UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ KARLA KARLBURGER … · de Lemos Gonçalves Lassala e às minhas...
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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ
KARLA KARLBURGER MOREIRA LASSALA
Identidade docente e gênero: representações de “professor” por alunos e alunas de pedagogia
Rio de Janeiro 2009
KARLA KARLBURGER MOREIRA LASSALA
Identidade docente e gênero: representações de “professor” por alunos e alunas de pedagogia
Dissertação apresentada à Universidade Estácio de Sá como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Educação. Orientadora: Profª Drª Alda Judith Alves-Mazzotti.
Rio de Janeiro 2009
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
L346
Lassala, Karla Kalburger Moreira Identidade docente e gênero: representações de “professor” por alunos e alunas
de pedagogia. / Karla Kalburger Moreira Lassala. – Rio de Janeiro, 2009
108 f.
Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Estácio de Sá, 2009.
Bibliografias: 98 - 108
1. Representação social. 2. Gênero. 3. Docência. 4. Professor. I. Título.
CDD 370
AGRADECIMENTOS
Ao Arquiteto do Universo que nos brinda com oportunidades ao longo do caminho para que possamos cada vez mais evoluir na busca do conhecimento e
entendimento.
Aos familiares, em especial à minha também mãe Maria José Moreira, ao meu pai Antônio de Pádua Antunes Moreira, ao meu amor e companheiro desta vida Marcos de Lemos Gonçalves Lassala e às minhas filhas Karina e Lara Karlburger Lassala,
pelos repetidos momentos de ausência e nervosismo pelos quais tiveram que passar, e que, com serenidade, mostraram-me sempre como ser uma pessoa
melhor a cada dia.
Aos amigos, professores e todos aqueles que, de alguma forma, ampararam-me ou serviram-me de exemplo para que eu aqui chegasse.
A todos os alunos que já tive que comigo fizeram parte da minha própria construção de professor.
Em especial à professora Rita Lima pelo conforto oferecido e pelo privilégio de compartilhar suas experiências e conhecimento.
Agradecimentos infinitos à minha orientadora Alda Judith Alves-Mazzotti que, por mais vezes que eu tenha pensado em desistir, nunca desistiu de mim. E por isso
todo orgulho do mundo em tê-la tido como MINHA PROFESSORA.
“Cessou também a desigualdade que havia entre os vencimentos dos professores e das professoras, sem motivo plausível quando a experiência tem provado que são elas mais próprias para educar e dirigir meninos e meninas em idade tenra, exercendo sobre eles influência maternal pela vocação ao ensino e suavidade de sua disciplina. Seria inexplicável a continuação de semelhante diferença, quando têm elas de reger escolas mistas freqüentadas pelos meninos de ambos os sexos, escolas que já existiam em nossos costumes antes de qualquer prescrição legal sem inconvenientes algum; organizadas como se acham, além de econômicas, podem trazer muitas vantagens à educação dos costumes.” (afirmação contida no relatório de 1879 sobre o funcionamento da Escola Normal de Ouro Preto, inaugurada em 1840)
RESUMO O objetivo desta pesquisa foi analisar e comparar as representações de “professor” construídas por alunos e alunas do curso de Pedagogia. O estudo foi realizado com estudantes de Pedagogia no seu 1º Ano de formação, provenientes de diversas Universidades do Estado do Rio de Janeiro. Adotou-se a pesquisa qualitativa, tendo como suporte teórico a Teoria das Representações Sociais em sua abordagem estrutural. Os dados coletados tiveram como base questionários aplicados na pesquisa Representações Sociais de alunos de pedagogia e licenciatura sobre o trabalho docente, desenvolvida pelo Centro Internacional de Estudos em Representações Sociais e Subjetividade – Educação (CIERS-Ed). Foram também realizadas entrevistas semi-estruturadas em grupo com professores e professoras dos primeiros anos da educação básica. Os resultados indicam diferenças nas representações de acordo com o gênero dos participantes. No núcleo central de ambas as estruturas figura o elemento educador, embora no grupo feminino o sentido de “professor” tenha como centralidade o elemento dedicação, tradicionalmente atribuído à função docente nos primeiros anos de escolarização. Os resultados dos sistemas periféricos, responsáveis pela operacionalização e manutenção de estabilidade do núcleo central, apontaram para a forte carga afetiva enquanto formadora da prática docente no grupo feminino, destoando do forte argumento profissional do grupo masculino. As diferenças nestes resultados clarificam como a idéia de educador é calcada em ideários bastante diversos de acordo com o gênero. Palavras-Chave: Representação Social. Gênero. Docência. Professor.
ABSTRACT
The objective of this research was to analyse and to compare the representations of “teacher” constructed by pupils of the course of Education. The study was done with students of Educations in its first year of formation, proceeding from diverse Universities of the state of Rio de Janeiro. It was adopted quanti-qualitative research, having as theorical support the Theory of the Social Representations in its structural boarding. The collected data had as base questionnaires applied in the research social representations of Education pupils and degree courses on the teaching work, developed for the International Center of Studies in Social Representations an Subjectivity – Education (CIERS-Ed). Also interviews half-structuralized in group with professors and teachers of the first year of the basic education had been carried trough. The results indicate differences in the representations in accordance with the gender of the participants. In the central nucleus of both the structures appear the element educator, even so in the feminine group the direction of “teacher” have as centre the element devotion, traditionally attributed to the teaching function in the first years of elementary school. The results of the periphery responsible systems for the practice and maintenance of stability of the central nucleus, had pointed with respect to the strong form affective load while of the professional argument of the masculine group. The differences in these results shows how the educator idea is sidewalk in sufficiently diverse universes in accordance with the gender. Key-words: Social Representation. Gender. Teaching. Teacher.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 09 2
POLÍTICAS PÚBLICAS, FORMAÇÃO E TRABALHO DOCENTE
18
3
GÊNERO E TRABALHO DOCENTE
36
3.1 GÊNERO, PODER E DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO 36 3.2 A FEMINIZAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE 48 4
A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
57
4.1 A ABORDAGEM ESTRUTURAL 63 5
METODOLOGIA
67
5.1 A ORIGEM DA PESQUISA 67 5.2 SUJEITOS DA PESQUISA 69 5.3 TÉCNICA DE COLETA DE DADOS 69 5.4 TÉCNICA DE ANÁLISE DOS DADOS 72 6
OUVINDO PROFESSORAS E PROFESSORES
74
7
CONSIDERAÇÕES FINAIS
96
REFERÊNCIAS
99
ANEXOS
109
1 INTRODUÇÃO
A crise da identidade docente vem sendo debatida no meio acadêmico há
algumas décadas. Questões referentes aos modelos de formação do magistério, à
eficácia das políticas educacionais, aos conhecimentos considerados necessários ao
trabalho docente, são pesquisadas e discutidas sem que se constatem avanços
significativos. Velhos problemas persistem, como baixos salários, deficiências na
formação, desvalorização profissional, e péssimas condições de trabalho (LIBÂNEO,
2007). Para sair deste impasse, torna-se necessário pensar a crise da identidade
docente desvelando o amálgama de múltiplas determinações sociais que constroem
o ofício de professor: determinações materiais e simbólicas, que vão desde o valor
real da remuneração de seu trabalho até o sentido que a sociedade dá ao “ser
professor”, uma vez que concepções sobre o que é “ser professor” são socialmente
instituídas e compartilhadas, sendo representadas, inclusive, pelos atores
individuais, como já afirmava Mello (1993, p. 40):
O fato de que a dimensão pensada da prática acontece dentro de cada sujeito não lhe retira sua materialidade, na medida em que estar dentro dele não significa que nasceu aí, por inspiração divina ou intuição. Como se constitui, então? A partir de idéias e concepções socialmente existentes a respeito da prática em questão, materializadas ou não num texto.
No que se refere aos modelos de formação do magistério, apesar do intenso
debate sobre os cursos de Pedagogia e Licenciaturas, que remonta ao início dos
anos 80, tais esforços também não se mostraram senão como parcas tentativas na
luta pela valorização do profissional da educação, pois as medidas legais tomadas
não passaram de mudanças na grade curricular daqueles cursos, sem que os efeitos
dessas mudanças resultassem em melhorias na prática docente.
Quanto às políticas públicas em educação implementadas no Brasil (e em
quase a totalidade da América Latina) sobretudo a partir da década de 90, os
resultados são ainda menos animadores. Em consonância com as propostas dos
órgãos de financiamento internacionais, como o Banco Mundial e o Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID), tais políticas se propuseram a estender a
escolaridade básica a um quantitativo cada vez mais amplo da população. O
financiamento dos investimentos gerais, porém, ficou atrelado a metas baseadas no
“enxugamento” de custos no que tange às condições de trabalho e à contratação de
um número maior de profissionais. Em conseqüência, os professores viram-se
sobrecarregados de tarefas anteriormente desempenhadas por funcionários de
apoio, além da obrigação de atender às novas exigências do sistema de ensino
(ciclos de formação, inclusão de alunos com necessidades especiais, novas
tecnologias, entre outras). E para garantir maior controle na efetivação das
prioridades, tais políticas induziram as Secretarias de Educação a estabelecer
regras de orientação e monitoramento do trabalho docente, ferindo a autonomia do
professor e contribuindo para sua desvalorização e para o sentimento de menos
valia, por não ser mais o maestro de sua função. Neste quadro, a depreciação do
salário é uma clara medida do desprestigio social da profissão docente (FREITAS,
2003; OLIVEIRA, 2004; SANTOS, 2004).
Enguita (1991) lembra que a principal diferença entre “profissional” e
“proletário” é que o primeiro é autônomo em seu processo de trabalho, não sofrendo
a interferência de controles externos, isto é, não tendo que se submeter a uma
regulação alheia. Neste sentido, pode-se afirmar que a desprofissionalização do
magistério está diretamente ligada ao controle externo sobre o seu trabalho. Para
Tardif (2007, p. 41), esta determinação externa se estende aos conteúdos
veiculados nos cursos de formação, uma vez que, para esse autor:
Os saberes científicos e pedagógicos integrados à formação dos professores precedem e dominam a prática da profissão, mas não provém dela (...), entre os professores, essa relação de exterioridade se manifesta
através de uma nítida tendência a desvalorizar sua própria formação profissional, associando-a à “pedagogia e as teorias abstratas dos formadores universitários”. Em suma, pode-se dizer que as diferentes articulações (...) entre a prática docente e os saberes constituem mediações e mecanismos que submetem essa prática a saberes que ela não produz nem controla.
