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UNIVERSIDADE DE UBERABA PROGRAMA DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO A NA L UIZA R IBEIRO GESTÃO DEMOCRÁTICA NA ESCOLA ESTADUAL NOSSA SENHORA DA ABADIA: avanços e impasses no cotidiano docente Uberaba – MG 2008

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UNIVERSIDADE DE UBERABA PROGRAMA DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO

ANA LUIZA RIBEIRO

GESTÃO DEMOCRÁTICA NA ESCOLA ESTADUAL NOSSA SENHORA DA ABADIA:

avanços e impasses no cotidiano docente

Uberaba – MG 2008

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ANA LUIZA RIBEIRO

GESTÃO DEMOCRÁTICA NA ESCOLA ESTADUAL NOSSA SENHORA DA ABADIA:

avanços e impasses no cotidiano docente Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Educação da Universidade de Uberaba, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação, sob a orientação do Prof. Dr. Otaviano José Pereira.

Uberaba – MG 2008

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ANA LUIZA RIBEIRO

GESTÃO DEMOCRÁTICA NA ESCOLA ESTADUAL NOSSA SENHORA DA ABADIA:

avanços e impasses no cotidiano docente Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Educação da Universidade de Uberaba, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação. Aprovado em ___ / ___ / ___ BANCA EXAMINADORA __________________________________ Prof. Dr. Otaviano José Pereira Universidade Pres. Antonio Carlos – UNIPAC _____________________________________ Profa. Dra Sálua Cecílio Universidade de Uberaba – UNIUBE _____________________________________

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AGRADECIMENTOS

Vencer obstáculos não é fácil, sobretudo quando a timidez assusta, angustia e nos faz tropeçar. Mas, a cada passo, uma vitória conquistada. O caminho percorrido não foi solitário, muitas pessoas estiveram comigo nesta jornada.

Ao Grupo da Última Hora, meu agradecimento especial — ao doutor Rudolph Muller e sua equipe: doutor Erasmo, doutora Carmem, doutor Gustavo, doutor Fernandez, doutor Levi e doutor Odilon, que me acompanham nesta jornada, ensinando, amparando e acalmando.

A minha querida amiga Domingas, que sempre me deu força, coragem e incentivo em meus projetos.

Ao professor Otaviano, com seu trabalho incessante e cuidadoso no meu texto. Aos amigos que compreenderam minhas angústias e me apoiaram com palavras de

consolo e incentivo nos momentos mais difíceis: Iraides: mesmo estando longe nos últimos anos, sempre me incentivou em minha

caminhada — o hoje é resultado das reflexões do ontem. Marise: eterna saudade! Edimar: leitora incansável de meus textos — minha gratidão! Maria Luisa, amiga, irmã, companheira de infância: caminhamos juntas uma vida —

mesmo sem concordar com muitas das minhas idéias, sempre esteve a meu lado, com palavras de incentivo e apoio; suas ações sempre demonstraram e ensinaram como viver em um ambiente de democracia.

Aos meus irmãos, Marco e Ricardo: agradeço o apoio e o amor. A Angélica, irmã amada: obrigada por respeitar meu silêncio; estarás sempre em meu

coração. O sonho nos acompanhou por anos e, nos dois últimos, transformou-se em realidade:

às amigas que conquistei, Cleide e Fernanda, meu obrigada.

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DEDICATÓRIA

Ao Senhor, Pai Eterno, pedimos sua misericórdia. Sabemos que jamais nos esquece e que espera pacientemente por nós. Agradecendo a vida que nos dá. Abençoa a todos!

A Jesus, Mestre Amado, perdoa nossa ignorância para com suas lições, ensinadas há mais de dois mil anos, mas que ainda não aprendemos.

À minha mãe, Irma, com quem caminho nesta vida: perdoa minhas faltas, meus erros, minha impaciência. Você sempre foi meu norte, meu esteio e razão de minha existência.

Ao meu pai, Niniu: suas lições de honestidade, trabalho e amor aprimoram minha alma e nos ensina a caminhar.

Ao Mardonio: companheiro inseparável — o meu amor. À Escola Estadual Nossa Senhora da Abadia: espaço de vivências e lutas onde

aprendemos a Ser. Espaço que aprendi a respeitar. Vencer obstáculos é sua característica. Aos meus companheiros de magistério: suas lições de vida e exercício profissional

reforçam o compromisso de lutar pelo que acreditamos neste mundo; estamos aprendendo a lutar e caminhar juntos.

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LISTA DE FIGURAS FIGURA 1. Jardim da escola em 2006... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59

FIGURA 2. Outra parte do jardim já desenvolvido — 2007.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59

FIGURA 3. Escolas-Referência: distribuição nos municípios mineiros — indicados pela cor laranja.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60

FIGURA 4. Sacada da escola com marcas visíveis da ação do tempo... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66

FIGURA 5. Parede de sala de aula dá sinais de desgaste temporal. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66

FIGURA 6. “Muro das lamentações”.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70

FIGURA 7. “Árvore dos desejos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70

FIGURA 8. Alunos envolvidos no plantio do jardim — projeto “Vale a pena verde novo”, instituído pelas áreas biológicas.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74

FIGURA 9. Alunos envolvidos no plantio de árvores — projeto “Vale a pena verde novo”, instituído pelas áreas biológicas.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74

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LISTA DE GRÁFICOS

GRÁFICO 1. Destino dos questionários aplicados................................................... 79

GRÁFICO 2. Professores entrevistados................................................................. 81

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LISTA DE QUADROS

QUADRO 1. Passos para a elaboração do PDPI....................................................... 69

QUADRO 2. Painel de respostas do pré-teste.......................................................... 79

QUADRO 3. Primeira pergunta — Como identifica e caracteriza o processo democrático da Escola Estadual Nossa Senhora da Abadia?....................................... 82

QUADRO 4. Segunda pergunta — Alguns professores afirmam que a escola precisa fazer ajustes em sua implantação da gestão democrática. Para você, quais ajustes seriam estes?................................................................................. 83

QUADRO 5. Terceira pergunta — Como você vivencia a relação professor–professor? Direção–professor? Existe autonomia de ação para o professor dentro da Escola Estadual Nossa Senhora da Abadia?.................................................... 84

QUADRO 6. Quarta pergunta — Dentro da sala de aula, como é a sua relação com os alunos?... 85

QUADRO 7. Quinta pergunta — Qual a sua avaliação das assembléias gerais da Escola Estadual Nossa Senhora da Abadia? O que você tiraria ou acrescentaria nas assembléias?................................................................................. 86

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RESUMO

Mesmo com a evolução do pensamento educacional, o significado da escola ainda hoje apresenta características da visão tradicional de educação; daí sua crise. Nesse sentido, este trabalho objetivou investigar o cotidiano da Escola Estadual Nossa Senhora da Abadia para perceber os avanços, impasses e desafios experimentados por uma experiência de gestão democrática, enfocada desde a elaboração do projeto político-pedagógico mais recente da escola. Concebida como estudo de caso, a pesquisa fez uso de entrevistas semi-estruturadas como instrumento de coleta de dados (depoimento de dez professores e da atual gestora da escola) que permitissem analisar a fundo o objeto de estudo. Procuramos estabelecer relações sociohistóricas pela identificação de conflitos e elaboração de análises para delinear a realidade. As análises se apóiam nas idéias de autores como Bourdieu e Passeron, Santos, Morin, Moraes, Rossi, Freire, Saviani, Contreras, Alarcão, Brzezinski, Dickel, Gadotti, Martins, Paro, Veiga, Prais e outros. Os resultados mostram a necessidade de: haver ruptura com o passado e busca de um novo significado; a escola assumir a educação para um novo tempo; e uma gestão diferenciada como suporte para as mudanças rumo à Escola Cidadã. Pode-se concluir que a experiência democrática da referida escola apresenta desafios, mas, em seu conjunto, avançou, e que, para haver a gestão democrática, são necessário os contrários, pois os impasses são a mola propulsora para mudanças.

Palavras-chave: escola; impasses; gestão democrática; escola reflexiva; coletivo.

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ABSTRACT

Even though the educational thought has evolved, the concept of school still presents some features of the traditional view of education that puts school in crisis. In this regard, this work aimed to examine the everydayness of the Escola Nossa Senhora da Abadia school, specifically the advances, impasses, and challenges related to its experience of democratic management, which this research focuses on from the elaboration of its most recent political, pedagogical proposal on. Conceived as a case study, this research is based on semi-structured interviews as a means of gathering data (accounts of ten teachers and of the current school’s manager) able to allow us to make a deep analysis of its subject matter. We searched to establish sociohistorical relationships by identifying conflicts and elaborating analysis to outline the school reality. Analyses are founded on the ideas of authors such as Alarcão, Brzezinski, Bourdieu and Passeron, Contreras, Dickel, Freire, Gadotti, Morin, Moraes, Rossi, Santos, Saviani, Martins, Paro, Prais, Veiga, among others. Results show the need of rupturing with the past, searching for a new school meaning, undertaking education for the future as responsibility, and managing school to make it work toward the development of citizenship. One may conclude that the democratic management experience of the above mentioned school faces some challenges but has progressed as whole and requires opposed poles, for these latter impel changes.

Key words: school; impasses; democratic management; reflexive school; collectivity.

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12

1 ESCOLA ONTEM E HOJE: DA HERANÇA ILUMINISTA AO PARADIGMA DA COMPLEXIDADE... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 1.1 Crise de identidade. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24 1.1.1 Acirramento da crise. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26 1.2 Globalização e recrudescimento da desumanização. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29 1.2.1 Consumismo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 1.2.2 Degradação ambiental . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32 1.2.3 Ampliação da distância entre os muito ricos e os muito pobres. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33 1.2.4 Explosão informacional como “capital ideológico” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33 1.3 Necessidade de reorganização. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34

2 COTIDIANO ESCOLAR, PRÁTICA E FORMAÇÃO DOCENTES... . . . . . . 38 2.1 Escola como lugar: necessidade de um olhar para cotidiano escolar. . . . . . . . . . . . . . . 39 2.2 O passado, presente. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40 2.3 O presente, futuro. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45 2.4 Um novo tempo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51

3 PROJETO E EXPERIÊNCIA DE UMA GESTÃO DEMOCRÁTICA DA ESCOLA CIDADÃ.... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56

3.1 Concepção de escola cidadã. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56 3.2 Apontamentos históricos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58 3.3 Implantação do projeto Escolas-Referência na escola: nos limites de uma

política de Estado. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60 3.3.1 Projeto Escolas-Referência segundo a Secretaria de Educação de Minas Gerais. . . 60 3.4 Implantação do Plano de Desenvolvimento Pedagógico Institucional (PDPI)

na Escola Estadual Nossa Senhora da Abadia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65 3.4.1 Plano de Desenvolvimento Pedagógico Institucional da Escola Estadual Nossa

Senhora da Abadia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67 3.5 Contraponto das políticas públicas: projeto Escolas-Referência. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75

4 CONSTRUÇÃO DE UMA EXPERIÊNCIA DE ESCOLA CIDADÃ DO PONTO DE VISTA DA PRÁTICA DOCENTE... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78 4.1 Depoimento dos professores. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81 4.2 Democratização escolar, escola democrática: educação e cidadania. . . . . . . . . . . . . . . . 87 4.2.1 Construção de uma escola cidadã. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88 4.2.2 Consolidação de uma escola democrática. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91 4.3 Escola pública democrática e controle do Estado. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95

4.4 Consciência coletiva para transformação coletiva. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99

CONSIDERAÇÕES FINAIS... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102

REFERÊNCIAS... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107

APÊNDICE 1. Respostas questionário do pré-teste. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113 APÊNDICE 2. Respostas questionário do pré-teste. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 114 APÊNDICE 3. Entrevista com professores. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116 APÊNDICE 4. Termo de consentimento. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117 APÊNDICE 5. Respostas do questionário pré-teste. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 118

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O tempo é construção [...]. Não podemos ter a esperança de predizer o futuro, mas podemos influir nele [...] as visões do futuro e até as utopias desempenham um papel importante nessa construção [...]. Há pessoas que temem as utopias, eu temo a falta delas. — PRIGOGINE, 1997.

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INTRODUÇÃO

I) Na vida moderna, cada vez mais demarcada por espaços urbanos com múltiplas

possibilidades de “leitura” que nos provocam sentimentos distintos, lembramos de nossas

vivências mais ou menos significativas conforme a intensidade com que as sentimos, por

exemplo, quando passamos diante de um boteco, uma boate, um estádio, uma igreja, um

cemitério, uma praça, um museu, uma repartição pública, uma fábrica, uma cadeia ou — na

zona rural — uma plantação, um rio, um pasto, uma queimada... E diante de uma escola, o

que sentimos? Que reminiscências ela nos traz? Quais sentimentos? São humanamente

“nobres”? Significantes? Traumatizantes? Esses questionamentos nos remetem a uma só

pergunta — o que é a escola, ou que é ou foi ou tem sido a escola para nós? — que norteia as

demais e traduz a indagação que nos levou às sendas desta pesquisa como trabalho acadêmico

“existencializado” — ou “internalizado” — pelo fogo sagrado da inquietação que nos faz

crescer como pesquisadores, leitores do mundo que partem de espaços e tempos vitais.

Tendo em vista nossa cidadania, arriscamos uma resposta para início de conversa:

lugar aparentemente comum e complexo, a escola pode parecer, num primeiro olhar,

homogênea, pois diariamente existe a repetição de ações idênticas. Mas esse “lugar comum”

não é homogêneo, pois nele ocorrem ações cotidianas. Na escola, o homem começa a

aprender a como se apropriar de seu espaço imediato; a construir ou aprofundar as relações

com conhecidos, vizinhos, com sua vida e a vida dos seus pares, pelo menos até onde ela

possibilita. Em geral, a escola é considerada como lugar comum, onde acontecem as relações

cotidianas e que a rotina torna um “lugar qualquer”.

Contudo, a vida no interior da escola é bela, cheia de contradições, pontos e

contrapontos; também é controversa, heterogênea, pois é onde as relações humanas

acontecem e os diferentes estratos sociais aprendem a conviver uns com os outros. A escola

ajuda o jovem a aprender a conviver em grupo, a compartilhar; na escola, ele começa a

participar das comunidades e, assim, passa a ter contato com normas sociais. Segundo Duarte

(1996, p. 31), “[...] a educação escolar tem o importante papel de mediadora entre o âmbito

da vida cotidiana e os âmbitos não-cotidianos da atividade social”.

Parte das relações em algumas escolas ainda configura a reprodução da vida e das

relações sociais em geral, para melhor ou para pior. Isso porque, na escola, muitas vezes a

relação entre professor e aluno, entre este e a escola tem uma estrutura hierárquica em seus

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campos; fechada em seu gabinete, a direção envia representantes — supervisora/orientadora

— para “vigiarem” e “controlarem” os professores e profissionais da educação, os quais

“controlam” os alunos. Noutros termos, o espaço físico da escola ainda tem sido o espaço da

vigilância e do recorte das relações externas.

Eis por que Dickel (1998, p. 60) avalia que a escola, ao se repetir, leva a todos os

lugares certo modo de organizar o trabalho em seu interior, reproduzindo relações que

organizam a própria sociedade e suas contradições no contexto capitalista. Quanto aos

professores, em geral reproduzem o que a escola lhes propicia — a exemplo de posturas

autoritárias —, produzem medos e incertezas em sala de aula e, em vários momentos,

distinguem alunos comuns dos diferentes, de modo que historicamente as minorias têm sido

discriminadas. No dizer de Matos (1998, p. 297), a “[...] escola é onde se dão diferenciadas

práticas sociais, que interiorizam atitudes, formas de conduta e aceitação das relações sociais

imperantes. E é onde o professor desenvolve o seu trabalho pedagógico”.

Estamos no século XXI, quando são feitos estudos avançados sobre as concepções de

formação continuada de professores e se observam as preocupações e inquietações de

estudiosos da educação, e ainda vemos escolas e salas de aula onde a relação pedagógica se dá

só como transmissão de conhecimentos; nela o aluno é um receptor quase passivo das

informações que vários professores passam. Para Matos (1998, p. 298), a escola mantém os

estudantes num estado de dependência crônica em que executam tarefas predeterminadas sem

pensar, sem saber pensar e sem querer pensar. “Aprendem” e obedecem.

A sala de aula é um espaço em que os alunos ainda se posicionam em filas indianas.

Sem terem de se ver, olham basicamente para o professor, que à frente explica “seu”

conteúdo. Para M. Freire (1988, p. 96), esse espaço retrata a relação pedagógica, e nele

[...] nosso conviver vai sendo registrado, marcando nossas descobertas, nosso crescimento, nossas dúvidas. O espaço é retrato da relação pedagógica porque registra, concretamente, através de suas arrumações (dos móveis...) e organização (dos materiais...) a nossa maneira de viver esta relação.

Ao considerarmos a escola como lugar onde as relações cotidianas acontecem, onde

o dia-a-dia é imediato e constante, entendemos que ela deve ser, por excelência, o “lócus” da

experiência democrática, mesmo com toda sua “fragilidade”.

II) O interesse pelo assunto gestão escolar democrática nos acompanha desde quando

iniciamos nossa carreira profissional; logo, podemos afirmar que sua tematização neste

trabalho resultou de nossa experiência em várias escolas, em muitas das quais nos deparamos

com o autoritarismo de diversas formas e em vários setores de seu cotidiano. Resultou,

também, de nossa reflexão sobre essa questão estimulada por questionamentos de alunos

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quanto à nossa postura autoritária herdada da experiência social, escolar e incorporada em nós

como uma reprodução automática do que recebíamos — afinal, pelo menos em parte,

resultamos de nosso meio.

Contudo, convém destacar algumas lembranças de nossa trajetória como discente e

docente que podem ser avaliadas e identificadas na condição de “traumas educacionais”

derivados de atitudes autoritárias. A primeira se refere ao costume dos professores de amarrar

a mão esquerda dos canhotos às costas para que escrevessem com a mão destra —

experimentamos isso em nosso primeiro ano de escolarização, na alfabetização. Outra

experiência, também, refere-se à nossa “orientação esquerdista”: em certa escola particular de

Uberaba, na década de 1980, não pudemos atuar na docência por causa de nossas “tendências

políticas de esquerda”, ou seja, porque não aceitávamos sem questionar as decisões internas

da escola. Numa escola mantida por empresários, a direção nos chamou atenção já no

primeiro mês de atuação docente porque, em sala de aula, discutíamos o sistema capitalista

com os alunos, situando o papel do empresário no contexto. Numa escola particular, a

coordenadora do ensino fundamental nos advertiu porque uma mãe questionou nosso

“discurso ideológico” em sala de aula e porque levávamos alunos da 5ª série do ensino

fundamental para o pátio da escola: e por que se questionou? Ora, porque crianças dessa série

“fazem barulho”. Numa escola municipal, a supervisora ficava atrás da janela para “ouvir” as

aulas. Eis, então, algumas experiências traumáticas que nos impressionaram mais e hoje nos

instigam a discutir relações escolares numa dissertação.

Todavia, nem tudo foram “traumas” nos anos de 1980 e 90. Quando “estávamos”

na condição de professora no Colégio Marista Diocesano, aprendemos muito sobre liberdade

e democracia. Nessa escola, trabalhamos com temas como formação de cidadania, pena de

morte, pobreza, reforma agrária, violência e outros que poucos professores teriam condições

de trabalhar em escolas da classe média alta de então.

III) No ínterim dessas experiências, passamos a compor o corpo docente da Escola

Estadual Nossa Senhora da Abadia, onde começamos a nos envolver com a filosofia escolar

do “Aprenda a Ser” — que se desdobra no projeto da Escola Cidadã, guiada pelos ideais

freireanos — e com a gestão democrática. A vivência entre pólos contrários — de um lado,

imposição e autoritarismo; de outro, liberdade — foi fundamental para gestar o tema desta

pesquisa (a experiência democrática interna da Escola Estadual Nossa Senhora da Abadia),

que objetivou investigar o cotidiano da escola a fim de identificar os avanços e impasses

vividos na experiência de gestão democrática e os limites e as contradições que surgiram em

seu espaço nos últimos 12 anos, desde 1995, quando houve nossa efetivação na docência da

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rede pública de Minas. Como pano de fundo documental norteador dessa experiência de

gestão democrática e ponto de partida da pesquisa, analisamos o projeto político-pedagógico

mais recente da escola, elaborado entre 2004 e 2005 para a inclusão desta no projeto Escola-

Referência; porém — cabe dizer —, nós analisamos para ressaltar como interferiu no espaço

da escola, pois hoje a comunidade escolar vive, respira, come e pensa tal qual as necessidades

desse projeto.

O problema da pesquisa é o como se define e se apresenta hoje a gestão democrática

no espaço interno da escola e quais são seus avanços e impasses. Chegamos à definição desse

tema com base no espaço escolar, onde percebemos esta situação: em geral, desde a formação

inicial, o professor é convocado a exercer sua função principal — ministrar aulas —, mas nem

sempre foi ou é educado politicamente (pode até ter discutido teorias, mas nem sempre tem

“cacife” para vivenciar na prática pedagógica a realidade complexa de uma escola

autoproclamada como cidadã e mergulhar fundo nessa experiência). Assim, quando começa a

lecionar, tende a fazer o que viveu e aprendeu como aluno, a se manter individualista e

autoritário na maioria das vezes e incapaz de praticar a experiência democrática que

“aprendeu” nos livros. Não afirmamos isso como regra, mas o resultado é o dar as costas às

mudanças, pois esse professor está impregnado do antigo esquema da docência transmissora

de conhecimentos e avaliadora de resultados em prol desse modelo. Logo, quando entra num

projeto pedagógico como o Escola Cidadã, ele se depara com impasses entre dois pólos: um, o

autoritarismo; outro, o processo da experiência democrática, realidade da Escola Cidadã.

Esses impasses produzem questionamentos. Assim, mesmo experimentando

mudanças, por que alguns professores da escola pesquisada e demais membros da

comunidade escolar não se envolvem integralmente e/ou se tornam indiferentes ao projeto de

mudança da escola em suas várias frentes de ação? Embora vivenciem a gestão democrática,

por que, por exemplo, alguns docentes questionam o “excesso de liberdade” dada pela direção

da escola? Por que alguns professores se sentem nervosos e impacientes nas assembléias

gerais, muitas vezes questionando a necessidade de votar em tópicos de pouca relevância para

a escola e às vezes achando que a coordenação deve determinar as questões a serem votadas?

Em que medida acontecem dissimulação dessa experiência ou acomodação? Como é a

correlação entre os pares? Como o cotidiano escolar é, de fato, “reinventado”? Por que, em

geral, a coordenação da escola “segura” as mudanças propostas?

IV) Uma olhada rápida na trajetória da escola desde sua fundação — nos anos de

1960 — mostra que sua proposta educacional seguiu os ideais renovadores da perspectiva

freireana do movimento Escola Cidadã. Fundadora da escola, Maria de Lourdes de Melo Prais

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(2000, p. 3) afirma que devemos nos empenhar em oferecer, “[...] nos limites da lei, dos

recursos disponíveis e das nossas condições concretas de trabalho, a melhor escola pública

possível”. E para que essa escola aconteça, os professores têm de passar a refletir não só sobre

sua disciplina específica, mas também sobre a escola, a sociedade atual, a comunidade em que

a escola está inserida, sua prática cotidiana e o mundo. Como afirma Alarcão (2001, p. 16),

“[...] cada escola deve conceber-se como um local, um tempo e um contexto educativo”.

Nas décadas de 1970 e 80, para implementar uma pedagogia voltada a uma prática

de liberdade e democracia, a referida gestora da escola trouxe o pensamento e a presença de

vários educadores de projeção nacional e internacional, dentre os quais, Paulo Freire, Moacir

Gadotti, Dermeval Saviani, Mauricio Tragtemberg, José Carlos Libâneo, Neidson Rodrigues,

Lauro de Oliveira Lima, Madalena Freire e outros. Nesses momentos, iniciamos a

aprendizagem do significado de liberdade, democracia e introduzimos esses conceitos em

nossa prática diária. Em 2004, a escola foi convidada a participar do projeto Escola-

Referência, instituído no primeiro mandato (2002–06) do atual governador de Minas, Aécio

Neves. Em assembléia geral, por unanimidade — expressão de uma gestão democrática já em

curso —, a escola aceitou o convite. Como analisamos esse espaço, temos de observar como o

projeto impacta a Escola Cidadã e a escola do “Aprenda a Ser”, analisar seus impasses e,

sobretudo, verificar se trouxe avanços.

As várias escolas estaduais ligadas ao projeto, em particular a que pesquisamos,

esperam melhorias como o “refinamento” das experiências de gestão democrática tendo em

vista o aprimoramento de uma “qualidade perdida”. Para a política do governo atual de

Minas, em tese é preciso tentar reencontrar a escola pública de qualidade do passado. “[...] o

grande desafio que se apresenta às Escolas-Referência é o de resgatar a qualidade e a tradição

das escolas estaduais, num contexto inteiramente novo.” (MINAS GERAIS, 2006d, p. 24). Tal

proposta aponta uma forma de pensar na educação escolar em que o jovem tem de ser

preparado não só para os vestibulares ou para o mercado de trabalho, mas também para outras

exigências do mundo hoje. O Novo Plano Curricular do Ensino Médio (MINAS GERAIS,

2006d, p. 8) afirma: “[...] temos que pensar na organização da educação capaz de preparar os

jovens para lidar com o presente e com as possibilidades do futuro”. Em outras palavras,

avaliar uma experiência de gestão democrática, mais que mexer com “as relações internas”, é

partir da qualidade dessas relações para resolver questões de natureza da própria escola e suas

atribuições.

Em contrapartida — cumpre dizer —, observações iniciais da referida experiência de

gestão apontam que, pelo menos na aparência, os impasses se sobrepõem aos avanços. Nesses

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termos, para cumprir o objetivo desta pesquisa, arriscamos três pressupostos iniciais, que aqui

podem ser transformadas em hipóteses a serem verificadas.

1) As reformas propostas, ainda que a coordenação chame os professores para

discuti-las, parecem nascer “de fora para dentro”, pois o Estado indicou a discussão sobre a

necessidade de mudança da escola (projeto Escolas-Referência). Assim, em que pese o Plano

de Desenvolvimento Pedagógico Institucional/PDPI (texto-base), gerador das mudanças da

escola hoje, permanece a sensação de se tratar de uma proposta sem aprovação dos docentes,

que já caminhavam numa experiência nova de gestão democrática, e de que as mudanças, por

virem em forma de “pacotes” reformistas, são “esfriadas” por um clima de desgaste da própria

profissionalidade no cotidiano da escola. Aqui, suspeitamos de que o problema da dignidade

docente — em baixa, pela própria proletarização do profissional da educação — provoca uma

recusa do que a escola, por intermédio de seus gestores, solicita a seus professores, tendo em

vista ser algo “vindo do governo”. Isso parece (e a pesquisa pretende verificar) ser o primeiro

ponto de “estrangulamento” do desejo de mudança dessa experiência de democracia interna,

que pode estar sendo margeada pela “indiferença” ou, quando não, pelo receio e/ou “medo”.

2) Outro pressuposto, próximo do primeiro, advém do fato de se tratar de uma

experiência que acontece no espaço público, qual seja, uma escola estadual que obedece

a normas estabelecidas pela Secretaria de Educação, mesmo quando o Estado, a seu

modo e como gestor central das políticas públicas, incentiva as políticas de formação

docente continuada e a “autonomia”. Contraditoriamente, a própria máquina pública

dificulta e compromete, em vários momentos, a propalada “autonomia” dos gestores e

professores e ajuda a aprofundar os impasses já verificados na formação continuada dos

professores em serviço no marco dessa experiência — por exemplo, quando o coletivo

da escola se vê diante da rotatividade de docentes e funcionários contratados por causa

de normas de organização da chamada de professores da Secretaria de Educação. Assim,

advogamos a idéia de que, tendo em vista a própria natureza pública dessa experiência, a

entrada para o “paradigma emergente” corre o risco de se transformar em “discurso

oficial”.

3) O terceiro pressuposto se refere ao que é chamado aqui — por exemplo, por

Moraes (1997) — de “paradigma emergente”: sair da pedagogia da transmissão de

informações para uma pedagogia de novas formas de pensar e compreender o mundo. Tendo

em vista o embate entre o modelo herdado de escola e o que deve “emergir”, supomos que há

um impasse fundamental em jogo, a saber: nenhuma entrada da escola para um novo

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paradigma, para um novo tempo deverá acontecer automaticamente — o novo pelo novo —

sem uma reviravolta no modelo de gestão tecido em novas relações, o que implica,

necessariamente, a experiência democrática com suas limitações, seus impasses e seus

aprendizados. Noutras palavras, não basta o projeto político-pedagógico ser modificado, as

reformas constarem nos documentos e os projetos se voltarem a um novo tempo. As

mudanças devem ocorrer no cotidiano das ações escolares; do contrário, acaba sendo uma

experiência político-pedagógica endógena (às vezes até autoritária), e a experiência interna da

escola pesquisada pode nos revelar isso. Eis por que confrontamos documentos com a

experiência de alguns anos.

V) Analisar a escola requer fundamentalmente entender as contribuições de

teorias sobre as relações entre educação e sociedade, sociedade e escola, escola e

comunidade, escola e escola. Em nosso caso, será muito cara a relação entre escola e

sociedade numa revisão de literatura que parta de concepções variadas de educação para

chegar às que dêem uma visão crítica dessas relações. Em primeiro lugar, encontramos

teorias consideradas como “neutras”, não críticas, que “seguraram” um modelo de escola,

pelo menos, em torno de um século e meio. Aqui, a escola se organiza em torno do

professor que transmite “seu conhecimento” aos alunos, e estes — isoladamente —

absorvem o que conseguem apreender do “conhecimento” repassado; não há interação

entre professor e aluno nem entre alunos. Em pleno século XXI, encontramos nas escolas

agentes educacionais que mantêm essa lógica de funcionamento; ainda hoje parte dos

professores difunde a idéia entre os alunos de que só por estarem numa escola, em um

ensino formal, poderão modificar e transformar suas vidas, arrumar um bom emprego,

como algo que sai de uma cartola de mágicos. Repetem a cantiga de um capitalismo que

tenta cooptar a escola a seu favor.

Para fazer frente ao que, em geral, chamamos de “otimismo pedagógico” da

concepção liberal de educação, plasmada pelas elites que a conceberam e a comandaram

nesse século e meio, recorremos às teorias críticas em educação, dentre as quais se destacam a

conhecida teoria da reprodução, de Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron. Sobretudo da

primeira leitura dessa contribuição da sociologia francesa desde os anos de 1960 e 70,

destaca-se, em geral, sua análise realista, criteriosa e acertada da escola, pois desmitifica o

sonho da escola que propicia naturalmente o ingresso à igualdade numa sociedade de classes.

Trata-se, portanto, de contribuição à leitura da escola pelo olhar da sociologia crítica. Esses

autores afirmam que:

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A Escola pode melhor do que nunca e, em todo caso, pela única maneira concebível numa sociedade que proclama ideologias democráticas, contribuir para a reprodução da ordem estabelecida, já que ela consegue melhor do que nunca dissimular a função que desempenha. (BORDIEU; PASSERON, 1982, p. 175–76).

A educação escolar passa a ser entendida como reprodutora da sociedade, pois é uma

forma de manter a ordem vigente, isto é, as relações de força na sociedade. Tal leitura —

paralelamente enriquecida por outras contribuições afins desse ramo da sociologia crítica

francesa, como a de Snyders (1981) — tornou-se imprescindível como porta de entrada para

uma crítica da escola que não pára no paradigma da sociologia crítica e se torna crucial

quanto a nos fazer acordar para a visão do lugar ocupado pela escola na sociedade, sobretudo

a escola pública, tradicionalmente tão “castigada” no país. No dizer de Paro (2002a, p. 108),

há um desinteresse da classe dominante por uma educação de qualidade, e a escola tem

negado sua função específica de distribuir o saber.

A constante diminuição relativa das verbas governamentais a ela endereçadas, contrasta com a situação precária em que se encontra o ensino no país, com prédios e instalações escolares em péssimo estado, escassez de professores e funcionários, inadequação de recursos didáticos e escassez de material escolar em geral, classes superlotadas, baixos salários de professores e pessoal em geral, falta de segurança nas escolas etc. (PARO, 2002b, p. 109).

No rastro de revisão da teoria reprodutivista, deparamo-nos com formas de

dominação por via da violência simbólica indicada por Bourdieu e Passeron (1982).

Nesse caso, a teoria da violência simbólica ajuda a enxergar o “lado real” da escola

pública em foco, embora tal questão não seja “privilégio” só da escola pública. A

intenção aqui é perceber que a Escola Estadual Nossa Senhora da Abadia não se situa

fora desse contexto e modelo escolar moderno, mesmo quando implementa uma

experiência de mudança. Há uma “herança” de violência simbólica a ser revisitada, pois

na maioria dos momentos a escola em geral copia a sociedade em que se insere —

exemplificam isso a distribuição dos alunos em sala de aula e o tratamento dispensado

aos “bons alunos”, em que há uma relação de poder. Segundo Bourdieu e Passeron

(1982, p. 22), a “[...] força simbólica de uma instância pedagógica define-se por seu

peso na estrutura das relações de força e das relações simbólicas que se instauram entre

as instâncias exercendo uma ação de violência simbólica”. Essa “herança” ecoa na hoje

chamada sociedade global ou sociedade da administração do capitalismo em sua forma

global, ou sociedade “esquizofrênica” — diria Santos (2000) —, que passa, também e

sobretudo, pela escola, que não pode ser simplesmente “descartada” porque o

capitalismo ainda precisa dela.

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Tais análises se somam, por exemplo, ao olhar crítico dos pedagogos posteriores e,

mais recentemente, às análises do fenômeno da globalização de filósofos, teóricos da

comunicação e da tecnologia, economistas e — para permanecermos num campo de “saber

escolar” hoje interdisciplinarizado, sobretudo com as teorias políticas, a macroeconomia e

outras — de autores afinados com o olhar da nova geografia, a exemplo de Milton Santos.

Esse movimento (sempre parcial) de interdisciplinarização dos olhares, que puxamos da

sociologia francesa, serve-nos para que possamos entender um fenômeno simples só

aparentemente: a conflituosa experiência de democracia interna de uma escola estadual de

Uberaba que aponta para sua “complexidade”.

