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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONAL EM SAÚDE SARAH BERNHARDT OZELAME A FORMAÇÃO PROFISSIONAL DO ODONTÓLOGO COMO GENERALISTA: contribuição para a reforma curricular na UNIVALI Itajaí 2015

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONAL EM SAÚDE

SARAH BERNHARDT OZELAME

A FORMAÇÃO PROFISSIONAL DO ODONTÓLOGO COMO GENERALISTA:

contribuição para a reforma curricular na UNIVALI

Itajaí

2015

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SARAH BERNHARDT OZELAME

A FORMAÇÃO PROFISSIONAL DO ODONTÓLOGO COMO GENERALISTA:

contribuição para a reforma curricular na UNIVALI

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado

Profissional em Saúde da Universidade do Vale do

Itajaí, como requisito para obtenção do título de

Mestre.

Orientador: Prof. Dr. Marco Aurélio Da Ros

Itajaí/SC

2015

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AGRADECIMENTOS Aos alunos do curso de Odontologia e informantes-chave participantes deste trabalho, sem vocês o trabalho não seria possível. MUITO OBRIGADA!! Ao curso de Odontologia e sua coordenadora Prof.ª Msc. Lídia Morales Justino, e ao coordenador do Centro de Ciências da Saúde da UNIVALI, Prof. Dr. Mário Uriarte Neto por todo apoio (desde a gradução), espaços cedidos e suporte neste trabalho. Aos professores e funcionários do Programa de Mestrado, em especial as Profª Drª Stella Maris Brum Lopes e Rita de Cássia Gabrielli Souza Lima, que sempre estiveram ao meu lado, me mostrando como seguir e me ajudando a evoluir: verdadeiras professoras e amigas. Agradeço ao destino pelo empurrãozinho que uniu o meu caminho ao do Prof. Dr. Marco Aurélio Da Ros, o Marcão, no final das contas. Além de excepcional orientador, uma pessoa com ideias e ideais inspiradores. A todos os meus colegas do Mestrado, que fizeram as aulas mais leves e os intervalos mais descontraídos. E principalmente a minha melhor colega, minha mãe Joscilene Bernhardt: que me manteve informada dos prazos, afazeres, e que além de uma companheira sem igual durante todo o período do mestrado, é minha professora da vida. Meu espelho e meu porto seguro. Ao meu pai, José Ozelame, e meu irmão, Matheus Bernhardt Ozelame, por estarem ao meu lado em todos os desafios. Obrigada por fazer parte das discussões que ultrapassavam as paredes da aula de aula (alçadas por mim e pela mãe) e terminavam na mesa do almoço. Vocês são mais do que especiais, são essenciais. Ao Luan Prochnow Martins pelo amor, suporte, confiança e também por entender os (vários) convites negados e meus afastamentos para conseguir dar conta de tudo. Você é a melhor parte de mim. Agradeço também a toda a minha família e amigos que sempre estão presentes em tudo o que faço, me apoiando e amando incondicionalmente. Amo todos vocês!!

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Não basta ensinar ao homem uma especialidade.

Porque se tornará assim uma máquina utilizável,

mas não uma personalidade.

É necessário que adquira um sentimento, um senso prático

daquilo que vale à pena ser empreendido,

aquilo que é belo, do que é moralmente correto.

A não ser assim, ele se assemelhará, com seus conhecimentos

profissionais, mais a um cão ensinado do que a uma

criatura harmoniosamente desenvolvida.

Deve aprender a compreender as motivações dos homens, suas

quimeras e suas angústias para determinar com exatidão seu

lugar exato em relação a seu próximo e à comunidade.

Albert Einstein (1953)

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RESUMO

OZELAME, Sarah Bernhardt. A formação profissional do odontólogo como generalista: contribuição para a reforma curricular na UNIVALI. 110f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Mestrado em Saúde, Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí, 2015. As Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação de Odontologia apontam novas orientações para a formação do cirurgião-dentista generalista, humanista, crítico e reflexivo, atuando em todos os níveis de atenção à saúde. Esse perfil de profissional é a categoria central das mudanças sugeridas, porém não há uma definição clara de seu conceito nos documentos do Ministério da Educação. Para atender as determinações muitas faculdades tiveram que rever suas matrizes curriculares e a forma de ensino. O presente trabalho teve como objetivo contribuir para a reforma curricular do curso de Odontologia da UNIVALI na direção da formação deste profissional. A pesquisa foi qualitativa, de caráter descritivo. A primeira etapa foi documental, seguida de uma entrevista com três informantes-chave: um professor de um curso de Odontologia, um coordenador de uma Universidade e um gestor em saúde pública. A segunda etapa da pesquisa consistiu na formação e realização de um grupo focal com alunos do sétimo e oitavo períodos do curso. Há um distanciamento entre o que é (e deveria) ser aprendido do que é efetivamente realizado e ensinado na prática do CD. Além disso, o contato com a realidade do desmonte da rede pública de saúde favorecem a formação de um CD que não é o generalista As mudanças no modelo formativo são complexas e dependem de muitos fatores. Mesmo com um ótimo projeto pedagógico e professores conceituados, algumas falhas/defeitos, sempre ocorrerão.

Palavras-chave: Sistema Único de Saúde, Escolas de Odontologia, Odontologia Geral.

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ABSTRACT OZELAME, Sarah Bernhardt. Professional training of the general dentist: contribution to curricular reform in UNIVALI. 110f. Dissertation (Masters) - Master's Program in Health, University of Vale do Itajaí, Itajaí, 2015. The National Curricular Guidelines for Undergraduate Courses in Dentistry present new guidelines for the training of a general dentist who is humanist, critical and reflective, working at all levels of healthcare. This professional profile is the central category of the suggested changes, but there is no clear definition as to its concept in the Ministry of Education documents. In order to meet the requirements, many colleges have had to revise their syllabuses and form of education. This study aims to contribute to the curricular reform of the Dentistry course of UNIVALI, toward the training of this professional. The research was qualitative and descriptive. The first step involved a document review, followed by an interview with three key informants: a professor of the dentistry course, a coordinator of a university, and a public health manager. The second stage of the research consisted of preparing and conducting a focus group with students in the seventh and eighth periods of the course. There is a gap between what is (and should) be learned,and what is effectively done and taught in the GP practice. In addition, contact with the reality of the dismantling of the public health system leads to the formation of a GP that is not generalist. The changes in the training model are complex, and depend on many factors. Even with a good education and respected teachers, some flaws/faults, will always occur. Key-words: Unified Health System; Dentistry Schools; General Practice.

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LISTA DE SIGLAS ABENO – Associação Brasileira de Ensino Odontológico

CEO – Centro de Especialidades Odontológicas

CD – Cirurgião-Dentista

CNSB – Conferência Nacional de Saúde Bucal

DCN – Diretrizes Curriculares Nacionais

IC – Informante-chave

LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

Pet-Saúde – Programa de Educação pelo Trabalho Saúde da Família

PróSaúde – Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em

Saúde

PSF – Programa Saúde da Família

SUS – Sistema Único de Saúde

UBS – Unidade Básica de Saúde

UNIVALI – Universidade do Vale do Itajaí

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...................................................................................... 10

2 MARCO TEÓRICO ............................................................................... 12 2.1 O ENSINO DA ODONTOLOGIA NA GRADUAÇÃO ............................ 15 2.2 O CIRURGIÃO-DENTISTA GENERALISTA ......................................... 18 2.3 HISTÓRIA DA ODONTOLOGIA NO BRASIL ....................................... 22 2.4 A INSERÇÃO DA SAÚDE BUCAL NO SUS ......................................... 27

2.5 MUDANÇA CURRICULAR DO CURSO DE ODONTOLOGIA DA

UNIVALI ................................................................................................ 29

3 METODOLOGIA ................................................................................... 33

4 O CONCEITO DO CIRURGIÃO DENTISTA GENERALISTA .............. 36

4.1 DESMONTE DA REDE ........................................................................ 36

4.2 O ENFOQUE PREVENTIVISTA ........................................................... 38

4.3 AS POLÍTICAS ODONTOLÓGICAS .................................................... 39

4.4 RESULTADO: O QUE É UM CD GENERALISTA ................................ 41

5 RESULTADOS E DISCUSSÃO DOS GRUPOS FOCAIS ................... 47

Parte I ................................................................................................... 47

5.1 INSUFICIÊNCIAS DO MODELO FORMATIVO .................................... 49

5.1.1 Carga Horária ...................................................................................... 49

5.1.2 Falta de Prática/ Insegurança para fazer Clínica .................................. 51

5.1.3 Falta de Psicologia ................................................................................ 53

5.2 DEFEITOS DO MODELO FORMATIVO ............................................... 55

5.2.1 Saúde Coletiva ..................................................................................... 57

5.2.2 A não compreensão do porque fazer/ Necessidade de nota ................ 58

5.2.3 Contradições entre os Professores ....................................................... 59

5.2.4 Um Currículo Formal que não se cumpre/ Currículo Oculto ................. 60

5.3 A TECNOLOGIA DE APRENDIZAGEM NÃO É A MESMA DO SERVIÇO ..............................................................................................

62

5.4 PROFESSOR CD GENERALISTA ....................................................... 63

Parte II .................................................................................................. 68

5.5 DISCUSSÃO DOS CASOS CLÍNICOS ................................................ 68

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................. 76

7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................... 79

8 APÊNDICE A ........................................................................................ 86

9 APÊNCIDE B ........................................................................................ 89

10 APÊNDICE C ........................................................................................ 90

11 ANEXO A .............................................................................................. 92

12 ANEXO B .............................................................................................. 93

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1 INTRODUÇÃO

Cresci em uma família profundamente ligada a política e as questões da

saúde pública. Convivi com pessoas de caráter exemplar que me lapidaram para eu

ser exatamente como sou hoje: questionadora, curiosa, inquieta e determinada.

Me graduei em Odontologia em julho de 2011 pela Universidade do Vale do

Itajaí (UNIVALI). Em 2008, no 4º período da faculdade, participei do Projeto Distrito

Docente Assistencial, primeira tentativa do curso em parceria com o Pró – Saúde

(Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde) para

levar os alunos ao contato direto com o Sistema Único de Saúde (SUS). Por seis

meses, uma vez na semana, íamos à unidade de saúde localizada dentro da

universidade e observávamos o funcionamento. Esse projeto não seguiu adiante.

Nos últimos anos da faculdade presenciei a mudança curricular realizada pela

coordenação do curso, a fim de formar cirurgiões dentistas generalistas (no marco

teórico definiremos mais apropriadamente esse tópico). Durante os três últimos

períodos do meu curso, participamos de disciplinas “recicladas”, onde saíamos das

clínicas dentro da universidade e íamos às unidades de saúde. Lembro-me da

reclamação por parte dos colegas: “vamos deixar de praticar pra ir pro ‘postinho’ de

saúde, fazer o quê?”.

Nesse mesmo período a faculdade de Odontologia foi contemplada em um

grande projeto do Ministério da Saúde em parceria com o Ministério da Educação: o

Pet-Saúde (Programa Educação pelo Trabalho Saúde da Família). Fui bolsista por

um ano nesse programa. Sem dúvida, esta foi minha melhor experiência na saúde

pública durante a faculdade, pois me possibilitou o aprendizado na prática e a visão

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com os funcionários (enfermeiros, agentes de saúde, zeladores, entre outros), ouvi

relatos e historias dos usuários na unidade e também fora dela, conheci o bairro e as

pessoas que utilizam e necessitam dos serviços realizados na UBS.

Assim que terminei a faculdade, fui à procura de uma especialização, pois

sem ela não poderia (será que não?) realizar um trabalho de excelência na clínica

privada, área onde eu atuaria. Nesse meio tempo, em 2012, trabalhei como

Odontóloga da Equipe de Saúde da Família em um pequeno município do interior de

Santa Catarina. Pude vivenciar e aprender na prática tudo o que por anos escutei de

meus professores da faculdade. Tanto nos bons, quanto nos maus aspectos. Não

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pude realizar um trabalho longitudinal, nem mudar alguns pressupostos arraigados

na comunidade, como por exemplo, a busca pelo dentista somente em casos de dor,

mas nos dez meses que trabalhei pude fazer uma boa clínica de atenção básica. A

estrutura da cidade e os materiais disponibilizados proporcionaram um trabalho e

uma odontologia de qualidade.

Porém, pude notar que a dificuldade que os municípios pequenos tem em

conseguir o atendimento especializado acaba por refletir uma realidade constante

também em grandes cidades e centros. Os procedimentos além daqueles realizados

na atenção básica esbarram em filas de espera de meses e outras burocracias. Já

me perguntava na época se um dentista generalista faria “só” aquilo no SUS...

Encontrava-me no meio de uma especialização em Endodontia,

extremamente específica e dependente de insumos tecnológicos (microscópio,

rotatório, radiografias e tomografias) e o trabalho em unidade de saúde em um bairro

carente de uma cidade pequena. Aquela endodontia não era a realidade da maioria

da população, muito menos daquelas pessoas que eu atendia no serviço público.

Entre as dúvidas e incertezas, ao passar os finais de semana em “casa”,

acompanhava a evolução da matriz curricular vigente do curso de Odontologia da

UNIVALI, pois em 2010, meu pai e irmão entraram no curso. A maior alteração que

pude notar a princípio foi o aumento de carga horária da disciplina de clínica

integrada. Essa matéria é a junção de todas as áreas (especialidades) que tivemos

na faculdade, onde o paciente é atendido desde procedimentos simples àqueles

mais complexos. Na antiga grade, tínhamos clínicas separadas das especialidades

(Clínica de Endodontia, Clínica de Dentística, entre outras) e a Clínica Integrada

somente nos dois últimos períodos (oitavo e nono). Com a reforma curricular, a

Clínica Integrada começa no quarto período com procedimentos mais simples e vão

ficando mais complexos de acordo com o que os alunos vão aprendendo ao longo

da faculdade.

Em encontros casuais com amigos/acadêmicos dessa nova matriz, esbarro

em questões levantadas por eles (e por mim): Quem hoje está terminando a

faculdade se percebe como um profissional generalista? Ele está apto a entrar em

uma unidade de saúde, planejar, gerir, administrar e trabalhar em equipe?

Voltei pra minha cidade, terminei a especialização e em 2013 comecei o

mestrado, o que aumentou ainda mais a vontade de pesquisar (e se possível,

responder) essas perguntas já que, por ser um mestrado profissionalizante,

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discutíamos incessantemente nas aulas o por que desse distanciamento entre a

formação e o trabalho no SUS.

Como a mudança curricular é um processo recente e em execução, necessita

de uma avaliação, para assim, promover a qualidade da oferta educacional e buscar

melhorias constantes nos processos acadêmicos e administrativos da instituição de

ensino superior. (FADEL; BALDANI, 2013) E pensando no que eu gostaria de

estudar e escrever, resolvi realizar uma pesquisa nesse assunto.

Para melhor caracterizar o trabalho tornou-se necessário visitar o arsenal

teórico que se pautou em itens, que juntos fundamentaram a pesquisa: O Sistema

Único de Saúde; as Diretrizes Curriculares Nacionais; O ensino da Odontologia na

Graduação; A história da Odontologia no Brasil; a inserção da Saúde Bucal no SUS;

a Política Nacional de Saúde Bucal; O Programa Nacional de Reorientação da

Formação Profissional em Saúde - Pró-Saúde; e as Mudanças Curriculares da

Faculdade de Odontologia da UNIVALI.

Sob este aspecto, o presente trabalho tem como objetivo geral contribuir para

a reforma curricular do curso de Odontologia da UNIVALI na direção da formação do

Cirurgião-Dentista (CD) Generalista. Como objetivos específicos, a busca por uma

definição do conceito de Cirurgião-Dentista Generalista e também pelas percepções

dos alunos quanto a sua formação como dentistas generalistas e com processo de

trabalho (atenção básica).

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2 MARCO TEÓRICO

“A saúde é um bem imaterial indispensável para a vida humana e um recurso imprescindível

para a reprodução social.” Narvai; Frazão, 2009

Discutir qualquer aspecto sobre a saúde, seja por introdução, conceituação,

ou no caso dessa dissertação, voltada para a formação de profissionais da saúde

(em especial o Cirurgião-Dentista Generalista) inclui contextualizar e discorrer sobre

a reforma sanitária e o início do SUS no Brasil.

A evolução histórica nos permite entender os processos e os caminhos para

chegar onde estamos hoje. Cada assunto será abordado e dissecado a seu tempo.

No final da década de 80 diversos movimentos pela redemocratização do

Brasil e pela melhoria das condições da saúde da população cresceram e ganharam

representatividade. Discussões sobre um sistema de saúde universal, igualitária, na

VIII Conferência Nacional de Saúde em Brasília tomaram forma. Grandes ideias

debatidas naquela conferência foram incorporadas na Nova Constituição Brasileira,

promulgada em 1988. Em seu artigo 196:

“A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido

mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução

do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal

e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção

e recuperação.” (Brasil, 1988)

Para regulamentação do Sistema Único de Saúde, foram necessárias a

elaboração das Leis 8.080 (dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e

recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços

correspondentes) e 8.142 (dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do

SUS e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área

da saúde), ambas de 1990. Já a organização operacional evoluiu mediante a edição

de três Normas Operacionais Básicas (NOB), cada qual substituindo e

aperfeiçoando a anterior (NOB/91, NOB/93 e NOB/96). Com a leitura dessas e de

outras normas, como uma série de portarias do Ministério da Saúde e outras tantas

resoluções do Conselho e das Conferências Nacionais de Saúde, tem-se a

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compreensão que se trata de um processo em constante aperfeiçoamento (Brasil,

2000a).

A evolução do sistema acaba por revisitar e aprimorar conceitos, como no

caso da Integralidade, que numa primeira aproximação, é uma das diretrizes básicas

do SUS. De fato, o texto constitucional não utiliza a expressão integralidade; ele fala

em "atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem

prejuízo dos serviços assistenciais" (Brasil, 1988, art. 198). Mas o termo

integralidade tem sido utilizado correntemente para designar exatamente essa

diretriz. (MATTOS, 2001)

O Brasil tinha um modelo de saúde - que foi justamente o combatido pelo

movimento da reforma sanitária - importado do modelo norte-americano, tanto no

desenho da rede como no modelo formativo para privilegiar o chamado complexo

médico-industrial. Este modelo flexneriano teve acesso no Brasil durante a ditadura

militar com a proposta de reconstrução do modelo de ensino médico. Essa

concepção influenciou diretamente no ensino e a prática voltada para profissionais

mecanicistas, biologicistas, fragmentados, negadores de outras teorias e práticas,

com o mercado representado pelo consultório particular e a venda de serviços no

campo privado. (TIEDMANN et al., 2005).

Uma mudança no modelo de atenção à saúde envolve não apenas priorizar a

atenção básica e retirar do centro do modelo o papel das especialidades, mas

principalmente, concentrar-se no usuário-cidadão como um ser integral,

abandonando a fragmentação do cuidado que transforma as pessoas em órgãos,

sistemas ou pedaços de gente doentes. As práticas integradoras devem estar

disponíveis como alternativas do cuidado. A humanização do cuidado, que envolve o

respeito na recepção e no atendimento até a limpeza e conforto dos ambientes dos

serviços de saúde, deve orientar todas as intervenções em saúde, que tomem por

base o conceito de integralidade. (FRACOLLI et al., 2011)

A visão da integralidade não faz parte da lógica Flexner, e a possibilidade de

formar profissionais da área da saúde com esse enfoque, esbarra em currículos

tecnicistas e fragmentados. O setor educacional continuou desvinculado da

reorganização dos serviços, da redefinição das práticas de atenção e dos processos

de reforma. No Brasil, até o final da década de 1990, praticamente não se avançou

nas discussões sobre a necessidade do desenvolvimento do trabalho em saúde.

(PAGLIOSA; DA ROS, 2008)

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2.1 O ENSINO DA ODONTOLOGIA NA GRADUAÇÃO

“É no problema da educação que assenta o

grande segredo do aperfeiçoamento

da humanidade.”

Immanuel Kant

Ao longo dos anos, o ensino e a prática da Odontologia passaram por

diversas fases de desenvolvimento e discussões.

Data de 1900 o primeiro grande movimento Odontológico com o objetivo de

desenvolver currículos educacionais para a profissão de dentista e estratégias para

levar cuidados de saúde oral às pessoas ao redor do mundo. Em Paris - França, foi

criado por um grupo de seis dentistas esclarecidos, liderada pelo Dr. Charles Godon

da França, a ‘Fédération Internationale Dentaire’ - FDI (Federação Dentária

Internacional). Além do currículo, tinha como objetivo organizar congressos

odontológicos regulares para o avanço da ciência e da arte da odontologia e centrar

o debate sobre questões como a educação dental, higiene oral e saúde bucal

pública. (FDI, 2015)

Além de grupos para estudo odontológico, o ensino de Odontologia teve em

sua prática a influência do modelo flexneriano que trouxe como referência elementos

ideológicos marcantes: o mecanicismo, o biologicismo, a especialização precoce, a

tecnificação do ato odontológico, a exclusão de práticas alternativas, a ênfase na

Odontologia curativa e a assistência individual. (MOYSES, 2004)

As mudanças no perfil epidemiológico das doenças bucais, as novas práticas

baseadas em evidencias cientificas, o se pensar num ensino mais humano e

biológico, vinculado às necessidades da população e ao entendimento da realidade

profissional, e, principalmente a promoção de saúde no seu conceito ampliado,

exigem a formação de um profissional de saúde tecnicamente competente com

sensibilidade social. (MORITA; KRIEGER, 2004)

A flexibilização e a quebra do currículo mínimo se tornou fundamental para a

formação de profissionais que se enquadrassem no perfil desejado para a atuação

tanto no serviço público quanto no privado. Isso é possível com a reformulação da

Lei das Diretrizes e Bases da Educação, em 1996, que aponta novas orientações a

serem adotadas por todas as instituições do ensino superior do país, e salienta que

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a “educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social”

(BRASIL, 2010).

Em relação à Odontologia, existe um atraso histórico dos movimentos de

mudança, quando comparados a formação profissional em várias áreas da Saúde,

principalmente na Medicina e na Enfermagem. O que exige daqui para frente um

esforço redobrado para que possamos integrar a saúde bucal dentro do novo

contexto de ação interdisciplinar e multiprofissional, formando um profissional com

perfil adequado (MORITA; KRIEGER, 2004)

Em 2001, as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação de

Odontologia (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2001) propuseram modificações para

formação do perfil desejado do profissional egresso:

(...) cirurgião-dentista, com formação generalista,

humanista, crítica e reflexiva, atuando em todos os níveis de

atenção à saúde. Com conhecimento técnico e científico,

pautado em princípios éticos, legais e na compreensão da

realidade social, cultural e econômica do seu meio, o cirurgião-

dentista deve buscar a transformação da realidade em

benefício da sociedade.

Além de generalista, a formação desse dentista deveria contemplar o

conhecimento do SUS: atenção à saúde (desenvolvimento de ações de prevenção,

promoção, proteção e reabilitação da saúde); tomada de decisões (avaliar,

sistematizar e decidir as condutas mais adequadas); comunicação (ser acessível e

manter a confidencialidade); liderança (estar apto a assumir posições de liderança);

administração e gerenciamento (aptos a tomar iniciativa); educação permanente

(aprender continuamente, tanto na sua formação, quanto na sua prática).

(MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2009)

Como competências e habilidades específicas, o documento relata que a

formação deveria contemplar o SUS, a ação integral à saúde num sistema

regionalizado e hierarquizado de referência e contra referencia e o trabalho em

equipe. Pontuando por exemplo: a identificação das afecções mais prevalentes;

proposição e execução de planos de tratamentos adequados; trabalho em equipes

interdisciplinares e atuação como agente de promoção de saúde.

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Pressionados pelas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), desde o final de

2001, e pelo debate sobre qualidade e avaliação que se coloca em âmbito

internacional, os cursos de Odontologia começam a buscar caminhos que

respondam a esses desafios: construção do projeto pedagógico do curso, mudanças

curriculares e profissionalização do trabalho docente. (ASSIS, 2010)

Os projetos pedagógicos carecem de diálogo com o contexto social no qual a

instituição se insere. É preciso preencher as lacunas referentes à atuação nos

diferentes níveis de atenção à saúde, desenvolvendo competências para trabalhar,

sobretudo na Saúde Coletiva, com responsabilidade social. (ASSIS, 2010)

Os princípios das DCN apontam o estímulo ao estudo independente, na

perspectiva de uma progressiva autonomia intelectual e profissional do aluno, além

de, no seu artigo 4º, inciso VI, que trata das competências e habilidades gerais

relativas à educação permanente, evidenciarem que os profissionais devem ser

capazes de aprender continuamente na formação e na prática. (MINISTÉRIO DA

EDUCAÇÃO, 2001)

Ao valorizar a formação voltada para a prática clínica tradicional, enfatizando

a visão holística da atenção em saúde, com a produção social e a ênfase na

qualidade de vida dos cidadãos, as DCN implicam a formação de profissionais

capazes de prestar atenção integral mais humanizado, trabalhar em equipe e

compreender melhor a realidade em que vive a população (CORDOLI, 2006)

(MORITA et al., 2007) Em síntese, todas as habilidades e competências gerais e

específicas descritas nas DCN são necessárias para o SUS. (MORITA; KRIEGER,

2004)

Na formulação do perfil desse profissional pelas DCN observa-se uma

possibilidade de ampliação de conteúdos e práticas. No entanto, continua a ênfase

no aprender a fazer da proposta de formação do cirurgião-dentista. (QUEIROZ,

2006)

A inversão do modelo de atenção à saúde é importante, mas por percorrer um

caminho não-linear, constitui-se em tarefa de difícil execução, estabelecendo um

processo de mudança que envolve uma política de formação articulada com a

prática. São, portanto, de projetos coletivos, integrados aos cuidados de saúde, em

que trabalhadores, gestores e usuários devam ser corresponsáveis no fazer saúde,

cotidianamente. (ASSIS, 2010)

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A questão é: o currículo não relaciona os seus conteúdos à realidade do

estado de saúde, geral e bucal, da população. O ensino não relaciona as condições

de vida e o impacto das desigualdades sociais na saúde com o perfil epidemiológico,

que é diferente entre as classes sociais de baixa e alta renda, priorizando

subliminarmente esta última. (CORDIOLI, 2006)

Além disso, a formação dos profissionais de saúde apoiada no modelo

flexneriano e o ensino voltado para uma odontologia de mercado, pode ter levado os

cirurgiões-dentistas a uma especialização de sua prática clínica, não abrangendo a

formação generalista preconizada pelas DCN. (SECCO; PEREIRA, 2004; ASSIS,

2010)

Feuerwerker e Sena (2002) propõem uma correção destes apontamentos ao

afirmar que a educação profissional deve enfocar os problemas mais relevantes da

sociedade e o programa do curso deve ser baseado nos critérios epidemiológicos e

nas necessidades de saúde.

