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Universidade de Lisboa Faculdade de Letras Departamento de História A Confederação Geral do Trabalho (1919-1927) José Miguel de Jesus Teodoro Doutoramento em História. Especialidade de História Contemporânea. Volume 1 2013

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  • Universidade de Lisboa

    Faculdade de Letras

    Departamento de Histria

    A Confederao Geral do Trabalho (1919-1927)

    Jos Miguel de Jesus Teodoro

    Doutoramento em Histria. Especialidade de Histria Contempornea.

    Volume 1

    2013

  • Universidade de Lisboa

    Faculdade de Letras

    Departamento de Histria

    A Confederao Geral do Trabalho (1919-1927)

    Jos Miguel de Jesus Teodoro

    Doutoramento em Histria. Especialidade de Histria Contempornea.

    Volume 1

    2013

  • Universidade de Lisboa

    Faculdade de Letras

    Departamento de Histria

    A Confederao Geral do Trabalho (1919-1927)

    Jos Miguel de Jesus Teodoro

    Tese orientada pelo Prof. Doutor Antnio Pires Ventura, especialmente

    elaborada para obteno do grau de doutor em Histria, especialidade de

    Histria Contempornea.

    Volume 1

    2013

  • A Joana Lima Teodoro,

    para quem passa o testemunho.

  • RESUMO

    Este documento d conta dos resultados do trabalho de investigao sobre a

    Confederao Geral do Trabalho (CGT), o organismo de cpula do sindicalismo

    portugus, nos anos de 1919 a 1927. Formada em 1919, no II Congresso Operrio

    Nacional de Coimbra, foi determinada a sua dissoluo pelas autoridades aps a

    tentativa de golpe de estado de Fevereiro de 1927.

    Apresentam-se os antecedentes imediatos da organizao, o modelo organizativo

    que adoptou, o funcionamento dos principais rgos confederais e a relao com os

    organismos confederados, o essencial da vida interna destes e a sua participao na

    actividade confederal; identificam-se organismos, militantes e activistas de referncia, a

    geografia do sindicalismo portugus, o papel determinante do jornal A Batalha, e os

    principais eventos, como os trs congressos nacionais de sindicatos. Surpreende-se o

    ambiente social e laboral no pas, as principais determinantes da aco sindical e

    confederal, a militncia e a participao; mas tambm as insuficincias e dificuldades, a

    represso e os seus efeitos, os grandes temas fracturantes as Internacionais

    sindicalistas, a orientao do sindicalismo (libertrio, margem dos partidos polticos

    ou irmanado com o Partido Comunista), a tctica sindical e a capacidade e

    autosuficincia do sindicalismo, ou a participao da CGT em aces e estruturas

    frentistas unitrias defendidas pelos sindicalistas comunistas. Analisam-se pontos

    crticos da organizao, como a escassez de recursos humanos e financeiros, a reduo

    do efectivo sindicalizado, e apresentam-se momentos graves da organizao a atitude

    face ao 18 de Abril e ao 28 de Maio, o confronto interno entre militantes/activistas

    sindicais das sensibilidades anarquista e comunista, a expulso de dirigentes

    sindicalistas comunistas da CGT em 1921, a sada de sindicatos importantes em 1925, a

    crise protagonizada por Santos Arranha e Manuel Joaquim de Sousa em 1926, que

    levou vrias Federaes a abandonar a organizao, o 3-7 de Fevereiro de 1927.

    PALAVRAS-CHAVE: Confederao Geral do Trabalho; Sindicalismo em Portugal; C.G.T.;

    I Repblica Portuguesa; Sindicalismo revolucionrio.

  • ABSTRACT

    This document presents the results of a research work on the Confederao Geral do

    Trabalho (CGT), the top organism the Portuguese trade unionism in the years 1919-

    1927. Founded in 1919, on the II National Labour Congress in Coimbra, authorities

    determined its dissolution following the attempted of the coup d'etat of February 1927.

    CGTs antecedents, its organizational model, organs and the relationship with the

    confederate organisms, their inner life and their participation in confederal activities, are

    presented; organizations, main activists and militants, the geography of the Portuguese

    trade unionism, the important role played by the newspaper A Batalha, and major

    events, with emphasis on the three national trade union congress, are identified.

    The social and labor environment, the main determinants of trade union action,

    militancy and participation are observed; but also the shortcomings and difficulties,

    repression and its effects, the major divisive issues international affiliation, the

    orientation of syndicalism (libertarian, on the sidelines of the political parties or world

    joined together with the Communist Party), union tactics and the self-sufficiency of

    unionism, or the participation of the CGT in activities and frontist unit structures

    defended by communist trade unionists militants. Furthermore, several critical points of

    the organization, such as the shortage of human and financial resources and the

    reduction of the workers unionized are analyzed. In addition to this, serious moments of

    the organization are presented in detail - the attitude towards the "April 18, 1925" and

    "May 28, 1926" military coups, the internal conflict between union militants / activists

    of anarchist and communist sensibilities, the expulsion of communist CGT union

    leaders in 1921, the output of major trade unions in 1925, the crisis starring Santos

    Arranha e Manuel Joaquim de Sousa in 1926, which took several Federations to leave

    the organization, the "3-7 February 1927."

    KEYWORDS: Confederao Geral do Trabalho; Trade Unionism-Portugal; C.G.T.;

    Portuguese I Republic 1910-1926; Revolucionary trade-unionism.

  • NDICE DE MATRIAS

    INTRODUO 15

    CAPTULO I - DA UNIO DE SINDICATOS OPERRIOS

    CONFEDERAO GERAL DO TRABALHO 33

    1. A UNIO OPERRIA NACIONAL (1914-1919) 34

    2. ANTES DE COIMBRA O ANO DE 1919 43

    2.1. A Batalha e a Casa dos Trabalhadores 45

    2.2. A frente da sobrevivncia e dos direitos 48

    2.3. A frente organizativa 53

    3. O II CONGRESSO OPERRIO NACIONAL DE COIMBRA E A CRIAO DA

    CONFEDERAO GERAL DO TRABALHO

    60

    3.1. Ainda a greve geral de Novembro de 1918 e a preparao do

    Congresso Nacional

    60

    3.2. Os documentos a discutir 63

    3.3. A representao no Congresso 73

    3.4. O Congresso de Coimbra 83

    CAPTULO II NO ESPRITO DE COIMBRA EM PAZ, DAS

    ASSOCIAES DE CLASSE AOS SINDICATOS NICOS

    93

    1. DO CONGRESSO DE COIMBRA PRIMEIRA REUNIO DO CONSELHO

    CONFEDERAL

    93

    1.1. Tarefas imediatas e aces de organizao 94

    1.2. A agitao social e laboral 99

    1.3. Novo ano, problemas e processos velhos 105

    1.4. A organizao novos organismos, velhos e novos desafios 114

    2. A INSTITUCIONALIZAO DO CONSELHO CONFEDERAL E A PERSPECTIVA

    DE UM NOVO CICLO

    125

  • 2.1. A representao no Conselho Confederal 125

    2.2. O relatrio do Comit Confederal e a 1 reunio do Conselho em

    5 sesses e 45 dias

    127

    2.3. A movimentao laboral e suas motivaes 132

    2.4. A actividade do Conselho e a dinmica da organizao 138

    2.5. Para uma nova tctica sindical, a necessidade de uma organizao

    extra-sindical

    150

    CAPTULO III SOB O SIGNO DA DISCRDIA: DO FRACASSO DA

    LIGA OPERRIA DE EXPROPRIAO ECONMICA CRISE DA

    "NOTA ANTI-MANIFESTO DO PCP"

    157

    1. A AGITAO SOCIAL E LABORAL, SOB O SIGNO DA GUARDA 157

    1.1.Organizao e actividade 166

    2. O PRIMEIRO CHOQUE SRIO ENTRE SINDICALISTAS ANARQUISTAS E

    SINDICALISTAS COMUNISTAS

    179

    2.1. A CGT, a questo internacional e o Manifesto do PCP 182

    2.2. A Nota anti-Manifesto do PCP e os confrontos na Confederao 185

    2.3. O delegado da CGT Rssia e a reposio da questo internacional 196

    CAPTULO IV - O APROFUNDAMENTO DAS DISCRDIAS E A

    CONSAGRAO DA DIVISO OPERRIA NO CONGRESSO DA

    COVILH

    201

    1. ESTABILIDADE NO GOVERNO, REPRESSO NA RUA, A CARESTIA E A

    DEFESA DO PO POLTICO

    201

    2. A ORGANIZAO AVANOS, RECUOS E UMA CERTA CRISE INSTALADA 213

    2.1. Dinmica organizativa e actividade 213

    2.2. A evoluo das divergncias e novas clivagens na casa sindical 226

    2.3. A difcil questo internacional 235

    3. O III CONGRESSO OPERRIO NACIONAL E A ANIQUILAO DO ESPRITO

    DE COIMBRA

    238

    3.1. A preparao do Congresso da Covilh 238

  • 3.2. Os documentos em discusso 246

    3.3. A representao 256

    3.4. O Congresso 259

    3.5. Balano do Congresso da Covilh 266

    CAPTULO V DO CONGRESSO DA DIVISO OPERRIA QUEDA

    DA DIRECO ELEITA NA COVILH

    269

    1. A MOVIMENTAO SOCIAL E LABORAL E O FIM DO PO POLTICO 269

    2. A MARCHA DA ORGANIZAO 278

    2.1. As tarefas trazidas da Covilh e outras urgentes a descentralizao da

    propaganda e do funcionamento do Comit Confederal

    286

    3. AS RELAES INTERNACIONAIS AIT, CNT, ISV 293

    3.1. A CGT membro-fundador da AIT e o referendo de adeso 293

    3.2. O projecto da Confederao sindical ibrica 304

    3.3. O combate aos Ncleos Sindicalistas comunistas 305

    4. MAIS PROBLEMAS NA CASA CONFEDERAL A SUBSTITUIO DO

    SECRETRIO-GERAL E A RECOMPOSIO DO COMIT CONFEDERAL

    308

    CAPTULO VI ENTRE A RECOMPOSIO DO COMIT E O "18 DE

    ABRIL"

    319

    1. CONTRA A DITADURA, A REPRESSO E A ORGANIZAO PATRONAL, PELA

    PROMOO DO EMPREGO

    320

    2. UM DESEJADO PRENNCIO DE RESSURGIMENTO NA FRENTE

    ORGANIZATIVA

    329

    3. NA PERSPECTIVA DA LEGALIZAO 357

    4. FACE ORGANIZAO DOS PARTIDRIOS DA ISV 359

    CAPTULO VII O ANO TRGICO DE 1925 364

    1. SOB A AMEAA DE DITADURA, A CGT E AS ESQUERDAS 367

    2. A CGT E O 18 DE ABRIL 373

    2.1. De Abril a Setembro de 1925 o recrudescimento da represso 380

  • 2.2. A ciso na CGT 384

    3. A ORGANIZAO CEGETISTA, DINMICA APESAR DE UM SIGNIFICATIVO

    DESGASTE

    389

    3.1. A movimentao social o emprego, a organizao patronal, e os

    presos e deportados

    389

    4. A FRENTE ORGANIZATIVA E AS RELAES INTERNACIONAIS 405

    5. O CONGRESSO DE SANTARM 410

    5.1. Os documentos em discusso 411

    5.2. A representao 421

    5.3. O Congresso, sesso a sesso 422

    5.4. Balano do Congresso de Santarm 432

    CAPTULO VIII MAIS ROMBOS NA GRANDE NAVE - OS ANOS DO

    FIM

    435

    1. DE SANTARM AO 28 DE MAIO 435

    1.1. A organizao 441

    1.2. Uma nova crise grave na CGT nas vsperas do 28 de Maio 452

    2. O 28 DE MAIO 456

    2.1. Uma leitura sobre a atitude da CGT no 28 de Maio 467

    3. DE MAIO A MAIO, O ANO DO FIM 471

    3.1. O conflito Arranha-Sousa e o conflito das Federaes 471

    3.2. A organizao no seu ponto mais baixo 490

    3.3. Depois da tentativa revolucionria de Fevereiro de 1927 499

    4. EPLOGO UMA HORDA CONTRA A CGT 505

    5. E, NO ENTANTO, ELA MOVE-SE 507

    CONCLUSO 509

    FONTES E BIBLIOGRAFIA 535

    GLOSSRIO 557

  • APNDICE A CRONOLOGIA 575

    APNDICE B A VIDA DO JORNAL A BATALHA 1919-1927 627

    APNDICE C COMPOSIO DO COMIT CONFEDERAL DA CGT (1919-1927) 629

    APNDICE D ELEMENTOS OPERRIOS QUE INTEGRARAM O CONSELHO

    CONFEDERAL (1919-1927)