Ainda na trilha em um busca de diálogo com autores e tendências tendo em vista um

repensar na escola, agora definitivamente apontada para o novo século, caminhamos na

companhia de Edgar Morin, autor que salienta a importância da formação do “cidadão

planetário” com base numa profunda reforma do pensamento envolto numa nova

compreensão do contexto, a que atribui a substanciosa categoria de pensamento complexo, ou

pensamento que orbita em torno do chamado paradigma da complexidade. Como afirma

Morin (2002, p. 19–20):

O pensamento contextual busca sempre a relação de inseparabilidade e as inter-retroações entre qualquer fenômeno e seu contexto, e deste com o contexto planetário. O complexo requer um pensamento que capte relações, inter-relações, implicações mútuas, fenômenos multidimensionais, realidades que são simultaneamente solidárias e conflitivas (como a própria democracia que é o sistema que se nutre de antagonismos e, que, simultaneamente os regula), que respeite a diversidade, ao mesmo tempo que a unidade, um pensamento organizador que conceba a relação recíproca entre todas as partes.

À procura de um novo paradigma para a escola, fomos ao encontro do diagnóstico

amplo do pensamento do fim e começo de milênio no Brasil traçado por Moraes, cuja tese de

doutorado procura visualizar uma escola apta a educar um novo homem e a

Construir um modelo educacional capaz de gerar novos ambientes de aprendizagem, em que o ser humano fosse compreendido em sua multidimensionalidade como um ser indiviso em sua totalidade, com seus diferentes estilos de aprendizagem e suas distintas formas de resolver problemas. Um ambiente que levasse em consideração as diversas dimensões do fenômeno educativo, seus aspectos físico, biológico, mental, psicológico, cultural e social. (MORAES, 1997, p. 17).

Não é à toa que faremos esse percurso. A intenção é questionar a possibilidade de a

experiência de gestão democrática da Escola Estadual Nossa Senhora da Abadia — localizada

num bairro de Uberaba — ser, pelo menos internamente, parte da antecipação dessa

experiência, ainda que tenha impasses. Ou será que temos de falar em nova gestão

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educacional do ponto de vista da complexidade da sociedade e do pensamento atuais só de

escolas da avenida Paulista, em São Paulo, ou nos Champs Élisees, em Paris?

VI) Do ponto de vista de uma escolha metodológica mais adequada, na pesquisa de

campo optamos pelo estudo de caso à luz da abordagem qualitativa, que nos permitiu fazer

uma investigação “interna” do cotidiano da escola. Segundo Lüdke e André (1986, p. 17),

“[...] o caso se destaca por se constituir numa unidade dentro de um sistema mais amplo”.

Como o assunto da pesquisa é amplo, procuramos observar na escola pesquisada seu recorte

único e particular, “[...] mesmo que posteriormente venham a ficar evidentes certas

semelhanças com outros casos ou situações” (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 17). Essa opção se

apóia na perspectiva de que a observação do pesquisador é uma leitura possível do espaço e

do mundo a serem analisados; como diz Tura (2003, p. 189):

[...] a observação é um mergulho profundo na vida de um grupo com o intuito de desvendar as redes de significados, produzidos e comunicados nas relações interpessoais. Há segredos do grupo, fórmulas, padrões de conduta, silêncios e códigos que podem ser desvelados.

Esse mundo observado intensamente exige que o pesquisador interprete, identifique e

descreva as ações dos atores da escola em questão. Nesse caso, sentimos necessidade de nos

afastar da escola (onde atuamos na docência efetiva) num primeiro momento a fim de

provocar o “distanciamento” necessário das questões diárias e, por conseqüência, um

“isolamento” de seus problemas — isso aconteceu por ocasião da pesquisa bibliográfica.

Assim, a condição de pesquisadora e a de docente — ambas com suas paixões — encontram-

se aqui, mas não se confundem.

No percurso da pesquisa, dentre outros procedimentos importantes, observamos três

assembléias gerais: 1ª) a de encerramento do ano letivo, em 17 de dezembro de 2006; 2ª) a

primeira do ano letivo, em 1º de fevereiro de 2007; 3ª) a de encerramento do ano letivo, em

17 de dezembro de 2007. Nesse momento, procuramos nos atentar a questões conflituosas,

conversas divergentes e convergentes dos professores sobre as discussões necessárias para a

tomada de decisões coletivas. Também a sala de professores foi um espaço importante para a

pesquisa, sem que o soubessem disso; várias vezes, no recreio ou nos momentos de folga, a

coordenação consultou os docentes para decidir questões do dia-a-dia sem necessariamente

haver assembléia geral. Assim, percebemos suas atitudes e impressões das questões postas

para discussão.

Dito isso, esta dissertação se divide em quatro capítulos, que compõem o trajeto da

pesquisa. O capítulo 1 enfoca a crise identitária da escola, sua interação com a globalização,

os caminhos para a construção da educação do futuro, a ruptura paradigmática e o paradigma

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da complexidade, o desafio de assumir o novo paradigma e outros tópicos. Nesse capítulo,

fazemos um diálogo com as idéias de Edgar Morin, Maria Cândida Moraes, Wagner Rossi,

Pierre Bourdieu e Jean Claude Passeron, Milton Santos e outros.

O capítulo 2 aborda a necessidade de se promoverem mudanças na prática docente e

no cotidiano escolar pela implantação de uma escola alimentada pela reflexão coletiva — ou

seja, pela reflexão de docentes, pedagogos, gestores, pais etc. —, em que todos possam

estudar juntos os problemas da escola para solucioná-los, também, juntos. Aqui dialogamos

com o pensamento de José Contreras, Henry Giroux, Isabel Alarcão, Iria Brzezinski, Adriana

Dickel e outros autores.

O capítulo 3 trata da proposta do projeto político-pedagógico da escola pesquisada e

sua elaboração. Nesse capítulo, o diálogo é com as vozes de Moacir Gadotti, Rosilda Baron

Martins, Vitor Henrique Paro, Ilma Passos Alencastro Veiga e Maria de Lourdes Melo Prais.

O capítulo 4 apresenta uma leitura analítica do depoimento de docentes e da gestora

da escola pesquisada, na tentativa de revelar os impasses e avanços provocados pela sua

experiência de gestão democrática. Aqui retomamos o diálogo com os autores supracitados e

outros.

Nossas considerações finais convergem para a constatação de que uma parcela dos

professores ainda não sabe viver em democracia, por isso precisam aprender como vivenciar o

processo democrático.

Por fim, cabe dizer que partir para a observação da experiência democrática da

escola pesquisada — que ocorre desde sua fundação, na década de 1960 — representou para

nós um mergulho na vida diária dessa escola e de seus atores, mesmo que num recorte

temporal mais recente.

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1 ESCOLA ONTEM E HOJE: DA HERANÇA ILUMINISTA AO PARADIGMA

DA COMPLEXIDADE

Mesmo com a evolução do pensamento educacional, ainda se pode ler na “feição” da

escola características gerais de um modelo de educação que vê o jovem como um objeto.

Pode-se, também, reconhecer uma escola em crise de identidade desde sua filiação ao modelo

de escola iluminista moderna, que hoje se depara com a globalização, que a leva a se

preocupar, por exemplo, com o consumismo desenfreado, induzido em especial pela

propaganda, que manipula e forma opinião.

No Brasil do século XXI, o modelo escolar ainda contém traços da escola do século

XIX: autoritarismo, fragmentação e desatualização. Por isso falar sobre a escola no país,

sobretudo a escola pública (problemas, desafios, dificuldades diárias em encontrar soluções

para seus impasses) não é ponto pacífico; em muitos casos, chega a angustiar, em especial

quando se é envolvido diretamente em suas atividades cotidianas. Eis por que, na sociedade

brasileira atual, impõem-se questionamentos ao bom “desempenho” escolar: a escola de fato

alfabetiza? Ela torna os jovens aptos à vida adulta, para que eles se tornem cidadãos plenos?

Sobretudo, ela prepara os discentes (crianças, adolescentes ou jovens) para a vida, para o

tempo atual?

No dizer de Ceccon, Oliveira e Darcy de Oliveira (1982, p. 19),

Ninguém está contente com a escola que está aí, mas todo mundo sonha com uma outra escola, uma escola que funcione bem e que cumpra seu papel, que é de dar instrução a todos. Todo mundo quer que a escola seja essa espécie de escada que conduz a um andar superior, a uma melhoria de vida, a um melhor emprego com um melhor salário.

Mais que isso, espera-se que a escola seja um espaço prazeroso, agradável, tranqüilo,

pois é aonde todo jovem, toda criança deveriam ir com o fim de estudar, aprender e se tornar

cidadão. Espera-se que se preocupe, acima de tudo, em preparar seu fim último — os alunos

— com recursos que lhes permitam enfrentar os desafios da vida diária e solucioná-los com

engenho. Espera-se que possibilite a manifestação das aptidões individuais, as quais, com

tempo e estudo bem orientado, podem transformar crianças e jovens em profissionais

capacitados. Espera-se que, mesmo presa a estímulos e informações da sala de aula, ela os

amplie pelo contato com a natureza, com as experiências vividas pelo educando (as escolares

e as cotidianas), com a sociedade, com a vida rural e urbana, para que o aluno transite no dia-

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a-dia mais livremente e confiante, entenda seu presente com discernimento e construa seu

futuro com segurança.

Essa compreensão da escola revela, também, ambigüidade nos modelos e nas

concepções pedagógicas, pois uma parte dela ainda se mantém presa à tradição de tomar o

aluno como objeto e o professor como agente de uma ação formadora e modeladora. Segundo

Saviani (1992), a escola se organiza centrada no professor, que, conforme uma gradação

lógica, transmite um acervo cultural aos alunos, a quem cabe assimilar os conhecimentos que

lhes são transmitidos. Nessa escola, espera-se que se apeguem “naturalmente” às disciplinas

de estudo, mas não se considera a experiência discente, a vivência que o aluno traz para a sala

de aula, para a escola. Supõe-se que pelo estudo sistematizado ele adquira experiência

suficiente para enfrentar a vida, a sociedade e se transformar em um homem “educado”.

Posto isso, impõe-se um questionamento: em que medida a escola consegue deixar

de ser só local onde jovens e crianças são treinados e preparados para se submeterem ao poder

e se tornarem reféns da sociedade de consumo, da economia de mercado, do mundo? As

palavras de Rossi (1980, p. 23) podem ser lidas como resposta, na medida em que “[…] a

educação conservadora criará ortodoxia, que universalizará, sob a aparência de pretensa

ciência, a ‘verdade’ dessa sociedade, ou seja, a ideologia da classe dominante”.

1.1 Crise de identidade

A não-aprendizagem ainda preocupa. Hoje, parcela considerável de alunos que

freqüentam escolas públicas no Brasil tem dificuldades na leitura e na escrita; dentre eles,

muitos têm dificuldades no raciocínio lógico: não conseguem fazer raciocínios aritméticos

básicos. A escola pública em geral apresenta dificuldades em alfabetizá-los, e alguns chegam

ao ensino médio com problemas de compreensão e interpretação de textos, assim como de

articulação das idéias na produção de textos escritos. Essa deficiência leva à suposição de que:

os professores são mal preparados — mas eles apontam a “liberdade” dada ao discente hoje

como problema, pois resulta em indisciplina e falta de respeito pelo docente; de que o

problema está na promoção automática — embora ainda não tenha havido uma discussão

mais realista da não-reprovação; de que os salários baixos e a necessidade da tripla jornada de

trabalho dos professores resultam em cansaço e descrença — o professor não tem tempo nem

ânimo para preparar aulas, estudar, incrementar sua formação continuada, se unir a seus pares

para discutir analiticamente os problemas reais e do dia-a-dia da escola onde trabalham; de

que esses maus resultados se vinculam a salas superlotadas, à falta de material didático,

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sobretudo de livros, e de uma biblioteca onde o aluno possa pesquisar, estudar, enfim, “curti-

la” como “seu espaço” (prazeroso) de leitura e pesquisa.

Contudo, como espaço de lutas, sonhos e contradições, a escola reproduz a

sociedade. Com efeito,

A escola pode melhor do que nunca e, em todo caso, pela única maneira concebível numa sociedade que proclamam ideologias democráticas, contribuir para a reprodução da ordem estabelecida, já que ela consegue melhor do que nunca dissimular a função que desempenha. (BOURDIEU; PASSERON, 1982, p. 176),

Em suas ações diárias, ela repassa as vontades das classes sociais mais poderosas

hegemonicamente. Como vivemos numa sociedade na qual só uma minoria usufrui o poder,

A forma aprimorada da escola conservadora moderna (ou liberal) é a que atinge a completa integração do estudante, incluindo-o na sociedade vigente, induzindo sua aceitação, eliminando sua possibilidade de questioná-la, não permitindo o desenvolvimento do pensamento crítico, ao mesmo tempo em que se apresenta como inovadora e mesmo “revolucionária”. (ROSSI, 1980, p. 24).

Ao usarem metodologias autoritárias, professores produzem medo e incerteza na sala

de aula e, em vários momentos, selecionam alguns alunos, ou seja, discriminam outros. Essa

atitude seletiva pode ser reconhecida na preferência que o docente mostra ter por alunos cujas

notas nas avaliações são maiores; também em falas como esta: “se não estudarem, não

conseguirem notas boas, não vão conseguir um bom emprego”. Assim, reforçam o sentimento

de baixa auto-estima que os alunos da escola pública têm quanto a seu rendimento e sua

própria condição de vida — não só social; também profissional. Dentre eles, está uma parcela

de alunos cuja aprendizagem é mais lenta, para os padrões da escola atual, e que abandonam a

escola por acreditarem que não conseguem aprender; daí a seleção e discriminação, pois só

parte dos jovens da classe mais pobre consegue ter mais escolaridade e mobilidade social.

No dizer de Rossi (1980, p. 45), essa parte dos jovens de baixa renda que atingem

melhores padrões de vida atende às necessidades do sistema capitalista, pois “[...] a ideologia

da classe dominante acena aos oprimidos e despojados com a possibilidade de que venham a

tornar-se também dominadores”. Ainda segundo Rossi (1980, p. 40), ela busca, também,

impedir “[...] até mesmo a consciência, no explorado, de sua própria exploração”, pela

inculcação dessa ideologia. Nesses termos, como afirma Bourdieu (1996), a classificação

escolar é sempre um ato de ordenação que institui uma diferença social de estatuto; ela

legitima a dominação.

Na visão de Moraes (1997, p. 13–4), a maioria das escolas não está preparada para

garantir qualidade no processo de ensino e aprendizagem, despende energia com rotinas

administrativas e deixa de lado a gestão pedagógica. Tomado por funções secundárias, esse

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modelo escolar destoa da concepção de Morin (2001, p. 11), para quem à escola cumpre “[...]

transmitir não o mero saber, mas uma cultura que permita compreender nossa condição e nos

ajude a viver, e que favoreça, ao mesmo tempo, um modo de pensar aberto e livre”. Nesse

contexto, é pertinente o questionamento de Carvalho et al. (1998, p. 82–3): qual é a função da

escola hoje? Se ela continua importante, de onde advém o desinteresse de alguns estudantes?

A essa incerteza se acrescenta a incapacidade das políticas públicas para educação de atingir

os fins esperados e promover mudanças nas práticas pedagógicas, estímulo para a

continuidade das condições da escola, sobretudo a pública.

Como se vê, os problemas são muitos; e interdependentes. Para Moraes (1997), o

mais grave está nos projetos educacionais, cuja maioria desconsidera o aluno como centro de

referência da ação educacional. Embora o aluno seja seu fim último, o gestor da escola — o

Estado — exige um volume cada vez maior de documentos burocráticos para controlar e

determinar o interior da escola. Eis por que docentes e demais profissionais que integram os

recursos humanos da escola se preocupam com currículo, questões administrativas, normas,

deixando para segundo plano o processo de ensino e aprendizagem.

Com efeito, segundo Moraes (1997), enquanto o mundo experimenta

transformações, a escola privilegia o ensino tradicional e sua maneira de ensinar: o aluno

continua na posição de espectador receptor; o professor, em parte apoiado só na reprodução

de livros didáticos, fica preso à forma tradicional de transmitir informação sem associá-la.

Enquanto a escola continua a fragmentar o pensamento e provocar a unilateralidade da visão

geral do conhecimento, permanecem os olhares compartimentados. Essa educação levou à

“[...] supervalorização de determinadas disciplinas acadêmicas, à superespecialização, uma

vez que todos os fenômenos complexos, para serem compreendidos, necessitam ser reduzidos

às suas partes constituintes” (MORAES, 1997, p. 43). O resultado foram a diminuição do

número de horas-aula para certos conteúdos e, por conseqüência, a limitação da formação

geral do educando.

1.1.1 Acirramento da crise

A discussão sobre a crise da escola se acelera na década de 1960, auge do modelo

fordista do capitalismo e quando a produção industrial aumentou com rapidez. Nesse

momento aprofunda-se a divisão do trabalho e amplia-se a produção em série. Conforme

esclarece Santomé (1998, p. 15), “[...] o fordismo demonstrava seu êxito com a introdução da

produção em massa e em série, apoiada nas linhas de montagem para eliminar tempos ociosos

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da força de trabalho e nas diversas operações de transformação das matérias-primas”. Assim,

pela necessidade de produzir mão-de-obra qualificada para suprir a demanda das indústrias

que necessitavam de trabalhadores, naquele momento a escola se tornou a produtora dessa de

mão-de-obra. Sacristán (2000, p. 55; 60) reitera essa idéia com mais propriedade:

As insatisfações tinham a ver com a necessidade de ajustar a educação às demandas do trabalho, com as conseqüências de passar de alguns sistemas minoritários e seletivos para outros de massas, mais democratizados, e com as inércias dos sistemas para responder a novas demandas cada vez mais diversificadas do conhecimento em expansão, da indústria, da tecnologia e da sociedade. [Contudo] O certo é que boa parte do significado da crise é o não-cumprimento das demandas externas que sacodem o sistema escolar, no qual parece que não se pode responder às necessidades de formação ajustada ao mutante mundo do trabalho, nem concluir as necessidades da educação permanente ao longo da vida. [...] o problema das instituições escolares é que não cumpriram adequadamente o programa da modernidade.

Como se pode ler nas palavras desse autor, a escola encontrou cada vez mais

dificuldades em suprir as necessidades do sistema, da expansão industrial, da mão-de-obra

qualificada à demanda industrial e em acompanhar o aumento da população estudantil, ou

seja, do crescimento populacional iniciado nos anos de 1960. Segundo Canário (2002), após

a Segunda Guerra Mundial, a oferta educativa escolar aumenta, assim como a população: o

número de jovens e crianças se amplia no sentido da progressão geométrica — como afirma

Malthus.1 Jovens em geral desejam mudar de vida, “crescer na vida”, então buscam a escola

— o diploma — para conseguir mobilidade social e transformar seu padrão socioeconômico.

Também a população em geral — diga-se, as classes menos favorecidas — passa a aspirar à

instrução escolar como forma de melhorar suas condições de vida e ampliar sua participação

no âmbito político e cultural do país.

Contudo, não se pode reconhecer em tais dificuldades e desejos um universo extra-

educacional, “demandas externas”? Eis, então, as condições para que a crise da escola se

desenvolvesse. Nas palavras de Canário (2002, p. 146), o “[…] fenômeno da explosão

escolar assinala um processo de democratização de acesso à escola que marca a passagem de

uma escola elitista para uma escola de massas”. Noutras palavras,

A educação ligou-se estreitamente à esperança da libertação social daqueles que obtivessem os frutos que a educação promete, configurando uma sociedade aberta e móvel, na qual a hierarquia estabelecida em relação ao binômio educação–profissão substitui as hierarquias devidas à origem social. (SACRISTÁN, 2000, p. 44).

1 Economista inglês, Thomas R. Malthus (1776–1834) publicou, em 1798, seu ensaio sobre a população, no qual desenvolveu uma teoria demográfica. Segundo ele, a população mundial cresceria em um ritmo rápido comparado por ele a uma progressão geométrica (1, 2, 4, 8, 18, 32...).

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De fato, a escola não supriu nem está em condições de suprir as necessidades da

indústria, da tecnologia e de outras áreas. Acima de tudo, não forma o educando para que ele

usufrua com plenitude, certeza e segurança sua condição de cidadão; em parte por causa de

seu despreparo como instância a que cabe preparar o discente para acompanhar as

transformações e o desenvolvimento do conhecimento científico atual, diga-se, para agir num

mundo onde as idéias prevalecem sobre o trabalho repetitivo.

Embora a escola seja cada vez mais incapaz de suprir demandas como a indústria, os

que ela forma se preparam para a economia, o mercado, pois ela inclui nas salas de aula o

ensino técnico profissionalizante, que forma mão-de-obra para atender à indústria e/ou ao

comércio. Como efeito, o sistema é reproduzido e as desigualdades sociais se fortalecem; e

“[...] na medida em que se democratiza, a escola compromete-se com a produção de

desigualdades sociais e deixa de poder ser vista como uma instituição justa num mundo

injusto” (CANÁRIO, 2002, p. 147).

Numa leitura dessa incompetência escolar, Alarcão (2001, p. 18–9) aponta a

disciplina como uma causa. Segundo essa autora, a escola,

Ainda fortemente marcada pela disciplinaridade, dificilmente prepara para viver a complexidade que caracteriza o mundo atual. Influenciada pela tradição ocidental, que privilegia grandemente o pensamento lógico-matemático e a racionalidade, não potencializa o desenvolvimento global do ser pessoa, ou facilmente discrimina e perde os que não se adaptam a esse paradigma.

Dito isso, uma questão se impõe: há um caminho?

É provável!

Mas seja qual for, acreditamos que passa pela construção do futuro conforme as

exigências da evolução do conhecimento. Santos (2000) reconhece que se pode pensar na

produção e no entendimento do mundo segundo a elaboração de novas ideologias e novas

crenças políticas amparadas na ressurreição da idéia e prática da solidariedade. É importante a

escola rever seus objetivos elementares e olhar para o futuro. É essa escola modificada que

poderá formar cidadãos para esse futuro; no dizer de Moraes (1997, p. 19), “[...] uma escola

morta, voltada para uma educação do passado, produz indivíduos incapazes do

autoconhecimento como fonte criadora e gestora de sua própria vida, da autoria de sua própria

história”. Nessa escola, a idéia de construção do conhecimento — ou seja, da cultura, do

homem — é importante porque a construção do saber permite à escola dar rumo à construção

do homem e do mundo pela tomada de consciência dos modos de aprender como expressão

do modo de ser humano.

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Reler a educação e a escola atuais requer que antes se olhe para a evolução do

mundo, que nos põe ante novas alternativas e grandes impasses, como o consumismo

desenfreado, o poder da mídia sobre as pessoas e a distância cada vez maior entre ricos e

pobres. É importante a escola discutir essas questões intramuros analiticamente a fim de que a

comunidade escolar perceba que influenciam a vida de cada um; e mais: que em tempos atuais

essa influência advém de outro cenário, interno e externo, determinante de um novo modo de

“reprodução” da escola e com apelos que a escola reprodutivista antiga não tinha.

1.2 Globalização e recrudescimento da desumanização

No dizer de Santos (2000, p. 58), esse cenário encerra um tempo de medo:

Jamais houve na história um período em que o medo fosse tão generalizado e alcançasse todas as áreas da nossa vida: medo do desemprego, medo da fome, medo da violência, medo do outro. Tal medo se espalha e se aprofunda a partir de uma violência difusa, mas estrutural, típica do nosso tempo, cujo entendimento é indispensável para compreender, de maneira mais adequada, questões como a dívida social e a violência funcional, hoje tão presente no cotidiano de todos.

Além de o mundo ser mutante, a mutação é veloz. A informação, a competitividade,

o consumo, a pobreza, a passos largos, interferem em nossas vidas. Santos (2000, p. 65)

identifica esse (atual) período como uma fábrica de perversidade, pois “[...] a globalização

mata a noção de solidariedade e devolve o homem à condição primitiva de cada um por si”. A

sociedade em que se vive exclui uma maioria da população pobre, dominada por uma minoria

da população que mantém seu poder pela imposição da competitividade e pela manipulação

de informações. Esse autor avalia que “[...] a informação sobre o que acontece não vem da

interação entre as pessoas, mas do que é veiculado pela mídia, uma interpretação interessada,

senão interesseira, dos fatos” (SANTOS, 2000, p. 41). A informação mantém e faz circular a

ideologia dos detentores do poder. Mediante programas televisivos, a informação é

manipulada e, na maioria das vezes, com um volume grande que embaraça o pensamento das

pessoas. Logo, a minoria mantém a ordem vigente.

Outra pergunta se impõe: que posição ocupa a escola neste mundo globalizado? Uma

resposta, com base em Rossi (1980, p. 23), poderia ser: visto que a escola em geral “[...] legitima

a ordem vigente como ainda anatematiza todos os desvios, as ‘heresias’, as ‘subversões’ dos

‘valores tradicionais da sociedade’”, é provável que o faça com ordem da globalização.

Segundo Bourdieu e Passeron (1982, p. 20), “[...] toda ação pedagógica (AP) é

objetivamente uma violência simbólica enquanto imposição, por um poder arbitrário, de um

arbitrário cultural”. Se a:

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[...] dominação pode acontecer de modo ostensivo, pela repressão pura e simples, caso em que atua apenas a força material na forma de violência material [também] [...] se dá [...] pela dissimulação da dominação material, caso em que atua a força simbólica, na forma de violência simbólica cuja base é a força material. (MELLO, 1994, p. 7).

A escola repassa “conhecimentos” e conteúdos universais de interesse da classe dominante,

formadora de opinião para suprir as necessidades da ordem vigente. Ao fazê-lo, reproduz a

estrutura das relações de força, que assegura a violência simbólica.

No dizer de Saviani (1992, p. 31), “[...] para os reprodutivistas a função da educação

é a reprodução das desigualdades sociais. Pela reprodução cultural, ela contribui

especificamente para a reprodução social”.

Ao reproduzir os valores necessários ao exercício de profissões exercidas pelos pais, a escola, inserida em uma estrutura de classes, contribui, em larga medida, para o que a literatura em educação tem chamado de reprodução das relações sociais dominantes e legitimadoras da atual sociedade. [Mais que isso, a] [...] escola consegue fazer com que as vantagens sociais, definidas pela posição de classe, sejam convertidas em vantagens escolares, que por sua vez, são reapropriadas, novamente, como vantagens sociais. (DICKEL 1998, p. 60).

Nesse sentido, entendemos que a escola repete as ações da sociedade e que em seu interior

ecoa as desigualdades, as contradições, a violência que acontecem no dia-a-dia da vida do

homem em sociedade.

Através do tempo, as invenções do homem transformaram a sociedade, suas noções e

seus valores. Sobretudo graças ao avanço nas comunicações, a tecnologia chegou a patamares

impensáveis, combinando ciência e técnica em todos os sentidos da vida social (SANTOS,

1994). Hoje a sociedade mundializada se conecta pela rede mundial de computadores, como

reflexo de outras redes que homem construiu e nas quais viveu, diga-se, do que o homem fez

em séculos passados. O mundo muda sua face, evolui tecnologicamente e “aperfeiçoa” a

exploração, enquanto a escola permanece reproduzindo a estrutura das relações de força e

reforça as desigualdades sociais. Nesses termos, entender a complexidade dessa sociedade

requer uma análise da revolução e evolução da tecnologia da informação. O homem atingiu

uma escala evolutiva que ele ainda não compreende com clareza; mais que isso, não consegue

acompanhar a rapidez dos desdobramentos da ciência, isto é, do desdobrar do conhecimento,

que é rápido e acelera novas descobertas.

De fato o mundo mudou. Em certo sentido, para pior. Para Brinhosa (2003, p. 48),

“[...] desde que a comunidade rural foi destruída e sucumbiu frente à urbanização desenfreada,

instalou-se um processo de fragmentação das relações sociais que é amplamente conhecido e

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vivido por todos”; não se encontram mais a vida pacata nem a lentidão que marcaram o

mundo em décadas passadas. O planeta foi explorado brutalmente em nome do progresso

humano, por isso está em descontrole (GIDDENS, 2002), e o progresso tecnológico e

científico criou problemas de difícil solução, tais como consumismo, ampliação da distância

entre os muito ricos e os muito pobres e informação como capital ideológico. Não há como

negar que o progresso sem controle é a face perversa da globalização, assim como não se

pode negar que a escola não consegue levar para a sala de aula esses assuntos com a

relevância e urgência necessárias.

1.2.1 Consumismo

A aceleração do desenvolvimento técnico-científico, isto é, do desenvolvimento da

ciência e da tecnologia aplicada ao processo produtivo, levou a uma produção industrial

intensa e à mundialização da economia: o mercado hoje é mundial, e os mercados nacionais

se esfacelam; os países se abrem à penetração de capitais e tecnologias estrangeiras. Empresas

transnacionais dominam o mundo, dominam os mercados, com isso a concorrência ficou

global. Nesse desdobramento do sistema capitalista, a necessidade e a produção do lucro

ganharam ainda mais relevo, e as indústrias produzem com a melhor tecnologia de que

dispõem. Segundo Moraes (1997, p. 48).

O importante são as cotas, o nível de renda, os lucros obtidos, os aumentos, o produto interno bruto, os bens tangíveis. Uma das características deste paradigma é a crescente monetarização da sociedade, com a valorização econômica cada vez maior das atividades humanas. A produção econômica tem sido a preocupação central da sociedade, e o crescimento econômico passou a ser a principal medida pela qual as sociedades julgam o seu progresso.

Santos (2000, p. 48) esclarece que:

[...] as empresas hegemônicas produzem o consumidor antes mesmo de produzir os produtos. [...] Um dado essencial do entendimento do consumo é que a produção do consumidor, hoje, precede à produção dos bens e dos serviços. Então, na cadeia causal, a chamada autonomia da produção cede lugar ao despotismo do consumo. Daí, o império da informação e da publicidade.

Santos (1996) aponta os shopping centers e os supermercados como templos

modernos do consumo. Para isso recorrem à propaganda e à publicidade, meios para se

criarem necessidades, sobretudo para a classe média — estrato preferencial das grandes

empresas. Pela propaganda, o sistema produtivo cria o objeto de consumo, o modo de

consumo e o impulso ao consumo, pois ela persuade as pessoas a comprarem artefatos, muitas

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vezes, não correspondentes à sua utilidade prática. Noutros termos, a maioria das pessoas

compra por causa do prazer de comprar.

O estímulo ao consumo fica a cargo do marketing: conjunto de ações e estratégias de

publicidade veiculadas na mídia para divulgar a qualidade dos produtos. A eficácia dessas

estratégias e ações se apóia em certos traços do consumo: “[…] é um veículo de narcisismos,

por meio de seus estímulos estéticos, morais e sociais, e aparece como o grande

fundamentalismo do nosso tempo, porque alcança e envolve toda a gente” (SANTOS, 1996, p.

38–9). O homem é envolvido de tal forma que aparentemente perde a capacidade de distinguir

suas necessidades reais de necessidades supérfluas — diga-se, criadas — e, muitas vezes,

sente-se impelido a trocar seus bens “ultrapassados” pelos mais modernos ofertados pelo

mercado.

Desse universo, também faz parte a escola; logo, ela não tem como ignorar o

consumo: ela está nele, e ele — útil feito oxigênio — está nela: no telefone celular, no tênis

de marcas famosas (privilégio dos bem-nascidos, “sonho” dos malnascidos), no material

escolar de design “criativo” e em outros produtos. A sedução e a velocidade em torno da

presença do consumo no âmbito escolar não dão à escola chances de criticá-lo.

1.2.2 Degradação ambiental

Segundo afirma Giddens (2002, p. 31), o planeta está em descontrole, e o presente

— a globalização — tem problemas de difícil solução. Graças ao desenvolvimento

industrial global, “[...] talvez tenhamos alterado o clima do mundo, além de ter danificado

uma parte muito maior do nosso habitat terrestre”. A tecnologia provocou uma ação

devastadora no ambiente, que compromete a vida no planeta. Com a expansão capitalista e

da sociedade consumista, surgiram problemas ambientais, a exemplo do aquecimento

atmosférico global — as conseqüências mais drásticas incluem alteração climática,

expansão das áreas desérticas e derretimento de regiões polares; desmatamentos

desordenados — os danos mais nocivos abrangem a destruição de florestas que guardavam

em seu interior uma grande parcela da biodiversidade; produção de milhares de toneladas de

lixo que os moradores das cidades põem diariamente na porta de suas casas e que vão para

os aterros sanitários — o prejuízo maior é a contaminação de solos, das águas e do ar pelo

lixo industrial, altamente tóxico. Esses problemas ajudam a desequilibrar a vida.

Como diz George (1997, p. 17), “[...] a vida vive da vida. [e] A biosfera é solidária”:

cada vez menos se pode atribuir as catástrofes ao acaso. A Terra é sugada pela violência

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material e competitiva do homem e, aos poucos, deixa de suprir necessidades básicas dos

seres humanos. Mudar essa situação supõe reinventar a vida, isto é, mudar os hábitos

humanos. Para Morin (2001), o ser humano precisa se conscientizar do coletivo e do destino

do planeta e seus problemas vitais. A sociedade precisa debater a questão e, sobretudo, tomar

medidas para impedir os impactos ambientais produzidos pelo homem; e para desenvolver

essa consciência, talvez uma via seja a escola, não a de que falamos até aqui, mas a que

reinventa seu cotidiano, sua prática.

1.2.3 Ampliação da distância entre os muito ricos e os muito pobres

Os problemas mundiais são complexos, pois a vida na Terra ainda enfrenta os

dramas do homem. Giddens (2002, p. 26) afirma: “[...] ao lado do risco ecológico, a que está

ligada, a crescente desigualdade é o problema mais sério com que a sociedade global se

defronta”. As políticas econômicas adotadas elevam a pobreza absoluta que redunda em zonas

de miséria e fome.

A produção maciça da pobreza aparece como um fenômeno banal. Uma das grandes diferenças do ponto de vista ético é que a pobreza de agora surge, impõe-se e explica-se como algo natural e inevitável. Mas é uma pobreza produzida politicamente pelas empresas e instituições globais. (SANTOS, 2000, p. 73).

