Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014...

129
outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo Responsabilidade do Produtor Perante o Consumidor na Venda de Bens de Consumo Universidade do Minho Escola de Direito Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo Responsabilidade do Produtor Perante o Consumidor na Venda de Bens de Consumo UMinho|2014

Transcript of Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014...

Page 1: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

outubro de 2014

Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo

Responsabilidade do Produtor Perante o Consumidor na Venda de Bens de Consumo

Universidade do Minho

Escola de Direito

Ber

nard

o Jo

aqui

m A

zeve

do E

vang

elis

ta E

stev

es A

raúj

oR

esp

on

sab

ilid

ad

e d

o P

rod

uto

r P

era

nte

o C

on

sum

ido

r n

a V

en

da

de

Be

ns

de

Co

nsu

mo

UM

inho

|201

4

Page 2: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

Trabalho realizado sob a orientação do

Professor Doutor Fernando Gravato de Morais

outubro de 2014

Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo

Universidade do Minho

Escola de Direito

Dissertação de MestradoMestrado em Direito dos Contratos e da Empresa

Responsabilidade do Produtor Perante o Consumidor na Venda de Bens de Consumo

Page 3: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

DECLARAÇÃO

Nome

Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo

Endereço electrónico: [email protected]

Número do Bilhete de Identidade: 13506795

Título

Responsabilidade do Produtor Perante o Consumidor na Venda de Bens de Consumo

Orientador(es):

Professor Doutor Fernando Gravato de Morais

Ano de conclusão: 2014

Designação do Mestrado:

Mestrado em Direito dos Contratos e da Empresa

É AUTORIZADA A REPRODUÇÃO INTEGRAL DESTA DISSERTAÇÃO APENAS PARA EFEITOS DE INVESTIGAÇÃO, MEDIANTE DECLARAÇÃO ESCRITA DO INTERESSADO, QUE A TAL SE COMPROMETE;

Universidade do Minho, 31/10/2014 Assinatura: ________________________________________________

Page 4: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

iii

AGRADECIMENTOS

Agradeço e dedico este trabalho à minha Mãe, por todo o apoio e ajuda ao longo da minha vida.

Agradeço e dedico à memória do meu Pai.

Ao Ícaro, pela inspiração e exemplo que é para mim.

Agradeço ao Exmo. Professor Doutor Fernando de Gravato Morais, orientador desta tese de

Mestrado, pela disponibilidade e contribuição dada para a conclusão da mesma.

Page 5: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

iv

Page 6: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

v

RESPONSABILIDADE DO PRODUTOR PERANTE O CONSUMIDOR NA VENDA DE

BENS DE CONSUMO

A presente dissertação dedica-se ao estudo da compra e venda de bens de consumo,

particularmente da responsabilidade do produtor perante o consumidor pela desconformidade

dos bens de consumo por si fabricados. A consagração de tal responsabilidade foi ponderada na

Diretiva de 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, sobre certos

aspetos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas. No entanto, não foi

consagrada no texto comunitário, circunstância que não obstou à sua previsão pelo legislador

português, no Decreto –Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, com a redação do Decreto – Lei n.º

84/2008, de 21 de Maio.

Este trabalho encontra-se estruturado em dois capítulos.

No primeiro capítulo, procedemos a uma breve análise do regime geral da compra e venda de

coisas defeituosas constante do código civil, analisamos a Diretiva 1999/44/CE, seus princípios

orientadores, bem como o DL n.º 67/2003, de 8 de Abril, com as alterações introduzidas pela

redação do DL n.º 84/2008, de 21 de Maio, o qual constitui o regime especial, aplicável à

compra e venda de bens de consumo entre um vendedor profissional e um consumidor – e bem

ainda elencaremos os direitos e garantias conferidos ao consumidor por força dessa Diretiva.

No capítulo II, dedicamo-nos à análise do alcance da responsabilidade direta do produtor perante

o consumidor, bem como à forma como os princípios e objetivos da Diretiva 1999/44/CE foram

aplicados nos ordenamentos jurídicos de Espanha, França e Alemanha, designadamente quanto

à consagração do tipo de responsabilidade do produtor.

Page 7: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

vi

Page 8: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

vii

RESPONSIBILITY OF THE PRODUCER TO THE CONSUMER IN THE SALE OF

CONSUMER GOODS

This paper is dedicated to the study of the purchase and sale of consumer goods, particularly the

responsibility of the producer to the consumer by the inconsistency of consumer goods

manufactured by him. The consecration of such responsibility was weighted at 1999/44 / EC

Directive of the European Parliament and of the Council of 25 May, on certain aspects of the sale

of consumer goods and associated guarantees. However, it was not enshrined in the EC text, a

circumstance that has not altered its forecast for the Portuguese legislator in Decree-Law

67/2003, of April 8, with the wording of Decree - Law No. 84/2008 of 21 May.

This paper is structured in two chapters.

In the first chapter, we proceed to a brief analysis of the general scheme of the purchase and

sale of defective things contained in the civil code, analyzed the Directive 1999/44 / EC, its

guiding principles and DL 67/2003 of 8 April, as amended by the wording of Decree No.

84/2008, of 21 May, which is the special system for the purchase and sale of consumer goods

from a professional seller and a consumer - and still we will list the rights and guarantees granted

to the consumer under this special law.

In Chapter II, we dedicate to the analysis of the scope of the direct responsibility of the producer

to the consumer, as well as to how the principles and objectives of Directive 1999/44 / EC have

been implemented in the laws of Spain, France and Germany, particularly as the consecration of

the type of producer responsibility.

Page 9: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

viii

Page 10: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

ix

ÍNDICE

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................. 15

CAPITULO I

A RELAÇÃO VENDEDOR-COMPRADOR/CONSUMIDOR

1- NATUREZA DA RELAÇÃO CONTRATUAL ESTABELECIDA ENTRE VENDEDOR E CONSUMIDOR (REGIME GERAL DO

CÓDIGO CIVIL) ........................................................................................................................... 21

1.1 – O CONTRATO DE COMPRA E VENDA - A ENTREGA DA COISA; ...................................................... 21

1.2 – O CONTRATO DE COMPRA E VENDA - PAGAMENTO DO PREÇO DEVIDO .......................................... 22

1.3 -PARTICULARIDADES DOS CONTRATOS DE CONSUMO ................................................................. 23

1.3.1 - FORMAÇÃO DO CONTRATO .......................................................................................... 23

1.3.2 -FORMA DO CONTRATO ................................................................................................ 23

2 – CUMPRIMENTO DO CONTRATO – PRINCÍPIOS DA PONTUALIDADE E DA BOA-FÉ ................................... 24

3 – COMPRA E VENDA DE COISAS DEFEITUOSAS NO REGIME GERAL (ARTIGOS 913.º E SEGUINTES DO CÓDIGO

CIVIL) ...................................................................................................................................... 25

3.1 -NOÇÃO DE DEFEITO .......................................................................................................... 26

3.1.1 -QUALIDADE NORMAL E QUALIDADE ACORDADA ................................................................. 26

3.1.2 -VALOR DA COISA ....................................................................................................... 27

3.2 -DEFEITO OCULTO, DEFEITO APARENTE E DEFEITO CONHECIDO .................................................... 27

3.3 – DIREITOS DO COMPRADOR PERANTE A COMPRA DE COISA DEFEITUOSA........................................ 28

3.3.1 -RESOLUÇÃO DO CONTRATO ......................................................................................... 28

3.3.2 - REPARAÇÃO DO DEFEITO OU SUBSTITUIÇÃO DA COISA ....................................................... 28

3.3.3 - REDUÇÃO DO PREÇO ................................................................................................. 29

3.4.4 -INDEMNIZAÇÃO ......................................................................................................... 29

3.5 -CONEXÃO ENTRE OS DIVERSOS DIREITOS DO COMPRADOR .......................................................... 30

3.6 -GARANTIA ...................................................................................................................... 30

3.7 -PRAZOS PARA O EXERCÍCIO DOS DIREITOS .............................................................................. 31

4- DIREITOS CONSTITUCIONALMENTE CONFERIDOS AO CONSUMIDOR ..................................................... 32

5 –A DIRETIVA 1999/44/CE DO PARLAMENTO E DO CONSELHO, DE 25 DE MAIO DE 1999 “ RELATIVA A

CERTOS ASPETOS DA VENDA DE BENS DE CONSUMO E DAS GARANTIAS A ELA RELATIVAS” ............................. 34

Page 11: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

x

5.1 - OBJETIVOS DA DIRETIVA.................................................................................................... 36

5.2 – ÂMBITO DE APLICAÇÃO DA DIRETIVA ................................................................................... 37

5.3 – CONFORMIDADE DO BEM DE CONSUMO COM O CONTRATO ....................................................... 37

6 – DIREITOS DO CONSUMIDOR ..................................................................................................... 39

7 -PRAZOS ................................................................................................................................ 40

8- IRRENUNCIABILIDADE DOS DIREITOS RECONHECIDOS AOS CONSUMIDORES ........................................... 41

9 – COMPATIBILIDADE DAS DISPOSIÇÕES NACIONAIS COM O EXERCÍCIO DOS DIREITOS ATRIBUÍDOS PELA

DIRETIVA .................................................................................................................................. 42

10 – Transposição da Diretiva para o ordenamento jurídico português (Pelo Decreto – Lei n.º

67/2003, de 8 de Abril com a redação do Decreto – Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio) ........... 42

10.1 – ÂMBITO DE APLICAÇÃO DO DECRETO - LEI 67/2003, DE 8 DE ABRIL (ALTERADO PELO DECRETO- LEI

N.º 84/2008, DE 21 DE MAIO) ................................................................................................ 44

10.2 – DEFINIÇÃO DE CONSUMIDOR .......................................................................................... 44

10.3 – DEFINIÇÃO DE VENDEDOR .............................................................................................. 45

10.4 -DEFINIÇÃO DE BEM DE CONSUMO ...................................................................................... 46

10.5 - CONFORMIDADE COM O CONTRATO ................................................................................... 46

10.6 – PRESUNÇÕES DE CONFORMIDADE .................................................................................... 48

10.7 – NÃO CONFORMIDADE CONHECIDA DO CONSUMIDOR ............................................................. 50

10.8 – FALTA DE CONFORMIDADE RESULTANTE DE MÁ INSTALAÇÃO ................................................... 51

11 – DIREITOS DO CONSUMIDOR ................................................................................................... 52

11.1- HIERARQUIA DOS DIREITOS .............................................................................................. 53

11.2 – REPARAÇÃO OU SUBSTITUIÇÃO DO BEM ............................................................................. 54

11.3 – REDUÇÃO DO PREÇO OU RESOLUÇÃO DO CONTRATO ............................................................ 55

11.4- ESCOLHA DO CONSUMIDOR E ABUSO DE DIREITO ................................................................... 56

11.5 – PRAZOS PARA EXERCÍCIO DOS DIREITOS DO CONSUMIDOR ...................................................... 56

11.6 – GARANTIA LEGAL DE CONFORMIDADE ................................................................................ 57

11.7 - PRAZO PARA EXERCÍCIO DOS DIREITOS .............................................................................. 62

11.7.1 – PRAZO DE DENÚNCIA DA FALTA DE CONFORMIDADE ....................................................... 63

Page 12: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

xi

11.7.2 – O PRAZO DE CADUCIDADE DA AÇÃO ........................................................................... 65

12 – BENS USADOS ................................................................................................................... 68

12.1 – PRAZO DE PRESCRIÇÃO ................................................................................................. 68

CAPÍTULO II

A RELAÇÃO PRODUTOR- CONSUMIDOR

1 – RELAÇÃO PRODUTOR - CONSUMIDOR ........................................................................................ 73

1.1 - DEFINIÇÃO DE PRODUTOR ................................................................................................. 73

1.1.1 -PRODUTOR REAL ...................................................................................................... 74

1.1.2 -PRODUTOR PRESUMIDO.............................................................................................. 74

1.1.3 -PRODUTOR APARENTE ................................................................................................ 75

2 - RESPONSABILIDADE DIRETA DO PRODUTOR................................................................................... 75

3- (IN) VIABILIDADE DE O CONSUMIDOR OBTER UMA INDEMNIZAÇÃO DO PRODUTOR ................................... 78

4- BENEFÍCIOS, PARA O CONSUMIDOR, DA CONSAGRAÇÃO DA RESPONSABILIDADE DIRETA ........................... 82

5 -A NÃO INCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE DIRETA NO TEXTO DA DIRETIVA .............................................. 84

6 - AÇÃO DIRETA ........................................................................................................................ 87

6.1 -ÂMBITO SUBJETIVO DA AÇÃO DIRETA ..................................................................................... 90

6.2 – ÂMBITO OBJETIVO DA AÇÃO DIRETA .................................................................................... 91

7 - OPONIBILIDADE DO PRODUTOR AOS DIREITOS DO CONSUMIDOR ....................................................... 92

7.1 – O PRODUTOR DE PARTE COMPONENTE DO PRODUTO .............................................................. 93

7.2 – DESCONFORMIDADE POR FORÇA DE NORMAS IMPERATIVAS ...................................................... 94

7.3 – A NÃO COLOCAÇÃO DO BEM EM CIRCULAÇÃO (AL. B)) ............................................................ 94

7.4 – PRODUÇÃO SEM FIM LUCRATIVO OU FORA DO ÂMBITO DE ATIVIDADE PROFISSIONAL (AL. D)) ............ 94

7.5 – A CADUCIDADE ( AL.E) ) .................................................................................................. 95

8 - DIREITO COMPARADO ............................................................................................................. 95

Page 13: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

xii

8.1 - INTRODUÇÃO - LEY N.º23/2003, DE 10 DE JULIO, REVOGADA PELO REAL DECRETO LEGISLATIVO

N.º1/2007, DE 16 DE NOVIEMBRE ........................................................................................... 95

8.2 - ÂMBITO DE APLICAÇÃO ..................................................................................................... 96

8.3 -SUJEITOS ....................................................................................................................... 97

8.4 -CONFORMIDADE COM O CONTRATO ...................................................................................... 98

8.5 -DIREITOS DO CONSUMIDOR PERANTE A FALTA DE CONFORMIDADE ............................................. 101

8.6 - PRAZOS ...................................................................................................................... 103

8.7 -RESPONSABILIDADE DO PRODUTOR .................................................................................... 104

8.8 -Real Decreto Legislativo n.º 1/2007, de 16 de novembro ........................................... 105

9 - ORDENAMENTO JURÍDICO FRANCÊS ......................................................................................... 107

9.1 – INTRODUÇÃO - ORDONNANCE N°2005-136 DU 17 FÉVRIER 2005........................................ 107

9.2 – ÂMBITO DE APLICAÇÃO ................................................................................................. 109

9.3 - SUJEITOS .................................................................................................................... 109

9.4 -CONFORMIDADE COM O CONTRATO .................................................................................... 110

9.5 -PRINCÍPIO DA CONFORMIDADE DOS BENS COM O CONTRATO E GARANTIA LEGAL DE CONFORMIDADE .. 110

9.6 – (IR)RESPONSABILIDADE DO PRODUTOR PERANTE O CONSUMIDOR PELA DESCONFORMIDADE DO BEM 112

10 - ORDENAMENTO JURÍDICO ALEMÃO......................................................................................... 113

10.1 -INTRODUÇÃO – TRANSPOSIÇÃO DA DIRETIVA 1999/44/CE ATRAVÉS DA REFORMA DO BGB (CÓDIGO

CIVIL ALEMÃO), PELA LEI 1/2002 ........................................................................................... 113

10.2 -ÂMBITO DE APLICAÇÃO .................................................................................................. 115

10.3 -CONFORMIDADE COM O CONTRATO .................................................................................. 117

10.4 -DIREITOS DO COMPRADOR ............................................................................................. 118

10.5 –(IR)RESPONSABILIDADE DO PRODUTOR PERANTE O CONSUMIDOR PELA DESCONFORMIDADE DO BEM

........................................................................................................................................ 119

CONCLUSÃO ............................................................................................................................ 120

BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................................... 125

Page 14: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

xiii

ABREVIATURAS E SIGLAS

Ac. – Acórdão

Anot.– Anotação

Art. (s) – Artigo(s)

Al – Alínea

BMJ – Boletim do Ministério da Justiça

BGB – Bürgerliches Gesetzbuch (Código Civil Alemão)

C.C – Código Civil

CE – Comunidade Europeia

CEE – Comunidade Económica Europeia

Cit – Citada

Cfr – Confira

COM –Comissão das Comunidades Europeias

CJCE – Cour de Justice des Communautés Européennes

CPC – Código de Processo Civil

CRP – Constituição da República Portuguesa

CSC – Código das Sociedades Comerciais

DL – Decreto- Lei

Ed – Edição

EDC- Estudos de Direito do Consumidor

JOCE – Jornal Oficial da União Europeia

LDC – Lei da Defesa do Consumidor

LGDCU – Ley general para la defensa de los consumidores y usuarios

LGVBC –Ley de garantías en la venta de bienes de consumo

LOCM – Ley de ordenación del comercio minorista

MEDEF –Mouvement des Enterprises de France

Proc. – Processo

RDL –Real Decreto Legislativo

RDP – Responsabilidade Direta do Produtor

SS – Seguintes

STJ – Supremo Tribunal de Justiça

Page 15: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

xiv

T – Tomo

T.R.E. Tribunal da Relação de Évora

TRL –Tribunal da Relação de Lisboa

TRP –Tribunal da Relação do Porto

Vol – Volume

Page 16: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

15

INTRODUÇÃO

O presente estudo insere-se no âmbito do direito do consumo e tem por objetivo analisar a

responsabilidade direta do produtor perante o consumidor, originada pela desconformidade do

bem por aquele produzido e por este adquirido.

Encontra-se estruturado em dois capítulos.

Ao longo do primeiro capítulo, percorreremos o regime geral da compra e venda de coisas

defeituosas constante do código civil, analisaremos a Diretiva 1999/44/CE, de 25 de Maio

referente a certos aspetos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, seus

princípios orientadores, bem como o diploma de transposição para o nosso ordenamento jurídico

dessa mesma Diretiva - o Decreto -Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, com as alterações

introduzidas pela redação do Decreto -Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio, o qual constitui o regime

especial, aplicável à compra e venda de bens de consumo entre um vendedor profissional e um

consumidor – e bem ainda elencaremos os direitos conferidos ao consumidor por força dessa

Diretiva.

Serão, igualmente, definidos conceitos “base”, no âmbito destes contratos, tais como

“consumidor”, “vendedor”, “produtor”, “conformidade do bem”, “bens de consumo”, dada a

pertinência da sua definição para melhor compreensão do que é abrangido por este regime.

Numa segunda fase, constante do segundo capítulo, dedicar-nos-emos ao tema que subjaz a

esta dissertação – qual a responsabilidade do produtor perante o consumidor relativamente aos

bens de consumo por si fabricados.

Por fim, terminaremos este capítulo com a análise de direito comparado, dos ordenamentos

jurídicos espanhol, francês e alemão, no sentido de apurar qual o método de transposição e de

que forma consagraram os princípios e objetivos da Diretiva nos respetivos ordenamentos, as

opções tomadas pelos legisladores desses ordenamentos no que à defesa do consumidor diz

respeito, comparando tal proteção com a vigente no nosso ordenamento jurídico.

Como nota introdutória é de esclarecer e definir o âmbito do presente trabalho.

Desta forma, apenas será analisada a responsabilidade do produtor pela desconformidade dos

bens de consumo, isto é, por possíveis vícios que estes possam apresentar após a sua

Page 17: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

16

colocação no mercado e posterior venda, não sendo objeto de análise a responsabilidade civil do

produtor por danos causados por produtos defeituosos por si fabricados (matéria regulada pelo

Decreto-Lei n.º 383/89, de 06 de Novembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 131/2001, de 24 de

Abril).

Antes de iniciarmos o estudo do atual regime, importa proceder a uma fugaz passagem pela

“história”, no sentido de expor o (longo) caminho percorrido até chegarmos a uma legislação

especificamente direcionada para a proteção do consumidor.

A responsabilidade civil do produtor perante o consumidor (seja pelos danos causados por

produtos defeituosos seja somente pelos defeitos dos produtos por si fabricados) começou a

suscitar interesse na doutrina dos EUA devido ao crescente aumento da produção, distribuição e

consumo massivo. Esta nova realidade (suscitada devido à Revolução Industrial) introduziu a

necessidade de se ponderar a hipótese do ressarcimento efetuado pelo produtor ou fabricante –

pelos produtos defeituosos por si produzidos e colocados no mercado – a indivíduos com os

quais não foi estabelecida nenhuma relação contratual direta.

A já referida Revolução Industrial veio alterar o modo e a escala em que a produção era

realizada. Tecnologicamente, houve uma grande evolução na produção de bens, surgindo a

crescente tendência para o homem ser substituído pela máquina. Este progresso tecnológico

tornou necessária a aplicação de um planeamento industrial para essa mesma produção, com

vista a um melhor e mais preciso resultado – o produto final- onde a organização das várias

fases de produção desempenha um papel fulcral.

Com esta revolução iniciou-se a introdução das máquinas nas linhas de produção das fábricas,

máquinas essas que com o avançar dos tempos se tornaram cada vez mais sofisticadas e

autónomas, tornando o processo de fabrico mais estável e seguro – não fazem greve, não

adoecem ou têm problemas pessoais – permitindo, também, tornar os preços do produto final

mais atrativos e acessíveis a um maior número de consumidores finais.

Ora, naturalmente, a consequência do supra referido foi a produção em série (por contraposição

aos longínquos tempos em que os produtos eram feitos unicamente pelo Homem e “à mão”,

tornando cada produto diferente, embora iguais na finalidade e propósito1), o que conduz a

1 Hoje em dia apenas os artesãos é que ainda fazem os seus produtos à mão, tornando-os únicos e até nalguns casos personalizáveis consoante o consumidor, sendo no entanto e infelizmente uma profissão e arte cada vez mais em vias de extinção;

Page 18: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

17

centenas e centenas de produtos iguais a serem fabricados e “ largados” no mercado

diariamente.

Posto isto, colocamos a seguinte pergunta, a qual serve de mote para o tema da nossa

dissertação:

Que tipo de responsabilidade tem o produtor perante o consumidor na venda de bens de

consumo e qual o seu alcance?

Page 19: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

18

Page 20: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

19

CAPITULO I

Page 21: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

20

Page 22: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

21

1- NATUREZA DA RELAÇÃO CONTRATUAL ESTABELECIDA ENTRE VENDEDOR E CONSUMIDOR

(REGIME GERAL DO CÓDIGO CIVIL)

Antes de nos debruçarmos sobre a relação produtor – consumidor na venda de bens de

consumo (a que nos dedicaremos no segundo capitulo da presente dissertação), importa definir

e caracterizar a relação vendedor –comprador/consumidor, pois sem esta relação não se coloca

sequer em questão a outra, no sentido em que o denominador comum é o produto vendido por

este e produzido por aquele e cujo destinatário final é o consumidor.

Desta forma, a relação vendedor – consumidor, assenta num contrato de compra e venda2

através do qual se transmite a propriedade de uma coisa mediante um preço.

Portanto, deste contrato decorrem obrigações fundamentais para ambas as partes, a saber:

- A obrigação de transmitir a propriedade da coisa ou a titularidade do direito e de entrega da

coisa3 – relativamente ao vendedor;

- A obrigação de proceder ao pagamento do preço4 - quanto ao comprador/consumidor.

1.1 – O CONTRATO DE COMPRA E VENDA - A ENTREGA DA COISA;

Quanto à obrigação de entrega da coisa, o vendedor deve empossar o comprador/consumidor

na posse efectiva da coisa, quer seja através da tradição material ou simbólica da coisa – art.

1263.º, al. b) do Código Civil – ou pelo constituto possessório – art. 1263.º, al. c) e art. 1264.º

do Código Civil.

Por forma a cumprir esta obrigação, o vendedor deverá investir o comprador na posse efetiva da

coisa adquirida, na colocação da coisa à disposição deste no local e na data acordados, ou

quando estes não sejam determinados, no local e data fixados por lei5 (art. 772.º e seguintes,

art. 777.º e seguintes, e art. 797.º, todos do Código Civil). O vendedor, cumprida que seja a

obrigação de entrega da coisa vendida, tem o direito de exigir a quitação ao comprador, ou

recusar a entrega enquanto essa mesma quitação não for facultada, de acordo com o disposto

no artigo 787.º do Código Civil.

2 Regulado nos artigos 874.º e seguintes do C.C; 3 Alíneas a) e b) do artigo 879.º do C.C; 4 Alínea c) do artigo 879.º do C.C; 5 Tal ato corresponde ao elemento negativo da traditio, que se traduz no abandono da coisa pelo antigo detentor;

Page 23: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

22

No entanto, a obrigação de entrega da coisa, por parte do vendedor, não se esgota na

transferência da posse, tendo igualmente tanta ou mais relevância o estado em que se encontra

a mesma, pois terá de ser entregue conforme o contrato.

Nos termos do artigo 882.º, n.º 1 do Código Civil, “ A coisa deve ser entregue no estado em que

se encontrava ao tempo da venda”, sendo que o vendedor tem ainda a responsabilidade

acessória de a conservar, suportando as despesas necessárias para tal, entre o momento da

transferência da propriedade (desfecho da venda) e a entrega no prazo definido. Acresce o

número 2 do aludido artigo que a obrigação de entrega engloba, salvo estipulação em contrário,

as partes integrantes – cfr. art.204.º, n.º3 do Código Civil – mas não as partes acessórias – cfr.

210.º, n.º 2 Código Civil – os frutos pendentes – cfr. art. 213.º Código Civil – e os documentos

referentes à coisa ou direito.

Posto isto, a coisa entregue deve ser a prevista no contrato, de acordo com as especificações e

condições aceites pelas partes, isto é, se a coisa recebida não respeitar as especificidades, tais

como os atributos, a quantidade, natureza ou género previstas pelas partes existirá

desconformidade com o contrato, e o comprador não atingirá o “contentamento” pretendido.

1.2 – O CONTRATO DE COMPRA E VENDA - PAGAMENTO DO PREÇO DEVIDO

Relativamente à obrigação de pagamento do preço e por força do carácter bilateral e

sinalagmático do contrato de compra e venda esta deverá ser cumprida, na falta de convenção

ou usos em contrário, no momento e no lugar de entrega da coisa vendida, nos termos do artigo

885.º do Código Civil, podendo o vendedor suspender a entrega da coisa enquanto o preço não

lhe for pago ou oferecido em simultâneo – artigo 428.º do Código Civil.

Todavia, na circunstância da propriedade já ter sido transmitida e a entrega da coisa efetuada o

vendedor não pode resolver o contrato por falta de pagamento do preço – artigo 886.º do Código

Civil.6

Na concretização da sua obrigação o vendedor/devedor deve respeitar rigorosamente os termos

do contrato (arts. 408.º e 763.º do Código Civil), entregando a coisa acordada, não podendo o

comprador ser forçado a receber coisa diferente da devida (art. 837.º do Código Civil).

6 Sem contudo esquecer que esta norma tem caracter excecional mas não imperativo, derrogando a regra de resolução por incumprimento prevista no n.º 2 do art. 801.º do Código Civil. O vendedor pode, no entanto e se assim entender, afastar esta impossibilidade de resolução – art.886.º do C.C - através da inclusão no contrato de uma cláusula resolutiva expressa, que permite resolver o contrato por falta de pagamento do preço.

Page 24: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

23

Como contraposição a esta obrigação de entrega, o comprador tem a obrigação de receção da

coisa nos termos acordados7.

1.3 -PARTICULARIDADES DOS CONTRATOS DE CONSUMO

Podemos definir o contrato de consumo como “ o contrato que incide sobre uma coisa, um

serviço ou um direito destinado a uso não profissional de um dos contraentes, sempre que o

outro contraente atue no âmbito da sua atividade profissional.”8

Os intitulados contratos de consumo, não se resumem apenas aos contratos de compra e venda

de um bem de consumo (tema abordado na presente dissertação), podendo incidir em qualquer

outro dos contratos regulados no Código Civil, desde que as partes sejam um vendedor

profissional e um consumidor, a atuar nessas vestes, relevando para qualificar um contrato

como sendo de consumo a “qualidade” em que as partes intervêm nesse contrato (vendedor

profissional e consumidor).

1.3.1 - FORMAÇÃO DO CONTRATO

Este tipo de contratos, formam-se segundo as regras próprias dos contratos de consumo e

subsidiariamente de acordo com as regras do Código Civil.

1.3.2 -FORMA DO CONTRATO

O nosso ordenamento jurídico consagra o princípio da liberdade de forma (artigo 219.º do

Código Civil).

Deste modo e salvo quando a lei o exigir ou as partes convencionarem, a declaração negocial

não está sujeita a qualquer forma especial. Pelo que, os contratos, em regra formam-se por

mero consenso.

No entanto e particularmente no âmbito do direito do consumo, nota-se o ressurgimento do

formalismo9.

7 Consistindo este ato no elemento positivo da traditio , isto é, a apreensão da coisa, através da tomada de poder sobre a mesma; 8 Cfr Jorge Morais CARVALHO, Manual de direito do consumo, 1.ª edição, almedina,2013 p. 21. 9 Cfr. João Calvão da SILVA, Responsabilidade Civil do Produtor, 1990, p. 78; Carlos Ferreira de ALMEIDA, Direito do Consumo, Almedina, 2005, p. 88;

Page 25: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

24

Embora não esteja instituída uma regra geral para o direito do consumo, a imposição de forma

escrita10 encontra-se prevista nalguns diplomas (por exemplo, os contratos de crédito ao

consumo - art. 12.º, n.º 1 do DL 133/2009 - ou os contratos celebrados no domicilio e

equiparados - art. 16.º, n.º 1 do DL 143/2001).

2 – CUMPRIMENTO DO CONTRATO – PRINCÍPIOS DA PONTUALIDADE E DA BOA-FÉ

Todos os contratos devem respeitar e ter por base os princípios da pontualidade e da boa-fé.

Pontualidade na medida em que nos termos do artigo 406.º n,º 1 do Código Civil, “ O contrato

deve ser pontualmente cumprido, e só pode ser modificado ou extinguir-se por mútuo

consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei”, isto é, os termos e cláusulas

previstas no contrato devem ser rigorosamente cumpridas, com as prestações a serem

realizadas integralmente e não por frações, com exceção dos casos em que as partes acordam

diferente ou a lei ou os usos assim o imponham,11 e o devedor não poderá dispensar-se

mediante prestação diferente da devida, a não ser que o credor assim o consinta12, como

também não poderá exigir a redução da sua prestação recorrendo à sua dificuldade em realizá-

la, efetuando apenas o que alega poder fazer.

O principio da boa-fé determina que “ no cumprimento da obrigação, assim como no exercício

do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé”13. As partes neste caso, serão o

vendedor e o comprador/consumidor, que deverão atuar tendo por base a correção, sinceridade,

a franqueza e a seriedade inerentes a pessoas de bem, características estas intrínsecas à

cooperação e solidariedade contratual a que mutuamente se vincularam.

Caracterizado o tipo de contrato, que está na base da relação vendedor-comprador, surge agora

a seguinte questão – Que mecanismos se encontram à disposição do comprador quando o bem

adquirido não corresponde ao esperado ou demonstra defeitos ou problemas que impedem a

prossecução do fim a que se destina?

10 Para mais desenvolvimentos, Cfr Jorge Morais CARVALHO, Manual de direito do consumo, cit.,p. 22 e ss; 11 Cfr. Art. 763.º, n.º 1 do C.C; 12 Cfr. Art. 837.º do C.C; 13 Cfr. Art. 762.º, n.º 2 do C.C;

Page 26: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

25

A esta pergunta responderemos nas secções seguintes, analisando os dois regimes em vigor

(geral e especial), apesar de, ao consumidor, se aplicar o especial, em tudo o que o geral não for

mais benéfico.

3 – COMPRA E VENDA DE COISAS DEFEITUOSAS NO REGIME GERAL (ARTIGOS 913.º E SEGUINTES DO

CÓDIGO CIVIL)

Em primeiro lugar, vejamos o regime geral (aplicável a qualquer compra e venda, seja ela

efetuada entre sujeitos profissionais, sujeitos não profissionais e abrangendo qualquer bem

transacionável, seja ele considerado bem de consumo ou não), regime esse previsto e regulado

no Código Civil sob a secção intitulada Venda de Coisas Defeituosas e que se encontra nos seus

artigos 913.º e seguintes.

Iremos analisar este regime geral constante do Código Civil de forma breve, apenas por uma

lógica de sistematização de matérias, não sendo este o tema que nos propusemos analisar,

razão pela qual apenas nos iremos pronunciar acerca do mesmo de forma enunciativa e

descritiva.