    633

    APNDICE E ORGANISMOS REPRESENTADOS NO CONGRESSO OPERRIO

    NACIONAL DE COIMBRA (1919)

    635

    APNDICE F ORGANISMOS REPRESENTADOS NO CONGRESSO OPERRIO

    NACIONAL DA COVILH (1922)

    643

    APNDICE G ORGANISMOS REPRESENTADOS NO CONGRESSO OPERRIO

    NACIONAL DE SANTARM (1925)

    649

    APNDICE H ORGANISMOS SINDICAIS EM 1925, CONFORME O

    ALMANAQUE DE A BATALHA PARA 1926

    655

    APNDICE I GEOGRAFIA DO SINDICALISMO PORTUGUS, 1919-1925 665

    APNDICE J GEOGRAFIA DA REPRESENTAO DIRECTA DA CENTRAL NO

    1 DE MAIO, 1919-1926

    667

    APNDICE K EVOLUO, DISTRIBUIO GEOGRFICA E POR CLASSES

    PROFISSIONAIS DAS GREVES, 1919-1927

    669

    APNDICE L CONTAS DA CGT, 1919-1925 675

    ANEXO A ESTATUTOS DA CONFEDERAO GERAL DO TRABALHO 681

    ANEXO B - II CONGRESSO OPERRIO NACIONAL (COIMBRA, 1919) -

    COMISSO ORGANIZADORA, REGULAMENTO E ORDEM DE TRABALHOS

    701

    ANEXO C - II CONGRESSO OPERRIO NACIONAL (COIMBRA, 1919)

    RELATRIO DA COMISSO ADMINISTRATIVA DA U.O.N. 1 SECO

    703

    ANEXO D - II CONGRESSO OPERRIO NACIONAL (COIMBRA, 1919) -

    RELATRIO DA COMISSO ADMINISTRATIVA DA U.O.N. 2 SECO

    71

    ANEXO E - RELATRIO DO CONSELHO JURDICO AO CONGRESSO DE COIMBRA

    (1919)

    733

    ANEXO F - RELATRIO DO COMIT CONFEDERAL 1 REUNIO DO CONSELHO

    CONFEDERAL (MAIO DE 1920)

    737

  • ANEXO G - III CONGRESSO OPERRIO NACIONAL (COVILH, 1922) -

    COMISSO ORGANIZADORA, REGULAMENTO E ORDEM DE TRABALHOS

    755

    ANEXO H - III CONGRESSO OPERRIO NACIONAL (COVILH, 1922)

    RELATRIO DO COMIT CONFEDERAL

    759

    ANEXO I CARTA ORGNICA DA ORGANIZAO SOCIAL SINDICALISTA 801

    ANEXO J IV CONGRESSO OPERRIO NACIONAL (SANTARM, 1925) -

    COMISSO ORGANIZADORA, REGULAMENTO E ORDEM DE TRABALHOS

    817

    ANEXO K RELATRIO DO COMIT CONFEDERAL AO CONGRESSO DE

    SANTARM (1925)

    819

    ANEXO L CIRCULAR CONFIDENCIAL DA CGT (NOVEMBRO DE 1927) 863

  • ABREVIATURAS E SIGLAS

    18 DE ABRIL Tentativa e golpe de estado de 18 de Abril de 1925.

    28 DE MAIO Golpe de estado de 28 de Maio de 1926.

    AHS Arquivo Histrico Social.

    AIT Associao Internacional dos Trabalhadores.

    ANTT Arquivo Nacional da Torre do Tombo.

    BNP Biblioteca Nacional de Portugal.

    CAJS Comit de Assistncia Jurdica e Solidariedade.

    CEP-ISV Comit Executivo dos Partidrios da Internacional Sindical Vermelha.

    CST Comisso Sindical do Trabalho.

    CGT Confederao Geral do Trabalho.

    CNT Confederacin Nacional del Trabajo.

    CON Congresso Operrio Nacional.

    ESC Escudos.

    EUR Euro.

    FAP Federao Anarquista Portuguesa.

    FSI Federao Sindical Internacional.

    ISV Internacional Sindical Vermelha.

    LOEE Liga Operria de Expropriao Econmica.

    MOSCA Movimento Social Crtico e Alternativo (Universidade de vora).

    OIT Organizao Internacional do Trabalho.

    PISV Partidrios da Internacional Sindical Vermelha.

    PCP Partido Comunista Portugus.

    SNAJS Secretariado Nacional de Assistncia Jurdica e Solidariedade.

    UAP Unio Anarquista Portuguesa.

    UIE Unio dos Interesses Econmicos.

    UIS Unio dos Interesses Sociais.

    UON Unio Operria Nacional.

    USI Unio Sindical Internacional.

    USO Unio de Sindicatos Operrios.

  • 17

    INTRODUO

    A Confederao Geral do Trabalho foi a grande organizao sindical operria da

    I Repblica Portuguesa. Nascida em Coimbra, no ano de 1919, foi uma organizao, de

    facto, sem existncia legal, ela constituiu um objecto de estudo interessante para muitos

    historiadores; todavia, faltava-lhe um retrato de corpo inteiro, uma histria da

    organizao. Essa lacuna alis, no constitui grande novidade, pois o mesmo acontece

    com outras instituies importantes dos anos 10-20 do sculo passado e com figuras de

    relevo na vida poltica e econmica, social, cultural e religiosa, que estiveram em

    posies de topo includas primeiras figuras do Estado ou que, sem ter estado em

    posies tais, tiveram papel relevante em instituies, actividades ou contextos

    especficos, cujas biografias aguardam quem delas determine ocupar-se. Apesar de tudo,

    com a autoridade que o mundo acadmico lhe reconhece, escreve o autor do Guia de

    Histria da I Repblica Portuguesa (pp. 283-284) que sabe-se mais acerca do

    operariado do que de qualquer outro grupo [social] e mais adiante que tambm em

    relao a fontes dispomos, para os operrios, de mais elementos do que em relao a

    quaisquer outros. Seja.

    O presente estudo tem por objecto a Confederao Geral do Trabalho e a sua

    realizao constitui para o autor a base para a dissertao com vista obteno de

    doutoramento em Histria Contempornea na Faculdade de Letras da Universidade de

    Lisboa, por sinal a mesma instituio de ensino onde se licenciou (1975-1981).

    O objectivo cientfico deste trabalho foi elaborar, digamos, a biografia detalhada e

    completa da CGT portuguesa.

    Para a sua realizao, houve primeiro que definir-lhe o mbito cronolgico, tendo-

    se assentado em duas datas 1919, o ano de formao da organizao, e 1927, o da sua

    dissoluo por ordem do governo, na sequncia do fracasso da tentativa revolucionria

    empreendida em Fevereiro desse ano, primeiro na forma de encerramento compulsivo

    das instalaes da organizao e do seu jornal A Batalha, e, meses depois, na destruio

    fsica dessas mesmas instalaes, acompanhada de vandalizao e saque dos respectivos

    haveres, na verso oficial por desconhecidos de identidade a apurar.

    As primeiras leituras sobre a organizao e as primeiras sesses de trabalho com

    o orientador evidenciaram para o autor um conjunto de desafios:

    Primeiro identificar a documentao relevante, capaz de constituir a base do estudo,

    essencialmente a produzida no contexto da actividade da organizao, que pudesse

    complementar a informao publicada no jornal dirio A Batalha, lanado por alguns

    elementos da organizao operria portuguesa meses antes da constituio da CGT,

    sendo que este se afigurava, e assim foi, de facto, a principal fonte de informao, sendo

    que a informao sobre as organizaes sindicais, no perodo em causa, de fontes

  • 18

    oficiais da administrao do Estado, de instituies e organizaes polticas ou outras,

    praticamente inexistente o corpus documental de base acabou por ser constitudo pelo

    dirio cegetista e pelo fundo que forma o Arquivo Histrico Social, depositado na

    Biblioteca Nacional;

    Segundo a centrao dos estudos em certas temticas e em momentos/contextos

    muito especficos (a relao da CGT com o Partido Comunista, as relaes entre o

    movimento sindical e o anarquismo, os congressos nacionais de Coimbra, 1919, e da

    Covilh, 1922, a questo das Internacionais ou a posio da CGT no 28 de Maio, e

    sobre alguns protagonistas como Manuel Joaquim de Sousa e Alexandre Vieira),

    deixando por fazer o levantamento diacrnico da vida e actividade da organizao,

    tendo como consequncia o apagamento de alguns perodos da vida da organizao,

    de pessoas que nela tiveram aco relevante, de contradies, conflitos e crises internas

    CGT e na relao desta com os organismos confederados, e, em ltima instncia a

    impossibilidade de se compreenderem certos factos e atitudes;

    Terceiro a quase inexistncia de informao quantitativa sobre a organizao,

    mesmo em matrias aparentemente incuas e outras em que a sua elaborao se

    afiguraria muito simples (e.g. o nmero dos sindicatos e dos trabalhadores

    confederados, o nmero de organismos representados nos congressos nacionais, as

    receitas e despesas ou as tiragens do jornal), e o que mais, ainda sobre a mesma

    questo, a incoerncia e instabilidade temporal de alguns nmeros referenciados, tanto

    por fontes da organizao, como por quem se ocupou do estudo desta;

    Quarto muito mais difcil de realizar, de ter ao menos uma aproximao sobre o

    peso da organizao cegetista na organizao operria no seu todo, a sua

    representatividade no universo operrio, o seu peso na vida social e poltica portuguesa;

    Quinto a relao da CGT com o dinheiro, sabendo que este era um meio

    indispensvel para garantir o funcionamento de uma organizao como aquela

    (instalaes, material de expediente, salrios de activistas, dirigentes e delegados) e

    condio para iniciativas de festa, de luta, de propaganda ou solidariedade, sabendo-se a

    dificuldade de lidar com essa questo por parte de organizaes apostadas na supresso

    do capital e do salariato;

    Sexto conseguir perceber a militncia, o activismo e a mobilizao das bases

    sindicais, isto , em ltima instncia, identificar dirigentes e activistas que atingem

    posies de topo nos organismos confederais, ver como se renova o crculo de poder e

    que relao ele tem com o resto da estrutura, basicamente se a direco de facto a

    expresso da actividade e da participao na base, tendo em conta a situao concreta de

    um pas macrocfalo, com comunicaes e deslocaes difceis, que se exprimia ainda

    em termos de Lisboa/provncia;

  • 19

    Stimo que ganhou maior relevncia quando, aps os primeiros contactos

    exploratrios, se passou leitura sistemtica de A Batalha, a ideia de uma transparncia

    inusual, mesmo excessiva, da organizao, que atravs do seu jornal veiculava para o

    exterior alguma informao que deveria ser mais acautelada, havendo que estar de

    preveno, ao longo do estudo, em relao a esse excesso de transparncia, e que

    comprovar a sua substncia e subsistncia no tempo.