Essa pobreza resulta da ação política porque é outro tipo de pobreza, de natureza

estrutural globalizada e própria de um sistema de ação deliberada sobre a atividade humana,

dominada pela economia capitalista e pelas relações do poder (SANTOS, 2000); é derivada da

expansão do desemprego e da redução do valor do trabalho. Nela, os pobres são excluídos:

não interessam ao sistema. Mesmo mudanças como a transformação da economia

planificada em economia de mercado — e sua inserção absoluta no mercado globalizado —

e a consolidação dos computadores e da internet como forma de integrar regiões remotas

não diminuíram os conflitos no planeta, ainda mais perversos. Isso porque a globalização

tem sua fronteira criada pela desigualdade social, econômica e tecnológica; pode ser tomada

como a “linha do equador econômico” que distingue o mundo dos ricos do mundo dos

pobres.

1.2.4 Explosão informacional como “capital ideológico”

Para que a Terra e a sociedade continuem a respirar, convém o homem fugir da

influência da televisão e da propaganda que induz ao consumismo, manipula e cria opiniões.

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Nas condições atuais, as técnicas da informação são principalmente utilizadas por um punhado de atores em função de seus objetivos particulares. Essas técnicas da informação (por enquanto) são apropriadas por alguns Estados e por algumas empresas, aprofundando assim os processos de criação de desigualdades. (SANTOS, 2000, p. 39).

A maioria dos programas televisivos influencia nos comportamento e nas atitudes

das pessoas; ao mesmo tempo debatem a vida atual para uma parcela mínima de “cidadãos”.

Segundo Santos (2000), manipuladas pelo Estado e pela classe dominante, as informações

são usadas para controlar e vigiar as massas; em vez de esclarecerem, confundem e introjetam

a ideologia dominante. “Realidade e ideologia se confundem na apreciação do homem

comum, sobretudo porque a ideologia se insere nos objetos e apresenta-se como coisa.”

(SANTOS, 2000, p. 39).

Posto isso, volta uma pergunta: e a escola nesse contexto?

É fundamental que ela esclareça as funções das informações: “[...] uma que busca

instruir e outra que procura convencer, sendo que o ‘convencimento’ é muito mais presente

para a inculcação da ideologia do sistema dominante” (SANTOS, 2000, p. 39); que

desenvolva a função de instruir — como a mídia e a informação —, mas as supere como

formadora para outra cidadania, além do espetáculo; que identifique e debata a questão da

informação; que mostre como o consumo suga o homem; e que forme jovens com

discernimento e segurança para atuar na sociedade e consciência de que podem influir na

forma de vida no mundo. Ante os pontos de estrangulamento que determinam o lado perverso

desse novo cenário e do ponto de vista da escola que necessitamos, fica um apelo: que se

tome consciência de que a construção democrática supõe reinventar relações sociais —

reinvenção apoiada numa leitura crítica desse novo mundo em que a escola se apresenta hoje.

1.3 Necessidade de reorganização

Analisar a educação numa sociedade capitalista, de concepção neoliberal,

individualista e concentradora dos meios de produção é tarefa difícil mas necessária. Difícil

porque a sociedade é manipulada pela lógica do mercado e controlada pela mídia, que forma a

opinião pública. No dizer de Comparato (1997, p. A3), “[…] Os líderes capitalistas do pós-

guerra perceberam que o monopólio dos meios de comunicação social podia ficar

tranqüilamente em suas mãos, pelo efeito combinado da pressão econômica e das concessões

administrativas”.

Neste momento em que o homem tenta reaprender a viver numa sociedade

transformada pela tecnologia da informação — um mundo ligado por redes —, seus padrões

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de identidade começam a ruir, pois a tecnologia o ajuda a desfazer uma visão de mundo

derivada de paradigmas do passado. Como afirma Moraes (1997), nada é definitivo: o

mundo, a sociedade, o homem estão em movimento constante e mudança perpétua, com

velocidade enorme. Se o desenvolvimento é contínuo e intenso, e a tecnologia avança cada

vez mais, o homem ainda tem dificuldades em resolver problemas sociais, econômicos e

ecológicos, que o tomam de assalto pela “religião” do progresso e sobreposição do capital às

atividades humanas.

O consumo e a competitividade deixam o homem mais solitário, individualista, e isso

lhe dificulta aprender a viver, conviver e promover um processo democrático. Se a sociedade

vive a era da comunicação, também vive a era da incomunicabilidade e solidão entre as

pessoas. Santos (2000, p. 83) esclarece que a tecnologia

[...] aparece no imaginário e na ideologia como se fosse um bem comum, uma fluidez para todos, quando, na verdade, apenas alguns agentes têm a possibilidade de utilizá-la, tornando-se, desse modo, os detentores efetivos da velocidade.

Ela deveria estar a serviço da humanidade, mas por enquanto atende aos interesses do poder

econômico, isto é, da menor parcela da população.

A essa realidade se alinha o que Morin (2001, p. 16) reconhece como grande desafio

para a humanidade: “[...] expansão descontrolada do saber. O crescimento ininterrupto dos

conhecimentos constrói uma gigantesca torre de Babel, que murmura linguagens discordantes.

A torre nos domina porque não podemos dominar nossos conhecimentos”. Ora, assim como a

falta de comunicação marca a era da comunicação, a ignorância sobre a construção do

conhecimento marca essa expansão de que fala Morin (2001).

No dizer de Moraes (1997, p. 23), a “[...] crise atual é também decorrente de uma

crise do conhecimento, da ignorância de como ocorre o processo de construção do

conhecimento”. Morin (2001, p. 24–5) esclarece que o “[...] ensino privilegia a separação em

detrimento da ligação, e a análise em detrimento da síntese”. Noutros termos, a forma como

se trabalha o conhecimento não está correta, pois isola, separa o que deveria ser uno. Mudar

isso supõe, no mínimo, que o homem compreenda-se como “[...] ‘ser terrestre’ e habitante de

um todo planetário, cuja complexidade lhe permita vislumbrar a necessidade e a urgência de

solidarizar-se com o Universo” (PETRAGLIA, 1995, p. 77). Morin (2001, p. 73) corrobora

essa idéia ao dizer que homem precisa se conscientizar de que pertence à Terra, e que sua

identidade terrena é vital.

Se essa consciência pode permitir o desenvolvimento do sentimento de solidariedade,

imprescindível para civilizar as relações humanas, é pela “[...] educação que o homem será

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capaz de reformular seu pensamento e refletir-se conscientemente” (PETRAGLIA, 1995, p.

77). Como afirma Morin (2001, p. 47), o objetivo da educação é “[...] mostrar que ensinar a

viver necessita não só dos conhecimentos, mas também da transformação, em seu próprio ser

mental, do conhecimento adquirido em sapiência, e da incorporação dessa sapiência para toda

a vida”.

A essas noções da função da escola se acrescenta a afirmação de Ronca (1996a) de

que seu dever maior é formar cidadãos, o que exige lutar por uma revolução extensa em seu

interior, ou seja, pela formação de jovens que se tornem adultos cientes de seu papel. Nesse

processo, “[...] a existência deve ser a atriz principal no palco da sala de aula” (RONCA,

1996b, p. 27), ou seja, o professor precisa priorizar o ser humano, a vida, a vivência do

educando.

Essas noções de escola levam a entendê-la como instituição cujo objetivo tem de ser

a preocupação com transformar o mundo pela formação de cidadãos plenos, pois seu objetivo

central é formar a consciência, não a abstrata, mas a que tenha como referencial a prática

política. Ao fazer isso, a escola universaliza e amplia seu significado rumo à construção de

outra sociedade. No dizer de Brinhosa (2003, p. 49), “[...] nesta dimensão, a função da

educação fica entendida como um trabalho voltado para a mudança de concepções e prática,

ou seja, uma forma de conceber o homem historicamente situado, na sociedade e no seu

trabalho”. Logo, como meta a escola tem de criar condições no educando para que ele viva

com dignidade e resolva os problemas que enfrentará em sua caminhada com sabedoria.

Também Morin (2001, p. 24) se refere a essa meta da escola, ou seja, formar uma

“cabeça bem-feita”, isto é: “[...] uma cabeça apta a organizar os conhecimentos e, com isso,

evitar sua acumulação estéril”. Estéril porque “[...] nosso ensino privilegia a separação em

detrimento da ligação, e a análise em detrimento da síntese. [Logo] Ligação e síntese

continuam subdesenvolvidas” (MORIN, 2001, p. 24). Para Morin (2001), a adequação do

ensino, da pesquisa e da formação do homem complexo a uma visão conjunta e planetária

desafia a escola porque esta tem de se voltar a uma educação cujas disciplinas formem — e

sejam trabalhadas como — um todo complexo.

Como a forma de ensinar ainda é fracionada, distinguir o todo dos problemas ainda é

difícil, por isso as soluções apresentadas são fragmentadas. As disciplinas escolares em geral

são organizadas em gavetas, o que dificulta a união delas numa ordem lógica das várias

disciplinas. No dizer de Morin (2002, p. 16), “[…] nossa formação escolar […] nos ensina a

separar os objetos de seu contexto, as disciplinas, umas das outras, para não ter que relacioná-

las”. Dito de outro modo, a escola ainda não ensina a questionar, a expressar o pensamento

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contrário, a não aceitar o autoritarismo passivamente e, sobretudo, a não ter certeza das

coisas.

Como quer esse autor, o ensino parcelado atrofia uma qualidade fundamental do

espírito humano: contextualizar e globalizar (MORIN, 2002); mais que isso, estagna a escola,

pois perpetua a divisão, o parcelamento e a fragmentação do conhecimento: as disciplinas

ficam estanques, separadas, sem unidade, diga-se, sem visão de conjunto; mesmo uma única

disciplina é fragmentada, pois o conhecimento é repassado por partes, sem movimento. Ora,

quantas vezes iniciamos uma unidade sem observar os pré-requisitos para desenvolver o

conhecimento e sem buscar, na unidade anterior, o suporte necessário à compreensão atual?

Quantas vezes deixamos de contextualizar o conteúdo com o mundo do aluno, não lhe

mostramos a importância do que ensinamos para seu dia-a-dia? Esse parcelamento do ensino

escolar dificulta a produção de conhecimento, a elaboração de conceitos; o aluno demora a

interiorizar as parcelas para formar o todo.

A escola moderna (racionalista, cartesiana ou iluminista) que herdamos foi criada e

adaptada para repassar conhecimentos como um conjunto de informações “frias” aos alunos,

separar os sujeitos — na comunidade escolar, cada qual tem sua função — e fragmentar

saberes e ações daí decorrentes, por exemplo, pela própria organização curricular.

Externamente, ela deu as costas ao mundo com seu conhecimento abstrato, desinteressado, de

“compêndios” — hoje transformado no livro didático. O novo paradigma da educação escolar

não pode continuar nesse caminho; os jovens já manifestam seu próprio comportamento

“estratégico” em suas novas linguagens e, sobretudo, sua indiferença, às vezes e não raro até

sob a forma de violência nas atitudes, como a perda do “respeito” pelo aos professores. A

violência simbólica implícita explicita cada vez mais seus muitos problemas.

Uma experiência de democracia interna “bancada” por uma gestão participativa,

crítica e avaliativa tem como desafio reverter um quadro difícil — partir da reinvenção das

relações como porta de entrada da própria “leitura de mundo” — do lado perverso da

globalização, como aludimos. Ações e atitudes se relacionam: qual é o sentido de o jovem

fazer trabalhos sobre ecologia, ecossistema etc. se, quando caminha pela cidade, joga seu lixo

nas ruas, mostrando sua despreocupação com seu meio? Também não adianta as escolas

articularem a consciência ecológica do jovem se não há políticas nem ações governamentais

para frear o desmatamento.

A realidade atual desafia a escola cotidianamente a transformar, quebrar o ensino

parcelado e desenvolver uma visão de mundo que promova a interação com o meio que a

cerca, que a contextualize e que a faça ter um pensamento global.

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2 COTIDIANO ESCOLAR, PRÁTICA E FORMAÇÃO DOCENTES

Feito esse diagnóstico da escola como instituição da modernidade, menos

“salvacionista”, mais complexa e mais contraditória, agora enfocamos o cotidiano escolar. Se

este é assunto de interesse, é porque a escola moderna não se esgota em seu modelo

homogêneo: há um laboratório de vida interno pondo em jogo relações que envolvem

discentes, docentes, gestores, governos e comunidade além da circunscrição institucional. A

escola “não morreu” nem pode ser “eliminada” — como queria Illich (1973) — porque está

impregnada de um cotidiano cujo “sangue” o faz pulsar, mesmo com o “veneno” da rotina, do

descaso, da indiferença.

É pela reinvenção do cotidiano que a reinvenção da escola — agora mais que um

modelo homogêneo — acontecerá. A construção de uma escola do futuro ou que vai além da

sala de aula — como alguns apregoam — dependerá da capacidade de construção de espaços

de aprendizagem, e não de deslocamentos espaciais corroborados pelas tecnologias da

informação e comunicação (TICs); da capacidade docente de enfrentar uma crítica ao sentido

da prática pedagógica que não se esgota na ação isolada do professor e, dessa crítica, derivar

um processo de retroalimentação de sua formação inicial ou continuada. Para tanto, cumpre

nos livrarmos da visão etapista de mudanças a serem operadas na escola; a relação com o

tempo não será uma passagem abrupta de etapas queimadas: hoje dormimos com a escola

tradicional; amanhã acordamos com uma escola do futuro, em um novo paradigma.

O sentido do emergente de que tanto se fala deve ser entendido como o emergente de

fato, isto é, que se faz. A prática docente é isto: dar um passo à frente, dois passos para trás,

experimentar frustrações, enfrentar poderes e, assim, avançar mais um passo na caminhada. A

reinvenção da prática cotidiana não é uma troca de parafusos numa máquina emperrada: é a

compreensão do sentido humano e político de uma experiência de travessia. O presente está

impregnado do passado, sem o qual não pode ser lido; assim como futuro está — ou estará —

impregnado do presente (que vira passado), sem o qual não pode ser lido. Aqui, essa travessia

será lida conforme a prática pedagógica de duas escolas e dois tempos: a escola ainda ligada

ao passado e a escola que entende a importância de se transformar para acompanhar as

mudanças do presente. O cotidiano escolar, a prática pedagógica e a formação docente

continuada sugerem a necessidade de se promoverem mudanças pela implantação de uma

escola alimentada por uma reflexão coletiva (docentes, profissionais da educação, direção e

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pais) sobre seus problemas: ação crucial para o crescimento e a transformação da comunidade

escolar.

2.1 Escola como lugar: necessidade de um olhar para o cotidiano escolar

Se se espera mudança da escola, então se pode supor que ela perde parte de sua

função ao não promover a formação dos jovens para viver no mundo atual, “[...] confuso e

confusamente percebido” (SANTOS, 2000, p. 17). Por isso é necessário observar se ela está

tentando trazer esse mundo complexo para seu espaço interno e se consegue acompanhar a

“[...] aceleração contemporânea [que] impôs novos ritmos ao deslocamento dos corpos e ao

transporte das idéias, mas, também, acrescentou novos itens à História” (SANTOS 1998, p.

30).

A escola é onde o dia-a-dia acontece, onde as relações humanas estão presentes, onde

pulsa a vida; mais: é onde “[...] se desenvolve a vida em todas as suas dimensões” (CARLOS,

1996, p. 20). Daí a recorrência de análises e apropriações desse lugar: ele faz mudar o

mundo, cada vez mais acelerado e onde a vida se torna mais complexa, densa. Sua história

revela poder e luta, resistência e aceitação, conforme a função, os modos de comportamentos,

o uso e a lógica de seus personagens. A divisão, a fragmentação e a hierarquização do poder

institucionalizado preponderam, pois cada componente da comunidade escolar ocupa nela

certo lugar — entendido aqui como “[...] porção do espaço apropriável para a vida —

apropriada através do corpo — dos sentidos — dos passos de seus moradores, é o bairro, é a

praça, é a rua” (CARLOS, 1996, p. 20). Lugares “[…] são singulares, mas são também

globais, manifestações da totalidade-mundo, da qual são formas particulares” (SANTOS,

2000, p. 112).

Porém, a escola como a entendemos, mais que porção espacial apropriável, é onde

acontecem as relações cotidianas: base da reprodução da vida; é um dos primeiros lugares

onde o homem começa a aprender a se apropriar de seu espaço imediato e a se relacionar com

conhecidos, vizinhos, com sua vida e a vida de seus pares. Enxergar a escola por essa lente —

espaço heterogêneo, diverso, que acolhe e discute o global, assim como acolhe e produz o

singular (ou seja, produz e reproduz o mundo) — é identificar os extremos do global ao

particular. Assim, se na escola acontece a reprodução, também acontece insubordinação,

como se depreende das palavras de Santos (2000, p. 114):

Essas pessoas não se subordinam de forma permanente à racionalidade hegemônica. [...] Na busca da sobrevivência, vemos produzir-se, um pragmatismo mesclado com a emoção na base da sociedade, [...] a partir dos lugares e das pessoas juntos. [...] Um modo de insurreição em relação à

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globalização. O papel do lugar é determinante. Ele não é apenas um quadro de vida, mas um espaço vivido, isto é, de experiência sempre renovada, o que permite, ao mesmo tempo, a reavaliação das heranças e a indagação sobre o presente e o futuro. A existência naquele espaço exerce um papel revelador sobre o mundo.

Pela escola, pelo lugar, o homem pode questionar a dominação, pois é sua casa, sua

rua, é onde a experiência acontece (SANTOS, 2000), sempre renovada, para permitir que ele

transforme e modifique suas ações e seja um agente modificador do mundo, que se apóie em

seu cotidiano, seu espaço e suas ações para limitar sua liberdade. Ao “[...] abrir-se para as

relações do cotidiano da escola, mergulhar nesses acontecimentos, agindo nesse cotidiano como

vetor de transformação é possibilidade de resistir à exclusão e investir na construção da

cidadania” (GALLO, 2007, p. 38). Mais que isso, pode fazer a mudança histórica “[...] em

perspectiva [provir] [...] de um movimento de baixo para cima”. Determinado pelo poder

global, o modo de vida do homem, do cidadão comum pode influir positivamente na construção

da cidadania, mesmo sob a égide do global. No dizer de Gallo (2007, p. 39), se agir produtiva e

criativamente, ele terá condições de ser um vetor de proliferação de diferenças.

Posto isso, não é plausível pensar que, se o cotidiano escolar for desenvolvido para

uma política progressista, que invista no coletivo, no conjunto, podem insurgir ações

transformadoras ante o poder dominante, global (SANTOS, 2000)? Segundo Gallo (2007, p.

39), “[...] para resistir, é importante abrir-se ao acontecimento. Estar atento ao àquilo que

ocorre no cotidiano da escola, a fim de potencializá-lo criativamente, e não ser tragado,

engolido pelo acontecimento”. O novo cenário e a necessidade de uma gestão diferenciada

nos fazem ver que precisamos mergulhar na prática docente como suporte de mudanças e da

formação continuada. “Se queremos uma escola transformadora, precisamos transformar a

escola que temos aí.” (PARO, 2002a, p. 10).

2.2 O passado, presente

Podemos — e devemos — questionar a escola moderna que herdamos: sua estrutura,

sua organização e seu funcionamento. Mesmo aquelas que experimentam alternativas de

“mudanças” como a “implosão” da sala de aula dita tradicional (onde o elemento central é o

professor que transmite conhecimento frente a um quadro-negro) têm no cotidiano um veio

precioso de observação e pesquisa: nele o passado se mostra no presente, teima em

permanecer, traduz-se em conflitos como manifestação da própria travessia. As mudanças no

cotidiano da humanidade em processo de globalização acelerada ocorrem, também, no

cotidiano escolar, não por simples “osmose”, mas como espaço de síntese qualitativa. Nesses

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termos, a absorção e transformação desse cotidiano é o que se apresenta como grande apelo

pedagógico, cujo início é uma compreensão crítica de sua real natureza e dimensão.

O cotidiano da escola tem rotina própria, e cada escola tem uma rotina diferente: é o

horário de entrada e saída, é o movimento de alunos no pátio e nos corredores, são as

liberdades discutidas, conquistadas e restringidas, é a sala de aula: cada qual com suas turmas

e séries; cabe dizer que as salas de aula das escolas estaduais apresentam um número elevado

de alunos: “criam-se vagas onde inexiste espaço físico” (CARVALHO et at., 1998, p. 81), e

cada uma tem suas individualidades e seus problemas, isto é, cada sala de aula tem seu

cotidiano. Duarte (1996, p. 35) reitera essas afirmações: “[...] a escola enquanto instituição

tem seu dia-a-dia, com suas rotinas próprias, com formas de relacionamento entre as pessoas,

que vão se tornando habituais”.

Quando se pensam nos problemas diários da escola, as relações interpessoais ganham

relevo especial — por exemplo, na transmissão do conhecimento, ou seja, na relação entre

professor e aluno, em que se impõe o binômio conflituoso autoridade–autoritarismo.

A relação entre autoridade e autoritarismo é tênue, pois uma parcela de professores,

mesmo que caminhe rumo à modernidade, ainda está presa ao passado recente, dita e

estabelece normas, as quais, ao aluno, resta obedecer. No dizer de Freire (1983, p. 96), ainda

“[...] discursamos aulas. Não debatemos ou discutimos temas. Trabalhamos sobre o educando.

Não trabalhamos com ele”. Com efeito, ao revermos nossa prática pedagógica, percebemos

que somos transmissores de informações: ainda hoje parte dos professores, em sua prática

profissional diária, reproduz informações contidas nos livros didáticos em aulas expositivas

em que o docente “fala” e o discente “escuta”. Aplicam técnicas, exercitam informações,

repassam aos alunos só o que os livros didáticos contêm.

Logo, permanece a hierarquia entre professores e alunos: estes como meros

receptores do conhecimento, aqueles como detentores. As experiências, a vivência, as

aspirações discentes quase sempre são desconsideradas. Apenas se trabalham as informações;

“[...] não faz parte de seu exercício profissional [do professor] o questionamento das

pretensões do ensino, mas tão-somente seu cumprimento de forma eficaz” (CONTRERAS,

2002, p. 102). Essa perspectiva vai contra o reconhecimento de que,

[...] como profissionais, os professores possuem, sob essa concepção [...] o domínio técnico demonstrado na solução de problemas, ou seja, [...] conhecimento dos procedimentos adequados de ensino e em sua aplicação inteligente. Sua perícia técnica se encontra no conhecimento de metodologias de ensino, no domínio de procedimentos de gestão e funcionamento do grupo em sala de aula e no manejo de técnicas de avaliação da aprendizagem. (CONTRERAS, 2002, p. 95).

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Embora estejamos quase no fim da primeira década do século, quando a educação

escolar e seus impasses são objetos de estudos aprofundados, não é esse professor de que fala

Contreras que está nas salas de aulas. Nesses espaços prepondera um profissional com auto-

estima baixa e, às vezes, mal-humorado, que sem perceber perpetua uma tarefa escolar

historicamente obsoleta: transmitir informações pura e simplesmente, como se isso por si só

fosse a educação escolar plena.

À parte as limitações pessoais na profissionalidade, entraves escolares e extra-

escolares envolvem os professores e influenciam seu trabalho. Consideremos um deles: a

disciplina escolar. Como conseguir um ambiente necessário para haver uma aula prazerosa se

há excesso de alunos na sala de aula? Como enfrentar a violência na escola, na sala de aula: a

violência do aluno com o professor e vice-versa, a violência entre alunos?

Outros questionamentos se impõem: os cursos de formação docente inicial preparam

os professores para o dia-a-dia da escola? No dizer de Alvarado Prada (1997, p. 90–1), “[...]

um aspecto incerto na formação de futuros docentes está no fato destes estudarem teorias

educativas, sociológicas, filosóficas, embora tanto eles, quanto alguns professores

desconheçam o cotidiano do trabalho escolar do primeiro e segundo grau”. Segundo esse

autor, o futuro docente estuda teorias educativas, mas estas não o habilitam a visualizar a

prática educativa. Dito de outro modo, a análise teórica não é vivência prática.

Mais que isso, o tempo disponível para o estudo é pequeno. Os cursos atuais de

formação inicial privilegiam, sobretudo, o conteúdo específico, em detrimento de disciplinas

pedagógicas, relegadas ao segundo plano. Numa visão dicotômica entre teoria e prática,

ensino e conteúdo pedagógico específico na formação inicial reforçam ainda mais a

contradição de ter de dar conta dos conteúdos específicos — porque a escola é onde se

garante a aprendizagem — e ter de encontrar um modelo contemporâneo de escola do passado

só para transmitir conteúdos fragmentados. Trata-se de uma formação inicial presa a textos,

mas sem perguntas de pesquisa, que reforça e dá continuidade a essa “anomalia” pedagógica.

Sacristán (1990 apud GARCIA, 1992, p. 54) afirma que “[...] a formação de

professores deve proporcionar situações que possibilitem a reflexão e a tomada de consciência

das limitações sociais, culturais e ideológicas da própria profissão docente”. O professor que

chega para trabalhar na escola se encontra despreparado para enfrentar o dia-a-dia escolar, por

não compreendê-la bem; não consegue enfrentar as “pequenas” dificuldades desse cotidiano

— tais como a indisciplina, a autoridade e o autoritarismo — nem articular a sala de aula e

trazê-la para o mundo do aluno, para o tempo presente. Disso se deduz: os cursos de formação

inicial têm de refletir e analisar as situações reais das escolas: as causas, as conseqüências e as

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influências externas. Mas isso ainda não é feito plenamente no espaço escolar cotidiano, pois

entra na formação inicial o sentido último das práticas de ensino.

É necessário que o docente atuante se conscientize de que precisa estar em formação

permanente e continuada, isto é, de que precisa analisar e estudar não só seu conteúdo

específico, mas também sua prática pedagógica e se posicionar em sala de aula: saber como

tratar seu aluno, como construir conhecimentos, como assumir uma postura político-

pedagógica no ambiente escolar. Ele é só um transmissor de informações, ou se preocupa, de

fato, em desenvolver um processo de conhecimento estratégico para os alunos? Distingue bem

autoridade de autoritarismo? E sua relação com a direção, com os serviços em geral: como é?

A prática docente hoje necessita se tornar prática reflexiva em prol de sua sobrevivência como

prática humana, pois a escola apresenta uma variedade de novos e velhos conflitos de difícil

solução: oportunidade para que o professor observe, analise, questione, conclua e aproveite

vários momentos para trabalhar o conhecimento e a formação do cidadão.

Com todas as suas dificuldades e limitações, a reflexão-na-ação é um processo de extraordinária riqueza na formação do profissional prático. Quando o profissional se revela flexível e aberto ao cenário complexo de interações da prática, a reflexão-na-ação é o melhor instrumento de aprendizagem. No contacto com a situação prática, não só se adquirem e constroem novas teorias, esquemas e conceitos, como se aprende o próprio processo dialético de aprendizagem. (PÉREZ-GÓMEZ, 1992, p. 104).

Hoje o profissional da educação procura ser reflexivo, mas às vezes ainda se

enquadra na variedade acadêmica da prática reflexiva, “[...] que acentua a reflexão sobre as

disciplinas e a representação e tradução do conhecimento disciplinar em matérias para

promover a compreensão dos estudantes” (CONTRERAS, 2002, p. 135). Nesse caso, ele

reflete, acima de tudo, sobre suas respectivas disciplinas curriculares, ou seja, individualiza

seu conteúdo, sua prática profissional, e assim fragmenta e isola o saber. Contudo, o que

acontece na sociedade ocorre, de alguma forma, na escola. Por exemplo, as mudanças nas

práticas culturais passam pela compreensão e aceitação na escola; nela o educando percebe e

compreende a divisão da sociedade, pois a divisão de poder está presente na escola. Para

Giroux (1997, p. 38), as “[...] escolas devem ser vistas como instituições marcadas pelo

mesmo complexo de culturas que caracterizam a sociedade dominante”. Reside aí a

intermediação pedagógica com e na sociedade, por isso a reflexão do professor precisa ser

mais que “metadocente”: tem de abarcar os elementos externos que influem na prática

pedagógica.

Giroux (1997) esclarece que a comunidade escolar (professores, estudantes, pais,

gestores) precisa desenvolver uma analise crítica da escola e passar a encará-la como

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construção social que incorpora interesses e suposições particulares. Segundo esse autor, “[...]

o conhecimento crítico ensinaria à comunidade escolar sobre seu status como grupo situado

dentro de uma sociedade com relações específicas de dominação e subordinação” (GIROUX,

1997, p. 39). Mas parte da comunidade escolar ainda não consegue olhar a sala de aula como

um todo integrado à escola, inserido num projeto maior — a sociedade — e, portanto, em

mudança constante.

A escola se constrói e reconstrói aos poucos e todos os dias; às vezes, muda apenas

de fachada. Nesse movimento, o professor tem de refletir sobre o cotidiano escolar como

tempo-lugar de síntese social. Por isso é importante ele analisar seu cotidiano escolar para

perceber que pode transformar seu dia-a-dia, sobretudo como membro da comunidade, e

refletir sobre sua participação/relação na sociedade em que se inclui e indague — como quer

Giroux (1997, p. 39) — “[...] o que é que esta sociedade fez de mim que eu não quero mais

ser?”. Se ele não consegue analisar e conhecer esse cotidiano nem receber suas influências e

se transformar com rapidez, o que faz na escola, instituição intrinsecamente ambígua, pois

tem “[...] certa dependência em relação aos modelos sociais, ao assumir o papel conservador,

e uma relativa autonomia, também determinante daqueles modelos, ao assumir seu papel

inovador e co-criador da realidade social” (BRZEZINSKI, 2001, p. 67)?

Ser professor é mais que entrar numa sala de aula e, mecanicamente, ministrar uma

aula de sua disciplina específica, com conteúdo, em grande parcela, retirado de um único livro

didático. Mais que trazer informações (o mundo e a sociedade) para a escola, para a sala de

aula, ser professor é discuti-las e analisá-las com os alunos. Como diz Alarcão (2001, p. 10),

“[...] se nos encontramos perante uma nova mundividência, é importante que a analisemos e

reflitamos sobre ela para não nos virmos a sentir uma espécie de extraterrestres deslocados”.

Quando os acontecimentos vão para a sala de aula, pode-se perceber o quanto

influenciam a vida diária; por isso é importante que toda a escola, em particular o

professor, incorpore fatos cotidianos globais e locais em seus conteúdos específicos. Dito

de outro modo, quando o mundo, a sociedade e seus problemas são enumerados e

analisados em sala de aula, criam-se condições para que o aluno perceba que não só é

influenciado pelo o que é global, como também pode influenciá-lo; se ele interpreta os

acontecimentos de relevância histórica e capta sua influência, tem a possibilidade de se

conscientizar de que pode viver o mundo à sua maneira e coletivamente, pois a

convivência lhe dá condições de elaborar uma política de baixo para cima, ou seja, com

base no cotidiano, e perceber que seus atos diários, feito um conta-gotas, modificam o

local e pode interferir no global (SANTOS, 2000).

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Santomé (1998, p. 41) afirma que “[...] a aprendizagem significativa ocorre quando

as novas informações e conhecimentos podem relacionar-se de uma maneira não-arbitrária

com aquilo que a pessoa já sabe”, transformando-se e modificando-se. A cada momento novas

situações surgem, e requerem soluções rápidas, diferentes; o mundo atual é diverso,

heterogêneo, complexo, por isso exige da escola um novo olhar, uma nova leitura, uma nova

postura. Para Alarcão (2001, p. 10), ao professor “[...] compete interpretar na atualidade os

sinais emergentes do porvir para o qual estamos preparando as nossas crianças e os nossos

jovens cuja formação a sociedade, em parte, quis confiar-nos”. É importante que o professor

procure analisar, com seu aluno, o poder da propaganda e do consumismo, dentre outras

questões, para que possa estar apto a enfrentar seu dia-a-dia.

2.3 O presente, futuro

Quem lê e interpreta criticamente o presente está preparado, em tese, para receber,

também criticamente, o futuro: sem medo e longe de adaptações acríticas. Nesses termos, à

escola é necessário se transformar para acompanhar as mudanças na sociedade atual e ler os

novos símbolos e escritos que a tecnologia da era digital — por exemplo, a internet — trouxe

ao mundo do jovem, do adolescente e mesmo da criança num Brasil onde mimeógrafos a

álcool e máquinas digitais de última geração convivem na mesma escola e quando vemos uma

mudança que aponta o uso de tecnologias digitais nas escolas.

Para Alarcão (2001, p. 10), a escola “[...] precisa mudar para acompanhar a

evolução dos tempos e cumprir a sua missão na atualidade”. No contexto escolar, ao

professor é fundamental assumir criticamente e com critérios ético-políticos as mudanças

em jogo em prol do amadurecimento de suas concepções educacionais como caminho mais

viável para que, cada vez mais, ele se torne um sujeito reflexivo; noutros termos, é

importante que ele não vire uma figura fora do seu tempo, representante fiel de um mundo

do passado, e que se prepare para as exigências do mundo real, da sala de aula — ainda um

espaço de aprendizagem significativa — como expressão crítico-criativa de sua atualização.

Nesse contexto, as TICs, a internet e a interatividade aparecem como apoio sem precedentes

e jamais imaginado. O professor tem se voltar à sua prática, para isso precisa ter autonomia

docente.

Trata-se mais precisamente de aprofundar o entendimento da autonomia como chave para a compreensão de um problema específico de trabalho educativo, característica que se mostrará essencial na possibilidade de desenvolvimento das qualidades essenciais da prática educativa. (CONTRERAS, 2002, p. 89).

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No dizer de Contreras (2002), o professor deve analisar, interpretar, estudar sua

prática para que, em sua jornada de trabalho, apresente e adquira mais autonomia em seu

campo profissional. Para esse autor, quando o professor faz isso, começa a compreender suas

dificuldades, suas angústias e ampliar sua visão dos problemas; percebe que é preciso

modificar seu dia-a-dia, suas ações — as externas e as internas. Isso porque “[...] a prática é

em si um modo de pesquisar, de experimentar com a situação para elaborar novas

compreensões adequadas ao caso, ao mesmo tempo em que se dá a transformação da

situação” (CONTRERAS, 2002, p. 111).

Stenhouse (1985 apud CONTRERAS, 2002) amplia a visão de professor para além

de “técnico” ou “didata” ao chamá-lo de “artista”, pois trabalha com valores e buscas que se

realizam na prática do ensino, participa de um processo permanente de criação — pelo menos

como apelo pedagógico para seu cotidiano em sala de aula — e pode, com seus alunos, criar

momentos únicos de aprendizado e formação do conhecimento. Como o professor tem de dar

atenção ao ritmo e às necessidades de aprendizagem de cada aluno, e cada aluno tem seu

espaço e tempo de aprendizagem, Stenhouse (1987 apud CONTRERAS, 2002) reconhece o

professor, também, como um “jardineiro”, que dá atenção singular a cada planta de seu

jardim, diferentemente do agricultor, que trata homogeneamente de um terreno todo.