Posto isto, o artigo 913.º do Código Civil determina: “ Se a coisa vendida sofrer de vício que a

desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada ou não tiver as qualidades

asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as

devidas adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo o que não seja modificado pelas

disposições dos artigos seguintes.14”

Quanto às aludidas categorias de vícios presentes e enunciadas no artigo 913.º elas são:

- Vicio que desvalorize a coisa;

- Vício que impeça a realização do fim a que se destina;

- Falta das qualidades asseguradas pelo vendedor;

14 A Ratio desta remissão (ainda) efetuada pelo artigo 913.º para o instituto do erro e do dolo (que a nosso ver não faz atualmente qualquer sentido) entende-se se lermos o anteprojeto de Galvão Teles, onde era clara a corrente doutrinária dominante de outrora, acerca dos vícios redibitórios: “ os vícios da coisa, como os do direito, não constituem fundamento autónomo de anulação: integram-se nos institutos jurídicos do erro e do dolo.” A anulação do contrato só se justifica desde que o comprador, ao celebrá-lo, não estivesse convenientemente esclarecido. Por isso se mandou aplicar aos vícios da coisa o prescrito na Secção precedente.” – para mais desenvolvimentos, cfr MACHADO Baptista, “Acordo negocial e erro na venda de coisas defeituosas”, BMJ, (1972), p.5ss;

Page 27: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

26

- Falta das qualidades necessárias para a realização do fim a que a coisa se destina15;

Ocorre venda de coisa defeituosa, quando a coisa devida é efetivamente entregue, mas possui

qualquer um dos vícios referidos no artigo 913.º que a desvalorizam ou impedem a realização

do propósito a que se destina.

3.1 -NOÇÃO DE DEFEITO

Nos já referidos artigos 913.º e seguintes do Código Civil, figura uma definição ampla de coisa

defeituosa, abarcando o sentido objetivo e subjetivo de defeito16, uma vez que nesses artigos17

alude-se aos vícios e às qualidades asseguradas, devendo aqueles serem aferidos de acordo

com a normalidade.

3.1.1 -QUALIDADE NORMAL E QUALIDADE ACORDADA

A coisa é defeituosa se padecer de um vício ou revelar-se desconforme, considerando o que foi

acordado. O vício reporta-se a falhas quanto à qualidade normal das coisas daquele género,

sendo que a desconformidade reproduz uma discrepância relativamente ao fim acordado. Estes

são os dois elementos do conteúdo do defeito, sendo determinados através do contrato e da

interpretação do mesmo. Quando não for possível determinar o acordo específico das partes

quanto ao fim a que a coisa se destina, atende-se à função normal das coisas da mesma

categoria, nos termos do n.º 2 do art. 913.º do C.C.

A regra assenta num modelo de normalidade, que se adequa ao tipo ideal.18

Mas não só através da qualidade normal das coisas se pode aferir a existência de um defeito.

Outro critério para tal avaliação passa pela qualidade assegurada da coisa. Este não afastará o

outro critério, mas completa-o. Por exemplo se foi assegurado que uma televisão tem certas

características ou que um automóvel tem características de qualidade superiores às qualidades

médias.

15 Para não surgirem dúvidas quanto ao fim a que a coisa vendida se destina o número 2 do artigo 913.º do C.C manda atender ao critério objetivo da função normal das coisas da mesma categoria. 16 Sobre esta matéria, vide Pedro Romano MARTINEZ, Cumprimento Defeituoso, Coimbra, Almedina, 1994 p. 181 e ss; 17 Bem como, no artigo 1218.º do C.C, referente ao contrato de empreitada; 18 Este modelo de normalidade é, em alguns casos, objeto de requisitos, quanto a critérios de qualidade e segurança mínima dos produtos, impostos por lei, particularmente com a aposição da marca “CE”. A titulo de exemplo cfr DL n.º 103/92, de 30 de Maio, quanto à marcação CE, DL n.º 237/92, de 27 de Outubro, quanto a brinquedos e DL n.º 130/92, de 6 de Julho, quanto a aquecedores. Sendo certo que, a questão da qualidade e segurança mínima dos produtos prende-se, também, com a defesa do consumidor, cfr. Lei da Defesa do Consumidor (Lei n.º 24/96, de 31 de Julho);

Page 28: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

27

3.1.2 -VALOR DA COISA

O critério de valor económico da coisa19, prende-se com uma questão de “presunção”, uma vez

que usualmente a qualidade da coisa está associada ao preço, do valor e utilidade da coisa, em

função do custo que ela teve para o comprador.

Isto é, se um bem tiver um custo bastante elevado, presume-se ser de qualidade elevada e por

isso ter um custo superior à média para produtos daquele género. Pelo contrário, se o bem tiver

um custo reduzido, as expectativas relativas a esse bem terão de ser mais baixas, em função do

seu preço reduzido.

3.2 -DEFEITO OCULTO, DEFEITO APARENTE E DEFEITO CONHECIDO

O legislador, no regime geral do CC, não refere essa distinção, no que à compra e venda diz

respeito, como o faz no caso do contrato de empreitada20.

No entanto, entende a jurisprudência e alguma doutrina21, que não pode ser comparado,

segundo o princípio da boa-fé e o regime da responsabilidade civil, equiparar o comprador que

desconhece o defeito àquele que tem consciência da existência desse defeito ou que dele não

conhece por negligência.

Pelo que, iremos de forma breve e por razões de interesse prático e doutrinal, definir cada um

destes defeitos22.

O defeito oculto é aquele, que o comprador desconhece, em virtude do facto de não ser

detetável através de um exame cuidadoso, sendo por isso aceite como legitimamente ignorado.

Por outro lado, sempre que o defeito possa ser descoberto através de um exame cuidadoso, o

defeito considera-se aparente.

19 O art. 913.º, n.º 1 do C.C refere-se a vício que desvalorize a coisa; 20 Contudo, no artigo 2.º, n.º 3 do DL 67/2003, o legislador parece querer fazer essa distinção ao dispor: “ Não se considera existir falta de conformidade, na aceção do presente artigo, se, no momento em que for celebrado o contrato, o consumidor tiver conhecimento dessa falta de conformidade ou não puder razoavelmente ignorá-la (...)” 21 Cfr. Pedro Romano MARTINEZ, Cumprimento defeituoso, cit. p. 201 e ss e direito das obrigações, parte especial, contratos, 2.ª edição, Almedina, 2010, p. 132 e ss; 22 Para mais desenvolvimentos, cfr Pedro Romano MARTINEZ, Cumprimento defeituoso, cit., p. 201 e ss e Direito das obrigações, parte especial, contratos, 2.ª Edição, Almedina, 2010, p. 132 e ss;

Page 29: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

28

Por seu turno, o defeito conhecido, como o próprio nome indicia, será aquele que o comprador

tem consciência de existir, quer tenha sido por informações prestadas pelo vendedor, quer por

terceiro ou de que ele teve conhecimento pela sua capacidade.

3.3 – DIREITOS DO COMPRADOR PERANTE A COMPRA DE COISA DEFEITUOSA

Perante uma compra e venda de coisa defeituosa o comprador (não considerado consumidor e

portanto impedido de beneficiar do regime especial e mais benéfico do DL 67/2003 adiante

analisado) terá de fazer prova do defeito (art. 342.º, n.º 1 do Código Civil), presumindo-se a

culpa do devedor, se a coisa entregue sofrer de defeito ( art. 799.º, n.º 1 do Código Civil).

Feita a prova do defeito, quatro consequências23 advirão para o vendedor, em virtude de ter

alienado uma coisa defeituosa.

3.3.1 -RESOLUÇÃO DO CONTRATO

A primeira das consequências é o direito que o comprador tem de resolver o contrato.24

Pese embora, o artigo 913.º do Código Civil disponha: “(…)observar-se-á, com as devidas

adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas

disposições dos artigos seguintes., sufragamos o entendimento25, segundo o qual não é de

aplicar o regime da anulabilidade, mas sim da resolução.

3.3.2 - REPARAÇÃO DO DEFEITO OU SUBSTITUIÇÃO DA COISA

O artigo 914.º do Código Civil atribui, em primeiro lugar, ao comprador o direito a exigir do

vendedor a reparação da coisa, ou seja a eliminação do defeito26.

23 Para mais desenvolvimentos acerca dos direitos do comprador perante o vendedor, cfr. Pedro Romano MARTINEZ, Direito das Obrigações, Parte especial contratos, cit., p. 135 e ss; 24 A doutrina diverge quanto a este aspeto. Assim, por um lado Menezes Leitão considera aplicar-se o regime de anulabilidade do contrato, enquanto por outro lado Romano Martinez considera aplicar-se o regime da resolução do contrato. Pelos motivos expostos por este último somos de concordar com a posição defendida por este autor, pelo que será a posição assumida na presente dissertação. Para mais desenvolvimentos vide Luís Manuel Teles de Menezes LEITÃO, Direito das Obrigações, Volume III- contratos em especial, 7.ª Edição, Almedina, 2010, p. 122 e ss e em sentido oposto Pedro Romano MARTINEZ, Direito das Obrigações, Parte especial contratos, cit., p. 125 e ss; 25 Sendo a posição da jurisprudência quase unânime no sentido de aplicar o regime do incumprimento dos contratos e não o da anulabilidade (AC. STJ de 15/3/1957, BMJ 65 (1957), pág. 454, AC. STJ de 21/5/1981, BMJ 307 (1981), pág. 250, AC. STJ de 3/4/1990, BMJ 396 (1990), pág. 376 e AC.STJ de 29/6/1995, CJ (STJ) III (1995), T.II, pág. 143; 26 Sobre esta matéria, cfr Pedro Romano MARTINEZ, Cumprimento Defeituoso, cit. P. 369 e ss;

Page 30: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

29

Entende-se no entanto e segundo o princípio da boa-fé no cumprimento das obrigações, que a

reparação não será exigível ao vendedor se esta for demasiado onerosa para este, em

comparação com o ganho que o comprador terá.

Se tal não for possível, o comprador poderá exigir a substituição da coisa defeituosa27, sendo

certo que tal solução só será possível se se tratar de uma coisa fungível de acordo com o

definido pelo artigo 207.º do Código Civil.

Também neste caso, não será exigível ao vendedor a substituição da coisa, se esta se revelar

excessivamente onerosa para ele, tendo em conta o proveito que disso advirá para o comprador.

Caso o vendedor não cumpra a obrigação de reparar o defeito ou substituir o bem, será

responsabilizado pelo incumprimento desses deveres, responsabilidade essa apurada nos

termos do artigo 910.º, aplicável por força da remissão do artigo 913.º, n.º 1, ambos do Código

Civil.

3.3.3 - REDUÇÃO DO PREÇO

Como terceira consequência da venda de coisa defeituosa, resulta a redução adequada do preço

fixado no contrato, previsto no supra referido artigo 911.º, aplicável por remissão do artigo

913.º, n.º 1, ambos do Código Civil.

Esta consequência é, aliás, imposta ao comprador sempre que se demonstre que ele teria

adquirido o bem, mesmo com os defeitos de que este padecia, somente o teria feito por um

preço mais reduzido. Isto é, quando se comprovar que os defeitos só influenciariam a sua

decisão de adquirir o bem, no sentido do preço disposto a pagar.

3.4.4 -INDEMNIZAÇÃO

Como última consequência, reportamo-nos ao direito de pedir uma indemnização, nos termos

gerais constantes dos artigos 562.º e seguintes do Código Civil. Tal indemnização funda-se na

culpa do vendedor, de acordo com o artigo 908.º, por remissão do artigo 913.º, n.º 1, ambos do

Código Civil.

27 Sobre esta matéria, cfr Pedro Romano MARTINEZ, Cumprimento Defeituoso, cit. P. 392 e ss;

Page 31: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

30

Na venda de coisas defeituosas, foi estabelecida uma responsabilidade subjetiva. O vendedor

responderá na medida da culpa que tiver, como se retira do artigo 915.º do Código Civil, onde se

determina não haver lugar a indeminização se não houver culpa do vendedor. No entanto, a

culpa do vendedor é presumida, nos termos do artigo 799.º, n.º 1 do Código Civil.

Foi, igualmente, estabelecida uma possível responsabilidade objetiva (portanto não sendo exigida

a culpa do vendedor), nos casos excecionais previstos no artigo 921.º do Código Civil, emergente

de uma cláusula contratual de garantia de bom funcionamento.

Esta indemnização não é autónoma das consequências supra indicadas, uma vez que está

submetida a pressupostos semelhantes, sendo antes suplementar destas.

Não pode, portanto, ser requerida em substituição de qualquer das outras consequências, mas

como complemento destas, com o objetivo de reparação do prejuízo remanescente.

3.5 -CONEXÃO ENTRE OS DIVERSOS DIREITOS DO COMPRADOR

Os supra aludidos direitos do comprador, quando deparado perante uma compra e venda de

coisa defeituosa, não podem ser exercidos em alternativa. Há uma hierarquia entre eles.

Assim, primeiro o vendedor terá de eliminar o defeito da coisa, caso não o consiga fazer ou se

revele extremamente onerosa tal solução, deverá substituir a coisa.

Somente, no caso, de tais soluções revelarem-se frustradas, poderá o comprador exigir a

redução do preço, e em ultima instância, o comprador poderá solicitar a resolução do contrato.

A indeminização é, portanto, cumulativa com qualquer uma das pretensões referidas do

comprador.

3.6 -GARANTIA

Nos termos do artigo 921.º do Código Civil, é possível o vendedor atribuir uma garantia de bom

funcionamento, o que irá originar a responsabilidade sem culpa do vendedor, pelo defeito da

coisa, mas unicamente quanto à reparação ou substituição da coisa (artigo 921.º, n.º 1 do

Código Civil).

Page 32: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

31

3.7 -PRAZOS PARA O EXERCÍCIO DOS DIREITOS

O comprador terá de denunciar o defeito ao vendedor, para ocorrer responsabilidade pelo

cumprimento defeituoso, nos termos do artigo 916.º do Código Civil.28 A denúncia trata-se de

uma declaração receptícia, não sujeita a forma especial de emissão, mediante a qual as partes

se comunicam, de forma clara e identificando os defeitos da coisa.

Já não terá, o comprador, este ónus quando o vendedor tenha atuado com dolo (n.º 1 do artigo

916.º do Código Civil) ou tenha reconhecido o defeito, após a entrega da coisa.

Tendo a denúncia o objetivo de informar o vendedor da existência do defeito, não faz qualquer

sentido informá-lo quando ele já sabe da sua existência, pois seria inútil essa comunicação.

A denúncia, no caso de bens móveis, deverá ser feita no prazo de trinta dias subsequentes ao

conhecimento do defeito pelo comprador, mas sempre dentro dos seis meses posteriores à

entrega da coisa, nos termos do n.º 2 do art. 916.º do Código Civil. O comprador terá de

“descobrir” o defeito no prazo de seis meses a contar da entrega da coisa e dispõe de trinta dias

para o comunicar ao vendedor. Ocorrendo a substituição da coisa defeituosa, reinicia-se a

contagem dos prazos referidos a partir da data de entrega da coisa29.

Quanto aos bens imóveis o prazo para denúncia aumenta para um ano, enquanto o prazo para

“descoberta” dos defeitos para cinco anos, nos termos do n.º 3 do art. 916.º do Código Civil.

O artigo 917.º do Código Civil determina um prazo para o comprador interpor a competente

ação judicial contra o vendedor.

Desta forma, caso o comprador não tenha denunciado o defeito ao vendedor, a ação judicial terá

de ser proposta nos prazos determinados para essa denúncia.

Na circunstância de já ter denunciado o defeito, terá de intentar a ação nos seis meses

posteriores a essa denúncia.

Assim, na realidade o prazo de garantia de bens móveis poderá alargar-se até um ano após a

entrega.

28 Quanto à denúncia, cfr Pedro Romano MARTINEZ, Cumprimento Defeituoso, cit., p. 368 e ss; 29 Cfr Pedro Romano MARTINEZ, Direito das obrigações, parte especial contratos, cit., p. 142 e ss;

Page 33: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

32

No caso de bens imóveis, o prazo de garantia poderá ir até cinco anos e meio após a entrega da

coisa defeituosa, pois aos cinco anos para denúncia do defeito ( art. 916.º, n.º 3 do Código Civil)

acrescentam-se os seis meses para intentar a competente ação judicial ( art. 917.º do Código

Civil).

Feita esta pequena referência aos mecanismos, gerais, disponíveis aquando de uma compra e

venda de (qualquer) coisa que se revele não ser conforme ao contrato, de seguida analisaremos,

o regime especial instituído para a venda de bens de consumo, e no qual veremos que incide,

apenas, sobre bens móveis e imóveis quando transacionados no âmbito de uma relação entre

profissional e consumidor não profissional, como adiante iremos referir.

4- DIREITOS CONSTITUCIONALMENTE CONFERIDOS AO CONSUMIDOR

A proteção do consumidor é desde logo conferida pela Constituição da República Portuguesa

através do n.º 1 do seu artigo 60.º, cuja epígrafe é Direitos dos Consumidores, que dispõe o

seguinte: “Os consumidores têm direito à qualidade dos bens e serviços consumidos, à

formação e à informação, à proteção da saúde, da segurança e dos seus interesses económicos,

bem como à reparação de danos.”

Em primeiro lugar o consumidor tem os seus direitos assegurados pela “guarida” constitucional,

tanto a nível da qualidade dos bens e serviços consumidos (isentos portanto de qualquer defeito)

como a nível dos danos que produtos defeituosos possam causar (situações que não são alvo de

estudo na presente dissertação e que são reguladas pelo Decreto -Lei n.º 383/89 de 6 de

Novembro, na redação do Decreto-Lei n.º 131/2001, de 24 de Abril).

Deverá o consumidor considerar-se protegido quando adquire bens ou serviços fornecidos quer

por entidades privadas quer por entidades públicas (como os transportes públicos, serviços de

saúde, etc).

No texto originário da CRP, a proteção constitucional encontrava-se na parte da constituição

económica (Parte II da CRP), sendo que atualmente encontra-se situada em sede de direitos

fundamentais, tendo sido por isso, este direito, alvo de uma notória “promoção”.

Page 34: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

33

Esta “promoção” justifica-se pela crescente importância dos consumidores30, a nível nacional e

da UE e bem ainda pelo desenvolvimento e codificação do Direito do consumo.

A grande maioria destes direitos revestem uma dupla natureza, no sentido em que têm dois

destinatários. Por um lado, os fornecedores de bens e serviços, determinando-lhes deveres e por

outro o Estado, impondo-lhe a obrigação de intervir a nível legislativo e de garantia dos direitos

dos consumidores.

Estes direitos são, portanto, igualáveis a direitos, liberdades e garantias, de conteúdo

determinável e imediatamente acionáveis.31

A defesa dos consumidores é regulada pela exigência europeia de elevado nível de defesa, o que

presume imposições cada vez maiores relativamente aos mecanismos de defesa.

Da leitura do transcrito n.º 1 do artigo 60.º, resulta uma clara divisão dos direitos dos

consumidores, em seis sub- categorias de direitos32:

1- Direito à qualidade de bens e serviços consumidos e a segurança dos produtos;

2- Direito à formação e informação do consumidor;

3- Direito à proteção da saúde;

4- Direito à proteção da segurança;

5 - Direito à proteção dos interesses económicos;

6 - Direito à reparação de danos;

Iremos, apenas, e por razões de interesse para o nosso estudo, abordar as sub categorias

primeira e sexta, as quais concretamente “protegem” o direito dos consumidores, relevantes,

por isso, para a presente dissertação.

O primeiro dos direitos sub categorizados, garante, por um lado a aptidão dos bens e serviços

para os fins a que são reservados, e por outro a inexistência de defeitos de funcionamento ou

deterioração dos seus atributos. No entanto, o direito à qualidade não garante o direito ao

acesso a bens e serviços de qualidade forçosamente elevada. Garante, sim, aos consumidores a

30

Que aliás nas palavras de John F. Kennedy, no discurso que proferiu no congresso dos Estados Unidos da América em 1962,: “ consumidores, por definição, somos todos nós.”; 31

Percetível no direito do consumidor quanto à reparação de danos, por exemplo; 32

Para mais desenvolvimentos, cfr. J.J. Gomes CANOTILHO e Vital MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, volume

I, 4.ª Edição, Coimbra Editora,2007, p. 781 e ss;

Page 35: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

34

“liberdade” de escolha entre bens ou serviços de maior ou menor qualidade, pagando o

respetivo custo, consoante a sua disponibilidade financeira, o que significa que o consumidor

pode adquirir um bem de fraca qualidade, desde que o preço pago corresponda a essa baixa

qualidade, sem contudo o vendedor ou produtor esteja a “violar” este direito do consumidor.

O que se pretende é que o consumidor não seja enganado aquando da aquisição de

determinado produto, tendo igualmente direito à informação acerca dos dados do produto que

pretende adquirir, tais como fiabilidade, durabilidade ou consumos.

Por seu turno, o último dos supra direitos sub categorizados, tutela o direito de indemnização

pelos prejuízos causados pelo fornecimento de bens ou serviços defeituosos e em geral pela

violação dos direitos do consumidor.

Este direito à indemnização não significa o afastamento geral do regime de responsabilidade

contratual de carater subjetivista, mas indica para uma eventual necessidade de a articular com,

por exemplo, a inversão do ónus da prova quanto à culpa e legitimando noutras situações uma

responsabilidade tendencialmente objetiva do produtor (independentemente de culpa, portanto),

como nos casos dos danos causados por defeitos do produto, por forma a ir ao encontro da

justa distribuição dos riscos intrínsecos ao consumo de bens fabricados de acordo com os atuais

esquemas técnicos e tecnológicos.

5 – A DIRETIVA 1999/44/CE DO PARLAMENTO E DO CONSELHO, DE 25 DE MAIO DE 1999 “

RELATIVA A CERTOS ASPETOS DA VENDA DE BENS DE CONSUMO E DAS GARANTIAS A ELA RELATIVAS”

Esta Diretiva foi publicada no JOCE de 7 de Julho de 1999 e deveria ser transposta para os

direitos nacionais até ao dia 1 de Janeiro de 200233. Esta introduz, antes de mais, uma

modernizada conceção dos contratos de consumo.

As Diretivas são atos sem paralelo no direito nacional, aplicando-se apenas aos Estados

Membros com o intuito de harmonizar e aproximar as legislações nacionais em torno de uma

33 A intenção da Comunidade Europeia foi a de fazer coincidir o dia em que se esgota o prazo para a transposição com o dia em

que entrariam em circulação as notas e moedas do Euro, tal como é referido no relatório da delegação do Parlamento Europeu sobre o projeto comum, aprovado pelo comité de conciliação, da diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa a certos aspetos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, pág.5;

Page 36: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

35

base comum determinada no plano comunitário, pelo que despontam em domínios nos quais os

Estados Membros mantêm a sua competência legislativa.

São caracterizadas por possuírem um carater próprio e concreto, na medida em que se dirigem

a determinados Estados Membros, por “exigir” apenas uma obrigatoriedade de resultado, no

sentido em que circunscrevem um objetivo geral a alcançar pelos Estados membros, facultando-

lhes a autonomia quanto aos meios e formas de conseguir esses objetivos (art. 249.º do Tratado

da Comunidade Europeia)34.

Quanto à forma de transposição das Diretivas, estas após serem fundamentadas e notificadas

(ou publicadas, como no caso e se dirigirem a todos os Estados Membros ou são adotadas pelo

processo legislativo ordinário) carecem necessariamente de um ato de receção interna.35

A transposição deve suceder num prazo fixado pela própria Diretiva, sob pena de dar-se um

incumprimento da obrigação de transposição, que acarreta as seguintes consequências:

- Quanto ao plano comunitário implicará entre os Estados Membros e a Comunidade, o

desencadeamento de uma Ação por Incumprimento;

- Relativamente ao plano nacional, originará, entre o Estado Membro e os particulares, um efeito

direto vertical, isto é, os particulares beneficiários da Diretiva poderão invoca-la contra o Estado

num tribunal nacional36, quando se trate de uma diretiva detalhada, clara, precisa e

incondicional.37 Mas não só. Se o atraso na transposição causar danos aos particulares, os

particulares poderão pedir uma indeminização a esse Estado Membro38, decorrente da

Responsabilidade Patrimonial do Estado por violação do direito comunitário.

Sendo certo, que mesmo após o decurso do prazo de transposição, os Estados Membros

continuam obrigados a proceder à transposição39, pese embora esta já vigore e possa ser

“usada” pelos seus beneficiários.

Posto isto passaremos à análise da Diretiva.

34 Pese embora, existam diretivas que fogem a esta noção, como as “diretivas detalhadas”, que são claras, precisas e incondicionais, e dispensam medidas de execução, dado que não é necessário interpretá-las para procurar soluções; 35 Segundo o AC. Comissão/ Itália, pode ser realizado por qualquer ato com exceção de um ato administrativo, sendo que no nosso caso e nos termos do artigo 112.º, n.º 8 da CRP pode ser realizado por Lei, Decreto Lei, Decreto Lei Regional. 36 Ac. Van Duyn e AC Ratti; 37 Para mais desenvolvimentos, cfr Sofia Oliveira Pais, Princípios Fundamentais de Direito da União Europeia, almedina, 2011; 38 Ac Francovich e AC Kobler; 39 AC Comissão contra a Bélgica;

Page 37: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

36

5.1 - OBJETIVOS DA DIRETIVA

A Diretiva pretende, antes de mais, contribuir para a realização de um nível elevado de defesa

dos consumidores, nos termos do artigo 153.º, n.º 1 e 3 do Tratado (considerando 1).

Atento o facto de ser assegurada a livre circulação de mercadorias, pessoas, serviços e capitais,

dentro do mercado interno, e de esta livre circulação não se reportar unicamente ao comércio

profissional, mas também às transações realizadas pelos particulares, o que implicará a “

liberdade” de os consumidores poderem adquirir bens no território de outro Estado – Membro,

baseando-se num conjunto mínimo de regras equitativas que regulem a venda de bens de

consumo (considerando 2).

E ainda, tendo em conta o facto de as legislações dos Estados Membros relativas às vendas de

bens de consumo apresentarem diversas disparidades, o facto de o consumidor que procura

beneficiar das vantagens do grande mercado, adquirindo bens num Estado Membro diferente do

da sua residência, desempenha um papel crucial na realização do mercado interno e que a

criação de um corpo mínimo comum do direito do consumo, que vigore independentemente do

local de aquisição dos bens da Comunidade, permitirá o reforço da confiança dos consumidores

e permitirá que estes beneficiem mais das vantagens do mercado interno (Considerando 3 a 5),

foi emanada esta Diretiva.

Isto é, podemos afirmar que a Diretiva assenta sobretudo em três objetivos principais:

1- A criação de um conjunto mínimo de regras justas que regulem a venda de bens de

consumo, nas transações nacionais e internacionais;40

2- Eliminar disparidades na concorrência entre os vendedores41, impedir a criação artificial

de fronteiras e compartimentação dos mercados, facilitar e impulsionar o

desenvolvimento da venda de bens por via das novas tecnologias de comunicação à

distância42 e a criação de um corpo mínimo comum de direito do consumo com vista a

reforçar a confiança dos consumidores43;

3- Atualizar os Direitos nacionais no que diz respeito à garantia contra vícios na compra e

venda de bens móveis, adaptando-os às condições da sociedade consumista;

40 Considerando 2 da Diretiva; 41 Considerando 3 da Diretiva; 42 Considerando 4 da Diretiva; 43 Considerando 5 da Diretiva;

Page 38: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

37

5.2 – ÂMBITO DE APLICAÇÃO DA DIRETIVA

A Diretiva aplica-se aos contratos celebrados entre vendedor e consumidor (vide infra pág. 32), a

todos os bens de consumo que se consubstanciem em bens móveis corpóreos, com exceção44:

- Dos bens vendidos por via de penhora, ou qualquer outra forma de execução judicial;

- Da água e do gás, quando não forem postos à venda em volume delimitado, ou em quantidade

determinada;

- Da eletricidade;

A Diretiva prevê, ainda, a possibilidade de os Estados Membros excluírem da definição de bem

de consumo os bens comprados em segunda mão, por via de leilão, nos casos em que os

consumidores possam assistir pessoalmente à venda (n.º 3 do art. 1.º), bem como a inclusão

nos contratos de compra e venda, dos contratos de fornecimento de bens de consumo a fabricar

ou produzir (n.º 4 do art. 1.º).

5.3 – CONFORMIDADE DO BEM DE CONSUMO COM O CONTRATO

A Diretiva45, no n.º1 do artigo 2.º, atribui ao vendedor a obrigação de entregar ao consumidor

bens conformes46 com o contrato de compra e venda.

Acrescentando, no n.º 2 do referido artigo, uma presunção de conformidade dos bens de

consumo, nos casos em que:

a) “Forem conformes com a descrição que deles é feita pelo vendedor e possuírem as

qualidades do bem que o vendedor tenha apresentado ao consumidor como amostra ou

modelo;

b) Forem adequados ao uso específico para o qual o consumidor os destine e do qual tenha

informado o vendedor quando celebrou o contrato e que o mesmo tenha aceite;

44 Cfr alínea b) do n.º 2, do art. 1.º da Diretiva; 45 Este critério de conformidade foi gradualmente adotado, para unificar a nível internacional, diferentes soluções existentes nos diversos ordenamentos jurídicos acerca da garantia edílica, presente tanto na Convenção de Haia de 1964 sobre a compra e venda internacional de mercadorias ( cfr. arts. 19.º, n.º 1 e 33.º e seguintes), como na Convenção de Viena de 1980 sobre a venda internacional de mercadorias ( arts. 35.º e seguintes). A Diretiva optou por adotar como critério de uniformização dos ordenamentos jurídicos dos Estados Membros. Aliás, os trabalhos preparatórios da Diretiva comprovam que o art. 35.º da Convenção de Viena de 1980 foi a sua principal inspiração. Para mais desenvolvimentos quanto ao que afasta e aproxima a Diretiva da Convenção de Viena de 1980, vide VICENTE, Dário Moura,” Desconformidade e Garantias na Venda da Bens de consumo, a Diretiva 1999/44/CE e a Convenção de Viena de 1980”, Themis, n.º 4, ano II, 2001, pp. 121-144; 46 Indo ao encontro do teor do considerando 9 que prevê: “ (..) o vendedor deve ser diretamente responsável perante o consumidor pela conformidade dos bens com o contrato;”

Page 39: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

38

c) Forem adequados às utilizações habitualmente dadas aos bens do mesmo tipo;

d) Apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o

consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem e, eventualmente às

declarações públicas sobre as suas características concretas feitas pelo vendedor, pelo produtor

ou pelo seu representante, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem.”

Não existindo falta de conformidade, para efeitos deste artigo, se no momento de celebração do

contrato, o consumidor tiver conhecimento dessa falta de conformidade ou não puder

razoavelmente ignorá-la (n.º 3 do art. 2.º).

Por fim, institui uma presunção de falta de conformidade, resultante de má instalação do bem

de consumo, equiparando-a a uma falta de conformidade do bem, nos casos em que a

instalação fizer parte do contrato de compra e venda e tiver sido efetuada pelo vendedor, sob

sua responsabilidade ou quando o produto instalado o tiver sido feito segundo indicações de

montagem (n.º 5 do art. 2.º).

A preocupação de introduzir a obrigação, por parte do vendedor, de entrega de bens de

consumo conformes com o contrato, e de presunções de conformidade explica-se, atento o facto

de as principais dificuldades com que os consumidores se deparam, e a principal fonte de

conflitos com os vendedores, ser precisamente a desconformidade dos bens com os contratos, e

por isso pretendeu-se aproximar as legislações nacionais quanto à venda de bens de consumo

sob este aspeto (Considerando 6).

E vai ao encontro do espírito e objetivos da Diretiva na medida em que : “(..) os bens devem,

antes de mais, ser entregues conformes às cláusulas contratuais;"47 E ainda: “ (..) para facilitar

a aplicação do principio de conformidade com o contrato, é útil introduzir uma presunção ilidível

de conformidade com este, que abranja as situações mais correntes;” Sem contudo, que essa

presunção restrinja o principio da liberdade contratual. 48

47 Considerando 7, 48 Considerando 8;

Page 40: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

39

6 – DIREITOS DO CONSUMIDOR

A Diretiva prevê, no artigo 3.º, quais os direitos que atribui ao consumidor em caso de

desconformidade, atribuindo ao vendedor a responsabilidade por qualquer falta de conformidade

que ocorra no momento em que o bem é entregue ao consumidor.

Esses direitos são a reparação ou substituição do bem (sem qualquer encargo para o

consumidor) a redução do preço ou a resolução do contrato (n.º 2 do artigo 3.º).

