cada vez mais institucionalizada/hospitalizada e escondida

da sociedade. (Zorzo, 2004; Barbosa, 2002). Os enfermeiros de Cuidados Paliativos, não

só estabelecem uma relação terapêutica estreita para responder às necessidades da díade

doente-família (Gerow et al, 2010), como também experienciam um número anual

acrescido de mortes dos seus doente, inerente às especificidades do seu trabalho (Desbiens

e Fillion, 2007). Como tal, estão expostos a vários factores de stress físico, emocional,

psicológico e socio-cultural que os faz desenvolver processos de luto melhor ou pior

adaptados à realidade encontrada e que lhes permite lidar com o seu próprio sofrimento

(Desbiens e Fillion, 2007). Tendo em conta que um luto mal vivido pode levar a

consequências nefastas para o próprio indivíduo, para a instituição onde trabalha e para a

sociedade onde pertence, torna-se crucial reconhecer a legitimidade do mesmo e identificar

precocemente os sinais e sintomas decorrentes de um processo de luto mal vivido.

O objectivo deste trabalho foi o de conhecer como o processo de luto é vivenciado pelos

enfermeiros de Cuidados Paliativos do Serviço de Medicina do Hospital do Fundão, quais

os sentimentos implicados e quais os factores que, segundo os mesmos enfermeiros,

condicionam o seu luto. O método de colheita de dados foi qualitativo, através da aplicação

de um questionário misto (com a caracterização sociodemográfica e o guião para entrevista

semi-estruturada). Foram seleccionadas doze entrevistas das treze efectuadas, tendo estas

sido analisadas segundo o método qualitativo de análise de conteúdo. Desta análise pôde-

se concluir que são diversos os sentimentos experienciados pelos enfermeiros de Cuidados

Paliativos aquando a morte de um dos seus doentes. Sentimentos positivos (como

tranquilidade, paz, alívio e de dever cumprido) e sentimentos negativos (como tristeza,

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revolta, perda, frustração) estão muitas vezes associados a diferentes contextos de morte e

a diferentes factores (facilitadores ou dificultadores) do processo de luto do enfermeiro.

Foram considerados: uma idade jovem, a existência de filhos pequenos e dependentes, a

própria identificação do enfermeiro com o doente e/ou família e o seu maior grau de

envolvência com os mesmos, factores com impacto negativo (dificultadores) do processo

de luto do enfermeiro. Pelo contrário, foram identificados como factores de impacto

positivo: a previsibilidade e a tranquilidade da morte do doente; a sua preparação e

aceitação da parte do doente, família e enfermeiro e a partilha da experiência em equipa.

Perante os sentimentos evocados pelo sofrimento e morte de alguém com quem

estabeleceram uma relação terapêutica de proximidade, e os factores que condicionam o

seu processo de luto, é impreterivelmente importante que os enfermeiros criem e/ou

desenvolvam estratégias de coping que os ajudem a lidar com estas experiências e

situações de stress. Essas estratégias evoluem com o tempo e com a experiência pessoal e

profissional de cada um (Lazarus, 1993; Gerow et al, 2010) e envolvem processos de

introspecção, reflexão e auto-aprendizagem. Os enfermeiros deste estudo identificam e

recorrem a estratégias de racionalização da morte do seu doente, à partiha de experiências

em equipa, ao apoio familiar e a actividades extra-laborais.

Só conhecendo como se vive um processo de luto na primeira pessoa, contextualizado, é

que se poderá partir para formas de intervenção e promoção de processos de luto saudáveis

com todos os seus benefícios para o indivíduo, instituição e sociedade em geral.

Palavras chave: enfermeiro(s), luto, morte, grief, grieving, bereavement, patient death,

nurse(s), good death

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PALIATIVE CARE NURSES’ GRIEVING PROCESS – ABSTRACT

Death, with sociocultural developments of the last century and individuals’ increasing

longevity of life, has become more institutionalized and hidden from society. (Zorzo, 2004;

Barbosa, 2002). Palliative Care Nurses, not only set close therapeutic relationship to meet

the needs of the patient-family dyad (Gerow et al, 2010), but also experience an increased

annual number of deaths of their patients (Desbiens and Fillion, 2007). As such, they are

exposed to various stress factors, as physical, emotional, psychological and socio-cultural,

that make them develop a better or worse adapted mourning to the actual situation and that

allows them to deal with their own suffering. (Desbiens and Fillion, 2007). Given that a

poorly lived grief can lead to harmful consequences for the individual, for the institution

where he/she works and for the society where he/she belongs, it is crucial to recognize the

legitimacy of it and identify early signs and symptoms resulting from a process poorly

lived.

The aim of this study was to understand how the grieving process is experienced by nurses

of Palliative Care Medicine Service, at the Hospital of Fundão, what are the feelings

involved and which factors, according to the same nurses, may condition their grief. The

method for data collection was qualitative, by applying a mixed questionnaire (with the

sociodemographics and the script for a semi-structured interview). Twelve of thirteen

interviews were selected and analyzed by the qualitative method of content analysis. From

this analysis it was concluded that various feelings are experienced by nurses at Palliative

Care at the death of one of their patients. Positive feelings (such as tranquility, peace, relief

and accomplishment) and negative feelings (such as sadness, anger, loss, frustration) are

both often associated with different contexts of death and with different factors (facilitating

or hindering) of the nurse´s grieving process. These nurses considered young aged, the

existence of small children and dependents, nurses’ identification with patients and / or

with their families and a major degree of involment with them, as negative impact factors

(hindering) in their own grieving process. Rather, they identified as positive impact factors:

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predictability of death; the patients’ tranquility at this moment; preparation and assumption

of death by their patients, relatives and nurses themselves; and team sharing experience

process. Given the evoked feelings by someone’s suffering and death (with whom nurses

have established a therapeutic relationship of proximity) and the factors that influence the

process of mourning, it is absolutely important that nurses create and / or develop coping

strategies to help themselves to deal with these experiences and stressful situations. These

strategies evolve over time with the personal and professional experience of each one

(Lazarus, 1993; Gerow et al, 2010) and involve processes of introspection, reflection and

self-learning. In this study, nurses identified and used strategies to rationalize the death of

their patients, team sharing experience, family support and stimulating activities outside

work.

Only by knowing how a mourning process is lived in the first person perspective, you can

go up forms of assistance and promote healthy grieving process with all its benefits for the

individual, institution and society in general.

Keywords: enfermeiro(s), luto, morte, grief, grieving, bereavement, patient death,

nurse(s), good death

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ÍNDICE

Introdução.............................................................................................................. 4

1. Metodologia .................................................................................................. 8

1.1. Desenho do estudo de investigação .......................................................................8

1.2. Quadro de referência.............................................................................................8

1.2.1. Luto............................................................................................................9

1.2.2. Coping .....................................................................................................10

1.3. Tipo de estudo ....................................................................................................11

1.4. Instrumento de colheita de dados ........................................................................12

1.4.1. Limitações da metodologia da colheita de dados......................................15

1.5. Tratamento e análise de dados.............................................................................15

1.5.1. Categorias e subcategorias ......................................................................29

2. Análise e discussão dos resultados ..............................................................32

2.1. Caracterização sociodemográfica da população alvo ...........................................32

2.2. Análise e discussão do conteúdo das entrevistas.................................................36

2.2.1. Sentimentos do enfermeiro perante a morte de um doente ........................36

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2.2.2. Estratégias de coping do enfermeiro para a realização do luto de um

doente 41

2.2.3. Factores que podem influenciar o processo de luto do enfermeiro............48

3. Aspectos éticos .............................................................................................60

4. Aprendizagens e limitações do estudo ........................................................61

5. Conclusão.....................................................................................................65

6. Bibliografia........................................................................................................68

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ANEXOS

Anexo I - Instrumento de colheita de dados (Questionário Sociodemográfico)

Anexo II - Instrumento de colheita de dados (Entrevista Semi-estruturada)

Anexo III - Pedidos Formais para a realização do estudo no Hospital do Fundão ao

Presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar Cova da Beira (CHCB), ao

Director do Hospital do Fundão e à Direcção de Enfermagem do CHCB

Anexo IV - Documento comprovativo da aprovação do estudo de investigação emitido

pelo Núcleo de Investigação do Centro Hospitalar Cova da Beira, E.P.E.

Anexo V - Quadro da Caracterização Sociodemográfica da Amostra

Anexo VI - Transcrição das Entrevistas

Anexo VII - Documento apresentado de Consentimento Informado

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INTRODUÇÃO

Os grandes avanços da medicina ocorridos no século XX, levaram a um aumento da

longevidade de vida da população Mundial, sem que tal implicasse um aumento da

qualidade da mesma ou de uma melhor morte. De facto, em Portugal, à semelhença de

outros países, o aumento da esperança de vida trouxe também um aumento da prevalência

de doenças crónicas e um aumento acrescido do tempo de perda de autonomia (Lynn e

Clark referidos em Neto (2010) in Barbosa & Neto (2010)), . Este facto, segundo os

mesmos autores, associado às mudanças sociais desencadeadas pelo aumento da

industrialização, da entrada da mulher no mundo do trabalho e da redução das famílias

alargadas, condicionou drasticamente o apoio existente a este cada vez mais crescente

número de doentes crónicos, com as suas necessidades específicas. Em resposta a tal

desenvolvimento sociodemográfico, na área da saúde, começaram a surgir correntes e

movimentos (os primórdios) dos actualmente conhecidos Cuidados Paliativos1,

direccionados para este tipo de doentes e famílias.

Tendo em conta como a morte é encarada e vivida pela nossa sociedade actual (por um

lado, banalizada pelos meios de comunicação social (e como estes nos invadem o dia-a-

1 Em 2002 a Organização Mundial de Saúde (OMS) definiu os Cuidados Paliativos como ”uma

abordagem que visa melhorar a qualidade da vida dos seus doentes - e suas famílias- que enfrentam

problemas decorrentes de uma doença incurável e/ou grave e com prognóstico limitado, através da

prevenção e alívio do sofrimento, com recurso à identificação precoce e tratamento rigoroso dos

problemas não só físicos, como a dor, como também dos psicossociais e espirituais.”.

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dia), por outro evitada e até escondida numa tentativa vã de se negar uma das fases

inevitáveis do nosso ciclo de vida (Zorzo, 2004), não é difícil de compreender porque é

que a morte se tornou medicalizada/instrumentalizada e institucionalizada nos dias de hoje

(Costa e Lima, 2005; Barbosa, 2002). Como consequência da morte ter passado a ocorrer

em instituições, o grupo de profissionais de saúde que presta, durante 24 horas, cuidados

holísticos2 a estes doentes e respectivas famílias, é o dos enfermeiros (Simpson e Keegan

referidos em Carrol e Terry, 2008). Logo, não é de estranhar que estes sejam mais

afectados com a morte dos seus doentes. São estes quem mais desenvolve relações pessoais

com os doentes, quer pela maior frequência de contacto, quer pela intimidade envolvida na

sua prestação de cuidados (Peterson et al, 2010). De facto, segundo Costa e Lima (2005), a

existência de uma relação terapêutica implica necesssariamente envolvimento para que seja

autêntica e se crie um ambiente propício para a empatia, um conhecimento profundo e

uma resposta adequada às necessidades destes doentes, ou seja, para um cuidar holístico de

excelência. E, é neste contexto que, quando a morte iminente é esperada ou mesmo surge,

é desejado que o enfermeiro desenvolva um processo de luto saudável por esse doente de

modo a evitar eventuais repercussões pessoais e profissionais nefastas de um luto mal

vivido. Este luto, ainda é pouco reconhecido pela nossa sociedade e pelos próprios

profissionais. É, inclusivamente, muitas vezes escondido e reprimido, por ser considerado

2 Cuidados em que a pessoa doente é abordada como um todo, maior do que a soma de todas as suas

dimensões pessoais e interpessoais, e que requerem uma visão desse mesmo indivíduo como um todo

integrado que interage com um mundo interno e externo (Berg et al, 2005). Ou seja, o indivíduo é cuidado

como um todo, tendo em conta as suas dimensões biológica, psicológica, sociocultural e espiritual (e

respectivas interações), e não apenas como um corpo doente a ser tratado/curado.Abordagem da pessoa

doente versus abordagem da doença per si (modelo biomédico).

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não profissional e por implicar o tal envolvimento pessoal que se julga comprometer (e não

enriquecer) a relação terapêutica. Este luto conhecido como disenfranchised, como

qualquer luto mal resolvido ou trabalhado, pode ter consequências físicas, psicológicas,

sociais e económicas bastante nefastas, tanto para o indivíduo como para a própria

instituição e sociedade (aumento de burnout, menor eficácia dos cuidados, diminuição da

qualidade dos cuidados, aumento dos custos hospitalares e aumento das taxas de

absentismo (Brosche, 2007)). Pelo contrário, se o luto for reconhecido, trabalhado e aceite,

pode tornar-se uma fonte de crescimento e desenvolvimento pessoal e profissional

(Anderson e Gaugler, 2007).

O presente estudo de investigação apresenta os seguintes objectivos:

- Objectivo Geral: Conhecer como o processo de luto é vivido pelos enfermeiros de

cuidados paliativos no Serviço de Medicina Paliativa do Hospital do Fundão;

- Objectivos Específicos: Conhecer os sentimentos envolvidos durante o processo de

luto do enfermeiro; Identificar as estratégias de coping utilizadas por estes

enfermeiros; Conhecer os diferentes contextos em que o luto pode ocorrer.

A estrutura do presente trabalho apresenta-se em 6 capítulos:

- O primeiro é a Introdução, onde se faz uma breve abordagem ao tema, se definem os

objectivos do trabalho e se descreve sucintamente a estrutura do estudo;

- O segundo capítulo contém a metodologia aplicada neste estudo de investigação,

começando pelo seu desenho de estudo, quadro de referência (onde se abordam os

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conceitos de luto e de coping), tipo de estudo e o porquê da sua escolha, instrumento de

colheita de dados (questionário misto, com as suas limitações). Seguido do tratamento e

análise de dados (onde, através de uma análise de conteúdo, se explicita a categorização e

os conceitos contemplados nessa mesma categorização);

- No capítulo que se segue, o da Análise e Discussão de resultados, caracteriza-se

sociodemograficamente a amostra e procede-se à análise e discussão do conteúdo das

entrevistas de forma fundamentada.

- O quarto capítulo, aborda Aspectos éticos que foram tidos em atenção ao longo da

realização deste trabalho de investigação;

- O quinto, intitulado: Aprendizagens e Limitações do estudo, pretende ser uma reflexão

sobre o trabalho realizado e dos seus resultados a nível pessoal e de investigação;

- Por último, a Conclusão, onde se apresenta o conhecimento mais relevante decorrente da

realização do presente estudo; se identifica os seus aspectos dificultadores; e se propõe

alguns estudos de investigação futuros relevantes para o tema.

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1. METODOLOGIA

1.1. Desenho do estudo de investigação

Para a fundamentação teórica deste estudo foi feita pesquisa bibliográfica alargada

recorrendo a “motores de busca” científicos em duas fases: uma em 2010 (aquando da

escolha do tema e realização do projecto); a segunda em 2011/2012 aquando da elaboração

do presente trabalho. As palavras chave utilizadas foram: enfermeiro(s), luto, morte, grief,

grieving, bereavement, patient death, nurse(s), good death. Os motores de busca

consultados foram: Pubmed, Medline, Scielo, B-On e Scirus. A selecção dos documentos

utilizados foi realizada pela data mais recente de publicação e pela pertinência do seu

conteúdo para o estudo. A data da publicação mais recente é de 2010 e a mais antiga de

1993 (sendo esta a única publicação utilizada anterior ao ano de 2002).

1.2. Quadro de referência

O conceito preponderante deste trabalho, é o conceito de luto. Como tal irá ser este o

conceito mais desenvolvido neste quadro de referência, tendo a particularidade de ser

abordado na sua especificidade, enquanto reconhecido e vivido, na profissão de

enfermagem. Outro conceito que será abordado será o de coping uma vez que está, mesmo

que indirectamente, relacionado com o tema deste estudo de investigação, como forma dos

enfermeiros lidarem com o seu próprio processo de luto.

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1.2.1. Luto

Luto é definido por Grove (2005) como o conjunto de emoções sentidas em resposta a uma

perda relacional, através de um processo de morte de um dos seus intervenientes. Uma vez

que, não só o enfermeiro se encontra permanentemente exposto à vida e morte dos seus

pacientes, como também é essencial o seu envolvimento emocional na relação terapêutica

que se estabelece (Costa e Lima, 2005), o seu sofrimento aquando a morte de um doente, é

inevitável. De salientar que, o enfermeiro que presta cuidados na área dos Cuidados

Paliativos, é o que mais lida com factores de stress emocionais desta natureza (por ser

inerente à sua prática quotidiana), como: ansiedade perante a morte, exposição a múltiplas

perdas e o lidar com sentimentos de impotência perante a morte e sofrimento do doente e

dos seus familiares (Fillion et al, referido em Desbiens e Fillion, 2007).