    Foram estes sete pontos/desafios que constituram o caderno de encargos

    assumido pelo autor, as questes a que havia que dar resposta atravs da investigao

    que empreendeu, cujos resultados aqui se apresentam.

    As principais fontes utilizadas foram, pois, o jornal A Batalha, de que foram lidos

    os mais de 2.500 nmeros editados entre Fevereiro de 1919 e Maio de 1927, e o fundo

    documental do Arquivo Histrico Social. Do primeiro, utilizaram-se as duas coleces

    existentes na Biblioteca Nacional e, esporadicamente, a coleco incompleta da

    Hemeroteca Municipal; uma fonte praticamente nica e insubstituvel de informao

    sistemtica sobre a actividade da Confederao e seus rgos (Congresso, Conselho

    Confederal e Comit Confederal) que aparece referenciada e relatada nas suas pginas,

    com maior ou menor detalhe, sendo que, como se assinalar no texto da tese, durante

    alguns perodos mais crticos tal informao, designadamente, a das reunies do

    Conselho Confederal, estar praticamente ausente, sendo de relevar o facto de por a

    passar tambm informao sobre problemas internos, sejam entre organismos

    confederados, entre a Confederao e organismos que a integram e mesmo entre a CGT

    e o seu jornal; pelas suas pginas passam tambm notcias e relatos da actividade de

    Sindicatos, Federaes e Unies Locais de Sindicatos destas, em especial da de

    Lisboa e, menos, da do Porto informao sobre as greves e outros conflitos laborais,

    sobre a represso governamental e os presos sociais, aces de solidariedade e recolhas

    de fundos; do Arquivo Histrico Social percorreram-se praticamente todos os fundos,

    que integram tambm documentao anterior e posterior ao perodo em estudo, sendo

    de salientar o carcter lacunar da informao e, em sentido contrrio, a importncia de

    ncleos como o dos Congressos Nacionais e os relativos a alguns organismos e

    militantes individuais, em alguns casos com informao nica (e.g. as contas da CGT

    relativas ao perodo de 1919 a 1922) e noutros com informao, designadamente, a

    correspondncia entre organismos e a correspondncia entre activistas e militantes que

    complementa e esclarece situaes que, na ausncia de tais fundos, resultariam

    incompreensveis.

    Alm destas fontes primrias e dos dois outros ttulos da imprensa cegetista

    Renovao e o Suplemento semanal de A Batalha, consultaram-se alguns jornais

    corporativos, com destaque para O Construtor, da Federao da Construo Civil, e

    O Arsenalista, do Sindicato do Pessoal do Arsenal do Exrcito, jornais editados pelo

  • 20

    PCP e pelo Comit Executivo da Internacional Sindical Vermelha, em especial A

    Internacional, bem como jornais dirios generalistas de Lisboa e do Porto, como o

    Dirio de Lisboa, A Capital, O Mundo, O Sculo, Dirio de Notcias, O Primeiro de

    Janeiro e o Jornal de Notcias, alm de alguns peridicos anarquistas, como Voz

    Anarquista, O Anarquista e A Ideia, e a revista Seara Nova.

    Recorreu-se tambm a vrios escritos memoriais, de carcter autobiogrfico de

    alguns protagonistas desta histria do operrio sapateiro nortenho Jos Silva

    (Memrias dum operrio, 1971, um bom informe sobre o ambiente social e laboral no

    Porto, no perodo estudado, sobre a iniciao operria na profisso e no sindicalismo, a

    relao de um operrio da provncia com os organismo centrais e os dirigentes de

    Lisboa, a militncia nos ncleos sindicalistas revolucionrios da capital nortenha), do

    corticeiro Jos dos Reis Sequeira (Relembrando e comentando: memria de um

    operrio corticeiro 1914-1938, publicado em 1978, que entre outros aspectos nos d um

    quadro da vida operria e da ambincia dos organismos operrios na capital corticeira

    do Algarve, em Silves, e mais tarde no Norte, num peregrinar operrio que o levou a

    Lamas da Feira, Galiza e a Lisboa, uma obra complementada pelo depoimento a Edgar

    Rodrigues, no mesmo ano, em resposta ao inqurito por este promovido entre militantes

    e activistas operrios de filiao anarquista) e os apontamentos de Adriano Botelho,

    referenciados como Memrias (no publicadas, de cerca de 1970), profusamente

    referenciadas por Edgar Rodrigues nas obras a que se far referncia mais adiante, uma

    parte (ou a totalidade?) conservadas no Arquivo Histrico Social, que contm

    informao essencial, alguma nica, sobre acontecimentos e pessoas com quem militou

    na organizao operria portuguesa, no Sindicato, Federao e no Conselho e Comit

    confederais; no mesmo conjunto de fontes, depoimentos de vrios militantes e activistas

    registados por Edgar Rodrigues, em A Oposio libertria em Portugal, 1939-1974

    (Joo Vieira Alves, sapateiro, Sebastio de Almeida, ferrovirio, Mrio Ferreira,

    electricista, Manuel Pessanha, corticeiro, Jos Correia Pires, corticeiro, Valentim

    Adolfo Joo, mineiro, Joo de Oliveira e Raul Pereira dos Santos, metalrgicos).

    A par destes, temos os testemunhos de cinco pessoas que tiveram papel muito

    relevante na organizao, enquanto militantes confederais e dirigentes cegetistas

    Manuel Joaquim de Sousa, Emdio Santana, Jos Francisco, Mrio Castelhano e

    Alexandre Vieira: do manufactor de calado Manuel Joaquim de Sousa, o primeiro

    secretrio-geral e que nunca, no perodo aqui estudado, deixou de ter influncia

    dominante na vida e nas decises tomadas na CGT, um texto de Memrias, no datadas,

    reproduzido por Edgar Rodrigues na obra citada, o seu ltimos tempos da aco

    sindical livre e do anarquismo militante, nas duas edies, de imprensa, em 1975, e em

    livro, 1989, que esclarece episdios e alguns dos seus correlegionrios viram como um

    documento de auto-justificao e um ajuste de contas, em especial com Jos Santos

  • 21

    Arranha, e os seus dois outros livros, em que resume a actividade da CGT, apoiado em

    documentos, que transcreve, com o ttulo comum O sindicalismo em Portugal, 1931 e

    1974, que por economia expositiva englobamos na mesma categoria de fontes); de

    Emdio Santana, metalrgico, dois registos, a entrevista a Lus Salgado de Matos,

    publicada em 1981 na Anlise Social, com o ttulo Lisboa, 1920 vida sindical e

    condio operria, e o seu esplio no Arquivo Histrico Social, que complementam a

    primeira parte da sua obra Memrias de um militante anarco-sindicalista, 1987, e os

    muitos documentos, sobretudo manuscritos, que integram o seu esplio depositado no

    Arquivo Histrico Social); de Jos Francisco, as quatro obras publicadas sobre a sua

    biografia e aco de militante sindical e de anarquista (Episdios da minha vida familiar

    e de militante confederal, 1982, Pginas do historial cegetista, 1983, e Recordaes de

    um proletrio,1985, e, j para alm do nosso objecto de estudo, ltimas ginas: 1986-

    1987, de 1987); de Alexandre Vieira, as suas obras Em volta da minha profisso, 1950,

    e Delegacia a um congresso sindical, 1960; do ltimo, Mrio Castelhano,

    principalmente o conjunto de manuscritos existentes no seu esplio no Arquivo

    Histrico Social e a obra pstuma Quatro anos de deportao, 1975, sobre o embarque

    e a sua vida como deportado, em Angola (1927), nos Aores e Madeira (1930-1931), e,

    na sequncia do 31 de Janeiro de 1934, de novo nos Aores (1934) e, a partir de 1936,

    no campo de concentrao do Tarrafal, em Cabo Verde, onde vir a falecer em 1940.

    Como ser ver mais adiante, so raros os estudos sobre organismos sindicais;

    tambm no abundam as biografias de activistas e dirigentes do movimento operrio;

    das que foram identificadas, constituindo fontes importantes de informao para este

    estudo, com o condicionalismo bvio da diferente valia desses materiais, refiram-se em

    primeiro lugar as cerca de 160 biografias que Edgar Rodrigues inclui na obra A

    Oposio libertria em Portugal-1939-1974, de 1982, entre as quais de alguns dos

    principais dirigentes a UON e CGT (Alexandre Vieira, Manuel Joaquim de Sousa,

    Manuel da Silva Campos, Mrio Castelhano, mas no de Jos Santos Arranha, de

    responsveis de A Batalha, como Francisco Cristo e Jos Carlos de Sousa, e outros

    activistas sindicais como Joaquim de Sousa e Joaquim da Silva, metalrgicos, Jos

    Lopes e Joo Caldeira, da Construo Civil, Arnaldo Simes Janurio, barbeiro, lvaro

    da Costa Ramos, da Federao Martima, Clemente Vieira dos Santos, tipgrafo,

    Antnio Monteiro, Felisberto Baptista e Jernimo de Sousa, manufactores de calado,

    Jos Sebastio Cebola e Joaquim Jos Candieira, rurais, Joo Humberto Matias,

    estofador, Miguel Correia, ferrovirio, Manuel Figueiredo, empregado no comrcio, ou

    Adriano Botelho; na mesma linha e, para muitos dos biografados, com base na mesma

    informao, os perfis biogrficos de militantes compulsados e disponibilizados, em

    linha, no mbito do Projecto MOSCA, com coordenao de Joo Freire e Paulo

    Eduardo Guimares; em duas obras de referncia fundamentais o Dicionrio de

  • 22

    Histria do Estado Novo e o Dicionrio de Histria de Portugal (Suplemento)

    encontram-se, no primeiro, biografias de Emdio Santana e Manuel Joaquim de Sousa,

    por Joo Freire, e de Accio Toms de Aquino, Mrio Castelhano, Alexandre Vieira e

    de Jos de Sousa, todas estas da autoria de Joo Brito Freire; na segunda, Joo Freire

    assina tambm uma nota biogrfica sobre Emdio Santana, assim como entradas sobre a

    CGT e sobre A Batalha. Com o mesmo cariz, refiram-se as biografias desenhadas por

    Alexandre Vieira em Figuras gradas do movimento social portugus, 1959, que inclui

    vinte e nove nomes, sendo que, do ncleo dos mais relevantes activistas e militantes

    sindicais referenciados no presente estudo, encontramos Miguel Correia, Mrio

    Castelhano, Joo Pedro dos Santos e Perfeito de Carvalho, ao lado de Campos Lima,

    Adolfo Lima, Neno Vasco, Emlio Costa e outros); Alexandre Vieira assina ainda uma

    entrada na Grande Enciclopdia Portuguesa e Brasileira sobre Manuel Joaquim de

    Sousa, e uma outra sobre a CGT.