A Diretiva hierarquiza estes direitos, ao dispor no n.º 3 do artigo 3.º : “ Em primeiro lugar, o

consumidor pode exigir do vendedor a reparação ou substituição do bem (..) “

Esta hierarquização vai ao encontro do preceituado no considerando 10: “ (..) em caso de não

conformidade do bem com o contrato, os consumidores devem ter o direito de obter que os

bens sejam tornados conformes com ele sem encargos, podendo escolher entre a reparação ou

a substituição, ou, se isso não for possível, a redução do preço ou a rescisão do contrato.”

Denota- se, desde logo, a preocupação do legislador em determinar que, não pode o consumidor

ser onerado com os custos da reparação ou substituição do bem desconforme com o contrato,

ao prever no n.º 3 do artigo 3.º: “ (..) em qualquer dos casos sem encargos, a menos que isso

seja impossível ou desproporcionado.”

Estabelecendo, igualmente, que uma solução é desproporcionada49 quando acarretar para o

vendedor custos que, comparados com a outra hipótese, não se revelem razoáveis atendendo ao

valor do bem se não ocorresse a falta de conformidade, a importância desta e a possibilidade de

a solução alternativa ser concretizada sem grave inconveniente para o consumidor.

A reparação ou substituição deve ser efetuada num prazo razoável, e sem grande inconveniente

para o consumidor, considerando a natureza e o fim a que o consumidor destina o bem.

O legislador, porventura para evitar que se tornasse num conceito indeterminado, esclareceu o

significado da expressão “ sem encargos”. Esta reporta-se às despesas necessárias para repor a

conformidade do bem, nomeadamente as despesas de transporte, mão-de-obra e material (n.º 4

do artigo 3.º).

49 Considerando 11 : “ (..) que, a desproporção deve ser determinada objetivamente; que uma solução é desproporcionada se impuser custos excessivos em relação à outra solução; que para que os custos sejam excessivos, devem ser significativamente mais elevados que os da outra forma de reparação do prejuízo;

Page 41: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

40

Como já referido o legislador europeu preocupou-se em hierarquizar os direitos, por forma a

evitar o abuso do direito ou a possível “confusão” entre a alternatividade, no que à escolha do

consumidor diz respeito, de qualquer dos quatro direitos.

Assim, o consumidor só pode lançar mão da redução adequada do preço ou da resolução do

contrato, nos casos em que a reparação ou substituição não seja possível, o vendedor não

encontre uma solução num prazo aceitável ou não tenha encontrado uma solução sem grave

inconveniente para o consumidor (n.º 5 do artigo 3.º).

No entanto, a resolução do contrato não é possível se a desconformidade for insignificante (n.º

6 do artigo 3.º). O legislador, com esta medida, preocupou-se com a preservação do negócio

jurídico, essencial para a segurança jurídica, e consequentemente para o funcionamento do

mercado interno.

7 -PRAZOS

A Diretiva consagrou um prazo de garantia de dois anos, a contar da entrega do bem, pela falta

de conformidade (n.º 1 do artigo 5.º).

Esta consagração, resulta, por um lado da necessidade de encurtar o prazo durante o qual o

vendedor é responsável por qualquer desconformidade existente no momento de entrega dos

bens, e por outro na imposição de tal prazo ser encurtado tendo como limite mínimo os dois

anos a contar da entrega do bem (Considerando 17).

É, também, consagrada a faculdade de os Estados Membros, estabelecerem um prazo de dois

meses de denúncia do consumidor ao vendedor da falta de conformidade, a contar da data em

que esta foi descoberta, sob pena de o consumidor perder a hipótese de beneficiar dos seus

direitos (n.º 2 do artigo 5.º).

Esta fixação de prazo não é obrigatória para os Estados Membros, que podem optar por

assegurar aos consumidores um nível de proteção mais elevado, através da não inclusão desta

obrigação. Todavia, caso decidam incluir esta obrigação, devem ter sempre em atenção o

respeito pelo prazo mínimo de dois meses para o consumidor informar o vendedor da

desconformidade (Considerando 19).

Page 42: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

41

Portanto, a Diretiva deixa ao critério de cada Estado Membro a inclusão ou não de um prazo de

denúncia da desconformidade, sendo certo que tal prazo não pode ser inferior a dois meses.

Por fim, no n.º 3 do artigo 5.º, foi estabelecida uma presunção de falta de conformidade, quando

manifestada num prazo de seis meses a contar da entrega do bem, que se tem por existente à

data dessa entrega, exceto quando tal presunção for inconciliável com a natureza do bem ou

com as características da falta de conformidade.

8- IRRENUNCIABILIDADE DOS DIREITOS RECONHECIDOS AOS CONSUMIDORES

Os direitos concedidos pela Diretiva aos consumidores são irrenunciáveis por estes, mesmo se

tal renúncia resultar de um acordo mútuo entre as partes, uma vez que se o fizessem estariam a

adulterar a proteção jurídica atribuída.

Este princípio de irrenunciabilidade estende-se às cláusulas segundo as quais o consumidor teria

conhecimento de qualquer desconformidade dos bens de consumo no momento em que firmou

o contrato e bem ainda àqueles casos em que é escolhida como lei aplicável ao contrato a lei de

um Estado não membro, não sendo este, portanto, um fundamento aceitável para diminuição da

proteção reconhecida aos consumidores (Considerando 22).

Este caráter vinculativo é expressamente consagrado no artigo 7.º da Diretiva :

“1. As cláusulas contratuais e os acordos celebrados com o vendedor antes da falta de

conformidade lhe ser comunicada que, direta ou indiretamente, excluam ou limitem os direitos

resultantes da presente diretiva não vinculam, nos termos previstos na legislação nacional, o

consumidor.”

Completando o seu n.º 2:

“2. Os Estados Membros adotarão as medidas necessárias para que o consumidor não seja

privado da proteção resultante da presente diretiva pelo facto de ter escolhido, como direito

aplicável ao contrato, a legislação de um Estado não membro, quando o contrato apresente uma

conexão estreita com o território dos Estados- Membros.”

Page 43: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

42

9 – COMPATIBILIDADE DAS DISPOSIÇÕES NACIONAIS COM O EXERCÍCIO DOS DIREITOS

ATRIBUÍDOS PELA DIRETIVA

A Diretiva, com a atribuição dos supra mencionados direitos ao consumidor, não pretendeu

afastar as já existentes disposições normativas de cada Estado Membro, designadamente no que

ao instituto da responsabilidade contratual e extracontratual diz respeito.

A compatibilidade entre o regime instituído pela Diretiva e os regimes de responsabilidade

contratual e extracontratual de cada Estado Membro, vem expressamente consagrada no n.º 1

do artigo 8.º: “O exercício dos direitos resultantes da presente diretiva não prejudica o exercício

de outros direitos que o consumidor possa invocar ao abrigo de outras disposições nacionais

relativas à responsabilidade contratual ou extracontratual.”

Acrescentando o n.º 2: “Os Estados-Membros podem adoptar ou manter, no domínio regido pela

presente directiva, disposições mais estritas, compatíveis com o Tratado, com o objectivo de

garantir um nível mais elevado de protecção do consumidor.”

A redação do n.º 2, apenas dá “corpo” ao Considerando 24, cuja redação determinava que os

Estados Membros deviam dispor da liberdade de adotar ou manter, no âmbito de aplicação

desta diretiva, disposições mais restritas, por forma a garantir um nível mais elevado de proteção

dos consumidores.

Vejamos então de que forma foi transposta, para o nosso ordenamento jurídico, a diretiva e

alcançados os objetivos por ela delineados.

10 – Transposição da Diretiva para o ordenamento jurídico português (Pelo Decreto

– Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril com a redação do Decreto – Lei n.º 84/2008, de

21 de Maio)

O supra referido decreto-lei50 procedeu à transposição da Diretiva n.º 1999/44/CE, do

Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, cujo objetivo era “a aproximação das

disposições dos Estados – Membros da União Europeia sobre certos aspetos da venda de bens

de consumo e das garantias a ela relativas”. 50 Anteriormente à transposição da referida diretiva, ou seja anteriormente à entrada em vigor deste Decreto- Lei em 2003, os direitos do consumidor eram protegidos através da lei da defesa do consumidor. Esta lei continua em vigor, sendo agora complementada e reforçada por este Decreto- Lei, sempre com o espetro principal de proteção, cada vez maior, do consumidor;

Page 44: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

43

O Decreto-Lei n.º 67/2003, introduziu algumas inovações, à data, relevantes, tais como a

adoção expressa de uma noção de conformidade com o contrato, complementada com uma

presunção de não conformidade sempre que ocorrerem as situações, que adiante, iremos

referir. Para a aferição dessa desconformidade, foi determinado que relevaria o momento de

entrega do bem ao consumidor, prevendo-se, ainda, que as desconformidades manifestadas

num prazo de dois ou cinco anos a contar da data de entrega do bem, consoante se trate de

bem móvel ou imóvel, respetivamente, consideram-se existentes nessa data.

Este diploma teve como principal preocupação que a transposição da diretiva não afetasse os

direitos dos consumidores, no sentido de diminuição do seu grau de proteção já conferido entre

nós, pelo que os direitos previstos na Lei de defesa do consumidor se mantiveram.

Quanto aos prazos, estipulou um prazo de garantia (lapso de tempo durante o qual,

manifestando-se alguma desconformidade, o consumidor poderá exercer os direitos conferidos

pelo diploma). Este prazo é de dois ou cinco anos, a contar da receção da coisa pelo

consumidor, conforme o bem seja móvel ou imóvel, respetivamente.

Ao consumidor foi atribuída a obrigação de denunciar o defeito ao vendedor, no prazo de dois

meses a contar do conhecimento, no caso de venda bem móvel, e no prazo de um ano, no caso

de bens imóveis.

O regime de proteção do consumidor, consagrado por este diploma, é de natureza imperativa,

sendo no entanto possível, nos casos de venda de coisa móvel usada reduzir, por acordo das

partes, o prazo de garantia de dois para um ano.

Pela primeira vez, foram implementadas medidas jurídicas relativas às 'garantias'

voluntariamente oferecidas pelo vendedor, pelo fabricante ou por qualquer intermediário, com

vista ao reembolso do preço pago, à substituição, reparação do bem desconforme,

determinando-se o efeito vinculativo dessas declarações.

Foi introduzida a consagração da responsabilidade direta do produtor perante o consumidor,

pela reparação ou substituição de coisa defeituosa (inovação esta bastante significativa). Trata-

se, nesta solução, somente de estender ao domínio da qualidade a responsabilidade do produtor

pelos defeitos de segurança, já hoje prevista no Decreto-Lei n.º 383/89, de 6 de Novembro, com

um regime de proteção do comprador que já existe em vários países europeus e para que a

diretiva que ora se transpõe também já aponta.

Page 45: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

44

Contudo, no nosso entendimento e salvo melhor opinião, tal responsabilidade direta apenas foi

consagrada com a redação do DL 84/2008 de 21/5, como adiante (no segundo capítulo da

presente dissertação) iremos demonstrar.

Feita esta introdução relativa ao diploma de transposição, importa fazer um enquadramento

acerca do alcance e espetro do decreto-lei n.º 67/2003, de 8 de Abril (alterado pelo Decreto –

Lei nº 84/2008, de 21 de Maio51).

10.1 – ÂMBITO DE APLICAÇÃO DO DECRETO - LEI 67/2003, DE 8 DE ABRIL (ALTERADO PELO

DECRETO- LEI N.º 84/2008, DE 21 DE MAIO)

Nos termos do artigo 1.º - A, número 1 “ O presente decreto-lei é aplicável aos contratos de

compra e venda celebrados entre profissionais e consumidores”, acrescentando o seu número 2

“ O presente decreto-lei é, ainda, aplicável, com as necessárias adaptações, aos bens de

consumo fornecidos no âmbito de um contrato de empreitada ou de outra prestação de serviços,

bem como à locação de bens de consumo”.

Portanto, como primeiro ponto a identificar neste diploma legal, temos que este só se aplicará

aos casos em que o vendedor seja um profissional, isto é, cuja profissão seja a venda de bens

de consumo, e o comprador seja um consumidor, ou seja, alguém que irá adquirir esses bens

de consumo para uso particular, pessoal e não para uso profissional.

10.2 – DEFINIÇÃO DE CONSUMIDOR

A noção de consumidor adotada é a mais generalizada e corrente na doutrina e nas Diretivas

comunitárias, isto é, a de consumidor em sentido estrito – pessoa singular que compra um bem

ou serviço para uso particular, seja ele pessoal, familiar ou doméstico52.

A definição de consumidor é-nos fornecida pela alínea a) do artigo 1.º- B e bem ainda pelo artigo

2.º, n.º 1 da Lei n.º 24/96 de 31 de Julho (Lei de defesa do consumidor) como“ aquele a quem

sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso

não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que

51 Todos os artigos referidos adiante corresponderão a este decreto-lei; 52 Aliás esta é a noção constante do art.2.º, al. a) da Convenção de Viena de 1980 sobre os contratos de compra e venda internacional de mercadorias;

Page 46: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

45

vise a obtenção de benefícios, nos termos do n.º1 do artigo 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de

Julho”. Esta definição é também a adotada pela jurisprudência portuguesa53,

Desta definição ficam afastadas as pessoas singulares que adquiram bens de consumo para uso

profissional54, designadamente no seu negócio ou empresa bem como as pessoas coletivas, que

compram bens ou serviços no âmbito da sua atividade, segundo o princípio da especialidade do

escopo, para o prosseguimento dos seus fins, atividades ou objetos profissionais (arts. 160.º do

C.C e 6.º do C.S.C).

O conceito estrito de consumidor (pessoa singular que adquire a fornecedor profissional bens ou

serviços para uso não profissional) vai ao encontro do princípio da interpretação conforme à

Diretiva, onde é definido consumidor como “ qualquer pessoa singular que, nos contratos

abrangidos pela presente Diretiva, actue com objectivos alheios à sua actividade comercial ou

profissional” (art. 1.º, n.º2 al. a) da Diretiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do

Conselho).

10.3 – DEFINIÇÃO DE VENDEDOR

No sentido oposto temos o vendedor como tendo de ser profissional, isto é, a sua profissão terá

de ser a de venda ou prestação daqueles bens de consumo ou serviços, a sua especialidade, por

assim dizer, será essa.

Nos termos da alínea c) do artigo 1.º - B vendedor será “ qualquer pessoa singular ou colectiva

que, ao abrigo de um contrato, vende bens de consumo no âmbito da sua actividade

profissional”. Tal definição foi literalmente transposta conforme à Diretiva.

Desta forma não são abrangidos por este diploma legal os seguintes contratos:

53 Sendo exemplos disso o acórdão do STJ de 20/10/2011, processo 1097/04.0 TBLLE.E1.S1, relator Moreira Alves - “I - O conceito de consumidor, constante da Lei n.º 29/81, de 22-08, da Lei n.º 24/96, de 31-07, do DL n.º 359/91, de 21-09, da Diretiva 1999/44/CE, de 25-05, e do DL n.º 67/2003, de 08-04 (entretanto reformulado pelo DL n.º 84/2008, de 21-05) tem um sentido restrito, mas coincidente, em todos esses diplomas: consumidor é a pessoa singular a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados exclusivamente a uso não profissional, por pessoa (singular ou coletiva) que exerça com carácter profissional um atividade económica que vise a obtenção de benefícios.” – os acórdãos do TRP de 14/9/2009, processo 542/2001.P1, em que é relator Abílio Costa – “I - Consumidor é todo aquele a quem são fornecidos, prestados serviços ou transmitidos direitos destinados ao uso não profissional por quem exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios.” – e de 28/2/2008, processo 0737254, em que é relator Amaral Ferreira – “I – O DL nº 67/03, de 08.04, rege quanto à venda de bens de consumo a consumidor “stricto sensu”, como tal se considerando qualquer pessoa singular que atue com objetivos não respeitantes à sua atividade comercial ou profissional.” – e o acórdão do T.R.E de 31/3/2009, processo 1748/08-3, em que é relatora Maria Alexandra Santos – “V – No âmbito da Lei nº 24/96, de 31/07 – Lei de Defesa do Consumidor – tão somente são contemplados os negócios jurídicos cujo consumidor ou tomador de serviços recebam a coisa para seu uso privado, pessoal, familiar ou doméstico e não para a destinar à sua atividade profissional.”. 54 Cfr A.C do TRP de 28-02-2008, processo 0737254, relator Amaral Ferreira – neste acórdão os juízes desembargadores consideraram que não se aplicaria o DL n.º 67/2003 de 8 de Abril pelo simples facto de o autor ter adquirido o veiculo automóvel em discussão nos autos para uso profissional, pois este exercia a atividade profissional de perito averiguador de sinistros automóveis, sendo esta a sua única fonte de rendimento, o que implicava o uso de veiculo próprio e como tal não era considerado consumidor para efeitos do referido DL;

Page 47: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

46

- Contrato de compra e venda ajustado entre vendedor profissional e comprador profissional,

designado correntemente como contrato mercantil;

- Contrato de compra e venda concretizado entre vendedor não profissional e comprador

profissional;

- Contrato de compra e venda celebrado entre vendedor e comprador não profissionais, pois

qualifica-se como contrato civil e não comercial (aplicando-se a estes casos o regime geral da

compra e venda de coisas defeituosas, constante do Código Civil).

10.4 -DEFINIÇÃO DE BEM DE CONSUMO

Nesta definição surge outro conceito, de extrema importância e relevância para o

enquadramento das situações abrangidas por este diploma legal, os bens de consumo. Tal

definição vem regulada n alínea b) do artigo 1.º- B como sendo “ qualquer bem imóvel ou móvel

corpóreo, incluindo os bens em segunda mão”.

O Decreto – Lei n.º 67/2003 na primeira redação incluiu na definição de bens de consumo

diversos tipos de bens excluídos pela Diretiva, nomeadamente:

- Bens imóveis;

- Bens vendidos por via de penhora ou outra forma de execução judicial; eletricidade, gás, água

não postos à venda em volume delimitado ou em quantidade delimitada (garrafas, botijas) ou

seja os casos de fornecimento contínuo de água e de gás.

10.5 - CONFORMIDADE COM O CONTRATO

O conceito de conformidade é descrito no artigo 2.º do DL 67/2003, de 8 de Abril (alterado pelo

DL n.º 84/2008, de 21 de Maio).

O vendedor tem, então, a obrigação de entregar o bem em conformidade com o contrato, isto é,

de acordo com as características que descreveu aquando da venda, com as qualidades que por

si foram apresentadas, satisfazendo, assim, as expectativas e o interesse que o consumidor

adquiriu em virtude dessas declarações55.

55 Esta obrigação vai ao encontro da constante no artigo 35.º da Convenção de Viena de 1980 – “ o vendedor deve entregar mercadorias que, pela sua quantidade, qualidade e tipo correspondam às previstas no contrato.”

Page 48: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

47

Esta “obrigação” não é nem um pouco inovadora, atento o (elementar) princípio da pontualidade

do cumprimento dos contratos (art. 406.º do C.C)56. Acresce, ainda, o regime da empreitada e

da compra e venda do C.C e da Lei de defesa do consumidor (Lei n.º 24/96).

A nomenclatura utilizada também em nada é “revolucionária” atenta a redacção do art. 1207.º

do Código Civil: “ O empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que for

convencionado e sem vícios.”, do art. 1043.º, n.º 1 do C.C : “ … o locatário é obrigado a manter

e restituir a coisa… em conformidade com os fins do contrato”, e ainda do art. 469.º do Código

Comercial: “ …cousa conforme à amostra…”, entre outros exemplos.

Esta obrigação, por força do princípio da pontualidade dos contratos e da boa-fé entre as partes,

já constava do nosso ordenamento jurídico, na medida em que o comprador tem direito ao

preciso cumprimento do contrato, no sentido de receber o que pretendeu comprar, e não

qualquer outro bem, com ou sem defeito.

De referir que, no nosso entender, e seguindo a posição de João Calvão da Silva57, a Diretiva,

bem como o legislador nacional, poderiam ter ido mais longe no sentido de abarcar os vícios do

direito, criando assim uma garantia única contra os vícios materiais (os defeitos da coisa) e os

vícios jurídicos (os ónus que recaiam sobre os bens). Isto, essencialmente por duas ordens de

razão.

A primeira porque o vendedor tem a obrigação de entregar a coisa livre de vícios (sejam eles

quais forem), pois só desta forma pode o comprador usufruir plenamente do gozo da coisa

adquirida.

A segunda, porque não estando abrangidos os vícios jurídicos a proteção do consumidor não é

tao eficaz, ou não será plenamente eficaz, como preconiza e pretende a Diretiva.

Ou seja, se o consumidor estiver perante um vício material, tem a “ guarida” do DL 67/2003, de

8 de Abril (alterado pelo DL n.º 84/2008, de 21 de Maio).

Se, por outro lado, estiver a “braços” com um vício jurídico terá de socorrer-se do regime geral,

que não está especialmente vocacionado para a proteção especifica do consumidor, enquanto

parte mais débil de uma transação comercial.

56 Na realização da obrigação da entrega da coisa, o vendedor deve obedecer ao convencionado no contrato, não podendo o comprador ser “forçado” a receber coisa distinta da acordada e, portanto, desejada. 57 Cfr João Calvão da SILVA, Venda de Bens de Consumo, 4.ª Edição, Almedina, 2010, p.80;

Page 49: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

48

Temos assim dois pesos e duas medidas para dois problemas, que embora distintos nas

consequências sobre a fruição do bem, impedem ambos a utilização do bem de acordo com as

expectativas criadas pelo consumidor aquando da sua compra.

Pelo que julgamos que nesta última alteração, o legislador português poderia ter introduzido esta

inovação legislativa.

10.6 – PRESUNÇÕES DE CONFORMIDADE

O legislador europeu, tendo em conta “que nem sempre é possível confiar unicamente no

princípio de conformidade, em determinadas tradições jurídicas, por forma a garantir aos

consumidores um grau mínimo de proteção e que, particularmente, nessas tradições jurídicas

podem ser úteis disposições nacionais suplementares reservadas a assegurar a proteção dos

consumidores nos casos em que as partes não acordaram em cláusulas ou firmaram acordos

que direta ou indiretamente anulam ou restringem os direitos dos consumidores58, introduziu

presunções ilidíveis de conformidade no n.º 2 do mesmo art. 2.º, para facilitar a aplicação do

principio da conformidade com o contrato”59.

Parece-nos ser uma solução acertada e cautelosa (quanto à proteção do consumidor), visto que

com estas presunções, o julgador dispõe de conceitos objetivos ao invés de conceitos

indeterminados, que ficam “à mercê” do poder discricionário de quem avalia, no sentido de se

determinar a existência ou não da conformidade. E como se costuma dizer “cada cabeça sua

sentença”.

Com estas presunções ilidíveis (assegurando, portanto, o direito ao contraditório e à defesa ao

vendedor ou ao produtor) o julgador dispõe de um “guião” segundo o qual poderá,

objetivamente, determinar se o bem foi ou não entregue conforme ao contrato (isto sempre nos

casos em que não constam do contrato cláusulas especificas que determinem o que seria

contratualmente devido). Guião este que harmoniza, minimamente, os critérios, parâmetros e

soluções para ser apurado quando é que a coisa entregue era a contratualmente exigida.

De acordo com o art. 2.º, n.º 2 do DL “presume-se que os bens de consumo não são conformes

com o contrato se se verificar algum dos seguintes factos”:

58 Considerando n.º 7 da Diretiva; 59 Considerando n.º 8 da Diretiva;

Page 50: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

49

“a) Não serem conformes com a descrição que deles é feita pelo vendedor ou não possuírem as

qualidades do bem que o vendedor tenha apresentado ao consumidor como amostra ou modelo;

b) Não serem adequados ao uso específico para o qual o consumidor os destine e do qual tenha

informado o vendedor quando celebrou o contrato e que o mesmo tenha aceitado;

c) Não serem adequados às utilizações habitualmente dadas aos bens do mesmo tipo;

d) Não apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o

consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem e, eventualmente, às

declarações públicas sobre as suas características concretas feitas pelo vendedor, pelo produtor

ou pelo seu representante, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem.”

As presunções apresentadas podem ser divididas em dois grupos. As relacionadas com

informações pré-contratuais, e portanto determinantes na escolha do bem, pelo consumidor

(constantes das als. a) e b)) e as relacionadas com utilizações habituais, qualidades normais e

expectativas aceitáveis do consumidor, prendendo-se assim com expectativas legitimamente

criadas pelo consumidor.

Quanto ao primeiro grupo insere-se no âmbito da conduta pré-contratual, ou seja, no que induziu

o consumidor a escolher determinado bem. A descrição, apresentação do bem feita pelo

vendedor, a falta de correspondência com a amostra ou o modelo apresentado ao consumidor.

O que parece-nos ser de lógica perceção, pelo simples facto de o vendedor não poder descrever

por exemplo um aparelho televisivo como sendo uma “smart tv” e depois na altura de entrega

do bem, ser outro aparelho que apresenta ao consumidor. Ora, se ao consumidor foi descrito

esse bem como dispondo dessa tecnologia, e apresentado um aparelho com essas

caraterísticas, foi esse bem que ele quis adquirir, sendo que qualquer outro apresentado não é,

naturalmente, conforme ao contrato.60

Também a Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.º 24/96), “protege” o consumidor quando

confrontado com o teor de mensagens publicitárias de determinado bem ao estabelecer no seu

art. 7.º n.º 5 o seguinte:

60 Importa, também, ter presente a redação do artigo 21.º, al. C) do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, a qual determina a nulidade das cláusulas contratuais que permitam a não correspondência entre as prestações a efetuar e as indicações, especificações ou amostras feitas ou exibidas nos contratos de adesão com consumidores finais;

Page 51: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

50

“As informações concretas e objetivas contidas nas mensagens publicitárias de determinado

bem, serviço ou direito consideram-se integradas no conteúdo dos contratos que se venham a

celebrar após a sua emissão, tendo-se por não escritas as cláusulas contratuais em contrário.”

Por seu turno, o segundo grupo prende-se com questões relacionadas com a categoria a que

pertence o bem adquirido. Tal presunção encontra paralelismo no artigo 913.º, n.º 2 do C.C e

no art. 4.º, n.º 1 da Lei n.º 24/96.

O consumidor adquire “razoáveis expectativas”, dada a natureza do bem, e as declarações

públicas sobre as suas características reais feitas pelo vendedor, pelo produtor ou seu

representante, designadamente na publicidade ou na rotulagem.

Relativamente à natureza do bem importará a sua idade, o facto de ser novo ou usado, sendo

que, no que às declarações públicas concerne o legislador português revelou-se mais protetor do

consumidor do que a Diretiva, indo mais além do que esta prevê, visto que no seu art. 2.º, n.º 4

a Diretiva dispõe:

“ O vendedor não fica vinculado pelas declarações públicas a que se refere a alínea d) do n.º 2,

se:

Demonstrar que não tinha conhecimento nem podia razoavelmente ter conhecimento da

declaração em causa,

Demonstrar que, até ao momento da celebração do contrato, a declaração em causa fora

corrigida,

Demonstrar que a decisão de comprar o bem de consumo não poderia ter sido influenciada pela

declaração em causa.”

O legislador português fez uso da sua liberdade de que dispõe, em virtude de se tratar de uma

Diretiva de caráter mínimo, e protegeu o consumidor de eventuais “desordens “ existentes na

cadeia vendedora.

10.7 – NÃO CONFORMIDADE CONHECIDA DO CONSUMIDOR

O n.º 3 do art. 2.º do DL dispõe que, não pode o consumidor invocar a falta de conformidade se,

no momento de celebração do contrato, este tiver conhecimento dessa falta de conformidade ou

Page 52: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

51

não puder razoavelmente ignorá-la ou ainda se esta decorrer dos materiais fornecidos pelo

consumidor.

Ora, tal solução, é perfeitamente aceitável e lógica. Se no momento da celebração do contrato o

consumidor sabia da existência da falta de conformidade e ainda assim quis adquirir o bem, é

sinal de que pretendia aquele bem no estado em que este se encontrava ou se essa falta de

conformidade era de tal forma latente que o consumidor médio não poderia ignorar, este não

pode vir alegar a falta de conformidade, quando a aceitou no momento da celebração do

contrato61. Pois a sua vontade foi declarada com base nessas circunstâncias.

Como também não pode vir alegar a falta de conformidade do bem, quando esta foi originada

pelo simples facto dos materiais por si fornecidos serem de fraca qualidade.62

Naturalmente, segundo a regra do art. 342.º, n.º 2 do C.C, é ao vendedor que compete o ónus

de provar que o comprador tinha conhecimento ou não podia razoavelmente desconhecer a falta

de conformidade do bem no momento de celebração do contrato, ou que a este se assaca a

falta de conformidade.

Esta circunstância já era contemplada no direito comum, tanto pelo C.C como pela LDC (art.

12.º, n.º 1).

10.8 – FALTA DE CONFORMIDADE RESULTANTE DE MÁ INSTALAÇÃO

Por fim o n.º 4 do art. 2.º do DL equipara a falta de conformidade consequente de má instalação

do bem de consumo a falta de conformidade.

Corresponde ao previsto no n.º 5 do art. 2.º da Diretiva, e alarga as normas da compra e venda

aos “serviços de instalação” dos bens de consumo vendidos, baseando-se “na ligação estreita

desta prestação de facere à obrigação de entrega de bem conforme ao contrato e na

necessidade de proteger de igual modo o consumidor63.”

61 Por exemplo, o consumidor pretende adquirir um determinado veículo automóvel que se encontra em muito mau estado, que necessi ta de ser restaurado. O consumidor quando o adquire tem conhecimento do estado desse veículo, bem como será de fácil perceção. Mas por variados motivos, como o gosto por aquele veiculo em particular ou o preço significativamente reduzido, poderão levar o consumidor a adquiri-lo nessas condições. Não pode, portanto, mais tarde este vir alegar que o bem padecia de falta de conformidade. O mesmo acontece se o consumidor adquire determinada peça de vestuário (um fato, uma camisa, umas calças) de “marca”, sabendo ou sendo informado de que esta padece de um defeito de fabrico. Ao aceitar esse defeito, não pode mais tarde vir invoca-lo como não estando conforme ao pretendido. 62 Por exemplo, numa empreitada de consumo, um consumidor pretende que um carpinteiro construa um armário com materiais fornecidos por ele. Se esse armário ficar mal construído ou a madeira ceder facilmente por força dos materiais fornecidos, o consumidor não pode invocar a falta de conformidade originada pela fraca qualidade dos seus materiais. 63 Cfr João Calvão da SILVA, Venda de bens de consumo, 4.ª edição, Almedina,2010 p. 94;

Page 53: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

52

Este alargamento faz todo o sentido, tendo em conta o espirito e objetivo da Diretiva, pois se

após a instalação dos bens de consumo adquiridos, seja realizada pelo vendedor seja pelo

consumidor seguindo as instruções facultadas pelo vendedor, o consumidor não puder usufruir

do bem como ambicionaria em virtude de a instalação ter sido realizada de forma deficiente, tal

situação e respetivas consequências são em tudo semelhantes à desconformidade originária do

bem, quanto mais não seja pelo simples facto de o consumidor ficar impossibilitado de usar o

bem conforme pretendia e das qualidades que o fizeram adquiri-lo. Por exemplo, se por força de

uma má instalação de uns armários de cozinha, tanto os armários como a própria cozinha

ficarem inutilizados, o vendedor terá de ser “chamado” a reparar tal situação64. Ou no caso de

ser o consumidor a instalar o bem adquirido seguindo as instruções fornecidas pelo vendedor,

algo que acontece hoje em dia com muita frequência quando se adquire móveis numa famosa

cadeia sueca, o consumidor tem de estar protegido, como estaria se o bem originariamente não

fosse conforme ao contrato.

Assim, “o regime dos defeitos de conformidade é aplicado às situações de cumprimento

imperfeito pelo vendedor de um dever acessório ou dever lateral –o dever de instalação ou de

instrução de montagem em termos corretos do bem por si vendido – apesar desse defeito não

subsistir no momento da sua entrega65”.

Por outro lado não são abrangidos pela “guarida” da Diretiva as restantes prestações de serviço,

nomeadamente os serviços pós-venda e de assistência e manutenção após a conclusão do

contrato.

11 – DIREITOS DO CONSUMIDOR

O consumidor tem os seus direitos elencados nos artigos 4.º do DL 67/2003 de 8 de Abril, com

a redação do Dl 84/2008 de 21 de Maio, e 3.º da Diretiva, os quais lhe conferem, em caso de

falta de conformidade da coisa entregue66:

-O direito à reparação ou substituição da coisa;

-O direito à redução ou resolução do contrato;

64 AC T.R.P, de 28/11/2005, Proc. N.º 0554845; 65 Cfr João Calvão da SILVA, Venda de bens de consumo, cit., p. 95; 66 Para os casos de falta de entrega aplicam-se o regime geral do não cumprimento;

Page 54: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

53

Para exercer estes direitos não é requisito a culpa do vendedor na desconformidade do bem.