Assim, o professor vive atualmente um paradoxo: ao mesmo tempo em que é
apontado como figura central na construção de uma sociedade mais justa,
favorecendo a construção de novos paradigmas éticos e culturais, seu ofício nunca
foi tão desvalorizado (NÓVOA, 1999). Esse movimento, ao mesmo tempo em que
ressalta a complexidade do trabalho docente, no que se refere às novas demandas
feitas à prática pedagógica, resulta em desqualificação do magistério e deterioração
da confiança do professor em seus próprios conhecimentos.
O impacto deste cenário na identidade docente vem causando enorme
desconforto aos professores, especialmente aos dos anos iniciais do ensino
fundamental, que apontam vários fatores como responsáveis pelo que foi
denominado mal estar docente (ESTEVE, 1999): descompasso entre a formação
recebida e a realidade das escolas; perda da autonomia na orientação de seu
próprio trabalho; falta de ajuda da família, que transferiu à escola até mesmo a
responsabilidade pela socialização básica das crianças; desinteresse e dificuldades
dos alunos no que se refere aos conteúdos escolares; desprestígio social do
professor e da própria educação escolar; baixos salários; acúmulo de tarefas que
consideram desviadas de sua função; e importância crescente de fontes alternativas
de acesso à informação com o advento de novas tecnologias; entre outros. Tais
características associadas ao trabalho docente seriam responsáveis pela imagem
social que os professores percebem ter - incompetentes e “pobres coitados” - o que
degrada sua identidade profissional, provocando neles sentimentos de menos valia e
desamparo (ALVES-MAZZOTTI, 2004, 2006, 2007a, 2008a). A profunda
desvalorização da profissão se evidencia no aumento da evasão de professores em
exercício, bem como na diminuição da procura pelo magistério, seja nos cursos de
Pedagogia, seja nas Licenciaturas, como observa Gatti (2000).
Apesar da força desses determinantes externos, sobretudo o distanciamento
entre a formação e a prática e a precarização subjacente às políticas educacionais
dos anos 90, a desprofissionalização do magistério tem sido consistentemente
associada à feminização da profissão docente (ALVES-MAZZOTTI, 2008;
BRUSCHINI; AMADO, 1988; HYPOLITO, 1991; LOURO, 2001; SANTOS;
LUPORINI, 2003, KULESZA, 1998).
Cabe lembrar que a história da educação no Brasil mostra um
desenvolvimento não especializado da função docente, iniciado por educadores
religiosos que, antes evangelizadores, passaram a também educar (BRZEZINSKI,
2002). A posterior laicização do ensino, que deveria contribuir para a construção da
profissionalidade docente, acabou por prejudicá-la, pois o controle da profissão
passou a ser exercido pelo Estado e não por órgãos representativos de professores.
Até o século XIX, os professores das escolas primárias no Brasil, eram praticamente
todos do sexo masculino, uma vez que a formação de professores para aquele nível
“nasce umbilicalmente vinculada aos tradicionais Liceus”, destinados à formação das
elites masculinas, o que irá influenciar fortemente as primeiras iniciativas de criação
de Escolas Normais, que ainda resistiam à coeducação (KULESZA, 1998, p. 64).
Como indica Villela (1992), na primeira Escola Normal do País, criada em 1835 em
Niterói, só havia alunos do sexo masculino.
Esta situação foi se modificando muito lentamente ao longo do século XIX, e
somente com a separação dos Liceus, por volta da última década do século XIX, as
Escolas Normais passam a ser prioritariamente destinadas às mulheres. Castelo
Branco (1995, apud KULESZA, 1998, p. 70) registra que as razões para o início do
processo de feminização do magistério podem ser vistas de forma eloqüente no
discurso do governador do Piauí, ao reabrir, em 1910, a Escola Normal no Estado,
anteriormente ligada ao Liceu, só para o sexo feminino:
Duas razões principais atuaram no meu espírito para semelhante preferência. A primeira e a mais poderosa foi a natural aptidão para desempenhar melhor esta função que a mulher possui; mais afetiva que o homem, ela está, por isso, muito mais apta a ensinar crianças e acompanhar-lhes os primeiros albores da inteligência. A segunda razão foi a exigüidade dos vencimentos que o Estado oferece aos professores. Com a carestia atual de vida, é absurdo pensar em obter os minguados ordenados do orçamento. A mulher, porém, mais fácil de contentar e mais resignada, e quase sempre assistida pelo marido, pelo pai ou irmão, poder à aceitar o professorado e desempenhá-lo com assiduidade e dedicação, não obstante a parcimônia da retribuição dos serviços.
Aqui já se observa o primado da afetividade, com a vocação natural, a
dedicação, o amor às crianças e a capacidade de doação excessivamente
valorizadas e associados à representação do feminino, em detrimento de uma visão
profissional do magistério, vinculada ao domínio de saberes específicos que fossem
além do “saber cuidar”. O processo de feminização do magistério surge, portanto, de
modo intencional e atrelado à desprofissionalização e aos baixos salários.
No limiar do século XX, a presença feminina já dominava largamente a
docência nas primeiras séries. No entanto, até a década de 90, a relação entre a
presença maciça das mulheres no magistério e a desprofissionalização foi pouco
explorada nas pesquisas, principalmente no que se refere às implicações do gênero
na construção da identidade docente. Tal afirmação é corroborada por Vianna
(2001) ao constatar que, nos estudos sobre educação no Brasil, é escassa a
reflexão sobre os significados de masculinidade e feminilidade com base nas
relações de gênero, apesar da importância dos estereótipos sobre homens e
mulheres criados nas relações sociais. Compartilhando esta visão, Cerisara (2002)
ressalta que a análise do magistério como profissão tem sido marcada por uma
naturalização do feminino, o que indica que a categoria gênero é uma dimensão
decisiva na determinação da igualdade e da desigualdade em nossa sociedade, já
que as estruturas hierárquicas repousam sobre percepções do que é pretensamente
natural no masculino e no feminino.
Hoje, porém, parece haver um crescente entendimento de que uma melhor
compreensão do processo de formação da identidade docente exige que o gênero
seja considerado como elemento constitutivo das relações sociais fundadas sobre as
representações sociais de homem e de mulher. Novaes (1991) já alertava que o
predomínio feminino no magistério primário contribuiu para a desvalorização
profissional, uma vez que as mulheres historicamente ocuparam uma posição
subalterna em nossa cultura. Nesse sentido, Mello (1993, p. 71) ressalta que a
feminização do magistério serve a interesses econômicos e, como tal, favorece uma
distribuição desigual de salário e de prestígio, o que realimenta e ajuda a manter
uma representação profissional esvaziada. Segundo essa autora
O esvaziamento do sentido profissional de uma ocupação, que se dá no plano da representação, desempenha papel importante na produção ou manutenção de fatos bastante concretos no plano das relações de trabalho, da remuneração econômica e do grau de prestígio dessa ocupação. Não é contingente, portanto, que as carreiras femininas sejam mal remuneradas e desprestigiadas.
Em resumo, desde o final do século XIX se dissemina a idéia de que, para ser
professora das primeiras séries, as qualidades mais importantes são aquelas ligadas
ao feminino, ou seja, a vocação, o amor e a dedicação às crianças, relegando-se a
um longínquo segundo plano o conhecimento dos conteúdos e das técnicas. A
precariedade da formação e as políticas dos anos 90, ao não favorecerem a
profissionalidade, parecem ajudar manter a ênfase no afetivo. A “lógica do amor” de
que fala Lopes (2008) ao analisar profissionalidade dos docentes portugueses,
indica que este sentido da docência é, não apenas de longa duração, mas
transcultural, uma constatação que é também corroborada por Tardif e Lessard
(2008).
Embora a imagem e a posição social da mulher em nossa cultura tenham
mudado muito do final do século XIX para cá, os sentidos do “ser professor” das
primeiras séries, que foram instituídos àquela época, parecem se manter até hoje.
Pesquisas realizadas por Alves-Mazzotti (2004, 2007, 2008a, 2008b) sobre a
representação de identidade docente veiculada por professoras do primeiro
segmento do ensino fundamental (1ª a 4ª series)1, têm consistentemente indicado a
centralidade do sentido de dedicação, ao qual o amor às crianças se encontra
fortemente vinculado. Procurando desvelar a gênese desses sentidos associados à
identidade docente, a autora aventa algumas hipóteses. Para ela, eles parecem se
apoiar em dois mecanismos: em primeiro lugar, no entender das professoras, a
formação não as capacitou a lidar com o aluno real, aquele que encontram
atualmente nas escolas; segundo, elas consideram que não dá para ensinar os
conteúdos porque esses alunos são “carentes de tudo” e, então, elas têm que ser
tudo, mãe, psicóloga, assistente social. Em outras palavras, a sensação de não ter
sido preparada para enfrentar os desafios postos pela realidade dos alunos, aliada
às precárias condições de trabalho, tende a produzir nas professoras um forte
sentimento de insegurança, o qual é reforçado pelo desprestígio social da profissão.
Tal situação parece induzi-las à adoção de mecanismos defensivos que as levam a
enfatizar a afetividade, descrevendo a tarefa docente como algo quase sublime, o
que se concretiza nos sentidos atribuídos à dedicação e ao amor. Assim:
Uma vez desqualificada a formação e ampliada a carência dos alunos, a forma encontrada pelas professoras para fugir ao sentimento de desamparo
1 Atualmente o ensino fundamental é composto por nove anos, o que nos leva, para fins de comparação,
a situar tal segmento entre o 1º e 5º anos.
é eleger a afetividade como o cerne de seu papel. Naturaliza-se a dedicação como fator intrínseco e essencial à identidade desse profissional.
Alves-Mazzotti (2008a, 2008b) acrescenta que esses sentidos do “ser
professor” parecem se ancorar no feminino, no cuidar e proteger, uma vez que, na
rede de significações que envolve a representação de “professor” destacam-se os
sentidos associados à maternidade. De fato, são inúmeras as associações feitas
pelas professoras com a própria experiência com a maternidade e com a
necessidade de suprir a ausência da família dos alunos. O fato de que eles são
crianças e que não têm atenção suficiente dos pais ajuda a despertar sentimentos
maternais.