Apesar de ser irrefutável a existência do luto do enfermeiro, vários estudos apontam para

que este tenda a não ser reconhecido e, muitas vezes, até escondido ou mal-vivido por ser

interpretado ou como falta de profissionalismo, ou como uma forma do próprio

profissional se proteger do sofrimento que lhe está inerente (por este não se sentir

preparado para conviver com as suas manifestações somáticas e emocionais) (Costa e

Lima, 2005; Gerow et. al., 2010). De facto, e segundo Gerow et al (2010), o enfermeiro,

perante a morte de um dos seus doentes, pode-se encontrar em conflito de papéis. Por um

lado é esperado que ele seja o elemento da relação que se mantém forte e que presta

suporte aos que ficam (familiares e amigos). Por outro lado, ele próprio é afectado por essa

mesma morte, a morte de alguém com quem esteve emocionalmente envolvido. Surgem

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sentimentos de perda, de tristeza, de revolta e mesmo de saudade (Grove 2005). Este

conflito de papéis pode muitas vezes levar a adopção de estratégias de coping ineficazes a

longo prazo (Gerow et. al., 2010), como o evitamento3 e a compartimentação4 da

experiência, e a um luto mal vivido. As consequências deste facto podem ter grande

impacto físico, psicológico, social e económico, tanto para o indivíduo como para a própria

instituição onde este trabalha e para a sociedade em geral (aumento de burnout, menor

eficácia dos cuidados, diminuição da qualidade dos cuidados, aumento dos custos

hospitalares e aumento das taxas de absentismo (Brosche, 2007)). Pelo contrário, se o luto

for reconhecido, trabalhado e aceite, pode tornar-se uma fonte de crescimento e

desenvolvimento pessoal e profissional (Anderson e Gaugler, 2007).

1.2.2. Coping

Segundo Lazarus (1993) coping é definido como o esforço cognitivo e comportamental de

um indivíduo para gerir exigências específicas (internas ou externas) que excedem os seus

recursos intrínsecos, ou seja, que lhe provocam stress psicológico. Por outras palavras, é a

forma como un indivíduo lida com um factor ou situação que lhe provoca desconforto

psicológico, e que lhe exige um esforço acrescido ao habitual. Alguns autores consideram

3 Evitamento é a estratégia de coping utilizada por um indivíduo que se recusa pensar muito no assunto ou a

deixar-se envolver, tenta esquecer por completo o sucedido ou evita o contacto com a situação

desencadeadora de stress (Lazarus, 1993); 4 Compartimentação é a estratégia utilizada quando o indivíduo isola a situação desencadeadora de stress do

resto da sua vida pessoal e profissional. Como se esse momento fosse fechado ou isolado num

compartimento da sua vida (por trás de uma cortina), que raramente ou nunca mais se volta a abrir. (Gerow et

al, 2010)

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o coping um estilo característico e intrínseco de se lidar com uma ameaça (algo estanque) .

Outros encaram-no como um processo de se lidar com uma ameaça e que poderá evoluir e

mudar ao longo da nossa vida. O objectivo primordial da utilização desta estratégia é o de

salvaguardar a saúde física e mental de quem a utiliza. As suas consequências podem ser

positivas ou negativas consoante o contexto onde o stress ou a ameaça é vivida e por

quanto tempo se utiliza a mesma estratégia, podendo a mesma ser adequada num

determinado tempo mas, se perpetuada, ter efeitos nefastos para o indivíduo.

É essencial reconhecer a importância e a existência do processo de luto do enfermeiro (por

parte da sociedade e por parte do próprio profissional de saúde) para que este possa ser

vivido de uma forma mais saudável e que tenha menos repercussões nefastas tanto para

este, como para aqueles de quem cuida, instituição onde trabalha e para a própria sociedade

em geral. As estratégias de coping utilizadas para lidar com a morte de um doente são

essenciais para que o luto seja o mais saudável possível e fonte de crescimento e

desenvolvimento pessoal e profissional. Como tal, é crucial não só identificá-las, como

também saber reconhecer o seu grau de eficácia e de adequação, para que se possa evitar

sofrimento desnecessário, lutos patológicos, mal vividos e respectivas sequelas.

1.3. Tipo de estudo

O tipo de estudo realizado é de natureza qualitativa, exploratório e descritivo. Tendo em

conta o objectivo geral e os objectivos específicos do estudo, tornou-se relativamente fácil

e evidente qual a metodologia apropriada para abordar o tema (qualitativa), e qual o tipo de

estudo adequado à mesma (Flick, 2005). O âmago do trabalho é conhecer o processo de

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luto dos enfermeiros a partir das perspectivas e sentimentos individuais de cada um dos

enfermeiros de Cuidados Paliativos perante a morte de um doente (estudo exploratório),

sem ter como intuito quantificar ou generalizar os resultados obtidos. Pelo contrário,

pretende-se evidenciar a diversidade dessas mesmas perspectivas e sentimentos, na

primeira pessoa do enfermeiro em luto, sendo as inter-relações encontradas, descritas e

analisadas no contexto específico da enfermagem em Cuidados Paliativos no Serviço de

Medicina Paliativa do Hospital do Fundão. (Flick, 2005)

O método utilizado para a análise de dados foi o da Análise de Conteúdo segundo Bardin

(2009).

1.4. Instrumento de colheita de dados

Foi utilizado como instrumento de colheita de dados um questionário misto. A primeira

parte deste questionário visava caracterizar sociodemograficamente os enfermeiros

entrevistados e foi aplicado em formato escrito (Anexo I). A segunda parte, composta por

uma entrevista semi-estruturada, pretendia responder aos objectivos específicos deste

estudo (Anexo II), e foi gravada sob formato digital, com o consentimento prévio de cada

um dos entrevistados. O intuito desta entrevista ter sido gravada directamente e não

aplicada sob a forma escrita foi o de: por um lado, ser mais cómodo e requerer menos

tempo da parte dos entrevistados (estes foram entrevistados no seu local de trabalho em

horários combinados e aceites por ambas as partes), bem como o de os resultados obtidos

serem mais institivos, menos pensados e elaborados (Nogueira-Martins e Bógus, 2004).

Segundo Bardin (2009, p. 92), “(...) a entrevista é mais um discurso espontâneo do que um

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discurso preparado”. Os dados colhidos foram então mais reais, mais em bruto, mesmo

correndo o risco de estarem condicionados pelo(s) contexto(s) pessoais e laborais do

momento da entrevista.

Este questionário misto foi previamente aplicado sob a forma de pré-teste a duas

enfermeiras, a exercerem funções em instituições/serviços reconhecidos como prestadores

de cuidados paliativos (Unidade de Cuidados Continuados e Paliativos do Hospital da Luz

e Unidade de Cuidados Paliativos do Hospital de Tomar), no mês de Maio de 2011. Após a

realização, transcrição e análise dos respectivos pré-testes, não foram realizadas alterações

ao questionário inicial, por se ter percepcionado que ambas as entrevistadas

compreenderam as perguntas colocadas e que, as suas respostas, responderam aos

objectivos do estudo (Foddy, 2003).

Antes da realização do estudo propriamente dito (no Serviço de Medicina do Hospital do

Fundão), foram elaborados três pedidos formais (Anexo III): ao Presidente do Conselho de

Administração do Centro Hospitalar da Cova da Beira, ao Director do Hospital do Fundão

e à Direcção de Enfermagem do CHCB (Centro Hospitalar Cova da Beira), para permissão

da realização da colheita de dados, uma vez que a abordagem aos entrevistados seria

realizada em instituição hospitalar. O projecto do presente trabalho de investigação foi

aprovado a 24 de Outubro de 2011, pelo Núcleo de Investigação do Centro Hospitalar

Cova da Beira, E.P.E.(Anexo IV). Foi então realizado o primeiro contacto, via mail, com a

Directora e o Enfermeiro Coordenador do Serviço de Medicina Paliativa do Hospital do

Fundão, com o intuito de dar a conhecer os objectivos do estudo e agendar datas possíveis

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para a respectiva colheita de dados, com a maior colaboração de ambas as partes. A

colheita de dados foi realizada em três períodos distintos a destacar:

- 22 de Novembro de 2011;

- 15 a 16 de Dezembro de 2011;

- 2 a 4 de Janeiro de 2012.

Relativamente à amostra: inicialmente, eram os enfermeiros do Serviço de Medicina

Paliativa do Hospital do Fundão, com mais de dois anos de experiência na área dos

Cuidados Paliativos, como critérios de inclusão. No entanto, face à realidade encontrada,

houve necessidade de adequar a amostra integrando novos critérios de inclusão, em termos

do número de indivíduos entrevistados e ao tempo de experiência na respectiva área de

cuidados, de modo a que, não só os objectivos fossem alcançados, como os dados colhidos

fossem suficientemente elucidativos da actual realidade vivida neste serviço. As alterações

não previstas encontradas foram: a mudança do espaço físico do serviço (dentro das

instalações do próprio Hospital do Fundão), com a respectiva fusão com um dos serviços

de Medicina Geral, incluindo parte dos seus enfermeiros. Se não hovesse uma adequação

da amostra, o número de enfermeiros entrevistados seria diminuta e os dados colhidos não

corresponderiam à realidade daquele serviço, não respondendo aos objectivos do estudo.

Assim, do total de dezassete enfermeiros do Serviço actual, foram entrevistados treze (dois

não acederam a ser entrevistados e dois não foram entrevistados por incompatibilidade de

horários). Como um dos entrevistados tinha uma experiência em cuidados paliativos

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inferior a um mês, a sua entrevista não foi considerada. No total, o corpus5 da amostra

deste estudo é de doze questionários (ver capítulo Análise de Conteúdo).

1.4.1. Limitações da metodologia da colheita de dados

Por não haver um espaço próprio disponível no serviço, a maioria das entrevistas foram

realizadas no gabinete da Directora do Serviço, sempre que tal foi possível. No entanto,

houve entrevistas realizadas em locais com pouca privacidade (mesmo à porta fechada)

quando este gabinete estava ocupado. Como tal, o facto destas entrevistas terem sido

gravadas no próprio local e horário de trabalho, talvez não tenha permitido a alguns

enfermeiros, a desejada atenção, concentração e disponibilidade para responder às

perguntas, pelos condicionantes: tempo, privacidade e interrupções.

1.5. Tratamento e análise de dados

Cada questionário e respectivas folhas de consentimento informado, foram identificadas

(aquando da sua aplicação) com uma letra do abcedário, seguindo ordem alfabética,com o

conhecimento dos entrevistados. Foi a partir desta identificação que os dados foram

posteriormente trabalhados, identificados e citados sempre que necessário (mantendo a

confidencialidade e o anonimato dos participantes).

5 Segundo Bardin (2009) corpus é o conjunto de documentos finais (resultantes de uma selecção prévia), que

são submetidos ao processo analítico. Esta selecção é feita segundo critérios específicos como: exaustividade,

pertinência, representatividade e homogeneidade da informação contida nesses documentos, tendo em conta

os objectivos do estudo.

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A primeira parte do questionário foi preenchida no momento imediato que antecedeu a

aplicação de cada uma das entrevistas (segunda parte do questionário). Para facilitar a

análise de dados, foi posteriormente transcrita sob a forma de preenchimento de um

quadro (Anexo V), contendo os items questionados.

As entrevistas gravadas (segunda parte do questionário) foram transcritas, na íntegra, em

dias diferentes (com o mínimo de um dia de diferença e máximo de uma semana). As

respectivas transcrições encontram-se em anexo para eventual consulta (Anexo VI). Os

registos digitais encontram-se disponíveis no respectivo gravador, devidamente

identificados por datas e número de entrevista. Após transcrição das entrevistas (e

seguindo o método de análise de conteúdo de Bardin (2009)), foi realizada uma primeira

leitura transversal de todas estas, para se obter uma ideia geral das respostas dadas e um

plano geral de análise. Das treze entrevistas iniciais, escolheram-se doze para constituirem

o corpus de análise, (foi excluída a entrevista identificada com a letra I pelo motivo

anteriormente citado). Foi atribuído a cada pergunta da entrevista e respectivo tema

subjacente (sentimentos perante a morte de um doente, estratégias de coping para

realização do luto e factores que pudessem influenciar esse processo) uma côr. Através de

uma análise, agora mais detalhada, de cada texto transcrito, foram sublinhadas frases e

palavras consideradas chave, referentes a cada tema, com a côr respectiva. Seguidamente,

as transcrições das entrevistas foram relidas mais algumas vezes e, as frases e palavras

chave começaram a ser organizadas e incoporadas em conceitos similares de Unidades de

Registo. Tendo sido dentificadas as Unidade de Registo, estas foram sido faseadamente

organizadas em sub-categorias de modo a facilitar a exposição, análise e interpretação dos

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resultados obtidos. Por fim, foi realizado um quadro esquemático (Quadro 1) onde estão

organizadas por categoria e sub-categoria, cada Unidade de Registo. Surge, numa última

coluna desse quadro, a frequência com que cada Unidade de Registo aparece/ é referida no

corpus da amostra. Considerou-se pertinente este dado uma vez que pode evidenciar um

certo destaque/ importância dada a algumas das Unidades de Registo pelos entrevistados,

pelo número de vezes que estas surgem (muitas vezes superior) ao próprio corpus da

amostra, ao longo das entrevistas.

Apresenta-se de seguida o quadro com as respectivas categorias, subcategorias, unidades de

registo e frequência das mesmas.

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Categorias Sub-categorias Unidades de Registo Frequência das Unidades de Registo

Paz/Tranquilidade/Calma 17

Dever cumprido 6

Naturalidade 5

Alívio 12

Empatia 1

Humanização 1

Sentimentos do

enfermeiro perante a

morte de um doente

Positivos

Compaixão 1

Quadro 1 – Categorização, subcategorização, unidades de registo e frequências das unidades de registo após Análise de Conteúdo das

entrevistas

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Categorias Sub-categorias Unidades de Registo Frequência das Unidades de Registo

Sofrimento 1

Tristeza 6

Perda 6

Choque 1

Revolta/Frustração 5

Saudade 2

Culpabilidade 2

Sentimentos do

enfermeiro perante a

morte de um doente

Negativos

Conflito 2

Quadro 1 – Categorização, subcategorização, unidades de registo e frequências das unidades de registo após Análise de Conteúdo

das entrevistas (cont.)

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Categorias Sub-categorias Unidades de Registo Frequência das Unidades de Registo

Medicação 1

Racionalização 17

Partilha em equipa 11

Actividades extra-laborais 13

Família 4

Identificadas pelo

enfermeiro

Fuga 6

Racionalização 21

Estratégias de coping

do enfermeiro para a

realização do luto de

um doente

Reconhecidas e vividas

pelo enfermeiro Partilha em equipa 9

Quadro 1 – Categorização, subcategorização, unidades de registo e frequências das unidades de registo após Análise de Conteúdo das

entrevistas (cont.)

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Actividades extra-laborais 6

Categorias Sub-categorias Unidades de Registo Frequência das Unidades de Registo

Reconhecidas e vividas

pelo enfermeiro

Família 4

Racionalização 6

Estratégias de coping

do enfermeiro para a

realização do luto de

um doente

Não reconhecidas mas

vividas pelo enfermeiro Partilha em equipa 2

Quadro 1 – Categorização, subcategorização, unidades de registo e frequências das unidades de registo após Análise de Conteúdo das

entrevistas (cont.)

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Categorias Sub-categorias Unidades de Registo Frequência das Unidades de Registo

Morte esperada 10

Tranquilidade da morte 6

Preparação e presença da família 3

Formação profissional prévia 3

Sentimento de dever cumprido 3

Idosos 2

Momento único 1

Controlo sintomático 4

Factores que podem

influenciar o

processo de luto do

enfermeiro

Positivos

Aceitação da morte pelo doente 2

Quadro 1 – Categorização, subcategorização, unidades de registo e frequências das unidades de registo após Análise de Conteúdo das

entrevistas (cont.)

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Categorias Sub-categorias Unidades de Registo Frequência das Unidades de Registo

Aceitação da morte pelo enfermeiro 1

Bem estar pessoal do enfermeiro 2

Maior experiência profissional 3

Partilha em equipa 2

Maior tempo de internamento 2

Morte do doente com o enfermeiro 1

Factores que podem

influenciar o

processo de luto do

enfermeiro

Positivos

Abordagens e terapêuticas menos

invasivas

2

Quadro 1 – Categorização, subcategorização, unidades de registo e frequências das unidades de registo após Análise de Conteúdo das

entrevistas (cont.)

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Categorias Sub-categorias Unidades de Registo Frequência das Unidades de Registo

Experiência recente de morte ou doença

terminal de pessoa significativa

5

Maior proximidade com o doente 9

Jovens 12

Identificação com o doente e/ou família 9

Maior tempo de internamento 1

Maior tempo de agonia 2

Filhos pequenos/dependentes 12

Factores que podem

influenciar o

processo de luto do

enfermeiro

Negativos

Sofrimento familiar 1

Quadro 1 – Categorização, subcategorização, unidades de registo e frequências das unidades de registo após Análise de Conteúdo das

entrevistas (cont.)

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Categorias Sub-categorias Unidades de Registo Frequência das Unidades de Registo

Sofrimento do doente 1

Não aceitação da morte pelo doente 1

Envolvência familiar 1

Stress emocional do enfermeiro 1

Doente deixa algo por fazer 1

Não controlo sintomático 3

Doente não está preparado para morrer 5

Comunicação ineficaz na equipa 1

Factores que podem

influenciar o

processo de luto do

enfermeiro

Negativos

Patologias desfigurantes 1

Quadro 1 – Categorização, subcategorização, unidades de registo e frequências das unidades de registo após Análise de Conteúdo das

entrevistas (cont.) Quadro 1 – Categorização, subcategorização, unidades de registo e frequências das unidades de registo após Análise de Conteúdo das

entrevistas (cont.)

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Categorias Sub-categorias Unidades de Registo Frequência das Unidades de Registo

Estilo de vida próprio do enfermeiro 1

Preparação dos familiares 1

Conhecimento prévio sobre cuidados

paliativos

1

Funcionamento da equipa 1

Tipo de morte 2

Experiências pessoais 1

Factores que podem

influenciar o

processo de luto do

enfermeiro

Impacto não especificado

Experiência profissional 1

Quadro 1 – Categorização, subcategorização, unidades de registo e frequências das unidades de registo após Análise de Conteúdo das

entrevistas (cont.)