Logo o consumidor “apenas” tem de provar a falta de conformidade do bem na data de entrega

e não a culpa do vendedor nessa desconformidade, o que “facilita” imenso a posição do

consumidor.

Os mecanismos colocados à disposição do consumidor dividem-se em dois grupos – reparação

ou substituição do bem e redução do preço ou resolução do contrato – sendo que, existirá uma

hierarquia entre eles, no sentido em que o consumidor não poderá, desde logo, avançar para a

redução do preço ou resolução do contrato, sem antes ter exigido, ou pelo menos sem antes ser

“testada” a viabilidade da hipótese reparação ou substituição do bem.

Só na hipótese de nenhuma destas soluções ter surtido efeito, é que ele poderá avançar para

essas soluções mais “drásticas”.

Tais remédios já eram concedidos ao consumidor através do artigo 12.º da LDC (na redação

conferida pela Lei n.º 85/98 de 16/12, que previa:

“ O consumidor a quem seja fornecida a coisa com defeito, salvo se dele tivesse sido

previamente informado e esclarecido antes da celebração do contrato, pode exigir,

independentemente de culpa do fornecedor do bem, a reparação da coisa, a sua substituição, a

redução do preço ou a resolução do contrato.”

O que demonstra que na consagração destes quatro direitos, a Diretiva em nada veio modernizar

o nosso ordenamento jurídico. “A Diretiva é revolucionária para muitos dos direitos dos Estados-

membros, entre os quais a Alemanha, a França, a Itália, a Inglaterra, a Bélgica e o Luxemburgo,

mas não, seguramente, para a ordem jurídica portuguesa.” 67

11.1- HIERARQUIA DOS DIREITOS

O legislador nacional, na transposição da Diretiva, optou por não reiterar os requisitos objetivos

(e por isso mais concretos e eficazes) indicados na Diretiva.

Isto porque, no artigo 3.º da Diretiva são incutidas alternativas de direitos, à escolha do

consumidor, alternativas essas que obedecem a predicados objetivos, enquanto no artigo 4.º, n.º

67 Cfr venda de bens de consumo, João Calvão da SILVA, Venda de bens de consumo, cit., p. 105;

Page 55: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

54

5 do Decreto-Lei n.º 67/2003 são expostas as alternativas do consumidor, sendo que o seu uso

fica limitado pelas regras do instituto de abuso de direito. Senão vejamos.

Da leitura integral do artigo 3.º da Diretiva resulta o seguinte:

- O n.º 3 dispõe: “ Em primeiro lugar, o consumidor pode exigir do vendedor a reparação ou

substituição do bem, em qualquer dos casos sem encargos, a menos que isso seja impossível

ou desproporcionado”

- Por seu turno o n.º 5 determina: “ O consumidor pode exigir uma redução adequada do preço,

ou a rescisão do contrato:

- Se o consumidor não tiver direito a reparação nem a substituição, ou

- Se o vendedor não tiver encontrado uma solução num prazo razoável, ou

- Se o vendedor não tiver encontrado uma solução sem grave inconveniente para o consumidor”.

Segundo a Diretiva, o consumidor só poderá exigir a redução do preço ou a resolução do

contrato em última instância, quando nenhuma das soluções supra citadas forem possíveis.

Se dúvidas restassem quanto a esta hierarquia de direitos, estas seriam dissipadas pelo

considerando 10 da Diretiva: “ em caso de não conformidade do bem com o contrato, os

consumidores devem ter o direito de obter que os bens sejam tornados conformes com ele sem

encargos, podendo escolher entre a reparação ou a substituição, ou, se isso não for possível, a

redução do preço ou a rescisão do contrato”.

Portanto o consumidor deve sempre e preferencialmente, quando possível, optar pela reparação

ou substituição do bem, em “homenagem” à conservação do negócio jurídico, de importância

elevada numa economia de contratação em cadeia só partindo para a redução do preço ou

resolução do contrato subsidiariamente.

11.2 – REPARAÇÃO OU SUBSTITUIÇÃO DO BEM

Pese embora a Diretiva tencione proteger o mais possível o consumidor, nem sempre este terá

direito a exigir do vendedor a reparação ou substituição do bem não conforme.

O vendedor poderá recusar-se, legitimamente, sempre que tal solução se revele impossível ou

desproporcionada.

Page 56: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

55

Quando será então desproporcionada tal solução?

O considerando 11 da Diretiva determina que a desproporcionalidade deve ser apurada

objetivamente, “ que uma solução é desproporcionada se impuser custos excessivos em relação

à outra solução; que, para que os custos sejam excessivos, devem ser significativamente mais

elevados que os da outra forma de reparação do prejuízo”.

Quanto a este direito é de referir que devido à natureza específica dos produtos em segunda

mão, revela-se, em regra, impossível a sua reposição e que, portanto, quanto a esses produtos o

consumidor não terá direito à sua substituição (considerando 16 da Diretiva).

Para além destas soluções, e visando a conciliação célere do “conflito” originado pela falta de

conformidade, o vendedor pode sempre oferecer ao consumidor, como solução, qualquer outra

forma de reparação possível, cabendo ao consumidor aceitar ou rejeitar essa proposta

(Considerando 12 da Diretiva).

Realce-se o facto de tais soluções terem de ser sempre oferecidas ao consumidor sem quaisquer

encargos para este (arts. 4.º, n.º 1 e 3 do Decreto – Lei n.º 67/2003 e 3.º, n.º 2 e 4 da

Diretiva).

Isto é as despesas de transporte, de mão-de-obra e de material são da exclusiva

responsabilidade do vendedor, não podendo ser imputadas ao consumidor.

Na redação introduzida pelo DL n.º 84/2008, impôs-se um prazo de reparação ou substituição

razoável, tendo em conta a natureza do defeito, para os bens imóveis e um prazo de 30 dias

para os bens móveis (art. 4.º, n.º 2), sendo esta uma das alterações que esta redação introduziu

face à anterior.

11.3 – REDUÇÃO DO PREÇO OU RESOLUÇÃO DO CONTRATO

Neste conjunto de direitos importa, desde logo, evidenciar o seguinte:

- Nos termos do artigo 3.º, n.º 6 da Diretiva:“ O consumidor não tem direito à rescisão do

contrato se a falta de conformidade for insignificante.” 68

68 Aliás conforme a regra geral do direito à resolução – admite-se a resolução apenas nos casos de incumprimento significativo ou de não escassa importância – nos termos dos artigos 793.º e 802.º, n.º 2 do C.C;

Page 57: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

56

- Na hipótese de restituição do preço ao consumidor por força da resolução potestativa do

contrato, o possível uso dado ao bem pelo consumidor poderá provocar uma redução do valor a

devolver69

Este já é o espirito do n.º 2 do artigo 434.º do Código Civil.

Esta responsabilização, porventura exagerada à primeira vista, do vendedor sustenta a sua razão

de ser no facto de o perecimento ou deterioração da coisa resultar da falta de conformidade

existente no momento da entrega, isto é, na não conformidade do bem com o contrato. 70

Esta disposição afasta, assim, o previsto no n.º 2 do artigo 432.º do Código Civil.

11.4- ESCOLHA DO CONSUMIDOR E ABUSO DE DIREITO

O legislador nacional não transpôs a hierarquização dos direitos do consumidor, deixando tal uso

subordinado aos deveres de boa-fé, subjacentes aliás a qualquer negócio jurídico.

Assim conferindo, igualmente, mais liberdade de escolha e porventura mais proteção ao

consumidor. Sendo certo que tal liberdade terminará no abuso de direito (art.º. 334.º do C.C).

O mesmo é dizer que essa liberdade de escolha do consumidor não está sujeita ao seu livre

arbítrio. O consumidor deverá privilegiar sempre que possível a manutenção do negócio jurídico

(isto é, optar sempre em primeiro lugar pela reparação ou substituição do bem) só devendo

avançar para a redução ou resolução do preço, quando outra situação não for possível.

Se assim não agir, estará sujeito a incorrer em abuso de direito.

11.5 – PRAZOS PARA EXERCÍCIO DOS DIREITOS DO CONSUMIDOR

Esta temática foi sujeita a alterações durante o processo de aprovação da Diretiva,

principalmente, tendo a proposta de Diretiva da Comissão sido alterada pelo Parlamento

Europeu71 e não tendo sido estas modificações aceites pelo Conselho na posição comum.

69 Cfr – Considerando 15 da Diretiva; 70 Esta regra já constava do art. 12.º n.º 1 da Lei da defesa do consumidor, na redação originária de 31/07 : “O consumidor a quem seja fornecida a coisa com defeito, salvo se dele tivesse sido previamente informado e esclarecido antes da celebração do contrato, pode exigir, independentemente de culpa do fornecedor do bem, a reparação da coisa, a sua substituição, a redução do preço ou a resolução do contrato.” 71 De facto, no Livro Verde sugeria-se não se consagrar qualquer obrigação especial de notificação do responsável e que se distinguisse o prazo de garantia, a contar do momento da entrega do produto e durante o qual a descoberta do defeito conduziria à hipótese de uma ação ser intentada com base nela, e o prazo de prescrição, que impediria a propositura de uma ação fundamentada na garantia e que começaria a partir do momento da descoberta do defeito. Sugeria, ainda, que o prazo de prescrição se suspendesse com a notificação do defeito até ao fim das

Page 58: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

57

Os prazos72 existentes para o exercício, pelo consumidor, dos direitos conferidos pelo DL,

constitui a principal novidade e alteração introduzida pela redação do DL 84/2008, de 21 de

Maio.

De facto, na redação do DL 84/2008, de 21 de Maio, pode ler-se no preâmbulo “ (…) entendeu-

se dever estabelecer um prazo limite de 30 dias para a realização das operações de reparação

ou de substituição de um bem móvel, dado que a ausência de regulamentação atual tem tido

como consequência o prolongamento, por um tempo excessivo, das operações de substituição e

de reparação pouco complexas.”

Instituiu – se, ainda, com esta redação um novo prazo de dois anos, a contar da data de

denúncia, para a caducidade dos direitos dos consumidores, no caso de se tratar de bem móvel,

sendo esse prazo de três anos, quando esteja em causa um bem imóvel.

Introduziu-se, igualmente, um prazo de dois ou de cinco anos, consoante se trate,

respetivamente, de bem móvel ou imóvel, de garantia para o bem substituto.

Posto isto, a questão dos prazos era regulada integralmente pelo artigo 5.º da versão inicial do

DL 67/2003, tendo sido parte deste artigo revogado pelo DL 84/2008, a algumas das suas

normas transferidas para o aditado art. 5.º - A. Desta forma, o legislador dividiu, em dois artigos,

a matéria relativa aos prazos. No artigo 5.º está previsto o “prazo da garantia” enquanto no

artigo 5.º A o “prazo para exercício de direitos”.

Da conjugação destes dois artigos resultam os prazos para o consumidor fazer valer os seus

direitos.

11.6 – GARANTIA LEGAL DE CONFORMIDADE

Antes de mais, qualquer um dos prazos referidos nos supra citados artigos, começa a contar a

partir da data de entrega do bem de consumo.

negociações forçado por uma das partes, e que o prazo de garantia, suspenso durante a reparação do bem, iniciasse-se quer ocorresse substituição do bem quer ocorresse a sua substituição, no que concerne ao defeito concreto que motivou a reparação; 72 O legislador europeu, aquando da redação da Diretiva, deparou-se com alguns obstáculos à uniformização dos prazos, visto que eles era muito diferentes nas várias legislações europeias. Por exemplo, enquanto nos ordenamentos jurídicos da Alemanha, Áustria, Espanha, Portugal e Grécia era estipulado um prazo de caducidade de seis meses, o ordenamento jurídico da Dinamarca previa o prazo de um ano, o da Suécia dois anos, Inglaterra e Irlanda seis e o da França, Bélgica, Holanda, Luxemburgo e Finlândia não estipulavam prazo de caducidade;

Page 59: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

58

Segundo o espírito do diploma, o consumidor tem direito à entrega de um bem conforme ao

contrato, sendo o vendedor responsável por qualquer desconformidade, nos termos dos artigos

2.º, n.º 1 e 3.º, n.º 1 do DL 67/2003.

Assim e de acordo com o disposto no artigo 5.º, n.º1 do DL 67/2003 quando o consumidor se

aperceber da falta de conformidade, dentro do prazo de dois ou cinco anos, caso esteja em

causa, respetivamente, um bem móvel ou imóvel, pode exercer os direitos supra mencionados.

O prazo legal de conformidade é, portanto, igualado ao prazo de presunção da anterioridade dos

defeitos, o que se traduz no facto de o prazo para o consumidor reagir a uma constatação de

desconformidade do bem coincidir com o prazo para a presunção de anterioridade dessa

desconformidade.

Significa isto, que não cabe ao consumidor o ónus da prova da existência da falta de

conformidade no momento da entrega, tendo apenas de demonstrar que essa falta de

conformidade se manifestou dentro do prazo de dois ou cinco anos, a contar da entrega,

consoante se trate, respetivamente, de bem móvel ou imóvel.

A Diretiva, neste aspeto, não é tao “benevolente” para o consumidor. No seu artigo 5.º, n.º3,

prevê uma presunção da falta de conformidade, quando esta se manifeste no prazo de seis

meses a contar da data de entrega do bem.

Isto é, face a Diretiva, o consumidor, decorrido esse prazo presuntivo de seis meses, poderá,

igualmente, exercer os seus direitos, tendo, no entanto, o “inconveniente” de provar que a falta

de conformidade já existia aquando do momento da entrega do bem.

O legislador português foi, portanto, mais “simpático” para o consumidor, ao estipular um

regime mais favorável do que o constante da Diretiva. Todavia, outra, não podia ter sido a opção

do legislador, devido ao facto de anteriormente à Diretiva, a Lei de Defesa do Consumidor já

prever uma garantia de bom estado e de bom funcionamento ao longo de um ano, abdicando da

condição da existência da falta de conformidade na data da entrega do bem. Se tivesse

estipulado uma presunção de seis meses, o legislador estaria a diminuir evidentemente a

proteção dos consumidores nacionais.

Uma vez que estamos perante uma diretiva de harmonização mínima (artigo 8.º da Diretiva), tal

opção não acarreta a sua deficiente transposição, parecendo mesmo a mais apropriada, tendo

em conta o espirito tanto da Diretiva como do DL n.º 67/2003.

Page 60: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

59

Já referimos que o prazo da garantia legal de conformidade, para bens imóveis73, é de cinco

anos, contados a partir da data de entrega do bem. Surge, a este respeito, uma questão. E se o

contrato recair sobre uma fração autónoma de um imóvel constituído em propriedade

horizontal74. Quando começa a contar-se o prazo, no que concerne às partes comuns?

Sufragamos o entendimento75 segundo o qual tal prazo inicia-se a partir da data, em que se

verificou a última transferência pelo vendedor ou empreiteiro profissional.

Há, contudo, outro entendimento, o de relevar para este efeito o momento em que é

estabelecida a administração do condomínio. No entanto, não concordamos com tal

entendimento, pelo simples facto de a ser assim, qualquer consumidor que adquirisse uma

fração autónoma após essa constituição, ficaria desprotegido e em desvantagem perante os

restantes que adquiriram anteriormente, não podendo exercer os direitos atribuídos, pelo

diploma, aos casos de desconformidade do bem imóvel no referido prazo de cinco anos.

Para os bens móveis, o consumidor pode exercer os direitos conferidos pelo diploma, quando a

falta de conformidade se manifeste no prazo de dois anos a contar do momento de entrega do

bem. Prazo este que só pode ser reduzido, por acordo das partes, no caso de bens móveis

usados76, nos termos do artigo 5.º, n.º 2.

Esta redução para um ano, terá de resultar de uma efetiva negociação entre as partes e não de

uma cláusula contratual geral, caso em que não produz qualquer efeito (art.. 21.º, alínea d) do

DL 446/85).

O que não será possível é o consumidor prescindir deste prazo de garantia de dois anos na

totalidade.

De realçar o facto de este prazo suspender-se, a partir da data de denúncia e enquanto persistir

o período em que o consumidor estiver privado do uso do bem (n.º 7 do art. 5.º do DL

67/2003).

Acrescentamos, ainda, e conforme supra mencionado, o facto de, por acordo das partes, e

tratando-se de coisa móvel usada, o aludido prazo de dois anos pode ser reduzido para metade

(n.º 2 do art. 5.º do DL 67/2003).

73 Sendo que os bens imóveis são matéria excluída do âmbito da Diretiva; 74 Situação, aliás, frequente, a de um consumidor adquirir uma fração autónoma para residir; 75 Cfr, Jorge Morais CARVALHO, Manual de Direito do Consumo, cit., p. 218; 76 No caso de bem imóvel é irrelevante ser um bem usado, sendo sempre irredutível por acordo das partes, o prazo de cinco anos;

Page 61: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

60

Complementando o artigo 5.º, foi aditado, pela redação do DL 84/2008, de 21 de Maio, o artigo

5.º A.

Este artigo determina, desde logo, a caducidade dos direitos do consumidor, quando não

exercidos nos referidos prazos de dois ou cinco anos (n.º 1 do art. 5.º A do DL 67/2003)

Acrescentando, ainda, que para exercer os seus direitos o consumidor terá de proceder à

denúncia da desconformidade, ao vendedor, no prazo de dois meses, no caso de se tratar de

bem móvel, ou de um ano, se estiver em causa um bem imóvel, ambos a contar da data em que

a detetou77 (n.º 2 do art. 5.º A do DL 67/2003).

O DL 84/2008 aditou o artigo 5.º, nº 6 que dispõe que em caso de substituição do bem, o bem

sucedâneo desfruta de um novo prazo de garantia legal de conformidade de dois ou cinco anos,

conforme se trate de bem móvel ou imóvel.

Acrescenta, ainda, o n.º 7 do referido artigo 5.º, a suspensão do prazo desde a data da denúncia

e durante o período em que o consumidor estiver privado do uso dos bens.

O prazo suspende-se a partir do momento em que o consumidor denuncia ao vendedor a

desconformidade do bem, recomeçando a sua contagem somente na data em que o bem, já

conforme ao contrato, é novamente entregue ao consumidor.

Esta norma somente se aplica se o consumidor preferir exercer o direito à reparação do bem ou

à redução do preço. Caso escolha a substituição do bem, o exercício deste direito suspende o

decurso do prazo de caducidade, que se inicia de acordo com o já mencionado artigo 5.º, n.º 6.

Por outro lado, caso opte pela redução do preço, o prazo interrompe-se durante o período em

que o consumidor estiver privado do uso do bem, particularmente por ter sido entregue ao

vendedor para apreciação da falta de conformidade.

Nos casos de resolução do contrato e uma vez que as prestações são restituídas, a avaliação da

desconformidade não tem sentido.

Por força do artigo 298.º, n.º 2 do C.C78, tudo o que não estiver especificamente regulado no

artigo 5.º, no que aos prazos concerne, aplica-se as regras da caducidade.

77 No considerando 19 da Diretiva, é instituído, como prazo mínimo, dois meses para a denúncia da desconformidade; 78 “ Quando por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição.”

Page 62: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

61

Tal aplicação é, igualmente, determinada pelo artigo 5.º- A, n.º 1, o qual dispõe a caducidade do

direito do consumidor no término dos prazos previstos no artigo 5.º.

Pelo que, podemos concluir que os prazos para a reparação ou substituição dos bens

desconformes com o contrato, variam consoante esteja em causa um imóvel ou bem móvel. No

caso de se tratar de um bem imóvel, a lei exige que a reparação ou substituição se faça num

prazo razoável (utiliza portanto um critério subjetivo e lato, tendo portanto de ser aferido e

avaliado caso a caso, de acordo com o tipo de defeito ou vicio em causa e os critérios comuns

aplicados a casos semelhantes).

Por outro lado, no caso de se tratar de um bem móvel, a lei já determina um prazo imperativo

para se proceder à reparação ou substituição – no máximo de 30 dias (n.º 2, art. 4.º)

Em ambos os casos, sempre sem ocorrer grave inconveniente para o comprador.

O n.º 3 do supra citado artigo esclarece o sentido e alcance da expressão “ sem encargos” para

o consumidor, referida no n.º1 do mesmo artigo, quando se refere à reposição da conformidade

de um bem adquirido.

Assim, estes encargos traduzem-se nas “despesas necessárias para repor o bem em

conformidade com o contrato, incluindo, designadamente, as despesas de transporte, de mão-

de-obra e material.”

O consumidor nada terá de pagar pelo custo da reparação ou substituição do bem. O que faz

todo o sentido, visto que ele já pagou para o adquirir, em conformidade com o contrato, não

existindo qualquer lógica ou razão para pagar, novamente, o seu “reparo” que irá repor essa

conformidade que deveria existir desde logo aquando da compra.

Se assim não fosse o consumidor iria estar, de certa forma, a pagar duas vezes para obter o

mesmo resultado (a conformidade), resultado esse que deveria existir a partir do momento em

que foi adquirido o bem. O comprador apenas irá cumprir a sua obrigação (entregar um bem

conforme com o contrato) junto do consumidor.

Relativamente à redução do preço ou resolução do contrato, o consumidor não perderá estes

direitos no caso de o bem adquirido ter perecido ou deteriorado, desde que por motivo não

imputável a ele, naturalmente.79

79 N.º 4, artigo 4.º do Decreto- Lei 67/2003;

Page 63: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

62

Parece-nos uma solução justa, uma vez que seria duplamente penalizador para o consumidor

(indo portanto contra o espirito e objetivos da Diretiva e do DL n.º 67/2003) se adquirido um

bem desconforme com o contrato, pago o preço deste, este por algum motivo alheio ao

consumidor, quiçá até causado pela desconformidade, se deteriorasse de tal forma que tornaria

o seu reparo impossível ou até bastante dispendioso para o vendedor, face ao valor do bem, e o

consumidor nada pudesse fazer a esse respeito.

Se assim fosse, o consumidor teria pago um preço (que em algumas situações seria de elevado

montante, como na compra de um televisor, de um relógio, dos tao vulgares, hoje em dia,

“smartphones”, de um veiculo automóvel, por exemplo) por um bem desconforme ao contrato e

às suas expectativas criadas com a sua compra e uso pretendido, no fim tendo deteriorado ou

perecido, e o consumidor teria de arcar com esse prejuízo todo, sem qualquer tipo de

mecanismo que tutelasse os seus legítimos interesses.

Ora, em primeiro plano até pelo (bom) senso comum tal situação seria terrivelmente injusta e

incorreta, e o Direito, antes de mais existe precisamente para “ combater” e resolver situações

dessas, tentando “proteger” sempre a parte mais fraca e a parte que fica “a perder” sem

qualquer justificação legal, claro está.

Em segundo plano, tal como já foi referido ao longo desta dissertação, o objetivo e um dos

principais princípios da Diretiva, um elevado nível de proteção do consumidor, tido como a parte

mais fraca, débil da relação jurídica estabelecida com o vendedor.

Esta solução, antes de mais é socialmente justa e correta, e vai ao encontro do objetivo da

Diretiva, e acima de tudo do Direito em si.

11.7 - PRAZO PARA EXERCÍCIO DOS DIREITOS

Como supra referido, o diploma prevê, no artigo 5.º, o prazo de garantia da conformidade do

bem com o contrato, sendo que o artigo 5.º - A, aditado pelo DL 84/2008, prevê dois prazos

complementares. Um relativo à denúncia da desconformidade do bem com o contrato, cujo

desrespeito conduz à caducidade deste direito, e um segundo relativo ao prazo para intentar a

competente ação destinada a fazer valer os direitos conferidos ao consumidor, que em caso de

não cumprimento conduzirá à caducidade da ação.

Page 64: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

63

11.7.1 – PRAZO DE DENÚNCIA DA FALTA DE CONFORMIDADE

O consumidor dispõe de um prazo para denunciar ao vendedor a desconformidade do bem com

o contrato. Este prazo varia, igualmente, consoante se trate de bem móvel ou imóvel.

Desta forma, prevê o artigo 5.º - A, n.º 2 do Decreto -Lei: “ Para exercer os seus direitos, o

consumidor deve denunciar ao vendedor a falta de conformidade num prazo de dois meses,

caso se trate de bem móvel, ou de um ano, se se tratar de bem imóvel, a contar da data em que

a tenha detetado.”.

Se o consumidor não respeitar estes prazos para proceder à referida denuncia, os seus direitos

caducam, nos termos do artigo 5.º - A, n.º 1.

Tendo em conta o facto de a denúncia ter como objetivo dar conhecimento ao vendedor da falta

de conformidade do bem com o contrato, esta torna-se desnecessária, no nosso entendimento,

se o consumidor souber que o vendedor conhece essa falta de conformidade ou se este a

reconhecer.

De facto, atento o facto de se aplicar o regime da caducidade aos direitos conferidos pelo DL,

esta solução parece-nos ser a mais correta, dada a redação do artigo 331.º, n.º 2 do C.C: “

Quando, porém, se trate de prazo fixado por contrato ou disposição legal relativa a direito

disponível, impede também a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra

quem deva ser exercido”.

Pese embora este princípio não estar expressamente consagrado no DL n.º 67/2003, encontra-

se compreendido no espírito do regime e resulta da razão de ser da exigência da denúncia.

A razão de ser da consagração de um prazo curto para denúncia da desconformidade, prende-se

com questões relacionadas com a rápida resolução do problema, possibilitando às partes a

regularização da situação num curto espaço de tempo. Acresce, ainda, o facto de quanto mais

cedo o bem for alvo de uma intervenção, maiores são as hipóteses de sucesso.

Esta norma é criticada a nível europeu, no sentido em que limita a capacidade de intervenção do

consumidor.

Page 65: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

64

O referido prazo inicia-se na data em que o consumidor detete a falta de conformidade, não

bastando a mera possibilidade de a conhecer para que o prazo comece a contar, sendo

necessário que este tenha o conhecimento suficiente da falta de conformidade.

Quanto à forma da denúncia, esta pode ser realizada oralmente, diretamente junto do vendedor,

não se exigindo, portanto, uma forma especial para que seja válida.

Pode ser feita, no caso de o vendedor ter um estabelecimento comercial aberto ao público, a

qualquer funcionário desse estabelecimento, não tendo o consumidor de saber qual a sua

função,80 como pode ser feita através de um número de telefone de contacto que o vendedor

disponha.

Esta denúncia tem de referir a falta de conformidade invocada pelo consumidor, não bastando

fazer comentários vagos sobre o estado do bem.81

Relativamente à hipótese de surgir uma desconformidade após a denúncia de uma anterior,

aquela não se encontra incluída, devendo o consumidor denunciar essa posterior

desconformidade, contactando o vendedor.

Com a primitiva redação do DL n.º 67/2003 surgia uma questão, já ultrapassada com a mais

recente redação, mas que iremos abordar por motivos meramente académicos.

E se a falta de conformidade, já denunciada, se agravasse. Será que esse agravamento se

encontra abrangido pela denúncia já realizada, ou será necessário voltar a contactar o vendedor

para proceder a uma nova denúncia?

Como já referido, esta questão era mais problemática com a primitiva versão do diploma, por

força do facto de o prazo de caducidade da ação se contar a partir da data de denúncia,

encurtando-o, portanto. Tendo este facto presente, parece-nos que seria mais apropriado pugnar

pela não abrangência da primeira denúncia, para desta forma, permitir ao consumidor dispor de

um novo prazo para, se assim quisesse, propor a competente ação judicial para defesa dos seus

direitos.

Com esta nova redação, e dado o facto de o prazo de caducidade nunca ser inferior ao da

garantia legal, parece-nos mais adequada a solução precisamente oposta, por duas razões.

80 Vide AC. do TRL, de 6/12/2011; 81 Vide AC do TRP, de 3/3/2008;

Page 66: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

65

Primeira o consumidor não sairá prejudicado, pois o prazo de caducidade foi equiparado ao da

garantia legal e segundo porque não identificamos nenhuma vantagem ou utilidade em exigir

uma nova denúncia de uma desconformidade que, somente, resulta de um agravamento de uma

primeira, até porque possivelmente decorre da primeira e já denunciada desconformidade.

O Código Civil determina, na compra e venda de coisa defeituosa e em caso de dolo do

vendedor, que o comprador não tem o dever de denunciar o defeito82.

Consideramos ser de aplicar esta exceção à venda de bens de consumo, visto que se trata de

um regime mais favorável ao consumidor e o DL n.º 67/2003 não tem como objetivo restringir

os direitos dos consumidores. Acresce, ainda, o facto de o dolo reportar-se ao conhecimento do

defeito e à sua ocultação por parte do vendedor. Ora, se a denúncia tem em vista dar ao

vendedor conhecimento do defeito e se este, por ter usado de dolo, já o tem, não faz sentido

exigir-se informar o vendedor de algo que ele já sabe e ocultou do consumidor.

11.7.2 – O PRAZO DE CADUCIDADE DA AÇÃO

O consumidor dispõe de um prazo, após a denúncia da desconformidade, para poder intentar a

competente ação judicial para exercer os seus direitos, já supra mencionados, de reparação ou

substituição do bem, redução do preço ou resolução do contrato.

Este prazo é de dois ou três anos, consoante se trate de bem móvel ou imóvel, respetivamente,

e conta-se a partir da data de denúncia da desconformidade, nos termos do artigo 5.º-A, n.º 3 do

DL n.º 67/2003.

Na prática o consumidor pode dispor de um prazo, para fazer valer os seus direitos, superior ao

da garantia legal (de dois ou cinco anos, consoante seja, respetivamente, bem móvel ou imóvel),

atento a redação do referido artigo.

Senão vejamos. Por hipótese, no caso de um bem móvel, o consumidor deteta a falta de

conformidade, tendo já decorrido ano e meio após o momento em que o adquiriu. Como já

referimos, tem o prazo de dois meses para denunciar essa desconformidade. E poderá propor a

competente ação judicial até dois anos após essa denúncia. Tendo denunciado após ano e meio

da sua compra, e terminando o prazo de garantia legal ao fim de dois anos, ele poderá, contudo,

intentar ação judicial para defesa dos seus direitos até três anos e meio após a sua aquisição.

82 Art. 916.º, n.º 1 do Código Civil;

Page 67: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

66

O mesmo ocorre, naturalmente, no caso de um bem imóvel, de acordo com os prazos de

garantia de cinco e o prazo de proposição da competente ação judicial de três anos após a

denúncia da desconformidade.

O referido prazo de propositura da ação judicial foi ampliado pela redação do DL 84/2008, visto

que o inicial prazo era de seis meses, de acordo com o revogado artigo 5.º, n.º 4,

independentemente de se tratar de bem móvel ou imóvel. Ora, este prazo configurava uma

transposição incorreta da Diretiva, relativamente aos bens móveis (dado que os imóveis não são

abrangidos por esta), uma vez que é determinado que o prazo de caducidade “ não pode ser

inferior a dois anos a contar da data de entrega”.83

Este prazo de seis meses era manifestamente curto e complicava o exercício dos direitos pelos

consumidores, não cumprindo, portanto, o objetivo da Diretiva, a proteção do consumidor.

Aplicando-se, como já referido, as regras gerais da caducidade, importa atentar no artigo 331.º

do CC, particularmente no seu n.º2 que determina: “ (...) impede também a caducidade o

reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido.”

Pelo que, a falta de conformidade reconhecida pelo vendedor, seja de forma expressa ou tácita,

permite que o prazo de caducidade da ação judicial deixe de correr, facultando ao consumidor a

hipótese de exercer os seus direitos findo esse prazo.

Estes prazos de caducidade da ação encontram-se na disponibilidade das partes, no que ao seu

alargamento diz respeito, motivo pelo qual, nos termos do art. 332.º, n.º 2 do CC, o qual remete

para o art. 303.º do mesmo código, não é de conhecimento oficioso.84

O prazo de caducidade da ação pode, ainda, suspender-se em duas situações, elencadas no

artigo 5.º- a, n.º 4.

Na primeira situação, o prazo suspende-se “ “ (...) durante o período em que o consumidor

estiver privado do uso dos bens com o objetivo de realização das operações de reparação ou

substituição (...)”. Enquanto o consumidor aguarda que o profissional resolva o problema, o

prazo de caducidade suspende-se, tal qual acontece com o prazo de garantia.

83 Vide considerando 17 e art. 5.º, n.º 1, ambos da Diretiva; 84 Vide sentença do Centro Nacional de Informação e arbitragem de conflitos de consumo de 22/11/2010, cujo árbitro único foi Carlos Ferreira de Almeida – “(…)atraso da denúncia ao vendedor teria como efeito a caducidade da ação (artigo 5º‐A, nº 1, do citado Decreto‐Lei) se tivesse sido invocada pela Requerida. Como tal não sucedeu, não pode o tribunal conhecer oficiosamente da exceção, porque a lide respeita a direitos disponíveis (artigo 303º do Código Civil, aplicável por remissão do artigo 333º, nº 2, do mesmo Código, e artigo 496º do Código do Processo Civil).”