Inúmeras pesquisas indicam a importância da dimensão afetiva para o
sucesso das práticas pedagógicas, uma vez que as dimensões cognitivas e afetivas
são partes indissociáveis no processo de ensino-aprendizagem. Pesquisas recentes
na área de Psicologia Educacional têm ressaltado a presença da afetividade tanto
na dinâmica professor/aluno (COLOMBO, 2002; SILVA, 2001; NEGRO, 2001;
TASSONI, 2000) quanto nas decisões de ensino por parte do professor (FALCIN,
2003; TAGLIAFERRO, 2003). Embora a importância do afeto nas relações
pedagógicas seja inegável, o que preocupa é o fato de que a dimensão afetiva
passou a ser mais valorizada pelas professoras do que os próprios conteúdos a
serem trabalhados, contribuindo para o esvaziamento do sentido profissional do
magistério. (ALVES-MAZZOTTI, 2008a, 2008b; CERISARA, 2002; CARVALHO,
1999; GLAT, MULLER, 1997; SAMPAIO; MARIN, 2004).
Considerando que a literatura aqui brevemente exposta tem atribuído a
desprofissionalização do magistério de ensino fundamental, não apenas às
deficiências da formação e à precarização das condições de trabalho; mas à
feminização do magistério desse nível de ensino; torna-se pertinente investigar em
que medida o gênero dos professores afeta a representação que eles constroem
sobre professor.
Assim, esta pesquisa teve como objetivo analisar e comparar as
representações sociais de alunos e alunas de cursos de formação de Pedagogia,
sobre professor. Com base na literatura revista, tem-se como hipótese que as
representações desses dois grupos serão diferentes em função do gênero.
2 POLÍTICAS PÚBLICAS, FORMAÇÃO E TRABALHO DOCENTE
O presente capítulo discute as políticas públicas que têm afetado a formação
e o trabalho docente, e suas relações com a feminização do magistério.
A crise de confiança no conhecimento profissional do professor vem
estimulando o desenvolvimento de pesquisas que focalizam processos de formação
docente (BRZINSZKI, 1998; CARDOSO, 2003; LIBÂNEO, 2007), conhecimentos
valorizados nesses processos (PIMENTA, 2006; TARDIF E LESSARD, 2005;
TARDIF, 2007), entre outros fatores implicados em tal crise, destacando-se aí o
aumento das exigências feitas ao professor, a ruptura do consenso social sobre a
educação, as políticas públicas que ditam o fazer pedagógico e afetam diretamente
a identidade profissional do magistério.
Vários autores têm procurado compreender quais os conhecimentos
necessários à atividade docente. As idéias sobre saberes docentes, presentes no
trabalho de Tardif, Lessard e Lahaye (1991) ajudaram a refletir sobre essa questão.
Segundo esses autores, os saberes docentes são oriundos de diferentes fontes que
envolvem basicamente quatro dimensões: saberes de formação profissional,
saberes disciplinares, saberes curriculares, saberes da experiência. Alguns saberes
são produzidos pelas ciências da educação, ou a elas articulados, e transmitidos aos
professores pela formação profissional. Os saberes disciplinares originam-se da
tradição cultural e são integrados à universidade sob a forma de disciplinas. Os
saberes curriculares correspondem a discursos, objetivos, conteúdos e métodos a
partir dos quais a instituição escolar apresenta o conjunto de saberes de que dispõe
uma sociedade, se traduzindo nos programas escolares que os professores devem
aprender e aplicar. Há, ainda, os saberes que os professores produzem no diálogo
com a prática cotidiana. São os saberes da experiência, desenvolvidos no exercício
da profissão, fundados no trabalho cotidiano e no conhecimento do meio, validados
pela experiência e incorporados à vivência individual e coletiva, sob a forma de
habitus2 e de habilidades, do saber fazer e do saber ser. Assim, segundo Tardif,
Lessard e Lahaye (1991), as relações e interações que os professores estabelecem
com os demais atores da escola também constituem o saber docente, pois essas
interações ajudam a orientar sua prática docente.
Estas contribuições de Tardif e colaboradores mostram que a discussão sobre
o saber docente vem se colocando no contexto do debate sobre a formação de
professores, tornando-se objeto de estudo de vários autores. Para Figueiredo
(2003), a complexidade do cotidiano escolar é sentida desde a entrada na carreira
ocasionando um choque de realidade: o trabalho é, muitas vezes, realizado por
ensaio e erro, valendo-se da intuição. Segundo este autor, as professoras julgam
não possuir um saber específico para orientar o trabalho docente, apontando um
distanciamento entre as concepções e as teorias aprendidas na formação de
professores e a prática docente, queixando-se da pouca ajuda recebida.
Ainda de acordo com Figueiredo (2003), supõe-se que, por meio da
acumulação de conhecimentos produzidos a partir das pesquisas, os professores
aprendem técnicas a serem aplicadas na resolução de problemas do cotidiano. O
modelo da racionalidade técnica, entretanto, peca por tratar a realidade social como
algo previsível e uniforme e, quando aplicado à formação do professor, ignora a
complexidade do cotidiano escolar. Conforme Figueiredo (2003), o valor do saber da
2 Habitus é uma noção filosófica antiga, originária no pensamento de Aristóteles e na Escolástica medieval que foi recuperada e retrabalhada depois dos anos 1960 pelo sociólogo Pierre Bourdieu. Segundo este autor, o habitus é uma noção mediadora que ajuda a romper com a dualidade de senso comum entre indivíduo e sociedade ao captar a “interiorização da exterioridade” e a “exteriorização da interioridade”, ou seja, o modo como a sociedade torna-se depositada nas pessoas como forma de disposições duráveis ou propensões estruturadas para pensar, sentir e agir de modos determinados, que as guiam nas respostas às solicitações de seu meio social (WACQUANT, 2002).
prática docente como fonte de conhecimento profissional chega a ser ignorado,
ficando esse tipo de conhecimento reduzido à esfera do privado. O autor menciona
que o conhecimento científico participa na interpretação da realidade e na
organização da experiência, mas constitui, ao mesmo tempo, uma barreira à
incorporação de novos conhecimentos, na medida em que não dá, diretamente,
respostas à problemática colocada na prática.
Nesse sentido, Tardif, Lessard e Lahaye (1991) mencionam que a visão fabril
dos saberes, resultante da divisão social do trabalho entre os que produzem, e os
que transmitem conhecimento, coloca os processos de aquisição e aprendizagem
subordinados às atividades de produção de novos conhecimentos. Com isso, o
saber docente é desvalorizado, na medida em que os professores são transmissores
de saberes cujos processos de definição e seleção não controlam. Essa visão é
corroborada por outros estudos que apontam para a dimensão formadora da prática.
Candau (1997) assinala que é na experiência, no cotidiano, que o professor
aprende, desaprende, reestrutura o aprendizado, faz descobertas. Também Santos
(1998) afirma que a prática profissional é elemento constitutivo da formação
contínua.
Autores como Pereira e Martins (2002), quando se referem ao trabalho do
professor, mencionam as mudanças da sociedade globalizada que obrigam a
reconsiderar o papel da escola e da educação. Para as autoras, a internalização de
novos modelos culturais, valores e referências para a juventude, as transformações
do mercado de trabalho, entre outros fatores, exigem repensar o modelo
educacional. Citam problemas como o baixo prestígio da profissão docente, levando
à marginalização do professor, à insatisfação profissional e a um alto índice de
doenças físicas e psicológicas; a sensação de impotência e o aumento do
descontentamento no que diz respeito à qualidade e às condições de trabalho.
Alguns autores enfatizam a dimensão política do trabalho docente. Carvalho
(2002) considera que, a partir da modernidade, o trabalho do professor na
organização das sociedades tem por objeto a atividade de educar, formal e
intencionalmente. Esse trabalho tem de ser entendido no contexto da escola, lócus
privilegiado em que a educação se realiza, e implica o necessário domínio, pelo
professor, dos conhecimentos elaborados por áreas específicas - o saber
historicamente construído - e o domínio do saber da transmissão desses
conhecimentos - o saber ensinar, para inventar e ressignificar o saber. Assim, saber
e saber ensinar podem ser consideradas duas dimensões do processo de educar
que caracterizam o trabalho do professor. O domínio dos conhecimentos
historicamente acumulados e do conhecimento pedagógico constituem o saber
pedagógico. Segundo Freitas (1992, p. 8-9), educador é aquele que:
Tem a docência como base de sua identidade profissional; domina o conhecimento específico de sua área, articulado ao conhecimento pedagógico, numa perspectiva de totalidade do conhecimento socialmente produzido, que lhe permite perceber as relações existentes entre as atividades educacionais e a totalidade das relações sociais em que o processo educacional ocorre; é capaz de atuar como agente de transformação da realidade na qual se insere.
Os estudos até aqui mencionados incitam reflexões sobre qual é a identidade
do profissional do professor, o que tem despertado o interesse de pesquisadores da
área. Brzezinski (1996) afirma que foi a partir de 1983 que se consolidou no Brasil a
idéia de que a docência é o alicerce comum de formação do educador. A autora
afirma que “na verdade, com esta tendência pretende-se eliminar a histórica
dicotomia entre bacharelado e licenciatura, já que todo professor é um pesquisador”
(p. 117). Assim, para ela, um dos pressupostos para a construção da identidade
docente tem como suporte teórico-metodológico a questão dos saberes que
configuram a docência e o desenvolvimento dos processos de reflexão sobre a
prática. Pimenta (1999) entende que esse processo de construção tem um caráter
histórico, ou seja, o sujeito localizado no tempo e no espaço, por meio de sua ação
constrói, cria o conhecimento e o seu fazer profissional, dentro das possibilidades de
seu determinante espaço histórico-estrutural.
Para Castells (1999), a identidade é uma edificação de caráter biográfico e
relacional, ou seja, o indivíduo constrói para si uma identidade a partir dos
elementos que recebe dos diferentes grupos sociais a que pertence e concebe uma
identidade para os outros, isto é, ele é aquilo que os outros esperam que ele seja.
Para Santos (2004), a construção da identidade profissional se dá da mesma forma,
e pode ser definida como uma identidade social particular, que provém do local das
profissões, do trabalho no conjunto social e do estilo de vida do sujeito. Moita (apud
PAPI, 2005) afirma que o processo de formação da identidade profissional própria
não é estranho à função social da profissão, ao estatuto da profissão e do
profissional.
Vários pesquisadores da atividade docente referenciam-se em Enguita
(1991), que busca compreender a natureza do trabalho docente começando por
diferenciar profissionais e proletários. Na visão do autor, o termo profissionalização
docente é usado para designar um conteúdo oposto ao de proletarização: os
profissionais possuem um conjunto de características que afirmam sua autonomia e
controle sobre seu processo de trabalho, apesar da relação direta com o sistema
capitalista, enquanto os proletários, entendidos como trabalhadores assalariados,
não têm controle sobre os meios de produção, os objetivos e o processo de seu
trabalho. Brzezinski (1993, p. 213) afirma que:
O professorado nas sociedades capitalistas passou por um processo sucessivo, prolongado, desigual e marcado por conflitos, de perda de
controle sobre os meios de produção, do objeto de seu trabalho e da organização de sua atividade, portanto, proletarizou-se.
