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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ MAURA TALITA RIBEIRO A INCONSTITUCIONALIDADE DA VEDAÇÃO EM ABSTRATO DA CONCESSÃO DA LIBERDADE PROVISÓRIA São José 2008

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

MAURA TALITA RIBEIRO

A INCONSTITUCIONALIDADE DA VEDAÇÃO EM ABSTRATO DA CONCESSÃO DA LIBERDADE PROVISÓRIA

São José

2008

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MAURA TALITA RIBEIRO

A INCONSTITUCIONALIDADE DA VEDAÇÃO EM ABSTRATO DA CONCESSÃO DA LIBERDADE PROVISÓRIA

Monografia apresentada à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial a obtenção do grau em Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. MSc. Rodrigo Mioto dos Santos

São José 2008

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MAURA TALITA RIBEIRO

A INCONSTITUCIONALIDADE DA VEDAÇÃO EM ABSTRATO DA CONCESSÃO DA LIBERDADE PROVISÓRIA

Esta Monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de bacharel e

aprovada pelo Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de

Ciências Sociais e Jurídicas.

Área de Concentração: Direito Processual Penal e Direito Constitucional.

São José, 14 de novembro de 2008.

Prof. MSc. Rodrigo Mioto dos Santos UNIVALI – Campus de São José

Orientador

Prof. Esp. Eduardo Didonet Teixeira UNIVALI – Campus de São José

Membro

Prof. MSc. Juliano Keller do Valle UNIVALI – Campus de São José

Membro

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Dedico este trabalho à minha mãe e à minha irmã, que sempre torceram pelo meu

sucesso e me apoiaram em todos os momentos da minha vida, principalmente nas

horas mais difíceis, me dando forças para eu conseguir superar mais esta etapa.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por estar sempre me guiando, me protegendo e por ter me possibilitado

concluir mais esta etapa da minha trajetória.

À minha mãe, que esteve sempre ao meu lado, me auxiliando e me apoiando

incondicionalmente nos melhores e piores momentos da minha vida, apesar de

todas as dificuldades e desafios enfrentados, nunca deixou que nada me faltasse e

com todo o seu amor colaborou para que eu pudesse chegar até aqui.

À minha irmã, que mesmo longe, me incentivou e torceu pela minha vitória.

A minha família, pela compreensão e pelo carinho dedicado.

Aos meus amigos e todos aqueles que, de alguma forma, contribuíram para a

elaboração desta pesquisa, me apoiando e enfrentando junto comigo todas as

dificuldades encontradas no decorrer desta luta.

Ao meu orientador, professor Rodrigo Mioto dos Santos, pelo auxílio e toda a

dedicação dispensada para a realização deste trabalho.

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“O fim do Direito não é abolir nem restringir, mas preservar e ampliar a liberdade...

onde não há lei não há liberdade”.

John Locke

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade

pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

São José, 14 de novembro de 2008.

Maura Talita Ribeiro

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RESUMO

O objetivo principal deste trabalho é demonstrar a inconstitucionalidade das leis infraconstitucionais que vedam em abstrato a concessão da liberdade provisória aos indivíduos presos em flagrante delito. No Estado Democrático de Direito, a regra é preservar o estado de liberdade da pessoa, devendo o acusado de um crime respondê-lo em liberdade, até que seja definitivamente considerado culpado, podendo-se restringir esse direito apenas em casos excepcionais e de extrema necessidade. Primeiramente, busca-se definir o conceito de liberdade provisória, sua origem histórica, suas modalidades, suas hipóteses de aplicação, bem como analisar alguns posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais acerca da sua vedação em abstrato. Após, aborda-se as duas modalidades de prisões existentes no ordenamento jurídico brasileiro, dando ênfase à prisão sem pena, estudando-se a idéia de cautelaridade e a importância de analisar os pressupostos autorizadores da prisão preventiva antes de se decretar a medida cautelar, sob pena de violação aos princípios constitucionais da presunção de inocência e da fundamentação das decisões judiciais. Analisa-se o status normativo do direito à liberdade provisória e o caráter pré-cautelar da prisão em flagrante, a qual não tem legitimidade para transformar-se em prisão preventiva obrigatória, devendo sempre ser verificada a necessidade da segregação cautelar e a presença dos seus requisitos legais. Ao final, conclui-se que sendo a liberdade provisória um direito fundamental constitucional, garantido pela Lei Maior, não se pode vedar abstratamente a sua concessão, apenas pelo fato de o indivíduo ter sido preso em flagrante delito - como fazem algumas leis infraconstitucionais -, devendo sempre ser analisado o caso concreto, com todas as suas peculiaridades e circunstâncias, autorizando-se a restrição da liberdade pessoal do indiciado apenas nos casos em que estiverem suficientemente demonstrados os pressupostos autorizadores da custódia cautelar, para que não seja considerada inconstitucional.

Palavras-chave: Liberdade provisória. Presunção de inocência. Cautelaridade. Princípio da fundamentação das decisões judiciais. Prisão preventiva. Inconstitucionalidade.

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ABSTRACT

The main aim of this paper is to show the unconstitutionality of the infraconstitutional laws that forbid in abstract the concession of release on own recognizance to the people arrested in flagrante delicto. In a Democrat State of Law, the individual freedom must be preserved and the one accused of a crime must be free during the trial until guilt is completely proved. This right must be restricted only in exceptional and extreme necessity cases. Firstly it is tried to define the concept of release on own recognizance, its historical origins, its types, its enforcement hypothesis, as well as analyzing some doctrines and jurisprudences about its prohibition in abstract. After that, two kinds of arresting that exist in the Brazilian legal system are mentioned, emphasizing the arresting without punishment, showing the idea of caution and the importance of analyzing the laws which authorized the preventive custody before decreeing the provisional remedy, otherwise the constitutional principles, innocence swaggerer and the sentence fundament may be violated. The normative status of the release of own recognizance right and the pre-provisional remedy of the flagrante arresting are analyzed, which is not legitimate to become a mandatory preventive custody, and the provisional segregation and its legal requirements must always be verified. At the end, the conclusion is that being the release on own recognizance a constitutional fundamental right, grated by the constitution, it is not possible to forbid its granting just based on the fact that the individual was arrested in flagrante delicto- as some of the infraconstitutional laws do- must always be analyzed the concrete case, with all its particularities and circumstances, authorizing the individual arresting only in the cases which all the estimated laws authorized the action for a provisional remedy safekeeping, so it will not be considered unconstitutional. Key-words: Release on own recognizance. Presumed innocence. Caution. Principle of sentence fundament. Preventive custody. Inconstitutionality.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..........................................................................................................10

1 LIBERDADE PROVISÓRIA...................................................................................13

1.1 Evolução histórica da liberdade provisória.......................................................13

1.2 Conceito e modalidades de liberdade provisória..............................................20

1.2.1 Liberdade provisória obrigatória ................................................................21

1.2.2 Liberdade provisória permitida...................................................................23

1.3 Liberdade provisória vedada............................................................................26

1.3.1 Leis infraconstitucionais que vedam a concessão de liberdade provisória 29

1.3.2 A posição de parte da doutrina processual penal e do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina sobre a vedação em abstrato da liberdade provisória ............................................................................................................31

2 ELEMENTOS PARA UMA LEITURA CONSTITUCIONAL DAS PRISÕES CAUTELARES..........................................................................................................36

2.1 Prisão pena e prisão sem pena........................................................................36

2.2 A idéia de cautelaridade...................................................................................39

2.3 Princípio da presunção de inocência ...............................................................43

2.4 Princípio da motivação das decisões judiciais .................................................47

3 O DIREITO CONSTITUCIONAL À LIBERDADE PROVISÓRIA E A CONSEQÜENTE INCONSTITUCIONALIDADE DE SUA VEDAÇÃO EM ABSTRATO PELA LEI ORDINÁRIA ........................................................................53

3.1 O direito constitucional à liberdade provisória..................................................54

3.2 A prisão em flagrante como prisão pré-cautelar...............................................60

3.3 A inconstitucionalidade da vedação em abstrato da liberdade provisória: a submissão à principiologia constitucional ..............................................................65

CONCLUSÃO ...........................................................................................................74

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.........................................................................77

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INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1988 prevê no seu artigo 5°, inciso LXVI, que

ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade

provisória, com ou sem fiança, assegurando, através do referido dispositivo legal, o

direito constitucional à liberdade provisória. A regra geral no Estado Democrático de

Direito é que o indiciado ou acusado de um crime responda ao procedimento

investigatório ou à ação penal em liberdade, até que seja comprovada a sua

culpabilidade.

A proibição da concessão da liberdade provisória é uma medida cautelar e

excepcional que deve ser analisada pelo magistrado no caso concreto, com todas as

suas peculiaridades. Sendo que o acusado pego em flagrante delito só poderá ter o

seu direito de liberdade restringido se estiverem presentes os pressupostos

autorizadores da prisão preventiva, quais sejam o fumus commissi delicti (a prova da

existência do crime e indícios suficientes de autoria) e o periculum libertatis (o perigo

que decorre do estado de liberdade do imputado), nos termos do artigo 312 do

Código de Processo Penal.

É importante ressaltar que o princípio constitucional da presunção de

inocência estabelece que ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito em

julgado de sentença penal condenatória, protegendo o estado de liberdade do

indivíduo de possíveis arbitrariedades cometidas pelo Estado. A prisão cautelar só

pode ser aplicada em casos de extrema necessidade, quando não houver nenhuma

outra medida a ser tomada, bem como estiverem presentes os requisitos legais e

desde que devidamente fundamentada pela autoridade judiciária.

O presente tema foi escolhido para o estudo, em virtude da importância de

resguardar os direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, principalmente

o direito à liberdade, porquanto é dever do Estado garantir a efetividade da aplicação

da justiça e da segurança social, sem ter que adotar punições antecipadas

decorrentes de prisões provisórias, que trazem como conseqüência a superlotação

do sistema prisional carcerário e a estigmatização social do réu, que tem a sua

liberdade cerceada pelo simples fato de ter sido preso em flagrante pela prática de

um delito insuscetível de liberdade provisória.

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Por isso, este estudo tem como objetivo demonstrar a inconstitucionalidade

das leis infraconstitucionais que vedam em abstrato a concessão da liberdade

provisória, tendo em vista que esse direito fundamental só pode ser restringido em

situações de necessidade e quando presentes os requisitos que autorizam a prisão

preventiva.

O método de abordagem utilizado no desenvolvimento da pesquisa é o

dedutivo, uma vez que parte de um raciocínio lógico geral através da interpretação

da Constituição Federal, Código de Processo Penal e Leis Processuais Penais, até

chegar ao objetivo esperado. O ordenamento jurídico brasileiro adota como

postulado fundamental a garantia da presunção de inocência, declarando que a

pessoa acusada de ter praticado um delito não pode ser considerada culpada até

que seja prolatada uma sentença penal definitiva, implicando no fato de que, a regra

no direito processual penal é que o réu não tenha o seu direito de liberdade

restringido até que seja reconhecida sua culpabilidade.

A técnica empregada é a documentação indireta, com a utilização de

doutrinas, jurisprudências e artigos, a fim de consubstanciar os dispositivos legais.

Desse modo, para tornar mais didático, o presente trabalho encontra-se

dividido em três capítulos.

O primeiro capítulo aborda o instituto da liberdade provisória, iniciando-se

pela sua evolução histórica, seus conceitos e suas modalidades, esclarecendo suas

previsões legais e as hipóteses em que são aplicadas. Em seguida, estuda-se o

objeto central da presente pesquisa, a liberdade provisória vedada, analisando-se

suas hipóteses de aplicação, as leis infraconstitucionais que vedam a concessão do

benefício da liberdade provisória aos presos em flagrante delito, bem como a

posição de parte da doutrina processual penal e do Tribunal de Justiça do Estado de

Santa Catarina em relação à vedação em abstrato da liberdade provisória.

No segundo capítulo é feita uma diferenciação entre as duas espécies de

prisões existentes no ordenamento jurídico brasileiro, a prisão pena e a prisão sem

pena, traçando-se algumas considerações acerca de suas definições e seus modos

de aplicações. Após, explora-se o conceito e a finalidade da cautelaridade no direito

processual penal, bem como o requisito e o fundamento necessário para a

decretação das medidas cautelares pessoais. E por fim, discute-se sobre a

importância dos princípios constitucionais da presunção de inocência e da motivação

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das decisões judiciais para o estudo das prisões cautelares, trazendo como

referência o entendimento de alguns doutrinadores.

O terceiro capítulo tem como objetivo discorrer a respeito do status

normativo do direito à liberdade provisória previsto expressamente no artigo 5°,

inciso LXVI, da Constituição Federal, em harmonia com os princípios constitucionais

da presunção da inocência e do devido processo legal. Em seqüência, será tratado

sobre o caráter pré-cautelar da prisão em flagrante, levando-se em conta o seu

breve período de duração e a verificação da necessidade ou não da manutenção da

prisão preventiva. Além disso, é feita uma breve análise do parágrafo único do artigo

310 do Código de Processo Penal, ressaltando-se a possibilidade da concessão da

liberdade provisória aos presos em flagrante delito, quando cumprido o disposto no

referido dispositivo legal, exigindo-se como única obrigação o comparecimento do

acusado a todos os atos do processo.

Por derradeiro, passa-se a abordar a inconstitucionalidade da vedação em

abstrato da liberdade provisória imposta por algumas leis infraconstitucionais,

demonstrando-se através do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.

3.112 e de algumas decisões exaradas pelo Supremo Tribunal Federal, a

necessidade da análise do caso concreto para a aplicação da custódia cautelar e as

hipóteses legais que permitem a restrição do direito à liberdade provisória do

acusado que ainda não foi considerado culpado.

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1 LIBERDADE PROVISÓRIA

No presente capítulo será estudado o instituto da liberdade provisória,

iniciando-se pela sua evolução histórica, desde a Antiguidade até se chegar aos dias

atuais, abordando-se rapidamente a origem de seu surgimento e as suas hipóteses

de concessão em cada uma das civilizações.

Posteriormente, discorrer-se-á acerca dos conceitos da liberdade provisória

e de suas modalidades, esclarecendo suas previsões legais e em que momento são

utilizadas.

E, por fim, será tratado sobre a liberdade provisória vedada, analisando-se

suas hipóteses de aplicação, as leis infraconstitucionais que vedam a concessão do

benefício da liberdade provisória aos presos em flagrante delito, bem como a

posição de parte da doutrina processual penal e do Tribunal de Justiça do Estado de

Santa Catarina em relação à vedação em abstrato da liberdade provisória.

1.1 Evolução histórica da liberdade provisória

A privação da liberdade individual existiu desde os povos e civilizações mais

antigas, onde já se restringia o direito do indivíduo antes da decisão condenatória

definitiva e logo após a prisão em flagrante. Nesse período histórico, acreditava-se

que a prisão servia como um lugar de custódia dos réus, onde se preservava a sua

integridade física até o momento de serem julgados ou executados. Assim, durante

a Antiguidade, a prisão era utilizada como “meio de impedir a fuga dos acusados ou

para forçar certos devedores a pagar suas dívidas, em que os juízes determinavam

uma multa e tinham o direito de acrescentar uma prisão de cinco dias, com entrave

nos pés, nas prisões públicas”1.

Em Roma, o instituto da liberdade provisória surgiu como um direito do

imputado, através da criação da Lei das Doze Tábuas, a qual concedia esta medida

apenas em duas hipóteses: prestação de uma fiança ou quando o crime não fosse

1 OLIVEIRA, Odete Maria de. Prisão: um paradoxo social. 2 ed. Florianópolis: UFSC, 1996, p. 44.

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contra a segurança do Estado. Além de pagar a fiança, o imputado ficava

comprometido a comparecer, sempre que chamado, sob pena de retornar ao

cárcere. E nos crimes praticados contra a segurança do Estado, permitia-se ao

acusado abandonar livremente o território romano2.

No entanto, se não havendo justificativas, o réu deixasse de cumprir suas

obrigações ou comparecer aos atos processuais em que fosse convocado, era

novamente privado de sua liberdade. Se o cidadão romano tentasse fugir ou não

fosse encontrado para a sua prisão, confiscavam-se seus bens e lhe obrigavam a

deixar o solo pátrio3.

Para Luiz Otavio de Oliveira Rocha e Marco Antonio Garcia Baz, em Roma:

[...] o instituto [da liberdade provisória] somente conheceu seu ocaso com a troca do processo acusatório pelo inquisitivo, com o advento do Império, que trouxe consigo um arrefecimento do respeito aos direitos individuais dos cidadãos. A liberdade provisória passou a ficar sob o poder discricionário do magistrado, como mero favor do Estado soberano. Antes da época imperial, porém, nos casos em que o crime não atentasse contra a segurança do Estado, o imputado poderia obter o benefício de defender-se em liberdade, pagando uma fiança ou apenas prestando compromisso pessoal de comparecer aos atos processuais, se fosse pobre. Com relação aos crimes contra a segurança do Estado, somente era permitido o exílio, haja vista que naquela época abandonar o sagrado solo da pátria equivalia à própria morte [...]4.

Já na Grécia, o acusado permanecia em liberdade apenas nos casos em

que não envolvessem conspiração política ou peculato, desde que prestada caução

por três outros cidadãos, que se comprometiam a garantir a presença do imputado

no julgamento. Nesse sentido, João Mendes de Almeida Júnior leciona que, em

Atenas, quando o juiz tomava posse do cargo, era obrigado a prestar juramento de

que guardaria a lei da liberdade provisória, havendo apenas duas exceções: a

conspiração contra a liberdade e o peculato5.

2 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, v. 3, p. 540-541. 3 ROCHA, Luiz Otavio de Oliveira; BAZ, Marco Antonio Garcia. Fiança e Liberdade Provisória. 2. ed. São Paulo: RT, 2000, p. 21. 4 ROCHA, Luiz Otavio de Oliveira; BAZ, Marco Antonio Garcia. Fiança e Liberdade Provisória. 2. ed. São Paulo: RT, 2000, p. 20. 5 ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. 1959, v. 1, p. 405. Apud OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Regimes Constitucionais da Liberdade Provisória: doutrina, jurisprudência e legislação. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 59.

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Portanto, verifica-se que desde sua origem, o instituto da liberdade

provisória exigia o comparecimento do acusado ao processo e a prestação de

determinadas garantias, para que não houvesse risco de uma possível fuga. A

primeira modalidade de garantia exigida pelo Estado foi a caução fidejussória, que

consistia na responsabilidade dos fiadores apresentarem o acusado no dia do

julgamento, sob pena de perder o valor depositado e responder criminalmente6.

Durante um longo período histórico, a concessão da liberdade provisória

antes da condenação definitiva, regulou-se através da apresentação do imputado ao

julgamento, sendo que somente no tempo das primeiras Ordenações do Reino, com

o surgimento do direito português, anterior à legislação imperial, admitiu-se a

obtenção de tal benefício por meio de outros instrumentos, tais como o seguro ou

cartas de seguro, a homenagem ou menagem, a caução por fiéis carcereiros e a

fiança7.

