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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA MARIA MARGARIDA BARBOSA SAMPAIO A PSICOLOGIA EM UNIDADES HOSPITALARES: UMA VISÃO PSICODRAMÁTICA Palhoça 2012

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA

MARIA MARGARIDA BARBOSA SAMPAIO

A PSICOLOGIA EM UNIDADES HOSPITALARES:

UMA VISÃO PSICODRAMÁTICA

Palhoça

2012

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA

MARIA MARGARIDA BARBOSA SAMPAIO

A PSICOLOGIA EM UNIDADES HOSPITALARES:

UMA VISÃO PSICODRAMÁTICA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de

Graduação em Psicologia, da Universidade do Sul de Santa

Catarina, como requisito parcial para a obtenção do título de

Psicólogo.

.

Orientadora: Profª. Zuleica Pretto, Msc.

Co-orientadora: Psicóloga Mariana Bertussi

Palhoça

2012

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA

MARIA MARGARIDA BARBOSA SAMPAIO

A PSICOLOGIA EM UNIDADES HOSPITALARES:

UMA VISÃO PSICODRAMÁTICA

Este trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado à

obtenção do título de psicólogo em sua forma final pelo Curso

de Psicologia da Universidade do Sul de Santa Catarina

.

Palhoça, 18 de junho de 2012.

_________________________________________

Profª Orientadora Zuleica Pretto, Msc.

Universidade do Sul de Santa Catarina

_________________________________________

Psicóloga Co-orientadora Mariana Bertussi, Esp.

_________________________________________

Profª Ana Maria Pereira Lopes, Drª.

Universidade do Sul de Santa Catarina

_________________________________________

Profª Lílian Maciejescki, Esp.

Universidade do Sul de Santa Catarina

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Aos internados em unidades hospitalares

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AGRADECIMENTOS

Um encontro entre dois: olho a olho, cara a cara.

E quando estiveres próximo tomarei teus olhos

e os colocarei no lugar dos meus,

e tu tomarás meus olhos

e os colocarás no lugar dos teus,

então te olharei com teus olhos

e tu me olharás com os meus.

Assim nosso silêncio se serve até das coisas mais

comuns e nosso encontro é meta livre:

O lugar indeterminado, em um momento indefinido,

a palavra ilimitada para o homem não cerceado.

Jacob Levi Moreno

Todo trabalho, assim considero, é fruto de uma construção coletiva, mesmo que seja

assinado por um autor. Dessa forma, esta pesquisa está marcada por variadas e diferentes

impressões digitais, e por isso agradeço.

Aos pacientes e familiares hospitalizados, que, mesmo sem saber o valor da

contribuição, possibilitaram esta pesquisa.

Às psicodramatistas que, pelas entrevistas concedidas, foram determinantes.

À orientadora Zuleica Pretto, que foi incansável nas leituras e nas contribuições, mas,

principalmente, pelo incentivo e pela confiança.

À Mariana Bertussi, orientadora em relação ao psicodrama, pelo estímulo e pela certeza

dos desdobramentos deste trabalho; e que, tantas vezes, me acolheu e socorreu através do

psicodrama.

Às professoras que compuseram a minha banca de qualificação e defesa do TCC, além

das preciosas contribuições, Ana Maria Pereira Lopes por me instigar em várias

oportunidades, e Lílian Maciejescki por proporcionar o meu reencontro determinante com o

psicodrama.

À Alessandra Scherer, à Maria Ângela Giordani e à Ana Maria Pereira Lopes,

supervisoras do estágio no hospital, pelas enriquecedoras e desafiantes supervisões,

determinantes na minha atuação com os pacientes internados e familiares; e aos colegas de

supervisão, pela oportunidade de troca de experiência através das intervenções.

À Ana Maria Luz, supervisora de estágio na área clínica, e aos colegas de supervisão,

pelos ensinamentos e trocas psicodramáticos através das discussões dos casos clínicos

atendidos.

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Aos meus colegas de curso, muitos se tornaram amigos, pela oportunidade da

convivência, da troca e do aprendizado; especialmente à minha querida amiga Suellen Lima,

com quem compartilhei, das mais diversas formas, grande parte desta caminhada, além dos

colinhos e das massagens nos momentos tensos e de angústia; à Camila Hoffmann, amiga

carinhosa e divertida, pela companhia nos intervalos das aulas.

Às colegas do Auto-dirigido, acolhedoras e disponíveis, e à Mariana Bertussi,

orientadora do grupo, pela oportunidade do aprendizado do método psicodramático através

das nossas vivências.

À professora Márcia Bernardes e aos colegas da especialização em psicodrama, pelas

oportunidades dialéticas entre a teoria e a prática psicodramáticas, e, também, pelas sessões

de terapia.

Ao Ari Sell, meu padrinho do psicodrama, assim intitulado por ele e por mim

confirmado, por ter me apresentado e me introduzido no psicodrama e pela herança dos seus

valiosos livros.

À Teresa Adada Sell, amiga querida e preciosa, pela atenção, pelo carinho e pelos

cuidados tão necessários e importantes nesta caminhada, além de ter lido todo o trabalho,

fazendo comentários apropriados e dado sugestões valiosas.

À minha mãe, por todos os ensinamentos ao longo de nossas vidas, inclusive nesta fase

envolvida pela Alzheimer.

À Elaine, Sérgio e Ricus, nora e genros queridos, pelo carinho e pelos mimos, tão bem

vindos durante esta caminhada, por vezes cansativa.

Aos meus netos Henrique, Luiza, Isabela Aya e Julia Yuki, pela espontaneidade,

sensibilidade e criatividade nas palavras e nas ações, e que dão tanta leveza à minha vida.

Aos meus filhos, Luiz Antonio, Carolina, Sylvia e Luiz Flavio, pelo enorme amor e pelo

sentido que dão à minha vida, por me incentivarem e ajudarem a construir esse sonho, tão

desejado, de ser psicóloga.

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Fernando Silva dirige o hospital de crianças, em Manágua.

Na véspera do Natal, ficou trabalhando até muito tarde. Os foguetes espocavam e os

fogos de artifício começavam a iluminar o céu quando Fernando decidiu ir embora.

Em casa, esperavam por ele para festejar.

Fez um último percorrido pelas salas, vendo se tudo ficava em ordem, e estava nessa

quando sentiu que passos o seguiam. Passos de algodão: virou e descobriu que um

dos doentinhos andava atrás dele. Na penumbra, reconheceu-o. Era um menino que

estava sozinho. Fernando reconheceu sua cara marcada pela morte e aqueles olhos

que pediam desculpas ou talvez pedissem licença.

Fernando aproximou-se e o menino roçou-o com a mão:

– Diga para... – sussurrou o menino –. Diga para alguém que eu estou aqui.

Eduardo Galeano

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RESUMO

A Psicologia é uma área recente dentro do contexto hospitalar, ainda requer debates

sobre saberes e práticas; também é uma ciência que abarca uma diversidade de teorias, cada

uma com sua prática singular, o Psicodrama é uma delas. Esta pesquisa procura compreender

as intervenções dos psicólogos, que atuam com base no psicodrama, em unidades

hospitalares. Para tanto, mantém diálogo, principalmente, com referenciais compreendidos

pela psicologia hospitalar e pelo psicodrama. Trata-se de uma pesquisa exploratória de

natureza qualitativa, com isso perspectiva incorporar os significados das intervenções

psicológicas, construídos pelas psicodramatistas no contexto hospitalar. Os critérios de

escolha de participantes foram: ser psicólogos psicodramatistas com experiência em unidades

hospitalares. Devido aos profissionais com este tipo de característica ser deveras restrito, esta

pesquisa ateve-se a cinco participantes. O instrumento de coleta de dados utilizado foi a

entrevista semi-estrutrada. Para análise de conteúdo foram construídas categorias e

subcategorias a posteriori. Esta pesquisa revela que: a Psicologia no hospital, conforme a

literatura da área demonstra, apresenta dificuldade quanto à inserção na equipe de saúde; o

trabalho das psicólogas é mais reconhecido pelas equipes médica e de enfermagem; a relação

de trabalho com a equipe de saúde e a percepção da Psicologia passaram a ser valorizadas e

reconhecidas, devido ao trabalho das psicodramtistasmas, se concretizando numa conquista;

ainda há desconhecimento da função do psicólogo. Quanto ao atendimento no contexto

hospitalar, vindo ao encontro da literatura, a pesquisa mostra características específicas e

próprias, quanto a setor, local, frequência, duração e horário; a doença e a hospitalização

trazem angústias, da mesma forma, para o paciente e para os familiares, gerando uma

diversidade de demandas. Das demandas mais evidenciadas nesta pesquisa está, para o

paciente, o empobrecimento e alteração do papel e, para a família, o medo da morte. A

discussão de saúde segundo o psicodrama, é demonstrada pelas categorias desempenho de

papéis, espontaneidade e criatividade e vínculo; e a doença através das categorias restrições

da espontaneidade e da criatividade, restrições no desempenho de papéis, redução das

percepções télicas e regressão na Matriz de identidade. Através da pesquisa, o psicodrama

bipessoal e de grupo são evidenciados como modalidades de atendimento psicodramático

possíveis no hospital. Como práticas psicodramáticas pertinentes a este contexto são reveladas: a

elaboração verbal, o aquecimento, a dramatização, a utilização de material lúdico e as técnicas

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psicodramáticas, entre estas se destacando o duplo e a inversão de papéis. Por fim, a pesquisa aponta o

psicodrama como uma abordagem possível, pertinente e apropriada no contexto hospitalar.

Palavras-chave: Psicologia hospitalar. Psicodrama no hospital. Pacientes hospitalizados.

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LISTA DE SIGLAS

Birene - Biblioteca Regional de Medicina

Capes – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CAPs - Centro de Atenção Psicossocial

CAPS - Caixas de Aposentados e Pensionistas

Cepon - Centro de Pesquisas Oncológicas

EUA – Estados Unidos da América

FEBRAP - Federação Brasileira de Psicodrama

GEPSP - Grupo de Psicodrama de São Paulo

IAPs - Instituto de Aposentadoria e Previdência

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estat

INPS - Instituto Nacional de Previdência Social

NEP – Núcleo de Estudos Psicodramáticos

MASP – Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

OMS - Organização Mundial de Saúde

ONU - Organização das Nações Unidas

PePSIC – Periódicos Eletrônicos em Psicologia

SciELO – Scientific Eletronic Library Online

SUS - Sistema Único de Saúde

UNESP – Universidade Estadual Paulista

UNICOR – Unidade do Coração

UNISUL – Universidade do Sul de Santa Catarina

USP – Universidade de São Paulo

UTI - Unidade de Tratamento Intensivo

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 11

1.1 PROBLEMÁTICA ............................................................................................................. 12

1.2- OBJETIVOS ...................................................................................................................... 16

1.2.1- Objetivo Geral .............................................................................................................. 16

1.2.2- Objetivos Específicos ................................................................................................... 16

1.3 JUSTIFICATIVA ............................................................................................................... 16

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ............................................................................. 18

2.1 PSICOLOGIA E A SAÚDE ................................................................................................ 18

2.1.1 Caracterização de saúde ............................................................................................... 18

2.1.2 Breve Histórico sobre o Hospital .................................................................................. 21

2.2 PSICOLOGIA HOSPITALAR ........................................................................................... 22

2.2.1 O psicólogo no hospital ................................................................................................. 24

2.2.2 O psicólogo hospitalar, o paciente, os familiares e a equipe de saúde ...................... 27

2.3 PSICODRAMA .................................................................................................................. 31

2.3.1 Jacob Levi Moreno e o Psicodrama ............................................................................. 31

2.3.2 O Psicodrama no Brasil ................................................................................................ 34

2.3.3 Conceitos do psicodrama .............................................................................................. 35 2.3.3.1 O Encontro .................................................................................................................... 36

2.3.3.2 Espontaneidade e Criatividade ..................................................................................... 36

2.3.3.3 O Vínculo ..................................................................................................................... 38

2.3.3.4 Teoria do Desenvolvimento (Matriz de identidade) ..................................................... 40

2.3.3.5 Teoria dos Clusters ....................................................................................................... 40

3 MÉTODO ............................................................................................................... 46

3.1 TIPO DE PESQUISA ......................................................................................................... 46

3.2 PARTICIPANTES .............................................................................................................. 46

3.3 EQUIPAMENTOS E MATERIAIS ................................................................................... 47

3.4 SITUAÇÃO E AMBIENTE ............................................................................................... 47

3.5 INSTRUMENTO DE COLETA DOS DADOS .................................................................. 48

3.6 PROCEDIMENTOS ........................................................................................................... 48

3.6.1 De seleção dos participantes ......................................................................................... 48

3.6.2 De contato com os participantes ................................................................................... 49

3.6.3 De coleta e registro dos dados ....................................................................................... 50

3.6.4 De organização, tratamento e análise dos dados ........................................................ 50

4 APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS ...................... 55

4.1 AS PSICÓLOGAS PSICODRAMATISTAS E A EQUIPE DE SAÚDE NO CONTEXTO

HOSPITALAR: INSERÇÃO, PERCEPÇÃO E RELAÇÃO .................................................... 55

4.1.1 Inserção das psicodramatistas na equipe de saúde .................................................... 56

4.1.2 Percepção da equipe de saúde em relação à Psicologia .............................................. 59

4.1.3 Relação de trabalho com a Equipe de Saúde .............................................................. 63

4.2 HOSPITALIZAÇÃO E SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA PACIENTES E FAMILIARES

.................................................................................................................................................. 67

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4.2.1 Caracterização da condição do atendimento psicológico ........................................... 67

4.2.2 Aspectos importantes na atuação das psicodramatistas ............................................ 72

4.2.3 Demandas para atendimentos psicológicos ................................................................. 82

4.3 CONCEPÇÃO DE SAÚDE E DOENÇA SEGUNDO O PSICODRAMA ......................... 94

4.3.1 Saúde segundo psicodrama ........................................................................................... 95

4.3.2 Doença segundo psicodrama ........................................................................................ 96

4.4 AS INTERVENÇÕES PSICODRAMÁTICAS NO HOSPITAL ..................................... 101

4.4.1 Modalidades de atendimento psicodramático no hospital ....................................... 102

4.4.2 Práticas psicodramáticas nas intervenções hospitalares .......................................... 105

4.4.3 Psicodrama, abordagens indicada para o hospital .................................................. 118

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 122

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 127

APÊNDICE .............................................................................................................. 132

APÊNDICE A – ENTREVISTA................................................................................ 133

APÊNDICE B – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ......... 135

APÊNDICE C – TERMO DE CONSENTIMENTO PARA GRAVAÇÃO DE VOZ .... 138

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1 INTRODUÇÂO

Diogo não conhecia o mar. O pai [...] levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram

para o Sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando.

Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito

caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e

tanto seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza.

E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai:

- Me ajuda a olhar !

Eduardo Galeano

Desde muito cedo a Psicologia se configurou como a minha aspiração profissional,

entretanto as circunstâncias da vida me fizeram trilhar por outros caminhos. Próximo à

aposentadoria, sem mais concessões, decidi concretizar esse sonho. As possíveis dificuldades,

como retornar à graduação, colegas mais novos que meus filhos, estudar a noite depois de um

dia de trabalho, enfim, tornaram-se muito pequenas diante da satisfação que o curso ia me

propiciando.

A opção pelo Núcleo Orientado da Saúde, ênfase curricular do curso de Psicologia da

Unisul, vindo a participar do estágio no Hospital de Caridade, em Florianópolis, apesar da

minha experiência na área do Trabalho, me instigava pela possibilidade de: estar inserida num

hospital geral, lidar com pessoas em sofrimento, atendendo pacientes em nível econômico e

social carentes; conhecer de fato a realidade do sistema público de saúde, podendo refletir

sobre a situação e as possibilidades de serviço oferecidas à população; identificar e analisar as

mais diversas demandas psicológicas e poder atendê-las com base na relação vincular com o

paciente, envolvida pela ternura; perceber a necessidade e escolher métodos de intervenção

condizentes com o estado de saúde do paciente. Porém, a experiência possibilitou ir muito

além das expectativas, inclusive, atuando em UTI e UNICOR e intervindo em situações de

luto e de morte.

Dentre as diferentes concepções teóricas da psicologia, que vivenciei em atendimentos

psicoterápicos, o psicodrama se diferenciou pela oportunidade de resolução de conflitos em

contextos dramáticos. Quando reencontrei com o psicodrama na universidade, tive a certeza

da abordagem a ser escolhida para atuar enquanto profissional. Logo que foi possível iniciei a

formação específica na área, o que me instigou também a aprofundar no trabalho de conclusão

de curso.

Esta pesquisa, portanto, visa à obtenção do título de Psicólogo. Está articulada com o

Núcleo Orientado em Psicologia e Saúde, que engloba o Estágio Específico em Psicologia e

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Saúde, do curso de Psicologia da Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL. A

articulação entre o campo de estágio, a formação psicodramática e a pesquisa visa o

“encontro”, tendo a perspectiva dialética do diálogo entre a teoria e prática, entre a produção

científica e a vivência propiciada pelo estágio. Assim, busco compreender as intervenções dos

psicólogos, que atuam com base no psicodrama, em unidades hospitalares.

1.1 PROBLEMÁTICA

A sociedade contemporânea ocidental tem passado por fortes transformações. O

neoliberalismo, global e totalizante, e a reestruturação produtiva imprimem seu jeito à

sociedade, sendo muitas vezes destrutivo. As destruições ocorrem em escala mundial, nas

forças produtivas, no trabalho e no meio ambiente, e têm sérias consequências para a vida dos

seres humanos. Para esses, não há só a destruição pela fome, apesar de ser esse o dilema da

maioria que tenta sobreviver a cada dia, mas a destruição da pessoa em vários aspectos,

sociais, culturais, econômicos, biológicos e psicológicos. Conforme Galeano (2002, p. 81),

“[...] o sistema, que não dá de comer, tampouco dá de amar: condena muitos à fome de pão e

muitos mais à fome de abraços.”.

Toda essa destruição em nível mundial é preocupação da Organização das Nações

Unidas, fundada após a 2ª Guerra Mundial e que tem como objetivos “[...] manter a paz e a

segurança no mundo, fomentar relações cordiais entre as nações, promover progresso social,

melhores padrões de vida e direitos humanos”, segundo site da ONU/Brasil. Para viabilizar

seus objetivos, a ONU mantém organismos especializados que atuam em diversas áreas, uma

delas é a Organização Mundial de Saúde (OMS), responsável mundialmente pela área da

saúde.

Desde a sua constituição, em 7 de abril de 1948, a OMS propõe saúde não como

ausência de doença ou enfermidade, mas como bem-estar físico, mental e social dos

indivíduos. Esse princípio aproxima o ser humano da condição de sujeito de sua saúde,

indicando direção às políticas públicas, embora seja utópico, pois nem os indivíduos dos

países mais ricos e avançados conseguem se manter em completo bem-estar. A vida humana é

dinâmica, oscila entre o bem estar e o mal-estar, e apresenta entre outros, patologias,

traumatismos. A isto se somam as diferenças econômicas, sociais, de renda, de condições de

trabalho, de nível de instrução, para citar algumas diferenças entre os países, e que

influenciam na questão da saúde. (KAHHALE, 2003).

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No Brasil, depois de muita luta e comprometimento popular, especificamente na área

da saúde e no âmbito dos objetivos da ONU, é criado o Sistema Único de Saúde, que ganhou

base legal com a Constituição de 1988. O SUS nasce com a premissa de garantir a todos o

direito à saúde, embasado, segundo Da Ros (2005), nos princípios da: universalidade,

equidade, integralidade, hierarquização e controle social.

O SUS, apesar de todas as dificuldades e de sua morosidade, tem implementado

políticas que rumam na direção de seus princípios, mas muito ainda precisa ser feito, inclusive

no âmbito hospitalar. A concepção de saúde no nosso país ainda é, predominantemente,

fragmentada e biologicista hospitalocêntrica, revelada pelos equipamentos, medicamentos,

laboratórios, currículos das universidades e hospitais. (DA ROS, 2005).

Uma Unidade Hospitalar engloba Hospital Geral, Hospital Infantil, Hospital de

Emergência, Hospital de Apoio, Hospital Especializado, entre outros. Os hospitais podem ser

classificados segundo vários critérios: pela classificação clínica ou segundo a finalidade ou

assistência - Hospital Geral e Hospital Especializado; pela propriedade ou manutenção,

controle ou administração - Hospital oficial (Federal ou Nacional, Estadual, Municipal) e de

finalidade filantrópica ou de assistência gratuita, de finalidade não lucrativa ou de interesse

mútuo, de finalidade lucrativa ou visando rendas - Hospital particular. (TOLEDO, 2006).

Independente das possibilidades de classificação e das diferentes patologias, é possível

constatar o grande número de pacientes internados em unidade hospitalar. Segundo o

Ministério da Saúde, em junho/2011, o número de internações em todo o território nacional

totalizava 849.197, somente pelo SUS. Dessas internações, a Região Sul representava 17,69%

(150.279 internações), sendo 18,8% em Santa Catarina (28.243 internações). Florianópolis

corresponde a 10,9% das internações do estado (3.101 internações).

Para escapar das dificuldades apresentadas pelo SUS, muitas pessoas buscam planos

de saúde privados e uma pequena minoria assume particularmente suas despesas referentes à

saúde. As diferenças nas condições de atendimento entre usuário do SUS e usuários do plano

de saúde ou particulares são grandes. No que tange à internação há também grande diferença

no atendimento entre pacientes internados em apartamentos particulares, quartos individuais,

quartos coletivos e enfermarias.

Para a pessoa adoecida, independente da classe social, a internação se concretiza em

uma experiência singular. Há uma ruptura em sua vida, sem esperar ou imaginar, se vê em um

local estranho, em que toda a sua rotina de atividade, seus hábitos e seus relacionamentos tem

que ser transformados. Diante da fragilidade em que se encontra, o doente internado pode

colocar ‘em cheque’ e até mesmo mudar os valores que tinha até então de si mesmo, dos

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outros e da sociedade. A isso se somam os preconceitos advindos da própria doença, muitas

vezes pesados demais, e com os quais tem que conviver. (ANGERAMI-CAMON, 2002, p.

16-18). O psicólogo, enquanto profissional da área da saúde, deve estar inserido nesse

universo da hospitalização.

Uma pesquisa feita junto aos inscritos no Conselho Federal de Psicologia no início do

ano 2000 revelou que 54,9% dos psicólogos exerciam sua profissão unicamente em

consultório e que 12,6% atuavam na Psicologia da Saúde. Isso significa que psicólogos já têm

uma prática consolidada e reconhecida na atuação em clínica privada, normalmente atendendo

clientes de classe social mais favorecida, e em serviços de saúde mental, mesmo que, muitas

vezes, submetido aos paradigmas da psiquiatria.

A atuação do psicólogo em Unidade Hospitalar ainda é um campo de trabalho recente,

e requer novos saberes e novas práticas. O profissional deve entender uma internação como

muito mais do que um homem hospitalizado, deve perceber este homem em sua globalidade e

integralidade biopsicossocial. Para tanto, se faz necessário um trabalho de esforço coletivo,

representado pela equipe interdisciplinar e multiprofissional, na qual é fundamental a

participação do profissional psicólogo. A Psicologia Hospitalar objetiva principalmente,

conforme Angerami-Camon (2002, p.23), “[...] a minimização do sofrimento provocado pela

hospitalização.”. É fato que, mesmo recentemente, a área hospitalar na Psicologia se tornou

uma realidade, e vem crescendo e se consolidando. Salto (2000) relata que a Psicologia

Hospitalar cresceu de forma que não só os aspectos físicos da doença são considerados, mas

também os emocionais. Assim, conforme a autora, o homem deve ser considerado em sua

globalidade, devendo o profissional “desenvolver uma visão filosófica humanista no

tratamento com os pacientes.”.

Ainda por ser considerada uma área nova, as demandas solicitadas ao psicólogo

hospitalar por vezes são imprecisas, tímidas ou mesmo, impertinentes. O psicólogo deve estar

atento às demandas solicitadas, se competem ou não ao exercício de sua profissão, mostrando

possibilidades de atuação junto ao paciente internado, ao acompanhante e aos familiares.

Ainda, é preciso que o profissional esteja interado e compreenda a doença do paciente, mas

sempre levando em consideração o contexto. O paciente foi retirado da sua rotina, de seu

trabalho, de suas relações e com o mundo, além de ter tido sua intimidade invadida e seus

desejos reprimidos.

Apesar das condições tão adversas para os pacientes hospitalizados, a maioria,

segundo Penna (1992, p. 362), “[...] consegue uma boa resolução emocional deste período de

crise vivencial.”. Entretanto, ainda conforme o autor (1992, p. 362), muitos pacientes não

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conseguem, “[...] sucumbem psicologicamente diante da doença, recorrendo a formas nocivas

e contraproducentes de lidar com suas dificuldades.”. E são esses que precisam da atenção e

da ajuda do psicólogo.

Próximo do cinquentenário da Psicologia como profissão regulamentada, pode-se

constatar que esta ciência abarca uma diversidade de teorias, cada uma com sua prática

singular. Esta pesquisa irá se ater a busca pela compreensão da prática da Psicologia no

âmbito hospitalar, a uma dessas teorias e sua respectiva prática – o psicodrama, criado por

Jacob Levi Moreno na década de 1920 em Viena.

O psicodrama é uma teoria psicológica e um método psicoterapêutico que, segundo

Bustos (1999, p.17), “[...] coloca uma postura existencial baseada no Encontro, onde reina o

Eu-Tu que Moreno formulou [...] antes mesmo de criar o psicodrama. Trata-se de uma teoria

que tem como ponto inicial o vínculo.”. O vínculo, considerado por Moreno como a célula

mínima a partir da qual concebe o homem, se constitui na base de todas as suas formulações

teóricas, como a espontaneidade. Na teoria psicodramática, a espontaneidade pode ser

considerada como o tema central. A partir dela, ressalta Martin (1984, p.18), Moreno

desenvolveu “[...] sua teoria do mundo, do homem, do adoecer e do sanar; todas as suas

técnicas terapêuticas não visam senão, despertar a espontaneidade criativa do homem.”.

A espontaneidade, segundo Gonçalves, e outros (1988, p. 47, grifo do autor), “[...] é a

capacidade de agir de modo ‘adequado’ diante de situações novas, criando uma resposta

inédita ou renovadora ou, ainda, transformadora de situações preestabelecidas.”. O homem,

na visão moreniana, traz consigo desde o nascimento fatores favoráveis ao seu

desenvolvimento que, sustentados pela espontaneidade, favorecem a vida e a criação.

As condições favoráveis ao desenvolvimento do homem, contudo, “[...] podem ser

perturbadas por ambientes ou sistemas sociais constrangedores”, conforme Gonçalves, e

outros (1988, p. 45). O adoecer, ainda reforçado pela internação, é uma dessas condições que

afeta as funções essenciais da personalidade do homem, adoecendo sua espontaneidade nas

funções de adequação e de criação. Modificar esta situação de adoecimento e internação, ou

mesmo estabelecer uma nova, requer criatividade, que está indissociável da espontaneidade,

assim reforçam estes autores (1988, p. 47), “[...] a espontaneidade é um fator que permite ao

potencial criativo atualizar-se e manifestar-se.”.

Esta pesquisa busca compreender como ocorrem as intervenções em unidades

hospitalares, segundo os psicólogos que atuam com base no psicodrama. Acredita-se que,

nessa perspectiva, se trabalha com o paciente hospitalizado na direção dele poder usar sua

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espontaneidade para, de forma criativa, vir a superar ou poder melhor suportar seu adoeci

mento e sua internação, baseada no vínculo entre internado e psicoterapeuta.

1.2- OBJETIVOS

1.2.1 Objetivo Geral

Compreender as intervenções dos psicólogos, que atuam com base no psicodrama, em

unidades hospitalares.

1.2.2 Objetivos Específicos

1) Caracterizar a inserção do psicólogo no contexto hospitalar e a relação

de trabalho com a equipe de saúde;

2) Discutir o processo de hospitalização e suas consequências para a vida

dos pacientes, segundo o psicodrama;

3) Analisar a concepção de saúde/doença segundo o psicodrama;

4) Identificar como a perspectiva psicodramática se desdobra em práticas

na intervenção dos psicólogos psicodramáticos.

1.3 JUSTIFICATIVA

Pela revisão bibliográfia realizada para este projeto, durante o mês de agosto 2011, e

para análise, durante os meses de março e abril 2012, não foi evidenciado, em base de dados

como SciELO, Bireme, BVS-Psi e Capes, artigos contendo intervenções de psicólogo

psicodramatista junto a pacientes internados em Unidade Hospitalar. Pode-se observar que,

em relação à Psicologia Hospitalar, foram encontradas escassas produções escritas por

psicólogos no enfoque psicodramático.

Uma dessas produções refere-se a uma reflexão psicodramática elaborada por SOLON

(1995), intitulada Papel do Psicólogo Hospitalar. A partir de uma pesquisa realizada durante o

1º Congresso Brasileiro de Psicologia Hospitalar, ocorrido em outubro de 1992, na cidade de

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17

São Paulo. Solon objetivou levantar a caracterização teórico-prática e metodológica desta

especialidade. Esse artigo será utilizado na fundamentação teórica, no capítulo pertinente ao

psicodrama.

No site da Federação Brasileira de Psicodrama foi acessado o artigo de SALTO

(2000), intitulado O Psicólogo no Contexto Hospitalar: uma visão psicodramática, no qual o

autor parte de um breve histórico acerca do hospital e da Psicologia Hospitalar, para discutir

sobre o psicólogo no contexto hospitalar pela ótica psicodramática. Este artigo, igualmente,

será utilizado na fundamentação teórica, no capítulo pertinente ao psicodrama.

Os dois outros artigos encontrados apresentam a prática da dramatização na área da

medicina. O artigo de Ramos-Cerqueira at al. (2009), intitulado Um estranho à minha porta:

preparando estudantes de medicina para visitas, descreve uma experiência psicodramática.

Por meio da técnica de sociodrama foi objetivada a preparação de alunos do primeiro ano da

faculdade de Medicina de Botucatu-Unesp para as visitas domiciliares da disciplina Interação

Universidade-Serviço-Comunidade. O segundo artigo, de autoria de JUCÁ at al. (2010), é

intitulado: A comunicação do diagnóstico “sombrio” na relação médico-paciente entre

estudantes de Medicina: uma experiência de dramatização na educação médica. Esse trabalho

teve como objetivo apresentar a dramatização como prática para a humanização da relação

médico-paciente entre estudantes do terceiro semestre do curso de Medicina da Universidade

Estadual do Ceará.

Foi encontrado, ainda, um artigo de Infante e Cleber (1991), intitulado Atividades

psicodramáticas no hospital-dia do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de

Janeiro: fundamentos e perspectivas. Esse artigo, apesar de buscar validar a abordagem

psicodramática, teve o foco em uma clientela de pacientes psicóticos assistidos em regime de

Hospital-Dia.

A importância desta pesquisa está em poder contribuir com a possibilidade de avanço

em relação à produção bibliográfica a respeito da Psicologia no âmbito hospitalar, em especial

a partir do psicodrama, que ainda se conforma como uma teoria pouco explorada no hospital.

Esta pesquisa também se propõe a ampliar o debate entre profissionais da saúde,

especificamente o psicólogo, sobre temas como hospitalização, adoecimento e sofrimento, e,

assim, contribuir para ações que possibilitem diminuir a angústia acarretada pela doença ou

pela internação em pacientes hospitalizados e seus familiares.

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18

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A fundamentação teórica deste trabalho está organizada de forma a desenvolver os

temas relevantes para esta pesquisa, levando em consideração vários autores, assim buscando

construir o arcabouço teórico para compreensão da temática. Na concretização deste intuito,

este capítulo está dividido em três partes. O capítulo inicia com a Psicologia e a Saúde,

procurando desenvolver a caracterização da saúde, um breve histórico sobre o hospital e a

discussão sobre psicologia da saúde. A segunda parte trata da Psicologia Hospitalar, aborda o

psicólogo no hospital e uma discussão sobre o psicólogo hospitalar, o paciente, os familiares e

a equipe de saúde. A terceira e última parte trata sobre o psicodrama, inicia com uma breve

biografia de Jacob Levi Moreno dialogando com a história do psicodrama, situa esta

abordagem no Brasil, discutindo seus conceitos básicos, quais sejam, o encontro, a

espontaneidade e a criatividade, o vínculo, Teoria do Desenvolvimento (Matriz de Identidade)

e Teoria dos Clusters.

2.1 PSICOLOGIA E A SAÚDE

2.1.1 Caracterização de saúde

A compreensão do fenômeno saúde foi histórica e ideologicamente construída pelo

homem, assim, seu significado veio sendo transformado conforme os diferentes períodos

históricos, influenciado pelas experiências e impregnado por valores morais de cada

sociedade. Na Antiguidade, o entendimento de saúde estava relacionado à religião e ao

trabalho, não havendo a separação entre saúde e doença. O homem era um ser integrado. Os

doentes eram ocultados, pois representavam um castigo de Deus pelos pecados da sociedade.

A saúde e a morte eram determinações divinas, sendo aceitas só as práticas reconhecidas pela

igreja. (KAHHALE, 2003).

Na Idade Moderna começou a separação entre corpo e mente/psiquismo. A igreja já

não representava a força absoluta e os reis exerciam o poder político em uma economia onde

predominava o comércio. Era o período das grandes navegações, em que uma ampla

quantidade de mão de obra era necessária, já que o intuito era encontrar, ocupar e explorar as

novas terras, objetivando o desenvolvimento da economia. Na época, a densidade

demográfica era pequena e para manter as pessoas vivas era preciso evitar as epidemias, evitar

doenças. (KAHHALE, 2003).

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Com o capitalismo, quando da Revolução Industrial, o trabalho manual vai sendo

substituído pelas máquinas, implicando em radicais transformações econômicas, políticas e

socais. A Revolução Industrial exigia maior quantidade de mão de obra urbana e, assim, o

conceito de saúde se alterou: o homem saudável passou a ser aquele que tem condição de

trabalhar nas indústrias. Nesse bojo, dois pensamentos opostos podem ser destacados: o

liberal, no qual o Estado não deveria intervir na economia e nem na saúde; e o socialista,

entendendo que a economia era movida pelas pessoas e que o Estado deveria intervir e,

portanto, cuidar da saúde enquanto política pública. (KUJAWA, BOTH, BRUTSCHER,

2003).

Essas duas concepções vão ser bem visualizadas após a Segunda Guerra Mundial

(1939-45), com o surgimento da Guerra Fria. De um lado os EUA, representante do

capitalismo, de outro a União Soviética, representando o comunismo. Com a reconstrução dos

países europeus, os EUA passaram a se constituírem uma grande potência, dominando grande

parte do mundo com sua ideologia. A saúde não fugiu a regra. A concepção de saúde

estadunidense passou a prevalecer, sendo considerada um negócio. Como tal, visava o lucro,

se concretizando na construção de hospitais, em novos equipamentos, na indústria

farmacêutica e, ainda, no grande investimento do Estado, a saúde privada. O homem era

dividido em corpo e espírito/mente e o combate à doença, de exclusiva responsabilidade de

cada sujeito, era feito por ação medicamentosa e curativa. (KUJAWA, BOTH, BRUTSCHER,

2003).

No Brasil a saúde começa a se organizar na Velha República. Com a intensa migração

européia para as cidades, passa a ser preocupação do governo as campanhas contra epidemias.

Neste sentido, o governo Vargas, no período de 1930 a 1945, organizou as Caixas de

Aposentados e Pensionistas – CAPS, que tinham sido criadas na 2ª década do séc. XX pelos

trabalhadores. As CAPS foram transformadas no Instituto de Aposentadoria e Previdência –

IAPs, cujos recursos, acumulados pelos trabalhadores, foram utilizados para o crescimento

industrial. Nos anos 1940, 1950 e na ditadura militar, a concepção neoclássica de saúde

passou a nortear as políticas de saúde e, em 1966, os IAPs foram centralizados no Instituto

Nacional de Previdência Social – INPS. Este passa a ser detentor do grande recurso dos

trabalhadores, aplicado sem controle e fiscalização, financiando obras como a

Transamazônica e a Itaipu e a saúde privada. O financiamento público se tornou um ótimo

negócio para a saúde privada, possibilitando a construção de muitos e grandes hospitais

privados, já que a dívida começaria a ser paga 10 anos depois, sem juros e correção

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20

monetária. (DA ROS, 2005). Neste contexto, segundo Kujawa, Both, Brutscher (2003, p. 18),

“[...] consolida-se, no Brasil, o conceito de saúde como ausência de doença.”.

Com o golpe de Estado em 1964, os militares tomam o poder no Brasil e a população

brasileira vive 20 anos sob ditadura militar. Neste período o país progride, sendo constatado

um grande crescimento econômico, em busca do chamado milagre brasileiro. O modelo de

acumulação do capital deslancha neste período, as empresas multinacionais instalam-se no

eixo Rio-São Paulo. Com isso, acentua-se a concentração das indústrias, agravando,

sensivelmente e com todas as consequências, as diferenças com as demais regiões. O

monopólio da economia e da terra, o crescimento da dívida externa, a inflação constante são

resultados deste período. Segundo Da Ros, (2005), de 1964 a 1975 “o complexo médico-

industrial brasileiro se fortaleceu em níveis inimagináveis.”. Para que o governo militar

pudesse oferecer esta política de vantagens aos capitalistas, impõe sacrifícios aos

trabalhadores, significando mais repressão e exploração.

As próprias condições impostas pela ditadura propiciaram o surgimento de

movimentos de oposição que, na área de saúde, se concretizou no chamado Movimento da

Reforma Sanitária. Esse movimento se opôs à concepção de saúde vigente – a

hospitalocêntrica, e reivindica um Sistema Único de Saúde – SUS, que, depois de muita luta e

comprometimento popular, ganha base legal com a Constituição de 1988. No SUS, todos os

sujeitos devem ser considerados cidadãos, com direito à saúde, pois esta é entendida como um

dever do Estado. Como premissa a garantia do direito à saúde a todos, fundamentado nos

princípios da universalidade, da equidade, da integralidade, da hierarquização e do controle

social. (DA ROS, 2003).

O princípio da integralidade percebe o ser humano na sua totalidade, como ser

integrado bio-psico-socialmente, é, segundo Kujawa, Both e Brutscher (2003, p. 24),

subdividido em vertical e horizontal. Integralidade vertical por entender o homem “como um

todo, não-fragmentado, integrado a uma comunidade e vivendo num contexto específico”;

integralidade horizontal por entender que o homem “é um todo, precisa estar atendido por um

sistema de saúde que dê conta desse todo.”.

O SUS, tem implementado políticas que rumam na direção dos seus princípios, apesar

de todas as dificuldades e da morosidade. Nesse sentido, passam a ser construídos programas

e serviços que promovam, garantam e recuperem a saúde. O nível de atenção primária tem por

objetivo promover e manter a saúde nas comunidades por meio dos agentes comunitários

básicos; o nível de atenção secundária procura prevenir e diagnosticar doenças, problemas

e/ou transtornos nos postos e nos centros de saúde, como Centro de Atenção Psicossocial –

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21

CAPs, o Centro de Pesquisas Oncológicas – Cepon, e o Centro de Atendimento à vida contra

violência; os níveis de atenção terciária e quaternária buscam restabelecer a saúde e enfrentar

as doenças nos hospitais gerais e especializados.