Com base na relação antagônica entre profissionais e proletários, o autor
apresenta uma categoria de trabalho que permanece numa posição intermediária: o
semi-profissional. Analisando estas categorias profissionais mencionadas por
Enguita, considera Brzezinski (1996, p. 6) que:
O professor brasileiro é um semiprofissional, porque seu perfil não atende às condições mínimas de um profissional liberal: exercício de atividade em tempo inteiro, regulada por uma certificação que lhe confere crédito como profissional de ensino em virtude de ter realizado uma formação específica (...) e também pela sua não filiação em associações profissionais em defesa de seu estatuto socioprofissional.
Nunes (1998) e Therrien (1998) consideram que o processo de proletarização
que o professor vem sofrendo é semelhante ao do trabalhador fabril: a crescente
desqualificação e fragmentação de seu trabalho, a massificação do ato de ensinar, a
baixa remuneração, com conseqüente desprestígio social da ocupação, bem como a
interferência de especialistas na orientação do trabalho. Para Beckenkamp (2000), o
empobrecimento gradativo e a falta de motivação profissional do professorado é
inerente a esta proletarização.
Outras pesquisas realizadas na década de 1990 discutem a natureza do
trabalho docente na sociedade capitalista (WENZEL, 1991; NUNES, 1990;
HYPÓLITO, 1994). É bem verdade que foi nos anos 80 que programas neoliberais
de ajuste econômico foram impostos a países latino-americanos como condição
para negociação de suas dívidas. Lara e Rodrigues (2006) destacam o fato das
economias locais passarem a ser controladas e gerenciadas pelo Banco Mundial e
pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). O Brasil submete-se a eles desde 1989,
passando pelos governos de Fernando Collor de Melo, Fernando Henrique Cardoso
até o atual governo de Luis Inácio Lula da Silva.
Neste contexto, segundo os autores, as políticas sociais passam a ser
substituídas por “programas de combate à pobreza” que tentam minimizar os efeitos
do ajuste sobre os mais pobres. Tal ajuste traduz-se por três estratégias
complementares: privatizar empresas estatais e serviços públicos; desregulamentar,
ou seja, criar novas regulamentações visando minimizar a interferência dos poderes
públicos sobre empreendimentos privados e focalizar, substituindo a política de
acesso universal pelo acesso seletivo. A idéia central é de que gastos e serviços
sociais públicos sejam destinados exclusivamente aos pobres. Ainda, segundo Lara
e Rodrigues (2006, p. 93):
As reformas estruturais estão acompanhadas das políticas de estabilização que, no Brasil, estão representadas pelo Plano Diretor da Reforma do Estado, aprovado pela Câmara da Reforma do Estado em 21 de setembro de 1995, no governo Fernando Henrique Cardoso, cuja necessidade institucional e política foi apresentada como uma conseqüência da globalização. Segundo o documento, “reformar o Estado significa transferir para o setor privado as atividades que podem ser controladas pelo mercado” (BRASIL, 1995, p. 12).
É importante destacar que o atual governo federal vem efetuando uma
profunda reforma educacional em harmonia com as orientações dos organismos de
financiamento internacionais, adotando as orientações economicistas que procuram
adequar as políticas educacionais às políticas de desenvolvimento alinhadas à nova
ordem mundial. Desde os anos 80, programas fortemente influenciados por modelos
de baixo investimento público defendidos por organismos multilaterais faziam parte
das políticas educacionais, sendo coroados pelo Plano Setorial de Educação e
Cultura, com orientações nestes moldes. No relatório intitulado Prioridades e
Estratégias para Educação, de 1995, o Banco Mundial estabelece o planejamento
para orientar os governos para os quais empresta dinheiro, sendo neste atribuída
grande prioridade à educação básica, que deve ser fornecida gratuitamente,
deixando claro que o destino da educação média e superior é a privatização. Sendo
a preocupação principal reduzir os gastos públicos, investindo o mínimo para que
pessoas possam ser mais produtivas futuramente, não podemos esperar uma
qualidade de excelência. (RODRIGUES; LARA, 2006).
Gentili (2008, p. 4) adverte que o plano educacional faz parte de estratégias
orientadas pelo discurso das políticas neoliberais que visam manter a hegemonia do
capitalismo, cujo argumento central versa sobre um desafio gerencial: nos países
mais pobres não faltam escolas, professores ou recursos para as políticas
educacionais; faltam escolas melhores, professores qualificados e melhor
distribuição dos recursos existentes. Portanto, para que o ensino se torne mais
eficiente, o Estado, incapaz de gerenciar as políticas públicas que conseguissem
garantir a democratização e a eficiência produtiva da escola deve ser substituído por
um verdadeiro mercado educacional, capaz de, através de concorrência, garantir
aumento substancial de qualidade das instituições escolares. Realmente pode-se
verificar mudanças ocorridas nas políticas sociais no Brasil, principalmente na
década de 1990, inclusive no âmbito educacional, que visam reduzir gastos e
“garantir mecanismos que regulem a eficiência, produtividade e eficácia”.
Lanter-Lobo (2003), referindo-se às políticas sociais, afirma que estas têm
sua gênese e dinâmica determinadas pelas transformações qualitativas ocorridas na
organização da produção e nas relações de poder que impulsionaram a redefinição
das estratégias econômicas e político-sociais do Estado nas sociedades capitalistas
no final do século XIX. Para a autora, situar a política educacional como política
social do Estado capitalista significa, antes de tudo, admitir a refuncionalização
social dos sistemas educacionais em face das mudanças qualitativas ocorridas na
fase monopolista do capitalismo, tanto com relação à organização da produção
quanto em relação às estruturas jurídico-políticas e às relações sociais globais
Significa admitir que:
Os sistemas educacionais, no mundo capitalista contemporâneo, respondem de modo específico às necessidades de valorização do capital, ao mesmo tempo em que se consubstanciam numa demanda popular efetiva de acesso ao saber socialmente produzido (NEVES, 1994, p. 16).
De acordo com Bianchetti (2001), a intervenção do Estado na educação nas
formações sociais capitalistas, justificada com base nas funções manifestas de
socialização, coesão social, diferenciação e formação profissional pode ser
observada nos seguintes aspectos: a) na legislação educacional (acompanhada de
mecanismos de controle); b) na educação pública que se expressa principalmente
pela expansão do ensino fundamental; e c) no planejamento educacional (controle
técnico-financeiro).
Os estudos envolvendo a docência, mencionados até aqui, com enfoques
diversos (políticas, formação e trabalho docente) são relevantes para se
compreender questões relativas à profissionalização e à feminização do trabalho do
professor, aspectos indissociáveis da identidade docente, objeto de estudo desta
dissertação. Percebe-se que o percurso da constituição da profissão docente tem
sido uma tarefa árdua, que implica políticas de formação profissional e a construção
de uma nova imagem do professor. Como menciona Paiva (2003), a análise do
trabalho do professor deve compreender uma formação que, além de atividades de
aprendizagem em tempos e espaços diferentes, inclui ações voltadas para a
autoconstrução do profissional com uma identidade social e política específica. É
nesta perspectiva que serão abordadas as relações sociais envolvendo a
feminização do trabalho docente.
As discussões sobre profissionalização e proletarização docente e
feminização do magistério surgem das investigações sobre o trabalho docente como
categoria profissional no final da década de 1970 (HIPÓLITO, 1994; OLIVEIRA,
2003). Como observa Fontana (2005), ao fim da década de 80 começou a haver um
deslocamento nas pesquisas sobre trabalho docente. Anteriormente, a ênfase se
situava nos focos marxistas, na teoria da mais-valia e sua aplicabilidade ou não no
estudo das escolas, no caráter produtivo ou improdutivo do trabalho escolar, na
alienação docente. Nos anos 80, os pesquisadores passaram a se interessar por
aspectos culturais da formação docente, priorizando relações de gênero e cultura
escolar, em consonância com o período que as reformas em educação enfatizavam
a necessidade de um novo professor, com habilidades e competências necessárias
para o mercado.
Outro aspecto significativo evidenciado em pesquisas acadêmicas foi a
relação entre a proletarização e a feminização docente. Vários autores (CARVALHO,
1996; COSTA, 1995; LOURO, 1995 NOVAES, 1991; TITO, 1994; dentre outros)
destacaram a importância de se resgatar o debate sobre gênero na constituição do
magistério e sua relação com a proletarização da profissão. Para os autores citados,
a entrada maciça da mulher no universo docente provocou no imaginário social e na
constituição profissional da categoria uma crescente desvalorização social e salarial.
O vínculo formado entre a docência e as atividades domésticas e o caráter
“vocacionado” da profissão lhe forneceram um sentido servil e dócil, que a
diferenciou de outras categorias de trabalhadores.
As transformações políticas, sociais, culturais e econômicas ocorridas no final
do século XIX e início do XX desencadearam mudanças significativas na
configuração da profissão docente, sobretudo no que se refere à consolidação desta
como uma atividade eminentemente feminina. Faria Filho (2005) tem chamado
atenção para a importância de se compreender o que se passou à medida que as
mulheres ocuparam o espaço da sala de aula, se constituindo em maioria absoluta
do corpo docente em quase todos os países do ocidente. Ribeiro (2003) ressalta que
as dimensões históricas do trabalho docente tornam-se referências para
compreender a forma que foi assumindo a docência nas séries iniciais do ensino
fundamental, enquanto trabalho feminino.
É oportuno lembrar que, enquanto o ideário da profissão docente esteve
fundado no “dom”, a didática, assim como as outras disciplinas pedagógicas dos
cursos de formação para o magistério, não priorizou o ensinar a “ser” professor. Uma
vez que essa identidade tinha um componente inato, cabia à didática enfocar a
dimensão do saber e do fazer necessárias à profissão. Por longo tempo o discurso
científico-educacional esteve fundado na idéia de que “nascia-se professor”. E o
dom prescindia do caráter formativo. (RIBEIRO, 2003)
Outra face deste pensamento aparece na categoria vocação. Pelo fato de a
profissão de professor ser compreendida como aquela que atende a um “chamado”
para prestar serviços aos semelhantes, o termo “profissão” mantêm-se associado à
idéia de fé, o que indica seu caráter sacerdotal. Sendo assim, para Enguita (1991), a
vocação para ser professor dizia respeito à dedicação e abnegação ao apostolado,
coincidindo com o imaginário social que relaciona a profissão de professor com a fé,
como um chamado para prestar um serviço ao bem comum. Apesar disso, a partir
de 1970, com a emergência de críticas a esta postura, a valorização do preparo
técnico-político e da formação dos educadores, o discurso vai explicitar a idéia da
identidade profissional do professor como construção. Mesmo assim, adentramos no
século XXI com o imaginário coletivo carregado de significantes do século passado,
conforme evidenciado por pesquisas como as de Glatt (1999) e Candau (1998).