O seguro – mais conhecido como cartas de seguro – era a modalidade em

que o acusado prometia judicialmente cumprir determinadas condições impostas,

para que pudesse eximir-se da prisão e se livrar solto até o julgamento ou pelo prazo

concedido. Entende-se por livrar solto, o livramento da culpa, pois naquela época o

processo penal baseava-se na presunção de culpabilidade do imputado preso em

flagrante delito8.

A homenagem ou menagem constituía uma espécie de privilégio

exclusivamente concedido à Nobreza, em que o acusado permanecia em liberdade

provisória por prazo determinado, comprometendo-se a comparecer no julgamento.

Tal privilégio era concedido aos fidalgos, desembargadores, doutores, cavalheiros

das ordens militares e suas respectivas esposas, que permaneciam em sua própria

casa, castelo ou cidade enquanto estivessem respondendo ao processo9.

6 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Regimes Constitucionais da Liberdade Provisória: doutrina, jurisprudência e legislação. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 60. 7 SILVA, Jorge Vicente. Liberdade provisória com e sem fiança: prática, processo e jurisprudência. 5. ed. Curitiba: Juruá, 2003, v. 5, p. 12-13. 8 ROCHA, Luiz Otavio de Oliveira; BAZ, Marco Antonio Garcia. Fiança e Liberdade Provisória. 2. ed. São Paulo: RT, 2000, p. 21. 9 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Regimes Constitucionais da Liberdade Provisória: doutrina, jurisprudência e legislação. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 61.

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A caução por fiéis carcereiros correspondia à obtenção da liberdade do réu,

através da palavra de fiadores idôneos, que se responsabilizavam pela guarda e

apresentação do imputado ao julgamento10.

A fiança, desde a época das Ordenações Afonsinas – meados do século XIV

- consistia na faculdade concedida ao acusado de permanecer em liberdade através

de prestação de caução por fiador, que se responsabilizava pela apresentação do

réu a todos os atos processuais, sob o risco de arcar com as custas, danos e a pena

pecuniária imposta pela sentença, ainda que esta excedesse o valor da fiança. Essa

última modalidade de liberdade provisória era aplicada, como ainda acontece

atualmente, nos crimes considerados mais leves e mediante o comparecimento do

imputado aos atos do processo11.

Contudo, a Constituição do Império outorgada no dia 25 de março de 1824,

aboliu grande parte dessas modalidades de liberdade provisória, com exceção da

fiança, que permanece até os dias atuais como uma das formas de garantir a

liberdade do acusado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória12. O

artigo 179, parágrafo 9°, da Constituição de 1824 estabelecia:

Art. 179. A inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela seguinte maneira: [...] §9º. Ainda com culpa formada, ninguém poderá ser conduzido à prisão, ou nela conservado estando já preso, se prestar fiança idônea, nos casos em que a lei a admite, e em geral, nos crimes que não tiverem maior pena do que a de seis meses de prisão ou desterro para fora da comarca, poderá o réu livrar-se solto.

O Código de Processo Criminal de Primeira Instância, promulgado em 29 de

novembro de 1832, no seu artigo 113, revogou expressamente as demais formas de

liberdade provisória, admitindo somente a figura da fiança, como garantia individual

10 ROCHA, Luiz Otavio de Oliveira; BAZ, Marco Antonio Garcia. Fiança e Liberdade Provisória. 2. ed. São Paulo: RT, 2000, p. 21. 11 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Regimes Constitucionais da Liberdade Provisória: doutrina, jurisprudência e legislação. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 62. 12 SILVA, Jorge Vicente. Liberdade provisória com e sem fiança: prática, processo e jurisprudência. 5. ed. Curitiba: Juruá, 2003, v. 5, p. 14-15.

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do cidadão, limitadora do poder de coerção estatal13. O artigo 113 do referido

estatuto processual previa:

Art. 113. Ficam abolidas as cartas de seguro, e qualquer outro meio, que não seja o da fiança, para que algum réo (sic) se livre solto.

Nesse período, o instituto da fiança tinha como finalidade a vinculação do

acusado do delito ao local onde deveria ser processado, devendo ser prestada pelo

fiador até a sentença definitiva, nos casos em que o réu não tivesse condições de

pagar a indenização da parte e as custas do processo. O artigo 100 do mesmo

diploma legal constituía uma exceção à regra do artigo 113, uma vez que

assegurava a soltura do imputado nas hipóteses em que se livrava solto,

independente do pagamento de fiança, nos crimes que não tivessem pena superior

a seis meses de prisão ou desterro para fora da comarca14.

Sobre o assunto, ensina Eugênio Pacelli de Oliveira:

Como se vê, desde aqueles tempos, era prevista a hipótese em que o livramento se dava para o réu solto, isto é, para aquele para cujo delito, apesar do aprisionamento e lavratura do flagrante, não se impunha a custódia imediata, em razão da baixa apenação cominada, e, por isso, da menor reprovabilidade da conduta 15.

A Constituição da República, promulgada em 24 de fevereiro de 1891, previa

no seu artigo 72 que ninguém poderia permanecer na prisão sem culpa formada,

exceto em situações especificadas em lei e, ainda, estabelecia que nos casos

admitidos em lei, poderia ser concedida a liberdade ao acusado, desde que

prestasse fiança idônea16.

O artigo 113 da Constituição de 1934 dispunha acerca da liberdade

provisória nos seguintes termos17:

Item 21. Ninguém será preso senão em flagrante delito, ou por ordem escrita da autoridade competente, nos casos expressos em

13 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Regimes Constitucionais da Liberdade Provisória: doutrina, jurisprudência e legislação. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 63. 14 ROCHA, Luiz Otavio de Oliveira; BAZ, Marco Antonio Garcia. Fiança e Liberdade Provisória. 2. ed. São Paulo: RT, 2000, p. 28-29. 15 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Regimes Constitucionais da Liberdade Provisória: doutrina, jurisprudência e legislação. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 63. 16 FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. 5. ed. São Paulo: RT, 2007, p. 350-351. 17 CARVALHO, Jeferson Moreira de. Prisão e Liberdade Provisória. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p. 14-15.

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lei. A prisão ou detenção de qualquer pessoa será imediatamente comunicada ao Juiz competente, que a relaxará, se não for legal, e promoverá, sempre que de direito, a responsabilidade da autoridade coatora.

Item 22. Ninguém ficará preso, se prestar fiança idônea, nos casos por lei estatuídos.

Na mesma linha de raciocínio, as Constituições de 1946 e 1967,

praticamente reproduziram o texto constante na Constituição de 1934, apenas

realizando algumas modificações que não beneficiaram em nada a aplicação do

instituto da liberdade provisória18.

A promulgação do Código de Processo Penal, em 03 de outubro de 1941,

trouxe várias inovações ao ordenamento jurídico brasileiro no que tange à

concessão da liberdade provisória ao indivíduo preso em flagrante, que

permanecem até os dias atuais. O mencionado diploma processual dispõe no seu

artigo 321 e seguintes sobre as duas modalidades de liberdade provisória, quais

sejam, aquela realizada mediante o pagamento de fiança e aquela que independe

de tal garantia, nos casos em que o réu se livra solto, como já colocado

anteriormente.

É importante ainda ressaltar que o artigo 310 prevê outra modalidade de

liberdade provisória, aquela em que se pode comprovar através do auto de prisão

em flagrante, que o agente praticou o crime quando presente alguma excludente de

ilicitude (estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento de dever legal

ou no exercício regular de direito), hipótese em que se concede a liberdade ao réu,

desde que ele se comprometa a comparecer a todos os atos do processo, sob pena

de revogação.

Em 22 de novembro de 1973, foi publicada a Lei n. 5.941, que permitiu ao

indiciado primário e de bons antecedentes, aguardar em liberdade até o julgamento

do recurso de apelação (art. 594 do CPP) e da decisão de pronúncia (art. 408, §2°

do CPP)19.

Todavia, foi com a edição da Lei n. 6.416 de 1977, que houve uma profunda

alteração no instituto da liberdade provisória, através da qual se introduziu ao artigo

18 ROCHA, Luiz Otavio de Oliveira; BAZ, Marco Antonio Garcia. Fiança e Liberdade Provisória. 2. ed. São Paulo: RT, 2000, p. 35-36. 19 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Regimes Constitucionais da Liberdade Provisória: doutrina, jurisprudência e legislação. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 66-67.

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310 do Código de Processo Penal, o seu parágrafo único, estabelecendo que ao

acusado ou indiciado preso em flagrante, será concedida a liberdade provisória,

quando o juiz verificar a ausência dos requisitos que autorizam a prisão preventiva20.

Na concepção do doutrinador Eugênio Pacelli de Oliveira:

[...] desde 1977, a legislação processual fez uma opção claríssima em tema de prisão, ou seja, o preso em flagrante somente terá mantida a sua prisão se, e somente se, pelo exame do auto de prisão em flagrante, for possível verificar a ocorrência de razões que determinem a decretação de sua prisão preventiva, tal como previsto no art. 312 do CPP. Conseqüência: a prisão provisória, como medida cautelar que é, nos termos dos arts. 312 e 313 do CPP, passava, desde aquela época, a constituir exceção do sistema. A regra, como se observa, era (e é) a restituição da liberdade, logo após cumpridas as funções do flagrante, tendo em vista a inexistência de sentença condenatória definitiva [...]21.

Posteriormente, a Constituição de 1988 preocupou-se em ampliar as

garantias e direitos fundamentais do indivíduo que se encontra submetido ao

processo penal, ressaltando através do seu artigo 5° e incisos LVII e LXVI, que a

regra geral é preservar o estado de liberdade da pessoa. Sendo assim, a restrição

desse direito individual é considerada uma exceção, que deve ser realizada por

ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente e comunicada à

família ou à pessoa indicada pelo preso, nos termos dos incisos LXI e LXII, do artigo

5° da Constituição Federal de 198822.

Desta forma, feitas tais considerações acerca da evolução histórica do

instituto da liberdade provisória, passa-se a discorrer, em breve síntese, sobre sua

conceituação e suas modalidades, por tratar-se do objeto central deste trabalho.

20 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 9. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 434. 21 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 9. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 434-435. 22 CARVALHO, Jeferson Moreira de. Prisão e Liberdade Provisória. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p. 18-20.

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1.2 Conceito e modalidades de liberdade provisória

A Constituição Federal, no seu artigo 5°, inciso LXVI, estabelece que

“ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade

provisória, com ou sem fiança”.

De acordo com o supracitado dispositivo legal, a liberdade provisória é um

direito fundamental constitucional, garantido pela Lei Maior, para todo e qualquer

tipo de crime, que analisado o caso concreto e as circunstâncias pelo juiz ou

tribunal, não autorize a restrição da liberdade pessoal do indiciado.

Para Julio Fabbrini Mirabete, a liberdade provisória é o instituto em que o

acusado não é recolhido à prisão ou é posto em liberdade quando preso em

flagrante, ficando vinculado ou não a certas obrigações relativas ao processo e ao

juízo, visando assegurar o comparecimento do réu a todos os atos do processo, sob

pena de revogação23.

Do mesmo modo, Fernando Capez conceitua liberdade provisória como:

Instituto processual que garante ao acusado o direito de aguardar em liberdade o transcorrer do processo até o trânsito em julgado, vinculado ou não a certas obrigações, podendo ser revogado a qualquer tempo, diante do descumprimento das condições impostas24.

A liberdade é considerada provisória, pois conforme assegura Fernando da

Costa Tourinho Filho, é uma medida intermediária entre a prisão provisória e a

liberdade completa, podendo ser revogável e se encontrando sujeita a condições

resolutórias de natureza e caracteres vários25. Vale dizer, é o estado de liberdade

que pode cessar a qualquer momento, em que o acusado se sujeita a determinados

deveres, de maior e menor intensidade, que sendo descumpridos, podem acarretar

na sua prisão.

O doutrinador Eugênio Pacelli de Oliveira discorre que o sistema prisional do

Código de Processo Penal de 1941, autorizava o juízo de antecipação da

responsabilidade penal (autoria, tipicidade, culpabilidade e existência do fato), uma

23 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2007, p. 408-409. 24 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 274. 25 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, v. 3, p. 538-539.

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21

vez que a prisão em flagrante possuía força suficiente para a manutenção da

custódia do acusado. Por isso, a liberdade denominava-se provisória, pois a

provável condenação, ao final do processo, colocaria fim àquela situação de

liberdade tolerada, visto que naquele tempo a prisão era a regra e a liberdade a

exceção26.

Portanto, entende-se que a liberdade provisória é o direito que o acusado de

um crime tem de respondê-lo em liberdade, até que se prove sua culpabilidade ou

quando a prisão se revelar absolutamente necessária, ou seja, nos casos em que a

manutenção da liberdade do indivíduo representa perigo para a instrução processual

ou para a aplicação da lei penal, nos termos do artigo 312 do Código de Processo

Penal.

Assim, no entendimento de Eugênio Pacelli de Oliveira:

[...] o que é provisória é a medida cautelar que leva esse nome, não a liberdade enquanto atributo de todo homem livre, enquanto direito reconhecido em todos os documentos internacionais do mundo ocidental de nossos tempos que cuidam do homem e dos direitos humanos [...]27.

Por fim, é preciso ressaltar que a liberdade provisória possui três

modalidades, quais sejam: obrigatória, permitida e vedada, sendo que esta última

será tratada separadamente, haja vista a sua importância para o presente estudo, e

as demais serão abordadas em seguida.

1.2.1 Liberdade provisória obrigatória

A liberdade provisória é obrigatória, não podendo ser negada ao acusado,

quando o réu se livrar solto, independentemente de fiança, nos casos do artigo 321,

incisos I e II, do Código de Processo Penal, desde que não seja reincidente em

26 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 9. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 395. 27 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 9. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 437.

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crime doloso ou comprovadamente vadio28 (artigo 323, incisos III e IV, do Código de

Processo Penal).

Art. 321. Ressalvado o disposto no art. 323, III e IV, o réu livrar-se-á solto, independentemente de fiança: I – no caso de infração, a que não for, isolada, cumulativa ou alternativamente, cominada pena privativa de liberdade; II – quando o máximo da pena privativa de liberdade, isolada, cumulativa ou alternativamente cominada, não exceder a 3 (três) meses.

O inciso I do citado artigo, estabelece que o réu não deve ficar preso

provisoriamente nos crimes em que não se admita pena privativa de liberdade, pois

nesse caso a suposta pena não tem o objetivo de privar o direito de ir e vir do

indivíduo, apenas aplicar-lhe uma advertência (multa) pelo ato praticado. Contudo,

nos delitos em que a pena máxima não exceder a 3 (três) meses também não se

pode restringir a liberdade do acusado, uma vez que tais infrações penais são

consideradas de menor potencial ofensivo, bem como nenhuma prisão no Brasil tem

tempo de duração inferior há 3 (três) meses.

Conforme leciona Julio Fabbrini Mirabete, o tempo de duração do inquérito e

da ação penal, inclusive na fase recursal, ultrapassaria os 3 (três) meses previstos

como pena máxima, o que certamente acarretaria prejuízo ao acusado, uma vez que

permaneceria mais tempo preso em decorrência da prisão provisória do que em

razão da condenação final29.

Mister ressaltar que, atualmente, os crime e contravenções mencionados no

artigo 321 do Código de Processo Penal, submetem-se à competência do Juizado

Especial Criminal, criado pela Lei n. 9.099/95, que trata da conciliação, julgamento e

execução de infrações penais de menor potencial ofensivo. O parágrafo único do

artigo 69 da referida legislação dispõe que o suposto autor do fato deve comparecer

ao Juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, para que não se

imponha prisão em flagrante, nem tampouco se exija fiança.

28 Conforme o artigo 59 da Lei de Contravenções Penais, entende-se por vadio, o indivíduo que se entrega habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho, sem ter renda que lhe assegure meios bastantes de subsistência; ou que para prover a própria subsistência utilize-se de ocupação ilícita. 29 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2007, p. 410.

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23

1.2.2 Liberdade provisória permitida

A liberdade provisória é permitida, nas hipóteses em que não couber a

prisão preventiva e nos casos em que o réu pronunciado for primário e de bons

antecedentes (art. 408, § 2°, do CPP) ou condenado por sentença recorrível

podendo apelar em liberdade (art. 594, do CPP).

Art. 408 [...] §2°. Se o réu for primário e de bons antecedentes, poderá o juiz deixar de decretar-lhe a prisão ou revogá-la, caso já se encontre preso.

Art. 594. O réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, ou prestar fiança, salvo se for primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória, ou condenado por crime de que se livre solto.

É importante mencionar que cabe prisão preventiva apenas nas hipóteses

previstas no artigo 312 do Código de Processo Penal, quais sejam, garantia da

ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para

assegurar a aplicação da lei penal, desde que haja indícios suficientes de

materialidade e autoria.

Esse tipo de modalidade subdivide-se em liberdade provisória concedida

mediante fiança e sem fiança.

1.2.2.1 Liberdade provisória com fiança

Trata-se da liberdade provisória concedida para os crimes levemente

apenados, em que o réu presta garantia em dinheiro ou entrega valores ao Estado,

sob forma de assegurar a sua liberdade até o desenrolar do processo criminal. A

fiança é um direito subjetivo constitucional do acusado, que mediante o cumprimento

de algumas obrigações, como o de comparecer a todos os atos processuais, não

mudar de endereço e não se ausentar por mais de 8 (oito) dias de sua residência

sem prévia autorização da autoridade competente, garante a liberdade provisória do

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24

indivíduo, desde a prisão em flagrante até o trânsito em julgado da sentença

condenatória30.

Não há previsão legal das infrações que admitem a fiança, uma vez que o

Código de Processo Penal estabelece nos seus artigos 323 e 324, apenas os crimes

inafiançáveis, subentendendo-se que nos demais casos admitem-se tal garantia.

Ademais, a Constituição Federal no seu artigo 5°, incisos XLII (prática de racismo),

XLIII (prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo

e os crimes hediondos) e XLIV (ação de grupos armados, civis ou militares, contra a

ordem constitucional e o Estado Democrático), prevê também os crimes em que não

se admite a fiança.

Art. 323. Não será concedida fiança: I - nos crimes punidos com reclusão em que a pena mínima cominada for superior a 2 (dois) anos; II - nas contravenções tipificadas nos arts. 59 e 60 da Lei das Contravenções Penais; III - nos crimes dolosos punidos com pena privativa da liberdade, se o réu já tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado; IV - em qualquer caso, se houver no processo prova de ser o réu vadio; V - nos crimes punidos com reclusão, que provoquem clamor público ou que tenham sido cometidos com violência contra a pessoa ou grave ameaça.