É necessário ir além de modificações quantitativas, acréscimos e

deslocamentos de disciplinas e horas aulas, determinações de carga horária e

elenco de matérias, comumente chamadas de reformas curriculares. Não basta

estabelecer e difundir um determinado discurso ideológico. (LEMOS, 2005)

Uma leitura crítica das DCN nos leva à reflexão de que profundas mudanças

são necessárias nos cursos de graduação em Odontologia para formar profissionais

adequados às necessidades de saúde da população e do SUS. Para que esse

processo avance é essencial que ocorra efetiva articulação entre as políticas de

Educação e Saúde. (MORITA; KRIEGER, 2004)

As modificações ainda são lentas e somente recentemente, o Ministério da

Saúde tem se preocupado em orientar o processo de formação dos recursos

humanos da área, estabelecendo para tanto parceria com o Ministério da Educação.

(MORITA; KRIEGER, 2004; ASSIS, 2010)

Na tentativa de consolidar as propostas de mudança no ensino na área da

saúde, foi editado o programa para orientação da formação dos profissionais de

saúde, o Pró-Saúde. (QUEIROZ, 2006)

O Pró-Saúde surgiu como uma proposta de modo a conferir direcionalidade

ao processo de mudança e facilitar a consecução dos objetivos propostos, em busca

de uma atenção à saúde mais equânime e de qualidade. (BRASIL, 2007)

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A reorientação a principio se deu no processo de formação em Medicina,

Enfermagem e Odontologia, e contemplou três eixos (A, B e C) norteadores.

O eixo A - Orientação teórica para mudança de determinação biológica para

determinação social. Comporta três vetores que dizem respeito à determinação da

saúde e da doença, à produção de conhecimentos e à oferta de pós graduação e de

educação permanente. O segundo, eixo B, diz respeito ao Cenário de Práticas, sua

diversificação, a integração docente assistencial, e a articulação dos serviços

próprios das instituições acadêmicas no contexto do SUS. A orientação pedagógica

(eixo C) propõe a modificação da relação professor/aluno de vertical para horizontal.

Coporta três vetores: análise crítica da atenção básica, a integração básico-clínica e

a mudança metodológica. (BRASIL, 2007)

As atividades de ensino-aprendizagem, extramurais, sempre dependeram

mais da voluntariedade dos professores que as coordenavam do que do apoio

institucional e da participação do quadro docente como um todo. (MORITA;

KRIEGER, 2004)

É importante que o currículo seja visto como uma práxis, uma realidade

dialética, construída e superada continuamente por seus diferentes atores: alunos,

professores, coordenadores. Sua natureza social e dinâmica implica que é uma

realidade passível de verdadeiras mudanças dando-nos a possibilidade real de

pensar e construir currículos diferentes dos existentes (LEMOS, 2005)

Segundo Canalli et al. (2011), o conhecimento deve conduzir a uma prática

capaz de mudar a atual realidade do ensino, já que é “absolutamente impossível a

tentativa de se humanizar materiais e equipamentos. Absolutamente possível é

humanizar o homem”.

2.2 O CIRURGIÃO DENTISTA GENERALISTA

“Absolutamente impossível a tentativa de se

humanizar materiais e equipamentos. Absolutamente

possível é humanizar o homem”.

Canalli et al., 2011

O CD generalista é a categoria central das mudanças sugeridas pelas DCN,

porém não há uma definição clara de seu conceito nos documentos do Ministério da

Educação.

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A busca em documentos e artigos pela definição do termo CD generalista

levou a localização de um parecer do Conselho Federal de Educação de 1962 que

sugere que “é desse dentista geral, é desse policlínico que a sociedade brasileira

está necessitando para ampliar cada vez mais a assistência dentária as

populações”. (CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, 1962) O documento data

dezembro de 1962, governo de João Goulart. Esse conceito não foi retomado em

nenhum documento oficial, provavelmente em função das políticas públicas

executadas pelo Golpe Militar de 1964.

O termo foi definido de maneira diferente por vários autores em diferentes

épocas. Segundo Tumang (1981), a prática generalista (autônoma ou assalariada;

isolada ou em equipe) deve envolver: diagnóstico dos problemas bucais existentes,

planejamento de tratamentos compatíveis com as condições sócio-econômicas e

com o estado de saúde geral do paciente, encaminhamento, se necessário, a um

profissional especializado, racionalização do trabalho buscando equilíbrio entre a

produtividade e o nível de qualidade desejado, educação para a comunidade e

paciente visando manutenção da saúde bucal e implementação de métodos

preventivos individuais e coletivo.

Para Lombardo (2000) a formação generalista é a que permitirá ao

profissional - por meio de uma metodologia de ensino multidisciplinar e integradora

de múltiplos conhecimentos - a aquisição de competências para a execução de

trabalhos no âmbito da clínica geral, diagnosticando, planejando e avaliando os

problemas odontológicos dos pacientes.

Moysés (2003) descreve o dentista generalista como “um profissional

tecnicamente competente, com sensibilidade social, capaz de prestar atenção

integral mais humanizada, trabalhar em equipe e compreender melhor a realidade

em que vive a maior parte da população brasileira”.

Ao procurar o termo “cirurgião dentista generalista” na internet, me deparei

com a seguinte definição em uma página chamada “Odontopédia” :

Ele pode ser considerado como um "dentista da família" e

é, principalmente, responsável pela orientação em higiene

bucal e promoção de saúde bucal. Ele observa o paciente

como um todo. Identifica e trata suas necessidades, tira a dor,

devolve o sorriso. É interessante que o clínico geral conheça os

hábitos de toda a família. O atendimento de muitas

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especialidades pelo mesmo profissional exige materiais e

equipamentos de todas as áreas. Da mesma forma, o cirurgião-

dentista clínico geral precisa estudar constantemente, um

pouco de cada área. Existe uma parcela dos pacientes em

Odontologia que oferece resistência ao atendimento por

especialistas, por pensarem ser caro. É atribuição do clínico

geral alertar os pacientes quando há necessidade da

intervenção de um profissional especializado, bem como

explicar ao paciente a importância de se procurar um

especialista em determinados casos. Reconhecer sua limitação

sobre um assunto e encaminhar o paciente a um colega mais

capacitado é uma grande virtude. (Odontopédia, 2014)

As definições encontradas na literatura não são claras e há que questionar os

sentidos da palavra generalista.

Ainda a procura desse conceito fiz o percurso de visitar as três Conferencias

Nacionais de Saúde Bucal (CNSB) já realizadas para analisar o que se discutiu

sobre a formação e como deveria ser dentista que se buscava.

No final da década de 80, aconteceu a 1º CNSB que fez parte do amplo

processo que marcou a 8ª Conferência Nacional de Saúde de 1986, ocorrendo com

mais de 1.000 participantes e 286 delegados com direito à voz e voto. (GAVI et al.,

2012) Os temas discutidos foram: saúde como direito de todos e dever do estado, o

diagnóstico em saúde bucal no Brasil, a inserção da odontologia no sistema único de

saúde, adoção de uma política de recursos humanos em saúde bucal e por ultimo o

financiamento do Setor de Saúde, que juntos fizeram parte do relatório final da

conferencia, que conta com onze páginas. (BRASIL, 1986)

A 2ª CNSB foi realizada no ano de 1993, em consequência à deliberação da

IX Conferência Nacional de Saúde, com a participação de 792 delegados. (GAVI et

al., 2012) Os aspectos discutidos foram as políticas de saúde, o modelo de atenção

em saúde bucal, o desenvolvimento tecnológico, os recursos humanos, o

financiamento e controle social.(BRASIL, 1993)

A 3ª e última CNSB, de caráter extraordinário ocorreu em 2004, por decisão

do Governo Federal. Contou com participação de 883 delegados. (GAVI et al., 2012)

As temáticas abordadas foram o direito à cidadania, controle social, gestão

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participativa, formação e trabalho em saúde bucal, financiamento e organização da

atenção em saúde bucal. (BRASIL, 2005)

Nenhuma delas cita o termo “cirurgião dentista generalista” ou algo similar. E

o que é possível encontrar nos documentos são apenas diagnósticos da realidade

muito semelhantes (quando comparados os relatórios), poucas proposições ou

ideias para modificar o que estava instalado.

A definição do termo CD generalista, necessária para o marco teórico, só

apareceu a posteriori, quando do desenvolvimento da aplicação da metodologia,

especialmente nas entrevistas com os informantes- chave, que permitiu que

aflorassem novas buscas para o referencial teórico.

2.3 HISTÓRIA DA ODONTOLOGIA NO BRASIL

“As nuvens sempre mudam de posição, mas são

sempre nuvens no céu. Assim devemos ser todo

o dia, mutantes, porém leais com o que

pensamos e sonhamos.”

Paulo Baleki

Para entender a evolução de conceitos e desse profissional generalista, é

preciso aprofundar, conhecer a história e os contextos de cada definição. Por isso,

busquei no processo histórico dos Modelos Assistências em Saúde Bucal, ao longo

do século XX, identificar se na construção e na intenção de cada modelo existe

alguma reflexão sobre que tipo de profissional se buscava.

A partir da década de 50 existe uma história rica da Odontologia que não é

contada. Juntando os “retalhos” históricos, podemos entender os modelos

assistências em odontologia.

Em linhas gerais os modelos assistenciais podem ser definidos como a forma

de organização e articulação entre os diversos recursos físicos, tecnológicos e

humanos disponíveis, de forma a enfrentar e resolver os problemas de saúde

vigentes numa comunidade. (RONCALLI, 2000) Ou seja, é a interface entre o setor

saúde e população.

Embora na maioria das publicações os termos assistência e atenção

apareçam como sinônimos, para Narvai (1992 apud RONCALLI, 2000), devem ter

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significados distintos. Segundo o autor, a palavra “assistência” remete a certa

“limitação do objeto”, pois se refere exclusivamente ao “conjunto de procedimentos

clínico-cirúrgicos dirigidos a consumidores individuais”. Em oposição à palavra

“assistência”, é feita referência à palavra “atenção”, sendo definida como um

“conjunto de ações que, incluindo a assistência odontológica individual, não se

esgota nela” podendo inclusive agregar ações externas ao setor saúde.

Considerarei, assim como Roncalli (2000) o termo consagrado “modelo assistencial”,

contudo sem uma maior preocupação com as distinções conceituais.

No início do século XX, a saúde pública concentrava seus esforços em ações

de saneamento e combate às epidemias e endemias, por meio do Sanitarismo

Campanhista. Na década de 30 são criados os Institutos de Assistência e

Previdência, e os poucos registros sobre a política de saúde bucal revelam-na

vinculada a ações curativas, voltadas prioritariamente às gestantes, pré-escolares e

escolares. (ELY et al., 2006)

O atendimento a indivíduos com problemas dentários, na época, era ação de

cunho filantrópico, realizado nas Santas Casas até a década de 1950, o que ressalta

o caráter emergencial dos atendimentos realizados, ou seja, configurava-se um

contexto sem prevenção, tampouco bons hábitos, relativos à higiene oral (CARAÇA;

SARTI, 2013).

Segundo Roncalli (2000), este modelo permaneceu hegemônico até o final da

Segunda Guerra Mundial, momento em que houve um marco inicial das atividades

da odontologia no setor público com o surgimento dos primeiros programas de

Odontologia Sanitária. A partir de 1952, o Serviço Especial de Saúde Pública com

base em um convênio de cooperação técnica estabelecido entre o Governo

Brasileiro e o Governo dos Estados Unidos, investiram em áreas

desenvolvimentistas do Brasil com intuito de levar saúde bucal a locais como Vale

dos Amazonas, Vale do Rio Doce, dando início ao Modelo Incremental.

A principio pensou-se em tratar a necessidades acumuladas daquelas

populações com o objetivo de fazer “tratamentos completados”. Mas devido ao

grande acumulo de demanda, deslocou-se o foco geral para uma população alvo:

crianças de 6 a 14 anos. Essa população foi escolhida porque seria mais fácil a ida

ao dentista (quando comparado aos adultos que trabalhavam) e também essa era a

faixa etária que tinha uma alta incidência de cárie (RONCALLI, 2000). O tratamento

era realizado em crianças com o intuito de no futuro serem “adultos saudáveis”.

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Esse modelo liberal fez uma descontinuidade da lógica assistencial, saindo da

livre demanda e entrando na ação programática, mas pautada no biologicismo do

modelo flexneriano. Não houve redução do índice CPO-D (Dentes Cariados

Perdidos e Obturados) devido a sua característica curativa/restauradora. Os dentes

antes cariados passavam a estar restaurados. (NICKEL et al., 2008)

Essa concepção implica em distinto modelo assistencial, todavia não se

coforma em estratégia de reorganização do sistema como um todo. Subentende

apenas programas com objetivos restritos para cobrir determinadas necessidades de

grupos populacionais. Ainda que se reconheça a efetividade dessas intervenções, a

garantia apenas dessa restrita cesta de serviços atenta contra o direito universal à

saúde. (GIOVANELLA, 2008)

Além de excludente (por deixar desassistida grande parte da população), não

apresentava preocupação quanto ao fator de risco de desenvolvimento da cárie; não

entendia a cárie como doença social.

Um grande diferencial desse modelo foi o uso de uma nova tecnologia (cópia

de modelos norte americanos) com o uso da fluoretação, sendo na água de

abastecimento ou aplicações tópicas no consultório. (NARVAI, 2000)

Assim, no período entre os anos 50 e fins dos anos 80, a assistência

odontológica pública brasileira tinha como característica possuir um modelo

predominante de assistência a escolares e, para o restante da população, a

assistência se dava de forma disseminada entre as variadas instituições, dentre as

quais as conveniadas com o Sistema Previdenciário, as Secretarias Estaduais de

Saúde e entidades filantrópicas (FERREIRA et al., 2011)

A partir da segunda metade da década de 1950 se iniciou um forte movimento

latino-americano em torno da educação médica e sua reformulação, quase

cinquenta anos depois do Relatório Flexner. Basicamente, propunha-se um modelo

alternativo à visão cientificista, quantitativista e matematizante, calcada com

exclusividade na biologia e na departamentalização do conhecimento médico tão

caras ao movimento flexneriano. (NUNES, 2015)

Os modelos de prática odontológica haviam sido criticados por ocasião da 7ª

Conferência Nacional de Saúde, em 1980. Além do traço iatrogênico e mutilador,

foram denunciados o seu caráter de monopólio (atividades centradas

exclusivamente no cirurgião-dentista com baixa participação de pessoal auxiliar) e

sua orientação fortemente ligada à tradição liberal-privatista da profissão. Com isso,

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as propostas de transformação desse modelo foram alinhadas às propostas mais

gerais do movimento da Reforma Sanitária formuladas naquele período. (FRAZÃO;

NARVAI, 2009)

O contexto histórico e o de descuido nas políticas públicas de saúde bucal

impulsionou a criação de um serviço de maior qualidade com redução de custos,

denominado odontologia simplificada, mediante reformulação das práticas e adoção

de materiais simples. Nesse modelo de assistência, a odontologia atuava em “várias

mãos” com a utilização de pessoal auxiliar, sendo eles o técnico em higiene dental e

o auxiliar de consultório dentário (ZANETTI, 1993). A demanda para o CD era menor

e havia a garantia uma maior rotatividade e atendimento aos pacientes com

tratamentos completados.

Embora essa odontologia discursasse sobre a importância da prevenção, sua

prática priorizava o curativo, na medida em que não se transformavam os elementos

estruturais da odontologia flexneriana, mas, apenas se lhes racionalizavam.

(NARVAI, 2006)

A metade dos anos 1980 é marcada por uma profunda crise de caráter

político, social e econômico. Movimentos populares internos pela democratização e

por uma política sanitária de caráter mais universalista e do panorama mundial que

apontava para a concretização de novas alternativas para os sistemas de saúde

centradas na Atenção Primária. Na esteira destes acontecimentos, cresce o

Movimento Sanitário brasileiro, que teve, como ponto alto de sua articulação, a VIII

Conferência Nacional de Saúde, em 1986, em Brasília. (RONCALLI, 2000)

Na odontologia, o contexto conflituoso, colocado, principalmente, pelos

dilemas da quantidade versus qualidade e da prevenção versus curativo obrigou a

uma reflexão mais profunda sobre a prática da odontologia simplificada. Diante de

novos conhecimentos sobre a prevenção e o controle da cárie, das discussões

acerca do atendimento odontológico prestado pelo Estado e dos resultados

epidemiológicos insatisfatórios em todo o Brasil, foi preciso uma concepção de

odontologia alternativa, que não deveria ser mais uma prática complementar à

odontologia científica, mas uma nova forma de pensar e fazer odontologia.

(FERREIRA et al., 2011 ; ZANETTI, 1993).

O Modelo Integral tem suas raízes no movimento da reforma sanitária,

baseado na medicina integrada à comunidade. Acredita no conceito ampliado de

saúde, uma “indagação permanente dos seus determinantes políticos, econômicos,

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culturais e sociais e a inserção, na política de saúde, de novos espaços sociais

como os da educação, meio ambiente, previdência, emprego, habitação,

alimentação e nutrição, lazer, esporte, terra e transporte. Saúde será a resultante da

ação articulada desses diferentes setores e o eixo integrador dos setores sociais

com as políticas econômicas. Essa é a dimensão maior da Reforma Sanitária, o que

exige o reconhecimento explícito da necessidade de mudanças nesses setores, para

que se possa melhorar os níveis de saúde.” (MENDES, 1986) É uma tentativa de

ruptura com a lógica procedimento/integrada, pra avançar numa cultura integral,

ampla.

Entretanto este modelo se pautou no preventivismo. O foco seria a

manutenção do molar permanente hígido prevenindo e evitando a cárie. Ao buscar

como explicação para o processo de saúde-doença o modelo proposto por Leavell e

Clark, o sentido pedagógico da prática educativa limitou-se a evitar enfermidades ou

o risco de adoecer. (LOPES; TOCANTIS, 2012)

Ainda que o modelo de História Natural da doença tenha permitido avançar

na compreensão do fenômeno saúde e doença, os fatores biológico, social e

ambiental que passam a explicar a ocorrência de enfermidade aparecem

fragmentados, permanecendo isolados entre si e deslocados do contexto global

sócio-econômico-cultural dos sujeitos. (LOPES; TOCANTIS, 2012)

Segundo Roncalli (2000), mesmo tendo surgido algumas alternativas, a partir

dos anos 1970, como a Odontologia Simplificada e a Odontologia Integral, que foram

copiadas em todo o País, estes modelos (na verdade, não chegaram a romper com

a lógica programática do Incremental) não se consolidaram, a não ser em algumas

experiências pontuais.

Assim, o Programa Inversão da Atenção, surgiu para contrariar as ações

curativas do Sistema Incremental e da Odontologia Integral, descentralizando a

atenção curativa clássica, buscando estabilizar o meio bucal para a eficácia dos

métodos preventivos. (NICKEL et al., 2008)

Na realidade, o grande valor deste sistema foi o resgate de uma matriz

programática sob as novas bases que se apresentavam. O sistema buscou

incorporar os avanços da Odontologia Integral adaptando seu marco teórico a uma

estrutura organizativa baseada no SUS. Sua principal característica baseava-se

intervir antes e controlar depois. Estabeleceu um modelo centrado em três fases,

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interrelacionadas e retroalimentadas por um sistema de informação eficaz.

(FERREIRA et al., 2011)

A inserção da saúde bucal e da prática odontológica na atenção primária deu-

se de forma paralela e afastada do processo de organização dos demais serviços de

saúde. Desde que surgiu o conceito de Atenção Primária em Saúde (APS), na

Declaração de Alma-Ata, ele tem sofrido diversas interpretações. (BOSMENIER,

2009)

Nos países europeus, a atenção primária refere-se, de modo geral, aos

serviços ambulatoriais de primeiro contato integrados a um sistema de saúde de

acesso universal, diferente do que se observa nos países periféricos, nos quais a

atenção primária corresponde também, com freqüência, a programas seletivos,

focalizados e de baixa resolutividade. Essa concepção, denominada de seletiva,

subentende programas com objetivos restritos, visando cobrir determinadas

necessidades previamente definidas de grupos populacionais em extrema pobreza,

com recursos de baixa densidade tecnológica e sem possibilidade de acesso aos

níveis secundário e terciário. (GIONAVELLA; MENDONÇA, 2009)

A Odontologia apresentou programas com essas características, sempre

voltadas para uma população-alvo, um determinado dente.

Ressalta-se que, desses modelos assistenciais nascem os primeiros contatos

com o que posteriormente se constituiu a nascente da vigilância epidemiológica. Não

cabe apenas criticar o modelo curativo, e sim destacar o quanto aspectos

preventivos interferem na sobrevida de efetivas Políticas Pública de Saúde. (GAVI et

al., 2012)

Outros modelos assistências fizeram parte da história da Odontologia, mas

por terem sido experiências muito pontuais não foram explorados na dissertação.

2.4 A INSERÇÃO DA SAÚDE BUCAL NO SUS

“Seu Antônio, de profissão agricultor, tem apenas 42 anos de idade e já

perdeu todos os dentes. E não foi por placa bacteriana, por cárie ou

doença periodontal. Ficou desdentado por baixos salários, por inflação,

por educação inadequada, por incompetência governamental, por

subnutrição, por discriminação, por dentista, por programas de saúde.

Seu Antônio, sem dúvidas, ficou desdentado por sociedade.”

Volnei Garrafa

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Decorrente das mudanças na área da saúde implantadas pela nova

constituição de 1988, o SUS é regulamentado e implantado em todo o território

nacional. (ELY et al., 2006)

A busca de novos modelos de assistência decorre de um momento histórico-

social, onde o modelo tecnicista/hospitalocêntrico não atende mais à emergência

das mudanças do mundo moderno e, consequentemente às necessidades das

pessoas. (ROSA; LABATE, 2005)

O processo de evolução das políticas publicas de saúde bucal carregou em si

o poder de uma política voltada para o lucro e o descaso social, e na sua grande

maioria refletida ao longo da história na mutilação de bocas e vidas. As dores do

corpo, e por conseguinte as dores da boca, dos dentes, por muito tempo foram

relegadas ao ocaso público e a omissão política. (SILVESTRE et al., 2013)

Em 1994, o Ministério da Saúde colocou em prática o Programa de Saúde da

Família (PSF), criado no ano anterior, que se destaca como estratégia para a

reorganização da atenção básica, na lógica a vigilância da saúde, representando

uma concepção de saúde centrada na promoção da qualidade de vida. Sua

expansão ganhou novo impulso a partir de 1996 com a operacionalização da Norma

Operacional Básica do Sistema Único de Saúde a NOB-SUS 96. (MINISTÉRIO DA

SAPUDE, 2000)

A inserção da odontologia no SUS ocorreu somente em 2000, com a criação

da Equipe de Saúde Bucal e sua incorporação na então equipe do PSF.

O Ministério da Saúde estabeleceu, por meio da Portaria nº. 1.444 - com

base na necessidade de ampliação do acesso da população brasileira às ações de

promoção, prevenção e recuperação da saúde bucal; a necessidade de melhorar os

índices epidemiológicos da saúde bucal da população; a necessidade de incentivar a

reorganização da saúde bucal na atenção básica - o incentivo financeiro à inclusão

das equipes de saúde bucal no PSF, o que resultou em um grande impulso de sua

expansão pelo Brasil. (BRASIL, 2000b)

Entendendo a saúde bucal como integrante desse processo, a sua

incorporação ao PSF tem sido vista como possibilidade de romper com os modelos

assistenciais em saúde bucal excludentes baseados em faixas etárias, no

curativismo, tecnicismo e biologicismo. Isso porque o PSF, de certa forma, tenta

romper com a lógica programática desses modelos, visto que não só articula as

propostas da vigilância à saúde baseando-se na integralidade, mas também possui

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como um de seus princípios a busca ativa de famílias, as quais são consideradas

como núcleo social primário. (SOUZA; RONCALLI, 2007)

Porém, a apartação dos profissionais da odontologia como uma equipe

“inserida dentro de outra equipe” apenas afirmou aquilo que infelizmente ainda é

perpetuado: o cirurgião dentista é aquele que fica sentado em seu mocho, dentro da

sua sala. Não faz parte da equipe, não toma decisões, não discute os casos. Faz o

trabalho preventivo e curativo em Odontologia.

Em 2004, foi apresentada uma nova Política Nacional de Saúde Bucal

denominada de Programa Brasil Sorridente como expressão da política subsetorial

tendo como ponto-chave o documento Diretrizes da Política Nacional de Saúde

Bucal. (SILVESTRE et al., 2013) As diretrizes apontaram uma reorganização da

atenção em saúde bucal em todos os níveis de atenção, tendo o conceito do

cuidado como eixo e reorientação do modelo, ampliação e qualificação da atenção

básica, possibilitando o acesso a todas as faixas etárias e a oferta de mais serviços,

assegurando atendimentos nos níveis secundário e terciário de modo a buscar a

integralidade da atenção. (BRASIL, 2004)

O documento descreve as ações a serem realizadas pela equipe de saúde

bucal: promoção e proteção da saúde (visam à redução de fatores de risco, que

constituem ameaça à saúde das pessoas, podendo provocar-lhes incapacidades e

doenças); ações de recuperação (envolve o diagnóstico e o tratamento de doenças)

e ações de reabilitação (recuperação parcial ou total das capacidades perdidas

como resultado da doença e na reintegração do indivíduo ao seu ambiente social e a

sua atividade profissional).

Segundo Gavi et al. (2012) as diretrizes publicadas pelo Ministério da Saúde

apontam para o cumprimento dos princípios e diretrizes constitucionais da

Constituição Federal de 1988, mas acrescentam o termo “linhas de cuidado”. Tal

conceito parece fomentar a ideia da importância de incentivar o usuário a conhecer a

estrutura do Sistema Público de Saúde, o qual tem plenos direitos de utilizar, além

de aumentar a efetividade das ações em saúde. O Ministério da Saúde chama a

atenção para outros princípios, como gestão participativa, ética, acesso,

acolhimento, vínculo e responsabilidade profissional, além dos já expostos na

Constituição Federal de 1988, como universalidade, integralidade e equidade. Tais

princípios apresentam grande relevância para analisar o desenvolvimento das

políticas públicas de saúde bucal e são resultado de um processo de discussões

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entre coordenadores estaduais de saúde bucal e fundamentações geradas a partir

de congressos, encontros de Odontologia e deliberações das conferências

Nacionais de Saúde e de Saúde Bucal.

Tendo como base uma política centrada na vigilância em saúde, foco na

família e por linhas de cuidado e expansão dos procedimentos clínicos

especializados por meio principalmente dos Centros de Especialidades

Odontológicas (CEO) e dos Laboratórios de Próteses Dentárias, o Brasil Sorridente

buscou a ampliação do acesso aos serviços odontológicos numa perspectiva jamais

planejada por nenhuma política (SILVESTRE et al., 2013 )

A visita a história da odontologia contribuiu para o entendimento da evolução

da Odontologia mas não esclareceu o conceito de CD generalista.

2.5 MUDANÇA CURRICULAR DO CURSO DE ODONTOLOGIA DA UNIVALI

“Já que a educação modela as almas e recria os

corações, ela é a alavanca das mudanças sociais.”