Essas novas políticas no âmbito da saúde, abrem possibilidades de ampliação de outras

áreas afins, especificamente no hospital, entre elas a Psicologia. Incluindo nesta o psicodrama,

que “explora a verdade por meio de métodos dramáticos”, conforme Moreno (1983, p. 207).

2.1.2 Breve Histórico sobre o Hospital

Até o século XVIII, o hospital enquanto instituição tinha por objetivo dar assistência

aos pobres, mas com a finalidade de proteger a sociedade e a saúde geral da população. Isso

porque os pacientes eram considerados perigosos por serem portadores de doença e, logo,

fontes de contágio. Essa separação e exclusão dos doentes não tinha por objetivo a cura, mas

oferecer os últimos cuidados material e espiritual, além de possibilitar ao pobre que estava

morrendo receber o sacramento. As pessoas que atendiam no hospital faziam de modo “[...]

curativo – religioso ou leigo – que estavam ali para fazer a caridade que lhe assegurasse a

salvação eterna.”. (FOUCAULT, 1995, p.102). Nesta época o hospital e a medicina

permaneciam independentes e, portanto, a medicina era uma prática não hospitalar. O hospital

não era uma instituição que visava a cura, era só um lugar para morrer. (FOUCAULT, 1995,

p. 101. 102).

Segundo Foucault (1995, p.99), “[...] o surgimento do hospital como instrumento

terapêutico é uma invenção relativamente nova, que data do final do século XVIII.”. Foi a

partir do hospital marítimo, que visava impedir a desordem econômica e o tráfico de

mercadorias trazido das colônias, que se deu o ponto de partida do hospital medicalizado e da

medicina hospitalar. Isso aconteceu porque no mercantilismo as regulamentações econômicas

passam a ser mais rigorosas e a formação do indivíduo vem a ter um custo para a sociedade.

Desta forma, a reorganização do hospital não foi propiciada por uma exigência médica, mas

“[...] a partir de uma tecnologia que pode ser chamada política: a disciplina.”. (FOUCAULT,

1995, p.105). Os mecanismos disciplinares introduzidos no então confuso espaço do hospital

e, também, a transformação do saber e da prática médica individualista em ciência médica,

vieram a ser a origem da formação da medicina hospitalar. Nesse momento apareceu a figura

do médico hospitalar como responsável pela organização do espaço hospitalar.

O hospital passou a ser um local de cura e de formação de médicos e não mais um

local para o qual eram chamados os piores médicos da categoria. Essa situação se inverteu,

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22

pois, segundo Foucault (1995, p.110), “[...] o grande médico de hospital, aquele que será mais

sábio quanto maior for sua experiência hospitalar, é uma invenção do final do século XVIII.”.

Várias novas práticas passam a ser realizadas, reafirmando e consolidando o poder dos

médicos no hospital, entre elas o ritual das visitas, no qual o médico era anunciado por uma

sineta e desfilava de leito em leito acompanhado por uma hierarquia de assistentes, alunos e

enfermeiras.

Com essas mudanças, a clínica passa a significar a organização do hospital, espaço no

qual são formados profissionais e transmitidos saberes, onde “[...] o indivíduo e a população

são dados simultaneamente como objetos de saber e alvos de intervenção dessas duas

medicinas, graças à tecnologia hospitalar.”. (FOUCAULT, 1995, p 111). O hospital ainda se

constitui num espaço hierárquico e de poder, no qual a concepção dominante de saúde

fragmentada e biologicista hospitalocêntrica é uma resistência aos avanços da concepção

biopsicossocial. É neste espaço hospitalar que a atuação do profissional psicólogo, inserido na

equipe de saúde, é recente e busca contribuir com a compreensão de como os aspectos

biológicos, sociais e comportamentais influenciam na saúde do indivíduo.

2.2 PSICOLOGIA HOSPITALAR

Desde começo dos anos 1900, visando resolver problemas dos indivíduos, o psicólogo

foi exercendo sua profissão na clínica psicológica tradicional, fazendo psicodiagnósticos e

psicoterapia individual ou em grupo. Essas atividades se caracterizavam como autônomas,

exercidas em consultórios particulares, atendendo uma clientela de segmentos sociais

favorecidos. (KAHHALE, 2003, p.184).

A inserção do psicólogo na área hospitalar, segundo Salto (2000), se deu através do

Hospital McLean, em Massachusetts, em uma equipe multidisciplinar. No Brasil, segundo a

autora, apesar dos escassos registros, na década de 1950 o psicólogo passou a atuar nos

hospitais nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre. Contudo, a importância da

atuação do psicólogo no hospital só será reconhecida anos mais tarde.

No livro “Psicologia Hospitalar: Pioneirismo e as Pioneiras”, Angerami-Camon (1996)

afirma que a Psicologia Hospitalar no Brasil foi criada em 1954 por Matilde Neder,

desenvolvendo uma atividade no Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das

Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Para tanto, foi necessário criar um modelo de

atendimento, adequando à realidade institucional, caracterizada por Angerami-Camon (1996,

p.3), como a preconização da Psicoterapia Breve. O modo de atuar na clínica não poderia ser

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23

transplantado para o hospital, dado os contextos serem completamente diferentes, exigindo

uma formação teórica, filosófica, emocional e prática para atuar como psicólogo hospitalar.

Na Psicologia Hospitalar, baseada em uma posição filosófica humanista, o homem é

considerado em sua globalidade e integralidade, o ser biopsicossocial. Em decorrência dessa

posição, é almejada, também, a humanização do próprio hospital. Essa concepção se

contrapõe à posição ainda dominante, conforme Solon (1995, p.112):

[...] sabe-se que em função do avanço tecnológico da Medicina, da crescente

especialização no último século, acompanhados pelo pensamento dominante –

Positivista e Mecanicista - que vinha sendo seguido ocorreu a dicotomização do Ser

Humano e a “pessoa” acabou ficando à margem de todo o tratamento, como num

efeito paradoxal.

Desde o fim do século passado, paulatinamente, a concepção dominante da medicina

vem sendo problematizada pela visão do homem como um todo, compreendendo-o,

dinamicamente, em suas relações consigo mesmo e com o mundo. Nessa direção a Psicologia

Hospitalar é direcionada, primordialmente, para o paciente, os familiares e a equipe de saúde.

Esses são influenciados pela instituição hospitalar e, da mesma forma, a influenciam. Assim

sendo, cabe ao psicólogo hospitalar, ressalta Solon (1995, p. 113), ser “[...] o ‘pivô’ de todas

as relações, funcionando como um ‘elo de ligação’ com os subsistemas do hospital através de

sua visão holística.”.

O psicólogo iniciou sua inserção no sistema de saúde do país na década de 1970,

quando passou fazer parte dos serviços públicos de saúde, pelo direito à saúde de qualidade e,

conforme Kahhale (2003, p. 184), quando “[...] há um movimento geral das nações e,

especificamente no Brasil, um movimento da psicologia social comunitária.”. Essa inserção se

deu, prossegue a autora (2003, p. 184), quando “a saúde pública passa a ser pensada como

saúde coletiva.”.

A concepção de saúde coletiva concretiza-se, como o SUS, quando da Constituição de

1988, apresentando um caráter pluridimensional à saúde. Segundo Kahhale (2003, p. 185),

“[...] envolvendo condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente,

trabalho, transporte, emprego, ócio, liberdade, acesso a terra e aos serviços de saúde.”. Assim,

a atuação profissional dos psicólogos foi se ampliando, pois, para além do tradicional caráter

de cura, passou a atuar buscando ações preventivas de promoção da saúde. A concretização

dessa atuação, tendo agora uma visão global sobre a saúde, se dá nos três níveis de atenção

em equipes multidisciplinar.

Desde sua criação, a Psicologia Hospitalar superou obstáculos e cresceu, ganhando

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24

espaço não só nos hospitais, como nas universidades, nos eventos científicos e nos diversos

tipos de publicações. Ganhou, também, o reconhecimento dos profissionais da saúde e da

comunidade científica, possibilitando que a dor fosse compreendida de forma mais humana, e

que a doença e a internação fossem mais bem suportadas. A Psicologia Hospitalar já é uma

realidade, mas ainda é uma área nova, na qual muito ainda há para ser conhecido,

compreendido e realizado.

2.2.1 O psicólogo no hospital

O exercício do profissional da psicologia no hospital é recente, constituindo um novo

campo de trabalho, como destacado anteriormente. Como todos os outros trabalhadores, o

psicólogo dá sentido ao seu trabalho, pois, conforme Aranha (1997), o homem se faz pelo

trabalho, já que, ao produzir coisas, torna-se humano, construindo sua subjetividade. Através

do trabalho, o homem transforma a natureza, ao mesmo tempo em que modifica a sua própria

natureza humana, produzindo consciência e dando sentido a sua existência através da sua

realização. Assim sendo, a atuação do psicólogo hospitalar possibilita minimizar o sofrimento

físico e emocional, a angústia, a ansiedade, o medo, a revolta e a não aceitação, sentimentos

que abarcam não só o paciente, pela sua hospitalização, mas também a família e, até mesmo,

os profissionais da saúde, pelo envolvimento com o paciente. Transformando pessoas e

humanizando o próprio hospital, o psicólogo transforma a si próprio, dando sentido a sua

existência.

Muito diferente do costumeiro trabalho de atendimento psicoterápico em consultório

particular, o psicólogo teve que aprender novos saberes e práticas para desenvolver seu

trabalho no âmbito hospitalar. Chiattone (2000 apud Castro e Bornholdt, 2004, p. 52)

corrobora com esta idéia quando afirma que

[...] se o psicólogo simplesmente transpõe o modelo clínico tradicional para o

hospital e verifica que este não funciona como o esperado (situação bastante

freqüente), isso pode gerar dúvidas quanto à cientificidade e efetividade de seu

papel. Desse modo, seguindo a autora, o distanciamento da realidade institucional e

a inadequação da assistência mascarada por um falso saber pode gerar experiências

malsucedidas em Psicologia Hospitalar.

Um aspecto a ser considerado a respeito do trabalho do psicólogo hospitalar é que no

hospital ele atende basicamente uma população excluída sócio-economicamente, carente,

desprovida de recursos culturais e materiais. Esta população, na maior parte das vezes, não

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25

tem recebido o tratamento adequado e digno nos hospitais por todo o território brasileiro.

Angerami-Camon (1998, p. 4), enfatiza essa condição quando afirma que

É fato que a escravatura é uma das mais ferozes e cruéis facetas da condição

humana, do descalabro e do desrespeito com a própria dignidade do semelhante.

Mas é igualmente verdadeiro que as cenas assistidas nos hospitais públicos nada

ficam a dever, em termos de degradação física e moral, à humilhação do açoite no

corpo dos escravos.

É necessário que o psicólogo esteja consciente dessa realidade, porque ela terá

influência direta nas suas intervenções. E, também, somente cônscio dessa realidade, poderá

contribuir para que ela se transforme e humanize, já que está distante do que seria ideal para

uma instituição que atende a saúde da população. A isto se soma que, conforme Angerami-

Camon (1996, p.11), a Psicologia ainda está distante desse conjunto de pessoas, o que se torna

uma dificuldade para a sua atuação. Complementa o autor,

[...] se o atendimento-hospitalar chegou a esse ponto de estrangulamento é

facilmente imaginável em que condições se encontram outras necessidades da

população como saneamento, educação, transporte, etc. Na realidade a busca da

humanização do hospital nos leva de encontro à humanização da própria sociedade.

O psicólogo também deverá estar consciente de que trabalhar em hospital significa

estar, na maior parte do tempo, envolvido com a dor, com a doença - seja ela orgânica ou

emocional, com a desesperança, com a vida e com a morte, em um espaço caótico permeado,

em grande parte, pela falta de consideração e de respeito pelo outro.

Para desenvolver um trabalho com habilidade e competência, todo profissional precisa

de uma determinada qualificação, e na psicologia hospitalar não é diferente. Para melhor

compreensão, por habilidade, segundo Tonetto e Gomes (2007, p. 41), se entende “[...] o

poder técnico ou legal para realizar um ato [...]”, e por competência, conforme os mesmos

autores (2007, p. 41), “[...] o uso apropriado de habilidades para a realização de um ato, isto é,

a escolha de um entre vários procedimentos possíveis.”.

Portanto, é esperado do psicólogo hospitalar habilidade e competência, para que,

conforme Tonetto e Gomes (2007, p. 41), seja “[...] capaz de desenvolver um trabalho que

efetivamente contribua para a promoção da saúde”, desenvolvendo ações de assistência,

ensino e pesquisa. A assistência consiste, afirmam os autores (2007, p. 44), “[...] em prestar

atendimento à pacientes internados ou ambulatoriais e seus familiares, e assessorar as equipes

hospitalares na definição de condutas e tratamentos.”. Essas ações assistenciais podem ser

realizadas em qualquer lugar do hospital. Muitas vezes são feitas junto ao leito do paciente em

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26

enfermarias, mesmo não sendo o setting ideal, de forma individual ou em grupo, com enfoque

psicológico ou multidisciplinar. A intervenção psicológica pode ter finalidade de apoio,

orientação ou psicoterapia em relação ao paciente, sua família ou à equipe de saúde.

Quanto à intervenção psicológica, é importante ressaltar que não deve ser permeada

pela lógica da compaixão. Isso porque a lógica interna de compaixão piedosa, conforme

Caponi (1999, p. 91), “[...] instaura uma modalidade peculiar de exercício do poder que se

estrutura a partir do binômio servir-obedecer, multiplicando assim a existência de relações

sempre dissimétricas, entre quem assiste e quem é assistido.”. A intervenção do psicólogo não

pode se concretizar como um ‘socorro’ ou um ‘auxílio compassivo’ ao paciente que sofre. Se

assim o fizesse, levaria à glorificação do sofrimento alheio, tornando a dor e a miséria

elementos imprescindíveis para que o psicólogo, podendo ser entendido como benfeitor, fosse

reconhecido como um agente moral, tornando o paciente um sujeito desprovido de seus

direitos mais elementares. Dessa forma, o paciente estaria sendo infantilizado, não tendo

responsabilidade sobre si mesmo e sua doença, e, com isso, estaria limitado, ou mesmo

cerceado, de sua liberdade.

Os aspectos abordados podem vir, inclusive, a limitar a capacidade propriamente

humana de falar. É o que confirma Caponi (1999, p. 112), já que “[...] por meio do diálogo e

da argumentação podemos fazer com que nossas experiências mais íntimas possam ser

enunciadas, adquirindo assim inteligibilidade tanto para mim quanto para os outros.”. Só

através da capacidade da palavra dita e trocada com os outros que, reforça a autora (1999, p.

112), “[...] haverá de ser possível a enunciação de nossas dúvidas e de nossos medos, tentando

atingir certo grau de inteligibilidade e certa capacidade de decisão sobre nossa situação.”. O

psicólogo, portanto, não pode, e nem tem o direito de, emudecer um paciente. Um

atendimento psicológico que tenha por base a compaixão silencia as palavras, distorce os

sofrimentos, os argumentos e os entendimentos que o paciente poderia ter de si. Isso porque a

relação que impera é a de poder, e essa se baseia na hipocrisia, na falsidade e até mesmo na

perseguição. (CAPONI, 1999).

É possível afirmar, a partir do exposto, que o profissional da psicologia que se deixa

tomar pela compaixão não consegue fazer uso de sua habilidade e competência. Para esse

profissional, é difícil avaliar o estado emocional do paciente, verificar o interesse e a

disposição do mesmo para receber atendimento psicológico, identificar a necessidade do

paciente para, assim, escolher os métodos de intervenção condizentes com seu estado de

saúde, e amenizar as angústias e ansiedades do paciente.

Page 29: UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA MARIA …

27

2.2.2 O psicólogo hospitalar, o paciente, os familiares e a equipe de saúde

Do ponto de vista de quem adoece, independente de classe social, a internação

representa uma vivência única e singular, geralmente inimaginável antes de ocorrer, exigindo

uma reformulação de conceitos e valores em relação à si mesmo, aos outros e à sociedade. Ao

ser internado, segundo Angerami-Camon (2002, p. 16), o paciente já “[...] sofre um processo

de total despersonalização. Deixa de ter o seu próprio nome e passa a ser um número de leito

ou então alguém portador de uma determinada patologia.”. O paciente deixa de ser ele

mesmo, e seu significado próprio, a partir dos diagnósticos, passa a ser o significado da sua

patologia. A ele também são impostas roupas típicas de hospital, normalmente grandes e

semi-abertas, facilitando o trabalho da equipe de enfermagem, mas causando constrangimento

e incômodo para o paciente.

A internação significa transformação de hábitos, perda do processo de escolha,

reestruturação existencial, novas formas de se relacionar consigo e com os outros e novas

relações, cuja intensidade está diretamente ligada à patologia diagnosticada. Com a

internação, também vem toda a carga de preconceitos e estigmas da própria doença e suas

consequências, tornando-se mais um fardo para o paciente. (ANGERAMI-CAMON, 2002, p.

16-17).

Na condição de internado, o sujeito passa de agente de sua vida para a situação de

paciente, tanto no sentido orgânico quanto no psicológico. Como paciente, fica submetido ao

domínio, à hierarquia e às normas de uma estrutura hospitalar e à mercê do poder de

profissionais que, muitas vezes, tiram sua autonomia e poder de decisão. (CAMPOS, 1995, p.

32).

Todo esse contexto de hospitalização, independente da patologia, implica em situações

que serão mais ou menos invasivas e abusivas. Várias são as situações invasivas e, entre elas,

estão acender a luz do quarto de madrugada para que seja ministrada uma medicação e não

resguardar a intimidade quando são trocados os curativos ou durante o asseio. Isso tem

implicações para o paciente. Como diz Angerami-Camon (2002, p. 18), “[...] tudo passa a ser

invasivo, tudo passa a ser algo abusivo diante de sua necessidade de aceitação desse

processo.”. Enfim, o processo de hospitalização, em sua grande maioria, além de invasivo e

abusivo, é aversivo, não fazendo parte do projeto de vida. Envolvido pelo padecimento,

sofrimento e dor, o processo pode ser agravado pelas dificuldades econômicas, já que há

diferenças tanto no acesso aos serviços de saúde e aos medicamentos quanto no tratamento

oferecido à população mais carente. Apesar desse contexto hospitalar adverso, grande parte

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28

dos pacientes consegue superar, respondendo emocionalmente bem ao processo de internação.

Os que não conseguem superar são os que precisariam dos cuidados profissionais do

psicólogo. (PENNA, 1992, p. 362).

O atendimento ao paciente, que requer cuidados psicológicos, não se concretiza numa

psicoterapia tal qual realizada num consultório particular. Ao fazer uma intervenção no

hospital, o psicólogo deve objetivar resultados significativos num curto espaço de tempo, uma

vez que a duração do atendimento não pode ser prevista, correndo o risco de ser interrompida

por alta ou óbito.

Segundo Penna (1992, p. 364), as intervenções hospitalares têm sido basicamente

pautadas pela denominada psicoterapia breve, desenvolvida nas décadas de 1940 e 1950, a

partir da teoria psicanalítica e da teoria de crise. A psicoterapia breve, porém, não tem por

objetivo o apoio emocional ao paciente, possibilitando que este tome consciência e se

responsabilize pela satisfação de suas necessidades. Kaplan (1981 apud Penna, 1992, p. 365)

divide a psicoterapia breve solicitada nos hospitais em dois grupos.

O primeiro grupo, das psicoterapias breves supressoras de ansiedade, é indicado

quando os pacientes, conforme Penna (1992, p. 365), “[...] são motivados a mudar e a se

compreender e não apenas a obter alívio de sintomas; pacientes com estruturas de

personalidade mais bem constituídas; pacientes capazes de trabalhar em torno de um foco e de

responder a interpretações.”. O segundo grupo, das psicoterapias breves indutoras de

ansiedade, é pertinente em pacientes, segundo a mesma autora (1992, p. 365),

[...] com poucos recursos egóicos e parca capacidade de lidar com problemas

vivenciais e com relações interpessoais; pacientes com sintomas e distúrbios de

personalidade graves; pacientes que, embora visem apenas o alívio de sintomas,

sejam capazes de perceber a origem psicológica de suas dificuldades e de colaborar

com o terapeuta.

Além de entender o tipo de intervenção, o psicólogo precisa entender a patologia do

paciente e o significado que a doença e a hospitalização têm para ele. A compreensão da

patologia permite uma visão geral do paciente, assim não se perdendo em meros

psicologismos, conforme Angerami-Camon (1996, p.18). Essa análise geral da patologia pode

levar, inclusive, aos determinantes emocionais do paciente.

O atendimento psicológico no hospital, para além de qualquer concepção teórica, deve

buscar sempre a integridade do indivíduo, tendo como objetivos principais, conforme

Angerami-Camon (2002, p. 19, grifo do autor), “[...] levar o paciente ao autoconhecimento,

ao autocrescimento e à cura de determinados sintomas.”.

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29

A necessidade de atendimento psicológico pode ser percebida e solicitada pelo

paciente, porém, não é o que normalmente se verifica no hospital, já que usualmente o

paciente internado está muito preocupado com sua doença e com seu corpo, atribuindo todo o

mal-estar emocional a isso. A maior parte dos atendimentos psicológicos é solicitado por

aqueles que estão lidando diretamente com o paciente, sejam os familiares ou os integrantes

da equipe de saúde.

Uma doença não representa uma vivência individualizada do paciente, mas

experimentada coletivamente pela família. Nesse sentido, o psicólogo hospitalar deve atender

à solicitação da família, bem como prestar atendimento a qualquer membro que estiver

precisando de seu auxílio. A internação gera um estresse que leva ao desequilíbrio do sistema

familiar, podendo suscitar em uma crise, perceptível em respostas individuais, exemplificada

por Angerami-Camon (1999, p. 73):

[...] dormir menos, com uma qualidade pior de sono, permanecer acordado ou

dificuldade para dormir; redução ou aumento da ingestão de alimentos, mudanças no

padrão alimentar (para pior); aumento do uso de cigarros, álcool e medicações

autoprescritas ou ‘indicadas’ em balcões de farmácia (como analgésicos, aspirina,

calmantes); ficar menos tempo vendo televisão e mais tempo conversando, rezando,

visitando o paciente, esperando, lendo; sentimentos de abandono, menos valia,

culpa, raiva.

Todas essas respostas são manifestações de ansiedade, respostas universalmente

conhecidas, cujas fontes mais freqüentes, segundo Atkinson, 1980; Bozett, 1983; Halm, 1990

Angerami-Camon (apud Angerami-Camon, 1999, p. 73), são

[...] súbita e inesperada instalação da doença; incerteza sobre o prognóstico; medos

de que o paciente sinta dor, tenha uma inabilidade, pós-evento mórbido ou morra;

falta de privacidade e de individualidade; ambiente desconhecido e aterrorizante;

separação física do paciente e/ou distâncias de casa, sem um grupo de amigos,

vizinhos ou parentes com quem havia convívio ou que dê sensação de amparo e

disponibilidade. Este afastamento leva a: mudanças nos papéis familiares; quebra

das rotinas; sentimentos de isolamento; sentimentos de perda de controle; outros

problemas, como cuidados as crianças que estão em casa, outras doenças na família,

perda de proventos; despesa extraordinárias para custeio de manutenção nas

proximidades do hospital e/ou para custeio do tratamento.

Pelo pouco tempo que o psicólogo presta seu trabalho em unidades hospitalares, deve

ficar atento às solicitações de intervenção, pois muitas vezes estas não se conformam numa

real necessidade de intervenção psicológica. Para além das solicitações, o próprio psicólogo

deve ficar atento e perceber quando o paciente ou os familiares estejam precisando de ajuda

psicológica, oferecendo seus préstimos. Contudo, sempre explicando os objetivos e a

finalidade de uma intervenção psicológica, para não causar estranheza. É comum o paciente e

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30

os familiares não terem claro o propósito e a função do psicólogo. Em relação à estranheza

que o paciente pode sentir no atendimento psicoterápico, Almeida (2009, p. 24) complementa:

[...] é reforçada pelo aparato médico que propõe um atendimento objetivo, super-

especializado, excluindo do seu campo de atuação tudo o que singularize o sujeito.

O atendimento a esse corpo visto através de máquinas, mensurado, pesado,

radiografado, dispensa cada vez mais o contato humano.

Cabe ao psicólogo, também, clarear e evidenciar, principalmente para os profissionais

da saúde, as possibilidades de intervenção psicológica, pois estará contribuindo para o

aprimoramento dos cuidados com o paciente e para o crescimento e consolidação da

psicologia hospitalar.

O atendimento psicológico em hospitais exige que o psicólogo adeque sua intervenção

e adote uma maneira específica quanto ao procedimento. Isso porque o atendimento se dá em

um espaço muitas vezes caótico e normalmente junto ao leito do paciente. Esse leito pode

estar em um quarto particular ou em um espaço coletivo, em uma enfermaria ou na UTI.

Independente das características do espaço, o paciente e o psicólogo não dispõem da

privacidade necessária a uma intervenção, como um local apropriado, sem interrupções e

ruídos externos. Em um hospital a intervenção pode ser interrompida a qualquer momento e

por vários motivos. Não é incomum a entrada do profissional de enfermagem para dar um

medicamento, fazer curativos ou buscar o paciente para um exame específico devido à

disponibilidade de horário; o médico entrar para fazer a visita; a chegada de parentes; a

entrada de funcionários para fazer limpeza e assepsia hospitalar; ou qualquer outra solicitação

externa. Esse quadro é ainda mais agravado quando se trata de um espaço coletivo, devido ao

número de pacientes, ao atendimento dos demais profissionais a outros internados, aos

diversos ruídos no local, à proximidade do outro leito, ou à qualquer outra variável decorrente

do contexto em si. Por isso, em uma unidade hospitalar é difícil se constituir um setting ideal,

nos moldes classicamente colocados, definido e preciso, para uma intervenção psicológica.

Além do setting, é importante o psicólogo ter consciência dos limites da sua atuação,

não impondo sua intervenção, pois isso se concretizaria em mais um fator invasivo que agride

o paciente no processo de hospitalização. Da mesma forma, o psicólogo deve ter bem claro os

limites impostos pela instituição, já que o atendimento é realizado dentro de um hospital

regido por normas e regras específicas. E o psicólogo tem que se adequar às condições dadas,

prestando atendimento na busca pela minimização do sofrimento provocado pela

hospitalização e possíveis sequelas decorrentes da doença.

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31

Afora os aspectos abordados antes, o psicólogo tem que se adequar e atuar com a

equipe de saúde. Por ter sido o último profissional de saúde a entrar no ambiente hospitalar,

segundo Almeida (2009), o psicólogo se deparou com outros profissionais que já vinham

trabalhando conjuntamente. E até hoje o psicólogo, de forma geral, ainda tem dificuldade em

se inserir nessa equipe de saúde. Por isso é importante entender que, conforme Almeida

(2009, p. 25),

[...] trabalhar numa equipe interdisciplinar não significa buscar uma síntese de

saberes, ou uma identidade de objeto teórico, mas a possibilidade de diálogo entre

disciplinas vizinhas que em muitos momentos possuem temáticas comuns,

interfaces, mas que mantém a especificidade do seu saber. Significa o

questionamento da hegemonia do saber médico no sentido de promover a

substituição da hierarquia estabelecida, pela interlocução entre diversos saberes.

Tendo o entendimento de como trabalhar numa equipe de saúde, cabe ao psicólogo

clarear e sustentar suas idéias, mostrando as possibilidades de intervenção e o quanto pode

estar contribuindo para o equilíbrio do paciente.

Ao longo deste capítulo foi abordado a atuação do psicólogo no campo hospitalar,

tendo que aprender novos saberes e práticas. É fato que a Psicologia engloba uma diversidade

de teorias, cada uma com sua prática específica. Essas teorias, reveladas nos diversos campos

de atuação nos quais a Psicologia se insere, também podem ser demonstradas no campo

hospitalar. Nesta pesquisa, como já assinalado na introdução, o foco está no Psicodrama

enquanto teoria e prática singular no atendimento em unidades hospitalares.

2.3 PSICODRAMA

2.3.1 Jacob Levi Moreno e o Psicodrama

Através da vida de Jacob Levi Moreno é possível compreender melhor o psicodrama e

seu objeto de investigação, como afirma o próprio criador, “[...] espero que isto não pareça

modéstia mas como o psicodrama foi a minha criação mais pessoal, o seu berço em minha

autobiografia pode projetar mais luz sobre o seu nascimento.”. (MORENO, 1975, p. 50).

O psicodrama, como teoria e prática psicoterapêutica, foi concebida por Moreno,

nascido em 1889, na cidade de Bucareste, na Romênia. Com 6 ou 7 anos sua família mudou

para Viena, onde passou a infância, fase que ele constatou como a mais feliz de sua vida. Em

1905 sua família muda para Berlim, mas Moreno, em poucas semanas, descobriu que não

suportava viver longe de Viena. Então retornou aos 14 anos e com a permissão dos pais para

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32

Viena, foi morar com os amigos, nunca mais retornando a viver com sua família.

(MARINEAU, 1992).

Moreno entrou para a Faculdade de Viena em 1909 no curso de Filosofia, só no ano

seguinte conseguiu transferir-se para o curso de Medicina. A vida de Moreno teve, até 1920,

marcante característica filosófica e religiosa. Por volta de 1908, Moreno passou a se encontrar

com crianças no parque público Augarten, incentivando a espontaneidade, contava estórias,

estimulava representações livres e improvisava jogos. Este trabalho com as crianças

possibilitou a sua teoria da espontaneidade. (MARINEAU, 1992).

Ainda estudante de medicina tinha o passatempo de ir assistir julgamentos nos

tribunais. Moreno reconstituía o que tinha assistido com os amigos, encenavam o papel de

juiz e júri. Era alta a percentagem de acerto das predições de Moreno, quando ficavam

sabendo os resultados dos julgamentos; segundo Marineau (1992, p. 53), “aqui tem-se um

primeiro lampejo de duas das futuras técnicas do psicodrama: duplo e inversão de papéis.”.

Em 1913, Moreno passou a visitar as casas das prostitutas de Viena, acompanhado

Wilhelm Gruen, médico especialista em doenças venéreas. Essas visitas, segundo Moreno

(1953 apud MARINEAU, 1992, p. 53), “não eram motivadas pelo desejo de ‘reformar’ as

garotas, nem de ‘analisá-las”, mas resgatar a dignidade, o respeito, organizando-as em

sindicatos, enfim, enquanto trabalhadoras. Esta foi, conforme Marineau (1992, p. 54), “mais

uma experiência formativa para o futuro fundador da psicoterapia de grupo”, pois revelou as

influências terapêuticas decorrentes do grupo. Moreno tinha seu olhar voltado aos oprimidos.

Moreno formou-se em medicina em 1917, desse ano até 1920 contribuiu com a revista

existencialista e expressionista Daimon Magazine, juntamente com “[...] Martin Buber, Max

Scheller, Jacob Wasserman, Kafka e outros.”. (GONÇALVES e outros, 1988, p. 12). Essa

atuante participação de Moreno no mundo literário, contribuiu para intensificar o

existencialismo no seu pensamento, ressalta Marineau (1992, p. 67) que “[...] esse período é

muito importante: é o período da clarificação, da consolidação.”.

Paulatinamente, Moreno foi se afastando da vanguarda vienense de poetas e escritores,

envolvendo-se com grupo de atores, fundando o Teatro Vienense da Espontaneidade em

1921. Na noite do dia 1º de abril de 1922, Moreno, sozinho no palco de um teatro lotado e

vestido de bobo da corte, numa manifestação política instigou os expectadores a se

posicionarem como rei da Áustria pós-guerra. A noite, que foi desastrosa, se constituiu como

a primeira sessão psicodramática oficial, demonstração que Moreno nomeava como

sociodrama, conforme explica Marineau (1992, p. 80, 81),

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33

[...] um método de ação profunda que lida com relações intergrupais e ideologias

coletivas. Contrariamente ao psicodrama, no qual o enfoque é colocado no

crescimento individual no grupo e pelo grupo, no sociodrama, a verdadeira matéria

são os valores e preconceitos do grupo. Pode ser um grupo pequeno ou grande, ou

muitos subgrupos. A finalidade é explorar e resolver problemas que emergem entre

membros de unidades menores, dentro de um grande grupo ou entre grupos. O

sociodrama é também diferente do axiodrama, que tem por finalidade purgar o

indivíduo das conservas culturais e dos esteriótipos.

Esta experiência trouxe consequências para Moreno, perdeu muitos dos seus amigos,

poetas e escritores principalmente. Por outro lado, aprimorou a técnica e fundou o

‘Stegreiftheater’ ou teatro da espontaneidade.

Através do percurso de Moreno percebe-se que, como técnica terapêutica, o

psicodrama não se construiu de forma linear, configura-se em estágios de desenvolvimento,

que se constituíram quase sempre inesperadamente. Marineau (1992, p. 82) menciona que o

primeiro berço se deu quando Moreno tinha 4 anos, em que fez o papel de Deus, denominado

pelo próprio de “Psicodrama da queda de Deus”. O segundo berço vincula-se com o período

que se relacionava com as crianças nos parques de Viena e com a criação do teatro infantil. O

terceiro, (p. 82), “[...] pode ser visto no uso do que Moreno chamou de axiodrama, quando,

por exemplo, desafiou o padre a pregar na rua e confrontou o ator de teatro.”. Depois,

aconteceu o primeiro sociodrama no dia 1º de abril, por fim, o primeiro psicodrama individual

que, narra Marineau (1992, p. 82), “[...] teve lugar em seu consultório, com o homem que

desejava cometer suicídio e com quem conseguiu seu primeiro êxito.”.

A abordagem se conformou enquanto psicodrama terapêutico através do caso Bárbara

e Jorge, significando “[...] o verdadeiro conhecimento do valor terapêutico da dramatização de

um conflito no palco”, conforme Marineau (1992, p. 82). Este trabalho com o casal significou

a transformação do Teatro da Espontaneidade em Teatro Terapêutico e, este, em Psicodrama

Terapêutico. Também significando o embrião do psicodrama de casal e de família.

(GONÇALVES e outros, 1988, p. 16).

Um dos aspectos que vem a ser confirmado neste episódio é que o psicodrama foi

construído por Moreno, salienta Marineau (1992, p. 85), “[...] por meio de um processo

gradual de descoberta, através da exploração de alternativas variadas.”. O pai do psicodrama

acreditava que (1992, p. 85, grifo do autor), “[...] uma pessoa podia mudar através do que

chamava insight da ação, um processo de experimentação e reexperimentação do

comportamento com a subsequente reflexão sobre ele.”. Outro aspecto foi a possibilidade do

início da elaboração das técnicas psicodramáticas e as consequências valiosas no desempenho

de papéis terapêuticos, assim prossegue o autor. (1992, p. 86, grifo do autor).

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34

O lugar da técnica de aquecimento tornou-se patente e ganhará maior clareza à

medida que Moreno tornar-se mais cauteloso em suas intervenções, pondo maior

ênfase num diagnóstico exato. A parte da dramatização da sessão já está também em

andamento. Moreno propõe a exploração de muitos papéis e isso, finalmente, levará

à inverso de papéis e ao duplo. A parte da sessão chamada compartilhamento é

evidente no uso da terapia da platéia. O papel de protagonista já está aí, assim

como o de diretor, egos auxiliares e platéia. Tudo isso é ainda um estágio

exploratório e experimental.

Moreno emigrou para os Estados Unidos em 1925. A partir desta mudança, motivada

por situações particulares, pode-se constatar nas práticas morenianas um contorno sociológico

e a ampliação da psicoterapia de grupo. O termo Psicoterapia de Grupo é introduzido em 1931

e, afirmam Gonçalves e outros (1988, p. 16), “[...] este fica sendo o ano verdadeiro do início

da Psicoterapia de Grupo científica, embora suas idéias e experiências já viessem de Viena.”.

Em 1932, Moreno consolidou seus métodos da Sociometria, investigando e

mensurando relações interpessoais. Isso foi feito através de uma experiência numa escola em

Hudson, Nova York, com jovens que haviam cometido delito, sendo aqui que, conforme

Marineau (1992, p. 121), “[...] os princípios de espontaneidade nas relações, tão

frequentemente citados por Moreno, tiveram sua aplicação prática pela primeira vez.”. Ainda

em Hudson, objetivando transformar as atitudes e comportamentos das moças, Moreno

começou a usar o role-playing (desempenho de papéis) e o psicodrama.

A partir desta época para a vida de Moreno, os vinte anos seguintes foram os mais

produtivos. E o ano de 1936, sob o ponto de vista histórico, o mais importante da sua vida.

Neste ano, ele decidiu mudar para Beacon House, a 100 km de Nova York, onde criou um

centro no qual suas idéias disseminaram para o resto do mundo. Para sua existência, Beacon,

onde o psicodrama nasceu realmente, “[...] se constituiu em tudo aquilo que Moreno

precisava: um lugar onde podia praticar terapia, tornar-se outra vez ator, pregador, autor.”.

(MARINEAU, 1992, p. 138-139).

Na última etapa de vida, 1942 a 1974, Moreno, até então dedicado à ação, buscou

articular e estruturar suas idéias, dialogar com profissionais de outras linhas terapêuticas. Até

o final de sua vida, diz Marienau (1992, p. 159), Moreno foi “[...] ativo, dedicado e

imprevisível”, sempre tendo como ponto-chave a espontaneidade e a criatividade.

2.3.2 O Psicodrama no Brasil

O Psicodrama foi introduzido no Brasil na década de 1960 durante a ditadura militar.

Dentro deste contexto, no ano de 1968, com as práticas psicológicas contaminadas pela

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35

repressão política do sistema, foi criado o Grupo de Psicodrama de São Paulo. O GEPSP

funcionou até 1970, iniciando o processo de formação de psicodramatistas no Brasil.

(PONTES, 2010, p. 193). Em agosto de 1970, foi realizado o 5º Congresso Internacional de

Psicodrama e Sociodrama e 1º Congresso de Comunidade Terapêutica, que aconteceu no

MASP em São Paulo. Este congresso foi considerado como sendo o maior até então realizado,

tendo ampla repercussão na mídia, reunindo grandes nomes do psicodrama internacional.

A partir destes significativos marcos, as primeiras escolas de formação foram se

constituindo em São Paulo, possibilitando o surgimento de várias outras por todo o país. No

sentido de congregar estas instituições, foi criada em 21 de agosto de 1976 a Federação

Brasileira de Psicodrama – FEBRAP, objetivando regulamentar a formação dos

psicodramatistas; promover a divulgação do conhecimento psicodramático brasileiro,

incentivar a comunicação e a integração dos profissionais através de suas entidades federadas;

e possibilitar a comunicação nacional e internacional entre as mesmas. (FEBRAP, 2011).

Desde então, o psicodrama no Brasil, superando obstáculos e perseguindo desafios,

cada vez mais vem se enraizando e ampliando, em número de profissionais formados, em

diversas áreas de atuação, em publicações científicas e eventos, como, o XVIII Congresso

Brasileiro de Psicodrama que aconteceu de 6 a 10 de junho de 2012, em Brasília.