Art. 324. Não será, igualmente, concedida fiança: I - aos que, no mesmo processo, tiverem quebrado fiança anteriormente concedida ou infringido, sem motivo justo, qualquer das obrigações a que se refere o art. 350; II - em caso de prisão por mandado do juiz do cível, de prisão disciplinar, administrativa ou militar; III - ao que estiver no gozo de suspensão condicional da pena ou de livramento condicional, salvo se processado por crime culposo ou contravenção que admita fiança; IV - quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (art. 312).

No mesmo norte, é o entendimento doutrinário de Eugênio Pacelli de

Oliveira:

[...] a aplicação do regime de liberdade com fiança é mais restrito, pois somente autorizado para infrações com apenação mínima igual ou inferior a dois anos, além das demais proibições constantes dos artigos 323 e 324 do Código de Processo Penal, inaplicáveis, em

30 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2007, p. 414-415.

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25

regra, ao outro regime. Entre estas, sobreleva aquela prevista no inciso IV deste último (art. 324), quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva, cujo conteúdo, definitivamente, afastaria qualquer vantagem substancial do regime em relação àquele, sem fiança [...]31.

Assim, constata-se que a fiança só pode ser negada nas hipóteses

expressamente previstas em lei, de acordo com a natureza ou gravidade da infração

cometida e quando preenchidos os requisitos que autorizam a prisão preventiva.

Contudo, é importante ressaltar que a fiança deixou de ter relevância com a

introdução do parágrafo único do artigo 310 do Código de Processo Penal, uma vez

que tal dispositivo permitiu a concessão da liberdade provisória para qualquer tipo

de delito, independentemente de sua gravidade, admitindo-se a sua aplicação até

mesmo aos crimes considerados inafiançáveis, exigindo-se apenas o

comparecimento do acusado a todos os atos do processo32.

1.2.2.2 Liberdade provisória sem fiança

A concessão da liberdade provisória sem fiança é a regra geral do

ordenamento jurídico, sendo permitida nas seguintes situações:

a) liberdade provisória sem vinculação é aquela concedida nas infrações

penais em que o réu se livra solto, nos casos previstos no artigo 321 do Código de

Processo Penal, quando não punidas com pena privativa de liberdade ou quando o

máximo da pena privativa de liberdade não ultrapasse 3 (três) meses. No entanto,

somente não se livra solto, o indiciado que for reincidente em crime doloso ou

comprovadamente vadio. Tratando-se de infrações de menor potencial ofensivo,

submetidas à competência do Juizado Especial Criminal, não importa se o réu é

vadio e não pode se livrar solto, a liberdade deve ser imediatamente restituída, pois

31 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Regimes Constitucionais da Liberdade Provisória: doutrina, jurisprudência e legislação. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 119-120. 32 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 9. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 438-439.

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a Lei n. 9.099/95 não faz nenhuma menção à restrição da liberdade do indivíduo

vadio33.

b) liberdade provisória com vinculação é aquela concedida ao agente nos

casos em que o juiz verificar pelo auto de prisão em flagrante, que o fato foi

praticado nas hipóteses do artigo 23 do Código Penal (estado de necessidade,

legítima defesa, estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de

direito) e desde que não estejam presentes os requisitos autorizadores da prisão

preventiva. Nessa modalidade, é imposta ao acusado como única obrigação o

comparecimento a todos os atos do processo, sob pena de revogação, conforme

estabelece o artigo 310 do Código de Processo Penal.

No entendimento de alguns doutrinadores, como Eugênio Pacelli de Oliveira,

Antonio Scarance Fernandes, Paulo Rangel e Fernando da Costa Tourinho Filho, o

regime de liberdade provisória sem fiança é mais favorável e menos oneroso do que

a liberdade provisória com fiança, pois nesta última modalidade, além de se prestar

a fiança (garantia real), ainda é exigido o cumprimento de algumas obrigações

processuais, tais como, comparecimento obrigatório a todos os atos do processo,

comunicação prévia de mudança de endereço, entre outras.

1.3 Liberdade provisória vedada

A liberdade provisória é vedada quando a lei proibir expressamente a sua

concessão e nos casos em que couber a prisão preventiva, ou seja, quando forem

preenchidos os requisitos legais autorizadores previstos no artigo 312 do Código de

Processo Penal. As leis infraconstitucionais que vedam a concessão da liberdade

provisória são: a Lei do Crime Organizado (Lei n. 9.034/95, art. 7º), a Lei de

Lavagem de Dinheiro (Lei n. 9.613/98, art. 3º) e a Lei de Drogas (Lei n. 11.343/06,

art. 44).

Cumpre assinalar, que a Lei dos Crimes Hediondos (Lei n. 8.072/90), no

inciso II, do seu artigo 2°, vedava a concessão da liberdade provisória em caráter

33 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, v. 3, p. 557-571.

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genérico e absoluto. Contudo, no dia 29 de março de 2007 foi publicada a Lei n.

11.464, que deu nova redação ao mencionado dispositivo, permitindo a concessão

da liberdade provisória para os presos em flagrante delito, pois se verificou que

aquela norma era manifestadamente inconstitucional, haja vista que nessa fase

processual, o indivíduo encontra-se protegido pelo princípio constitucional da

presunção de inocência.

No entanto, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça entende que

não cabe liberdade provisória aos indivíduos presos em flagrante por prática de

crime hediondo, haja vista que apesar de ser permitida sua concessão, a Lei dos

Crimes Hediondos continua vedando a fiança, motivo pelo qual a lei, na sua

essência, continua proibindo a liberdade provisória.

Sobre o assunto, extraí-se dos julgados do Superior Tribunal de Justiça:

HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO E EXTORSÃO MEDIANTE SEQÜESTRO. NOTA DE CULPA. VÍCIO DE CAPITULAÇÃO. MERA IRREGULARIDADE. LIBERDADE PROVISÓRIA. VEDAÇÃO IMPOSTA PELA CONSTITUIÇÃO E PELO ART. 2º, INCISO II, DA LEI 8.072/90. ORDEM DENEGADA. 1. "A mera deficiência da capitulação do delito na nota de culpa não enseja a nulidade do decreto de prisão" (RHC 7.890/RJ, Rel. Min. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, Quinta Turma, DJ 16/11/98). 2. O inciso XLIII do art. 5º da Constituição Federal estabelece que os crimes definidos como hediondos são inafiançáveis. Não sendo possível a concessão de liberdade provisória com fiança, com maior razão é a não-concessão de liberdade provisória sem fiança. 3. A legislação infraconstitucional (art. 2º, II, da Lei 8.072/90) também veda a fiança e, por conseqüência, a liberdade provisória para os crimes hediondos. 4. A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que a vedação legal é fundamento suficiente para o indeferimento da liberdade provisória (HC 76.779/MT, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 27/6/07, ainda não publicado). 5. Ordem denegada34. (grifou-se)

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE HOMICÍDIO QUALIFICADO NA FORMA TENTADA. LIBERDADE PROVISÓRIA. VEDAÇÃO EXPRESSA CONTIDA NA LEI N.º 8.072/90. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA E SUFICIENTE PARA JUSTIFICAR O INDEFERIMENTO DO BENEFÍCIO. EXCESSO DE PRAZO. INOCORRÊNCIA. PRONÚNCIA. SÚMULA 52/STJ. PRECEDENTES. 1. A vedação contida no art. 2.º, inciso II, da Lei n.º 8.072/90, acerca da negativa de concessão de fiança e de liberdade provisória aos

34 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 95251/SP, Quinta Turma, Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima, Data da decisão: 26/02/2008, DJ 26/05/2008, p. 01. Disponível em: <http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 15 de março de 2008.

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acusados pela prática de crimes hediondos ou equiparados, não contraria a ordem constitucional, pelo contrário, deriva do próprio texto constitucional (art. 5.º, inciso XLIII), que impõe a inafiançabilidade das referidas infrações penais. 2. A negativa do benefício da liberdade provisória encontra amparo, também, no art. 5.º, inciso LXVI, da Constituição Federal, que somente assegurou aos presos em flagrante delito a indigitada benesse quando a lei ordinária a admitir ou por decisão fundamentada do magistrado condutor do processo (art. 2.º, § 2.º, da Lei n.º 8.072/90). 3. Desse modo, a aludida vedação, por si só, constitui motivo suficiente para negar ao preso em flagrante por crime hediondo ou equiparado o benefício da liberdade provisória. Precedentes. 4. Resta superada a alegação de constrangimento ilegal por excesso de prazo, porquanto já foi prolatada sentença de pronúncia. Em sendo assim, aplica-se o enunciado Sumular n.º 52 desta Corte Superior. 5. Ordem denegada35. (grifou-se)

Ainda no mesmo sentido: HC 71641/SP, HC 74169/SP, HC 78090/MG, HC

83895/CE, HC 88198/PB, HC 89684/MG, HC 90218/RR, HC 90830/MT, RHC

21556/ES e RHC 22159/DF, da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça36.

O Supremo Tribunal Federal possui o mesmo entendimento que a Quinta

Turma do Superior Tribunal de Justiça, uma vez que entende que a proibição da

liberdade provisória decorre da própria inafiançabilidade imposta pela Constituição

da República no seu artigo 5°, inciso XLIII, e, não da expressão suprimida (liberdade

provisória) pela Lei n. 11.464/2007.

Além disso, a Lei 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento) fazia menção,

no seu artigo 21, sobre a vedação da liberdade provisória nos crimes de “posse ou

porte ilegal de arma de fogo de uso restrito”, “comércio ilegal de arma de fogo” e

“tráfico internacional de arma de fogo”. Entretanto, o voto do Ministro Relator Ricardo

Lewandowski na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.112-1, julgou procedente

e reconheceu como inconstitucional o referido artigo, sob o argumento de que feria

frontalmente os princípios da ampla defesa e do contraditório.

35 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 92414/SC, Quinta Turma, Relatora: Ministra Laurita Vaz, Data da decisão: 08/05/2008, DJ 02/06/2008, p. 01. Disponível em: <http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 15 de março de 2008. 36 Com efeito, é importante mencionar que a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça posiciona-se contrariamente a Quinta Turma, uma vez que entende que não se pode vedar a liberdade provisória nos crimes hediondos, baseando-se apenas na gravidade abstrata do crime, reconhecendo assim, a constitucionalidade da Lei n. 11.464/2007 que permite a concessão de tal benefício para os presos em flagrante.

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29

Assim, passa-se a abordar, as mencionadas leis infraconstitucionais que

vedam a concessão de liberdade provisória sem a análise do caso concreto.

1.3.1 Leis infraconstitucionais que vedam a concessão de liberdade provisória

Importa ressaltar que a regra no processo penal é que o acusado de um

crime, responda-o em liberdade até que seja considerado culpado (art. 5°, LVII da

CF), sendo que apenas em casos onde a autoria e a materialidade estejam

suficientemente comprovadas, bem como quando estiverem presentes os requisitos

autorizadores da prisão preventiva, pode-se restringir o direito de ir e vir do

indivíduo.

O artigo 7°, da Lei n. 9.034/95, mais conhecida como Lei do Crime

Organizado, dispõe que “não será concedida liberdade provisória, com ou sem

fiança, aos agentes que tenham tido intensa e efetiva participação na organização

criminosa”. Analisando esse dispositivo legal, verifica-se que o legislador ordinário

preocupou-se em restringir a concessão de liberdade provisória ao agente preso em

flagrante, apenas quando tratar-se de ações praticadas por organizações

criminosas, até o julgamento definitivo do processo.

No entanto, conforme observa o doutrinador Guilherme de Souza Nucci,

existe contradição na Lei do Crime Organizado no que se refere a proibir a liberdade

provisória, para o indivíduo preso em flagrante, mas não determinar a prisão

preventiva obrigatória. É dizer, o indivíduo que for preso em flagrante por ter

praticado delito proveniente de organização criminosa, aguarda o desenvolvimento

do processo preso, porém, o indiciado ou acusado do mesmo crime, pode

permanecer em liberdade durante a instrução processual desde que não tenha

ocorrido o flagrante37.

Nesse mesmo sentido, a Lei n. 9.613/98 (Lei de Lavagem de Dinheiro),

prevê no seu artigo 3°, a insuscetibilidade de fiança e liberdade provisória para os

crimes nela disciplinados, e em caso de sentença penal condenatória, deve o juiz

37 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 1. ed. São Paulo: RT, 2006, p. 208-209.

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decidir fundamentadamente se o réu pode apelar em liberdade. Sobre o assunto,

NUCCI esclarece que somente se pode vedar a concessão de liberdade provisória

ao acusado que cometeu um crime de natureza grave, quando houver a

necessidade da decretação da prisão preventiva, e não sendo esta obrigatória,

conseqüentemente, não se pode proibir - automaticamente - a liberdade provisória38.

A Lei de Drogas (Lei n. 11.343/06) estabelece no artigo 44 que “os crimes

previstos nos arts. 33, ‘caput’ e §1°, e 34 a 37 39 desta Lei são inafiançáveis e

insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a

conversão de suas penas em restritivas de direitos”. A referida lei proíbe o beneficio

da liberdade provisória, com ou sem a prestação de fiança, aos autores dos crimes

de tráfico ilícito de drogas que forem presos em flagrante delito, permanecendo

encarcerados até o deslinde do processo.

Percebe-se, portanto, que o acusado autuado em flagrante por ter praticado

qualquer um desses delitos, mesmo que seja primário e de bons antecedentes e

ainda que ausentes os pressupostos que autorizam a decretação da prisão

38 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 1. ed. São Paulo: RT, 2006, p. 427. 39 BRASIL. Lei n. 11.346, de 23 de agosto de 2006. “Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. § 1o Nas mesmas penas incorre quem: I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas; II - semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas; III - utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas. Art. 34. Fabricar, adquirir, utilizar, transportar, oferecer, vender, distribuir, entregar a qualquer título, possuir, guardar ou fornecer, ainda que gratuitamente, maquinário, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação, produção ou transformação de drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 1.200 (mil e duzentos) a 2.000 (dois mil) dias-multa. Art. 35. Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 desta Lei: Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.200 (mil e duzentos) dias-multa. Parágrafo único. Nas mesmas penas do caput deste artigo incorre quem se associa para a prática reiterada do crime definido no art. 36 desta Lei. Art. 36. Financiar ou custear a prática de qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 desta Lei: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 20 (vinte) anos, e pagamento de 1.500 (mil e quinhentos) a 4.000 (quatro mil) dias-multa. Art. 37. Colaborar, como informante, com grupo, organização ou associação destinados à prática de qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 desta Lei: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e pagamento de 300 (trezentos) a 700 (setecentos) dias-multa”.

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31

preventiva, deverá – pela letra da lei – continuar preso até o encerramento da

instrução processual.

1.3.2 A posição de parte da doutrina processual penal e do Tribunal de Justiça

do Estado de Santa Catarina sobre a vedação em abstrato da liberdade

provisória

No que tange à constitucionalidade da vedação em abstrato da concessão

da liberdade provisória para os presos em flagrante delito, imposta pelas referidas

leis especiais, constata-se que ainda não há posição pacificada pela doutrina e, nem

tampouco pela jurisprudência. Por isso, o tema tem gerado certa controvérsia.

Enquanto parte dos entendimentos doutrinários e jurisprudenciais afirmam

que a restrição da liberdade provisória só pode ser realizada quando existirem

indícios suficientes da autoria e da materialidade do crime e desde que presentes os

pressupostos autorizadores da prisão preventiva, outros posicionamentos defendem

a manutenção da prisão em flagrante dos indivíduos que praticaram crimes previstos

nas legislações infraconstitucionais como insuscetíveis de liberdade provisória. É

com o objetivo de conhecer o entendimento de correntes favoráveis e desfavoráveis

à concessão da liberdade provisória que se analisa, a partir de alguns julgados e

posições doutrinárias, esta série de fatores e circunstâncias.

1.3.2.1 Das posições doutrinárias favoráveis a vedação da liberdade provisória

De início, destacam-se os posicionamentos daqueles que defendem a

manutenção da prisão provisória ao preso em flagrante por crime que não admite o

benefício da liberdade provisória.

O doutrinador Julio Fabbrini Mirabete, assegura que embora a gravidade do

delito não constitua circunstância suficiente para a decretação da custódia

provisória, as leis especiais que limitam a concessão da liberdade provisória, não

podem ser consideradas inconstitucionais, pois apesar de militar em favor do

Page 33: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ MAURA TALITA RIBEIRO

32

acusado o princípio da presunção de inocência, a Carta Magna não veda a

decretação de qualquer tipo de prisão provisória quando preenchidos os requisitos

legais, também não autoriza indiscriminadamente a liberdade do indivíduo40.

Para Fernando Capez, a Constituição Federal em seu artigo 5°, inciso LXVI,

estabelece que “ninguém será levado à prisão ou nela mantido quando a lei admitir a

liberdade provisória”, possibilitando através da interpretação do referido dispositivo

legal, a competência das leis especiais proibirem a concessão da liberdade

provisória para os crimes nelas previstos, sem afrontar os direitos e garantias

fundamentais assegurados pela Lei Maior41.

Do mesmo modo, lecionam Luiz Otavio de Oliveira Rocha e Marco Antonio

Garcia Baz:

[...] a Constituição Federal não proibiu a vedação de toda e qualquer espécie de liberdade provisória pelo legislador ordinário. A lei ordinária excepcionalmente pode vedar qualquer espécie de liberdade provisória, caso em que o acusado haverá de aguardar preso o desfecho do processo. Quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança, ninguém será levado à prisão ou nela mantido, reza o art. 5°, inc. LXVI, da CF. Há expressa ressalva de uma lei que permita a liberdade provisória. O direito à liberdade provisória não é absoluto, portanto, podendo a lei dispor a respeito. Se é correto que há preceito constitucional a ditar que ninguém será privado da liberdade sem o devido processo legal (art. 5°, LIV), também é certo que a prisão em flagrante ou decorrente de prisão preventiva está constitucionalmente permitida (art. 5°, LXI). Daí não ser inconstitucional a proibição de liberdade provisória com ou sem fiança nos crimes tratados na Lei 8.072/90 supramencionada e, mais recentemente, na Lei 9.613/97 [...]42.

Na mesma linha de raciocínio, Guilherme de Souza Nucci defende a

constitucionalidade das leis especiais, voltadas ao combate da criminalidade violenta

e organizada, que não admitem a concessão, pelo juiz, de liberdade provisória.

Afirma que apesar do artigo 5°, inciso LXVI da Constituição Federal, admitir a

liberdade provisória com ou sem fiança, é o legislador quem decide quais indiciados

ou acusados que merecem ou não o referido benefício43.

40 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2007, p. 413-414. 41 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 275. 42 ROCHA, Luiz Otavio de Oliveira; BAZ, Marco Antonio Garcia. Fiança e Liberdade Provisória. 2. ed. São Paulo: RT, 2000, p. 72-73. 43 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 3. ed. São Paulo: RT, 2007, p. 591-592.