Para esse autor, os professores têm de desenvolver continuamente ações e

experimentos movidos por indagações sistemáticas que tornem sua prática em algo

experimental. Noutras palavras, é importante que se torne um professor reflexivo

(STENHOUSE, 1985 apud CONTRERAS, 2002), que analise com autocrítica sua prática

cotidiana, seu conhecimento produzido em sua vida profissional, e que discuta seu valor.

Fundamentalmente, o professor reflexivo analisa, reflete, estuda e interpreta a sociedade em

que se insere, pois a prática reflexiva só tem sentido — como diz Zeichner (1995 apud

DICKEL, 1998, p. 42) — “[...] para os professores que desejam pensar sobre as dimensões

sociais e políticas da educação e do contexto em que ela se insere”. Ele compreende que a

possibilidade de melhorar depende de sua capacidade de refletir sobre sua experiência.

Todavia, quando o professor é lançado numa prática de ensino massivo nas escolas, o

que se pode dizer desse apelo à reflexão, à “arte” (de ensinar), ao crescimento da comunidade

escolar (discentes, docentes, gestores) e ao compromisso com a cidadania? Essa pergunta

pode se desdobrar em outras: quantas vezes, em sala de aula, à frente de 40, 45 alunos, o

professor não se sente só, sem saída, impotente, sem saber o que fazer ao se deparar com os

diversos desafios que surgem ali, quando o aluno o desafia? O que dizer de certa angústia que

acomete o professor quando ele percebe que pouco pode fazer com a situação econômica e

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social do aluno? Quantas vezes percebe o desespero no olhar e nas ações do aluno que perdeu

seu posto de trabalho, tão importante para a sobrevivência dele e de sua família? Quantas

vezes se depara com a violência em diversos níveis — por exemplo, dos pais que machucam

seus filhos? Quantas vezes o professor é ameaçado, velada ou diretamente, por não fazer as

vontades dos alunos? Quantas vezes escuta “que estilete para apontar lápis também

machuca”? É como se escola repetisse as ações da sociedade — na realidade, a escola compõe

a sociedade, e nela as desigualdades e contradições do dia-a-dia do se repetem.

Carvalho et al. (1998 p. 81) salienta “[...] a falta de limites dos(as) alunos(as):

muitos(os) não respeitam os direitos e diferenças dos outros personagens do ambiente escolar,

onde incluímos o(a) professor(a)”. Segundo esses autores:

As relações entre os diferentes atores estão mudando em decorrência das transformações ocorridas na sociedade, na estrutura e dinâmica familiar, nas relações de convivência e poder. Isso vem gerando, dentre outras conseqüências, sujeitos mais insatisfeitos e, muitas vezes, menos passivos, mais agressivos e violentos. (CARVALHO et al., 1998, p. 81).

Em razão de problemas econômicos e sociais, uma parcela significativa dos

professores tem desenvolvido um sentimento de medo dos alunos; ou seja, os alunos passaram a

intimidá-la e amedrontá-la. Trata-se de uma relação em que a comunicação — o diálogo — não

ocorre, daí surge a intolerância entre docentes e discentes. Para Carvalho et al. (1998, p. 82),

A falta de mecanismos que possam efetivamente arbitrar com justiça e imparcialidade as relações de convívio social tem dificultado o trabalho pedagógico. Sabemos, no entanto, que muitos(as) professores(as) tentam lidar com essas questões de convívio diário por meio de constantes negociações e renegociações com os estudantes. Mas isso acaba exigindo do docente dispêndio de muita energia.

Não é segredo que hoje, sobretudo nas camadas mais desprivilegiadas da população,

os jovens não têm opção de vida e seus pais estão sem trabalho ou em subempregos, que não

lhes permitem sustentar os filhos; a estrutura familiar — em processo de mudança — e a

proximidade com o tráfico de drogas atraem esses jovens para a marginalidade e a violência

urbana. A isso se acrescentam os referenciais de valores de quem os representa e os governa.

Se isso se reflete na estrutura social, então se reflete na escola. Brinhosa (2003, p. 39)

fundamenta essa afirmação ao dizer que a escola ajuda a reproduzir a ordem social

hegemônica pela distribuição regulada do capital cultural e a promover a violência simbólica

ao criar regras não faladas para o que pode ser enunciado ou percebido na escola, para o que

está presente na prática pedagógica. Em geral, os jovens chegam às salas de aula com uma

vivência, em parte, em famílias desestruturadas, e a escola se mantém idêntica, isto é, mantém

o conservadorismo social vigente. No dizer de Bourdieu e Passeron (1982, p. 207):

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Quando a cultura que a Escola tem objetivamente por função conservar, inculcar e consagrar tende a reduzir-se à relação com a cultura que se encontra investida de uma função social de distinção só pelo fato de que as condições de aquisição monopolizadas pelas classes dominantes, o conservadorismo pedagógico que, em sua forma extrema, não assinala outro fim ao sistema de ensino senão o de conservar-se idêntico a si mesmo, é o melhor aliado do conservadorismo social e político, já que, sob aparência de defender os interesses de um corpo particular e de autonomizar os fins de uma instituição particular, ele contribui, por seus efeitos diretos e indiretos, para a manutenção da “ordem social”.

Nesses termos, é plausível reconhecer a sala de aula como laboratório de

experiências do cotidiano docente que não acontecem superficialmente; também o é

questionar como ficam as dificuldades estruturais impostas a esse cotidiano e que dita sua

“lógica”, sobretudo, ao professor da escola pública? Apontamos a seguir alguns

complicadores — marcados pela escassez e pelo excesso:

• escassez de materiais pedagógicos para se elaborar uma aula mais interessante;

apenas com quadro-negro e giz à mão, o professor de fato “dá aula com cuspe e

giz”; ao elaborar uma aula, ao chegar à escola, ele não dispõe de recursos

pedagógicos e tecnológicos, pois na maioria das escolas públicas tais recursos

são poucos — por exemplo, um aparelho de tevê e um videocassete para 14

salas de aula ou computadores que só podem ser usados para aulas de

Computação;

• escassez de livros para pesquisa no acervo da biblioteca e falta de informatização

nesta;

• escassez de tempo provocada pelo excesso de trabalho, dificultando a leitura de

novas publicações educacionais;

• escassez de recursos financeiros, que impede os professores de adquirirem tais

publicações educacionais — muitos não conseguem comprar nem o jornal diário

para se atualizarem, por isso ficam sujeitos à falta de informação;

• excesso de atividades burocráticas para o professor realizar, as quais atropelam as

questões pedagógicas práticas que têm de entrar na ordem do dia;

• excesso de reuniões periódicas e obrigatórias, que teriam de ser aproveitadas para

se fazerem reflexões mais profundas sobre teorias e práticas pedagógicas, mas

que são usadas para transmissão de recados.

No momento em que a família tradicional se transforma, valores sociais assimilados

de uma geração mais antiga se modificam, professores de uma geração anterior questionam os

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valores dos jovens de hoje: o professor que está dentro da sala de aula se sente impotente e,

muitas vezes, percebe que explica um conteúdo para as paredes, numa sala completamente

vazia, embora tenha 50 alunos à sua frente. Esta situação de impotência angustia e aflige, pois

gera inércia, desânimo e resulta na prática do óbvio, do supérfluo. Para Contreras (2002, p.

155), na insatisfação dos professores:

[...] os sentimentos de responsabilidade conduzem ao isolamento e ao deslocamento da culpa para os contextos mais imediatos: os alunos, os colegas, o funcionamento da escola...Visto que a forma pela qual se encontra definido seu trabalho os isola da análise sobre o sentido do ensino e os fins pretendidos.

Segundo Contreras (2002, p. 155), os professores, “[...] em virtude das características

da instituição educacional e da forma pela qual nela se socializam, tendem a limitar seu

universo de ação e de reflexão à sala de aula”. Com efeito, pode-se dizer que a maioria dos

professores das escolas públicas do Brasil se sente sozinha; a própria arquitetura e o desenho da

escola atual isolam o professor, mesmo estando ele num espaço onde circulam e convivem

centenas de pessoas diariamente; a solidão corrói suas entranhas, machuca sua alma; e esse ser

solitário, aos poucos, perde sua garra e vontade de lutar, torna-se apático, incapaz de ver sentido

no que faz, preso que está às ações cotidianas. Hoje esse professor angustiado e triste se

preocupa em resolver problemas típicos da sala de aula: indisciplina, desinteresse e outros.

Nesse emaranhado de problemas, passado, presente e futuro se imbricam no que

chamamos aqui de “travessia”: reinvenção da prática pedagógica cotidiana, compreensão da

caminhada que a escola faz do tradicional para um novo tempo, de paradigmas no marco de

seu tempo-espaço. Pela dimensão dos desafios, o futuro ainda não está presente no presente

do cotidiano escolar. As saídas são complexas e não estão nos receituários que inundam um

mercado fácil de uma “pedagogia farmacológica” à base de “flor de laranjeira”, visíveis em

eventos, livrarias e na internet.

Para Contreras (2002, p. 155), “[...] a mera reflexão sobre o trabalho do professor

em classe pode ser insuficiente para elaborar uma compreensão teórica sobre aqueles

elementos que condicionam sua prática profissional”. Assim, a escola que quer mudar, voltar-

se ao novo milênio, modificar-se para acompanhar o novo ritmo de vida e enfrentar os

desafios que se impõem tem de se transformar; e a transformação requer do profissional da

educação, mais que reflexão sobre sua prática diária, análise das condições estruturais do

ensino, da relação entre escola e sociedade, das políticas educacionais (nas quais ele tem de

interferir pela via dos movimentos sociais) e de sua profissão (professor no contexto social e

em relação a outras profissões de formação acadêmica).

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Entretanto, o professor que não se sentir profissional — e sim “missionário” — não

conseguirá atingir os efeitos desejados por uma postura reflexiva, ativa e crítica, pois assim

como os alunos são atingido pelas condições sociais, ele também é atingido. Quanto ao

professor da escola pública — enfocado aqui —, ele necessita se sentir operário, trabalhador,

para que, num patamar social de igualdade, possa refletir em conjunto com a comunidade

sobre as causas e conseqüências dos problemas educacionais: excesso de alunos em sala e

falta de material; proletarização do profissional da educação e dos cidadãos etc. Para isso,

Contreras (2002, p. 157) defende que os professores têm de questionar

[...] criticamente sua concepção da sociedade, da escola e do ensino, o que significa não só assumirem a responsabilidade pela construção e utilização do conhecimento teórico, mas também terem o compromisso de transformação do pensamento e da prática dominantes. (CONTRERAS, 2002, p. 157).

Nesse profissional da educação, Giroux (1997, p. 161) reconhece um intelectual

transformador, categoria que

Primeiramente [...] oferece uma base teórica para examinar-se a atividade docente como forma trabalho intelectual, em contraste com sua definição em termos puramente instrumentais ou técnicos. Em segundo lugar, ela esclarece os tipos de condições ideológicas e práticas necessárias para que os professores funcionem como intelectuais. Em terceiro lugar, ela ajuda a esclarecer o papel que os professores desempenham na produção e legitimação de interesses políticos, econômicos e sociais variados através das pedagogias por eles endossadas e utilizadas.

Disso se pode depreender que, de início, o professor se apropria do conhecimento

produzido pelos pesquisadores, mesmo que só no âmbito de sua disciplina específica, como

diz Contreras (2002). Nesses termos, os professores do ensino fundamental consomem o

conhecimento produzido pelos detentores do status de profissional no ensino: acadêmicos e

pesquisadores universitários. Assim, quando aplicam tal conhecimento, procurando

transformá-lo em saber escolar, selecionam-no, delimitam-no e reelaboram-no para a sala de

aula, produzindo uma prática minimamente reflexiva, portanto intelectual. Em tese, também

estarão reorganizando o conhecimento sobre o que acontece no mundo atual, comparando o

conhecimento com o dia-a-dia do aluno.

Acrescente-se que, quando relaciona o conhecimento com a atualidade, o

professor como o concebe Giroux (1990 apud CONTRERAS, 2002) desenvolve uma

compreensão das circunstâncias em que ocorre o ensino e desenvolve bases para a

crítica e transformação das práticas sociais constituídas em torno da escola. Quando

esse professor discute, analisa e interpreta, com seus alunos, não só o conhecimento em

si, mas também a sociedade, as relações e inter-relações entre conhecimento, vida do

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aluno e sua “globalidade”, desenvolve o pensamento crítico e transformador nos jovens

e, pelo menos em parte, desempenha uma pedagogia política e social inerente à sua

ação.

Como antecipação de um futuro que necessitamos como utopia no momento

em que se discute a salvação do planeta — destruído em parte pela modernidade —,

do ponto de vista da construção de um núcleo de conhecimento deveras emancipador

fala-se na necessidade de uma “ecologia cognitiva”. Noutros termos, fala-se de

“limpar” da escola (da sala de aulas ou de espaços aprendentes similares ou

alternativos) o “lixo” inútil como estratégia de construção da existência dos sujeitos

envolvidos na educação escolar, inclusive o “receituário” de um mercado do

conhecimento e seus respectivos valores de troca numa sociedade globalizada e

marcada pelo pragmatismo.

O cuidado com a Gaia — a mãe Terra — começa com essa limpeza do “entulho” de

conhecimentos fragmentados de que a própria escola se tornou depositária e da

conscientização do porquê disso. No dizer de Moraes (1997, p. 219), a educação para um

novo mundo:

Requer uma nova ecologia cognitiva traduzida em novos ambientes de aprendizagem, que privilegiem a circulação de informações, a construção do conhecimento, o desenvolvimento da compreensão e, se possível, o alcance da sabedoria objetivada pela evolução da consciência individual e coletiva. É pela prática reflexiva da construção do conhecimento, do ciclo que envolve os processos de descrição-execução-reflexão-depuração, que poderemos alcançar níveis mais elevados de consciência e desenvolvimento humano.

Nesses termos, o professor basicamente deixará de ser um profissional ainda

cooptado no velho “tradicionalismo”, de só acompanhar modelos de aulas que vêem prontas e

acabadas nos livros didáticos e de exigir memorizações sem sentido.

2.4 Um novo tempo

Estamos no século XXI, novo milênio, e são claros o descuido e o descaso que o

homem tem pelo planeta; é nítida a falta de cuidado com tudo e todos que o cercam. A

devastação ambiental com todos os prejuízos que o planeta tem sofrido mostra a necessidade

de modificarmos a forma de viver no mundo, sob pena de chegarmos a um caos já anunciado

ou antecipado (derretimento das placas polares, aumento da desertificação nas regiões

tropicais, desmatamento da Amazônia etc.).

Segundo Moraes (1997, p. 173),

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A crise atual não é uma crise pertinente a um indivíduo, a uma sociedade, mas, sim, uma crise de dimensões planetárias que requer uma profunda mudança na nossa forma de perceber e compreender o mundo, nas relações e nas inter-relações entre os diversos organismos que habitam este planeta. [...] Uma revisão de nossos valores, nossos hábitos, nossas atitudes e nossos estilos de vida, na tentativa de criar um meio ambiente físico, mental e espiritual mais saudável. [...] É preciso uma revisão dos princípios éticos responsáveis pela intermediação das relações interpessoais e sociais; é preciso repensar o modelo de sociedade que impera no mundo.

E o que a educação, sobretudo a escolar, tem que ver com isso?

Ora, não temos nem podemos ter o direito de pensar que a escola esteja alheia a

questões sociais, aos riscos a que a natureza está exposta, ao futuro do planeta. Pelo

menos em tese, essa escola “de costas para o mundo” não existe mais. Ela precisa se

voltar ao mundo atual e repensar na sociedade do futuro; ser “[...] uma escola do nosso

tempo, janela aberta para o presente e para o futuro, onde se viva a utopia que permite

criar e recriar, sem contudo perder a razoabilidade e a estabilidade” (ALARCÃO, 2001, p.

13); interligar os vários espaços: o natural — a condição física; o social — a condição

humana; e o mental — a condição espiritual —, de modo que (n)eles (se) produzam

conhecimento e relações de afeto e humanidade. A “democracia interna” da escola sem

enfrentamento dos problemas internos e dos problemas externos vira retórica ou

conhecimentos adormecidos em livros didáticos.

Individualmente, o professor que se encontra em situações complexas, por

necessidade, reflete sobre sua prática para modificar e resolver sua situação problemática. De

início, identifica e delimita o problema e, mesmo emocionalmente envolvido, considera e

reconsidera possibilidades; a seguir, após reconsiderar as possibilidades, busca o porquê, isto

é, as causas. Ao encontrá-las, pode encontrar soluções e tomar decisões, na “[...] construção

de um conhecimento profissional contextualizado e sistematizado numa dinâmica interativa

permanente entre a ação e o pensamento ou a reflexão” (BRZEZINSKI, 2001, p. 70).

Moraes (1997, p. 95) aprofunda esse pensamento quando reconhece que, partindo da

visão de contexto e da compreensão de suas influências sobre os outros,

[...] o homem vai construindo e reconstruindo o seu mundo, de acordo com as relações estabelecidas. Cria, recria e decide. Acrescenta algo de inovador. Gera construções coletivas. Torna-se sujeito histórico. Faz cultura. Colabora com a evolução da humanidade.

Dessa forma, o professor deixa de reproduzir o sistema — o que a sociedade exige — para

criar e recriar sobre sua própria prática e conhecimento, apresentando uma atitude

investigativa e permanente, identificando problemas, analisando-os, criticando-os e

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procurando soluções. Eis por que é importante o professor pensar, analisar e discutir sua

prática cotidiana com seus pares.

Como já afirmamos, a escola é um espaço diverso, heterogêneo, com muitos problemas

e onde as relações humanas se tornam difíceis. Cada escola tem uma comunidade escolar com

características próprias, diferentes entre si. Mais uma vez, cumpre ressaltar que é necessário que a

escola que se deseja modificada, voltada ao jovem da atualidade tem de se comprometer com a

realidade social, política, econômica e com a transformação social, reflexiva e emancipadora —

como afirma Brzezinski (2001, p. 65): “[...] a escola que se quer reflexiva e emancipadora é

também uma escola vivida cotidianamente, dimensionada em seu projeto político-pedagógico-

curricular, entendido aqui como elemento de organização do processo educacional que nela

ocorre”; tudo isso acima dos problemas de relações humanas interpessoais.

No dizer de Moraes (1997, p. 215), “[...] a prática reflexiva concebe o conhecimento como

processo de vir-a-ser, o que difere do modelo de racionalidade técnica que está mais atento ao

resultado obtido do que à forma de estruturar o problema, o processo de raciocínio desenvolvido”.

Para uma reflexão profícua, ao professor cabe estudar seu cotidiano, pois o cotidiano escolar não é

um lugar qualquer, um “lugar comum”, e sim um espaço cheio de possibilidades à espera de

compreensão e intervenção crítico-reflexiva e prática do professor. Na escola ocorrem relações

heterogêneas, assim como enfrentamentos, dada a diversidade de interesses. A instituição escolar, em sua ambigüidade intrínseca, vive um cotidiano repleto de contradições, conflitos e lutas internas pelo domínio do poder e do saber. Hoje, na sociedade do conhecimento e também na escola, vive-se em tempos de incertezas e rápidas mudanças notadamente no que diz respeito às informações. Vista sob essa perspectiva, a escola é uma instituição dinâmica de quem a sociedade exige respostas (criações). Em face dessas exigências, para as quais muitas vezes a escola não tem soluções, o que gera conflito, não é suficiente contar com professores reflexivos que constroem conhecimento individualmente em seu cotidiano escolar. (BRZEZINSKI, 2001, p. 70).

Transformar e solucionar conflitos requer que escola forme uma consciência coletiva. No

entender de Brzezinski (2001, p. 70), “[...] não é suficiente contar com professores reflexivos que

constroem conhecimento individualmente em seu cotidiano escolar”; é preciso construir uma

reflexão sobre a prática da e na escola embasada nessa consciência. Para isso, investimentos na

formação continuada de professores são cruciais; tal formação precisa sair da mera “atualização de

conhecimentos” e ser coletiva: a continuidade dos estudos, a ampliação de conhecimentos sobre

conteúdos específicos, aliadas à formação pedagógica permanente e continuada, têm de ser em

conjunto, entre colegas de uma mesma escola, cujos problemas são os mesmos — problemas que

nascem da escola, de seu cotidiano e não estão prioritária nem exclusivamente nos livros, embora os

pedagogos os estudem e os fundamentem. Aos estudarem juntos os problemas, os professores

encontrarão, juntos, soluções possíveis.

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Como ação coletiva, a reflexão é importante para o crescimento e a transformação da

comunidade escolar, mas desde que relacionada com o cotidiano e a realidade da escola. A

reflexão coletiva supre as necessidades reais da escola, das questões levantadas pela comunidade

escolar; e as resoluções e análises provenientes dela serão de interesse escolar coletivo. Segundo

Moraes (1997, p. 215), “[...] a pedagogia reflexiva pressupõe uma educação voltada para a

qualidade do pensamento superior que está sendo gerado e, em decorrência, para a qualidade do

conhecimento que está sendo produzido, transformado e aplicado no pensamento”. Por isso, cabe

ao professor avançar em seus conhecimentos e sua prática pedagógica, pois seu trabalho está

ligado a crianças e jovens, o que representa e envolve a melhoria social. Ele é o “[...] profissional

que, ao optar pela luta (que é fundamentalmente) coletiva por alternativas viáveis e

comprometidas com a especificidade e o valor do trabalho docente e com uma educação [...]

[pode fomentar] nas crianças a potencialidade de inventar e lançar as bases de um mundo

diferente” (ZEICHNER, 1995 apud DICKEL, 1998, p. 41–2).

Os conhecimentos serão construídos em conjunto, pelo confronto de idéias e

pensamentos entre os professores para resolverem os problemas. Buscar energia, força e

confiança para que a compreensão de um professor auxilie a entender as ações do outro requer

que os docentes trabalhem, estudem, observem, analisem, interpretem os problemas surgidos

na escola e, sobretudo, encontrem soluções em equipe.

Nessa reflexão coletiva, a reflexão inicial tem de ser individual para só depois ser

grupal. Convém dizer, a análise conjunta não é pacífica nem homogênea: ela supõe embate de

opiniões divergentes e conflitantes, algumas vezes de solução coletiva difícil; mas mesmo

com divergências internas, o grupo tem de caminhar uno para chegar a soluções coletivas.

Brzezinski (2001, p. 71) reitera esse esclarecimento:

É preciso ter clareza de que a formação dessa consciência coletiva é um processo histórico que impulsiona a transformação da ação-reflexão-criação individuais para a ação-reflexão-criação coletivas, em um contexto determinado onde há embates de idéias convergentes e divergentes. Por certo, a organização escolar consiste em um desses contextos.

Esse trabalho coletivo pode transformar positivamente as ações escolares e, assim,

proporcionar a travessia da comunidade escolar rumo ao paradigma do século XXI.

[O] Coletivo pode mudar o pensamento de seu papel social próprio e o dos outros, mediante uma ação formadora, educativa e transformadora. Passar dos enunciados de dificuldades à construção de possibilidades, além de ser um processo formativo, constitui-se um processo de compreensão da realidade, reflexão sobre a mesma, estudo de outras experiências e, na maioria dos casos de mudança de pensamento, o que implica também a mudança de atitude, postura diante do coletivo. (ALVARADO PRADA, 2005, p. 7).

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Além de o professor deixar de ser solitário, individual e caminhar rumo ao coletivo em

sua práxis pedagógica, a escola tem de promover transformações internas para fazer sua

travessia. “[...] a escola é uma organização em desenvolvimento e em aprendizagem que, à

semelhança dos seres humanos, aprende e desenvolve-se em interação” (ALARCÃO, 2001, p. 27),

por isso é importante haver comunicação e interação no interior e preciso que essas ações se

estendam ao universo extramuros. Dito de outro modo, é preciso trazer esse universo aos

corredores, às salas de aula, ao pátio e à área de lazer para que o discente se conscientize de que

a sociedade tem problemas, sobretudo sua divisão — desigual — em classes, em que só uma

minoria mantém em seu poder a maioria dos bens econômicos, por isso mantém a ordem

vigente, na qual se situa a escola pública; para que ele perceba que há relações e inter-relações

entre o local e o global: se o global intervém no local, o inverso pode ocorrer. Conforme Santos

(2000, p. 114), na base da sociedade se produz um pragmatismo mesclado com emoção, um

modo de insurreição relativo à globalização: eis o local interferindo no global; eis a escola

transformando o individualismo em coletivo, levando a comunidade escolar a perceber que,

unidos, todos podem começar a promover pequenas realizações que intervenham no global.

Assim, é responsabilidade social o homem se compreender como causa e efeito e educar para a

cidadania global, preparar o jovem para ser contemporâneo de si mesmo.

A escola — diz Alarcão (2001, p. 18) — “[...] tem a função de preparar cidadãos, mas

não pode ser pensada apenas como tempo de preparação para a vida. Ela é a própria vida, um

local de vivência da cidadania”. Ela é mais que trazer o mundo para a escola: é perceber que a

escola é a própria vida, a própria pulsação da sociedade em suas contradições, que acontecem

pela existência de ações e do aprender a viver e conviver nesse espaço, nesta sociedade e neste

mundo. Mais que isso, ela pode refletir sobre si; basta desenvolver um projeto político

pedagógico cujo trajeto seja delimitado pela comunidade escolar: docentes, discentes, pais,

gestores e demais membros. Nesses termos, dada a consciência de que cada escola tem sua

especificidade “[...] na ecologia de sua comunidade interna e externa, assume-se hoje que cada

escola desenvolva o seu próprio projeto educativo” (ALARCÃO, 2001, p. 21).

Dito isso, a fim de entender a transformação como processo global para atender ao

jovem do século XXI, analisaremos a Escola Estadual Nossa Senhora da Abadia, em Uberaba

(MG), na tentativa de ver se ela se transforma política e pedagogicamente para suprir a

demanda dos novos aprendizes e se tem uma experiência de gestão democrática que resulte

numa escola onde professores, alunos e comunidade escolar em geral têm autonomia. Tal

análise se apóia na leitura do projeto político-pedagógico dessa escola.

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3 PROJETO E EXPERIÊNCIA DE UMA GESTÃO DEMOCRÁTICA DA

“ESCOLA CIDADÔ

Este capítulo faz uma análise documental e um histórico da Escola Estadual Nossa

Senhora da Abadia desde sua fundação, identificando a filosofia norteadora de seu trabalho

docente: o “Aprenda a Ser”, que se desdobra no projeto da Escola Cidadã. Também enfoca a

elaboração, a importância e as propostas de seu projeto político-pedagógico mais recente e a

implantação do projeto Escolas-Referência.

3.1 Concepção de escola cidadã

Enquanto a escola pública brasileira, sobretudo nos anos de 1980, entrava em

crise, com a proletarização do profissional da educação e o enfraquecimento da educação

escolar oferecida aos alunos em geral, educadores brasileiros como Moacir Gadotti,

Paulo Freire, Ilma Passos Alencastro Veiga e outros iniciaram um movimento de

renovação escolar que culminou no projeto Escola Cidadã. Segundo Gadotti (2000), toda

escola pode ser cidadã, desde que desenvolva a concepção de educação orientada para a

formação da cidadania ativa e o desenvolvimento. A educação que cria espaço para o

aprender a viver e conviver em sociedade, ou seja, conviver com as diferenças e respeitá-

las, transforma-se num processo dinâmico e vivo que democratiza o espaço escolar. Para

esse autor, a escola que se identifica com o projeto Escola Cidadã deve seguir alguns

caminhos: definir seu próprio projeto político-pedagógico, viabilizar a participação

comunitária na gestão colegiada da escola, conduzir a formação para a cidadania e lutar

contra a discriminação.

Nesse sentido, Martins (1998, p. 50) afirma: “[...] a educação como instrumento

social básico é que possibilita ao indivíduo a transposição da marginalidade para a

materialidade da cidadania, não é possível pensar sua conquista sem educação”. O

resultado dessa educação pode ser uma escola que promova reflexões em sua comunidade

(alunos, professores, gestores, serviços gerais, pais) para haver transformação do

pensamento quanto ao tipo de sociedade em que se vive e o estilo de vida; produza um

olhar para o mundo em que essa comunidade se insere; eduque para a formação da

cidadania e desenvolva um pensamento contra a opressão, a desigualdade e a

diferenciação. Essa educação é especialmente necessária no Brasil atual, onde praticar

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cidadania é difícil, sobretudo na escola pública, e onde a questão se complica mais por

causa dos problemas socioeconômicos que afetam os jovens e os professores. A

sociedade tem impasses de solução difícil, pois os problemas vigentes — baixos salários,

absorção do tempo integral do trabalhador, exigência de capacitação contínua versus falta

de condições de executá-la — acometem a população em geral, dificultando a construção

da cidadania plena.

Martins (1998, p. 54) afirma que:

A vigência da cidadania requer a consciência clara sobre o papel da educação e as novas exigências colocadas para a escola que, como instituição para o ensino — a educação formal —, pode ser um lócus excelente para a construção da cidadania. Uma escola autônoma e de qualidade, em que o saber veiculado oportunize a todos a capacidade de exercê-la com dignidade.

Martins (1998, p. 49–50) reconhece que o sistema de ensino brasileiro tem espaço

para a educação cidadã: “[...] educação como um dos principais instrumentos de formação de

cidadania, sendo esta entendida como a concretização dos direitos que permitem ao indivíduo

sua inserção na sociedade”.

A educação como instrumento social básico é que possibilita ao indivíduo a transposição da marginalidade para a materialidade da cidadania, não é possível pensar sua conquista sem educação. Educar, nessa perspectiva, é entender que direitos humanos e cidadania significam prática de vida em todas as instâncias de convívio social dos indivíduos: na família, na escola, na igreja, no conjunto da sociedade. (MARTINS, 1998, p. 50).

Para essa autora, a cidadania é uma idéia em expansão e que supõe educar pessoas

que se comprometam com a vida, com o respeito ao próximo e vivam em sociedade. Todavia,

ela reconhece, também, que no espaço dessa educação está o ordenamento retórico, traduzido

em objetivo central nas propostas oficiais das secretarias de Educação.

Dos problemas que afetam a educação — aponta Romão (2002) —, o mais sério

é universalizar a educação básica de qualidade e dar consistência às novas matrizes

teóricas para indicar caminhos seguros numa época de transformações profundas e

rápidas. Para esse autor, a educação para o futuro tem de contestar e superar os limites

impostos pelo Estado e pelo mercado — numa palavra, tem de transformar socialmente.

A escola que conseguir construir uma cidadania ativa e educar para o desenvolvimento

como projeto político-pedagógico caminhará rumo à construção de outra sociedade:

mais humana e melhor.

Nessa perspectiva, a Escola Estadual Nossa Senhora da Abadia, desde sua fundação,

busca desenvolver uma educação plena como alternativa de luta pela autonomia, com gestão

democrática e proposta de ensino de qualidade para todos, para a cidadania.

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3.2 Apontamentos históricos

A Escola nasceu do esforço de Maria de Lourdes Melo Prais, a Dedê: educadora que

norteou seu trabalho político-pedagógico. Nos anos de 1960, numa casa velha à rua São Sebastião,

centro de Uberaba (MG), foi criado o Ginásio Nossa Senhora d’Abadia, cuja primeira diretora

foi Dedê. As condições físicas do colégio eram precárias — por exemplo, carteiras e cadeiras

vieram de outras escolas. Mesmo que o sonho e a vontade de trabalhar dos professores fossem

superiores às dificuldades, tão logo a escola começou a funcionar, surgiu o primeiro grande

problema: a Secretaria Estadual de Educação não pagava o aluguel do prédio. Os professores,

com salários minguados, de início honraram seu compromisso até não conseguirem mais.

A escola foi, então, transferida para dependências nos fundos da Igreja Nossa S. da

Abadia, cedidas pelo pároco, padre Ângelo. O número de alunos aumentou, a escola cresceu,

mas o local ainda era precário: algumas salas de aula com carteiras, cadeiras e utensílios velhos.

Outro prédio era preciso. Mas a burocracia e o desalento das autoridades constituídas da época

imperavam. Assim, foi necessária ousadia e luta incansável da diretora, que não mediu esforços

para vencer obstáculos e consolidar sua comunidade escolar. O sonho do prédio novo se

realizou em 2 de maio de 1972, data de inauguração da Escola Estadual Nossa Senhora da

Abadia, na rua Dr. Ludovice, 815, bairro da Abadia. Desde então, a escola tem 14 salas de

aulas, biblioteca, sala de vídeo e quadra de esportes, numa área de 14 mil metros quadrados,

com área verde que permite aos alunos terem contato com a natureza, dada a variedade de

espécies de plantas.

A escola é licenciada para atender ao ensino fundamental e médio — hoje atende da

5ª série do ensino fundamental ao 3º ano do ensino médio, nos turnos matutino, vespertino e

noturno. Conforme seu projeto político-pedagógico, a escola acompanha os ideais

renovadores da perspectiva freireana do movimento da Escola Cidadã, constituindo marco

contínuo da revitalização da prática político-pedagógica. Sua filosofia é “Aprenda a ser”:

O que caracteriza a “Escola do Aprenda a Ser” é a formação do SER DE HUMANIDADE PLENA, ou seja, a preocupação com a oferta de condições propícias para o desenvolvimento do aluno em todas as suas dimensões. Assumindo-se como permanente aprendiz e autor de sua própria construção, o aluno se desenvolve como ser de conhecimento (leitor e intérprete arguto da realidade); como ser de competências (autor e ator criativo de alternativas face às diferentes demandas de transformações sociais); ser-de-convivência-solidária (humanizador das relações interpessoais, ambientais e culturais); enfim, SER DE HUMANIDADE PLENA (eticamente atuante na construção de uma sociedade mais digna, justa, amorosa e feliz). (ESCOLA ESTADUAL NOSSA SENHORA DA ABADIA/EENSA, 2005, p. 2).

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FIGURA 1. Jardim da escola em 2006 Fonte: nosso acervo

FIGURA 2. Outra parte do jardim já desenvolvido — 2007 Fonte: nosso acervo

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Nesse sentido, a escola cresceu, desenvolveu-se e passou a formar os jovens que a

procuram a fim de estudar para viver em sociedade, conforme sua filosofia.