2.3.3 Conceitos do psicodrama

A trajetória de Moreno evidenciou o objeto de investigação do psicodrama, quais

sejam, as relações que o homem, baseado na espontaneidade, estabelece com seu próprio

mundo interno, com as demais pessoas e com o mundo. Refere-se, portanto, às relações

vinculares estabelecidas pelos homens entre si. Estas relações são internalizadas pelo homem,

incorporadas ao seu mundo interno, acumuladas num repertório de significações, dando

contorno a sua forma de agir e de se colocar no mundo, imprimindo suas impressões digitais à

sua forma de viver. Bustos (1999, p. 27), contribui para a compreensão dessa concepção

quando, sobre a filosofia de Moreno, diz que “[...] os seres humanos não existem no

isolamento, mas vivem sempre em referência a grupos, família, escola ou trabalho.”. Afirma

também que (1999, p. 27) “[...] todas as representações internas fizeram parte, em algum

momento, de transações interpessoais. A parte tangível do intrapsíquico se manifesta num

vínculo, que se transforma no cenário onde o interno se concretiza. O papel precede o Eu.”.

Ainda, ressalta Bustos (1997), Moreno indica o caminho para compreender sua obra,

quando leva o sujeito a pensar no psicodrama não como uma técnica, que indica uma maneira

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36

de fazer algo, mas o psicodrama como um método, como o caminho para chegar a um fim. Na

perspectiva do psicodrama como um método, é que conceitos básicos serão abordados a

seguir, possibilitando, além do entendimento de homem para Moreno, o caminho para chegar

à compreensão das intervenções dos psicólogos psicodramatistas em unidades hospitalares.

2.3.3.1 O Encontro

O psicodrama, como anteriormente mencionado, é uma teoria que tem como ponto de

partida o vínculo, base para todas as formulações teóricas. O vínculo é o que possibilita o

encontro. A palavra encontro abrange diferentes esferas de vida. Bertussi e Santos (1992),

tratam este conceito como significando estar junto, reunir-se, contato de dois corpos, ver e

observar, tocar e sentir, participar e amar. É conhecer e compreender, intuitivamente através

do silêncio ou do movimento, a palavra ou o gesto, o beijo ou o abraço, enfim, tornar-se um

só. Significa que duas pessoas não apenas se reúnem, mas que elas se vivenciam,

compreendem-se, cada uma com todo o seu ser. Portanto, não é um contato limitado.

As autoras citadas acima identificam o encontro como a disposição e a convocação

para a proximidade; a proposta de uma vivência plena de troca; o empenho na compreensão

mútua; a confiança na receptividade do outro; a acolhida do silêncio que envolve o

acontecimento do qual até as coisas mais simples parecem tornar-se cúmplices; o afastamento

efetivo do ruído, das interferências que distorcem; o lugar não pode ser delimitado e o

momento é tempo vivido plenamente, escapando das medidas que os precisem; a palavra, que

não é mera fala, mas é um dizer pleno, não brota de definições; e na experiência radical de

convivência revela-se a ausência de limitação da verdadeira essência humana.

2.3.3.2 Espontaneidade e Criatividade

A espontaneidade é um fator inato ao homem. A partir do momento que o bebê nasce,

a espontaneidade já é requerida para que consiga enfrentar a nova situação – viver. O nascer,

na visão moreniana, é um ato de alegria compartilhado entre mãe e filho. Afirma Fonseca

(2008, p. 30) que “[...] o sofrimento e o trauma existiriam se não conseguisse nascer”, e

complementa, “[...] aqui existe uma visão alegre, feliz, do nascimento e não uma visão

depressiva e pessimista.”.

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37

O ato de nascer se concretiza numa nova situação completamente desconhecida, não

tem referência nem modelo anterior ou pré-estabelecido, por isso requer espontaneidade,

conforme Moreno (1975, p. 100), elucida.

A situação de um bebê ao nascer faz com que seja quase um milagre o fato dele

nascer vivo. Muda-se de um exíguo compartimento fechado para um espaço aberto e

ilimitado. Transfere-se de uma escuridão eterna para um meio iluminado e

multicolorido. Ingressa numa esfera de visão e som. Muda de posições limitadas

para um meio em que a locomoção e a direção são indispensáveis. Passa de uma

existência parasitária, em que foi alimentado através da placenta materna, para uma

existência em que a sua atividade própria é indispensável na ingestão e eliminação

do alimento. Passa de um estado de sono constante para um estado de gradual

despertar e percepção do mundo que o cerca. Muda de uma situação que lhe

proporciona um equilíbrio seguro para um mundo que terá de ser conquistado para

sobreviver nele e no qual terá de adquirir, gradualmente, um equilíbrio próprio.

Ingressa nesse mundo de um modo tão súbito que o seu ajustamento bem sucedido é

um dos grandes enigmas da vida. Dentro de poucos minutos, ele transfere-se,

praticamente, de um mundo para um outro.

O bebê defronta-se com uma nova situação sem igual em qualquer outro momento da

sua vida e, afirma Moreno (1975, p. 101, grifo do autor), “[...] a essa resposta do indivíduo a

uma nova situação – e à nova resposta a uma antiga situação – chamamos espontaneidade.”.

Ao longo da vida, portanto, a espontaneidade possibilita o ser humano dar resposta

apropriada e adequada frente a uma determinada situação apresentada. Contudo, a

espontaneidade não se manifesta se o homem está fechado ao novo, em função de uma cultura

que cristaliza padrões de comportamentos, de relações e de sentimentos. Para não ser

embotada e poder se manifestar, a espontaneidade requer certo grau de imprevisibilidade e

abertura ao desconhecido. (MORENO, 1975).

No mundo moderno, justifica Fonseca (2008, p. 30) sobre o embotamento da

espontaneidade, “[...] cada vez menos se dá chance ao indivíduo para responder livre e

adequadamente a estímulos novos. Quase todas as respostas sociais estão condicionadas por

normas, por regras.”. Assim, a espontaneidade é bloqueada, ao mesmo tempo, restringe a

capacidade de criação. Afirma ainda o autor (2008, p. 30) que “[...] o ser humano passa a

simples peça de uma engrenagem, sem possibilidade de criar livremente seu destino e

participar de fato na sociedade”, quando a espontaneidade é bloqueada, restringe-se o ato

criador. O homem espontâneo tem condição de criar quando, através da espontaneidade, fica

livre para o ato criador.

A criatividade, que também é considerada por Moreno (1975) um fator inato ao

homem, e a espontaneidade não são processos idênticos ou mesmo semelhantes, contudo,

estão imbricados numa forte ligação e numa sintonia. A espontaneidade é o agente que

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38

possibilita o desencadeamento da criatividade, para Moreno (1975, p. 84), “[...] a primeira

característica do ato criador é a espontaneidade”, o que indica que a criatividade é

indissociável da espontaneidade. A possibilidade de uma nova situação, ou de modificar uma

já existente, se dá pela espontaneidade através da criatividade, ou seja, a espontaneidade dá

condições para a criatividade se manifestar. Se a espontaneidade possibilita o ato criador, a

finalização deste é a concretização de algo que, imediatamente depois de acabado, cristaliza-

se em conserva cultural, explica Moreno (1975, p. 160), “[...] é evidente que um processo

criador espontâneo é a matriz e a fase inicial de qualquer conserva cultural.”. Esta pode ser

traduzida em idéias, comportamentos, costumes, tradições que persistem no tempo, herdadas

da cultura e que, segundo Moreno (1975, p. 159),

[...] converte-se em propriedade do grande público, algo de que todos podem

compartilhar. Devido à sua forma permanente, é um ponto de convergência a que

podemos regressar a bel-prazer e sobre o qual pode ser assente a tradição cultural.

Assim, a conserva cultural é uma categoria tranqüilizadora.

Para que as duas forças primárias da conduta humana, espontaneidade e criatividade,

se manifestem, a conserva cultural deve servir de ponto de partida e não de aprisionamento,

de cristalização. É preciso que o homem se liberte dos comportamentos, que possa questionar

seus atos e ações, permitindo, através da espontaneidade, criar e recria-se, restabelecendo o

vínculo consigo mesmo e com os outros.

2.3.3.3 O Vínculo

A base da teoria moreniana está nas relações interpessoais, o homem está sempre em

relação, relação esta concebida pelo vínculo. O vínculo se forma através de rede, denominada

por Moreno de rede sociométrica. Esta é composta por átomos sociais, configurações sociais

das relações interpessoais que se desenvolvem desde o instante do nascimento. Esse átomo,

inicialmente, engloba a mãe, ou alguém que ocupe esse papel, e a criança. Progressivamente,

estende-se às pessoas que entram no círculo de familiares da criança, que lhes são agradáveis

ou desagradáveis ou, também, a quem ela é agradável ou desagradável. Átomo social é o

núcleo mínimo de um padrão interpessoal emocionalmente acentuado no universo social.

(BERTUSSI e SANTOS, 1992).

Portanto, desde que vem ao mundo, o recém-nascido já está em relação com a mãe,

começando a exercitar sua capacidade de se vincular. Na amamentação, função básica de

sobrevivência, o bebê está mergulhado na relação mãe e filho, podendo se satisfazer com a

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39

presença de quem o está alimentando, ou frustrando-se pela ausência. A mãe estará

proporcionando a satisfação ou frustração, a separação ou a presença, deixando marcas físicas

e emocionais neste bebê para esse tipo de relacionamento na vida adulta. Dessa forma, o bebê

vai criando os correspondentes internos que produzirão, ao longo da sua vida, a relação com

as pessoas que simbolizam aquelas que cuidam dele. (AMATO, 2002, p. 114).

Bustos (1990, p. 81), sobre a teoria das relações interpessoais de Moreno, diz que “[...]

coloca sua atenção principal nos vínculos como única noção operativa”, e complementa, “[...]

o eu e o psiquismo são meras especulações formuladas a partir do vínculo.”. Sendo operativo,

o vínculo é dinâmico, sempre em movimento e se produz por mutualidade. Todavia, ressalta o

autor (1990, p.82), esta mutualidade não significa paridade de força entre os membros da

relação, podendo um escolher o outro primeiro e a intensidade também pode ser sentida em

grau diferente. Aquele que comanda o vínculo determinará, predominantemente, o código de

comunicação e poderá manifestar todas as ansiedades decorrentes deste vínculo, quais sejam,

basicamente, ciúmes, temor da perda e abandono.

Estas ansiedades básicas não podem ser consideradas compartimentos estanques e nem

estruturas cristalizadas. Bustos (1990, p.83), afirma que um sujeito pode ser forte e seguro em

um determinado vínculo e, em outro, manifestar fragilidade e dependência, variando

conforme o campo estimulador-estimulado no qual se encontra. Nesse sentido, mesmo que

exista uma predisposição atuando de forma constante, dependendo das relações primeiras, o

vínculo deve ser considerado a partir do ponto no qual estas ansiedades se manifestam.

Outra característica geral do vínculo é a tendência a estabelecer uma dinâmica

compensatória. Sobre isto Bustos (1990, p.83, grifo do autor) explica que

[...] se A manifesta suas dúvidas, B assume o papel afirmativo. Se A assume a

atividade, B assume o aspecto passivo. Se A manifesta agressão, B pode atuar de

maneira compensatória. Se A assume a tradição, B pode assumir a mudança. A

consciência de ser parte de um vínculo com estas características leva com freqüência

à delegação da responsabilidade sobre a resposta que cada um dá ao estímulo.

Assim, pode-se considerar como Duclós (2000 apud Lueders, 1994, p. 29), que “[...] é

através dos papéis que os vínculos se revelam (seus tipos e qualidades), e que o intrapsíquico

se torna tangível.”. A autora, colocando o vincular como um dos elementos do relacional,

refere-se ao Ser-em relação se desenvolvendo a partir de seus papéis.

Page 42: UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA MARIA …

40

2.3.3.4 Teoria do Desenvolvimento (Matriz de identidade)

Moreno não se interessou em sistematizar uma teoria do desenvolvimento infantil, mas

esboçou conceitos fundamentais e tentou formalizar sua teoria quando desenvolveu a Matriz

de Identidade. Assim, na perspectiva de Moreno (1975, p. 114, grifo do autor), a Matriz de

Identidade “[...] é a placenta social da criança, o locus em que ela mergulha suas raízes.”.

Também afirma o autor (1975, p. 112) que “[...] a Matriz de Identidade lança os alicerces do

primeiro processo de aprendizagem emocional da criança”, proporciona ao bebê segurança,

orientação e guia.

Esta Matriz começa a desenvolver desde o momento da concepção do bebê. O

nascimento, conforme Bertussi e Santos (1992), revela as precárias condições de

sobrevivência do bebê, a menos que seja auxiliado por sua mãe, ou por alguém que ocupe o

lugar desta. Neste momento a ação é contínua e permanente e não interacional, pois a

síndrome de fome dos atos faz com que os atos se consumam a si mesmos e a imaturidade do

sistema nervoso central permite seu registro. Moreno denomina essa primeira etapa da Matriz

de Identidade como Primeiro Universo, que compreende a fase Identidade Total e

Indiferenciada, na qual a visão do mundo da criança é de total confusão entre o EU e o mundo

que a rodeia. Assim, o que está fora e dentro do bebê, objetos e pessoas, fantasia e realidade,

configuram um todo indivisível, indiferenciado e confuso, o que ocorre fora fica inscrito

como próprio em nível sinestésico.

Ainda nesta etapa de Primeiro Universo, a criança vai se desenvolvendo e, a medida

que cresce, vai conseguindo diferenciar o que está fora e dentro, embora não distingue o real

do imaginário, sendo tudo realidade. Esta fase, Moreno denominou de Matriz de Identidade

Total Diferenciada. O Segundo Universo acontece quando existe a brecha entre realidade e

fantasia. Nesta etapa a criança passa a distinguir fora e dentro, pessoas e objeto e a realidade

da fantasia.

2.3.3.5 Teoria dos Clusters

No sentido de melhor compreensão da teoria dos clusters ou agrupamentos de papéis,

se faz necessário a discussão sobre o conceito moreniano de papéis. Para o criador do

psicodrama primeiro é o grupo, pois este implica em interação, que é exercida através de

papéis, conforme Moreno (1975, p. 210), “[...] o desempenho de papéis é anterior ao

surgimento do ego. Os papéis não decorrem do eu mas o eu pode emergir dos papéis.”.

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41

Bustos (1990, p. 97), contribui com esta discussão, diferenciando os vínculos, que são

unidades operativas, dos papéis, que são os pólos individuais dessa interação. Ressalta o autor

que, muitas vezes, o sentido de papel, ao invés de ser considerado como unidade

indispensável de conduta, é confundido como máscaras defensivas.

Os papéis surgem do interior da Matriz de Identidade, ou seja, essa constitui a base

psicológica para que todos os papéis possam ser desempenhos. Os papéis são descritos por

Moreno em três categorias: psicossomáticos, sociais e psicodramáticos.

Os papéis psicossomáticos são os primeiros e, também, os mais questionáveis. Isto

porque, para uma ação ter categoria de papel, conforme Bustos (1990, p. 98), precisa ter

‘consciência possível’, ir se conformando numa unidade de conduta. O recém-nascido é

atendido pela mãe, ou outro ego-auxiliar, mas a maturação psicofísica dele não permite uma

consciência possível. Assim, Bustos passa a chamar os papéis psicossomáticos de funções

essenciais inerentes ao papel de filho ou protopapéis.

Para além dessa conceituação, o ego-auxiliar, ao cuidar deste ser na situação de

dependência, passa a introduzir determinados modos no jeito como cuida, ou seja, no ato de

mamar, como coloca as fraldas, na frequência com que as trocam, na forma como segura o

neném, só para evidenciar algumas possibilidades. Também nas condições como age, com

calma ou ansiedade, o que gera situações de segurança ou insegurança fundamentais para o

desenvolvimento deste ser.

Portanto, afirma Bustos (1990, p. 99), que “[...] o papel de filho tem em si mesmo a

função de internalizar as regras, convertendo-se em estruturantes do que podemos chamar de

eu.”. Ao nascer o bebê já está inserido numa rede sociométrica, formada pelo conjunto de

relações da família e relações próximas, condicionando valores sociais e dinâmicas que

marcarão, de forma profunda, sua vida. Quando duas funções, dar papéis e receber papéis,

conseguem ser percebidas pela criança, quando acontece a brecha entre realidade e fantasia,

surgem, então, dois novos papéis: sociais e psicodramáticos.

Os papéis sociais, explica Bustos (1990, p. 100), são “[...] os que respondem a

generalizações convencionais de acordo com determinantes culturais.”. Neles predominam a

função de realidade numa dimensão de interação social, tendo um caráter de generalidade. Ao

se assistir o desempenho de um determinado papel social, por exemplo, o de cozinheira,

internaliza-se pautas sociais amplas. O papel de cozinheira, exemplificando, tem como pauta

geral a execução da ação de cozinhar alimentos, e tem características pautáveis como avental,

lenço no cabelo, colheres de pau, entre outros.

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42

Quando esta pauta social ampla internalizada se concretiza num desempenho de um

papel particular, ou de outra forma, quando os estereótipos sociais se sintetizam numa figura

única, particular e singular, há a passagem do papel social para o papel psicodramático. Os

papéis psicodramáticos, diz Bustos (1990, p. 101), são “[...] os que envolvem o mais alto grau

de especificidade. Os estereótipos sociais se unem ao desempenho espontâneo para produzir

esta categoria de papéis.”. Assim, seguindo exemplo anterior, a cozinheira estereotipada

passaria a ser uma cozinheira singular, única, particular.

Os papéis psicossomáticos, sociais e psicodramáticos interagem através de suas

experiências, se agrupando segundo certa dinâmica, em termos evolutivos. Bustos (1990, p.

116), afirma que “[...] em cada período o bebê incorpora experiências que vão influir

fortemente em seu futuro desenvolvimento [...]”, configurando agrupamentos de papéis ou

clusters. Nesta perspectiva pode-se dividir esta aprendizagem em três grupos. O primeiro,

denominado de cluster um, tendo como complemento a mãe ou a pessoa que ocupe este

papel; o segundo, denominado cluster dois, cujo complemento é o pai ou outra pessoa que o

substitua; e o terceiro, cluster três, que tem por complemento o irmão ou outra pessoa

equivalente.

Cluster um ou materno - O recém-nascido para sobreviver precisa ser cuidado,

biológica e psicologicamente não tem como defender-se, encontra-se na fase da Matriz de

Identidade Total e Indiferenciada, incorporando, como se fosse ele mesmo, o que ocorre em

sua volta. Esclarece Bustos (1990, p. 117), que “[...] o corpo registra as tensões e as incorpora

como próprias. O bebê é especialmente sensível à angústia das pessoas que o rodeiam.”. Nesta

etapa o papel complementar é o de mãe, a palavra-chave é dependência e o vínculo é

assimétrico.

Para o desempenho da vida adulta é fundamental, afirma Bustos (1990, p 117),

aprender a depender, pois através das vivências experienciadas nesta fase vai “[...] saber

receber, aceitar ser cuidado, conviver saudavelmente com os momentos de vulnerabilidade.”.

A ternura, acrescenta o autor, é o primeiro sentimento primário de uma pessoa,

inexoravelmente ligado a sensações, fundamental para a construção de relações de intimidade,

pois está baseada na capacidade de sentir e aceitar carinho.

Da forma como bebê percebe o olhar da mãe, este significando o olhar do que está

em torno dele, será o modo como observará suas próprias ações. Bustos (1990, p. 119), afirma

que “[...] a ternura e a receptividade antecipam uma relação amorosa consigo mesmo [...]”,

isto não significando ser condescendente e sem limite, tudo justificando. Ao contrário, é poder

Page 45: UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA MARIA …

43

aceitar especialmente os erros, sem o temor de um rígido julgamento interno que levaria à

fuga de uma saudável autocrítica.

Quanto às experiências negativas deste cluster, ressalta o autor (1990, p. 120), poderão

repercutir no desenvolvimento posterior deste homem. O estado de abandono e desamparo

podem levar a uma incapacidade de passar para a próxima etapa de desenvolvimento com

condições suficientes para a sobrevivência emocional. A carência de cuidados amorosos

abalam o desenvolvimento físico e psíquico de um bebê, a tal ponto que pode tornar-se

psicótico, ou, num caso limite, levá-lo à morte. Por outro lado, o bebê superprotegido pode vir

a ficar aprisionado por condutas de apego. Bustos (1990, p. 121, grifo do autor), diz que “[...]

o bebê aprende que a hostilidade e o desamparo ou o seu oposto, a superproteção, são as

constantes, o mundo é assim, ele é assim. Aprende que a ameaça estará sempre presente e terá que

implementar recursos de sobrevivência.”. Todas as pessoas deveriam aprender a enfrentar a

angústia das frustrações vividas, através de comportamentos que possibilitassem sua

sobrevivência emocional.

Cluster dois ou paterno – O bebê, tanto biológico como psiquicamente, lentamente

amadurece, aprendendo a diferenciar-se dos outros e dos objetos. Conforme Bustos (1990, p.

142), “[...] o papel de bebê passa da função de ser alimentado, nutrido e cuidado (papel de

filho-mãe), como eixo central e único, para acrescentar a ele o da conquista gradual da

autonomia, necessitando de um eu-auxiliar que o ensine a ficar sobre seus próprios pés.”.

Nesta etapa, a função paterna, complementar e assimétrica, auxilia a criança a construir e

desenvolver o papel de filho, filho-pai, então, é a equação complementar.

Se o desenvolvimento no cluster um foi sem grandes angústias e o ritmo de

desenvolvimento respeitado, a transição da dependência máxima para a conquista da

autonomia, característica do cluster dois, será experienciada de forma natural e espontânea.

Contudo, se esta passagem foi perturbada, a angústia evidencia a ruptura, e o

desenvolvimento do bebê será retardado. Se, da mesma forma no cluster um, o bebê aprende a

aceitar suas necessidades, a passagem para a etapa seguinte, conforme Bustos (1990, p. 143),

“[...] vai-se realizar através da capacidade de aprender a reconhecê-las, nomeá-las e

administrá-las.”.

O bebê no cluster um, confundindo-se com a mãe, elege esta para todos os critérios,

todas as suas necessidades estão somente a ela dirigida. Quando, pelo crescimento gradual, a

criança passa a perceber as diferentes necessidades, há a possibilidade de escolha, sendo o pai

a primeira alternativa. Desta forma, obedecendo a diferentes critérios, a criança passa a

construir a capacidade de relacionar-se com diferentes pessoas. Moreno (apud BUSTOS,

Page 46: UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA MARIA …

44

1990, p. 143), “[...] diz que esta diversidade de critérios é uma medida saudável.”. A

capacidade de ter diversos amigos pelas diferentes afinidades, permite uma ampla liberdade

aos vínculos, não levando à idealização de encontrar uma única pessoa, como se fosse

possível esta preencher todos os critérios.

Estes dois clusters originam funções que, na vida adulta, se transformam na

possibilidade constitutiva de outros papéis. No cluster um a função de receber, representando

o sim, e no cluster dois a função de dar, representando a capacidade de dizer não, assinala

Bustos (1990, p. 154), são duas funções que se constituem essenciais para a dinâmica de um

ser humano.

Ainda é importante destacar que o cluster um e o cluster dois são formados por

vínculos assimétricos. Tanto os papéis de mãe-filho como de pai-filho têm responsabilidades

diferentes, indicando dependência de um dos papéis, conferindo subordinação de um dos

papéis em relação ao outro. Diferentemente do cluster três no qual o vínculo se dá de forma

simétrica.

Cluster três ou fraterno – Nesta etapa a criança aprende a compartilhar com os irmãos,

primos, amigos, enfim, pessoas que convivem no seu átomo social. A maioria dos papéis da

idade adulta é desenvolvida nesta etapa. (BUSTOS, 1990, p. 156-157).

A forma de vincular-se é simétrica, o vínculo é fraterno, é entre iguais, de acordo com

o par complementar são denominados, entre outros, de irmãos, primos e amigos. Este cluster

diz Bustos (1990, p. 159), “[...] convida a uma perigosa e responsável capacidade de opção

permanente. Posso eleger e elejo estar, é uma forma responsável e adulta de estabelecer

vínculo.”.

Este vínculo, baseado na simetria e interatividade, contém três possibilidades de

dinâmicas: compartilhar, competir e rivalizar. O compartilhar é a dinâmica que mais se

deseja, entretanto, na sociedade atual individualista, competitiva e destrutiva, se torna a

dinâmica mais difícil. Isto porque o compartilhar exige a vontade de doar o que cada um tem

em prol do bem comum. O competir é uma dinâmica que sempre existiu, todavia mais

intensamente estimulada na sociedade atual. A rivalidade é a dinâmica que, se não é possível

ganhar, tenta-se impedir, muitas vezes de qualquer maneira, que o outro ganhe. (BUSTOS,

1990, p. 157–166).

Então, seria ideal se cada homem pudesse viver passando por cada um dos três

clusters com equilíbrio. Mas a realidade, por vezes, tem mostrado marcas, de diferente

intensidade, levando o homem ao adoecimento, dependendo da gravidade, até mesmo à

hospitalização.

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45

Para Moreno, como já dito, o ser humano não existe a menos que seja compreendido

em relação. O ser humano é concebido tão somente por existir um vínculo que lhe dá uma

matriz, a Matriz de Identidade, nada podendo ser concebido a não ser dentro de um vínculo.

Os homens doentes podem ser percebidos, enquanto tal e de várias formas, em

inúmeros espaços diferentes, inclusive internados em unidades hospitalares. São nestes

homens que as luzes deste projeto se direcionam, perspectivando a produção de conhecimento

que favoreça a expansão do relacional, fortalecendo vínculos, possibilitando o encontro,

iluminando a espontaneidade para que seja possível o ato criador, reacendendo vidas.

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46

3 MÉTODO

3.1 TIPO DE PESQUISA

A presente pesquisa, quanto à natureza, caracteriza-se como qualitativa. Este tipo de

pesquisa, conforme Minayo (1999, p.21,22), se preocupa “[...] com um nível de realidade que

não pode ser quantificado [...]”, isto porque “[...] aprofunda-se no mundo dos significados

das ações e relações humanas, um lado não perceptível e não captável em equações,

médias e estatísticas.” Assim, esta pesquisa possibilita incorporar significado e

intencionalidade aos atos, às relações, aos vínculos, enfim, às intervenções psicológicas que,

no presente estudo, foram construídos pelas psicólogas psicodramatistas, pacientes, familiares

e equipe de saúde em unidades hospitalares. Não houve interesse, em relação à temática

estudada, quanto a extrair dados numéricos, mas sim, conforme Goldenberg (2009), centrar e

aprofundar no conhecimento dos fenômenos a partir do tema pesquisado. A isto se soma que,

na pesquisa qualitativa, a obtenção de dados descritivos se faz através do contato direto do

pesquisador com o objeto do estudo, possibilitando o pesquisador entender o fenômeno

de interesse e interpretá-lo a partir da perspectiva dos participantes e dos dados coletados.

(NEVES, 1996).

Quanto à sua finalidade, esta pesquisa se caracteriza como sendo uma pesquisa de

origem exploratória, pois é voltada a compreender a atuação de psicólogos que atuam no

enfoque psicodramático em unidades hospitalares. A pesquisa exploratória tem como

objetivo promover uma percepção maior sobre o tema, possibilitando vir à tona novas

idéias e novos pontos de vista. (CERVO, 1996). Este tipo de pesquisa, também, objetiva fazer

com que haja maior familiaridade com o problema de pesquisa e deixar explícitos os aspectos

determinantes do problema a ser pesquisado. (GIL, 2010).

3.2 PARTICIPANTES

Na intenção de compreender as intervenções dos psicólogos que atuam com base no

psicodrama em unidades hospitalares, foram realizadas entrevistas com cinco psicólogas.

Estas profissionais atuaram, ou ainda atuam, em hospitais gerais no estado de Santa Catarina

na abordagem do Psicodrama.

Para encontrar os sujeitos desta pesquisa, a pesquisadora utilizou, a princípio, sua rede

social e, num segundo momento, a indicação de próprios participantes desta pesquisa que

tinham conhecimento de outros profissionais com o perfil exigido.

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47

Para as cinco participantes nesta pesquisa foram utilizados nomes fictícios, no intuito

de manter o anonimato, preservando o sigilo e a identidade.

Quadro 1 - Formação profissional das entrevistadas

NOME IDADE

INSTITUIÇÃO

FORMAÇÃO

PSICOLOGIA

ANO

TÉRMINO

PSICOLOGIA

P1 46 UNIVALI 2006

P2 53 UFSC 1983

P3 64 Universidade Santa

Úrsula 1972

P4 37 UFSC 1997

P5 59 UFSC 1984

Fonte: Elaboração da autora, 2012

3.3 EQUIPAMENTOS E MATERIAIS

A realização da coleta de dados foi viabilizada através de um aparelho de gravador

digital, canetas, folhas de papel A4 e um roteiro de entrevista (APÊNCICE A), previamente

estruturado. No início das entrevistas foram apresentados às entrevistadas o Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido (APÊNCICE B) e o Termo de Consentimento para

Gravação de Voz (APÊNCICE C). Para a transcrição dos dados coletados durante as

entrevistas e para a produção desta pesquisa foi utilizado computador pessoal da pesquisadora

e, para segurança, todos os arquivos foram gravados em pen drive.

3.4 SITUAÇÃO E AMBIENTE

As entrevistas ocorreram em datas previamente combinadas com as participantes

envolvidas, e em locais sugeridos pelas mesmas, assim privilegiando ambientes que

apresentassem maior facilidade de acesso e conforto para as entrevistadas. Contudo, houve

um cuidado de verificar se os locais escolhidos eram propícios para a realização das

entrevistas, no sentido de garantir o sigilo das informações e de evitar interrupções e a

presença de terceiros durante o encontro entre a pesquisadora e a participante. Desta forma,

uma entrevista ocorreu na casa da participante e as demais entrevistas no local de trabalho de

cada participante. Destas, duas entrevistas aconteceram em estabelecimento clínico e as outras

duas se deram em consultório.

Page 50: UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA MARIA …

48

3.5 INSTRUMENTO DE COLETA DOS DADOS

O instrumento de coleta de dados utilizado foi uma entrevista semi-estruturada, sendo

um instrumento que possibilita, segundo Goldenberg (2009), flexibilidade e manejo na

obtenção das informações desejadas. Assim, propicia maior aprofundamento nos assuntos

propostos, explorando os temas complexos, como os que envolvem emoções, possibilitando à

pesquisadora observar as reações do entrevistado, inclusive, em caso de haver contradições.

A entrevista, impressa em papel A4, foi desenvolvida através de um roteiro. Com o

intuito de aprimorar as questões contidas nesse roteiro, foi realizada uma sondagem inicial. O

número de psicólogos que atuam com base no psicodrama em unidades hospitalares em

Florianópolis é bastante restrito, por este motivo esses profissionais foram priorizados para

efetiva participação na pesquisa. Para esta sondagem inicial, portanto, o critério de escolha foi

pelo domínio dos conceitos, dinâmicas e técnicas do psicodramatista. Ao invés de um

profissional que atuasse em hospital vinculado a outra abordagem.

O roteiro reelaborado se concretizou em perguntas abertas, pré-definidas e

estrategicamente elaboradas no intuito de atingirem os objetivos desta pesquisa. Também

possibilitar às participantes discorrerem sobre os temas, trazendo suas vivências e opiniões

sem condições pré-fixadas pela entrevistada.

3.6 PROCEDIMENTOS

3.6.1 De seleção dos participantes

Para participação nesta pesquisa foram selecionadas psicólogas que atuam ou atuaram

com base em psicodrama em unidades hospitalares. Os profissionais com este tipo de

característica é deveras restrito em nível nacional e não é diferente em Santa Catarina. Desta

forma, esta pesquisa ateve-se a cinco profissionais com experiência nas cidades de

Florianópolis e Tubarão e todas do sexo feminino.

Para escolha dessas profissionais não foram levados em consideração critérios como o

sexo, a idade, o tempo de formação e de experiência na Psicologia bem como no Psicodrama,

nem a opção sexual e religiosa. Não era objetivo da pesquisa, comparar diferenças

encontradas e nem concluir algo que fosse relacionado a estes quesitos.

Page 51: UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA MARIA …

49

A escolha deste perfil de participantes se justificou devido ao problema desta

pesquisa, que buscou compreender como ocorreram as intervenções em unidades hospitalares,

segundo os psicólogos que atuam ou atuaram com base no psicodrama. Em se tratando de

uma pesquisa qualitativa, baseado em Minayo (1999), foi buscado obter informações a partir

de sujeitos sociais que tivessem experiência e atributos no que se pretendia investigar.

Desta forma, o quadro abaixo sintetiza a experiência de cada entrevistada com base no

psicodrama em unidades hospitalares.

Quadro 2 – Experiência das participantes com base em psicodrama em unidade hospitalar

NOME VÍNCULO

EMPREGATÍCIO

UNIDADE

HOSPITALAR

MOTIVOS DA ESCOLHA

PELA PSICOLOGIA

HOSPITALAR

P1 Estagiária Hospital Geral-

Maternidade

Curiosidade, campo de

trabalho e questão social.

P2 Estagiária Hospital Infantil

Atuar com o psicodrama e

em hospital e pelo horário

de trabalho.

P3 Contratada Hospital Infantil

Afinidade e interesse pela

medicina e trabalho com

crianças.

P4 Contratada Hospital Geral Desafio

P5

Estagiária

Contratada

Hospital Infantil

Atuar com o psicodrama e

em hospital, afinidade e

interesse pela medicina e

trabalho com crianças.

Fonte: Elaboração da autora, 2012

3.6.2 De contato com os participantes

Os contatos, primeiramente, foram realizados com duas profissionais do conhecimento

da entrevistada, que se enquadravam no perfil exigido por esta pesquisa. Essas profissionais

indicaram outros possíveis participantes, passando o contato pessoal. Destes foram

selecionados três profissionais que atendiam os quisitos exigidos no perfil deste trabalho.

Os cinco contatos foram realizados pela entrevistada no período entre 5 a 22 de março,

sendo quatro contatos por telefone e o quinto pessoalmente. Na oportunidade deste contato,

foi evidenciada a pesquisa, verificada a disponibilidade e interesse de participação, e

agendado previamente o local e data da entrevista.

Page 52: UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA MARIA …

50

3.6.3 De coleta e registro dos dados

As entrevistas ocorreram no período de 7 a 26 de março, nos locais e nas datas

previamente acordados entre participantes e pesquisadora, acontecendo de forma privada e

sem imprevistos que pudessem inviabilizar, parcial ou globalmente, a coleta dos dados. As

entrevistadas mostraram-se cordiais, solícitas e interessadas em responder às perguntas,

atendendo aos objetivos que a entrevista se propunha. O tempo de duração das entrevistas

variou entre 40 a 65 minutos.

Ao iniciar a entrevista, a entrevistadora fez uma apresentação na qual foram

explicitados os objetivos e a finalidade da pesquisa, e a forma com que os dados seriam

coletados para posteriormente serem analisados nesta pesquisa. Após, foram

disponibilizados para leitura e assinatura o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e o

Termo de Consentimento para Gravação de Voz. No Termo de Consentimento Livre e

Esclarecido constavam as informações sobre o sigilo de identificação, que os dados obtidos

serão conhecidos apenas pela entrevistadora e sua orientadora, que os assuntos abordados na

entrevista só poderão ser usados para fins de pesquisa, e que, também, a participante poderia

se recusar a responder qualquer pergunta ou mesmo encerrar sua participação no momento

que desejasse. Foi entregue a cada participante uma cópia deste documento, para que, em caso

de necessidade, pudesse entrar em contato com a pesquisadora. O Termo de Consentimento

para Gravação de Voz tinha por objetivo o consentimento da participante de autorizar a

gravação sem cortes da entrevista, para posterior transcrição na íntegra pela pesquisadora.

3.6.4 De organização, tratamento e análise dos dados

Após a coleta de dados, as entrevistas realizadas foram transcritas de forma literal. Foi

realizada uma leitura analítica das entrevistas transcritas. Após, os dados foram ordenados e

agrupados em tabelas por categorias, respectivas subcategorias de análise, e falas das

participantes, vinculados a cada objetivo específico desta pesquisa. Os dados pertinentes aos

objetivos da pesquisa, nortearam e possibilitaram, a posteriori, estabelecer conexões, relações,

análises e interpretações sobre o fenômeno investigado, juntamente com o referencial

utilizado no marco teórico, assim fazendo uma relação com a literatura estudada. Reafirma-

se que os objetivos desta pesquisa não tinham a intenção de quantificar as categorias, assim

não importando sua frequência, buscou, sim, a descrição geral do fenômeno estudado,

obtendo, o mais detalhadamente possível, a compreensão de como ocorriam as intervenções

Page 53: UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA MARIA …

51

em unidades hospitalares, segundo as psicólogas que atuam ou atuaram com base no

psicodrama.