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33

Não obstante, NUCCI critica a desigualdade de tratamento ao indivíduo

preso em flagrante e aquele que consegue fugir do local do crime, uma vez que na

primeira situação, mesmo o acusado sendo primário e possuindo bons

antecedentes, deverá permanecer preso durante todo o processo; e no segundo

caso, não havendo a lavratura do flagrante, o agente poderá continuar em liberdade,

porquanto o juiz não estará obrigado a decretar a sua prisão preventiva. Concluindo,

que não se pode vedar a liberdade provisória apenas pelo fato de o indiciado ter sido

preso em flagrante, pela prática de determinados delitos, sendo necessária a

fundamentação da decisão que manterá o acusado preso ou solto.

Assim, o que se percebe é que – para esses autores acima citados – as leis

infraconstitucionais que vedam a concessão da liberdade provisória ao preso em

flagrante baseiam-se no fato de que a Constituição Federal reconheceu a

possibilidade de existirem leis que proíbam tal benefício, de acordo com a gravidade

e natureza do delito praticado.

1.3.2.2 Das decisões do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina

favoráveis a vedação da liberdade provisória

Abordadas as posições doutrinárias favoráveis a manutenção da prisão

provisória ao preso em flagrante por crime que não admite o benefício da liberdade

provisória, necessário se faz destacar algumas decisões jurisprudenciais nesse

mesmo sentido.

Sob determinadas situações entendem os magistrados que a vedação da

liberdade provisória imposta pelas leis infraconstitucionais não podem ser

consideradas ilegais, pois a gravidade do delito e a periculosidade do agente são

motivos suficientes para a manutenção da custódia cautelar.

Nesse sentido, restou decidido o Habeas Corpus 2007.012155-6 pelo

Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina:

HABEAS CORPUS - NARCOTRAFICÂNCIA - PACIENTE QUE RESPONDE A PROCESSO CRIME POR INFRAÇÃO AO DISPOSTO NO ART. 33 C/C O ART. 35, AMBOS DA LEI N. 11.343/2006 - PRISÃO EM FLAGRANTE - LIBERDADE PROVISÓRIA - DENUNCIADO QUE POSSUI BOA ÍNDOLE, COM

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34

RESIDÊNCIA FIXA E EMPREGO DEFINIDO - IRRELEVÂNCIA - CRIME EQUIPARADO A HEDIONDO - EXPRESSA VEDAÇÃO LEGAL - INTELIGÊNCIA DO ART. 44 DA LEI N. 11.343/2006 - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONFIANÇA NO JUIZ DO PROCESSO - ORDEM DENEGADA44.

Igual argumento encontra-se no julgamento do Habeas Corpus n.

2007.005236-1, relator Desembargador Amaral e Silva, cuja ementa transcreve-se a

seguir:

PROCESSUAL PENAL - HABEAS CORPUS - TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES - VEDAÇÃO DA LIBERDADE PROVISÓRIA COM SUPEDÂNEO EXCLUSIVO NO ARTIGO 44 DA LEI N. 11.343/06 - PRESSUPOSTOS DO ARTIGO 312 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL PRESENTES - CONSTRANGIMENTO ILEGAL INEXISTENTE - ORDEM DENEGADA Não há constrangimento ilegal quando a decisão de indeferimento da liberdade provisória estiver fundamentada na Lei n. 11.343/06 e nos pressupostos autorizadores da segregação cautelar previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal45.

As ações autônomas impetradas restaram denegadas, haja vista que os

julgadores entenderam que nestes casos, tratando-se de delitos insuscetíveis de

liberdade provisória, não é levado em conta se o acusado é primário, possui bons

antecedentes e residência fixa, uma vez que a periculosidade do agente e a

gravidade do crime praticado justificam a segregação provisória do paciente.

Extrai-se do voto:

Há prova da materialidade e indícios mais que suficientes da autoria, eis que, segundo a denúncia, teriam sido apreendidas na posse do paciente 198 (cento e noventa e oito) pedras de crack, tendo, ainda, em tese, se associado a dois adolescentes para auferir lucros com a venda de drogas. Por outro lado, não vislumbro constrangimento ilegal por ausência dos pressupostos da prisão preventiva, porquanto o decreto está devidamente fundamentado na necessidade da segregação cautelar para garantia da ordem pública, principalmente pela considerável quantidade de entorpecente apreendida na posse do paciente, por isso que, o narcotráfico, principalmente de droga pesada, como crack, nos dias atuais, em nosso Estado, vem alcançando índices alarmantes.

44 BRASIL. SANTA CATARINA, Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 2007.061597-4, Relator: Des. Solon d' Eça Neves, Data da decisão: 27/02/2008. Disponível em: <http://www.tj.sc.gov.br>. Acesso em: 15 de março de 2008. 45 BRASIL. SANTA CATARINA, Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 2007.005236-1, Relator: Des. Amaral e Silva, Data da decisão: 06/03/2007. Disponível em: <http://www.tj.sc.gov.br>. Acesso em: 15 de março de 2008.

Page 36: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ MAURA TALITA RIBEIRO

35

Quanto a ordem pública, seu conceito vem sendo alargado para abranger o envolvimento em delitos graves, de repercussão, como, por exemplo, o tráfico de crack, hipótese em que a liberdade dos envolvidos pode abalar a própria credibilidade da justiça e o caráter preventivo da resposta penal. Haveria, ainda, a vedação do artigo 44 da Lei n. 11.343/06. Pondero, ainda, que a manutenção da segregação cautelar não constitui afronta ao princípio constitucional da presunção de inocência, da razoabilidade e proporcionalidade, nem as circunstâncias de o réu possuir residência fixa e trabalho lícito impedem a medida cautelar, quando presentes seus pressupostos46.

É de se reconhecer, com apoio nas decisões e entendimentos acima

transcritos, que os magistrados têm sustentado a constitucionalidade da vedação em

abstrato da liberdade provisória, impostas pelas referidas leis infraconstitucionais,

quando o indivíduo é preso em flagrante, praticando crimes considerados de maior

gravidade e quando presentes os pressupostos legais autorizadores da prisão

preventiva, deixando de analisar as circunstâncias e as peculiaridades do delito em

questão, acarretando, na maioria das vezes, a aplicação antecipada da pena.

Desta forma, para que a medida cautelar não signifique a execução

antecipada da pena e consiga cumprir a sua finalidade principal – garantir a

aplicação da lei penal e proteger o conteúdo probatório - passa-se a discorrer acerca

dos elementos necessários para a decretação das prisões cautelares.

46 BRASIL. SANTA CATARINA, Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 2007.005236-1, Relator: Des. Amaral e Silva, Data da decisão: 06/03/2007. Disponível em: <http://www.tj.sc.gov.br>. Acesso em: 15 de março de 2008.

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36

2 ELEMENTOS PARA UMA LEITURA CONSTITUCIONAL DAS

PRISÕES CAUTELARES

Nesse capítulo será feito um breve estudo referente às duas modalidades de

prisões existentes no ordenamento jurídico brasileiro, a prisão pena e a prisão sem

pena, conceituando-as e fazendo algumas considerações acerca de seus modos de

aplicações e diferenciações.

Em seguida, passa-se a abordar o conceito e a finalidade da cautelaridade

no direito processual penal, bem como o requisito e o fundamento necessário para a

decretação das medidas cautelares pessoais. E também, será feita uma sucinta

explicação das principais características dos princípios norteadores das medidas

cautelares, relacionando-os com a prisão preventiva.

Após, analisar-se-á o princípio constitucional da presunção de inocência,

através de sua origem história, definições, natureza jurídica e relações com os

direitos fundamentais e as medidas cautelares.

Por fim, será feita uma discussão acerca da necessidade da motivação das

decisões judiciais e sua importância para o estudo da prisão cautelar, trazendo como

referência o entendimento de alguns doutrinadores.

2.1 Prisão pena e prisão sem pena

Inicialmente, antes de diferenciar as duas espécies de prisões existentes no

ordenamento jurídico brasileiro, prisão pena e prisão sem pena, é preciso explicar o

significado do termo “prisão”. Segundo o doutrinador Julio Fabbrini Mirabete, a

prisão é a privação da liberdade de locomoção, ou seja, do direito individual de ir e

vir, por motivo ilícito ou por ordem ilegal. É a restrição da liberdade, através do

recolhimento da pessoa ao cárcere47.

Para Fernando da Costa Tourinho Filho, a prisão é a supressão da liberdade

individual, mediante clausura, é dizer, a privação da liberdade individual de ir e vir.

47 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2007, p. 361.

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37

Esse conceito abrange as duas espécies de prisão: a prisão como pena, decorrente

de sentença penal condenatória irrecorrível, e a prisão sem o caráter de pena48.

Do mesmo modo, Fernando Capez conceitua a prisão como sendo a

privação da liberdade de locomoção determinada por ordem escrita da autoridade

competente ou em caso de flagrante delito49.

A Constituição Federal prevê no seu artigo 5°, inciso LXI, que “ninguém será

preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade

judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime

propriamente militar, definidos em lei”. Nesse mesmo sentido, o artigo 282 do

Código de Processo Penal, estabelece que a prisão só poderá ser efetuada em

virtude de pronúncia, nos casos determinados em lei e flagrante delito.

Desta forma, conforme ensina Fernando da Costa Tourinho Filho, a prisão

pode ocorrer em virtude de flagrante (art. 301 a 310 do CPP), de sentença penal

condenatória recorrível (art. 393, I, CPP), de prisão preventiva (arts. 311 a 316 do

CPP), de pronúncia (art. 282 e 408, §1º, CPP), de prisão civil (art. 904 e § único,

CPC), de devedor de alimentos (art. 733, §1°, CPC), de prisão cautelar (art. 69 e 81

da Lei n. 6.815/80), de prisão disciplinar (art. 656, § único do CPP e art. 5°, LXI, CF)

e de prisão temporária (prevista na Lei n. 7.960/89).

Exposto o conceito de prisão e suas possibilidades de aplicação, passa-se a

distinção das duas modalidades importantes para o presente estudo, quais sejam,

prisão pena e prisão sem pena.

A prisão pena, também denominada prisão-sanção ou penal, é aquela

decorrente de sentença penal condenatória transitada em julgado, que tem como

finalidade a repressão aos crimes e contravenções penais. É o sofrimento imposto

pelo órgão estatal em execução de uma sentença, ao culpado de uma infração

penal50.

Na definição de Fernando Capez, a prisão-pena ou prisão penal é:

[...] aquela imposta em virtude de sentença condenatória transitada em julgado, ou seja, trata-se da privação da liberdade determinada com a finalidade de executar decisão judicial, após o devido

48 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, v. 3, p. 391-392. 49 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 244. 50 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, v. 3, p. 392.

Page 39: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ MAURA TALITA RIBEIRO

38

processo legal, na qual se determinou o cumprimento de pena privativa de liberdade. Não tem finalidade acautelatória, nem natureza processual. Trata-se de medida penal destinada à satisfação da pretensão executória do Estado [...]51.

Essa espécie de prisão tem como principal objetivo a reeducação do

indivíduo para que ele não venha a cometer novos delitos, serve como um

instrumento de prevenção, para que o condenado possa ser ressocializado e

posteriormente reinserido ao convívio social.

Já a prisão sem pena, também chamada de prisão processual, provisória ou

cautelar, é a privação da liberdade de locomoção antes da sentença penal definitiva.

É considerada uma execução cautelar de natureza pessoal, aplicada antes do

trânsito em julgado da sentença, haja vista seu caráter de urgência e necessidade.

Na concepção de Paulo Rangel:

A prisão cautelar tem como escopo resguardar o processo de conhecimento, pois, se não for adotada, privando o indivíduo de sua liberdade, mesmo sem sentença definitiva, quando esta for dada, já não será possível a aplicação da lei penal. Assim, o caráter da urgência e necessidade informa a prisão cautelar de natureza processual52.

Assim, pode-se dizer que a prisão sem pena é a medida cautelar que visa

garantir a efetividade do processo e restringir a liberdade do suposto autor do delito,

decretada pelo juiz durante o inquérito e/ou instrução criminal, quando estiverem

presentes os pressupostos legais autorizadores dessa espécie de prisão e seja

comprovada a necessidade.

Eugênio Pacelli de Oliveira assevera que a prisão cautelar é utilizada como

instrumento de garantia da eficácia da jurisdição penal, diante de situações de risco

real devidamente previstas em lei, não podendo sua aplicação trazer conseqüências

mais graves que a decisão final do processo, uma vez que perderia a sua

justificação, bem como superaria a função acautelatória da medida53.

Portanto, a prisão processual não pode ser considerada como o

cumprimento antecipado da pena ou provisória execução da pena, pois a privação

da liberdade do indivíduo, antes da sentença definitiva, é fundamentada em razão da

51 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 244. 52 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 557. 53 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 9. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 397-398.

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39

necessidade e da periculosidade do agente e não da sua culpabilidade, posto que

nessa fase processual, o réu encontra-se acobertado pelo princípio constitucional da

presunção de inocência e não pode ser considerado culpado.

2.2 A idéia de cautelaridade

Mister ressaltar, antes de tudo, que apesar do conceito da cautelaridade ser

melhor explorado no direito processual civil, o caráter cautelar aplicado no processo

penal é totalmente distinto daquele, pois apresenta características e requisitos

próprios da sua categoria jurídica. As medidas cautelares de natureza processual

penal têm como finalidade a tutela jurisdicional do processo, uma vez que tem por

objeto garantir o seu regular desenvolvimento e a correta aplicação do direito de

punir do Estado54.

No direito processual penal, essas medidas cautelares resultam de mera

atividade administrativa, visto que quando se requer a prisão preventiva de um

indivíduo acusado de praticar uma infração penal, é o juiz que é a autoridade

competente para apreciar a providência da medida, analisando de forma rápida e

urgente, se estão presentes os requisitos autorizadores da custódia cautelar55.

A demora na prestação jurisdicional resulta na necessidade de o

ordenamento jurídico prever medidas através das quais possam se antecipados,

excepcionalmente, certos resultados da atividade processual, para que não se corra

o risco da tutela almejada ser alcançada somente quando superados os motivos que

a ensejaram56.

De acordo com o eminente doutrinador Aury Lopes Júnior, no processo

penal, o requisito autorizador da prisão cautelar é a existência do fumus commissi

delicti (a prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria) e o seu

54 LOPES JR., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade

Constitucional). 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 198-199. 55 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, v. 3, p. 402-403. 56 GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As nulidades no processo penal. 9. ed. São Paulo: RT, 2006, p. 311.

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40

fundamento é o periculum libertatis (perigo que decorre do estado de liberdade do

imputado)57.

O fumus commissi delicti é a probabilidade da ocorrência de um delito,

através da existência de sinais externos suficientes para demonstrar a autoria e a

materialidade do crime, nos termos do art. 312, in fine, do Código de Processo

Penal. E o periculum libertatis é a situação de perigo criada pela conduta do sujeito

passivo, que provoca risco ao normal desenvolvimento do processo (frustração da

função punitiva, destruição de provas), em razão do estado de liberdade do

acusado, conforme estabelece o caput do mencionado artigo58.

Aury Lopes Júnior ressalta que, apesar do perigo de fuga ser um dos

principais fundamentos para justificar as prisões cautelares, “toda decisão

determinando a prisão do sujeito passivo deve estar calcada em um fundado temor,

jamais fruto de ilações ou criações fantasmagóricas de fuga”59.

Diante disso, reputa-se importante analisar as principais características dos

princípios norteadores das medidas cautelares, quais sejam: jurisdicionalidade,

provisionalidade, provisoriedade, excepcionalidade e proporcionalidade.

A jurisdicionalidade está assegurada no artigo 5°, inciso LXI, da Constituição

Federal, que prevê que toda e qualquer prisão cautelar somente pode ser decretada

por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, para evitar

prisões injustas e desnecessárias, bem como garantir a eficácia do princípio do

devido processo legal. Conforme ensina Paulo Rangel, “a jurisdicionalidade é a

necessidade de que a restrição dos direitos e bens assegurados na Constituição e

nas Convenções Internacionais somente possa ser feita por decisão judicial, a fim de

evitar excessos ou abuso de poder”60.

O princípio da provisionalidade diz respeito à situação fática das medidas

cautelares, ou seja, a existência de razões e circunstâncias que as justifiquem.

Assim, desaparecendo o requisito e/ou fundamento legitimante - fumus commissi

57 LOPES JR., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Constitucional). 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 200-201. 58 BRASIL. Código de Processo Penal. “Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria”. 59 LOPES JR., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Constitucional). 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 204. 60 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 558-559.

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41

delicti e periculum libertatis, respectivamente - deve ser a qualquer tempo revogada

a prisão processual, podendo ser novamente decretada quando devidamente

demonstrada e fundamentada a sua necessidade.

A provisoriedade está relacionada ao tempo de duração da prisão cautelar,

visto que por ser uma medida de caráter provisório deveria ter prazo máximo e limite

de duração, sob pena de ser considerada ilegal. Roberto Delmanto Junior descreve

em seu livro “As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração”, a

necessidade de a lei estipular prazos claros e objetivos da prisão cautelar, deixando

de analisar apenas a necessidade e manutenção dos pressupostos que a

originaram61.

No mesmo sentido é o posicionamento de Aury Lopes Júnior:

No processo penal brasileiro campeia a absoluta indeterminação acerca da duração da prisão cautelar, pois em momento algum foi disciplinada essa questão. Excetuando-se a prisão temporária, cujo prazo máximo de duração está previsto em lei, as demais prisões cautelares (preventiva, decorrente de pronúncia ou da sentença penal condenatória recorrível) são absolutamente indeterminadas62.

No tocante a excepcionalidade, ela está intimamente ligada ao princípio da

presunção de inocência, uma vez que a prisão cautelar deve ser a última medida

aplicada para assegurar a efetividade do processo penal, somente quando houver

real necessidade e restarem suficientemente demonstrados o fumus commissi delicti

e o periculum libertatis.

A respeito do assunto leciona Eugênio Pacelli de Oliveira:

[...] A custódia, então, vedada a antecipação da culpabilidade, deve se orientar pelo critério da excepcionalidade, fundada, sempre, em razões de cautela, quando revelada a necessidade da prisão, como única forma de preservação da eficácia e efetividade da jurisdição penal. Sem o comprovado risco – vedado aqui também o receio decorrente de mera especulação – de se ver frustrado o regular desenvolvimento do processo ou execução de sentença condenatória, não há por que se impor medida restritiva à liberdade do acusado, sem incorrer em violação ao devido processo penal63.

61 DELMANTO JUNIOR, Roberto. As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 235-237. 62 LOPES JR., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Constitucional). 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 118. 63 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Regimes Constitucionais da Liberdade Provisória: doutrina, jurisprudência e legislação. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 74-75.

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42

O princípio da proporcionalidade é a base principal das prisões cautelares,

pois é utilizado como meio de delimitar a decisão do juiz frente ao caso concreto, ou

seja, exige-se a valoração da gravidade da medida imposta com a finalidade

pretendida, para que a medida cautelar não seja mais severa que a sanção

possivelmente aplicada. Desse modo, conforme observa Aury Lopes Júnior, “se

houver alguma outra medida (inclusive de natureza cautelar real) que se apresente

igualmente apta e menos onerosa para o imputado, ela deve ser adotada,

reservando a prisão para os casos graves, como ultima ratio do sistema”64.