Paulo Freire

O curso de Odontologia da UNIVALI iniciou suas atividades no primeiro

semestre de 1990, sendo o segundo curso de Odontologia a ser implantado no

estado de Santa Catarina. (UNIVALI, 2015)

As informações sobre o curso e sua evolução histórica não foram encontradas

em referencial bibliográfico. Utilizamos, portanto o conteúdo da entrevista com o

informante chave 2.

Hoje, o regime do curso é seriado semestral, com dois ingressos anuais e

matrícula por disciplina organizadas por créditos, que equivalem a 15 horas cada. O

curso está estruturado com 4.110 horas, ou 274 créditos, com duração de quatro

anos e meio (nove períodos).

A estruturação da primeira matriz curricular previu a disciplina de Odontologia

Social e Preventiva do primeiro ao último período, além da necessidade da

realização de monografias pelos alunos para a conclusão do curso, diferenciais

importantes quando comparado aos cursos da época.

O curso ao longo dos anos teve de rever e adequar sua estrutura de acordo

com as evoluções das políticas de saúde pública do país e por isso passou por cinco

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matrizes curriculares até a atual. As DCN foram amplamente discutidas e a mudança

no curso foi gradual, para que alunos, professores e funcionários pudessem se

adaptar mais facilmente.

Para isso, em 2005, o curso de Odontologia enviou uma proposta em resposta

ao Edital do Pró-Saúde. O mérito da proposta era articular a produção do saber e a

produção de serviços ao processo educacional. Além disso, também foram feitas

propostas para a ampliação da produção e veiculação de conhecimentos voltados à

saúde coletiva e ao SUS, bem como a integração universidade, serviços de saúde e

comunidade num esforço de colaboração mútua e responsabilidade compartilhada.

(URIARTE NETO, 2005)

Este processo, mesmo antes da implantação da nova matriz curricular, foi

importante para que os acadêmicos ingressantes na antiga matriz tivessem a

oportunidade de incorporar outras vivências no processo de formação, que não

somente as de competências técnicas. (URIARTE NETO, 2005)

Após anos de amadurecimento de discussões e propostas, no segundo

semestre do ano de 2009, foi implantada matriz curricular nº6 no curso de

Odontologia da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI (CONSUN/CaEn, 2009),

visando atualizar a formação de um profissional generalista, preparado para atuação

na saúde individual e coletiva, quer no serviço público ou privado.

Para que a implementação de uma nova matriz realmente alcance os

objetivos almejados, segundo Cordioli (2006) é necessária a ampliação de cenários

de aprendizagem com aprimoramento na proposta de ensino da clínica integrada,

flexibilização curricular com maior integração de conteúdos/disciplinas, implantação

de práticas interdisciplinares e investimento no corpo docente do curso.

A implementação da matriz curricular nº 6, teve sua primeira turma formada

em dezembro de 2013. Durante esse período, alunos e professores adaptaram-se a

nova formatação das disciplinas para a reestruturação educacional.

Novas conversas e discussões estão sendo realizadas para manter a matriz

curricular atual, entre elas o acréscimo de um semestre no curso, que ficaria com a

duração de cinco anos. As Referências Curriculares Nacionais (MINISTÉRIO DA

EDUCAÇÃO, 2010) orientam que o Bacharel em Odontologia ou Cirurgião Dentista

tenha em seu curso uma carga horária mínima de 4000 horas e a integralização em

cinco anos, para atuar nas atividades de diagnóstico, planejamento e execução de

tratamentos odontológicos.

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Por ser um processo recente e em execução, necessita de uma avaliação.

(FADEL; BALDANI, 2013) As contribuições desta dissertação buscam auxiliar o

curso a promover a melhoria da qualidade de oferta educacional e dos processos

acadêmicos e administrativos.

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3 METODOLOGIA

A pesquisa foi qualitativa, de caráter analítico. Optou-se por esta metodologia,

já que desta maneira o estudo considera uma relação dinâmica entre o mundo

objetivo (real) e a subjetividade do sujeito que não pode ser traduzido em números.

Não requer a utilização de métodos e técnicas estatísticas e sim a interpretação dos

fenômenos (FERREIRA, 2011). O ciclo de uma pesquisa qualitativa é um processo

em “espiral”, pois se inicia com uma pergunta que ao ser respondida cria novos

questionamentos e dúvidas (MINAYO, 2010).

A primeira etapa foi a pesquisa documental, para entender as modificações

que foram realizadas na matriz curricular do curso a partir do referencial teórico.

Para isso, além de todo o arsenal teórico já descrito, foi realizada uma conversa com

informantes-chave (IC): pessoas, que por sua inserção social são conhecedoras da

história, de seus processos (RENOSTO; TRINDADE, 2007) e capazes de

representar os pontos de vista a fim de contextualizar tanto a Política Nacional de

Saúde Bucal como as modificações curriculares ocorridas no Brasil e em especial na

UNIVALI.

Foram realizadas três entrevistas com roteiros semiestruturados (APENDICE

A) com: um professor de um curso de Odontologia, um coordenador de uma

Universidade e um gestor em saúde pública.

Os informantes-chave foram contatados via email e a entrevista agendada no

seu local de trabalho. Todas as entrevistas foram realizadas em ambientes calmos e

não foram interrompidas em momento nenhum. Além disso, com a permissão do

entrevistado, as conversas foram gravadas para posterior transcrição.

A segunda etapa da pesquisa consistiu na formação e realização de um grupo

focal com o intuito de identificar a percepção dos alunos sobre sua formação como

cirurgião-dentista generalista: com competência clínica e apto para o processo de

trabalho na atenção básica.

O grupo focal é uma forma de coletar dados diretamente das falas de um

grupo, que relata suas experiências e percepções em torno de um tema de interesse

coletivo. É uma técnica que não busca informações individuais, mas em grupo, a fim

de produzir dados que seriam dificilmente conseguidos fora do mesmo. Os dados

obtidos levam em consideração o processo do grupo, tomados como maior do que a

soma de ponto de vistas individuais (BECK et al., 2011).

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A amostra foi intencional, formada por alunos regularmente matriculados nos

últimos períodos do curso (sétimo e oitavo), já que por estarem concluindo estarão

aptos a responder aos propósitos do grupo focal.

Não foi possível realizar o grupo focal com o 9º período, pois muitos alunos

eram da grade antiga e isso estabeleceria um fator confusional.

Solicitei junto à coordenação um espaço durante a aula (de cada turma) para

que eu pudesse explicar aos alunos o tema e convidá-los a participarem da

pesquisa. Aqueles que se interessaram, foram contatados posteriormente via email

e celular, e juntos decidimos a data dos grupos.

O grupo focal foi realizado em uma sala cedida pela coordenação no bloco de

Odontologia (C5 – Campus UNIVALI Itajaí), após o horário de aula, com o universo

dos alunos que compareceram. O grupo do 7º período foi formado por quatro alunos,

e o grupo focal do 8º período, por cinco alunos.

Optei por realizar os grupos com poucos integrantes já que quando se

pretende alcançar a profundidade de expressão de cada participante, um grupo

pequeno é mais indicado. (BECK et al., 2011).

Os grupos tiveram duração de 60 minutos para o 7º período e 68 minutos para

o 8º período. Quanto à duração (tempo) dos encontros, a média sugerida na

bibliografia utilizada é de 60 a 120 minutos. (ROSO, 1997).

Foi utilizado um guia de temas (Apêndice B), para focar nos pontos principais.

Mas à medida que surgiram as repostas, foi problematizado para alcançar os

objetivos do grupo focal.

Todos os participantes incluídos no estudo assinaram em duas vias o termo

de consentimento livre e esclarecido (uma cópia para o participante e outra para o

pesquisador responsável), com informações a respeito do tema e seu objetivo,

procedimentos a serem realizados, benefícios do estudo, garantia de sigilo, retirada

do consentimento e outras informações que se fizerem necessárias (Apêndice C).

A pesquisa foi conduzida de acordo com a Comissão Nacional de Ética em

Pesquisa e realizada após aprovação do Comitê de Ética de Pesquisa da UNIVALI

(CEP/UNIVALI) com o parecer número 858.2282.

O tratamento dos dados foi feito de acordo com análise de conteúdo onde

foram destacadas as categorias de análise e com elas uma possibilidade de

revisitação ao marco teórico (metodologia dialética). A partir da leitura flutuante,

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sublinhei as partes mais importantes, as palavras chave foram identificadas e assim,

as categorias.

Para atingir mais precisamente os significados trazidos pelos sujeitos foi

utilizada a análise de conteúdo temática. Esta é a forma que melhor atende a

investigação qualitativa do material referente a saúde, uma vez que a noção de tema

refere-se a uma afirmação a respeito de determinado assunto. O percurso analítico e

sistemático, tem o sentido de tornar possível a objetivação de um tipo de

conhecimento que tem como matéria prima opiniões, crenças, valores,

representações, relações e ações humanas e sociais sob a perspectiva dos atores

em intersubjetividade. (MINAYO, 2012)

Para Bardin (2009), a análise de conteúdo, enquanto método, torna-se um

conjunto de técnicas de análise das comunicações que utiliza procedimentos

sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens. Pode-se

considerar a categorização como uma “operação de classificação de elementos

constitutivos de um conjunto, por diferenciação e, seguidamente, por reagrupamento

segundo o gênero (analogia), com critérios previamente definidos. As categorias são

rubricadas ou classes, as quais reúnem um grupo de elementos (unidades de

registro) sob um título genérico”.

O processo de análise dos dados é como um funil: as coisas estão abertas de

início (ou no topo) e vão se tornando mais fechadas e específicas no extremo.

(FERREIRA, 2011)

A devolução dos resultados deste trabalho para o curso de Odontologia será

realizada por meio de uma reunião agendada com o Núcleo Discente Estrutural e

com o Colegiado do curso. Além disso, uma cópia da dissertação será

disponibilizada na Biblioteca da Universidade para que todos tenham acesso ao

trabalho.

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4 RESULTADO: O CONCEITO DE CIRURGIÃO DENTISTA GENERALISTA

Antes de realizar os grupos focais, fiz as entrevistas com os informantes-

chave. Além de contextualizar a evolução histórica da saúde bucal e as

modificações curriculares ocorridas no Brasil e em especial na UNIVALI, foi possível

buscar o conceito de CD Generalista.

A partir da leitura flutuante das entrevistas, sublinhei as partes mais

importantes, identifiquei as palavras chave e assim, as categorias. Os informantes

nos deram tanto subsídio, que o referencial teórico para a dissertação teve que ser

ampliado.

As categorias analisadas foram: o desmonte da rede geral, o enfoque

preventivista, as políticas odontológicas e o que é o CD generalista.

4.1 DESMONTE DA REDE

A mercantilização da saúde é a realidade de muitos municípios brasileiros que

optam por um modo de condução do SUS que vai aos poucos contribuindo com o

desmonte do mesmo. (MENDES et al., 2011)

A atual política de saúde, não por acaso, centra seu foco de atenção no

âmbito municipal/local, impondo padrões de atuação não condizentes com a enorme

heterogeneidade deste país, e totalmente distantes das possibilidades reais dos

municípios de darem resposta aos crescentes problemas de saúde com os quais se

defrontam (SOARES, 2000). Além disso, a falta de comprometimento por parte dos

profissionais de saúde e dos gestores acaba por acelerar este processo.

Nas falas, pudemos identificar o desmonte da rede de um tempo pra cá:

IC 1 : (...) “historicamente a odontologia no serviço publico foi se pautando

pela mediocridade (...) a gente fazia restauração de algum tipo no serviço publico,

algumas cirurgias e a gente se escondia atrás de que “eu não tenho material então

não posso fazer (...) não é possível você não ter um aparelho de raios-X em cada

unidade gente. A radiologia não é uma especialidade. Você abre o consultório sem

um aparelho de raios-X? (...) você não ter condição pra fazer é uma coisa, agora que

isso não é da sua atribuição é bem diferente, né? Então se eu não tenho raios-X, se

eu não tenho uma lima, eu não posso fazer, mas se eu tiver, eu posso fazer. Eu me

lembro que na prefeitura uma época eu consegui lima e eu fazia preparo

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endodôntico inicial de algumas coisas no serviço público, quando eu me formei eu

tinha o material e dava pra fazer, fazia, como que não dá pra fazer? (...)A gente vai

lá no CEO, e o que vocês tão fazendo? Ah, endodontia. Do que? De unirradicular

reto. Precisava fazer isso? Precisa ser um endodontista pra fazer um 21 retinho?

Não, né gente?” (...)

IC 2: (...) “Primeiro porque nós temos muito SUS dentro do SUS também.

Temos referências muito distintas por exemplo. Dependendo da área para onde o

aluno vá né, ele vai conseguir por exemplo realizar muito mais procedimentos ou

não... Nós temos por exemplo, alguns municípios onde já são confeccionadas

próteses há muito tempo. Outros ainda não. Temos municípios onde por exemplo

um procedimento um pouco mais especializado é realizado na unidade básica em

alguns somente nos CEO. (...) Hoje muitas vezes, em muitos lugares, não é a

questão só da falta de equipamento ou de falta de material. Muito pelo contrario, tem

por exemplo prefeituras ai, secretarias municipais de saúde que disponibilizam

material de excelente qualidade. Muitas vezes está na questão da postura do

profissional, em fazer aquilo ou não. Em respeitar aquele local. As pessoas também

fazem muita diferença por onde passam. Essa questão assim, de se importar com as

coisas e se colocar, de buscar, de ir atrás.”

IC 3: “Um dentista que fazia uma extração de semi incluso sem problema, eu

não precisava de rx, eu não tinha microscopia pra fazer endo, nem sei o que é isso,

eu não tinha radiografia (...) Mas a gente fazia as endodontias, a gente fazia as

cirurgias, a gente fazia, eu fazia gengivoplastia. Eu não precisava de nada, eu não

precisava de recurso tecnológico, eu simplesmente fazia.(...) no serviço publico a

gente adequa o meio, e o cidadão se não tem vaga pra continuar o tratamento

definitivo, vai pro meu consultório particular e faz a dentística. (...) a gente fica no

mocho olhando pro individuo. A epidemio se estrutura apartada do cuidado, o PMAQ

chega de paraquedas, com seus indicadores coletivos dizendo que a gente tem que

cumprir indicador coletivo. Eu como gestora falei esse discurso o ano todo... (...)

Existe um conflito entre a emancipação que a gente deseja e a necessária equidade.

(...) Se o dentista investe muito nas reações interdisciplinares pra emancipar um

sujeito, ele, o dentista, fica satisfeito, certo? Mas ele tem um desgaste de tempo, de

excesso de mocho. Esse tempo deixa de ser exercido fora dos muros das quatro

paredes... Ele, o dentista, não tem tempo de ir pra comunidade, pra conhecer a

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realidade da comunidade. Minimamente deve conhecer né? E eu digo que nem

minimamente o dentista conhece. (...)”

4.2 O ENFOQUE PREVENTIVISTA

Na década de 60, o modelo de ensino norte-americano começava a se

consolidar como hegemônico, na América Latina. A maioria da categoria

odontológica assimilou com mais facilidade as práticas do preventivismo da

odontologia tradicional. O modelo preventivista é defendido como uma visão mais

“integral e politicamente comprometida da prática odontológica e por conseguinte da

própria prevenção, através de ações multidisciplinares e economicamente

determinadas (que tomava como ponto de partida as reais necessidades da

sociedade) desenvolviam métodos coletivos de evitar o aparecimento dos

problemas o mais precocemente possível, tomando em consideração as

características sociais, econômicas, biológicas, culturais e psicológicas da sociedade

como um todo concreto” (QUEIROZ; DOURADO, 2009).

Essa categoria foi diferentemente abordada pelos informantes-chave:

IC 1: “Então a gente fazia todas as discussões da atuação na saúde pública,

da estrutura do SUS, como ele funcionava, as políticas, mas na hora da clinica, a

clínica era de adequação de meio voltada nessa perspectiva de um coletivo. E

mesmo quando é clínica/individual é como a gente utiliza estratégias para dar conta

de um coletivo. E a gente utilizando corretamente essa técnica, você pode deixar o

paciente esperando de um ano a um ano e meio, até dois, sob supervisão, para

depois fazer o definitivo. Mas não é porque eu não quero fazer o definitivo, não é na

lógica só da adequação para parar a doença. Pra reabilitar? Não. Pra sanar a

doença. Ali você faz o TRA [tratamento restaurador atraumático]. (...) Você estabiliza

um paciente e vai atendendo os outros (...) técnica de atendimento clinico ao coletivo

da perspectiva de responsabilidade do coletivo”

IC 2: “Porque a verdade é que a matriz ela sempre teve um diferencial muito

positivo. (...) Ela contemplava e sempre contemplou a odontologia social e

preventiva (...) Porque quando foi pra implantar o curso, em 88, 89 (...)vem uma

proposta muito assim, voltada para a questão da comunidade. Já surgiu assim (...)

um foco na odontologia social e preventiva, mas ai numa restrição, que hoje é saúde

coletiva. Ficava e ficou muito sempre, já foi um avanço, mas mesmo assim muito

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preventiva. (...) mas esse foi um diferencial, o fato de ter colocado isso em todos os

períodos, que é uma leitura mais contemporânea da odontologia.”

IC 3: (...) “Eu me lembro muito da década de 90 quando surgiu o PIA, eu tava

na rede (...) o Programa de Inversão da atenção, e jogam em cima da gente que

agora a postura é diferente. Ao invés de fazer tratamento completado, a gente tem

que começar a fazer a inversão da atenção e fazer a adequação do meio, porque foi

o ápice do preventivismo na nossa área. (...) Porque eu concordava com a

motivação pra entrar com a técnica da adequação, é importante sim, na fase inicial

da vida na fase infantil, porque a odontologia só tinha olhos pra isso, mas isso levou

também a um descaso com a dentística de base (...) entra esse PIA, com uma lógica

preventivista, que é a lógica que odontologia se pauta, a base da odontologia

hegemônica é o preventivismo. E aí vira uma loucura, porque disso surge a TRA

[Tratamento Restaurador Atraumático]. (...)A cárie tem um ciclo repetitivo (...) você

fica num trabalho como de lixeiro (...) limpo, e vem de novo pra eu limpar. Daqui a

pouco eu arranco porque sujou tanto que não deu mais o que fazer (...) não há a

produção da saúde integral(...) Porque preventivismo é filho da lógica mercadológica

(...) Culpabilização das pessoas com base no modelo preventivista. É interessante

induzir a culpabilização, porque ela também remete um plus econômico. Culpabilizar

faz as pessoas terem crise de consciência. Individual. Aí a pessoa faz economia pra

se aliviar da culpa na consciência individual e faz o que o dentista manda, mas o

problema, não é exatamente o dente.” (...)

4.3 AS POLÍTICAS ODONTOLÓGICAS

A inserção da Odontologia no cenário do SUS ocorreu somente nos anos

2000, com o programa Brasil Sorridente. (BRASIL, 2000b). Em 2001 as Diretrizes

Curriculares Nacionais orientaram mudanças na formação em Odontologia.

(MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2001)

Em 2004, as Diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal foram lançadas

com o intuito de apontar uma reorganização da atenção em saúde bucal em todos

os níveis de atenção, tendo o conceito do cuidado como eixo e reorientação do

modelo, ampliação e qualificação da atenção básica, possibilitando o acesso a todas

as faixas etárias e a oferta de mais serviços, assegurando atendimentos nos níveis

secundário e terciário de modo a buscar a integralidade da atenção. (BRASIL, 2004)

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Nas falas pudemos avaliar críticas às políticas odontológicas:

IC 1: (...) “aquilo ali é limitado. Ou seja, é assinar embaixo que aquilo forma

desse jeito. Então isso pra mim é uma pena. Tem uma coisa positiva? Tem. Pela

primeira vez a gente sentou numa mesa, começou a discutir, que foi pra além da

restauraçãozinha simples e da extraçãozinha simples (...) mas aquilo não é um

generalista. Ou seja a própria política de saúde bucal ela não atende aos preceitos

do SUS.(...) E a PSB termina reduzindo o potencial em várias questões. Primeiro por

questões corporativas, segundo por questões financeira e de pressão dos gestores.

(...) A política foi acanhada. (...) Por que tá na política ta certo? O gestor não faz, a

universidade não ensina. Eu acho que vai fazendo isso né? Historicamente se

avançou na odontologia pra uma coisa ruim que foi o modelo cartesiano da

formação, modelo flexneriano, acentuado na especialidade, que sedimentou...(...) é

um contracenso, a política errou em não avançar nesse aspecto, por quê? A política

diz lá que é minimamente aquilo. Bom, mas deveria ter dito que É aquilo. (...) Então,

o generalista é o clinico da atenção básica, tudo que o generalista quando se forma

é capacitado para fazer é a área de atuação da atenção básica. O que acontece é

que os gestores não dão condição estrutural. Mas eu posso fazer. Se eu tiver, eu

posso fazer. E ai, quem são os gestores? (...) qual é o perfil de um profissional que

atua no SUS? É o generalista. O que é generalista? É isso, então se é isso, é pra

isso que a graduação tem que formar.”

IC 2: “A gente não pode perder de vista a dimensão do processo. Então por

exemplo, a gente tem que pensar assim, olhando pra trás na LDB, 96, olhando lá na

década de 80, currículo mínimo, e tudo. Chegou um momento em que se precisou

marcar. Talvez algumas palavras mesmo não tendo sido completamente

compreendidas, mas naquele momento, elas precisavam estar como orientadores,

como referencias. Porque quando a gente traz por exemplo, um profissional critico,

reflexivo, o que provavelmente o texto quis dizer naquela época, era justamente que

deveria ser alguém que não se importasse apenas na realização do procedimento.

Que além de saber o que estava fazendo mas que buscasse aquele procedimento

em relação ao todo. Ao contexto do sujeito, e além de tudo, até que interpretasse...

(...) coisas muito simples por exemplo, de pensar que o outro que é o dono da sua

condição... Então esse respeito pelo outro, talvez ele foi resgatado por algumas

palavras que talvez hoje são óbvias. Mas que para aquele momento, elas

precisaram ter sido trazidas como orientadores de uma macropolítica de educação e

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saúde, e de formação de profissional da saúde. Então talvez essa dimensão talvez a

gente tenha que rever. (...) Acho que nós temos um longo caminho a percorrer, e

também acho que a gente cresceu muito em pouco tempo. É uma profissão que vem

se apropriando de muita coisa em pouco tempo. Hoje tem já um acumulo de

reflexão, de pensamento, do fazer mesmo da odontologia, mais próximo do serviço,

da equipe. É uma profissão que ficou distante historicamente muito tempo.”

IC 3: (...) “as próprias diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal da

atenção básica não são coerentes. Se você aproximar as diretrizes da Política

Nacional de Saúde Bucal da DCN, você vai ver uma baita contradição que nós

somos enquanto modelo de Estado. Porque elas não conversam. A nossa política é

um horror! (...) uma das diretrizes é que o dentista tem que ficar 85% do tempo no

mocho. Como ele poderá exercer o cuidado, como ele produzirá o cuidado? Ele tem

que tá no mocho. Do ponto de vista político partidário, pro prefeito é interessante

isso o retorno da produtividade. Prefeito quer número. Ele quer se reeleger ou eleger

o candidato dele. E nós somos uma ferramenta político partidária. (...) Se a nossa

própria política é subserviente ao mercado ela declina o mercado. Se você olhar

para as Diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal, não existe nenhuma

dimensão ética e política na produção do cuidado na odontologia. É simplesmente

sentar no mocho 85% do tempo. Aquela chateação, aquela coisa de fluorterapia,

que pra mim tem uma grande implicação ética porque estamos falando de um país

que ainda não tem flúor em todas as casas, em todas as roças, portanto não é um

bem universal. (...)A odonto tem uma política. Mas é uma política que aparta. (...) É

uma política produtivista. (...)Então, contradições, incoerências, inconsistências, falta

de dialogo entre políticas. Pra mim é um diálogo de surdos. O MEC e o ministério

não conversarem a fundo para estabelecerem as coisas (...) vai fazendo as suas

políticas de modo assim compartimentalizada. Ninguém fala com ninguém, mas a fila

tá andando.(...) As DCN elas conseguiram incorporar e dar voz a saúde coletiva.

Que é um campo também político de conhecimento e praticas. Num formato

supostamente revolucionário.”

4.4 O QUE É UM CD GENERALISTA?

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As falas selecionadas nos fazem entender o contexto de cada informante-

chave (professor, coordenador e gestor) e assim sua concepção sobre o que é o CD

generalista:

IC 1: “É o clínico geral, é aquele que quando sai da universidade consegue

fazer as coisas básicas de todas as áreas que compõe o atendimento odontológico.

Então, deveria ser parte da formação saber fazer “endo” de todos os elementos

dentários. E aí as complicações independente de ser birradicular, unirradicular,

trirradicular, ela é uma complicação. Então se um dente unirradicular for atrésico é

complicado, mais do que o dente molar amplo. (...) na verdade o que precisa da

formação é que o aluno tenha critério e crítica para cumprir e selecionar, para não

deixar de atender... (...) primeiro ele tem que ter criticidade/critica do limite da sua

intervenção que é dado pela complicação, pela complexidade do caso, não pelas

áreas de atuação de mercado. E segundo, é saber lidar bem, tirar o melhor de

qualquer material que lhe colocar na mão. (...) Ele é policlínico, ele atende dentro do

seu potencial de formação e qualificação, mas ele tem competência pra abordar e

atuar sobre coletividades. E o especialista não, o especialista vai sobre o caso mais

específico. O endodontista ele não vai se preocupar em resolver o problema de

endodontia de um coletivo, não, ele vai atender o paciente que lhe for encaminhado.

O generalista tem que ter a preocupação de resolver problemas clínicos, de várias

áreas e fazer com que as pessoas não precisem chegar na endodontia. (...) tem uma

capacidade de atuar em coletivos. Mas não só no coletivo. Se não a gente esbarra

naquelas coisas: então o generalista tem que atuar com prevenção e promoção. E

eu não concordo com isso. Ele tem que fazer clinica sim, ele é policlínico. Isso

mesmo, mas ele tem que ter competência pra organizar seu processo de trabalho

pra atender coletivos.”

IC 2:“É algo complexo... eu não sei se há uma definição assim tão marcada e

pronta com limites bem definidos. (...) na minha concepção, esse generalista ele se

refere a um profissional que tenha um conhecimento (...) muito sólido de todas as

questões referentes a saúde de um modo geral, mas especificamente naquilo que se

manifesta na cavidade bucal, né? Eu acho que as pessoas que tenham o

conhecimento de doenças prevalentes, alguém que saiba fazer estabelecer um bom

diagnóstico (...) Que tenha aquela questão por exemplo dos principais fatores

etiológicos dos grandes problemas né... Então que é tanto a questão da cárie, da

doença periodontal, vamos supor que é o que acomete a maior parte das pessoas.