Page 68: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

67

Na segunda situação, o prazo suspende-se “ (...) durante o período em que durar a tentativa de

resolução extrajudicial do conflito de consumo que opõe o consumidor ao vendedor ou produtor,

com exceção da arbitragem.”

Esta norma foi aditada pelo DL 84/2008, sendo muito útil, dado que possibilita que a tentativa

de resolução do litígio não “se sinta” pressionada pelo decorrer do prazo de caducidade, bem

como informa o consumidor da existência de formas mais rápidas e eficazes de resolução do

litígio comparativamente aos tribunais, tendo por isso um carater pedagógico.

A arbitragem é excluída, na parte final da norma, visto que se trata de uma forma de resolução

do litígio em que um terceiro toma uma decisão, decisão esta que tem o mesmo valor de uma

de um tribunal judicial. Pelo que, submetido o litigio a um tribunal arbitral dentro do prazo, o

direito foi exercido em tempo (art. 331.º, n.º 1 do Código Civil).

No n.º 5 do artigo 5.º A encontram-se elencadas as situações em que se considera iniciada a

tentativa de resolução extrajudicial do litígio: “ as partes acordem no sentido de submeter o

conflito a mediação ou conciliação”, “ a mediação ou conciliação seja determinada no âmbito de

processo judicial” e “ se constitua a obrigação de recorrer à mediação ou conciliação”.

Pode ser determinado pelo juiz o recurso à mediação no âmbito de um processo judicial.

Tendo em conta que um dos princípios elementares desta forma de resolução de litígios é a

voluntariedade, nos termos do artigo 4.º da Lei da Mediação (Lei n.º 29/2013 de 19 de abril),

esta “obrigatoriedade” da presença das partes por determinação judicial constitui uma solução

bastante discutível.

A suspensão da caducidade também pode ocorrer quando as partes assim o pretendam, através

de um acordo nesse sentido prévio ou posterior ao “ nascimento “ do conflito.

No entanto, a mediação de conflitos de consumo tem revelado conter características particulares

face à mediação em geral, visto que em regra não existe um acordo prévio de mediação. Assim,

deve aceitar-se que há acordo, nos termos e para os efeitos desta norma, nos casos em que o

consumidor sujeita o caso a uma entidade de resolução de conflitos e o profissional aceita de

forma tácita o processo, através de resposta a essa entidade.

Page 69: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

68

12 – BENS USADOS

Os bens usados são, também, abrangidos pelo DL, sendo incluídos na definição de bem de

consumo constante da alínea b) do artigo 1.º B.

O que não é definido pelo DL, nem pela Diretiva, é o que é um bem usado, ou em segunda mão.

Esta definição pode aparentar ser de fácil perceção, e porventura na maioria dos casos será

(como um automóvel ou um relógio vendidos tendo já tido um proprietário, por exemplo). Mas

casos existem em que não será assim tão simples definir se será um bem usado ou não. Por

exemplo um cão, elemento de uma ninhada, que seja criado e tratado por alguém que pretende

comercializa-lo. Se o cão tiver já alguns meses ou até um ano ou dois será um bem novo ou

usado? Se for fêmea e já tiver tido crias, será que é um bem usado? 85

Esta questão surge, pois profissionais existem que se dedicam à criação e venda de animais

(cães, aves, cavalos, etc). As eventuais vendas que efetuem a consumidores enquadram-se no

âmbito da Diretiva. Difícil será definir se serão considerados bens novos ou usados.

Aquando da transposição da Diretiva, um dos problemas colocados, relativos à comercialização

de bens usados, foi o facto de se desconsiderar um mercado importante na venda de bens em

segunda mão, o da venda entre sujeitos não profissionais.86

Quanto a nós, e atento o espírito e objetivo da Diretiva - a proteção do consumidor, enquanto

parte débil e menos preparada em contraposição a um vendedor profissional - tal “problema”

colocado, salvo melhor opinião, é irrelevante, estando, apenas, de acordo com os propósitos da

Diretiva.

Estando em causa dois sujeitos profissionais ou não profissionais, estes encontram-se em “pé de

igualdade”, razão pela qual a Diretiva não “interfere” nessas relações.

12.1 – PRAZO DE PRESCRIÇÃO

A Diretiva afirma no seu Considerando 8: “ (..) que a qualidade e o comportamento que os

consumidores podem razoavelmente esperar dependerá, nomeadamente, do facto de os bens

serem em primeira ou em segunda mão” , e nesta sequência prevê, no seu artigo 7.º, a

85 Ana PRATA, “Venda de bens usados no Quadro da Diretiva 1999/44/CE”, Themis, ano II, n.º 4, (2001), p. 148; 86 Cfr, para mais desenvolvimentos, Ana PRATA, “Venda de bens usados no Quadro da Diretiva 1999/44/CE”, cit., p. 147;

Page 70: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

69

possibilidade dos Estados Membros convencionarem, no regime de transposição, a fixação de

um prazo de garantia convencional mais curto do que o geral, mantendo-se o prazo de denúncia

nos dois meses após a “descoberta” da desconformidade, mas que nunca pode ser inferior a

um ano ( n.º 1 do artigo 7.º da Diretiva).

Tal solução é consagrada, entre nós, no n.º 2 do artigo 5.º do DL n.º 67/2003, que dispõe:

“Tratando-se de coisa móvel usada, o prazo previsto no número anterior pode ser reduzido a um

ano, por acordo das partes.”

No nosso entendimento, é favorável ao mercado de compra e venda de bens usados tal

possibilidade, pelo simples facto, de através da redução do prazo de garantia, o consumidor

poderá ter a oportunidade de adquirir o bem por um preço inferior ou com condições mais

vantajosas para este. Confere, por isso, ao consumidor um certo “ poder negocial” com vista a

fazer o melhor negócio possível para os seus interesses.

Page 71: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

70

Page 72: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

71

Capitulo II

Page 73: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

72

Page 74: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

73

1 – RELAÇÃO PRODUTOR - CONSUMIDOR

Feito este enquadramento e após a análise da relação vendedor- consumidor e dos objetivos e

princípios norteadores da Diretiva, é altura de examinar o tema específico da presente

dissertação – a relação produtor-consumidor e a responsabilidade que aquele tem perante este.

Assim, e em primeira instância não se trata de uma relação direta, no sentido em que o produtor

não firma ou estabelece qualquer contrato com o consumidor (pois essa relação, tal como já

supra referimos, é estabelecida entre vendedor- consumidor, sendo estes os principais sujeitos).

Assume, por isso, a qualidade de terceiro em relação ao negócio entre vendedor e consumidor,

surgindo apenas para “dar a cara” por produtos defeituosos que produziu e um intermediário (o

vendedor) alienou. Não existindo, portanto, qualquer tipo de contrato entre consumidor e

produtor.

Importa, no entanto à priori, aferir, para efeitos do diploma de transposição quem é considerado

produtor.

1.1 - DEFINIÇÃO DE PRODUTOR

Já definimos e caracterizamos os principais intervenientes da relação de compra e venda de um

bem de consumo, surgindo agora a necessidade de identificar quem é o produtor, o “criador” e

principal responsável pelos produtos por si fabricados e colocados no mercado e posteriormente

alienados por um intermediário já identificado e caracterizado (o vendedor).

Tal definição vem prevista na alínea d) do artigo 1.º- B do DL n.º 67/2003, de 8 de Abril, na

redação conferida pelo DL n.º 84/2008, de 21 de Maio – “fabricante de um bem de consumo, o

importador do bem de consumo no território da Comunidade Europeia ou qualquer outra pessoa

que se apresente como produtor através da indicação do seu nome, marca ou outro sinal

identificador no produto”- definição essa que corresponde, na íntegra, à definição dada na

Diretiva 1999/44/CE, na alínea d) do n.º2 do art. 1.º.

Podemos, desde logo, retirar desta definição três diferentes “tipos” de produtor, a saber,

produtor real, produtor presumido e produtor aparente, que de seguida passaremos a definir.

Page 75: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

74

1.1.1 -PRODUTOR REAL

Produtor Real é o fabricante de um bem de consumo,87 aquele empresário ou profissional que de

facto, na realidade, produz ou fabrica um bem de consumo ou as suas partes componentes.

Isto é, engloba-se na definição de produtor real, e consequentemente na de produtor em sentido

geral, todo o fabricante de peças componentes ou de matéria prima de um determinado bem de

consumo e não apenas o fabricante do produto acabado.

Como tal, tanto pode ser demandado na qualidade de produtor real, o fabricante de uma peça

específica que integra determinado produto (por exemplo um molde de um rádio de um

automóvel, se este apresentar algum defeito) como o fabricante de um produto acabado (por

exemplo o fabricante de um telemóvel ou televisão).

Isto significa que o produtor de uma parte componente, cujo defeito se refletiu no produto

acabado, pode ser demandado solidariamente, visando a reparação ou substituição da peça em

causa (através de uma ação direta) com o produtor do produto acabado, uma vez que foi

precisamente o defeito dessa parte componente que originou a não conformidade do bem de

consumo.

Para além deste argumento, é válido de igual forma o facto de tal situação só favorecer o

consumidor, para a eventualidade do “desaparecimento” do vendedor final e do produtor

acabado, indo, portanto ao encontro do espirito e do objetivo do legislador europeu e da Diretiva

n.º 1999/44/CE, ou seja, uma proteção o mais abrangente possível do consumidor.88

1.1.2 -PRODUTOR PRESUMIDO

O produtor presumido é “o importador do bem de consumo no território da Comunidade”.

Trata-se, portanto, do “importador profissional”, aquele que importa produtos oriundos de países

não pertencentes à Comunidade Europeia.

87 Com exceção do produtor de bens de consumo naturais, como produtos agrícolas do solo, da caça e da pesca. 88 Neste sentido João Calvão da SILVA, Venda de bens de consumo, cit., p.73;

Page 76: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

75

Mais uma vez pretende-se proteger o consumidor89, pois desta forma não é necessário a

propositura de uma ação direta contra um produtor extracomunitário (porventura até de um país

distante), evitando-se assim todas as dificuldades e custos associados a tal processo.

1.1.3 -PRODUTOR APARENTE

“Qualquer outra pessoa que se apresente como produtor através da indicação do seu nome,

marca ou outro sinal identificador no produto”, será então produtor aparente para efeitos do DL

supra referido.

Engloba, portanto, os distribuidores, grossistas, as cadeias comerciais que usando o seu nome

ou marca lançam no mercado produtos, nomeadamente bens fabricados em série e em grande

escala, produzidos, a grande maioria segundo as suas instruções por terceiros que são

desconhecidos aos olhos do consumidor. É, pois, devido a esta aparência de produção própria

que justifica e legitima a ampliação da noção de produtor a estas pessoas singulares ou

coletivas, visto que apresentam o produto como próprio, estas pessoas surgem perante o

consumidor como produtores reais desses mesmos produtos.

Posto isto, cumpre analisar o artigo 6.º do DL 67/2003 de 8 de Abril, com a alteração

introduzida pelo DL 84/2008 de 21 de Maio que “introduz” este terceiro (o produtor), numa

relação interligada entre produtor-vendedor-consumidor e que à primeira vista poderia aparentar

ser alheia àquele, por, em ocasião alguma, celebrar qualquer contrato com o consumidor.

2 - RESPONSABILIDADE DIRETA DO PRODUTOR

Pese embora, o texto da Diretiva não ter previsto a responsabilidade direta do produtor, deixou

em aberto tal possibilidade no considerando 23, bem como no artigo 12.º.

Uma vez que era uma Diretiva de transposição mínima, nada obstava aos legisladores dos

diversos Estados Membros de a consagrarem.

89 De facto com o Regulamento 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução das decisões em matéria civil e comercial (JOCE L12/1, de 16 de Janeiro de 2001), é simplificada a ação do consumidor contra o produtor instituído noutro Estado-Membro, permitindo a execução de uma sentença do tribunal do seu domicílio o Estado do fabricante de forma ágil, sem necessidade de revisão do mérito da sentença;

Page 77: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

76

O legislador português não esperou pelo resultado do relatório90 elaborado no âmbito do referido

artigo 12.º, e consagrou desde logo, na redação do DL 67/2003, a responsabilidade direta do

produtor.

A redação originária dispunha:

“Sem prejuízo dos direitos que lhe assistem perante o vendedor, pode o consumidor que tenha

adquirido coisa defeituosa optar por exigir do produtor, à escolha deste, a sua reparação ou

substituição.”

Ou seja, previa a possibilidade de o produtor ser demandado pelo consumidor, tendo este no

entanto um “entrave” quanto à escolha entre a reparação ou substituição do bem, na medida

em que cabia ao produtor a faculdade de escolher entre uma ou outra.

A redação atual (conferida pelo DL 84/2008) do artigo 6.º, n.º 1 prevê:

“Sem prejuízo dos direitos que lhe assistem perante o vendedor, o consumidor que tenha

adquirido coisa defeituosa pode optar por exigir do produtor a sua reparação ou substituição,

salvo se tal se manifestar impossível ou desproporcionado tendo em conta o valor que o bem

teria se não existisse falta de conformidade, a importância desta e a possibilidade de a solução

alternativa ser concretizada sem grave inconveniente para o consumidor”.

O produtor, nos termos desta nova redação, é, portanto responsável perante o consumidor,

quando este adquire coisa defeituosa, por si produzida, podendo o consumidor optar por exigir a

reparação ou substituição do bem desconforme. E isto “sem prejuízo dos direitos que lhe

assistem perante o vendedor”.

Podemos tirar, desde já as primeiras conclusões. Face à originária redação do n.º 1 do artigo

6.º, o consumidor não tinha à disposição uma verdadeira alternatividade de direitos, uma vez

que o seu direito de escolha encontrava-se limitado (e quanto a nós de forma incompreensível).

Analisando comparativamente as duas redações, destacamos os seguintes aspetos:

- O consumidor, não dispunha de um “real” direito de escolha, quanto à alternatividade de

direitos, dado que cabia ao produtor a escolha entre a reparação ou substituição;

90 Relatório referido infra no ponto 5;

Page 78: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

77

- No entanto o direito de escolha do consumidor, agora reforçado através da faculdade de

escolha entre a reparação ou substituição, “sofre” limitações: “salvo se tal se manifestar

impossível ou desproporcionado tendo em conta o valor que o bem teria se não existisse falta de

conformidade, a importância desta e a possibilidade de a solução alternativa ser concretizada

sem grave inconveniente para o consumidor”;

No nosso entendimento, a consagração da responsabilidade direta do produtor é totalmente

fundamentada pela “ultrapassada” conceção tradicional (segundo a qual apenas o vendedor

“dava a cara” perante o consumidor) não condizer às atuais condições de produção e

comercialização dos bens de consumo, onde é o produtor, indiscutivelmente, quem pode

executar o melhor controlo sobre a qualidade dos produtos por si produzidos e, também, por ser

quem melhor pode exercer os trabalhos de reparação, ou prover pelas respetivas peças

sobressalentes.

Acresce, ainda, relativamente aos defeitos constantes em produtos pré-embalados não

deterioráveis, o argumento de que quanto a estes produtos a maioria das vezes o vendedor não

terá autorização para os abrir, tendo por essa razão, o defeito, origem no momento da sua

conceção.

E ainda o simples facto, de o vendedor em algumas ocasiões e por não dispor da técnica ou

conhecimento necessário para proceder à reparação do bem, enviar o mesmo para o produtor

para este o reparar.

Também não faria sentido ser, somente, o vendedor a suportar os custos decorrentes de

defeitos causados pelo produtor, sendo certo que nos dias de hoje a concorrência institui-se

fundamentalmente entre produtores e não entre vendedores, e seria excessivamente oneroso

para o vendedor responder, sozinho, por erros de produção do produtor.

No entanto, a consagração de uma responsabilidade direta do produtor por produtos por si

fabricados, não é novidade no nosso ordenamento jurídico, no sentido de tal responsabilidade já

ter sido prevista, quanto à segurança dos produtos, pelo DL n.º 383/89, de 6 de Novembro.

De facto e de forma muito acertada era referido no Livro verde91 sobre as garantias dos bens de

consumo e os serviços pós-venda: “é contraditório que o produtor seja responsável quando o

91 A Comissão, através do Segundo Plano de Ação Trienal sobre política dos consumidores, realizou um estudo acerca das garantias e serviços pós-venda, de 1993 a 1996, que consubstanciou-se no Livro Verde sobre as garantias e serviços pós- venda, em 15/11/1993, o qual tinha como objetivo a análise da situação nos diversos Estados Membros e a apresentação de algumas hipóteses de solução;

Page 79: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

78

produto defeituoso provocar um prejuízo a pessoas ou (em certos casos) a outros bens e que

não tenha responsabilidade quando, muito simplesmente o produto não funcionar ou quando

um defeito de fabrico tiver provocado danos ao próprio produto”.

Foi no Livro Verde sugerido pela primeira vez, uma proposta de consagração da responsabilidade

direta do produtor.

O nosso legislador, seguindo o anteprojeto de Paulo Mota Pinto92, optou assim, e bem, por se

antecipar à solução da Diretiva, consagrando a responsabilidade direta do produtor (na primeira

redação do diploma de transposição de forma “limitada”, tendo suprido esse aspeto na mais

recente redação).

3- (IN) VIABILIDADE DE O CONSUMIDOR OBTER UMA INDEMNIZAÇÃO DO PRODUTOR

Deparamo-nos, agora, com a questão de apurar a eventual possibilidade de o produtor

indemnizar o consumidor pela desconformidade do bem de consumo, ou pelos custos que este

teve decorrentes da privação do seu uso.

Tendo em conta que a Diretiva permite ir mais além na proteção do consumidor, a indemnização

do produtor ao consumidor, pela desconformidade de um bem de consumo poderia ter sido

introduzida pelo legislador, como aliás já o foi relativamente, quanto à segurança dos produtos,

através do DL 383/89, de 6/11, alterado pelo DL 131/2001, de 24/04, transposto por força da

Diretiva n.º 85/374/CEE, de 25 de julho.

De facto, salvo melhor opinião, é incompreensível considerar-se o produtor responsável,

objetivamente, por danos noutros bens ou em terceiros em virtude de um bem defeituoso por si

produzido e colocado no mercado, e não o ser quando esse mesmo bem causa danos em si

próprio ou acarreta danos (por exemplo decorrentes da privação do seu uso) ao consumidor.

O DL 383/89, de 6/11, alterado pelo DL 131/2001, de 24/04, consagrou a responsabilidade

do produtor decorrente de produtos defeituosos, responsabilidade essa que é objetiva, nos

termos do artigo 1.º.

Nos termos deste diploma o produtor é responsável pelos “danos resultantes de morte ou lesão

pessoal e os danos em coisa diversa do produto defeituoso, desde que seja normalmente

92 PINTO, Paulo Mota, Anteprojeto de Diploma de Transposição da Diretiva 1999/44/CE para o Direito Português, Exposição de Motivos e Articulado, Estudos de Direito do Consumidor, N.º 3 (2001), p. 165 e ss;

Page 80: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

79

destinada ao uso ou consumo privado e o lesado lhe tenha dado principalmente este destino”

(artigo 8.º).

No entanto, apenas são ressarcidos os danos de valor superior a 500,00 euros (artigo 9.º).

Isto é, perante danos causadores de morte ou lesão corporal e danos em coisa diversa do

produto defeituoso, o consumidor poderá demandar o produtor a fim de obter uma

indemnização, se tais danos forem superiores a 500,00 euros.

Ou seja, pelos danos causados no próprio produto ou decorrentes da privação de uso desse

produto, o produtor não responde, perante o consumidor, a nível indemnizatório.

Pode ler-se no preâmbulo deste diploma: “No artigo 1.º consagra-se o princípio fundamental de

responsabilidade objectiva do produtor, desenvolvido nas normas sucessivas. É a solução

preconizada pela doutrina como a mais adequada à protecção do consumidor na produção

técnica moderna, em que perpassa o propósito de alcançar uma justa repartição de riscos e um

correspondente equilíbrio de interesses entre o lesado e o produtor”.

De facto, tal solução é a que melhor se adequa à forma como os produtos são fabricados hoje

em dia (em massa), não sendo incomum que numa linha de produção de 1000 produtos saiam

alguns com defeito.

Posto isto, pergunta-se, porque não alargar essa responsabilidade a todos os danos? Não seria a

melhor forma de proteger o consumidor e reforçar a sua confiança no mercado?

Entendemos que sim93, que deveria ser extensível ao produtor a obrigação de indemnizar o

consumidor pela desconformidade do bem. Defendemos que o legislador deveria ter em atenção

este aspeto e ter introduzido na alteração ao DL 67/2003 ou então proceder à unificação dos

regimes de segurança e conformidade dos produtos, por forma a reforçar e aumentar o nível de

proteção do consumidor, evitando até a coexistência de dois regimes (um quanto à segurança e

outro quanto à conformidade dos bens de consumo) que têm na sua génese o mesmo

pressuposto de aplicabilidade, um defeito no produto e a maior ou menor responsabilização do

produtor por esse facto, e que divergem no alcance dessa mesma responsabilidade, quanto a

nós de forma inexplicável.

93 Cfr neste sentido Luís Manuel Teles de Menezes LEITÃO, Direito das Obrigações, Volume III – contratos em especial, cit. P. 164;

Page 81: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

80

Ou então, pelo menos, ter assegurado o direito de exigir do produtor uma indeminização, na

eventualidade de o vendedor final apresentar-se à insolvência (algo infelizmente bastante comum

no nosso país) possibilitando assim ao consumidor ser indemnizado por este e prosseguindo

assim o espirito tanto da Diretiva como do Diploma, proporcionar um elevado nível de proteção

ao consumidor.

Pois de facto, caso o vendedor entre em insolvência e a desconformidade do bem de consumo

acarretar danos e custos para o consumidor, este não poderá exigir o seu ressarcimento ao

produtor.

O artigo 12.º, n.º 2 da LDC, limita a responsabilidade objetiva do produtor aos casos previstos na

lei e o DL 383/89, de 6 de Novembro, alterado pelo DL 131/2001, de 24 de Abril, o qual

somente prevê, no artigo 8.º, a responsabilidade do produtor em caso de morte ou lesão

corporal e por danos causados em coisa diferente do produto defeituoso, não abarcando assim

os danos causados no próprio produto defeituoso ou decorrentes da privação do seu uso.

Face a isto, o consumidor, se pretender exigir uma indemnização ao produtor, terá de o fazer

através do regime geral da responsabilidade extracontratual.

Ora, tendo em conta o objetivo da Diretiva 1999/44/CE (o elevado grau de proteção do

consumidor) entendemos ser inadequado deixar o consumidor “entregue” a uma ineficiente

responsabilidade extracontratual do produtor, na medida em que a grande maioria dos casos,

nada mais é do que uma ilusão, ponderando as dificuldades sérias de prova do preenchimento

dos pressupostos legais, como o ilícito, a culpa, o dano ou o nexo de causalidade, nos termos do

artigo 483.º do C.C94, o que inviabilizará a pretensão do consumidor, que só verá o seu prejuízo

aumentar com os custos de uma ação judicial (caso decida avançar com essa hipótese contra o

produtor) que, em princípio, estará condenada ao insucesso.

Pelo que, e em face do supra exposto, concluímos que a responsabilidade do produtor perante o

consumidor se cinge à reparação ou substituição do bem, não admitindo a indemnização pela

desconformidade do bem do consumo.

Ora se quanto ao direito à redução do preço ou à resolução do contrato, concordamos com a

sua não oponibilidade ao produtor, uma vez que estes direitos têm como destinatário o vendedor 94 José A. Engrácia ANTUNES, Direito dos Contratos Comerciais, Reimpressão da Ed. De Setembro de 2009, Almedina, 2011, p. 276, dá o exemplo do comprador que adquire um computador pessoal que explode durante o seu uso. Este dificilmente conseguirá responsabilizar o produtor, dado que para tal teria demonstrar qual o concreto defeito técnico do computador, que esse defeito foi causa adequada do acidente e dos danos sofridos e ainda que o produtor conhecia ou devia conhecer a existência desse defeito de forma a o mesmo ser-lhe imputável;

Page 82: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

81

na sua qualidade de contraparte do contrato, não concordamos com a exclusão do direito de

indeminização contra o produtor, em regime de solidariedade com o vendedor.

Não concordamos com tal “obstáculo,” atentando o atual mercado caracterizado pela produção

em série de bens uniformes, pela distribuição comercial em cadeia e pela massificação do

consumo. O circuito económico é formado por um fracionamento cada vez mais complicado e

intensificado entre produção, distribuição e consumo.

De facto, quando um produto chega ao consumidor final, percorreu uma longa cadeia de

transmissão. José A. Engrácia Antunes dá o exemplo do “percurso” feito por um automóvel até

chegar ao consumidor final: “ o veiculo é criado, enquanto produto final ou acabado por uma

empresa dedicado ao fabrico de automóveis(…); tal empresa produtora viu-se forçada, para o

processo de fabrico e montagem, a recorrer aos produtos fabricados ou fornecidos por outras

empresas (…); uma vez pronto o automóvel, a empresa produtora raramente o venderá

diretamente ao cliente final, recorrendo então a uma cadeia mais ou menos longa de distribuição

comercial, que pode incluir uma ou mais grandes empresas de importação, as quais, por sua

vez, usualmente processam a comercialização dos veículos através de uma rede de

concessionários95 (…).”

Como podemos constatar o referido circuito económico devido à sua complexidade tornou o

tradicional modelo legal do cumprimento defeituoso desajustado face às características do atual

mercado.

Estas mudanças na forma de produção, distribuição e comercialização dos bens de consumo

justificaram a crescente substituição dos tradicionais meios de tutela jurídica, como o princípio

da relatividade dos contratos (artigo 406.º, n.º 2 do C.C), por regimes jurídicos especiais mais

capazes de responder às exigências atuais da sociedade de consumo, como a responsabilidade

objetiva ou pelo risco dos agentes económicos, nomeadamente do produtor.

Não obstante tratar-se de responsabilidade extracontratual do produtor, perfilhamos o

entendimento de José A. Engrácia Antunes96 no sentido de ser relevante a sua referência no

âmbito do cumprimento contratual defeituoso, tanto pela sua importância na economia da

contratação mercantil massificada, como pelo facto de ser um regime que pretende reconstituir

95 Vide José A. Engrácia ANTUNES, Direito dos contratos comerciais, cit., p. 274 e ss; 96 Vide José A. Engrácia ANTUNES, Direito dos contratos comerciais, cit., p. 278 e no mesmo sentido, Luís Manuel Teles de Menezes LEITÃO, Direito das Obrigações, volume III, contratos em especial, cit., p. 163;

Page 83: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

82

juridicamente uma transação económica unitária, fragmentada numa cadeia de contratos

formalmente autónomos.

Aliás, como refere Calvão da Silva97: “ Responsabilizar diretamente o produtor é fazer deste a

contraparte jurídica do consumidor - a que se eximira pela cisão entre a produção e o comércio

– como que reconstituindo uma operação económica unitária, cujos verdadeiros e substanciais

pólos são o produtor e o consumidor, seccionados pela cadeia distributiva em vários estádios ou

relações sucessivas juridicamente autónomas.”

Pelo exposto, defendemos que o legislador deveria ter consagrado a hipótese de o consumidor

poder exigir do produtor uma indeminização pela desconformidade de um bem de consumo,

aproveitando para harmonizar os dois regimes da não conformidade e da falta de segurança dos

produtos num sistema unitário de tutela.

4- BENEFÍCIOS, PARA O CONSUMIDOR, DA CONSAGRAÇÃO DA RESPONSABILIDADE DIRETA

A generalidade da doutrina portuguesa é unânime nos benefícios que esta responsabilidade

direta confere ao consumidor.

As sociedades de consumo contemporâneas assentam em sistemas de produção e distribuição

em série, motivo pelo qual os consumidores criam uma relação de confiança mais com os

produtores, no sentido em que pretendem adquirir aquele determinado produto produzido por

aquele produtor em especial (seja pelo prestigio da marca ou a qualidade de produtos similares)

do que com os próprios vendedores (que muitas das vezes tornam-se somente o intermediário, a

“ponte” que liga a vontade do consumidor de adquirir aquele determinado produto fabricado por

certo produtor à concretização dessa compra), o que torna a opção de compra do consumidor

essencialmente “manipulada” pelas “marcas” dos produtos, pela forma como o produtor os

publicita no mercado. Como já supra referido a maioria das vezes, particularmente quando o

defeito é originário do processo de fabrico, o vendedor nem sequer desembala o produto que

recebe e posteriormente vende, ou seja, nem contacto direto com o estado em que este se

encontra tem, considerando-se assim, incompatível que o vendedor, o qual não teve qualquer

ação no processo de fabrico, seja o exclusivo responsável a quem o consumidor pode exigir a

97João Calvão da SILVA, Responsabilidade civil do produtor, cit., pág. 93;

Page 84: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

83

conformidade do bem, evidenciando-nos ser adequado que seja concedida ao consumidor a

oportunidade de demandar o individuo realmente responsável pela desconformidade.

Poderá invocar-se o argumento de que futuramente o vendedor terá a possibilidade de se dirigir,

através do exercício do direito de regresso, ao vendedor anterior ou produtor. Contudo, julgamos

este argumento não ser admissível, uma vez que em muitas situações este direito não poderá

ser exercido com sucesso, especialmente nos casos em que entre os profissionais exista uma

cláusula mais rígida de limitação ou exclusão de responsabilidade, e bem ainda, naqueles casos

em que o vendedor final demanda o vendedor antecedente na cadeia e este está insolvente.

A ação direta promove o princípio da economia processual, dado que o vendedor final

demandado poderá chamar a juízo os elementos anteriores da cadeia de distribuição, através da

figura da intervenção principal provocada, verificado o litisconsórcio voluntário (artigo 517.º do

C.C, artigo 32.º, n.º 2 do C.P.C), com o benefício da referida economia processual do

chamamento, possibilitar a condenação na satisfação do direito de regresso que eventualmente

lhe assista (conforme artigo 8.º, n.º 1 do DL 67/2003 e artigo 317.º, n.º 2 do C.P.C).

Acresce, ainda, que a responsabilidade direta do produtor, criador do bem, amplia a hipótese de

o consumidor ver o bem desconforme reparado ou substituído, uma vez que é quem pode e

sabe realizar a reparação ou substituição no menor espaço de tempo possível e dado os

recursos económicos do produtor serem, habitualmente, mais elevados do que os de um mero

vendedor. Também, por outro lado, assim se fomenta, o estímulo ao produtor de investir no

aperfeiçoamento da qualidade dos produtos, a fim de precaver prejuízos ulteriores mais

elevados.

Quanto às compras transfronteiriças dos consumidores, a responsabilidade direta permitir-lhes-á

usufruir de uma “segurança” ao nível destes negócios, uma vez que é mais simples o

consumidor demandar um produtor sediado no seu país do que “ir atrás” do vendedor sediado

no estrangeiro.

Nas vendas transfronteiriças, Carlos Ferreira Almeida98 suscita algumas dúvidas.

Na opinião deste autor, a invocabilidade perante fabricantes sediados no estrangeiro sem

representante em Portugal não se revela clara, quanto à determinação do âmbito de aplicação

territorial de uma norma portuguesa.

98Carlos Ferreira de Almeida, Direito do Consumo, cit., p. 186 e ss;

Page 85: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

84

Acrescenta, ainda e, na hipótese de o direito ser invocável e processualmente exequível, o

problema em enfrentar possíveis reações por parte de sujeitos que não estão habituados a lidar

com regimes tão exigentes de responsabilidade do produtor pela conformidade de bens de

consumo.

5 -A NÃO INCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE DIRETA NO TEXTO DA DIRETIVA

O legislador português, como já referido, foi mais além na proteção do consumidor do que a

Diretiva, no que toca à responsabilização do produtor de bem defeituoso.

Contudo, no Livro Verde sobre as garantias dos bens de consumo e os serviços pós-venda,

recomendava-se a introdução de uma responsabilidade conjunta e “quase subsidiária” do

fabricante pelos defeitos da coisa (no sentido em que o comprador poderia demandar o

produtor, caso a ação contra o vendedor fosse impossível ou excessivamente onerosa). Todavia,

tal responsabilização seria diversa da do vendedor, quanto à apreciação do defeito por um lado,

uma vez que apenas poderia ser oponível ao fabricante os elementos que fossem da sua

responsabilidade (o que excluiria as declarações do vendedor sobre as qualidades do bem e o

teor do contrato) e por outro quanto aos direitos do comprador que se resumiriam, pelo menos

num primeiro momento, à reparação ou substituição da coisa (sendo no entanto possível ao

consumidor exigir do produtor o preço pago ou a redução do valor do bem, caso a reparação ou

substituição não fosse possível).99

No entanto, a introdução da responsabilidade direta do produtor não foi pacífica nas instâncias

legislativas comunitárias, não tendo sido essa a solução aceite na proposta de diretiva e falhando

a tentativa do Parlamento Europeu de a incluir em primeira leitura.100

Ficou consagrado que o produtor apenas será responsável diretamente face ao comprador, se

existir uma garantia vinculativa do produtor, nos termos do artigo 6.º. A Diretiva optou, assim por

respeitar o princípio “vertical privity” do contrato de compra e venda.