3.3 Implantação do projeto Escolas-Referência na escola: nos limites de uma política de Estado

As políticas para melhorar a aprendizagem nas escolas públicas revelam que, em geral,

ao chegar ao poder, cada governo inova, cria e desenvolve projetos, alguns com certo sucesso,

outros que ficam no papel. Dos muitos projetos, destacam-se o Veredas, o Escola Sagarana, o

Programa de Capacitação de Pessoal (PROCAP), o Projeto Pedagógico para a Reformulação do

Ensino Médio (Promédio) e o Programa Prociências. Muitos pararam, pois cada novo governo

não leva adiante programas dos antecessores. Quando chegam à escola e começam uma

transformação, são interrompidos com o término do governo.

3.3.1 Projeto Escolas-Referência segundo a Secretaria de Educação de Minas Gerais

Nos últimos anos, a comunidade escolar, sobretudo professores da rede pública de

Minas Gerais, em suas reivindicações via movimentos sindicais, exigiu melhorias no ensino

público. Em Minas, segundo a Secretaria de Educação (MINAS GERAIS, 2006c, p. 23) “[...]

as escolas estaduais [...] asseguram educação básica a 2,6 milhões de alunos na educação

básica, dos quais 830 mil estão no ensino médio. São 3,9 mil escolas, distribuídas por 853

municípios, compreendendo aproximadamente, 150 mil educadores”. Para melhorar a escola

pública, o primeiro governo de Aécio Neves (2002–06) iniciou a implantação do projeto

Escolas-Referência, cujo compromisso era construir uma escola de excelência para todos.

Todavia, só 223 escolas experimentam o projeto esperando melhorias (FIG. 3).

FIGURA 3. Escolas-Referência: distribuição nos municípios mineiros — indicados pela cor laranja Fonte: Minas Gerais, 2006.

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Para o sindicato dos professores da rede pública de Minas (SINDICATO ÚNICO DOS

TRABALHADORES DE MINAS GERAIS/SIND-UTE, 2005, s. p.),

Mesmo sabendo que esses programas que surgem a cada governo nunca têm continuidade assegurada e que muito pouco é modificado no cotidiano nas escolas temos como responsabilidade “agarrar” todos os possíveis projetos e propostas que, teoricamente, almejem garantir uma educação pública de qualidade.

O programa Escolas-Referência teve duas vertentes: uma, o Plano de

Desenvolvimento Pedagógico Institucional (PDPI), de responsabilidade de toda a comunidade

escolar e destinado a modificar o projeto político-pedagógico da escola; outra, o Grupo de

Desenvolvimento Profissional (GDP), específico para os professores e que, em princípio,

objetiva promover o crescimento e o desenvolvimento profissional pela formação continuada

em serviço.

A primeira tarefa executada, em 2004, foi a elaboração do Currículo Básico Comum

(CBC) para a rede estadual de ensino, democraticamente e conforme a realidade da escola, do

professor e dos alunos. Segundo o “Novo plano curricular ensino médio”,

O que aqui se persegue é a produção de um desenho de escola que cumpra o papel de continuidade formativa do ser humano, no caso dos jovens, e de seu desenvolvimento, aqui incluindo formação ética, profissional, científica e técnica, todas necessárias à formação do jovem como cidadão. E que seja demarcada a convicção de que tais desenvolvimentos se submetam à idéia de desenvolvimento humano como pressuposto e suporte para qualquer projeto educativo. (MINAS GERAIS, 2006c, p. 5).

A proposta aponta uma nova forma de pensar na educação escolar: preparar o jovem

não só para os vestibulares ou o mercado de trabalho. Afinal, as exigências da escola hoje são

bem maiores, conforme Paro (2002b), que aponta a importância da escola na sociedade atual,

pois se apresenta como instrumento de ascensão social, mesmo como valor para a sociedade

capitalista. Ante a pressão e reivindicação da população, o Estado passa a fornecer educação a

todos, mas sua escola reproduz a ideologia dominante e fica sob sua tutela para que ele

garanta a hegemonia da classe que representa.

Não obstante a presença, aí, de elementos coercitivos — que se revelam na própria prerrogativa do Estado em estabelecer normas para o ensino: determinando a composição de currículos e programas, a organização administrativa da escola e do ensino em geral etc. —, tais elementos visam a garantir essa ascendência do Estado sobre a escola precisamente para que ela cumpra seu papel caracteristicamente persuasivo. (PARO, 2002b, p. 112).

Para a Secretaria de Educação de Minas, o ensino tem que ver com mudanças nos

alunos pela aprendizagem: é preciso fortalecer a participação discente nos processos

educacionais, pois eles não podem ser considerados — embora em geral o sejam — como

simples destinatários da ação educacional. Para a secretaria, o que o aluno pode aprender

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depende do momento, das características e do contexto em que se desenvolve e aprende. Daí a

necessidade de mudanças nas concepções, atitudes e práticas docentes, para que os

professores se tornem capazes de selecionar os conteúdos “necessários” e criar condições

“enriquecedoras” para a aprendizagem discente.

O projeto Escolas-Referência pressupôs a escolha de algumas escolas da rede

estadual. Segundo a secretaria, o projeto “[...] reúne escolas que, pelo trabalho que já

realizaram ou que ainda vêm realizando, lograram alcançar o reconhecimento da comunidade

que atuam” (MINAS GERAIS, 2006c, p. 20). Os critérios de seleção foram o número de

alunos atendidos, a tradição e as ações de destaque na comunidade. De início, foram

selecionadas 220 escolas, ou seja, mais de 350 mil alunos em mais de 100 municípios,

abrangendo 65% da população (MINAS GERAIS, 2006c). Ainda segundo a secretaria, “[...]

cada uma das escolas convidadas escolheu outra, como associada, com a finalidade de

estender os benefícios do projeto, as boas idéias e práticas educativas a um número maior de

escolas e de alunos” (MINAS GERAIS, 2006c, p. 20).

O compromisso do Projeto Escolas-Referência é com o ideal da construção de uma escola pública de excelência para todos. O desafio é tornar a escola pública capaz de assegurar a todos o direito constitucional à educação, entendido não apenas como o direito de acesso e permanência na escola, mas também como a garantia das condições formadoras necessárias à construção dos instrumentos de conhecimento indispensáveis à compreensão e atuação sobre a realidade. (MINAS GERAIS, 2006c, p. 20).

O desejo e desafio de Minas Gerais com esse projeto são recuperar a qualidade e

tradição das escolas estaduais num contexto atual, acompanhando a evolução das tecnologias,

e transformar as escolas bem-sucedidas no atendimento a todos os alunos que dela

necessitam, promovendo uma educação que supra as necessidades do mundo globalizado.

Segundo a secretaria, essa escola de qualidade terá de se estender a todas as escolas estaduais,

por isso o programa foi criado. As escolas escolhidas serão pontos de apoio e pólos

irradiadores e disseminadores dos projetos da secretaria.

É uma estratégia da SEE para estender a todas as demais escolas os benefícios das iniciativas transformadoras que a educação pública mineira requer. Sem o suporte das Escolas-Referência, sem o apoio logístico que elas podem oferecer, torna-se quase impossível promover mudanças significativas em toda a rede de ensino, devido às suas dimensões e diversidade. (MINAS GERAIS, 2006c, p. 21).

As Escolas-Referência e as associadas foram recuperadas/ampliadas nos dois últimos

anos graças a investimentos financeiros na infra-estrutura e em equipamentos e materiais

didáticos. Mas o importante é o ser humano, daí ser necessário destacar a aprendizagem, e não

os métodos de ensino. “A diversidade é mais rica e frutífera que a padronização e a

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uniformidade; [...] a escola, para ser um importante centro de ensino, deve se tornar, antes,

uma instituição que aprende com sua própria experiência.” (MINAS GERAIS, 2006c, p. 21)

A aceitação no programa supôs que cada escola assumisse compromissos, tais

como: que seus diretores participassem de exames de certificação da Secretaria de

Educação; os professores fossem habilitados para o exercício do magistério; cada escola-

referência assumisse a tarefa de capacitar os professores de sua escola associada; todas

participassem de promoções e eventos para distinguir a qualidade do trabalho que

realizam, a exemplo do Prêmio Nacional de Gestão Escolar, da Olimpíada Brasileira de

Matemática das Escolas Públicas etc., mantivessem atualizada e preservada a

documentação escolar, estimulassem a participação da comunidade na vida da escola,

mantivessem ativos os colegiados escolares, desenvolvessem projetos de estímulo à ação

empreendedora dos alunos, adotassem o plano curricular com alternativas e projetos

diversificados, desenvolvessem talentos, atendessem à expectativa, aos interesses e às

necessidades dos alunos, e iniciassem, em 2006, a implantação do novo plano curricular

para o primeiro ano do ensino médio.

Para se tornarem pólos irradiadores, pontos de apoio dos projetos da secretaria e

terem condições de promover e desenvolver esses compromissos, as escolas-referência

tiveram de ser preparadas. A princípio, houve elaboração e implantação do PDPI. Segundo a

secretaria, o PDPI de cada escola

Deve expressar os compromissos básicos dos gestores educacionais, dos educadores e de toda a comunidade em relação à escola. Deve traduzir as expectativas e anseios da comunidade escolar em relação à escola e deve tornar explícitas as necessidades e demandas da instituição, no limite das possibilidades estabelecidas pela SEE. (MINAS GERAIS, 2006c, p. 21).

Nesse sentido, as escolas-referência têm de delimitar, em seu projeto político-pedagógico,

o que desejam e seus objetivos; também é necessário que a secretaria apóie os anseios e

projetos dessas escolas para que se tornem referência para as demais. Convém ressaltar:

das escolas convidadas a participar do programa, algumas não aceitaram, pois todas

tiveram o direito de recusar; outras abandonaram o projeto no desenrolar das atividades

propostas.

A segunda vertente do projeto Escolas-Referência é específico para os professores: é

o GDP, que, em princípio, objetiva promover o desenvolvimento profissional dos professores

e, também, desdobra-se em duas vertentes: uma relativa ao conhecimento; outra, à pedagogia.

A Secretaria de Educação,

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Em relação ao conhecimento, considera que mudanças efetivas nos educadores requerem o reconhecimento de que ampliar conhecimentos não se reduz ao incremento quantitativo de saberes. O educador deve compreender que os conhecimentos devem ampliar a capacidade analítica, crítica e prática de quem os possui e que tais conhecimentos são passíveis de questionamentos, de aperfeiçoamento e de reformulação. Novos conhecimentos cooperam para superar desafios colocados aos educadores e, ao mesmo tempo, abrem perspectivas para que novos desafios sejam colocados. Quanto mais conhecemos, mais identificamos zonas obscuras à espera de esclarecimento. Por isso, os saberes, além de jamais constituírem produtos acabados, não podem se restringir ao conjunto do que um indivíduo, isoladamente pode abarcar: os conhecimentos postulam a reflexão compartilhada, a cooperatividade e o contínuo refletir sobre a experiência vivida pelos educadores em suas práticas educacionais. (MINAS GERAIS, 2006e, p. 1).

A secretaria destaca que o GDP é autogerenciado e define, de forma participativa, o

conteúdo formativo de seu plano anual de estudos. Em 2004, as atividades corresponderam a

150 horas extra-aulas, voltadas, sobretudo, à elaboração do projeto comum — o CBC, isto é,

as propostas curriculares implementadas nas escolas —, definindo conteúdos a serem

ensinados, formas de abordagem, métodos de ensino, instrumentos de avaliação de

aprendizagem e recursos necessários à implementação. O CBC é para ser implantado na rede

estadual de ensino e ser definido democraticamente e conforme a realidade da escola, do

professor e dos alunos.

No GDP, foi determinada a elaboração do CBC, ou seja, a reordenação dos

currículos, que, de início, resultaria da discussão entre os professores da escola e, depois,

dos encontros entre os vários professores de Minas Gerais. Foram feitas reuniões municipais

e estaduais. O currículo começou na base — com os professores, que estão em contato com

o aluno em primeiro lugar. Mas uma questão se impõe aqui: será que o novo currículo

proposto pela secretaria — elaborado pelos professores e gestores do projeto — foi, de fato,

o que os docentes elaboraram na base e aceitaram?

De acordo com a Secretaria de Educação, o GDP é um espaço de valorização

profissional com repercussão na carreira. Num primeiro momento, os professores estudam

individualmente o material enviado pela secretaria — textos, material de estudo e

orientação produzido e disponibilizado para os GDPs e que tratam de temas relativos à

formação docente e ao desenvolvimento de seus projetos de crescimento profissional; num

segundo momento, acontecem os encontros grupais dos professores de áreas afins para

discutirem e analisarem o que estudaram individualmente. Esses encontros são

monitorados e orientados a distância, via internet, pela secretaria, pois o material

produzido pelos grupos de professores é enviado à secretaria, constituindo um diálogo

entre docentes e grupo organizador. Vários recursos técnico-didáticos são empregados,

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sobretudo os que exploram as possibilidades pedagógicas das novas tecnologias da

informação e comunicação (TICs).

Do ponto de vista pedagógico, deseja-se propiciar a cada participante a convicção de que a possibilidade de crescimento profissional e intelectual depende do gesto consciente de cada educador se colocar na posição de aprendiz. E, na qualidade de aprendiz, manter-se aberto para se apossar de meios novos para o conhecimento do desconhecido. E por se colocar na posição de aprendiz, o professor não pode, diante do seu aluno, assumir o papel de repassador de saberes colecionados em um espaço qualquer, seja num livro, numa biblioteca ou mesmo num laboratório escolar. O conhecimento exige essencialmente ação do espírito, criatividade, esclarecimento do obscuro. Por isso o professor que se quer promover profissionalmente há de assumir a posição de orientador de aprendizagem de seus alunos, reconhecendo-se também como alguém que aprende cada vez que se coloca disponível para atuar numa rede de aprendizados. (MINAS GERAIS, 2006e, p. 1).

Para a Secretaria de Educação, quanto ao desenvolvimento pessoal dos educadores, o

GDP espera alcançar estes resultados: ampliar o universo pessoal e social do educador;

redimensionar as relações pedagógicas que cada um desenvolve na prática escolar; criar espaços

de referência; incrementar o desenvolvimento de relações de apoio mútuo entre profissionais;

constituir uma personalidade grupal; compreender que existe unidade de objetivos na

diversidade das ações; criar formas de colaboração entre educadores.

Também são esperados outros resultados: transformações no sistema educacional;

elevação do nível de conhecimentos, consciência profissional e de qualificação técnico-

pedagógica dos educadores participantes; consolidação do GDP como grupo operativo

(autoconhecimento, identidade, autonomia, projeto comum), ou seja, um grupo que aprende

(criativo, ativo e auto-regulado) e é competente social e profissionalmente; disseminação da

dinâmica de grupo e uso de projetos como método pedagógico; desenvolvimento de uma

cultura de informática entre os educadores; mudanças no ambiente escolar: expansão de

limites e possibilidades da escola; transformação da escola em espaço favorável ao

desenvolvimento profissional.

3.4 Implantação do Plano de Desenvolvimento Pedagógico Institucional (PDPI) na

Escola Estadual Nossa Senhora da Abadia A decisão da escola aqui pesquisada de se inscrever no programa Escolas-Referência

saiu de aprovação coletiva, em assembléia de 27 de março de 2004, quando todos os

presentes votaram a favor da participação e escolheram a Escola Estadual Bernardo

Vasconcelos como associada.

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FIGURA 4. Sacada da escola com marcas visíveis da ação do tempo Fonte: EENSA, 2003.

FIGURA 5. Parede de sala de aula dá sinais de desgaste temporal Fonte: EENSA, 2003.

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A opção de entrar no projeto teve influência, sobretudo, dos ganhos materiais

prometidos pela Secretaria de Educação, que se mostraram relevantes diante das condições do

espaço físico, já danificado (FIGS. 4 e 5).

Desde a inauguração — em 1972, há 36 anos —, o prédio não foi reformado:

banheiros sem condição de uso; rede hidráulica e elétrica com necessidade de reparos;

infiltração no teto; paredes sujas e pichadas; cozinha em condições que dificultavam a higiene

dos alimentos e a preparação do lanche a ser consumido pelos alunos; falta de muros em parte

do terreno da escola, acarretando possibilidade de invasão no espaço escolar; quadra de

esportes danificada, dificultando o trabalho dos professores de educação física e outros.

Uma das metas do projeto foi, então, reparar o espaço físico, além de doar materiais

didáticos. Após a aceitação de entrada no projeto, o passo inicial foi reformular o projeto

político-pedagógico da escola, visto que a primeira exigência do programa é reorganizar a

escola conforme pede este. Assim, foi preciso reorganizá-la com base no PDPI.

3.4.1 Plano de Desenvolvimento Pedagógico Institucional da Escola Estadual Nossa

Senhora da Abadia Ao desenvolver um projeto político-pedagógico, a escola tem de observar suas

necessidades reais, definir prioridades e enfocar a realidade da comunidade em que está. Mais

que isso, ao elaborá-lo, é necessário que tenha uma visão clara de seus objetivos primeiros,

tenha crítica e faça uma análise profunda das relações que nela acontecem.

Segundo Gadotti (2000, p. 35), “[...] não se constrói um projeto sem uma direção

política, um norte, um rumo”; por isso, todo projeto pedagógico é, também, político. Para

Veiga (1998, p. 9), “[...] o projeto pedagógico é um produto específico que reflete a realidade

da escola”. Segundo essa autora, o projeto político-pedagógico de uma escola que deseja

transformar, provocar mudanças e formar opinião precisa ter estas características: ser um

processo participativo de decisões; desvelar conflitos e contradições; ter explícitos princípios

baseados na autonomia; ter opções de superação de problemas; explicitar o compromisso com

a formação do cidadão.

Dito isso, o projeto da Escola Estadual Nossa Senhora da Abadia deixa entrever

que retrata os anseios e desejos de sua comunidade escolar e é fruto da consciência

coletiva da escola. Concebido como projeto político-pedagógico, com o tempo passou a

ser denominado de Plano de Desenvolvimento Pedagógico Institucional (PDPI). Com base

nesse documento, trata-se de uma mudança e antecipação do futuro que determina

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princípios, diretrizes e propostas de ação para organizar, sistematizar e significar as

atividades desenvolvidas pela escola.

O Plano de Desenvolvimento Pedagógico Institucional — PDPI — da Escola Estadual Nossa Senhora da Abadia de Uberaba–MG, construído para década: 2005–2015, de conformidade com as exigências do Plano Nacional de Educação — PNE/2001 — através de um processo democrático, consiste, verdadeiramente, numa Avaliação Institucional, uma vez que a escola, através de permanente prática da “Administração Colegiada” e do “Planejamento Participativo”, desde a década de 80, garantiu, desde então, a existência do seu “Projeto Político-pedagógico”, responsável por orientar toda a sua ação educativa, utilizando-se, sempre, do processo coletivo de tomada de decisões. (EENSA, 2005, p. 11).

E o que esse documento garante quanto à participação de toda a comunidade escolar?

Como ela participa de sua formulação?

Sua dimensão político-pedagógica identifica uma construção ativa e participativa

dessa comunidade (alunos, pais, professores, funcionários, direção e outros). Em seu

desenvolvimento, essa comunidade reflete sobre suas práticas e experiências, analisa e

atualiza seus valores, expressa suas vontades e seus sonhos, demonstra seus saberes e dá

sentido aos projetos individuais e coletivos.

Nesses termos, o projeto político-pedagógico foi modificado para acompanhar as

linhas mestras de um novo tempo e em razão das necessidades impostas pelas

transformações da sociedade, visto que a função básica da escola é preparar o jovem para

se tornar cidadão pleno. Sua reelaboração passou por várias fases (QUADRO 2) e contou

com o coletivo da escola: todos os segmentos foram consultados e convidados a

participar.

[...] construído na perspectiva do movimento da “Escola Cidadã” cujos parâmetros fundamentam o seu “Marco Teórico”, qual seja: a “Escola do Aprenda a Ser”, — o PDPI é fruto de um processo dialógico, denominado “Planejamento Socializado Ascendente”, ou seja, de um trabalho coletivo e participativo, que, partindo das bases, envolveu todos os segmentos institucionais. (EENSA, 2005, p. 11).

De início, foi feita uma leitura da realidade da escola — sua identificação ou seu

auto-retrato —, desenvolvida em três momentos: leitura do entorno da escola — denominada

“Festa da Escola Cidadã”; leitura da realidade por meio do universo escolar; leitura da

realidade pelos indicadores escolares.

Com base no PDPI, a “Festa Cidadã” foi a leitura do lugar onde a escola está — seu

entorno — de modo mais coerente com nossa concepção de educação. Aconteceu sob um

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intenso diálogo, entre escola e entorno, sobre as dimensões ambiental, política, cultural,

econômica e social, visualizando e captando os valores, a visão de mundo e os sonhos das

pessoas que vivem nessa localidade. Ainda segundo PDPI, a “Festa da Escola Cidadã” foi

vivenciada como primeira atividade de leitura da realidade por ser uma proposta mais

coerente com o projeto de “Escola do Aprenda a Ser”: movimento educativo que procura

construir uma escola com uma nova qualidade: competente, humana, transformadora, alegre e

prazerosa. As atividades da “Festa da Escola Cidadã” incluíram palestras para a comunidade

escolar com pessoas da comunidade que retrataram a realidade social, ambiental, política,

econômica e cultural do bairro da Abadia, bem como apresentações artísticas que expressam a

cultura do bairro.

A leitura da realidade do universo escolar incluiu a criação de um “Muro das

lamentações” e de uma “Árvore dos desejos” (FIGS. 6 e 7), onde a comunidade escolar pôde

expressar suas angústias, seus sonhos e suas utopias referentes à escola. Nesses dois

momentos, aspectos da realidade do bairro da Abadia foram destacados, observados e

analisados por professores e alunos. A análise do “Muro das lamentações” e “Árvore dos

desejos” mostrou que houve um diálogo real entre professores, alunos, direção, funcionários e

pais de alunos, revelando uma realidade atual; ao usarem o “Muro” e a “Árvore”, os alunos

não se intimidaram e disseram o que queriam dizer quanto à direção, aos professores e aos

métodos adotados pela escola.

QUADRO 1 Passos para a elaboração do PDPI

FASE PASSOS a Sensibilização e formação de segmentos diferentes para compreensão da proposta do projeto das

Escolas-Referência e construção do planejamento na perspectiva do movimento da Escola Cidadã para realização das atividades previstas.

b Adoção de uma sistemática de trabalho que pôs o grupo/escola conhecendo, discutindo e socializando “a leitura de sua realidade” e “reconstrução do seu marco teórico”, anteriores à definição de prioridades e que constituíram levantamentos de indicativos para se definir a política educacional da escola para a próxima década.

c Estudo de alternativas de atendimento e da proposta de trabalho escolar em cada nível e modalidade de educação a serem oferecidos pela escola a partir de 2005, através da análise de possibilidades e recursos; a partir daí, foram estabelecidas as diretrizes, os objetivos, as metas e as ações do PDPI: 2005–2015; aqui foi adotada uma metodologia que uniformizou e aprofundou visões e ideais do grupo/escola e permitiu a tomada de decisões.

d Tomada de decisões coletivas para propositura da política educacional da escola para a próxima década e sua explicitação num quadro de programas, subprogramas e projetos.

e Redação final do PDPI. Fonte: EENSA, 2005.

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FIGURA 6. “Muro das lamentações” Fonte: acervo EENSA.

FIGURA 7. “Árvore dos desejos” Fonte: acervo EENSA

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A coordenação de elaboração do PDPI continuou a estimular o diálogo entre escola e

comunidade escolar, assim como uma experiência de reflexão e aprofundamento por meio

destas perguntas: como entendemos o país em que vivemos? Quais são as utopias que nos

movem? Qual é a escola de nossos sonhos?

No dizer de Vasconcelos (1995 apud EENSA, 2005, p. 30):

Após a leitura da realidade da escola, aconteceu “a tomada de posição da instituição que planeja em relação à sua identidade, visão de mundo, utopia, valores, objetivos, compromissos, expressa o ‘rumo’, o horizonte, a direção que a instituição escolheu, fundamentado em elementos teóricos de filosofia, da fé, das ciências. Implica, portanto, opção e fundamentação. [...] No Marco Referencial procuramos expressar o sentido do nosso trabalho e as perspectivas para a caminhada”.

Assim, para refletir e rever seu marco referencial, a escola tomou com referência os

princípios e fundamentos da “Escola do Aprenda a Ser”, definida no início da década de

1980. Foi a capacidade — consciente — de sonhar e acreditar numa escola comprometida

com a esperança de um mundo mais justo e humano que permitiu, nessa década, à

comunidade da Escola Estadual Nossa Senhora da Abadia definir sua identidade segundo o

“Aprenda a Ser”. Essa proposta nasceu, portanto, da ousadia de seu coletivo pensante, que,

crente em sua autonomia, delineou e explicitou à comunidade uberabense e, mais

especificamente, aos pais, aos alunos e aos seus profissionais, seus compromissos educativos

e suas finalidades sociais (EENSA, 2005, p. 34).

Nesse sentido, identificamos os princípios e fundamentos da “Escola do Aprenda a

Ser”.

1) Educação entendida como “aprenda a ser”: supõe a formação do homem como ser

concreto, histórico, consciente e livre, construtor do próprio destino através do conhecimento,

do diálogo e do trabalho solidário; também presume a formação humana na sua plenitude.

2) Escola assumida como “lócus” educativo privilegiado, ou seja:

O espaço democrático de construção, assimilação e difusão do conhecimento, espaço ampliado de convivência e da vivência de valores culturais, espaço comprometido com a pluralidade das dimensões da formação humana, espaço coletivo da utopia e da reinvenção de uma nova prática social e, finalmente, espaço da autonomia pedagógica e administrativa. (EENSA, 2005, p. 37).

3) Resgate do sentido real do conceito de escola pública: do povo, e não meramente

escola oficial; assim a “Escola do Aprenda a Ser” é mantida com recursos públicos, destinada

a todos sem distinção, pensada e gerida por uma sociedade que dela usufrui e por ela se

responsabiliza.

4) Nova identidade do educador: aquele que

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[...] assume novos valores, novos saberes, novas posturas, novas habilidades e se identifica como o mediador entre o educando e o conhecimento. Assim, a formação continuada, o diálogo, a pesquisa, a permanente reflexão sobre a prática educativa e a conseqüente produção coletiva constituem-se em condições imprescindíveis da construção desta identidade, que é a de ser, juntamente com os seus alunos, um eterno aprendiz. (EENSA, 2005, p. 37).

5) Nova identidade do educando: aquele que

Passa a ser considerado como o sujeito da sua própria formação em um complexo processo interativo em que a docência e discência formam um todo indissociável. Enquanto sujeito, o educando se constitui num sistema auto e co-organizador de suas experiências de aprendizagem segundo seu ritmo e as características peculiares do seu estágio de desenvolvimento, sua cultura e sua classe social de origem. Dentro dessa perspectiva, o aluno deixa de ser considerado, pura e simplesmente, como massa a ser informada e torna-se sujeito responsável e capaz de desenvolver-se com consciência plena e eticamente atuante no processo de sua formação enquanto cidadão. Assim, e mais ainda, assumindo-se como permanente aprendiz e autor de sua própria edificação, ele se desenvolve como ser de conhecimento (leitor e intérprete arguto da realidade); como ser de competências (autor e ator criativo de alternativas face às diferentes demandas de transformações sociais); ser-de-convivência solidária (humanizador das relações interpessoais, ambientais e culturais); enfim, SER de Humanidade Plena, criador lúcido e amoroso. (EENSA, 2005, p. 37).

6) Nova ressignificação dos conteúdos curriculares:

A “Escola do aprenda a Ser” pressupõe a construção e a apropriação do conhecimento como condição de libertação do sujeito e da sociedade. Assim, trabalha o conhecimento na sua profundidade, na sua lógica própria, mas com a preocupação de estabelecer um diálogo interdisciplinar entre as diversas áreas do saber, para formar uma visão de homem e mundo organicamente articulada com vistas a uma intervenção efetiva na realidade. (EENSA, 2005, p. 38).

Na perspectiva dos princípios e fundamentos da “Escola do Aprenda a Ser”, o

currículo tem outra dimensão:

Para além do discurso específico de cada disciplina, é a construção humana no seu todo que está em causa. Isto implica em trabalhar o conhecimento global em suas múltiplas dimensões, congregando a informação com o aprender a aprender, o aprender a fazer, o aprender a viver e conviver; assim, o aprender a SER, considerando-se em todo esse processo a prática social dos sujeitos. (EENSA, 2005, p. 38).

Fala-se aqui de trabalhar com eixos temáticos e a pedagogia de projetos, que

passaram a ser estratégias privilegiadas para o desenvolvimento da prática educativa em sala

de aula, estimulando o diálogo e a interdisciplinaridade pela seleção de conteúdos

significativos para a compreensão da realidade. Com base em algumas competências

educativas, o currículo aponta uma reorientação e organização da prática pedagógica rumo ao

aprimoramento da capacidade de usar a língua oral e escrita, aplicar o conhecimento, dominar

linguagens diferentes e aprender a aprender, aprender a ser e aprender a conviver.

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7) Avaliação entendida como processo de acompanhamento permanente do

desenvolvimento global do aluno. Aqui ela é entendida como construção do aprender a ser e

acompanhamento do desempenho progressivo das competências e habilidades discentes, da

informação ao professor e da eficácia do trabalho escolar, tendo em vista a possibilidade de o

educando progredir rumo ao objetivo proposto. Assim, a avaliação revela um processo

formativo, além de ser diagnóstica, contínua, participativa, diversificada e dialógica.

Na elaboração do PDPI, a comunidade escolar foi provocada e desafiada a refletir

sobre a escola real — a escola que estamos sendo — e a escola que queremos ser — a ideal.

A reflexão enfocou a distância entre a escola presente e a ideal e os fatores que contribuem

para aumentar e reduzir tal distância. Nesse momento, os problemas identificados apontam a

necessidade de realizar esse ideal e definir prioridades para fazer progredir o trabalho na

direção desejada e no tempo proposto. Enquanto a comunidade escolar refletia sobre os

problemas institucionais e propunha soluções convergentes para a escola ideal; professores

e especialistas refletiam sobre a proposta pedagógica da escola, redefinindo-a, tornando-a

mais coerente com suas concepções de educação e filosofia de trabalho. O que implica

[...] redefinir as suas propostas curriculares, suas metodologias de trabalho, sua concepção e prática de avaliação, sua relação professor–aluno, sua concepção de aprendizagem, sua organização do espaço, e tempo escolar, sua gestão, enfim, toda a sua organização didático-pedagógica e dinâmicas que a unidade escolar desenvolve em relação a cada um dos níveis e modalidades de ensino que oferece, para que, de fato, estejam mais coerentes com os princípios e fundamentos da “Escola do Aprenda a Ser”. (EENSA, 2005, p. 76).

Em suas respectivas áreas, os professores se empenharam nas discussões teórico-

metodológicas, partindo destas indagações: qual é sua concepção de currículo? O que é

conhecimento significativo em sua escola? O que é fundamental aprender e que

conhecimentos são mais ou menos importantes para seus alunos? Que conteúdos serão

trabalhados em cada nível e modalidade de ensino que a escola oferece para assegurar a

coerência com a “Escola do Aprenda a Ser”?

Embasados no PDPI, os professores organizaram e elaboraram suas propostas

curriculares com cuidado de correlacionar os conteúdos das áreas de conhecimento com o

universo de valores e a identidade da escola e dos modos de vida dos alunos (FIGS. 8 e 9);

sobretudo, procurou-se identificar o que é fundamental para se aprender em cada conteúdo e o

que é mais importante os alunos aprenderem. Na elaboração do PDPI, a educação como

instrumento social que possibilita a formação da cidadania sempre foi enfocada.

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FIGURA 8. Alunos envolvidos no plantio do jardim — projeto “Vale a pena verde novo”, instituído pelas áreas biológicas

Fonte: acervo EENSA.

FIGURA 9. Alunos envolvidos no plantio de árvores — projeto “Vale a pena verde novo”, instituído pelas áreas biológicas

Fonte: acervo EENSA.

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3.5 Contraponto das políticas públicas: projeto Escolas-Referência

Embora tratamos do projeto Escolas-Referência, o objetivo desta pesquisa não é

analisá-lo, e sim observar como ele modificou o interior da escola, pois a comunidade escolar

atual se organiza, acima de tudo, para atingir as metas propostas pelo projeto. Assim, é

necessário identificar o que é benéfico ou não à escola. Destacamos como pontos positivos:

manutenção da estrutura física dos prédios escolares — a escola foi reformada, quando foram

sanados problemas físicos sérios no telhado e nas redes hidráulica e elétrica que poderiam pôr

em perigo a comunidade escolar; aquisição de material de apoio didático (computadores,

aparelhos de tevê, telão, data-show), didático e livros para formação continuada dos

professores — ainda que insuficiente —, conforme pedido deles. Contudo, devemos ressaltar

que vemos tais ações como obrigação do governo estadual, participe ou não a escola do

programa, pois são escolas públicas do Estado.

Além dessas ações, cabe mencionar que o projeto prevê a promoção de reuniões

periódicas entre professores de uma mesma área e áreas afins. Na atualidade, os encontros

entre docentes dentro das escolas públicas para discutirem prática e teoria não ocorrem

por causa de vários fatores, sobretudo graças à jornada de trabalho tripla imposta pelas

necessidades de sobrevivência — falta tempo aos professores. Quando as reuniões

ocorrem, são usadas para questões burocráticas. O projeto tem dado oportunidades para

que os profissionais se encontrarem — mas os encontros são predeterminados pelo

Estado, visto que a Secretaria de Educação envia os assuntos e conteúdos a serem

estudados e as pautas vêm prontas para serem cumpridas. Das discussões surgem

impasses, análises e críticas, que criam condições para que professor faça a travessia do

individual para o coletivo, do eu para o nós.