Os Estudos Feministas estiveram sempre preocupados com as relações de
poder, procurando demonstrar as formas de silenciamento, submetimento e
opressão das mulheres. Tais denúncias permitiram, algumas vezes que se
vitimizasse a figura feminina ou que se culpasse a mulher por sua condição social
hierarquicamente subordinada. Foucault (1988) alertou que o poder, na verdade,
não é central; é, antes de tudo, uma soma de ações, uma estratégia, um conjunto de
manobras e esquemas que, nas práticas sociais, traduzem-se em constantes
negociações, avanços, recuos, consentimentos, revoltas e alianças. Por isso, apesar
da mulher ser retratada na condição de submetida ou subordinada ao homem, isto
não a anulou como sujeito. Para Foucault (1988, p. 91) “onde há poder, há
resistência e, no entanto (ou melhor, por isso mesmo) esta nunca se encontra em
posição de exterioridade em relação ao poder”, ou seja, qualquer forma de
resistência é inerente ao exercício do poder, e produz sujeitos, fabrica corpos
dóceis, induz comportamentos, aumenta a utilidade e enfraquece a força política dos
indivíduos. De acordo com Louro (2007, p. 41):
Homens e mulheres certamente não são construídos apenas através de mecanismos de repressão ou censura, eles e elas se fazem, também, através de práticas e relações que instituem gestos, modos de ser e de estar no mundo, formas de falar e de agir, condutas e posturas apropriadas (e, usualmente diversas). Os gêneros se produzem, portanto, nas e pelas relações de poder.
Embora questões relativas às relações de gênero sejam mais aprofundadas
no Capítulo 2, serão mencionados aqui alguns aspectos considerados relevantes
para se compreender a feminização do trabalho docente no âmbito das relações
sociais. Como aponta Louro (2007), quando se pretende referir ao feminismo como
um movimento social organizado, esse é usualmente remetido, no Ocidente, ao
século XIX. Na virada para o século XX, as manifestações contra a discriminação
feminina adquiriram uma visibilidade e expressividade maior no chamado
“sufragismo”, ou seja, no movimento voltado para estender o direito do voto às
mulheres. Com uma amplitude inusitada, alastrando-se por vários países ocidentais,
ainda que com força e resultados desiguais, o sufragismo passou a ser reconhecido
posteriormente como a “primeira onda” do feminismo. Será no desdobramento da
assim denominada “segunda onda”, aquela que se inicia no final da década de 1960,
que o feminismo, além das preocupações sociais e políticas, irá se voltar para as
construções propriamente teóricas.
Louro (2007) afirma que tornar visível aquela que fora ocultada foi o grande
objetivo das estudiosas feministas desses primeiros tempos pois a segregação
social e política a que as mulheres foram historicamente conduzidas tivera como
conseqüência a sua ampla invisibilidade como sujeito, inclusive como sujeito da
Ciência. É preciso notar que essa invisibilidade, produzida a partir de múltiplos
discursos que caracterizaram a esfera do privado, o mundo doméstico, como o
“verdadeiro” universo da mulher, já vinha sendo rompida por algumas mulheres.
Gradativamente mulheres passaram a ocupar escritórios, lojas, escolas e hospitais.
Entretanto, como observa Louro (2007, p. 17), suas atividades:
Eram quase sempre, como são ainda hoje, em boa parte, rigidamente controladas e dirigidas por homens e geralmente representadas como secundárias, de apoio, de assessoria ou auxílio, muitas vezes ligadas à assistência, ao cuidado ou à educação. As estudiosas feministas iriam também demonstrar e denunciar a ausência feminina nas ciências, nas letras e nas artes.
Ainda segundo a autora, com o objetivo de fazer avançar essas análises e
acreditando na potencialidade dos empreendimentos coletivos, algumas mulheres
vão fundar revistas, promover eventos, organizar-se em grupos ou núcleos de
estudos.
O estudo de Faria Filho et al. (2005) esclarece que, no Brasil, incentivado
pelos ares do progresso que por aqui passavam na década de 1870, foi publicado
em Minas Gerais um dos primeiros jornais brasileiros eminentemente femininos,
destinado a questionar o papel da mulher na sociedade, “O Sexo Feminino”. D.
Francisca Senhorinha da Motta Diniz, casada, mãe e professora, era proprietária e
redatora principal de tal publicação. D. Francisca Senhorinha buscava ampliar o
campo de atuação da mulher na sociedade apontando problemas e caminhos para
resolvê-los. Considerava que o acesso da mulher à instrução era o que propiciava
alternativas legítimas para sua inserção no espaço público. Para ela, a docência era
uma dupla oportunidade: proporcionava o domínio de conhecimentos, até então
praticamente negado à mulher e favorecia sua entrada no mercado de trabalho sem
questionamentos, uma vez que o magistério seria uma profissão “talhada” para o
sexo feminino, permitindo a passagem da mãe-educadora para a educadora
profissional. A adequação feminina ao magistério era defendida com argumentos
veementes, baseados na importância de qualidades supostamente femininas como
constância, paciência, resignação, bondade, ternura e na moralidade que rege
naturalmente a conduta feminina, bem como no rechaço à figura dos mestres
religiosos, carrascos e punitivos, inadequados ao propósito de civilizar a população
(FARIA FILHO et al., 2005).
Mais do que analisar as conseqüências dos pensamentos da época
representados pela revolucionária D. Francisca Senhorinha, cabe aqui ressaltar que,
mesmo à época do estudo, do contexto datado, o feminino na docência foi
construído num processo de convencimento, com argumentações inclusive o de
uma suposta desqualificação masculina, configurando, assim, esse espaço
profissional como objeto de disputa. Para Faria Filho (2005), detectar as
características desse processo de feminização é uma tarefa desafiadora dentro das
ciências sociais. A partir dos anos 80, o processo de feminização do magistério
primário o Brasil foi tão gritante que vários estudos foram realizados com o objetivo
de buscar entender as razões que levaram a esse crescimento e que impacto isto
teve sobre a profissão docente, já que a evasão dos homens da profissão continua
sendo justificada pelos baixos salários e o desprestígio social da ocupação.
Como elemento para reflexão, tomemos alguns indicadores do Relatório
sobre o Desenvolvimento Humano no Brasil de 1996 (UNESCO, 2004). Este
relatório aponta que as mulheres têm melhor desempenho no primeiro grau de
ensino e concluem o curso mais rápido que os homens, pois têm menor índice de
evasão e de repetência. O relatório também registra o aumento da presença
feminina nas universidades, mostrando que as mulheres eram 42% dos alunos na
década de 1970, passando para 49% em 1980 e chegando a 52% em 1990. Os
cursos preferenciais são Magistério e Medicina (nesta área, preferencialmente
Pediatria e Ginecologia). Apesar da participação animadora das mulheres nos
quadros de formação, este diagnóstico demonstra que elas representam apenas
17% dos membros de comitês assessores e gestores da política de ciência e
tecnologia, detêm somente 31% das bolsas de pesquisa, publicam 32% dos artigos
científicos em revistas nacionais e 27% nas internacionais, são autoras de 32% das
teses defendidas, representam 37% dos mestrandos e 34% dos doutorandos no
exterior (UNESCO, 2004). Nesse sentido, o panorama da desigualdade entre o
masculino e o feminino permanece.
A forte predominância feminina no magistério não se restringe ao Brasil. Ao
analisar o ensino e o trabalho feminino nos Estados Unidos e na Inglaterra, Apple
(1988) identifica vários fatores que devem ser considerados no processo de
feminização do magistério. A obrigatoriedade do ensino, pelos custos que a
expansão da rede escolar representava, levou à contratação de mestres mais
baratos, ou seja, mulheres. O ingresso das mulheres no magistério, pelo menos no
Brasil, esteve também relacionado à ampliação da escolarização. Foi somente no
século XIX que as meninas tiveram acesso à educação laica, com a gratuidade e a
expansão do ensino a todos. Essa ampliação da rede de ensino possibilitou não
apenas o acesso das meninas ao ensino propriamente dito, como também favoreceu
a entrada das mulheres no magistério uma vez que as turmas eram organizadas por
sexo e as meninas deviam ser instruídas somente por professoras. Os currículos
eram diferenciados, as meninas só tinham acesso à escola primária e aprendiam
costura e bordado prioritariamente. As professoras não precisavam lecionar
determinadas matérias, mas recebiam salários menores, pois as disciplinas
lecionadas influenciavam na definição do salário. Como afirmam Bruschini e Amado
(1998):
Assim, se de um lado a primeira lei do ensino (1827) representou um marco para a mulher, na medida em que ratificou seu direito à instrução, significou também um instrumento que acentuou a discriminação sexual, pois só admitia o ingresso de meninas na escola primária e reforçava as diferenças nos conteúdos escolares, com visíveis conseqüências sobre os níveis salariais: as professoras eram isentas de ensinar geometria, mas como o ensino desta matéria era o critério para estabelecer níveis de salário, as mestras ganhavam menos do que seus colegas do sexo oposto (p. 5).
Nolasco (apud CARVALHO, 1996) afirma que o trabalho ocupa um lugar
central na construção da identidade masculina, destacando a separação que os
homens estabelecem, de forma bastante rigorosa, entre a vida profissional (pública)
e a vida familiar (privada). Este modelo tornou-se referência para as análises sobre o
trabalho docente, o que tem levado muitos autores a analisarem – principalmente o
magistério nas séries iniciais – a partir desse modelo, levando-os a considerá-lo
pouco profissional.
Faria Filho et al. (2005) busca desnaturalizar a presença feminina no
magistério, assinalando quatro eixos principais que, em uma confluência sócio-
histórica, “adequaram” a entrada maciça de mulheres na docência. O primeiro diz
respeito ao contexto do final do século XIX no tocante às relações de trabalho no
capitalismo, com a urbanização e a organização do trabalho, criando novas e
melhores oportunidades para os homens. Aliado a isto, haveria a possibilidade da
continuidade da condição subalterna da mulher. Em segundo lugar, os Estados
Nacionais necessitavam da educação como parte da formação cívica dos cidadãos,
incrementando o processo de escolarização e respectivo aumento de escolas, onde
puderam ser observadas publicações de leis que favoreciam a entrada das mulheres
no magistério, principalmente para educação de meninas. Um terceiro eixo, talvez o
mais explorado pelas pesquisas na área, estaria embasado pela transferência direta
da representação da ocupação feminina no lar (cuidado com crianças, afeto) para o
ofício do magistério e respectiva ação pedagógica. O último eixo, de caráter mais
prático, ressalta a importância da possibilidade de a mulher conseguir seu próprio
sustento ou realizar atividade fora do lar. No entanto, os autores ressaltam que até a
segunda década do século XX, mais da metade do corpo docente feminino era leiga.