    H ainda algumas biografias mais extensas e estruturadas, tambm utilizadas, como

    sejam: do compositor tipogrfico Alexandre Vieira, dirigente da Unio Operria

    Nacional, fundador e redactor principal de A Batalha, que foi sempre uma voz

    importante na vida da CGT, o estudo de Antnio Ventura e Alberto Pedroso (Alexandre

    Vieira: 30 anos de sindicalismo em Portugal, 1985); de Francisco Perfeito de Carvalho,

    jornalista e dirigente da UON, o primeiro sindicalista portugus que esteve em contacto

    directo com a Rssia ps-Revoluo, o estudo biogrfico de Francisco Canais Rocha

    Perfeito de Carvalho: um sindicalista da I Repblica,1989, que tambm foi biografado

    por Antnio Ventura (O primeiro delegado portugus na Unio Sovitica, 1977);

    finalmente, elementos biogrficos dispersos de sindicalistas comunistas que estiveram

    na CGT, recolhidos por Jos Pacheco Pereira (e.g. sobre Carlos de Arajo, de 2003).

    Em matria de biografias deve evidenciar-se a circunstncia de ser escassssima a

    informao sobre uma das primeiras figuras do sindicalismo portugus na CGT, Jos

    Santos Arranha, eleito secretrio-geral no Congresso da Covilh (1922).

    Neste trabalho de identificao de fontes e estudos foram utilizados como guias,

    principalmente, os trabalhos de natureza bibliogrfica realizados por Lus Salgado de

    Matos e Maria Filomena Mnica, e por Victor de S, sobre a imprensa operria, de

    1981 e 1991, respectivamente, e por Jos Pacheco Pereira, de monografias e seriados

    sobre o movimento operrio portugus (1981); tiveram-se ainda em conta as indicaes

    crticas de Paulo Eduardo Guimares sobre a produo historiogrfica sobre este tema

    (A questo operria na I Repblica: historiografia e memria (2003).

    Entre os estudos de carcter geral sobre o movimento operrio portugus na I

    Repblica, que foram consultados, em especial os que incidem sobre a dcada de 1920,

    e os que se referem especificamente actividade da CGT, destacam-se antes de mais as

    obras de Csar Oliveira O operariado e a Repblica Democrtica, 1910-1914 (1972),

  • 23

    O Primeiro Congresso do Partido Comunista Portugus (1975), O movimento sindical

    portugus: a primeira ciso (1982), O operariado e a Primeira Repblica,1910-1924

    (1990); a seguir, O sidonismo e o movimento operrio portugus - lutas de classes em

    Portugal: 1910-1916 (1977), de Antnio Jos Telo, A sociedade e a economia

    portuguesas nas origens do salazarismo (1978), Elementos para a histria do

    movimento operrio em Portugal, 1820-1975, de Ramiro da Costa (1979) A Repblica e

    o movimento operrio, de Joo Freire (2000), O operariado e a Repblica divorciada,

    de Antnio Ventura (2004) e do mesmo autor Centenrio da Repblica: a Repblica e

    os movimentos sociais e laborais (2010), fechando esta seco com uma obra recente,

    de sntese, de Fernando Rosas Porque venceu e porque se perdeu a I Repblica

    (2010), em que o autor identifica a rotura da aliana do republicanismo com o

    operariado como um dos cinco erros capitais determinantes da queda da I Repblica

    portuguesa.

    H depois um conjunto de estudos produzidos em contexto acadmico, importantes

    o trabalho pioneiro de Joo Freire, Anarquistas e operrios, ideologia, ofcio e

    prticas sociais: o anarquismo e o operariado em Portugal, 1900-1940, tese defendida

    no ISCTE em 1988, a tese de Paulo Eduardo Guimares, apresentada em 1994 na

    Faculdade de Cincias Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, com o

    ttulo Indstria e conflito no meio rural: os mineiros alentejanos dos finais da

    monarquia ao Estado Novo, a tese de Rui Brs, defendida no ISCTE, sobre as prticas

    associativas dos sapateiros de Lisboa, da segunda metade do sc. XIX ao Estado Novo

    (1995), o estudo biogrfico de Francisco Canais Rocha sobre Francisco Perfeito de

    Carvalho, dissertao de mestrado na Faculdade de Letras de Lisboa (1998), a tese de

    Maria Filomena Salgado Rocha, sobre o movimento sindical portugus na transio do

    sindicalismo livre para os sindicatos nacionais (tese de mestrado defendida na

    Faculdade de Letras de Lisboa, em 2005), a tese de Joana Dias Pereira (Sindicalismo

    Revolucionrio, a histria de uma Ida (FCSH-UNL, 2008), centrada na exposio dos

    aspectos doutrinrios do sindicalismo de filiao anarquista, no perodo de 1908 a

    1922), e, de Augusto Castro Pereira, a tese apresentada na Faculdade de Letras da

    Universidade do Porto, em 2010, Operariado no noroeste portugus (1834-1934):

    Guimares e Viana do Castelo.

    Quanto a estudos de carcter local, foram utilizadas obras sobre o movimento

    operrio na Covilh (estudado por Antnio Rodrigues Assuno O movimento

    operrio da Covilh, 2006, com principal incidncia na indstria txtil no perodo de

    1890 a 1926), em Loul (sobre a classe dos sapateiros desde o fim do sc. XIX ao fim

    da segunda Guerra, por Joaquim Manuel Vieira Rodrigues, datado de 2011), Setbal

    (sobre os conserveiros, sobre a economia, sociedade e cultura operria nos 50 anos que

    medeiam entre 1880 e 1930, de Maria da Conceio Quintas, edio de 1998), Pvoa de

  • 24

    Varzim (um estudo de Orlando Montenegro sobre a questo operria local na

    I Repblica, de 1978), Torres Novas (um estudo de Francisco Canais Rocha sobre o

    movimento operrio local no perodo de 1862 a 1926, editado em 2009), Portimo

    (Maria Joo Raminhos Duarte Portimo industriais conserveiros na 1 metade do

    sculo XX, 2003, que inclui captulos sobre o operariado da indstria de conservas, sua

    organizao e relaes com o patronato), um estudo sobre o movimento operrio no

    Algarve nos finais da I Repblica, de Joo Vasconcelos, 2011, um outro de Jos Capela

    sobre o movimento operrio em Loureno Marques, entre 1898 e 1927 (edio de 1977)

    e finalmente a tese j citada Operariado no noroeste portugus (1834-1934)

    Guimares e Viana do Castelo, 2010), que fornece informao sobre a condio

    operria e as origens do associativismo na regio, as expresses do sindicalismo e

    correntes de influncia sindicalista e anarco-sindicalista em cada uma das duas cidades,

    por Augusto Castro Pereira, autor de outros estudos sobre o operariado txtil, condio

    operria, a imprensa e outros meios de organizao e defesa operria, na regio do Vale

    do Ave (O operariado txtil em Portugal: uma monografia, 2006).

    Algumas classes profissionais foram j objecto de estudos especficos, basicamente

    a nvel local, salientando-se alm dos j referidos operrios txteis, conserveiros e

    sapateiros, o funcionalismo pblico, cuja organizao sindical na I Repblica foi

    objecto de um estudo, publicado em 1977, da autoria de Beatriz Ruivo e Eugnio

    Leito, os corticeiros de Portalegre, que Antnio Ventura estudou a partir das actas

    sindicais dos anos de 1910 a 1920 (edio de 1987), e os de Almada no perodo de 1860

    a 1930, estes estudados por Alexandre Flores, em obra editada em 2003, os vidreiros da

    Marinha Grande, estudados por Maria Filomena Mnica, em 1981, tendo a mesma

    autora produzido idnticos estudos sobre os metalrgicos de Lisboa, entre 1830 e 1934,

    e sobre os chapeleiros portugueses no perodo de 1870 a 1914, respectivamente em

    1982 e 1983, os mineiros alentejanos, a que Paulo Eduardo Guimares dedicou vrios

    estudos (em 1989, Indstria, mineiros e sindicatos: universos operrios do Baixo

    Alentejo, dos finais do sculo XIX primeira metade do sculo XX, e em 2001,

    Indstria e conflito no meio rural: os mineiros alentejanos, 1858-1938, a que se junta

    um pequeno estudo, de 2003, em torno da Federao Mineira e da Federao

    Metalrgica), os Bancrios de Lisboa e a sua organizao sindical desde a implantao

    da Repblica at 1969, por Jos Pedro Castanheira (1985), enquanto Jos Carlos

    Valente se ocupou do sindicalismo dos jornalistas (Elementos para a histria do

    sindicalismo dos jornalistas portugueses,1998) e ainda dois estudos sobre o

    associativismo do pessoal domstico e da hotelaria, o primeiro Empregadas domsticas,

    mulheres em luta: para a histria do servio domstico em Portugal, das origens ao

    fascismo (1987), de Olegrio Paz, e o segundo da autoria de Amrico Nunes, sobre o

    sindicalismo na hotelaria, desde a constituio das primeiras associaes de classe, na

  • 25

    ltima dcada do sc. XIX, at ao 18 de Janeiro de 1934, com incurses histria da

    CGT (Dilogo com a histria sindical: Hotelaria de criados domsticos a

    trabalhadores assalariados, 2007).

    Alm dos referidos, foram tambm relevantes como fontes de informao estudos

    consagrados a temas especficos, como: os jornais operrios (A Sementeira, por Joo

    Freire) e A Batalha, por Jacinto Baptista Surgindo vem ao longe a nova aurora, 1977,

    e o j referido artigo de Joo Freire sobre o dirio cegetista, no Dicionrio de Histria

    do Estado Novo, a que se juntam vrios escritos de Alexandre Vieira, alguns j

    referenciados Em volta da minha profisso, Para a histria do sindicalismo em

    Portugal e o Almanaque de A Batalha para 1926); a mulher e sua imagem na imprensa

    operria, em concreto no Suplemento Literrio e Ilustrado de A Batalha, estudo de Anne

    Martina Emonts (2001); as Juventudes Sindicalistas (Joo Freire, 1999, e uma

    comunicao sobre violncia e terrorismo em Portugal nos anos 20, de Filipa Freitas,

    em 2007, que complementam o artigo de Alexandre Vieira na Grande Enciclopdia

    Portuguesa e Brasileira); a CGT e as relaes internacionais (em especial, o estudo de

    James Garner, sobre as relaes CGT/CNT (2003), e sobre a Confederao sindical

    portuguesa no processo de formao da AIT, de R. Pereira); depois, a terminar esta

    digresso bibliogrfica, os estudos sobre trs temas/questes muito abordadas: primeira,

    a luta no campo sindical entre anarquistas e comunistas (destaque para a literatura do

    campo comunista, especialmente Bento Gonalves (Palavras necessrias, 1973), David

    de Carvalho (Os sindicatos e a Repblica burguesa, 1910-1926, editado em 1977), Joo

    G. P. Quintela (Para a histria do movimento comunista em Portugal: 1 A construo

    do partido (1 perodo 1919-1929), de 1976, o texto de Francisco Canais Rocha sobre o

    movimento sindical portugus nas vsperas do 28 de Maio, e, basicamente com a

    mesma orientao, os de Amrico Nunes (Contributos para a Histria do Movimento

    Operrio e Sindical vol.1: Das razes at 1977, em colaborao, 2011, e o j citado

    estudo sobre o sindicalismo no servio domstico e na hotelaria; com um outro

    posicionamento, mas ainda sobre o mesmo tema, os estudos de Jos Pacheco Pereira

    sobre o Partido Comunista na I Repblica referenciados na bibliografia, e o texto de

    Paulo Eduardo Guimares Cercados e perseguidos: a Confederao Geral do Trabalho

    (CGT) nos ltimos anos do sindicalismo revolucionrio em Portugal; segunda, a

    relao do anarquismo com o sindicalismo, alm de escritos diversos da autoria de Joo

    Freire, incluindo um pequeno estudo sobre a imprensa libertria, no Dicionrio de

    Histria do Estado Novo (1996), seguiram-se e utilizaram-se basicamente os clssicos

    de Manuel Joaquim de Sousa e de Alexandre Vieira sobre o sindicalismo portugus, e

    dois livros de Edgar Rodrigues Os anarquistas e os sindicatos: Portugal, 1911-1922,

    e A resistncia anarco-sindicalista ditadura em Portugal, 1922-1939, ambos de 1981;

    terceira e ltima, objecto de muita polmica, o 28 de Maio e a atitude da CGT nesse

  • 26

    contexto, sobre o qual muito se escreveu, merecendo-nos relevo, entre o materiais

    utilizados, a obra pstuma de Manuel Joaquim de Sousa, j referida, ltimos tempos da

    aco sindical livre e do anarquismo militante, edio de 1989, as Memrias..., de

    Emdio Santana, a obra de David de Carvalho e outras citadas imediatamente acima a

    propsito da relao CGT-PCP.