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Categorias Sub-categorias Unidades de Registo Frequência das Unidades de Registo

Proximidade com família 1

Identificação com o doente 1

Tempo de relação/internamento 2

Factores que podem

influenciar o

processo de luto do

enfermeiro

Impacto não especificado

Idade 1

Quadro 1 – Categorização, subcategorização, unidades de registo e frequências das unidades de registo após Análise de Conteúdo das

entrevistas (cont.)

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1.5.1. Categorias e subcategorias

Através do quadro, fica claro que, neste trabalho existem três categorias principais que

são: os sentimentos dos enfermeiros perante a morte de um doente; estratégias de coping

do enfermeiro para a realização do luto de um doente e factores que podem influenciar esse

mesmo processo de luto do enfermeiro.

Dentro da categoria dos Sentimentos dos enfermeiros perante a morte de um doente

podemos encontrar as subcategorias:

- Sentimentos positivos – que são definidos como aqueles que, não só levam à auto-

realização e bem estar pessoal, como também à construção de recursos intrínsecos de

resiliência a novos stressores. Estes sentimentos positivos trazem benefícios adaptativos

indirectos e a longo prazo (Fredrickson, 2004);

- Sentimentos negativos – que são definidos como aqueles que geram sofrimento ao

indivíduo mas que, em situações extremas e/ou de ameaça à própria sobrevivência, geram

habitualmente acções adaptativas directas e imediatas, cruciais a essa mesma sobrevivência

(Fredrickson, 2004).

Dentro da categoria de Estratégias de coping do enfermeiro para a realização do luto

de um doente foram criadas três subcategorias:

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- Identificadas pelo enfermeiro – são aquelas que o enfermeiro identificou directa e

imediatamente quando questionado sobre as estratégias de coping que conhecia. Não são

obrigatoriamente aquelas a que, ele próprio, recorre;

- Reconhecidas e vividas pelo enfermeiro – são as estratégias de coping que o enfermeiro

identifica e utiliza na sua vida profissional e pessoal;

- Não reconhecidas mas vividas pelo enfermeiro – são as estratégias de coping que o

enfermeiro não reconhece que utiliza mas que, ao longo da sua entrevista, refere que as

adopta. Ou seja, não reconhece que as pratica mas fá-lo, mesmo que inconscientemente.

Esta sub-categoria não implica que o enfermeiro não saiba identificar estratégias de

coping, mas apenas que não reconhece que adopta algumas.

Dentro da categoria de Factores que podem influenciar o processo de luto do

enfermeiro foram criadas três subcategorias:

- Factores positivos – factores identificados pelos enfermeiros como facilitadores do seu

processo de luto, causadores de menor sofrimento;

- Factores negativos – factores identificados pelos enfermeiros como sendo mais difíceis

para gerir o seu processo de luto e mais difíceis de se lidar;

- Impacto não especificado – factores que foram identificados pelos enfermeiros mas sem

qualquer conotação positiva ou negativa.

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Desta análise de dados surgem também duas categorias emergentes: o conceito de boa

morte e o conceito de má morte (a serem consideradas como eventual tema de investigação

futura). Estão indirectamente relacionados com o tema deste trabalho mas, não fazendo

parte dos seus objectivos, não serão aprofundados. Contudo, é de salientar, que já existe

literatura sobre o tema (Khel, 2006) e que estes conceitos englobam várias das unidades de

registo encontradas e que, consequentemente, condicionam um bom e um mau (ou mais

difícil) luto por parte do enfermeiro.

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2. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

O seguinte capítulo vai debruçar-se sobre a caracterização sociodemográfica dos

enfermeiros entrevistados e a análise de conteúdo das respectivas entrevistas.

2.1. Caracterização sociodemográfica da população alvo

A maioria dos enfermeiros entrevistados encontram-se nas faixas etárias entre os 30 e os

49 anos de idade, apesar de existirem dois elementos mais novos, na faixa dos 20 anos.

Gráfico 1 – Número de enfermeiros por faixa etária

A faixa etária dos indivíduos desta amostra pode-se repercutir na maior

probabilidade de terem tido experiências prévias com a morte de doentes, familiares e/ou

pessoas próximas, que irão condicionar o seu processo de luto actual. Segundo Hopkinson

e Hallett (2002), a experiência do enfermeiro da morte de alguém que lhe é próximo, tem

impacto no modo como este passa a percepcionar os cuidados prestados a um doente a

morrer e como encarará a sua consequente morte. Gerow et al (2010), defende ser evidente

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que a forma como os enfermeiros lidam com a morte de um dos seus doentes varia

consoante as experiências que vão vivendo ao longo da sua vida pessoal e profissional.

Gráfico 2 – Número de enfermeiros por anos de experiência profissional em

Cuidados Paliativos

Os enfermeiros entrevistados trabalham nesta área há uma média de 6.6 anos, sendo que,

cinco enfermeiros trabalham há mais de dez anos nesta área e, por outro lado, três

trabalham há apenas um ano. Tendo em conta que a média de mortes experienciadas

anualmente por dez destes enfermeiros (dois não souberam especificar quantas), é de 38.6

mortes/ano, estes enfermeiros estão expostos a um número elevado de óbitos/ano,

acrescido aos seus anos de experiência profissional e, consequente e eventualmente, a um

número elevado de processos de luto e estratégias de coping desenvolvidos. Segundo

Grove (2008), as memórias que ficam de algumas mortes de doentes, são duradouras para

os enfermeiros que as vivem e têm repercussões nas suas vidas pessoais e profissionais.

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Gráfico 3 – Número de enfermeiros com formação prévia em Cuidados Paliativos

ou Luto

Relativamente à sua formação profissional, dos doze enfermeiros entrevistados, apenas três

tiveram formação avançada na área dos Cuidados Paliativos apesar de tal parecer não

evidenciar diferenças na forma como vivenciam a morte dos seus doentes,

comparativamente com os seus colegas que apenas tiveram a formação base. Poderá este

facto dever-se aos anos de experiência profissional da maioria dos enfermeiros deste

serviço (média de 6,6 anos) e/ou devido às diversas formações básicas que o próprio

serviço e o Centro Hospitalar da Cova da Beira vão desenvolvendo. Seria algo que poderia

ser investigado. Segundo Gerow et al (2010), fazendo referência a Wright e Hogan (2008),

apesar da enfermagem já ir reconhecendo a existência do luto do enfermeiro quando um

dos seus doentes morre, a maioria destes profissionais de saúde continua sem receber

formação ou treino nesta área.

Todos os profissionais lidaram com a morte de um dos seus doentes ainda como alunos de

enfermagem.Segundo Gerow et. al. (2010), são as primeiras experiências de morte que

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estabelecem a forma como os enfermeiros, no futuro, vão encarar e lidar com as mortes

dos seus doentes e desenvolver o seu processo de luto. Todos os enfermeiros entrevistados

tiveram essa experiência numa fase precoce da sua vida profissional, ainda durante a sua

formação base, como alunos.

A maioria dos enfermeiros desta amostra têm uma idade superior a 30 anos, com uma

média de experiência profissional de 6,6 anos. Apesar da alguma diversidade de faixas

etárias existente e de haver poucos elementos com formação avançada na área de Luto e de

Cuidados Paliativos, tal parece não se repercutir no modo como os diferentes elementos da

equipa lidam com o luto dos seus doentes.

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2.2. Análise e discussão do conteúdo das entrevistas

2.2.1. Sentimentos do enfermeiro perante a morte de um doente

Como previamente descrito, os sentimentos referidos pelos enfermeiros entrevistados

foram sub-categorizados em positivos e negativos para uma maior facilitação de análise.

Como tal iremos abordar estes mesmos sentimentos segundo esta sub-categoria.

Dos sentimentos positivos mencionados pelos enfermeiros aquando da morte de um dos

seus doentes, os que mais se destacaram foram os de paz, tranquilidade, calma e os de

alívio.

“Vivo a morte de uma forma muito serena, como algo expectável e que deve ser

vivido, de facto, num momento único para aquela pessoa e para quem o

acompanha. (...) Quando morre alguém... por vezes de alívio. De alívio do

sofrimento, não é?, que é visível...” – enfermeiro D

“Como digo, às vezes é de paz, acima de tudo ver paz naquela pessoa que está em

sofrimento...” – enfermeiro E

Muitas vezes estes sentimentos estão associados à forma como se viveram os últimos

momentos por parte do doente e família:

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“ (...) se o doente estiver em muito sofrimento, foi o melhor que ... ou está com

muita dispneia, ou a família está muito desesperada por ele estar assim, sinto que é

também um alívio para ele, também, me sinto aliviada eu, porque a pessoa partiu,

porque já não havia outra... outra hipótese.” – enfermeiro L

“Se o doente estiver tranquilo, eu também vivo isso com tranquilidade.” –

enfermeiro M

Segundo Kavanaugh, referido em Grove (2005), alívio é um dos sete estadios do luto, logo,

um sentimento esperado e natural de ser vivido pelo enfermeiro neste processo. Segundo

Grove (2005), este sentimento está habitualmente associado, a um cessar do sofrimento

alheio ou então a um sentimento de dever cumprido em relação aos desejos do doente

falecido. Dados que corroboram os testemunhos dos enfermeiros entrevistados.

Foram também referidos inúmeras vezes os sentimentos de naturalidade (associada talvez a

uma certa expectabilidade da morte) e o de dever cumprido.

“Com naturalidade. É um processo normal da vida, ainda mais nestes doentes, às

vezes até é um alívio. (...) mas pronto, além de tudo é o sentimento de ter ajudado,

acima de tudo, aquela pessoa a morrer, não é? E aliviar o sofrimento dela. Acho

que é o sentimento mais forte que sinto.” – enfermeiro E

“Normalmente, normalmente as mortes que acontecem no serviço são esperadas.

por isso são coisas que nós, que eu vejo com... com naturalidade, com calma... que

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as aceito, são muito raras as mortes que não acontecem... que acontecem sem

serem esperadas. Por isso é uma coisa natural.” - enfermeiro A

“Gosto sempre de pensar que a pessoa falece e a gente já tentou, já tentou tudo

por tudo fazer o melhor por ela. E o sentimento que... que eu faço para eu me sentir

melhor é sempre pensar que eu fiz, por exemplo num turno, tudo para que ele

sentisse melhor, (...) se eu souber que a pessoa esteve sem dor, se ela não vomitou,

se esteve calma, para mim é um sentimento bom, eu pensar que estou a fazer o

melhor para aquela pessoa..” – enfermeiro L

“ (...) quando as coisas acontecem com tranquilidade e porque têm de acontecer, é

um sentimento de dever cumprido, que as coisas aconteceram porque tinham que

acontecer...” – enfermeiro A

Segundo Brady et al (1999), referido em Desbiens e Fillion (2007), a necessidade de

encontrar um sentido, é considerado um factor de peso para a diminuição do stress

emocional de quem vive o luto, e torna-se um factor promotor de melhor qualidade de

vida do mesmo. De facto, Folkman (1997) referido no mesmo artigo, defende que esta

atribuição de um sentido, permite a vivência de uma experiência psicológica positiva,

mesmo na presença de uma situação de stress intensa, a quem sofre a perda. Os

sentimentos de alívio, o de dever cumprido e o de encarar a morte com tranquilidade

(referidos pelos enfermeiros neste estudo), parecem enquadrar-se nesta tentativa de dar um

sentido à morte e à sua acção enquanto enfermeiros, perante o sofrimento e morte de um

doente.

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Dos sentimentos negativos dos enfermeiros perante a morte de um dos seus doentes o que

maior destaque e realce tiveram foram os de tristeza e perda.

“Depende do doente... se fôr um caso, pronto, mais novo, que tenha dependentes de

família, pronto, que tenha crianças dependentes ou assim, um momento de

tristeza” – enfermeiro C

“Acaba por se sentir...pronto, acaba-se por sentir também o processo como se

fosse, se calhar, uma perda um bocadinho nossa... as famílias também estão muito

presentes aqui no nosso serviço... e acabamos por sentir um bocadinho, como se a

perda fosse um bocadinho nossa, não é?” – enfermeiro B

“(...) eu sempre, penso que é sempre uma perda para mim mas, se quanto mais

tempo eu lidei com esse doente pior para mim porque sinto mais a perda do

doente.” – enfermeiro L

Também foram referidos, apesar de um menor destaque, sentimentos de revolta e de

frustração.

“Se fôr um caso novo, de frustração...” – enfermeiro C

“Neste momento, tenho vivenciado muitos momentos de revolta. (...)E... também

temos tido algumas situações em que a partida do doente não é assim tão tranquila

quanto se preconiza e daí, não é uma sensação de insucesso mas uma sensação de

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frustração não podermos fazer as coisas de outra maneira, se calhar como

gostaríamos de fazer. Isso é o sentimento que mais mexe comigo.” – enfermeiro K

Segundo Grove (2005), referindo Plutchick (2001), sentimentos como tristeza e revolta

são comuns num processo de luto de um enfermeiro pelo seu doente. Inclusivamente, a

tristeza, segundo a mesma autora (referindo Plutchick (2001)), é dos sentimentos mais

comuns presentes na perda de uma relação através do processo de morte e inclui o

desespero, sofrimento, meditação e reflexão. Já os sentimentos de revolta e frustração,

segundo Lazarus (1991) referido pela mesma autora, estão associados a uma falta de

controlo percebida, um sentimento de injustiça acerca da morte e/ou sentimentos mal

resolvidos com o doente falecido. De facto, os enfermeiros que referiram este tipo de

sentimentos, associaram-nos a situações em que não conseguiram lidar bem com a morte

do doente (idade jovem) ou como este morreu. De ressalvar que, apesar de tudo, e segundo

Parkes (1993) e Litlewood (1992) referidos por Grove (2005), a revolta é um sentimento

esperado e aceite com melhor tolerância num processo de luto, tendo em conta o contexto

acima referido.

São diversos os sentimentos experienciados pelos enfermeiros em Cuidados Paliativos que

fazem o luto dos seus doentes. Sentimentos positivos e sentimentos negativos estão

associados a diferentes contextos de morte, a tentativas de dar algum sentido ao

falecimento do doente e à sua acção enquanto enfermeiros. Todos estes sentimentos

previamente incluídos e estudados por vários autores como comuns num processo de luto

habitual.

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2.2.2. Estratégias de coping do enfermeiro para a realização do luto de um doente

O enfermeiro de Cuidados Paliativos está exposto permanentemente à morte e sofrimento

dos seus doentes, inerente à especificidade do seu trabalho (Desbiens e Fillion, 2007).

Como tal, e instintivamente, cria e desenvolve estratégias que lhe permitam lidar melhor

com o sofrimento alheio e gerir os seus sentimentos e o seu próprio sofrimento.

Os enfermeiros entrevistados, quando questionados sobre este tema, identificaram

estratégias de coping das quais se destacaram: a racionalização, as actividades extra-

laborais e a partilha de experiências em equipa. No entanto, e apesar destas estratégias se

sobreporem, nem todos os enfermeiros que as identificaram, dizem utilizá-las na sua

prática profissional ou reconhecem directamente que as utilizam (mesmo que o façam).

Dentro da racionalização, encontram-se referências à compartimentação da experiência,

ao dar um sentido à morte do doente (reinterpretação positiva6) e à auto-reflexão ( e

consequente auto-aprendizagem).

6 Reinterpretação positiva consiste em dar um sentido positivo à experiência vivida e implica um crescimento e

mudança do indivíduo que utiliza esta estratégia, fazendo-o encontrar novas esperanças e sair da experiência

uma melhor pessoa do que quando entrou (Lazarus, 1993).

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“E... e pronto, e passamos...é assim, não se apaga, não se põe um ponto final

nessas memórias mas continuamos. As coisas continuam para a frente e, logo a

seguir, no quarto ao lado, temos outro doente que precisa de nós. Por isso não

ficamos bloqueados naquele momento, naquele doente que morreu naquela hora.

As coisas continuam, não é? Avançamos e acho que é um bocado assim... não

sei.” – enfermeiro A

(compartimentação)

“Nos primeiros anos de trabalho, temos aquele sentimento que vamos salvar o

mundo e que nenhum doente nos pode morrer, e quando morriam eras um

fracasso. Depois não, vamos aceitando que a vida não é assim. Que faz parte de

um ciclo e o ciclo também se tem de fechar. E acho que é um bocadinho assim... e

às vezes até penso na minha também assim nesses termos... e acho que é assim

que a coisa tem que concluir.” – enfermeiro F

(sentido à morte/reinterpretação positiva)

“(...) todos nós temos o nosso cemitério pessoal, não é? Ou, como se costuma

dizer, algumas mortes deixam algumas marcas, alguma saudade, que com o

tempo se transforma em saudade, não é? E se fala com alguma calma sobre essas

mortes (...).” - enfermeiro D

(sentido à morte/reinterpretação positiva)

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“Se eu já utilizei estratégias... Eu acho que não é uma questão de utilizar

estratégias é, é... vivenciar as coisas como um processo natural e que... ainda mais

trabalhando, neste serviço, é um processo normal e natural que, para eles é o fim e

é o fim para nós também de o ver a sofrer tanto. Nós também temos sentimentos,

não é?” – enfermeiro E

(sentido à morte/reinterpretação positiva)

“Não sei, como é que eu faço? Não sei... lembro-me... penso e ao mesmo tempo

digo: não, as coisas podem ser diferentes, podem caminhar de outra maneira

diferente, tento pôr aspectos positivos....” – enfermeiro L

(reinterpretação positiva)

“(... ) é assim, ao longo destes anos todos, eu tenho criado estratégias em mim

mesma. Eu tenho tentado ser o mais resiliente possível, eu tenho tentado gerir no

meu interior as emoções, eu tenho tentado ser eu a gerir as coisas, eu a mudar... e

mudei. Eu, como pessoa a trabalhar em cuidados paliativos, mudei. Eu acho que

não há ninguém que trabalha, que não mude. Todos mudamos. Porque com as

vivência, nós vamos aprendendo, nós vamos crescendo e estamos sempre a

crescer a trabalhar em cuidados paliativos.” – enfermeiro K

(auto-reflexão e auto-aprendizagem)

Esta técnica da compartimentação da experiência, de tentar dar-lhe um sentido, até de uma

certa reinterpretação positiva do acontecimento, ajuda os enfermeiros a lidar com o seu

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dia-a-dia e a desempenhar as suas funções sem um sofrimento exacerbado, comprometedor

do seu bem-estar pessoal e profissional (Gerow et al, 2010; Desbiens e Fillion, 2007).