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(...) Formado com uma habilidade técnica para um atendimento clínico dessas

questões mais básicas (...) Da periodontia, não de grandes problemas periodontais,

mas da raspagem... Da questão de restaurações, alguém que esteja apto a

responder minimamente as situações de emergência (...)E aqui nós estamos falando

de um profissional independente do contexto aonde ele vai se inserir. Seja no seu

consultório particular, seja na rede pública. Mas eu penso que ele precisa ter

condições de fato de saber por exemplo fazer uma abertura endodôntica. Mesmo

que ele não vá fazer a endodontia, mas eu acho que o generalista ele vai, claro que

ele vai aprender a fazer endodontia sim, mas eu digo que ele tem que estar

preparado e apto para. Mesmo que depois ele não faça, é opção de fazer. Mas se a

gente pensar no curso como formação nós temos que prepará-lo para isso. (...)

Formar um profissional que de fato tenha a preocupação com essa questões, que

não seja de olhar por exemplo só para o dente né? Mas para todos os tecidos

adjacentes, presentes na boca. Que seja um individuo que se importe com o outro.

(...) O cuidado com o outro, no sentido assim, de valorizar, saber ouvir acima de tudo

a história do outro. De estar preparado para isso, de ter paciência, preocupação...

Essa relação de profissional com esse usuário desse serviço. (...) Eu penso que ele

também inclui um conhecimento e uma percepção desse profissional como um

profissional da saúde, uma ampliação que não é só um dentista, um profissional da

boca, do dente, mas é um profissional da saúde. É... Um profissional que

minimamente saiba como que o sistema de saúde do Brasil se organiza. (...) E

acima de tudo, é um profissional que sabe reconhecer o seu limite, tendo o

compromisso com o outro. (...) Nós temos uma profissão que reconhece pelo menos

20 especialidades. Quem domina 20 especialidades? Não sei se eu conheço alguém

que faz isso... Mas nós precisamos ter a consciência do limite e saber que existem

pessoas que podem prestar esse serviço, então, um compromisso com o

diagnóstico e com o encaminhamento desse tratamento né? (...) São questões

bastante amplas, eu até penso o seguinte: ser dentista não é fácil. Dentro dessa

perspectiva ampliada, desse generalista. Porque talvez ser especialista também não

seja fácil, mas talvez seja mais fácil. Porque tu vais te preparar, te organizar para

responder a uma questão muito específica. Muito pontual. E esse generalista não,

né? (...) Porque pra mim um profissional generalista não implica apenas numa

atenção clinica ou pelo menos dentro de um conceito de clínica mais restrito. (...)

mas na atuação desse profissional dentro de um aspecto de ações mais coletivas

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também. Não somente individuais. (...) De uma relação ampliada, de uma

preocupação do profissional, por exemplo, de enxergar o outro e se importar com

algumas questões que inicialmente podem não parecer da odontologia... (...) a

concepção de um profissional da saúde, talvez ele tenha a preocupação com um

sinalzinho que tá do lado de fora perto do teu olho (...) olhar alguma coisa além.

Então eu compreendo que o generalista chega neste nível e não é só clinico

procedimental.”

IC 3: “Pra mim a formação generalista é formação de base. Formação de solo.

Um solo epistemológico social. Com o olhar pra complexidade das relações sociais,

pra complexidade dos grupos sociais, da construção de interação social. Então eu

volto um pouco no meu tempo, eu tenho que voltar no meu tempo pra eu poder

entender onde ela está situada na minha experiência, né? Enquanto dentista e

depois enquanto gestora. Pra mim é uma similaridade, uma aproximação do clínico

geral. Que foi aquilo no que eu me formei. Ser clinico geral pra mim era ser dentista

de base, era ser um dentista voltado pras questões de base nas especialidades da

odontologia. Então a gente saía da universidade como clinico geral, eu saí com

muito orgulho como clinico geral!! Eu sou de um tempo, por exemplo, onde a

dentística era comandada pela cureta não comandada pela tecnologia. Se tem um

instrumento que eu comprava no meu consultório absurdamente era a cureta. E

eram curetas e mais curetas! Então era uma dentística em um tempo com mais

tempo, hoje é um tempo muito sem tempo, né? Então a anamnese e exame físico

eram feitos de outra forma. (...) são coisas de base, porque a gente lida com a dor.

Qual é a grande essência da nossa área, é dar continência a dor. Às várias formas

de dor. A gente passa o ano todo estudando, os quatro anos estudando as várias

formas de dor né? Concretas, mas há dores simbólicas. E quando chega na hora de

atuar a gente faz aquele distanciamento que hoje também é bem comum, o

distanciamento entre o que a gente pensa, o que a gente fala, o que a gente faz...

(...) é a odontologia de base. Porque pra mim nada se ergue sem base. (...) O que

precisa é reconhecer a dialética dessa situação histórica. Reconhecer a contradição

ou então parar de falar nesse tal de generalista. Tanto é que na DCN bota:

generalista vírgula crítica e reflexiva vírgula humanista. Por que tantas palavras pra

um atributo que nem se sabe o que é? Porque critico reflexivo e humanista são

desdobramentos do generalista. São qualidades. (...) Ter uma postura crítica, ou

seja, parar com essa filosofia pragmática, escarrada que ta aí, hegemônica e partir

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pra uma filosofia da práxis. É ter atitude crítica, é coragem pra enfrentar, É ter

coragem de militância e ter vontade de fazer militância.(...) Tem-se uma retórica,

mas não se sabe aonde se quer chegar. Talvez a DCN seja bem isso, botou a

palavra generalista lá... (...) Eu não sei.. Às vezes eu acho que essa palavra

generalista veio meio ao léu, sem eles saberem mesmo o que tavam fazendo sabe?

Botaram lá.só generalista. E crítico e vírgula reflexivo e vírgula humanista. Sendo

que tudo pode ser uma coisa só. Que pra mim é base.”

Para entender o que significa, ou para que serve um CD generalista há que

entender (e isso deveria ser currículo formativo e enfático): a necessidade de

reestruturação da rede a partir da atenção fundamental; a noção de integralidade; as

políticas nacionais coerentes com a Atenção Primária (inclusive a serem lutadas),

além de uma definição mais clara e a partir daí um objetivo a ser perseguido ao

longo do curso.

Os informantes-chave foram fundamentais para o entendimento do conceito

de CD generalista. Este conceito é formado pelas vivências e ideologias dos

sujeitos. A partir da história/trajetória de cada um ele é moldado. Mas e aí? Como

despertar em acadêmicos o desejo de se tornar um CD generalista, além do clínico

geral. Um profissional voltado para o ser humano que agregue ao SUS.

Há um distanciamento entre o que é (e deveria) ser aprendido do que é

efetivamente realizado e ensinado na prática do CD. O conceito de generalista não

tem sido discutido.

Acredito que tentando sintetizar as opiniões dos três informantes-chave, essas

dúvidas fiquem menos turvas. O consenso (somando 3 opiniões diferentes) é que:

É um dentista de base, policlínico. Com competência para organizar seu

processo de trabalho e atender coletivos. Um profissional com consciência do limite

da sua intervenção. Formado com uma habilidade técnica para um atendimento

clínico das questões mais básicas que possa atuar tanto no seu consultório

particular quanto na rede pública. Mas não é só clínico procedimental. É um

profissional da saúde, não um profissional da boca. Exerce uma clínica ampliada

(CAMPOS, 2002), onde a anamnese e os exame clínicos são essenciais e a

dentística é comandada pela cureta não pela tecnologia. Um profissional que tenha

em sua formação, a consciência de que “crítico, reflexivo e humanista” são

desdobramentos, qualidades do CD generalista.

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Portanto, defendo que a formação deveria ser direcionada para esta forma de

atuação reservando o aprofundamento em qualquer tema da Odontologia para

especialidade (inclusive do CD generalista).

E isso implica em entender que rede é necessária, a noção efetiva de

integralidade que pressupõe excelente clínica, ampliada, respeito às necessidades

da população, um trabalho para além do mocho - um mocho bem mais ampliado. É

preciso aproximar a saúde coletiva da clínica, resgatando humanidades e

competência técnica.

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5 RESULTADOS E DISCUSSÃO DOS GRUPO FOCAIS

O guia de temas utilizado nos grupos focais continha uma pergunta (parte I) e

quatro situações problemas (parte II). Para um melhor entendimento, os resultados e

a discussão deste instrumento também foram divididos desta maneira.

Após as explicações sobre o grupo e apresentações dos integrantes, foi

realizada a leitura do Termo de Aceite e todos os participantes assinaram.

Parte I

A primeira pergunta realizada no grupo foi: o que é um Cirurgião Dentista

Generalista?

Pude notar uma diferença das falas entre os alunos quando comparados os

dois grupos. A discussão do grupo focal do 8º período foi mais “profunda” e abordou

conceitos diferentes, provavelmente devido ao contato com as Unidades Básicas de

Saúde que os acadêmicos de Odontologia vivenciam a partir deste período.

No grupo focal do 7º período as respostas foram:

AA11:: “(...)o generalista pode ser, que entenda de todas as

especialidades, não que saiba fazer, seja igual o especialista, mas que entenda e que saiba encaminhar se ele não consegue fazer, se é um pouco mais complicado, entender sobre todas as especialidades, o que a gente sai daqui formado é generalista, e também como a gente aprende na saúde coletiva, que tu tem que olhar o paciente como um todo e não só focar na boca, saber dos problemas sistêmicos dele.”

AA44:: “(...) uma pessoa capacitada em trabalhar em todas as áreas. Até também pra trabalhar fora da área, fora do consultório, vamos supor, no caso tu ta fazendo mestrado em, vamos dizer, gestão, também é outra forma né.”

Já no 8º período foram:

AA55:: “(...) um profissional de saúde, que pudesse suprir todas as necessidades do paciente dele, ou se ele não conseguir, digamos que, resolver naquele momento, ele soubesse de que forma proceder no encaminhamento, sobre o que fazer, e um profissional que não iria só olhar no que tem de errado com os dentes daquela pessoa, acho que ele ia além disso que ele iria buscar a origem do problema, o fator que causou, que levou a ocorrência, ou algo assim, que ele fosse um profissional completo, que entendesse além da boca um pouquinho de todas as áreas, que ele fosse como um pouco psicólogo, um pouco nutricionista, um pouco fisioterapeuta, que pudesse passar um conjunto para aquele paciente, para aquela pessoa, que fosse buscar a atenção dele.

AA66:: “(...) é aquele que tem um pouco de conhecimento das diversas especialidades que envolve a profissão dele. Especialidades clínicas. Também no caso de gestão, também tem que ter um pouco de conhecimento, porque no caso de for fazer um serviço público, não sei em qual mercado ele vai estar inserido, talvez necessitem dele na questão de gestão. Que saiba compreender as necessidades do paciente dele, não

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que ele domine todas as especialidades, mas que ele possa dar um direcionamento ao paciente dele. Acho que é isso.

AA77:: “(...) está apto a fazer a grande maioria dos seus procedimentos, porque em um consultório odontológico nunca vai ter a possibilidade de fazer todos, e que ele busque não somente a clínica, como o campo de trabalho dele, mas em toda a Unidade, todo o bairro, buscando a Promoção e a Prevenção de saúde... (...) pro profissional poder se direcionar de uma forma diferente, quem sabe fazendo um acolhimento, um vínculo com o próprio paciente.”

AA88:: “(...) dar o suporte do paciente emergencial, um pouco de cada especialidade da odontologia, e também de todas as outras disciplinas assim né, profissões, que tem que dar o suporte para poder encaminhar o paciente e prestar um atendimento no tempo mínimo.

AA99:: “(...) tu tem que saber fazer o básico de tudo, saber receber teu paciente, acolher, mas tu tem que ter a capacidade de perceber que tem coisas que são procedimentos pra especialistas, tu tem que ter a percepção de dizer, não eu não tenho o conhecimento tão aprofundado nessa área, então vou encaminhar, enfim, e perceber naquele momento, qual o tipo de tratamento para ele naquela hora, e aí entra os quatro eixos de Promoção, Prevenção.."

AA55:: “(...) E tem que saber pra onde encaminhar também, onde direcionar o paciente.”

AA88:: “(...) eu acho que se tu fizer um procedimento que seja de cada um [especialidade] tu já é um generalista, tu vê o paciente como um todo, tu já fez a Endo, tu vai ver e vai saber diagnosticar aquilo, mesmo que tu não faça tu vai saber diagnosticar se é aquilo ou não.”

É possível notar que o “encaminhamento” ganha força a partir do 8ª período.

Os conceitos estão mais amplos e a noção de que existem limites entre o

procedimento e o encaminhamento.

Porém, quando perguntados sobre os limites da intervenção do CD

generalista, os alunos se mostraram confusos e apontaram possíveis falhas na

formação:

(...) “SSaarraahh: Pois é, mas ai fica em que lugar, até onde esse generalista poderia ir?

AA99:: Acho que procedimentos básicos.

SSaarraahh: Quais são eles?

AA99:: O que tu se sente apto a fazer..

AA88:: Eu acho que alguns procedimentos emergenciais tem que saber fazer, o paciente chega com dor, tem que saber abrir um dente, pra pelo menos sanar essa dor.

AA99:: Ou fazer um alívio numa prótese.

SSaarraahh: E se eu quiser fazer uma Endodontia de molar, sendo generalista, vocês acham que eu, se eu me sinto apta a fazer, eu posso fazer?

AA99:: Se tu se sente apta sim.

AA66:: Depende, legalmente pode. Só que eu acho que se torna, o limite do especialista para o generalista vai ser subjetivo, por que eu passei da graduação e não fiz nenhuma Prótese Total, dai ó isso aqui vai pro especialista, daí eu já fiz um monte de cirurgia na minha graduação, não cirurgia pode vir, o generalista dai abraça isso ai. Só que daí eu não concordo, acho que pelo que tu falou seria isso né? Seria um pouco subjetivo de acordo com o que tu fez na graduação só que eu não concordo. (...)

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AA99:: Emergência, Urgência, sabe, enfim, isso ai é incontestável, tu tem que saber...”

Uma síntese do que é o básico para os alunos seria a soma de

emergência/urgência + encaminhamento às especialidades + noções de Saúde

Pública.

O fato de que cada aluno se sente apto a fazer um tipo de procedimento nos

remete a formação fragmentada flexneriana, diferente daquilo que se busca quando

da formação do CD generalista a partir das DCN.

É curioso que os próprios alunos não concordam com essa “forma de

generalista” mas é assim que eles se sentem saindo da faculdade.

Além da definição do conceito de CD generalista, os alunos abordaram outros

pontos, que separei nas seguintes categorias e discorrerei a seguir: Insuficiências do

Modelo Formativo; Defeitos do modelo formativo; A tecnologia de aprendizagem não

é a mesma do serviço; Professor Cirurgião Dentista Generalista.

5.1 INSUFICIÊNCIAS DO MODELO FORMATIVO

Conforme as DCN o currículo deveria formar o CD para a atuação no SUS

como CD generalista e conforme as definições obtidas pelos próprios alunos e pelos

informantes-chave, a estrutura curricular da UNIVALI demonstra sua insuficiência

com o atual desenho.

Esta categoria aponta para algumas subdivisões importantes que merecem

destaque, portanto as denominei como subcategorias. São elas: Carga horária; Falta

de prática/ Insegurança para fazer clínica; Falta de psicologia.

As falas serão relacionadas sem a distinção de período ou aluno, já que os

assuntos foram abordados por ambos os grupos focais de maneira semelhante.

5.1.1 Carga Horária

Os alunos destacaram em diferentes momentos a “falta de tempo” que

algumas disciplinas dispõem e assim, a dificuldade de entendimento por parte dos

alunos dos conteúdos passados pelos professores.

“(...) Eu acho assim, que até, a nossa matriz, de forma geral, eu acho

que a carga horária da nossa matriz é pequena, numa leitura minha,

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entendeu? Não que ah! A disciplina tem pouco tempo, eu acho que todo o curso ele é uma carga horária muito reduzida entendeu? Ai tipo assim, o aluno pode até tentar correr atrás, mas...

(...) Quem vai nos ensinando aos poucos e por parte, que a gente vai assimilando é o professor na clínica do sexto, agora a do sétimo. Porque não que os professores de prótese sejam ruins, mas é que jogam o conteúdo muito rápido né. Eles mesmo reclamam que é pouco tempo.

(...) Quando a nossa turma aprendeu, nós tivemos primeiro [Prótese] Total, depois [Prótese] Fixa e Prótese Parcial Removível [PPR]. A gente saiu reclamando horrores que a PPR a gente teve muito pouco, e tinha que ser muito, e eles tentam mudar, na outra clínica começou com PPR. Agora começaram com PPR e saiu com defeito na Total, daí ninguém não sabia nem moldar.

- Eu nem acho que eles passem de qualquer jeito, acho que é muita quantidade de informação pra pouco tempo.

- Eu acho que é muito pouco tempo. - Tanto que os professores que ficam mais loucos na clínica são os de

prótese - Eles não param. - Eles tem que sentar e fazer pra gente, a gente não sabe nem por

onde começar.”

Foi consenso entre as turmas que a disciplina de prótese tem uma carga

horária reduzida, e por isso os alunos tem dificuldades nessa área. Além de

sobrecarregar os professores nas clínicas, eles não se sentem seguros para realizar

o procedimento porque o estudaram pouco.

Como sugestão para a solução dessas falhas, ocorreu a seguinte discussão:

“(...) Ou dos cursos que tu vai fazer, tu não precisa se especializar, tu

pode fazer um curso amplo de Cirurgia, ou um curso amplo de Dentística, tu não vai se especializar, mas tu vai ter mais conhecimento na área.

- Mas daí tu vai tá correndo atrás das falhas da tua graduação. - A gente não tem como fazer tudo numa graduação, a gente tem que

correr atrás dessas falhas depois. São 4 anos e meio pra muita coisa. - Mas ai que é o problema.”

Segundo Cordioli (2006), “a procura pela educação continuada nos anos

subsequentes à graduação nos induz a dois caminhos: o despertar natural desta

necessidade profissional em manter-se atualizado, gerado pelo espírito investigativo

adquirido durante a formação, dando vida ao processo de aprender a aprender; ou a

falta de conhecimento básico para o exercício desta prática generalista da profissão,

gerada por uma formação deficitária”.

Nota-se que os alunos entendem que a carga horária do curso não consegue

suprir as demandas de conteúdo das disciplinas.

Esse assunto foi abordado na entrevista com o informante-chave 2:

“(...) Então por exemplo o curso tem que passar pra cinco anos... Não

tem nada de errado ficam em 4 anos e meio, só que é o seguinte. Depois em

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2010 saíram os parâmetros curriculares que vem assim, fazendo uma proposta diferente. E vem dizer que curso de 4000 horas, o ideal é que fosse desenvolvido em 5 anos.”

As Referências Curriculares Nacionais (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2010)

orientam que o Bacharel em Odontologia ou Cirurgião Dentista tenha em seu curso

uma carga horária mínima de 4000 horas e a integralização em cinco anos, para

atuar nas atividades de diagnóstico, planejamento e execução de tratamentos

odontológicos.

É preciso que o curso e sua matriz curricular estejam em constante

movimento para que as demandas sejam supridas, tanto aquelas vindas de

documentos a nível federal (como as Referências Curriculares Nacionais) quanto às

reivindicações dos alunos.

5.1.2 Falta de prática / Insegurança para fazer clínica

As habilidades e competências propostas pelas DCN orientam uma reflexão

sobre a formação voltada para a prática clínica tradicional, destacando a visão

holística da atenção em saúde, com a produção social da saúde e ênfase na

qualidade de vida dos cidadãos. (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2001)

Morita et al. (2007) orientam que “a teoria precede a prática, havendo grande

ênfase nas aulas expositivas e alguma prática em laboratórios básicos como em

clinicas de ensino.”

Nas falas dos alunos, pude notar que eles estão insatisfeitos com a

quantidade de aulas práticas/ clínicas que tiveram no curso:

“(...) Eu acho que a mudança curricular ela é necessária, pra mudança profissional sair no modelo tecnicista e pra ir para um modelo mais abrangente como eu tinha falado. Porém eu acho que tava no extremo e agora foi pra outro, porque o modo em que a grade foi disposta nos deixou melhores em um lado que não existia antes e nos padeceu na parte técnica, que é necessária também na execução de procedimentos clínicos. (...) houve redução da clínica e algumas disciplinas de pré-clínica, por exemplo, pra poder mexer com a saúde pública, e isso eu acho que tá nos tornando generalista em um.. é, generalista não.. mas com pouca prática em algumas áreas

(...) Porque tipo assim, a gente aprende na teoria, se tu for lá pegar a teoria e for lá fazer, tu faz, só que a gente não tem a prática.

(...) Eu acho que na prática a gente faz muito poucos procedimentos. (...) Eu acho que a grade até falha, tu vê muita gente se formando, e a

pessoa fez quinze endodontias, fez uma cirurgia e uma prótese entendeu?

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- Na minha opinião sai mais deficiente na prática, por que teoria a gente tem, só que o praticar é que não é muito. Tem muita gente que não vai fazer, ou não fez até agora, ta no sétimo período e não fez uma endo.

- Mas também não corre atrás. - A gente não tem opção de escolher, tipo vocês tem essa opção de

escolher, tipo, eu quero esse paciente por que ele tem isso. Não o paciente chega pra você e ele faz o que ele quer

- A gente fala, de a pessoa correr atrás mas ela pode ir trás, mas é limitante, entendeu?

- Correr atrás é mais a teoria, a prática a gente fica né...”

Quando questionados sobre o que contribui pra isso os alunos responderam:

“(...) Eu acho que eu preferia não sendo integrada, eu preferia

separado. - Eu conheço pessoas que fizeram aqui no tempo em que não era

integrada, e elas me disseram que tinham muita produção no que elas faziam, em tudo, tu não sai sem deixar de fazer alguma coisa.

- E tipo, se ela nunca fez uma Endo, por exemplo, vai fazer duas PPR e nenhuma Endodontia, entendeu? Se não fosse Integrado...

(...) Mas se a gente tivesse mais tempo de prótese, a gente aprenderia melhor vendo. Na pré-clínica eu não gostava, porque aprendia tudo correndo, não aprendia nada, e daí quando foi pra clínica aprendi tudo com o professor e comecei a gostar.

- Exatamente por isso que parece que na prática a gente aprende muito mais tendo primeiro a prática, olhando como é que se faz pra depois tu ter uma teoria e poder assimilar com o que tu fez.

- Mas é que se a gente tivesse diluído a gente teria a teoria, prática e depois mais um complemento da teoria.

- Porque na matriz antiga tinha a teoria de prótese, e depois tinha a prática.”

O saber teórico daquilo que está sendo realizado é o que nos torna

profissionais completos, mas sem a prática, não é possível exercer uma Odontologia

de qualidade. É preciso que os dois caminhem juntos.

Segundo Tiedmann et al. (2005) o objetivo do atendimento a pacientes nas

clínicas universitárias deve responder a necessidade de formação e treinamento

prático e técnico dos alunos, sem excluir o ideal ético de suprir as necessidades de

saúde e demandas dos usuários que procuram este tipo de serviço, bem como a

formação humanizada e ética dos profissionais de saúde. A prática clínica, tanto a

nível individual como coletiva, é muito importante, já que a Odontologia é uma

profissão que exige um trabalho manual intenso. (MORITA et al., 2007)

Nas falas é possível notar que a falta de prática causa insegurança dos alunos

em fazer alguns procedimentos:

“(...) Mas na formação que o dentista generalista, com essa mudança

que a gente teve de grade, antes se tinha clínica de Prótese, um período era

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a Prótese Total, PPR e outro Fixa. A gente pode sair da faculdade sem nunca ter feito uma delas. Por que não é o, não tem como.

- Mas é que tu não tem como fazer tantos procedimentos de tantas coisas também.

- Eu já fiz algumas cirurgias e algumas Endodontias. Mas nunca fiz Prótese Total.

- É só tu começar, acho que é por isso que a gente sai generalista, a gente faz um pouco de cada, nem que seja uma vez, pra poder...

- Tá mas se tu fizer uma vez, durante toda a tua graduação, tu vai se sentir apto pra fazer?

- Uma vez é muito pouco, eu acho. - É, eu acho muito pouco. - Se tu fizesse cirurgia uma vez, se sentiria apta pra fazer no

consultório sozinha?”

É evidente a necessidade de se rever a prática da disciplina de clínica

integrada, que se concretiza a partir do atendimento à usuários, sob o aspecto

técnico e científico, sem perder de vista o papel social da prestação desse serviço.

(TIEDMANN et al., 2005)

O fato de o atendimento na clínica integrada ser realizada a partir da

demanda do paciente pode resultar na falta de contato por arte dos alunos com

alguns tipos de procedimentos. A pouca prática durante o curso acaba influenciando

no trabalho do egresso ao se deparar, por exemplo, no seu consultório ou em uma

rede de atenção básica com procedimentos que pouco praticaram ou só viram na

teoria.

É importante que os professores tenham um cuidado com a quantidade e os

tipos de procedimentos realizados para que todos possam sair do curso tendo

vivenciado na prática aquilo que viram na teoria, ou que pelo menos tivessem

contato com os casos mais comuns de cada área.

5.1.3 Falta de psicologia

De maneira geral, predominam nos currículos dos cursos de graduação,

objetivos dos domínios cognitivo (teoria) e psicomotor (prática). Objetivos

relacionados ao domínio afetivo sequer constam dos planejamentos.

Comportamentos que visem o bem estar do paciente, relacionamento

profissional/paciente são importantes, na medida em que trazem um tratamento

mais seguro e de melhor qualidade, e devem ser desenvolvidos paralelamente ao

processo de ensino/aprendizagem. (LOMBARDO, 2000) Via de regra, o cirurgião-

dentista apresenta-se despreparado para manejar ou controlar o comportamento do

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paciente, e até mesmo sua própria conduta profissional. (CAMPARIS; CARDOSO

JÚNIOR, 2008)

O curso de Odontologia da UNIVALI contempla a psicologia como uma

disciplina, porém os alunos questionam a presença desta na matriz curricular, a

forma que ela é ensinada e assinalam que o conteúdo deveria ser melhor abordado,

já que é extremamente importante na formação:

“(...) Uma coisa que eu acho ridículo mesmo é a nossa psicologia, falo

mesmo, porque poxa. Devia ser mais trabalhada, tipo assim poxa, eu acho que uma aula presencial, não, são duas aulas teóricas, um agendamento, e uma apresentação no final do semestre. (...) é ruim por que é indiferente entendeu? Eu sei que é uma norma, que tem que ter essa disciplina dentro da matriz né, mas eu acho assim, o que eles trabalham aqui uma ida num psicólogo particular, cada um, indo e pedindo pra ele fazer uma carta, já seria o suficiente, pra o que eles usam aqui entendeu? Porque é uma conversa que eu tenho com você e deu. Tipo as únicas coisas que eu aprendi com o professor de psicologia foi o seguinte: “Diferença de medo e ansiedade”.

- Eu tenho amigas que fazem nutrição, que fazem outras coisas, outros cursos na área de saúde e tem psicologia na grade curricular delas, e é outro professor que dá e tipo, minha amiga tá fazendo o TCC na área de Psicologia, de tanto que ela gostou da aula, entendeu?

- É muito interessante a gente saber, só que não é bem trabalhado... - Meu Deus, tipo Paciente Especiais, muitas vezes o paciente só quer

conversar, não quer fazer nada na boca, ele veio ali pra conversar, ele não tá bom pra fazer o tratamento nele, ai tu vai conversar, tu conversa porque é o que tu tem né...”