Por causa de sua proletarização, dos baixos salários e da jornada de trabalho dupla e

às vezes tripla,2 o profissional da educação tem dificuldades em investir na sua formação

continuada, mesmo que seja no conhecimento de sua disciplina. Para amenizar o problema, a

Secretaria de Educação tem promovido cursos de “capacitação” via Universidade Federal de

Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte, que abrem perspectivas para os professores

beneficiados. Quem faz os cursos estende, em seus lugares de origem, o que estudou e

aprendeu a quem não pôde fazê-los. Essas ações, porém, não permitem reconhecer no projeto

2 Carvalho et al. (1998, p. 85) reiteram essa afirmação ao dizerem que “[...] as constantes perdas salariais fizeram com que os(as) professores(as) buscassem saídas — uma delas tem sido a ampliação da jornada de trabalho. Essa ampliação chega, em muitos casos, a fazer com que o(a) professor(a) trabalhe os três períodos do dia, durante toda a semana”.

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Escolas-Referência um foco na valorização do profissional, cujos salários e cuja jornada de

trabalho continuam em processo de proletarização: o professor da escola-referência ainda tem

de trabalhar duas vezes mais, pois o serviço aumentou. As conseqüências psicológicas e

sociais são inevitáveis: “[...] estresse do docente, queda na qualidade de sua aula,

impossibilidade de se aperfeiçoar constantemente e falta de tempo para preparar e refletir

criticamente sobre sua prática pedagógica” (CARVALHO et al., 1998, p. 85).

Acrescente-se que, como o projeto atinge só algumas escolas de Minas, ele divide a

escola pública e os alunos em dois grupos: os beneficiados (223 escolas e 350 mil alunos —

65% do universo escolar) e os não beneficiados (as demais escolas, os demais alunos),

sobretudo no que se refere ao currículo básico. Tal parcialidade tem conseqüências na

sociedade, pois põe em xeque a igualdade de direitos.

As escolas públicas passam por um processo de avaliação não só institucional, mas

também do conhecimento, em que os alunos são avaliados periodicamente pelo Estado mediante

provas elaboradas por especialistas contratados pelo Estado; se não se saem bem, a escola fica

sem “credibilidade” com o Estado. Fora isso, observa-se incoerência entre Secretaria de

Educação, conteúdos de CBC e os cursos de “capacitação”, dadas as avaliações anuais preparadas

para alunos e professores, na maioria das vezes, incondizentes com os avanços anunciados e/ou

ministrados nos cursos e ressaltados pela equipe que coordena o projeto Escolas-Referência.

Nesse contexto, ganha relevo o pensamento de Freire (1996, p. 116) de que os

[...] sistemas de avaliação pedagógica de alunos e de professores vêm se assumindo cada vez mais como discursos verticais, de cima para baixo, mas insistindo em passar por democráticos. [...] [E] a desconsideração total pela formação integral do ser humano, a sua redução a puro treino fortalecem a maneira autoritária de falar de cima para baixo, por isso mesmo, a intenção de sua democratização no falar com.

Como dissemos, a implantação do projeto Escolas-Referência na escola que

pesquisamos supôs a reformulação do plano político-pedagógico, feita pelo seu coletivo. Para

nós, o PDPI apresenta avanços ao inquirir as bases — diga-se, os segmentos da comunidade

escolar — sobre como enxergam a escola: suas opiniões e análises. Com isso, foi ao encontro

dos indicativos a fim de definir os passos da política educacional para a próxima década. As

decisões foram tomadas coletivamente para consolidar o verdadeiro conceito de escola

pública e a comunidade na qual está inserida. Todavia, houve divergências entre as

proposições do documento e ações implementadas pelos professores que estão na escola hoje,

a exemplo da avaliação. Pelo PDPI, as provas bimestrais predefinidas no calendário escolar

foram eliminadas da escola, mas em 2006 o coletivo indicou e aprovou a aplicação de

simulados para os alunos, contrariando o PDPI.

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No dizer de Cavagnari (1998, p. 101), a “[...] fragilidade dos conceitos teóricos” é

evidente. Segundo esse autor, os professores sentem dificuldades em relacionar seu cotidiano

e seus projetos com a filosofia e as metas da escola; noutros termos, trata-se do despreparo

relativo aos fundamentos da educação. Ora, mesmo que haja um discurso avançado, o Estado

ainda centraliza e dirige mediante instruções normativas. Assim, a experiência não só de uma

gestão democrática, mas também da implantação de um processo democrático em todo o

espaço escolar acontece numa escola que obedece a normas da Secretaria Estadual de

Educação, e isso dificulta e compromete o avanço de tal processo no espaço escolar.

Giroux (1997) defende que os educadores têm de definir as escolas como espaços

públicos onde o engajamento do povo e a política democrática sejam cultivadas como parte da

luta por um estado democrático radical. Com efeito, a escola precisa ser, de fato, identificada

como esfera pública democrática onde a formação do verdadeiro cidadão aconteça de

verdade. Para isso, o gestor tem de assumir seu papel principal — articulador da construção

coletiva — e a responsabilidade de mobilizar a comunidade toda (ALARCÃO, 2001).

Acreditamos que, se os professores e a comunidade escolar identificam e assumem o espaço

escolar como local onde as relações são políticas, onde o coletivo se sobrepõe ao individual,

aí de fato existe uma Escola Cidadã.

Nesses termos, é correto supor que, antes do projeto Escolas-Referência, a escola

aqui pesquisada já caminhava rumo à condição de Escola Cidadã, ao trabalho e à reflexão

coletivos, comprometida com o desenvolvimento de um novo olhar para o mundo? Como

vimos neste capítulo, uma leitura de seu projeto político-pedagógico sugere um

desenvolvimento prévio de um processo democrático, com um movimento do individual

para o coletivo em estágios diferentes; se houve entraves, não se pode negar que houve

avanços. Se assim o for, então vejamos se o discurso dos professores e da gestora reitera

essa leitura.

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4 CONSTRUÇÃO DE UMA EXPERIÊNCIA DE ESCOLA CIDADÃ DO

PONTO DE VISTA DA PRÁTICA DOCENTE

Neste capítulo, lemos e analisamos depoimentos de professores e da gestora da

Escola Estadual Nossa Senhora da Abadia para identificar os impasses e avanços de uma

gestão democrática. A análise se apóia numa revisão constante dos referenciais teóricos de

estudo da escola e ganham força investigativa nas entrevistas com esses sujeitos. Derivados

de um questionário semi-estruturado, os depoimentos mostram não ser fácil construir uma

experiência de cidadania plena com base na escola e no conhecimento que ela articula como

estratégia de cidadania.

Planejar e estruturar questões orientadoras para se obterem dados que permitiriam

entender como e com que intensidade os professores valorizam o processo democrático da

escola não foi tarefa fácil, pois boa parte da informação pedida é subjetiva, particular, e a

relação do indivíduo com o coletivo é complexa. Eis por que foram necessários cuidados

prévios. Além disso, como atuamos na docência efetiva dessa escola desde 1994 e sempre

colaboramos e apoiamos os projetos da coordenação, foi natural o receio de que o trabalho de

campo poderia ter um tom “emocional” quanto à escolha dos professores a serem

entrevistados, assim como o fora a incerteza sobre que direção seguir na estruturação das

questões orientadoras para obtenção de dados; e mais: poderíamos ter uma visão parcial do

pensamento coletivo da escola. Assim, para assegurar a independência e imparcialidade no

trabalho de campo, a coleta de dados aconteceu em dois momentos. A princípio, houve uma

investigação exploratória prévia, com a opção do questionário. Lakatos e Marconi (1991)

esclarece que o questionário é instrumento de natureza impessoal, pois as perguntas devem

ser respondidas por escrito sem a presença do entrevistador; assim, há mais liberdade nas

respostas, graças ao anonimato, que caracterizou neutralidade entre nós — na posição de

pesquisador — e os professores da escola. No segundo momento, aconteceram as entrevistas.

Primeiro momento. Fizemos uma investigação exploratória prévia para diagnosticar

os limites e impasses da gestão democrática da escola com base em um questionário único

(APÊNDICE 5) com três perguntas norteadoras: “1) Qual a sua visão da gestão democrática da

Escola Estadual Nossa Senhora da Abadia?”; “2) Você conhece a filosofia da escola ‘Escola

do Aprenda a Ser’ que foi construída na perspectiva do movimento do Projeto ‘Escola

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Aplicação de questionários

Cidadã’?”; “3) Qual a sua interpretação da filosofia da ‘Escola do Aprenda a Ser’?”. Nessa

etapa, os questionários foram entregues aleatoriamente a 23 professores do ensino médio e do

fundamental nos períodos vespertino, matutino e noturno. Dezessete professores devolveram

o questionário com as questões respondidas e seis não responderam — destes, quatro

guardaram o questionário em suas pastas e disseram que devolveriam depois (GRÁFICO 1).

02468

1012141618

Professores quedevolveram Nã devolveram

Guardaram oquestionário

GRÁFICO 1. Destino dos questionários aplicados

QUADRO 2 Painel de respostas do pré-teste

PARTICIPAÇÃO E AVALIAÇÃO

IMPORTÂNCIA E DESAFIOS PARA A ESCOLA

PROCESSO DEMOCRÁTICO PROBLEMAS DA ESCOLA

Todos participam Coerente em seu propósito pedagógico

Escola trabalha o lado democrático

Ajustes são necessários

Trabalho em conjunto

Projetos coletivos Tudo é discutido e votado, e o que ganhar todos acatam e cumprem

Às vezes democrático demais

Quem decide é a maioria

Construção/execução conjunta do projeto político-pedagógico

Decisões colegiadas; co-responsabilidade

Há os que se aproveitam, não se comprometem

Há anos a escola viveu o processo democrático

— Flexibilidade de opiniões Deixar a responsabilidade

para os mais disponíveis

Participação dos segmentos da escola

Liberdade de agir e pensar que é dada é importante

Todos têm liberdade de falar e colegas não se chatearem

Há os que preferem uma gestão autoritária

As decisões tomadas em conjunto

Maior interação entre professores e diretor

Decisões tomadas coletiva e democraticamente

Liberdade é algo que é preciso ser dado?Não sentir uma liberdade camuflada

Positivo Facilidade no trabalho em grupo

Vivência democrática plena Confundir gestão democrática com falta de compromisso

Boa Vivência diária desafiadora Decisões tomadas em assembléia; todos têm o direito de expressar sua opinião

Escola-referência: imposições podam a democracia

Estamos no caminho certo

Democracia exige bom senso

Válida a gestão democrática

Questões externas; perda de identidade de gestão democrática; condicionamento dos servidores; não decidir: as decisões são predeterminadas

Melhor situação que noutras escolas

— — Escola perdendo identidade

Bom tom — — Medo começou a imperar Não acontece em outras escolas

— — Trabalhos extras; Escolas-Referência nos adestra

Avanço Facilita a convivência entre funcionários e dirigentes; discutido em grupo

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Quando começamos a ler e registrar as respostas da pergunta 1, percebemos que era ampla

e geral — daí a diversidade num universo pequeno. Para termos uma visão mais precisa das

respostas, registramos a pergunta em temas (participação e avaliação da escola; importância e

desafios da escola; processo democrático; problemas que a escola enfrenta) num quadro de

respostas (QUADRO 2), sem pretender tabular quantificadamente — nosso objetivo não foi só

quantificar; o quadro foi preciso por causa da diversidade de respostas. Como as perguntas 2 e 3 não

tiveram respostas tão diversas, foram registradas com mais individualidade (ver APÊNDICE 1).

Em nosso contato inicial com colegas de trabalho da escola a fim de lhes pedir que

respondessem a um questionário para uma pesquisa acadêmica, explicamos que tal contato foi

determinado pelo intuito de observação, interpretação e análise de problemas que todos

enfrentamos. Mas isso não nos isentou de suscitar receio e insegurança em alguns quanto a

responder às perguntas — mesmo com nossa explicitação do objetivo da pesquisa e a garantia

de que a identidade de todos seria preservada e que a pesquisa era confidencial. Devemos

esclarecer que convivemos diariamente com essas pessoas há anos — convívio sempre

marcado pela livre expressão e por falas francas, honestas e diretas; são profissionais com

quem dividimos angústias, sonhos, utopias, raivas e frustrações. Por isso nos questionamos:

essa reação de alguns seria medo de expor pensamentos? Sentimento de indiferença? Crença

de que são “apolíticos”? De que são “neutros” na tomada de decisão na escola?

Esses questionamentos ficaram sem resposta, mas nos fizeram refletir sobre atitudes

como estas: um(a) professor(a), ao receber o questionário, disse: “[...] convivemos e

trabalhamos há 20 anos, você nunca me pediu nada, e hoje que pede não posso lhe atender

porque estou muito ocupado(a), atarefado(a) em corrigir as provas!”; outro(a) disse: “[...]

fique com sua pesquisa aí, que eu fico com minhas aulas aqui; não quero me pronunciar, pois

estou contrário(a) a algumas tomadas de atitude da direção”. É justificável não querer falar

sobre a direção porque somos “[...] parte dos professores que ajudam a coordenação da

escola”? Até que ponto o professor envolvido em questões escolares cotidianas percebe que

viver com democracia é conviver com a contradição? Que é importante refletir sobre a prática

cotidiana e o conjunto dos professores discutir e analisar problemas diários da escola? Ora,

[...] escola que se pensa e que se avalia em seu projeto educativo é uma organização aprendente que qualifica não só quem nela estuda; também quem nela ensina ou apóia estes e aqueles. [...] é uma escola que gera conhecimento sobre si própria como escola específica e, desse modo, contribui para o conhecimento sobre a instituição chamada escola. (ALARCÃO, 2001, p. 15).

Eis por que o professor precisa analisar sempre sua prática cotidiana individualmente

e com seus pares, parceiros de uma mesma série, uma mesma turma. Se ele se recusa a

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Distribuição dos entrevistados

discutir seus problemas com a escola como um todo, pode ele caminhar para um novo

paradigma? Terá ele noção do que pode ser uma experiência (uma internalização) de

democracia que vá além de compêndios e livros didáticos? Por que uma experiência de gestão

democrática na escola é tão difícil? Essas atitudes provocaram impacto desde o começo do

trabalho de campo desta pesquisa e nos faz questionar: que democracia interna é essa?

Segundo momento. Após registrarmos e tabularmos as respostas, tentando perceber e

delinear os limites da gestão democrática e os impasses na escola aqui enfocada, elaboramos as

questões e escolhemos, com mais objetividade, dez professores para a entrevista mais detalhada,

para aprofundar os pontos levantados pelo questionário. Procuramos tanto docentes aprovados

em concurso do estado (estáveis no cargo) e que estão há pouco tempo na escola quanto

docentes, também estáveis, com cerca de 20 anos de atuação na escola; também entrevistamos

professores designados (com contratos anuais, mas sem estabilidade) e a gestora,3 representando

a coordenação. O quadro de escolhas ficou assim: três professores efetivos com pouco tempo na

escola e três efetivos com muito tempo; dois professores designados com pouco tempo na

escola e dois designados com muito tempo; gestora atual (GRÁFICO 2).

0

0 ,5

1

1 ,5

2

2 ,5

3e f e t iv o s c o mp o u c o t e m p on a e s c o la

e f e t iv o s c o mm u it o t e m p on a e s c o la

d e s ig n a d o sc o m p o u c ot e m p o n ae s c o lad e s ig n a d o sc o m m u it ot e m p o n ae s c o lag e s t o r a

GRÁFICO 2. Professores entrevistados

4.1 Depoimento dos professores

Foram elaboradas cinco perguntas (QUADROS 3 a 7), com espaço para depoimentos.

Os professores escolhidos responderem com liberdade às indagações, o que norteou a análise

da escola.

3 Convém dizer que, quando apresentamos o “Termo de consentimento” (APÊNDICE 4) para a entrevista, a gestora nos autorizou a identificá-la pelo seu nome real, afirmando textualmente: “[...] toda a comunidade escolar conhece minhas opiniões e concepções, e, como atual gestora, quero ser identificada pelo meu nome”.

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QUADRO 3 — Primeira pergunta

Como identifica e caracteriza o processo democrático da Escola Estadual Nossa Senhora da Abadia?

PROFESSOR RESPOSTAS

1 Acredito que a democracia está em excesso. Nos últimos anos, a tenho identificado como fator negativo e caracterizado como algo que influencia a desordem.

2 Difícil. Para entender o processo, os professores devem entender e conhecer o que é democracia realmente. Parte dos professores não conhece o que é democracia. Alguns que estão aqui há um bom tempo já possuem o conhecimento do que é democracia. Acredito que em alguns momentos vivenciam o processo democrático porque decidem coletivamente as ações e projetos que a escola terá que realizar. Agora, quando as ações e projetos já vêm predeterminados pela Secretaria de Educação de Minas Gerais, não tem como vivenciar o processo democrático.

3 Na verdade, ele ocorre. Existe uma certa confusão em entender o que realmente é democrático, entender realmente o que é a função democrática. A democracia ocorre nas ações da direção, já que [esta] nos consulta em todas as decisões. As atitudes são democráticas. A democracia chega parcialmente ao aluno, pois alguns professores não têm ação democrática. O simulado atualmente não é democrático como acontece.

4 Mesmo tendo pouca referência, acho o processo autêntico; não é uma democracia hipócrita, é um processo verdadeiro.

5 Envolvimento de todos com responsabilidade. Hoje este envolvimento de todos não existe mais. O esfacelamento do envolvimento se deu mais devido à pressão governamental. Não temos mais liberdade.

6 Que é realmente democrático. O problema é justamente isto: é democrático demais! Tem hora que tem de se impor mais. Algumas decisões já têm que vir prontas da direção; é até mais bonito este processo. Mas um acha uma coisa, outro acha outra, gerando discussões desnecessárias.

7 Estamos em busca. Trazemos conosco mazelas adquiridas na nossa formação familiar e escolar e pelo sistema em geral, tornando a aplicabilidade da democracia ainda muito difícil. Mas a procura de soluções para os impasses surgidos, sempre em consenso, já nos coloca a um grande passo para a quebra de nossos paradigmas. Talvez essa seja, a meu ver, a melhor característica da Escola Nossa Senhora da Abadia.

8 Eu vejo que ela [a democracia] existe, só que as pessoas não estão preparadas para a existência dela. O processo democrático existe, só que nós professores abrimos mão dele. Já que, sempre que vamos tomar uma decisão, quando somos consultados — e nós temos direito de opinar —, muitos se calam; depois que a decisão está tomada, criticam para mudar, não entram em consenso na hora correta.

9 Existem uma filosofia e uma prática do processo por uma grande parte dos professores. Essa prática vem sofrendo repressão por parte dos órgãos governamentais, isto é, pela Secretaria de Educação. Existe uma exigência muito verticalizada dos órgãos governamentais, e isso afeta a democracia da escola. Como avançar no processo democrático na escola em um contexto tão ditatorial quanto a atual Secretaria da Educação?

10 Como não estava acostumada, achei bagunçada a sala de reunião onde acontecia a primeira assembléia geral do ano, todo mundo falando, todos votando. Vim de uma outra escola onde o regime era autoritário e somente a diretora tomava as decisões. Realmente estranhei bastante. Todo mundo fala, briga, discute, e no término das reuniões todos os professores são amigos. As discussões ficaram na sala de reunião. Realmente acontece o processo democrático.

GESTORA Foi uma construção ao longo do tempo, iniciada junto com Dedê, que nos trouxe os maiores educadores nacionais para dentro da escola, como Freire, Gadotti, Saviani, entre outros. E o processo democrático foi sendo construído com todos os professores juntos, no coletivo. No início nem tínhamos noção de como era o processo democrático (não sabíamos como era a vivência democrática). A partir do contato com os educadores citados, fomos ampliando a nossa visão e percebemos que o comprometimento com as decisões coletivas construía o processo de democracia na escola. O processo é vivo — está em constante construção, já que existe a renovação constante do quadro de professores, o aprendizado é diário. Daí as divergências de postura que caracterizam o processo democrático. Existe a democracia, pois vivenciamos o contrário.

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QUADRO 4 — Segunda pergunta

Alguns professores afirmam que a escola precisa fazer ajustes em sua implantação da gestão democrática. Para você, quais ajustes seriam estes?

PROFESSOR RESPOSTAS 1 Acho que o primeiro e único ajuste a ser feito é a “imposição” de ordem e fator hierárquicos.

Faltam disciplina e entendimento das funções. Cada um está sendo uma escola individualmente. Isso é ruim e faz com que as coisas se percam e se desestruturem.

2 Trabalhar na formação do servidor — formação continuada. 3 Já alguns professores se aproveitam da liberdade dada, como exemplo: demoram a sair da

sala dos professores e irem para a sala de aula; soltam os alunos mais cedo, o que não é permitido. Não é permitido pela Secretaria de Educação do Estado de Minas Gerais, mas como a escola tenta bancar as decisões dos professores em não permitir uma maior fiscalização por parte da Superintendência Regional de Ensino, os professores aproveitam e descumprem o trato feito nas assembléias gerais.

4 Excesso de flexibilidade da nossa diretora: ela quer ser mãe de todos. Assim, se torna uma “faca de dois gumes”. Alguns professores utilizam a liberdade de forma errada, o pessoal tira proveito.

5 Cabe ao governo mudar; não à escola. Isso se deve à pressão dos dirigentes governamentais. 6 Votação escrita: o professor deveria registrar sua posição por escrito. 7 Na pergunta anterior já dou meu parecer quanto a essa resposta. Estamos no começo de um

grande processo de mudanças. Entendo que nossa gestora atual é a mais democrática de todo o grupo, por isso alguns que ainda não a entenderam abusam do que lhe é delegado. Esse para mim é o ponto, pois se acaba tomando decisões que, talvez, não sejam o ideal para o bom desempenho de todo o processo educativo; busca-se o caminho mais fácil.

8 É pessoal: o professor tem que aprender a ouvir e falar na hora certa. O professor tem que aprender a viver em um ambiente democrático e tem dificuldade de viver nesse espaço.

9 Para haver democracia é preciso haver liberdade com responsabilidade; [é preciso] que o grupo esteja coeso e consciente disso.

10 Os professores terem mais maturidade. Estão entrando professores novos e devem estar aprendendo o processo democrático. A diretora passa o necessário para nós [dos avisos da Secretária da Educação].

GESTORA É positivo que os professores tenham chegado a essa conclusão [necessidade de fazer ajustes] porque mostra que nosso processo é vivo, não é fechado e não é acabado: está em evolução. Existem mudanças no contexto educativo-funcional; somos uma entidade submetida à orientação estadual. Acredito que essas alterações sejam em cima de um endurecimento de decisões que, a quem não tem visão de conjunto, torna-se exigente como, por exemplo, colocar faltas de professores em atividades da escola — temos que ter uma “certa” tolerância para com o professor e funcionário.

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QUADRO 5 — Terceira pergunta Como você vivencia a relação professor–professor? Direção–professor?

Existe autonomia de ação para o professor dentro da Escola Estadual Nossa Senhora da Abadia?

PROFESSOR RESPOSTAS

1 Acho que a relação é ótima, direta e objetiva. Sobre autonomia, existe em excesso. Como disse antes, há uma liberdade excessiva. Acho — e acredito — que não devemos misturar as coisas: professor é professor, diretor é diretor, serviços pedagógicos são serviços pedagógicos, e assim por diante.

2 Professor–professor: entre nós existe um respeito muito grande entre os professores. Tem que respeitar cada característica de cada um, a personalidade de cada um. Direção–professor: há um respeito muito grande. A direção decide tudo coletivamente; não vejo a Malu tomar decisão sem consultar o coletivo, sempre ouve o professor, todos têm possibilidade de participar. A relação é transparente. Autonomia: é complicado; implica uma série de fatores que, às vezes, é positiva para o professor, mas não é para a direção.

3 A escola é um dos melhores ambientes de trabalho. Já trabalhei em outras escolas e em nenhum delas eu encontrei essa relação de coleguismo e amizade que existe aqui; o companheirismo é muito grande: não existe aquela coisa de um querer derrubar outro. Existe autonomia dentro de sala de aula. Só que o [Currículo Básico Comum] CBC criou dificuldades em relação à autonomia. Aconteceu a diminuição das aulas, o que dificultou, pois não podemos inovar, criar em sala de aula, já que não temos tempo. Assim, muitas vezes ficamos no “cuspe e giz”, que é mais rápido, não permitindo que os professores criem, inovem as aulas. Também a questão das dificuldades do uso das tecnologias que a escola já possui, pois elas não estão disponíveis no momento em que precisamos.

4 Professor–professor: é relativo. É uma relação boa, há cooperação. Com relação à sala dos professores: deveria discutir nossa relação; o clima é pesado devido às reclamações do lugar comum: governo, salário, aluno. Diretor–professor: relação ótima, não tenho nada a reclamar. Autonomia: o que eu quis fazer aqui eu fiz, tive plena liberdade de fazer.

5 Professor–professor: ela é efetiva e afetiva; os professores se unem nos momentos mais cruciais. Direção–professor; duas posições: a) como direção, está exigente e intransigente; não tem abertura mais. Devido às pressões externas que a diretora sofre — pressões da Superintendência Regional de Ensino, isto é, da Secretaria de Educação de Minas Gerais —, estamos sendo vigiados literalmente; b) relação afetiva e humanística. Autonomia de ação: parcialmente existe, já que atualmente estamos sendo vigiados [...]. O espaço de sala de aula é determinado por nós, desde que atendamos aos preceitos impostos pela Secretaria de Educação. Hoje temos de cumprir o CBC de qualquer jeito, já que estamos no projeto Escolas-Referência.

6 Professor–professor: excelente a relação [...]; também direção–professor. Existe autonomia de ação, a direção respeita a sua atuação dentro de sala de aula com relação a questões disciplinares e atividades pedagógicas.

7 Temos total liberdade na escola. As portas estão sempre abertas a todos. Temos total autonomia para levar um tema para discussão em assembléia, o desenvolvimento de um projeto, uma nova técnica que deu certo, entre outros. Relaciono-me muito bem com colegas e administração em geral; gosto de estar na escola; sinto-me muito bem nela. Lógico que temos algumas pessoas mais fechadas, que não dão abertura para se chegar, mas no dia-a-dia procuramos puxar essas pessoas para dentro da roda.

8 Professor–professor: existe um clima tranqüilo, amigável; eu sempre apóio meus colegas e sempre senti apoio dos mesmos; é como uma família. Diretor–professor: a diretora é uma pessoa muito democrática, muito humana, respeita a opinião do próximo; assim, o relacionamento é tranqüilo; tem professor egoísta, que aproveita da humanidade da diretora em proveito próprio.

9 Esta relação é satisfatória dentro dos limites.Direção–professor: relação democrática e franca. Autonomia de ação: sim, dentro dos devidos limites, inclusive impostos pela Secretária da Educação.

10 Relação professor–professor: a relação é boa. Relação direção–professor: é boa; sempre fui atendida em tudo que precisei. Com relação à autonomia: cumprimos as normas da Secretária de Educação de Minas Gerais. Está vindo muita coisa junto, acredito que querem consertar a educação em um ano, não tem jeito. Mas a escola dá liberdade para criarmos dentro de sala de aula; sair com o aluno da sala de aula, passar filmes sem a direção questionar nossas ações.

GESTORA Nesse sentido, os professores se relacionam bem. Uma das maiores preocupações da escola, da direção, são as relações pessoais: é de extrema importância. Trabalha-se para que as relações sejam saudáveis, agradáveis, porque este é o princípio de todo trabalho harmonioso. Direção–professor: apesar de eu sentir um certo receio, um certo respeito com relação ao cargo de gestora — cargo de autoridade —, esse sentimento não atrapalha a relação, apesar de eu, em particular, ficar com sentimento ainda de existir. Temos que entender que isso é conseqüência da rotatividade dos professores. Com relação à autonomia, é uma escola estadual, temos limites impostos pelo estado, temos o exemplo do CBC — ele é obrigatório, não temos opção.

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QUADRO 6 — Quarta pergunta Dentro da sala de aula, como é a sua relação com os alunos?

PROFESSOR RESPOSTAS

1 Muito boa. Faço ressalva à liberdade que os mesmos têm com a falta de postura e atitude da escola, principalmente no noturno. Falam em cobrar do aluno, mas o mesmo não acontece, e eles mesmos cobram, dizendo sempre “acabar em pizza”. Isso não me atrapalha diretamente na sala de aula, mas poderia melhorar. É questão de credibilidade para a escola.

2 Sou democrático em alguns momentos; em outros, procuro impor minha autoridade. A movimentação dos alunos nos intervalos é um fator positivo dentro da escola.

3 Sempre dou opção para os alunos questionarem, dou oportunidade para verem o lado analítico das coisas; não sou autoritária, e isso me traz problemas com relação ao controle da disciplina.

4 Estou aprendendo. Apanhei muito no primeiro ano; os meninos precisam mais de afeto do que do conhecimento intelectualizado. Minha relação é boa, não sou ditador; em alguns momentos, penso em ser, mas esses meninos já sofrem muito lá fora, já têm coisas negadas lá fora, e... chegar à escola e continuar sendo negados?Possuem atitudes agressivas, e se nós sermos agressivos, eles ficam ainda mais. Todo mundo esquece que já foi jovem; falta empatia, se colocar no lugar do outro; tento entendê-los, quero que me respeitem e que não tenham medo.

5 Boa. Temos que ter um jogo de cintura mil. 6 Amigável com o aluno; só que na aula existe a autoridade do professor. Acredito que, às

vezes, devo ter uma atitude mais autoritária para manter o domínio de sala de aula. 7 Meu relacionamento com os alunos é muito bom, tenho muita facilidade em lidar com

eles e acho que essa facilidade é por gostar muito do que faço. Tenho os objetivos estabelecidos desde a primeira aula, acho que isso também facilita o entendimento de como sou, tornando o relacionamento mais fácil entre professor e aluno.

8 De acordo com a necessidade, procuro ser democrática, prefiro vê-los como meu próximo. Conforme a necessidade, sou autoritária, sem desrespeitá-los. Com relação às decisões tomadas em assembléias, os alunos de uma forma geral não são consultados; as decisões tomadas são passadas para o colegiado.

9 Ora democrática, ora autocrática, pois assim exigem certos alunos. 10 Minha relação como os alunos é boa. Os alunos têm liberdade comigo, e eu com eles:

todos respeitando todos. Mostro as notas, os trabalhos para todos os alunos e pergunto se eles concordam.

GESTORA 1º) Em alguns momentos — destaco que é exceção —, a relação é de embate entre professor e aluno, chegando em alguns instantes a clima de animosidade; e esse fato se deve a alguns motivos: a) uma grande parte dos professores da escola está atuando no magistério já há bastante tempo, e os nossos alunos, a cada ano que passa, estão mais jovens, apresentando uma postura com relação à autoridade bastante diferente dos nossos professores. A visão do mundo, limites e respeito são bastante diferentes das dos professores, causando atritos que em alguns momentos provocam desajustes entre professor e aluno. Ainda destacamos que esses jovens estão vindo de famílias desestruturas e vivenciam diariamente a violência doméstica. b) A falta de preparo tanto de conteúdo sistematizado quanto de controle de turma por parte dos professores novatos provoca conflitos; também devemos ressaltar que alguns professores não se preocupam, já que estão de passagem pela escola. A direção da escola procura, dentro dos limites do estado, isto é, dentro do que permite a Secretaria de Educação [...], trabalhar as relações conflituosas, já que essas relações estão em desacordo com a filosofia da escola “Aprenda a Ser”, filosofia essa que se preocupa fundamentalmente com as relações humanas, com a formação do ser. 2º) Em nosso cotidiano, no nosso dia-a-dia, a relação professor–aluno é afetuosa, onde o sentimento de respeito perpassa as relações; e são essas relações um diferenciador da nossa escola com as demais escolas da comunidade.Destacamos que o nosso aluno possui uma liberdade diferenciada das outras escolas, como, por exemplo, no momento da troca de professores: o nosso aluno tem a liberdade de sair de sala, ir ao bebedouro, andar pelos corredores, e, no momento em que o professor chega à sala de aula, também o aluno volta para a sala.

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QUADRO 7 — Quinta pergunta

Qual a sua avaliação das assembléias gerais da Escola Estadual Nossa Senhora da Abadia? O que você tiraria ou acrescentaria nas assembléias?

PROFESSOR RESPOSTAS

1 As assembléias têm sido motivo de gozação, principalmente para os professores novatos. Muita conversa, assuntos fora de pauta, desrespeito com os dirigentes, falta de assunto, tudo de última hora; falta postura, atitude e organização. Daí acontece a baixa participação. Companheiros desanimados.

2 As assembléias são um pouco direcionadas; a Malu sabe conduzir as assembléias; ela tem que defender alguns interesses como a “Escola-Referência”, que não é do interesse do coletivo. Hoje ela é direção, ela representa o interesse da secretaria [de Educação de Minas]; o direcionamento das assembléias deveria ser evitado.

3 Nos últimos tempos, tumultuadas; ainda acho que é o caminho para uma gestão democrática. Mas para todos participarem, tem que haver a repetição, o bater na mesma tecla — deveria acrescentar: uma inscrição de participação para não ficar repetitiva. Acho importante porque as decisões são tomadas todas por votação em maioria.

4 São essenciais para o processo democrático; discutimos os rumos da escola, as posições. Só que nas assembléias ficamos andando em círculos; deveria ter mais dinamismo para se chegarem às conclusões; falta parte de bom senso por parte dos professores; temos que saber ouvir para saber se colocar.

5 É positiva, já que tudo que é decidido nas assembléias a direção respeita e executa. O corpo docente tem que trabalhar o lado mais objetivo dos problemas. Tem blablablá demais.

6 As assembléias poderiam ser transformadas em posições do professor por escrito, assim como avisos, ou poderiam acontecer com menos freqüência. Mesmo assim, elas são positivas, pois o professor é ouvido; é democrático. Alguns professores não têm consciência da sua importância, já que ali estão sendo discutidos assuntos importantes referentes à escola.

7 Na resposta de número 2, digo que, às vezes, essa liberdade de colocação de idéias extrapola. Não sei se meu pensamento é antiquado, mas sinto que algumas decisões para o bem do coletivo deveriam ser tomadas de outra maneira. Infelizmente, temos colegas que tomam decisões não pensando no desenrolar do processo educativo, mas na maneira mais fácil de realizá-lo; isso prejudica o resultado final do processo. Eu particularmente procuraria um meio de mudar a maneira de comandar as assembléias em pontos de maior relevância para o aluno, evitando prejuízos maiores. Como disse no início dessa entrevista, ainda tenho muito que mudar para ser realmente democrática.