    Quanto metodologia, como j referido, o essencial do trabalho fez-se sobre as

    duas principais fontes j identificadas, A Batalha e o fundo do Arquivo Histrico Social,

    procedendo-se ao levantamento e registo sistemtico dos principais eventos, numa

    perspectiva diacrnica, incluindo as actividades dos rgos confederais e dos

    organismos confederados, ao levantamento e registo de conflitos laborais,

    designadamente greves, no com o objectivo de elaborar uma lista completa e um

    estudo global das greves no perodo em causa que, de resto, exigiria a fixao de uma

    tipologia o mais segura possvel desse tipo de movimentos, na linha do enunciado por

    Jos Manuel Tengarrinha (1981) e o alargamento da pesquisa a outras fontes mas to

    somente para enquadrar e caracterizar os principais movimentos reivindicativos

    liderados ou simplesmente apoiados pela CGT; simultaneamente elaborou-se uma

    cronologia sindical no perodo aqui estudado, partindo dessa mesma documentao,

    complementada com trabalhos de carcter cronolgico disponveis, de fontes sindicais,

    de estudos do movimento operrio e outras, com destaque para as especificamente

    dedicadas da I Repblica portuguesa. Concentrou-se depois a ateno sobre os eventos

    mais importantes em primeiro lugar, os Congressos Operrios Nacionais de Coimbra,

    1919, Covilh, 1922 e Santarm, 1925, recolhendo dados sobre as respectivas

    comisses organizadoras, regulamento, teses e outros documentos em discusso, ordem

    de trabalhos, condies de participao, organismos aderentes e participantes,

    delegados, curso dos trabalhos, documentos aprovados e principais decises tomadas, e

    composio dos rgos eleitos (um trabalho que se replicou, numa aproximao menos

    exaustiva, aos congressos corporativos e reunies inter-sindicais); a seguir, a

    referenciao da actividade dos rgos confederais, Comit e Conselho, com base nas

    tomadas de posio (comunicados emitidos, etc.) e, no que respeita ao segundo, nos

    elatos das reunies publicados em A Batalha, com base nos quais se procurou tambm

    constituir uma lista nominal dos organismos e delegados participantes; em terceiro lugar

    trabalharam-se especificamente eventos e contextos especficos de tenso e

    conflitualidade, como os que levaram expulso de dirigentes confederais pouco tempo

    depois da formao do Partido Comunista Portugus (1921), o conflito longo, na CGT,

    entre sindicalistas das tendncias anarquista e comunista (1921-1927), as

    movimentaes associadas defesa do po poltico (1922-1923), a adeso AIT (1923),

    a demisso do Comit liderado por Jos Santos Arranha (1923), a crise interna a seguir

  • 27

    ao 18 de Abril de 1925, a CGT e o 28 de Maio, o conflito Sousa/Arranha e a

    questo das Federaes (1926) e a organizao depois do 3-7 de Fevereiro de 1927.

    Feito esse trabalho, partiu-se para o confronto e sistematizao dos dados, voltando

    s mesmas fontes em caso de inconsistncia ou conflito de informao, posto o que se

    estabeleceu e cumpriu o plano de redaco final da tese, cuja exposio se organiza

    como segue:

    No captulo I Da Unio de Sindicatos Operrios Confederao Geral do

    Trabalho aborda-se o processo de formao da CGT, no Congresso de Coimbra, com

    uma incurso aos seus antecedentes organizativos a UON cuja formao e

    actividade, por sua vez, tambm referenciada; depois, d-se a conhecer o que foi a

    organizao operria no ano de 1919, com referncia s vertentes organizativa e

    actividade, evidenciando dois pontos essenciais da sua dinmica a o lanamento do

    jornal A Batalha e o lanamento da iniciativa da Casa dos Trabalhadores. Posto isto,

    entra-se no tema do Congresso Nacional, relacionando a sua convocao com a

    avaliao da greve geral de Novembro de 1918, no consulado sidonista, com uma longa

    exposio sobre os documentos em discusso no Congresso Nacional, a sua convocao

    e representao orgnica, completando-a com um relato sucinto e um balano de

    resultados das sesses da reunio de Coimbra.

    O captulo II No esprito de Coimbra em paz, das associaes de classe aos

    sindicatos nicos trata da vida da organizao no perodo que medeia entre o Congresso

    de Coimbra (Setembro de 1919) e o fim do ano de 1920, onde se trata dos processos

    organizativos associados nova organizao, compreendendo a montagem dos

    processos administrativos de produo, distribuio e cobrana das quotas confederais e

    dinmica de constituio de sindicatos nicos, onde se evidenciam diferenas de

    ritmo, mas tambm de estratgia, em sectores diferentes, tratando-se tambm da

    organizao da representao a nvel confederal e das dificuldades em pr a funcionar o

    Conselho Confederal; descreve-se tambm a dinmica social e laboral, a resposta

    governamental agitao operria, com referncia mais detalhadas a alguns conflitos,

    em especial a greve ferroviria no quarto trimestre de 1920, a forma como terminou e as

    feridas que abriu na CGT; a institucionalizao da actividade regular do Conselho

    Confederal igualmente tratada, bem como a dinmica organizativa de algumas classes

    que renem congressos nacionais; finalmente, evidencia-se a emergncia de questes

    novas que comeam a ser ventiladas, e discutidas, sobre se a organizao sindical

    soluo suficiente para dar satisfao s necessidades do operariado, em termos da

    modificao do sistema econmico e social, ou se dever ser adoptada uma nova tctica,

    que passe tambm pela criao de um organismo extra-sindical, complementar

    central sindical, em que se anuncia o desafio que ser colocado CGT decorrente da

    criao do Partido Comunista, a que aquela de certa forma responde com a proposta de

  • 28

    formao de uma organizao extra-sindical de sua prpria iniciativa e comungando da

    sua filosofia e princpios.

    O captulo III Sob o signo da discrdia: do fracasso da Liga Operria de

    Expropriao Econmica crise da Nota anti-Manifesto do PCP cobre

    cronologicamente o ano de 1921, que dominado pelas ondas de choque sofridas pela

    CGT na sequncia da formao do Partido Comunista, que envolvem expulses de

    elementos proeminentes da CGT que integram aquele partido e se propem integrar a

    Confederao operria na estratgia daquela formao partidria, no quadro da

    estratgia definida pela Internacional Comunista, e um longo e duro conflito com a

    maior das Federaes, a da Construo Civil; ali se trata igualmente, a par com a

    situao social e laboral e o curso das relaes do poder com as movimentaes

    populares, a actividade desenvolvida pela organizao operria e as realizaes em

    matria de organizao, do episdio da deslocao (secreta) de um delegado da CGT

    Rssia, Francisco Perfeito de Carvalho, que no regresso se assume como delegado da

    Internacional Sindical Vermelha (ISV).

    O captulo seguinte, IV O aprofundamento das discrdias e a consagrao da

    diviso operria no Congresso da Covilh, abarca o perodo cronolgico entre Janeiro e

    Outubro de 1922, centrando-se naquele que j foi chamado o congresso da diviso

    operria, em que se confrontaram duas orientaes estratgicas da CGT: a oficial,

    maioritria, sindicalista de inspirao anarquista, e a dos partidrios do PCP e da

    Internacional Sindical Vermelha, um congresso traumtico para a organizao, cheio de

    incidentes e de que a organizao saiu bastante debilitada e com uma liderana

    extremamente fragilizada, considerando as condies da sua designao. O captulo

    abre com uma referncia alargada s movimentaes sociais, em que avultam como

    determinantes as questes da carestia e a defesa do po poltico, e sobre a organizao

    operria detalham-se a actividade e a dinmica organizativa, incluindo os congressos

    corporativos que tm lugar no ano do Congresso Nacional, e a multiplicao das

    divergncias e clivagens, sobretudo em torno da chamada questo internacional;

    especificamente sobre o Congresso da Covilh, a exemplo do que se fez para o de

    Coimbra, detalha-se a sua preparao, os documentos em discusso (em que avultam a

    tese que preconiza a adeso da CGT ISV, a Internacional de Moscovo, que se

    confronta com uma outra tese sobre a Organizao Social Sindicalista, que inviabiliza

    tal adeso, e a apreciaro e deliberao sobre as contas confederais), a adeso e a

    representao dos sindicatos no Congresso e o relato dos trabalhos, que tiveram como

    protagonistas, Francisco Perfeito de Carvalho, na linha da ISV, em confronto com o

    ainda secretrio-geral da CGT, Manuel Joaquim de Sousa.

    No captulo V Do Congresso da diviso operria queda da direco eleita na

    Covilh, aborda-se a direco de Jos Santos Arranha, com cerca de um ano de durao,

  • 29

    que culmina no ltimo trimestre do ano de 1923 com demisso daquele dirigente. Neste

    perodo a CGT confronta-se com uma srie de dificuldades, a primeira de afirmao,

    inclusive internamente, de uma direco fraca, em contexto de crise, a segunda de

    divergncias internas sobre a aproximao ou o corte com os sindicalistas comunistas e

    pr-ISV, depois a necessidade de aumentar a propaganda fazer frente aco daqueles e

    para minorar os estragos provocados pela reunio da Covilh; tambm o perodo em

    que o governo suprime, em definitivo, o po poltico, quando a organizao operria

    avana para a adeso nova Internacional sindical, em conformidade com os resultados

    do referendo aos sindicatos confederados.

    O captulo VI Entre a recomposio do Comit Confederal e o 18 de Abril d-

    se conta da actividade da CGT nos primeiros dezoito meses da direco de Manuel da

    Silva Campos, em que a organizao desenvolve actividade significativa no combate

    ameaa de ditadura, contra o movimento das foras vivas posto em marcha pelo

    patronato, pelo emprego e contra a represso, e resistncia aco que tm em marcha,

    nos sindicatos, os sindicalistas comunistas; um tempo em que se anuncia uma possvel

    legalizao das Federaes e Unies locais de sindicatos e a interveno dos organismos

    federativos de indstria na contratao colectiva, que a CGT rejeita, um tempo em que a

    multiplicao de iniciativas de organismos confederados sustenta em muitos dirigentes

    da CGT a ideia de um prenncio de ressurgimento, mas onde se referenciam tambm

    problemas internos, relacionados com A Batalha, cuja direco passa para a

    responsabilidade do secretrio-geral da CGT.