Conforme se nota nas falas, a deficiência da disciplina é grande e o currículo

deveria ser revisto neste conteúdo.

Além da relação profissional/paciente, é importante que a consciência social,

humanismo, ética, prevenção, cidadania, sejam abordados e devem estar

distribuídas em todas as disciplinas, e ser da responsabilidade de todos os

docentes. Quanto mais disciplinas estiverem envolvidas na aprendizagem de um

determinado conteúdo, mais interessante e desafiador ele se tornará para o aluno.

(LOMBARDO, 2000)

5.2 DEFEITOS DO MODELO FORMATIVO

As mudanças no modelo formativo são complexas e dependem de muitos

fatores. Mesmo com um ótimo projeto pedagógico e professores conceituados,

algumas falhas/defeitos, sempre ocorrerão.

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Esta categoria foi pensada, pois diferentemente da primeira, os alunos

relataram falhas, aspectos que são abordados, mas de maneira deficitária, e não

insuficiências do modelo.

Para melhor entendimento, separei em quatro subdivisões: Saúde coletiva; A

não compreensão do porque fazer / necessidade de nota; Contradições entre

professores; Um currículo formal que não se cumpre/ currículo oculto.

5.2.1 Saúde Coletiva

O curso de Odontologia da UNIVALI tem desde sua primeira matriz curricular

a disciplina de Saúde Coletiva (antiga Odontologia Social e Preventiva) em seus

nove períodos. O que demonstra um avanço de pensamento, mesmo que este tenha

sido voltado para o preventivismo.

Apesar desse diferencial, os alunos assinalam que a disciplina ao longo do

tempo se torna repetitiva:

“(...) A gente tem muita saúde coletiva e fica revendo as mesmas coisas, promoção, prevenção de saúde, e tipo, sabe, depois do sexto, que a gente começa a atender, muda um pouco, por que a gente começa a praticar mais. No primeiro, segundo, terceiro período é tipo as mesmas coisas, que não tinha necessidade de estar dando espalhado assim o conteúdo de saúde coletiva, que a gente acaba ouvindo as mesmas coisas, talvez jogasse a carga horária pra sei lá, pra uma matéria como prótese, que os alunos já não saem sabendo tanto, pelo fato do conteúdo ser...

(...) E outra coisa que eu acho assim também, minha opinião pessoal isso, eu acho que talvez a disciplina de saúde coletiva, ela é, de certa forma, eu acho que ela é trabalhada de uma forma errada entendeu? Eu acho que eles passam o conteúdo no começo, que eu acho que nenhum aluno no começo da faculdade, vai querer saber aquela matéria que eles trabalham no começo entendeu? Tipo, aquilo ali não é tua realidade, tu não vê aquela aula como uma coisa, não, é uma coisa legal pra eu saber por que daqui a pouco eu vou precisar saber, não... Agora que nós vamos chegando mais pro final do curso sabe, a gente fica pensando poxa, uma matéria que foi dada lá no segundo período, é uma matéria legal, só que quando ela foi dada, não era nossa rotina, não era nosso dia-a-dia aquilo ali...

- Ela tá colocada no lugar errado. - Eu acho muito espalhado, por exemplo, nesse semestre, nós

tivemos Gestão de Administração. - E precisando de outras matérias que realmente, a gente precisa sair

daqui pra ser um cirurgião generalista. E nós estamos tendo Teorias Administrativas.”

Além de matérias repetitivas, os alunos relatam que não veem os resultados

de todo o trabalho extramuro realizado pela disciplina, já que não conseguem

estabelecer vínculo com a comunidade (cada semestre estão em alguma unidade

diferente):

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“(...) Vamos supor no primeiro período tu visita uma unidade, sei lá, tu vai lá no Imaruí, no segundo período tu já vai aqui pro Dom Bosco, no terceiro tu vai pra outra unidade, no final das contas tu não tem um retorno daquilo que tu fez, entendeu? Tu não sabe se o negócio melhorou, talvez os professores tenham, óbvio, por que eles tem o controle deles, mas nós como acadêmicos, a gente não tem esse retorno, tipo assim, ao menos comigo, talvez alguma pessoa tenha...

- Eles já fazem pra não repetir o mesmo lugar que tu foi. - A gente não sabe se essas visitas nessas escolas, se tá dando

certo, se tá contribuindo, se serviu. - Aí tipo assim, uma coisa eu aconteceu comigo, tinha escolas que eu

ia fazer atividade e tudo mais, o professor falava ‘a que legal, nunca tinham vindo aqui’ e outras escolas que tu ia fazer e as crianças sabiam tudo que tu ia fazer, tipo assim, elas chegavam e já pediam pra você tipo, a não tem o negocinho pra desenhar? Ou vocês vão escovar os dentes hoje, tipo, elas já sabiam exatamente tudo que ia acontecer, sabe? E não que aquilo ali melhorou em alguma coisa, é que aquilo ali já fazia parte da rotina delas né, e às vezes eu já acho que tipo, esse tipo de acompanhamento, pra ver se tá sendo efetivas, as ações ou não, ao menos, pra nós nunca foi passado.”

O contraste do que é ensinado, como por exemplo, a importância da criação

de vínculo na Atenção Básica, e aquilo que é feito na pratica, desacredita a

disciplina e deprecia um profissional com potencial para o trabalho no SUS.

A fala dos alunos confirma aquilo que ouvi na entrevista com o Informante-

chave 3:

“(...) Imagina a UNIVALI com 9 períodos de saúde coletiva, só que de qual saúde coletiva eu estou falando? Se só nas 3 primeiras aulas se trabalha ciências humanas, na 4ª aula se fala do SUS, traz a bíblia, na 5ª começa o risco e entra todos os protocolo e bíblias e decretos e legislação até o cidadão sair. Agora, por que a gente repete conteúdo? É igual uma criança pequena quando não consegue ter autonomia porque ela ainda é criança. Ele só repete o que ele vê. A gente repete porque a gente está apartado das ciências humanas. A gente se afastou da mãe. E como a gente tá trazendo só a bíblia feitas em protocolo, o caráter fica repetitivo mesmo! Atribuições do dentista. Diretrizes da política nacional de saúde bucal. Lei 8080. 8142, blá blá blá entende? É um filho perdido acho. A saúde coletiva tá igual uma criança perdida, entendeu? A procura da mãe.”

Na mesma entrevista, o informante sugeriu como solução para esse problema

de repetição, a necessidade de aproximar a saúde coletiva de sua base (sua mãe)

as ciências humanas, para então os alunos conseguirem entender os conceitos:

“(...) A saúde coletiva é uma filha que está caminhando sem mãe. Porque se bota saúde coletiva em 9 períodos pra formar o generalista, mas se aparta a filha da mãe. E a mãe são as ciências humanas. A mãe é modelo de sociedade, a mãe é antropologia da saúde, a mãe é economia política, a mãe é ética, essa é a mãe! É um conjunto de áreas das ciências humanas que propiciaram a formação do campo de conhecimento e prática da saúde coletiva no campo da década de 70, naquele contexto que a gente sabe né? Então, não dá pra construir um generalista de base se a base da relação a mãe, as ciências humanas, no sentido “mater”, tá fora, presente somente nas três primeiras aulas da Saúde Coletiva 1. Então não está bastando ter 9

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períodos, viver 9 períodos de saúde coletiva pra uma formação generalista se há uma apartação da mãe.”

Observa-se que a inexpressiva inclusão de conteúdos e disciplinas que

englobem aspectos ligados às Ciências Humanas e Sociais condiciona os

cirurgiões-dentistas a “desenvolver” uma visão limitada do paciente em sua dinâmica

relação com a vida, na qual também tem espaço o trabalho odontológico.

(CARVALHO et al., 2010)

Fica clara a necessidade de se repensar a disciplina de Saúde Coletiva, tanto

em sua concepção quanto em sua maneira de ser repassada aos alunos.

5.2.2 A não compreensão do porque fazer / necessidade de nota

Nos dois grupos os alunos expuseram a dificuldade, principalmente no inicio

do curso, em compreender os procedimentos e atividades realizadas.

Apesar de ser explicado o “porque fazer”, os alunos não são tocados,

inspirados a realizar aquela tarefa. Não veem o que aquela atividade ou

procedimento pode acrescentar para aquela população/pessoa.

A falta de maturidade somada ao não entendimento de matérias básicas

(aqui lê-se, por exemplo, as Ciências Humanas), levam o aluno a buscar somente o

resultado final, a nota.

“(...) Lá no começo da faculdade, tu começa a ter as atividades nas unidades básicas e tudo o mais e tu acaba fazendo aquilo lá não pra atingir um objetivo que seja seu, um objetivo que seja meramente a nota, entendeu? Porque tu precisa fazer aquilo ali. Hoje em dia eu acho que o pessoal vai se formando, tu até agora quando vai fazer uma atividade tu consegue visualizar aquele objetivo, entendeu? A não, eu tenho que incentivar aquela população a mudar os hábitos e tudo o mais, para eu conseguir promover uma melhor qualidade de vida, no começo não, tu tá indo lá, fazendo as atividades, meramente por uma necessidade de nota né. Tu não vai lá pensando não, hoje eu vou lá, fazer uma atividade numa creche, sei lá, numas crianças, não por que eu quero que melhore o índice de CPOD, não! Tu vai lá por que precisa ir lá por que tu é obrigado, entendeu?

- Eu concordo com aquilo lá que tu falou no início, mas esse de ir e fazer, acho que vai meio de cada um, né, que não sabe o que vai fazer lá né. Eu entendo, tu dá mais valor agora... Mas acho que isso é mais da maturidade também, por que é passado pra gente o porque que a gente ta indo, o porque que a gente tá fazendo.

- Tipo a prevenir antes, até a promoção de saúde depois tu vê a importância disso, quando tu enxergas a realidade, que tá feio o negócio, ai tu vê que precisa disso, só que no segundo período tu não tem noção disso, tu tá indo ali porque tu precisa da nota.”

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Para Lombardo (2000) cabe aos docentes relacionar o que está sendo

estudado no momento com a atuação profissional futura. Aqui se destaca o

importante papel dos professores da área básica, que são os primeiros a receber os

alunos e trabalhar com os alunos. É preciso explicar como aqueles conhecimentos,

às vezes tão maçantes, estão relacionados com a sua futura atuação profissional.

Os alunos no inicio do curso não conseguem entender, sozinhos, quais

conhecimentos teóricos são fundamentais e que, quando estiverem realizando as

atividades clínicas, lhe darão a necessária segurança para a tomada de decisões e a

conseqüente execução da tarefa planejada.

Os alunos ainda questionam os métodos de avaliação quando dizem que

mesmo sabendo o que corretamente deveria ser feito, eles acabam pulando etapas

para obtenção das notas:

“(...) Quando a gente recebe um paciente, a primeira coisa que a

gente faz é uma adequação né? Faz as orientações. Deus o livre se a gente fizesse isso! Não vocês não vão perder tempo com isso né gente? Vamos lá, vamos agilizar, vamos fazer cirurgia, vamos... Então independente se tivesse todos os dentes com cálculo só, é a cirurgia.

- A gente foi adequar um paciente a gente levou um 7 porque a professora disse que não ia dar nota, que só raspagem não ia dar nada.

- É no máximo um 7 que ganha. (...) A gente tava discutindo, porque a gente faz a adequação, daí faz

o periograma pra fazer o diagnóstico, mas isso tudo não conta nota, então a gente fica sem nota nesse dia.

- E a adequação se tu for fazer é no máximo 7 que tu ganha, então se tu para pra pensar, tu vai querer chutar logo pra cirurgia, pode ganhar mais nota.

- Porque querendo ou não a gente tem que ser aprovado né? A gente não pode fazer o que a gente acha que é o certo porque a gente tem que ser aprovado.”

O ensino de graduação em Odontologia é um sistema formador de

profissionais para o mercado de trabalho; as estratégias de ensino-aprendizagem

baseiam-se nas exposições orais e o método de avaliação consta de provas

tradicionais teóricas e práticas. (LAZZARIN et al., 2007)

A prática avaliativa é uma das formas mais eficientes de instalar ou controlar

comportamentos, atitudes e crenças entre os estudantes, podendo ser positiva ou

destrutiva em suas possibilidades de desenvolvimento. (MENDES, 2005)

Nas falas, é possível identificar que os alunos se sentem mais maduros com a

evolução do curso, conseguindo distinguir o que é importante, certo ou errado. Mas

a pressão por boas notas acaba por dificultar o processo de aprendizagem.

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5.2.3 Contradições entre os professores

A Odontologia não é uma ciência exata e por isso, existem várias técnicas

para determinados procedimentos. Costumo explicar para os meu pacientes que

existem muitos caminhos para se chegar a um determinado endereço: uns mais

perto, outros mais longe. Mas que o objetivo de todos esses caminhos é um só:

chegar ao endereço final.

Os alunos relatam as contradições entre os professores de uma mesma

disciplina e a dificuldade em avaliar qual vertente seguir:

“(...) Agora uma coisa que não sei dizer no que, mas a divergência em informações de professores. Eu sei que deve ser bem complicado tu, entrar em um bom senso em cada um, então tu aprende uma coisa e lá pra outro professor aquilo lá não serve, daí tu fica meio perdido.

- Sem saber pra que lado, não te ensinaram isso, mas não é assim que tão te cobrando entendeu?

- E depois junta, tipo assim, agora em Pacientes Especiais, aconteceu comigo segunda-feira, a gente aprende com um, que protocolo pra Endocardite a gente faz quando a pessoa tem Ponte de Safena, a gente aprendeu isso, foi passado, o outro veio com o livro do tempo do ‘epa’ pra mim, falando que não se fazia, ai eu fui lá chamei os dois professores e meu Deus, vou responder o que? E não é só nisso, dai eu tá, o que tá certo? Ai ele disse não nessa hora é hora de errar para mais, mas ele falou para mim, já na frente de outro professor ele fica tipo...

(...) Eu entendo que tipo, é a opinião de cada um, vamos supor, agora na integrada do sétimo a gente tem preparo pra pino com um e retratamento de Canal com o outro, e daí um diz que o Pino de Fibra de Vidro, só é usado isso agora que não é usado outro, uma aula depois o outro diz não, o melhor pino é o Pino de Metal, porque o pino de Fibra de Vidro, meu Deus, ele quebra... Na mesma matéria, então, eles tem que conversar o que eles vão passar.

- E daí em quem que a gente acredita né? - Ou então tragam, cientificamente porque um é bom e porque o outro

não é e digam... - Que eles entrem num consenso do que irão passar pra nós, porque

estamos aqui pra aprender, a gente nunca usou. - Ai tu fica, será que é bom usar então, ou não é, ai a gente tem que

criar a nossa própria concepção, dai a gente chega na clínica a gente não pode ter a nossa concepção, é a concepção do professor que tá ali, então tu não cria, tu vai criar depois que sair da faculdade, tu vai criar a tua concepção...

(...) Não e fora quando tu vai lá, faz tudo e o professor disse: “não, tá bom, pode moldar e mandar pro laboratório”, quando tu vai mostrar pro outro professor, não tu vai ter que fazer de novo.”

Os próprios alunos, nas falas mencionam a solução: “tragam, cientificamente

porque um é bom e porque o outro não é”.

Atualmente, o papel do professor é outro. Ele não é mais a fonte do

conhecimento para alunos passivos que ouvem e anotam, mesmo porque a ciência

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avança tão rápido que é impossível a transmissão oral do saber, como nos tempos

antigos. (LOMBARDO, 2000)

Por isso, é preciso que os professores entrem em consenso sobre assuntos

gerais, mas sem atropelar as suas convicções. O aluno deve ser “convencido” pela

técnica.

5.2.4 Um currículo formal que não se cumpre/ currículo oculto

Apesar desta não ser uma dissertação com o intuito de avaliar o currículo e o

projeto pedagógico do curso de Odontologia, os alunos do 8º período levantaram

esta questão. Esta foi a única categoria abordada apenas por um dos grupos focais.

Para Lombardo (2000) a integração das disciplinas dos cursos de saúde deve

resultar num currículo que proporcione a aquisição de conhecimentos, habilidades e

atitudes adquiridos na vivência do mundo real, através de um processo de ensino-

aprendizagem desenvolvido simultaneamente, na escola e na comunidade.

O currículo formal é o conjunto de prescrições oriundas das Diretrizes

Curriculares e outros documentos que atualizam a forma de ensino. Mesmo não

abarcando a complexidade da realidade processual, o currículo formal adquire

fundamental relevância para que ocorram reformulações intencionais.

(MALTAGLIATI; GOLDENBERG, 2007)

Nas falas é possível notar que esse currículo não se cumpre:

“(...) Eu acho que a mudança curricular ela é necessária, pra mudança profissional sair no modelo tecnicista e pra ir para um modelo mais abrangente como eu tinha falado. Porém eu acho que tava no extremo e agora foi pra outro, porque o modo em que a grade foi disposta nos deixou melhores em um lado que não existia antes e nos padeceu na parte técnica, que é necessário também a execução de procedimentos clínicos.

(...) Na verdade esse Generalista a faculdade nos forma, só que cada um se vê mais apto, ou gosta mais de fazer uma determinada coisa, então isso acaba levando a gente a se especializar e ficar naquela área, eu acho que não é porque ele não saiba, ele até sabe, mas ele não dá mais importância, o que faz com que o conhecimento dele, vá diminuindo ou muitas vezes sendo esquecido.”

Além disso, o currículo oculto é percebido pelos alunos a partir de algumas

divergências entre os professores sobre a importância de procedimentos em

detrimento de outras áreas.

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O currículo oculto diz respeito àquelas aprendizagens que muitas vezes

fogem ao controle da própria escola e do professor, passando quase despercebidas,

mas que tem uma força formadora muito intensa.

“(...) Acho que os professores não acreditam que o paciente vai se motivar e vai realmente dar resultado pelo que a gente ta fazendo. Tem que fazer uma raspagem, eles sabem que no final do semestre ele vai tá cheio de cálculo de novo. Então eles não acreditam realmente que vá fazer uma diferença assim.

- Mas acho que também tem muito aluno que não quer, por que eu acho, que, por exemplo, assim ó, eu ia fazer periograma, “Mas porque tu vai fazer periograma? Ela não tem cálculo”, tá mas ela pode simplesmente ter subgengival e eu não sei.

- A gente aprendeu que tendo, periodontite com um ponto de soldagem maior que tu faz.

- Então pra gente ela falou de uma maneira diferente, tem cálculo tu vai fazer o periograma e fechar um diagnóstico.

- Isso ai que tá, eles foram formados de um tipo que só tinha que trabalhar clinicamente. Apareceu resolve, não acreditam que numa educação, numa orientação, motivação, vai mudar a cabeça do paciente.

- Eles acham que é uma coisa momentânea, que é melhor tu fazer a exodontia, que tu vai ganhar nota e mais experiência.

- E na clínica depois tu vai ganhar mais dinheiro, que é o que dizem né, por que não adequam o paciente.”

Apesar dos esforços governamentais e da introdução de conteúdos da área

de ciências sociais e humanas, o currículo “oculto” incentiva a prática privada no

consultório e reforça o individualismo. (CARVALHO, 2004)

“(...) Eu não sei se tu percebeu, mas o nosso currículo oculto, de oculto não tem nada né, eles são bem explícitos quando eles dizem, então quando eles falam mais sobre a profissão deles, para um aluno de 17/18 anos, ‘Poh’ o cara é bem de vida, é só na especialidade. Então quando o discurso deles na prática, nem na clínica, nem dentro da sala de aula, não é abrangendo o paciente como um todo, então isso ai já influencia, já é uma mensagem subliminar.”

Em cada um destes momentos e espaços ocorrem estímulos à formação de

valores, influenciados pelos conteúdos ocultos do processo de aprendizagem. Este

currículo ultrapassa o desenvolvimento da programação do currículo formal e

contempla o conjunto de experiências vividas pelo indivíduo nas várias esferas de

sua existência. (BERTUSSI, 1998 apud CORDIOLI, 2006)

Os alunos são induzidos a passar por algumas etapas a fim de agilizar o

processo de aprendizagem do conteúdo final. Não são conduzidos a enxergar o

paciente, e sim o procedimento.

“(...) Não, vocês não vão perder tempo com isso né gente? Vamos lá, vamos agilizar, vamos fazer cirurgia, vamos... Então independente se tivesse todos os dentes com cálculo só, é a cirurgia.”

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Com as falas é possível observar que o currículo formal não se cumpre, e o

currículo oculto aparece em várias ocasiões, e muitas vezes, percebidas pelos

próprios alunos.

5.3 A TECNOLOGIA DE APRENDIZAGEM NÃO É A MESMA DO SERVIÇO

A saúde no Brasil apresentou mudanças expressivas nas últimas décadas,

com incrementos na expectativa de vida, aumento de cobertura em programas de

imunização e erradicação de doenças imunopreventivas e incorporação de

tecnologias de ponta e resolutivas. (MENDES et al., 2011)

A realidade dos municípios é muito diferenciada, caracterizando diferentes

possibilidades de desenvolver ações, considerando a disponibilidade de recursos,

capacitação gerencial e perfil epidemiológico. Não há um padrão de integralidade

que será colocado à disposição da população no que depende de incorporação

tecnológica e de seus parâmetros de custo. (MENDES et al., 2011) Assim, os

escassos recursos têm sido mal distribuídos, sem respeitar a heterogeneidade

regional e as reais necessidades da população. (SOARES, 2000)

A Odontologia por ser uma área que necessita de equipamentos e tecnologia

para a sua realização sofre com a falta recursos.

Nas falas dos alunos foi possível identificar a dependência pelas tecnologias

para execução de trabalhos simples, mas que nem sempre estarão disponíveis em

uma Unidade Básica de Saúde, por exemplo.

“(...) Eu só sei bater radiografia com posicionador, meu Deus, fui fazer uma Endo no semestre passado, eu só cortava o ápice do canal, porque a gente, só aprende na teoria [sem o posicionador].

- Porque tipo assim ó, a gente aprende na teoria, se tu for lá pegar a teoria e for lá fazer, tu faz, só que a gente não tem a prática.”

Esse assunto foi amplamente abordado pelos informante-chave, e fiz uma

categoria intitulada “Desmonte da rede” no item 4.1 dissertação.

Grande parte da tecnologia está disponível para o aluno no curso de

Odontologia, mas não nos serviços de saúde. E nesse caso, não cito somente a

tecnologia de ponta como tomografias ou o microscópio odontológico, e sim

tecnologias básicas como um aparelho de raios-x ou um material de isolamento

absoluto.

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Não defendo a precarização do trabalho a ponto de se excluírem as

tecnologias, mas é preciso avaliar onde podem ser tirados os excessos e

preciosismos para que seja possível uma Odontologia de qualidade sem altos

custos.

O aparelho de raios-x é indispensável em um consultório odontológico, pois a

radiografia é um exame complementar no diagnóstico. Infelizmente não existe a

obrigação da compra desse aparelho (como existe na compra de uma autoclave e o

cuidado com a biossegurança) por isso ele não é adquirido no momento para

diminuição de custos do município.

A utilização do posicionador é opcional, por isso é de extrema importância que

o CD saiba realizar uma tomada radiográfica sem esse recurso. E mais importante

ainda, é que isso seja ensinado no curso de Odontologia.

5.4 PROFESSOR CD GENERALISTA

As DCN ainda não estão adequadamente compreendidas por grande número

de dirigentes, coordenadores, professores e alunos dos cursos de Odontologia do

Brasil. Oficinas realizadas pela Associação Brasileira de Ensino Odontológico

(ABENO), em 2007, sinalizaram que as faculdades de Odontologia tem encontrado

dificuldades para a implementação das DCN em seus cursos, também pelo grande

número de docentes especialistas despreparados para a formação do profissional

generalista e tomados pela mentalidade flexneriana que predomina na prática

profissional especializada. (MORITA et al., 2007)

Todavia, é praticamente geral que os professores de cursos de Odontologia

não tiveram a oportunidade de uma formação pedagógica e apresentam, como

decorrência natural, dificuldades no exercício da ação docente, que requer uma

abordagem múltipla e complexa no desenvolvimento do processo ensino-

aprendizagem. Não basta ser bom profissional, é necessário também ser bom

professor. (CARVALHO, 2005)

Os alunos sinalizam a dificuldade principalmente na clínica integrada, da

inserção dos professores em outras áreas diferentes das suas.

“(...) A gente entende que não é qualquer professor de qualquer área que vai fazer uma coisa tão específica de uma área, mas tem muitos procedimentos que são simples, que a gente já tem conhecimento que é uma coisa que qualquer profissional, cirurgião geral, faria e a gente se depara na clínica, “ah! Não marca pra hoje que ele não vem hoje”, sabe.

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- Por exemplo, um professor de dentística não pode te olhar fazendo uma endodontia. Tem que ser só com aquele professor específico.

- Como a gente tem clínica, por exemplo, segunda e terça uns professores vão segunda outros na terça.

- Aí a gente tem que avisar os pacientes de acordo com.. Segunda é o dia que tá “Fulano”, então só pode fazer isso, isso e isso. Ou terça é outro atendimento.

- Ou até mesmo com prótese, tem professor que não, eu só vou olhar prótese fixa, então porque que ele pode olhar prótese fixa e não pode olhar uma PPR ou uma Prótese Total? Se ele tem conhecimento na Fixa ele deve ter conhecimento pra PPR e pra Total.

- Mas eles mesmos falam, faz muito tempo que eu não faço uma dentística, eu nem sei mais o que fazer.

(...) Embora o nome da clínica seja Clínica Integrada, a gente faz tudo, mas cada professor é responsável... se um professor faltar de endodontia, segunda-feira a professora tal vai faltar, vamos supor, eu não posso fazer endo, e ninguém pode fazer. Mas será que um professor que faz dentística ou que faz periodontia, ele não é capacitado pra me orientar numa endo?

(...)É o que a gente tá falando, comentando assim, a prova de clínica é integrada, se a gente der pra um professor da clínica integrada fazer, ele só sabe fazer a sua. Só.”

Cristino (2005) questiona: se a maioria dos nossos professores é de

especialistas, quem vai orientar o quê? O primeiro e mais evidente desejo de um

professor especialista, numa Clínica Integrada, é o de se restringir a orientar os

procedimentos concernentes à sua área específica de formação. Seguindo este

desejo, professores de endodontia orientariam apenas os tratamentos de canal, os

professores de dentística ficariam com as restaurações, e assim sucessivamente.

Segundo o autor, na medida do possível todos devem orientar todos os tipos de

procedimentos, dentro da complexidade definida para o semestre em questão.

Como nem sempre isso é possível, as trocas de experiências entre os professores

no interior da clínica se tornam fundamentais e os professores devem estar

dispostos a transitar em terrenos diferentes, para aprender com seus pares, e

mesmo com seus alunos e pacientes.

A ideia de “transitar em terrenos diferentes” aparece nas falas dos alunos

como uma boa opção para que todos os professores se familiarizem novamente com

outras áreas.