Quadro 3 – Objetivos específicos, categorias e sub-categorias

Objetivo específico - CARACTERIZAR A INSERÇÃO E ATUAÇÃO DA PSICOLOGIA NO

CONTEXTO HOSPITALAR CATEGORIA SUBCATEGORIA SUBCATEGORIA

Inserção da Psicologia na equipe de saúde

Resistência médica

Pouca inserção pela característica

do trabalho realizado

Boa em relação à enfermagem

Características pessoais da

profissional

História de construção levando à

credibilidade

Conquista

Percepção da equipe de saúde em relação à Psicologia

Percepção da enfermagem trabalho bem visto

valorização e

reconhecimento pela

enfermagem

Percepção dos médicos da brincadeira

ao respeito

valorização e

reconhecimento pelos

médicos

desconsideração da função

de psicólogo

Percepção da equipe de saúde desconhecimento

da função do psicólogo

Relação de trabalho com a equipe de saúde

Relação com enfermagem colaboração e parceria da

equipe de saúde

trabalho segmentado

ressentimento

Relação com médicos indisponibilidade para

troca

aceitação

colaboração e parceria dos

médicos

Relação com equipe saúde colaboração

e parceria da enfermagem

prioridade da área

biológica

trabalho desintegrado

solidão

Page 54: UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA MARIA …

52

Objetivo específico - DISCUTIR O PROCESSO DE HOSPITALIZAÇÃO E SUAS

CONSEQUÊNCIAS PARA A VIDA DOS PACIENTES, SEGUNDO O PSICODRAMA CATEGORIA SUBCATEGORIA SUBCATEGORIA

Caracterização da condição do atendimento psicológico

Setores do hospital

Local do atendimento

Frequência, duração e horário de

atendimento

Aspectos importantes na atuação das psicodramatistas no hospital

Criatividade na adversidade

Várias funções no mesmo papel

Verdade e respeito em relação aos

pacientes

Mudança visível

Dificuldades diante da diversidade

de demanda

Demandas emergenciais milagrosas

para a psicologia

Comunicação com a equipe de

saúde

Angústia das psicodramatistas

Compreensão do contexto

relacionado à demanda e da rede

social

Visão télica

Atuação espontânea e criativa

Relação vincular

Resgate da alegria

Demandas para atendimentos psicológicos

Paciente solidão

medo do paciente

perda

falta de informação do

paciente

falta de vínculo

questão emocional

empobrecimento e

alteração de papéis

limitação da espontaneidade,

cristalização de conserva

cultural

ansiedade antecipatória

adaptativa

Page 55: UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA MARIA …

53

marcas no paciente pela

internação

aparecimento de problemas

submersos

Familia medo da família

ansiedade de separação

culpa

falta de informação da

família

retirada de autonomia e

independência devido a

hospitalização

dificuldade financeira

super proteção

Objetivo específico - ANALISAR A CONCEPÇÃO DE SAÚDE /DOENÇA SEGUNDO O

PSICODRAMA CATEGORIA SUBCATEGORIA SUBCATEGORIA

Saúde segundo psicodrama

Desempenho de papéis

Espontaneidade, criatividade e

sensibilidade

Vínculo

Doença segundo psicodrama

Restrições da espontaneidade e da

criatividade

Restrições no desempenho de papéis

Redução das percepções télicas

Regressão na Matriz de Identidade

Objetivo específico - IDENTIFICAR COMO A PERSPECTIVA PSICODRAMÁTICA SE

DESDOBRA EM PRÁTICAS NA INTERVENÇÃO DOS PSICÓLOGOS

PSICODRAMATISTAS CATEGORIA SUBCATEGORIA SUBCATEGORIA

Modalidades de atendimento psicodramático no hospital

Psicodrama bipessoal

Psicodrama de grupo

Práticas psicodramáticas nas intervenções hospitalares

Elaboração verbal

Aquecimento Dramatização montagem de cena usando

a ação corporal

montagem de cena através

de recursos Utilização de material lúdico materiais para desenhar

Page 56: UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA MARIA …

54

jogos Técnicas psicodramáticas duplo espelho inversão de papéis psicodrama interno átomo social cadeira vazia solilóquio

interpolação de resistência

Psicodrama, abordagem indicada para o hospital

Abrangência do Psicodrama

Uma abordagem que dá muito certo

no hospital

Fonte: Elaboração da autora, 2012

Page 57: UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA MARIA …

55

4 APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS

Este capítulo busca apresentar os dados coletados na pesquisa, além da sua descrição,

análise e interpretação, tendo como fundamento o referencial teórico estudado para esta

pesquisa. Desta maneira, os dados que foram organizados e distribuídos em categorias e

respectivas subcategorias, serão analisados ao longo deste capítulo com base nos quatro

objetivos específicos desta pesquisa, estruturando-se em quatro subcapítulos.

O primeiro subcapítulo, AS PSICÓLOGAS PSICODRAMATISTAS E A EQUIPE

DE SAÚDE NO CONTEXTO HOSPITALAR: INSERÇÃO, PERCEPÇÃO E RELAÇÃO,

busca caracterizar o profissional psicólogo no hospital; HOSPITALIZAÇÃO E SUAS

CONSEQUÊNCIAS PARA PACIENTES E FAMILIARES, aborda o processo de

hospitalização, a atuação das psicodramatistas e as demandas solicitadas para atendimento

psicológico; e o terceiro subcapítulo, CONCEPÇÃO DE SAÚDE E DOENÇA SEGUNDO O

PSICODRAMA, discutida através de conceitos psicodramáticos; o último subcapítulo AS

INTERVENÇÕES PSICODRAMÁTICAS NO CONTEXTO HOSPITALAR, aborda as

modalidades de atendimento, as práticas psicodramáticas utilizadas nas intervenções e as

possibilidades da abordagem no contexto hospitalar.

4.1 AS PSICÓLOGAS PSICODRAMATISTAS E A EQUIPE DE SAÚDE NO CONTEXTO HOSPITALAR: INSERÇÃO, PERCEPÇÃO E RELAÇÃO

Este subcapítulo busca responder ao primeiro objetivo específico desta pesquisa,

caracterizar a inserção da Psicologia no contexto hospitalar e a relação de trabalho com a

equipe de saúde, através das subcategorias: Inserção das psicodramatistas na equipe de

saúde, Percepção da equipe de saúde em relação à Psicologia e Relação de trabalho com

a equipe de saúde.

A inserção da Psicologia nas unidades hospitalares, em termos históricos, é

considerada recente. A Psicologia Hospitalar no Brasil, segundo Angerami-Camon (1996) e

Lazzaretti (2007), foi iniciada em 1954, por Matilde Neder. Desde então, a Psicologia na área

hospitalar vem se ampliando e se consolidando. Hoje no Brasil configura-se como realidade,

contudo, muito ainda há para ser estudado, compreendido e realizado.

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56

4.1.1 Inserção das psicodramatistas na equipe de saúde

Este tópico é desenvolvido através das subcategorias Resistência médica, Pouca

inserção pela característica do trabalho realizado, Boa em relação à enfermagem,

Características pessoais da profissional, História de construção levando à credibilidade e

Conquista.

A Psicologia Hospitalar cresce na medida em que a concepção de saúde passa a

perceber o ser humano na sua totalidade, integrado nos aspectos biopsicossocial,

desenvolvendo uma ação humanista no tratamento com os pacientes. Para tanto, um aspecto

exigido, é que o trabalho realizado ao paciente seja fruto de um esforço coletivo, representado

por uma equipe interdisciplinar e multiprofissional que, no contexto hospitalar se concretiza

como equipe de saúde. A composição desta equipe varia conforme a unidade hospitalar, conta

com diferentes especialidades médicas e enfermagem, além de possíveis outras especialidades

como fisioterapeuta, nutricionista, assistente social e psicólogo.

A bibliografia consultada para este trabalho evidencia que existem dificuldades para o

psicólogo, no que diz respeito à inserção na equipe de saúde nas unidades hospitalares. As

entrevistas apontam duas destas dificuldades, que estão relacionadas nas subcategorias

Resistência médica e Pouca inserção pela característica do trabalho realizado.

A dificuldade de inserção apresentada na subcategoria chamada Resistência médica

apontada por P3, no início dos anos 1980, se deve, não à equipe de saúde como um todo, mas

à resistência dos médicos.

[...] foi muito difícil porque na época, aqui na cidade, nem existia o curso de

Psicologia. Eles tinham uma ignorância em relação a isso. E achavam que eu seria

uma concorrente deles. Então houve uma resistência bem grande quando eu vim pra

cá. (P3)

Desta forma vêem a psicóloga como uma concorrente e não como uma possível aliada

que viesse somar à equipe de saúde. Esta dificuldade é apontada por Silva (1998 apud

Almeida, 2000, p. 25), quando o trabalho solidário e cooperativo em equipe “[...] é substituído

por uma organização de trabalho que promove a competição entre as especialidades e o

corporativismo, gerando situação de conflito.”.

A entrevistada P4, através da subcategoria denominada Pouca inserção pela

característica do trabalho realizado, evidencia que a não inserção na equipe de saúde se

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57

deve pela própria particularidade do trabalho desta participante no hospital, se caracterizando

como uma dificuldade, neste caso dela própria.

[...] eu trabalho junto com os estagiários e vou a campo com eles, também são

poucas horas no hospital. Dentro desse hospital tem mais duas psicólogas clínicas,

então, na verdade, eu acabo não me inserindo muito com a equipe. (P4)

Quanto a esta dificuldade de inserção, a contribuição de Lazzaretti pode vir a ser

esclarecedora, apontando duas possibilidades. Se numa direção, diz a autora (2007, p. 29),

“[...] pode haver incredulidade dos demais profissionais [...]”, em outra direção “[...] pode

haver insegurança e talvez falta de definição do próprio psicólogo, que fantasia que seu lugar

está pronto, bastando ocupá-lo sem se dar ao trabalho de construí-lo.”. O que não se constitui

num trabalho fácil, complementa a autora, “[...] pois o psicólogo não tem o mesmo paciente

que o médico. Onde a ciência médica fecha, o psicólogo abre. Não se trabalha com verdades

científicas de um ponto de vista cartesiano.”.

Já para Almeida (2000) a dificuldade de inserção se dá pela característica marcante da

hierarquização médica nos hospitais. Afirma a autora (2000, p. 25) que o psicólogo “[...] se

insere numa equipe de saúde, marcada pela hierarquia do saber médico.”. O hospital surge

com a finalidade de tirar da sociedade as pessoas doentes, possíveis fontes de contágio, assim

protegendo a saúde da população. Não visava a cura, somente um lugar de morrer. A partir do

final do século XVIII, o hospital muda sua perspectiva, passando de uma instituição de poder

que prestava caridade a um local de cura e formação de médicos. Desde então, passa a ser

uma instituição marcada pela hieraquia do profissional da medicina. (FOUCAULT, 1995).

A este ambiente hospitalar predominantemente médico, se soma o psicólogo ter que se

relacionar com outros profissionais já habituados a trabalhar em conjunto e com suas práticas

consolidadas. O psicólogo, como um recente profissional da saúde no hospital, afirma

Almeida (2000, p. 25), tenta “[...] transpor para sua prática o modelo clínico aprendido na

graduação, sem a compreensão da complexidade do campo de saúde no Brasil.”.

Spink (1992 apud Almeida, 2000, p. 25) contribui com esta discussão ao dizer que

[...] a atuação do psicólogo no hospital geral é mais do que um novo campo de

trabalho, ela aponta para a necessidade de novas técnicas e para a emergência de um

novo campo de saber. O atendimento individual, clínico, priorizado na graduação é

substituído pelas ações integradas com a equipe.

Assim, o psicólogo hospitalar deve fazer o que estiver ao seu alcance para se inserir na

equipe de saúde, visando realmente um trabalho cooperativo e multidisciplinar. Para que,

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58

assim, tenha melhores possibilidades de buscar com sua intervenção psicológica a integridade

do paciente. Desta forma, leva o paciente ao autocrescimento, ao autoconhecimento, lidando

melhor ou mesmo possibilitando a cura de seus sintomas. (ANGERAMI-CAMON, 2002, p.

19).

No sentido contrário às dificuldades do psicólogo quanto à inserção na equipe de

saúde, três participantes consideram essa inserção boa e tranquila evidenciada através de

quatro subcategorias, quais sejam, Boa em relação à enfermagem, Característica pessoal

da profissional, História de construção levando à credibilidade e Conquista.

A entrevistada P1, através da subcategoria Boa em relação à enfermagem, considera

boa a sua inserção, não em relação à equipe de saúde como um todo, mas somente pela

enfermagem.

Através da Característica pessoal da profissional, a participante P2 considera

tranqüila a inserção, pela relação de amizade que tem com as duas psicólogas que

trabalhavam no hospital na época e, também, pela relação que uma das psicólogas do hospital

mantém com a equipe de saúde.

[...] ela era muito diplomática, tinha uma boa relação com todo mundo, ela

conversava muito, ela conquistava socialmente os médicos. (P2)

Pela História de construção levando à credibilidade, P2 e P5 justificam a inserção

pelo trabalho da Psicologia já construído no hospital.

[...] isso se deveu ao fato dessas três pessoas que estavam antes de mim. Usando

uma expressão do psicodrama. [...] o locus1 que estava preparado antes de mim era

fantástico. Eu entrei como uma matriz2 e fez um processo legal. (P2)

[...] o hospital já tinha um serviço de Psicologia, já tinham rotinas, [...] já existia o

papel do psicólogo dentro da instituição hospitalar. (P5)

A entrevistada P5 complementa sua inserção com mais uma justificativa, através da

subcategoria Conquista. Esta conquista, segundo P5, foi conseguida através do trabalho

construído e desenvolvido, levando a equipe a perceber que “[...] a Psicologia não era só

1 Amato (2002, p. 106) afirma que pensar em locus “[...] é pensar no lugar, no espaço da cena, nos fatores

emocionais deste lugar, deste ambiente, em que o tempo é importante ao se colocar nestas condições de idade,

local, pessoas, ambiente como um clima condicional para tal resposta que será gerada.”. 2 Quanto à matriz, Amato (2002, p. 106-107) se refere como fator determinante, “[...] como a semente germinada

ou o ovo fertilizado terá as informações genéticas e determinantes para que venha a nascer um bebê, uma planta

ou um animal. Na metáfora do exemplo levamos para a matriz – resposta existencial gerada o sentido de fator

determinante por ser uma resposta própria, pessoal e que com certeza outros membros da família envolvidos com

a mesma situação teriam respostas diferentes.”.

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59

brincadeira de criança.”. Esta explicação vem ao encontro do que diz Solon (1995, p. 113),

afirma que ainda não há uma relação harmoniosa entre médicos e psicólogos devido ao

desconhecimento sobre a Psicologia Hospitalar. Cabe ao psicólogo esta harmonização,

informando através do seu trabalho sobre o seu papel dentro da equipe de saúde.

Pela discussão apresentada neste tópico a inserção das psicodramatistas está ligada a

várias características como a época em que se dá a inserção, por já haver ou não trabalho da

Psicologia no hospital, pelas próprias características pessoais das profissionais e pelo trabalho

que é desenvolvido. Pode-se perceber a importância do psicólogo se inserir buscando sua

integração na equipe de saúde. Isto porque um trabalho em equipe, reforça Campos (1995, p.

98), “[...] além de acrescentar conhecimentos e dividir ansiedades, favorece o surgimento de

soluções.”. Assim, também, o psicólogo pode demonstrar o que concerne a sua parte na

equipe de saúde, mostrando que a Psicologia não é, como diz P5, um “[...] faz de conta”.

4.1.2 Percepção da equipe de saúde em relação à Psicologia

A percepção em relação à Psicologia é evidenciada pelas entrevistadas através das três

subcategorias Percepção da equipe de saúde, Percepção da enfermagem e Percepção dos

Médicos. Das entrevistas realizadas para esta pesquisa somente uma, da participante P1,

mostra a percepção da Equipe de saúde em relação à Psicologia através do desconhecimento

da função do psicólogo.

A percepção que a equipe de saúde tem da intervenção do psicólogo, se faz importante

na medida em que revela o entendimento que os integrantes desta equipe têm da função do

psicólogo. Este entendimento das possibilidades de atuação se concretiza num dos

determinantes que leva à consolidação e, reconhecimento do psicólogo no contexto hospitalar.

Quanto à Percepção da equipe de saúde, conforme a entrevistada P1, há o

desconhecimento da função do psicólogo. Este desconhecimento é percebido através da

falta de dimensão que a equipe tem das intervenções psicológicas realizadas, o que se deve ao

fato da própria equipe não oportunizar espaço para que o trabalho fosse mostrado.

[...] a equipe médica e mesmo a enfermagem ter a dimensão do que cada uma

daquelas intervenções representavam, com certeza não, porque a gente não tinha

espaço para colocar isso. (P1)

[...] A equipe eu acho que nem ficou sabendo disso, porque a gente fazia o relato,

mas não sei. [...] Então ficava mais no âmbito universitário mesmo, nos relatos e nas

questões que a gente trazia para supervisão. (P1)

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60

A participante P1 não se manifesta quanto à possibilidade do próprio psicólogo

conquistar este espaço, buscando mostrar à equipe de saúde o trabalho possível de fazer ou o

já realizado. Assim, possibilitaria à equipe conhecer a função do profissional psicólogo no

hospital, além de divulgar sua atuação.

As demais entrevistas que abordam a percepção em relação à Psicologia, não o fazem

através da equipe como um todo, mas através da Percepção da enfermagem e da Percepção

dos médicos.

Quanto à Percepção da enfermagem em relação à Psicologia, é mostrada através do

trabalho bem visto e valorização e reconhecimento pela enfermagem.

Pelo trabalho bem visto, as entrevistadas P1 e P4 avaliam de forma positiva devido

aos encaminhamentos solicitados pela enfermagem. A participante P4 confirma esta avaliação

pelo retorno, por ela chamado de ‘feedback`, dado por estes profissionais aos atendimentos

prestados pela Psicologia. As falas das psicólogas assim ilustram.

[...] Os encaminhamentos e as possibilidades de trabalho vinham muito pelo

encaminhamento da enfermagem. (P1)

[...] às vezes, até dão um feedback de atendimentos que a gente realizou. Então, por

essas chamadas deles, por essa atenção que eles nos dão, indicação de pacientes,

enfim, eu percebo que é um trabalho bem visto. (P4)

A valorização e reconhecimento pela enfermagem são percebidos por duas

participantes através da enfermagem.

[...] Porque as enfermeiras, estando em contato com os pacientes, assim como num

todo, acompanhando muitas vezes o drama familiar, as dificuldades, elas

conseguiam sentir mais a necessidade do trabalho do psicólogo. (P1)

[...] Inclusive, depois, na outra semana a gente voltou e perguntou por ela, a

enfermeira informou que, depois daquilo, ela facilitou tudo, colaborou em tudo e, aí

sim, resolveu fazer uma série de procedimentos. (P4)

A Percepção dos médicos em relação à Psicologia, através de quatro participantes,

pode ser percebida de duas maneiras divergentes, através da brincadeira ao respeito,

valorização e reconhecimento pelos médicos e desconsideração da função de psicólogo.

A primeira, evidenciada como da brincadeira ao respeito, mostra a dificuldade

inicial dos médicos em perceberem as possibilidades de atuação da Psicologia, conforme P3,

“[...] no início eles não encaminhavam muito, eles não sabiam muito o que fazer.”. Inclusive

tendo “[...] muita resistência em algumas áreas [...]”, acresce a entrevistada P4.

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61

Os caminhos trilhados pelas psicodramatistas para mostrarem as possibilidades de

atuação no contexto hospitalar vêm ao encontro do exposto pela literatura. Os vários livros,

discutidos nesta pesquisa, ressaltam a importância do psicólogo mostrar suas possibilidades

de atuação para a equipe de saúde. Desta forma, a participante P3 elaborou “um projeto para

mostrar como poderia atuar uma psicóloga dentro de um hospital”. Já as entrevistadas P4 e P5

evidenciaram através de trabalho “gradual”, “constante” e “batalhado”. Tudo isto levou não

só ao descortinamento do trabalho da Psicologia, mas, também, “[...] abriu muitas portas”,

conforme dito pela participante P2. Assim, havendo respeito por este trabalho, que deixou de

ser um “[...] faz de conta [...] brincadeira de casinha de boneca.”. (P5).

[...] ele abriu um espaço para a Psicologia desenvolver um trabalho [...] ele era

cardiologista, permitiu a gente fazer uma coisa que se chamava preparação para a

cirurgia. (P2)

[...] Depois começou a melhorar mesmo quando entrou a faculdade aqui [...] a ficar

mais tranquilo e dar uma abertura maior para mim. (P3)

[...] Então, o uniforme verde, porque era diferente, a gente usava verde não usava

branco no hospital, começou a ter um significado de apoio. (P5)

[...] muito gradativamente [...] a Psicologia foi ganhando espaço e conquistando,

claro, mais com alguns, menos com outros [...] foi muito batalhado para se conseguir

que criasse uma mentalidade de respeito, de que isso era uma rotina importante, que

era uma atividade, não era uma brincadeira, não era só um faz de conta. (P5)

Há, também, valorização e reconhecimento pelos médicos do trabalho das

psicodramatistas ligadas ao hospital infantil, por elas referido diversas vezes nas entrevistas.

Isto é evidenciado na recuperação das crianças preparadas para cirurgia através da

dramatização.

[...] isso teve um resultado tão fantástico que, no final, ele praticamente se recusava

a operar se a criança não tivesse passado pela preparação para a cirurgia, antes pela

psicóloga. (P2)

[...] o próprio cardiologista disse que a resposta das crianças de cirurgia cardíaca,

era completamente diferente em tempo de coagulação sanguínea, hemorragia, a

resposta pós-cirúrgica, a cicatrização, resposta à dor, tolerância, lado emocional [...]

elas se anestesiavam melhor, era mais fácil. (P2)

[...] as respostas dessas crianças ao exame e, consequentemente, a resposta dessas

crianças à cirurgia, é que começou a ter mais respeito, respaldo, e fazer com que

tivesse um acompanhamento de todas as crianças e abrir as portas da cardiologia. E,

aí, a solicitação de que as crianças fossem preparadas. (P5)

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62

Para a participante P5, a valorização e reconhecimento do trabalho da Psicologia pelos

médicos, se dá pelas solicitações feitas através do auto-falante do hospital. Vale ressaltar que

o trabalho da Psicologia neste hospital, na época, era desenvolvido por pessoas vinculadas ao

psicodrama.

[...] se percebia o reconhecimento, na medida em que, cada vez mais, se ouvia nos

corredores do hospital, ‘Psicólogo Fulano de tal, central chamando’. A necessidade

começou a aparecer através do auto-falante do hospital. Os médicos entravam em

contato com a central, e a central localizava algum psicólogo ou estagiário, que

estivesse disponível para poder estar junto na Unidade. (P5)

A entrevistada P2 relata que os médicos não tinham a percepção de sua atuação no

psicodrama. Entende que isso ocorria por não haver, há tempos, conhecimento desta

abordagem da Psicologia, “[...] estamos falando de muitos anos [...]”, não havia “[...] muita

menção ao fato de ser psicodrama.”. Entretanto, em relação ao trabalho desenvolvido pela

Psicologia, a entrevistada afirma que era considerado “fantástico”.

A segunda forma de percepção dos médicos em relação à Psicologia, através da

desconsideração da função de psicólogo, se conforma diferente da acima apresentada. Se

por um lado havia médicos que, afirma P2, “adoravam” o trabalho desenvolvido pela

Psicologia, por outro, segundo a mesma participante, “[...] existia uma ala médica mais

resistente [...]”, considerando o trabalho desenvolvido como “[...] uma bobagem de

Psicologia, coisa daquela mocinha da Psicologia.”.

Isto mostra a dualidade de um trabalho recente, que está se evidenciando e

consolidando. Ao mesmo tempo em que é respeitado por uma vertente de profissionais, por

outra há a desconsideração da função, considerada como uma “bobagem”. (P2).

Esta desconsideração da função da Psicologia no hospital é reforçada por P1, quando

afirma que “[...] em relação à equipe médica eu acho que falta valorização [...]”,

possivelmente pela falta de “[...] entendimento em que situações nós podemos ser úteis”, de

como é possível “[...] contribuir com o processo do paciente.”.

Neste tópico, através das vivências das psicólogas, pode-se perceber que o trabalho da

Psicologia não se concretiza através da equipe de saúde de forma mais ampla. A percepção do

trabalho da Psicologia se revela, sobremaneira, pela equipe médica e pela enfermagem,

separadamente.

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63

4.1.3 Relação de trabalho com a Equipe de Saúde

Independente do grau de integração entre os membros de uma equipe de saúde é

necessário uma “[...] inter-relação entre os diferentes profissionais, que devem ver o paciente

como um todo, tendo uma atitude humanizada.”. (CAMPOS, 1995, p. 96).

Agir conjuntamente com outros profissionais, buscando o princípio da integralidade e

contribuindo efetivamente na melhoria das condições de saúde do paciente, se concretiza na

relação entre os profissionais da equipe de saúde. Chiattone (2004, p. 4) considera que uma

das bases da tarefa do psicólogo que adentra ao hospital é a interdisciplinidade, pois

[...] partindo do pressuposto de que o ser doente deve ser considerado nas três

esferas (biopsicossocial), onde uma esfera interdepende e inter-relaciona-se à outra,

mantendo o ser doente, intercâmbios contínuos com o meio em que vive, num

constante esforço de adaptação à sua nova condição de doente, define-se a

abrangência multidisciplinar e estratégica da atuação do psicólogo hospitalar, pelo

reconhecimento do campo de saúde como uma realidade complexa, que necessita de

conhecimentos distintos integrados e que define o problema da intervenção de forma

imediata.

Esta discussão sobre a relação entre os profissionais da equipe de saúde, já que todos

os profissionais devem ter como único foco o paciente, é reafirmada por Pregnolatto e

Agostinho (1010, p. 145), “[...] ressaltando a necessidade de cuidar deste como um ser

biopsicossocial.”. Complementam estes autores (1010, p. 145), que “[...] um aspecto relevante

no ambiente hospitalar é o bom relacionamento entre os membros da equipe [...]”, assim

podendo ser divididas as dificuldades do trabalho.

A relação de trabalho com a equipe de saúde nesta pesquisa é mostrada através de três

subcategorias, Relação com equipe de saúde, Relação com enfermagem e Relação com

médicos.

Assim, começando pela relação de trabalho com a Relação com equipe de saúde, três

entrevistadas mostram num enfoque não tão positivo, através da solidão e pelo trabalho

desintegrado. Em relação à solidão, P3 expressa como tendo sido “[...] muito difícil mesmo”

a relação de trabalho com a equipe de saúde por duas razões. Uma, devido às circunstâncias

impostas pelo hospital na época, “[...] era a única psicóloga, então eu não tinha apoio de

ninguém”, outra é por não ter nascido na cidade. A participante buscou na terapia apoio para

lidar com esta solidão.

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64

A participante P4 enfoca, também de forma não tão positiva, a relação com a equipe

de saúde pelo trabalho desintegrado, justificando que não era realizado “[...] um trabalho em

equipe no sentido de reuniões, de estudo de caso.”.

A entrevistada P1 reafirma o trabalho desintegrado ao reconhecer que “[...] apesar de

ter feito muita coisa, a gente poderia ter feito mais.”. A participante considera que a

instituição poderia ter se apropriado do trabalho construído pela Psicologia, caso existisse

relação de trabalho entre a equipe de saúde.

Esta constatação da entrevistada é reafirmada por Chiattone. Quando o trabalho é

realizado pelos membros da equipe de saúde como um todo, se constituindo numa prática

multidisciplinar, esse contato entre profissões determina, conforme a autora (2004, p. 5), “[...]

multiplicidade de enfoques ao mesmo problema e, em consequência, ações diversas.”. Isto

vindo a ajudar e aumentar as possibilidades de recuperação do paciente.

A relação de trabalho com a equipe de saúde, em outras entrevistas, é avaliado de

forma satisfatória, podendo ser percebida de duas maneiras: colaboração e parceria da

equipe de saúde e prioridade da área biológica. A primeira, através da colaboração e

parceria da equipe de saúde, é deveras enfatizada em diversas falas da entrevistada P5. Para

ela a equipe de saúde é constituída por “[...] uma grande parceria entre o seviço social e

psicologia, enfermagem e os médicos.”. A psicodramatista afirma que, mesmo tendo sido por

um tempo e em algumas Unidades do hospital, como na UTI, foi constituído um atendimento

multidisciplinar, “[...] um grupo de apoio entre os profissionais, em que compartilhávamos

experiências e que foi muito rico.”. (P5).

Com esta prática multidisciplinar Chiattone (2004, p. 4) corrobora, quando afirma que

[...] Entende-se atualmente que o que se pretende em relação à saúde não seria de

competência de um único profissional, mas uma prática interdisciplinar em que

profissionais de áreas diversas, representantes de várias ciências, agregar-se-iam em

equipes de saúde, tendo como objetivos comuns estudar as interações

somatopsicossociais e encontrar métodos adequados que propiciem uma prática

integradora, tendo como enfoque a totalidade dos aspectos inter-relacionados à

saúde e à doença.

Contudo, Chiattone (2004, p. 5) ressalta que, por um lado, a atuação em equipe se

conforma num aspecto positivo de atuação, com a possibilidade de colaboração de várias

especialidades e respectivos conhecimentos e qualificações distintas. Por outro lado, este

mesmo aspecto pelas diferenças específicas de conhecimento e de tarefa de cada área, pode

vir a ser um dificultador da compreensão mútua e a possibilidade de uma atuação uniforme.

Nas entrevistas este aspecto dificultador não foi evidenciado.

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65

A segunda maneira que a relação de trabalho com a equipe de saúde é avaliada de

forma satisfatória, diz respeito à possibilidade de lidar com a prioridade da área biológica,

evidenciada no hospital em relação à Psicologia. Para P2, esta prioridade dada no hospital à

área biológica não se constitui como problemática, é “[...] um dado de realidade [...]” ao qual

o psicólogo tem que se adaptar e lidar. A participante justifica que “[...] entre o ideal e o real a

gente faz o que é possível [...]”, se concretizando o possível numa “vantagem”. Isto se

devendo ao número de pacientes possibilitados no espaço de um hospital. Conforme a

entrevistada, se não podia atender o paciente que tinha previsto, por estar em qualquer

procedimento, atendia outro que estava disponível no momento, “[...] nunca dava para ficar

parada.”. (P2).

A relação de trabalho com a equipe de saúde, também foi evidenciada por diferentes

especialidades da equipe de saúde, pode ser percebida, através das entrevistas, a Relação com

enfermagem e a Relação com médicos, tal como realizado anteriormente.

A Relação com enfermagem é evidenciada através da colaboração e parceria da

enfermagem, do trabalho segmentado e do ressentimento.

As participantes P1 e P4 especificam a relação de trabalho com a enfermagem,

avaliando, de forma positiva, quanto à colaboração e parceria da enfermagem.

[...] fantástico, colaboração e respeito [...] as melhores parceiras [...] sempre tinha o

apoio e a parceria delas para tentar minimizar as dificuldades. (P1)

[...] passam pacientes que estão necessitando [...] davam informações técnicas que

nos ajudam bastante. (P4)

Salto (1992, p. 366) reafirma essa relação de parceria com membros da equipe de

saúde, não só em relação à enfermagem, mas também às assistentes sociais, dizendo que “[...]

são fontes ricas de informações que nem sempre estão registradas na papeleta.”.

Contudo, esta boa relação de parceria com a enfermagem também é evidenciada de

forma não tão bem vista. Para a participante P4, através do trabalho segmentado, o trabalho

com a enfermagem não se traduz num trabalho conjunto, “[...] elas só nos repassam

informações e depois é um trabalho bem segmentado.”.

A relação de trabalho com a enfermagem, numa visão não bem vista também é

vivenciada pela entrevistada P4, através do ressentimento, “[...] com a enfermagem,

interessante, existia assim, é um ressentimento, me parecia.”. (P4).

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66

Quanto à relação de trabalho através da subcategoria Relação com médicos, é

percebida de forma diferente pelas entrevistadas que se pronunciam a respeito. A entrevistada

P1 avalia como não bem vista, através da indisponibilidade para troca.

[...] bastante resistentes [...] não havendo uma disponibilidade maior para troca, para

conversa ou para poder circular melhor as informações, a gente não tinha abertura

em relação aos profissionais médicos. (P1)

A entrevistada P1 considera que, se houvesse disponibilidade dos médicos para a troca

com a Psicologia, teria sido possível “[...] entender que muitas vezes essa intervenção, ela

acaba resolvendo muitos problemas.”.

Em contrapartida, para outras três entrevistadas a relação de trabalho com os médicos

é bem avaliada, através da aceitação e colaboração e parceria dos médicos. Para a

participante P2 a relação de trabalho com os médicos é expressa através da aceitação a partir

do trabalho que ela desenvolvia, “[...] então aquilo foi muito bom, tive uma aceitação

maravilhosa, era muito bom.”. (P2).

As entrevistadas P3 e P5 expressam a relação de trabalho com os médicos através da

colaboração e parceria dos médicos. Isto é evidenciado por elas em determinadas Unidades

do hospital, pelos encaminhamentos solicitados, pelo reconhecimento evidenciado e pela

infra-estrutura conseguida.

[...] eu tinha trabalho de equipe com os médicos, todas as semanas nos reuníamos

para falar daquele paciente. E nesse trabalho de equipe eu colocava também o meu

parecer, [...] no estado emocional. E foi muito importante porque, com isso, eu

aprendi bastante, porque eles traziam como estava o quadro da criança e qual o

procedimento a fazer no futuro. (P3)

Neste tópico, através das experiências das participantes, a relação de trabalho da

Psicologia com a equipe de saúde, de forma ampla, ainda não se mostra consolidada no

ambiente hospitalar, evidenciando resistências, competitividade e coorporativismo. Pode-se

considerar com isto, que o paciente ainda não é percebido como um todo, como uma unidade

integrada nos seus aspectos biopsicossocial.

Através deste subcapítulo, pela vivência das entrevistadas e conforme aponta a

literatura, a inserção da Psicologia na equipe de saúde mostra alguma dificuldade, contudo é

mais evidenciada de forma boa e tranquila. Quanto à percepção do trabalho da Psicologia no

hospital, se dá pelas equipes médica e de enfermagem, não pela equipe de saúde como um

todo. As entrevistadas revelam que ainda há desconhecimento da função do psicólogo no

hospital, permitindo inferir que o atendimento ao paciente ainda não se concretiza num

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trabalho multidisciplinar e integrado. As psicodramatistas, entretanto, demonstram um esforço

nesse sentido, concretizado pelo trabalho por elas desenvolvido, mostrando, como a literatura

sugere, possibilidades da sua função. Com isso, conquistaram aos poucos credibilidade,

demonstrando que a Psicologia no hospital não é uma brincadeira de criança ou só um faz de

conta.

4.2 HOSPITALIZAÇÃO E SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA PACIENTES E FAMILIARES

Este subcapítulo vai ao encontro do segundo objetivo específico desta pesquisa,

discutir o processo de hospitalização e suas consequências para a vida dos pacientes e

familiares, apoiado em três categorias de análise, a saber: Caracterização da condição do

atendimento psicológico, Aspectos importantes na atuação das psicodramatistas no

hospital e Demandas para atendimentos psicológicos.

Para a pessoa hospitalizada, a internação se constitui numa experiência impar, há

ruptura da sua rotina cotidiana, um corte dos relacionamentos e nos vários papéis que

desempenha, como caracteriza o psicodrama. Ao mesmo tempo exigindo o desenvolvimento

de outros papéis, mas restritos, para esta pessoa que agora se torna paciente, dado a mudança

de local, de rotina das atividades, de hábitos e de relacionamentos.

4.2.1 Caracterização da condição do atendimento psicológico

O atendimento psicológico num contexto hospitalar, muito diferente do clássico

atendimento em consultório, de forma individual ou em grupo, tem características próprias e

específicas. Essas características são evidenciadas através das subcategorias: Setores do

hospital, Local do atendimento e Frequência, duração e horário de atendimento.

As entrevistas realizadas, através da subcategoria Setores do hospital, mostram que

os atendimentos psicológicos se dão em variados setores. Conforme enfatiza a entrevistada

P3, ocorrem “[...] no hospital todo [...] dependendo da situação.”.

As participantes mencionam alguns dos setores em que atendem no hospital: UTI,

Emergência, Unidade Cardíaca, Unidade Cirúrgica, Ala dos Queimados, Unidade dos

Desnutridos, Unidade Oncológica, Unidade de Aids e Unidade Neonatal. Para além destes

setores, outros ainda são citados pela participante P4.

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68

[...] muito no setor das Mães Cangurus, que tiveram crianças prematuras ou com

algum tipo de problema que precisam ficar um tempo no hospital [...] um outro setor

que a gente trabalha é com as gestantes de alto risco e estão lá internadas. (P4)

Vale ressaltar, cada setor tem características e especificidades próprias, requerendo um

atendimento específico e diferenciado.

A sensível diversificação da atividade de um psicólogo hospitalar é discutida por

Solon (1995, p. 112), quando refere que na prática a especialidade é delineada por atuação em

unidades diferenciadas, “[...] sendo que, em geral, os psicólogos atuam em mais de uma

unidade.”.

Para além da diversidade de atendimentos específicos e variados e por atuar em

unidades diferentes, o psicólogo tem que buscar responder, segundo Campos (1995, p. 61),

“[...] a uma angústia, um pedido de ajuda e de socorro. É o cliente que sabe dimensionar a sua

dor e sua angústia.”. Desta forma, as respostas do psicólogo, complementa a autora (1995, p.

61), “[...] não podem ser respostas padronizadas e uniformes, que nem sempre estabelecem a

integração necessária entre ele e quem recebe seus cuidados.”.

Quanto ao Local do atendimento, pode-se perceber, através das entrevistas

realizadas, que os locais são os mais diversos, conforme literatura da área vem demonstrando.

Em se tratando de hospital, onde a maior parte dos pacientes precisam permanecer deitados,

grande parte dos atendimentos ocorre nos leitos. Assim, ressalta P1, o paciente “[...] precisava

ficar deitado ou melhor acomodado.”.

Entre os atendimentos que se dão nos leitos, as entrevistadas se referem, na grande

maioria, a quartos coletivos, o que vem ao encontro da realidade oferecida pelo sistema de

saúde pública do país.

[...] quartos compartilhados, às vezes até 3 pessoas no quarto, às vezes mais, até 4,

tinham uns quartos maiores. (P1)

[...] às vezes o quarto era uma ala, espaço de 2, 3 leitos, era uma coisa mais coletiva,

mais com algumas crianças e algumas mães. (P2)

[...] geralmente quarto duplo, quarto coletivo [...] como a gente trabalha na ala do

SUS. (P4)

Uma preocupação manifestada por todas as entrevistadas é quanto ao resguardo e

sigilo nos atendimentos, o que se concretiza em uma dificuldade se tratando de um hospital.

Ainda mais quando a grande parte dos pacientes era atendida no leito de quartos coletivos. O

relato da prática de uma entrevistada vem ao encontro desta preocupação, como segue

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69

[...] então a gente chegava até o quarto, tinha que esperar o momento adequado,

muitas vezes estava sendo feito intervenções [...] é complicado [...] você vai falar da

sua vida, de coisa que é íntima sua com uma pessoa do lado que você não sabe quem

é. (P1)

Esta preocupação quanto ao sigilo dos atendimentos em contexto hospitalares expresso

pelas entrevistadas, é uma preocupação compartilhada por diversos autores estudados para

esta pesquisa, entre eles Penna. Segundo a autora (1992, p. 363), “[...] nas enfermarias, onde

existem ‘boxes’, estes apresentam condições de vedação acústica precária, e doentes de leitos

vizinhos ou profissionais que trabalham por perto podem, eventualmente, ouvir o que está

sendo dito entre paciente e terapeuta.”.

Na busca da privacidade para os atendimentos psicológicos, as psicodramatistas

entrevistadas procuram, com base na espontaneidade, saídas criativas. Para pacientes que têm

que permanecer no leito, a participante P1 busca fazer o atendimento, quando possível, em

quartos que estejam vazios.

[...] na maioria das vezes, a gente conseguia deslocar a paciente para um quarto que

tivesse vazio, porque a gente nunca teve um espaço destinado propriamente para a

Psicologia [...] se tinha um quarto disponível a gente pedia autorização e se movia

com a paciente para esse quarto. (P1)

Os pacientes que podem se deslocar da Unidade em que estão internados, mesmo que

seja em maca ou em cadeira de rodas, as entrevistadas procuram lugares alternativos para o

atendimento. Também buscam lugares alternativos possíveis para o atendimento à família do

paciente. Assim, as participantes indicam locais como: o próprio consultório da Psicologia,

salinha de recreação, sala de grupo e sala de espera.

As entrevistadas também citam os mais diversos espaços de circulação, além dos

espaços fora do prédio do hospital, para fazer os atendimentos aos pacientes e familiares.