Somente a partir daí é que o número de professoras normalistas passa a suplantar o
de leigas.
Louro (2007) questiona se as diferentes instituições e práticas sociais são
constituídas pelos gêneros. Com isso quer dizer que elas não somente fabricam os
sujeitos como também são, elas próprias, produzidas por representações de
gêneros, étnicas, de classe, etc. Qual seria o gênero da escola? Para a autora,
imediatamente alguns responderiam que a escola é feminina, pois as professoras,
cuidadosas e afetuosas por natureza, conquistam mais facilmente o engajamento
dos estudantes. Outros poderiam dizer que ela é masculina, pois tem como marca o
conhecimento, e este foi historicamente produzido por homens. Por aqui perpassam
duas das principais representações da docência: as mulheres são agentes de
ensino, mas o conteúdo deste é um conhecimento produzido, cientificamente
investigado, validado e selecionado pelo universo masculino. De alguma forma,
conclui-se que a escola é indiscutivelmente atravessada por gêneros.
Ainda de acordo com Louro (2007), os discursos fundados na construção da
ordem e do progresso pela higienização da família e formação de cidadãos virtuosos
implicam a educação das mulheres – as mães. A esse discurso alia-se o da
nascente Psicologia, ressaltando os benefícios que o amor materno causa no
desenvolvimento físico e emocional das crianças. Dessa forma a verdadeira carreira
da mulher é a maternidade e os cuidados a ela inerentes, sendo outra atividade
profissional um desvio de sua necessária função social. O magistério, principalmente
o primário, que tem como alvo as crianças, torna-se assim admissível e conveniente.
Com base nessas reflexões, pode-se dizer que as relações de gênero
(abordadas no Capítulo 3) são relevantes para se compreender os quadros teóricos
utilizados habitualmente para analisar as relações proletarização x
profissionalização, qualificação x desqualificação da docência. Assim, cabe analisar
estas realidades de modo crítico, comparando as representações sociais que alunos
e alunas dos cursos de Pedagogia têm sobre o trabalho docente e observando
práticas culturalmente adotadas e tidas como significativas no contexto escolar.
Nesta posição não se busca descobrir uma verdade que estaria encoberta ou
escondida a respeito dos alunos ou das alunas, mas sim observar os possíveis
efeitos que tais representações poderiam ter em seu futuro trabalho como
professores.
3 GÊNERO E TRABALHO DOCENTE
Este Capítulo apresenta inicialmente algumas considerações sobre a
construção social do gênero e como esta construção interfere nas relações de poder
e na divisão sexual do trabalho. A seguir, analisa-se o processo de feminização do
trabalho docente e como essa atividade tem sofrido um processo de
desprofissionalização mediante sua identificação com uma “vocação feminina”.
3.1 GÊNERO, PODER E DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO
A distinção entre cultura e natureza, pelo menos de forma bipolar e
excludente, é uma construção histórica que pode ser considerada como uma marca
da sociedade moderna. De acordo com Sorj (1992) é a partir desse período que a
condição humana passa a ser encarada como fruto da lei e da ação humana
deliberada, enquanto a natureza assume o papel de um grande depósito de tudo
aquilo que os poderes humanos não podem ou não ambicionam moldar; tudo aquilo
que é visto como governado por uma lógica própria. A ciência ocidental, no final do
século XX, por exemplo, tem constantemente desafiado os limites que
considerávamos estabelecidos para a ação humana sobre os corpos e a
reprodução, ampliando o âmbito da cultura sobre o que era considerado próprio da
natureza.
Para Carvalho (1999), é nesse contexto do questionamento da dicotomia
cultura/natureza que se desenvolve o debate entre as feministas sobre as relações
entre os conceitos de sexo e gênero. O termo gênero (gender) popularizou-se entre
as feministas de língua inglesa ao longo dos anos 70 do século XX3 como uma
maneira de enfatizar a dimensão socialmente construída das identidades individuais
e das relações entre homens e mulheres, contrapondo-se ao determinismo
biológico. Assim, o pensamento feminista dos anos 70 e 80 utilizava o conceito de
gênero de maneira complementar ao de sexo e não como um substituto, pois a
natureza era tomada como a base sobre a qual significados culturais são
construídos.
Mas, ainda de acordo com Sorj (1992), no momento em que questionamos a
própria idéia de natureza e a separação entre natureza e cultura, ao assumir que
evidências oferecidas pela Biologia estão enraizadas em relações sociais, o conceito
de sexo também perde sua pretensa autonomia pré-cultural e pré-social e passa a
ser subsumido no conceito de gênero. Esta posição pressupõe a idéia de que
nenhuma experiência corporal existe fora dos processos sociais e históricos de
construção de significados, ou seja, fora das relações sociais. Significa que o corpo
não dá origem a uma essência ou a experiências fundantes de uma pretensa
natureza feminina ou masculina. A dificuldade está em que certos domínios da vida
social têm sido sistematicamente associados à natureza e assim retirados à ação
humana, à história e às relações sociais; as idéias de infância, família, sexualidade,
mulher são alguns exemplos. Parte do esforço de algumas teóricas feministas tem
sido exatamente de desnaturalizar estes domínios (CARVALHO, 1999).
A partir das críticas feitas à biologização das diferenças entre homens e
mulheres, vários estudiosos no campo das ciências humanas tem se ocupado da
categoria gênero, tomando-a como objeto de estudo. Assim, por exemplo, Heilborn
(1992) a concebe como a distinção entre atributos culturais alocados a cada um dos
3 Segundo Scott (apud LOURO, 2007) gender passa a ser usado como distinto de sex visando rejeitar o determinismo biológico da diferença sexual e acentuar através da linguagem o caráter fundamentalmente social das distinções baseadas no sexo.
sexos e à dimensão biológica dos seres humanos. Scott (1995) conceitua gênero
como um elemento que constitui as relações sociais baseado nas diferenças
percebidas entre os sexos, sendo uma forma primária de dar significado às relações
de poder no interior do debate teórico do feminismo. As leituras pós-modernistas
têm contribuído para a compreensão do caráter artificial de uma definição única de
mulher e de feminilidade, enfatizando as diferenças e as particularidades a partir de
uma percepção da historicidade e do caráter socialmente produzido das linguagens
e dos conceitos. Esse enfoque provém especialmente das autoras Scott (1995) e
Nicholson (1994), que alertam para a importância da atenção às linguagens e ao
papel das diferenças percebidas entre os sexos na construção de todo sistema
simbólico, especialmente na significação das relações de poder. Para estas autoras,
os significados seriam construídos basicamente a partir da observação da diferença
e do contraste; e a diferença sexual seria um modo principal de dar significado à
diferenciação.
Essas autoras enfatizam que o gênero não é um conceito que apenas
descreve as relações entre homens e mulheres. Trata-se de uma categoria teórica
referida a um conjunto de significados e símbolos construídos sobre a base da
percepção da diferença sexual e que são utilizados na compreensão de todo o
universo observado, incluindo as relações sociais e, mais particularmente, as
relações entre homens e mulheres. Este código pode também servir para interpretar
e estabelecer significados que não têm relação direta com o corpo, a sexualidade,
nem com as relações homem-mulher, categorizando as mais diversas relações e
alteridades da natureza e da sociedade em termos de masculino e feminino,
conforme cada compreensão cultural e histórica (SCOTT, 1995).
Para compreender de forma histórica e social os ideais de feminilidade e
masculinidade em sua complexa relação com as práticas de homens e mulheres, é
interessante citar o conceito de masculinidade hegemônica4 tal como vem sendo
desenvolvido por Connell (1995). Para o autor, este conceito é a configuração de
práticas de gênero que incorpora a resposta comumente aceita ao problema da
legitimação do patriarcado, que garante a posição dominante dos homens e a
subordinação das mulheres. É uma forma de masculinidade mais valorizada
culturalmente do que outras, sustentada pelo poder institucional e que não
corresponde de forma linear à experiência vivida por cada homem, embora não
represente apenas um ideal distante e inatingível, por tratar-se de uma estratégia
amplamente aceita. Assim, a masculinidade hegemônica não seria um referencial
fixo, mas antes um consenso permanentemente contestável e contestado, uma
relação historicamente móvel e provisória.
Desde o período pós-guerra, particularmente nas últimas décadas,
transformações no emprego assalariado das mulheres, mudanças na família e fortes
questionamentos dos padrões culturalmente aceitos de masculinidade e
feminilidade, advindos principalmente dos movimentos de mulheres e de
homossexuais, têm sido ao mesmo tempo causas e sinais de tendências de
transformação na forma de se encarar a sexualidade. A idéia defendida por esses
movimentos é a de que sujeitos masculinos ou femininos podem ser heterossexuais,
homossexuais, bissexuais (brancos, negros, ricos, pobres, etc.); o que importa é que
4 A masculinidade hegemônica segundo Connell (apud GOMES, 2008) define-se a partir de práticas usuais que engendram padrões aceitos para a posição dominante dos homens, não necessariamente mais poderosos, e subordinação de mulheres. Ela se refere a um tipo de masculinidade tida como exemplar, expressando fantasias e desejos que servem de referência para as relações de gênero, naturalizando diferenças e hierarquias. O autor chama atenção para dois aspectos importantes: (a) embora seja uma posição de autoridade cultural e liderança, ela não é totalmente dominante porque junto a ela persistem outras formas de masculinidade e (b) ela é hegemônica não precisamente no que se refere a outras masculinidades, mas em relação a ordem de gênero como um todo.
na dinâmica de gênero e sexualidade as identidades são sempre construídas, não
são dadas nem acabadas num dado momento (LOURO, 2007).
Em resumo, pode-se afirmar que a categoria gênero está cada vez mais
presente nas pesquisas. Os estudos de gênero permitem fazer análise da
construção social da mulher e do homem, articulando-os a classes sociais, etnias e
gerações, possibilitando o reconhecimento destes elementos. Seja no âmbito do
senso comum, seja revestida por uma linguagem pseudo “científica”, a alegação de
diferenças biológicas entre homens e mulheres geralmente serve para justificar a
desigualdade.