    No captulo VII escreve-se sobre O ano trgico de 1925, melhor, sobre um curto

    perodo de menos de seis meses marcado por momentos de grande significado para a

    CGT: a tentativa de golpe militar de 18 de Abril, seguida de um acrscimo

    significativo da represso governamental sobre o movimento sindical e da deportao

    de dezenas de operrios, a ocorrncia de uma ciso na CGT dos organismos pr-Frente

    nica, de influncia comunista e ISV, a assuno de todas as responsabilidades de

    imprensa e comunicao na CGT, incluindo a direco de A Batalha, por Santos

    Arranha, e a realizao de mais um Congresso Nacional, desta vez com a novidade de

    ser aberto participao exclusiva de organismos sindicais confederados. O captulo

    trata de todos estes eventos, com maior detalhe no que respeita ao Congresso de

    Santarm sua organizao, representao, questes levadas discusso, incluindo as

    contas da CGT relativas ao perodo de 1922 a 1925, o relato das sesses e o balano do

    congresso nacional mas tambm questes de organizao e de relaes internacionais,

    em especial a participao da CGT portuguesa no Congresso da AIT.

    O captulo VIII e ltimo, com o ttulo genrico Mais rombos na grande nave os

    anos do fim, d conta da vida da organizao cegetista no perodo entre o I Congresso

    Confederal (Setembro de 1925) e a execuo da ordem de dissoluo (Maio de 1927),

  • 30

    com uma breve extenso aos seis meses seguintes; aqui se descreve a situao interna na

    CGT data do 28 de Maio de 1926, se acompanha e analisa a atitude cegetista no

    contexto do golpe militar, retratando-se depois a crise interna por que a organizao

    passou praticamente at ao fim desse mesmo ano, em torno do conflito Arranha-

    Sousa, seguido do conflito das Federaes, que determinou o abandono da central

    por algumas Federaes sindicais confederadas o retrato da organizao cegetista no

    seu ponto mais baixo, que coincide com a maior escassez de fontes de informao;

    ainda assim, com base na documentao existente, d-se o detalhe possvel sobre o

    envolvimento de elementos da CGT na tentativa de golpe de 3-7 de Fevereiro de

    1927,o seu fracasso, a ordem de dissoluo e a sua execuo, em Maio de 1927,

    dramaticamente consumada a golpes de picareta, seis meses volvidos.

    A Concluso procurar dar testemunho do cumprimento dos objectivos propostos.

    Em anexo a esta tese, apresentam-se vrios documentos, quer transcries de

    originais na ntegra (como os estatutos da CGT, relatrios do Comit Confederal, a

    primeira parte do texto/tese sobre a Organizao Social Sindicalista), quer documentos

    de elaborao do autor (como uma cronologia da actividade confederal no perodo de

    1919 a 1927, listas de representaes e delegados aos congressos nacionais, a

    representao directa da central nas aces de rua do Primeiro de Maio, as contas da

    CGT relativas ao perodo de 1919 a 1925, listas das pessoas que integraram quer o

    Comit Confederal, quer o Conselho Confederal), informao que se considerou

    relevante incluir.

    Um glossrio, tambm em anexo, esclarece o contedo de alguns termos ou

    expresses utilizadas no corpo da tese.

    Na redaco seguiu-se a ortografia anterior ao ltimo Acordo Ortogrfico da Lngua

    Portuguesa; nas transcries e citaes de documentos, considerando as hesitaes,

    variao e erros ortogrficos de que muito frequentemente enfermam, em alguns casos

    reduzindo em extremo a legibilidade dos textos, reputou-se essencial proceder

    respectiva uniformizao.

    A realizao de um trabalho com as caractersticas e os objectivos deste s foi

    possvel graas a um esforo persistente, a um gosto pessoal pelo desafio e pelo trabalho

    de investigao e pelo desejo de superao e a vontade de chegar a resultados.

    Mas ele tambm o resultado de uma responsabilidade moral perante a sociedade,

    um servio de cidadania que o autor assume como contrapartida de condies objectivas

    que lhe foram proporcionadas para se apresentar a este acto. significativo, a este

    propsito, que o objecto deste estudo seja, em ltima instncia, a actividade de um

    conjunto de gente, na sua maioria annima, que so daqueles que fazem a Histria e

    cujos nomes no aparecem nos livros a esses em primeiro lugar, da dcada de 1920 e

    de hoje, que aqui se presta tributo.

  • 31

    Depois, h pessoas em concreto para quem este trabalho tributo de apreo e

    gratido Joo Teodoro e Maria de Jesus, pai e me, sempre; Ana Bela Lima, afinal a

    grande impulsionadora desta aventura de quatro anos, em que tambm teve perdas e

    danos, que mais do que ningum acreditou que a tarefa era alcanvel.

    Ao professor Antnio Pires Ventura, da rea de Histria da Faculdade de Letras de

    Lisboa, enquanto coordenador cientfico deste trabalho de investigao, manifesto

    reconhecimento por ter acolhido o pedido para o desempenho de tal encargo, o seu

    apoio e clarividncia na validao da proposta de tema para a tese, e, depois, durante

    todo este tempo, a disponibilidade que sempre manifestou, os conselhos e orientaes

    que transmitiu, as linhas de trabalho que abriu, qui menos evidentes para o

    doutorando, e que se revelaram profcuas.

    s instituies que frequentei e com que me relacionei no contexto deste trabalho

    so igualmente devidos agradecimentos, extensivos aos seus responsveis e outras

    pessoas que nelas trabalham primeiramente, a Universidade de Lisboa, no seu todo,

    Faculdade de Letras e nesta ao Departamento de Histria; igualmente, Biblioteca

    Nacional, em especial a rea de Reservados, Peridicos e de Leitura Geral, mesmo no

    perodo em que, por razes tcnicas, esteve encerrada ao pblico, e a outras bibliotecas

    e arquivos que frequentei e onde recebi o apoio e compreenso de que precisava Torre

    do Tombo, Biblioteca da Faculdade de Letras de Lisboa, Arquivo Histrico Municipal

    do Porto, Bibliotecas das Galveias e do Museu Repblica e Resistncia, ambas em

    Lisboa, Arquivo Histrico do Ministrio do Trabalho, Hemeroteca Municipal de Lisboa

    e Bibliotecas Romeu Correia e Jos Saramago, em Almada.

  • 32

  • 33

    CAPTULO I DA UNIO DE SINDICATOS OPERRIOS

    CONFEDERAO GERAL DO TRABALHO 1914 A 1919

    s 12 horas do dia 13 de Setembro de 1919, Manuel Joaquim de Sousa, presidindo,

    na qualidade de membro da Comisso Organizadora, sesso de abertura do II

    Congresso Operrio Nacional, reunido em Coimbra, no Teatro Sousa Bastos, dava

    formalmente as boas-vindas aos delegados presentes no II Congresso Operrio

    Nacional. Pela frente, os congressistas tinham a perspectiva de 3 dias de debates e

    decises, tendo como objectivo declarado, quando da sua convocao, produzir um

    acontecimento que marque alguma coisa que v para alm de uma simples afirmao de

    vitalidade do proletariado portugus, concretamente, verificar se chegado o

    momento de criar-se a Confederao Operria Portuguesa, que substituir a Unio

    Operria Nacional1, (doravante referida como UON), criada no I Congresso Operrio

    Nacional, reunido em Tomar, em 1914.

    Nos termos dos estatutos da Unio Operria Nacional, aprovados em Tomar, o

    Congresso rgo mximo da organizao sindical nacional deveria reunir de 2 em 2

    anos; mas, razes vrias, em especial o envolvimento de Portugal na I Guerra Mundial e

    os efeitos desta na sociedade portuguesa, no dia-a-dia profissional dos trabalhadores e

    na actividade sindical fizeram com que fosse adiado. O II Congresso, que deveria ter

    reunido em 1916, reunia, pois, com 3 anos de atraso2.

    A deciso de reunir o Congresso, tomada em 3 de Abril de 1919, na reunio do

    Conselho Central da UON (o rgo mximo de deciso da organizao entre

    congressos) acontece quando da restaurao da Repblica velha, encerrados que

    estavam o episdio da ditadura de Sidnio Pais, a Repblica Nova (Dezembro de

    1917-Dezembro de 1918), prolongado pelo governo sidonista de Tamagnini Barbosa

    (Dezembro de 1918-Janeiro de 1919), em pleno rescaldo da derrota da tentativa de

    restaurao monrquica e do fim da guerra civil de Janeiro-Fevereiro de 1919.

    Elementos operrios, enquadrados pela UON, tiveram, alis, papel relevante na

    aniquilao daquela movimentao monrquica, sobretudo em Lisboa3.

    Mas, para a organizao sindical portuguesa, o ano de 1919 mais do que o ano do

    segundo congresso nacional (e de vrios congressos sectoriais): se o congresso e a

    1 A Central dos Sindicatos: sobre os congressos, AB, 20-04-1919.

    2 Os estatutos da CGT mantiveram o princpio da reunio do Congresso em cada 2 anos, um

    objectivo terico e generoso que, quer na vigncia da UON, quer na da CGT, nunca foi cumprido. O

    Congresso reuniu em 1914, 1919, 1922 e 1925. 3 Para a descrio dos acontecimentos, consultem-se as vrias edies da Histria de Portugal

    referenciadas na Bibliografia; sobre a relao do movimento sindical com o sidonismo, veja-se o que

    escrevemos, mais frente, no subcaptulo 1.1 Antes de Coimbra-a Unio Operria Nacional (1914-1919).

  • 34

    formao da CGT constituem os principais acontecimentos do ano, este ficou tambm

    marcado por trs outras ordens de eventos: primeira, a publicao de diversas leis de

    mbito social, da iniciativa e responsabilidade do ministro socialista Augusto Dias da

    Silva4 a nova lei do inquilinato, proibindo o aumento das rendas de casa e a

    sublocao (Abril), a lei do horrio de trabalho de 8 horas (48 horas por semana),

    tornando-o extensivo a todo o pas, na indstria e nos servios (Maio), a lei dos seguros

    obrigatrios contra acidentes de trabalho e da criao do Instituto de Seguros Sociais

    Obrigatrios e de Previdncia Geral (tambm em Maio), bem como o lanamento da

    construo de novos bairros operrios, assegurando as respectivas dotaes financeiras,

    designadamente, atravs do recurso ao crdito bancrio (Maro-Abril); segunda, uma

    vigorosa ofensiva laboral iniciada no ms de Abril e marcada por um elevado nmero

    de greves, culminando com uma greve geral, em Junho, e com uma longa greve nos

    caminhos-de-ferro (Julho a Setembro), com um enfrentamento com o governo e o

    patronato, do lado deste ltimo, com realce para uma empresa fabril indiscutivelmente

    capitalista, a Companhia Unio Fabril (CUF), de Alfredo da Silva; terceira e ltima, os

    avanos significativos verificados em matria de organizao, de que a formao da

    Confederao constitui o ponto mais alto.

    Antes de abordar com maior profundidade o Congresso de Coimbra, o momento

    fundador da CGT, faz sentido referenciar o percurso da organizao operria no perodo

    da vigncia da UON os anos de 1914 a 1919 e, com maior detalhe, este ltimo ano,

    que seguimos atravs do jornal A Batalha, lanado pela UON em Fevereiro de 1919.