Deste modo, verifica-se que as prisões cautelares são medidas que tem por

objeto a proteção do processo e do direito de punir do Estado Democrático de

Direito, servindo para garantir o efetivo funcionamento da justiça. O requisito para

decretação de uma medida cautelar pessoal é a possibilidade da ocorrência de um

delito e o seu fundamento é o perigo decorrente da liberdade do sujeito passivo.

A prisão preventiva é uma espécie do gênero prisão cautelar de natureza

processual, também considerada a prisão preventiva stricto sensu, é decretada pelo

juiz, em qualquer fase do inquérito ou da instrução criminal, e tem como finalidade

assegurar a presença do imputado em juízo e garantir a eventual execução da pena.

Tal medida cautelar só pode ser aplicada em casos de extrema necessidade e

quando presentes os seus requisitos autorizadores - prova da existência do crime e

indícios suficientes de autoria - e as razões que a justifiquem – garantia da ordem

pública, garantia da ordem econômica, conveniência da instrução criminal ou para

assegurar a aplicação da lei penal -, nos termos do artigo 312 do Código de

Processo Penal.

Por ser uma medida cautelar drástica, que restringe a liberdade pessoal do

indivíduo antes da condenação definitiva, buscando assegurar a efetividade do

processo penal, Fernando da Costa Tourinho Filho esclarece que “a prisão

preventiva somente poderá ser decretada dentro naquele mínimo indispensável, por

ser de incontrastável necessidade e, assim mesmo, sujeitando-a a pressupostos e

condições, evitando-se ao máximo o comprometimento do direito de liberdade que o

próprio ordenamento jurídico tutela e ampara”65.

64 LOPES JR., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Constitucional). 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 211-212. 65 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, v. 3, p. 501.

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43

Com efeito, pode-se dizer que a custódia cautelar é uma medida

excepcional, que só deve ser aplicada para garantir a instrumentalidade do

processo, quando houver a real necessidade e desde que presentes o fumus

commissi delicti e o periculum libertatis. Jamais deve ser utilizada como antecipação

da pena, sob pena de flagrante afronta ao princípio constitucional da presunção de

inocência, a seguir analisado.

2.3 Princípio da presunção de inocência

Para iniciar esse estudo sobre o princípio da presunção de inocência é

preciso recordar que na inquisição da Idade Média, a dúvida gerada pela

insuficiência de provas equivalia a uma semiprova, suficiente para admitir um juízo

de semiculpabilidade e uma condenação de pena leve, também chamada de pena

extraordinária. Segundo Aury Lopes Júnior, era na verdade uma presunção de

culpabilidade, onde bastava existir um suspeito e uma testemunha contra ele para

ser considerado culpado66.

Roberto Delmanto Junior, afirma que o direito à presunção de inocência

surgiu para abolir o sistema da prova legal e da tortura, proveniente das antigas

ordálias ou juízos de Deus, utilizados freqüentemente no período da Inquisição. Foi

através desse princípio que se buscou a prática da livre apreciação da prova,

eliminando-se aquela presunção de culpabilidade em que o suspeito é que tinha que

provar a sua inocência perante a sociedade67.

Com o passar do tempo, o princípio da presunção de inocência transformou-

se em um pressuposto, que não precisava estar positivado em lugar nenhum, mas

era uma condição de existência da dignidade da pessoa humana.

O princípio constitucional da presunção de inocência, também conhecido

como princípio do estado de inocência ou da não-culpabilidade, está expressamente

previsto no artigo 5°, inciso LVII, da Constituição Federal, que estabelece que

66 LOPES JR., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Constitucional). 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 184-185. 67 DELMANTO JUNIOR, Roberto. As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 59.

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44

“ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal

condenatória”. Esse princípio encontra-se também consagrado no artigo 9° da

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1979, que dispõe “todo homem

presume-se inocente enquanto não houver sido declarado culpado; por isso, se se

considerar indispensável detê-lo, todo rigor que não seria necessário para a

segurança de sua pessoa deve ser severamente punido pela lei”.

A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da

Costa Rica) realizada em 22 de novembro de 1969 e ratificada pelo Brasil em 25 de

setembro de 1992, através do Decreto n° 678/92, reconheceu como postulado

fundamental a garantia da presunção de inocência ao declarar no seu artigo 8°, 2, 1ª

parte, que “toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua

inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa”.

A presunção de inocência é uma garantia processual penal que visa à tutela

da liberdade pessoal do imputado até que uma sentença condenatória irrecorrível o

declare culpado, ou seja, o acusado é inocente durante o desenvolvimento do

processo e seu estado só se modifica através da prolação de uma sentença

definitiva que comprove claramente a sua culpabilidade.

De acordo com Luigi Ferrajoli, o estado de inocência decorre do princípio de

submissão à jurisdição, que exige que não haja culpa sem juízo e nem juízo sem

que a acusação se sujeite à prova e à refutação, pois se a persecução penal é a

atividade necessária para obter a prova de que um sujeito cometeu um delito, até

que tal prova não seja produzida mediante um juízo regular, nenhum delito pode ser

considerado cometido e nenhum sujeito pode ser reputado culpado nem submetido

a uma pena68.

Importante mencionar que o estado de inocência é uma presunção juris

tantum (presunção relativa), que só pode ser afastada quando houver provas

suficientes da culpabilidade do indivíduo. Essa presunção deve ser destruída pelo

acusador, uma vez que o ônus da prova dos fatos constitutivos da pretensão penal

compete exclusivamente à acusação, sendo o acusado presumidamente inocente,

não lhe cabe provar absolutamente nada69.

68 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. 2. ed. São Paulo: RT, 2006, p. 505-506. 69 LOPES JR., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Constitucional). 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 189-190.

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45

É esse o entendimento de Alexandre de Moraes:

[...] a presunção de inocência condiciona toda condenação a uma atividade probatória produzida pela acusação e veda, taxativamente, a condenação, inexistindo as necessárias provas. O princípio da presunção de inocência consubstancia-se, portanto, no direito de não ser declarado culpado senão mediante sentença judicial com trânsito em julgado, ao término do devido processo legal (due process of law), em que o acusado pôde utilizar-se de todos os meios de prova pertinentes para sua defesa (ampla defesa) e para a destruição de credibilidade das provas apresentadas pela acusação (contraditório) [...]70.

Contudo, quando houver dúvida quanto à culpabilidade, bem como a

acusação não lograr êxito em demonstrar a autoria e a materialidade do delito

imputado, deve ser sempre protegido o interesse e a liberdade do inocente,

impondo-se a sua absolvição, pois conforme ensina Luigi Ferrajoli, o princípio da

presunção de inocência representa o fruto de uma opção garantista a favor da tutela

da imunidade dos inocentes, ainda que para isso se tenha que pagar o preço da

impunidade de algum culpado71.

A respeito disso, Roberto Delmanto Junior considera que

[...] a presunção de inocência deve ser entendida como uma orientação política de cunho constitucional, imposta (a) não só ao legislador ordinário, que deverá a ela se ater ao elaborar normas penais e processuais penais, sempre buscando fazer prevalecer o valor da pessoa humana e seus direitos invioláveis sobre o interesse social em punir aqueles que violem as suas regras, com vistas à manutenção da tão almejada paz pública, (b) mas, também e sobremaneira, aos juízes e Tribunais, tanto ao valorarem a prova – cujo ônus é da acusação, não se podendo, havendo dúvida, condenar alguém – quanto em relação ao tratamento dispensado ao acusado durante a instrução processual, tratamento este que abrange desde a utilização de algemas durante a audiência, o modo pelo qual se dá o seu interrogatório etc., como igualmente, e de forma ainda mais enfática, a decretação ou manutenção de qualquer modalidade de prisão provisória, a qual precisa ser devidamente fundamentada, não se admitindo a sua imposição caso haja dúvida acerca do efetivo preenchimento dos seus pressupostos e requisitos cautelares, inadmitindo-se conjecturas e/ou ilações para impor restrições ao direito à liberdade72.

70 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 273. 71 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. 2. ed. São Paulo: RT, 2006, p. 506. 72

DELMANTO JUNIOR, Roberto. As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 66.

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46

O princípio da presunção de inocência não se restringe somente a avaliar a

culpabilidade do réu, mas também serve para tutelar o tratamento que lhe é

destinado durante o processo, resguardando a sua liberdade, a sua integridade

física, a sua imagem e os demais direitos fundamentais constitucionalmente

garantidos pela Carta Magna.

Percebe-se, portanto, que o réu não tem o dever de provar sua inocência, é

o papel do acusador comprovar a sua culpabilidade, para que o juiz se convença

que ele é o responsável pelo delito e deve ser condenado. Não obstante, havendo

dúvida a respeito de sua culpa, deve sempre prevalecer o estado de inocência,

aplicando-se a absolvição do acusado.

Eugênio Pacelli de Oliveira afirma que o estado de inocência impede a

antecipação dos resultados finais do processo, haja vista que toda a privação da

liberdade antes do trânsito em julgado deve ter natureza cautelar e ser devidamente

fundamentada em razão da necessidade e efetividade da jurisdição penal.

Esclarece o autor:

[...] como o princípio da inocência é, a um só tempo, direito (material) e garantia (procedimental), as restrições a ele deverão se submeter, sempre, a um juízo de ponderação em cada caso concreto, pela simples razão de que, antes do trânsito em julgado, elas somente poderão ser justificadas por razões de natureza reconhecidamente cautelares. E, essas, as razões cautelares, instrumentais que são, porque dirigidas à tutela do processo e da jurisdição penal, não estão ao alcance do legislador [...] Então, é exatamente por isso, ou seja, pela necessidade de se fundamentar toda e qualquer decisão restritiva de direitos, que deve ser exigida uma certeza judicial, a ser construída segundo as regras do processo e segunda a natureza da restrição [...]73.

Desta forma, verifica-se que a garantia constitucional da presunção de

inocência não tem legitimidade para proibir as prisões provisórias, apenas assegurar

que essas medidas cautelares sejam aplicadas em casos de excepcionalidade e

necessidade, conforme estabelece o artigo 312 da lei processual.

Por fim, entende-se que o princípio da presunção de inocência, nada mais é

do que uma prerrogativa constitucional - inserida no rol dos direitos e garantias

fundamentais da pessoa humana - conferida ao acusado de um processo de não ser

considerado culpado até a sentença penal condenatória transitada em julgado,

73 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Processo e Hermenêutica na Tutela Penal dos Direitos Fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 174-175.

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47

impossibilitando qualquer prévia e antecipada manifestação judicial que não tenha

caráter cautelar ou provisório.

2.4 Princípio da motivação das decisões judiciais

A Constituição Federal prevê expressamente no seu artigo 93, IX, 1ª parte,

que todas as decisões do Poder Judiciário devem ser obrigatoriamente

fundamentadas, sob pena de acarretar nulidade. A motivação das decisões judiciais

serve para controlar a eficácia do contraditório e do direito de defesa, bem como

demonstrar que existem provas suficientes para destruir a presunção de inocência,

porquanto apenas a fundamentação permite avaliar se a racionalidade da decisão

predominou ou não sobre o poder74.

Na concepção de André Ramos Tavares, a exigência de motivar as decisões

judiciais consiste na imposição de que os atos decisórios sejam justificados, ou seja,

que as razões do ato sejam explicadas da melhor maneira possível, para que não

haja dúvida quanto à validade da decisão. Sendo a motivação um pressuposto para

que possa haver o controle dessas decisões e o exercício da jurisdição75.

Pode-se dizer que a motivação das decisões judiciais é uma condição ou

garantia processual, visto que é por meio dela que se justifica a escolha realizada

pelo magistrado, assegurando a máxima certeza ou segurança possível da verdade

fática do conflito, em que se esclarece através da análise do conjunto probatório e

das demais circunstâncias presentes no processo, o motivo pelo qual se chegou à

referida decisão.

Segundo Luigi Ferrajoli, esse princípio tem valor fundamental para o sistema

garantista – aquele que reconhece a desigualdade das relações jurídicas existentes

entre acusação e defesa no processo penal –, pois tem como objetivo exprimir e

garantir a natureza cognitiva do juízo, vinculando-o à estrita legalidade e à prova das

hipóteses acusatórias. É através da motivação que as decisões judiciárias são

74 LOPES JR., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Constitucional). 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 263. 75 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 653-654.

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legitimadas e a validade das sentenças resulta condicionada a verdade, ainda que

relativa, do processo penal76.

Sobre o assunto, leciona o citado autor:

[...] a motivação permite a fundação e o controle das decisões seja de direito, por violação de lei ou defeito de interpretação ou subsunção, seja de fato, por defeito ou insuficiência de provas ou por explicação inadequada do nexo entre convencimento e provas [...] Ao mesmo tempo, enquanto assegura o controle da legalidade e do nexo entre convencimento e provas, a motivação carrega também o valor “endoprocessual” de garantia de defesa e o valor “extraprocessual” de garantia de publicidade. E pode ser, portanto, considerado o principal parâmetro tanto da legitimação interna ou jurídica quanto da externa ou democrática da função judiciária [...]77.

A fundamentação das decisões é extremamente importante para que as

partes envolvidas tenham conhecimento dos motivos que levaram o órgão judicial

resolver a lide da maneira disposta no ato decisório, a fim de que a parte insatisfeita

possa refutar as questões divergentes no juízo superior aquele que prolatou a

decisão. Nesse sentido, reputa-se importante, transcrever a lição de André Ramos

Tavares:

O aspecto processual do princípio [motivação das decisões judiciais] é evidente, já que as partes têm necessidade de apreender a noção exata daquilo no que o magistrado se baseou, para fins de poder recorrer às instâncias superiores. E isso vale até mesmo para o magistrado ou órgão que for reapreciar a matéria, no juízo ad quem, visto que só terá possibilidade de reavaliar a decisão, reformando-a, se for o caso, quando puder identificar as bases sobre as quais se assentou78.

Discordando desse posicionamento, Antonio Scarance Fernandes assevera

que atualmente os destinatários da motivação das decisões judiciais não são mais

somente as partes e os juízes de segundo grau, mas também a sociedade, que

através da motivação tem condições de verificar se o juiz, e, conseqüentemente, a

própria justiça, decide com imparcialidade e com conhecimento da causa. Assim, o

princípio constitucional previsto pelo artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal,

76 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. 2. ed. São Paulo: RT, 2006, p. 573. 77 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. 2. ed. São Paulo: RT, 2006, p. 573-574. 78 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 654.

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49

não serve apenas para garantir a eficiência técnica do processo, mas tem ainda

como finalidade à garantia da ordem política e da própria jurisdição79.

Oportuno destacar que a decisão judicial somente é considerada legítima

quando estiver baseada em provas robustas e irrefutáveis da verdade processual

fática, onde o julgador deve obrigatoriamente explicar de modo claro e preciso os

motivos de fato e de direito que formaram o seu convencimento, para que não haja

dúvida quanto o seu julgamento e para que sejam assegurados os princípios

constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

Eugênio Pacelli de Oliveira esclarece que para que seja protegido o

interesse processual das partes, bem como controlada a legalidade e idoneidade do

processo, a decisão judicial deve ser construída através da efetiva participação dos

interessados imediatos nos efeitos dela decorrente, da imparcialidade do juiz ao

interesse específico da causa e, por fim, segundo regras procedimentais e

probatórias prévias. A análise dessas garantias processuais é necessária para

controlar todo e qualquer excesso de poder por parte dos órgãos públicos, exigindo-

se dessa forma, a prolatação de decisões aptas a revelar a manifestação de um

verdadeiro saber e não do exercício de poder da força80.

Portanto, a motivação da decisão deve estar apoiada na racionalidade do

julgamento, isto é, na justificação do ato decisório por meio da ponderação e da

aplicação de todos os princípios e regras jurídicas que melhor atenderem a solução

do caso em questão, juntamente com a valoração dos elementos trazidos pelas

partes aos autos. No processo penal, exige-se a imparcialidade do julgador, que

deve fundamentar as decisões racionalmente, com base na aplicação da estrutura

normativa mais adequada ao conflito.

Conforme ensina Aury Lopes Júnior:

[...] a motivação serve para o controle da racionalidade da decisão judicial. Não se trata de gastar folhas e folhas para demonstrar erudição jurídica (e jurisprudencial) ou discutir obviedades. O mais importante é explicar o porquê da decisão, o que o levou a tal conclusão sobre a autoria e materialidade. A motivação sobre a matéria fática demonstra o saber que legitima o poder, pois a pena somente pode ser imposta a quem – racionalmente – pode ser

79 FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. 5. ed. São Paulo: RT, 2007, p. 139. 80 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Processo e Hermenêutica na Tutela Penal dos Direitos Fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 167-168.

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50

considerado autor do fato criminoso imputado. Como define IBÁNEZ, o ius dicere em matéria de direito punitivo deve ser uma aplicação/explicação: um exercício de poder fundado em um saber consistente por demonstradamente bem adquirido. Esta qualidade na aquisição do saber é condição essencial para legitimidade do atuar jurisdicional [...]81.

É por isso que a fundamentação somente é considerada clara e precisa

quando o magistrado aprecia as provas de ambas as partes e esclarece os motivos

determinantes de sua decisão, demonstrando os argumentos que o fizeram decidir

de uma determinada maneira e não de outra. A verdade processual fática só é

apurada quando não houver fatos controvertidos e os elementos probatórios forem

suficientes para afastar a presunção de inocência.

Nessa linha de raciocínio, Luigi Ferrajoli afirma que mais importante que a

necessidade da prova é a garantia do contraditório, ou seja, a possibilidade da

refutação ou contraprova, pois uma hipótese acusatória só pode ser aceita como

verdadeira quando for compatível com as informações constantes nos autos e não

for contraditada por nenhum dado probatório coletado durante a instrução

processual. Por tal motivo, verifica-se a necessidade do julgador analisar e

fundamentar adequadamente todas as teses levantadas pelas partes em suas

alegações, uma vez que a livre convicção não é suficiente para superar as

contraprovas e justificar a condenação82.

A exigência da garantia constitucional da motivação compreende todas as

decisões do processo, tanto as definitivas quanto as interlocutórias, principalmente

quando estas afetarem os direitos de liberdade individual, pois o texto constitucional

é claro ao estabelecer que todas as decisões judiciais devem ser obrigatoriamente

fundamentadas.

O inciso LXI, do artigo 5°, da Carta Magna estabelece que “ninguém será

preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade

judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime

propriamente militar, definidos em lei”. Analisando o referido dispositivo, percebe-se

que para que uma pessoa seja presa é preciso haver uma ordem escrita e

fundamentada da autoridade judiciária competente, justificando – de forma clara e

81 LOPES JR., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Constitucional). 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 264-265. 82 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. 2. ed. São Paulo: RT, 2006, p. 144.