“(...) A gente tem professores que são generalistas, a gente tem professores na clínica que tão ali, que sabem... (...) Porque em qualquer procedimento ela tá disposta em te auxiliar, e se ela não souber ela vai tentar, mas se ela não tiver confiança, daí quem sabe ela pense em agendar. E o interessante é que assim, se ela não sabe fazer naquele momento, ela chama alguém que saiba, mas ela fica ali pra aprender, pra ver como fazer, pra da próxima vez ela poder dar esse auxílio. Os outros professores não, uma questão de cirurgia é só com “Fulano”, endo é só com outro.”

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A dificuldade de rompimento com as limitações impostas pela divisão dos

conteúdos em disciplinas é o ponto crucial das reformas, pois os professores estão

habituados à compartimentalização do ensino, uma vez que foram formados desta

maneira. (AQUILANTE; TOMITA, 2005)

Moysés (2003, p.93) comenta que “... o ensino, predominantemente exercido

por especialistas, estimula a especialização precoce dos educandos e a

fragmentação do conhecimento e do ato odontológico”.

Porém, o fato de o professor ter uma formação especializada não limita o

conhecimento geral e não impede que ele tenha uma prática integrada desde que

haja motivação. (ABENO, 2005)

Infelizmente, ainda há professores em nossos cursos de Odontologia, que

defendem a ideia de que as disciplinas podem ser desenvolvidas de maneira

estanque dentro de um curso, cabendo aos alunos integrar os conhecimentos

adquiridos para deles fazer uso na vida profissional. É preciso, antes de tudo,

lembrar que o curso de odontologia tem como objetivo primordial formar um clínico

geral, com competências envolvem a integração de muitos conhecimentos,

desenvolvidos por docentes de diferentes disciplinas. Se estes professores não se

interessam em planejar um currículo integrado, como podem formar um profissional

generalista? (LOMBARDO, 2000)

Nas falas dos alunos, é possível notar que eles compreendem a dificuldade

que os professores tem em se adaptar a essa “nova clínica” e se preocupam com o

futuro como CD após o curso:

“(...) Eu acho que agora... começou a entrar por uma transição que nem no particular o paciente quer ser visto... ele não quer ir em um dentista que vai, faz a endo e depois em outro pra restaurar, em outro pra fazer a prótese, eu acho que o próximo, a própria rede privada, já vai resolver essa questão do generalista. O paciente quer um dentista que faça tudo, ou quase tudo, ele não quer ir em um consultório fazer uma coisa e ir no outro consultório fazer outra, se ele chega em um e o dentista for quase, “Ah esse só faz endo”. Aí ele encaminhou outro pra restaurar, daí ele chega nesse que vai restaurar, fazer uma coroa ou uma onlay, qualquer coisa, se ele chegar lá e ele ver que esse dentista faz, também faria o canal, farias as outras coisas, ele já não volta pro primeiro, ele fica no que é...”

Deve-se considerar que algumas falhas na graduação, que eventualmente

possam ser sentidas pelos profissionais que ingressam na vida profissional à medida

que enfrentam seus casos clínicos, pode ter relação com o perfil do professor de

Odontologia e da metodologia de ensino por ele utilizada. (CORDIOLI, 2006)

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Ainda observa-se nas falas, a necessidade sentida pelos alunos, de

professores que consigam contextualizar casos clínicos e citam os professores de

saúde pública como os que pode mudar esse panorama. O fato dos professores só

trabalharem no consultório particular sem contato com o serviço público também foi

abordado:

“(...) As únicas provas que a gente tinha mesmo, que fossem de

clínica integrada, foram no quarto período e no quinto, que eles contextualizavam...

- Porque tinha professor de saúde coletiva. - Mas as únicas provas eram o quarto e quinto período que eles

bolavam o caso clínico e diziam, o que tu vai fazer? O que tu vai resolver? (...) Mas aqui na clínica apesar de eles estarem trabalhando há tanto

tempo em uma faculdade, eles são dentistas particulares, não são de uma unidade de saúde.”

Dependendo do quão especialista é o docente numa determinada área, ou do

quão entusiasta é ao desenvolver suas aulas, os alunos tendem a assimilar melhor

os assuntos discutidos. Muitas vezes, eles decidem sua futura especialização,

influenciados pelo professor. Frequentemente, o especialista tem o costume de

ministrar conteúdos excessivos sobre sua área, ou aprofundar em demasia alguns

assuntos, muitas vezes sem levar em conta o perfil profissional que se objetiva em

um curso de graduação. (LOMBARDO, 2000)

A formação de profissionais capazes de prestar atenção integral mais

humanizada, trabalhar em equipe e compreender melhor a realidade em que vive a

população para trabalhar no SUS com qualidade e atender as necessidades da

população deve ser o objetivo dos professores. (MORITA; KRIGER, 2004)

Tendo em mente que, os professores como intelectuais, na concepção de

Gramsci, podem ser agentes orgânicos “difusores de determinadas concepções do

mundo, que expressam interesses e projetos das classes sociais fundamentais,

promovem uma ‘reforma intelectual e moral’ na sociedade” (PÉRET; LIMA, 2005)

A formação do novo perfil do odontólogo está condicionada aos sujeitos

formadores desses profissionais. Assim, a ação dos professores como intelectuais e

produtores de conhecimento, dentro do contexto social, cria condições favoráveis

para reorientar a Odontologia em benefício de toda a sociedade. (CARVALHO et al.,

2010)

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Os próprios alunos citam a formação continuada como um grande aliado para

a solução desses problemas, mas indicam que somente ela não muda antigas

concepções:

“(...) Porque os nossos professores... eles são especialistas, embora tenha suas capacitações de férias não muda e a gente vê que não muda.

(...) Só que acho que é difícil de cobrar deles por que eles tiveram outro tipo de formação, e trabalham há anos e tem outra metodologia.

- Ah, mas pra isso tem a capacitação né, da UNIVALI. - Ah, mas é difícil né, fazer uma formação continuada de não sei

quantas horas e mudar a cabeça de alguém que tá acostumado a trabalhar. - Então tchau né.”

Os cursos de educação continuada, voltados para desenvolver processos

pedagógicos, podem trazer efetiva colaboração para o docente das diferentes áreas.

(SECCO; PEREIRA, 2004)

O fato é que a qualificação e a atualização permanente (tanto técnica quanto

didático-pedagógica) na formação dos docentes em Odontologia é desejável para

que ocorra, ao longo do tempo, uma mudança do perfil dos CDs egressos.

(LAZZARIN et al., 2007; CARVALHO et al., 2010)

Portanto, é preciso, progressivamente, avançar para um projeto pedagógico

construído coletivamente, centrado no aluno como sujeito da aprendizagem e

apoiado no professor como facilitador e mediador do processo ensino-aprendizagem

(MOYSÉS, 2004)

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Parte II

5.5 DISCUSSÃO DOS CASOS CLÍNICOS

Na segunda parte do grupo focal os alunos responderam algumas situações

problemas sobre diferentes casos (comuns) na Atenção Básica. Nesta parte, optei

por fazer distinção dos grupos para uma melhor avaliação e discussão das

respostas.

Como uma introdução, foi relatada uma situação hipotética ao alunos: cada

um de vocês foi aprovado em um concurso, após a graduação, para atuarem na

estratégia saúde da família, 40 horas semanais. No primeiro dia de trabalho, vocês

ficaram contentes, ao perceber que os consultórios odontológicos eram bem

equipados e que todos os recursos (instrumentos, materiais dentários, Raios-X,

fotopolimerizador, autoclave, etc.) estavam presentes. Parecia que não faltava nada!

Era tudo novinho! Com auxiliares de consultório experientes!

Com os alunos situados, os casos foram apresentados e discutidos.

Situação 1

“No primeiro dia de trabalho, o coordenador da unidade o (a) chamou para

uma conversa. Ele lhe disse: a nossa unidade é nova, estamos começando o nosso

planejamento. Para montarmos seu plano de trabalho gostaria que você me

descrevesse as atividades que você considera importantes para serem realizadas

por você, nas 40 h semanais de trabalho, e como você sugere que essas atividades

sejam organizadas. O que você descreveria como ‘atividades importantes’ e como

as organizaria, considerando 5 dias semanais de trabalho?”

Os alunos do 7º período organizariam da seguinte maneira:

AA44: “(...)Eu acho que uma manhã pra radiografia é o suficiente, eu deixaria um dia na semana, uma tarde em específico, só pra fazer a triagem daqueles pacientes que querem ser atendidos, e outro período, podia ser uma parte da manhã ou da tarde, pra desenvolver alguma atividade coletiva, uma educação em saúde, ou alguma coisa do tipo, e os outros eu acho que, procedimento.

AA33: Isso que eu ia falar, além dos procedimentos eu acho que eu daria bastante ênfase também tipo, em gestantes, em idosos, em crianças...

AA22: E deixar sempre um horário livre pra emergências né, porque consultas na Unidade Básica sempre, eu deixaria um tempinho reservado só pra..

AA11: É outra coisa seria, Educação Permanente... com o pessoal da equipe pra eles saberem mais sobre odontologia.

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AA44: Eu acho que tem que ir pessoalmente no postinho [pra pegar as fichas], por que eu acho que você reservaria eu acho que sei lá, 3 atendimentos programados e deixaria 2 fichas ali no período pra atendimento espontâneo né, eu acho que essa é a forma, talvez mais racional.”

Os alunos do 8º período abordaram a necessidade do conhecimento do perfil

da comunidade:

AA66: “(...) 50% das horas com atividade clínica, 35% pra educação e 15% pra gestão.

AA55: Eu acho que não tem como definir assim sem conhecer a comunidade primeiro. Definir que tu vai fazer 50% de clínica. Porque tu tá chegando agora na comunidade, vamos supor que seja uma comunidade muito pobre ou de que nunca teve acesso a Dentista nenhum. Primeiro tem que se fazer toda uma educação da comunidade, antes de partir pro 50% clínico, ou tu pode precisar de muito mais clínica no começo.

AA99: Então reconhecimento do território, reconhecimento da população, necessidade da população, SIAB, mapa territorial, as maiores necessidades clínicas, qual o tipo de paciente que tu ta atendendo, e daí eu acho que partir pra educação em saúde... fazer um perfil.

AA66: Eu tenho umas porcentagens assim como as que falei, que o ministério preconiza, não tem.. acho que é 60, 30 e 10

AA77: 85% clínica e 15 %...

SSaarraahh: Mas vocês concordam com isso? Com o ter uma porcentagem?

AA99: Não, eu acho que tem que ver o perfil da tua população.

AA88:Eu concordo com a porcentagem de acordo com cada comunidade.

AA99: (...) Acho que tem que ser demanda organizada. Porque daí o paciente não precisa ir as 5 da manhã pegar a ficha pra ser atendido, mas em compensação se “Ah, eu não pude ir hoje agendar pra semana que vem”, e aí o paciente chega na semana que vem, mesmo que não tenha dor, diga: “Eu só posso vir hoje, eu não posso ser atendido hoje?”, então tem aquelas 5 fichas de urgência que tu pode encaixar um paciente que chegar na hora né.”

É possível notar que os alunos do 8º período tem um amadurecimento maior

quanto ao trabalho em um UBS quando comparado com os alunos do 7º período.

A Política Nacional de Saúde Bucal (BRASIL, 2004) preconiza que “as ações

e serviços devem resultar de um adequado conhecimento da realidade de saúde de

cada localidade para, a partir disso, construir uma prática efetivamente resolutiva”. O

documento recomenda que a organização do atendimento seja realizada da

seguinte maneira:

a) maximizar a hora-clínica do CD para otimizar a assistência – 75% a 85% das horas contratadas devem ser dedicadas à assistência. De 15% a 25% para outras atividades (planejamento, capacitação, atividades coletivas). As atividades educativas e preventivas, ao nível coletivo, devem ser executadas, preferencialmente pelo pessoal auxiliar. O planejamento, supervisão e avaliação implicam participação e responsabilidade do CD;

b) garantir o atendimento de urgência na atenção básica e assegurar cuidados complementares a esses casos em outras unidades de saúde (pronto atendimento, pronto socorro e hospital) de acordo com o Plano Diretor de Regionalização;

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c) Adequar a disponibilidade de recursos humanos de acordo com o fluxo de demanda da realidade local.

A organização do serviço de acordo com porcentagens é engessada e o fato

de os alunos questionarem essa determinação entre eles mesmos é extremamente

valiosa, já que mostra um pensamento voltado para o planejamento de acordo com

o território e população.

A Política Nacional de Saúde Bucal foi amplamente discutida e criticada nas

entrevistas com os informantes-chave (item 4.3 desta dissertação). Apesar de um

avanço na área de Odontologia, a Política requer aprimoramento e debates para

deixar de ser, como me relatou o Informante-chave 1: “tão limitada... acanhada”.

Situação 2

“Certo dia, trabalhando na referida unidade, chegou uma senhora de 58 anos

com dor difusa no hemiarco inferior direito. Ela não tinha agendamento. Na recepção

ela informou que não havia dormido, em função da dor, e que já havia feito uso de

medicamento, sem sucesso. Você a encaixou, mas você estava no final do horário

de trabalho da manhã e ainda tinha várias pessoas com agendamento para atender.

Sua agenda da tarde estava lotada. Seu diagnóstico foi pulpite aguda no 47. Como

vocês conduziriam o caso?”

Nesta situação, as respostas dos dois grupos foram semelhantes e

adequadas: o atendimento ao caso de urgência.

As respostas do 7º período foram:

AA33: “(...) Eu daria prioridade a ela.

AA44: Iria mudar a agenda né, talvez dispensasse o primeiro horário da tarde e estender ali no atendimento, e falar ‘ó a gente vai ter que estar reagendando vocês’, vamos ver as prioridades, né, quem precisa ser atendido com mais pressa.

AA22: É eu atenderia ela e o resto dos pacientes que já estavam lá e algum da tarde eu iria ver o que é menos importante no caso, que poderia ser remarcado pra outro dia, eu faria assim.”

O 8º período respondeu da seguinte maneira:

AA77: “(...) Eu acho que primeiro eu iria olhar a agenda e ver, ‘ah, vai

dar tempo’, ou ‘não vai dar tempo’, se não vai dar tempo de eu atender ela, eu olharia qual tem maior necessidade de ser atendido, qual vai poder virar uma dor, ou posso perder esse dente, conversaria com essa pessoa, se ela tem possibilidade de vir outro dia, na mesma hora, ou outra hora que ela preferir, e atender essa pessoa porque se ela não tá conseguindo dormir, se

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ela não tá conseguindo fazer nada, ela vai voltar novamente, eu posso não ter hora pra atender ela de novo.

AA88: Eu daria um jeito de atender ela no dia, tu remaneja, muitos paciente lá vão fazer raspagem, não faz a raspagem de um arco todo, faz de um hemi-arco e atende a paciente, tu vai abrir o dente e colocar um curativo, não é muito tempo, se a gente que é acadêmico não leva muito tempo.

AA66: Faz abertura e referência pro CEO.”

O atendimento de urgência é prioritário e o paciente que não consegue

acessa o serviço para seu tratamento de rotina acaba por buscar esse atendimento,

seja por apresentar um quadro agudo, com presença de dor, ou necessitar da

realização de algum procedimento que para o paciente é urgente, ainda que não se

configure como tal, do ponto de vista estritamente biológico. (SANCHEZ;

DRUMOND, 2011)

No 8º período, é possível notar que os alunos mostram maior conhecimento

dos fluxos da UBS, quando falam: “Faz abertura e referência pro CEO”. O que não

aparece nas falas do 7º período.

Nesta resposta, os alunos também debateram sobre o vínculo com a

comunidade:

AA88: “(...) Mas tu pode também sacrificar, de repente, um pouquinho do teu almoço pra atender, o paciente tá com dor né.

AA77:: Mas é que as vezes, vai ser todo dia isso, uma coisa é um dia, uma vez ou outra, agora todo dia ir com dor, a população acaba se aproveitando das pessoas boas, “Ah, ele fica então posso chegar atrasada que ele vai se estender, ele vai me atender..”

AA99:: Eu acho que isso não, e isso eu percebi agora, no estágio de agora.

AA88:: A gente atendendo na unidade de saúde a gente percebe muita coisa.

AA99:: Porque depende do nível de afinidade, nível de vinculo que tu tem com a tua população, porque a nossa preceptora... o paciente chegou, não importa a hora, ela atende, porque essas pessoas já estão tão acostumadas com ela, e sabem que as pessoas não pediriam alguma coisa só por pedir, sabem que ela realmente tem os horários, e ela tem esse vínculo com as pessoas, de as pessoas não ‘abusarem’ dela, entre aspas é claro, e eu percebi isso agora.

AA55:: Mas ela também nunca recusou atender ninguém, assim, com dor ela atende né, ela encaixa, ela vai dizer: ‘Espera um pouquinho’, mas ela atende.”

O vínculo com a comunidade é a expressão-síntese da humanização da

relação com o usuário. Responsabilizar a unidade na solução dos problemas em sua

área de abrangência, através da oferta de ações qualificadas, eficazes e que

permitam o controle, pelo usuário, no momento de sua execução, é importante para

uma boa atenção básica. (BRASIL, 2004)

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O reconhecimento da importância do contato com a UBS também merece

destaque. As Diretrizes Curriculares Nacionais estipulam que 20% da carga horária

plena do curso devem se caracterizar como estágio supervisionado. (MINISTÉRIO

DA EDUCAÇÃO, 2001)

Morita e Kriger (2004) relatam que na diversificação dos cenários de ensino -

aprendizagem é preciso sair das práticas profissionalizantes realizadas em clínicas

de ensino de especialidades para as práticas profissionalizantes em clínicas

integradas e atividades extramurais em unidades do SUS, com graus crescentes de

complexidade.

A experiência que os alunos adquirem ao frequentarem a atenção básica é

notada em todas as respostas, e a diferença de “maturidade profissional” se dá pelo

tempo em contato com as UBS.

Situação 3

“Noutro dia, uma mãe chegou à unidade para atendimento de urgência do filho de 9 anos no meio da manhã. Ela relatou que o menino perdeu os dois dentes da frente. A mãe estava nervosa e não dava detalhes de como a criança perdeu os dentes. Ambos choravam: mãe e filho. Enquanto você os acalma dentro da sua sala, a ACS responsável pela área em que a família reside lhe chama. Ela relata que uma vizinha contou sobre uma briga na casa entre o menino e o padrasto e que “o menino levou um soco na boca”. A vizinha ainda relata que as brigas são constantes. Como vocês conduziriam o caso?”

Os alunos do 7º período agiriam da seguinte maneira:

AA44: “(...) Polícia.

AA22: Primeiro ver a criança né, é claro...

AA44: claro ia acolher ali e com certeza eu ia ligar pra polícia.

AA33: não eu, primeiramente ia cuidar da situação da criança ali, ver se precisa fazer algum atendimento tudo o mais, mas posteriormente com certeza eu ia ta relatando isso ai pra polícia.

AA11: Teria que analisar a veracidade disso ai né.

AA44: Mas eu acho que não cabe a nós investigar né, cabe as autoridades, eu só ia relatar o que chegou a mim né. Ia ligar pro Juizado de Menores e ia relatar a denuncia, com certeza.”

Fica claro com as respostas que os alunos entendem a necessidade de

buscar a proteção dessa criança, mas não sabem exatamente como proceder.

O Ministério da Saúde esclarece que: “O ato de notificar inicia um processo

que visa a interromper as atitudes e comportamentos violentos no âmbito da família

e por parte de qualquer agressor. A notificação não é e nem vale como denúncia

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policial.” A notificação deve ser feita para o Conselho Tutelar. (MINISTÉRIO DA

SAÚDE, 2002)

As respostas do 8º período foram mais próximas daquilo que se espera num

caso complexo como esse:

AA99: “(...) Conselho Tutelar.

AA77: Acho que primeiro tem que buscar a veracidade desses fatos, é o que a vizinha ta dizendo, eu não tenho certeza...

AA88: Mas o Conselho Tutelar vai buscar essa veracidade. Eu faria o suporte clínico e buscaria denunciar pro Conselho Tutelar, ele que vai fazer esse suporte familiar, não tem como estar na clínica e fazer esse suporte.

AA99: É, mas tem que acionar o Conselho Tutelar pela denuncia. Porque eles vão lá fazer uma visita um dia, a equipe de saúde, então, acho que faz toda a parte clínica, o atendimento clínica e acho que tem que entrar a Assistente Social.

AA66: Discutir com a equipe se já tinha uma outra informação, além da fofoca da vizinha.”

Mesmo em casos de suspeita, a notificação deve ser feita ao Conselho

Tutelar. No entanto, é importante fundamentar a suspeita através de anamnese e

exame físico cuidadosos e, quando possível, avaliação social e psicológica. É

preciso trocar impressões com outros colegas.

Os alunos mostraram preocupação com o tratamento odontológico da criança

que perder os dentes:

AA77: “(...) Se o acidente aconteceu em pouco tempo, explica pra mãe pra voltar no local do acidente pra procurar os dentes e pra tentar reposicionar. Na unidade de saúde não se tem dente de estoque? A probabilidade de eu ter um dente de estoque dentro do meu carro pra fazer um provisório... Ou ... tu paga o provisório.

AA88: Coloca uma contenção também.”

Os profissionais de saúde, mesmo mobilizados pela situação de violência, não

devem deixar em segundo plano todas as medidas clínicas emergenciais cabíveis

(por exemplo, fazer suturas ou administrar medicamentos para dor), mesmo que isto

implique em atraso de outros procedimentos. O bem-estar da criança deve ser

sempre valorizado. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2002)

É importante salientar que, segundo o Artigo 13 do Estatuto da Criança e do

Adolescente: casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos devem ser

obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sob

pena de multa ao profissional que não o fizer. (SOCIEDADE BRASILEIRA DE

PEDIATRIA, 2001)

Os alunos se mostraram interessados a auxiliar a criança além do

procedimento odontológico, mas é preciso que como CD generalista, os alunos

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saibam conduzir da maneira mais correta esse tipo de caso. Não é uma receita,

cada caso é um caso, mas não se ausentar da responsabilidade é um grande

começo.

Situação 4

“Noutro dia, faltaram vários pacientes agendados. Por isto, você decidiu visitar

a comunidade com a Agente Comunitária e Enfermeira. Era a primeira vez que você

ia para a comunidade com a ACS. Esta comunidade era uma comunidade operária,

isto é, a maior parte de seus moradores eram trabalhadores de fábricas e indústrias.

Que tipos de informação vocês buscariam coletar nas casas visitadas?”

As repostas foram semelhantes: ambos os grupos procurariam conhecer a

comunidade e suas necessidades.

7º: AA11: “(...) Condição de moradia, higiene, estrutura familiar...

procurar conhecer... as necessidades daquela comunidade.

AA44: Saneamento básico... em qual horário eles trabalhavam né. E esse tipo de coisa... porque se o pessoal faltou, então provavelmente deve ser em relação a horário, então tentar agendar a minha agenda a um horário que seja possível pra comunidade ser atendida.”

8º: AA99: “(...)Horário de trabalho da maioria da população, hábito de

higiene da população... Ir nas fábricas né, conhecer como é que é o ato das pessoas ou se tem como fazer parcerias pra fazer palestra... Gênero também né, se é mais homens ou mulheres trabalhando.

AA66: Se eles tem tempo entre um turno e outro pra fazer refeição, higienização. Acesso a água fluoretada.... Se comparecem, se tem alguma doença sistêmica, se tá compensado, se não.

AA88: Grau de escolaridade.

AA77: Se participam de algum grupo, se sente a necessidade de criação de algum grupo, qual a maior necessidade de mudança, ou da necessidade da unidade mesmo, o que eles acham... Idade média das crianças. Saber se todos já foram no Dentista, a frequência que vão no Dentista.

AA55: Quantidade de crianças também. Escolas, creches, ver se estão em escolas creches.”

As respostas corroboram com o que preconiza a Política Nacional de Saúde

Bucal, que relata que as ações e serviços devem resultar de um adequado

conhecimento da realidade de saúde de cada localidade. É imprescindível, conhecer

as condições de vida, as representações e as concepções que as pessoas tem

acerca de sua saúde, seus hábitos e as providências que tomam para resolver seus

problemas quando adoecem bem como o que fazem para evitar enfermidades.

(BRASIL, 2004)

A apropriação do espaço local é fundamental, pois os profissionais de saúde

e a população poderão desencadear processos de mudança das práticas de saúde,

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tornando-as mais adequadas aos problemas da realidade local. (MINISTÉRIO DA

SAÚDE, 2006)

Mas é importante saber o que fazer com essas informações. O que implica no

trabalho do CD generalista se uma comunidade não tem saneamento básico? Ou o

grau de escolaridade? Os alunos não souberam aprofundar a discussão de como

planejar algo a partir do conhecimento da realidade daquela comunidade.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Adotei a forma analítica abrangente inicialmente e depois os resultados que

sobressaíram das entrevistas e grupos.

A visita ao arsenal teórico foi de suma importância para a elaboração da tese

e entendimento da evolução histórica da Odontologia no Brasil. Somente a partir da

leitura dos vários documentos e artigos que compuseram o referencial teórico pude

entender melhor o processo de formação na área.

Conforme as DCN o currículo deveria formar o CD para a atuação no SUS

como CD generalista e conforme as definições obtidas pelos próprios alunos e pelos

informantes-chave, a estrutura curricular da UNIVALI demonstra sua insuficiência

com o atual desenho.

O conceito de generalista não tem sido discutido. Muito se discute sobre

“formar CD generalistas” mas pouco se discute sobre o que é de fato, quais as áreas

atuantes, as prática, a rede e as possibilidades de melhora da atenção básica com a

formação de profissionais neste perfil.

Não existe uma definição do que é o termo CD generalista nem por parte das

DCN, o que causa ainda mais confusão na estruturação do curso e formação deste

perfil de profissional. Para que essa dissertação fosse realizada, foi preciso formar

primeiro um conceito a partir dos informantes-chave para depois buscar entender o

que acontece no curso de Odontologia da UNIVALI.

Esta formação e o contato com a realidade do desmonte da rede favorecem a

formação de um CD que não é o generalista. Os alunos saem como CD que fazem

alguns procedimentos de algumas áreas. O fato de que cada aluno se sente apto a

fazer um tipo de procedimento nos remete a formação fragmentada flexneriana,

diferente daquilo que se busca quando da formação do CD generalista a partir das

DCN. É curioso que os próprios alunos não concordam com essa “forma de

generalista” mas é assim que eles se sentem saindo da faculdade.

Entendo que nas categorias analisadas surgem várias análises e

interpretações que são importantes para as considerações finais.

Os alunos destacaram em diferentes momentos a “falta de tempo” que

algumas disciplinas dispõem e assim, a dificuldade de entendimento por parte dos

alunos dos conteúdos passados pelos professores. A carga horária do curso não

consegue suprir as demandas de conteúdo das disciplinas.

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A carga horária também influencia na pouca prática relatada pelos alunos o

que causa insegurança em fazer alguns procedimentos. É importante que os

professores tenham um cuidado com a quantidade e os tipos de procedimentos

realizados para que todos possam sair do curso tendo vivenciado na prática aquilo

que viram na teoria, ou que pelo menos tivessem contato com os casos mais

comuns de cada área.