Há enfermeiros que referem algumas das suas actividades extra-laborai ou que

identificam as prováveis (para quem as utiliza), e incluiem o apoio na família também

como estratégia de coping.

“Ginásio. Acho que o facto de nós termos outras actividades para além da nossa

actividade profissional, acho que é muito bom. Ginásio, o contacto com a família,

o voluntariado...” – enfermeiro D

“É assim, suporto-me muito na família, que são os meus mais que tudo, que

acabam por... é a estratégia que eu uso... para me afastar destas coisas, não é?

Tenho uma hortinha, portanto, dedicar-me ao espaço livre, à agricultura, ao

jardim... também é uma estratégia que eu tenho porque , às vezes, a casa até nem

está muito bem mas não interessa, tenho que ir para a rua. Mas é, mas é... são as

minhas duas estratégias: é a família e os meus espaços” enfermeiro K

“Então sei lá... sair daqui, fazer... ir dançar, ir ao cinema, namorar... (risos),

fazer ginásio...” – enfermeiro H

Há também inúmeras referências à partilha de experiências dentro da equipa de

enfermagem e, curiosamente, esta é uma das estratégias de coping que nem sempre é

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directamente identificada pelos enfermeiros mas que, a posteriori, ao longo das suas

entrevistas, referem utilizá-la com frequência.

“É assim, acho que é mais entre grupo... propriamente, estratégias específicas,

não. Mas em grupo, por exemplo, passagens de turno, falamos de alguém que

morreu, por exemplo, mais novo, e dizemos custou-me um bocadinho porque

morreu comigo e... falamos. Acho que a estratégia que nós usamos mais é falar

um bocado sobre o assunto. E acabamos por, a pouco e pouco, ir esquecendo mais

facilmente. (...)” – enfermeiro M

“(...) falo com algumas colegas pronto, ... é óbvio que a gente, às vezes, conversa

com algumas colegas, conversamos em equipa, já fizemos mais isso, agora nesta

fase de mudança, não temos as reuniões multidisciplinares mas é mais, só

realmente, as conversas com os colegas... no sentido de que, vivenciam as mesmas

coisas... e o facto de se falar, pronto, ajuda a libertar-nos das coisas...”-

enfermeiro B

“Pois eu acho que é sobretudo isso, a partilha, a discussão dos assuntos, para que

a pessoa não sinta, não leve para casa, não sinta ou, se aconteceu, se culpabilize

por alguma atitude... poder... poder clarificar as coisas para que não se, para que

não fiquem a pensar na... e não se levem para além do que é aceitável.” –

enfermeiro F

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Tanto a estratégia de se apoiarem na família como a da própria partilha dentro do seu

grupo de pares, estão incluídas na estratégia de coping de procura de um apoio social7

(Lazarus, 1993) e de ventilação de sentimentos (Carver et al (1989) em Desbiens e Fillion

(2007)), que têm mais resultados positivos para o indivíduo que as utiliza do que as

estratégias de distanciamento ou de evitamento (fuga) também utilizadas por alguns destes

enfermeiros (Folkman et al (1986), citado em Lazarus (1993)).

“(...) é por isso que uma das formas de coping é evitar o envolvimento (...)” -

enfermeiro C

“não, por acaso nã é, em termos de , de... não... fugir assim das situações, não...

já tive uma altura que sim, pronto, se calhar... agora não, já cá ando há 25 anos e

não, a falar a sério, não são situações que fujo porque é quando as pessoas mais

precisam de nós.” - enfermeiro B

No entanto, e por outro lado, o coping parece ser mais um processo em evolução do que

propriamente um modo de estar ou de ser intrínseco (Lazarus, 1993). O que hoje ajuda a

gerir sentimentos e sofrimento, amanhã pode já não resultar ou fazer sentido.

“. E às vezes transporto muito... a partir que me aconteceu isso, [morte de uma

colega] transporto muito as situações para a minha vida, e antes não fazia isso,

7 Apoio social: Quando procuramos a opinião de terceiros que nos podem ajudar a lidar com a situação

(Lazarus,1993).

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tentava sempre... sempre separar. Custa-me mais agora enfrentar um bocadinho

mas tem de ser.” – enfermeiro L

“É assim, ao fim de alguns anos de trabalhar em cuidados paliativos... tentamos

criar formas de lidar... é assim, eu lidava pior no início do que lido agora com a

morte do doente. Aprendi a defender-me, aprendi a criar um limite de

sentimentos, que leva a que eu consiga trabalhar 11 anos em cuidados paliativos,

senão, não conseguia, n’é?” – enfermeiro K

“ (...) inicialmente sofri um bocadinho quando vim para este serviço, sofri um

bocadinho porque vivenciava demais as situações. Entretanto tive de criar

defesas porque senão sofria muito com isso. Dava comigo a chorar, pronto...” –

enfermeiro E

Segundo Gerow et al. (2010), o modo como o enfermeiro vê e lida com a morte de um

doente muda ao longo do tempo e com a experiência. Este aprende a defender-se para que

esse sofrimento não passe dos limites suportáveis para ele próprio. Dos enfermeiros

entrevistados, alguns mencionam as mudanças de estratégias de coping uilizadas no passado e

actualmente no presente. Mudança essa que parece resultar de um processo de introspecção,

auto-reflexão e aprendizagem resultante exactamente das suas experiências pessoais e

profissionais ao longo do tempo. Referem recorrer à racionalização da morte do doente, a

algumas actividades extra-laborais, à família e à partilha em equipa. No entanto, há

enfermeiros que não reconhecem que, na sua prática quotidiana, utilizam algumas destas

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estratégias de coping para lidar com a morte dos seus doentes. Seria interessante talvez, tentar

encontrar a razão para este facto.

2.2.3. Factores que podem influenciar o processo de luto do enfermeiro

“A separação e a perda são experiências universais, particulares, peculiares e individuais,

companheiras constantes na vida do ser humano e ninguém pode afirmar que nunca as

viveu” citando Costa e Lima (2005, p.155). No entanto, como cada pessoa vive essa perda

pode fazer a diferença no seu próprio processo de luto.

Quando questionados sobre os factores que consideravam poder afectar o seu processo de

luto, os enfermeiros do Serviço de Medicina Paliativa do Hospital do Fundão identificaram

dois grandes grupos: factores positivos (facilitadores) e factores negativos (dificultadores),

consoante o impacto no seu processo de luto. Houve ainda enfermeiros que indentificaram

alguns factores mas que não lhes deram qualquer sentido ou atribuiram qualquer impacto

(positivo ou negativo) quanto ao processo de luto.

Dentro dos factores positivos destacam-se a expectabilidade da morte, a tranquilidade

do doente no momento e a sua própria aceitação da morte. De facto, segundo

Hopkinson e Hallet (2002), uma boa morte é aquela em que tanto o doente, como os

familiares e os enfermeiros estão à espera e preparados (dentro do aceitável) para a

iminência da morte. Por outro lado, os mesmos autores defendem que, a tranquilidade que

se vive aquando a morte de um doente, é extensível à tranquilidade e aceitação do próprio

doente, familiares e enfermeiros desse momento. Essa tranquilidade e preparação trazem

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inclusivamente consequências positivas para estes últimos, decorrente do sentimento que

prestaram bons cuidados ao doente enquanto vivo e o sentimento de dever cumprido.

“Não tive nenhuma pressa, nenhuma morte assim muito agitada, nem nada que

me... que de repente me chocasse, é tudo muito previsto, para já.” – enfermeiro G

“Normalmente, normalmente as mortes que acontecem no serviço são esperadas.

por isso são coisas que nós, que eu vejo com... com naturalidade, com calma... que

as aceito, são muito raras as mortes que não acontecem... que acontecem sem

serem esperadas. Por isso é uma coisa natural.(...) Só que, em cuidados paliativos,

como trabalhamos para ... para manter a qualidade possível nas pessoas, não é,

para que tenham um fim de vida tranquilo, o mais tranquilo possível, quando

conseguimos que, tanto o doente como as pessoas importantes que o rodeiam, e

estão presentes, partam com essa tranquilidade, não é?, nós ficamos... bem.” –

enfermeiro A

“Bem, desde que ele esteja tranquilo, que os familiares estejam também a par da

situação e que já estejam a interiorizar a perda do familiar, tudo de forma

harmoniosa, desde que seja tudo bem, vivencio isso bem.” - enfermeiro M

“Se houver um controlo de sintomas, de forma muito serena. Vivo a morte de uma

forma muito serena, como algo expectável e que deve ser vivido, de facto, num

momento único para aquela pessoa e para quem o acompanha. (...) E a forma

também como a pessoa (...) morre. Se há uma boa aceitação ou a aceitação

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possível da morte por parte do doente e, a própria aceitação que eu tenho dessa

morte... o processo é vivenciado de uma forma mais serena, sim.” - enfermeiro D

“...A abordagem em termos de cuidados paliativos, quer na medicação, que era

muito mais invasiva, muitos injectáveis, DIB’s, PCA’s, e agora com os selos, com

essas coisas todas, os transdérmicos, é muito mais suave, muito menos invasivo...

consegue-se um estado de tranquilidade e de maior controlo da dor, sem aquela

coisa pesada toda de antigamente. Acho que tudo isso também faz com que as

coisas evoluam e sejam mais fáceis de lidar.” – enfermeiro F

Nestes últimos testemunhos, não só há referência a uma morte tranquila com controlo

sintomático, como também há alusão a uma diminuição de utilização de técnicas mais

invasivas, indutoras de maior sofrimento ao doente. Estes testemunhos vão ao encontro de

um dos requisitos para uma “boa morte”, segundo Khel (2006), que facilitam o

crescimento e desenvolvimento pessoal e profissional.

Das entrevistas efectuadas, houve um enfermeiro que associa, explicitamente, a melhor

preparação e aceitação da morte pelo doente e pelo enfermeiro a um maior tempo de

internamento.

“ (...) Enquanto há outros que vêm atempadamente, a gente já consegue

estabelecer alguma relação com eles e com os familiares, sente que a parte do fim

de vida fica um bocadinho melhor resolvida tanto para eles, como para nós.” –

enfermeiro L

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Khel (2006) refere a preparação e a aceitação da morte por parte do doente como dois dos

factores incluídos no conceito de boa morte, facilitadores do processo de luto do

enfermeiro. Apenas com o tempo necessário para se levantar as necessidades daquele

doente e daquela família, se consegue trabalhar e tentar responder às mesmas de forma

eficaz e proporcionar uma morte mais planeada e tranquila. Por isso, o tempo de

internamento é crucial. No entanto, segundo bibliografia (Costa e Lima (2005)) e, mais à

frente neste capítulo, encontram-se referências a um menor sofrimento por parte do

profissional de saúde associado a um menor tempo de internamento do doente por não se

ter tido oportunidade de desenvolver envolvimento emocional com o doente e respectiva

família.

Outro factor facilitador do processo de luto referido pelos entrevistados é o próprio bem-

estar pessoal do enfermeiro.

“Mas, se nós estivermos bem, nós conseguimos pôr tudo na prateleirinha com o

devido tempo. Se calhar até choramos um bocadinho tudo bem, faz parte, mas

conseguimos, com o seu devido tempo, fazer o nosso luto. Se nós não estivermos

bem, começamos a acumular coisas, começamos a arrastar e daqui a um

bocadinho estamos no burnout..” – enfermeiro K

Segundo Desbiens e Fillion (2007) (referindo Brady et al (1999)), uma boa qualidade de

vida espiritual está positivamente associada a uma maior apreciação da vida, mesmo que

na presença de dor e de fadiga, o que se pode revelar um factor positivo e uma boa

estratégia de coping para lidar com o processo de luto, neste caso, do enfermeiro.

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A partilha em equipa é considerada também um factor positivo para se lidar com um

processo de luto mais saudável.

“ (...) o haver partilha na equipa de algumas situações mais difíceis, de poder

falar logo no assunto, ajuda a que isso seja mais facilmente ultrapassado.(...)” –

enfermeiro F

“É mais em reuniões de equipa, passagens de turno, que um fala; ah custou-me

isto ou porque era nova ou porque tinha filhos pequenos, é mais assim, em

grupo.” – enfermeiro M

Havendo abertura e disponibilidade para a partilha de experiências dentro da equipa de

enfermagem, e sendo esta uma das estratégias de coping (previamente abordada) mais

eficaz (Lazarus, 1993), torna-se evidente porque esta é considerada um factor positivo para

se lidar com o luto de forma saudável.

Até agora foram abordados factores facilitadores de um processo de luto saudável

identificados pelos enfermeiros do Serviço de Medicina Paliativa do Fundão. De seguida

irão ser descritos alguns factores que, pelo contrário, dificultam o próprio processo de luto.

Dos factores mais referidos como dificultadores de um processo de luto saudável

destacam-se: a idade jovem dos doentes, a sua envolvência familiar (com filhos ainda

dependentes) e a própria identificação do enfermeiro com o doente. A idade jovem dos

doentes é uma das condições atribuídas a uma má morte, segundo Kehl (2006), e indutora

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de um luto mais difícil de se resolver. Também segundo Grove (2008), há uma crença

universal socio-cultural de que as pessoas jovens não devem morrer ou ficar desprotegidas,

o que tem implicações no modo como os profissionais de saúde vivem essas mortes, com

maior intensidade e sofrimento.

“... pessoas novas... são coisas que podem afectar negativamente” – enfermeiro A

“custa-me muito mais as pessoas mais mais novas do que as pessoas muito idosas

que já, que já fizeram algum percurso” – enfermeiro L

“... a identificação com o doente, muitas vezes e as características do doente...

mais não sei. Acho que quando são assim pessoas mais novas, ou pessoas que têm

filhos ou pessoas que deixam alguma coisa por fazer... é que todas as pessoas

pensam nisso que é, pronto,um ponto de embate... de resto...” - enfermeiro H

“... eu penso que a idade é um dos factores. Se fôr um utente que seja jovem

acabamos por nos identificar um bocadinho. Se tiver filhos, mais ainda.” –

enfermeiro M

“Depende dos factores familiares que envolve o... a própria situação que estamos a

vivenciar de pessoas jovens, em que temos crianças, filhos a chorar “salvem o meu

pai”, prontos, tudo isso...” – enfermeiro E

A identificação com o próprio doente e/ou família também se torna um condicionante

importante. Essa identificação pode ser de natureza puramente física (idade ou

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características pessoais), de um ambiente familiar, ciclo de vida, antecedentes pessoais e

familiares semelhantes que podem contribuir para a derradeira percepção por parte do

enfermeiro da sua própria mortalidade. Quando o enfermeiro se identifica com o doente ou

com a sua família, interioriza a possibilidade da história daquela pessoa e daquela família

se poderem tornar a sua. (Gerow et al, 2010).

“(...) é óbvio quando são pessoas mais jovens, pronto, a experiência é sempre

muito mais intensa e depois vai-se para casa a pensar, sobretudo também se

depois têm filhos da idade dos nossos... tudo isso leva, pronto, é vivenciado (...)”

– enfermeiro B

“A idade, a proximidade da idade com o doente, não é? O estarmos na mesma

fase da vida da pessoa, não é? Certamente custar-me-á muito mais acompanhar

uma mulher com 37 anos que tenha dois filhos como eu, do que aquela pessoa com

oitenta e tal, que já percebi que já vivenciou a sua vida...” – enfermeiro D

“Prontos, mais essa envolvência familiar, que nos afecta muitas vezes, não é? Nós

que somos mães... vivenciar todas essas situações.” – enfermeiro E

O grau de envolvência com o doente e família também é identificado como um factor

dificultador do processo de luto do enfermeiro e é, segundo Peterson et al (2010) uma das

maiores preocupações dos enfermeiros de Cuidados Paliativos, que os leva a adoptar

estratégias de distanciamento aquando da prestação de cuidados a estes indivíduos. Este

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grau de envolvência parece estar associado a um maior tempo de internamento, sendo

este um factor considerado, neste contexto, negativo para um processo de luto saudável.

“Enquanto que, se fôr um doente que nós vimos que ele se vai degradando, custa-

nos mais porque está até mais tempo connosco, e começamos a lidar mais com

ele e então aí, nesses casos, custa-nos mais.” – enfermeiro H

“E se fôr alguém com quem se estabeleceu uma ligação melhor acaba por

também depois ser mais difícil encarar a morte, a perda, a perda desse doente.” –

enfermeiro M

No entanto, um menor tempo de internamento também pode ter as suas repercussões

negativas no trabalho de luto do enfermeiro por induzir sentimentos de frustração, de dever

não cumprido, insegurança e de falta de controlo da situação (Gerow et al, 2010).