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51

objetiva – a necessidade de privação da liberdade, sob pena de ser considerada

ilegal.

A prisão em flagrante deve ser imediatamente comunicada ao juiz

competente, logo após a lavratura do auto pelo Delegado de Polícia, para que

aquele possa realizar um juízo provisório acerca da ocorrência do crime, bem como

da necessidade da manutenção da prisão, posto que cumprida a custódia

flagrancial, só poderá ser restringida a liberdade individual do imputado quando a

decisão for judicialmente motivada83.

Além disso, conforme já colocado, só se pode manter alguém preso quando

houver provas suficientes de autoria e materialidade do delito e desde que

devidamente fundamentada a razão pela qual se determinou a prisão provisória84 ou

preventiva85, respeitando-se sempre os direitos e as garantias fundamentais. Nas

palavras de Eugênio Pacelli de Oliveira “a prisão do inocente será sempre possível

desde que fundada em razões acautelatórias dos interesses da efetividade da

jurisdição penal, e desde que devidamente fundamentada”86.

A fundamentação das decisões judiciais configura-se exigência básica de

todos os provimentos referentes à privação antecipada do direito de liberdade do

réu, antes da sentença penal condenatória, tendo em vista que somente através da

justificação das razões do ato decisório que se pode identificar os argumentos

utilizados pelo magistrado para a decretação da medida cautelar, bem como verificar

a aplicação da justiça, da imparcialidade, do atendimento às prescrições legais e da

efetividade da jurisdição penal87.

Assim, Aury Lopes Júnior ressalta que:

83 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Processo e Hermenêutica na Tutela Penal dos Direitos Fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 163. 84 BRASIL. Lei n. 7.960, de 21 de dezembro de 1989. “Art. 2°. A prisão temporária será decretada pelo Juiz, em face da representação da autoridade policial ou de requerimento do Ministério Público, e terá o prazo de 5 (cinco) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade. §2° O despacho que decretar a prisão temporária deverá ser fundamentado e prolatado dentro do prazo de 24 (vinte e quatro) horas, contadas a partir do recebimento da representação ou do requerimento”. 85 BRASIL. Código de Processo Penal. “Art. 315. O despacho que decretar ou denegar a prisão preventiva será sempre fundamentado”. 86 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Processo e Hermenêutica na Tutela Penal dos Direitos Fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 176. 87 GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As nulidades no processo penal. 9. ed. São Paulo: RT, 2006, p. 315.

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52

[...] o poder judicial somente está legitimado enquanto amparado por argumentos cognoscitivos seguros e válidos (não basta apenas boa argumentação), submetidos ao contraditório e refutáveis. A fundamentação das decisões é instrumento de controle da racionalidade e do sentire do julgador, num assumido anticartesianismo. Mas também serve para controlar o poder, e nisso reside o núcleo da garantia. Permite ainda aferir “que verdade” brota do processo, evitando assim o substancialismo da mitológica “verdade real”. Ademais, é crucial que a fundamentação seja construída a partir dos atos de prova, devidamente submetidos a jurisdicionalidade e contraditório [...]88.

Para que não exista um confronto entre o princípio da presunção de

inocência e a efetividade da jurisdição, Eugênio Pacelli de Oliveira assegura que a

fundamentação da prisão cautelar é de grande relevância, pois deve basear-se em

um exame de ponderação acerca da adequação da medida, da sua necessidade

(risco de fuga, intimidação de testemunhas, etc.) e da sua proporcionalidade, a fim

de que a restrição da liberdade do indivíduo não seja mais danosa que à pena

abstratamente cominada no tipo penal89.

Por conseguinte, para a decretação da prisão cautelar é necessário que haja

sempre uma decisão fundamentada que, considerando a idéia de estado de

inocência, possua um fundamento cautelar e possa garantir o eficaz funcionamento

da justiça.

Feitas tais considerações, não restam dúvidas quanto à importância da

aplicação do princípio constitucional da motivação das decisões judiciais no

processo penal, mais especificamente, nos casos de privação da liberdade individual

do réu antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, para que não

ocorra violação das garantias fundamentais e nulidade absoluta do ato decisório.

88 LOPES JR., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Constitucional). 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 267. 89 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Processo e Hermenêutica na Tutela Penal dos Direitos Fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 164-165.

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53

3 O DIREITO CONSTITUCIONAL À LIBERDADE PROVISÓRIA E A

CONSEQÜENTE INCONSTITUCIONALIDADE DE SUA VEDAÇÃO EM

ABSTRATO PELA LEI ORDINÁRIA

No presente capítulo objetiva-se discorrer a respeito do status normativo do

direito à liberdade provisória previsto expressamente no artigo 5°, inciso LXVI, da

Constituição Federal, em harmonia com os princípios constitucionais da presunção

da inocência e do devido processo legal. Esses princípios têm como finalidade

assegurar o estado de liberdade do indivíduo até que uma sentença penal transitada

em julgado o declare culpado, zelando sempre pela correta aplicação da justiça.

Após, será tratado sobre o caráter pré-cautelar da prisão em flagrante,

levando-se em conta o seu breve período de duração e a necessidade da

manutenção da prisão preventiva, que só pode ser decretada quando presentes os

seus requisitos autorizadores e desde que devidamente fundamentada, porquanto

no ordenamento jurídico brasileiro não é admitida a prisão preventiva obrigatória.

Além disso, será feita uma breve análise do parágrafo único do artigo 310 do Código

de Processo Penal, ressaltando a possibilidade da concessão da liberdade

provisória aos presos em flagrante delito, quando cumprido o disposto no referido

dispositivo legal, exigindo-se como única obrigação o comparecimento do acusado a

todos os atos do processo.

Por fim, passa-se a abordar a inconstitucionalidade da vedação em abstrato

da liberdade provisória imposta por algumas leis infraconstitucionais, demonstrando-

se através de algumas decisões exaradas pelo Supremo Tribunal Federal, a

necessidade da análise do caso concreto para a aplicação da custódia cautelar e as

hipóteses legais que permitem a restrição do direito à liberdade provisória do

acusado que ainda não foi considerado culpado.

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54

3.1 O direito constitucional à liberdade provisória

O direito constitucional à liberdade provisória é uma das garantias

fundamentais da pessoa humana e encontra-se previsto no artigo 5°, inciso LXVI, da

Constituição Federal, que dispõe “ninguém será levado à prisão ou nela mantido,

quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”. O referido

dispositivo legal tem como finalidade assegurar o status libertatis (estado de

liberdade) do indivíduo, configurando-se como direito fundamental do réu à obtenção

de sua liberdade.

Na interpretação do princípio constitucional da liberdade provisória, não se

pode deixar de considerar a regra prevista no parágrafo 1° do artigo 5°, de que “as

normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”,

posto que os preceitos constitucionais consagradores de direitos, liberdades e

garantias são concretizados independentemente de qualquer lei intermediadora ou

contrária ao texto legal. Esse direito fundamental deve ser analisado no seu caso

concreto, conjuntamente com outros preceitos consagrados pela Lei Maior, como o

princípio do devido processo legal e o princípio da presunção de inocência90.

O princípio da presunção de inocência, conforme já mencionado no capítulo

anterior, tem como objetivo garantir a liberdade pessoal do imputado até que uma

sentença condenatória irrecorrível o declare culpado, podendo o legislador ordinário

restringir essa garantia fundamental da pessoa humana apenas quando verificada e

devidamente justificada a necessidade da aplicação da referida medida.

A regra no processo penal é que o indiciado de um crime responda-o em

liberdade até a sentença penal condenatória, sendo a prisão provisória uma

exceção, que será adotada apenas quando comprovada a sua necessidade. Nesse

sentido, Alberto Silva Franco afirma que a privação não necessária da liberdade

individual significa uma pena precipitada, e, conseqüentemente, uma afronta à

dignidade da pessoa atingida, bem como à de todos aqueles que sofram o risco de

serem também alcançados imotivadamente pelo arbítrio91.

90 FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos. 6. ed. São Paulo: RT, 2007, p. 454. 91 FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos. 6. ed. São Paulo: RT, 2007, p. 450-451.

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A expressão “liberdade provisória” diz respeito ao estado de liberdade do

indivíduo que é preso em flagrante e encontra-se respondendo um processo

criminal, mas ainda não foi condenado por uma sentença penal transitada em

julgado, ou seja, ainda está protegido pelo princípio constitucional da presunção de

inocência. O que se percebe é que o termo jurídico não foi utilizado corretamente,

pois o que deve ser considerada provisória é a prisão, jamais a liberdade individual.

O texto constitucional, ao se referir “quando a lei admitir a liberdade

provisória”, não teve a intenção de autorizar o legislador ordinário a proibir, de forma

absoluta, a concessão da liberdade provisória. Ao contrário disso, a mencionada

cláusula tem como finalidade garantir esse direito fundamental, aplicando-se a

custódia cautelar apenas nas situações em que houver extrema necessidade e

forem preenchidos os requisitos autorizadores da prisão preventiva, sempre

analisando o caso concreto.

Alberto Silva Franco esclarece que o entendimento de que a Constituição

Federal utilizou a expressão no sentido de permitir – via lei infraconstitucional – a

proibição em abstrato da liberdade provisória, constitui uma contradição ao direito

fundamental consagrado pelo legislador constituinte, uma vez que a lei

infraconstitucional assumiria uma posição diametralmente oposta à garantia

constitucional da liberdade provisória92.

O legislador ordinário não tem poder de disposição para redigir a lei como

bem lhe convir, proibindo de forma absoluta a concessão da liberdade provisória; ele

deve sempre interpretar as normas legais de acordo com o que a Constituição

Federal determina, isto é, utilizando-se do seu poder vinculado direta e

imediatamente em favor da concretização dos direitos e garantias fundamentais,

visando à proteção de valores relativos à vida, à liberdade, à segurança e à

propriedade (art. 5°, caput, da CF). Assim, quando a lei infraconstitucional proibir

abstratamente o direito a liberdade provisória, fora dos casos expressamente

previstos pela Lei Maior ou quando a restrição for manifestadamente excessiva,

estará diminuindo-se a extensão do conteúdo dos preceitos constitucionais93.

A respeito disso, Odone Sanguiné considera que

92 FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos. 6. ed. São Paulo: RT, 2007, p. 455. 93 FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos. 6. ed. São Paulo: RT, 2007, p. 455-456.

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[...] o conteúdo da norma do inciso LXVI do art. 5° da Constituição Federal ‘concretizar-se-á com o sentido de que a liberdade provisória, por ser um direito fundamental constitucional, sempre será garantida pela lei, para todo e qualquer crime, em caráter geral, mas será admitida ou não pelo juiz ou Tribunal, conforme o caso concreto, segundo as pautas indicadas na lei, tal como hoje regulada pelo Código de Processo Penal’ [...]94.

Com efeito, pode-se observar que é dever do magistrado analisar

cautelosamente o crime em questão para depois aplicar a melhor medida cabível ao

caso, verificando se estão presentes os pressupostos de aplicabilidade que

autorizem a adoção de medidas restritivas da liberdade individual antes do

reconhecimento da culpabilidade, tendo em vista que na ausência desses requisitos,

deve sempre ser preservado o direito a liberdade provisória sob pena de violação ao

princípio da dignidade da pessoa humana.

Os meios de coerção pessoal, restritivos da liberdade individual, estão

intimamente relacionados com o princípio da necessidade, não podendo perder o

seu caráter cautelar, uma vez que só se pode manter uma pessoa presa quando o

juiz averiguar que se encontram presentes os requisitos autorizadores da prisão

preventiva, bem como estiver suficientemente justificada a necessidade da privação

da liberdade do acusado.

Sobre o assunto leciona Alberto Silva Franco:

Ninguém desconhece a existência de crimes de maior impacto na opinião pública, mas isto não autoriza o legislador a considerar abstratamente inadmissível a liberdade provisória e dispensar a verificação que o juiz deve realizar, caso a caso, para efeito de verificar a justificação ou não da privação da liberdade95.

Portanto, verifica-se que para que seja assegurado o direito constitucional à

liberdade provisória e preservado o Estado Democrático de Direito, não há de se

falar em prisão provisória obrigatória, porquanto o magistrado deve sempre avaliar o

caso concreto e demonstrar a presença dos elementos objetivos e indicativos que

justifiquem a necessidade ou não da restrição da liberdade individual. A gravidade

abstrata do crime não é fundamento suficiente para a decretação da custódia

cautelar, visto que se configura verdadeira aplicação antecipada da sanção penal,

sem prévio e regular processo e julgamento.

94 SANGUINÉ, Odone. Inconstitucionalidade da proibição da liberdade provisória. Porto Alegre, 1990, p. 18. Apud FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos. 6. ed. São Paulo: RT, 2007, p. 456. 95 FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos. 6. ed. São Paulo: RT, 2007, p. 451.

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Eugênio Pacelli de Oliveira assegura que cabe ao Poder Judiciário a

apreciação da necessidade da decretação da prisão preventiva aos acusado presos

em flagrante delito, não podendo o legislador ordinário dispensar a fundamentação

judicial através da emissão de um juízo próprio e abstrato da necessidade da

restrição da liberdade individual, haja vista que a ordem constitucional atribuiu ao

Judiciário a tutela das garantias individuais no processo, função de natureza

exclusivamente jurisdicional96.

A Constituição Federal assegura no seu artigo 5°, inciso LXVI, o direito

constitucional a liberdade provisória, com ou sem fiança, competindo exclusiva e

privativamente a ela apontar os delitos para os quais é incabível a concessão do

referido benefício, não deixando que esse juízo de proporcionalidade seja feito

abstratamente pelo legislador ordinário, uma vez que as leis infraconstitucionais

vinculam-se as normas constitucionais consagradoras dos direitos e garantias

fundamentais.

Importa ressaltar que não pode o legislador ordinário dispor, da maneira que

bem entender, do conteúdo de um direito fundamental, pois não se pode vedar em

caráter genérico e absoluto a concessão da liberdade provisória para determinados

delitos, sem que tenham sido analisadas as circunstâncias do caso concreto, a fim

de constituir flagrante afronta ao princípio constitucional da presunção de inocência.

A privação da liberdade individual do réu antes do trânsito em julgado da sentença

penal condenatória, só pode ser justificada por razão de natureza cautelar, através

de um juízo de ponderação acerca da necessidade da custódia e um juízo de

proporcionalidade estrita, levando-se em consideração a modalidade e o grau da

pena prevista no crime97.

Antônio Scarance Fernandes sustenta que em razão do princípio da

presunção de inocência, a regra é a permanência do estado de liberdade do

acusado durante o desenvolvimento do processo, só se admitindo a prisão em

situações excepcionais, quando as circunstâncias indicarem a necessidade da

segregação provisória, não podendo ser embasada na gravidade abstrata do crime.

E ainda, menciona que o indivíduo preso em flagrante delito deve ter sua situação

96 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Regimes Constitucionais da Liberdade Provisória: doutrina, jurisprudência e legislação. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 164-165. 97 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Processo e Hermenêutica na Tutela Penal dos Direitos Fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 175.

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alterada, a fim de ser posto em liberdade, ficando condicionado apenas ao

cumprimento de certos deveres processuais, que quando descumpridos acarreta o

retorno da prisão98.

Destarte, a custódia cautelar de caráter pessoal só pode ser decretada

quando estiverem presentes os pressupostos autorizadores da prisão preventiva,

previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal, e desde que devidamente

fundamentada a decisão, demonstrando-se claramente a presença do fumus

commissi delicti e do periculum libertatis, para que a medida acautelatória não seja

aplicada como antecipação da pena, mas cumpra a função de garantir a efetividade

do processo penal.

Nesse sentido, extraí-se da jurisprudência da Quinta Turma do Superior

Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ART. 16, INCISO IV, DA LEI Nº 10.826/03. PLEITO DE APELAR EM LIBERDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO NA DECISÃO QUE INDEFERIU O PEDIDO DE LIBERDADE PROVISÓRIA FORMULADO EM FAVOR DO PACIENTE. FUNDAMENTOS RENOVADOS NA R. SENTENÇA CONDENATÓRIA. I - A privação cautelar da liberdade individual reveste-se de caráter excepcional (HC 90.753/RJ, Segunda Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJU de 22/11/2007), sendo exceção à regra (HC 90.398/SP, Primeira Turma. Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJU de 17/05/2007). Assim, é inadmissível que a finalidade da custódia cautelar, qualquer que seja a modalidade (prisão em flagrante, prisão temporária, prisão preventiva, prisão decorrente de decisão de pronúncia ou prisão em razão de sentença penal condenatória recorrível) seja deturpada a ponto de configurar uma antecipação do cumprimento de pena (HC 90.464/RS, Primeira Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJU de 04/05/2007). O princípio constitucional da não-culpabilidade se por um lado não resta malferido diante da previsão no nosso ordenamento jurídico das prisões cautelares (Súmula nº 09/STJ), por outro não permite que o Estado trate como culpado aquele que não sofreu condenação penal transitada em julgado (HC 89501/GO, Segunda Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJU de 16/03/2007). Desse modo, a constrição cautelar desse direito fundamental (art. 5º, inciso XV, da Carta Magna) deve ter base empírica e concreta (HC 91.729/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJU de 11/10/2007). II - Assim, nesta linha de entendimento, o indeferimento do pedido de liberdade provisória feito em favor de quem foi detido

98 FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. 5. ed. São Paulo: RT, 2007, p. 354-355.

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em flagrante deve ser, em regra, concretamente fundamentado. No caso, a decisão que indeferiu o pedido de liberdade provisória não trouxe fundamentos concretos aptos a justificar a necessidade da custódia cautelar. A gravidade do delito, por si só, não constitui motivo apto para o encarceramento provisório (Precedentes). III - Ademais, sobrevindo decisão condenatória, sem o acréscimo de novos fundamentos, o direito do recorrente de apelar em liberdade não lhe pode ser negado, pois não restaram evidenciadas quaisquer das hipóteses previstas no art. 312 do CPP. Recurso provido99. (grifou-se)

E ainda:

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE FURTO. LIBERDADE PROVISÓRIA. NEGATIVA. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO. TESE DE EXCESSO DE PRAZO E PLEITO DE EXTENSÃO DE BENEFÍCIO CONCEDIDO À CO-RÉ PREJUDICADOS. 1. A gravidade em abstrato do delito, dissociada de qualquer outro elemento concreto e individualizado, não têm, por si só, o condão de justificar a custódia cautelar. É imprescindível, portanto, que a prisão provisória seja decretada com motivação válida e aliada a um dos requisitos legalmente previstos no art. 312 do Código de Processo Penal. Precedentes. 2. O exame da tese defensiva de excesso de prazo e do pedido de extensão de benefício concedido à co-ré, em razão do reconhecimento da ilegalidade da decisão judicial ora atacada, fica prejudicado. 3. Ordem concedida para assegurar o benefício da liberdade provisória ao Paciente, se por outro motivo não estiver preso, sem prejuízo de eventual decretação de prisão preventiva devidamente fundamentada100. (grifou-se)

O mesmo argumento é aplicado no julgamento do Habeas Corpus n.