99 Idêntica solução, embora no âmbito de uma responsabilidade solidária, incluindo o representante do produtor, era aceite no anteprojeto da diretiva; 100 Alteração 25 proposta pelo Parlamento Europeu (constante do JOCE C104, de 6 de Abril de 1998, p. 35), que não foi aceite na proposta modificada nem na posição comum, não tendo sido reformulada em 2.ª leitura;

Page 86: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

85

Não obstante, e quiçá fruto da “má consciência” resultante da recusa da proposta do

Parlamento, a Diretiva deixou essa possibilidade em aberto ao prever no Considerando 23 : “que

atendendo a esta evolução e à experiência adquirida com a aplicação da presente diretiva,

poderá ser necessário considerar um grau mais elevado de harmonização e prever,

nomeadamente, a responsabilidade direta do produtor pelos defeitos de que é responsável.”

Bem como, e comprovando a importância da introdução desta responsabilidade para prosseguir

os objetivos e espirito da Diretiva, previu no seu artigo 12.º: “O mais tardar até 7 de Julho de

2006, a Comissão examinará a aplicação da presente diretiva e apresentará um relatório ao

Parlamento Europeu e ao Conselho. O relatório abordará, designadamente, a questão da

eventual introdução da responsabilidade direta do produtor e, se necessário, será acompanhado

de propostas.”

Este relatório101 foi elaborado através do resultado de questionários enviados pela Comissão aos

Estados- Membros, com o propósito de obter dados sobre as respetivas leis quanto a este tema.

Através destes questionários, a Comissão procurou obter os pareceres dos Estados- Membros

sobre o impacto que a responsabilidade direta do produtor (RDP) pode ter no nível de defesa do

consumidor e no mercado interno.

A este questionário responderam 17 Estados Membros. Bélgica, Finlândia, Letónia, Espanha,

Suécia e o nosso país introduziram várias formas de RDP. De acordo com o relatório, na

Finlândia e na Suécia o consumidor poderá dirigir-se a qualquer elemento da cadeia de

distribuição, na Letónia e em Espanha apenas poderá apresentar a sua reclamação ao produtor

ou ao importador e quanto a Portugal o produtor e os seus representantes são as entidades a

contactar.

Quanto aos direitos que o consumidor tem ao seu dispor face ao produtor, na Finlândia, Letónia

e Suécia, o consumidor poderá solicitar qualquer uma das soluções consagradas na diretiva.

Pelo contrário em Portugal e Espanha, as únicas soluções previstas são a reparação e a

substituição.

Relativamente à opinião manifestada pelos Estados Membros sobre o impacto da RDP no nível

de defesa do consumidor e no mercado interno, esta é divergente. A grande maioria dos Estados

Membros julgam que a RDP melhora, potencialmente o nível de defesa do consumidor, dado

101 Comissão das Comunidades Europeias, COM (2007) 210 final, Bruxelas, 24 de Abril de 2007.

Page 87: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

86

que possibilita ao consumidor obter reparação nos casos em que o vendedor não o consiga, ou

não o queira fazer, consistindo assim numa importante segurança para o consumidor. Alguns

Estados Membros julgam, também, que o produtor está melhor colocado, do que o vendedor,

para repor a conformidade do bem.

Por outro lado, uma minoria dos Estados Membros considerou que a RDP não melhora a defesa

do consumidor, pois causa dúvidas quanto à lei aplicável e adia a resolução das queixas dos

consumidores.

Um número considerável de Estados Membros consideram que a RDP constituiria um encargo

significativo para as empresas, visto que os produtores teriam de desenvolver mecanismos para

o tratamento das queixas e antecipar disposições financeiras para a sujeição a esta

responsabilidade.

Todavia, os Estados-Membros que já introduziram a RDP discordam desta posição, indicando

que o artigo 4.º da diretiva já institui a RDP, bem como consideram que as situações em que a

RDP é colocada em prática são tão raros que não chegam a constituir um encargo para as

empresas.

A Comissão conclui não poder retirar, nesta fase, quaisquer conclusões definitivas, pelo facto de

não dispor de dados suficientes para determinar se a falta de regras comunitárias em matéria de

responsabilidade direta do produtor teria um efeito negativo na confiança do consumidor no

mercado interno. Pelo que optou por não apresentar qualquer proposta e aprofundar esta

matéria no âmbito do Livro Verde.

Tendo o legislador dado uso à prerrogativa constante no artigo 8.º da Diretiva e o facto de esta

ser uma Diretiva de transposição mínima, incluiu no diploma de transposição a responsabilidade

direta do produtor, permitindo ao consumidor “lançar mão” da ação direta, aumentando, assim,

o seu grau de proteção (que se assim não fosse, por exemplo, em caso de insolvência do

vendedor, ficaria totalmente desprotegido, no que aos seus legítimos interesses e direito de

adquirir um bem conforme ao contrato diz respeito).

Pelo que, no nosso entendimento, andou bem o legislador português ao consagrar, desde logo

na primitiva redação do DL 67/2003 e ainda que de forma condicionada, a responsabilidade

direta do produtor, porque só desta forma é possível garantir um elevado grau de proteção ao

Page 88: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

87

consumidor, até pela época de crise económica mundial, em que cada dia se apresentam à

insolvência dezenas de empresas.

Aplaudimos a audácia do legislador ao introduzir a responsabilidade direta do produtor perante o

consumidor, quanto à reparação ou substituição do bem desconforme, indo mais longe que a

Diretiva.

6 - AÇÃO DIRETA

Permite-se, assim, ao consumidor “ação direta” contra o produtor ou contra o seu

representante102, sendo que quanto ao primeiro tal permissão vem consagrada diretamente no

n.º 1 do art. 6.º, e quanto ao segundo, tal resulta da responsabilidade solidária, prevista no n.º 3

do mesmo artigo.

O regime da responsabilidade solidária passiva, previsto nos arts. 512.º a 527.º do C.C, permite

ao consumidor exigir a qualquer um deles a totalidade da prestação, pelo que não é permitido ao

demandado “defender-se” através do beneficio da divisão.

A ação direta é usual na vida jurídica francesa, consistindo em acolher a transmissão da

garantia, por vícios provenientes desse contrato, aos consecutivos adquirentes de um bem

desconforme, de forma a permitir ao derradeiro adquirente escolher intentar a ação de garantia

contra os sujeitos, individual ou solidariamente, que integram a cadeia de comercialização e

portanto venderam o bem, quando o vicio ou defeito já existia. 103

Existindo o defeito no momento da entrada do bem em circulação, pode o

consumidor/comprador final intentar ação contra o produtor- vendedor final, não excluindo tal

ação uma possível ação contratual do lesado contra o vendedor a quem adquiriu o bem

desconforme.

A jurisprudência francesa delimitou, ao início, o alcance da ação direta à indeminização,

excluindo a possibilidade de resolução da venda, o que motivava a instauração, pelo adquirente,

de duas ações. A ação direta de indemnização contra o produtor e a ação de resolução contra o

102 Definições constantes nas alíneas d) e e), respetivamente, do art. 1.º -B, já referidas supra no ponto 6.5; 103 Cfr. João Calvão da SILVA, Responsabilidade civil do produtor, cit., ponto 59, p. 316 e ss;

Page 89: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

88

vendedor, sempre que os requisitos104 da action oblique ou action indirecte105 não estejam

reunidos.

No entanto, as criticas produzidas pela doutrina francesa, nomeadamente ao aresto da

Cassation de 27 de Fevereiro de 1973, conduziram esta mesma Cassation a sentenciar, em 17

de Maio de 1982, que a transmissão da garantia, nas vendas consecutivas, se alargava à action

rédhibitoire , na íntegra, abrangendo assim a resolução.

Após esta decisão, a ação de garantia transfere-se na totalidade ao sub- adquirente , que não

possa recorrer à ação aquiliana.

Esta ação direta constitui assim uma “desfiguração “ do princípio da relatividade dos contratos

106, ao permitir, ao consumidor, intentar uma ação de natureza contratual, contra o produtor, com

quem não celebrou qualquer contrato.

Tal “metamorfose “, foi objeto de divergência doutrinal107, muito por força de não se encontrar

prevista na lei.

Todavia, a ação direta surge, agora, introduzida nesta redação do artigo 6.º, tendo sido uma

opção livre do legislador português, dado que no texto da Proposta, da Proposta Alterada e da

Posição Comum a Diretiva 1999/44/CE não prevê a ação direta.

Esta introdução não foi, portanto, pacifica nas instâncias legislativas comunitárias, tendo sido

deixada, no entanto, “ a porta aberta” a tal possibilidade, nomeadamente através do seu

considerando n.º 23108.

Opção que merece o nosso total apoio e concordância109.

O conceito tradicional de que somente o vendedor será responsável perante o consumidor, já

não corresponde às atuais condições do mercado, nomeadamente de produção e

comercialização de bens, dado que vendedor e produtor, na grande maioria das situações não

são a mesma pessoa. E é por demais evidente, que ninguém melhor que o produtor para

executar um rigoroso e eficaz controlo sobre a qualidade dos seus produtos.

104 Cfr. Art. 1166.º do Código Civil Francês – “Néanmoins, les créanciers peuvent exercer tous les droits et actions de leur débiteur, à l'exception de ceux qui sont exclusivement attachés à la personne.” 105 A action oblique, consiste no exercício pelo credor dos direitos e ações do devedor, nos casos em que este não o faz em detrimento daquele; 106 Presente no art. 406.º, n.º2 do C.C português e no artigo 1165.º do C.C Francês; 107 Para maiores esclarecimentos, cfr João Calvão da SILVA, Responsabilidade civil do produtor, cit., p. 319 e ss; 108 Já referido supra no ponto 5; 109 Pelos motivos expostos no ponto supra no ponto 4;

Page 90: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

89

A isto acresce o facto de ser a pessoa mais qualificada para proceder à reparação ou para

facultar peças sobressalentes. Também importa não esquecer, que na maior parte dos casos, o

vendedor remeteria para o produtor / fabricante o bem defeituoso, por forma a ser reparado por

este. Desta forma, “saltando” um elo nesta cadeia de comercialização (o vendedor), consegue-se

poupar tempo e consequentemente dinheiro, pelo que é uma solução significativamente benéfica

para todas as partes envolvidas, simplificando a tarefa do consumidor, proporcionando-lhe um

grau de proteção mais elevado (sendo este o objetivo e espirito da Diretiva).

O alargamento da responsabilidade ao produtor aumenta as possibilidades de o consumidor

lesado, conseguir obter a reparação do prejuízo que o defeito lhe causa, nas situações em que

os meios financeiros do vendedor são insuficientes.

De facto, os produtores, ao oferecerem garantias comerciais aos consumidores, tornavam-se,

desde logo, responsáveis perante estes.

Esta solução já tinha sido refletida no Livro Verde sobre as Garantias dos Bens de Consumo e os

Serviços pós- venda110 : “ é contraditório que o produtor seja responsável quando o produto

defeituoso provocar um prejuízo a pessoas ou (em certos) casos, a outros bens e que não tenha

responsabilidade quando, muito simplesmente, o produto não funcionar ou quando um defeito

de fabrico tiver provocado danos ao próprio produto.”

No entanto, o legislador português não foi, desde início, tão “ousado”, na medida em que a

primitiva redação deste artigo 6.º não previa a responsabilidade direta do produtor111:

“Sem prejuízo dos direitos que lhe assistem perante o vendedor, pode o consumidor que tenha

adquirido coisa defeituosa optar por exigir do produtor, à escolha deste112, a sua reparação ou

substituição.”

Como constatamos a nova redação introduz uma (significativa) alteração. De facto, apesar de a

epígrafe ter-se mantido inalterada, na nossa opinião, só com esta nova redação se pode falar,

plenamente, de responsabilidade direta do produtor, pois antes era permitido ao consumidor

demandar o produtor, mas com a (relevante) condicionante de aquele estar sujeito ao arbítrio

110 “O Livro Verde estuda os problemas enfrentados pelos consumidores no que diz respeito às garantias legais e comerciais e serviços pós-venda ao fazer compras transfronteiriças de bens.” E tem como objetivo:” … garantir condições equitativas para as aquisições transfronteiras por parte dos consumidores, desencadeando um debate sobre as garantias dos bens de consumo e serviços pós-venda”. 111 Vide supra ponto 2; 112 Sublinhado nosso.

Page 91: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

90

deste nos mecanismos a adotar. (“(..) optar por exigir do produtor, à escolha deste, a sua

reparação ou substituição.”).

Ora era facultado ao consumidor uma ilusória alternatividade de direitos, perante o produtor, no

sentido em que aquele ficaria sujeito “à vontade” deste, na medida em que, salvo melhor

opinião, tal faculdade condicionada não se trata de uma verdadeira faculdade, pois era ao

produtor que era concedida a escolha do mecanismo a adotar, e não ao consumidor que era o

“lesado” nas expectativas criadas aquando da compra do bem de consumo e quem ficava

privado do uso pleno e de forma satisfatória do bem adquirido. Daquela forma, para além de ter

adquirido um produto defeituoso ou com alguns vícios, ainda tinha de se sujeitar ao mecanismo

escolhido pelo produtor para corrigir esses vícios ou defeitos (reparação ou substituição). Tal

solução adotada, à data, parece-nos por isso que não cumpre integralmente e de forma

satisfatória um dos princípios principais e basilares da Diretiva, a proteção máxima do

consumidor.

Desapareceu, assim, e bem a livre escolha do demandado, livre escolha essa que deve

pertencer ao consumidor, sujeito lesado pela desconformidade, e não ao originador dessa

desconformidade.

6.1 -ÂMBITO SUBJETIVO DA AÇÃO DIRETA

A ação direta é concedida ao consumidor/comprador final, nos casos em que o defeito subsistia

à data da entrada do produto em circulação, mas apenas contra o produtor- vendedor inicial.

Isto sem prejuízo de demandar o vendedor direto, isto é, pela redação da norma (sem prejuízo

dos direitos que lhe assistem perante o vendedor.”), parece-nos claro que uma eventual action

directe contra o produtor, não elimina uma ação contratual do consumidor contra o sujeito que

lhe vendeu, diretamente, o produto defeituoso.

Em qualquer uma das referidas ações, são as mesmas as condições e os prazos da

responsabilidade, quer do vendedor quer do produtor, podendo este invocar ainda o prazo

preclusivo previsto na al. E) do n.º2 do art. 6.º.113

No entanto, se estivermos perante uma venda efetuada, no âmbito de uma cadeia de

distribuição, e a desconformidade do bem tiver origem num segmento dessa cadeia, por

113 João Calvão da SILVA, Venda de bens de consumo, cit., p. 128;

Page 92: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

91

exemplo no vendedor inicial, o consumidor final já não poderá demandar, através da ação direta,

o produtor.114

6.2 – ÂMBITO OBJETIVO DA AÇÃO DIRETA

A ação direta115 circunscreve-se à reparação ou substituição da coisa defeituosa, o consumidor só

poderá propor, contra o produtor ou seu representante, ação destinada a exigir a reparação ou

substituição do bem desconforme.

A nova redação do artigo 6.º introduziu, ainda, outra novidade, a impossibilidade de, o

consumidor, lançar mão da ação direta sempre que : “.. tal se manifestar impossível ou

desproporcionado tendo em conta o valor que o bem teria se não existisse falta de

conformidade, a importância desta e a possibilidade de a solução alternativa ser concretizada

sem grave inconveniente para o consumidor.”

Quanto aos direitos à redução do preço ou à resolução do contrato, estes não se incluem no

âmbito da ação direta, compreensivamente dado que o preço a restituir foi pago pelo

consumidor ao seu vendedor direto e não ao produtor.

Pese embora, o produtor ser também o vendedor inicial (na cadeia de distribuição), recebendo

um preço como retribuição, pelo que numa possível ação de resolução que o consumidor

intentasse contra o produtor, este não teria de restituir, como efeito da retroatividade da

resolução, mais do que o preço por si recebido116 . Assim sendo, uma vez que a retribuição pela

entrega da coisa ao vendedor inicial (e produtor) seria a devolução do preço que este recebeu e

não o pago pelo consumidor ao seu vendedor direto, a ação direta de resolução contra o

produtor perdia o seu efeito útil, exceto nos casos em que o vendedor final ficou insolvente.

Atenta esta eventualidade (insolvência do vendedor final), questionamos se não seria do

interesse do consumidor uma mais ampla ação direta, que permitisse o direito à resolução do

contrato ou redução do preço ou, pelo menos, que fosse criado um regime excecional para estes

casos, por forma a assegurar plenamente a proteção do consumidor?

Parece-nos que sim, que o legislador poderia ter previsto esta situação e ido mais além do que o

que foi. No entanto, e uma vez que na primitiva redação do art. 6.º, a ação direta encontrava-se 114 Esta impossibilidade poderá criar ações em cascata, isto é, o consumidor age contra o vendedor imediato, que por sua vez irá agir, por força do direito de regresso, contra o vendedor precedente e assim sucessivamente. 115 Pelo contrário, em França a ação direta abarca a action rédhibitoire – cfr. vide supra ponto 6; 116 João Calvão da SILVA, Venda de bens de consumo, cit., p. 131;

Page 93: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

92

limitada pela livre escolha, entre a reparação e a substituição, por parte do produtor,

esperaremos por uma eventual revisão deste diploma legal, onde o legislador possa então

“aprimorar” este mecanismo da ação direta, alcançando os fins da Diretiva, o elevado grau de

proteção do consumidor.

Note-se, ainda, que no nosso ordenamento jurídico a ação direta contra um produtor não é

novidade. É o caso do art. 1255.º do C.C, o qual acolheu a ação direta dos sucessivos

adquirentes de imóvel contra o empreiteiro: “(..) o empreiteiro é responsável pelo prejuízo

causado ao dono da obra ou a terceiro adquirente.”

Refira-se, ainda, que é o produtor que se encontra na origem do defeito razão pela qual não deve

ficar, exclusivamente, a cargo do vendedor final a responsabilidade de “dar a cara” por esses

defeitos.

7 - OPONIBILIDADE DO PRODUTOR AOS DIREITOS DO CONSUMIDOR

Muito embora o objetivo da Diretiva seja a proteção do consumidor, nem sempre este pode

lançar mão dos direitos conferidos pela mesma.

Situações há, em que o produtor pode mesmo opor-se à reparação ou substituição de um bem

de consumo defeituoso.117

Tais situações são verdadeiramente factos impeditivos do direito invocado pelo consumidor,

exceções perentórias, cuja demonstração conduzirá à absolvição total do pedido, nos termos dos

arts. 342.º, n.º 2 do C.C e 576.º, n.º 3 do C.P.C.

Essas exceções encontram-se previstas no n.º 2 do art. 6.º. São elas:

“a) Resultar o defeito exclusivamente de declarações do vendedor sobre a coisa e sua utilização,

ou de má utilização;

b) Não ter colocado a coisa em circulação;

117 Os defeitos de um bem de consumo dividem-se em – defeito de conceção ou design, defeito de fabrico, defeito de informação ou instrução, defeito ou risco do desenvolvimento (para estas definições de defeitos vide João Calvão da SILVA, Responsabilidade civil do produtor, cit., p. 655 e ss);

Page 94: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

93

c) Poder considerar-se, tendo em conta as circunstâncias, que o defeito não existia no momento

em que colocou a coisa em circulação;

d) Não ter fabricado a coisa nem para venda nem para qualquer outra forma de distribuição com

fins lucrativos, ou não a ter fabricado ou distribuído no quadro da sua actividade profissional;

e) Terem decorrido mais de 10 anos sobre a colocação da coisa em circulação.”

Requisito da ação direta é o produtor colocar em circulação produto por si fabricado, pelo que

nada mais natural, o produtor poder invocar e demonstrar que o defeito não é de origem, logo

não sendo responsável pelo mesmo.

Pelo que, as alíneas a) e c) consagram uma presunção legal de imputabilidade, ao produtor, da

desconformidade provada pelo consumidor. No entanto tal presunção legal, pode ser ilidida por

qualquer uma das alíneas supra transcritas.

Na verdade, se o produtor demonstrar a ausência do defeito no momento em que colocou o bem

em circulação, a razoabilidade e probabilidade da inexistência da falta de conformidade no

momento em que o bem foi posto em circulação, atendendo às circunstâncias, demonstrar que

a desconformidade resultou de má utilização de terceiro ou do próprio consumidor lesado, ou de

declarações (erróneas) do vendedor acerca do bem e da forma de o utilizar, está a iludir a

referida presunção de imputabilidade do defeito.

7.1 – O PRODUTOR DE PARTE COMPONENTE DO PRODUTO

Imaginemos um produtor de moldes, a quem foi solicitado por um grande fabricante de

automóveis, por exemplo, um molde para uma determinada peça de um automóvel por si

fabricado. Continuemos a imaginar, que um certo automóvel produzido por esse grande

fabricante revela-se desconforme. Poderá o consumidor demandar o produtor do molde?

Não poderá, se o produtor do molde demonstrar que a desconformidade não resulta do seu

molde, da parte componente do produto final por si produzida.

Ou então se demonstrar que o defeito dessa parte componente se deve exclusivamente à

conceção do produto final, no qual foi integrada. Isto corresponde a demonstrar que essa peça

quando foi colocada em circulação (entregue ao produtor final, o grande fabricante de

Page 95: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

94

automóveis referido a titulo de exemplo) não era defeituosa. Apenas se considerou defeituosa

quando integrada no produto final, e por esse facto.

7.2 – DESCONFORMIDADE POR FORÇA DE NORMAS IMPERATIVAS

O produtor poderá escusar-se à responsabilidade do defeito, se este se dever a normas

imperativas, apesar de tal exclusão não ser expressamente referida no n.º 2 do art. 6.º do DL n.º

67/2003, na redação do DL n.º 84/2008.

Isto é, a desconformidade resulta do conteúdo imperativo da norma, que determinou ao produtor

um “modo de fabrico” que conduziu a essa desconformidade. O mesmo será dizer que o

produtor ao fabricar aquele produto, segundo aquelas normas estava de “mãos e pés atados”,

sem poder faze-lo de outra forma.

Se substituísse esse produto, seria por outro igualmente desconforme, dado o caracter

imperativo dessas normas de segurança, por exemplo.

7.3 – A NÃO COLOCAÇÃO DO BEM EM CIRCULAÇÃO (AL. B))

Nesta alínea b), deparamo-nos com outra presunção legal contra o produtor, a de que colocou

voluntaria e conscientemente o bem em circulação. E a forma que ele tem de ilidir tal presunção

é demonstrar que a entrada do bem em circulação se deveu a furto ou roubo, por exemplo.

Demonstrar, portanto, que não “lançou” no mercado, de livre e espontânea vontade esse

produto.

Sendo um dos pressupostos da responsabilidade do produtor a colocação consciente do produto

no mercado, faz todo o sentido o produtor não o tendo feito poder ilidir essa presunção,

demonstrando-o.

7.4 – PRODUÇÃO SEM FIM LUCRATIVO OU FORA DO ÂMBITO DE ATIVIDADE PROFISSIONAL (AL. D))

Sendo o objeto da Diretiva e do Decreto – Lei a venda de bens de consumo celebrada entre um

vendedor profissional (um empresário) e um consumidor, ou seja no desempenho de uma

atividade profissional e lucrativa, tem toda a lógica que nos casos em que, cumulativamente, o

produto defeituoso não foi concebido para venda ou qualquer outro fim lucrativo, nem tão pouco

Page 96: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

95

foi fabricado e distribuído no panorama da sua atividade profissional, o produtor não possa ser

responsabilizado.

7.5 – A CADUCIDADE ( AL.E) )

A última forma de desresponsabilização do produtor é o facto de terem decorrido dez anos

desde que colocou o bem em circulação, isto não obstante a sua responsabilidade expirar se o

consumidor não respeitar os prazos de denúncia aplicáveis ao vendedor final.

Neste caso, temos um prazo igual ao previsto no art. 12.º do, já mencionado, DL n.º 383/89.

8 - DIREITO COMPARADO

ORDENAMENTO JURÍDICO ESPANHOL

8.1 - INTRODUÇÃO - LEY N.º23/2003, DE 10 DE JULIO, REVOGADA PELO REAL DECRETO

LEGISLATIVO N.º1/2007, DE 16 DE NOVIEMBRE

A Diretiva 1999/44/CE foi transposta para o ordenamento jurídico espanhol através da Ley

23/2003, de 10 de julio118, de garantías en la venta de bienes de consumo (LGVBC)119. A

introdução desta diretiva no direito espanhol suscitou grandes expectativas, devido não só à

importância da matéria regulada nessa diretiva, mas também e principalmente dada a

inadequada e fragmentada legislação existente, sobre esta matéria, até então ( artigo 11 de la

Ley 26/1984, de 19 de julio, general para la defensa de los consumidores y usuarios – LGDCU-

e el artigo 1 de la Ley 47/2002, de 19 de diciembre, de reforma de la Ley 7/1996, de 15 de

enero, de Ordenación del Comercio Minorista, para la transposición al ordenamento jurídico

español de la diretiva 97/7/CE, em materia de contratos a distancia, y para la adaptación de la

Ley a diversas Directivas comunitarias). 120

118 Entretanto revogada pelo Real Decreto Legislativo n.º 1/2007, de 16 de novembro. No entanto, e dado que este foi o diploma originário de transposição iremos analisa-lo, por ser o que demonstra as opções e “caminhos” seguidos pelo legislador espanhol aquando da transposição. Não obstante iremos analisar o RDL infra, no ponto 8.8; 119 Publicada em 11 de julho de 2003 no Boletin Oficial del Estado, tendo entrado em vigor nos termos da oitava disposição final, dois meses após a sua publicação; 120 Cfr. Javier Lete ACHRICA, “La transposición de la directiva 1999/44 en el Derecho español mediante la ley de 10 de julio de 2003 de garantias en la venta de bienes de consumo”, Ponencias de la Conferencia Internacional Santiago de Compostela sobre Garantias en la Venta de Bienes de Consumo, Universidad de Santiago Compostela Publicacións, enero 2004;

Page 97: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

96

As hipóteses de transposição, ao dispor do legislador espanhol, eram diversas. Desde proceder à

reforma da LGDCU, coordenando a sua regulação com o disposto na LOCM, à inclusão no

Código Civil espanhol das normas constantes da Diretiva (solução adotada pelo legislador

alemão, conforme adiante será mencionado).

Contudo, a opção tomada foi pela promulgação da referida Ley de 23/2003, de 10 de Julio, a

qual foi, segundo a doutrina espanhola, classificada como dececionante.121

Dececionante, devido às contradições presentes em muitas das suas normas e ao facto de,

aquando da transposição, o legislador espanhol não ter tido em conta as já existentes normas.

Segundo Cristina Degeneffe122, a Diretiva tem “o propósito de incidir especialmente nas

regulações dos diversos ordenamentos europeus relativos à venda, ou seja, sobre os Códigos

Civis, onde tradicionalmente se regula a matéria de compra e venda”. Pelo que, o legislador

espanhol deveria ter optado por levar a cabo uma reforma profunda no Código civil espanhol,

acompanhando a tendência atual. Acrescenta, ainda, esta autora que o verdadeiro objetivo que a

Diretiva persegue consiste em tocar e afetar determinados aspetos do regime de compra e

venda nos variados Códigos Civis europeus, por forma a ser possível alcançar o tão desejado

Código Civil Europeu.

Acresce, ainda, o facto de na disposição final 4ª de la LGVBC se ter habilitado o Governo, no

prazo de três anos, a compilar num único diploma a LGDCU e as normas de transposição das

diretivas comunitárias sobre a proteção dos consumidores.

8.2 - ÂMBITO DE APLICAÇÃO

Nos termos do artigo 1 da Lei n º23/2003, de 10 de julio, esta aplicava-se à venda de bens de

consumo, definindo-os como “ los bienes muebles corporales destinados al consumo privado”.

Javier Lete Achirica123 não entende a razão de ser desta vinculação finalista, não constante da

Diretiva, e que só causaria dúvidas quanto ao tipo de bens que constituem o objeto do contrato.

121 Cfr. Javier Lete ACHRICA, La transposición de la directiva 1999/44 en el Derecho español mediante la ley de 10 de julio de 2003 de garantias en la venta de bienes de consumo 122 Cristina Fuenteseca DEGENEFFE, “La Venta de Bienes de Consumo y su Incidencia sobre la Legislación Española (Ley 23/2003, de 10 de julio)”, La Ley, Febrero 2007, Madrid, p.50; 123 Javier Lete ACHIRICA, “La Transposición de la Directiva 1999/44 en el Derecho español mediante la ley de 10 de julio de 2003 de garantias en la venta de bienes de consumo” ”, Ponencias de la Conferencia Internacional Santiago de Compostela sobre Garantias en la Venta de Bienes de Consumo, Universidad de Santiago Compostela Publicacións, enero 2004 p. 197;

Page 98: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

97

Para este autor, o que torna um bem móvel num bem de consumo não é a sua qualidade

intrínseca, mas sim a sua aptidão para ser adquirido por um consumidor.

Pelo que, o legislador espanhol, tal como o comunitário e ao contrário do legislador português,

limitou o âmbito de aplicação da diretiva a bens móveis corpóreos.

Excluiu, ainda, certas categorias de bens móveis. Nos termos do artigo 2, parágrafo 1 da Lei n.º

23/2003, os bens adquiridos mediante venda judicial, a água e o gás, quando não forem

colocados à venda em volume ou quantidades determinadas e a eletricidade não se incluem no

âmbito deste diploma. Isto é, o legislador espanhol acolheu as três exclusões previstas na

Diretiva.

Os bens móveis em segunda mão são, igualmente, abrangidos por esta lei, tendo no entanto

algumas particularidades. Assim, a Lei não se aplica quando estes bens são adquiridos em leilão

e os consumidores tiveram oportunidade de assistir pessoalmente, nos termos do artigo 2,

parágrafo 1, parte final (opção conferida pelo artigo 1, n.º3 da Diretiva). Acresce que, existindo

falta de conformidade o consumidor não poderá exigir a substituição do bem, e o prazo mínimo

de garantia de dois anos pode ser reduzido, por acordo das partes, para um prazo nunca inferior

a um ano (artigo 9, parágrafo 1).

Por fim, são igualmente incluídos no âmbito de aplicação da Lei, os contratos de fornecimento

de bens de consumo a serem produzidos ou fabricados (artigo 2.º, parágrafo 2).

8.3 -SUJEITOS

Os sujeitos alvo da Ley 23/2003, de 10 de julio, são o vendedor e comprador, sendo que, para

estarem sob a alçada deste diploma o vendedor terá de ser um empresário e o comprador um

consumidor. Nos termos do artigo 1.º, parágrafo 2, vendedor será a pessoa física ou jurídica

que, no âmbito da sua atividade profissional venda bens de consumo.

Neste diploma de transposição o legislador não consagrou a definição de consumidor (tendo-o

feito posteriormente no diploma que o revogou) remetendo tal definição para a constante da Ley

n.º 26/1984, de 19 de julio (Lei Geral de Defesa dos Consumidores e Utentes), segundo a qual

consumidores são todas as pessoas físicas ou jurídicas que adquiram bens de consumo como

destinatários finais dos mesmos, ou seja, sem intenção de integra-los em processos de

Page 99: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

98

produção, transformação ou revendê-los a terceiros( artigo 1, parágrafo 2 e 3 da Ley n.º

26/1984, de 19 de julio).

Segundo esta definição, a lei também protege o individuo que, embora não tenha sido o

comprador, é o destinatário final do bem (por exemplo, o terceiro, a quem é oferecido o bem

adquirido ao vendedor).

8.4 -CONFORMIDADE COM O CONTRATO

O artigo 1.º, parágrafo 1 da Ley n.º 23/2003, de 10 de julio consagra o principio da

conformidade, segundo o qual: “el vendedor está obligado a entregar al consumidor un bien que

sea conforme com el contrato de compraventa en los términos establecidos en esta ley”.