8 Nas primeiras assembléias de que participei, fiquei encantada com o processo democrático, pela liberdade de expressão, de opinar. Só que, nas últimas assembléias, está acontecendo algo diferente: parece que o professor está perdendo o vínculo com o processo democrático; muita conversa, parece que até a fala se torna agressiva de um colega para o outro. Precisamos voltar às assembléias antigas, isto é, os professores precisam reaprender o processo democrático. Falta envolvimento por parte dos professores, dentro das assembléias e nas atividades propostas pelos professores, no dia-a-dia da escola.

9 São organizadas, revelam o amadurecimento do grupo; e são bastante democráticas, o processo é democrático. Mas existem situações e legislação que não são passíveis de discussão.

10 As assembléias são boas, só que são cansativas: sempre saímos com dor de cabeça; mas é o caminho certo. Trabalhamos o que nós decidimos e, assim, trabalhamos com vontade, o que é diferente das outras escolas. Fazer obrigado é fazer o mínimo dos mínimos. Acrescentaria: ser mais objetiva, não ficar enrolando; mas depende do conhecimento dos professores; muitos são novos e precisam aprender o processo.

GESTORA A essência de todo o processo democrático é a assembléia geral. É ali que se discutem as decisões coletivas, o que tem que ser corrigido. Executam-se projetos e as tarefas a serem distribuídas; tudo o que acontece na escola é pela assembléia; é onde se respeita a vontade da maioria. Existem pessoas que acham a assembléia desnecessária e outras [para] que[m] não se deve abrir muito espaço para discussão. Mas se queremos o coletivo, tem que se abrir espaço para as pessoas falarem o que pensam, pois se não for assim não é um processo democrático. Participar e perceber a importância de uma assembléia é um exercício de paciência, de saber escutar, de se expor e, principalmente, de saber respeitar a decisão da maioria, que também é um exercício de saber aceitar e encaminhar (executar) o que foi decidido em assembléia.

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4.2 Democratização escolar, escola democrática: educação e cidadania

Nas décadas de 1960 e 70, contexto histórico da fundação da escola Estadual Nossa

Senhora da Abadia, o Brasil estava sob o regime da ditadura militar, vale dizer, da não-

democracia. Porém, uma leitura dos fatos que compõem a história dessa escola revela que os

professores que participaram de sua fundação caminharam em direção oposta à da política

ditatorial. Ciente da importância daquele momento histórico,4 o coletivo de professores da

escola — numa atitude que esboça, então, certa democracia interna, diga-se, certa conquista

de um espaço democrático na comunidade escolar — adere à greve dos professores da rede

pública de Minas em 1979, que se unem em prol de melhores condições de salário e trabalho.

Nas reivindicações da categoria — diz Prais (1990, p. 55) —, “[...] havia um anseio pela

mudança do direcionamento político nas instituições escolares, no sentido de se buscar a

participação interna de todos os segmentos envolvidos no processo educacional”. Dito de

outro modo, reivindicava-se democracia nas escolas mediante eleição de diretores pelo voto

da comunidade escolar, o que convergia para o pensamento de Paulo Freire (1992, p. 41):

Estou convencido da importância, da urgência da democratização da escola pública, da formação permanente de seus educadores e educadoras entre quem incluo vigias, merendeiras, zeladores. Formação permanente, científica, a que não falte sobretudo o gosto das práticas democráticas entre as quais a de que resulte a ingerência crescente dos educandos e de suas famílias nos destinos da escola. (Grifo nosso)

Como afirma a atual gestora da escola, esta tem implantando o processo democrático

em seu espaço:

Foi uma construção ao longo do tempo, iniciada junto com Dedê, que nos trouxe os maiores educadores nacionais para dentro da escola, como Freire, Gadotti, Saviani, entre outros. E o processo democrático foi sendo construído com todos os professores juntos, no coletivo. No início nem tínhamos noção de como era o processo democrático (não sabíamos como era a vivência democrática); a partir do contato com os educadores citados, fomos ampliando a nossa visão e percebemos que o comprometimento com as decisões coletivas construía o processo de democracia na escola.

Essa herança de lutas pela qualidade da educação, pela liberdade de expressão, pela

igualdade social — numa palavra, por uma escola de qualidade — permeia o conjunto atual

dos professores da Escola Estadual Nossa Senhora da Abadia; mas alguns revelam o

sentimento de desaparecimento de tal herança de lutas, a exemplo do professor 5: “há anos a

escola ‘viveu’ um processo democrático real”. Quando se entra na sala dos professores, a face

de uma parte deles mostra esse sentimento, sobretudo porque acredita que não há mais a união 4 “Os anos de 1978–79 forma marcados por uma onda de greves inusitada no pós-64, tendo como núcleo inicial o setor moderno do parque industrial [...], estendendo-se, em 1979, para outras regiões e outros setores, especialmente construção civil e serviços urbanos.” (MENDONÇA; FONTES, 1994, p. 72).

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de todos os docentes contra determinações da Secretaria de Educação; há uma “passividade” e

“aceitação” de tais determinações, pois cumprimos todas. Também se nota nesses professores

um sentimento de frustração, desejo de retornar àquela época de reivindicações aqui referida.

Contudo, estamos noutro momento histórico, que requer um pensamento que avance no ritmo

das mudanças históricas.

4.2.1 Construção de uma escola cidadã

Nesses 39 anos, a escola se orientou pelos princípios da pedagogia freireana e da

filosofia do “Aprenda a Ser”, construída na perspectiva do movimento da Escola Cidadã.

Como vimos, essa filosofia procura formar o jovem como ser concreto e cônscio de que pode

ter visão crítica da realidade, promover transformação social e aprender a ser. Como afirma o

professor A,5 “[...] vivemos muitos momentos de real participação de todos na construção do

projeto do ‘Aprenda a Ser’. O grupo [docente] construiu o que vislumbrou, estudando,

partilhando”.

O professor B6 se refere à filosofia da escola assim:

É uma filosofia que se constrói no dia-a-dia, na prática, a partir das situações conflituosas ou não. Depende, para se concretizar, do quanto as pessoas envolvidas estão abertas a aprender a ser o que precisam ser, cada uma no seu espaço, para crescermos juntos a partir delas.

Para o professor B,7 o “Aprenda a Ser”é uma filosofia

[...] que se constrói no dia-a-dia, na prática, a partir das situações conflituosas ou não. Depende, para se concretizar, do quanto as pessoas envolvidas estão abertas a aprender a ser o que precisam ser, cada uma no seu espaço, para crescermos juntos a partir dela.

No dizer do professor E,8 ela é “[...] um projeto que busca formar o cidadão pleno,

conhecedor de seus direitos e de seus deveres dentro da sociedade”.

Segundo Prais (1990, p. 19), a “[...] função essencial da escola pública consiste na

socialização do saber sistematizado, indispensável ao exercício de cidadania, assim como na

produção e sistematização de um novo saber nascido das necessidades da prática social”.

Quando aprende, o aluno cria um saber para responder a seus questionamentos e suprir as

necessidades de seu dia-a-dia, por isso a escola teria de fazê-lo desenvolver conhecimentos,

atitudes e habilidades que lhe possibilitem enfrentar problemas diários, bem como refletir

sobre sua participação na sociedade. Logo, espera-se que a escola e os docentes sejam

5 Professor entrevistado no pré-teste 6 Professor entrevistado no pré-teste. 7 Respostas do pré-teste. 8 Respostas do pré-teste.

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democráticos, para que ensinem o aluno a viver democraticamente. Nos termos do movimento

Escola Cidadã, na perspectiva freireana e segundo a filosofia da “Escola do Aprenda a Ser”,

precisa haver uma “[...] relação entre a clareza política na leitura do mundo e os níveis de

engajamento no processo de mobilização e organização para a luta para a defesa dos direitos,

para a reivindicação da justiça” (FREIRE, 1992, p. 42). Isso requer que a instituição escolar

atual esteja aberta ao mundo e à vida, e não fechada, como estão muitas escolas.

Como se pode depreender das palavras de Freire (1992), a formação da cidadania

supõe que os problemas complexos do mundo (violência, drogas, gravidez precoce, emprego

e desemprego, vida e morte, dentre outros) que afetam o jovem entrem na sala de aula para aí

serem analisados e discutidos sem julgamentos precipitados. Mas isso requer que professores

tenham condições e conhecimentos do mundo para discutir tais questões com seus alunos no

contexto da sociedade brasileira, na qual a corrupção, a impunidade, o nepotismo e outros

males sociais vicejam, pondo em xeque as leis brasileiras, as políticas educacionais públicas e

o papel real da representação política. As conseqüências disso afetam a escola e seu fim

último: o aluno.

Com efeito, essa consciência parece estar no professor I,9 para quem a filosofia do

“Aprenda a Ser”

[...] é vivenciar, na realidade, conceitos apreendidos em sala; promover a inserção do aluno na realidade social; minimizar os efeitos da estratificação social, oferecendo oportunidades de crescimento como forma de abrir portas de trabalho... “Aprenda a Ser” conota ser humano, ser crítico, ser cidadão, ser consciente.

Santos (2000, p. 35; 116) esclarece:

[...] quando se buscam soluções não estruturais, o resultado é a geração de mais crise. [...] o problema é ultrapassar as soluções imediatistas (por exemplo, eleitoralismos interesseiros e apenas provisoriamente eficazes) e alcançar a busca política genuína e constitucional de remédios estruturais e duradouros.

Eis por que é importante a comunidade escolar se atentar às causas dos conflitos no

dia-a-dia da escola e dos jovens. Mais que a violência, ela precisa discutir o que a provoca,

assim como o que causa a miséria e o desemprego; com ou sem democracia, a escola ocupa o

espaço central em que esses problemas se desdobram. Muitas vezes, professor e escola

desconhecem a realidade de seus alunos, a vida deles, os problemas que enfrentam dia a dia.

Assim, ao docente cabe estabelecer elos entre sua experiência e a vida dos alunos a fim de

identificar problemas sociais que afetam a vida deles; à escola cabe tratar do que provoca os

conflitos que marcam a vida do jovem a fim de despertar nele a visão crítica necessária à 9 Respostas do pré-teste.

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contemporaneidade. É plausível supor que a escola castiga o adolescente por seus atos de

violência por que não a entende; não entende que “[...] os meninos precisam mais de afeto do

que do conhecimento intelectualizado; [...] [que] esses meninos já sofrem muito lá fora; já têm

coisas negadas lá fora, e... chegar à escola e continuar sendo negados?” (PROFESSOR 4).

Sabe-se que os jovens hoje têm postura relativa à autoridade diferente da de outrora:

não aceitam normas passivamente e questionam com intensidade as proibições. Enquanto

parte professores não abre mão de concepções autoritárias oriundas de sua formação inicial,

parte dos jovens desafia a autoridade docente. Desse contraste derivam atritos e a percepção

do aluno de que sua liberdade lhe é negada. Essas constatações são reiteradas pela atual

gestora da escola:

Uma grande parte dos professores da escola está atuando no magistério já há bastante tempo, e os nossos alunos a cada ano que passa estão mais jovens, apresentando uma postura com relação à autoridade bastante diferente dos nossos professores. A visão do mundo, os limites e o respeito são bastante diferentes dos dos professores, causando atritos que em alguns momentos provocam desajustes entre professor e aluno. Ainda destacamos que estes jovens estão vindo de famílias desestruturadas, e vivenciam diariamente a violência domestica.

Acrescente-se que os jovens percebem que essa sociedade tem certa dificuldade em

oferecer condições de trabalho e mais e melhores oportunidades, porque sentem a sociedade

se fechar para os sonhos, as fantasias e as aspirações de vida deles. Segundo Saviani (1992, p.

16), isso ocorre porque:

[...] o grupo ou classe que detém maior força se converte em dominante, se apropriando dos resultados da produção social e tendendo, em conseqüência, a relegar os demais à condição de marginalizados. Nesse contexto, a educação é entendida como inteiramente dependente da estrutura social geradora de marginalidade, cumprindo aí a função de reforçar a dominação e legitimar a marginalização.

Como parte desse grupo, a escola reforça a cada dia essa negação, exposta na face

dos alunos, que deixa entrever incertezas: vão encontrar trabalho ou continuar a estudar após a

conclusão do ensino médio? Esses questionamentos são desdobrados pelo professor 4 ao

reiterar que “[...] a escola na atualidade continua negando a formação de cidadania desses

meninos”. Se a escola nega ao aluno seu desenvolvimento, “[...] quando a escola irá

efetivamente desenvolver o senso crítico do jovem? [E mais] Poderá ela, a escola, sozinha,

fazer isto?” (PROFESSOR 4).

Com efeito, a escola por si só não se mostra capaz de agir; ao lado dela precisam

estar seus docentes. É essa conjunção que pode derivar ações no dia-a-dia escolar que dêem

condições ao jovem de: conhecer seus limites e direitos, entender que a participação de todos

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— dele inclusive — é crucial para que haja mudanças e desenvolver sua consciência de

cidadão, sobretudo seu senso crítico. Ora, como diz Contreras (2002, p. 225–26), ante:

A perspectiva de distanciamento crítico, unida à consciência da parcialidade das próprias posições e à necessidade de descentrar-se, observando-se e tratando de se enxergar a partir de outros pontos de vista, tudo isso adquire uma nova dimensão quando se trata não só da experiência social imediata, mas da constituída na participação em espaços públicos diferentes dos que se conformaram nas próprias escolas e nas relações sociais mais próximas.

4.2.2 Consolidação de uma escola democrática

Posto isso, podemos fazer alguns questionamentos preliminares: a Escola Estadual

Nossa Senhora da Abadia forma cidadãos para viverem, de fato, democraticamente? A

experiência de gestão democrática dessa escola afeta seus sujeitos, sobretudo docentes e

discentes? Houve uma implantação real do processo democrático para professor e aluno? E

até onde à escola caminhou nesse processo?

No que se refere ao discente, a escola precisa, em suas ações diárias, iniciar e ensinar

o jovem a ser responsável, ter autonomia, aprender a viver em sociedade; e são as pequenas

ações que educam e esclarecem, a exemplo da escolha do representante de turma, da eleição

de representantes discentes no colegiado; da liberdade de sair de sala na troca de professores;

da escolha e participação do educando nos projetos pedagógicos promovidos pela escola.

Segundo a atual gestora:

[...] nosso aluno possui uma liberdade diferenciada das outras escolas, como, por exemplo, no momento da troca de professores: o nosso aluno tem a liberdade de sair de sala, ir ao bebedouro, andar pelos corredores, e no momento em que o professor chega na sala de aula também, o aluno volta para a sala.

Com base nas entrevistas, o coletivo da escola sempre destaca positivamente as

decisões tomadas em conjunto. Em todos os momentos, os professores entrevistados

ressaltaram a importância do coletivo na escola, o trabalho conjunto, as decisões tomadas em

grupo e, sobretudo, o respeito pela decisão da maioria. Embora esteja há pouco tempo na

escola, o professor 4 diz que pôde “[...] perceber e sentir a opção política adotada pela

instituição. A liberdade de agir e pensar que nos é dada é importante para a construção da

sabedoria”.

Conforme o professor 3, o processo democrático no espaço da escola ocorre, mas:

[...] Existe uma certa confusão em entender o que realmente é democrático, entender realmente o que é a função democrática. A democracia ocorre nas ações da direção, já que nos consulta em todas as decisões. As atitudes são democráticas. A democracia chega parcialmente ao aluno, pois alguns professores não têm ação democrática.

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Contudo, o professor 8 diz que:

O processo democrático existe, só que nós professores abrimos mão dele. Sempre que vamos tomar uma decisão, somos consultados, temos direito de opinar, muitos se calam, depois criticam para mudar, não entram em consenso na hora correta.

De fato, se em todos os momentos o coletivo da escola é convidado a tomar decisões

com os gestores — o que estimula a autonomia de gestão —, não se pode dizer que todos os

membros da comunidade escolar aceitam o convite. Assim, será que a escola ainda não

ensinou que a discussão sadia dos problemas diários pode levar a uma existência mais

democrática? Segundo Freire (1983, p. 96), “[...] a democracia e a educação democrática se

fundam ambas, precisamente, na crença no homem. Na crença em que ele não só pode mas

deve discutir os seus problemas”. Logo, é pelo diálogo sadio que a democracia se desenvolve;

não pelo silêncio ou pela indiferença. O professor 9 reitera essa afirmação ao dizer que “[...] o

professor tem que aprender ouvir falar na hora certa. O professor tem que aprender a viver em

um ambiente democrático e tem dificuldade de viver neste espaço”.

Contraditoriamente, o professor 6 afirma:

[...] o problema é justamente isto: é democrático demais. Tem hora que tem que impor mais. Algumas decisões já têm que vir prontas da direção. É até bonito este processo. Mas um acha uma coisa, outro acha outra coisa, gerando discussão desnecessária.

O professor 1 reitera a idéia de democracia excessiva: “Acredito que a democracia

está em excesso. Nos últimos anos, tenho-a identificado como fator negativo e que tem

caracterizado como fator ou algo que influência a desordem”.

Todavia, não causa espanto um professor, em pleno século XXI — quando procuramos

viver de modo mais fraterno e solidário numa sociedade cidadã —, afirmar que é importante a

escola pública seguir regras ditatoriais e apontar exagero democrático? Se a escola caminha

rumo à reflexão permanente, como continuar a viver no modelo de relação social baseada na

separação, na hierarquia e na imposição? Por que ainda não aprendemos a vivenciar o processo

democrático? Por que não superamos a inexperiência democrática? Por que temos medo de

implantar esse processo? Por que continuamos a confundi-lo com liberalidade?

Mesmo que a mudança de uma gestão autoritária (ações predeterminadas) para uma

democrática (diálogo e participação coletiva) traga insegurança — exatamente por não haver

aprendizagem do diálogo —, a leitura das respostas aponta superação do processo autoritário.

Se há impasses como a confusão do que seja o processo democrático, é porque parte dos

professores reflete um país autoritário que se acomoda a “[...] determinações que se

superpõem a ele” (FREIRE, 1983, p. 74) e acredita no ato disciplinar e na imposição. Segundo

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Freire (1983, p. 66; 67), a sociedade brasileira surgiu num sistema autoritário: os

colonizadores do país pretenderam, em vez de criar uma civilização, promover a exploração

econômica, na qual se identificavam o poder do senhor de engenho e a submissão do escravo.

Assim, a dependência e o mutismo — a falta de crítica — caracterizaram o homem brasileiro,

que não aprendeu a participar da solução de problemas comuns, pois lhe falta à vivência

comunitária.

Nas respostas, os professores entrevistados apontam caminhos a serem percorridos

pela escola a fim de consolidar o processo democrático plenamente. O professor 3 afirma que,

“na verdade, o processo [...] ocorre, só que existe uma certa confusão em entender o que

realmente é democrático, entender o que é função democrática”. O professor 2 afirma ser

difícil entendê-lo, pois “[...] os professores devem entender e conhecer o que é democracia

realmente. Parte dos professores não conhece [...]”. Para o professor 7: “[...] a escola está em

busca do processo [...], mas de uma forma geral trazemos conosco mazelas adquiridas na

nossa formação familiar e escolar e pelo sistema em geral, tornando a aplicabilidade da

democracia ainda muito difícil”.

Com efeito, como o dia-a-dia da escola ainda é marcado por aspirações individuais, é

difícil eliminar ações autoritárias na implementação da gestão democrática; afinal, nem a

formação inicial nem a trajetória profissional nos ensinaram a ser democráticos. Assim, a

prática, a vivência dos desafios e o enfrentamento de atos autoritários é que vão nos ensinar a

sê-lo. A escola já avançou; agora precisa estimular a formação continuada de seus docentes

com ênfase no sentido do que seja democracia.

O professor B10 reconhece que uma gestão democrática:

[...] é uma vivência diária e desafiadora. Há os que se aproveitam para não se comprometer, deixando a responsabilidade para outros mais disponíveis. Há os que preferem uma gestão autoritária e concentração de poder, para eximirem-se de assumir uma posição. Pessoalmente, penso que estamos no caminho certo, embora haja muita coisa para melhorar. Apesar dos problemas, ainda estamos em melhor situação que a maioria das escolas.

Para o professor 1, o “[...] primeiro e único ajuste a ser feito è a ‘imposição’ de ordem

e fator hierárquico. Falta disciplina e entendimento das funções. Cada um está sendo uma

escola individualmente. Isso é ruim e faz com que as coisas se percam e se desestruturem”.

A atual gestora da escola conclui que:

[...] é positivo que os professores tenham chegado à conclusão que é necessário fazer ajustes na implantação da gestão democrática porque mostra que o nosso processo é vivo e não fechado, e não é acabado. Está em evolução. [...] está em constante construção.

10 Professor entrevistado no pré-teste.

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Segundo Demo (2002, p. 34), “[...] democracia também inclui a convivência com as

diferenças, sobretudo ideológicas. Quem aprecia aprender precisa saber que erra e que o erro

é melhor corrigido pela crítica. É preciso escutar posições divergentes”. Para acontecer

democracia, é preciso ouvir opiniões diferentes, discutir, analisar e seguir a mais conveniente

para o grupo. Noutras palavras, “[...] divergências de postura [...] caracteriza[m] o processo

democrático. Existe a democracia, pois vivenciamos o contrário” (GESTORA).

Todavia, se há conflitos internos, então precisam ser identificados, analisados e

resolvidos, pois — conforme o professor 7 — “[...] a procura de soluções para os impasses

surgidos, sempre em consenso, já nos coloca a um grande passo para a quebra de nossos

paradigmas [...]” e da concepção fragmentada que a escola tem do mundo, que embaça a visão

de conjunto na tomada coletiva de decisões. As entrevistas mostram que a realidade dos

profissionais da escola pesquisada tem contradições, inerentes à própria sociedade

democrática ou à concepção de democracia. Por isso é importante que tal realidade seja

aproveitada como ponto de partida para atitudes de transformação de suas práticas.

Sem a transformação na prática das pessoas não há sociedade que se transforme de maneira consistente e duradoura. É aí, na prática escolar cotidiana, que precisam ser enfrentados os determinantes mais imediatos do autoritarismo enquanto manifestação, num espaço restrito, dos determinantes estruturais mais amplos da sociedade. (PARO, 2002a, p. 19).

Posto isso, cabe dize que, do ponto de vista do professor, a Escola Estadual Nossa

Senhora da Abadia avançou no caminho para a implementação real da gestão democrática.

Nas palavras da gestora atual:

No início, nem tínhamos noção de como era o processo democrático (não sabíamos como era a vivência democrática). A partir do contato com os educadores citados [Freire, Gadotti, Saviani], fomos ampliando a nossa visão e percebemos que o comprometimento com as decisões coletivas construía o processo de democracia na escola. O processo é vivo — está em constante construção, já que existe a renovação constante do quadro de professores, o aprendizado é diário. Daí as divergências de postura que caracterizam o processo democrático.

O professor afirma 4: “[...] mesmo tendo pouca referência, acho o processo autêntico,

não é uma democracia hipócrita. É um processo verdadeiro”.

Se há mesmo uma experiência de democracia interna com avanços, impasses e

limitações, se tal experiência supera os limites de uma “democracia formal”, porque revolve

questões sociais candentes que lhe são internas, então a Escola Estadual Nossa Senhora da

Abadia supera os limites de um “novo reprodutivismo”? E se supera, que paradigma surge

dessa experiência?

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O depoimento dos professores deixa entrever que a jornada é longa e desafiadora,

que ainda há problemas reais para que a escola se torne um espaço democrático de fato. As

concepções de autonomia, liberdade e escola ocupam campos opostos, e os impasses são

claros. Ainda se aposta na “necessidade de se impor ordem” (PROFESSOR 1), ou seja, de os

gestores delimitarem normas autoritárias; isso permite supor que: quando as normas deixam

de existir, o professor fica perdido, sem comando, crentes de que a escola está sem disciplina;

se a gestão é democrática, ela dá liberdade de ação a ponto de os professores relacionarem

democracia com a necessidade de mais disciplina. Se assim o for, então que ações práticas

têm de ser modificadas quanto ao autoritarismo? Que relações sociais precisam mudar?

Esses questionamentos se impõem porque vemos como algo crucial os professores

entenderem que o processo democrático ocorre no conflito e que mudanças de atitude e

comportamento relativos à imposição de ordem no espaço escolar levam à compreensão de

que decisões coletivas são importantes para a escola. Autonomia — diz Contreras (2002, p.

224) — implica reconhecimento de diferentes posições, interesses e práticas; e tal

reconhecimento ocorre no “[...] entendimento, na negociação e na justificação pública de

posições”. E a autonomia de uma escola pública implica uma gestão democrática

(GADOTTI, 1999).

4.3 Escola pública democrática e controle do Estado

Na condição de instituição pública, a escola aqui pesquisada tem no Estado de Minas

Gerais seu gestor central, intermediado pela Secretaria de Educação, que define leis e normas

a serem seguidas e controla as escolas. Mesmo no presente, quando há uma tendência à

descentralização, o Estado controla a escola intensamente para manter a ordem vigente da

classe dominante e continuar a “produzir” mão-de-obra que supra a demanda do mercado de

trabalho. Como afirma Bourdieu:

Ao impor e inculcar universalmente [...] uma cultura dominante assim constituída em cultura nacional legítima, o sistema escolar [...] inculca os fundamentos de uma verdadeira “religião cívica” e, mais precisamente, os pressupostos fundamentais da imagem (nacional) de si. [...] isto é, bem além dos limites da classe dominante — ao culto de uma cultura duplamente especial, burguesa e nacional. (BOURDIEU, 1996, p. 106).

Para Rossi (1980, p. 22):

O Estado moderno, enquanto instrumento da classe dominante para a garantia da manutenção e da reprodução das condições de sua dominação, através de seu aparelho jurídico-repressivo, já não quer apenas impor uma dominação política à classe trabalhadora, mas estende sobre ela permanente hegemonia ideológica que lhe conquista a adesão.

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No caso da instituição que investigamos, o professor e a escola, absorvidos pelas

atividades que o Estado exige, encontram dificuldades em implementar a filosofia do

“Aprenda a Ser”. O professor 9 afirma que, de fato, há uma filosofia e uma prática do

processo democrático presente em grande parte dos professores, mas “[...] essa prática vem

sofrendo repressão por parte dos órgãos governamentais, e isto afeta a democracia da escola”.

O professor 5 reafirma isso: “[...] hoje este envolvimento de todos não existe mais. O

esfacelamento do envolvimento se deu mais devido à pressão governamental, não temos mais

liberdade”.

Como se pode depreender, o Estado aparentemente dá autonomia às escolas para

elaborarem seu projeto político-pedagógico, mas não deixa de controlar as ações da

comunidade escolar de forma velada e com rigidez. Por exemplo, o cotidiano da sala de aula é

monitorado pelas avaliações periódicas do aluno e do professor; outra forma de monitorar é a

contagem anual dos alunos por sala de aula — feita hoje pelas inspetoras escolares e que

passará a ser controlada via internet, pois as escolas vão estar ligadas virtualmente 24 horas

por dia à secretaria. Assim, os mecanismos de controle se traduzem no monitoramento e na

observação, dentre outras ações, para os quais são usados instrumentos aprimorados pela

tecnologia, tais como computadores ligados em rede. No dizer de Rossi (1980, p. 118),

Os mecanismos de controle da escola passaram por longo processo de elaboração, experimentação e revisão, de modo que os instrumentos de que atualmente podem servir-se são, não somente bastante eficientes, como se acham de tal maneira dissimulados que podem ser apresentados como simples e “neutros” instrumentos de “gestão” escolar.

Esse controle do Estado pode atingir proporções maiores e se traduzir noutros termos

que não monitoramento. Ora, é plausível supor que as políticas públicas para a educação

exercem algum controle ao imporem critérios de participação que a escola tem de seguir para

não ficar sem os benefícios prometidos por tais políticas em troca da adequação ao que elas

definem como forma de melhorar a educação pública.

Como vimos, em 2004 o coletivo dos professores da Escola Estadual Nossa Senhora

da Abadia aceitou participar do projeto Escolas-Referência, implantando pelo governo Aécio

Neves, atual governador de Minas, para trazer melhorias à escola pública no Estado.

Atualmente, sobretudo quanto à implantação do projeto, o Estado determina normas,

regulamentos e projetos, além de instituir prazos para o cumprimento de tarefas; se a escola

não consegue cumprir as normas, perde seu lugar no projeto. Por conseqüência, a comunidade

escolar passa a ter sua avaliação anual prejudicada e tem perdas financeiras, pois a aprovação

da reforma da rede física e o apoio financeiro para executar projetos se vinculam ao bom

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andamento destes. Eis por que se pode ler na vinculação a esse projeto um modo de dirigir a

escola segundo os interesses do Estado, que — como foi dito e redito — são os da classe

dominante (ver BOURDIEU; PASSERON, 1982).

Esse projeto, também, pode dificultar a consolidação da filosofia do “Aprenda a

Ser”, que privilegia o “ser de humanidade plena”. Sua implantação se transformou num

trabalho árduo, difícil e cumulativo; além de aulas normais e módulos exigidos pela

secretaria, o professor teve de participar da formação continuada proposta pelo projeto e

elaborar o CBC e o Plano de Desenvolvimento Pedagógico Institucional (PDPI), na maioria

das vezes no horário de folga ou descanso e sem recompensa financeira. O resultado foi uma

sobrecarga de trabalho. Eis o que diz o professor 5:

Estamos tão absorvidos e também perdidos com o tal do CBC, que me parece que o eixo da escola do “Aprenda a Ser” está deixando de existir. Sinto-me, nesse momento, um peixe fora d’água. Mesmo assim, tento questionar e mostrar aos alunos a necessidade de aprender acima de tudo... ser gente em todos os aspectos. A vida não é só mercadológica, mas acima de tudo humana. É assim que tento incutir no aluno a necessidade dos vários aspectos do “aprender”.

Se houve mudanças no espaço físico — a escola toda foi reformada e ainda há

projetos de melhoria física que o Estado aprovou, tais como a reforma da biblioteca e a

construção de salas ambientadas para as várias áreas do conhecimento; se houve consulta aos

professores na formação do CBC; enfim, se houve uma tentativa insipiente de formação

continuada; também houve atribuição de tarefas burocráticas aos professores, o que muitas

vezes emperra a realização plena das relações democráticas. No dizer do professor 9:

Existe uma exigência muito verticalizada dos órgãos governamentais, e isso afeta a democracia da escola. [...] como avançar no processo democrático na escola em um contexto tão ditatorial quanto ao da atual Secretaria da Educação?

Acrescente-se que a maioria dos professores ainda não viu os resultados que as

mudanças sugerem, sobretudo no quesito currículo. Assim, elas podem ser lidas como forma

de sustentar ideologicamente a educação para o trabalhador, quando se deseja que um

posicionamento mais crítico entre profissionais da educação se consolide. O pensamento de

Rossi (1980, p. 33) se impõe aqui:

[...] não se reforma a educação por se introduzirem novas técnicas didáticas. Não se muda o sentido da escola capitalista por dotá-la de melhores recursos tecnológicos. [...] querer aperfeiçoar a sociedade pela escola é garantir-se a manutenção do “status quo”, enquanto se apregoa estar-se “inovando”, “revolucionando”.

Convém dizer que a escola vivencia um processo de mudanças. Nas palavras da

gestora atual, são “[...] mudanças no contexto educativo, funcional, e somos uma entidade

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submetida à orientação estadual”. Como ela afirma, trata-se de uma escola estadual, por isso

tem limites impostos pelo Estado: “temos o exemplo do CBC — ele é obrigatório, não temos

opção”. Logo, como professores do Estado, devemos seguir seus regulamentos e suas normas.

Mas questionamos: estar preso ao Estado significa ter obediência total a ele?

Nos últimos anos, o fracasso escolar — que atinge parcela significativa de alunos da

escola pública — pressionou a escola (será que ela consegue promover a educação para o

século XXI?) e a sociedade questionou seu trabalho. Nesse contexto, é lícito o professor e a

escola esperarem que o Estado, também, transforme-se? Que modifique suas concepções de

educação e escola pública? Mude sua política educacional, fragmentada internamente?

Promova novos programas e projetos voltados a condições de trabalho mais dignas e salários

mais justos para o profissional da educação? Que a classe dominante modifique seu olhar para

o mundo? No dizer do professor 5: “cabe ao governo mudar; não à escola”.

Se o Estado impõe objetivos demarcados ideologicamente por padrões estabelecidos

pela sociedade capitalista, entendemos que a comunidade escolar pode — e deve — impor os

seus, numa visão de desenvolvimento humana, e não só mercadológico. Nas ações diárias, no

momento em que é chamado a opinar, a decidir questões da sala de aula, do pátio, da sala dos

professores, o docente tem de lutar para modificar o paradigma atual da escola; precisa

modificar seu olhar e trabalhar para ter mais autonomia, rumo a uma escola voltada a um

novo tempo. Em suas ações diárias e no contato com o jovem, os professores convivem com

diversos problemas que os incitam a resolvê-los; assim, precisam saber se posicionar, se

reconhecerem como “[...] agentes sociais ativos, que tratam de tornar possíveis algumas

mudanças na educação e na sociedade, mais do que serem receptores passivos das mudanças

que querem produzir neles, ou aplicadores de planos de atuação esboçados por outros”

(CONTRERAS, 2002, p. 231); ou — na expressão de Giroux (1990 apud CONTRERAS, 2002,

p. 232) — como intelectuais compromissados com a criação de possibilidades educativas no

ensino e críticos das limitações encontradas no desenvolvimento de seu trabalho.

A escola “sintetiza” a sociedade, por isso seu papel é crucial: nela acontecem as

relações cotidianas; nela as pessoas vivem e convivem, aprendem e reaprendem, descobrem o

mundo e aprendem a questioná-lo; nela as experiências são criadas, renovadas e formadas. No

dizer de Santos (2000, p. 114), “[...] a existência [...] [nesse] espaço exerce um papel

revelador sobre o mundo”. Para esse autor, “[...] a partir dos lugares, das pessoas juntas [...]

acontecem a insurreição em relação à globalização. O papel do lugar é determinante”

(SANTOS, 2000, p. 114). Por isso a base de transformação da escola tem de abranger a

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cidade, o Estado e o país cidadãos. Confiná-la aos limites da escola pode fragmentar os ideais

democráticos.

No dizer de Freire (1983, p. 90), a “[...] essência da democracia envolve uma nota

fundamental, que lhe é intrínseca — a mudança”. Assim, para ser de fato cidadã, isto é,

promover a formação da cidadania, a escola tem de promover antes sua transformação interna

e a de seus profissionais, para transformar e modificar o jovem. Contreras (2002, p. 234)

complementa esse pensamento ao dizer que a “[...] realidade sempre é mutante e as

organizações educativas devem aprender a se adaptar e a encontrar suas próprias estratégias

de ação. Isto supõe a transformação da própria noção de mudança escolar”.