    1. A UNIO OPERRIA NACIONAL (1914-1919)

    Reunido nos dias 14 a 17 de Maro de 19145, o I Congresso Operrio Nacional

    (inicialmente marcado para o ms de Janeiro, mas adiado por causa da greve dos

    ferrovirios da CP) ocupou-se da discusso dos seguintes documentos, que constituram

    a ordem de trabalhos aprovada pela comisso organizadora: tese Organizao

    Operria, subscrita por Jlio Lus e Jos Carlos Rates, que inclui uma proposta de

    estatutos da UON6, Elementos para a reforma da lei de 9 de Maio de 1891, de Manuel

    Joaquim da Silva, Bases para a fundao do Instituto de Trabalho Nacional, de Csar

    Nogueira, e Reforma dos tribunais de rbitros avindores, de Fernandes Alves.

    4 Augusto Dias da Silva foi ministro do Trabalho nos governos de Jos Relvas (27-01-1919 a 30-03-

    1919) e de Domingos Pereira (30-03-1919 a 29-06-1919). 5 Seguimos na redaco deste subcaptulo as seguintes obras: Alexandre Vieira Subsdios para a

    histria do movimento sindicalista em Portugal de 1908 a 1919, Csar Oliveira A criao da Unio Operria Nacional, e Francisco Canais Rocha Perfeito de Carvalho-Um sindicalista da I Repblica, pp-91-112.

    6 Publicada por Csar Oliveira A criao da Unio Operria Nacional, pp. 189-205, reproduzindo

    o texto de O Sindicalista, n 148, de 22-02-1914.

  • 35

    Estiveram representados 103 Sindicatos, 3 Federaes corporativas e 4 Federaes de

    sindicatos de profisses diversas, sendo invocada a representao de uma populao de

    90 mil operrios7.

    A representao de alguns organismos (Rurais de Redondo, Manufactores de

    Calado de Sesimbra, Chapeleiros de Braga, Barbeiros de Coimbra, Canteiros de

    Montelavar, Carpinteiros Civis da Figueira da Foz e Soldadores de Setbal) por

    delegados que no reuniam, simultaneamente, as condies de operrio assalariado e de

    sindicado, foi o primeiro ponto de grande polmica entre elementos das duas grandes

    correntes sindicais em presena no congresso socialista e anarquista/revolucionria, ao

    ponto de quase provocar uma ciso; o segundo grande diferendo, igualmente com

    potencial cisionista, desenrolou-se em torno de um artigo do projecto de estatutos da

    UON, que estabelecia a excluso do conselho central da organizao de qualquer dos

    seus membros que fosse investido de um mandato poltico. Ambas as questes foram

    resolvidas, a primeira atravs da aceitao dos delegados em questo8, a segunda com a

    alterao do articulado polmico, fixando como causa de excluso o desempenho de

    cargo poltico se da confiana do governo.

    consensual a interpretao de que o I Congresso Operrio Nacional (Tomar,

    1914) representou o princpio da supremacia dos sindicalistas anarquistas na

    organizao sindical portuguesa, quer atravs da consagrao, nos estatutos da UON, de

    princpios como a independncia face a escolas polticas ou doutrinas religiosas, estando

    impedida de, colectivamente, tomar parte em eleies e manifestaes partidrias ou

    religiosas (artigo 2), ou o reconhecimento da autonomia dos sindicatos aderentes

    (artigo 7), quer na direco efectiva do movimento sindical9.

    Do ponto de vista organizativo, o estatuto da Unio Operria Nacional aponta

    formao de Sindicatos locais, regionais ou nacionais de ofcio, Federaes nacionais

    ou regionais de indstria, Unies locais de sindicatos de ofcios vrios, bem como, nas

    localidades em que no fosse possvel a criao de sindicatos de ofcio, por

    insuficincia de nmero de operrios, a organizao de sindicatos de indstria, ou, na

    sua impossibilidade, de sindicatos mistos de operrios de diversas profisses10

    .

    7 A representatividade dos congressos operrios foi objecto de anlise por diversos autores, em

    especial por Joo Freire Anarquistas e operrios, ideologia, ofcio e prticas sociais: o anarquismo e o operariado em Portugal, 1900 a 1940. No Congresso Sindicalista de 1911 tinham estado presentes 90 Associaes de Classe, representando cerca de 36 mil operrios (Csar Oliveira, obra citada, p. 22).

    8 Os delegados em causa, em representao das associaes de classe referenciadas, eram, pela

    mesma ordem, Antnio da Rita, Mrio Nogueira que fazia parte da comisso organizadora do

    Congresso , Manuel Jos da Silva, Dr. Antnio da Costa Jnior, Jos Rodrigues Martins Santareno,

    Csar Nogueira e Manuel Lus de Figueiredo. 9 Csar Oliveira v o Congresso de Tomar como o canto do cisne dos socialistas no movimento

    operrio (O operariado e a Primeira Repblica, p. 80); Manuel Vilaverde Cabral representa-o tambm como a derrocada dos socialistas e do reformismo operrio em geral (Portugal na alvorada do sc. XX, p. 133).

    10 Os estatutos da UON esto organizados por captulos: Fins, Constituio, Congressos, Conselho

    Central, Administrao, Fundos e Disposies Sociais, num total de 35 artigos.

  • 36

    Retenham-se ainda dos estatutos da UON, pela sua importncia, os princpios da

    representao directa de todos os sindicatos aderentes no principal rgo de deciso, o

    conselho central, atravs de um delegado com voto deliberativo, e a representao no

    mesmo rgo, das Federaes e Unies, atravs de um delegado com voto consultivo; a

    revogabilidade dos mandatos dos delegados que perdessem a confiana dos respectivos

    organismos; a constituio de seces regionais para as tarefas de propaganda; a criao

    do label para os organismos aderentes; finalmente, a realizao de um congresso, no

    ano de 1916, onde fosse deliberada a extino da Unio Operria Nacional,

    substituindo-a por um organismo confederal a criar no mesmo congresso11

    .

    O Congresso de Tomar elegeu os nove elementos da futura comisso administrativa

    da UON, cujos cargos ficaram assim divididos: Francisco Perfeito de Carvalho,

    secretrio-geral, Carlos de Melo e Joo Black, secretrios-adjuntos, Antnio Henriques

    da Silva, tesoureiro, Evaristo Marques Esteves, bibliotecrio-arquivista, e, como vogais,

    Joo Carlos Rates, Joo Lus Redondo, Artur Augusto Nogueira e Joaquim da Silva12

    ,

    assinalando os autores que vimos seguindo que a UON teve, nos dois primeiros anos,

    uma existncia relativamente apagada: o jornal lanado pelo organismo central operrio,

    A Unio Operria, anunciado com periodicidade quinzenal, publicou apenas dois

    nmeros, e a aco de coordenao que lhe estava consignada foi inviabilizada pela

    ocorrncia de vrias demisses na comisso administrativa e, assinala Vieira, a no

    existncia, no campo reformista (socialistas) de muitos elementos que se

    impusessem pelas suas qualidades de combatividade; no inventrio dos avanos e da

    aco da organizao sindical nesse perodo, o mesmo autor referencia a actividade das

    Juventudes Sindicalistas, que, tendo organizado a respectiva Unio, em Lisboa, meses

    antes do Congresso Operrio de Tomar, comeam a publicar, em Maio de 1914, o jornal

    O Despertar, que foi um importante instrumento de propaganda fora de Lisboa e da

    formao de novos ncleos das Juventudes Sindicalistas no Algarve e no Alentejo.

    A I Guerra Mundial provocou o aumento geral dos preos, agravando as condies

    de vida da populao, que suporta ainda os efeitos da especulao e do aambarcamento

    de bens essenciais; no incio do ano de 1916 no conselho central da UON debate-se uma

    proposta de realizao de uma greve geral de protesto contra a carestia da vida, que

    fosse tambm de reivindicao da liberdade para os operrios presos e contra os

    11

    Alexandre Vieira Subsdios para a histria do movimento sindicalista em Portugal, de 1908 a

    1919, in Almanaque de A Batalha para 1926, p. 81. Quanto as restantes teses apresentadas ao Congresso de Tomar, o autor indica que a tese de Manuel Jos da Silva, sobre a reviso da lei das associaes de

    classe foi aprovada com profundas alteraes, e que as teses sobre os tribunais de rbitros avindores e

    sobre o Instituto do Trabalho Nacional no foram aprovadas, baixando ao conselho central, para estudo;

    refere ainda duas teses sobre a organizao operria, da autoria de Mrio Nogueira e de Joaquim Gomes

    Ferreira, respectivamente, e uma outra, da autoria de Carlos Rates, sobre a carestia da vida, resolvendo o

    Congresso a publicao desta ltima em folheto. 12

    Francisco Perfeito de Carvalho, do Sindicato dos Compositores Tipogrficos de Lisboa, no

    chegou a tomar posse do cargo de secretrio-geral da UON por ter sado de Lisboa (Alexandre Vieira

    Sindicalismo, Grande Enciclopdia Portuguesa e Brasileira, v. 29, p. 131).

  • 37

    atropelos ao horrio, vindo, todavia, a ser decidido, em alternativa a uma greve geral de

    xito duvidoso, que o organismo operrio aconselhasse o operariado reivindicao de

    aumentos de salrios, como meio de fazer face ao aumento do custo de vida; nesse

    mesmo ms de Janeiro de 1916, do-se em Lisboa assaltos a mercearias e outras lojas de

    produtos de primeira necessidade, acompanhados de alteraes da ordem pblica e da

    exploso de bombas, num movimento espontneo que rapidamente alastrou a outras

    localidades. Na sequncia desses eventos, o governo empreende vrias aces de fora

    sobre o movimento sindical: encerramento das instalaes e priso de operrios e

    dirigentes; em Maro, coincidindo sensivelmente com as dmarches relacionadas com a

    entrada de Portugal na I Guerra Mundial, as autoridades mandam dissolver a Unio

    Operria Nacional, bem como a Unio de Sindicatos locais e as Federaes Metalrgica

    e da Construo Civil, em Lisboa, a pretexto da no existncia de legislao que

    permitisse o funcionamento de tais organismos como no existia para organismos

    idnticos do patronato da indstria, comrcio e agricultura, que se mantiveram em

    funcionamento, como, alis, outras Federaes sindicais, que no foram visadas pela

    ordem de dissoluo, como a do Livro e Jornal, a dos Transportes Terrestres e

    Martimos ou a Federao Corticeira, sendo que governos e demais autoridades se

    relacionavam com os organismos referenciados, a UON includa, o que representava,

    portanto, o seu reconhecimento tcito13

    .

    No ano anterior, delegados da UON e das Juventudes Sindicalistas haviam

    participado, em Espanha, no Congresso Internacional Pr-Paz, em Ferrol (30 de Abril

    2 de Maio de 1915, que ali defenderam uma posio anti-guerrista, tendo ainda chegado

    a entendimento com sindicalistas espanhis sobre o desenvolvimento de aces contra a

    guerra e sobre as relaes entre as organizaes operrias dos dois pases ibricos14

    .

    Pelo final do ano de 1916, numa reunio de sindicatos, em Lisboa, foi deliberado

    realizar uma reunio magna de sindicatos a Conferncia Operria Nacional

    desdobrada em duas, no Porto e em Lisboa, com o objectivo de dinamizar a UON que

    se mantinha em actividade, no obstante a ordem oficial de dissoluo. Da organizao

    da conferncia de Lisboa foram encarregados, Manuel da Conceio Afonso, Antnio

    Pinto Quartim, Joaquim Francisco, Jernimo de Sousa e Alexandre Vieira; Manuel

    Joaquim de Sousa, Delfim da Silva e Loureno da Costa Peixoto constituram a

    comisso organizadora da conferncia do Porto.