Esta noção de princípio de conformidade do bem com o contrato superou largamente o regime

jurídico constante do código civil espanhol quanto ao regime dos vícios ocultos, permitindo

englobar todo um conjunto de problemas relativos ao exato cumprimento do contrato de compra

e venda. Pelo que este princípio de conformidade com o contrato engloba as noções de defeito,

vicio ou falta de qualidade da coisa vendida. A lei em análise apenas prevê o incumprimento do

contrato, deixando para o regime geral os problemas relativos à falta de entrega da coisa.124

Trata-se de uma noção que não é nova no ordenamento jurídico espanhol (tendo sido

incorporada em Espanha em 1991), uma vez que se baseia no artigo 35.º da Convenção de

Viena, Convenção esta ratificada, entre outros países, por Espanha.

O artigo 3.º da Ley n.º 23/2003, de 10 de julio, consagra uma presunção de conformidade:

“salvo prueba en contrario,se entenderá que los bienes son conformes con el contrato siempre

que cumplan todos los requisitos que se expresan a continuación, salvo que por las

circunstancias del caso alguno de ellos no resulte aplicable”.

Tais requisitos constam das alíneas A) a D) do referido artigo 3.º.

Desta forma, segundo a alínea A), o bem será conforme ao contrato se corresponder às

declarações prestadas pelo vendedor acerca do mesmo e possuir as características

apresentadas ao consumidor sob a forma de amostra ou modelo.

124 Cfr. Javier Lete ACHRICA, “La transposición de la directiva 1999/44 en el Derecho español mediante la ley de 10 de julio de 2003 de garantias en la venta de bienes de consumo”, cit., p. 209;

Page 100: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

99

Com esta alínea, pretende-se acautelar as situações em que existam disparidades entre os

produtos que são apresentados como amostras ou modelos pelo vendedor, nos casos em que o

vendedor os usa para estimular a venda, e os produtos que são efetivamente entregues ao

consumidor. Assim caso o vendedor tenha explicado ao consumidor que o bem servia para

determinadas funções ou que detinha certas qualidades e, na realidade tal não sucede, ocorrerá

falta de conformidade.

A prova de falta de conformidade cabe ao consumidor, nos termos do artigo 217.º da Ley

Enjuiciamento Civil 94 (Lei Processual Civil). Nestes casos, a dificuldade será o consumidor

provar as declarações feitas pelo vendedor uma vez que, tratando-se de uma compra e venda de

bens móveis, dificilmente estarão reduzidas a escrito.

Pela alínea B), os bens serão conformes ao contrato se forem aptos para o uso normalmente

dado a bens do mesmo género. Trata-se de acautelar a confiança do consumidor, na medida em

que este adquiriu o bem por esperar poder usufruir das aptidões normais de um bem desse

género.

Nos termos da alínea C), o bem entregue terá de corresponder aos usos específicos que o

consumidor tenha dado a conhecer ao vendedor aquando da celebração do contrato de compra

e venda e sempre que o vendedor tenha admitido que o bem poderia desempenhá-los. Tratando-

se, portanto, de dois requisitos cumulativos.

Neste caso, poderá ser de difícil prova, para o consumidor, demonstrar que informou o vendedor

de quais os usos específicos pretendidos e que este admitiu serem característicos desse bem.

Por último, a alínea D) refere-se ao desempenho habitual dos bens do mesmo género e que o

consumidor pode fundadamente esperar, tendo em conta a natureza do bem e, eventualmente

as declarações públicas sobre as suas concretas características feitas pelo vendedor, pelo

produtor ou pelo seu representante, designadamente na publicidade ou na rotulagem do

produto. Equipara-se, portanto, a informação publicitária à informação contratual.

Todavia, o vendedor não se encontra vinculado a certas declarações públicas se demonstrar que

não tinha conhecimento nem podia razoavelmente ter conhecimento da declaração em causa,

se demonstrar que a declaração foi corrigida no momento de celebração do contrato ou se

demonstrar que a declaração não pôde influenciar a decisão de comprar o bem de consumo em

crise (parte final da alínea D)).

Page 101: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

100

O artigo 3.º, parágrafo 2, estende o conceito de falta de conformidade aos casos em que esta

decorre de uma incorreta instalação do bem, seja esta efetuada pelo próprio vendedor ou por

alguém que esteja sob a sua orientação, seja realizada pelo consumidor mas seguindo

instruções do vendedor (tal como o legislador português estabeleceu e conforme o artigo 2.º, n.º

5 da Diretiva prevê).

Desta forma, e quando as partes assim o acordarem, a instalação do bem torna-se acessória da

prestação de entrega deste. Estas duas prestações, entrega e instalação do bem são, assim,

indissociáveis no sentido de satisfação do interesse do consumidor de acordo com os termos do

contrato celebrado, pois a realização de ambas é imprescindível para a correta execução do

contrato.

De acordo com o artigo 3.º, parágrafo 3, o qual reproduz o disposto no artigo 2.º, n.º 3 da

Diretiva, o vendedor não terá responsabilidade por uma eventual falta de conformidade se o

consumidor a conhecia ou não a poderia fundadamente ignorar no momento de celebração do

contrato ou se esta for originada por materiais fornecidos pelo consumidor.

Trata-se de uma regra idêntica à estabelecida no artigo 35.º, n.º 3 da Convenção de Viena, o

qual impende sobre o comprador o dever de examinar as mercadorias, dever esse que não é

exigido pela Diretiva ou pela Lei espanhola.

O dever, previsto pela Diretiva e pela lei espanhola, é o de diligência do consumidor para apurar

a existência de eventuais faltas de conformidade que se manifestem aquando da sua entrega. É

um dever de diligência flexível que depende da real oportunidade do consumidor verificar as

características do bem antes da entrega, dado que muitas vezes o produto é entregue embalado

e selado, o que dificulta ou impedirá o seu exame, bem como dos conhecimentos e experiência

do consumidor quanto àquele bem.

Javier Lete Achirica125 julga o advérbio “fundadamente” um pouco confuso e poderá originar

interpretações tanto a favor como contra o consumidor.

M. Tenreiro e S. Gómez126, dão como exemplo o caso de um consumidor que coleciona aviões

em miniatura há muito tempo, e que por essa razão, não poderá razoavelmente ignorar uma

125 Javier Lete ACHIRICA, “La Transposición de la Directiva 1999/44 en el Derecho español mediante la ley de 10 de julio de 2003 de garantias en la venta de bienes de consumo”, cit., p. 212. 126 M.TENREIRO e S. GÓMEZ, “La Directive 1999/44/CE sur certains aspects de la vente et de garanties des bienes de consommation”, Revue Européenne de droit de la consommation, 2000, p.17, nota 47;

Page 102: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

101

falta de conformidade no momento da compra de um novo avião, o que já não acontecerá se um

consumidor pretender adquirir um desses aviões, pela primeira vez.

8.5 -DIREITOS DO CONSUMIDOR PERANTE A FALTA DE CONFORMIDADE

A lei espanhola, seguindo escrupulosamente o critério constante da Diretiva, confere ao

consumidor um conjunto de direitos com vista à reposição da conformidade do bem com o

contrato, a saber: reparação ou substituição do bem, redução do preço ou resolução do contrato.

No entanto, o consumidor não poderá optar livremente entre eles, tendo de respeitar a

“hierarquia” imposta no texto da lei. Aliás, pela redação dos artigos 5.º e 7.º denota-se uma

preferência pelas opções que permitam a manutenção do contrato (reparação ou substituição do

bem) e consequentemente a segurança jurídica das transações.

O artigo 5.º, n.º1 confere ao consumidor o direito à reparação ou substituição do bem, salvo

quando uma dessas opções se revele impossível ou desproporcionada. Nos termos do n.º 2 do

mesmo artigo uma solução será desproporcionada se impuser ao vendedor custos elevados em

comparação com a outra solução, tendo em conta o valor do bem se não existisse falta de

conformidade, a relevância dessa falta de conformidade e a forma alternativa de reposição da

conformidade poder ser realizada sem graves inconvenientes para o consumidor.

Daqui se pode concluir que a reparação ou substituição do bem apenas será exigível ao

vendedor se o seu custo for inferior ao valor de mercado do bem (valor esse que o bem teria se

não ocorresse a falta de conformidade), que a escolha do consumidor entre a reparação e

substituição do bem terá de ser aprovada pelo vendedor e que deverá ser avaliada a relevância

da falta de conformidade, de acordo com os critérios mencionados.

De qualquer forma, a reparação ou substituição do bem terão de ser conforme as regras

constantes no artigo 6.º o qual dispõe:

a) “Serán gratuitos para el consumidor, gratuidad que comprenderá los gastos necessarios

realizados para subsanar la falta de conformidad de los bienes com el contrato, especialmente

los gastos de envío, así como los costes relacionados con la mano de obra y los materiales;

b) Deberán llevarse a cabo en un plazo razonable y sin mayores inconvenientes para el

consumidor, de acuerdo com la naturaleza de los bienes y la finalidade que tuvieran para el

consumidor;

Page 103: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

102

c) La reparación suspende el cómputo de los plazos a que se refiere el articulo 9 de esta

Ley. El período de suspensión comenzará desde que el consumidor ponga el bien a disposición

del vendedor y concluirá com la entrega al consumidor del bien ya reparado. Durante los seis

meses posteriores a la entrega del bien reparado, el vendedor responderá de las faltas de

conformidad que motivaron la reparación, presumiéndose que se trata de la misma falta de

conformidad cuando se reproduzcan en el bien defectos del mismo origen que los inicialmente

manifestados;

d) La sustitución suspende los plazos a que se refiere el artículo 9 desde el ejercicio de la

opción hasta la entrega del nuevo bien. Al bien substituto le será de aplicación, en todo caso, el

segundo párrafo del artículo 9.1;

e) Si concluida la reparación y entregado el bien, éste sigue siendo no conforme com el

contrato, el comprador podrá exigir la sustituición del bien, dentro de los limites estabelecidos en

el apartado 2 del artículo 5, o la rebaja del precio o la resolución del contrato en los términos de

los artículos 7 y 8 de esta Ley.

f) Si la sustitución no lograra poner el bien en conformidad com el contrato, el comprador

podrá exigir la reparación del bien, dentro de los limites estabelecidos en el apartado 2 del

artículo 5, o la rebaja del precio o la resolución del contrato en los términos de los artículos 7 y 8

de esta Ley.

g) El consumidor no podrá exigir la sustitución en el caso de bienes no fungibles, ni

tampoco cuando se trate de bienes de segunda mano”.

Podemos constatar, que qualquer uma dessas soluções terá de ser totalmente gratuitas para o

consumidor (alínea A)), terá de ser realizada num prazo razoável, conforme a natureza do bem

(alínea B)), suspenderá os prazos constantes do artigo 9.º relativos à denúncia do defeito e prazo

de garantia (alíneas C) e D)).

Se a reparação não sanar a desconformidade o comprador poderá exigir a substituição, dentro

dos limites constantes no artigo 5.º, n.º 2 ou a redução ou resolução do contrato nos termos dos

artigos 7.º e 8.º (alínea E)), sendo que se a substituição não corrigir a desconformidade

verificada o comprador poderá exigir a reparação nos termos do artigo 2.º, n.º 5, ou igualmente

a redução do preço ou resolução do contrato nos termos referidos (alínea F)).

Page 104: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

103

Por fim, o consumidor não poderá exigir a substituição de bens não fungíveis ou de bens em

segunda mão (alínea G)).

Por sua vez, o artigo 7.º dispõe que o consumidor poderá optar pela redução do preço ou

resolução do contrato, quanto não for possível a reparação ou substituição do bem e quanto

estas operações não forem realizadas num prazo razoável ou sem graves inconvenientes para o

consumidor. Não obstante, a parte final deste artigo acrescenta que não será admitida a

resolução do contrato quando a falta de conformidade seja de escassa importância (conforme o

artigo 3.º, n.º 6 da Diretiva).

Por outro lado, o artigo 8.º dispõe que a redução do preço será feita de forma proporcional,

tendo em conta a diferença existente entre o valor que o bem teria no momento da entrega se

fosse conforme ao contrato e o valor que o bem efetivamente tinha aquando dessa entrega.

8.6 - PRAZOS

O artigo 9.º regula os prazos de garantia e de prescrição das ações referentes ao exercício dos

direitos conferidos ao consumidor. O n.º 1 deste artigo confere um prazo de garantia de dois

anos, a contar desde o momento de entrega do bem, o qual pode ser reduzido para um ano, no

caso de se tratar de bens em segunda mão e por acordo das partes.

Durante este prazo de dois anos, o vendedor responderá pela desconformidade que o bem

manifestar, sendo que decorrido este prazo qualquer defeito que o bem revele será

juridicamente irrelevante.

O parágrafo 2 do n.º 1 do artigo 9.º determina que a falta de conformidade que se manifeste no

prazo de seis meses a contar da data da entrega do bem, presume-se que já existiria aquando

da entrega, exceto quando tal presunção seja incompatível com a própria natureza do bem ou da

falta de conformidade (conforme artigo 5.º, n.º 3 da Diretiva).

Quanto à data de entrega do bem, esta tem-se por efetuada no dia que figure no talão de

compra, na fatura ou na nota de entrega se for posterior (n.º 2 do artigo 9.º).

O consumidor, nos termos do n.º 3 do artigo 9.º, dispõe do prazo de 3 anos, a contar da data da

entrega, para intentar a competente ação judicial com vista ao exercício dos seus direitos (prazo

Page 105: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

104

idêntico ao aplicável às ações decorrentes de responsabilidade civil por danos causados por

produtos defeituosos127).

Por último, impende sobre o consumidor um dever de denúncia ao vendedor da falta de

conformidade no prazo de dois meses a contar da data em que teve conhecimento (n.º 4 do

artigo 9.º). Optou, assim, o legislador espanhol, tal como aconteceu em Portugal, por impor ao

consumidor o ónus de denúncia ao vendedor da desconformidade, faculdade esta deixada ao

critério dos legisladores dos Estados-Membros pelo artigo 5.º, n.º 2 da Diretiva.

Subjacente a esta regra está o interesse geral da segurança jurídica, o reconhecimento legal do

interesse particular do vendedor em não ser surpreendido por inesperadas ou intempestivas

reclamações, bem como evitar, que a possível indagação da existência do defeito no momento

da entrega, seja dificultada pelo decorrer do tempo entre o descobrimento do defeito e a sua

comunicação ao vendedor. Quanto à forma de denúncia, e dado que nada é indicado

relativamente a este aspeto, entende-se que bastará a simples comunicação verbal, não

obstante a dificuldade de prova que tal forma de comunicação acarreta128

8.7 -RESPONSABILIDADE DO PRODUTOR

O legislador espanhol optou, tal como o legislador nacional, por ir mais além do que a Diretiva ao

consagrar a responsabilidade direta do produtor perante o consumidor. No entanto, sendo

menos benévolo do que o legislador nacional.

De facto, no artigo 10.º está prevista a possibilidade de o consumidor demandar o produtor, pela

desconformidade do bem, exigindo a reparação ou substituição do bem, não sendo admissível,

tal como em Portugal, a redução do preço ou resolução do contrato. O que nos parece

perfeitamente aceitável, dado que o produtor não é parte no contrato de compra e venda

celebrado entre vendedor e consumidor, não tendo participado nas negociações, ou tao pouco

recebido o preço pago pelo consumidor ao vendedor.

Contudo, para exercer tais direitos o consumidor terá de atentar em certos requisitos e

limitações.

127 Cfr. artigo 12.1 da Ley 22/1994, de 6 de julio, de Responsabilidad civil por daños causados por productos defectuosos; 128 Cfr. Javier Lete ACHRICA, “La trasnposición de la directiva 1999/44 en el Derecho español mediante la ley de 10 de julio de 2003 de garantias en la venta de bienes de consumo”, cit., p. 217;

Page 106: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

105

Em primeiro lugar e nos termos do artigo 10.º, primeiro parágrafo, trata-se de uma

responsabilidade “quase-subsidiária”, na medida em que só se aplicará quando se revele

impossível ou excessivamente oneroso para o consumidor demandar o vendedor. Logicamente

será mais simples para o consumidor dirigir-se a quem adquiriu o bem desconforme (o

vendedor), do que ao produtor desse mesmo bem, no que às compras internas diz respeito

(dado que nas vendas transfronteiriças sucederá precisamente o oposto).

O disposto no artigo 10.º, parágrafo 1 é uma repetição do critério estabelecido na primeira

versão da diretiva.

Para Javier Lete Achirica129 o consumidor poderá cumular à reparação ou substituição do bem, a

indemnização pelos danos e prejuízos causados. Quanto à redução do preço ou resolução do

contrato não são oponíveis ao produtor, uma vez que o preço foi negociado com o vendedor e

pago a este.

Nos termos do parágrafo 3 do artigo 10.º, é classificado como produtor o fabricante do bem de

consumo, o importador do bem no território da União Europeia ou qualquer pessoa que se

apresenta como tal ao indicar no bem o seu nome, marca ou outro sinal distintivo.

Pese embora não seja referido de forma expressa, é aceitável interpretar que o nome, marca ou

sinal distintivo, tanto pode ser indicado no próprio bem, como na embalagem do produto.

O produtor apenas responderá pela falta de conformidade relacionada com a origem, identidade

ou idoneidade dos bens de consumo (parágrafo 2, artigo 10.º). Por fim, os prazos e requisitos

para o consumidor demandar o produtor são iguais aos que dispõe para demandar o vendedor,

pelo que será de dois anos o prazo para manifestação da falta de conformidade e de três anos

para prescrição desses direitos, contados desde a entrega do bem, suspendendo-se, no entanto,

durante o lapso de tempo de reparação ou substituição.

8.8 -Real Decreto Legislativo n.º 1/2007, de 16 de novembro

Estava previsto, na quinta disposição final130 da Lei n.º 44/2006, de 29 de dezembro, sobre a

melhoria da proteção dos consumidores e usuários, a possibilidade de o Governo espanhol, no

129 Cfr. Javier Lete ACHRICA, “La transposición de la directiva 1999/44 en el Derecho español mediante la ley de 10 de julio de 2003 de garantias en la venta de bienes de consumo”, cit. p. 218; 130 “Se habilita al Gobierno para que en el plazo de 12 meses proceda a refundir en un único texto la Ley 26/1984, de 19 de julio, General para la Defensa de los Consumidores y Usuarios y las normas de transposición de las directivas comunitarias dictadas en materia de protección de los

Page 107: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

106

prazo de doze meses consolidar num único texto a Lei n.º 26/1984, de 19 de julho, para a

Defesa dos Consumidores e Usuários e as normas de transposição de diretivas da União

Europeia emitidas para a proteção dos consumidores e usuários. Pretendia-se, portanto

harmonizar os diversos diplomas legais “dispersos” no ordenamento jurídico espanhol relativos

ao direito do consumo.

Naturalmente, a Ley n.º 23/2003, de 10 de julio, supra analisada, foi revogada pelo Real

Decreto Legislativo n.º1/2007131, o qual introduziu algumas alterações quanto à compra e venda

de bens de consumo, alterações essas não muito significativas no âmbito da análise supra

realizada, dado que relacionam-se mais com o âmbito de aplicação.

Quanto ao âmbito de aplicação subjetivo, o artigo 2.º do RDL determina que se aplicará às

relações entre consumidores ou usuários e empresários. Pelo que, o RDL simplifica o conceito

de consumidor que constava no artigo 1.º da Lei n.º 26/1984132, ao estabelecer que são

consumidores ou usuários as pessoas físicas ou jurídicas que atuam no âmbito estranho a uma

atividade profissional (artigo 3.º do RDL). A outra parte da compra e venda de bens de consumo

é o profissional ou empresário, o qual é definido como as pessoas físicas ou jurídicas que atuam

no âmbito da sua atividade profissional, seja ela pública ou privada (artigo 4.º do RDL).

Nos artigos 5.º e 7.º o RDL define produtor e distribuidor ou fornecedor do produto,

respetivamente.

Relativamente ao âmbito de aplicação objetivo, o artigo 6.º do RDL estabelece o conceito de

produto: “Sin perjuicio de lo establecido en el artículo 136, a los efectos de esta norma, es

producto todo bien mueble conforme a lo previsto en el artículo 335 del Código Civil.”

E, por sua vez, o artigo 335 do Código Civil espanhol define bem móvel como: “Se reputan

bienes muebles los susceptibles de apropiación no comprendidos en el capítulo anterior, y en

general todos los que se pueden transportar de un punto a otro sin menoscabo de la cosa

inmueble a que estuvieren unidos.”

Podemos observar que foi substituído o termo “bienes” por “producto” e que permaneceram

excluídos os bens imóveis. Mas não só estes. O artigo 115.º, n.º 2 do RDL manteve a exclusão

consumidores y usuarios, que inciden en los aspectos regulados en ella, regularizando, aclarando y armonizando los textos legales que tengan que ser refundidos”. 131 Tendo sido a mais recente atualização publicada em 28/3/2014; 132O artigo 1.º da Lei n.º 26/1984, considerava consumidores ou usuários "las personas físicas o jurídicas que adquieren, utilizan o disfrutan como destinatarios finales, bienes muebles o inmuebles, productos, servicios, actividades o funciones, cualquiera que sea la naturaleza pública o privada, individual o colectiva de quienes los producen, facilitan, suministran o expidan”.

Page 108: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

107

dos bens adquiridos mediante venda judicial, a água e o gás quando não forem vendidos em

volume ou quantidade determinada, a eletricidade e os bens em segunda mão adquiridos em

leilão se o consumidor poder assistir pessoalmente, tal como acontecia na Ley.º 23/2003, de

10 de julio. Por fim, o RDL consagrou uma exclusão que a Ley n.º 23/2003, de 10 de julio não

o fez, uma vez que o artigo 115.º, n.º 1 exclui os contratos de fornecimento de produtos a serem

fabricados ou produzidos.

Por sua vez, o conceito de conformidade do bem com o contrato (artigos 114.º e 116.º do RDL)

e a responsabilidade do produtor pela conformidade do bem (artigo 124.º do RDL)

correspondem à já consagrada na Ley n.º 23/2003, de 10 de Julio, e analisada nos pontos

antecedentes.

Julgamos a opção do legislador espanhol acertada, ao consolidar a variada e dispersa legislação

espanhola referente ao direito do consumo, num só diploma, tornando assim mais simples a

aplicação dessas normas, o que favorecerá o consumidor. Todavia, poderia ter-se “atrevido “ a

reformar o regime da compra e venda constante do código civil espanhol, por forma a dar um

passo importantíssimo na harmonização legislativa europeia deste regime.

9 - ORDENAMENTO JURÍDICO FRANCÊS

9.1 – INTRODUÇÃO - ORDONNANCE N°2005-136 DU 17 FÉVRIER 2005

Em Janeiro de 2004, França ainda não tinha transposto a Diretiva133, desrespeitando assim, o

prazo imposto pela Comissão para o fazer, que fixou o fim do mês de Janeiro de 2002 para esse

efeito, o que desencadeou uma ação da Comissão contra a França.

No entanto, esta situação não é inédita, uma vez que a transposição da diretiva de 25 de Julho

de 1985, relativa à responsabilidade decorrente de produtos defeituosos, foi realizada em 19 de

maio de 1998, ou seja com dez anos de atraso e após uma condenação da CJCE134. Não

133 Tal como sucedeu com a Bélgica e o Luxemburgo, situação que não será fruto da coincidência. Com efeito, estes países dispõem, na origem, do mesmo Código Civil e por conseguinte das mesmas regras aplicáveis à compra e venda. Pelo que as regras que são inconciliáveis com as consagradas pela diretiva e provenientes de toda uma outra inspiração jurídica, necessitam de tempo para ultrapassar essas dificuldades e introduzir estas novidades nas respetivas ordens jurídicas; No entanto estes dois países depositaram no Parlamento um projeto de lei de transposição em 19.02.2003 e em 08.08.2003, respetivamente, numa altura em que a França não tinha sequer apresentado tal documento; 134 Cour de justice des Communautés européennes, 13 de Janeiro 1993, Commission c/ République Française, Rec.I, Pág. 5;

Page 109: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

108

obstante, tal situação não impediu a França de ser de novo condenada por transposição

incorreta desta diretiva.

Em França gerou-se uma viva controvérsia acerca da forma como a transposição deveria ser

efetuada. Uma parte da doutrina defendia efetuar a transposição reformando o código civil na

parte relativa ao regime da compra e venda, enquanto outra parte defendia a transposição

mínima, aplicável só às relações comerciais entre os profissionais e os consumidores, à imagem

da própria diretiva, e a ser integrada no Código do consumo.

Em 13 de outubro de 2000, o Ministro da Justiça criou um grupo de trabalho, sob a direção do

professor GENEVIEVE VINEY para refletir sobre as modalidades de integração das normas da

diretiva no direito francês, o qual remeteu o seu relatório ao ministro pouco mais de um ano

depois, em 15 de Novembro de 2001.

Destaca-se desse relatório135 sobre o ponto essencial de apurar qual a melhor forma de

transposição, o facto de os membros do grupo de trabalho não terem hesitado e optarem em

unanimidade pela reforma do Código Civil, quer isto dizer, por uma alteração do regime da

compra e venda, e por conseguinte do direito aplicável a todas as vendas, de bens móveis e

imóveis, bem como de todas as relações contratuais, inclusive entre profissionais e,

naturalmente, entre profissionais e consumidores.

Contudo, desde que este relatório foi tornado público provocou a oposição de uma parte

significativa da doutrina, assim como das organizações representativas das empresas,

nomeadamente do MEDEF136, bem como das associações de defesa dos consumidores. O que

fez o Ministro da Justiça aperceber-se de que o ante-projeto VINEY não representava o caracter

consensual que a sua elaboração pretendia.

A doutrina contestatária argumentava que a Diretiva de 25 de maio de 1999 prosseguia

expressamente uma finalidade consumista e que, pelo respeito desta finalidade, convinha

realizar uma transposição mínima no Código do consumo sem que para isso fosse necessário

modificar o nosso Código Civil, o que resultaria na restrição, inoportuna, da liberdade contratual

das relações entre profissionais, particularmente.

O Ministro decidiu optar pelo sistema menos aventureiro e mais simples de aplicar, pondo de

parte o ante-projeto Viney. Um novo texto para transpor a diretiva, foi preparado sob a égide do 135 Relatório esse que se encontra disponível no site do Ministério da Justiça francês: www.justice.gouv.fr; 136 Mouvement des entreprises de France;

Page 110: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

109

Ministério, destinado a ser integrado no Código do consumo e a aplicar-se, exclusivamente, às

relações entre profissionais-consumidores.

Assim, a 17 de Fevereiro de 2005 foi publicada a Ordonnance n.º2005-136137, relativa à garantia

de conformidade do bem com o contrato devida pelo vendedor ao consumidor, que integrou as

suas disposições no Código do Consumo, nos artigos L.211 e seguintes. A Ordonnance de 17 de

Fevereiro de 2005 introduziu, ainda, uma alteração ao artigo 1648.º do Código Civil Francês,

respeitante aos defeitos ocultos.

9.2 – ÂMBITO DE APLICAÇÃO

A lei de transposição da Diretiva foi integrada no Código do Consumo, sob o título já consagrado,

Conformité, mais precisamente, substituiu no Capítulo I (Dispositions générales) que

reproduziam até então, de maneira curiosa e por falta de melhor, os artigos 1641.º a 1648.º do

Código Civil Francês, relativos à garantia dos vícios ocultos.

Esta escolha legislativa representou uma melhoria sensível do Código de consumo francês

conferindo-lhe uma maior lógica e completando o regime específico de proteção dos

consumidores.

Nos termos do artigo L211-1, este regime aplica-se aos bens móveis corpóreos, aos contratos de

fornecimento de bens móveis a fabricar ou produzir e aos contratos de fornecimento de água e

gás, quando são colocados no mercado em volume ou em quantidade limitada138

Excluídos estão os bens imóveis (tal como sucede em Espanha e contrariamente ao sucedido

em Portugal), bem como os bens vendidos por autoridade judicial e os vendidos em hasta

pública e ainda a eletricidade (artigo L211-2).

9.3 - SUJEITOS

O artigo L211-3 determina que este regime se aplica às relações contratuais estabelecidas entre

um vendedor profissional e um comprador que atue na veste de consumidor.

137 Entretanto retificada pela Lei n.º2006-406, de 5 de abril e mais recentemente alterada pela Lei n° 2014-344 de 17 Março 2014 ( sem contudo ter modificado os artigos respeitantes à análise); 138 Pelo que, a água canalizada e o gás natural são excluídos;

Page 111: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

110

No entanto o legislador francês não define consumidor, pelo que a doutrina divide-se quanto a

esta questão. Alguns autores defendem a introdução de uma definição de consumidor, enquanto

outros alegaram não ter sentido criar uma definição dessas aquando da transposição da Diretiva.

Para Gilles Paisant139, o Código do Consumidor não define consumidor e se fosse introduzida

uma noção ao transpor a Diretiva, tal definição apenas teria aplicação no âmbito das garantias, e

não em relação aos outros.

Tradicionalmente no direito francês, a concretização da definição de consumidor caberá à

jurisprudência, pelo que, também neste caso, e perante uma situação de litígio sobre o âmbito

de aplicação, deverão ser os tribunais a pronunciarem-se.

9.4 -CONFORMIDADE COM O CONTRATO

No ordenamento jurídico francês o regime geral da compra e venda consagra por um lado, a

obrigação de entrega de um bem conforme ao contrato (artigo 1614.º do Código Civil francês) e

por outro, uma garantia contra defeitos ocultos (artigo 1641.º do Código Civil francês).

Por seu turno, o artigo 1644.º do Código Civil Francês confere ao consumidor o direito à

resolução do contrato, através do recurso à “action rédhibitoire”, ou à redução do preço, através

da “action estimatoire”, redução essa avaliada por peritos. O comprador dispõe do prazo de dois

anos a contar da data da descoberta do defeito, para intentar a “action rédhibitoire” (artigo

1648.º do Código Civil Francês).

Percorridos os direitos que o comprador dispunha e dispõe (dado que o consumidor pode optar

livremente por qualquer um dos regimes, nos termos do artigo L211-13 do código do

consumidor) no âmbito do regime geral da compra e venda, analisaremos agora os artigos do

código do consumidor francês, os quais transpuseram a diretiva.

9.5 -PRINCÍPIO DA CONFORMIDADE DOS BENS COM O CONTRATO E GARANTIA LEGAL DE

CONFORMIDADE

O artigo L211-4 do código do consumidor francês140 estabelece a noção de conformidade. Desta

forma, o vendedor deverá entregar um bem conforme ao contrato, respondendo pelos defeitos

139 Gilles PAISANT, “La Transposition de la Directive 25 du mai 1999 sur les garanties dans la vente de biens de consommation – Ordonnance du 17 février 2005”, JCP, n.ºI-146, 2005, p.1167; 140 Todos os artigos adiante referidos que não sejam identificados, reportar-se-ão a este código;

Page 112: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

111

existentes aquando da entrega do bem. A garantia de conformidade presente no Código de

Consumo francês abrange, assim, as duas noções tradicionais constantes no Código Civil

francês (a definição de entrega conforme do bem e a garantia contra defeitos ocultos).

Complementado pelo artigo L211-5, o qual implementa uma presunção de conformidade do

bem. Assim, um bem presume-se conforme se for próprio para o uso habitual, tendo em conta

um bem análogo (n.º 1). Na falta de um bem análogo, um bem presumir-se-á conforme se

corresponder à descrição feita pelo vendedor e possuir as qualidades que este lhe apresenta sob

a forma de amostra ou modelo, se apresentar as qualidades que um adquirente pode

legitimamente esperar do bem, tendo em conta as declarações públicas feitas pelo vendedor,

pelo produtor ou por um seu representante, nomeadamente através de publicidade ou etiqueta

(n.º 1, segunda parte). Ou então, se apresentar as características definidas por acordo entres as

partes ou ser adequado a um uso especifico pretendido pelo comprador, se tiver disso sido

informado o vendedor e este aceite (n.º 2). Pelo que, nesta última hipótese é recomendável que

seja celebrado um contrato escrito com as cláusulas específicas, por forma a ficar esclarecido o

que é importante para o consumidor, sendo mais fácil para este fazer prova disso mesmo, caso

seja necessário.

O legislador francês optou por introduzir a presunção de conformidade, tal como o fez o

legislador comunitário no artigo 2.º da Diretiva, ao invés do legislador português, o qual

introduziu uma presunção de não conformidade.

O artigo L211-7 determina que as faltas de conformidade que surjam no prazo de seis meses

após a entrega do bem, presume-se que já existiam no momento da entrega, salvo prova em

contrário (n.º1). Trata-se, portanto, da consagração de uma presunção de desconformidade,

naturalmente a favor do consumidor, a qual pode, contudo, ser ilidida pelo vendedor se o vício

não for compatível com a natureza do bem ou com o defeito invocado (n.º 2). Esta presunção

corresponde ao n.º 3 do artigo 5.º da Diretiva.