107589, da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, de relatoria do Ministro Og

Fernandes, cuja ementa transcreve-se a seguir:

HABEAS CORPUS. PRISÃO EM FLAGRANTE. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. REVOGAÇÃO DA CUSTÓDIA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DO DECRETO PRISIONAL. GRAVIDADE GENÉRICA. REQUISITOS NÃO DEMONSTRADOS CONCRETAMENTE. 1. A prisão anterior à condenação transitada em julgado somente pode ser imposta por decisão concretamente

99 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Ordinário em Habeas Corpus n. 23987/SP, Quinta Turma, Relator: Ministro Felix Fischer, Data da decisão: 21/08/2008, DJ 22/09/2008. Disponível em: <http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 08 de outubro de 2008. 100 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 109435/PE, Quinta Turma, Relatora: Ministra Laurita Vaz, Data da decisão: 02/09/2008, DJ 29/09/2008. Disponível em: <http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 08 de outubro de 2008.

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fundamentada, mediante a demonstração explícita da sua necessidade, observado o art. 312 do CPP. 2. Na espécie, tanto o juízo de primeira instância quanto o Tribunal Estadual fundamentaram suas decisões na gravidade em abstrato do crime de tráfico de entorpecentes e nas conseqüências que ele causa na sociedade, sem apresentar fatos concretos ensejadores da custódia preventiva. 3. “A existência de indícios de autoria e prova da materialidade e gravidade da prática supostamente criminosa, bem como a simples menção à alegada necessidade de resguardar o meio social, não constituem motivação idônea para o indeferimento da liberdade provisória” (HC nº 99029/RS, DJ de 02/06/2008, rel. Ministra Jane Silva). Precedentes. 4. Ordem concedida para revogar o decreto prisional, mediante assinatura de termo de compromisso a todos os atos do processo101. (grifou-se)

Consoante as decisões acima destacadas bem com o que até aqui foi

exposto, considera-se inadmissível a proibição da liberdade provisória imposta por

algumas leis infraconstitucionais, que se baseiam na natureza e periculosidade

abstrata do delito para tornar obrigatória a prisão preventiva, posto que só se pode

restringir o direito fundamental à liberdade provisória quando presentes as hipóteses

previstas no artigo 312 do Código de Processo Penal e quando devidamente

justificada a necessidade e a excepcionalidade da medida a ser aplicada.

3.2 A prisão em flagrante como prisão pré-cautelar

Após abordar a importância do status normativo do direito à liberdade

provisória, passa-se a reforçar o caráter pré-cautelar da prisão em flagrante, tendo

em vista que esse tipo de prisão não autoriza a decretação automática da custódia

preventiva como pressupõem algumas leis infraconstitucionais, que impedem a

concessão da liberdade provisória ao indivíduo detido em flagrante delito.

Dito isso, cumpre ressaltar que a prisão em flagrante é uma medida pré-

cautelar, de natureza pessoal, aplicada em casos excepcionais, de necessidade e

101 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 107589/SP, Sexta Turma, Relator: Ministro Og Fernandes, Data da decisão: 28/08/2008, DJ 15/09/2008. Disponível em: <http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 08 de outubro de 2008.

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urgência, nas hipóteses previstas no artigo 302 do Código de Processo Penal102.

Essa modalidade de prisão é considerada uma medida precária, pois não está

dirigida a garantir o resultado final do processo, podendo ser efetuada por

particulares ou autoridade policial sem ordem judicial, que surpreenda o agente em

situação de flagrância ou de quase-flagrância, desde que respeitadas as

formalidades exigidas pela lei processual para a concretização da providência

restritiva da liberdade individual103.

A prisão em flagrante é caracterizada pela brevidade de sua duração e o

imperioso dever de análise judicial em até 24 horas, onde o juiz deve analisar sua

legalidade e decidir sobre a manutenção ou não da prisão preventiva, isto é, após a

homologação do flagrante o magistrado deverá verificar a necessidade da prisão

cautelar, bem como se estão presentes os seus requisitos autorizadores – fumus

commissi delicti e o periculum libertatis – podendo então ser decretada a prisão

preventiva104.

Portanto, não há de se falar em conversão automática do flagrante em

prisão preventiva, uma vez que esta medida cautelar pessoal só poderá ser adotada

quando a decisão estiver fundamentada na necessidade do encarceramento e

atender os pressupostos previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal, sob

pena de ser considerada manifestamente inconstitucional. A manutenção da prisão

exclusivamente com base no flagrante não é admitida, pois se configura uma prisão

preventiva obrigatória, que não encontra legitimidade no Estado Democrático de

Direito.

Nesse sentido, é o posicionamento de Aury Lopes Júnior:

[...] a prisão em flagrante, como medida pré-cautelar, não pode ter vida e realidade após o prazo legal de sua duração. Deve ser prévia ao processo penal e submetida ao crivo judicial em prazo exíguo, não existindo fundamento legal para defender a sua “conversão automática” em prisão preventiva. Neste momento procedimental, a única medida cautelar de natureza pessoal que pode ser adotada

102 BRASIL. Código de Processo Penal. “Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem: I – está cometendo a infração penal; II – acaba de cometê-la; III – é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração; IV – é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração”. 103 LOPES JR., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Constitucional). 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 225. 104 LOPES JR., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Constitucional). 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 226-227.

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para a manutenção da segregação é a prisão preventiva. Para tanto, é imprescindível uma fundamentação séria e condizente com a gravidade da medida adotada, que aponte racionalmente a probabilidade do fumus commissi delicti e do periculum libertatis. Do contrário, a liberdade é imperativa105.

Além disso, de acordo com o citado autor, a prisão em flagrante não é uma

medida cautelar pessoal, mas sim pré-cautelar, pois não tem como objetivo o

resultado final do processo, destina-se apenas a preparar e instrumentalizar uma

futura prisão cautelar, colocando o preso em flagrante à disposição da autoridade

judiciária competente, para que esta depois de verificar o caso concreto, aplique a

melhor medida cabível. Trata-se de uma medida independente, de caráter

instrumental e autônomo, devido ao fato de que apesar de ser o instrumento da

prisão preventiva, não gera obrigatoriamente a referida medida cautelar106.

Com efeito, através da promulgação da Lei n. 6.416/1977, que inseriu o

parágrafo único do artigo 310 do Código de Processo Penal, o instituto da prisão

provisória sofreu relevante modificação, uma vez que o referido diploma legal

estabeleceu que o detido em flagrante só permanecerá preso quando através do

auto de prisão em flagrante, verificar-se a ocorrência de razões que justifiquem a

decretação da prisão preventiva. É dizer, o juiz deve conceder a liberdade provisória,

mediante termo de comparecimento a todos os atos do processo, ao imputado preso

em flagrante, desde que analisado o caso concreto, constate a ausência dos

requisitos autorizadores da prisão cautelar, nos termos do artigo 312 do Código de

Processo Penal.

O parágrafo único do artigo 310 do Código de Processo Penal é altamente

condizente com a garantia fundamental prevista no inciso LXVI do artigo 5°, da

Constituição Federal, pois foi através da sua previsão legal que surgiu uma nova

modalidade de liberdade provisória, sem ônus econômico (fiança), possibilitando a

restituição da liberdade do acusado preso em flagrante, quando não houver

necessidade da privação da liberdade, ou seja, quando não estiverem presentes os

motivos ensejadores da prisão preventiva.

É o que estabelece o artigo 310 do Código de Processo Penal:

105 LOPES JR., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Constitucional). 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 229. 106 LOPES JR., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Constitucional). 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 225-226.

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Art. 310. Quando o juiz verificar pelo auto de prisão em flagrante que o agente praticou o fato, nas condições do art. 19, I, II e III, [atual art. 23, I, II e III], do Código Penal, poderá, depois de ouvir o Ministério Público, conceder ao réu liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos do processo, sob pena de revogação.

Parágrafo único. Igual procedimento será adotado quando o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, a inocorrência de qualquer das hipóteses que autorizam a prisão preventiva (arts. 311 e 312).

O mencionado dispositivo legal possibilitou a concessão da liberdade

provisória sem fiança para qualquer tipo de crime, independentemente de sua

gravidade, desde que após analisadas as circunstâncias do delito não houvesse

razões para a decretação da prisão preventiva. Sendo assim, a liberdade provisória

passou a ser a regra no processo penal, não importando se a infração praticada era

ou não afiançável, devendo ser concedido tal benefício quando cumprido o disposto

no parágrafo único do artigo 310, exigindo-se apenas o comparecimento do acusado

a todos os atos do processo, sob pena de revogação.

Sobre o assunto, esclarece Eugênio Pacelli de Oliveira:

[...] a partir de 1977, com a inclusão do parágrafo único ao art. 310 do CPP, a liberdade provisória com fiança perdeu grande parte de seu interesse, já que, desde que inexistentes razões da preventiva, obtinha-se a liberdade provisória com a única obrigação de comparecimento a todos os atos do processo, sob pena de revogação, nos termos do citado parágrafo único do art. 310. E mais: a partir de 1977, obtinha-se a liberdade provisória para todas as infrações, independentemente da sua gravidade107.

A vedação da fiança para determinados tipos de delitos, jamais implicou a

impossibilidade da aplicação do parágrafo único do artigo 310 do Código de

Processo Penal, exceto aos crimes contra a economia popular (lei n. 1.521/51 e Lei

n. 8.137/90) e aos crimes de sonegação fiscal (Lei n. 8.137/90), conforme

expressamente estabelece o artigo 325, parágrafo 2°, inciso I, do Código de

Processo Penal, em que a liberdade provisória apenas poderá ser concedida

mediante fiança, por decisão do juiz competente e após a lavratura do auto de prisão

em flagrante. As leis infraconstitucionais que proíbem a concessão da liberdade

provisória (Lei do Crime Organizado, Lei de Lavagem de Dinheiro, Estatuto do

107 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 9. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 449.

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Desarmamento e a Lei de Tráfico de Drogas), erroneamente também acabam por

proibir aplicação do artigo 310 do Código de Processo Penal às prisões efetuadas

em flagrante delito.

Na concepção de Fernando da Costa Tourinho Filho:

Se toda e qualquer prisão provisória descansa, inquestionavelmente, na necessidade, a proibição da liberdade, nesses casos, mesmo ausentes os motivos para a decretação da prisão preventiva, é um verdadeiro não-senso e violenta o princípio constitucional da presunção de inocência108.

Destarte, o parágrafo único do artigo 310 do Código de Processo Penal

somente não poderá ser aplicado quando sendo o agente preso em flagrante ocorrer

qualquer uma das hipóteses que autorizam a decretação da prisão preventiva –

garantia da ordem pública, garantia da ordem econômica, conveniência da instrução

criminal ou asseguramento da aplicação da lei penal – situação em que nem mesmo

mediante fiança será concedida a liberdade provisória, consoante a regra do inciso

IV do artigo 324 do Código de Processo Penal.

A concessão da liberdade provisória, com ou sem fiança, constitui um direito

subjetivo processual do acusado, uma vez que ausentes as hipóteses autorizadoras

da prisão preventiva, não pode o juiz, reconhecendo que não há elementos

suficientes para justificar a segregação cautelar, deixar de conceder o benefício ao

indivíduo preso em flagrante delito. De acordo com Eugênio Pacelli de Oliveira, o

que se revela como direito subjetivo do aprisionado é a restituição da liberdade,

diante da exigência constitucional de tratamento do inculpado – sobre quem não

recai ainda sequer a imputação formalizada em denúncia ou queixa -, a vedar juízos

antecipatórios de condenação109.

Discordando desse posicionamento, alguns doutrinadores110 afirmam a

existência de um poder discricionário atribuído ao magistrado, a quem caberia a

faculdade de autorizar ou não a liberdade provisória, porquanto o caput do artigo

310 do Código de Processo Penal utiliza a expressão que diante de determinadas

108 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, v. 3, p. 549. 109 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Regimes Constitucionais da Liberdade Provisória: doutrina, jurisprudência e legislação. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 112-113. 110 Damásio E. de Jesus, Edgard Magalhães Noronha, Fernando Capez, Hélio Bastos Tornaghi e Paulo Lúcio Nogueira.

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circunstâncias (causas excludentes de ilicitude) o juiz “poderá” conceder ao réu a

liberdade provisória.

Assim, considerando o caráter pré-cautelar da prisão em flagrante e sua

própria excepcionalidade, a restituição da liberdade provisória quando não estiverem

presentes as razões para a custódia cautelar, é direito subjetivo do imputado, visto

que se tratando de normas constitucionais assecuratórias de direitos e garantias

fundamentais configura-se como dever imposto ao magistrado e direito

constitucional do réu, a concessão da liberdade provisória, com ou sem fiança,

mediante termo de comparecimento a todos os atos do processo.

3.3 A inconstitucionalidade da vedação em abstrato da liberdade provisória: a

submissão à principiologia constitucional

O legislador constituinte ao estabelecer expressamente no artigo 5°, inciso

LXVI, da Carta Magna, que “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando

a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”, nada mais fez do reforçar a

tutela ao princípio da presunção de inocência e ao direito fundamental à liberdade

individual. No Estado Democrático de Direito, a liberdade é a regra e a prisão é a

exceção, a qual só poderá ser aplicada em casos de excepcionalidade e

necessidade, quando estiverem presentes os pressupostos autorizadores da prisão

preventiva e/ou após sentença penal condenatória transitada em julgada, a fim de

que seja garantido o normal desenvolvimento do processo e, como conseqüência, a

eficaz aplicação do direito de punir do Estado.

A idéia de cautelaridade, conforme já colocado no capítulo anterior, destina-

se a garantir a instrumentalidade do processo, através da aplicação de medidas que

possam antecipar, excepcionalmente, certos resultados da atividade processual. As

medidas cautelares possuem como requisito autorizador o fumus commissi delicti,

ou seja, a prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria e como

fundamento o periculum libertatis, ou seja, o perigo que decorre do estado de

liberdade do imputado.

Com efeito, a concessão da liberdade provisória, com ou sem fiança,

somente tem cabimento em razão da prisão em flagrante, pois é através dessa

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situação de flagrante que o magistrado encontra elementos probatórios que

justificam a necessidade de aplicação de outras medidas cautelares. Sendo que

após a prisão em flagrante, cumpridas as suas exigências legais, a regra é a

restituição da liberdade do imputado, uma vez que nessa fase processual, ele

encontra-se acobertado pelo princípio constitucional da presunção de inocência e

não pode ser considerado culpado111.

Por conseguinte, a prisão cautelar só poderá ser aplicada nos casos em que

a autoria e a materialidade estiverem suficiente comprovadas, bem como quando

forem preenchidos os requisitos legais autorizadores previstos no artigo 312 do

Código de Processo Penal. Por isso, a vedação em abstrato da liberdade provisória

aos presos em flagrante delito constitui manifesta afronta aos princípios

constitucionais da presunção de inocência e do devido processo legal, porquanto o

legislador ordinário não tem legitimidade constitucional para proibir, de forma

absoluta, a concessão do referido benefício, levando-se em conta apenas a

gravidade do crime praticado e a periculosidade do agente.

Ressalta Eugênio Pacelli de Oliveira:

A vedação da concessão de liberdade provisória, feita abstratamente, ou seja, por força de lei, sem qualquer consideração aos elementos concretos levados aos autos, implica a transferência da tutela dos direitos e garantias individuais (ou, das liberdades públicas) exclusivamente para o órgão da acusação e, por vezes, até para a própria autoridade policial. Não bastasse, implica permitir que o exame de periculosidade do agente ou o risco de fuga exista unicamente a partir da abstração do legislador, dependente apenas da ratificação por parte dos órgãos estatais (e até do particular, em algumas hipóteses) encarregados da investigação e da acusação em juízo112.

Nessa mesma linha de raciocínio, considera-se correta a decisão proferida

pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade n.

3.112, publicada em 26 de outubro de 2007, a qual julgou procedente e reconheceu

a inconstitucionalidade dos parágrafos únicos dos artigos 14 e 15 - que vedavam a

concessão de fiança para os delitos de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido

e disparo de arma de fogo - e do artigo 21, que vedava a concessão da liberdade

111 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 9. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 435. 112 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 9. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 453.

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provisória aos crimes capitulados nos artigos 16, 17 e 18 (posse ou porte ilegal de

arma de fogo de uso restrito, comércio ilegal de arma de fogo e tráfico internacional

de arma de fogo), todos previstos pela Lei n. 10.826/2003 (Estatuto do

Desarmamento)113.

Em seu voto, o Ministro Relator Ricardo Lewandowski sustentou que a

Constituição Federal não autoriza a prisão ex lege, automática e sem motivação,

pois muito embora a restrição à liberdade provisória tenha sido estabelecida para

crimes de alta gravidade e com elevado potencial de risco para a sociedade, a

decretação da prisão obrigatória acarreta violação aos princípios constitucionais da

presunção de inocência (art. 5°, LVII, da CF), do devido processo legal (art. 5°, LIV,

da CF) e da obrigatoriedade de fundamentação dos mandados de prisão pela

autoridade judiciária competente (art. 5°, LXI, da CF).

Ademais, o reconhecimento da inconstitucionalidade dos referidos

dispositivos encontra-se amparado na necessidade de preservação e garantia dos

direitos fundamentais, haja vista que o artigo 21 da Lei n. 10.826/2003 ao

estabelecer que os delitos capitulados nos artigos 16, 17 e 18 são insuscetíveis de

liberdade provisória, feriu os princípios da ampla defesa e do contraditório,

porquanto a possibilidade de o acusado aguardar solto o desfecho do processo

criminal é garantia constitucional, nos termos do artigo 5º, inciso LXVI combinado

com o inciso LIV.

No que tange à inafiançabilidade determinada pelos parágrafos únicos dos

artigos 14 e 15 do Estatuto do Desarmamento, o Relator apoiou-se no argumento de

que por tratar-se de crimes de mera conduta que embora reduzam o nível de

segurança coletiva, tais delitos não se equiparam aqueles que acarretam lesão ou

ameaça de lesão à vida ou a propriedade, razão pela qual diante da ofensa ao

princípio da razoabilidade (art. 5º, LIV, da CF) não se pode proibir o estabelecimento

113 A Ação Direta de Inconstitucionalidade é uma ação de controle abstrato de constitucionalidade, que serve como peculiar instrumento de correção do sistema geral incidente, produzindo efeitos contra todos (erga omnes), ou seja, a eventual eliminação dos atos praticados com fundamento na lei inconstitucional deve ser considerada em face de todo o sistema jurídico, e vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública federal, estadual e municipal. Portanto, em que pese ser uma ação que questionava apenas uma lei – Estatuto do Desarmamento – o raciocínio utilizado vale para todas as outras. (MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 1215-1218).

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da fiança nos crimes de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido e disparo de

arma de fogo.