“O tempo de estarem no serviço, os doentes, portanto, se estiverem mais tempo é

mais difícil... porque acabamos por criar alguns laços... o doente... situações

rápidas também mexe connosco, sem dúvida nenhuma, nós chegamos a ter

doentes que às 16 horas partem, não é? 16 horas de internamento, ou 8 horas de

internamento, não chegámos a conseguir fazer o nosso trabalho da forma que se

calhar idealizaríamos mas... a nossa forma de apego é diferente. Não sei se é isto

que...” – enfermeiro K

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O facto do enfermeiro estar a passar ou ter passado recentemente por uma experiência de

morte ou doença terminal de uma pessoa significativa também tem o seu impacto negativo

no processo de luto que se desenvolve. Hopskinson e Hallett (2002), relatam que a

experiência de uma morte próxima de um familiar do enfermeiro tem impacto na própria

percepção dos cuidados que este presta ao doentes em final de vida, como lida com a sua

morte e como a idealiza. Dos doze enfermeiros entrevistados, três viveram experiências de

luto de alguém que lhes era próximo e que parece se ter repercutido (ou ainda se

repercute), no modo como eles lidam com o luto dos seus doentes.

“O meu pai faleceu aqui em Cuidados Paliativos... e o meu avô também... e, na

altura, achei, pronto... que, quando depois vim para o serviço achei que isso até

iria, pronto, de alguma forma, pronto, não conseguir lidar bem com essa situação

(...)” – enfermeiro B

“Dava comigo a chorar, pronto...várias coisas porque remonta também um

bocado à vivência que tive... a minha mãe morreu de cancro de mama e então

vivia um bocado as coisas...” – enfermeiro E

“(...) também faleceu aqui uma colega minha que eu trabalhava... com ela.

Trabalhei com ela durante... durante 6 anos e veio aqui a falecer connosco. Queria

só ser cuidada por nós... e foi mesmo... foi a pior experiência acho que já que tive

da minha vida inteira. E às vezes transporto muito... a partir que me aconteceu

isso, transporto muito as situações para a minha vida, e antes não fazia isso,

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tentava sempre... sempre separar. Custa-me mais agora enfrentar um bocadinho

mas tem de ser.” – enfermeiro L

Segundo Anderson e Gaugler (2006-2007), parece existir uma relação entre um maior

sentimento de perda dos doentes por parte dos enfermeiros que vivem e trabalham em

meios rurais, do que os que vivem em meios urbanos. Esta diferença deve-se, segundo os

mesmos autores, à extensão e profundidade das relações previamente estabelecidas entre as

duas partes, antes do internamento. De facto, a cidade e Concelho do Fundão é um meio

maioritariamente rural e onde as pessoas habitualmente se conhecem. Esta proximidade

entre as pessoas do Concelho é reconhecida como um aspecto dificultador para o processo

de luto por alguns dos enfermeiros entrevistados.

“(... ) coisas que influenciam é (...) ou temos mortes recentes, ou se conhecermos

as pessoas (porque estamos num meio pequeno às vezes conhecemos os doentes

ou conhecemos as famílias). Aí, também às vezes, somos mais afectados...” –

enfermeiro A

“Apesar do apego, apesar do tempo que o doente está, até ser uma pessoa da

terra, até ser uma pessoa conhecida, tudo isso são coisas que podem mexer mais

connosco.” - enfermeiro K

Por outro lado, o único enfermeiro que vive sozinho, é estrangeiro e não tem nem

familiares, nem relações ou conhecimentos prévios no Fundão. Segundo o mesmo

enfermeiro,

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“(...) Então, de momento, não há assim ninguém que me faça, que me impressione

muito, nem que me seja chegada. Como também, não sou de cá... Se calhar isto

até é uma vantagem para mim... os colegas conhecem muita gente que cá está.” -

enfermeiro G

Todos os enfermeiros da amostra foram capazes de identificar factores que influenciam

positiva ou negativamente o processo de luto do enfermeiro em Cuidados Paliativos.

Alguns, inclusivamente, conseguiram atribuir-lhes uma valoração positiva ou negativa,

consoante o impacto que estes mesmos factores têm num processo de luto. Dos positivos,

os factores que mais se destacaram foram: a previsibilidade e a tranquilidade da morte, a

preparação e a sua aceitação por parte do doente e família e a partilha em equipa. A

maioria destes factores associados ao conceito de boa morte (Kehl, 2006), têm

repercussões positivas no grau de satisfação profissional, geram sentimentos de integração

e de maior à vontade com a sua própria mortalidade e contribuiem para um melhor

desenvolvimento pessoal e profissional. Dentro dos factores com impacto negativo para o

processo de luto do enfermeiro, destacaram-se: a idade jovem, a existência de filhos

dependentes, a identificação com o próprio doente e/ou família e o grau de envolvência

com os mesmos. De realçar algum sentido díspar que os enfermeiros deram ao tempo de

internamento. Se, por um lado, um maior tempo de internamento parece implicar uma

maior envolvência com o doente e família e levar a um sentimento de maior perda e

sofrimento, por outro lado (e segundo alguns enfermeiros), permite uma melhor preparação

do doente e da família para a sua morte e, consequentemente também do próprio

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enfermeiro. Tendo em conta um menor tempo de internamento, há enfermeiros que

referem não haver tempo para se estabelecer relação e ser mais fácil de se lidar com o luto.

Por outro lado, há enfermeiros que referem não haver tempo para a preparação do doente e

da família e gerar algum sentimento de frustração e impotência. Estas diferentes visões são

controversas mas já conhecidas e suportadas bibliograficamente, como anteriormente

descrito.

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3. ASPECTOS ÉTICOS

Sendo este um estudo de investigação que lida com sentimentos e vulnerabilidades

pessoais e profissionais, foram respeitados príncipios éticos como o do respeito pela

autonomia e o da não maleficiência. Como tal, ao longo da realização da colheita de dados,

da sua análise e posterior exposição aspectos como o anonimato e a confidencialidade

foram respeitados e garantidos aos intervenientes. Houve a necessidade de ser elaborado

um documento de consentimento informado (Anexo VII), a ser assinado, em cópia

duplicada, por ambas as partes, antes da realização da colheita de dados. Uma das cópias

ficou na posse do entrevistado, a segunda cópia com o entrevistador.

Ainda durante a colheita de dados, os questionários sócio-demográficos e as entrevistas

foram respectivamente identificados com uma letra (com conhecimento e aprovação do

entrevistado) e, durante todo o seu processo de análise (e futura apresentação de

resultados) serão assim identificados.

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4. APRENDIZAGENS E LIMITAÇÕES DO ESTUDO

Ao longo da realização do presente trabalho de investigação, dúvidas foram surgindo,

correções efectuadas e, consequentemente, aprendizagens foram feitas. Das aprendizagens

efectuadas, sobressaiem duas de carácter metodológico que convém salientar. A primeira

refere-se ao modo de aplicação de entrevistas semi-estruturadas. Tendo em conta que se

julgava que, a aplicação deste tipo de entrevista não permitia fugir às perguntas do próprio

guião, houve respostas que poderiam ter sido mais aprofundadas e ricas, podendo surgir,

inclusivamente, outros dados igualmente pertinentes para o estudo. Contudo, e mesmo

assim, foram introduzidas algumas correcções ao guião (nomeadamente, foi acrescentada a

pergunta se os entrevistados conheciam o conceito de coping), uma vez ter sido detectado

logo na primeira entrevista (e após esta ter sido efectuada), que o entrevistado desconhecia

alguns dos termos mencionados. A outra aprendizagem refere-se ao conceito de coping.

Durante a realização das entrevistas (e até um dos entrevistados ter referido como

estratégia de coping a fuga), este conceito tinha sido questionado e aplicado como um

conjunto de estratégias positivas, construtivas, de se lidar com a morte de um doente.

Perante a resposta deste enfermeiro, foi necessário aprofundar o tema e abranger neste

mesmo conceito, estratégias eficazes e não eficazes, positivas e negativas, que foram tidas

em conta nas subsequentes entrevistas. Resumindo, as aprendizagens metodológicas mais

evidentes decorrentes da realização deste trabalho foram as da aplicação correcta de uma

entrevista semi-estruturada, com a possibilidade de se acrescentarem novas perguntas ao

guião (desde que tragam informação pertinente ao estudo); e o facto de um conceito ter de

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ser bem aprofundado antes de aplicado num questionário ou entrevista, correndo o risco de

poder enviesar o próprio estudo em causa.

Quanto às aprendizagens realizadas sobre o tema: sempre acreditei que, antes de sermos

profissionais de saúde, somos (e seremos sempre) seres humanos únicos na sua

individualidade. Foi importante para mim reconhecer que, à semelhança da nossa vida

privada/pessoal, o enfermeiro também pode desenvolver processos de luto pelos seus

doentes e que, este processo a ser vivido de forma saudável, nos permite inclusivamente

crescer como pessoa e, consequentemente, melhorar os cuidados que prestamos aos

doentes paliativos e respectivas famílias. Os conceitos de boa e de má morte surgiram

ainda durante a pesquisa bibliográfica e desde logo me fizeram sentido. As mortes de que

me recordo de ter vivido, como enfermeira, com maior proximidade e intensidade, também

estiveram inseridas em contexto facilitadores ou dificultadores do meu processo de luto por

aquele doente. E ver tal facto, por um lado, estudado e fundamentado previamente, por

outro, vivido pelos enfermeiros do meu estudo de investigação, ajudou-me não só a

reflectir sobre as minhas próprias práticas e sentimentos (passados e presentes) perante a

morte de um doente, como também a reconhecê-los como legítimos e foco de

debate/discussão e partilha com os meus colegas de equipa. Consciente ou

inconscientemente, todos os enfermeiros acabam por desenvolver estratégias de coping

para lidar com a morte dos seus doentes, e a partilha em equipa acaba por ser umas das

mais frequentemente utilizadas.

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O que este estudo trouxe de novo? Pensamos poder afirmar que não havia estudos de

investigação publicados, até à data, em Portugal sobre o tema. Logo, o ponto de partida

para esta investigação foi de estudos decorrentes noutros países do Mundo, com contextos

socioculturais próprios e algum conhecimento empírico fundamentado em parte por esta

mesma pesquisa bibliográfica. Tendo em conta o objectivo da publicação deste estudo,

julgo que os seus resultados poderão ajudar a: reconhecer a legitimidade do luto do

enfermeiro; a reconhecer de forma mais consciente as estratégias que podem ser utilizadas

para lidar com o sofrimento e morte inerentes dos nossos doentes paliativos e respectivas

famílias; e, se fôr caso disso, a criar, aperfeiçoar ou desenvolver novas estratégias eficazes

que ajudem a lidar com o próprio sofrimento do enfermeiro perente a situação de morte de

um dos seus doentes. Só reconhecendo o luto como legítimo é que podemos discuti-lo,

partilhá-lo, ventilar emoções e sentimentos, sem receios e, pelo contrário, utilizá-lo como

um meio de crescimento pessoal e profissional.

Este estudo de investigação tem limitações que foram identificadas e merecem ser

consideradas: de carácter pessoal (a inexperiência do investigador) e de carácter externo ao

investigador. A inexperiência do investigador repercutiu-se no modo como as entrevistas

foram conduzidas, o que poderá ter condicionado uma maior profundidade de respostas de

alguns dos enfermeiros e ter comprometido alguns dados também relevantes para o estudo,

por omissão dos mesmos. Dentro das limitações de carácter externo ao investigador

destaca-se o contexto económico que se vive actualmente em Portugal que condicionou o

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número de deslocações ao Fundão e o tempo de permanência na cidade para a realização

da colheita de dados.

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5. CONCLUSÃO

Com a intitucionalização/hospitalização da morte dos indivíduos do século XX e sendo os

enfermeiros um dos grupos de profissionais de saúde que mais lida com o sofrimento e

morte dos seus doentes neste contexto (inerente às características dos seus cuidados

holíticos, 24h/dia, sete dias por semana), não é de estranhar que estes profissionais

desenvolvam processos de luto frequentes pelos seus doentes. Processos de luto esses que

envolvem sentimentos e estratégias de coping, melhor ou pior adaptados ao contexto em

que essas mortes ocorrem.

Os enfermeiros de Cuidados Paliativos do Hospital do Fundão experienciam vários

sentimentos aquando a morte de um dos seus doentes. Sentimentos positivos (de

tranquilidade, paz, alívio, sentimento de dever cumprido) e sentimentos negativos (de

tristeza, revolta, perda, frustração), estão associados a diferentes contextos de morte, a

tentativas de dar algum sentido ao falecimento do doente e à sua accção enquanto

enfermeiros. Estes mesmos factores e estratégias são cruciais no modo como o enfermeiro

vê e lida com a morte de um doente, no presente e no futuro, e a partir dos quais cria ou

desenvolve estratégias para se proteger do sofrimento causado pela perda desta relação

terapêutica. As estratégias de coping desenvolvidas mudam com o tempo e com as suas

experiências pessoais e profissionais, através de um processo de introspecção, auto-

reflexão e aprendizagem. Os enfermeiros recorrem frequentemente às estratégias de

racionalização da morte do doente, a algumas actividades extra-laborais, à família e à

partilha em equipa (suporte social com eventual espaço para ventilação de sentimentos).

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De salientar que, neste estudo, há enfermeiros que, apesar de conseguirem identificar

estratégias de coping utilizadas aquando a morte de um doente, não são capazes de

reconhecer que as utilizam na sua práxis quotidiana. Seria talvez interessante investigar e

compreender o porquê deste facto, desta discrepância. Outro tema de investigação também

a ser considerado no futuro, refere-se ao facto de: como o primeiro contacto com a morte,

ainda como alunos, de todos os enfermeiros entrevistados influenciou o modo como vivem

actualmente o processo de luto dos seus doentes. Seria interessante perceber qual o

impacto que essas mortes tiveram na vida pessoal e profissional desses enfermeiros e quais

os sentimentos que tiveram nessa altura, comparando-os com os do presente.

A previsibilidade e a tranquilidade da morte, a preparação e a sua aceitação por parte do

doente e família e a própria partilha da experiência em equipa foram os factores que mais

foram referidos pelos enfermeiros como facilitadores do processo de luto de um dos seus

doentes. Dentro dos factores com impacto negativo no processo de luto do enfermeiro,

destacaram-se: a idade jovem, a existência de filhos dependentes, a identificação com o

próprio doente e/ou família e o grau de envolvência com os mesmos. De realçar algum

sentido díspar que os enfermeiros deram ao tempo de internamento. Se, por um lado, um

maior tempo de internamento parece implicar uma maior envolvência com o doente e

família e levar a um sentimento de maior perda e sofrimento, por outro lado (e segundo

alguns enfermeiros), permite uma melhor preparação do doente e da família para a sua

morte e, consequentemente, a uma melhor aceitação da morte por parte do enfermeiro.

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Tendo em conta que este estudo foi desenvolvido num Serviço de Medicina Paliativa

(apesar de também partilhar recursos físicos e humanos com um Serviço de Medicina

Geral), julgo também poder ser interessante estudar como este mesmo processo de luto é

vivido em enfermeiros de serviços de Medicina Geral que lidam também com a morte de

doentes paliativos mas, muitas vezes, em contexto de cuidados agudos.

Só conhecendo como se vive um processo de luto na primeira pessoa, contextualizado, é

que se poderá partir para formas de intervenção e promoção de processos de luto saudáveis

com todos os seus benefícios para o indivíduo, instituição e sociedade em geral.

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2004. Dissertação apresentada à Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da

Universidade de São Paulo para a obtenção do título de Mestre em Saúde Pública.

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[Consult. a 2012-05-24]. Disponível em:

http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/22/22133/tde-07072004-114012/;

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ANEXOS

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ANEXO I

Instrumento de colheita de dados

Caracterização sociodemográfica da amostra

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INSTRUMENTO DE COLHEITA DE DADOS

1. Questionário sócio-demográfico

Idade –

Género –

Constituição do agregado familiar -

Anos de experiência profissional na área de cuidados paliativos –

1º contacto com a morte em contexto profissional –

Número de mortes experienciadas anualmente –

Formação prévia em cuidados paliativos/luto -

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ANEXO II

Instrumento de colheita de dados

Entrevista Semi-Estruturada

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INSTRUMENTO DE COLHEITA DE DADOS

2. Guião da entrevista “Luto dos enfermeiros em Cuidados Paliativos”

1. Como vive habitualmente a morte de um doente?

2. Quais são os sentimentos que experiencia?

3. Já recorreu a algumas estratégias de coping para lidar com algum processo de luto? Se

sim, quais e em que situação as utilizou? Se não, conhece algumas? Quais?

4. Consegue identificar factores que podem directa ou indirectamente influenciar o

processo de luto do enfermeiro? Se sim, quais?

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ANEXO III

Pedidos Formais para a realização do estudo no Hospital do Fundão ao

Presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar Cova da

Beira (CHCB), ao Director do Hospital do Fundão e à Direcção de

Enfermagem do CHCB.

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Ao Presidente do Conselho de Administração

do Centro Hospitalar da Cova da Beira

Quinta do Alvito,

6200 - 251 COVILHÃ

Lisboa, 30 de Agosto de 2011

Ex.mo Sr João José Casteleiro Alves,

Ana Filipa Nunes de Pina, aluna do Mestrado em Cuidados Paliativos da Faculdade de

Medicina de Lisboa de 2009/2011, a realizar trabalho de investigação sobre “O luto nos

enfermeiros de Cuidados Paliativos”, vem por este meio solicitar a Vossa colaboração e

permissão para respectiva colheita de dados. O estudo consistirá na aplicação de um

questionário aos enfermeiros do serviço de Medicina Paliativa do Hospital do Fundão, em

actividade em Setembro de 2011, com experiência na área. Serão respeitados os aspectos

éticos implícitos a um estudo de investigação. Aguardo Vosso parecer e, desde já, disponho

os meus dados pessoais para futuro(s) contacto(s) e/ou esclarecimentos.