Segundo o artigo L 211-8, o comprador tem o direito de exigir a conformidade do bem ao

contrato, salvo quando invocar um defeito de que ele tinha conhecimento ou que não podia

ignorar aquando da celebração do contrato, ou se o defeito for proveniente de materiais

fornecidos por ele.

Page 113: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

112

Em caso de falta de conformidade, o comprador pode escolher entre a reparação ou substituição

do bem. Contudo, o vendedor pode não agir de acordo com a vontade do comprador se tal

escolha envolver um custo manifestamente desproporcional, perante uma outra modalidade,

tendo em conta o valor do bem ou a importância do defeito. Isto é, o vendedor deve então

proceder, salvo impossibilidade, segundo a escolha do comprador (artigo L211-9).

Caso a reparação e substituição do bem se revelem impossíveis, o consumidor pode optar pela

resolução do contrato ou pela redução do preço (artigo L211-10).

Poderá também fazê-lo se a reparação ou substituição do bem não poder ser cumprida no prazo

de um mês após a reclamação do consumidor ou se o exercício de qualquer dessas operações

envolver um inconveniente maior tendo em conta a natureza do bem e o uso a que se destina.

Todavia, a resolução do contrato será admitida se a desconformidade for de escassa importância

(última parte do artigo L211-10).

Todas as operações resultantes dos direitos conferidos ao consumidor, por via das normas dos

artigos L211-9 e L211-10, deverá suceder sem encargos para o consumidor (tal qual prevê o n.º

2 do artigo 3.º da Diretiva), sendo que a aplicação destas disposições não afasta o direito à

indeminização pelos danos (artigo L 211-11).

Por fim, o artigo L211-12 determina que o direito do consumidor de intentar a competente ação

judicial, resultante da desconformidade prescreve no prazo de dois anos a contar da entrega do

bem. Este prazo corresponde ao previsto no artigo 5.º, n.º 1 da Diretiva

No que aos prazos diz respeito, realça-se o facto de o legislador francês ter optado pela não

inclusão da imposição de um prazo de denúncia de dois meses após a descoberta ao

consumidor, hipótese que a Diretiva não previu mas deixou à consideração de cada Estado

Membro (artigo 5.º, n.º2). Ora, tal circunstância é claramente favorável ao consumidor.

9.6 – (IR)RESPONSABILIDADE DO PRODUTOR PERANTE O CONSUMIDOR PELA DESCONFORMIDADE DO

BEM

O legislador francês, ao contrário do português e espanhol, optou por não incluir, na

transposição da diretiva, a possibilidade do consumidor demandar diretamente o produtor pela

desconformidade do bem, possibilidade essa conferida pelo facto de ser uma diretiva

Page 114: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

113

transposição mínima. Limitou-se a prever, no artigo L211-14 do Código do Consumo, a ação de

regresso do vendedor final, segundo os princípios do Código Civil Francês.

Tal opção do legislador francês tem lógica no âmbito do direito francês, uma vez que este admite

uma ação direta de natureza contratual, a qual possibilita ao vendedor final reclamar junto dos

vendedores antecedentes, podendo desta forma chegar ao vendedor inicial, o produtor.

Quanto à garantia contra vícios ocultos, a jurisprudência francesa julga que a garantia legal é

intrínseca ao bem, pelo que se o comprador conseguir provar que o vício já existia à data da

venda do bem, poderá demandar o vendedor anterior, importador do bem e o próprio produtor.

Tal hipótese é conferida pela ação direta141.

Para Marín Lopez142, é de admitir que o consumidor de bens de consumo possa lançar mão da

ação direta, e que para beneficiar desta ação, o comprador deva interpor a ação com base nas

normas do direito comum e não segundo o Código do Consumidor.

Julgamos que a opção do legislador francês prendeu-se precisamente com este facto, o de se

encontrar tradicionalmente consagrada, há muito tempo, no ordenamento jurídico francês, a

“action directe”.

Pelo que, atendendo a esta circunstância, concordamos com o legislador francês ao não

transpor essa hipótese, dado que o consumidor já se encontrava protegido dessa forma, pese

embora a circunstância de ter de demonstrar a existência do defeito aquando do momento da

entrega do bem, poder revelar-se difícil.

10 - ORDENAMENTO JURÍDICO ALEMÃO

10.1 -INTRODUÇÃO – TRANSPOSIÇÃO DA DIRETIVA 1999/44/CE ATRAVÉS DA REFORMA DO BGB

(CÓDIGO CIVIL ALEMÃO), PELA LEI 1/2002

A transposição para o ordenamento jurídico alemão da Diretiva 1999/44/CE, deu-se através da

introdução do direito do consumo no código civil alemão, ou seja, o legislador alemão optou pela

141 Vide supra ponto 6; 142 Manuel J. Marín LOPEZ, “Las Garantías en la Venta de Bienes de Consumo en la Unión Europea – La Directiva 99/44/CE y su incorporación en los Estados Miembros”, Ministério de Securidad y Consumo – Instituto Nacional del Consumo, octubre 2004, Madrid, p. 435.

Page 115: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

114

“solução grande”143, e reformou, aquando da transposição, o regime da parte geral e do direito

das obrigações.

Esta Diretiva motivou a discussão sobre a modernização do código civil alemão e contribuiu para

a decisão do legislador de optar pela referida integração do direito do consumo no código civil

(solução aliás pretendida com a redação da Diretiva, apesar de não ter sido totalmente acolhida

pelos Estados Membros).

O movimento protetor dos consumidores é muito mais recente que o código civil alemão, tendo

surgido nos anos 50, período durante o qual se formou a sociedade de consumo na Alemanha.

Este movimento atingiu o seu auge e uma expressão significativa com a criação nos anos 70,

pelo Governo Federal, do programa de consumo. Deste programa destacam-se duas leis

substancialmente vocacionadas para a proteção do consumidor, a saber: a Lei sobre as

condições gerais de 1976 e a Lei sobre os contratos de viagem de 1979.

O Governo Alemão demonstrou sempre pouco interesse em transpor a diretiva fora do código

civil. Pelo que, retomou uma iniciativa do Ministério da Justiça, o qual tinha solicitado, no início

da década de 80, um parecer sobre as questões pertinentes do direito do consumo. O objetivo

era realizar o que Otto V. Gierke tinha pedido há cem anos (conferir um “toque social” ao código

civil alemão) 144.

Com a sua decisão de integrar o direito do consumo no código civil, o legislador alemão

revolucionou o direito civil. O vetusto código civil alemão “desapareceu”. A igualdade formal e a

liberdade contratual não são mais os únicos parâmetros do direito das obrigações. A justiça

social surge agora lado a lado com a igualdade formal e uma limitação de origem estatal ao lado

da liberdade contratual. O código civil alemão recebeu assim o seu “toque social”.

Com a opção da reforma do BGB, o legislador deparou-se com a mais complexa e ousada tarefa,

o que obrigou a um escrupuloso estudo, tendo concretizado a atualização dos princípios de

direito positivo, evitando a dispersão em leis avulsas ou num Código do Consumidor e concebido

um corpo único no direito civil.

A Diretiva serviu, assim, de modelo para a nova conceção de direito dos contratos de compra e

venda.

143 A qual consiste na inclusão das normas no âmbito do Código Civil, alterando o tratamento da compra e venda; 144 Cfr. Hans-W. MICKLITZ, “La transposition de la directive 1999/44 em droit allemand”, Ponencias de la Conferencia Internacional Santiago Compostela sobre Garantias en la venta de bienes de consumo Universidade de Santiago de Compostela, 2004, p. 261;

Page 116: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

115

10.2 -ÂMBITO DE APLICAÇÃO

As regras especiais relativas à compra e venda de bens de consumo encontram-se reguladas sob

a secção dos bens de consumo, constante dos artigos 474.º a 479.º do código civil alemão.

O artigo 474.º determina o âmbito de aplicação destas normas, definindo que estas se aplicam

aos contratos de compra e venda de um bem móvel entre um consumidor e um vendedor

profissional, correspondendo ao âmbito de aplicação da Diretiva, remetendo para os artigos 13.º

e 14.º para definir estes sujeitos.

Nos termos do artigo 13.º do BGB, “consumidor é toda a pessoa física que celebra um contrato

com um fim que não se refere nem à sua atividade empresarial, nem à sua atividade profissional

autónoma”. Esta definição diverge da contida na Diretiva, no sentido em que a definição dada

por esta considera que não é consumidor aquele que adquire um bem para destinar a uma

atividade profissional (dependente ou independente), enquanto a norma alemã considera

consumidor mesmo que o bem adquirido seja para uso no âmbito de uma atividade profissional

dependente.

Pelo que, o ordenamento jurídico alemão amplia o conceito de consumidor, incluindo, no âmbito

de proteção da venda ao consumo, os sujeitos que adquirem um bem para um fim que pode ser

aproveitado para a sua atividade profissional dependente145.

Por outro lado, o artigo 14.º do BGB, define profissional como “qualquer pessoa singular ou

coletiva que, ao abrigo de um contrato, vende bens de consumo no âmbito da sua atividade

profissional”. Excluem-se, assim, as vendas efetuadas fora do âmbito da atividade profissional.

O legislador alemão cria um conceito mais rígido do que a Diretiva, na medida em que para o

direito alemão não será empresário o individuo que vende no exercício de uma atividade

profissional dependente, uma vez que o referido artigo 14.º “considera empresário toda a

pessoa física ou jurídica ou uma sociedade com personalidade jurídica que na conclusão de um

contrato atua no exercício da sua atividade empresarial ou profissional autónoma”.

O critério decisivo para a qualificação do consumidor e do empresário é a finalidade objetiva da

transação negocial.

145Hans-W MICKLITZ, “La transposition de la directive 1999/44 em droit allemand”, cit., p. 265, dá o exemplo do professor que compra um computador para poder delinear os testes ou a secretária que compra uma máquina de café para o escritório.

Page 117: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

116

O âmbito de aplicação objetivo dos artigos 474.º e seguintes do Código Civil alemão só inclui a

venda de bens móveis, tal qual o artigo 1.º, n.º 2 alínea b) da diretiva, o qual exclui os bens

imóveis (tal como Espanha e França, e contrariamente a Portugal).

Tal como referido, o âmbito de aplicação objetivo dos artigos 474.º e seguintes do Código Civil

alemão, restringe-se à venda de bens móveis, conforme o artigo 1.º, n.º 2 alínea b) da Diretiva, o

qual exclui os bens imóveis. Também não se aplicará aos bens em segunda mão adquiridos em

leilões, quando o consumidor possa assistir pessoalmente à venda (exceção que a Diretiva

expressamente prevê no artigo 1.º, n.º 3).

As restantes exceções constantes do artigo 1.º, n.º2, alínea b) da Diretiva, são os bens vendidos

no âmbito de um processo judicial, a água e o gás, quando não forem postos à venda em

volume delimitado, ou em quantidade determinada, bem como a eletricidade. No entanto, para o

legislador alemão, não foi necessário prever estas exceções expressamente no artigo 474.º do

Código civil, uma vez que no caso de venda de bens no âmbito de um processo judicial, o artigo

860.º do Código de processo civil alemão exclui qualquer direito do consumidor à reparação.

Além disso e de acordo com o artigo 90.º do Código civil alemão deve ser possível determinar

fisicamente os bens, seja pela sua própria natureza, sua individualização numa caixa ou por

outros meios artificiais. Por conseguinte e atento este critério não são bens corpóreos, para o

direito alemão, o ar e a água corrente. Todavia, se a água ou o gás forem medidos por uma

certa quantidade ou um certo volume preciso, tornam-se bens móveis no sentido do artigo 1.º

n.º 2, alínea b) da Diretiva. Os artigos 474.º e seguintes do Código civil alemão aplicar-se-ão

então aos bens móveis tal qual a definição destes que nos é dada pela Diretiva. Por fim, o

ordenamento jurídico alemão não considera a eletricidade como um bem, pelo que é excluída,

tal como na Diretiva, da definição de bens de consumo.

O artigo 475.º do Código Civil alemão transpõe, para o ordenamento jurídico alemão, o artigo

7.º, n.º 1 da Diretiva. Isto é, este artigo torna inválidos quaisquer acordos que visem diminuir

excluir ou limitar os direitos do consumidor perante a desconformidade do bem, atribuídos pelos

artigos 433.º a 435.º, 437.º, 439.º a 443.º daquele código.

Por sua vez o artigo 476.º considera que o defeito detetado no prazo de seis meses após a

transferência do risco já existia na data de celebração do negócio, salvo se tal se revelar

incompatível com a natureza da coisa ou do defeito. Este artigo transpõe, assim, a presunção

constante do n.º 3 do artigo 5.º da Diretiva.

Page 118: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

117

10.3 -CONFORMIDADE COM O CONTRATO

Como já foi mencionado, o legislador alemão revolucionou o código civil, usando o modelo da

Diretiva como base para todos os contratos de compra e venda. Assim, algumas definições e

princípios da Diretiva foram introduzidos no regime geral da compra e venda, presente nos

artigos 433.º e seguintes do BGB.

A referida revolução pretendeu apresentar um conceito unitário de defeito para todos os

contratos de compra e venda bem como de empreitada. Nos termos do artigo 433.º do BGB o

vendedor tem a obrigação de entregar a coisa vendida, bem como transmitir a sua propriedade,

livre de defeitos materiais e legais, ou seja consagra o princípio da conformidade presente no

artigo 2.º, n.º 1 da Diretiva.

O artigo 434.º, n.º 1 estabelece que um bem encontra-se livre de defeitos se após a

transferência do risco tiver as qualidades acordadas. Caso não tenham sido acordadas essas

qualidades, o bem estará livre de defeitos se for adequado para o uso pretendido nos termos do

contrato ou se for adequado para o uso habitual e tiver a qualidade usual para bens do mesmo

tipo e que o comprador pode esperar, tendo em conta o tipo de bem em causa.

Estes critérios abarcam tanto o conceito subjetivo do defeito (as qualidades acordadas expressa

ou tacitamente) como o conceito objetivo (o uso habitual e qualidade usual dos bens do mesmo

tipo).

O vendedor está, ainda, vinculado às suas declarações públicas ou às do produtor ou seu

representante sobre as características do bem, exceto quando o vendedor não conhecia essas

declarações ou não podia razoavelmente conhecer, quando a declaração foi corrigida até ao

momento de celebração do contrato ou quando essa declaração não tenha influenciado a

decisão de firmar o contrato (artigo 434.º, n.º 1 do BGB).

Nos termos do artigo 434.º, n.º2 a noção de defeito estende-se à instalação defeituosa do bem

vendido, realizada pelo vendedor ou por alguém sob a sua direção e às instruções de instalação

defeituosas fornecidas pelo vendedor tal qual o artigo 2.º, n.º5 da Diretiva prevê.

Por último, o n.º 3 do artigo 434.º equipara a entrega de coisa diferente e de coisa de

quantidade inferior à acordada à existência de um defeito material.

Page 119: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

118

No entanto o artigo 442.º, n.º 1 limita a responsabilidade do vendedor, quando o comprador

tinha conhecimento do defeito aquando da celebração do contrato.

Caso o comprador desconheça o defeito por negligência sua, este só poderá exercer os seus

direitos quando o vendedor tenha agido de forma dolosa ou tenha dado uma garantia

relativamente às qualidades do bem (artigo 442.º, n.º1). O vendedor é ainda responsável pelos

ónus que se encontrem registados sobre o bem, mesmo se o comprador os conhecesse.

10.4 -DIREITOS DO COMPRADOR

Os direitos do comprador perante um bem desconforme, foram integrados nas normas gerais

sobre o incumprimento contratual.

A entrega de um bem conforme com o contrato é assim uma obrigação principal do vendedor,

tanto na compra e venda de coisa genérica como na compra e venda de coisa específica.

Em caso de incumprimento desta obrigação, a culpa do vendedor não é requisito. Mas já não

será assim, se o comprador pretender uma indemnização pelos danos, nos termos das normas

gerais de incumprimento contratual.

O legislador alemão diferenciou os defeitos pelos quais o vendedor responde com culpa, dos

defeitos pelos quais responde sem culpa, sendo que quanto aos primeiros o comprador pode

exigir uma indemnização, enquanto os segundos permitem-lhe exigir a reparação ou substituição

do bem, redução do preço ou resolução do contrato.

Relativamente a estes quatro “remédios” a Diretiva estabelece uma hierarquia entre eles.

Primeiro a reparação ou substituição do bem e segundo a redução do preço ou resolução do

contrato (artigo 3.º, n.º 3 e 5 e considerando 10). O legislador alemão adotou a graduação dos

direitos do consumidor, presentes na Diretiva.

Assim o artigo 439.º n.º1 estabelece a reparação ou substituição do bem como primeiro

remédio a ser acionado pelo consumidor, acrescentando o n.º 2 deste artigo que essas

operações devem ocorrer sem qualquer encargo para o vendedor.

Contudo, o artigo 275.º permite ao vendedor rejeitar a escolha do comprador quando se revelar

de todo impossível para si ou para terceiro (n.º 1), quando essa escolha tendo em conta o bem e

Page 120: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

119

as exigências da boa-fé, é manifestamente desproporcional em comparação com a obrigação

(n.º2) e quando a escolha do comprador acarreta custos desproporcionais (n.º 3).

Em segundo plano, quando a reparação ou substituição não forem possíveis, surge a opção pela

redução do preço ou resolução do contrato, sendo que esta última encontra-se regulada no

regime geral das obrigações e não no regime geral da compra e venda e empreitada (artigos

437.º, n.º 2 e 323.º). No entanto, para lançar mão destas opções o comprador terá de conceder

ao vendedor um prazo para reparar ou substituir o bem. Não obstante, tal não será necessário

se o vendedor rejeitar a reparação ou substituição ou quando estas falharem ou se revelarem

irreclamáveis, casos em que o comprador poderá exigir a redução do preço ou a resolução do

contrato sem a concessão desse prazo. Acresce, ainda, que uma segunda tentativa de reparação

sem sucesso considera-se falhada, a menos que a natureza do bem, o próprio vício ou outros

motivos conduzam a uma diferente conclusão.

Por sua vez, a redução do preço, vem regulada no artigo 441.º e não exige a culpa do vendedor

para ser exigível.

Por fim, o artigo 437.º, n.º 3 confere ao comprador o direito a uma indemnização por danos e

prejuízos causados pelo incumprimento da obrigação de entrega, por parte do comprador, de

um bem conforme ao contrato.

10.5 –(IR)RESPONSABILIDADE DO PRODUTOR PERANTE O CONSUMIDOR PELA DESCONFORMIDADE

DO BEM

Tal como já referido, ao longo desta dissertação, a Diretiva pese embora não tenha previsto

expressamente no seu texto, a responsabilização direta do produtor perante o consumidor,

deixou essa opção em aberto, no considerando 23.

No entanto, o legislador alemão optou por não incluir essa responsabilização.

Previu sim, no artigo 478.º do Código Civil alemão, o qual corresponde ao artigo 4.º da Diretiva,

o direito de regresso do vendedor final contra o anterior vendedor da cadeia contratual, na

compra e venda de bens de consumo.

Page 121: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

120

Contudo, exige alguns requisitos, como o objeto vendido ser novo146, a existência do defeito no

bem vendido no momento em que o vendedor anterior vendeu ao vendedor final, bem como o

anterior vendedor na cadeia contratual ser um profissional.

Julgamos que a opção do legislador alemão de não incluir a responsabilização direta do produtor

perante o consumidor se prende com o pensamento jurídico tradicional alemão, designadamente

o apreço pela vertical privity, intrínseco ao princípio da relatividade dos contratos.

146 Hanz –W MICKLITZ, “La transposition de la directive 1999/44 em droit allemand”, cit., p. 275, destaca que a limitação a coisa nova, com exclusão da usada, é oposta ao artigo 4.º da Diretiva, o qual não distingue entre coisas novas e usadas;

Page 122: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

121

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Diretiva 1999/44/CE constituiu uma das mais importantes Diretivas no âmbito da defesa dos

consumidores. Tinha como principal objetivo harmonizar os diversos ordenamentos jurídicos

europeus, na intenção de dar um importante passo na criação de um direito civil europeu.

Falhou nessa “missão”, na medida em que o método de transposição não foi igual nem tão

pouco o regime consagrado da mesma forma, pelos diferentes Estados Membros. Não foi

alcançado o propósito destes reformarem os seus códigos civis, por forma a dar-se um

importantíssimo passo na criação do tão desejado código civil europeu.

Esta disparidade justifica-se pelo facto de ser uma Diretiva de transposição mínima, que apenas

impõe aos Estados Membros assegurar os seus resultados, concedendo-lhes liberdade para a

forma e os meios como os vão implementar (artigo 249.º, parágrafo 3 do Tratado da União

Europeia).

Todavia, conseguiu-se a uniformização do aspeto nuclear da Diretiva, a consagração de uma

obrigação de conformidade do bem com o contrato, bem como a atribuição, ao consumidor, de

um conjunto mínimo de direitos.

Relativamente ao método de transposição, dos ordenamentos jurídicos estudados a Alemanha

foi a que foi mais longe e adotou a “solução grande”, ao revolucionar o seu código civil.

Não obstante, o legislador que mais beneficiou o consumidor foi o português, no sentido em que

foi mais além que a Diretiva, nalguns aspetos.

Destacamos, em primeiro lugar, o âmbito de aplicação uma vez que o alargou a todos os bens,

incluindo os imóveis, e não consagrou nenhuma das exceções presentes na Diretiva. Acresce,

ainda, a inovadora extensão do regime à locação de bens de consumo, algo fora das fronteiras

da Diretiva.

Em segundo lugar, incluiu a responsabilidade direta do produtor perante o consumidor, algo que

apenas a Espanha acompanhou e de forma “quase-subsidiária”.

Relativamente ao regime mais benéfico existente em Portugal, em comparação com Espanha,

França e Alemanha, outra situação não poderia ocorrer, dado que Portugal dispunha de uma Lei

da Defesa do Consumidor que já perseguia alguns dos objetivos da Diretiva (por exemplo o

Page 123: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

122

revogado artigo 12.º, n.º 1 o qual concedia ao consumidor os direitos previstos na Diretiva), pelo

que seguir as opções tomadas pelos legisladores desses ordenamentos jurídicos significaria,

incompreensivelmente, um retrocesso na defesa e proteção do consumidor.

Quanto às alterações introduzidas pela redação do DL n.º 84/2008 de 21 de Maio, salientamos

a reformulação da redação do artigo 6.º, a qual deixou “cair” a faculdade do produtor escolher

livremente entre reparação ou substituição do bem, deixando a cargo do consumidor tal escolha,

a imposição de um prazo de 30 dias para as operações de reparação ou substituição dos bens

de consumo móveis, necessidade que surgiu por força do prolongamento, por tempo exagerado,

dessas mesmas operações, a interrupção da prescrição no caso de substituição do bem

desconforme, com inicio de novo prazo de garantia e a caducidade da ação do consumidor,

volvidos dois ou três anos sobre a denúncia da desconformidade, consoante se esteja perante

um bem móvel ou imóvel, ao invés dos seis meses estabelecidos na anterior redação.

Aplaudimos, por isso, a audácia do legislador nacional ao ir mais além do que a Diretiva.

Contudo, não concordamos com a via da facilidade que o legislador seguiu para efetuar a

transposição – através de um diploma legal avulso. Porventura terá sido a mais atrativa em

termos políticos.

Defendemos147 que o legislador deveria ter optado pela “solução grande” e efetuar a transposição

para o código civil, com a extensão ao direito comum da compra e venda, adequando este

regime ao padrão do negócio na atualidade e às suas necessidades de regulamentação. Como

constatamos, o mesmo encontra-se desfasado com o mercado atual, já não correspondendo às

exigências do mesmo.

Caso o legislador não estivesse “preparado” para tamanha revolução, seria preferível, ao invés

da transposição em diploma avulso, a compilação de toda a matéria ligada à defesa do

consumidor num código de consumo (cujo anteprojeto foi realizado não tendo no entanto

passado disso mesmo, de um projeto), situação aliás muito mais favorável para o próprio

consumidor, o qual saberia onde estavam consagrados todos os seus direitos, podendo

“defender-se” melhor. Pois, da forma como está dispersa a legislação do consumo, dificilmente

o consumidor médio, razoavelmente informado, poderá ter conhecimento da plenitude dos

direitos que lhe assistem.

147

Seguindo a opinião da doutrina, nomeadamente de Pinto, Paulo Mota, “Anteprojeto de Diploma de Transposição da Diretiva 1999/44/CE para o Direito Português, Exposição de motivos e articulado” Instituto do Consumidor 2002;

Page 124: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

123

Julgamos, igualmente, que aquando da transposição seria uma excelente oportunidade para

harmonizar os regimes da segurança e da conformidade num sistema unitário de tutela, pois

ambas as situações regulam as consequências de defeitos em bens de consumo, não fazendo

sentido continuarem afastados, quando na realidade andam “de mãos dadas”.

Por último e respondendo à pergunta formulada no início deste trabalho, o produtor, por força do

artigo 6.º do DL 67/2003 tem uma responsabilidade direta perante o consumidor,

responsabilidade essa que se encontra limitada à reparação ou substituição do bem, não

abrangendo a indemnização pela desconformidade do bem de consumo.

Entendemos que tal indemnização deveria ter sido consagrada pelo legislador, da mesma forma

que o foi no âmbito do diploma relativo à segurança dos produtos. Não obstante, deveria o

legislador, pelo menos, ter acautelado aquelas situações em que o vendedor final entra em

insolvência e, naturalmente, o consumidor não poderá exigir-lhe uma indemnização pela

desconformidade do bem, ficando assim o seu elevado grau de proteção bastante prejudicado.

Como tal sugerimos e defendemos que deveria ter sido, pelo menos na redação do DL

84/2008, previsto no artigo 6.º, um número no qual se permitisse ao consumidor, em caso de

insolvência do vendedor final, poder exigir do produtor uma indemnização pela desconformidade

do bem, alargando, nestes casos, a responsabilidade direta do produtor perante o consumidor à

indemnização resultante da desconformidade do bem.

Page 125: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

124

Page 126: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

125

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ACHIRICA, Javier Lete, “La Transposición de la Directiva 1999/44 en el Derecho Español

mediante la Ley de 10 Julio, 23/2003 de Garantías en la Venta de Bienes de Consumo,

Ponencias de la Conferencia Internacional Santiago de Compostela sobre Garantías en la Venta

de Bienes de Consumo”, Universidad de Santiago Compostela Publicacións, enero 2004;

ALMEIDA, Carlos Ferreira,

- Direito do Consumo, Almedina, Coimbra, 2005;

- “Orientações de política legislativa adoptada pela Directiva 1999/44/CE sobre a venda de bens

de consumo. Comparação com o direito português vigente” Themis, ano II, n.º4, (2001);

- “Questões a resolver na transposição da Directiva e respostas dadas no Colóquio.” Themis, ano

II, n.º 4 (2001);

ANTUNES, José A. Engrácia, Direitos dos Contratos Comerciais, Reimpressão da Ed. de setembro

de 2009, Almedina, Coimbra, 2011;

BAUERMANN, Sandra, “A Transposição da Diretiva 1999/44/CE para o Direito Português e Breves

Considerações sobre Algumas Soluções Adotadas pela Espanha e Alemanha”, Revista

Portuguesa Direito Consumo, n.º 51, 2007

Bundesministerium der Justiz und fûr Verbraucherschutz (s.d.) German Civil Code BGB,

disponível em http://www.gesetze-im-internet.de/englisch_bgb/;

CARVALHO, Jorge Morais, Manual do Direito do Consumo, 1.ª Edição, Almedina, 2013;

CANOTILHO, J.J. Gomes e MOREIRA, Vital, Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I,

4.ª Edição, Coimbra Editora,2007;

DEGENEFFE, Cristina Fuenteseca, “La Venta de Bienes de Consumo y su Incidencia sobre la

Legislación Española (Ley 23/2003, de 10 de julio)”, La Ley, Febrero 2007, Madrid;

Page 127: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

126

DUARTE, Rui Pinto, - “O direito de regresso do vendedor final na venda de bens para consumo”,

Themis, ano II, n.º4( 2001), p.173;

FRADA, Manuel A. Carneiro da, “Erro e incumprimento na não- conformidade da coisa com o

interesse do comprador”, O Direito, ano 121, III (1989);

GOMES, Manuel Januário da Costa, “Ser ou não ser conforme, eis a questão. Em tema de

garantia legal de conformidade na venda de bens de consumo”, Cadernos de Direito Privado,

n.º21, CEJUR, Braga, janeiro/março de 2008;

Legifrance, (2014), Code de la consommation, disponível em

http://www.legifrance.gouv.fr/affichCode.do?cidTexte=LEGITEXT000006069565&dateTexte=20

141031;

LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes,

- “O Novo Regime da Venda de Bens de Consumo”, EDC, Vol. II, Almedina, Coimbra, 2005;

- “Caveat venditor? A Diretiva 1999/44/CE do Conselho e Parlamento Europeu sobre a

Venda de Bens de Consumo e Garantias Associadas e suas Implicações no Regime Jurídico da

Compra e Venda”, em Estudos de Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles,

Vol.I;

- Direito das Obrigações, Volume III – Contratos em Especial, 7.ª Edição, Almedina, 2010;

LOPEZ, Manuel J. Marín, “Las Garantías en la Venta de Bienes de Consumo en la Unión Europea

– La Directiva 99/44/CE y su incorporación en los Estados Miembros, Ministério de Securidad y

Consumo” – Instituto Nacional del Consumo, Madrid, octubre 2004

MACHADO, Baptista, “Acordo negocial e erro na venda de coisas defeituosas”, in BMJ, 1972,

p.5ss;

MARTINEZ, Pedro Romano,

- Direito das Obrigações (Parte Especial) – Contratos, 2.ª edição, Almedina, 2010;

- Cumprimento Defeituoso, em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, Almedina, 1994;

Page 128: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

127

MICKLITZ, Hans-W., “La Transposition de la Directive 1999/44 en droit allemande,“Ponencias de

la Conferencia Internacional Santiago de Compostela sobre Garantías en la Venta de Bienes de

Consumo, Universidad de Santiago Compostela Publicacións, enero 2004;

MORAIS, Fernando de Gravato, União de Contratos de Crédito e de Venda para o Consumo,

Almedina, 2004;

Notícias Jurídicas, (2007), Base de Datos de Legislación, disponível em

http://noticias.juridicas.com/base_datos/Admin/rdleg1-2007.html;

PAISANT, Gilles,

“La Transposition, en France, de la Directive du 25 mai 1999 sur les garanties dans la Vente de

Bienes de Consommation”, Ponencias de la Conferencia Internacional Santiago de Compostela

sobre Garantías en la Venta de Bienes de Consumo, Universidad de Santiago Compostela

Publicacións, enero 2004;

PINTO, Carlos Alberto da Mota e SILVA, João Calvão da, “Responsabilidade civil do produtor”, O

Direito, ano 121, II, (1989), p. 273;

PINTO, Paulo Mota,

-“Anteprojecto de Diploma de Transposição da Directiva 1999/44/CE para o direito Português.

Exposição de Motivos e Articulado”, Estudos do Direito do Consumidor, n.º 2, 2000;

-“Conformidade e garantias na venda de bens de consumo. A Directiva 1999/44/CE e o direito

português”, “ Estudos de Direito do Consumidor, n.º 2 2000;

-“Reflexões sobre a transposição da Directiva 1999/44/CE para o Direito Português”, “Themis”,

ano II, n. º4( 2001);

PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, Código Civil anotado, II vol., 4.ª ed., 1997;

PRATA, Ana, “Venda de bens usados no quadro da Directiva 1999/44/CE”, “Themis”, ano II,

n.º4 (2001), p.145;

Page 129: Universidade do Minho Escola de Direito enda de Bens de Consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014 Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo ... no Decreto –Lei n.º 67/2003,

128

SILVA, João Calvão da,

- Responsabilidade civil do produtor, Almedina, 1990;

- Compra e venda de coisas defeituosas. Conformidade e garantia, 5.ª ed., Almedina, 2008;

- “Responsabilidade civil do produtor”, in “O Direito”, ano 121, II, (1989), p. 273;

- Venda de bens de Consumo, 4.ª Edição, Almedina, 2010;

TENREIRO, Mário e GÓMEZ, Soledad “La Directive 1999/44/CE sur certains aspects de la vente et

de garanties des bienes de consommation”, Revue Européenne de droit de la consommation,

2000;

VARELA, João de Matos Antunes, Das Obrigações em Geral, Vol.II, 6.ª Edição, Almedina,1995;

VICENTE, Dário Moura, “Desconformidade e garantias na venda de bens de consumo: a Directiva

1999/44/CE e a Convenção de Viena de 1980”, in “Themis”, ano II, n.º4 (2001), p.121;