Louro (2007) esclarece que dizer que mulheres são diferentes de homens é, a
princípio, uma afirmação que não encontra refutação, pois parece evidente que a
diferença primeira refere-se ao estrito domínio biológico – mais claramente ao
domínio sexual. O problema é que, a partir daí, são inferidos vários atributos à essa
diferença, os quais explicariam e justificariam as mais variadas distinções sociais. A
diferença é, então, nomeada a partir de um determinado lugar que se coloca como
referência. Assim, a história escrita sobre homens e mulheres, assim como “teorias”
construídas para provar diferenças psíquicas, comportamentais, de habilidades
sociais, talentos e aptidões, visam determinar lugares sociais, possibilidades e
limites próprios de cada gênero. Neste jogo de poder, entretanto, é importante notar
quem define a diferença e quem é considerado diferente, se a atribuição da
diferença está sempre implicada em relações de poder, a do fazer masculino é,
segundo a autora, a História Oficial.
Louro (1997, p. 21) afirma, ainda, que:
... é necessário demonstrar que não são propriamente as características sexuais, mas é a forma como estas características são representadas ou valorizadas, aquilo que se diz ou pensa sobre elas que vai constituir, efetivamente, o que é feminino ou masculino em uma dada sociedade. Para que se compreenda o lugar e as relações de homens e mulheres numa
sociedade importa observar não exatamente seus sexos, mas sim tudo o que socialmente se constituiu sobre os sexos.
Como resposta à predominância, no movimento feminista norte-americano, de
concepções ligadas à defesa da igualdade de direitos nos termos liberais, difundiu-
se entre as décadas de 70 e 80 do século passado, a partir de debates no interior
das teorias psicanalíticas, uma corrente que enfatizava as diferenças psicológicas
entre homens e mulheres, tomando cada grupo como homogêneo internamente e
valorizando os aspectos da personalidade das mulheres relacionados à
maternidade. Essas idéias serviram como fundamento para movimentos feministas
defensores da diferença e tiveram influências marcantes para a área de estudos de
gênero no Brasil e, por extensão, para os estudos sobre educação, principalmente
influências das autoras Carol Gilligan, Nel Noddings e Nancy Chodorow
(CARVALHO, 1999).
A questão central da obra de Chodorow (1990) é que as mulheres
“maternam”5. A “maternação” das mulheres é um dos poucos elementos universais e
duráveis da divisão de trabalho por sexos. Para ela, essa maternação teria sido
naturalizada e considerada evidente, inquestionável ou inevitável pela Sociologia e
pela Psicologia. Caminhando no sentido contrário, Chodorow analisa o modo como a
maternação é reproduzida através das gerações. Sua hipótese é que há processos
psicológicos estruturais levando as mulheres a maternar e os homens a não
maternar. Nem é um produto da biologia, nem de preparo intencional para a função.
Ela baseou-se na teoria psicanalítica do desenvolvimento da personalidade
masculina e feminina para demonstrar que a maternação das mulheres se reproduz
ciclicamente. Chodorow retoma criticamente os relatos psicanalíticos, tentando
5 Segundo Cerisara (2002, p. 37-38) maternagem é um termo correntemente usado na literatura que aborda o tema gênero, que caracteriza os processos sociais de cuidados e educação das crianças em oposição à maternidade, que se refere à dimensão biológica da reprodução humana.
reconstruir a trajetória de desenvolvimento das meninas e colocar as constatações
de Freud e outros no contexto de um certo tipo de família. Diz a autora:
Minha interpretação do enfoque psicanalítico do complexo edípico feminino sugere que a estrutura assimétrica do cuidado de crianças gera um complexo edípico feminino com características particulares. Dado que as mães são o objeto de amor primário e objeto de identificação para crianças de ambos os gêneros e dado que os pais entram no quadro relacional mais tarde e de modo diferente, o complexo edípico nas meninas caracteriza-se pela continuação dos apegos e preocupações pré-edipicos, oscilação sexual no triângulo edípico e falta tanto de mudança absoluta de objeto amoroso quanto de absoluta solução edípica (CHODOROW, 1990, p. 170).
Na parte final de seu livro, Chodorow nos oferece uma descrição das
personalidades masculina e feminina que se tornou básica no “feminismo da
diferença”6. As mulheres aparecem como mais empáticas, mais propensas a
sentirem-se ligadas e relacionadas com o mundo objetal externo por terem sido
cuidadas por uma pessoa do mesmo sexo, quase sempre a mãe biológica, e por
viverem um processo edípico que não significa o rompimento radical dessa relação
primária. Sua definição primária do eu não decorre de uma ruptura, mas de uma
identificação com a mãe, cuidadora inicial. Essas diferenças no processo edípico
resultariam igualmente na formação nas meninas de um superego mais aberto à
persuasão e ao julgamento dos outros e não tão independente de suas origens
emocionais, em comparação com os meninos. A maternação sendo exercida por
mulheres produz assimetrias nas experiências relacionais de meninos e meninas,
resultando em que o senso básico feminino do eu está conectado com o mundo, o
senso masculino básico do eu está separado. Chega, também, assim à explicação
que ela buscava de porque as mulheres maternam e os homens não: porque ambos
foram maternados por mulheres e não por homens.
6 No interior do movimento feminista e das teorias de gênero a partir dos anos 60, iniciou-se um grande debate entre os partidários da igualdade e os defensores da diferença. Como explica Carvalho (1999, p. 19), os posicionamentos da defesa da igualdade encontravam-se, do ponto de vista teórico, baseados na igualdade de direitos e da liberdade individual, movendo-se no campo dos direitos fundamentais civis e nos valores centrais da modernidade. Já os defensores da diferença exploravam a alteridade e as especificidades das mulheres em oposição à desvalorização da feminilidade e à assimilação de mulheres por modos de existência masculinos.
Gilligan (apud CARVALHO, 1999), baseada na leitura que Nancy Chodorow
faz da psicanálise, não busca explicações ou origens para os processos que
descreve, remetendo-nos explicitamente àquela autora e a suas teses sobre a
influência da maternação exercida por mulheres na formação das personalidades
universalmente diferentes de meninos e meninas. Sua conclusão básica, no que
também retoma em grande parte as idéias de Chodorow, é de que o processo de
desenvolvimento tem sido descrito como uma trajetória no sentido da individuação,
um caminho baseado na separação e construção da identidade, no qual só na vida
adulta a intimidade ou a ligação são retomadas, num patamar mais alto de
amadurecimento. Mas esse seria o caminho masculino. Assim, o eu masculino é
retratado em separação. As mulheres teriam seu processo de desenvolvimento
baseado não na individuação, mas nas relações, definindo sua identidade a partir
dos relacionamentos e não das separações7. Quanto à moral, foco principal de
Gilligan, os homens tenderiam a uma ética dos direitos, baseada em princípios
abstratos e na igualdade entre os indivíduos. Só com o amadurecimento seriam
capazes de contextualização, relativização dos princípios e inclusão da
responsabilidade e cuidado em sua ética. Já as mulheres tenderiam a uma ética do
cuidado (caring), partindo da idéia de responsabilidade, conexão e rede de
relacionamentos, sempre contextualizando seus julgamentos e relativizando as
verdades. Só, também, com o amadurecimento, seriam capazes de perceber a
lógica da ética dos direitos e, com isso, incluir-se entre os que têm direitos,
preocupando-se em ser francas com relação a seus próprios desejos e percebendo
a separação e o cuidado como complementares. A autora afirma que:
7 Segundo Chodorow (apud MONTENEGRO, 2003) enquanto a menina, por se sentir mais identificada com a mãe, vivencia sentimentos de proximidade com ela, o que propicia o desenvolvimento de uma identidade de gênero que funde o apego com identidade pessoal, os meninos, na vivência da proximidade com a mãe, definem sua identidade de gênero com a separação da mãe de si mesmos, diminuindo a ênfase no vínculo empático e aumentando os sentimentos de diferenciação.
Essas diferentes perspectivas são refletidas em duas diferentes ideologias morais, visto que a separação é justificada por uma ética dos direitos, enquanto a ligação é apoiada por uma ética do cuidado (...) Enquanto uma ética da justiça provém de uma premissa de igualdade - que todos devem ser tratados da mesma maneira - uma ética do cuidado repousa na premissa da não-violência - de que ninguém deve ser prejudicado. (GILLIGAN, s/d, p. 186).
A ética do cuidado é definida por ela como uma ideologia moral na qual a
responsabilidade pelos outros, o critério de agir responsavelmente para com o eu e
os outros e o esforço permanente em manter as conexões são o eixo. Esta ética
proviria de um movimento anterior, no processo de desenvolvimento individual das
mulheres, em que não prejudicar os outros estaria acima da própria afirmação,
gerando uma ética de altruísmo, abnegação, negação dos próprios desejos e do
próprio eu.
Chodorow (1990) percebe a sociedade como a somatória de um sistema de
produção e um sistema de reprodução (o sistema sexo-gênero), cujo núcleo, em
qualquer sociedade, seria a família e a organização dos cuidados paternos e
maternos. Trata-se de duas esferas, regidas por lógicas diferentes, ocupadas por
diferentes sujeitos e bem delimitadas entre si. A maternagem determinaria a posição
principal das mulheres na esfera doméstica e criaria a base para a diferenciação
estrutural das esferas doméstica e pública. Mas estas esferas operam
hierarquicamente. Cultural e politicamente a esfera pública (domínio dos homens)
domina a doméstica e, portanto, os homens dominam as mulheres. Aqui, o gênero
aparece como um divisor de águas temático, definindo um território de práticas
sociais às quais se refere, em oposição a um outro território, da produção e da vida
pública.
À idealização da vida privada, da família e do trabalho doméstico,
corresponde uma idealização das mulheres, que seriam menos competitivas, mais
afetivas, mais relacionais, intuitivas e cuidadoras. Já os homens são tomados como
universalmente racionais, competitivos, universalistas em seus julgamentos e afetos
a relações formalizadas, como descreveram Chodorow (1990) e Gilligan (apud
CARVALHO, 1999). Contudo, os estudos sobre masculinidade têm cada vez mais
acentuado as ambigüidades e a parcialidade destas associações, apontando a
existência de práticas de masculinidades múltiplas e mutantes e diferenciando o
plano das configurações de práticas do plano das prescrições ou da masculinidade
hegemônica, historicamente constituída, tal como sugerem Connell (1995), Ramirez
(1995) e Pereira (1995).