Os meus melhores cumprimentos,

Ana Pina (939389581/ [email protected])

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Ao Director do Hospital do Fundão

Avenida Adolfo Portela

6230-288 FUNDÃO

Lisboa, 30 de Agosto de 2011

Ex.mo Sr,

Ana Filipa Nunes de Pina, aluna do Mestrado em Cuidados Paliativos da Faculdade de

Medicina de Lisboa de 2009/2011, a realizar trabalho de investigação sobre “O luto nos

enfermeiros de Cuidados Paliativos”, vem por este meio solicitar a Vossa colaboração e

permissão para respectiva colheita de dados. O estudo consistirá na aplicação de um

questionário aos enfermeiros do serviço de Medicina Paliativa do Hospital do Fundão, em

actividade em Setembro de 2011, com experiência na área. Serão respeitados os aspectos

éticos implícitos a um estudo de investigação. Aguardo Vosso parecer e, desde já, disponho

os meus dados pessoais para futuro(s) contacto(s) e/ou esclarecimentos.

Os meus melhores cumprimentos,

Ana Pina (939389581/ [email protected])

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À Direcção de Enfermagem

do Centro Hospitalar da Cova da Beira

Quinta do Alvito,

6200 - 251 COVILHÃ

Lisboa, 30 de Agosto de 2011

Ex.mo Sr João José Carvalhão Ramalhinho,

Ana Filipa Nunes de Pina, aluna do Mestrado em Cuidados Paliativos da Faculdade de

Medicina de Lisboa de 2009/2011, a realizar trabalho de investigação sobre “O luto nos

enfermeiros de Cuidados Paliativos”, vem por este meio solicitar a Vossa colaboração e

permissão para respectiva colheita de dados. O estudo consistirá na aplicação de um

questionário aos enfermeiros do serviço de Medicina Paliativa do Hospital do Fundão, em

actividade em Setembro de 2011, com experiência na área. Serão respeitados os aspectos

éticos implícitos a um estudo de investigação. Aguardo Vosso parecer e, desde já, disponho

os meus dados pessoais para futuro(s) contacto(s) e/ou esclarecimentos.

Os meus melhores cumprimentos,

Ana Pina (939389581/ [email protected])

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ANEXO IV

Documento comprovativo da aprovação do estudo de investigação emitido

pelo Núcleo de Investigação do Centro Hospitalar Cova da Beira, E.P.E.

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ANEXO V

Quadro de Caracterização Sociodemográfica da Amostra

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Entrevistado Idade Género

Constituição

do agregado

familiar

Anos de experiência

profissional em

Cuidados Paliativos

1º contacto com a

morte em contexto

profissional

Número de mortes

experienciadas

anualmente

Formação prévia

em cuidados

paliativos/luto

A 33 Feminino 4 10 Como aluna ? Pós-graduação em

Cuidados Paliativos

B 46 Feminino 3 4 Como aluna 180 Formação básica

C 34 Masculino 3 4 Como aluno 30 -

D 37 Feminino 4 13 Como aluna 50 ou mais Mestrado em

Cuidados Paliativos

E 47 Feminino 3 12 Como aluna 15 a 20 -

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Entrevistado Idade Género

Constituição

do agregado

familiar

Anos de experiência

profissional em

Cuidados Paliativos

1º contacto com a

morte em contexto

profissional

Número de mortes

experienciadas

anualmente

Formação prévia

em cuidados

paliativos/luto

F 47 Feminino 3 8 Como aluna 5 a 10 Formação básica

Especialidade

Médico-Cirúrgica

G 30 Feminino 1 3 Como aluna 15 a 20 Curso de lidar com

perda e luto

Formação Básica de

Cuidados Paliativos

H 26 Feminino 3 1 Como aluna 20 a 24 Formação Básica de

Cuidados Paliativos

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Entrevistado Idade Género

Constituição

do agregado

familiar

Anos de experiência

profissional em

Cuidados Paliativos

1º contacto com a

morte em contexto

profissional

Número de mortes

experienciadas

anualmente

Formação prévia

em cuidados

paliativos/luto

J 46 Feminino 3 1 Como aluna 10 Formação Básica de

Cuidados Paliativos

K 39 Feminino 4 11 Como aluna ? -

L 29 Feminino 3 1 Como aluna 30 Formação Básica de

Cuidados Paliativos

M 48 Feminino 4 11 Como aluna 12 Formação Básica de

Cuidados Paliativos

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ANEXO VI

Transcrição das Entrevistas

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Entrevista A

Como vive habitualmente a morte de um doente?

(silêncio) Normalmente, normalmente as mortes que acontecem no serviço são esperadas.

por isso são coisas que nós, que eu vejo com... com naturalidade, com calma... que as aceito,

são muito raras as mortes que não acontecem... que acontecem sem serem esperadas. Por

isso é uma coisa natural.

Quais são os sentimentos que experiencia?

(silêncio seguido de riso) é difícil dizer. (silêncio). Não faço a mínima ideia... quer dizer, é

assim, se houver familiares presentes, às vezes há algum.. não é que nós sintamos o que os

familiares sentem mas, às vezes, é difícil de lidar com o desespero de alguns familiares que

não estavam preparados ou... não sei explicar muito bem mas... sentimentos... sei lá... ao fim

de tantos anos a trabalhar em cuidados paliativos e vendo as coisas com a naturalidade que

vejo, ... os sentimentos é de... quando as coisas acontecem com tranquilidade e porque têm

de acontecer, é um sentimento de dever cumprido, que as coisas aconteceram porque tinham

que acontecer, não... não costumo, não costumo ter assim muito tempo para pensar nessas

coisas. Acontecem e pronto.

Já recorreu a algumas estratégias de coping para lidar com algum processo de luto? E se sim,

quais e em que situações as utilizou?

Acho que não.

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Consegue identificar factores que podem, directa ou indirectamente podem influenciar o

processo de luto do enfermeiro? Se sim, quais?

Factores? Na minha opinião, o que pode afectar o luto do enfermeiro que trabalha em

cuidados paliativos e não só, tem muito a ver com o estilo de vida que se vive lá fora. Com

as experiências que temos fora do hospital, com o estar ou não à vontade com os cuidados

paliativos... coisas que influenciam é quando temos problemas familiares, ou temos mortes

recentes, ou se conhecermos as pessoas (porque estamos num meio pequeno às vezes

conhecemos os doentes ou conhecemos as famílias). Aí, também às vezes, somos mais

afectados... ou quando são pessoas que, por um motivo ou por outro... nos fazem lembrar

algo em nós ou algum familiar nosso... pessoas novas... são coisas que podem afectar

negativamente. Mas depois também temos coisas que afectam positivamente e que nos

ajudam a ultrapassar esta fase, estas perdas, que no fundo também são perdas nossas, não é?

Só que, em cuidados paliativos, como trabalhamos para ... para manter a qualidade possível

nas pessoas, não é, para que tenham um fim de vida tranquilo, o mais tranquilo possível,

quando conseguimos que, tanto o doente como as pessoas importantes que o rodeiam, e

estão presentes, partam com essa tranquilidade, não é?, nós ficamos... bem. E... e pronto, e

passamos...é assim, não se apaga, não se põe um ponto final nessas memórias mas

continuamos. As coisas continuam para a frente e, logo a seguir, no quarto ao lado, temos

outro doente que precisa de nós. Por isso não ficamos bloqueados naquele momento,

naquele doente que morreu naquela hora. As coisas continuam, não é? Avançamos e acho

que é um bocado assim... não sei.

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Eu há bocado tinha perguntado algumas estratégias de coping, visto que a resposta foi que

não, que não tinha recorrido a nenhuma, se conhecia algumas e para dizer quais.

(Silêncio e risos)

É um tema que eu não penso muito. Que me afecte assim tanto, por isso são coisas que me

passam um bocado ao lado. Não faço ideia. Assim de repente...

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Entrevista B

Como vive habitualmente a morte de um doente?

Depende... portanto, depende também do tempo que os doentes estão connosco. Alguns

acompanhamos há muito tempo, outros não, outros acabam por, mesmo para nós, sentimos

que é um alívio para o doente a morte. depende muito da situação. Pronto... é óbvio quando

são pessoas mais jovens, pronto, a experiência é sempre muito mais intensa e depois vai-se

para casa a pensar, sobretudo também se depois têm filhos da idade dos nossos... tudo isso

leva, pronto, é vivenciado ... noutros é como um alívio para o doente porque realmente há

situações que se arrastam tanto no tempo que às vezes só se pergunta do que é que se está à

espera para partir. Noutras situações, realmente, são mais dificeis mas... neste momento

acabo por sentir... a maioria dos nossos doentes, pronto, são doentes já... felizmente, na

maioria, muito idosos, às vezes com uma degradação física muito evidente em que se nota

que realmente a morte é, talvez, o melhor que lhes possa acontecer. Em relação... pronto, é

assim que eu sinto as coisas neste momento.

Quais são os sentimentos que experiencia nessas alturas?

... Custa-me mais sempre em relação à família. Isso sim, pronto e é quando às vezes tenho

mais dificuldade em gerir, é pronto, é ver o sofrimento pronto, é aquele primeiro impacto do

comunicar a morte à família, pronto, e o ver-se o sofrimento dos familiares, é aquela fase em

que se, pronto, também um pouco de choque em que se está a ver também as outras pessoas

em sofre.. pronto, que têm que passar por ele, é obvio que têm, não é?, para fazerem o luto

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como deve ser mas, muitas vezes é mais a dor da família que... pronto, que ainda mexe mais

comigo, pronto, do que às vezes o próprio doente...

Mas o que é que sente, o que é que sente? Quais são os sentimentos?

Acaba por se sentir...pronto, acaba-se por sentir também o processo como se fosse, se

calhar, uma perda um bocadinho nossa... as famílias também estão muito presentes aqui no

nosso serviço... e acabamos por sentir um bocadinho, como se a perda fosse um bocadinho

nossa, não é? É isso... a sério. (riso)

Já recorreu a algumas estratégias de coping para lidar com algum processo de luto?

É assim, eu no serviço domiciliário nós fazíamos a visita do luto...depois deixou de se fazer,

infelizmente, porque deixaram de ser pagas... pronto... e deixaram-se de fazer. Mas foi uma

coisa que eu sempre senti... em relação a estes doentes, aos nossos doentes, e é nestes casos

em que as famílias, pronto, fazem o luto pronto, fazem o luto normal, que na altura fazíamos

a visita depois de uma semana, um mês e passados três meses e nunca, na altura, nunca

vivenciámos nenhuma situação que identificássemos como luto patológico em situações de

doentes em cuidados paliativos. Porque acaba mesmo por a família depois reconhecer que

para o doente foi melhor ele ter partido do que, pronto, ... nunca vivi assim nada... em

relação às nossas estratégias... pronto... aqui... pronto, com excepção, de uma jovem que nos

faleceu aqui no serviço com 30 anos, e que realmente se vai, pronto, aí a gente tem

realmente de arranjar forma de não viver porque ... pronto... e, é como eu digo, quando há

filhos pequenos,... isso sim pronto, andamos umas noites a pensar nisso e... pronto... mas, as

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estratégias para ... não, por acaso nã é, em termos de , de... não... fugir assim das situações,

não... já tive uma altura que sim, pronto, se calhar... agora não, já cá ando há 25 anos e não,

a falar a sério, não são situações que fujo porque é quando as pessoas mais precisam de

nós... e então não... é...

E conhece algumas que sejam utilizadas para além da que está a dizer, de fuga?

...Já... pronto, o que se preconiza ou que a gente sabe...pronto, falo com algumas colegas

pronto, ... é óbvio que a gente, às vezes, conversa com algumas colegas, conversamos em

equipa, já fizemos mais isso, agora nesta fase de mudança, não temos as reuniões

multidisciplinares mas é mais, só realmente, as conversas com os colegas... no sentido de

que, vivenciam as mesmas coisas... e o facto de se falar, pronto, ajuda a libertar-nos das

coisas...

Consegue identificar factores que podem, directa ou indirectamente podem influenciar o

processo de luto do enfermeiro? E se sim, quais?

O meu pai faleceu aqui em Cuidados paliativos... e o meu avô também... e, na altura, achei,

pronto... que, quando depois vim para o serviço achei que isso até iria, pronto, de alguma

forma, pronto, não conseguir lidar bem com essa situação mas no fundo, de facto porque,...

isso não aconteceu, porque... aliás ainda me reforçou mais a ideia porque eu acho que

realmente ajudamos muito os doentes. Ajudamo-los a morrer bem, com conforto, ajuda-se

muito a família... e ao contrário do que achava que iria ser penoso para mim, até nem foi...

pronto, agora... (risos) fiquei assim um pouco perdida... (risos)

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(risos) ...eu repito.Consegue identificar factores que podem, directa ou indirectamente,

influenciar o processo de luto no enfermeiro?

Talvez, pronto, se a equipa não funcionar bem, acho que isso é motivo de, pronto... porque

não sei, tenho colegas que, que pronto, em termos às vezes de conversa, mas é um

bocadinho empírico porque nunca por cá passaram, dizem que tinham muita dificuldade

em trabalhar em cuidados paliativos... Portanto eu acho que isso depois com o tempo se

resolve, e as pessoas vão... agora também acho que a formação ajuda muito, o facto de se

ler, de se entender o que se passa e realmente de entender sobretudo como é que podemos

ajudar... porque às vezes acho que as colegas sentem que, acham... pronto, que não se

consegue ajudar mas consegue-se ajudar muito estes doentes, não a tratar a doença mas os

sintomas e a controlar a forma como o doente sente e como ele morre. Eu costumo dizer

que, eu acho que somos o serviço que mais ajuda os doentes. Às vezes as colegas “ah, eu

não era capaz” mas eu acho que, depois, toda a gente era capaz de aqui trabalhar... é isso que

eu acho...

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Entrevista C

Como vive habitualmente a morte de um doente?

Habitualmente? ... Eh pá, sei lá... (silêncio)... sei lá... agora neste momento. Depende do

doente... se fôr um caso, pronto, mais novo, que tenha dependentes de família, pronto, que

tenha crianças dependentes ou assim, um momento de tristeza. Eh pá, se fôr um idoso,

sinceramente, neste momento, (riso) , acho que, em termos de sentimentos, não me afecta

nada.

Quais são os sentimentos que experiencia?

Mais uma vez, depende da situação. Se fôr um caso novo, de frustração... E depois, às vezes

empatia, a gente coloca-se, quer se queira, quer não, coloca-se sempre na situação... Se fôr

um caso de idosos... acho que já... no início custava-me, agora já não. É mais um. (risos)

Já recorreu a algumas estratégias de coping para lidar com algum processo de luto? E se sim,

quais?

Não.

E conhece algumas?

(silêncio) hummm, sim. O esconder a situação, não é?... (silêncio)

O coping é mais de como lidar, maneiras como lidar...

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Sim, há o esconder da situação, há o... um outro... que é... eu sabia... que é, pronto, a gente

pôr-se do lado de fora... que tinha até um nome... de resto, mais nada.

E não as utiliza?

Não. Acho que não. Se calhar utilizo sem me aperceber, não é?

Consegue identificar factores que podem, directa ou indirectamente, influenciar o processo

de luto do enfermeiro?

Factores?

Sim.

.. sim, a idade do doente, do... portanto, neste caso se fôr terminal. A situação familiar...

(suspiro)... (silêncio) ... O tipo de... acho que às vezes tem muito a ver com o tipo de doente

que se, pronto, que se recebe, dependendo da situação. Quais são os principais factores que

influenciam ?... Acho que os principais factores são, é o tipo de doente, a família que está

envolvida e mais nada... e depois se a gente se envolve mais com o doente ou não, pronto, às

vezes quando se cria mais empatia com o doente custa mais... é por isso que uma das formas

de coping é evitar o envolvimento... é isso e o pôr-se de fora, como é que se chama isso?

Não, coping não é isso.

Não?

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Não. O coping é o contrário. É como lidar de forma positiva.

Ah.

De forma positiva.

Hum... acho que não há assim mais nenhuma situação que influencie...

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Entrevista D

Como vive habitualmente a morte de um doente?

Se houver um controlo de sintomas, de forma muito serena. Vivo a morte de uma forma

muito serena, como algo expectável e que dever ser vivido, de facto, num momento único

para aquela pessoa e para quem o acompanha.

Quais são os sentimentos que experiencia?

Quando morre alguém... por vezes de alívio. De alívio do sofrimento, não é?, que é visível...

algumas vezes... todos nós temos o nosso cemitério pessoal, não é? Ou, como se costuma

dizer, algumas mortes deixam algumas marcas, alguma saudade, que com o tempo se

transforma em saudade, não é? E se fala com alguma calma sobre essas mortes mas... muitas

delas como um alívio, sim.

Já recorreu a algumas estratégias de coping para lidar com algum processo de luto? E se sim,

quais?

Direccionados exclusivamente para a morte do doente, não é?

Sim.

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Ginásio. Acho que o facto de nós termos outras actividades para além da nossa actividade

profissional, acho que é muito bom. Ginásio, o contacto com a família, o voluntariado

(sorrisos)

Consegue identificar factores que podem, directa ou indirectamente, influenciar o processo

de luto do enfermeiro?

A idade, a proximidade da idade com o doente, não é? O estarmos na mesma fase da vida da

pessoa, não é? Certamente custar-me-á muito mais acompanhar uma mulher com 37 anos

que tenha dois filhos como eu, do que aquela pessoa com oitenta e tal, que já percebi que já

vivenciou a sua vida... portanto a idade, sim. E a forma também como a pessoa morde,

morre. Se há uma boa aceitação ou a aceitação possível da morte por parte do doente e, a

própria aceitação que eu tenho dessa morte... o processo é vivenciado de uma forma mais

serena, sim.