Ao final, a decisão ficou assim ementada:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 10.826/2003. ESTATUTO DO DESARMAMENTO. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL AFASTADA. INVASÃO DA COMPETÊNCIA RESIDUAL DOS ESTADOS. INOCORRÊNCIA. DIREITO DE PROPRIEDADE. INTROMISSÃO DO ESTADO NA ESFERA PRIVADA DESCARACTERIZADA. PREDOMINÂNCIA DO INTERESSE PÚBLICO RECONHECIDA. OBRIGAÇÃO DE RENOVAÇÃO PERIÓDICA DO REGISTRO DAS ARMAS DE FOGO. DIREITO DE PROPRIEDADE, ATO JURÍDICO PERFEITO E DIREITO ADQUIRIDO ALEGADAMENTE VIOLADOS. ASSERTIVA IMPROCEDENTE. LESÃO AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. AFRONTA TAMBÉM AO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. ARGUMENTOS NÃO ACOLHIDOS. FIXAÇÃO DE IDADE MÍNIMA PARA A AQUISIÇÃO DE ARMA DE FOGO. POSSIBILIDADE. REALIZAÇÃO DE REFERENDO. INCOMPETÊNCIA DO CONGRESSO NACIONAL. PREJUDICIALIDADE. AÇÃO JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE QUANTO À PROIBIÇÃO DO ESTABELECIMENTO DE FIANÇA E LIBERDADE PROVISÓRIA. I - Dispositivos impugnados que constituem mera reprodução de normas constantes da Lei 9.437/1997, de iniciativa do Executivo, revogada pela Lei 10.826/2003, ou são consentâneos com o que nela se dispunha, ou, ainda, consubstanciam preceitos que guardam afinidade lógica, em uma relação de pertinência, com a Lei 9.437/1997 ou com o PL 1.073/1999, ambos encaminhados ao Congresso Nacional pela Presidência da República, razão pela qual não se caracteriza a alegada inconstitucionalidade formal. II - Invasão de competência residual dos Estados para legislar sobre segurança pública inocorrente, pois cabe à União legislar sobre matérias de predominante interesse geral. III - O direito do proprietário à percepção de justa e adequada indenização, reconhecida no diploma legal impugnado, afasta a alegada violação ao art. 5º, XXII, da Constituição Federal, bem como ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido. IV - A proibição de estabelecimento de fiança para os delitos de "porte ilegal de arma de fogo de uso permitido" e de "disparo de arma de fogo", mostra-se desarrazoada, porquanto são crimes de mera conduta, que não se equiparam aos crimes que acarretam lesão ou ameaça de lesão à vida ou à propriedade. V - Insusceptibilidade de liberdade provisória quanto aos delitos elencados nos arts. 16, 17 e 18. Inconstitucionalidade reconhecida, visto que o texto magno não autoriza a prisão ex lege, em face dos princípios da presunção de inocência e da obrigatoriedade de fundamentação dos mandados de prisão pela autoridade judiciária competente. VI - Identificação das armas e munições, de modo a permitir o rastreamento dos respectivos fabricantes e adquirentes, medida que não se mostra irrazoável. VII - A idade mínima para aquisição de arma de fogo pode ser estabelecida por meio de lei ordinária, como se tem admitido em outras hipóteses. VIII - Prejudicado o exame da

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inconstitucionalidade formal e material do art. 35, tendo em conta a realização de referendo. IX - Ação julgada procedente, em parte, para declarar a inconstitucionalidade dos parágrafos únicos dos artigos 14 e 15 e do artigo 21 da Lei 10.826, de 22 de dezembro de 2003114. (grifou-se)

A fundamentação legal para a manutenção da medida cautelar deve estar

baseada em um juízo de necessidade, que não pode ser presumido por lei, posto

que o texto constitucional é claro ao prever no seu artigo 5º, inciso LXVI, a

possibilidade de concessão de liberdade provisória quando após o exame do caso

concreto, não houver provas que demonstrem a presença dos elementos

ensejadores da prisão preventiva (art. 312 do CPP), além de o agente ser primário,

possuir bom comportamento social e antecedentes favoráveis.

A vedação em abstrato da liberdade provisória prevista por algumas leis

especiais considera-se inconstitucional, pois além de atentar contra o princípio da

presunção de inocência (art. 5º, inciso LVII, da CF), emite um forte e pesado juízo de

culpabilidade e periculosidade sobre o indivíduo que praticou o delito, ocasionando

uma antecipação do resultado final do processo. Não se pode privar a liberdade de

uma pessoa baseando-se em uma presunção de culpabilidade, com meras

suposições e eventualidade de que delitos futuros possam ocorrer, a prisão cautelar

é uma medida excepcional que deve ser aplicada apenas nos casos de extrema

necessidade.

Não obstante, ao contrário do que foi decidido na Ação Direta de

Inconstitucionalidade n. 3.112, ou seja, contrariando seu próprio precedente firmado

em maio de 2007 por ampla maioria (dez Ministros favoráveis), o Supremo Tribunal

Federal adotou novo posicionamento em relação à vedação abstrata da liberdade

provisória para determinados tipos de delitos, contradizendo o que já havia sido

reconhecido e defendendo a tese referente à inafiançabilidade prevista pela

Constituição Federal aos crimes de racismo, de tortura, de tráfico ilícito de drogas,

de terrorismo e dos considerados hediondos, (artigo 5º, incisos XLII e XLIII), não

podendo, por via de conseqüência, conceder a seus agentes a liberdade provisória.

Argumenta ainda, o Tribunal, que não cabe a concessão de liberdade

provisória aos indivíduos presos em flagrante por prática de crime hediondo, haja

114 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.112-1/DF, Tribunal Pleno, Relator: Ricardo Lewandowski, Data da decisão: 02/05/2007, DJ 26/10/2007, p. 00028, v. 02295-03, p. 00386. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 08 de outubro de 2008.

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vista que apesar de ter sido retirada a expressão “liberdade provisória” do inciso II,

artigo 2°, da Lei n. 8.072/90, continua-se vedando a fiança, motivo pelo qual a lei, na

sua essência, continua proibindo a liberdade provisória.

Nesse vértice, colhe-se dos julgados do egrégio Supremo Tribunal Federal:

HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO. CRIME HEDIONDO. LIBERDADE PROVISÓRIA. INADMISSIBILIDADE. VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL. DELITOS INAFIANÇÁVEIS. ART. 5º, XLIII E LXVI, DA CF. SENTENÇA DE PRONÚNCIA ADEQUADAMENTE FUNDAMENTADA. EVENTUAL NULIDADE DA PRISÃO EM FLAGRANTE SUPERADA. PRECEDENTES DO STF. I - A vedação à liberdade provisória para crimes hediondos e assemelhados que provém da própria Constituição, a qual prevê a sua inafiançabilidade (art. 5º, XLIII e XLIV). II - Inconstitucional seria a legislação ordinária que viesse a conceder liberdade provisória a delitos com relação aos quais a Carta Magna veda a concessão de fiança. III - Decisão monocrática que não apenas menciona a fuga do réu após a prática do homicídio, como também denega a liberdade provisória por tratar-se de crime hediondo. IV - Pronúncia que constitui novo título para a segregação processual, superando eventual nulidade da prisão em flagrante. V - Ordem denegada115. (grifou-se)

HABEAS CORPUS. PRISÃO EM FLAGRANTE POR TRÁFICO DE DROGAS. SUPERVENIÊNCIA DA SENTENÇA CONDENATÓRIA: QUESTÃO NÃO-PREJUDICADA. LIBERDADE PROVISÓRIA: INADMISSIBILIDADE. ORDEM DENEGADA. 1. A superveniência da sentença condenatória - novo título da prisão - não prejudica, nas circunstâncias do caso, a análise do pedido de liberdade provisória. 2. A proibição de liberdade provisória, nos casos de crimes hediondos e equiparados, decorre da própria inafiançabilidade imposta pela Constituição da República à legislação ordinária (Constituição da República, art. 5º, inc. XLIII): Precedentes. O art. 2º, inc. II, da Lei n. 8.072/90 atendeu o comando constitucional, ao considerar inafiançáveis os crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos. Inconstitucional seria a legislação ordinária que dispusesse diversamente, tendo como afiançáveis delitos que a Constituição da República determina sejam inafiançáveis. Desnecessidade de se reconhecer a inconstitucionalidade da Lei n. 11.464/07, que, ao retirar a expressão "e liberdade provisória" do art. 2º, inc. II, da Lei n. 8.072/90, limitou-se a uma alteração textual: a proibição da liberdade provisória decorre da vedação da fiança, não da expressão suprimida, a qual, segundo a jurisprudência deste Supremo Tribunal, constituía redundância. Mera alteração textual, sem modificação da norma proibitiva de concessão da liberdade provisória aos crimes hediondos e equiparados, que

115 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 93940/SE, Primeira Turma, Relator: Ministro Ricardo Lewandowski, Data da decisão: 06/05/2008, DJ 06/06/2008, p. 00070, v. 02322. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 08 de outubro de 2008.

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continua vedada aos presos em flagrante por quaisquer daqueles delitos. 3. A Lei n. 11.464/07 não poderia alcançar o delito de tráfico de drogas, cuja disciplina já constava de lei especial (Lei n. 11.343/06, art. 44, caput), aplicável ao caso vertente. 4. Irrelevância da existência, ou não, de fundamentação cautelar para a prisão em flagrante por crimes hediondos ou equiparados: Precedentes. 5. Licitude da decisão proferida com fundamento no art. 5º, inc. XLIII, da Constituição da República, e no art. 44 da Lei n. 11.343/06, que a jurisprudência deste Supremo Tribunal considera suficiente para impedir a concessão de liberdade provisória. Ordem denegada116. (grifou-se)

Tal entendimento encontra-se equivocado, constituindo flagrante afronta a

Constituição Federal, pois a vedação em abstrato da liberdade provisória imposta

por determinadas leis infraconstitucionais, viola os princípios da presunção de

inocência e da motivação das decisões judiciais, na medida em que dispensa

fundamentação para a manutenção da prisão em flagrante. Ademais, a

inafiançabilidade do delito não é motivo suficiente para justificar a necessidade de

manutenção do flagrante, porquanto não proíbe a aplicação do parágrafo único do

artigo 310 do Código de Processo Penal (concessão de liberdade provisória sem

fiança).

José Damião Pinheiro Machado Cogan expõe no seu artigo “Da

inconstitucionalidade em se negar liberdade provisória, com ou sem fiança, ao

infrator do ‘Estatuto do Desarmamento’”, que a Carta Magna colocou como cláusula

pétrea dos direitos fundamentais o direito à liberdade provisória com ou sem fiança,

e excepcionou o racismo, os crimes hediondos, o tráfico de entorpecentes, a tortura,

o terrorismo e a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem

constitucional e o Estado Democrático, considerando-os inafiançáveis. Todas as

demais hipóteses de delitos previstos no Código Penal e na legislação extravagante

são suscetíveis de fiança ou liberdade provisória, preenchidos os requisitos dos

artigos 323, 324 e 350 do Código de Processo Penal. Assevera que, a proibição do

benefício da liberdade provisória com ou sem fiança nos casos plausíveis de

cabimento - obrigando-se a manter preso o indiciado ou réu não condenado -

consiste em odiosa criação legislativa que fere toda garantia constitucional do devido

116 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 93229/SP, Primeira Turma, Relatora: Ministra Cármen Lúcia, Data da decisão: 01/04/2008, DJ 25/04/2008, p. 01302, v. 02316-06. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 08 de outubro de 2008.

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processo legal e configura-se por expressa disposição legal um pré-julgamento

negativo do direito à liberdade117.

Observa-se, portanto, que a proibição da concessão da liberdade provisória

com fiança prevista pela Constituição Federal, no seu artigo 5°, incisos XLII, XLIII e

XLIV, não impede a aplicação do instituto da liberdade provisória sem fiança, desde

que inexistentes as hipóteses autorizadoras da prisão preventiva, nos termos do

parágrafo único do Código de Processo Penal, admitida para qualquer infração

penal, inclusive as inafiançáveis.

Além disso, a alteração textual realizada através da Lei n. 11.464/2007, que

suprimiu a locução “liberdade provisória” da Lei dos Crimes Hediondos, manteve a

proibição da fiança, permitindo, porém, a concessão da liberdade provisória sem

fiança, quando o acusado preencher as condições previstas no parágrafo único do

artigo 310 do Código de Processo Penal, excluindo assim, a presunção absoluta da

necessidade da custódia cautelar para esses tipos de delitos, bem como aos crimes

à eles equiparados.

Sobre o assunto, explica Marcelo Pereira Marques:

[...] a Constituição da República remete à lei dispor em que hipótese caberá liberdade provisória, de maneira que, não tendo a Lei 8.072/90, em sua nova redação, vedado a concessão do citado benefício a réu ou indiciado por crime hediondo ou delito equiparado, resta evidente que cabe ao Juiz do processo verificar, no caso concreto, se o indiciado ou réu reúne ou não os requisitos legais para responder ao procedimento administrativo investigatório ou ao processo em liberdade, fundamentando sua decisão, quer conceda, quer negue, a liberdade provisória118.

O doutrinador Alberto Silva Franco afirma que os reflexos das inovações

trazidas pela Lei n. 11.464/2007 influenciaram não só a Lei de Crimes Hediondos

mas também as outras leis infraconstitucionais que vedam a concessão da liberdade

provisória, admitindo-se a aplicação do referido benefício, quando examinado o caso

em questão, não estiverem presentes os requisitos da cautelaridade119 .

117 COGAN, José Damião Pinheiro Machado. Da inconstitucionalidade em se negar liberdade provisória, com ou sem fiança, ao infrator do “Estatuto do Desarmamento”. Revista dos Tribunais. São Paulo: RT, v.822, abr. 2004, p. 426-427. 118 MARQUES, Marcelo Pereira. Da possibilidade de concessão de liberdade provisória aos crimes hediondos e delitos equiparados, inclusive para fatos pretéritos. Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, n. 26, jul./dez. 2007, p. 205. 119 FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos. 6. ed. São Paulo: RT, 2007, p. 490-491.

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Desta forma, pode-se perceber que a restrição da liberdade provisória deve

sempre levar em consideração a análise do caso concreto com todas as suas

peculiaridades, sendo que a prisão cautelar só poderá ser aplicada em caráter de

excepcionalidade e desde que devidamente preenchidos os seus pressupostos

autorizadores, a fim de que sejam assegurados os direitos e garantias

constitucionais fundamentais para que a medida não seja considerada

inconstitucional.

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CONCLUSÃO

O presente trabalho monográfico procurou demonstrar que as leis

infraconstitucionais que vedam a concessão da liberdade provisória aos indivíduos

que cometem determinados tipos de delitos são inegavelmente inconstitucionais,

porque partem do pressuposto da existência do crime e de sua autoria, tornando

obrigatória a prisão cautelar. Tais leis emitem um juízo de valor abstrato e

antecipado, autorizando o legislador ordinário manter preso provisoriamente o

acusado preso em flagrante delito, apenas pela natureza e gravidade da infração

imputada.

O direito constitucional à liberdade provisória é uma garantia fundamental da

pessoa humana que se encontra assegurada no artigo 5°, inciso LXVI, da

Constituição Federal e deve ser sempre aplicada pelo ordenamento jurídico como

regra geral, para todo e qualquer tipo de crime, uma vez que a pessoa presa em

flagrante é presumidamente inocente até que se prove o contrário, devendo

aguardar o seu julgamento solta, permitindo-se a sua prisão apenas nos casos

previstos expressamente em lei.

Por força do referido dispositivo legal, prevalece o entendimento que no

Estado Democrático de Direito a liberdade é a regra e a prisão é a exceção, sendo

que esta última só pode ser autorizada em casos de real necessidade e urgência,

como medida de última instância, após ter sido analisado o caso concreto pelo juiz

ou tribunal, com todas suas peculiaridades e circunstâncias.

Existem três modalidades de liberdade provisória: a obrigatória, a permitida,

que se subdivide em liberdade provisória com e sem fiança, e a vedada. A mais

importante para esta pesquisa é a última modalidade, que tem como objetivo

restringir a liberdade provisória do individuo quando a lei proibir expressamente a

sua concessão e nos casos em que couber a prisão preventiva, ou seja, quando

forem preenchidos os requisitos legais autorizadores previstos no artigo 312 do

Código de Processo Penal.

As leis que vedam a concessão da liberdade provisória aos presos em

flagrante delito, não levam em consideração se existem ou não pressupostos que

autorizem a decretação da prisão preventiva, tampouco analisam a primariedade e

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os antecedentes do acusado. Simplesmente baseiam-se no fato de que a

Constituição Federal reconheceu a possibilidade de existir legislação

infraconstitucional que proíba tal benefício, justificando a manutenção da custódia

cautelar em razão apenas da periculosidade do agente e da gravidade do delito

praticado.

Contudo, tal entendimento considera-se equivocado, porquanto a prisão

cautelar é uma medida excepcional que visa garantir a efetividade do processo e

restringir a liberdade do suposto autor do delito, podendo ser aplicada apenas

quando comprovada a sua necessidade e quando estiverem presentes os seus

requisitos autorizadores.

Para a decretação da medida cautelar o julgador deverá fazer um exame de

ponderação acerca da adequação da medida, da sua necessidade e da sua

proporcionalidade, a fim de que a restrição da liberdade do indivíduo não seja mais

danosa que à pena abstratamente cominada no tipo penal, ou seja, analisar-se-á o

caso concreto em harmonia com os direitos e garantias fundamentais.

Observa-se através da análise dos julgados e da Ação Direta de

Inconstitucionalidade n. 3112, que não existe no ordenamento jurídico brasileiro

prisão obrigatória, automática e sem motivação, uma vez que antes da decretação

da medida cautelar deve-se analisar concretamente os motivos e as circunstâncias

do crime, fundamentado a decisão de forma clara e precisa a fim de demonstrar os

motivos que levaram a necessidade da segregação da liberdade provisória.

Portanto, para que seja assegurado o direito constitucional à liberdade

provisória e preservado o Estado Democrático de Direito, é dever do magistrado

analisar cautelosamente o crime cometido para depois aplicar a melhor medida

cabível ao caso, verificando a presença dos pressupostos de aplicabilidade que

autorizem a adoção de medidas restritivas da liberdade individual antes do

reconhecimento da culpabilidade, tendo em vista que na ausência desses requisitos,

deve sempre ser preservado o direito a liberdade provisória sob pena de violação

aos princípios constitucionais da presunção de inocência e do devido processo legal.

Desta forma, conclui-se com o presente trabalho, que a vedação em abstrato

da concessão da liberdade provisória feita por algumas leis infraconstitucionais é

considerada uma flagrante violação aos preceitos elencados na Constituição

Federal, uma vez que só é cabível a prisão preventiva em casos de necessidade e

quando estiverem presentes os seus requisitos autorizadores, o fumus commissi

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delicti e o periculum libertatis, nos termos do artigo 312 do Código de Processo

Penal.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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