Os alunos questionam a presença da disciplina de Psicologia na matriz

curricular, a forma que ela é ensinada e assinalam que o conteúdo deveria ser

melhor abordado, já que é extremamente importante na formação. O currículo

deveria ser revisto neste conteúdo.

A disciplina de saúde coletiva também foi questionada. Além de relatarem que

as matérias são repetitivas, os alunos contam que não veem os resultados de todo o

trabalho extramuro realizado pela disciplina, já que não conseguem estabelecer

vínculo com a comunidade (cada semestre estão em alguma unidade diferente).

Fica clara a necessidade de se repensar a disciplina de Saúde Coletiva, tanto em

sua concepção quanto em sua maneira de ser repassada aos alunos com a noção

efetiva de integralidade que pressupõe excelente clínica, ampliada, respeito às

necessidades da população, um trabalho para além do mocho - um mocho bem

mais ampliado. Além disso, é preciso aproximar a saúde coletiva da clínica

integrada, resgatando as ciências humanas e a competência técnica.

É possível identificar que os alunos se sentem mais maduros com a evolução

do curso, conseguindo distinguir o que é importante, certo ou errado. Mas a pressão

por boas notas acaba por dificultar o processo de aprendizagem.

Os alunos relatam as contradições entre os professores de uma mesma

disciplina e a dificuldade em avaliar qual vertente seguir. Por isso, é preciso que os

professores entrem em consenso sobre assuntos gerais, mas sem atropelar as suas

convicções. O aluno deve ser “convencido” pela técnica e não ser repreendido caso

escolha a técnica preferida por outro professor.

O currículo formal não se cumpre, e o currículo oculto aparece em várias

ocasiões, e muitas vezes, percebidas pelos próprios alunos.

Nas falas dos alunos foi possível identificar a dependência pelas tecnologias

para execução de trabalhos simples, mas que nem sempre estarão disponíveis em

uma Unidade Básica de Saúde, por exemplo. O sucateamento da rede pública onde

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os alunos atuam durante o curso também dificulta o processo de aprendizagem e a

realização da atenção básica, contribuindo para a não formação de CD generalistas.

Os alunos sinalizam a dificuldade principalmente na clínica integrada, da

inserção dos professores em outras áreas diferentes das suas. Nas falas dos alunos,

é possível notar que eles compreendem a dificuldade que os professores tem em se

adaptar a essa “nova clínica” e se preocupam com o futuro como CD após o curso.

É importante entender que apesar dos esforços do curso de Odontologia da

UNIVALI ao realizar a educação continuada de maneira sequencial, somente ela não

é suficiente. A integração de novos professores com a formação (e ideais) voltada

para o CD generalista nas clinicas integradas e o movimento que eles trazem nas

disciplinas precisa ser avaliado pelas instituições.

Além disso, o investimento em Residências Multiprofissionais e projetos de

extensão como os que estão em andamento na faculdade tendem a valorizar o

conhecimento voltado para as áreas em carência do curso e visam a formação deste

profissional generalista, entendendo-o como parte da rede.

Na análise das situações problema aparece um “algo mais” importante para as

considerações finais: os alunos decoram e repetem a teoria que lhes foi passada

como sendo a realidade da saúde bucal do país, não tem visão critica para

confrontar informações ou interpretar dados. Sabem que deveriam fazer algo, mas

não sabem como fazê-lo, caindo desta maneira em propostas ingênuas,

demagógicas, quando não, inverídicas.

As mudanças no modelo formativo são complexas e dependem de muitos

fatores. Mesmo com um ótimo projeto pedagógico e professores conceituados,

algumas falhas/defeitos, sempre ocorrerão.

É importante que se compreenda a necessidade de reestruturação da rede a

partir da atenção fundamental; a noção de integralidade; as políticas nacionais

coerentes com a Atenção Primária (inclusive a serem lutadas), além de uma

definição mais clara e a partir daí um objetivo a ser perseguido ao longo do curso.

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7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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8 APÊNDICE A

ROTEIRO ENTREVISTA INFORMANTE-CHAVE 1 - PROFESSOR

1- O Art. 3º das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) da formação em

Odontologia expressa: O Curso de Graduação em Odontologia tem como perfil do

formando egresso/profissional o Cirurgião Dentista, com formação generalista,

humanista, crítica e reflexiva, para atuar em todos os níveis de atenção à saúde,

com base no rigor técnico e científico. Na sua perspectiva, o que significa formação

generalista?

2- Quando você concluiu o curso de Odontologia você se percebeu um Cirurgião

Dentista (CD) generalista? Ou este adjetivo é novo?

3- O que é um CD generalista?

4- O que você pode pontuar que mudou a partir das

DCNs na teoria? E na prática?

5- O que você entende, a partir da Política de Saúde bucal, como o perfil desejado

de profissional para o âmbito do SUS?

ROTEIRO ENTREVISTA INFORMANTE-CHAVE 2 – COORDENADOR

1- O Art. 3º das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) da formação em

Odontologia expressa: O Curso de Graduação em Odontologia tem como perfil do

formando egresso/profissional o Cirurgião Dentista, com formação generalista,

humanista, crítica e reflexiva, para atuar em todos os níveis de atenção à saúde,

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com base no rigor técnico e científico. Na sua perspectiva, o que significa formação

generalista?

2- Quando você concluiu o curso de Odontologia você se percebeu um Cirurgião

Dentista (CD) generalista? Ou este adjetivo é novo? O que é CD generalista?

3- Que conteúdos oferecidos pela matriz curricular desta universidade estão

voltados para a formação generalista? Tais conteúdos se dirigem também para a

formação humanista, crítica e reflexiva ou são específicos da qualidade

“generalista”?

4- Na sua visão, o corpo docente do curso de Odontologia desta universidade tem

uma concepção coletiva do que vem a ser “generalista”? Há um consenso sobre

esse atributo da formação? Todos os docentes incluem esta temática em seu plano

de ensino, implícito ou explicitamente? Em suma, formação generalista é um tema

transversal do curso?

5- Para você, a consciência que o aluno de Odontologia desta universidade

desenvolve na formação é uma consciência que reconhece a importância desse

atributo para o SUS? A formação generalista é especificamente voltada para o

SUS?

6- Como você avalia o trabalho docente caso seu aluno conclua a graduação

sentindo-se generalista, mas atraído pelo mercado?

ROTEIRO ENTREVISTA INFORMANTE-CHAVE 3 - GESTOR

1- O Art. 3º das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) da formação em

Odontologia expressa: O Curso de Graduação em Odontologia tem como perfil do

formando egresso/profissional o Cirurgião Dentista, com formação generalista,

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humanista, crítica e reflexiva, para atuar em todos os níveis de atenção à saúde,

com base no rigor técnico e científico. Na sua perspectiva, o que significa formação

generalista?

2- Quando você concluiu o curso de Odontologia você se percebeu um Cirurgião

Dentista (CD) generalista? Ou este adjetivo é novo? O que é CD generalista?

3- O que é um CD generalista?

4- O que você entende, a partir da Política de Saúde bucal, como o perfil desejado

de profissional para o âmbito do SUS? Como aproximar a formação acadêmica do

profissional que necessitamos na prática?

5- O que você pode pontuar que mudou a partir das

DCNs na prática?

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9 APÊNCIDE B

GUIA DE TEMAS GRUPO FOCAL

INÍCIO: explicar como funciona o grupo focal para os participantes

- não haverá julgamento de valores - é importante a participação de todo grupo

- vai durar aprox. 50/60 minutos - será gravado para posterior transcrição

1 Apresentação dos participantes: Dinâmica de grupo

Trocando os crachás

Objetivos Conhecer os integrantes do grupo, “quebrar o gelo”, chamar à participação e ao movimento. Material Crachás para todos, contendo os nomes de cada um. Desenvolvimento 1- No inicio do encontro, distribuem-se os crachás normalmente, de forma que cada um receba o seu próprio nome. 2- Após algum tempo, recolher novamente os crachás e colocá-los no chão, com os nomes voltados para baixo. Cada um pega um para si; caso peque o próprio nome, deve trocar. 4 - Enfim procurar o verdadeiro dono do nome (crachá), falar alguma característica dessa pessoa e entregar a ele seu crachá. Avaliação - Partilhar a experiência no grande grupo.

2 Conteúdo do Debate

O que vocês entendem por Cirurgião Dentista (CD) Generalista?

Na clinica integrada, você sente que aprendeu tudo que precisa para ser um CD

Generalista?

O que vocês entendem sobre o trabalho do dentista no SUS?

- o que você acha que deve fazer como CD na Unidade Básica de Saúde?

Você aprendeu a trabalhar em uma equipe multidisciplinar?

3 Fechamento/encerramento do grupo

Síntese do que foi falado durante o grupo.

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10 APÊNDICE C

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE) Você está sendo convidado(a) para participar, como voluntário, em uma pesquisa. Após ser esclarecido(a) sobre as informações a seguir, no caso de aceitar fazer parte do estudo, rubrique todas as folhas e assine ao final deste documento, com as folhas rubricadas pelo pesquisador, e assinadas pelo mesmo, na última página. Este documento está em duas vias. Uma delas é sua e a outra é do pesquisador responsável. Em caso de recusa você não será penalizado(a) de forma alguma.

INFORMAÇÕES SOBRE A PESQUISA: Título do Projeto: A formação profissional do odontólogo como generalista: a contribuição para a reforma curricular na UNIVALI. Pesquisador Responsável: Marco Aurélio Da Ros Telefone para contato: (47)3341-7932 Pesquisadores Participantes: Sarah Bernhardt Ozelame Telefones para contato: (047) 84155553 1. Objetivo – Analisar a compatibilidade entre a matriz curricular, o dentista generalista e o SUS; buscar as percepções dos alunos quanto a sua formação como dentistas generalistas com competência clínica e com processo de trabalho (atenção básica). 2. Justificativa – A faculdade de Odontologia realizou no ano de 2009 a reforma curricular para se adaptar as Diretrizes Curriculares Nacionais. Por ser um processo recente e em execução, necessita de uma avaliação, para assim, promover a qualidade da oferta educacional e buscar melhorias constantes nos processos acadêmicos e administrativos da instituição de ensino superior 3. Procedimentos realizados no estudo – A primeira parte do estudo será uma pesquisa documental para avaliar a compatibilidade da matriz curricular com o conceito de dentista generalista e o SUS, além de entrevistas semiestruturadas com os informantes chaves. A segunda parte será um grupo focal com os alunos matriculados no último ano da faculdade (oitavo e nono período) para buscar as percepções sobre a formação como dentista generalista. 4. Desconforto ou risco – Conceitualmente toda coleta de dados envolvendo seres humanos acarreta em algum tipo de risco. No exercício em grupo, pode haver o embaraço de interagir com estranhos, medo de repercussões eventuais, invasão de privacidade, interferência na vida e na rotina dos sujeitos. Apesar de todos os cuidados por parte dos pesquisadores pode haver o risco da divulgação de dados confidenciais, informações ou imagem, quando houver filmagens ou registros fotográficos. Os pesquisadores garantem o acesso aos resultados, todas as medidas para minimizar desconfortos, garantindo local reservado e liberdade para não responder questões constrangedoras, além da habilidade dos pesquisadores para fazer com que o grupo focal se desenvolva sem danos aos participantes. 5. Benefícios do estudo – O participante, estudante de odontologia, será beneficiado com informações sobre a sua formação além de auxiliar a faculdade na avaliação de sua matriz curricular e como consequência, a formação de profissionais cada vez melhores.

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6. Informações - Os pesquisadores assumem o compromisso de fornecer informações atualizadas obtidas durante o estudo, ainda que estas possam afetar a vontade do indivíduo de continuar participando, como também o resguardo das informações e dos cuidados pertinentes a eventuais riscos. 7. Garantia de sigilo – A participação do voluntário neste estudo é confidencial e nenhum nome será divulgado em qualquer tipo de publicação. Todas as informações coletadas só serão utilizadas para fins científicos. nos pesquisadores garantem a não violação e a integridade dos documentos (danos físicos, cópias, rasuras) além de assegurar a confidencialidade e a privacidade, a proteção da imagem e a não estigmatização, garantindo a não utilização das informações em prejuízo das pessoas e/ou das comunidades, inclusive em termos de autoestima, de prestígio e/ou econômico – financeiro. 8. Retirada do consentimento – A participação neste estudo é voluntária, podendo o participante retirar-se a qualquer momento e por qualquer razão, sem alguma penalidade. No entanto, solicita-se que o desejo de desligamento seja feito pessoalmente ou por telefone. 9. Aspecto legal – Este projeto foi elaborado de acordo com as diretrizes e normas que regulamentam as pesquisas envolvendo seres humanos, atendendo às resoluções 196/96, 251/97 e 292/99 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde. Nome do Pesquisador: ____________________________________________________ Assinatura do Pesquisador: ________________________________________________

CONSENTIMENTO DE PARTICIPAÇÃO DO SUJEITO

Eu, ____________________________________________________________________, RG________________, CPF ________________ abaixo assinado, concordo em participar do presente estudo como sujeito. Fui devidamente informado e esclarecido sobre a pesquisa, os procedimentos nela envolvidos, assim como os possíveis riscos e benefícios decorrentes de minha participação. Foi-me garantido que posso retirar meu consentimento a qualquer momento, sem que isto leve à qualquer penalidade ou interrupção de meu acompanhamento/assistência/tratamento. Local e data:_______________________________________________________ Assinatura : __________________________________________________________

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11 ANEXO A

ANUÊNCIA PARA COLETA DE DADOS DE PESQUISAS ENVOLVENDO

SERES HUMANOS

Declaro que conheço e cumprirei os requisitos da Res. CNS 466/12 e suas

complementares e como esta instituição tem condições para o desenvolvimento do

projeto de pesquisa: A Formação Profissional do Odontólogo como Generalista: a

contribuição para a reforma curricular na UNIVALI, autorizo sua execução pelos

pesquisadores Sarah Bernhardt Ozelame e Marco Aurélio Da Ros.

Data:

_________________________________________

Mário Uriarte Neto

Diretor do Centro de Ciências da Saúde da UNIVALI

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12 ANEXO B

ARTIGO

O que é Cirurgião-Dentista Generalista?

OZELAME SB, DA ROS MA.

RESUMO

As Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação de Odontologia apontam novas

orientações para a formação do cirurgião-dentista generalista, humanista, crítico e reflexivo,

atuando em todos os níveis de atenção à saúde. O cirurgião-dentista generalista é a categoria

central das mudanças sugeridas, porém não há uma definição clara de seu conceito nos

documentos do Ministério da Educação. Para atender as determinações muitas faculdades

tiveram que rever suas matrizes curriculares e a forma de ensino. Este artigo, parte de minha

dissertação , tem como objetivo a aproximação de uma compreensão do que é um cirurgião-

dentista generalista hoje. Foram realizadas, como etapa inicial, entrevistas individuais com

roteiros semiestruturados com três cirurgiões-dentistas informantes-chave. O consolidado de

informações destes informantes foi suficiente para esclarecer a definição e cirurgião-dentista

generalista. Deles, as seguintes categorias foram detectadas e analisadas: o desmonte da rede

geral, o enfoque preventivista, as políticas odontológicas e o que é o cirurgião-dentista

generalista. O conceito de cirurgião-dentista generalista é formado pelas vivências e

ideologias dos sujeitos a partir de sua história. A síntese das opiniões dos três informantes-

chave esclarecem esse conceito.

Palavras-chave: Sistema Único de Saúde, Escolas de Odontologia, Odontologia Geral.

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What is a general dentist?

ABSTRACT

The National Curricular Guidelines for Undergraduate Courses in Dentistry present new

guidelines for the training of a general dentist who is humanist, critical and reflective,

working at all levels of healthcare. The general dentist is the central category of the suggested

changes, but there is no clear definition as to its concept in the Ministry of Education

documents. In order to meet the requirements, many colleges have had to revise their

syllabuses and form of education. This article, which is part of my dissertation, addresses the

understanding of what a general dentist is today. As an initial step, individual interviews with

semi-structured scripts were conducted with three key informant general dentists. The

consolidated information gathered from these informants was sufficient to clarify the

definition of general dentist. Based on the information, the following categories were detected

and analyzed: the dismantling of the overall network, the preventative approach, the dental

policies, and what is a general dentist. The concept of general dentist is formed by the

subjects’ experiences and ideologies, based on their histories. A summary of the opinions of

three key informants helps to clarify this concept.

Key-words: Unified Health System; Schools Dental; General Practice.

INTRODUÇÃO

As Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) do Curso de Graduação de Odontologia1,

aprovadas em 6 de novembro de 2001 , apontam novas orientações a serem adotadas por

todas as instituições do ensino superior do país. Em seu artigo terceiro é proposto o perfil

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desejado do profissional egresso: cirurgião-dentista, com formação generalista, humanista,

crítica e reflexiva, atuando em todos os níveis de atenção à saúde.

Além de generalista, a formação desse dentista deverá contemplar o conhecimento do

Sistema Único de Saúde, a atenção integral da saúde num sistema regionalizado e

hierarquizado de referência e contra-referência e o trabalho em equipe 2.

O cirurgião dentista (CD) generalista é a categoria central das mudanças sugeridas

pelas DCN, porém não há uma definição clara de seu conceito nos documentos do Ministério

da Educação.

A busca em documentos e artigos pela definição do termo CD generalista levou a um

parecer do Conselho Federal de Educação de 1962 que sugere que “é desse dentista geral, é

desse policlínico que a sociedade brasileira está necessitando para ampliar cada vez mais a

assistência dentária as populações”.3

Em 1981, Tumang define que a prática generalista deve envolver: diagnóstico dos

problemas bucais existentes, planejamento de tratamentos, encaminhamento, se necessário, a

um profissional especializado, racionalização do trabalho, educação para a comunidade e

paciente, e implementação de métodos preventivos individuais e coletivo4. Para Lombardo5 a

formação generalista é a que permitirá ao profissional - por meio de uma metodologia de

ensino multidisciplinar e integradora de múltiplos conhecimentos - a aquisição de

competências para a execução de trabalhos no âmbito da clínica geral, diagnosticando,

planejando e avaliando os problemas odontológicos dos pacientes. Moysés 6 descrevem o

dentista generalista como um profissional tecnicamente competente, com sensibilidade social,

capaz de prestar atenção integral mais humanizada, trabalhar em equipe e compreender

melhor a realidade em que vive a maior parte da população brasileira.

A maneira que está descrita na literatura é vaga e supre a necessidade daquilo que

encontramos na Política Nacional de Saúde Bucal, que também é superficial. Reafirma o

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encorajamento a banalização do encaminhamento para o especialista, reduz a atividade e a

resolução do generalista, torna-o um mero encaminhador, sem capacidade de diagnosticar,

planejar e executar os procedimentos mais simples.

A insuficiente articulação entre as definições políticas do Ministério da Saúde e da

Educação contribuiu para um distanciamento entre a formação dos profissionais das

necessidades da população brasileira e da operacionalização do SUS 7.

Cada universidade tem a sua particularidade, cada uma conduz com autonomia

garantida pela Constituição (e pelo MEC), mas existe uma linha geral hegemônica e as

definições que são propostas pelas DCN e pela Política Nacional de Saúde Bucal. Essas

singularidades devem ser entendidas e discutidas, pois são pano de fundo para as mudanças

curriculares e, sobretudo para a formação do que é o CD generalista hoje.

Para atender as determinações e novos apontamentos, muitas faculdades tiveram que

rever suas matrizes curriculares e a forma de ensino, em busca desse CD generalista.

Este artigo nasceu da minha dissertação, que tem como objeto a formação do CD

generalista após a mudança curricular realizada em um curso de Odontologia de uma

Universidade do sul do país. Num dos desdobramentos da proposta inicial da dissertação,

surgiram indícios que mostravam que deveria-se preencher antes da aproximação do objeto.

Para isto, pensou-se em buscar informantes-chave para contextualização tanto da evolução

histórica da saúde bucal como as modificações curriculares ocorridas no Brasil e em especial

naquela universidade.

O referencial teórico da tese previa assuntos como: o Sistema Único de Saúde e sua

história; as Diretrizes Curriculares Nacionais; O Programa Nacional de Reorientação da

Formação Profissional em Saúde - Pró-Saúde; as Equipes de Saúde Bucal dentro da Estratégia

de Saúde da Família e a Política Nacional de Saúde Bucal. Mas dialeticamente quando da

entrevista com os informantes-chave, surgiram outras categorias-chave analíticas

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fundamentais que são: o desmonte da rede; o enfoque preventivista; as políticas

odontológicas; definição do conceito de um CD generalista; mudança de currículo /mesmos

professores; reserva de mercado / especialista; história da universidade.

A partir dos informantes-chave e das quatro primeiras categorias citadas, elaboramos o

artigo com o objetivo de nos aproximar de uma compreensão do que é um Cirurgião Dentista

generalista hoje.

METODOLOGIA

Para a dissertação, fizemos dois grupos focais com o intuito de identificar a percepção

dos alunos sobre sua formação como cirurgião-dentista generalista: com competência clínica e

apto para o processo de trabalho na atenção básica. Mas para a compreensão dos assuntos que

seriam abordados, sentimos a necessidade de buscar informantes-chave, que por sua formação

e história, pudessem representar os pontos de vista a fim de contextualizar.

Os informantes-chave foram três Cirurgiões Dentistas (professor, coordenador de uma

faculdade de odontologia e gestor em saúde pública), que para proteção do sigilo,

representaremos como IC 1, IC 2 e IC3, respectivamente.

Foram realizadas entrevistas individuais com roteiros semiestruturados (apêndice A) e

a pesquisa foi conduzida de acordo com a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP)

e realizada após aprovação do Comitê de Ética da UNIVALI (CEP/UNIVALI) com o parecer

número 858.2282.

A partir da leitura flutuante, sublinhamos as partes mais importantes, identificamos as

palavras chave e assim, as categorias.

Para atingir mais precisamente os significados trazidos pelos sujeitos foi utilizada a

análise de conteúdo temática. Esta é a forma que melhor atende a investigação qualitativa do

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material referente a saúde, uma vez que a noção de tema refere-se a uma afirmação a respeito

de determinado assunto. O percurso analítico e sistemático, tem o sentido de tornar possível a

objetivação de um tipo de conhecimento que tem como matéria prima opiniões, crenças,

valores, representações, relações e ações humanas e sociais sob a perspectiva dos atores em

intersubjetividade8.

Os informantes nos deram tanto subsídio, que o referencial teórico para a dissertação

teve que ser ampliado. Como identificamos sete categorias, em um artigo somente tornaria a

discussão inviável, já que perderíamos conteúdo.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Fizemos então, a análise das seguintes categorias: o desmonte da rede geral, o enfoque

preventivista, as políticas odontológicas e o que é o CD generalista; deixando para um

próximo artigo a análise das outras categorias, juntamente com os resultados dos grupos

focais.

Desmonte da Rede

A mercantilização da saúde é a realidade de muitos municípios brasileiros que optam

por um modo de condução do SUS que vai aos poucos contribuindo com o desmonte do

mesmo9.

A atual política de saúde, não por acaso, centra seu foco de atenção no âmbito

municipal/local, impondo padrões de atuação não condizentes com a enorme heterogeneidade

deste país, e totalmente distantes das possibilidades reais dos municípios de darem resposta

aos crescentes problemas de saúde com os quais se defrontam10. Além disso, a falta de

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comprometimento por parte dos profissionais de saúde e dos gestores acaba por acelerar este

processo.

Nas falas, pudemos identificar o desmonte da rede de um tempo pra cá:

IC 1 : (...) “historicamente a odontologia no serviço publico foi se pautando pela

mediocridade (...) a gente fazia restauração de algum tipo no serviço publico, algumas

cirurgias e a gente se escondia atrás de que “eu não tenho material então não posso fazer (...)

não é possível você não ter um aparelho de raios-X em cada unidade gente. A radiologia não é

uma especialidade. Você abre o consultório sem um aparelho de raios-X? (...) você não ter

condição pra fazer é uma coisa, agora que isso não é da sua atribuição é bem diferente, né?

Então se eu não tenho raios-X, se eu não tenho uma lima, eu não posso fazer, mas se eu tiver,

eu posso fazer. Eu me lembro que na prefeitura uma época eu consegui lima e eu fazia

preparo endodôntico inicial de algumas coisas no serviço público, quando eu me formei eu

tinha o material e dava pra fazer, fazia, como que não dá pra fazer? (...)A gente vai lá no

CEO, e o que vocês tão fazendo? Ah, endodontia. Do que? De unirradicular reto. Precisava

fazer isso? Precisa ser um endodontista pra fazer um 21 retinho? Não, né gente?”

IC 2: (...) “Primeiro porque nós temos muito SUS dentro do SUS também. Temos

referências muito distintas por exemplo. Dependendo da área para onde o aluno vá né, ele vai

conseguir por exemplo realizar muito mais procedimentos ou não... Nós temos por exemplo,

alguns municípios onde já são confeccionadas próteses há muito tempo. Outros ainda não.

Temos municípios onde por exemplo um procedimento um pouco mais especializado é

realizado na unidade básica em alguns somente nos CEO. (...) Hoje muitas vezes, em muitos

lugares, não é a questão só da falta de equipamento ou de falta de material. Muito pelo

contrario, tem por exemplo prefeituras ai, secretarias municipais de saúde que disponibilizam

material de excelente qualidade. Muitas vezes está na questão da postura do profissional, em

fazer aquilo ou não. Em respeitar aquele local. As pessoas também fazem muita diferença por

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onde passam. Essa questão assim, de se importar com as coisas e se colocar, de buscar, de ir

atrás.”

IC 3: “Um dentista que fazia uma extração de semi incluso sem problema, eu não

precisava de rx, eu não tinha microscopia pra fazer endo, nem sei o que é isso, eu não tinha

radiografia (...) Mas a gente fazia as endodontias, a gente fazia as cirurgias, a gente fazia, eu

fazia gengivoplastia. Eu não precisava de nada, eu não precisava de recurso tecnológico, eu

simplesmente fazia.(...) no serviço publico a gente adequa o meio, e o cidadão se não tem

vaga pra continuar o tratamento definitivo, vai pro meu consultório particular e faz a

dentística. (...) a gente fica no mocho olhando pro individuo. A epidemio se estrutura apartada

do cuidado, o PMAQ chega de paraquedas, com seus indicadores coletivos dizendo que a

gente tem que cumprir indicador coletivo. Eu como gestora falei esse discurso o ano todo...

(...) Existe um conflito entre a emancipação que a gente deseja e a necessária equidade. (...) Se

o dentista investe muito nas reações interdisciplinares pra emancipar um sujeito, ele, o

dentista, fica satisfeito, certo? Mas ele tem um desgaste de tempo, de excesso de mocho. Esse

tempo deixa de ser exercido fora dos muros das quatro paredes... Ele, o dentista, não tem

tempo de ir pra comunidade, pra conhecer a realidade da comunidade. Minimamente deve

conhecer né? E eu digo que nem minimamente o dentista conhece. (...)”

Veja-se como os temas tem íntima relação com a formação. Na medida em que há

desmonte da rede, há justificativa concreta para não se formar um CD generalista. Ele não terá

material para exercer essa generalidade.