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Entrevista E

Como vive habitualmente a morte de um doente?

Como vivo? Com naturalidade. É um processo normal da vida, ainda mais nestes doentes, às

vezes até é um alívio. (riso)

Quais são os sentimentos que experiencia?

Como digo, às vezes é de paz, acima de tudo ver paz naquela pessoa que está em

sofrimento... inicialmente sofri um bocadinho quando vim para este serviço, sofri um

bocadinho porque vivenciava demais as situações. Entretanto tive de criar defesas porque

senão sofria muito com isso. Dava comigo a chorar, pronto...várias coisas porque remonta

também um bocado à vivência que tive... a minha mãe morreu de cancro de mama e então

vivia um bocado as coisas... mas pronto, além de tudo é o sentimento de ter ajudado, acima

de tudo, aquela pessoa a morrer, não é? E aliviar o sofrimento dela. Acho que é o sentimento

mais forte que sinto.

Já recorreu a algumas estratégias de coping para lidar com algum processo de luto? E se sim,

quais?

Não estou a ver agora, mais ou menos, o que é que quer dizer...

O coping é estratégias de ultrapassar o luto, de vivenciar o luto.

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Se eu já utilizei estratégias... Eu acho que não é uma questão de utilizar estratégias é, é...

vivenciar as coisas como um processo natural e que... ainda mais trabalhando, neste serviço,

é um processo normal e natural que, para eles é o fim e é o fim para nós também de o ver a

sofrer tanto Nós também temos sentimentos, não é?

Consegue identificar factores que podem, directa ou indirectamente, influenciar o processo

de luto do enfermeiro? E se sim, quais?

Directa ou indirectamente?... Depende. Depende dos factores familiares que envolve o... a

própria situação que estamos a vivenciar de pessoas jovens, em que temos crianças, filhos a

chorar “salvem o meu pai”, prontos, tudo isso... Agora, estratégias ou formas de... não sei

como é que hei-de explicar isto... repita lá outra vez.

Se consegue identificar factores que podem, directa ou indirectamente, influenciar o

processo de luto do enfermeiro?

Do enfermeiro? Está a falar da questão do enfermeiro?

Sim.

Prontos, mais essa envolvência familiar, que nos afecta muitas vezes, não é? Nós que somos

mães... vivenciar todas essas situações. Tirando isso, não... acho que não há assim mais nada

que possa dizer.

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Entrevista F

Como vive habitualmente a morte de um doente?

De uma forma tranquila. Habitualmente de uma forma tranquila. Lá está, há situações que

nos tocam mais mas que, temos ao longo do tempo aprendido a desenvolver estratégias

também para... como forma de reacção a isso e até também porque, a seguir, temos que lidar

com a família, não é? Só por si, isso... Mas habitualmente de uma forma tranquila.

Quais são os sentimentos que experiencia?

Lá está, depende das situações. Depende das situações. Nada que... Tenho algumas

recordações de alguns doentes que mexeram mais, que levei para casa... pronto, a situação

para casa, para... durante alguns dias. Não por situações de culpabilidade, não... mas pela

situação da envolvência, do sofrimento, ou de, às vezes, a não aceitação do doente, da forma

como o doente também viveu a sua morte, e que às vezes também nos mexe mais com os

nossos sentimentos. De resto... acho que ao longo do tempo aprendemos, ou também porque,

na minha geração em que éramos pequeninos e convivíamos com a morte de uma forma

natural, de ir aos funerais desde pequeninos, indo aos velórios e não sei quê... se calhar

aprendemos a viver a morte como uma coisa mais natural do que agora, que se afasta a

morte de casa e... se foge, se foge de... e se oculta até a morte aos filhos e às crianças. Se

calhar fruto disso também, acho que, que depois... que... nos primeiros anos não, é mais

conflituoso, acho eu. Nos primeiros anos de trabalho, temos aquele sentimento que vamos

salvar o mundo e que nenhum doente nos pode morrer, e quando morriam é um fracasso.

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Depois não, vamos aceitando que a vida não é assim. Que faz parte de um ciclo e o ciclo

também se tem de fechar. E acho que é um bocadinho assim... e às vezes até penso na minha

também assim nesses termos... e acho que é assim que a coisa tem que concluir. Não é assim

muito conflituoso de facto, tirando essas que, realmente, nos perturbam.

Já recorreu a algumas estratégias de coping para lidar com algum processo de luto?

Não, nada de muito complicado, não. Nada de muito complicado. A gente faz aquela ....

interiorização de que é assim, nada de especial. Nunca precisei de apoio, nem ter de que

necessitar de nada de... não, nada complicado.

Consegue identificar factores que podem, directa ou indirectamente, influenciar o processo

de luto do enfermeiro? E se sim, quais?

Processo de luto do enfermeiro? Depende das situações. Eu acho que, depende da

preparação profissional também, da preparação pessoal, da sua formação pessoal... das suas

perspectivas, crenças que tem em relação à morte. Eu acho que, tudo isso influencia a forma

como se encara, o fim, a finitude da espécie humana e depois, quando nos acontece no

serviço, às vezes, as pessoas podem transpôr isso. Eu acho que a formação pessoal, o haver

partilha na equipa de algumas situações mais difíceis, de poder falar logo no assunto, ajuda a

que isso seja mais facilmente ultrapassado. Habitualmente, não tenho aí visto grandes...

também como digo, a minha experiência é mais recente. Agora... a fase, as recordações que

tenho mais assim... era de há uns anos atrás mas a abordagem mudou radicalmente. A

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abordagem em termos de cuidados paliativos, quer na medicação, que era muito mais

invasiva, muitos injectáveis, DIB’s, PCA’s, e agora com os selos, com essas coisas todas, os

transdérmicos, é muito mais suave, muito menos invasivo... consegue-se um estado de

tranquilidade e de maior controlo da dor, sem aquela coisa pesada toda de antigamente.

Acho que tudo isso também faz com que as coisas evoluam e sejam mais fáceis de lidar. (...

e depois eu esqueço-me...)

Consegue identificar factores que influenciam o luto...

Pois eu acho que é sobretudo isso, a partilha, a discussão dos assuntos, para que a pessoa

não sinta, não leve para casa, não sinta ou, se aconteceu, se culpabilize por alguma atitude...

poder... poder clarificar as coisas para que não se, para que não fiquem a pensar na... e não

se levem para além do que é aceitável. Recordações toda a gente tem não podem é ser,

enfim.... para além do normal, doentias, uma coisa assim e pronto, acho que de resto é tudo.

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Entrevista G

Como vive habitualmente a morte de um doente?

Com calma. Geralmente com calma. Mesmo com os familiares aqui, tentamos sempre

manter muita calma para eles também se sentirem apoiados e... sim, normalmente com

calma. Não tive nenhuma pressa, nenhuma morte assim muito agitada, nem nada que me...

que de repente me chocasse, é tudo muito previsto, para já.

Quais são os sentimentos que experiencia?

Acho que às vezes de tranquilidade, pronto, porque os vemos a evoluir, e vemos que pioram

e... igual à família é capaz... eles sentem muita tristeza pela perda, não é? Mas sentem

também, acho que, um alívio, e acho que nós também sentimos, parte deles, desse alívio... e

vermos que fazemos o nosso trabalho, para que tudo corra com calma e que a família esteja

preparada, dentro do possível, não é? Porque nunca se está.

Já recorreu a algumas estratégias de coping para lidar com algum processo de luto?

Conhece o termo coping?

Sim, sim. Não, até ao momento não foi preciso. Não me afectou ainda assim ninguém tão...

tivemos uma colega que faleceu, nossa, trabalhei com ela quatro anos, faleceu mas eu

também não estava cá, estava de férias e então também não vivi, pronto, só soube do

falecimento já eu estava cá internada, mas não vivi assim muito directamente. Então, de

momento, não há assim ninguém que me faça, que me impressione muito, nem que me seja

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chegada. Como também, não sou de cá... Se calhar isto até é uma vantagem para mim... os

colegas conhecem muita gente que cá está.

Se não utilizou, conhece algumas estratégias de coping e quais?

Sim, arranjar estratégias para seguir em frente. Depende também um bocado das pessoas.

Utilizamos muito com os doentes, com os familiares, sobretudo, valorizarem-se a si mesmo,

não se deixarem ir abaixo, valorizarem-se a eles próprios para continuarem em frente... A

vida segue em frente por muito que custe... valorizar basicamente a pessoa.

Consegue identificar factores que podem, directa ou indirectamente, influenciar o processo

de luto do enfermeiro?

Sim, o stress emocional brutal, já vi nalguns colegas, e quando é alguém conhecido, ficam

muito stressados e com labilidade emocional. Não conseguem, se calhar, entrar no quarto...

não, mas, de momento, a mim não me aconteceu, ainda, felizmente, acho eu.

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Entrevista H

Como vive habitualmente a morte de um doente?

(silêncio). Depende, depende se conhecer o doente anteriormente, ou não. Muitas das vezes

chegam aqui ao serviço e já vêm muito mal... e nesses casos, pronto, a pessoa sente que é

um alívio para o doente, ele falecer, desde que não tenha sofrimento. Enquanto que, se fôr

um doente que nós vimos que ele se vai degradando, custa-nos mais porque está até mais

tempo connosco, e começamos a lidar mais com ele e então aí, nesses casos, custa-nos mais.

Quais são os sentimentos que experiencia?

Sentimentos?... Então, se fôr nesses casos que eles já vêm mal, de alívio para o doente, que

acabou-se a dor para ele. Caso seja um doente novo, ... pensamos muitas vezes, não é?... às

vezes têm filhos e... pensamos se fosse no nosso caso, como é que seria? E então ficamos

tristes também. Depende, depende da idade do doente, depende do estado com que ele

chegou, depende da família, se tem família, se não tem, essas coisas...

Já recorreu a algumas estratégias de coping para lidar com algum processo de luto?

Não.

E, se não, se conhece algumas e quais?

Então sei lá... sair daqui, fazer... ir dançar, ir ao cinema, namorar... (risos), fazer ginásio...

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Mas nunca precisou?

Não, por acaso, não. Ainda estou cá há pouco tempo, não é?

Consegue identificar factores que podem, directa ou indirectamente, influenciar o processo

de luto do enfermeiro? E se sim, quais?

Que podem influenciar o processo de luto... A idade, se a idade fôr semelhante à da outra

pessoa que falecer, pode-se identificar com o doente... (silêncio)... mais não sei... a

identificação com o doente, muitas vezes e as características do doente... mais não sei. Acho

que quando são assim pessoas mais novas, ou pessoas que têm filhos ou pessoas que deixam

alguma coisa por fazer... é que todas as pessoas pensam nisso que é, pronto,um ponto de

embate... de resto...

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Entrevista J

Como vive habitualmente a morte de um doente?

Com calma e tranquilidade.

Quais são os sentimentos que experiencia? (silêncio) O que é que sente?

Sentimentos de experiência, pronto, é de tristeza e, viver com o máximo com humanização.

Já recorreu a algumas estratégias de coping para lidar com algum processo de luto? E se sim,

quais e em que situações as utilizou?

(silêncio) ... de coping?

Coping é...

Sim, eu sei... (silêncio) Se não conhece algumas? Se já recorreu a algumas estratégias de

coping para lidar... (silêncio)... Não.

Então se não, se conhece algumas e se pode dizer quais. (silêncio prolongado). Conhece

algumas?

Sei lá. Às vezes medicação, ambiente tranquilizador, falar com as pessoas, sentar...

... Mas nunca precisou?

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Não.

Consegue identificar alguns factores que podem, directa ou indirectamente, influenciar o

processo de luto do enfermeiro?

Sim, às vezes experiência, às vezes experiências profissionais, outras vezes pessoais que às

vezes influenciam muitas vezes o processo de luto, a proximidade com a família e que às

vezes, se reflete a própria imagem familiar. Pronto.

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Entrevista K

Como vive habitualmente a morte de um doente?

É assim, ao fim de alguns anos de trabalhar em cuidados paliativos... tentamos criar formas

de lidar... é assim, eu lidava pior no início do que lido agora com a morte do doente. Aprendi

a defender-me, aprendi a criar um limite de sentimentos, que leva a que eu consiga trabalhar

11 anos em cuidados paliativos, senão, não conseguia, n’é? Saber apoiar, saber criar uma

relação empática com o doente e família sim, mas, saber por-me no lugar do outro mas,

saber que não estou no lugar do outro. Senão de contrário não consigo trabalhar aqui. É a

unica forma. E a forma que eu encontro de vivenciar diariamente com a morte é essa. É eu

saber separar as coisas. É eu saber... que está a acontecer àquela família e que é meu papel,

que é a minha função apoiar, ajudar, dar as devidas orientações para eles saberem lidar com

a situação de uma forma mais leve, porque o nosso trabalho leva a que eles consigam lidar

de uma forma mais leve. Se eles estiverem preparados para o processo de luto, eles

percebem o que é que lhes está a acontecer, que é normal portanto vamos viver este normal.

Mas depois eu tenho de separar e... há algumas situações que mexem mais do que outras,

sem dúvida. O tempo de estarem no serviço, os doentes, portanto, se estiverem mais tempo

é mais difícil... porque acabamos por criar alguns laços... o doente... situações rápidas

também mexe connosco, sem dúvida nenhuma, nós chegamos a ter doentes que às 16 horas

partem, não é? 16 horas de internamento, ou 8 horas de internamento, não chegámos a

conseguir fazer o nosso trabalho da forma que se calhar idealizaríamos mas... a nossa forma

de apego é diferente. Não sei se é isto que...

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Quais são os sentimentos que experiencia? Que tem nessa altura?

Neste momento, tenho vivenciado muitos momentos de revolta. Atendendo às contingências

em que o serviço está, muita coisa mudou e, na realidade, não é fácil aceitar as coisas como

elas são neste momento. E... também temos tido algumas situações em que a partida do

doente não é assim tão tranquila quanto se preconiza e daí, não é uma sensação de insucesso

mas uma sensação de frustração não podermos fazer as coisas de outra maneira, se calhar

como gostaríamos de fazer. Isso é o sentimento que mais mexe comigo.

Já recorreu a algumas estratégias de coping para lidar com algum processo de luto? E se sim,

quais?

(silêncio)

Sabes o que é coping?

Sim, sim.. É assim, eu recorro muito à família... é assim, ao longo destes anos todos, eu

tenho criado estratégias em mim mesma. Eu tenho tentado ser o mais resiliente possível, eu

tenho tentado gerir no meu interior as emoções, eu tenho tentado ser eu a gerir as coisas, eu

a mudar... e mudei. Eu, como pessoa a trabalhar em cuidados paliativos, mudei. Eu acho que

não há ninguém que trabalha, que não mude. Todos mudamos. Porque com as vivência, nós

vamos aprendendo, nós vamos crescendo e estamos sempre a crescer a trabalhar em

cuidados paliativos. É assim, suporto-me muito na família, que são os meus mais que tudo,

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que acabam por... é a estratégia que eu uso... para me afastar destas coisas, não é? Tenho

uma hortinha, portanto, dedicar-me ao espaço livre, à agricultura, ao jardim... também é uma

estratégia que eu tenho porque , às vezes, a casa até nem está muito bem mas não interessa,

tenho que ir para a rua. Mas é, mas é... são as minhas duas estratégias: é a família e os meus

espaços. (risos) Eu não tinha essa faceta há uns anos atrás, mas agora tenho. (risos) Uma

agricultora nata, nata!

Consegue identificar factores que podem, directa ou indirectamente, influenciar o processo

de luto do enfermeiro? E se sim, quais?

Que podem influenciar?

Sim.

... não estou a perceber muito bem o que é que pretendes... espera.

É assim, ao fazermos o... este processo de luto, este processo de separação, por exemplo, há

situações em que... lá está, eu falei da questão do tempo, já falei da questão do tempo, do

tempo de internamento que mexe muito com... e depois, a nossa capacidade de ultrapassar

mas, sem dúvida... eu acho que, basicamente é o processo de... (eu agora estou para aqui a

pensar, estou aqui a engonhar e isso a gravar, e eu não estou a chegar lá, sinceramente)... é

assim, eu penso que na nossa vida pessoal ...se estiver tudo bem, as coisas são diferentes, ou

seja, eu acho que o nosso equilíbrio, o nosso estado de paz, o nosso estado de equiílibrio, é

fundamental para que nós consigamos pôr tudo no sítio, não é? Para conseguirmos fazer esta

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separação do que é que é com o doente, do que é que é com a família e o que é connsoco.

Apesar do apego, apesar do tempo que o doente está, até ser uma pessoa da terra, até ser

uma pessoa conhecida, tudo isso são coisas que podem mexer mais connosco. Mas, se nós

estivermos bem, nós conseguimos pôr tudo na prateleirinha com o devido tempo. Se calhar

até choramos um bocadinho tudo bem, faz parte, mas conseguimos, com o seu devido

tempo, fazer o nosso luto. Se nós não estivermos bem, começamos a acumular coisas,

começamos a arrastar e daqui a um bocadinho estamos no burnout. É um bocadinho assim, é

um bocadinho. E, este último ano, acho que a equipa passou por grandes momentos de

burnout. A equipa. Não sei o que é que vai ser o sumo do teu trabalho mas, sem

dúvida...porque também houve este contexto das circunstâncias do espaço. É querermos

separar uma família, não temos onde pôr a família, não temos uma sala. Queremos separar

um doente, nós temos biombos, estamos aqui há um ano, nós temos biombos a separar

doentes, os cortinados a separar doentes, desde o fim de Agosto. Já aconteceram aqui coisas

que nos deram uma revolta tremenda, tremenda e daí, haver fases que nós não

conseguíamos estar bem, que nós não conseguíamos separar as coisas e arrumar as coisas. E

o que é que acontece nessa hora? Nessa hora é uma sopa, juntamos tudo... e nem estamos

bem em casa, nem estamos bem connosco próprios, nem estamos bem no emprego e não

conseguimos dar o nosso melhor que é aquilo que nós queremos fazer aqui. É um bocado

por aí. Não sei se são esses factores, não sei se... fui directa a alguns. Serão alguns.