[...] atendia em muitos lugares, na escada, no corredor, onde tivesse um espaço em

aberto a gente estava fazendo o atendimento. (P1)

[...] as crianças que podiam se deslocar [...] não estavam presas a nenhum

equipamento [...] não estavam com soro, não estavam tomando sangue, oxigênio,

nem nada, podia se locomover, então a gente saía para caminhar. [...] ocupando

todos os espaços possíveis do hospital, às vezes até o jardim. (P2)

[...] no hospital todo [...] se casualmente os pais estivessem juntos, também os pais

acompanhavam. (P3)

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70

As saídas criativas, com base na espontaneidade, buscadas pelas psicólogas, vêm ao

encontro do que ressalta Faleiros (2004, p. 15), num estudo onde o enfoque é o de “[...] Jacob

Levy Moreno, para quem a criatividade no papel do psicoterapeuta deverá estar presente,

enriquecendo-o e transformando-o.”.

Outra característica dos atendimentos psicológicos em hospital, que se difere

sobremaneira das outras formas de psicoterapia, diz respeito à Frequência, duração e

horário de atendimento. Isto se devendo às próprias especifidades de uma internação. O

tempo de permanência do paciente no hospital é bastante variado e, em grande parte,

imprevisível. A isto se soma a gravidade da patologia, o tipo de intervenção necessária, a

capacidade de resposta do paciente à doença, inclusive com a possibilidade de falecimento.

Penna (p. 1992, 363) colabora com esta discussão quando afirma que “[...] a frequência e a

duração das sessões só devam ser estabelecidas sob a forma de intenção.”. Quanto ao horário

de atendimento, pode-se também dizer que, tal como a frequência e a duração, é estabelecido

sob a forma de intenção.

Em relação à frequência do atendimento, onde o tempo e a previsibilidade de uma

internação são determinantes, através das falas das entrevistadas é possível perceber que estão

de acordo no que diz respeito à intencionalidade.

[...] se você for pensar na situação que você precisa de 4 ou 5 encontros para formar

um vínculo, essa possibilidade a gente não tinha. (P1)

[...] não podiam ser muito longas [...] tinha até que considerar inclusive a

possibilidade do óbito [...], mesmo que não fosse a óbito, a criança iria ter alta [...] às

vezes de um dia para o outro, a criança se internava hoje e saía amanhã. (P2)

[...] alas que são mais clínica geral, a rotatividade é extremamente alta. (P4)

No caso dos pacientes que permanecem internados por um período mais longo, a

intenção da frequência passa a se concretizar como uma possibilidade.

[...] tinham crianças que eram moradoras, residentes do hospital. [...] porque elas já

tinham doenças tão crônicas [...] essas eram uma exceção. (P2)

[...] têm algumas mães que a gente consegue até acompanhar, que são essas mães

cangurus. E às vezes até gestantes que estão lá e que já romperam a bolsa, mas ainda

não está na época de ganhar o filho, elas ficam acamadas também, 1 mês, 2 meses,

segurando aquela gestação. (P4)

Quanto à duração do atendimento, as entrevistadas consideram relativo, variando entre

15 minutos a uma hora e meia. Alguns fatores determinam esta variação, entre eles estão a

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idade e as condições físicas e emocionais do paciente, e, também, pela própria característica

do hospital de “Vinheta e Atalho3” (P5), conforme explicam as entrevistadas

[...] hospital é ´tocar ficha` como dizem lá [...] às vezes dá tempo de fazer com

calma, às vezes é Vinheta e Atalho, falando em linguagem de psicodrama, tem que

encurtar caminho, tem que trabalhar com o possível. (P5)

[...] às vezes, um processo se encerrava numa única sessão. Eu gostava quando

podia ser pelo menos uns 40 minutos, eu me sentia bem porque era o tempo que eu

sentia próprio para fechar. (P1)

[...] O horário depende, no máximo [...] uma hora [...] mas criança é muito rápida

[...] nem dá para ficar muito porque essa criança cansa [...] a maioria era ali, meia

hora, 40 minutos, às vezes 15, mas a gente ia lá, conversava, acompanhava e fazia

uma técnica com alguma coisa. (P2)

[...] era relativo, dependendo de como a criança se posicionava também. (P3)

A duração do atendimento, tal qual a frequência, é variada, imprevisível, se

estabelecendo enquanto intenção. Além da patologia e das condições do paciente, a duração

também varia de acordo com quem solicita o atendimento e o estado psicológico do paciente.

[...] dificilmente é o paciente que pede, é a gente que vai lá conversar com o paciente

e oferecer o atendimento. Pode ser que a gente faça um atendimento, uma avaliação

rápida de 15 minutos, vê que a pessoa está bem, não está muito a fim de conversar,

então termina. Já têm atendimentos [...] que ela tem condições de continuar

condições físicas, está muito angustiada, então a gente chega a ficar até 1 hora e

meia. (P4)

Mesmo que a duração do atendimento se conforme num tempo curto, por se tratar de

uma situação de crise, ele é potencializado, segundo uma entrevistada.

[...] apesar de ser pouco tempo o atendimento, ele está potencializado porque é uma

situação de crise. Muitas vezes é pouco, mas é tão intensa a forma como a gente

trabalha. (P2)

Quanto ao horário do atendimento, pelas entrevistas pode-se perceber que somente os

atendimentos que envolvem a preparação para cirurgia permitem o pré-estabelecimento. Isto

por se concretizar como um procedimento previsível e com tempo determinado. Mesmo assim

algumas intervenções inesperadas e prioritárias acontecem, acarretando na alteração do

3 Vinheta e Atalho são formas específicas e criativas do psicodrama para utilizar os recursos metodológicos,

sendo mais rápidas para a compreensão de quem dirige uma dramatização. Na essência, “o Atalho condensa

metaforicamente o drama, e a Vinheta trabalha um segmento do drama.”, segundo Fernandes, (2009, p. 17, grifo

do autor)

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horário pré-estabelecido. A grande maioria dos atendimentos, ao contrário, não se viabiliza

com horário marcado previamente, sendo necessário que as psicólogas se adaptem a esta

característica típica de um contexto hospitalar.

[...] tinha uma coisa em comum, exceto as preparações de cirurgia, as outras todas

nunca tinham horário pré-definido [...] tínhamos que aprender a lidar com isso. (P2)

[...] tinham horários em que se podia levar [...] crianças que não estavam acamadas,

então que podiam ser deslocadas [...] quando se fazia uma preparação para uma

cirurgia formal. (P5)

Neste tópico fica evidenciado, conforme a literatura da área demonstra, que o contexto

hospitalar requer um atendimento com características específicas e próprias, quanto a setor,

local, frequência, duração e horário. Isto exige do profissional da Psicologia o aprendizado de

novos saberes, técnicas e práticas, buscando, com base na espontaneidade, saídas criativas.

4.2.2 Aspectos importantes na atuação das psicodramatistas

Ao se inserir no contexto hospitalar o psicólogo, conforme Chiattone (2000 apud

ROSSI et al, 2004), “[...] inicialmente ´emprestou` recursos técnicos e metodológicos de

outras áreas do saber psicológico.”. Contudo, complementa a autora, esse conhecimento

mostrou-se “[...] inadequado a esse contexto, cuja especificidade tem exigido a construção de

um novo saber e a adequação de técnicas.”.

A partir da inserção da Psicologia no hospital, portanto, é exigido ao profissional

psicólogo uma maneira específica de proceder numa extensa área de atuação, a qual nem

sempre o psicólogo está preparado. É o que esclarece Almeida (2000, p.25), ao afirmar que

“[...] a formação em Psicologia não inclui o debate sobre a saúde em seus aspectos políticos,

sociais e econômicos. O sujeito psicológico é tomado à margem desses processos, sem uma

discussão mais abrangente sobre a saúde.”.

Em relação a isto, complementa Angerami-Camon (2002, p.15), dizendo que “[...]

questões como morte, saúde pública, hospitalização e outras temáticas, que em princípio eram

pertinentes apenas à Psicologia Hospitalar, não tenham prioridade ou então não sejam

exigidas como necessárias para a formação do psicólogo.”. Entretanto o próprio autor (1996,

p.24) antevê um futuro no qual “[...] as sedimentações curriculares dos cursos de Psicologia

sejam repensadas e discutidas sob novo prisma.”. Esse futuro se concretiza como presente em

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73

vários cursos acadêmicos que já incluíram nos seus currículos e, portanto, vêm tratando a

realidade da Psicologia Hospitalar.

De fato, a atuação do psicólogo no contexto hospitalar é recente e está em processo de

construção e, diferente do costumeiro trabalho de atendimento psicoterápico em consultório, o

psicólogo teve que aprender novos saberes e novas técnicas. Nesse processo, deve preocupar-

se, de forma geral, com a compreensão dos aspectos biológicos, sociais e comportamentais

que influenciam na doença do paciente e, de forma específica, buscando diminuir o

sofrimento físico, a angústia, o medo, entre outros sentimentos que dizem respeito ao

paciente, consequência da sua doença e do processo de hospitalização, que, também, afetam a

família e a equipe de saúde pelo envolvimento com o paciente.

As entrevistadas desta pesquisa apontam aspectos importantes na atuação da

Psicologia em contextos hospitalares, decorrente da própria experiência, evidenciadas através

das subcategorias: Dificuldades diante da diversidade de demanda, Demandas

emergenciais milagrosas para a psicologia, Comunicação com a equipe de saúde, Várias

funções no mesmo papel, Visão télica, Relação vincular, Compreensão do contexto

relacionado à demanda e da rede social, Atuação espontânea e criativa, Criatividade na

adversidade, Verdade e respeito em relação aos pacientes, Resgate da alegria, Mudança

visível e Angústia das psicodramatistas.

Essa atuação nem sempre é fácil, há dificuldades. Algumas destas dificuldades são

narradas pelas psicodramatistas, entretanto, sentidas de forma diferente por cada uma delas.

Sobre as Dificuldades diante da diversidade de demanda, a entrevistada P3 relata

que não consegue desenvolver um “[...] trabalho contínuo e perseverante [...]”, já que era

solicitada para atender diferentes demandas em diversas Unidades.

Outra dificuldade percebida na atuação do psicólogo hospitalar, diz respeito à

Demandas emergenciais “milagrosas” para a Psicologia.

[...] chamavam querendo que fizesse milagre, quando não davam mais conta com o

paciente, quando o paciente estava impossível, ou quando não conseguia administrar

a medicação, ou quando precisava dar a notícia de morte, ou a notícia do

diagnóstico. (P5)

Penna (1999, p. 363) contribui neste sentido, refletindo que ao psicólogo é

“empurrado” o paciente considerado difícil, “o famoso chato”. Além de pacientes que o

médico não consegue lidar pelas “[...] vivências emocionais fortes [...]”, são os pacientes

terminais, com mutilações ou amputações. Complementa ainda que, por diversas vezes, os

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74

atendimentos psicológicos são solicitados sem a formulação da razão do pedido e, até mesmo,

sem que o paciente seja informado.

Em relação à Comunicação com a equipe de saúde, é demonstrada mais uma

dificuldade em relação à atuação do psicólogo. A entrevistada P1 considera esta dificuldade

em especial devido ao sigilo exigido ao psicólogo quanto à intervenção junto ao paciente. Este

sigilo, necessário para garantir a privacidade do paciente, faz com que o retorno seja “[...]

bastante superficial [...]”, não permitindo que a equipe de saúde tenha a dimensão do que cada

intervenção representa em relação ao paciente.

Esta precaução da entrevistada se faz necessária, assim reflete Penna (1992, p. 364),

“[...] o que será ou não divulgado terá de ser cuidadosamente pesado para que não se exponha

desnecessariamente a intimidade que nos foi confiada.”. Essa reflexão é pertinente, pois cabe

ao psicólogo saber o que contar à equipe de saúde, percebendo o que vem a beneficiar ao

paciente, ao mesmo tempo sem ferir o que foi confiado durante o atendimento.

Para além das dificuldades, outros aspectos relativos à atuação da Psicologia em

contextos hospitalares são identificados pelas psicodramatistas.

Sobre a experiência de vivenciar Várias funções no mesmo papel, a entrevistada P5

aponta outro aspecto importante na atuação da Psicologia em contextos hospitalares.

[...] no hospital não tem essa de limitação, e na medida em que foram ficando menos

ameaçados, você segura a criança pra fazer curativo, você ajuda, está na função. [...]

Pode estar numa outra função, mas você tem que estar no seu papel, e esse é que é o

grande exercício [...] Você pode estar fazendo uma outra função auxiliar, segurando,

mas o seu papel é outro. (P5)

A própria dinâmica do hospital exige, muitas vezes, que o psicólogo exerça várias

funções ao mesmo tempo. O psicólogo atuar no hospital exercendo funções que não são

caracterizadas como da sua própria profissão, por uma necessidade emergencial, pode ser

positivo, segundo a entrevistada P5, se o profissional estiver cônscio do seu papel de

psicólogo.

[...] você tem que sair correndo para empurrar maca porque não tem gente [...]

porque isso vai ajudar a salvar talvez [...] esse é que é o grande exercício. (P5)

A Visão télica é outro aspecto relativo à atuação das psicodramatista, apontada por

P4. Exemplifica através do caso de uma paciente grávida, internada há 3 ou 4 semanas,

reclamava que se sential mal. Contudo, o médico dizia que tudo estava normal. Através do

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75

atendimento psicológico, a paciente foi orientada para insistir com o médico a fazer exames

mais específicos.

[...] foi descoberto, realmente, um problema bastante grave e ela pode tratar. Essa

escuta é fundamental, escutar o que o paciente [...] botava em risco o bebê, ela

estava bem mal já. Então é uma questão de fazer tele. (P4)

Quanto mais télica no atendimento for a percepção do psicólogo, possível através da

relação vincular, maior conhecimento real terá da situação do paciente. Desta forma diz

Moreno (apud Bustos, 1990, p.91) que o fator tele “[...] pode ser considerado como o

fundamento de todas as relações sadias e como elemento principal em todas as formas de

psicoterapia.”. O que pode se conformar num real apoio ao psicólogo no hospital.

A Relação vincular se constitui como mais um aspecto da atuação das

psicodramatistas no hospital, conforme P4, “[...] a gente tenta fazer muito vínculo com o

paciente desde o primeiro momento.”.

O psicólogo hospitalar deve ter presente que a capacidade vincular se forma a partir da

rede sociométrica, originando o átomo social, que será a matriz vincular da pessoa. Esta

Matriz, que começa a se desenvolver desde o momento da concepção, está impregnada pelos

valores da sociedade que a circundam, servindo como segurança, orientação e guia para esta

pessoa. Na fase da Matriz de Identidade Total e Indiferenciada, a ternura, como sentimento

primário, é a pré-condição necessária para que o ser humano adquira a capacidade de

estabelecer vínculos íntimos. Se estes vínculos contêm ternura, ao diferenciar-se, a pessoa

incorpora a sensação de existência de plenitude, saberá que o amor existe, não como conceito,

mas como realidade existencial e palpável. Assim, o psicodramatista deve tentar resgatar no

paciente os vínculos que contenham ternura, sentimento compreendido no cluster materno.

Sobre isto Bustos (1990, p. 141, grifo do autor), complementa, “[...] quando um paciente

encontra-se ferido, machucado profundamente ou elaborando situações, para aqueles que se

sentem vulneráveis, o terapeuta é solicitado na função materna.”. A pessoa doente internada

no hospital se sente vulnerável, assim o psicólogo é solicitado na função materna.

A entrevistada P5, em relação ao vínculo, cita um caso de uma paciente que precisava

fazer um transplante de rim, como não se fazia este tipo de intervenção em Florianópolis na

época, foi levada para Porto Alegre. O vínculo entre a paciente e a psicodramatista, fez “[...]

toda a diferença”.

[...] A criança tinha vínculo [...] comigo, que fazia todo o acompanhamento, que fiz

a preparação para o transplante. E precisava passar toda a história dessa criança, que

estava internada há meses aqui sozinha e que ia pra um outro hospital sozinha. Ia de

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76

ambulância, precisava dar segurança para poder fazer esse acompanhamento [...] ia

fazer toda a diferença (P5)

Num hospital, embora a maioria dos atendimentos não seja processual, deve-se

procurar fazer a relação vincular com o paciente desde o primeiro momento. Esclarece Nery

(2003, p. 18), “[...] os vínculos que estabelecemos nos despertam para a experiência

emocional neles contida. É essa experiência que lhes dá autenticidade e o aquecimento para a

sua efetivação.”.

[...] pelo vínculo a gente vê que está agradando ou não. Porque se a gente não está

agradando, se não pegou o fio da meada, elas já cortam. No momento em que faz o

vínculo, que conta, que abrem a vida delas, então a gente vê que, realmente, está

dando resultado. (P4)

[...] a paciente estava com a pressão altíssima, não tinha medicação que resolvesse.

Uma das enfermeiras teve a iniciativa de chamar a Psicologia [...] Era uma paciente

bastante resistente [...] quando foi possível o atendimento ela trouxe uma questão. E

ela só trouxe a questão e chorou muito em cima daquilo, daquela possibilidade. E só

essa forma de desabafar, de trazer aquilo para fora, regularizou a questão da pressão

dela. (P1)

[...] deixavam desenho e a gente deixava desenho e era uma pena quando elas iam

embora, tristeza alegre [...] não estava prevista a alta e, quando cheguei, ela não

estava mais. E eu pensei, ela se foi e a gente nem deu tchau. E depois eu fui ver que

ela tinha deixado com a enfermeira um negocinho escrito num papel [...] tinha

vontade de dizer tchau para mim. Foi uma relíquia aquilo, um troféu. (P2)

[...] o menino [...] ficou um tempo no hospital, foi para casa e depois ele voltou. [...]

ele tinha um problema gástrico e a ambulância trouxe do interior, os pais não

puderam vir [...] quando ele chegou na Emergência, ele chorava muito e dizia,

‘Quero pepsicola, pepsicola’. Eles tentavam convencer que ele não podia tomar

pepsicola [...] ia para uma cirurgia. E ele dizia, ‘vocês não me entendem, aquela

moça de verde.’ [...] era a psicóloga, era alguém de verde. (P5)

[...] ‘Tia P5, guarda essa foto como lembrança de alguém que hoje caminha

tranquilo, graças a sua valiosa e incansável dedicação.’. (P5)

Nas entrevistas as psicodramatistas referem-se sobremaneira à relação vincular, o que

se pode inferir como fundamental para que o atendimento consiga alcançar as melhores

possibilidades para o paciente. O vínculo entre paciente e psicoterapeuta é base para que o

desenvolvimento psicoterápico atinja os objetivos a que se propõe.

A espontaneidade como centro da teoria de Moreno, necessita da ternura para

propiciar sua emergência. Quando a espontaneidade está ausente, o clima de tensão fica

também incorporado como parte constitutiva do ser. No lugar da espontaneidade emerge a

angústia. Esta é profundamente temida pelo ser humano, pelo seu caráter desintegrador,

podendo levar ao adoecimento. (BERTUSSI e SANTOS, 1992).

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Num atendimento ao paciente é procurado que, através da espontaneidade, ele consiga

dar respostas criativas à angústia que está sentindo. O vínculo estabelecido com o

psicoterapeuta é base e estimulador para a espontaneidade. Sobre a espontaneidade,

complementa Bustos (1990, p. 89), “[...] se descontarmos sua origem como condição inerente

ao ser humano, não poderemos desprendê-la do sistema de estimulação vincular.”. Ainda

reforça o autor (1990, p. 90), que “[...] apesar de emergir individualmente, a espontaneidade

se realimenta vincularmente.”.

Outro aspecto relativo à atuação das psicodramatistas está na Compreensão do

contexto relacionado à demanda e da rede social, que possibilita perceber o paciente nos

vários contextos: da demanda, de vida, da rede social.

[...] ver o contexto que estava acontecendo ali, não só naquela paciente em si, mas o

que estava por detrás. Muitas vezes vinha a utilização das técnicas do psicodrama, e

como a gente tinha pouco tempo, precisava levantar o maior número de informações

possíveis já na primeira sessão. [...] tinha que tentar trazer a maior parte do contexto

relacionado àquela demanda [...] no primeiro momento é entender o universo

daquele paciente, antes de buscar uma intervenção que seja, meramente, paliativa.

(P1)

[...] pensar as bases todas do psicodrama, através do pensamento de Moreno, é

essencialmente sistêmico, nunca pode ser considerada a pessoa distinta do seu

grupo. [...] muitas vezes propor para o paciente um psicodrama interno, ou trazer o

átomo social desse paciente, poder investigar as relações desse paciente num todo,

quem é que estaria naquele momento influenciando a condição do paciente. (P1)

As práticas psicodramáticas usadas por esta psicóloga, a auxiliavam na investigação

do maior número de informações num menor tempo, dando dinamicidade à intervenção.

Como mais um aspecto da atuação das psicodramatistas no hospital está a Atuação

espontânea e criativa, evidenciada por P1, “[...] ao mesmo tempo que é extremamente

desafiador, é extremamente favorável, porque você tem que contar o tempo todo com a tua

espontaneidade.”.

A espontaneidade, como já mencionado, considerada como um dos pilares da teoria

psicodramática vai permitir o reconhecimento da criatividade e da sensibilidade. Esses

recursos são fundamentais ao profissional psicodramatista.

[...] é o olhar, é a forma como você vê a partir da espontaneidade, da criatividade.

Acreditar, sim, que aquela pessoa pode dar uma resposta melhor para aquilo que ela

está vivenciando. (P1)

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Assim, afirma Faleiros (2004, p. 21), “[...] quanto mais espontâneo e criativo for o

psicodramatista, expressando sua inspiração momentânea com originalidade em suas ações,

mais facilitará ao cliente mostrar-se em profundidade.”.

Esta originalidade nas ações dos psicodramatistas, baseada na espontaneidade e na

criatividade, são expressas pelas entrevistadas quando falam sobre recursos usados nas suas

intervenções no hospital.

[...] tinha uma mostrinha de cada coisa, pedrinhas, conchinhas, coisinhas pequenas.

[...] com aquela maletinha mágica, improvisava [...] com o que era possível. (P1)

[...] o cheirinho, nem que o ‘cheirinho’ tivesse que ir pra esterilização [...] boneco,

bicho de estimação. (P5)

A participante P5 se refere ao “cheirinho”, “boneco” e “bicho de estimação” como

objetos intermediários para a criança internada. A criança pode ter algo que a ligue aos pais,

assim, mantendo o vínculo com eles, mesmo estando afastados. Através do objeto

intermediário a criança substitui os pais, com isto trazendo conforto e aliviando a solidão que

sente por estar internada no hospital.

Outro recurso citado pela entrevistada P5, como atuação espontânea e criativa, são

fotos. Entre as fotos, a participante mostra a de uma menina no pós-operatório de uma cirurgia

cardíaca. Durante a preparação para esta cirurgia, a paciente tinha demonstrado a vontade de

ter uma foto, pois nunca tinha sido fotografada. Assim, diz a psicodramatista P5, “[...] prometi

que ia fazer uma foto dela depois da cirurgia.”.

Dentro da situação desconfortável, muitas vezes dolorosa, que envolve um pós-

operatório, esta paciente tinha algo que a confortava e a estimulava, a expectativa de ser

fotografada. Isto sendo um motivador, levando a um empenho maior da menina na sua

recuperação.

As psicodramatistas, na atuação no hospital, buscam ser espontâneas, sensíveis e

criativas, para tanto, fazem adaptações, “o psicodrama com as adaptações contemporâneas

[...] o psicodrama não foi criado para isso.”. (P5).

Através da subcategoria Criatividade na adversidade, a entrevistada P2 revela que

“[...] fazer dessas adversidades, não os obstáculos, mas aquilo que nos proporciona continuar,

ir amanhã seguindo em frente.”.

[...] às vezes você tem um monte de fatores adversos. Agora, quando você está

diante de uma criança, quando ela te dá um sorriso, ela te dá uma olhadinha, ‘Só

quero te dar um bilhetinho’. [...] é como se aquilo valesse a pena e tu tens que fazer

da tua adversidade, a tua maior mestra, para você aprender a continuar [...] não

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79

desistir, não parar [...] muito menos esperar que a gente tenha as condições ideais

[...] não tem, invente, crie, improvise, faça o que for possível. (P2)

Sobre isto P1 comenta, mostrando que o profissional da Psicologia deve ser pró-ativo,

buscando “[...] espaço de atendimento [...] muitas vezes precisa cavar atendimento [...]”,

concretizado na ação de “[...] perguntar, é poder passar nos quartos, perguntar às pessoas

como é que estão, se alguém tinha uma questão que gostaria de falar com o psicólogo.”. Para

tanto, completa P1, é necessário “[...] um pouquinho de peito [...] vai depender muito da sua

coragem de buscar, vencer essas barreiras que estão aí.”.

Quanto à divulgação das possibilidades de atuação, Salto (2000) ressalta que cabe ao

psicólogo mostrar “[...] o que pode ser oferecido em termos de atuação e ajuda ao paciente.”.

Penna (1995, p. 79) corrobora neste aspecto quando afirma que o psicólogo não deve só

esperar que os pacientes sejam encaminhados por outros profissionais, mas, sim, “[...] deve ir

ao encontro do paciente.”. Justifica esta autora que o psicólogo, com sua sensibilidade e

preparo, tem as condições de perceber os pacientes que precisam ser acompanhados.

A entrevistada P5 também concorda que o psicólogo tem que ser proativo,

evidenciando num atendimento encaminhado por outro profissional e num atendimento

percebido por ela mesma.

[...] no leito ao lado tinha um politraumatizado com uma mãe desesperada, a equipe

– ‘Poxa, você pode dar uma forcinha pra essa mãe?` [...] sai da UTI e tem um pai

chorando, conversa com esse pai. (P5)

Outro aspecto na atuação da Psicologia em contextos hospitalares também é abordado

pela participante P5, através da subcategoria Verdade e respeito em relação aos pacientes.

Este aspecto a entrevistada relata através de dois casos. O primeiro é o caso de uma

adolescente que, por ter sido atropelada, tinha grande possibilidade de ter uma das pernas

amputada; o segundo caso se refere a um menino paciente que sofreu queimaduras.

[...] existia uma possibilidade e ela precisava saber disso. E eu acho que ela saber a

verdade, deu força pra reagir também. (P5)

[...] com queimados era muito difícil, [...] porque além de tudo queimado tem muita

dor física. [...] Então trabalhava um pouco com a esperança de que ia fazer enxerto e

de falar o que ia acontecer. Porque estava uma perna queimada, sem nenhuma pele,

com muita dor, e vai tirar a pele do glúteo, do bumbum. E vai ficar com dor no

bumbum também [...] a compreensão disso, pelo menos assim, trabalhar com a

verdade, trabalhar com respeito. (P5)

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80

A entrevistada P5 mostra a importância de se dizer a verdade, respeitando o paciente,

mesmo que este seja uma criança. O que é reafirmado por Chiattone (2003, p. 82), inclusive

porque a criança doente e hospitalizada “[...] demonstra a aguda capacidade de observação e

de captar situações que acontecem ao seu redor, evidenciando que as crianças percebem fatos

que os adultos tentam deliberadamente ocultar.”. A falta de resposta ou mesmo a

incompreensão do adulto pode provocar mais dor e causar conflitos maiores à criança.

LeShan (1992) colabora com esta discussão em relação à pessoas adultas. Em seu

livro, ‘O câncer como ponto de mutação’, demarca que ao paciente, que esteja lúcido e

consciente, deve ser comunicado sobre a sua doença e possíveis consequências. Assim

respeitando sua capacidade de lidar com a verdade, considerando o paciente como uma pessoa

que deve e pode organizar e decidir sobre sua própria vida, expressando seus sentimentos e

suas vontades. Com isso, contribui para diminuição de sua angústia, levando a uma possível

melhora do seu estado clínico e emocional.

Os pacientes, segundo P5, se mostram em melhores condições para suportarem

qualquer procedimento ou mesmo sua doença, quando a eles é dito a verdade.

[...] quando eles sabem o que está acontecendo, quando eles são informados, quando

eles sentem que o de fora corresponde, quando eles vão para um exame sabendo o

que vai acontecer, mesmo que tenha dor, mesmo que tenha sofrimento, isso

minimiza. (P5)

Contudo, a informação verdadeira ainda se concretiza como uma “grande dificuldade”,

completa a participante, “[...] tanto os médicos, em certo momento, admitirem que isso podia

e devia ser feito, quanto os pais aceitarem.”. (P5).

O Resgate da alegria é outro aspecto na atuação das psicodramatistas no hospital.

[...] o uso sempre para poder resgatar, o mais forte que se percebia, e eu acho que

isso é muito moreniano, o resgate da alegria. O resgate da alegria quando uma

criança volta a sorrir, quando a criança começa de novo a brincar, quando a criança

tem a possibilidade de, mesmo na maca, poder fazer um desenho, poder estar

dramatizando com o bonequinho. E isso é a volta da espontaneidade. (P5)

Nas intervenções psicodramáticas é procurado trazer a alegria, assim se refere P5 e

lembra o epitáfio no túmulo de Moreno, “[...] Aqui jaz aquele que levou a alegria para a

Psiquiatria.”. Vale ressaltar que resgatar a alegria não tem a ver com a postura do

psicodramatista, conforme Bustos (1999, p. 54) que “[...] é um grande erro visualizar o estilo

dramático como sendo expansivo e vibrante.”. O psicodramatista deve ser espontâneo, ser ele

mesmo, respeitando seu estilo e sua circunstância de vida, complementando o autor (1999, p.

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81

54), “[...] o que importa, sim, e muito, é que se possa ser quem é de verdade, mais tímido e

recatado, ou mais enfático e agressivo.”. Contudo, buscando o resgate da alegria.

Outro aspecto relativo à atuação das psicodramatistas é revelado pela participante P4,

através da Mudança visível percebida em pacientes após o atendimento, o que se conforma

num reconhecimento e numa satisfação pelo trabalho realizado.

[...] Eu percebo na própria postura, na própria expressão facial. Quando a gente

chega estava uma e quando a gente saí está outra completamente diferente. Ou

quando a gente volta e tem acesso de novo àquela pessoa [...] ‘Ah, eu pensei muito,

agora estou mais animada, eu acho que é isso mesmo.’. Enfim, a própria pessoa dá

um feedback. (P4)

Através da Angústia das psicodramatistas, pode ser percebido o sentimento

decorrente da atuação no hospital, que ocorre por várias razões. Uma delas é fruto da própria

característica do hospital, o de ser um ambiente carregado e denso.

[...] porque é um ambiente pesado [...] por mais que estejam aí para ter o filho [...]

têm as questões mais complicadas [...] você também tem que lidar com essa questão

da estrutura, acaba tornando mais difícil. (P1)

O hospital se concretiza num local no qual se convive com doenças, perdas e conflitos.

Mesmo quando se trata de uma maternidade, onde predomina a vida, podem emergir situações

problemáticas, conforme acima referenciado pela entrevistada.

Outra forma de angústia, relatada pela entrevistada P5, é sentida através “[...] da nossa

impotência, da nossa impossibilidade de controlar, trabalhar com equipe, trabalhar os limites

do papel de cada um, da atuação de cada um.”.

A angústia gerada pela impotência relaciona-se com outra angústia, revelada pela

entrevistada P1, através da dificuldade de comunicação e relacionamento com o médico,

sentida pelo paciente e por ela própria.

[...] O mais angustiante para mim era quando as pacientes não conseguiam se sentir

à vontade, ou seguras, ou tranquilas com o atendimento. Por exemplo, ficavam

inseguras e, muitas vezes, tinham algumas informações que eram contraditórias, o

médico dizia uma coisa, a enfermeira falava outra. E muitas vezes você não tinha

possibilidade de chegar no profissional para explicar que isso era uma fonte de

ansiedade. [...] chegar nesse profissional para poder propor alguma coisa diferente,

eu achava isso angustiante, frustrante, porque nós não tínhamos os recursos para

mexer nesses tipos de situações. (P1)

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82

A angústia do paciente pela dificuldade de comunicação e relacionamento com o

médico torna-se uma angústia da própria entrevistada, já que esta dificuldade, também, é por

ela vivenciada na impossibilidade de se colocar para o profissional.

A característica do hospital de imprevisibilidade e indeterminação quanto ao tempo de

internação de um paciente, se conforma numa angústia para a entrevistada P1, “[...] a parte

mais limitadora angustiante, é você não poder terminar aquilo que você estava começando.”.

[...] uma situação que a paciente estava muito na dela, muito quietinha, mas as

enfermeiras perceberam que alguma coisa não estava legal. [...] Ela era uma situação

de abuso psicológico por conta do parceiro. Uma pessoa que estava, praticamente,

encarcerada e achando que não tinha saída [...] Poder fazer todo um esclarecimento

de que ela não precisava viver essa situação, que ela podia fazer uma denúncia, foi a

primeira parte do atendimento. Chegar na outra semana e não poder ouvir o que ela

tinha para dizer e oferecer um apoio. (P1)

Outra especificidade do hospital, o lidar com a morte, é fonte de angústia sentida pelas

entrevistadas. A morte é algo recorrente num hospital, contudo, conforme Menezes (2004, p.

35), “[...] isto não significa que os profissionais de saúde, em seu exercício cotidiano, sejam

insensíveis ao sofrimento e à morte.”.

[...] impotência diante da morte, que o hospital te coloca o tempo todo de cara com a

morte. Em compensação te coloca o tempo todo de cara com a vida também. [...] eu

sempre falava de minha paixão por UTI, é porque, ao mesmo tempo que você está

de cara com a morte, você é testemunha de ressurreição. (P5)

Na discussão deste tópico fica evidenciada que a atuação do psicólogo num contexto

hospitalar, independente da abordagem psicológica, se dá de forma bem diferente do habitual

atendimento em consultório. Reforçando, também, que o psicólogo teve que aprender novos

saberes, novas técnicas e novo jeito de atuar, lidando com situações de crise, buscando aliviar,

até mesmo evitar, o sofrimento psicológico e físico de quem por ele é atendido no ambiente

hospitalar. As entrevistadas mostraram seu jeito de atuar psicodramático, adaptando o

psicodrama ao hospital, através de algumas subcategorias, evidenciadas principalmente na

relação vincular. A atuação das psicólogas no hospital traz consequências para elas mesmas,

como o sentimento de angústia por elas sentido.

4.2.3 Demandas para atendimentos psicológicos

A doença, a internação, as intervenções, enfim, tudo que permeia um processo de

hospitalização traz profundas alterações na vida do paciente e seus familiares. Desta forma,

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83

afirma Campos (1995, p. 90), “[...] em todos os momentos, junto ao paciente ou junto aos

familiares, o psicólogo poderá estar prestando assistência, apoio, esclarecimentos e ajuda.”.

As demandas para os atendimentos psicológicos ao paciente e às famílias são

decorrentes de variados motivos. As demandas evidenciadas nas entrevistas assim confirmam,

pois são “[...] inúmeros os motivos das intervenções.”. (P1).

Neste tópico, as demandas para os atendimentos psicológicos serão analisadas através

das subcategorias Paciente e Família.

As demandas para os atendimentos psicológicos relacionadas ao Paciente, solicitadas

pela equipe de saúde, por familiares, pelo próprio paciente ou mesmo percebidas pelas

psicólogas entrevistadas, têm sua indicação pautada em motivos diversos. Serão analisadas

através da solidão, do medo do paciente, da perda, da falta de informação do paciente, da

falta de vínculo, pelo empobrecimento e alteração de papéis, pela ansiedade

antecipatória adaptativa, pela questão emocional, pelas marcas no paciente pela

internação, pelo aparecimento de problemas submersos e pela limitação da

espontaneidade, cristalização de conserva cultural.

A primeira demanda a ser abordada, evidenciada em três entrevistas, diz respeito à

solidão. Este sentimento é vivenciado pelo paciente, devido ao afastamento do convívio com

pessoas importantes e significativas do contexto familiar.

[...] era estar ali longe da mãe, longe da família, então, o que mais tinha era isso. [...]

e a angústia da separação, da família e do seu setting todo da residência. (P2)

[...] Alguns pacientes que já estavam há muito tempo na UTI. Eu me lembro de um

paciente, ele estava internado com tétano, ele estava no isolamento. Ele ficou dois

meses [...] absolutamente sozinho. (P2)

[...] crianças que ficavam muito sozinhas, muito desesperadas e confusas em função

da ausência de parentes. Crianças que vinham trazidas de famílias do interior. (P2)

[...] de estar longe da mãe, da mãe não estar podendo estar lá próximo [...] muita

gente do interior, a maioria, inclusive, era do interior. (P3)

Penna corrobora com esta discussão, por ela caracterizada como ansiedade de

separação. Segundo a autora (1992, p. 367), o paciente ao se hospitalizar, “[...] fica separado

não apenas de pessoas significativas para ele, mas também de objetos familiares, de seu

ambiente de trabalho, sua casa, sua cama, etc. E até mesmo do estilo de vida, de uma cultura

própria e de sua privacidade.”.

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[...] muitas vezes umas mulheres chegavam para ter o bebê sozinhas. Tinham um

filho e saíam do hospital com o filho no colo, sem sequer ter recebido uma visita de

alguém da família, ninguém. (P1)

A solidão, conforme a entrevistada P1, também é sentida pelo paciente por falta de

apoio familiar.

Entre as demandas para os atendimentos psicológicos para o paciente está o medo do

paciente. Este sentimento é experienciado pelos pacientes, de acordo com entrevistadas, por

motivos diferenciados. Entre estes motivos se destaca o medo da morte, sentimento recorrente

num hospital. Boss (1981 apud Campos, 1995, p.42-43), afirma que “[...] toda a doença é uma

ameaça à vida e, com isso, é um aceno para a morte, ou até um primeiro ou um último passo

em direção à morte”. Para o paciente, complementa a autora, “[...] vida e morte são

inseparavelmente unidas e pertencem uma à outra.”. O medo da morte sentido por paciente é

evidenciado por P4, “[...] então, a principal queixa das mães gestantes e das mães canguru é

perder o filho.”.

A entrevistada P3 revela o medo “[...] de morte até, porque lá no Hospital Infantil a

gente atendia de 0 a 15 anos.”. Este sentimento vivido pela criança é possível dado à

capacidade de percepção que tem da morte, segundo Chiattone (2003, p. 69), “[...] pela

própria vivência da situação da doença, as crianças doentes e hospitalizadas apresentariam

uma intensa capacidade de percepção de mudanças físicas em seu corpo, o que facilitaria a

percepção prematura da morte.”.

O medo também foi destacado em relação à dor física, conforme aponta P2, “[...] o

medo da dor, medo da seringa, da agulha, medo do doutor, porque sempre que o doutor chega,

dói.”.

A participante P3 também evidencia este tipo de medo, “[...] eu acho que de dor,

assim, física, de fantasia.”. Este tipo de medo, também recorrente num hospital, é ressaltado

por Penna (1992, p. 367) como “[...] medo da perda de, ou dano a partes do corpo [...]”,

gerando “[...] fantasias em torno das intervenções que são praticadas no corpo do paciente,

desde as mais simples como injeções e colocação de sondas, às grandes cirurgias.”.

Esse medo da dor física se concretiza na entrevista da psicóloga P2, ao citar a

demanda solicitada para que uma criança pudesse melhor lidar com a dor física consequente

de um câncer, “[...] com a criança a aceitação da dor, da dor física, porque [...] estava muito

fragilizada com aquela quimioterapia.”. (P2).