    A Conferncia de Lisboa, nos dias 29-30 de Abril e 1 de Maio de 1917, reuniu os

    representantes de 105 Sindicatos e de 6 seces sindicais, de 4 Federaes de Indstria e

    13

    No estando reconhecida a sua existncia legal, a UON continuar a reclamar o seu

    reconhecimento. Algum detalhe sobre esse processo, de 1914 a 1919, poder ser lido em O

    reconhecimento da UON, AB, 02-03-1919, que retomaremos no subcaptulo seguinte. 14

    Os representantes da UON no Congresso de Ferrol foram Mrio Nogueira e Manuel Joaquim de

    Sousa, da 1 e 2 Seco, respectivamente; Aurlio Quintanilha, Serafim Cardoso Lucena, Antnio Alves

    Pereira e Ernesto da Costa foram os delegados escolhidos para representar as Juventudes Sindicalistas.

  • 38

    2 Unies locais de Sindicatos; a Conferncia do Porto, com a representao de 71

    Sindicatos, 6 Federaes corporativas e 4 Federaes de ofcios vrios15

    ; presentes, em

    ambas, representantes das duas seces da UON, sendo tambm comum a ordem de

    trabalhos: discusso das teses Sobre a organizao operria (relator Alexandre

    Vieira), Carestia da vida (relator Antnio Pinto Quartim), e A organizao operria

    perante as condies da paz (relator Manuel da Conceio Afonso), sendo esta ltima a

    que suscitou maior discusso, nas duas conferncias, sendo, como as restantes, aprovada

    com alteraes.

    No cargo de secretrio-geral da UON, depois da Conferncia Operria Nacional de

    1917 encontramos Alexandre Vieira16

    , acumulando a funo de director do novo jornal

    da organizao O Movimento Operrio, que se comeou a publicar quando da

    Conferncia de Lisboa, mantendo uma edio regular at Maro de 1918, vindo a

    publicar ainda um suplemento em Setembro do mesmo ano.

    Depois da Conferncia Operria Nacional de 1917, a UON adquiriu vigor

    significativo: o operariado de vrios sectores, por melhoria dos salrios, est alinhado

    com uma das concluses da tese sobre a carestia da vida aprovada na Conferncia, que

    proclamara a luta incessante por salrios mais altos como o nico meio para tornar

    possvel a existncia dos operrios, enquanto uma transformao social se no

    operasse; uma srie de movimentos grevistas vitoriosos ocorreram a partir de Abril de

    1917 e no ms seguinte do ano anterior, repete-se o cenrio de revoltas populares,

    verdadeiras revoltas da fome, reeditadas meses depois, na entrada do Inverno de

    1917-1918. Entre os grandes movimentos grevistas, no ano de 1917, dois merecem

    referncia:

    - primeiro, a greve da Construo Civil, das obras do Estado e particulares, em

    Lisboa, no ms de Junho de 1917, a que as autoridades responderam fechando as

    instalaes dos organismos operrios da classe, Sindicato e Federao bem como as da

    UON, e fazendo intervir as foras da polcia e Guarda Republicana, com recurso a

    armas de fogo, provocando mortos e feridos entre os operrios em greve, e realizando

    um nmero significativo de prises; perante situao to grave, a UON tomou a deciso

    15

    Uma das Federaes de ofcios vrios que participou na Conferncia Operria do Porto, informa

    Alexandre Vieira, foi a Federao das Associaes Operrias do Porto, que s mais tarde se haveria de

    fundir na Unio dos Sindicatos do Porto, criada a seguir ao I Congresso Operrio Nacional de Tomar, a

    qual tambm ter enviado delegado(s) Conferncia Operria do Porto, em 1917. A extino das

    Federaes Operrias, decidida no Congresso de Tomar, criando-se em seu lugar as USO, no foi bem

    aceite por vrias estruturas sindicais, a Norte, havendo mesmo locais onde se decidiu manter as

    Federaes (ver Francisco Canais Rocha Op. cit., p. 101); alis, acrescenta este mesmo autor, a seco Norte da UON nunca funcionou (id., p. 108).

    16 Alm de Perfeito de Carvalho e Alexandre Vieira, referenciam-se na funo de secretrio-geral da

    UON o operrio arsenalista Evaristo Marques Esteves, em Maro de 1916, e o operrio tipgrafo Alfredo

    Pinto, nos finais de 1916. No relatrio da 1 Seco da UON ao Congresso de Coimbra, referido (pelo

    prprio Alexandre Vieira) que a sua nomeao como secretrio-geral da UON se deu em consequncia da

    demisso apresentada por Evaristo Marques Esteves, quando da greve geral de solidariedade com os

    trabalhadores telgrafo-postais, em Novembro de 1917.

  • 39

    de convocar uma greve geral do operariado de Lisboa, de solidariedade com a greve da

    Construo Civil, que levou o governo a ceder, procedendo libertao dos grevistas

    detidos e aceitando o aumento dos salrios nas obras do Estado, que os construtores e

    mestres-de-obras acompanharam, pondo-se assim termo greve do sector;

    - o segundo movimento a merecer destaque a greve dos Telgrafo-Postais, os

    operrios dos correios e dos telgrafos, no ms de Setembro de 1917, igualmente por

    aumentos de salrios, a que o governo se pretendeu opor pela militarizao de todo o

    pessoal, posto o que se seguiu a priso de mais de mil operrios, por desobedincia;

    tendo recebido da comisso central de greve um pedido para intervir na procura de uma

    soluo, que procurou obter do governo, a UON, perante a intransigncia deste, veio a

    aprovar a realizao de uma greve geral de solidariedade, em Lisboa, que no terceiro e

    quarto dias da sua ocorrncia, paralisou quase por completo a capital, entretanto

    ocupada militarmente, estendendo-se ainda a algumas localidades do sul do pas, como

    Almada, Barreiro e Setbal; interrompida a greve, na sequncia de instncias das

    associaes comerciais, o governo veio, dias volvidos, a aceitar satisfazer as

    reivindicaes salariais apresentadas pelos Telgrafo-Postais, mantendo, embora, na

    priso os grevistas acusados de sabotagem17

    .

    No quarto trimestre do ano de 1917, a UON est envolvida na preparao de um

    movimento de mbito nacional contra a carestia de vida, chegando a aprovar, uma quota

    extraordinria de 2 centavos por cada sindicado, para a sua execuo.

    A m relao dos governos democrticos com as organizaes dos trabalhadores,

    as perseguies que lhes foram movidas por aqueles e as sucessivas prises de

    elementos do movimento operrio, levaram a organizao a dar o seu apoio ao

    movimento liderado por Sidnio Pais, em 5 Dezembro de 1917, ainda que, como se

    escreve em relatrio apresentado ao Congresso de Coimbra, a UON [...] se tivesse

    conservado, como organismo de classe que , absolutamente estranha insurreio

    armada, cujo xito viu, no entanto, com simpatia18

    .

    No passar muito tempo at a organizao sindical constatar que o regime

    sidonista to repressivo como os governos democrticos; mas, logo a seguir ao golpe,

    a UON consegue a libertao de vrias dezenas de operrios e militantes presos (63) por

    governos anteriores Repblica Nova, um dos quais, o trabalhador rural Joo

    Gonalves Tormenta, que se encontrava preso desde a greve de Janeiro de 1912; alm

    da exigncia de serem restitudos liberdade os presos sociais, a central dos sindicatos,

    nos primeiros dias do novo regime, apresenta Junta Revolucionria um documento

    17

    Sobre as greves do ano de 1917, para alm das fontes antes referenciadas, veja-se tambm

    Fernando Medeiros A sociedade e a economia portuguesas nas origens do salazarismo, pp. 147-151. 18

    Relatrio da Comisso Administrativa da UON [1 Seco] a apresentar ao II Congresso Operrio

    Nacional, AB, 13 e 14-09-1919. Sobre a relao entre o sidonismo e o mundo sindical, veja-se Antnio Jos Telo - O sidonismo e o movimento operrio portugus: lutas de classes em Portugal: 1910-1916.

  • 40

    contendo um conjunto de reclamaes de carcter econmico e social, aprovadas em

    sucessivos comcios pblicos em Lisboa, Porto, Coimbra, Leiria, Odemira, Barreiro,

    Parede e vora. So elas: medidas contra a carestia de vida; direito de utilizao pelos

    sindicatos rurais, em benefcio comum, de terras incultas, supresso dos monoplios e

    dos intermedirios, e entrega aos municpios da venda de bens de primeira necessidade

    e dos servios de transporte e do abastecimento de gua, electricidade e gs; revogao

    da legislao relativa s associaes de classe e limitao do direito de reunio (leis de

    9 de Maio de 1891 e de 26 de Julho de 1893, respectivamente), ampla liberdade de

    associao, e, em caso da sua regulamentao, faz-lo tomando como base o projecto de

    lei apresentado no parlamento por Machado dos Santos; revogao da lei de imprensa e

    garantia de no imposio da censura e, de forma geral, de quaisquer leis de excepo;

    abolio da contribuio industrial para as classes trabalhadoras e extenso das leis dos

    acidentes de trabalho a todos os trabalhadores; reconhecimento s organizaes

    operrias do direito de fiscalizao da construo, funcionamento, higiene e segurana

    de fbricas e oficinas; reforma dos servios postais, no respeito dos interesses operrios;

    estabelecimento do dia de 8 horas de trabalho em todos os ramos de actividade, e, por

    ltimo, a resoluo das reclamaes operrias pendentes em vrios organismos do

    Estado19

    .

    A indiferena com que o governo, na pessoa do prprio Sidnio Pais, tratou as

    reivindicaes apresentadas pela UON, primeiro, e depois, o agravamento da situao

    econmica e social e a ausncia de medidas sobre a carestia, cedo convenceram a

    central dos sindicatos da natureza da nova situao poltica. Ainda no primeiro trimestre

    de 1918, multiplicam-se os movimentos de trabalhadores pela melhoria dos salrios, a

    que as autoridades respondem com violncia, prises e encerramento de sindicatos; as

    acusaes, formuladas pelo governo e o patronato, com eco na imprensa, de que os

    movimentos sociais eram a causa do constante agravamento das condies de vida,

    responsabilizando os trabalhadores e as suas organizaes pelo agravamento da carestia,

    levaram a UON a colocar um travo no processo reivindicativo em curso, que a

    organizao explica em manifesto editado em Maio de 1918: as greves em curso,

    trazendo benefcios s classes profissionais com condies para as realizar, porque

    possuem uma organizao mais perfeita [e] desempenham misteres que no podem ser

    facilmente dispensados pela sociedade, tendo efeitos no aumento dos preos, afectam

    negativamente os assalariados das profisses com menores efectivos e menos

    19

    Alexandre Vieira Subsdios para a histria do movimento sindicalista em Portugal, de 1908 a

    1919, p. 81; em Fevereiro de 1918, a comisso administrativa da UON entregou novo documento, com a

    actualizao das reclamaes apresentadas trs meses antes, informa o relatrio daquela comisso ao

    Congresso de Coimbra. No tratamento deste perodo servimo-nos, alm das fontes referenciadas, do

    relatrio da comisso administrativa da UON sobre a greve geral de Novembro de 1918 (ver nota 7 deste

    subcaptulo).

    .

  • 41

    organizadas, situao esta que no deve ser olhada com indiferena pela organizao

    operria; pro