4.4 Consciência coletiva para transformação coletiva

Uma das transformações que vemos como essenciais para que a escola encontre

soluções aos impasses e conflitos que ocorrem em seu interior é a (trans)formação da

consciência individual em coletiva, ou seja, a travessia do eu para o nós a que nos referimos

antes. No dizer de Brzezinski (2001, p. 70), “[...] é na luta pela defesa de interesses

convergentes, por todos os elementos envolvidos no processo educativo, que vai sendo

formada a consciência coletiva, em uma permanente dinâmica interativa entre a ação e o

pensamento ou a reflexão”.

Contudo, como afirma Brzezinski (2001, p. 70), “[...] a instituição escolar em sua

ambigüidade intrínseca, vive um cotidiano repleto de contradições, conflitos e lutas internas

pelo domínio do poder e do saber”. Dito de outro modo, cada escola tem uma comunidade

escolar com características próprias, por isso, o “[...] trabalho coletivo, por ser mais

importante que o individual em termos sociais, apresenta dificuldades muito maiores, se bem

feito, a começar pela contribuição de cada um” (DEMO, 2002, p. 17). Podemos ler essas

palavras assim: os membros da comunidade escolar precisam ter respeito profundo pelas

concepções do colega; e suas concepções, suas idéias sobre educação e postura educacional

têm de ser firmes, mas não irredutíveis. O professor precisa ser capaz de mudar de opinião,

saber modificar suas concepções e aceitar as diferenças no espaço escolar, porque agir assim é

investir na experiência democrática.

Entendemos que, na escola aqui enfocada, as assembléias são um espaço de atitudes

que marcam o processo democrático, de detecção das conseqüências dos regimes autoritários

na educação e do confronto de idéias, princípios e processos ideológicos. Para a gestora atual,

elas são a essência do processo democrático, pois ali se discutem as decisões coletivas,

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executam-se projetos, distribuem-se as tarefas e corrige-se o que precisa sê-lo. “Tudo que

acontece na escola passa pela assembléia. Nela se respeita a vontade da maioria.” (GESTORA).

Na opinião do professor 4, as assembléias “[...] são essenciais para o processo

democrático. Discutimos os rumos da escola, as posições”. O professor 8 relembra que, nas

primeiras assembléias de que participou, o processo democrático foi marcante “[...] pela

liberdade de expressão, de opinar”. Segundo o professor 9, as assembléias são “[...]

organizadas, revelam o amadurecimento do grupo, e são bastante democráticas. O processo

é democrático, mas existem situações e legislação que não são passíveis de discussão”.

O professor 10 diz que, por falta de costume, achou

[...] bagunçada a sala de reunião, onde acontecia a primeira assembléia geral do ano: todo mundo falando, todos votando. Vim de uma outra escola onde o regime era autoritário, e somente a diretora tomava as decisões. Realmente estranhei bastante.

Porém, vê que “[...] todo mundo fala, briga, discute, e no término das reuniões todos

os professores são amigos. As discussões ficaram na sala de reunião. Realmente acontece o

processo democrático” (PROFESSOR 10). Para Alarcão (2001, p. 22), isso ocorre porque “[...]

o diálogo entre as pessoas, o poder esclarecedor ou argumentativo da palavra e a aceitação do

ponto de vista do outro são essenciais à negociação, à compreensão, à aceitação”.

O professor 7 reconhece que seu “[...] pensamento é antiquado”, mas sente que:

[...] algumas decisões para o bem do coletivo deveriam ser tomadas de outra maneira. Infelizmente temos colegas que tomam decisões não pensando no desenrolar do processo educativo, mas na maneira mais fácil de realizá-lo. Isso prejudica o resultado final do processo. [Por isso, procuraria] mudar a maneira de comandar as assembléias em pontos de maior relevância para o aluno e evitar prejuízos maiores.

Segundo a atual gestora:

A direção da escola procura, dentro dos limites do Estado, isto é, dentro do que permite a Secretaria de Educação do Estado de Minas Gerais, trabalhar as relações conflituosas, já que essas relações estão em desacordo com a filosofia da escola “Aprenda a Ser”, filosofia essa que se preocupa fundamentalmente com as relações humanas, com a formação do ser.

O professor A11 esclarece que em

[...] alguns pontos o grande grupo não toma mais a decisão, e isso esmaece um pouco minha visão de democracia vivida há tempos [...] [mas] apesar de não perder sua “força”, o grupo se desfez um pouco e acredito que nos “agregamos” ao sistema imposto.

Entendemos que participar de assembléias gerais não é algo que se aprende em

livros, e sim na prática, na experiência vivida, no dia-a-dia, no compartilhar, no saber ouvir e

calar, no não se sentir “melindrado” com o que colega disse, em saber respeitar opiniões e, 11 Professor entrevistado no pré-teste.

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sobretudo, em pôr em prática as decisões coletivas, mesmo que sua opinião não tenha sido a

vencedora pelo coletivo da escola: “[...] participar e perceber a importância de uma

assembléia é um exercício: de paciência, de saber escutar, de se expor e, principalmente, de

saber respeitar a decisão da maioria” (GESTORA). Nesse sentido, aprender a democracia

requer praticar, agir no cotidiano.

É importante que o gestor da escola divida responsabilidades com a comunidade

escolar para que todos trabalhem em conjunto com a coordenação escolar para conseguir o

objetivo maior: educar o jovem para o presente. Embora a gestora atual dê oportunidade e

distribua atividades entre o coletivo, alguns professores ainda resistem a assumi-las, pois não

é obrigatório. O professor 7 explica essa resistência dizendo que

Estamos no começo de um grande processo de mudanças. Entendo que nossa gestora atual é a mais democrática de todo o grupo, por isso alguns que ainda não o entenderam “abusam” do que lhe e delegado. Esse para mim é o ponto, pois se acaba tomando decisões que talvez não seja o ideal para o bom desempenho de todo o processo educativo.

Cavagnari (1998, p. 98) afirma que a existência de professores que se envolvem na

sua construção permite o avanço da escola rumo à sua autonomia, diga-se, ao processo

democrático. Na escola como esfera pública democrática, onde acontece a formação do

verdadeiro cidadão, vemos como importante na comunidade escolar a existência de uma

relação circular, em que as discussões fluam e todos possam expressar concepções, idéias e

pensamentos distintos, pois sabem ouvi-los, respeitá-los e discuti-los. Essa relação exige

trabalho coletivo, solidário e companheiro, em que todos assumam a responsabilidade de gerir

e checar sua ação segundo a visão coletiva.

Trabalhamos numa escola estadual, que obedece a normas estabelecidas pela

Secretaria de Educação de Minas Gerais. Como vimos, isso dificulta e compromete o avanço

do processo democrático no espaço escolar em questão. Como último exemplo disso,

podemos citar a rotatividade de professores e funcionários contratados em virtude das normas

organizacionais da chamada de professores da secretaria, que “interrompe” o processo todo

ano, pois os professores “novatos” na escola sentem dificuldades em trabalhar num ambiente

diverso do autoritário. O resultado são embates constantes no espaço escolar. Contudo, não

acreditamos que isso descaracterize o processo democrático, pois este “[...] é vivo e está em

construção; já que existe a renovação constante do quadro de professores, o aprendizado é

diário” (GESTORA). Para nós, é esse aprendizado diário, na prática cotidiana que —

acreditamos — conduzirá o professor, efetivo ou contratado, cuja consciência permanece

individual rumo, ao outro lado da travessia entre o eu e nós.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desde sua fundação, no fim da década de 1960, a Escola Estadual Nossa Senhora da

Abadia, em Uberaba (MG), propôs-se a ser um espaço que privilegiaria os ideais renovadores

da perspectiva educacional freireana, que culminou no movimento da Escola Cidadã sob os

auspícios da filosofia da “Escola do Aprenda a Ser”. Nesse sentido, a pesquisa aqui descrita

teve como finalidade investigar o cotidiano dessa escola a fim de perceber os impasses, as

contradições, os limites e os avanços de sua experiência de gestão democrática. Foram

analisados documentos da escola, tais como o Plano de Desenvolvimento Pedagógico

Institucional (PDPI), elaborado entre 2004 e 2005, atas e registros das assembléias gerais e

documentos relativos à implantação do projeto Escolas-Referência.

O trabalho de campo aconteceu em dois momentos: o primeiro foi uma investigação

exploratória prévia para diagnosticar os limites e impasses da gestão democrática com base

em um questionário único com três perguntas norteadoras e entregue de forma aleatória a 23

professores dos ensinos médio e fundamental, atuantes nos três períodos de funcionamento da

escola; o segundo momento foi uma entrevista mais detalhada com dez professores, dentre

designados e efetivos, escolhidos com mais objetividade. A gestora da escola, representando a

coordenação, também foi entrevistada. Após a investigação bibliográfica, documental e de

campo, algumas evidências se anunciam mais como saldo do trabalho do que como “verdade

a ser engessada numa conclusão”. Vejamos!

a) Parte dos professores sugere que não sabe viver em democracia, que precisa

aprender a vivenciar o processo democrático, pois tem dificuldades em se organizar

coletivamente, em saber ouvir e, sobretudo, em respeitar decisões coletivas. Eis por que parte

dos sujeitos entrevistados apontou a necessidade de a escola investir na formação

democrática.

b) A deterioração profissional advinda da depreciação salarial aponta uma

proletarização crescente do professor que baixa sua auto-estima, a qual, por sua vez, resulta

em indiferença e estimula a resistência dos docentes ao projeto de uma gestão democrática.

Os depoimentos refletem esse problema: alguns professores falam de dupla, às vezes tripla

jornada de trabalho, o que lhes dificulta assumir inteiramente a causa da escola sem poder

dedicar seu tempo, dentro e fora da escola, ao projeto. Trata-se de uma questão que exibe dois

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lados (contraditórios) da mesma situação: é um fator importante e decisivo; porém, pode se

tornar argumento convincente até para a rejeição ao projeto.

c) A experiência de gestão democrática vivida pelos sujeitos da investigação tem um

significado profundo para seus pares internamente. Mas, do ponto de vista mais geral, não

representa uma experiência tão inusitada que possa ser posta “acima” de outras — embora,

com seus avanços e impasses, signifique um passo à frente quando comparada com escolas

que não experimentaram um projeto de gestão democrática. Noutros termos, do ponto de vista

de uma escola voltada a um novo tempo — aqui chamado de “paradigma emergente” —, a

Escola Estadual Nossa Senhora da Abadia “saiu na frente” em relação a quem ainda não

ousou, nem política nem pedagogicamente, a dar um passo histórico assim. Por isso, no futuro

ela pode ser observada com atenção.

d) O jogo democrático vivido internamente na escola cria impasses — nem sempre

como tensão nas relações; às vezes como dissimulação e medo — como produtos de

contradições do próprio processo que se expressam na voz dos professores e da gestora

entrevistada. Assim, se a experiência aponta a busca de um consenso mínimo possível, não

implica necessariamente homogeneidade de pontos de vista. Cabe dizer: a riqueza (contra-

ideológica) de uma experiência democrática é plural; uniformidade de posições já não é

democracia.

e) A resistência ao processo democrático tem um sentido pedagógico que vai além

das aparências das próprias posições políticas do ser a favor ou contra. Em outras palavras, a

Escola Nossa Senhora da Abadia não estará automaticamente melhor só porque ousou a ser

democrática: tal ousadia poderia resultar em fracasso — eis por que a gestão do processo nos

interessa. Acreditar no salto de qualidade natural ou automático das experiências sociais é

aceitar com passividade o discurso do otimismo pedagógico liberal e sempre crer na escola

como “laboratório bem-sucedido” de tais experiências. Como afirma Pereira (2007, s. p.):

“[...] nada mudará na sociedade só por causa (causa primeira) da educação (e educação

escolar); mas nada mudará, na sociedade, sem ter, na educação escolar os elementos que a

representam”. Assim, a resistência ao processo está internalizada nele e vêm de fora também

— do que os pais esperam passivamente da escola etc. O depoimento dos professores mostrou

que eles não falam só de si; falam, também, da herança que carregam, sobretudo em falas

como estas: “tenho X anos de experiência, e isso não vai dar em nada!”; “siga com sua

pesquisa aí, que eu cuido de meus alunos aqui”.

f) Na trilha do item anterior e tendo em vista a escola como “instituição-síntese” da

sociedade, menos “redentora” por um lado, mais rica em possibilidades por outro, os avanços

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e, sobretudo, os impasses internos da gestão democrática nos depoimentos apontam um

significado pedagógico que vai além de resultados imediatos: quando se verifica que dado

professor resiste a apostar na experiência democrática, é por que essa experiência mexe com

sua prática e revolve o que está arraigado socialmente; se ele só reproduz informações no

velho padrão do magister dixit (o mestre disse), então expressa conformidade com um sistema

de práticas, relações e poder que vem de fora para dentro da escola e que ele reproduz — sem

o saber, mas sempre tirando proveito. Noutras palavras, sua dificuldade em reinventar sua

prática na escola, nos conflitos do cotidiano revela sua dificuldade em mudar a prática social.

Aí o ciclo se fecha: o acomodado social (professor) é um acomodado na escola (aí, sim,

naturalmente); daí os resultados discursivos: indisciplina do aluno, crença no que “sempre deu

certo” (transmissão de conhecimento pura e simples, por exemplo) etc. O que chamamos aqui

de “travessia para o novo paradigma” é passagem que se expressa na Escola Estadual Nossa

Senhora da Abadia, mas não vem só dela. Assim, recuar na experiência — seu “fracasso”

como implantação — seria recair no reprodutivismo. Numa palavra, a pesquisa mostrou a

existência de avanços e impasses.

g) A pesquisa mostrou, ainda, o outro lado da resistência. Ao assumir a causa da

experiência interna da democracia, sobretudo quem está preso ao processo do movimento

social e político da década de 1970 e 80, não modificou suas convicções, não caminhou no

tempo e, como num saudosismo, aposta num retorno à década anterior, reagiu ao sentir um

movimento vertical e de “fora para dentro” a ser assimilado como imposição, em especial

no enfrentamento de uma política de Estado. Na pesquisa — diga-se, na leitura de

documentos e nas “escutas” —, este trabalho revela a existência de um distanciamento entre

duas experiências: a “Escola do Aprenda a Ser” (de elaboração interna) e a Escola-

Referência (do governo do Estado), que persegue uma política de resultados típicos das

políticas públicas. No que foi trabalhado num movimento de “linha e agulha” entre o que

quer a comunidade escolar e o que quer o programa do Estado, em nenhum momento —

cumpre ressaltar — quisemos estudar comparativamente os dois programas; mas também

não houve como negar a simultaneidade das duas experiências nos últimos anos (espaço de

tempo da pesquisa).

h) Do ponto de vista revelado nos depoimentos dos sujeitos envolvidos na pesquisa,

há de se ressaltar que a inclusão da fala da gestora não teve sentido “propagandístico” nem

contraditório da experiência. Antes, contrapôs-se criticamente, embora sempre de modo

esperançoso, toda vez que foi chamada a depor, de forma que sua fala representou, ao nosso

ver, um ponto de equilíbrio como um sujeito do processo.

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i) Ainda quanto aos sujeitos do processo, o recorte desta pesquisa não nos permitiu

avaliar a voz de toda a comunidade escolar, sobretudo a dos pais. Se uma experiência de

gestão democrática implica jogo de relações entre os sujeitos, talvez esta seja uma “lacuna” da

pesquisa. Por mais que as falas, em especial a dos docentes, reflitam a presença ou, por vezes,

a ausência de membros “externos” da escola, fica o desejo de leituras posteriores,

complementares. A passagem da escola para um novo tempo, com superação de dificuldades

internas e vivência do cotidiano com criticidade, requer reinventar esse cotidiano com

participação de todos os sujeitos, e não só do professor e seu esforço para ministrar aulas

diferentes a fim de se mostrar “atualizado” — por exemplo, forçando a interdisciplinaridade

apenas formal de conhecimento.

j) Enfim, após uma pesquisa que vem de leituras, observações, interpretações e de

nossa vivência, a gestão democrática da Escola Estadual Nossa Senhora da Abadia mostra,

com evidência, seu aspecto social e histórico, isto é, no horizonte do tempo, como tempo

vivido possível. Contudo, acreditamos que em nenhum momento a pesquisa, que apontou

impasses e avanços, expressou nosso envolvimento emotivo; não fizemos uma leitura

“etapista” da referida experiência, esperando dormir hoje com uma escola “sem democracia”

e acordar amanhã com uma escola plenamente “democrática” e todas as diferenças resolvidas.

Essa escola pode até ter existido na mente dos formuladores de um modelo padrão, mas nunca

existirá na prática enquanto assumir uma “aposta” no jogo democrático. É isso que chamamos

aqui de “travessia”, pois atravessar no marco de experiências e vivências sociais custa caro às

vezes.

Podemos dizer que a filosofia do “Aprenda a Ser” é um movimento de contraposição

à educação para generalidades, acrítica. Embora seja ínfima num universo de poder, trabalha

com o universo humano de maior quantidade do que a escola que defende a lógica do

mercado de uma “elite” pequena, mas que detém o poder. Firma-se a passos lentos, porém

procura juntar a filosofia e a educação para alcançar a universalização dos bens simbólicos

orientadores das formas culturais e educacionais humanizadas, solidárias e éticas. Isso só é

possível mediante o processo democrático, que propicia aos poucos, pela educação,

mecanismos de desenvolvimento humano, ascensão no trabalho, e não só formas de exclusão

e escravização humana veladas ou descobertas.

O processo democrático na sociedade capitalista apresenta contradições que a própria

sociedade vive, incertezas, manipulações e apatias; porém, são estas que propiciam relações

de comparação, identificação, relacionamento e análise, que seguem num processo histórico,

formando o homem e fortalecendo os valores do “Aprenda a Ser”, que têm de vir antes do

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“ter”. Por isso, os depoimentos dos sujeitos foram importantes para este trabalho, sobretudo

para reconhecermos que o caminho se faz no caminhar e — como diz o poeta Manoel de

Barros — faz-nos provedores de sonhos e utopias, numa lógica diversa da educação que “vê”

desigualdades como direito.

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SOUZA, Maria A. A. S. O ensino da geografia na virada do século. In: SOUZA, Maria A. A.; SANTOS, Milton; SCARLATO, Francisco C.; ARROYO, Mônica (Org.). O novo mapa do mundo natureza e sociedade de hoje: uma leitura geográfica. 3. ed. São Paulo: Hucitec-Anpur, 1997.

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TAVARES, José. Relações interpessoais em uma escola reflexiva. In: ALARCÃO, Isabel (Org.) Escola reflexiva e nova racionalidade. Porto Alegre: Artmed, 2001.

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APÊNDICE 1. Respostas do questionário — pré-teste

Painel de respostas do pré-teste PARTICIPAÇÃO E AVALIAÇÃO

IMPORTÂNCIA E DESAFIOS PARA A

ESCOLA

PROCESSO DEMOCRÁTICO

PROBLEMAS DA ESCOLA

Todos participam Coerente em seu propósito pedagógico

Escola trabalha o lado democrático

Ajustes são necessários

Trabalho em conjunto

Projetos coletivos Tudo é discutido e votado, e o que ganhar todos acatam e cumprem

Às vezes democrático demais

Quem decide é a maioria

Construção/execução conjunta do projeto político-pedagógico

Decisões colegiadas; co-responsabilidade

Há os que se aproveitam, não se comprometem

Há anos a escola viveu o processo democrático

— Flexibilidade de opiniões Deixar a responsabilidade para

os mais disponíveis

Participação dos segmentos da escola

Liberdade de agir e pensar que é dada é importante

Todos têm liberdade de falar e colegas não se chatearem

Há os que preferem uma gestão autoritária

As decisões tomadas em conjunto

Maior interação entre professores e diretor

Decisões tomadas coletiva e democraticamente

Liberdade é algo que é preciso ser dado?Não sentir uma liberdade camuflada

Positivo Facilidade no trabalho em grupo

Vivência democrática plena Confundir gestão democrática com falta de compromisso

Boa Vivência diária desafiadora

Decisões tomadas em assembléia; todos têm o direito de expressar sua opinião

Escola-referência: imposições podam a democracia

Estamos no caminho certo

Democracia exige bom senso

Válida a gestão democrática

Questões externas; perda de identidade de gestão democrática; condicionamento dos servidores; não decidir: as decisões são predeterminadas

Melhor situação que noutras escolas

— — Escola perdendo identidade

Bom tom — — Medo começou a imperar Não acontece em outras escolas

— — Trabalhos extras; Escolas-Referência nos adestra

Avanço Facilita a convivência entre funcionários e dirigentes; discutido em grupo

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APÊNDICE 2. Resposta do questionário — pré-teste 2) Conhece a filosofia da Escola “Escola do Aprenda a Ser” que foi construída na perspectiva

do movimento do projeto Escola Cidadã?

1 2 3 4 5 6 7 8 Filosofia e projeto — leituras na escola

Filosofia e projeto — leituras na escola

Não conheço

Filosofia e projeto — leituras na escola

Filosofia — projeto leituras; a) projeto — ações práticas e trabalho em equipe vespertino.

3) Busca a construção, formação plena cidadão — social, política e cultural.

Filosofia; não o projeto

Filosofia e projeto leituras na escola.

9 10 11 12 13 14 15 16 Filosofia; não o projeto

Filosofia e projeto — leituras na escola

Filosofia e projeto — leituras na escola; própria vivência cotidiana

Filosofia; não o projeto

Filosofia; mas não o projeto.

2) Não conheço o projeto

Filosofia e projeto — leituras na escola

Filosofia e projeto — leituras na escola

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3) Qual a sua interpretação da filosofia da escola “Aprenda a Ser”?

1 2 3 4 5 6 7 8 Ensina a vida; o aprendizado com responsabili- dade.

Coerente, participativo, humano, cidadão do bem.

Não conheço.

Perspectiva, futuro vida e maneira ser de cada um de nós.

Dia-a-dia, prática de situações; conflito; pessoas abertas a aprender a ser ou o que precisam ser: cada uma no seu espaço, a partir dela.

Construção e formação do cidadão.

Conteúdo e “Aprenda a Ser” cidadão; respeitar os outros, ser humano, digno, honesto.

Absorvidos pelo CBC; o eixo da escola do “Aprenda a ser” está deixando de existir; sinto-me como um peixe fora d’água; necessidade de mostrar o “Aprenda a Ser; a vida não é só mercadológica, mas humana.

9 10 11 12 13 14 15 16 3) Vivenciar na realidade conceitos apreendidos em sala; inserção do aluno na realidade social; minimizar os efeitos da estratificação social , oferecendo oportunidade-de, conhecimento — abrir porta de trabalho.

— Lutar para alcançar cidadania plena.

Aprender a ser conota “ser” humano, “ser” crítico, “ser” cidadão, “ser” consciente.

— — O que sempre tive para mim foi a velha história de “dar a vara e ensinar a pescar” sem dar o peixe pronto. Fazer parte, propor, tomar decisões e construir o que se propôs é aprender a ser, aprendendo sempre a aprender, nunca se considerando pronto ou acabado, mas sempre em busca. Assim se vislumbrava e se vislumbra a constituição do cidadão.

Projeto: formar cidadão pleno conhecedor de seus diretos e deveres dentro da sociedade.

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APÊNDICE 3. Entrevista com professores

PESQUISA DE CAMPO Entrevista com professores da Escola Estadual Nossa Sra. da Abadia, Uberaba (MG)

GESTÃO DEMOCRÁTICA NA ESCOLA ESTADUAL NOSSA SENHORA DA ABADIA: avanços e impasses no cotidiano docente

Responsável: Ana Luiza Ribeiro Instituição: Universidade de Uberaba/UNIUBE — mestrado em Educação Nome:

___________________________________________________________________________

Escolaridade: ________________________________________________________________

Anos de experiência no magistério: ______________________________________________

Anos de trabalho na Escola Estadual Nossa Senhora da Abadia: ________________________

1) Como você identifica e caracteriza o processo democrático da Escola Estadual Nossa

Senhora da Abadia?

2) Alguns professores afirmam que a escola precisa fazer ajustes em sua implantação da

gestão democrática. Para você, quais ajustes seriam estes?

3) Como você vivencia a relação professor–professor? Direção–professor? Existe autonomia

de ação para o professor dentro da Escola Estadual Nossa Senhora da Abadia?

4) Dentro da sala de aula, como é a sua relação com os alunos?

5) Qual a sua avaliação das assembléias gerais da Escola Estadual Nossa Senhora da Abadia?

O que você tiraria ou acrescentaria nas assembléias?

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APÊNDICE 4. Termo de consentimento

Uberaba, de de 2007

TERMO DE CONSENTIMENTO

GESTÃO DEMOCRÁTICA NA ESCOLA ESTADUAL NOSSA SENHORA DA ABADIA: avanços e impasses no cotidiano docente

Responsável: Ana Luiza Ribeiro.

Instituição: Mestrado em Educação/ Universidade de Uberaba.

Eu, _________________________________________________________________

RG n. __________________________________, abaixo assinado, concordo em participar

deste estudo, tendo recebido informações sobre os objetivos, as justificativas e os

procedimentos que serão adotados durante a sua realização, assim como os benefícios que

poderão ser obtidos.

Autorizo a publicação das informações por mim fornecidas, permitindo minha

identificação, se houver necessidade de destacar meus depoimentos na pesquisa.

Tendo ciência do exposto acima, assino este Termo de consentimento.

___________________________________ _________________________________

Assinatura do pesquisado ou responsável Assinatura do pesquisador responsável

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APÊNDICE 5. Resposta do questionário — pré-teste

Anos de atuação de magistério na Escola Estadual Nossa Senhora da Abadia

PROFESSOR RESPOSTAS A 20 anos B 13 anos C 1 ano D 20 anos E 5 anos F 15 anos G 1 ano H 3 anos I 5 anos J 3 anos L 7 anos M 7 anos N 6 anos O 1 ano P 1 ano Q 30 dias R 10 anos

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1) Qual a sua visão da vivência de uma gestão democrática da Escola Estadual Nossa Senhora da Abadia?

PROFESSOR RESPOSTA

A Vivemos muitos momentos de real participação de todos na construção do projeto do “Aprenda a Ser”. O grupo [docente] construiu o que vislumbrou, estudando, partilhando. Apesar de não perder sua “força”, o grupo se desfez um pouco e acredito que nos “agregamos” ao sistema imposto. Alguns pontos, o grande grupo não tem mais a decisão, e assim esmaece um pouco minha visão de democracia vivida há tempos.

B É uma vivência diária e desafiadora. Há os que se aproveitam para não se comprometer, deixando a responsabilidade para outros mais disponíveis. Há os que preferem uma gestão autoritária e concentração do poder para se eximirem de assumir uma posição. Pessoalmente, penso que estamos no caminho certo, embora haja muita coisa para melhorar. Apesar dos problemas, ainda estamos em melhor situação que a maioria das escolas.

C Mesmo estando há pouco tempo nesta escola, pude já perceber e sentir a opção política adotada pela instituição. A liberdade de agir e pensar que nos é dada é importante para a construção da sabedoria. Mas liberdade é algo que não nos precisa ser dado? Sim, o que digo aqui é não sentir uma liberdade camuflada. É uma pena que alguns profissionais confundam essa gestão democrática com falta de compromisso. A democracia, mais que qualquer outro sistema, exige bom senso!

D Há anos a escola “viveu” um processo democrático real. Com a entrada do Aécio no governo e, também, pelo fato de a escola ter se tornado referência, as imposições começaram a nos podar democraticamente. O medo começou a imperar; os trabalhos extras surgiram de forma imposta. Enfim, a democracia se foi. Nos impuseram trabalhos e mais trabalhos; de uma forma indireta ou direta nos fizeram, ou melhor, nos adestraram.

E Avançamos muito nesse sentido, pois todos os servidores têm a oportunidade de expressar aquilo que pensam. Mas se percebe, também, que, por questões externas, a escola está perdendo a sua identidade de uma gestão democrática, pois essas questões, infelizmente, estão condicionando os servidores a não decidirem quase tudo dentro da escola; as decisões já vêm prontas — determinadas. E isso é sério, pois dessa forma a escola está perdendo sua identidade de uma gestão democrática e participativa.

F Para mim, a gestão democrática vem ao encontro de nossas aspirações mais profundas, que sempre tentamos para que isso aconteça em todas as esferas, em todas as instituições.

G Muito positiva. Não que eu esteja “puxando sardinha” para o lado da escola, mas, pela experiência que tive em outras, a Escola Estadual Nossa Senhora da Abadia trabalha muito bem o lado democrático. Tanto que, às vezes, penso que é isso é “democrático” demais.

H Achei de bom tom, pois todos têm a liberdade de falar e os colegas não ficarem chateados com a pessoa. Isso não acontece em outras escolas. Tudo é discutido e votado, e o que ganhar, todos acatam e cumprem.

I Construção conjunta do projeto político pedagógico e execução através de projetos de interesse comum. Revisões colegiadas com co-responsabilidade na ação pedagógica.

J Acho bastante válida uma gestão democrática dentro da escola, uma vez que as decisões são tomadas em conjunto a partir de várias propostas. Isso faz com que haja maior interação entre professores e direção e, conseqüentemente, uma facilidade no trabalho em grupo.

L Acho boa, já que costumamos trabalhar em conjunto. Como atuo no vespertino, nossos projetos sempre são coletivos.

M Onde todos participam, dando suas idéias, sugestões, opiniões, e quem decide é a maioria. N Participação de todos os segmentos da escola na resolução de certos aspectos que dão margem à

flexibilidade de opiniões. O Apesar de pouco tempo na escola, percebo-a como um lugar onde as decisões a serem tomadas

são feitas de maneira coletiva e democrática. P Em nossa escola, temos uma vivência democrática plena: todas as decisões são tomadas através

de assembléia e todos têm direito de expressar sua opinião. Q Na minha opinião, a escola é muito coerente em seu propósito pedagógico, embora alguns ajustes

têm que ser feitos. R A ação democrática é de extrema necessidade para a formação de cidadania. Facilita a

convivência entre funcionários e a parte dos dirigentes, onde é discutido em grupos e se acatam as diferentes opiniões.

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2) Você conhece a filosofia da “Escola do Aprenda a Ser”, que foi construída na perspectiva do movimento do projeto Escola Cidadã?

Não conheço a filosofia nem o projeto./ Apenas ouvi falar./ Conheço a filosofia, mas não o projeto./ Conheço a filosofia e o projeto através de leituras desenvolvidas de textos dentro da escola./ Outros.

PROFESSOR RESPOSTA

A Conheço a filosofia e o projeto através de leituras desenvolvidas de textos dentro da escola.

B Conheço a filosofia e o projeto através de leituras desenvolvidas de textos dentro da escola.

C Apenas ouvi falar. D Conheço a filosofia e o projeto através de leituras desenvolvidas de textos dentro da escola. E Conheço a filosofia e o projeto através de leituras desenvolvidas de textos dentro da escola. F Conheço a filosofia e o projeto através de leituras desenvolvidas de textos dentro da escola; e da

própria vivência cotidiana. G Conheço a filosofia e o projeto através de leituras desenvolvidas de textos dentro da escola. H Conheço a filosofia, mas não o projeto. I Apenas a filosofia, mas não o projeto. J Não conheço o projeto. L Conheço a filosofia e o projeto através de leituras desenvolvidas de textos dentro da escola. M Conheço a filosofia e o projeto através de leituras desenvolvidas de textos dentro da escola. N Não conheço o projeto. O Conheço a filosofia, mas não o projeto. P Não conheço o projeto. Q Não conheço a filosofia nem o projeto. R Conheço a filosofia e o projeto através de leituras desenvolvidas de textos dentro da escola.

2.1) Se assinalou outros, responda quais?

PROFESSOR RESPOSTA

A Conheço não só de leituras, mas também “botando a mão na massa”. B Conheço a filosofia e o projeto através de ações práticas e do trabalho em equipe realizado no

vespertino. C — D — E — F — G — H — I — J — L — M — N — O — P — Q — R —

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3) Qual é a sua interpretação da filosofia da “Escola do Aprenda a Ser”? PROFESSOR RESPOSTA

A A que sempre tive para mim foi a velha história de “dar a vara e ensinar a pescar” sem dar o peixe pronto. Fazer parte, propor, tomar decisões e construir o que a se propôs, tomar decisões e construir o que se propôs é aprender a ser, aprendendo sempre a aprender, nunca se considerando pronto ou acabado, mas sempre em busca. Assim se vislumbrava e se vislumbra a constituição do cidadão.

B É uma filosofia que se constrói no dia-a-dia, na prática, a partir das situações conflituosas ou não. Depende, para se concretizar, do quanto as pessoas envolvidas estão abertas a aprender a ser o que precisam ser, cada uma no seu espaço, para crescermos juntos a partir dela.

C Uma filosofia que busca a construção e formação plena do cidadão — social, política, cultural. D Estamos tão absorvidos e, também, perdidos com o tal do CBC, que me parece que o eixo da

“Escola do Aprenda a Ser” está deixando de existir. Sinto-me, nesse momento, um peixe fora d’água. Mesmo assim, tento questionar e mostrar aos alunos a necessidade de aprender acima de tudo... ser gente em todos os aspectos. A vida não é só mercadológica, mas, acima de tudo, humana. É assim que tento incutir no aluno a necessidade dos vários aspectos do “aprender”.

E É um projeto que busca formar o cidadão pleno conhecedor de seus direitos e de seus deveres dentro da sociedade.

F Aprendendo a ser, estaremos lutando para alcançarmos uma cidadania plena. Algo que ninguém tirava de nós é o caminho para a realização.

G Escola que ensina para a vida. O aprendiz de como pessoa, entocando principalmente o caráter e a responsabilidade.

H Que devemos passar o conteúdo e passar também para os nossos alunos o aprenda a ser cidadão, respeitar os outros seres humanos. Digno. Honesto, que o lado do crime não compensa.

I — J — L Ensina-nos a mostrar aos alunos uma perspectiva melhor em relação ao futuro, à vida e à

maneira de ser de cada um de nós. M Aprenda a ser: coerente, participativo, humano, cidadão do bem. N — O “Aprenda a Ser” conota “ser” humano, “ser” crítico, “ser” crítico, “ser” consciente. P — Q — R —