O câncer é uma doença penosa e temida, se conformando numa conotação bastante

negativa, para a maioria das pessoas “[...] o diagnóstico de câncer ainda é uma sentença de

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85

morte.”. A inaceitabilidade do câncer pode ter muitas causas, mas a que se destaca refere-se

“[...] ao medo de todos os indivíduos ao prolongado sofrimento no decorrer do tratamento e

nas etapas da doença.”. (CHIATTONE, 1966, p. 103). Para todos os indivíduos, como se

refere à autora, é temido o sofrimento decorrente do longo tratamento, o convívio da criança

com a dor, é possível conceber, pode se tornar ainda mais difícil para a família.

Outra demanda para atendimento psicológico, demonstrada pela entrevistada P1 é a

perda. A demanda não mais é por uma possível morte, mas pela perda em si. No caso trata-

se de uma paciente gestante que perdeu o filho ao nascer.

[...] o bebê não tinha sobrevivido, então você tinha que dá suporte para o paciente.

(P1)

A perda de alguém significativo é sentida de formas diferentes, assim Perazzo (1986,

p. 114) se refere.

Nossos mortos transferencialmente insepultos ora nos mantêm atrelados à sua

sombra, ora nos acusam ou nos impõem pesados encargos que não podemos

cumprir, conquanto possam também apenas continuar existindo na lembrança, sem

transferências, até uma segunda e definitiva morte, a da total extinção pelo

esquecimento a que o relegam as gerações que os sucedem, e que aos poucos vão

apagando todos os seus vestígios sociométricos.

A partir do XX o hospital transformou-se no lugar normal da morte. A sociedade

protege-se dos dramas da morte, seguindo nas suas tarefas sem emoção nem obstáculos. A

morte foi afastada do cotidiano, transformando-se em tabu e privando a pessoa da sua própria

morte. (MENEZES, 2004).

Também se assiste a uma pressão da sociedade, no sentido de suprimir a manifestação

pública do luto, bem como a sua expressão privada "demasiado" insistente e longa. A pessoa

enlutada é votada ao isolamento social, como se estivesse sujeita a um período de quarentena.

Há uma recusa do tema da morte, como se fosse contagioso, conforme Bernardo (1999, p. 3),

"[...] como se cada Homem, perante a morte dos seus semelhantes, tivesse a antevisão da sua

própria morte.".

Movimentos críticos pelos direitos dos doentes começam a surgir a partir da década de

1970, nos EUA e na Inglaterra. Alguns hospitais no Brasil já mostram uma maneira diferente

de se lidar com a morte, numa visão humanista, “[...] do silêncio, ocultamento e negação,

passou-se à colocação da morte em discurso. [...]” Também na prática, tendo como ideal para

a pessoa que está morrendo ter “[...] controle do processo de morte, realizando escolhas a

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86

partir das informações sobre as técnicas médicas e espirituais que considerar adequada.”. Para

os familiares, tanto quanto possível, ser dado suporte emocional. (MENEZES, 2004, p. 37).

A ansiedade por falta de informação do paciente é outra demanda para atendimento

psicológico, indicada pela entrevistada P4.

[...] às vezes um pouco de ignorância a respeito de seu estado de saúde, percebo que

eles ficam muito sem entender direto, exame que tem que fazer, por quê vão passar

por cirurgia. (P4)

Este tipo de ansiedade por falta de informação se conforma numa das queixas mais

comuns no hospital, conforme Penna (1992). Contudo, nas solicitações para paciente

evidenciadas nas entrevistas realizadas para esta pesquisa, este tipo de demanda não se mostra

relevante.

A outra demanda para atendimento psicológico, trazida pela participante P1, é a falta

de vínculo.

[...] não demonstra interesse por esse bebê, as enfermeiras começam a perceber,

trazem o bebê para amamentar, não faz muita questão, não se esforça. Então, muitas

vezes, a gente ia ver se era alguma coisa que precisava ser trabalhada nesse vínculo.

(P1)

Para Moreno, desde que o recém nascido vem ao mundo, começa a exercitar sua

capacidade de vincular na relação que estabelece com a mãe. A forma como a mãe se vincula

ao filho deixa marcas físicas e emocionais no bebê para esse tipo de relacionamento na vida

adulta. Assim, dependendo do modo como lida com o seu filho recém nascido, poderá

proporcionar satisfação ou frustração, separação ou presença, imprimindo marcas boas ou

ruins. (AMATO, 2002).

O empobrecimento e alteração de papéis é mais uma demanda para atendimento

psicológico ao paciente. Isto porque uma hospitalização impõe, imediatamente, ao internado a

diminuição dos papéis que desempenhava e jogava na sua vida até então. Esta pessoa fica

restrita, basicamente, ao papel de paciente, submetida aos encaminhamentos dos profissionais

da equipe de saúde e as normas e regras do hospital. Para a entrevistada P2 este fator é

considerado como sendo o mais danoso em uma internação hospitalar.

[...] o maior dano que a hospitalização faz é tirar você da sua capacidade de jogar os

seus papéis tranquilamente. [...] Você restringe uma pessoa que tem um leque de

papéis a, praticamente, poucos papéis. Ao empobrecimento que é justamente o papel

de paciente. [...] a mercê de outros [...] dependendo, é claro, também da patologia

que está levando essa pessoa a ser hospitalizada, do grau de restrição. (P2)

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[...] de repente fora do hospital ela tem um papel ativo na sua vida [...] o próprio

ambiente hospitalar acaba fazendo com que ela desenvolva um papel passivo diante

da vida, diante da sua doença. No sentido de sempre ficar esperando pelo outro,

esperando pelo médico, esperando para dizer o que tem que fazer [...] ela acaba

assumindo um papel, é o papel do leito do número tal. (P4)

[...] porque quanto mais a doença restringe você na sua capacidade de ser

espontânea, criativa e sensível, jogar papéis, mais traumático vai ser. A ponto de que

o extremo disso, seria dizer de uma pessoa que ficou alguns meses em coma. (P2)

Estar internado num hospital significa para a pessoa ter sua intimidade invadida e seus

desejos reprimidos. Ao mesmo tempo é retirada da sua rotina, afastada de seu trabalho,

limitada nas suas relações interpessoais e com o mundo, levando ao cerceamento de papéis.

[...] uma paciente em especial que passou, praticamente, toda gravidez no hospital,

idas e vindas. Ela não tinha uma limitação orgânica, física. Ela estava bem

emocionalmente, só que ela não aguentava mais, a paciente estava no limite [...] não

tinha nenhum problema maior, mas o fato dela estar presa. (P1)

Esta fala, segundo P1, é decorrente de pacientes que apresentam gravidez de risco

tendo que permanecer internadas por grande tempo. Não se constitui numa questão orgânica,

mas a demanda é gerada pela ansiedade devida ao longo período de internação.

Ansiedade antecipatória adaptativa é mais uma demanda para atendimento

psicológico ao paciente apontada por P1, “[...] um surto de uma paciente diante do nascimento

do filho”; e, também, pelo caso a seguir.

[...] muitas vezes é uma mãe de primeira viagem, não sabe direito o que fazer e a

família está se metendo na história, um diz uma coisa, o outro diz outra, acaba

criando uma confusão. E, muitas vezes a gente intervia pra harmonizar. (P1)

Outra demanda para atendimento psicológico ao paciente se deve a questão

emocional, apontada pela entrevistada P1 em relação a uma paciente que “[...] está com uma

gravidez imaginária, acaba chegando no hospital e vem o encaminhamento ver o que está

acontecendo com essa pessoa.”.

As marcas no paciente pela internação se constitui em outra demanda para

atendimento psicológico ao paciente. As entrevistas evidenciam que estas marcas estão

relacionadas à patologia e a forma de resolução, assim, se manifestando de diferentes formas.

A entrevistada P2 relata que a marca pode ser de cura, consequência de uma

hospitalização bem sucedida.

[...] mas tudo vai depender também qual foi à patologia e de como foi à resolução

disso [...] porque se teve uma internação de 3, 4 dias para uma cirurgia e foi bem

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acolhido, bem atendido e bem sucedido, com a cirurgia ficou bom, a hospitalização

pode ficar uma marca boa, uma marca de cura, uma marca de progresso, uma marca

que valeu a pena. (P2)

As entrevistadas P4 e P5 falam de marca menos traumática. Isto sendo possibilitado

pela compreensão de todo o processo envolvido na internação.

[...] como isso seja compreendido, elaborado e vivenciado como parte de um

processo. De um processo de busca de recuperação da saúde, como um processo que

seja menos traumático, vai ter menores consequências. Vai deixar marcas, são

marcas menos difíceis de se resolver posteriormente. (P4)

[...] compreender todos esses processos, dos por quês de estar passando pela dor,

pelas vivências de hospital. [...] o trabalho da Psicologia é fundamental [...] porque

foca justamente nas correlações entre a doença, qualquer ela que seja, e as marcas, e

as emoções, e tudo isso que está envolvido, da possibilidade de elaboração das

emoções, dos sentimentos. E de que se fale, e de que se brinque, e que se viva, e que

se tenha, é, alguma ação. Falando do psicodrama especificamente. (P5)

Conforme P5, marcas menos traumáticas são possibilitadas pelo psicodrama, “[...] é o

que vai favorecer que isso passe mais tranquilamente e que a espontaneidade fique menos

comprometida com relação a tudo isso.”.

A participante P2 acrescenta que a internação de um paciente pode deixar marca

traumática.

[...] se ele chegou lá e lidou com maus tratos, parte da equipe de atendentes

grosseira [...] o médico fez aquilo, em vez de cortar aqui, cortou ali, fez perder

aquilo. Quanto isso for mais doloroso durante o processo em si da hospitalização,

mais isso vai ter repercussões [...] vai ser traumático. (P2)

Mais uma demanda para atendimento psicológico ao paciente se constitui no

aparecimento de problemas submersos. Uma internação, por se configurar num momento

de crise, possibilita aparecer problemas que, até então, estavam submersos.

[...] esse momento do nascimento do filho acaba trazendo muitas problemáticas que

estão submersas, que acabam aparecendo lá. [...] crise familiar ou conjugal que

acabava vindo eclodir naquele momento do nascimento do filho [...] às vezes eram

questões relacionadas a problemas financeiros e que vinham estourar ali. (P1)

Salto (1992, p. 362, grifo do autor), contribui com essa discussão quando cita que “[...]

as vivências das vicissitudes de uma doença e de uma hospitalização evocam, além de medos,

ansiedades e depressão, certos conflitos emocionais reprimidos, ligados ao self e às relações

objetais.”.

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A última demanda para atendimento psicológico ao paciente, evidenciada somente por

uma entrevistada, se concretiza na limitação da espontaneidade, cristalização de conserva

cultural.

[...] as oportunidades que ele tiver, vão estar bastante tolhidas, existe bastante

conserva cultural no meio ambiente hospitalar. O médico é que sabe da sua doença,

só ele que tem o poder de decisão, tem diversas conservas culturais que acabam

tolhindo bastante a espontaneidade (P4)

A entrevistada relaciona o poder médico e as consequências disso advindas à conserva

cultural, sendo um limitador ao paciente dar novas respostas. As outras entrevistadas assim

não se referem, como visto até aqui, destacando como um dos limitadores da espontaneidade,

por exemplo, o empobrecimento e limitação de papéis. O criador do psicodrama reforça a

espontaneidade como fundamental para pessoa sair do estado em que se encontra. Neste

sentido diz Moreno (1975, p. 101) que a espontaneidade,

[...] É um fator que o habilita a superar-se a si mesmo, e entrar em novas situações

como se carregasse o organismo, estimulando e exercitando todos os seus órgãos

para modificar suas estruturas, a fim de que possam enfrentar as suas novas

responsabilidades.

Vale ressaltar que, conforme Moreno (1975, p. 158), “[...] o livro é o arquétipo de

todas as conservas culturais – a conserva cultural por excelência.”, cita outros exemplos como

as obras de Shakespeare e as sinfonias de Beethoven. A partir disto pode-se aferir que a

conserva cultural não tem um significado negativo, inclusive, na maioria, possibilita outro ato

criador, concretizado em idéias, comportamentos, tradições, a própria história do indivíduo,

ou mesmo, da humanidade.

As demandas para os atendimentos psicológicos através da subcategoria Família são

decorrentes de motivos variados, podendo ser solicitas pela equipe de saúde, pelo paciente e,

o que parece ser menos comum, por um membro da própria familiar. Serão analisadas através

do medo da família, da ansiedade de separação, da culpa, da falta de informação da

família, da retirada de autonomia e independência devido à hospitalização, da

dificuldade financeira e da super proteção.

A intervenção do psicólogo abrange os familiares do paciente objetivando

compreendê-los e dar-lhes suporte. Isto se dando porque, conforme Campos (1995, p. 94),

“[...] quando a doença se instala no indivíduo, muitas vezes, em consequência, surge um

desajustamento do grupo familiar”, fazendo necessário o atendimento aos familiares.

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Nas entrevistas realizadas para esta pesquisa são evidenciadas várias demandas para os

atendimentos psicológicos à família, entre estas o medo da família.

O medo da morte como demanda para atendimento psicológico à família se constitui

na maior angústia entre as demais demandas reveladas pelas entrevistadas.

[...] era o risco de vida, o perigo da morte [...] era uma coisa que mais angustiava,

evidentemente. (P2)

[...] era o medo da morte dos filhos. (P4)

[...] ver seus filhos sofrendo e medo da morte e os seus próprios medos [...] muitas

vezes precisava fazer sessões com os pais primeiro, para poder trabalhar isso. (P5)

O medo, como sendo a maior angústia, vem ao encontro do que afirma Penna (1992,

p. 369), “[...] nos hospitais, a morte é uma presença constante e todos, pacientes e

profissionais, compartilham o temor a ela.”. De maneira diferente do que pode ser

evidenciado na demanda dos pacientes, o medo da morte, pelas entrevistas realizadas, aparece

mais intensamente nas demandas solicitadas para os familiares, especialmente para as mães.

As razões podem ser muitas e, por não serem de interesse específico desta pesquisa, não serão

analisadas. Contudo, como as entrevistadas são ligadas a hospital infantil e à maternidade de

hospital geral, pode-se inferir a possibilidade do medo pela preocupação e cuidado dos pais ou

responsáveis, mais notadamente as mães, em relação aos filhos.

Ainda em relação ao medo da morte, a entrevistada P4 cita demanda para atendimento

psicológico específico para mães que tiveram filho pré-maturo. Muitos desses pré-maturos

precisam ir para a UTI. Quando saem deste setor ainda permanecem no hospital até ganhar

determinado peso. A angústia dessas mães pelo medo da morte de seus filhos, é ressalta por

P4 como sendo “[...] muito forte e muito real [...]”, gera demanda para intervenção

psicológica.

[...] às vezes o bebê fica com problema no coração, pulmão, enfim, têm

complicações em nenem a termo [...] há o risco de morte e a batalha que elas travam

por cada grama que o filho ganha. Então elas têm uma preocupação, pela eminência

de morte, muito forte e muito real também. (P4)

A entrevistada P1 elucida, também, a demanda para atendimento psicológico à família,

percebido pela própria psicóloga, decorrente do medo da morte do paciente.

[...] muitas vezes você via um parente da pessoa que estava internada, às vezes a

pessoa numa situação bastante comprometida, correndo risco de vida, esse parente

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não era encaminhado para você, mas ele estava ali e a gente percebia que era uma

pessoa que estava precisando de apoio. (P1)

Outra demanda para atendimento psicológico à família diz respeito à ansiedade de

separação. Esta demanda, nas entrevistas realizadas, é solicitada, na sua maioria, para as

mães dos pacientes, provavelmente por se tratar de hospital infantil e maternidade.

A ansiedade de separação pode ser percebida nas entrevistas por dois enfoques

distintos. O primeiro, depois de afastada a possibilidade da morte do paciente, a angústia da

mãe por ter que permanecer no hospital com o filho internado. Ao mesmo tempo preocupada

com o restante da família, com a casa e o trabalho, além de ficar afastada de seus papéis

habituais.

[...] não tem chance de morrer agora, ele não corre risco mais nenhum, era assim –

‘Eu quero embora logo porque tenho outros filhos em casa, eu tenho uma vida que

está parada lá fora, meu Deus, o meu trabalho, as outras crianças, o marido, a casa’

[...] porque em geral a mãe acompanhava, então ela ficava muito angustiada pela

divisão do papel. (P2)

[...] elas ficam com muita pena e com muito pesar, muita culpa por deixar um filho,

às vezes, com 1 ano, 2 anos em casa [...] muitas relatam que o perigo já passou e que

estão bem com este bebê, mas estão muito preocupadas [...] com a família lá fora.

(P4)

O segundo enfoque, de forma contrária, a ansiedade de separação se dá pela mãe ter

que deixar o filho no hospital e não poder permanecer com ele. Conforme relata P2 “[...]

quando me procuravam, era justamente ter que deixar os filhos lá no hospital.”. A

psicodramatista P4 cita:

[...] quando elas têm o bebê e os filhos vão pra UTI, elas vão para casa [...] aquele

sofrimento de ganhar o bebê, deixar o bebê e ir pra casa. E muitas moram longe,

então até não podem vir todos os dias para dar de mamá. (P4)

A ansiedade da mãe por deixar o filho no hospital é compartilhada por Campos.

Afirma a autora (1995, p. 51) que o atendimento à criança internada “[...] nem sempre é

global e muitas vezes retira a criança do seio familiar sem substituir essa carência. A mãe e

familiares passam a ver a criança apenas em horário de visitas, o que não preenche as suas

necessidades afetivas e cria uma angústia na família.”.

A culpa se conforma como outra demanda para atendimento psicológico à família.

Este sentimento, acrescenta Penna (1992, p. 367), pelo medo de retaliação, “[...] aparece como

fantasias de que a doença é um castigo por pecados de comissão e de omissão.”.

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[...] culpa por eu não atender bem, por alguma negligência – ‘Eu não cuidei, eu não

tratei, eu me sinto responsável pelo que está acontecendo com o meu filho’,

especialmente quando as crianças caíam, machucavam. (P2)

[...] a culpa muitas vezes por achar que elas fizeram determinada coisa na vida, por

isso os filhos estão desse jeito, estão em sofrimento, algum sofrimento fetal ou um

sofrimento na UTI. Então é a culpa e muita ansiedade. (P4)

Freitas (1980 apud Campos, 1995, p.69), afirma que “[...] o sentimento ou fantasia de

culpa surge especialmente em crianças, pois o adoecer e o tratamento podem ser vivenciados

como castigo merecido.”. A afirmação do autor não vem ao encontro do que é evidenciado

através das entrevistas. As participantes só relatam a culpa de familiares em relação à criança,

nenhuma sentida pela própria criança, embora três entrevistadas sejam vinculadas a hospital

infantil.

A ansiedade por falta de informação da família se evidencia como mais uma

demanda para atendimento psicológico à família. Esta demanda, nas entrevistas para esta

pesquisa, se concretiza num número significativo de solicitações, sendo a maior parte para as

mães. Desta forma se revelando diferente da mesma demanda vista para paciente, que se

mostrou pouco relevante.

[...] o desespero, a mãe muito agoniada, tensão, ansiedade, nervosismo da mãe em

função do que poderá acontecer com o meu filho. (P2)

[...] naquilo que ela achava que devia ser melhor amparada, melhor assistida – “Mas

ninguém me disse o que está acontecendo?” [...] essa dúvida, essa angústia do que o

meu filho tem, o que vai acontecer com ele, do não saber, da indefinição. (P2)

[...] a falta de informações gerava angústia para os pais e as agústias dos pais

contaminam as crianças. (P5)

[...] se os filhos iriam ficar recuperados. (P3)

[...] muitos pais presidiários iam fazer visitas quando os filhos nasciam. [...] vinham

com escolta policial [...] algumas vezes tinham alguns conflitos, talvez pela

distância. Então, muitas vezes eu tinha que fazer o atendimento desse pai ou desse

marido ou desse companheiro que estava trazendo algum conflito, ou alguma

situação menos agradável, por não entender aquele momento, então em termos de

esclarecimento. (P1)

O número expressivo de demanda para família pela ansiedade por falta de informação

vem ao encontro do que aparece na literatura. Afirma Penna (1992, p. 368), que esta é uma

das queixas mais comuns no hospital, “[...] a falta ou incompreensão de informações sobre

seu estado de saúde.”. A incompreensão da informação é solucionada por P3 através da

participação dos pais na dramatização.

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[...] medo da cirurgia [...] ignorância no que ia fazer, por isso que eu gostava que os

pais estivessem juntos na hora da dramatização, para que eles também ficassem

esclarecidos. (P3)

Outra demanda para atendimento psicológico à família é a ansiedade frente à retirada

de autonomia e independência devido à hospitalização. Nas três situações enfocadas pelas

entrevistadas a solicitação se dirige às mães de pacientes internados por longo tempo.

[...] Por conta de ter outros filhos em casa, o processo começava a ficar muito

demorado, elas começavam a se ver presas ao hospital, muitas vezes elas se

evadiam. Então o psicólogo era convocado [...] explicar para essa mãe que não

adiantava deixar só ali nas mãos dos médicos, que muito mais a criança teria

possibilidade de se recuperar com a presença da mãe. (P1)

[...] quando o bebê sai da UTI e que ainda não está liberado [...] elas voltam para o

hospital e ficam no hospital até o bebê ganhar alta [...] elas passam por muito

sofrimento quando voltam para o hospital [...] elas, às vezes, ficam 2, 3 meses dentro

do hospital, é muito tempo. Elas ficam, assim, com a vida em suspenso [...] elas

falam que não aguentam mais o hospital, que querem ir para casa. (P4)

A criança hospitalizada, retirada do ambiente familiar, precisa de um acompanhante

para preencher suas necessidades afetivas e melhor suportar a internação. Contudo, para este

acompanhante, que permanece longo tempo no hospital, “[...] a vida fica em suspenso [...]”.

(P2). Solon (1995, p. 113), esclarece que “[...] ao estudar a teoria moreniana pode-se

compreender a importância da relação entre as pessoas para a busca ou manutenção da saúde.

E quando se pensa na relação entre pessoas, a noção de papel emerge como um alicerce

definitivo [...] para a conquista da saúde.”. Pode-se perceber que o acompanhante é afastado

do restante da família e dos amigos, da casa e do trabalho. Assim, rompe com os papéis que

desenvolve habitualmente, fica privado das suas relações cotidianas, gerando uma angústia

pela retirada de autonomia e independência decorrente do longo processo de hospitalização.

A dificuldade financeira se concretiza em mais uma demanda para atendimento

psicológico à família. Como as entrevistadas desta pesquisa estão vinculadas à instituição

pública, esta dificuldade financeira não diz respeito ao hospital, mas às despesas envolvidas

na recuperação do paciente após a alta.

[...] como era um hospital público, não tinha custo com o pagamento. Então as mães

não tinham esse problema, a única preocupação [...] era do financeiro em casa –

“Como é que eu vou fazer com o preço do remédio. E daqui para frente, como é que

eu vou fazer? Como é que eu vou continuar trabalhando com a criança assim?” (P2)

A realidade do país corrobora com esta demanda. Segundo o IBGE, através dos

resultados do censo Demográfico 2010, a média nacional de rendimento domiciliar per capita

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é “[...] de R$ 668 em 2010, contudo, 25% da população recebiam até R$ 188 e metade dos

brasileiros recebia até R$ 375, menos do que o salário mínimo naquele ano (R$ 510).”.

Apesar da tendência de redução observada nos últimos anos, a desigualdade de renda ainda é

bastante acentuada no país.

A última demanda para atendimento psicológico à família diz respeito à super

proteção. Após um processo de adoecimento e hospitalização, apesar do paciente já estar

bem, alguns pais desenvolvem um processo de super proteção em relação ao filho.

[...] crianças que passavam muitas vezes por processo de adoecimento longo, com

cirurgias, com restrições. E que depois da cirurgia, mesmo estando resolvida a

problemática clínica que os levava à internação e às intervenções, teve

encaminhamento pelos médicos dos familiares, porque diziam – ‘esses pais estão

precisando de apoio’ – porque a criança está bem, mas continuam tratando como um

doente. (P5)

A hospitalização de um paciente tem consequências para os familiares, podendo deixar

marcas nos familiares como a super proteção. É preciso que os pais, conforme P5, “[...]

liberem esse filho, que essa criança possa ter liberdade, voltar a comer, a brincar [...] para que

ela possa seguir o curso da sua vida mais saudavelmente.”.

Através da discussão realizada neste subcapítulo, percebe-se que, conforme a literatura

da área evidencia, o contexto hospitalar requer do psicólogo um atendimento específico e

próprio, quanto a setor, local, frequência, duração e horário. A diversidade de setores, de

modos de atuar e de demandas solicitadas, tanto para o paciente quanto para familiares,

demonstram que a Psicologia Hospitalar se tornou uma realidade e se consolida na instituição.

As psicodramatistas mostraram adaptações ao psicodrama no hospital, firmado no modo

diferenciado de atuar, buscando, através da relação vincular com o paciente, que este consiga

dar novas respostas criativas. Com isso, minimizando a angústia e o sofrimento provocado

pela hospitaliazação.

4.3 CONCEPÇÃO DE SAÚDE E DOENÇA SEGUNDO O PSICODRAMA

Este subcapítulo pretende desenvolver o terceiro objetivo específico desta pesquisa,

qual seja, analisar a concepção de saúde/doença segundo o psicodrama. Para tanto, se

subdivide em três categorias: Saúde segundo psicodrama e Doença segundo psicodrama.

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4.3.1 Saúde segundo psicodrama

Das cinco entrevistas realizadas para esta pesquisa, somente em duas se evidencia a

discussão sobre saúde. As entrevistadas fazem esta discussão, segundo conceitos

psicodramáticos, através de três subcategorias: Desempenho de papéis, Espontaneidade,

criatividade e sensibilidade e Vínculo.

Na teoria moreniana o homem não vive só, vive relacionando-se com outros homens e,

ao se relacionar, vai se adaptando às normas de convivência. Estas impõem uma conduta, uma

maneira de agir, que são os papéis. (MARTÍN, 1996, p. 212-213)

A saúde através do Desempenho de papéis, discutido pela entrevistada P2, está

vinculada à capacidade de uma pessoa, de maneira espontânea, criativa e sensível,

desempenhar papéis ao longo de sua vida.

[...] está associada com a capacidade que você tem de jogar papéis. Então, quanto

mais papéis você desempenha na vida, mas saudável você está. [...] além disso, é

jogar esses papéis de forma espontânea, criativa e sensível. (P2)

O papel pressupõe um eu, assim Moreno (1975, p. 210) afirma que “[...] os papéis não

decorrem do eu mas o eu pode emergir dos papéis.”. O bebê já nasce no papel de filho e,

durante toda sua vida, pode vir a desempenhar inúmeros e variados papéis. Isto porque,

segundo Moreno (1975, p. 27), “[...] o papel é a forma de funcionamento que o indivíduo

assume no momento específico em que reage a uma situação específica, na qual outras

pessoas ou objetos estão envolvidos.” Assim, a teoria psicodramática dos papéis, prossegue o

autor, “[...] leva o conceito de papel a todas as dimensões da vida. [...]”.

Viver os papéis em todas as dimensões da vida, diz Faleiros (2004, p. 18), “[...] não é

viver um faz-de-conta, uma farsa, mas trazer a força da autenticidade e da verdade de cada um

para ser digna de ser vivida e para que o indivíduo possa desenvolver sua espontaneidade e

criatividade.”.

A Espontaneidade, criatividade e sensibilidade se concretiza numa outra

subcategoria que discute saúde segundo o psicodrama, evidenciada pelas entrevistadas P2 e

P5, assim, “[...] o homem saudável para Moreno, é o homem que ele é, espontaneamente,

provido de espontaneidade, criatividade e sensibilidade.”. (P2).

Faleiros (2004, p. 18), esclarece que “[...] para Moreno, o homem nasce com recursos

de espontaneidade, sensibilidade e criatividade como fatores que favorecem o adequado

desenvolvimento da vida física, psíquica e relacional.”. Desta forma, prossegue a autora

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(2004, p. 18), “[...] ao nascer, apresenta, pela primeira vez, sua capacidade de responder

adequadamente a uma situação nova. Tal capacidade, fruto de forças hereditárias e

ambientais, recebe o nome de espontaneidade e vai permitir o reconhecimento da

sensibilidade e da criatividade.”. Durante a vida, quanto mais espontânea, criativa e sensível

for a pessoa, mais saudável conseguirá ser.

A terceira subcategoria sobre saúde segundo o psicodrama se constitui no Vínculo,

mencionado pela entrevistada P5. A base da teoria moreniana está nas relações interpessoais,

estando sempre o homem em relação, conforme Faleiros (2004, p. 18), “[...] essa inter-relação

de ambos constitui os vínculos.”.

Através das falas das entrevistadas sobre saúde segundo o psicodrama percebe-se que

os conceitos trazidos estão imbricados, conforme revela P5, “[...] a espontaneidade, a

capacidade de desempenho de papéis e a questão vincular, eu vejo como esses pilares da

questão de saúde.”.

O homem exerce a espontaneidade, criando e vivendo papéis, para tanto revelando seu

verdadeiro eu, o que se dá através da relação com o outro. A relação com o outro está baseada

na complementariedade de uma pessoa com outra. Assim, só existindo em função de um

complementar, se constitui numa relação vincular. A espontaneidade, criatividade e

sensibilidade, levando à capacidade de desempenhar papéis, baseada numa relação vincular,

pode-se dizer, é o homem saudável.

4.3.2 Doença segundo psicodrama

Já doença segundo o psicodrama é discutida em quatro entrevistas das cinco realizadas

para esta pesquisa, através de conceitos distintos, por vezes relacionados. Esta discussão é

evidenciada através de quatro subcategorias: Restrições da espontaneidade e da

criatividade, Restrições no desempenho de papéis, Redução das percepções télicas e

Regressão na Matriz de Identidade.

A primeira consideração sobre doença segundo o psicodrama é discutida através da

subcategoria Restrições da espontaneidade e da criatividade, conforme P5, “[...] o conceito

de saúde muito ligado à espontaneidade, consequentemente, o conceito de doença ao oposto.”.

A espontaneidade para Moreno (1975, p. 101), conforme já visto, é a capacidade do

indivíduo dar uma resposta a uma nova situação ou dar uma nova resposta a uma antiga

situação. Cabendo ao psicodramatista hospitalar auxiliar o doente, através da busca de

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respostas novas, pelo menos, amenizar a angústia e as situações tão dolorosas vivenciadas

num hospital.

Para duas participantes P1 e P2, a dificuldade do paciente em dar respostas criativas é

devido às conservas culturais.

[...] vem muito na medida em que vai se restringindo as possibilidades da

espontaneidade da pessoa, que ela vai ficando cerceada, presa às conservas culturais,

com dificuldade de dar respostas novas. (P1)

[...] se a gente partir da teoria da espontaneidade, criatividade, conserva cultural, a

gente pode dizer que a pessoa que está, por exemplo, no hospital, ela acaba tendo

muita conserva cultural, do lugar ser ruim, de abandonar a casa, enfim. A

espontaneidade dela ficou, realmente, bastante tolhida. (P4)

O próprio hospital, vale ressaltar, é uma conseva cultural tão necessária, muitas vezes

indispensável, à recuperação de uma pessoa doente, devido as possibilidades e especificidades

que oferece de tratamento. Muito além da conserva cultural, o psicólogo deve possibilitar ao

paciente que, através da espontaneidade, ele consiga dar respostas criativas à angústia sentida,

ao pedido de socorro e de ajuda por ele manifestado.

Doença segundo o psicodrama, indicada por P2, é discutida através da subcategoria

Restrições no desempenho de papéis, bastante relacionada à capacidade de ser espontâneo e

criativo.

[...] E um dos sintomas de adoecimento mesmo é, justamente, quando você vai

deixando de desenvolver esses papéis. Por exemplo, você tem vários papéis na vida,

mãe, aluna, professora... Daqui a pouco você começa a ficar deprimida e não vai

mais passear, não vai mais a baile. [...] não quer mais namorar, termina a relação [...]

quanto mais restrito estiver sua capacidade de desempenhar papéis, mais doente está

[...] a incapacidade, o embotado disso, esse é o homem doente para Moreno. Quando

ele está embotado, ele não pode ser espontâneo, criativo e sensível. (P2)

A espontaneidade é “[...] produzida por um ato de vontade, surgindo naturalmente,

mas não automaticamente e nem pré-existentemente.”. (FALEIROS, 2004, p. 18). Para um

ato espontâneo é exigido ao homem algumas qualidades essenciais: “[...] mente aberta,

originalidade de abordagem, vontade de tomar iniciativa e integração das realidades exteriores

e das intuições interiores, das emoções e das funções racionais.”. (FALEIROS, 2004, p. 19).

Desta forma, a espontaneidade não se conforma como impulsividade, um comportamento ao

acaso, ao contrário, é intencionalidade, um componente essencial em direção a um resultado

criativo a ser construído.

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Para a participante P2, se o homem saudável é considerado aquele capaz de

desenvolver papéis, o homem doente é aquele que vai restringindo seus papéis.

[...] Eu não estou sendo criativa, espontânea e sensível, eu não estou jogando os

meus papéis, portanto a minha parte sociométrica vai diminuindo cada vez mais. E a

incapacidade de você fazer a inversão de papéis, de se colocar no papel do outro, de

ter relações empáticas, buscando a tele. (P2)

Desta forma para a entrevistada P2, “[...] doença seria sua incapacidade de ter tele a

partir de sua dificuldade nos vínculos relacionais, acaba sendo transferencial e não jogar

papéis.”.

A Redução das percepções télicas é mais uma subcategoria na discussão de doença

segundo psicodrama, apresentada por P4.

[...] se a gente pegar pela parte, por exemplo, da tele, existem também muitas

transferências, muitos medos, receios, e isso faz com que ela não desenvolva uma

tele, inclusive no ambiente hospitalar. (P4)

O fator tele é definido por Faleiros (2004, p. 20), como “[...] a sensibilidade ou a

percepção afetivo-emocional que permeia as inter-relações humanas.”. A doença está na

contra mão desta definição, podendo a relação transferencial ser um dos fatores que leva à

doença, quando bloqueia a espontaneidade. Moreno (1974, p. 52) contribui quando explica

que tele pode ser considerado

[...] como fundamento de todas as relações interpessoais sadias e elemento essencial

de todo método eficaz de psicoterapia. Repousa no sentimento e conhecimento da

situação real das outras pessoas. Ocasionalmente, pode nascer de uma antiga

situação de transferência. Mas nossas averiguações mostram, nitidamente, que o

Tele existe sempre e, normalmente, desde o primeiro encontro, e que cresce de um

encontro para o outro. Pode, por vezes, ser deformado pela influência de fantasias

transferenciais. Mas, habitualmente, cada relação humana sadia depende da presença

e eficácia do Tele.

Assim, segundo a participante, quando a relação transferencial se sobrepõe ao fator

tele, pode vir a ser uma dificuldade no sentido da pessoa hospitalizada perceber o seu estado

de adoecimento. Desta forma, pode-se aferir que a diminuição do fator tele não determina o

adoecimento, mas se conforma como mais uma fator que contribui no adoecimento, já que

pode gerar mais angústia ao sujeito doente.

Bustos (1978, p.11), se reportando à saúde, colabora com a discussão, “[...] é também

um critério de saúde; quanto maior a tele, maior capacidade se terá de realizar vínculos

positivos.”. Para este autor, a capacidade de vincular-se positivamente, se conforma na

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possibilidade da pessoa superar sua angústia, trilhando o caminho oposto à doença. Para

Bustos (1990) a anti-sala da espontaneidade é a angústia, sentimento que leva a pessoa à

doença.

Outra subcategoria para discutir doença segundo o psicodrama, é trazida por P4

através da Regressão na Matriz de Identidade.

A Matriz de identidade e papéis estão imbricados. A própria vida um eterno relaciona-

se, é viver os mais variados papéis, construindo sua identidade. Para Moreno, o

desenvolvimento da identidade se dá a partir da Matriz de Identidade, sendo que a cada novo

papel que o sujeito desempenha, somado aos vários outros papéis por ele já desenvolvidos,

retoma ao percurso da Matriz.

[...] pela Matriz de identidade a gente pode ver que muitos chegam a regredir no

desenvolvimento. Uma pessoa que está saudável mentalmente fora do hospital, está

lá fazendo inversões, de vez em quando têm alguns encontros e tal. Quando ela está

adoentada e ela vai para o hospital, a gente percebe uma regressão, às vezes fazendo

uma simbiose grande com o médico ou com o acompanhante, fica uma relação

muito de dependência. E alguns, porque no ambiente hospitalar estão longe da

família, longe do trabalho, dos amigos, enfim, de uma vida social, afetiva, amorosa,

chegam até a ficar um pouco caóticas, assim tipo perdidas. Então a gente sabe que

quanto mais regredido na Matriz de identidade, menos saudável a pessoa está,

estabelecendo seus relacionamentos. (P4)

A Matriz de Identidade é base do primeiro processo de aprendizagem emocional da

criança. (MORENO, 1975, p. 112) A partir daí todo o desenvolvimento do indivíduo estará

vinculada a esta Matriz, que compreende etapas. Fonseca (2008, p. 116, grifo do autor),

contribui com esta discussão, explicando:

[...] A identidade do Eu com o Tu, do indivíduo com tudo ao seu redor; a de

reconhecimento do Eu, de suas peculiaridades como pessoa, e, finalmente, a fase do

reconhecimento do Tu, do conhecimento dos outros e do mundo.

Reforça-se que é a partir desta Matriz que a pessoa desenvolve sua identidade e a cada

novo papel que a pessoa for desempenhar, acrescido dos seus demais papéis, é retornado o

percurso da Matriz. Desta forma não acontecendo à pessoa internada num hospital, passa a

desempenhar praticamente só o papel de paciente, regredindo na Matriz de Identidade em

relação a todos os outros papéis que foram interrompidos.

Para além destas possibilidades de se discutir saúde e doenças, vale acrescentar a

Teoria dos Clusters ou agrupamentos de papéis. Assim, enriquecendo a discussão que este

subcapítulo se propõe a fazer.

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Os papéis surgem do interior da Matriz de Identidade, se constituindo a base

psicológica para que todos os papéis possam ser desempenhados. Os papéis são descritos por

Moreno em três categorias: psicossomático, social e psicodramático. Os três tipos de papéis,

através de suas respectivas experiências, interagem e se agrupam, configurando clusters,

dividindo-se em três grupos. O primeiro, cluster um ou materno, a pessoa encontra-se na fase

da Matriz de Identidade Total e Indiferenciada, incorporando, como se fosse ela mesma, o que

ocorre em sua volta. A maneira como incorpora os sentimentos recebidos, através das

vivências experienciadas, são fundamentais para o seu desempenho na vida. Assim, conforme

Bustos (1990, p. 117), aprender a depender é fundamental para o desempenho da vida adulta,

“[...] saber receber, aceitar ser cuidado, conviver saudavelmente com os momentos de

vulnerabilidade, dependem das experiências vividas nesta fase.”. Isto possibilitará a pessoa,

quando se sentir carente, precisando de algo, prossegue o autor (1990, p. 117), “[...] solicitará

atenção sem culpa e como algo natural. Sua espontaneidade atravessará o filtro da experiência

incorporada, permitindo-lhe o acesso a condutas adequadas.”. O sentimento deste primeiro

grupo é a ternura que, acrescenta Bustos (1990, p. 118), possibilita a capacidade de sentir e

aceitar carinho, “[...] aproximar-se sem sentir perigo, respeito pelo outro, acessibilidade, têm

sua matriz no sentimento primário de ternura [...] a auto-estima está em grande parte

condicionada por esta etapa.”.