O enfoque preventivista

Na década de 60, o modelo de ensino norte-americano começava a se consolidar como

hegemônico, na América Latina. A maioria da categoria odontológica assimilou com mais

facilidade as práticas do preventivismo da odontologia tradicional. O modelo preventivista é

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defendido como uma visão mais “integral e politicamente comprometida da prática

odontológica e por conseguinte da própria prevenção, através de ações multidisciplinares e

economicamente determinadas (que tomava como ponto de partida as reais necessidades da

sociedade) desenvolviam métodos coletivos de evitar o aparecimento dos problemas o mais

precocemente possível, tomando em consideração as características sociais, econômicas,

biológicas, culturais e psicológicas da sociedade como um todo concreto”11.

Essa categoria foi diferentemente abordada pelos informantes-chave:

IC 1: “Então a gente fazia todas as discussões da atuação na saúde pública, da estrutura

do SUS, como ele funcionava, as políticas, mas na hora da clinica, a clínica era de adequação

de meio voltada nessa perspectiva de um coletivo. E mesmo quando é clínica/individual é

como a gente utiliza estratégias para dar conta de um coletivo. E a gente utilizando

corretamente essa técnica, você pode deixar o paciente esperando de um ano a um ano e meio,

até dois, sob supervisão, para depois fazer o definitivo. Mas não é porque eu não quero fazer o

definitivo, não é na lógica só da adequação para parar a doença. Pra reabilitar? Não. Pra sanar

a doença. Ali você faz o TRA [tratamento restaurador atraumático]. (...) Você estabiliza um

paciente e vai atendendo os outros (...) técnica de atendimento clinico ao coletivo da

perspectiva de responsabilidade do coletivo”

IC 2: “Porque a verdade é que a matriz ela sempre teve um diferencial muito positivo.

(...) Ela contemplava e sempre contemplou a odontologia social e preventiva (...) Porque

quando foi pra implantar o curso, em 88, 89 (...)vem uma proposta muito assim, voltada para

a questão da comunidade. Já surgiu assim (...) um foco na odontologia social e preventiva,

mas ai numa restrição, que hoje é saúde coletiva. Ficava e ficou muito sempre, já foi um

avanço, mas mesmo assim muito preventiva. (...) mas esse foi um diferencial, o fato de ter

colocado isso em todos os períodos, que é uma leitura mais contemporânea da odontologia.”

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IC 3: (...) “Eu me lembro muito da década de 90 quando surgiu o PIA, eu tava na rede

(...) o Programa de Inversão da atenção, e jogam em cima da gente que agora a postura é

diferente. Ao invés de fazer tratamento completado, a gente tem que começar a fazer a

inversão da atenção e fazer a adequação do meio, porque foi o ápice do preventivismo na

nossa área. (...) Porque eu concordava com a motivação pra entrar com a técnica da

adequação, é importante sim, na fase inicial da vida na fase infantil, porque a odontologia só

tinha olhos pra isso, mas isso levou também a um descaso com a dentística de base (...) entra

esse PIA, com uma lógica preventivista, que é a lógica que odontologia se pauta, a base da

odontologia hegemônica é o preventivismo. E aí vira uma loucura, porque disso surge a TRA

[Tratamento Restaurador Atraumático]. (...)A cárie tem um ciclo repetitivo (...) você fica num

trabalho como de lixeiro (...) limpo, e vem de novo pra eu limpar. Daqui a pouco eu arranco

porque sujou tanto que não deu mais o que fazer (...) não há a produção da saúde integral(...)

Porque preventivismo é filho da lógica mercadológica (...) Culpabilização das pessoas com

base no modelo preventivista. É interessante induzir a culpabilização, porque ela também

remete um plus econômico. Culpabilizar faz as pessoas terem crise de consciência. Individual.

Aí a pessoa faz economia pra se aliviar da culpa na consciência individual e faz o que o

dentista manda, mas o problema, não é exatamente o dente.”

E isso contribui para a não mudança de formação juntamente com o desmonte da rede.

Ou seja, além do desmonte - questão concreta - há uma questão ideológica de inculcação de

uma forma de ver que não contribui para um dentista de alta resolutividade, nem para um

dentista integral, o enfoque é biologicista e sem ênfase nas humanidades, fundantes para a

clínica ampliada.

As políticas odontológicas

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A inserção da Odontologia no cenário do SUS ocorreu somente nos anos 2000, com o

programa Brasil Sorridente12. Em 2001 as Diretrizes Curriculares Nacionais orientaram

mudanças na formação em Odontologia1.

Em 2004, as Diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal foram lançadas com o

intuito de apontar uma reorganização da atenção em saúde bucal em todos os níveis de

atenção, tendo o conceito do cuidado como eixo e reorientação do modelo, ampliação e

qualificação da atenção básica, possibilitando o acesso a todas as faixas etárias e a oferta de

mais serviços, assegurando atendimentos nos níveis secundário e terciário de modo a buscar a

integralidade da atenção13.

Nas falas pudemos avaliar críticas às políticas odontológicas:

IC 1: (...) “aquilo ali é limitado. Ou seja, é assinar embaixo que aquilo forma desse

jeito. Então isso pra mim é uma pena. Tem uma coisa positiva? Tem. Pela primeira vez a

gente sentou numa mesa, começou a discutir, que foi pra além da restauraçãozinha simples e

da extraçãozinha simples (...) mas aquilo não é um generalista. Ou seja a própria política de

saúde bucal ela não atende aos preceitos do SUS.(...) E a PSB termina reduzindo o potencial

em várias questões. Primeiro por questões corporativas, segundo por questões financeira e de

pressão dos gestores. (...) A política foi acanhada. (...) Por que tá na política ta certo? O gestor

não faz, a universidade não ensina. Eu acho que vai fazendo isso né? Historicamente se

avançou na odontologia pra uma coisa ruim que foi o modelo cartesiano da formação, modelo

flexneriano, acentuado na especialidade, que sedimentou...(...) é um contracenso, a política

errou em não avançar nesse aspecto, por quê? A política diz lá que é minimamente aquilo.

Bom, mas deveria ter dito que É aquilo. (...) Então, o generalista é o clinico da atenção básica,

tudo que o generalista quando se forma é capacitado para fazer é a área de atuação da atenção

básica. O que acontece é que os gestores não dão condição estrutural. Mas eu posso fazer. Se

eu tiver, eu posso fazer. E ai, quem são os gestores? (...) qual é o perfil de um profissional que

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atua no SUS? É o generalista. O que é generalista? É isso, então se é isso, é pra isso que a

graduação tem que formar.”

IC 2: “A gente não pode perder de vista a dimensão do processo. Então por exemplo, a

gente tem que pensar assim, olhando pra trás na LDB, 96, olhando lá na década de 80,

currículo mínimo, e tudo. Chegou um momento em que se precisou marcar. Talvez algumas

palavras mesmo não tendo sido completamente compreendidas, mas naquele momento, elas

precisavam estar como orientadores, como referencias. Porque quando a gente traz por

exemplo, um profissional critico, reflexivo, o que provavelmente o texto quis dizer naquela

época, era justamente que deveria ser alguém que não se importasse apenas na realização do

procedimento. Que além de saber o que estava fazendo mas que buscasse aquele

procedimento em relação ao todo. Ao contexto do sujeito, e além de tudo, até que

interpretasse... (...) coisas muito simples por exemplo, de pensar que o outro que é o dono da

sua condição... Então esse respeito pelo outro, talvez ele foi resgatado por algumas palavras

que talvez hoje são óbvias. Mas que para aquele momento, elas precisaram ter sido trazidas

como orientadores de uma macropolítica de educação e saúde, e de formação de profissional

da saúde. Então talvez essa dimensão talvez a gente tenha que rever. (...) Acho que nós temos

um longo caminho a percorrer, e também acho que a gente cresceu muito em pouco tempo. É

uma profissão que vem se apropriando de muita coisa em pouco tempo. Hoje tem já um

acumulo de reflexão, de pensamento, do fazer mesmo da odontologia, mais próximo do

serviço, da equipe. É uma profissão que ficou distante historicamente muito tempo.”

IC 3: (...) “as próprias diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal da atenção básica

não são coerentes. Se você aproximar as diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal da

DCN, você vai ver uma baita contradição que nós somos enquanto modelo de Estado. Porque

elas não conversam. A nossa política é um horror! (...) uma das diretrizes é que o dentista tem

que ficar 85% do tempo no mocho. Como ele poderá exercer o cuidado, como ele produzirá o

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cuidado? Ele tem que tá no mocho. Do ponto de vista político partidário, pro prefeito é

interessante isso o retorno da produtividade. Prefeito quer número. Ele quer se reeleger ou

eleger o candidato dele. E nós somos uma ferramenta político partidária. (...) Se a nossa

própria política é subserviente ao mercado ela declina o mercado. Se você olhar para as

Diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal, não existe nenhuma dimensão ética e política

na produção do cuidado na odontologia. É simplesmente sentar no mocho 85% do tempo.

Aquela chateação, aquela coisa de fluorterapia, que pra mim tem uma grande implicação ética

porque estamos falando de um país que ainda não tem flúor em todas as casas, em todas as

roças, portanto não é um bem universal. (...)A odonto tem uma política. Mas é uma política

que aparta. (...) É uma política produtivista. (...)Então, contradições, incoerências,

inconsistências, falta de dialogo entre políticas. Pra mim é um diálogo de surdos. O MEC e o

ministério não conversarem a fundo para estabelecerem as coisas (...) vai fazendo as suas

políticas de modo assim compartimentalizada. Ninguém fala com ninguém, mas a fila tá

andando.(...) As DCNs elas conseguiram incorporar e dar voz a saúde coletiva. Que é um

campo também político de conhecimento e praticas. Num formato supostamente

revolucionário.”

As políticas odontológicas sempre tiveram uma timidez incompreensível ou uma

omissão proposital em encarar a Atenção Primária fundamental em Odontologia, seja pelo

desmonte, pelo ideológico ou pela ausência de dialogo entre o modelo formativo (MEC) e as

necessidades sentidas pela população (e não confundir com necessidade de mercado)

O que é um CD generalista?

Essa categoria ao final da análise acaba aparecendo como uma síntese de toda a

discussão e não pode deixar de ser refletida como categoria. A principio havíamos pensado

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em incluir nas considerações finais, mas como os informantes-chave contribuíram para

elucidar o entendimento do CD generalista, resolvemos utilizar as falas como uma categoria.

As falas selecionadas nos fazem entender o contexto de cada informante-chave

(professor, coordenador e gestor) e assim sua concepção sobre o que é o CD generalista:

IC 1: “É o clínico geral, é aquele que quando sai da universidade consegue fazer as

coisas básicas de todas as áreas que compõe o atendimento odontológico. Então, deveria ser

parte da formação saber fazer “endo” de todos os elementos dentários. E aí as complicações

independente de ser birradicular, unirradicular, trirradicular, ela é uma complicação. Então se

um dente unirradicular for atrésico é complicado, mais do que o dente molar amplo. (...) na

verdade o que precisa da formação é que o aluno tenha critério e crítica para cumprir e

selecionar, para não deixar de atender... (...) primeiro ele tem que ter criticidade/critica do

limite da sua intervenção que é dado pela complicação, pela complexidade do caso, não pelas

áreas de atuação de mercado. E segundo, é saber lidar bem, tirar o melhor de qualquer

material que lhe colocar na mão. (...) Ele é policlínico, ele atende dentro do seu potencial de

formação e qualificação, mas ele tem competência pra abordar e atuar sobre coletividades. E o

especialista não, o especialista vai sobre o caso mais específico. O endodontista ele não vai se

preocupar em resolver o problema de endodontia de um coletivo, não, ele vai atender o

paciente que lhe for encaminhado. O generalista tem que ter a preocupação de resolver

problemas clínicos, de várias áreas e fazer com que as pessoas não precisem chegar na

endodontia. (...) tem uma capacidade de atuar em coletivos. Mas não só no coletivo. Se não a

gente esbarra naquelas coisas: então o generalista tem que atuar com prevenção e promoção.

E eu não concordo com isso. Ele tem que fazer clinica sim, ele é policlínico. Isso mesmo, mas

ele tem que ter competência pra organizar seu processo de trabalho pra atender coletivos.”

IC 2:“É algo complexo... eu não sei se há uma definição assim tão marcada e pronta

com limites bem definidos. (...) na minha concepção, esse generalista ele se refere a um

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profissional que tenha um conhecimento (...) muito sólido de todas as questões referentes a

saúde de um modo geral, mas especificamente naquilo que se manifesta na cavidade bucal,

né? Eu acho que as pessoas que tenham o conhecimento de doenças prevalentes, alguém que

saiba fazer estabelecer um bom diagnóstico (...) Que tenha aquela questão por exemplo dos

principais fatores etiológicos dos grandes problemas né... Então que é tanto a questão da cárie,

da doença periodontal, vamos supor que é o que acomete a maior parte das pessoas. (...)

Formado com uma habilidade técnica para um atendimento clínico dessas questões mais

básicas (...) Da periodontia, não de grandes problemas periodontais, mas da raspagem... Da

questão de restaurações, alguém que esteja apto a responder minimamente as situações de

emergência (...)E aqui nós estamos falando de um profissional independente do contexto

aonde ele vai se inserir. Seja no seu consultório particular, seja na rede pública. Mas eu penso

que ele precisa ter condições de fato de saber por exemplo fazer uma abertura endodôntica.

Mesmo que ele não vá fazer a endodontia, mas eu acho que o generalista ele vai, claro que ele

vai aprender a fazer endodontia sim, mas eu digo que ele tem que estar preparado e apto para.

Mesmo que depois ele não faça, é opção de fazer. Mas se a gente pensar no curso como

formação nós temos que prepará-lo para isso. (...) Formar um profissional que de fato tenha a

preocupação com essa questões, que não seja de olhar por exemplo só para o dente né? Mas

para todos os tecidos adjacentes, presentes na boca. Que seja um individuo que se importe

com o outro. (...) O cuidado com o outro, no sentido assim, de valorizar, saber ouvir acima de

tudo a história do outro. De estar preparado para isso, de ter paciência, preocupação... Essa

relação de profissional com esse usuário desse serviço. (...) Eu penso que ele também inclui

um conhecimento e uma percepção desse profissional como um profissional da saúde, uma

ampliação que não é só um dentista, um profissional da boca, do dente, mas é um profissional

da saúde. É... Um profissional que minimamente saiba como que o sistema de saúde do Brasil

se organiza. (...) E acima de tudo, é um profissional que sabe reconhecer o seu limite, tendo o

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compromisso com o outro. (...) Nós temos uma profissão que reconhece pelo menos 20

especialidades. Quem domina 20 especialidades? Não sei se eu conheço alguém que faz isso...

Mas nós precisamos ter a consciência do limite e saber que existem pessoas que podem

prestar esse serviço, então, um compromisso com o diagnóstico e com o encaminhamento

desse tratamento né? (...) São questões bastante amplas, eu até penso o seguinte: ser dentista

não é fácil. Dentro dessa perspectiva ampliada, desse generalista. Porque talvez ser

especialista também não seja fácil, mas talvez seja mais fácil. Porque tu vais te preparar, te

organizar para responder a uma questão muito específica. Muito pontual. E esse generalista

não, né? (...) Porque pra mim um profissional generalista não implica apenas numa atenção

clinica ou pelo menos dentro de um conceito de clínica mais restrito. (...) mas na atuação

desse profissional dentro de um aspecto de ações mais coletivas também. Não somente

individuais. (...) De uma relação ampliada, de uma preocupação do profissional, por exemplo,

de enxergar o outro e se importar com algumas questões que inicialmente podem não parecer

da odontologia... (...) a concepção de um profissional da saúde, talvez ele tenha a preocupação

com um sinalzinho que tá do lado de fora perto do teu olho (...) olhar alguma coisa além.

Então eu compreendo que o generalista chega neste nível e não é só clinico procedimental.”

IC 3: “Pra mim a formação generalista é formação de base. Formação de solo. Um solo

epistemológico social. Com o olhar pra complexidade das relações sociais, pra complexidade

dos grupos sociais, da construção de interação social. Então eu volto um pouco no meu

tempo, eu tenho que voltar no meu tempo pra eu poder entender onde ela está situada na

minha experiência, né? Enquanto dentista e depois enquanto gestora. Pra mim é uma

similaridade, uma aproximação do clínico geral. Que foi aquilo no que eu me formei. Ser

clinico geral pra mim era ser dentista de base, era ser um dentista voltado pras questões de

base nas especialidades da odontologia. Então a gente saía da universidade como clinico

geral, eu saí com muito orgulho como clinico geral!! Eu sou de um tempo, por exemplo, onde

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a dentística era comandada pela cureta não comandada pela tecnologia. Se tem um

instrumento que eu comprava no meu consultório absurdamente era a cureta. E eram curetas e

mais curetas! Então era uma dentística em um tempo com mais tempo, hoje é um tempo muito

sem tempo, né? Então a anamnese e exame físico eram feitos de outra forma. (...) são coisas

de base, porque a gente lida com a dor. Qual é a grande essência da nossa área, é dar

continência a dor. Às várias formas de dor. A gente passa o ano todo estudando, os quatro

anos estudando as várias formas de dor né? Concretas, mas há dores simbólicas. E quando

chega na hora de atuar a gente faz aquele distanciamento que hoje também é bem comum, o

distanciamento entre o que a gente pensa, o que a gente fala, o que a gente faz... (...) é a

odontologia de base. Porque pra mim nada se ergue sem base. (...) O que precisa é reconhecer

a dialética dessa situação histórica. Reconhecer a contradição ou então parar de falar nesse tal

de generalista. Tanto é que na DCN bota: generalista vírgula crítica e reflexiva vírgula

humanista. Por que tantas palavras pra um atributo que nem se sabe o que é? Porque critico

reflexivo e humanista são desdobramentos do generalista. São qualidades. (...) Ter uma

postura crítica, ou seja, parar com essa filosofia pragmática, escarrada que ta aí, hegemônica e

partir pra uma filosofia da práxis. É ter atitude crítica, é coragem pra enfrentar, É ter coragem

de militância e ter vontade de fazer militância.(...) Tem-se uma retórica, mas não se sabe

aonde se quer chegar. Talvez a DCN seja bem isso, botou a palavra generalista lá... (...) Eu

não sei... Às vezes eu acho que essa palavra generalista veio meio ao léu, sem eles saberem

mesmo o que tavam fazendo sabe? Botaram lá.só generalista. E crítico e vírgula reflexivo e

vírgula humanista. Sendo que tudo pode ser uma coisa só. Que pra mim é base.”

As categorias são sinérgicas, na medida em que as compreende isoladamente, vai-se

desenhando um somatório que chega à ausência do CD generalista.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Para entender o que significa, ou para que serve um CD generalista há que entender ( e isso

deveria ser currículo formativo e enfático): a necessidade de reestruturação da rede a partir da

atenção fundamental; a noção de integralidade; as políticas nacionais coerentes com a

Atenção Primária (inclusive a serem lutadas), além de uma definição mais clara e a partir daí

um objetivo a ser perseguido ao longo do curso.

Os informantes-chave foram fundamentais para o entendimento do conceito de CD

generalista. Este conceito é formado pelas vivências e ideologias dos sujeitos. A partir da

história/trajetória de cada um ele é moldado. Mas e aí? Como despertar em acadêmicos o

desejo de se tornar um CD generalista, além do clínico geral. Um profissional voltado para o

ser humano que agregue ao SUS.

Há um distanciamento entre o que é (e deveria) ser aprendido do que é efetivamente

realizado e ensinado na prática do CD. O conceito de generalista não tem sido discutido.

Acreditamos que tentando sintetizar as opiniões dos três informantes-chave, essas

dúvidas fiquem menos turvas.

O consenso (somando 3 opiniões diferentes) é que:

É um dentista de base, policlínico. Com competência para organizar seu processo de

trabalho e atender coletivos. Um profissional com consciência do limite da sua intervenção.

Formado com uma habilidade técnica para um atendimento clínico das questões mais básicas

que possa atuar tanto no seu consultório particular quanto na rede pública. Mas não é só

clínico procedimental. É um profissional da saúde, não um profissional da boca. Exerce uma

clínica ampliada14, onde a anamnese e os exame clínicos são essenciais e a dentística é

comandada pela cureta não pela tecnologia. Um profissional que tenha em sua formação, a

consciência de que “crítico, reflexivo e humanista” são desdobramentos, qualidades do CD

generalista.

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Portanto, defendemos que a formação deveria ser direcionada para esta forma de

atuação reservando o aprofundamento em qualquer tema da Odontologia para especialidade

(inclusive do CD generalista).

E isso implica em entender que rede é necessária, a noção efetiva de integralidade que

pressupõe excelente clínica, ampliada, respeito às necessidades da população, um trabalho

para além do mocho - um mocho bem mais ampliado. É preciso aproximar a saúde coletiva da

clínica, resgatando humanidades e competência técnica.

APÊNDICE A

ROTEIRO ENTREVISTA INFORMANTE-CHAVE 1 - PROFESSOR

1 - O Art. 3º das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) da formação em Odontologia

expressa: O Curso de Graduação em Odontologia tem como perfil do formando

egresso/profissional o Cirurgião Dentista, com formação generalista, humanista, crítica e

reflexiva, para atuar em todos os níveis de atenção à saúde, com base no rigor técnico e

científico. Na sua perspectiva, o que significa formação generalista?

2 - Quando você concluiu o curso de Odontologia você se percebeu um Cirurgião Dentista

(CD) generalista? Ou este adjetivo é novo?

3 - O que é um CD generalista?

4 - O que você pode pontuar que mudou a partir das DCNs na teoria? E na prática?

5- O que você entende, a partir da Política de Saúde bucal, como o perfil desejado de

profissional para o âmbito do SUS?

ROTEIRO ENTREVISTA INFORMANTE-CHAVE 2 – COORDENADOR

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1 - O Art. 3º das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) da formação em Odontologia

expressa: O Curso de Graduação em Odontologia tem como perfil do formando

egresso/profissional o Cirurgião Dentista, com formação generalista, humanista, crítica e

reflexiva, para atuar em todos os níveis de atenção à saúde, com base no rigor técnico e

científico. Na sua perspectiva, o que significa formação generalista?

2 - Quando você concluiu o curso de Odontologia você se percebeu um Cirurgião Dentista

(CD) generalista? Ou este adjetivo é novo? O que é CD generalista?

3 - Que conteúdos oferecidos pela matriz curricular desta universidade estão voltados para a

formação generalista? Tais conteúdos se dirigem também para a formação humanista, crítica e

reflexiva ou são específicos da qualidade “generalista”?

4 - Na sua visão, o corpo docente do curso de Odontologia desta universidade tem uma

concepção coletiva do que vem a ser “generalista”? Há um consenso sobre esse atributo da

formação? Todos os docentes incluem esta temática em seu plano de ensino, implícito ou

explicitamente? Em suma, formação generalista é um tema transversal do curso?

5 - Para você, a consciência que o aluno de Odontologia desta universidade desenvolve na

formação é uma consciência que reconhece a importância desse atributo para o SUS? A

formação generalista é especificamente voltada para o SUS?

6 - Como você avalia o trabalho docente caso seu aluno conclua a graduação sentindo-se

generalista, mas atraído pelo mercado?

ROTEIRO ENTREVISTA INFORMANTE-CHAVE 3 - GESTOR

1 - O Art. 3º das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) da formação em Odontologia

expressa: O Curso de Graduação em Odontologia tem como perfil do formando

egresso/profissional o Cirurgião Dentista, com formação generalista, humanista, crítica e

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reflexiva, para atuar em todos os níveis de atenção à saúde, com base no rigor técnico e

científico. Na sua perspectiva, o que significa formação generalista?

2 - Quando você concluiu o curso de Odontologia você se percebeu um Cirurgião Dentista

(CD) generalista? Ou este adjetivo é novo? O que é CD generalista?

3 - O que é um CD generalista?

4 - O que você entende, a partir da Política de Saúde bucal, como o perfil desejado de

profissional para o âmbito do SUS? Como aproximar a formação acadêmica do profissional

que necessitamos na prática?

5 - O que você pode pontuar que mudou a partir das DCNs na prática?

REFERÊNCIAS

1 - MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação

Superior. Parecer CNE/CES 1.300/2001: Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de

Graduação em Farmácia e Odontologia. 6 nov. 2001. Disponível em:

<http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CES1300.pdf>

2 - MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação

Superior. Resolução CNE/CES 3: Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação

em Odontologia. 19 fev. 2009. Disponível em:

<http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CES032002.pdf>.

3 - CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO. Currículo Mínimo do Curso de Odontologia.

Documenta nº 10. Parecer nº 299, p. 93-95, nov. 1962.

4 - TUMANG, AJ. Seminários para reformulação do ensino de Odontologia. Bol. Faculdade

odontol. Piracicaba, Piracicaba, 1981.

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5 - LOMBARDO I. Reflexões sobre o planejamento do ensino de Odontologia – ABENO -

Associação Brasileira de Ensino Odontológico. Faculdade de Odontologia de Piracicaba:

Universidade de Campinas. [periódico na Internet] Disponível em:

<http://www.abeno.org.br/reunioes-35-reflexoes.php.>

6 - MOYSÉS SJ. A humanização da educação em odontologia. Pro-Posições/ Unicamp,

Campinas, 14: 87-106, 2003.

7 - BRASIL. Ministério da Saúde. Ministério da Educação. Pró-saúde: Programa Nacional de

Reorientação da Formação Profissional em Saúde. Brasília: Editora do Ministério da Saúde,

2007.

8 - MINAYO, MCS. Análise qualitativa: teoria, passos e fidedignidade. Ciênc. saúde

coletiva., Rio de Janeiro, 17(3):621-626, 2012.

9 - MENDES JMR, GARCIA MLT, OLIVEIRA EF dos A, FERNANDES RMC. Gestão na

saúde: da reforma sanitária às ameaças de desmonte do SUS. Textos contextos, Porto Alegre,

10 (2): 331 - 344, ago./dez. 2011.

10 – SOARES LT. As atuais políticas de saúde: os riscos do desmonte neoliberal. Rev. bras.

enferm. [online], 53: 17-24, 2000.

11 – QUEIROZ MG, DOURADO LF. O ensino da odontologia no Brasil: uma leitura com

base nas recomendações e nos encontros internacionais da década de 1960. Hist. cienc. saúde-

Manguinhos [online],16 (4): 1011-1026, 2009.

12 - BRASIL. Portaria n.º 1444 em 28 de dezembro de 2000. Estabelece incentivo financeiro

para a reorganização da atenção à saúde bucal prestada nos municípios por meio do Programa

de Saúde da Família. Coordenação de Estudos Legislativos – CEDI, Brasília, 2000.

13 - BRASIL. Ministério da Saúde. Diretrizes da política nacional de saúde bucal. Brasília:

Ministério da Saúde, 2004.

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14 - CAMPOS GW de S. A clínica do sujeito: por uma clínica reformulada e ampliada.

Paidéia [on line], São Paulo, 2002. Disponível em:

<http://www.pucsp.br/prosaude/downloads/bibliografia/CLINICAampliada.pdf>