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Entrevista L

Como vive habitualmente a morte de um doente?

Se eu, prontos, se eu, pronto, eu sempre, penso que é sempre uma perda para mim mas, se

quanto mais tempo eu lidei com esse doente pior para mim porque sinto mais a perda do

doente. Mas, por exemplo, se ele morre comigo, consigo fazer melhor a despedida do que se

ele morrer com outro colega meu. Mas, normalmente, encaro, não é com normalidade, mas...

e tudo depende às vezes, custa-me muito mais as pessoas mais mais novas do que as

pessoas muito idosas que já, que já fizeram algum percurso. E vivo... é assim, aquelas mais

marcantes vou-me lembrando delas mas é um lembrar construtivo, acho eu. (risos)

Quais são os sentimentos que experiencia? Que sente?

É assim, na paliativa é mais o sentimento de... se o doente estiver em muito sofrimento, foi o

melhor que ... ou está com muita dispneia, ou a família está muito desesperada por ele estar

assim, sinto que é também um alívio para ele, também, me sinto aliviada eu, porque a pessoa

partiu, porque já não havia outra... outra hipótese. Gosto sempre de pensar que a pessoa

falece e a gente já tentou, já tentou tudo por tudo fazer o melhor por ela. E o sentimento

que... que eu faço para eu me sentir melhor é sempre pensar que eu fiz, por exemplo num

turno, tudo para que ele sentisse melhor, que nestes casos em que a gente está é um

tratamento paliativo, está a tentar melhorar o sintoma, não a própria doença. Mas se eu

souber que a pessoa esteve sem dor, se ela não vomitou, se esteve calma, para mim é um

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sentimento bom, eu pensar que estou a fazer o melhor para aquela pessoa. Acho que é isso.

(risos)

Já recorreu a algumas estratégias de coping para lidar com algum processo de luto que tenha

feito? E se sim, qual ou quais?

É assim, é.... eu antes fazia um bocadinho mais isso... agora sinto mais dificuldade porque

tenho a minha mãe que tem um cancro da mama agora e então ... também faleceu aqui uma

colega minha que eu trabalhava... com ela. Trabalhei com ela durante... durante 6 anos e

veio aqui a falecer connosco. Queria só ser cuidada por nós... e foi mesmo... foi a pior

experiência acho que já que tive da minha vida inteira. E às vezes transporto muito... a

partir que me aconteceu isso, transporto muito as situações para a minha vida, e antes não

fazia isso, tentava sempre... sempre separar. Custa-me mais agora enfrentar um bocadinho

mas tem de ser. Não sei, como é que eu faço? Não sei... lembro-me... penso e ao mesmo

tempo digo: não as coisas podem ser diferentes, podem caminhar de outra maneira diferente,

tento pôr aspectos positivos....

Consegue identificar factores que podem, directa ou indirectamente, influenciar o processo

de luto do enfermeiro?

Factores que interferem?... por exemplo, se eu não tiver uma boa comunicação. Por

exemplo, se eu tiver um doente e não tiver uma boa comunicação com o médico e com a

equipa multidisciplinar..., ou se eu vejo que ele está a precisar de uma parte psicológica, ou

se eu acho que a medicação não está a fazer efeito e eu não conseguir transmitir isso ao

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médico e, prontos, a própria comunicação não funcionar e... não beneficiar o doente, aí

sinto-me... sinto-me mal. Acho que as coisas não estão a correr bem para o doente....

E isso prejudica o luto que faz, é isso?

Sim, porque eu penso sempre que podia ter acontecido desta e daquela maneira e não

aconteceu porque, eu fiz aquilo que eu pensava que estava certo mas, ao mesmo tempo, não

consegui atingir o objectivo. E eu penso, às vezes penso isso. (silêncio mais prolongado) Em

medicina é diferente... às vezes uma pessoa pensa: ah, em muito mais coisas, não é? Em

medicina a gente pensa; e se fôr, e se lhe dermos esta medicação, e se vai a outra medicação,

chamamos a doutora, não chamamos, enquanto na paliativa é uma coisa assim, um

bocadinho, mais calma. A gente já está à espera de determinados sintomas, mas mesmo

assim, temos sempre... porque aqueles doentes que acabam por vir para aqui, acabam por

não se controlarem e vêm mesmo para a fase final. A gente não consegue fazer nada. Se um

doente está aqui um dia... Enquanto há outros que vêm atempadamente, a gente já consegue

estabelecer alguma relação com eles e com os familiares, sente que a parte do fim de vida

fica um bocadinho melhor resolvida tanto para eles, como para nós. É a pequena experiência

que eu tenho... (risos)

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Entrevista M

Como vive habitualmente a morte de um doente?

Se o doente estiver tranquilo, eu também a vivo isso com tranquilidade. Se o doente não

apresentar sintomas que eu veja que lhe conferem desconforto, eu vivencio isso bem. Agora,

se eu vejo que um doente está descontrolado em termos de dor, por exemplo, quer familiares

que não vêm, quer, sei lá, algo que nós profissionais não conseguimos dar, claro que eu...

não é revolta mas fico um bocadinho triste por não os conseguirmos dar a tranquilidade que

o doente merece. Agora se não tivesse tido, isso na boa. Bem, desde que ele esteja tranquilo,

que os familiares estejam também a par da situação e que já estejam a interiorizar a perda do

familiar, tudo de forma harmoniosa, desde que seja tudo bem, vivencio isso bem. Por isso

estou neste serviço, senão iria para outro. Agora quando vejo um doente descontrolado ou

assim, mexe um bocadinho comigo e com qualquer outro profissional.

Quais são os sentimentos que vive, que experiencia?

Mas perante a morte ou no doente terminal no geral?

Mesmo na morte.

É assim... Os sentimentos?... pena não, pena não. Compaixão talvez. Compaixão. Se fôr um

doente que eu tenha tido uma ligação maior com o doente, que tenha estabelecido um

relacionamento, acabo por sentir alguma tristeza. Não é pena mas tristeza, da minha parte,

ver que essa pessoa já não vai estar, no dia seguinte, quando eu voltar a vir trabalhar... isso

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sim. Se a pessoa partir tranquila... sentimentos de missão cumprida, e que a pessoa foi em

paz, tranquilidade, sem aquela frustração de... podia ter feito mais. Não, não... também há

alturas que posso sentir isso mas, por norma, como eu digo, se houver estabilidade de

sintomas acho que qualquer um de nós não se deve sentir frustrado. Eu pelo menos não me

sinto. Se a pessoa estiver estável e é uma doença que, já por si, que não seja muito

arrastada, aquela, aquelas últimas horas, que nós... prolonga demasiado... que às vezes nós

temos aí casos, que é uma agonia muito prolongada, que nós dizemos o que é que falta? A

família já veio, sei lá, qualquer coisa que ela, o doente, nos tenha comunicado que gostaria

de ver ou de fazer , também já aconteceu, ele ir a casa, por exemplo, o que é que leva esta

pessoa a estar assim? Isso mexe um bocadinho connosco, não é, vermos uma agonia

prolongada. Mas se estiver tranquilo... Eu o sentimento de frustração... já senti algumas

vezes, mas não sinto muito. Não sinto muito porque acho que a nossa missão, desde que

desempenhemos o nosso papel de acordo com aquilo que nos é possível fazer perante a

situação, não sinto frustração.

Já recorreu a algumas estratégias de coping para lidar com algum processo de luto?

É assim, acho que é mais entre grupo... propriamente, estratégias específicas, não. Mas em

grupo, por exemplo, passagens de turno, falamos de alguém que morreu, por exemplo, mais

novo, e dizemos custou-me um bocadinho porque morreu comigo e... falamos. Acho que a

estratégia que nós usamos mais é falar um bocado sobre o assunto. E acabamos por, a pouco

e pouco, ir esquecendo mais facilmente. Parece que não, quanto mais se fala mais se vive.

Mas não, porque se falarmos no assunto acho que sai assim um bocadinho e pronto, tenho de

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aceitar, era nova mas faleceu, pronto acabou, fizemos tudo que foi possível e pronto. Agora,

já falámos várias vezes mas não temos nada ainda assim, não. É mais em reuniões de equipa,

passagens de turno, que um fala; ah custou-me isto ou porque era nova ou porque tinha

filhos pequenos, é mais assim, em grupo. Outro tipo de estratégias... Individualmente, cada

um, acredito que, ou através de desporto, ou estratégias que ajudem um bocadinho... mas,

nada, nada assim bem estruturado, não.

Consegue identificar factores que podem, directa ou indirectamente, influenciar o processo

de luto do enfermeiro?

Factores que possam assim influenciar... eu penso que a idade é um dos factores. Se fôr um

utente que seja jovem acabamos por nos identificar um bocadinho. Se tiver filhos, mais

ainda. E se fôr alguém com quem se estabeleceu uma ligação melhor acaba por também

depois ser mais difícil encarar a morte, a perda, a perda desse doente. Em termos de

patologias propriamente ditas, porque há aquelas neoplasias que, que são... que como hei-

de... desfiguram a pessoa. Poderá haver um caso ou outro que eu penso que também

influencie um bocadinho, não é? Não é a mesma coisa cuidar um doente que externamente,

fisicamente, não houve, não houve alterações enquanto que outro, por exemplo, fique com

marcas ou que haja lesões até que exteriores... Felizmente, agora não temos tido muito. Já

tivemos mas agora não. Penso que é um dos factores que também pode influenciar um

bocadinho. E dificultar um bocadinho mais o lidar com aquela pessoa muito tempo, com

mutilações, às vezes, mesmo na face. Há tempos tivemos uma senhora que tinha a face...

pronto, impressionava, impressionava um bocadinho. Penso que sejam factores externos,

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que estamos a falar de factores externos, tudo o resto, a mim, pelo menos, influencia-me

mais se fôr uma pessoa muito jovem. E que tenha um ambiente familiar que nós até, pronto,

acabamos por ter conecimento que era uma vida estável, e que de repente, surge uma

situação assim. Influencia um bocadinho. Tivemos não há muito tempo, ah, deve estar a

fazer agora um ano, deve estar a fazer um ano, um casalinho jovem, ela tinha quarenta, não,

trinta e oito anos e o marido também era jovem, (mais uma que teve de falecer comigo

(sorriso), teve, teve de falecer comigo). Mexeu um bocadinho connosco todos e então

comigo mais um bocadito porque então acabou por falecer comigo e... e a maneira como

aquele casal encarou a morte foi... (não sei se interessa. Eu quando começo a falar, falo

muito) Era assim... ela devia ser muito crente, devia ter uma crença em termos católicos

muito, muito vincada porque, na altura ela não mostrou muito isso mas depois o marido,

acho que dois dias antes, começou a falar sobre isso, que ela acreditava muito que, pronto,

que estava assim que tinha que aceitar. Porque e religião dela, sim, ela tinha-lhe incutido

desde sempre que iria aceitar as coisas de uma forma virada na vertente religiosa. E ,

entretanto aconteceu aquilo, a situação foi progredindo e, nessa mesma noite (que a senhora

depois acabou por falecer de manhã), ele disse-me, contou-me que ela que lhe disse que

tinha tido um sonho. E que lhe disse o que é que tinha sido o sonho. E ela, a forma que ela

arranjou para conseguir captar qual era a aceitação por parte dele é interessante. E disse

então o que era o sonho? O sonho era, eu ia morrer, e eu estava a aceitar, já me sentia

preparada, como sabes espiritualmente, estou preparada para tudo, e tu? E fez-lhe a

pergunta, e tu? E ele foi inteligente e disse: o que é que eu te respondi no sonho? (risos) Tás

a ver? O que é que eu te respondi no sonho? Ela diz, tu no sonho disseste se estavas, se eu

estava preparada, então tu também estavas. Pronto, então é a minha resposta. Eh pá, aquilo

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arrepiou-me (risos) arrepiou-me um bocado. O senhor era fumador , entretanto foi fumar o

cigarrinho dele (nós estávamos aqui), portanto, com te disse, está a fazer um anito... ele

sempre de mãozinha dada com ela,l ela deitada, depois ela tinha uns acessos de tosse que lhe

desencadeavam uma dispneia, um coisa, um quadro que, eu digo-te, eu gostaria de não

vivenciar mais. Não tinha posição, estás a ver, não tinha medicação, nada daquilo a

tranquilizava. Até que depois começou a fazer mais medicação, começou a ficar um

bocadinho mais sedada, e ele sempre de mãozinha dada com ela. Ele raramente adormecia,

mas por aqueles momentos, ele adormeceu. Quando eu voltei lá, a senhora estava mesmo...

naquela apneia prolongada e acabou por ficar... e de mãozinha dada com ele. Eram 6 e

pouco da manhã e eu digo: e agora o que é que eu faço? Acordo-o? Deixo que ele acorde e

se aperceba, é pior? Optei por o acordar. Acordei-o e ele diz: “ah, agora adormeci por um

bocadinho” e ficou assim... Disse: “olhe (já não me lembro bem do nome dele), é para dizer

que já aconteceu”. Ah. Não houve aquele choro naquela altura... “já, e agora o que é que eu

faço? E não sei quê”. E de mãozinha dada com ela na mesma. Não largava a mão. Falava

comigo mas a mãozinha dada com ela. Ficou assim um bocadinho. “ e então eu agora tenho

que telefonar...” e eu disse-lhe “olhe, vamos fazer tudo calmamente” Ele lá fez os contactos

que tinha que fazer e ao fim, como ela era jovem eu disse “olhe em termos de roupa e tudo”

“ah eu tenho de procurar a roupa, eu sei mais ou menos o que ela gostaria, vou procurar e

tudo” Eu sugeri-lhe, porque já tínhamos feito isso várias vezes isso além. Eu disse-lhe

“como é uma pessoa jovem, por norma não se faz mas se preferir que seja, que nós a.... a

prepare aqui, que a gente a vista aqui...” “ ah, eu agradecia”. E assim aqui, andou ali, fez os

contactos dele e tal. E eu disse-lhe “olhe, já não vou estar que vou sair agora (foi no turno da

noite), vou sair mas quem estiver faz isso, não se preocupe”. Entretanto, preparou as

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coisinhas para ir e, estás a ver, a cama... eu só lhe desliguei o oxigénio e mantive assim.

“olhe, vamos deixar assim, já que é assim que quer, vamos manter assim.” E ele, à porta, já

comigo, do quarto para sair, olhou para ela e diz assim; “ já não é ela que está ali, já é só o

corpo, o espírito dela já está no outro lugar” Percebes porque é que eu digo que tinha uma

vertente religiosa muito, muito vincada porque isto... eu disse “já não”. Depois é que eu fui

para a sala fazer os registos e pois, de facto, como ele disse “ah, já não é ela que está ali”, eu

olhei assim para ele “ já é só o corpo, o espírito dela já está noutro sítio” . Por isso é que ela

encarou isto, com sofrimento, estás a ver o que é que é aquela dispneia, tinha um acesso de

tosse que era uma coisa brutal, nem te conto... gostaria de não vivenciar mais, mais isso. Ou

a pessoa é sedada logo de início ou então é aflitivo. Mas estás a ver, um casalinho que

mexeu um bocadinho connosco todas e tinha de falecer comigo (risos). Percebes? Tinha de

falecer comigo. Por isso é que eu digo que tenho um ... uma sina ou um dom como eu digo,

de quererem falecer comigo.

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ANEXO VII

Documento apresentado de Consentimento Informado

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CCOONNSSEENNTTIIMMEENNTTOO IINNFFOORRMMAADDOO

11.. OO LLUUTTOO NNOOSS EENNFFEERRMMEEIIRROOSS DDEE CCUUIIDDAADDOOSS PPAALLIIAATTIIVVOOSS

O presente documento visa fornecer-lhe a informação básica de que depende o seu

consentimento para a participação voluntária neste projecto de investigação. O presente

documento é um requisito necessário para essa participação. Pede-se que o leia, coloque as suas

dúvidas a quem lho apresenta e, se aceitar participar, assine o documento. Disponha do tempo

que achar necessário.

O objectivo deste estudo é o de conhecer, em profundidade, como o processo de luto é

vivenciado pelos enfermeiros de cuidados paliativos no serviço de medicina paliativa do

Hospital do Fundão.

Os investigadores assumem a responsabilidade pela confidencialidade acerca dos dados

recolhidos. Dada a voluntariedade da sua participação, é-lhe possível desvincular-se a todo o

tempo do presente processo de investigação, sendo que tanto a recusa inicial como o abandono

subsequente não acarretam qualquer penalização ou perda de direitos.

Se subsistirem algumas dúvidas ou forem necessários esclarecimentos suplementares

previamente à sua participação, poderá contactar:

Ana Filipa Pina

Serviço de Medicina III-D do Hospital Pulido Valente

Telemóvel – 939389581

[email protected]

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127

Investigador: Ana Filipa Nunes de Pina a frequentar o Curso de Mestrado em Cuidados

Paliativos da Faculdade de Medicina de Lisboa.

(assinatura do responsável pela investigação)

(assinatura do participante)

Sugerimos-lhe que conserve esta cópia do documento, ficando a outra cópia na posse do

responsável do projecto.