No cluster dois ou paterno, pelo crescimento gradual, a pessoa passa a perceber suas

diferentes necessidades, havendo a possibilidade de escolha e de relacionar-se com outras

distintas pessoas, desenvolvendo vários papéis. Esta diversidade de relacionamento pelas

diferentes afinidades é saudável, permitindo uma ampla liberdade aos vínculos, não levando à

idealização de uma única pessoa. Nesta etapa é possibilitado à pessoa, se o seu

desenvolvimento na etapa anterior foi sem grandes angústias, aprender a escolher, a lutar pelo

que deseja, a receber e dar limites, a ter autonomia. (BUSTOS, 1990).

No cluster três ou fraterno a pessoa aprende a compartilhar com pessoas que convivem

no seu átomo social. A maioria dos papéis é desenvolvida nesta etapa. Este vínculo, baseado

na simetria e interatividade, contém três possibilidades de dinâmicas: compartilhar, competir e

rivalizar. (BUSTOS, 1990).

No cluster um a função de receber representa o sim e no cluster dois a função de dar

representa a capacidade de dizer não. Duas funções que se constituem essenciais para a

dinâmica de um ser humano, se transformam na possibilidade constitutiva de outros papéis,

fundamental para o desenvolvimento da pessoa no cluster três. É importante ressaltar que o

cluster um e o cluster dois são formados por vínculos assimétricos, indicando dependência de

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um dos papéis. Ao contrário, no cluster três não há subordinação de um dos papéis em relação

ao outro, o vínculo se dando de forma simétrica. Então, o homem saudável é aquele que

consegue viver passando e interagindo pelos três clusters com equilíbrio. (BUSTOS, 1990).

Bustos (1990), seguindo o pensamento de Moreno, através do conceito de clusters,

tem possibilitado o entendimento do sofrimento humano de modo sistemático. Desta forma,

sem ter que recorrer às formulações clássicas sobre psicopatologia.

Ressalta-se que o desenho humano pintado por Moreno é fértil em cores vibrantes e

traços fortes, otimista e positivo frente à vida. A preocupação do criador do psicodrama não

passa pela doença. Sua visão geral de homem e de mundo, para além do biológico, se faz

através dos enfoques filosófico, religioso, cultural, antropológico e social. (MARINEAU,

1992).

Na discussão deste subcapítulo as participantes não enfocam saúde através da

concepção predominante no nosso país, ainda fragmentada e biologicista hospitalocêntrica,

como evidenciada pela bibliografia sobre o tema. As entrevistadas fazem a discussão de saúde

e doença através de conceitos psicodramáticos básicos. Esta discussão se faz importante,

como mais um elemento, para a compreensão das intervenções psicodramáticas realizadas em

pessoas internadas em hospitais.

Desta forma, para além da patologia e das técnicas psicodramáticas, a pessoa internada

no hospital deve ser percebida através de suas inter-relações, e as intervenções baseadas na

relação vincular entre paciente e psicodramatista, permeada e envolvida pelo afeto.

4.4 AS INTERVENÇÕES PSICODRAMÁTICAS NO HOSPITAL

Este subcapítulo vai ao encontro do quarto objetivo específico desta pesquisa,

identificar como a perspectiva psicodramática se desdobra em práticas na intervenção dos

psicólogos psicodramatistas no contexto hospitalar, apoiado em três categorias de análise. São

elas: Modalidades de atendimento psicodramático no hospital, Práticas psicodramáticas

nas intervenções hospitalares e Psicodrama, abordagem indicada para o hospital.

Como Moreno baseia sua teoria no homem em relação, seu eixo fundamental se

concretiza na inter-relação entre as pessoas e, para investigá-la, cria a Socionomia.

O termo psicodrama é usualmente usado referindo-se à Socionomia. Esta tem sua

origem no latim, “[...] sociu = companheiro, grupo [...]”; e no grego, “[...] nomos = regra, lei,

ocupando-se, portanto do estudo das leis que regem o comportamento social e grupal [...]”,

conforme Gonçalves, e outros (1988, p. 41).

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A Socionomia divide-se em, Sociodinâmica, Sociometria e Sociatria, tendo em

comum à ação dramática, que favorece a investigação e reflexão sobre determinado tema e

propicia a expressão da realidade implícita nas relações interpessoais. A Sociodinâmica

investiga o funconamento das relações interpessoais, tendo como método de estudo o role-

playing ou jogo de papéis, possibilitando à pessoa atuar dramaticamente diversos papéis de

forma espontânea e criativa. A Sociometria, através do teste sociométrico, mede as relações

entre as pessoas. A Sociatria compõe a terapêutica das relações socias através do Sociodrama,

da psicoterapia de grupo ou do psicodrama. No Sociodrama o protagonista sempre é o grupo.

A Psicoterapia de grupo, segundo Gonçalves e outros (1988, p. 43), “[...] prioriza o tratamento

das relações interpessoais inseridas na dinâmica grupal”. O psicodrama trata, através da ação

dramática, o indivíduo e o grupo. Para além dessa divisão clássica, o trabalho do

psicodramatista é conhecido e referido, de modo genérico e consagrado pelo uso, como

psicodrama. E dessa forma é usada nesta pesquisa.

4.4.1 Modalidades de atendimento psicodramático no hospital

Este tópico vai se ater às modalidades pelas quais as psicodramatistas, envolvidas

nesta pesquisa, desenvolvem seus atendimentos no hospital, através das subcategorias

Psicodrama de grupo e Psicodrama bipessoal.

O psicodrama resulta numa teoria psicológica e desenvolve um método de psicoterapia

que tem como ação central a dramatização espontânea. Baseia-se no jogo de faz de conta que

brota naturalmente no ser humano, por ter a capacidade de realizar ações simbólicas. Moreno

(1975, p. 61, grifo do autor), define o psicodrama como “[...] a ciência que explora a

‘verdade’ por métodos dramáticos”.

O dramatizar é, conforme Cukier (1992, p. 29), “[...] muito mais do que uma

brincadeira de representar. É assumir e sentir o que seria a vivência de outra pessoa ou objeto,

e, para tal, se faz necessário desligar-se de si e mergulhar no papel a ser vivido.”. Uma sessão

básica de psicodrama se desenvolve através de etapas: aquecimento, dramatização e

compartilhamento.

Moreno cria o psicodrama como psicoterapia para grupo, baseado no teatro

espontâneo. Conforme o próprio criador (1975, p. 59),

[...] A análise psicodramática descobriu que existe [...] um núcleo de estratégias de

ação profunda que são semelhantes às estratégias da ação num teatro terapêutico.

Historicamente, o psicodrama representa o ponto culminante na passagem do

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tratamento do indivíduo isolado para o tratamento do indivíduo em grupos; do

tratamento do indivíduo por métodos verbais para o tratamento por métodos de ação.

O psicodrama, diz Bustos (1999, p. 52), “[...] foi desenhado para uma única

apresentação. Toda a estrutura dramática tem começo, meio e fim, com uma grande

exuberância técnica e um desenlace natural: a catarse de integração.”. O psicodrama de grupo

não se mostra idêntico a esta forma criada por Moreno. Assim, de forma geral e conforme

Bustos (1999, p. 34-35), se constitui por grupos de oito a dez participantes, baseado no tipo de

conflito apresentado pela pessoa, com duração de duas horas, ocorrendo uma vez por semana.

Normalmente o limite de duração do grupo não é fixado, tendo a característica de ser semi-

abertos. Portanto, cada saída de um membro é anunciada e elaborada por todo grupo, da

mesma forma, cada nova inclusão é discutida por todos.

Através da subcategoria Psicodrama de grupo, as entrevistadas evidenciam como

utilizam esta modalidade de atendimento, adaptando ao contexto hospitalar.

[...] Quando a gente pega, por exemplo, quartos que tenham 4, 5 leitos, às vezes a

gente faz terapia de grupo, com começo, meio e fim naquele momento [...] elas estão

acamadas, às vezes com soro [...] porque têm que ficar deitadas porque o soro está

segurando a gestação, mas elas participam da mesma forma. (P4)

Devido às próprias características do hospital, a sessão é considerada como única, o

tema antagônico deve ser percebido de forma rápida e precisa, com duração de uma hora a

uma hora e meia. Para além dessas adaptações, segundo P4, tem que lidar com as

interferências que, muitas vezes, levam ao desaquecimento do grupo.

[...] é uma terapia de grupo, a gente chega, se apresenta, depois pede para cada uma

ir se apresentando [...] e uma apresentação do bebê. Depois começa a perguntar, para

aquecer o grupo, quanto tempo está ali, qual é o caso de cada uma e tal. [...] frases

bastante específicas, também, que ajudam a gente a focar. [...] o que mais preocupa

vocês hoje? O que está sendo mais difícil na vida de vocês com isso que vocês

relataram? E elas nos dão o tema antagônico de cada uma. [...] a gente vai

trabalhando rapidamente, tem que ser bem certeiro na situação de cada uma [...] a

gente trabalha ali e pede para que as outras façam comentários. São comentários

bem legais, inclusive os acompanhantes [...] eles nos dão de bandeja toda a situação.

(P4)

[...] Muita interferência o tempo inteiro [...] Desaquece e aí vai a gente[...] aquece de

novo, é o tempo todo. [...] Têm situações assim que chegam a ser hilárias. No meio

da sessão está lá alguém emocionado, uma acompanhante, ‘Ah, tenho que pegar ...

Você sabe que horas é o ônibus pra Laguna?’. Pára tudo, dá a informação. [...] Aí,

eu volto de novo, está lá a pessoa chorando, enfim. Daqui a pouco entra, ‘Ah,

preciso trocar o soro.’ [...] ‘Ah, vocês querem café?’. Enfim, é aquela loucura de

hospital. (P4)

Page 106: UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA MARIA …

104

Duas entrevistadas evidenciam outros exemplos de psicograma de grupo, estes sendo

com os pais de crianças internadas, com horário e periodicidade determinada.

[...]. Vão para a maternidade para ter o bebê e quando acordam da anestesia, ou

quando esperam para ter o seu filho na primeira mamada, seu filho está no Hospital

Infantil. [...] tudo isso interfere na lactação, na questão da depressão pós-parto, na

compreensão e aceitação do diagnóstico. [...] se criou um grupo semanal [...] com os

pais do berçário, além do apoio, se dava atendimento. (P5)

[...] não permaneciam com a criança e que vinham só para visita. Então eu reunia

todos os pais uma hora antes quando eles chegavam, marcava antes do horário da

visita, e eu orientava como lidar com as crianças internadas; como se despedir

dessas crianças; o que dizer para as crianças. (P3)

As três participantes ligadas ao Hospital Infantil destacam como significativo os

grupos de preparação das crianças para cirurgia, através da dramatização, evidenciado por P5.

[...] as crianças chamavam de grupinho ou clubinho [...] fazia desde a preparação

para a cirurgia em ambulatório, em que se podia fazer a preparação com filminho,

que tinham todos os slides [...] toda sequência de ambientação dos lugares por onde

a criança ia passar, mostrava o Centro Cirúrgico, os médicos paramentados. Depois

se fazia a passagem por esses lugares até a ante sala de cirurgia. E se fazia, também,

um tempo de sessão lúdica com dramatização com os bonequinhos vestidos com a

roupa de médico, ou que a gente pudesse fazer ela usar a roupa, fazer uma inversão,

fazer uma troca, uma tomada de papel. (P5)

Por outro lado, a entrevistada P1 relata tentativas frustradas de psicograma de grupo

com mães, “[...] o psicodrama é algo muito rico, mas, dificilmente, nós conseguimos reunir

essas mães”. Isto porque,

[...] apesar delas estarem lá no hospital, porque tinha um espaço que chamavam até

de ninho [...] que as mães poderiam ficar hospedadas. Não conseguia reunir porque

muitas vezes elas estavam com seus bebês, outras estavam descansando, em alguns

momentos elas tinham saído. (P1)

Moreno nos seus escritos aborda sobre psicodrama de grupo, entretanto não escreve

sobre o psicodrama bipessoal. Ressalta Fonseca (2000, p. 55, grifo do autor), que “[...] não

deixou, justiça seja feita, por coerência, visto que propunha a psicoterapia de grupo, de

preferência de grupos abertos, e não a psicoterapia individual, privada, de confessionário,

como dizia.”.

Vale ressaltar que nesta pesquisa, esta modalidade de psicoterapia é nomeada como

psicodrama bipessoal, conforme autores, como Bustos (1979, 1999), Perazzo (1994) e Cukier

(1992). A literatura não apresenta um consenso a esta denominação, contudo há uma

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105

tendência, conforme Perazzo (1990 apud Cukier, 1992, p. 17), de se consagrar este nome,

apesar dos questionamentos teóricos que este suscita. Assim, esta denominação varia entre

diferentes autores, Moreno se refere à psicodrama a dois, Fonseca denomina de psicoterapia

da relação, para os mais rigorosos com a teoria é designada como psicoterapia psicodramática

individual bipessoal. Enfim, esclarece Cukier (1992, p. 17), “[...] todas essas são formas de

nomear terapias psicodramáticas individuais que não fazem uso de egos auxiliares.”.

O psicodrama bipessoal, segundo Cukier (1992, p. 17), é uma abordagem terapêutica

originária do psicodrama, que se concretiza na relação entre um paciente e um terapeuta, não

fazendo uso de egos auxiliares. Ao invés destes, muitas vezes, são utilizadas almofadas, bloco

de espumas, ou qualquer outro objeto que os substituam nas dramatizações.

Quanto à subcategoria Psicodrama bipessoal, através das entrevistas, o atendimento

psicológico hospitalar é, na maioria das vezes, tratado como se fosse o único, e, muitas vezes,

realmente é. Para além disto, conforme P1, “[...] a gente tinha poucos espaços de intervenção

[...] acabava sendo um processo mais individual mesmo.”. Esta modalidade é a mais utilizada

pelas participantes no hospital.

O psicodrama bipessoal concretiza a grande maioria dos atendimentos, por ser uma

modalidade mais fácil e oportuna, dadas as características específicas de um hospital.

4.4.2 Práticas psicodramáticas nas intervenções hospitalares

Neste tópico, as práticas das psicodramatistas, tanto no psicodrama bipessoal como no

psicodrama de grupo, são evidenciadas através das subcategorias: Elaboração verbal,

Aquecimento, Dramatização, Utilização de material lúdico e Técnicas psicodramáticas.

A subcategoria Elaboração verbal, é envidenciada no atendimento realizado pela

entrevistada P5, “[...] dela falar, de responder, de trazer, às vezes, o médico também. E o

médico poder fazer ou mostrar alguma coisa para o paciente.”.

A elaboração verbal, na maioria das vezes, é percebida através do psicodrama

bipessoal. É o atendimento que se dá pela entrevista, pelo diálogo ou pela intervenção

coloquial, pois, nem sempre, os atendimentos psicológicos hospitalares, dado suas

especificidades e considerando o estado do paciente, podem se concretizar numa

dramatização ou na utilização de alguma técnica. No psicodrama de grupo no hospital, as

intervenções, normalmente, culminam numa dramatização. O grupo se constitui pelos

familiares ou pelos pacientes cujo estado de saúde permite sua participação.

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106

Outra prática psicodramática nas intervenções hospitalares é tratada na subcategoria

Aquecimento. Etapa inicial de um psicodrama, é fundamental, complexo e imprescindível

como requisito técnico numa sessão psicodramática. Com respeito ao aquecimento, conforme

Cukier (1992, p. 30),

[...] Moreno se refere à complexa mobilização involuntária do sistema

neuromuscular, desencadeada por um ato voluntário qualquer, nos mostrando que

até fisiologicamente mudanças e adaptações acontecem. [...] liberamos a

espontaneidade necessárias para catalisar nossa criatividade.

As entrevistadas, através da preparação de crianças para cirurgia, demonstram

maneiras de aquecimento perspectivando a dramatização.

[...] a gente fazia preparação de cirurgia [...] ela estava num pré-operatório. [...] tinha

slide da sala de cirurgia [...] utilizava esse recurso áudio visual [...] peças que se usa

de cerâmica, rim, fígado, pulmão, enfim, aqueles recursos médicos [...] primeiro

explicando o que ela tinha. (P2)

[...] a criança ia conhecer a sala cirúrgica, mas não a sala cirúrgica real, porque na

sala cirúrgica a criança não podia entrar [...] preparava para o cheirinho, que é o

anestésico. O cheirinho, a roupa [...] o sapatinho, o propé [...] o que ia acontecer com

ela em cada momento. A luz [...] porque era muito forte, ou a figura da máscara, do

médico de máscara, porque a criança ia olhar, ela está deitada e está olhando o

médico mascarado na frente dela. [...] aquele negócio no olho, todo enluvado, isso

era muito assustador. Então, a criança familiarizava com isso, mexia na luva médica.

(P2)

O aquecimento prepara o paciente e o terapeuta para o desenrolar da dramatização.

A subcategoria Dramatização é vista através da montagem de cena usando a ação

corporal e da montagem de cena através de recursos. A representação dramática, através

da ação e da palavra, possibilita o surgimento do drama, experienciado pela pessoa. Na cena,

o indivíduo pode representar seus conflitos passados e presentes, e também expressar seus

temores, expectativas, projetos e dúvidas, explorando suas relações com o presente e o

passado. Gonçalves e outros (1988, p. 78) dizem que a dramatização “[...] é o método por

excelência, segundo Moreno, para o autoconhecimento, o resgate da espontaneidade e a

recuperação de condições para o inter-relacionamento.”. É o caminho segundo o qual a pessoa

pode entrar em contato com conflitos.

No contexto hospitalar a representação dramática é possível na elaboração de

sentimentos como a angústia, a aflição, o medo e as inseguranças. Tanto para os pacientes

quanto para seus familiares, incluindo, através do teatro de faz-de-conta, do como se,

pacientes crianças.

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107

A dramatização permite a ressignificação dos sentimentos, é o que apontam duas

entrevistadas, citando crianças que estavam sendo preparadas para cirurgia.

[...] nós brincávamos de médico, ela fazia cirurgia nos bonecos [...] A própria

criança fazia cirurgia no boneco [...] ela estava tranquila porque conhecia o

processo, estava simplesmente preparada para tudo que acontecia com ela. (P2)

[...] na dramatização a gente trabalhava todos os sentimentos delas,[...] Aí eu

assumia o papel dela, do médico, enfim, existia todo um trabalho nessa

dramatização que elas iam muito tranquilas. (P3)

[...] a preparação para a cirurgia era feita com o psicodrama, com dramatização,

vestiam as roupas, as crianças experimentavam do como ser, tinham bonequinhas

vestidas com roupa de Centro Cirúrgico. (P5)

A montagem de cena usando a ação corporal se faz possível conforme o estado em

que se encontra o paciente. A entrevistada P1 cita como exemplo uma paciente que tinha tido

um bebê e quando se referia à família, não o incluía. Através da dramatização foi possível

compreender a razão disto, passando a aceitá-lo.

[...] aquecimento [...] a partir disso deriva uma cena, que pode ser qualquer uma, que

pode ser esse bebê que não foi colocado. Pedir para falar dos sentimentos: ‘te lembra

alguma situação na sua vida que você tenha vivenciado?’, ‘Ah, tem a ver com o meu

irmão menor que nasceu.’ [...] Muitas vezes você tem que ir para uma cena para

limpar aquilo, para que ela possa olhar para isso de uma forma diferente. (P1)

A entrevistada P1 também relata o caso de uma paciente que, através do recurso de

lembranças interiorizadas, é possibilitada a dramatização.

[...] a suspeita era que ela estava psicotizando. Porque ela tinha perdido um irmão

numa situação bem traumática [...] ela estava cruzando as lembranças desse irmão

com a lembrança do filho que estava nascendo [...] você não podia ignorar que

aquele irmão precisaria participar da sessão. Então, foi tão intenso que depois dela

poder ter separado as duas imagens, não voltou a manifestar os sintomas. (P1)

Através de uma dramatização apenas foi possível elucidar o caso acima, a paciente

poderia vir a ser enquadrada como psicótica, o que talvez trouxesse consequências sérias,

sofríveis e impactantes para sua vida. Apesar de um atendimento hospitalar ter, normalmente,

uma curta duração, é potencializado, por se caracterizar como uma situação de crise.

A dramatização segundo a montagem de cena através de recursos pode se

concretizar com auxílio de pequenos objetos. São adaptações que as psicodramatistas, através

da espontaneidade, criam, por exemplo, para pacientes que tenham que permanecer no leito.

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108

[...] Eu tinha um kit pequenininho [...] que eu colocava tudo [...] almofadinhas do

joguinho das 5 Marias [...] em cima de uma prancheta [...] com as almofadas eu fazia

dramatização no leito com as crianças, sentadas. (P2)

[...] ela no leito com bonecos [...] mostrando quais eram as possibilidades, tira a

perna do boneco, como é que vai ficar, tudo no como ser [...] ela acabou tendo uma

resposta positiva e não perdeu a perna. (P5)

Neste último caso citado é possível perceber que a dramatização permite vivenciar

uma situação, compreendendo seu significado e suas consequências, possibilitando a

superação.

A participante P4 cita a psicoterapia da relação como recurso à dramatização levando

à cena dramática imaginária.

[...] E a gente acaba aprendendo com o piscodrama, que não necessariamente precisa

montar toda a cena. A cena acontece numa psicoterapia de relação ali, naquele

momento, ou as técnicas todas, elas são mais da psicoterapia da relação do que

propriamente uma montagem de cena usando a ação corporal. (P4)

A psicoterapia da relação foi desenvolvida por Fonseca (2000, p. 21, grifo do autor) a

partir do psicodrama, na qual “[...] as cenas são desenvolvidas em ações dramáticas,

dispondo-se o terapeuta a jogar papéis internalizados do paciente. As cenas são desenvolvidas

preponderantemente no aqui e agora da sessão, ou seja, presentificadas. [...]”. Assim,

prossegue o autor (2000, p. 21), “[...] não havendo marcação ou montagem da cena. Não

existe ação corporal entre terapeuta e paciente no jogo de cena.”.

A dramatização é uma prática psicodramática possível e pertinente em intervenções

hospitalares, o que reforça o uso da abordagem neste contexto.

A subcategoria Utilização de material lúdico se constitui em mais uma prática

psicodramática nas intervenções em hospitais, trazida pelas entrevistadas. Esta subcategoria é

evidenciada através de jogos e materiais para desenhar, vale lembrar que três participantes

são ligadas a hospital infantil.

A característica que define brinquedos, de modo geral, para Vygotsky (apud Rego,

2008, p. 82), é a possibilidade da criança “[...] criar uma situação ilusória e imaginária, como

forma de satisfazer seus desejos não realizáveis.”.

Através das brincadeiras, abarcando a imaginação, as histórias, os jogos e os desenhos,

o psicodrama contribui na superação de obstáculos ao desenvolvimento emocional da criança.

Desta forma a criança aprende a lidar com o mundo e com a vida, na perspectiva de assimilar,

entender e transformar.

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109

O psicodrama é, conforme Gonçalves (1988, p. 111), “[...] como outras, uma

psicoterapia na qual a criança tem oportunidade de se expressar e de se relacionar por meio de

brincadeira e do jogo.”. O que caracteriza e diferencia tecnicamente o psicodrama de outras

ludoterapias, prossegue a autora (1988, p. 111), “[...] é o preparo do terapeuta para se

prontificar, muitas vezes, a propor cenas, jogos, procedimentos dramáticos e a dirigi-los,

algumas vezes.”.

A entrevistada P2, com a utilização de material lúdico através de jogos, evidenvia sua

prática com crianças hospitalizadas.

[...] Eu usava miniaturas de joguinhos, de brinquedos, jogos de crianças um pouco

mais velha, jogos de baralho, jogos de cartas. Jogos que fossem fáceis de transportar

[...] dadinhos, piaozinho [...] a gente fazia os jogos de tabuleiro, inventava o

tabuleiro numa folha de papel em cima de uma prancheta. Aí a criança compunha

[...] ia jogando e trabalhando situações. (P2)

Através de materiais para desenhar, na utilização de material lúdico, quatro

entrevistadas relatam suas formas de trabalhar no hospital, mas não só com crianças.

[...] muitas vezes você pode fazer essa cena através de um desenho projetivo,

‘Desenha agora como você está se sentindo’ [...] jogo de tintas que ele pudesse

utilizar, ou lápis de cor, ou só lápis preto, ou só folha em branco, ou um papel para

fazer uma dobradura, para poder concretizar a situação e poder trabalhar de uma

forma mais efetiva. (P1)

[...] uma caixinha de lápis de cor [...] de lápis de cera [...] de massinha. Ficava com

umas folhas de papel em branco, a gente ali já fazia uma festa porque a criança

desenhava [...] psicograma que é essa técnica de desenho. (P2)

[...] Se a criança estivesse muito ansiosa, chorando [...] desenho que fazia toda a

preparação [...] aquele momento que dava mais ansiedade para eles também. (P3)

[...] da criança poder desenhar [...] dependendo de como estava queimada, de se

poder fazer o desenho (P5)

Pelas falas das participantes, para além da pessoa poder viver situações pelas quais

passa, testar novas maneiras de reagir, enfrentar situações adversas, fora do clima de tensão

que o hospital apresenta, verifica-se que o desenho é, também, um dos recursos lúdicos

possíveis para trabalhar situações bastante sérias e sofridas no hospital, como com crianças

oncológicas e queimadas.

Técnicas psicodramáticas se constituem na última subcategoria entre as práticas

psicodramáticas nas intervenções hospitalares. Entre as técnicas psicodramáticas, para fins

desta pesquisa, só serão tratadas as técnicas evidenciadas pelas entrevistadas, categorizadas

Page 112: UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA MARIA …

110

através: duplo, espelho, inversão de papéis, psicodrama interno, átomo social, cadeira

vazia, solilóquio e interpolação de resistência.

O psicodrama e suas técnicas têm a perspectiva de colocar a pessoa livre para criar

espontaneamente, sem prejudicá-la e, tanto quanto possível, sem sofrimentos. No hospital,

conforme a entrevistada P4, após descobrir “[...] qual o tema antagônico do sujeito, o que

mais angustia ele naquele momento, no aqui e agora [...] qual que é esse conflito dele, a

preocupação, a gente pode utilizar inúmeras técnicas”.

As técnicas psicodramáticas também se concretizam em recursos que levam à

montagem de cena favorecendo a dramatização.

[...] no psicodrama a gente procura trabalhar sempre através da ação,

proporcionando para o paciente uma possibilidade de concretizar a situação que ele

está vivenciando, trazendo para uma cena e interagir. Como a gente não tinha muito

espaço de movimentação, as técnicas utilizadas eram técnicas que permitiam essa

intervenção através da ação. (P1)

A técnica dramática, confome Bustos (1999, p. 17), “[...] teve um tal grau de expansão

que muitas pessoas que a utilizam chegam até a desconhecer seu autor. [...]”. Por um lado,

prossegue o autor (1999, p. 17), “[...] representa um triunfo, uma vez que a validade do

instrumento fez com que fosse absorvido pelo meio.”. Por outro, muitas vezes, a técnica é

usada fora do marco teórico e filosófico do qual foi concebida, assim sendo desvirtuada.

O psicodrama coloca, segundo Bustos (1999, p. 17), “[...] uma postura existencial

baseada no Encontro, onde reina o Eu-Tu que Moreno formulou [...] antes mesmo de criar o

psicodrama.”. Trata-se, portanto, de uma abordagem teórica que tem como ponto inicial o

vínculo. A partir do vínculo, Moreno desenvolve uma gama de conceitos, muitos destes

suscitando técnicas.

As técnicas básicas do psicodrama têm seu embasamento na Matriz de Identidade. No

Primeiro Universo, na fase Identidade Total e Indiferenciada, de total confusão entre o EU e o

mundo, está embasada a técnica do duplo. Ainda no Primeiro Universo, na fase Matriz de

Identidade Total e Diferenciada, quando o EU diferencia-se do TU, embora não distingua o

real do imaginário, está baseada a técnica do espelho. Por último, no Segundo Universo, o

EU, além de diferenciado do TU, percebe a realidade da fantasia, se conforma a técnica da

inversão de papéis.

Nas entrevistas, entre as técnicas apontadas como práticas psicodramáticas nas

intervenções hospitalares, está o duplo. Este é referenciado por todas as participantes, o que

se pode aferir por ser a técnica básica do psicodrama mais regredida.

Page 113: UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA MARIA …

111

No psicodrama de grupo, a técnica do duplo pode ser feita pelo ego-auxiliar ou,

mesmo, pelo diretor; no psicodrama bipessoal, óbvio, só pelo terapeuta. Nas duas

modalidades, a pessoa que faz a técnica, através do corpo e de palavras, expressa sentimentos,

idéias, conforme Kaufman e Gonçalves (1988, p. 65), “[...] o protagonista não está podendo

trazer à tona. O duplo funciona como uma espécie de ‘consciência auxiliar’. [...]”.

A entrevistada P4 exemplifica, em dois casos distintos, o uso da técnica do duplo,

possibilitando o insight do paciente. No primeiro caso, o uso da técnica se dá para tirar o

paciente do papel de vítima, papel este costumeiro no ambiente hospitalar. No segundo caso,

através da técnica do duplo a paciente, com suspeita de câncer, conseguiu sair do estado de

depressão que se encontrava, possibilitando a ratificação do diagnóstico inicial.

[...] no hospital eles estão totalmente no papel de vítima, então a gente tem que tirar

essa sensação deles: ‘Não, vocês podem fazer muitas coisas por vocês aqui dentro.’.

(P4)

[...] Tinha uma mulher que [...] suspeitavam que estava com um câncer [...] ‘tanto

faz está com aquilo, se Deus quisesse levar, podia levar também [...] eu fazia um

duplo dela e dizia assim, ‘O que adianta mesmo, pode me levar. Já levou a vida do

meu marido, levou meu filho, pode me levar, tanto faz eu fazer exame ou não fazer

exame. Só que eu esqueço que eu tenho mais tantos filhos, eu esqueço que eu tenho

um neto que pediu para eu melhorar. Só estou enxergando aqueles que eu perdi, eu

não consigo mais ver aqueles que eu preciso estar viva, por causa desse meu neto.’

[...] Não estava vendo, talvez, que teria que lutar por ela. (P4)

O objetivo do duplo é, explica Cukier (1992, p. 40) “[...] entrar em contato com a

emoção não verbalizada do paciente, e às vezes até não conscientizada, a fim de auxiliá-lo a

expressá-la. [...]”. Desta forma, prossegue a autora (1992, p. 40), “[...] quanto mais o terapeuta

estiver identificado com o paciente, melhor duplo será capaz de fazer.”. No segundo caso

acima descrito, a psicóloga mostra-se bastante identificada com a paciente, assim, tendo

possibilitado o insight.

O espelho é outra técnica entre as práticas psicodramáticas nas intervenções

hospitalares.

[...] espelho também, mas assim, [...] como as crianças estavam em geral na cama,

não tinha como eu me deitar para fazer o espelho da criança. (P2)

Esta técnica pode ser mais difícil de usar com os pacientes que tenham que

permanecer deitados no leito, como evidenciou P2. Talvez por esta razão, a psicodramatista

P1 mostra adaptações da técnica para o hospital, “[...] é um espelho só de frase que usou, no

jeito que falou de tal coisa.”.

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112

Como o próprio nome sugere, esta técnica possibilita o protagonista ver o seu

comportamento, como um espelho, refletido no ego-auxiliar ou no psicoterapeuta. Conforme

Gonçalves e outros (1988, p. 88), esta técnica pode ser usada de duas formas:

[...] uma onde, no próprio contexto dramático, o ego-auxiliar entra e passa a espelhar

o protagonista, que assiste a si mesmo, frente a frente. Em outra forma, o diretor

retira o protagonista de cena e fica ao seu lado, assistindo ao desempenho do

auxiliar, que toma seu lugar na dramatização. Essa segunda forma é menos chocante

e dá maiores possibilidades de insight ao protagonista, que está apoiado pela

presença do diretor.

O espelho tem por objetivo permitir que, elucida Cukier (1992, p. 40), “[...] o paciente,

olhando para si, de fora da cena, atine com todos os aspectos presentes nela e com sua reação

frente a estes aspectos. Trata-se de favorecer um incremento da função observadora do eu.”.

É uma técnica que se conforma de fácil compreensão para o paciente, entretanto deve

ser usada com domínio, pois corre o risco de vir a ser agressiva, principalmente se adotar a

forma de caricatura. Ao invés de se concretizar como um benefício terapêutico, pode provocar

uma exasperação das defesas.

Esta técnica básica do psicodrama é pouco mencionada nas entrevistas. Apesar de ser

uma das técnicas que mais possibilita o insight, segundo Cukier (1992, p. 41).

A inversão de papéis é a terceira técnica básica do psicodrama, mencionada por todas

as entrevistadas nas práticas psicodramáticas nas intervenções hospitalares.

Esta técnica consiste, conforme Cukier (1992, p. 44), em pedir “[...] ao paciente que,

inicialmente, tome o lugar do outro, ou seja, represente o papel de alguém, sobre quem esteja

falando, em vez de apenas falar sobre essa pessoa”. A entrevistada P1 explica como usa a

técnica.

[...] utilizando sempre a possibilidade da pessoa se colocar no lugar do outro, de

fazer a inversão de papéis para poder perceber esses atores da sua cena, esses

elementos na sua cena e esclarecer um pouquinho o que é que está desestabilizando

para esse paciente. (P1)

Vale salientar a distinção entre inversão de papéis e tomada de papéis. Só se configura

enquanto inversão de papéis, quando as duas pessoas envolvidas estiverem presentes, caso só

uma esteja, se concretiza como tomada de papéis. Desta forma, a inversão de papéis só é

possibilitada em psicodrama de grupo, de casais ou de família, assim mesmo, quando as duas

pessoas envolvidas estiverem presentes na sessão. No psicodrama bipessoal, a possibilidade

de usar a técnica de inversão de papéis, se dá quando estiver sendo trabalhada a relação

Page 115: UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA MARIA …

113

cliente/terapeuta. Nesta pesquisa será usada a nomenclatura inversão de papéis para ambos os

casos, como fazem alguns psicodramatistas, entre eles, Cukier.

As entrevistadas exemplificam o uso desta técnica em várias circunstâncias diferentes.

A participante P1 cita a inversão de papéis num grupo de mães gestantes internadas no

hospital.

[...] a gente pede para elas apresentarem o bebê, só que como se fossem eles. Então

a gente já pede para fazer uma troca de papéis, ‘Ah, eu não tenho nome ainda’ ou

‘Eu não sei que sexo que eu sou, mas eu já tenho 3 meses, ou eu tenho 5 meses de

gestação.’. (P1)

A entrevistada P1 relata outro atendimento no qual é usada a técnica da inversão de

papéis. A mãe ao assumir o lugar de seu bebê pode sentir e compreender o seu filho, o que

não tinha sido possível só pelas indicações dos médicos e enfermeiras.

[...] foi apenas uma sessão que eu pude trabalhar a relação com ela. Ela pode

entender aquilo tudo que estava sendo dito para ela de várias formas, pela equipe

médica, pelas enfermeiras, porque ela simplesmente conseguiu se colocar no lugar

do bebê. E ela mudou toda a prática dela. A partir daquela nossa sessão, passou a

ficar no hospital e o bebê dela se recuperou. (P1)

A entrevistada P3 mostra o uso da técnica na preparação de crianças para a cirurgia,

“[...] então eu era o médico e ela era a paciente, depois nós trocávamos de papel [...] usava

todos os papéis que fossem necessários no momento.”.

Num hospital a angústia de separação é um sentimento recorrente, o paciente

internado fica separado de pessoas significativas, de objetos familiares, enfim, de tudo que é

importante em sua vida. A entrevistada P2 mostra o uso da técnica tomada de papéis com o

objetivo da criança diminuir, e melhor lidar, com a angústia de separação da mãe.

Eu usava muito a tomada de papéis [...] ‘E vamos fazer de conta que eu sou essa que

você está com saudade. O que você gostaria de dizer pra ela?’ [...] Então a criança

abraçava a mãe, ela beijava a mãe, porque estava usando esses recursos da tomada

de papéis. Eu tomava o papel, por exemplo, e a criança podia dizer que estava com

saudade. Podia chorar, podia acalentar essa criança dentro do papel. Ela invertia o

papel, aí eu era a criança e dizia para a mãe que eu estava com saudade dela. [...] E a

criança dizia assim, ‘Não, mas eu te amo, eu vou ficar com você, você vai ficar boa

e vai voltar pra casa, vou fazer um bolo pra você.’. E ai era muito legal, as crianças

gostavam muito. Conseguiam falar, se colocavam, lidavam muito com essa

distância. (P2)

A participante P5 relata, através da técnica inversão de papéis, a conscientização de

um pai no sentido de se falar a verdade ao filho sobre o processo a que seria submetido.

Page 116: UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA MARIA …

114

[...] O pai, ‘É melhor dizer que ele vai fazer um curativo e deixar por isso, ele

dorme.’. Aí eu falava, ‘E quando ele acordar? Tem uma cicatriz enorme e não foi só

um curativo. Ele vai saber que não foi..’ [...] ‘Então vem cá, você é o filhinho, vem

fazer o curativo e agora você vai dormir. Agora acordou, amarrado, com soro, com

sonda, não pode comer, tem um corte desse tamanho, um curativo, tem grampos, o

seu peito foi serrado. Então passou o tempo, daqui a 6 meses você está correndo,

está bom, lindo e maravilhoso e, aí, você vai cair e ralar o joelho lá no sítio em

Rancho Queimado. E aí o papai chama para fazer o curativo, o que você vai

pensar?’, ‘Tá bom, tá bom, pode contar, pode ser, ok.’. (P5)

Conforme Cukier (1992, p. 44), “[...] Moreno dizia que a inversão ou troca de papéis

era o motor que propulsionava o psicodrama. Essa talvez seja uma das técnicas clássicas mais

utilizadas na clínica.”. Isto porque, prossegue a autora, “propicia, além da vivência do papel

do outro, o emergir de dados sobre o próprio papel que, sem este distanciamento, não seria

possível.”. Esta técnica sendo uma das mais evidenciada nas entrevistas, é possível considerar

como uma das mais utilizadas, também, no contexto hospitalar.

A partir destas três técnicas básicas, duplo, espelho e inversão de papéis, é que surgem

todas as outras técnicas do psicodrama, pois, segundo Gonçalves e outros (1988, p. 89),

“qualquer outra técnica contém ao menos o princípio contido em alguma delas.”.

O psicodrama interno se concretiza numa outra técnica nas práticas psicodramáticas

nas intervenções hospitalares. Segundo Fonseca (2000, p. 54, grifo do autor), esta técnica

“[...] nasce da angústia do psicodramatista em seu setting de psicoterapia individual [...]

privado dos egos-auxiliares, da platéia, enfim, do grupo.”. O psicodrama interno se configura

como num trabalho de dramatização, no qual a ação dramática é simbólica.

A entrevistada P1 relata o uso do psicodrama interno “[...] quando era possível a

elaboração de uma cena, mas era às vezes difícil pelo espaço.”. A isto corrobora a participante

P4, “[...] muitas vezes quando impossibilitado muito da ação, a gente faz um psicodrama

interno.”. Se, para estas entrevistadas, o psicodrama interno é usado por indisponibilidade de

espaço para a dramatização no hospital, para Cukier (1992, p. 56), “[...] é a forma como o

paciente faz sua queixa clínica.”. Assim, quando o paciente, completa a autora (1992, p. 56),

“[...] traz queixas vagas, sensações de angústia generalizada e/ou aparentemente sem motivo,

configurando um quadro de conflito interno pouco definido, costuma ser muito útil trabalhar

com o psicodrama interno.”.

Através de um caso a entrevistada A entrevistada P1 relata o uso do psicodrama

interno “[...] quando era possível a elaboração de uma cena, mas era às vezes difícil pelo

espaço.”. A isto corrobora a participante P4, “[...] muitas vezes quando impossibilitado muito

da ação, a gente faz um psicodrama interno.”.

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115

A entrevistada parece utilizar o psicodrama interno com os mesmos objetivos de

Cukier (1992, p. 57), “[...] procuro ajudar o paciente a elaborar seus conflitos, através das

imagens, sensações e associações internas que aparecem.”.

Fonseca (2000, p. 62) anteriormente concordava com o uso do psicodrama interno

para elaboração de conflitos, hoje pensa que “[...] mais importante é o livre viajar interno, ou

o fluir da espontaneidade. Acredito na capacidade humana de auto-resolução ou, se quiserem,

da autocura.”. Também para este autor, (2000, p. 65), o psicodrama interno “[...] tenta

desobstruir e calibrar canais de expressão, essenciais para a comunicação do inconsciente com

o consciente.”.

Para além do objetivo a que se propõe o uso do psicodrama interno num atendimento,

dado as suas caraterísticas, se conforma adequado ao hospital, sendo oportuno até para

pacientes em estado mais grave e para aqueles que só podem permanecer deitados.

Outra técnica evidenciada nas entrevistas, entre as práticas psicodramáticas usadas nas

intervenções hospitalares, é o átomo social.

O conceito de átomo social não como técnica, mas enquanto categoria, é definido por

Moreno (1975, p. 239), como “[...] o núcleo de todos os indivíduos com quem uma pessoa

está relacionada emocionalmente ou que, ao mesmo tempo, estão relacionadas com ela. É o

núcleo mínimo de um padrão interpessoal emocionalmente acentuado no universo social.”.

Enquanto técnica, Moreno aponta o átomo social como técnica de auto-apresentação.

Duas entrevistadas evidenciam o uso desta técnica, uma se concretizando através de

pedrinhas, outra através de desenho.

[...] várias pedrinhas coloridas [...] colocava uma prancheta, que era fácil de carregar

[...] pedia, ‘Ah, escolhe uma pedra para te representar, coloca nessa folha.’. [...] às

vezes era uma folha inteira, e se colocava lá no cantinho, isso queria dizer alguma

coisa. ‘E agora coloque aqui e escolha pedras, pessoas que são importantes para

você, para esse momento da sua vida.’. [...] quando terminava de montar eu dizia,

‘Olha, imaginando esse contexto da sua vida, vai dizendo o que você acha, que tal a

sua vida?’. Umas não diziam nada, uma confusão [...] ‘Você consegue identificar

porque colocou essas pessoas mais próximas?’, ‘Ah, é porque me apoiam.’, ‘E essa

que você colocou aqui, o que significa para você?’, ‘Ah, coloquei bem longe porque

é uma pessoa que só me faz mal.’. Então, a partir desse contexto você entendia um

pouco as relações dessa pessoa. [...] E, muitas vezes, quando a pessoa ia colocar uma

pedra, ela pegava uma pedra na mão e começava a chorar. (P1)

[...] Ela acabou de ter um bebê e ela montou o átomo todo e não trouxe o bebê. [...]

ela começa a conversar, daqui a pouco você observa, ‘Você não quer escolher uma

pedrinha para colocar o seu bebê?’. Então muitas vezes naquela pedra vem o

conflito, o que está acontecendo aqui. (P1)

[...] fazia átomos sociais para ver como é que ela está, ‘Com saudade’, ‘Mas

saudades de quem? Vamos desenhar as pessoas que você está com saudades?’. (P2)

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116

A entrevistada P1 utiliza o átomo social, conforme Moreno, como auto-apresentação,

explorando o contexto sociométrico ao qual a paciente está se referindo, apresentando as

pessoas afetivamente significativas para eae. A partir daí, muitas vezes, surge uma situação

angustiante, um conflito. A entrevistada P2 usa esta técnica para elaborar sensações, como a

saudade sentida pela paciente.

Cukier (1992, p. 76) se refere à técnica do átomo social como um recurso útil para

começos de terapias, “[...] podendo ser um valioso auxiliar da anamnese tradicional, e ainda

como uma espécie de treino para as futuras dramatizações (avaliação da capacidade

psicodramática do paciente).”.

A técnica do átomo social se mostra adequada num ambiente hospitalar, não só pelos

objetivos a que se propõe, mas por não exigir mobilidade e esforço físico do paciente

internado.

A cadeira vazia é outra técnica relatada pela entrevistada P1, entre as práticas

psicodramáticas usadas nas intervenções hospitalares.

Esta técnica consiste, segundo Cukier (1992, p. 86), “[...] numa espécie de

desempenho de papéis sem a ação dramática.”. O terapeuta põe uma cadeira vazia na frente

do paciente. A partir daí, pede para que ele imagine uma pessoa sentada nesta cadeira, com

quem tem algo a dizer. Ao invés de uma pessoa, pode ser partes do próprio paciente com as

quais queira trabalhar. Através da troca de cadeira é, também, feita a troca de papéis, assim

jogando os papéis conforme a cadeira que senta.

Cukier (1992, p. 86) esclarece que esta técnica “[...] propicia a possibilidade de o

paciente confrontar partes opostas de conflitos internos e/ou pessoas com quem tem algo a

acertar. Pode também ser utilizada para materializar metáforas ou partes de sonhos.”.

A paciente P1 relata em sua entrevista o uso da técnica da cadeira vazia, não na forma

clássica, mas adaptando ao caso demandado, “[...] eu utilizei a técnica da cadeira vazia de

uma forma um pouco diferente.”.

[...] foi apenas uma intervenção, eu lembro que essa mãe estava desistindo do bebê

dela. Ela achava que o bebê não iria sobreviver e ela estava se ausentando muito.

[...] Eu coloquei ela sentada numa cadeira, coloquei uma cadeira vazia do lado dela e

fui fazendo só um distanciamento daquela cadeira vazia. Imaginando que ela,

sentada na cadeira, era o bebê e que a cadeira vazia [...] como fosse ela. E ela falou

os motivos pelos quais estava se ausentando do hospital. Então, o fato dela poder se

colocar no lugar do bebê e poder sentir o afastamento da mãe, ela percebeu que

nenhum daqueles motivos justificavam. (P1)

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117

A técnica da cadeira vazia é apropriada como possibilidade no atendimento

psicológico hospitalar, já que não exige amplo espaço físico. Contudo se limita a pacientes

que tenham condições de sair do leito.

A participante P1, ao se referir à técnica da cadeira vazia, faz menção à psicoterapia da

relação criada por José Fonseca, como possibilidade de trabalhar no hospital.

[...] A cadeira vazia usava muito, toda a parte da psicoterapia da relação, é Fonseca,

é muito legal porque não precisa de espaço físico. Você mesmo pode ser vários

personagens da sua vida. (P1)

A psicoterapia da relação, conforme já mencionada, se conforma entre paciente e

psicoterapeuta, tendo o desempenho de papéis como procedimento mais usado. Para além das

técnicas do psicodrama que utiliza, Fonseca se refere ao duplo espelho. Esta técnica se

concretiza na psicoterapia da relação, como síntese das técnicas clássicas do duplo e do

espelho. Desta forma, explica Fonseca (2000, p. 28, grifo do autor), “[...] quando emprego

esta técnica, e a emprego com frequência, estou frente a frente com o paciente, dublando-o.

Eis porque caracteriza-se como um espelho e como um duplo – duplo espelho.”.

A entrevistada P1 não exemplifica o uso da psicoterapia da relação. Entretanto, pelas

próprias características, esta psicoterapia se mostra adequada para ser utilizada em hospital,

inclusive não exigindo o deslocamento do paciente.

Duas outras técnicas. solilóquio e interpolação de resistência, são trazidas,

respectivamente, pelas entrevistadas P2 e P4. Porém, não são exemplificadas através de

alguma aplicação realizada por elas no hospital.

O solilóquio consiste numa técnica verbal, na qual o terapeuta solicita ao paciente

pensar alto, ou seja, verbalize o que está pensando. Esta técnica torna possível, segundo

Gonçalves e outros (1988, p. 90, grifo do autor), expressar “[...] níveis mais profundos do

‘mundo interpessoal’ do protagonista.”.

Esta técnica é útil sempre que o paciente, esclarece Cukier (1992, p. 48), “[...]

apresenta algo inquieto ou dá mostras de estar se atendo a condutas socialmente esperadas e,

portanto, algo estereotipadas. [...]”. Através do que é trazido pelo solilóquio o terapeuta têm

indícios, continua a autora (1992, p. 48), “[...] sobre como prosseguir a dramatização,

trazendo sentimentos ainda não expressos ou outras cenas que, paralelamente, habitam os

pensamentos do paciente.”.

Pelos comentários expostos e por ser simples de ser usado, é possível dizer que o

solilóquio está entre as técnicas condizentes às características requeridas aos atendimentos

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118

hospitalares. Inclusive, também, por ser o hospital um local que reduz a pessoa, que já está

limitada na sua espontaneidade, praticamente ao papel de paciente, sugerindo adotar

comportamentos estereotipados.

Quanto à técnica de interpolação de resistência, mencionada pela participante P4,

conforme Gonçalves e outros, (1988, p. 91, grifo do autor), permite ao paciente “[...] ter

acesso a novos pontos de vista, mais flexibilidade em suas posições relacionais e buscar

caminhos mais produtivos para sua tele-sensibilidade. [...]”. Os autores (1988, p. 91),

esclarecem que, “[...] Moreno utilizou esse nome para vários procedimentos técnicos, que têm

em comum o fato de visarem ‘contrariar’ disposições conscientes e rígidas do protagonista.”.

Kaufman e Gonçalves (1988, p. 67) explicam que a interpolação de resistência “[...] é

a modificação, por parte do terapeuta, dos traços característicos do contra-papel que a criança

lhe atribui ou a imposição, pelo terapeuta, de um personagem inesperado, colocando o

protagonista diante de uma situação nova.”. Os autores se referem à criança, entretanto é

possível relacionar a qualquer pessoa.

Esta técnica, pelo exposto, se mostra condizente ao atendimento hospitalar.

Principalmente por possibilitar à pessoa vislumbrar novos caminhos, o que se faz tão

necessário ao paciente internado num hospital, na perspectiva da recuperação de sua saúde.

A imprevisibilidade do tempo de duração e da frequência de uma intervenção é uma

característica do atendimento no hospital. Dadas estas características, as técnicas

psicodramáticas, por permitirem a concretização dos sentimentos, possibilitam a compreensão

da angústia, a explicação da rede afetivo-emocional do paciente e probabilidades de mudança.

4.4.3 Psicodrama, abordagem indicada para o hospital

Nos escritos de Moreno não se evidencia discussão sobre o homem no contexto

hospitalar. Na revisão bibliográfica realizada para esta pesquisa, pode-se observar raras

produções em relação à Psicologia Hospitalar escritas por psicólogos no enfoque

psicodramático.

Contudo, através da literatura psicodramática realizada, das reflexões feitas até aqui,

pela experiência das entrevistadas e da própria pesquisadora, é possível fazer a discussão do

psicodrama como uma abordagem indicada para o hospital. Sendo feita através das

subcategorias: Abrangência do Psicodrama e Uma abordagem que dá muito certo no

hospital.

Page 121: UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA MARIA …

119

Na subcategoria Abrangência do Psicodrama, todas as entrevistadas evidenciam que

não há patologia melhor indicada para ser trabalhada pelo psicodrama no contexto hospitalar.

A entrevistada P1 entende que não há devido à dinamicidade e à abrangência do psicodrama

no que diz respeito às relações.

[...] sempre que tem uma relação o psicodrama é bem vindo para fazer essa relação

do paciente consigo mesmo, uma relação do paciente com o bebê, às vezes é uma

relação do paciente com o cônjuge, às vezes é com a família, então, qualquer aspecto

relacional. [...] não só pensar na técnica em si, mas no enfoque, quanto pelo fato de

ter um olhar sistêmico, você poder ver o todo, eu acho que a abrangência. (P1)

A pessoa internada no hospital deve ser percebida como um ser completo e social,

conforme Bustos (1979, p. 107), “[...] Moreno procura reencontrar o homem completo, foge

das parcializações de rótulos que somente imobilizam e tranquilizam nossa necessidade de

deter o processo vital para apreendê-lo.”. Assim, também, a pessoa internada no hospital deve

ser vista.

Desta forma, a entrevistada P2 diz que não existe nenhuma patologia que não possa

ser trabalhada pelo psicodrama.

[...] se havia alguma patologia que não fosse indicada para o psicodrama. [...] não

consegue me ocorrer [...] Eu pensei em algumas coisas assim de síndromes mais

graves, deficiências que ficariam com a capacidade, mas não consigo me lembrar de

nada. (P2)

Para Moreno, muito além do diagnóstico, está a relação do indivíduo com ele mesmo e

com o mundo. A patologia está mais na intersubjetividade, portanto, no vínculo.

Bustos (1979, p. 108-109), contribui quando fala sobre a singularidade do diagnóstico.

[...] Se nos importa saber que uma pessoa tem uma fobia ou uma depressão,

importa-nos também o que significa na vida dessa pessoa, como é seu sistema de

valores, o que lhe ensinaram sobre o que é bom e mau, o que espera de si mesmo. Se

examinarmos um sintoma sem levar em conta a singularidade, estamos utilizando o

diagnóstico defensivamente, para nos distanciarmos de alguém. E não como via de

acesso ao mais profundo. Para isto, devemos lutar muitas vezes contra o próprio

paciente que, inconscientemente, procura ser catalogado, rotulado, coisificado. Isto o

distanciaria de si mesmo o suficiente para tranquilizar-se.

Pode-se dizer que no hospital, o tipo de patologia na qual a pessoa é enquadrada não

se concretiza como o mais relevante para o psicodrama. É, sim, uma das variáveis necessárias

para possibilitar perceber o ser humano internado como um todo.

Através da subcategoria Uma abordagem que dá certo no hospital, a entrevistada P4

afirma que o psicodrama é interessante porque

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120

[...] ele é muito visto em montar cena, que a ação corporal é muito evidenciada e, às

vezes, uma pessoa diz assim, ‘Nossa, que estranho, psicodrama no hospital.’. Mas

eu percebo que o psicodrama é uma das abordagens mais indicadas no hospital,

justamente porque têm técnicas que favorecem você chegar no ponto muito mais

rápido, cortar caminhos. Bustos diz que técnicas servem para a gente encurtar

caminhos. Então, o psicodrama têm muitas técnicas que a gente pode fazer isso.

Desta forma, a participante P4 afirma que o psicodrama também “[...] é uma

abordagem que dá muito certo no hospital mesmo [...]” pela “própria visão que o psicodrama

tem do ser humano [...] faz com que a gente faça um diagnóstico, e uma maneira de intervir

bastante diferenciada.”.

O psicodrama utiliza a representação dramática como centro dos conflitos humanos,

permitindo a interação da ação e da palavra, através das técnicas, baseado nos seus conceitos,

resgatando a espontaneidade e a criatividade. As cenas se desenvolvem no aqui e no agora,

podendo ser mentais ou através da ação corporal. O psicodramatista no hospital tem que

contar com a sua espontaneidade, sensibilidade e criatividade para, através do vínculo, ir

adaptando a cada paciente as possibilidades da ação psicodramática.

Para Moreno, como já dito, o ser humano não existe a menos que seja compreendido

em relação. O ser humano é concebido tão somente por existir um vínculo que lhe dá a Matriz

de Identidade, nada podendo ser concebido a não ser dentro do vínculo. Este vínculo deve ser

investigado, respeitando todas as características hospitalares, num atendimento à pessoa

internada.

A entrevistada P5 traz outro aspecto em relação ao psicodrama ser uma abordagem

que dá certo no hospital, justificando através da atuação do psicodramatista. Diferentemente

de outras abordagens, o psicodrama torna mais fácil o lidar com uma das dificuldades do

hospital, qual seja, “[...] a rapidez com que tudo funciona, de internação, de procedimentos e

que isso atropela muito. [...]”. E é mais fácil para a psicodramatista justamente por ter “[...]

essa reserva de espontaneidade, exige que você seja criativo todo tempo para trabalhar, do que

é possível fazer.”. (P5).

Outro aspecto, mostrado pela entrevistada P4, do psicodrama como uma abordagem

que dá certo no hospital, é a possibilidade de tirar o paciente do papel de vítima, ensinando

“[...] sermos autores da nossa própria vida, o destino está nas nossas mãos. [...]”. Como

justificativa argumenta que Moreno, ao dizer “[...] nós somos Deuses e temos o poder de

criar [...]”, criticado muitas vezes por ser interpretado como “[...] megalomaníaco [...]”, na

verdade ele “[...] quis dizer que nós podemos ser donos do nosso destino.”. Caponi (1999),

vindo ao encontro desta discussão, diz que a intervenção psicológica não pode ser permeada

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121

pela lógica da compaixão piedosa, que se concretizaria como um socorro, um auxílio

compassivo ao paciente que sofre. Dessa forma estaria infantilizando o paciente, distituindo-o

de seus direitos mais elementares de ser responsável por si e por sua doença, colocando-o no

papel de vítima.

Um último aspecto em relação ao psicodrama como uma abordagem que dá certo no

hospital, se mostra através do método psicodramático de atuar, conforme P4, “[...] utilizo

muito, a todo momento, o psicodrama, desde fazer uma avaliação, desde como intervir, desde

o primeiro momento.”.

O psicodrama possui um método próprio, criado por Moreno, que busca favorecer a

compreensão e o crescimento do homem. A entrevistada P4 enfatiza o uso do método

psicodramático no hospital.

[...] o atendimento num hospital, ele tem que ter começo, meio e fim, atendimento

único [...] aquecimento, dramatiza e compartilha, tem um método já todo

fechadinho, isso também facilita. Porque a gente já tem essa visão, que precisa

aquecer, e tem o conflito antagônico e sempre a gente precisa fechar. (P4)

Quanto à utilização do método psicodramático no hospital, na busca da

espontaneidade e respostas criativas do paciente, Lazzaretti (2007, p. 42) contribui com sua

explicação.

procura explorar as respostas e o que se desenvolve a partir delas. [...] o método

psicodramático utiliza a representação dramática como centro dos conflitos

humanos, unindo ação e palavra, confirmamos a possibilidade de trabalhar o aqui e

agora; o passado, o presente e o futuro, remontando cenas que podem ser mentais ou

através da ação corporal. Buscamos aquelas condutas empobrecedoras, resgatando a

espontaneidade e a criatividade. O paciente passa a perceber melhor a si mesmo e ao

outro.

O atendimento a pacientes no hospital, devido à imprevisibilidade do tempo de uma

internação, deve ser considerado como sendo único, e, muitas vezes, é de fato. Assim, o

método psicodramático se adequa, se concretizando como uma possibilidade.

Neste subcapítulo, através das possibilidades das modalidades e das práticas

psicodramáticas nas intervenções hospitalares trazidas pelas entrevistadas, é possível perceber

como as intervenções dos psicólogos psicodramatistas são pertinentes no ambiente hospitalar.

Como diz P5, o psicodrama não foi criado para isso, foi preciso, através da espontaneidade e

da criatividade, construir possibilidades de atendimento. Assim, o psicodrama se reafirma

como uma excelente abordagem ao contexto hospitalar.

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122

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A internação, da ótica de quem adoece, independente de classe social, representa uma

vivência ímpar que requer reformulação de saberes e valores em relação a si próprio, a outras

pessoas e a sociedade. A hospitalização, para além do processo de despersonalização que

impõe ao paciente, significa mudança, transformação de hábitos, perda do processo de

escolha, preconceitos e estigmas da própria doença, corte nas relações e restrição dos papéis

desempenhados. A intensidade com que estas variáveis vão ser sentidas pelo paciente, está

diretamente ligada as suas vivências e à patologia diagnosticada, tendo também

consequências. Como a doença e o processo de internação trazem implicações para a família

do paciente, a hospitalização, também, traz consequências para esta família. Entre as

consequências, para o paciente e para os familiares, ressalta-se a angústia por eles sentida.

Alguns conseguem uma boa resolução emocional a este período, apesar da angústia e das

condições tão adversas, outros, ao contrário, precisam da intervenção psicológica.

Esta pesquisa se propôs a compreender as intervenções dos psicólogos, que atuam com

base no psicodrama, em unidades hospitalares. Para tanto foi preciso traçar alguns objetivos

específicos, cujos resultados serão apresentados a seguir.

Quanto ao objetivo de caracterizar a inserção do psicólogo no contexto hospitalar e a

relação de trabalho com a equipe de saúde, a maioria das participantes considera “boa e

tranquila”, contudo, não desde o princípio. O hospital ainda é um espaço no qual predomina o

poder médico, havendo dificuldade de inserção de outras categorias constituindo uma equipe

multidisciplinar. As psicodramatistas evidenciam um esforço para mostrar as possibilidades

da sua função, o que levou, com o tempo, à credibilidade por parte de alguns profissionais da

equipe. Ou seja, o trabalho da Psicologia passa a ser bem visto, valorizado e reconhecido, em

especial por parte das equipes médica e de enfermagem. Muito embora ainda exista

desconhecimento da função do psicólogo no hospital, e o atendimento ao paciente, em grande

parte, não é realizado através de uma equipe integrada e multidisciplinar. A concepção de

saúde vigente, predominantemente, ainda é a hospitalocêntrica, a qual dificulta o uso do

psicodrama no hospital, abordagem que, na sua atuação com pacientes, busca saídas

espontâneas e criativas, como, por exemplo, o uso de técnicas.

Sobre o objetivo específico discutir o processo de hospitalização e suas

consequências para a vida dos pacientes, segundo o psicodrama, a pesquisa revela que,

independente da abordagem psicológica, o atendimento a pacientes no hospital tem

características específicas e próprias, o que vem ao encontro do que a literatura aponta. Isto

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123

quanto a setor, local, frequência, duração e horário, exigindo do profissional da Psicologia o

aprendizado de novos saberes e práticas. Neste sentido, as psicodramatistas mostram, com

base na espontaneidade, saídas criativas quanto ao local de atendimento. Para os pacientes que

podem se deslocar, mesmo em maca ou cadeira de rodas, e, também, para os familiares,

buscam lugares alternativos para melhor atender ao paciente dentro e fora do prédio do

hospital, entretanto preservando o sigilo dos atendimentos. A pesquisa aponta aspectos

diferenciados na atuação das psicodramatistas, como a relação vincular entre psicodramatista

e paciente; a visão télica; compreensão do contexto relacionado à demanda e a rede social;

resgate da alegria e atuação espontânea e criativa. As psicólogas mostram consequências, para

elas mesmas, da atuação no hospital, o sentimento de angústia por elas sentido. Este

sentimento é identificado por várias razões, entre elas: o ambiente pesado de um hospital;

dificuldade de comunicação e relacionamento com os médicos; imprevisibilidade e

indeterminação quanto ao tempo de internação de um paciente; e lidar com a morte. Entre a

diversidade de demandas demonstrada na pesquisa, a mais apontada para o internado é o

empobrecimento e alteração do papel e, para a família, o medo da morte. Vale salientar que a

diversidade de demandas solicitadas, pode ser considerada como fortalecimento e

consolidação do psicólogo no contexto hospitalar.

Quanto ao objetivo específico analisar a concepção de saúde/doença segundo o

psicodrama, as entrevistadas fazem através de conceitos psicodramáticos. A saúde é discutida

através do tripé: desempenho de papéis; espontaneidade e criatividade; e vínculo. A doença,

através das restrições da espontaneidade e da criatividade; restrições no desempenho de

papéis; redução das percepções télicas; e regressão na Matriz de Identidade. A pesquisa

mostra que o homem saudável é aquele que, através da espontaneidade, criatividade e

sensibilidade, baseado na relação vincular, desempenha os mais diversos papéis,

relacionando-se e interagindo com o outro, com a sociedade enfim. É possível, pela pesquisa,

também dizer que a pessoa internada no hospital deve ser percebida, para além do

diagnóstico, na relação vincular entre paciente e psicodramatista, envolvida pelo afeto.

No que se refere ao objetivo específico identificar como a perspectiva psicodramática

se desdobra em práticas na intervenção dos psicólogos psicodramáticos, na pesquisa são

apontadas modalidades de atendimentos psicodramáticos e as práticas psicodramáticas.

Como modalidades usadas pelas psicodramatistas nos seus atendimentos no hospital estão o

psicodrama de grupo e o psicodrama bipessoal. Este último se revelando na maioria dos

atendimentos por elas realizados, por ser uma modalidade mais fácil e oportuna, dada as

características específicas de um hospital. Entre as práticas utilizadas nas intervenções, são

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124

apontadas: elaboração verbal, aquecimento, dramatização, utilização de material lúdico e

técnicas psicodramáticas. A dramatização é bastante enfatizada através do psicodrama de

grupo preparando crianças para cirurgia. Os resultados conseguidos tiveram grande

repercussão, sendo valorizados pelos médicos. Através da pesquisa pode ser percebido que o

uso das técnicas psicodramáticas nas intervenções, facilita, auxilia e, muitas vezes, é

determinante, mostrando-se pertinente, adequada e oportuna para o hospital. A inversão de

papéis é a técnica que as psicodramatistas apontaram como a mais utilizada por elas nas

intervenções.

Ao final de toda discussão que abrange esta pesquisa, o psicodrama é revelado pelas

entrevistadas como uma abordagem pertinente e própria nas intervenções hospitalares. Isto

justificado por alguns motivos: pela abrangência, por não haver patologia que não possa ser

trabalhada através do psicodrama, pelo próprio método psicodramático, por ser condizente à

característica do hospital de “Vinheta e Atalho”, por tirar o paciente do papel de vítima, por

perceber a pessoa internada como um ser social e completo, pela diversidade de práticas que

podem ser usadas, pelo resgate da espontaneidade, da sensibilidade e da criatividade e pelos

resultados revelados.

Algumas facilidades e dificuldades foram encontradas para realização desta pesquisa.

Quanto às dificuldades, destaca-se as raras produções escritas por psicólogos em relação à

Psicologia Hospitalar no enfoque psicodramático. Outra dificuldade se estabeleceu em

encontrar psicólogos que atuam ou atuaram com base no psicodrama em unidades

hospitalares em Santa Catarina. Assim, foram selecionadas cinco profissionais,

coincidentemente todas do sexo feminino, sendo que somente uma ainda desenvolve sua

prática no hospital. Vale dizer que não foi intenção, nesta pesquisa, considerar a variável

gênero, sugere-se que a diversidade poderia vir a contribuir com outras possibilidades de

atuação do psicodramatista no hospital.

Contudo, as dificuldades e limitações foram superadas pela riqueza das vivências

trazidas pelas psicodramatistas. Vindo ao encontro desta facilidade, ressalta-se, também, a

disposição das psicólogas entrevistadas em contribuir para a concretização desta pesquisa e a

facilidade em encontrar locais adequados para a realização das entrevistas, garantindo,

assim, o necessário sigilo das informações fornecidas.

Quanto a sugestões para realização de novas pesquisas sobre a abordagem

psicodramática no hospital, pode ser relevante um estudo que compreenda as intervenções de

psicodramatistas abrangendo a diversidade quanto ao gênero e ao espaço territorial de

atuação. Outra possibilidade se constitui na percepção das equipes médica e de enfermagem,

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125

ou, se possível, da própria equipe de saúde, acerca da atuação de psicólogos psicodramatistas

nas intervenções hospitalares junto a pacientes e familiares. Ou ainda, a percepção dos

próprios pacientes e familiares internados em hospital em relação às intervenções

psicodramáticas e seus desdobramentos.

Pelo exposto, afirmar-se que esta pesquisa alcançou o objetivo geral ao qual se

propunha, compreendendo as intervenções dos psicólogos, que atuam com base no

psicodrama, em unidades hospitalares. E foi além, revela o psicodrama como uma abordagem

pertinente e própria nas intervenções hospitalares. Desta forma, podendo contribuir com a

possibilidade de avanço em relação à produção bibliográfica a respeito da Psicologia no

âmbito hospitalar, em especial a partir do psicodrama. Também, permite ampliar o debate

entre profissionais da saúde, especificamente o psicólogo, sobre temas como internação

hospitalar, demandas suscitadas, angústia e sofrimento sentidos, atuação e funções do

psicólogo hospitalar. Assim, contribui com as intervenções psicológicas para pacientes e seus

familiares internados em hospital, possibilitando melhor lidar com sua angústia.

Esta pesquisa, pelo desenvolvimento dialético através do diálogo entre a teoria e

prática, entre a produção científica e a vivência no hospital, propiciada pelo estágio, se

constituiu para mim determinante para consolidação da formação acadêmica de psicóloga,

para a construção enquanto psicodramatista e para atuação como profissional hospitalar. Cada

assunto tratado e elaborado para a pesquisa, oportunizava a reflexão da própria prática no

hospital, transparecendo na minha relação com outros profissionais da saúde e,

principalmente, nas minhas intervenções junto aos internados e familiares.

Como base fundamental destas intervenções, para além do diagnóstico e das técnicas

psicodramáticas, procurei sempre construir e estabelecer o vínculo, permeado e envolvido

pela ternura, com o paciente. Vínculo este acariciado: pelas mãos dadas e pelos olhos

cruzados com a paciente crônica pulmonar, traqueostomizada na UTI, sem conseguir falar, e

perceber a respiração ir se acalmando e normalizando; pelo passar as mãos nos cabelos da

paciente, olhando nos olhos, e ela conseguir falar sobre o medo do seu câncer e da morte; pelo

envolver o braço nos ombros de uma adolescente, ela chorar, depois passar o braço na minha

cintura e dizer do medo que sentia em perder a mãe comedida por um câncer; por ser o

“duplo” de um paciente, transparecendo sua parte forte, e ele contar dos seus medos e

inseguranças; pelo olhar, acolher o paciente e ele conseguir elaborar e depois se despedir de

suas pessoas queridas. Desta forma, possibilitando o paciente lidar melhor com a sua angústia

e com a sua dor.

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126

Por tudo isso, entendo e considero o psicodrama como uma excelente abordagem para

os atendimentos psicológicos no hospital. Através do pensamento de Bustos (1999, p. 55),

esta pesquisa se encerra, transparecendo o sentido que a perpassou, “creio profundamente no

psicodrama, porém o mais importante não é o enfoque a partir de onde alguém opere, mas sim

o compromisso e a convicção com que o faz.”.

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127

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Eliane Carnot. O Psicólogo no Hospital Geral. Rev. bras. educ. med., Rio de

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132

APÊNDICE

Page 135: UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA MARIA …

133

APÊNDICE A – ENTREVISTA

Entrevistado:

Idade:

Instituição formação Psicologia:

Ano:

Instituição especialização Psicodrama:

Ano:

1°) Há quanto tempo atua ou atuou no hospital? Que tipo de hospital?

2° ) O que o levou a atuar na Psicologia Hospitalar?

3° ) De forma geral como foi a sua inserção na equipe de saúde?

4°) De forma geral, como você é ou era percebida pela equipe de saúde, quanto a sua atuação

e as suas intervenções?

5°) Em geral, como se deu e dá a relação com a equipe de saúde?

6°) Você pode falar (conceituar) sobre saúde e doença segundo o psicodrama?

7°) Na ótica do psicodrama, como se dá o processo de hospitalização e suas consequências na

vida dos pacientes e dos seus familiares?

8°) A procura pela intervenção psicológica se dá, na maioria das vezes, pela equipe de saúde,

paciente ou familiares?

9°) Na maioria das vezes quem é atendido: paciente, familiares e/ou equipe de saúde?

10°) Em que setor do hospital tem acontecido o atendimento psicológio: enfermaria, quarto

individual, quarto coletivo, UTI, UNICOR?

11°) Sobre o espaço físico de atendimento, onde mais acontece: leito, cadeira, outro?

12°) Você pode comentar sobre às características dos atendimentos: horário, duração média,

frequência? Em relação ao paciente, família e equipe de saúde?

13°) Quais os fatores angustiantes que você mais identificou/identifica nos atendimentos

realizados com os pacientes, familiares ou equipe de saúde?

14°) Quais os objetivos das intervenções?

15°) Teria algum tipo de patologia que seria melhor indicada para trabalhar com o

psicodrama?

16°) Quais têm sido as práticas psicodramáticas nas suas intervenções?

Page 136: UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA MARIA …

134

17°) Sempre têm usado as práticas psicodramáticas nas suas intervenções?

18°) De forma geral como você percebe os resultados das intervenções psicodramáticas?

19°) Estamos encerrando a entrevista, você gostaria de fazer algum comentário?

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135

APÊNDICE B – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA

COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA - CEP UNISUL

[email protected], (48) 3279.1036

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESLCARECIDO (TCLE)

Você está sendo convidado (a) para participar, como vo1untário (a), em uma pesquisa

que tem como título “O Psicólogo em Unidades Hospitalares: uma visão psicodramática”. A

pesquisa tem como objetivo compreender as intervenções dos psicólogos, que atuam com

base no psicodrama, em Unidades Hospitalares.

É muito importante pesquisar a respeito desse assunto para poder contribuir com a

possibilidade de avanço em relação à produção bibliográfica a respeito da Psicologia no

âmbito hospitalar, em especial a partir do psicodrama, que ainda se conforma como uma

teoria pouco explorada. Esta pesquisa também se propõe a ampliar o debate entre

profissionais da saúde, especificamente o psicólogo, sobre temas como hospitalização,

adoecimento e sofrimento, e, assim, contribuir para ações que possibilitem diminuir ou

melhor suportar o sofrimento psíquico acarretado pela internação em pacientes hospitalizados.

Esta pesquisa será realizada com vários psicólogos psicodramatistas que atuam, ou

atuaram, em unidades hospitalares. Os profissionais serão entrevistados sendo que as

perguntas serão feitas sobre as intervenções realizadas junto aos pacientes, familiares ou

equipe de saúde, quanto às características gerais destes atendimentos, bem como seus

resultados. A entrevista será gravada, durará cerca de sessenta minutos e será feita num lugar

onde você possa sentir-se à vontade para responder as perguntas. Depois a pesquisadora fará a

transcrição fiel da gravação evitando mudar o que você disser na entrevista.

Você não é obrigado (a) a responder todas as perguntas e poderá desistir de participar

da pesquisa a qualquer momento (antes, durante ou depois de já ter aceitado participar dela ou

Page 138: UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA MARIA …

136

de já ter feito a entrevista), sem ser prejudicado (a) por isso. A partir dessa pesquisa, como

benefício, você poderá ampliar seus conhecimentos teóricos e práticos quanto às intervenções

psicodramáticas junto aos pacientes internados em Unidade Hospitalar. Como o objetivo da

pesquisa é saber como você procede, na abordagem do psicodrama, nas intervenções em

unidades hospitalares, não são previstos desconfortos durante a entrevista. Mas, caso você se

sinta desconfortável durante a entrevista, é importante que diga isso à pesquisadora para que

ela possa auxiliá-lo(a).

Você poderá quando quiser pedir informações sobre a pesquisa à pesquisadora. Esse

pedido pode ser feito pessoalmente, antes ou durante a entrevista, ou depois dela, por telefone,

a partir dos contatos do pesquisador que constam no final deste documento.

Todos os seus dados de identificação serão mantidos em sigilo e a sua identidade não

será revelada em momento algum. Em caso de necessidade, serão adotados códigos de

identificação ou nomes fictícios. Dessa forma, os dados que você fornecer serão mantidos em

sigilo e, quando utilizados em eventos e artigos científicos, assim corno em campanhas de

prevenção, a sua identidade será sempre preservada.

Lembramos que sua participação é voluntária, o que significa que você não poderá ser

pago, de nenhuma maneira, por participar desta pesquisa.

Eu, __________________________________________, abaixo assinado, concordo em

participar desse estudo como sujeito. Fui informado(a) e esclarecido(a) pela pesquisadora

Maria Margarida Barbosa Sampaio sobre o tema e o objetivo da pesquisa, assim como a

maneira como ela será feita e os benefícios e os possíveis riscos decorrentes de minha

participação. Recebi a garantia de que posso retirar meu consentimento a qualquer momento,

sem que isto me traga qualquer prejuízo.

Page 139: UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA MARIA …

137

Nome por extenso: _______________________________________________

RG: _______________________________________________

Local e Data: _______________________________________________

Assinatura: _______________________________________________

Pesquisador Responsável: Zuleica Pretto

Telefone para contato: (48) 3279-1083

Outra Pesquisadora: Maria Margarida Barbosa Sampaio

Telefone para contato: (48) 9104-3173

Page 140: UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA MARIA …

138

APÊNDICE C – TERMO DE CONSENTIMENTO PARA GRAVAÇÃO DE VOZ

UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA

COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA - CEP UNISUL

CONSENTIMENTO PARA FOTOGRAFIAS, VÍDEOS E

GRAVAÇÕES

Eu _________________________________________________________________ permito

que os pesquisadores relacionados abaixo obtenham:

( ) fotografia,

(X) gravação de voz,

( ) filmagem ou gravação em vídeo

de minha pessoa para fins de pesquisa científica, médica e/ou educacional.

Eu concordo que o material e informações obtidas relacionadas à minha pessoa possam

ser publicados em aulas, congressos, eventos científicos, palestras ou periódicos científicos.

Porém, a minha pessoa não deve ser identificada, tanto quanto possível, por nome ou qualquer

outra forma.

As fotografias, vídeos e gravações ficarão sob a propriedade do grupo de pesquisadores

pertinentes ao estudo e sob sua guarda.

Nome do sujeito da pesquisa e/ou

paciente:

______________________________________________

RG:

______________________________________________

Endereço: ______________________________________________

Assinatura:

______________________________________________

Nome dos pais ou responsáveis: ______________________________________________

RG:

______________________________________________

Endereço:

______________________________________________

Assinatura: ______________________________________________

Page 141: UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA MARIA …

139

Se o indivíduo for menor de 18 anos de idade ou legalmente incapaz, o consentimento deve ser

obtido e assinado por seu representante legal.

Nome completo da pesquisadora: Maria Margarida Barbosa Sampaio

Telefones dos pesquisadores: (48) 3028-1344 e (48) 9104-3173

Data e Local onde será realizada a

pesquisa:

_______________________________________________

Adaptado de: Hospital de Clínicas de Porto Alegre / UFRGS