No caso de Chodorow e Gilligan (apud CARVALHO, 1999), o que permite a
elaboração de afirmações sobre as mulheres, num conjunto indeterminado de
culturas e num período histórico extremamente abrangente, é também a suposição
de que o fato de se possuir certo tipo de genitais – masculinos ou femininos – tem
um significado tão semelhante num amplo conjunto de culturas que podemos
postular a existência de estórias de desenvolvimento psicológico, experiências e
atitudes fundamentalmente homogêneas entre todas as mulheres. De acordo com
Montenegro (2003), as vivências infantis nos primeiros anos servem de base para a
concepção da ética do cuidado proposta por Gilligan, mantendo perigosamente a
dicotomia razão/emoção, traduzida como justiça/cuidado, possibilitando argumentos
naturalizantes que valorizam o cuidado e altruísmo nas mulheres.
Em uma outra perspectiva, Mill (apud CHAMON, 2005), um dos primeiros
estudiosos a respeito da subordinação feminina ainda nos anos de 1860, afirma que
leis e sistemas de governo sempre começaram pelo reconhecimento de relações
pensadas como naturais entre os indivíduos. Ressalta que a supremacia de uns
seres sobre outros se dá pela diferenciação de um simples fato físico, que é
convertido em direito legal. Esse seria o caso de escravos e mulheres: a
desigualdade de direitos entre senhores e escravos, homens e mulheres não tem
outra causa senão a lei do mais forte.
Somente a desnaturalização e a historicização de nossa concepção de ser
humano, incluindo o que tange à sexualidade, ao corpo, à reprodução e à
maternidade, permitem a percepção de variações históricas e culturais não apenas
nos estereótipos de masculinidade e feminilidade, mas no próprio significado
atribuído ao fato de ser-se homem ou mulher. Entretanto, a polaridade excludente ou
oposição binária não é a única forma de apreender a diferença e nem a ênfase na
diferença é a única maneira de perceber homens e mulheres (CARVALHO, 1999).
Por outro lado, Carvalho (1999) alerta para as análises que enfatizam a
identidade e a cultura femininas, deixando de lado todos os demais determinantes,
que quase sempre desconhecem a necessidade de estudar igualmente os homens.
Assim, reproduzem os processos de dissimulação da dominação masculina, pois só
as mulheres são percebidas como determinadas pelo gênero e os homens
permanecem identificados com o universal. Definidas como o Outro, as mulheres
aparecem como um bloco homogêneo, onde a determinação de gênero faz tábula
rasa de todas as demais condições sociais e históricas. Assim, afirma a autora que
estes significados se vinculam a inúmeros tipos de representações culturais e, por
sua vez, estas estabelecem os termos nos quais as relações entre homens e
mulheres são organizadas e entendidas.
Piza (apud CERISARA, 2002) utiliza o conceito de trabalho doméstico para
analisar a contaminação dos aspectos principais desse trabalho na dinâmica das
professoras em sala de aula. Segundo a autora, o trabalho doméstico apresenta
quatro características principais: a) a ausência de divisão nítida entre o público e o
privado; b) repetição diária e automática (rotina); c) o fato de ser naturalmente
atribuído à mulher e portanto, sem necessidade de preparo prévio; e d) o fato de ser
um trabalho que possa ser desempenhado profissionalmente e sem necessidade de
qualificação. O magistério dos anos iniciais, igualmente naturalizado como atividade
feminina tem, segundo a autora, três características que assemelham-se ao trabalho
doméstico: a) a crença de que a professora possui um saber natural para ensinar
crianças; b) a busca de práticas que vão sendo testadas no dia-a-dia; e c) confiança
na repetição de um sistema de regras. Dessa forma, como observam Cerisara
(2002), Ongari e Molina (2003), Silva (2001) e Alves (2002), as relações de trabalho
próprias do espaço doméstico são elementos marcantes na composição da
identidade profissional das professoras, situando-se, inclusive, como lugar em que
se concilia trabalho e cuidado com os filhos.
Santos (2008) avalia que o fato de ser o magistério caracterizado socialmente
como “trabalho de mulher”, fez com que esta designação fosse um norteador na
definição de sua profissionalidade, atingindo a solidificação da carreira e formação
de identidade, apontando a direção de seu status profissional, reconhecimento social
e condições de trabalho. Partilhando esse mesmo ponto de vista, Silva (2006) afirma
que a caracterização da docência nos primeiros anos de escolarização como
atividade natural da vocação feminina, como extensão do lar e contaminada por
práticas domésticas de cuidados, significa legitimação e perpetuação da
desprofissionalização dessas trabalhadoras.
A associação entre feminização e desprofissionalização do magistério,
apontada por estes e outros autores, foi a principal preocupação que motivou este
estudo. A seção que se segue analisa o processo de feminização.
3.2 A FEMINIZAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE
A expressão feminização do magistério possui muitos sentidos. Segundo
Werle (2005), a maior parte dos autores apóia-se em dados quantitativos, indicando
o expressivo contingente feminino que exerce o magistério, incluindo argumentos
que apontam prejuízos decorrentes de tal predominância. Tambara (apud WERLE,
2005) ressalta que este processo se dá através de uma colagem de características
atribuídas ao sexo feminino e ao magistério, afirmando ser a Escola Normal
responsável pela constituição da forma feminina de docência, sistematizando, como
profissionais, práticas de trabalho doméstico. Almeida (apud WERLE, 2005) também
considera que há uma cumplicidade da Escola Normal nesse processo, que é
favorecida por traços culturais que contribuem para a ocupação do magistério pelas
mulheres.
Izquierdo (1994) chama atenção para o fato de que conteúdos de gênero são
atribuídos às ocupações, isto é, certas ocupações são consideradas femininas e
outras masculinas, independentemente de serem exercidas por homens ou
mulheres. Assim, a desigualdade de gênero se manifestaria no fato de que o nível
salarial e de prestígio atribuído às atividades de gênero feminino é inferior ao que se
outorga às atividades de gênero masculino, independentemente de serem
desenvolvidas, em casos individuais, por pessoas de sexo feminino ou masculino.
Nesta perspectiva, a questão central ressaltada por Carvalho (1999) quanto
ao trabalho docente é que sua feminização não significa apenas a entrada maciça
das mulheres no magistério, mas, que esta mudança na composição sexual da
ocupação, produz um deslocamento de significados - de escola, ocupação, ensino,
mulher, feminilidade, maternidade, criança – que resultou na contigüidade observada
hoje entre as representações de mulher, mãe e professora. São movimentos, sem
dúvida articulados, mas irredutíveis um ao outro, nem sempre coincidentes em
termos de ritmos históricos e que não guardam entre si relações simples de causa e
efeito. Da mesma forma, conceitos como profissionalismo e proletarização,
qualificação e desqualificação, combatividade sindical e desmobilização estão
articulados, nessa ordem, aos significados historicamente mutáveis do masculino e
feminino, isto é, à história do gênero.
Apple (1988), já havia observado que o fato de uma ocupação ser exercida
por um grande número de mulheres faz com que ela sofra transformações. Esta
afirmação seria óbvia, pois se as diferenças entre os gêneros não fossem
socialmente produzidas, não haveria mudanças na estrutura das ocupações pelo
simples fato de serem realizadas por homens ou por mulheres e, caso estas
mudanças ocorressem, não seriam consideradas de modo desigual. O problema não
reside apenas nas transformações sofridas pelo magistério, mas na forma desigual
com que se trata o trabalho realizado pela mulher na sociedade capitalista e
patriarcal.
Dada a sua relevância, o tema feminização do trabalho docente tem ocupado
o interesse de pesquisadores na área da Educação desde meados da década de
1980. Autores como Novaes (1984), Apple (1995) e Arce (1997), ao tentar responder
por que o magistério tornou-se campo de trabalho feminino, explicam que esta
profissão foi uma das primeiras que se abriu para mulheres com aprovação da
sociedade. Várias pesquisas já realizadas (ALVES-MAZZOTTI, 2006; SILVA, 2004;
CERISARA, 2002) partem da preocupação com a idéia de que a desqualificação do
magistério estaria relacionada à predominância feminina. Novaes (1984, p. 96)
assim explica a feminização da profissão:
Não é só pelo problema financeiro, da baixa remuneração que os homens não buscam o Magistério. Vejo mais como um preconceito, um estereótipo social. Existem homens trabalhando no setor de serviços, às vezes portadores de escolaridade de segundo grau, trabalhando no comércio ou em escritórios que, considerando sua jornada de trabalho, têm salário inferior ao das professoras. Não é que eu considere os salários das professoras alto, não há como pensar assim. O problema é que parece, os homens não buscam o magistério porque tradicionalmente, essa é uma profissão vista como feminina, “Lidar com criança é coisa de mulher”, em casa e na escola. É assim que pensam, na nossa sociedade, não só os homens mas, o que é pior, as próprias mulheres.
A história da socialização das mulheres tem evidenciado que as
subjetividades femininas foram construídas nas mais diferentes épocas para ser o
“complemento emocional” do “homem racional”. Para Rousseau (apud TONG, 1992),
diferentemente de Emílio, Sophia deveria ser educada para virtudes como paciência,
docilidade e compreensão, em como ser uma esposa cuidadosa e mãe amorosa.
Dessa forma, as perspectivas de missão sagrada, de dignidade do ofício, de
abnegação e de zelo, só comparáveis às causas religiosas e patrióticas, foram
incorporadas ao ethos da idealização da professora da escola elementar. Como bem
coloca Chamon (2005), essa ideologia foi se amalgamando nas mentalidades,
fazendo características de amor e cuidado inerentes ao fazer pedagógico.
A quase unanimidade entre os estudos de gênero nos anos iniciais do ensino,
como observaram vários autores (ALVES, 2002; CERISARA, 2002; ONGARI,
MOLINA, 2003; SILVA, 2001) aponta a preocupação teórica quanto à possibilidade
de as professoras combinarem referenciais domésticos e profissionais, trazendo
para a escola habilidades e saberes do trabalho doméstico e da maternagem. A
domesticidade, a vida familiar e a criação dos filhos, que seriam os eixos tanto da
socialização feminina quanto da vida da maioria das mulheres adultas em nossa
sociedade, seriam levadas escola adentro fazendo com que, para as educadoras, o
exercício profissional na escola aparecesse como uma extensão de seu papel
doméstico, de mãe, dona de casa, o que tem conseqüências sobre todo o
funcionamento escolar. Assim, segundo Nogueira (2004), mantém-se e aprofunda-
se a idéia que há uma diferença, uma linha divisória entre mulheres e homens
professores e que essa diferença encontra-se articulada à divisão e hierarquia de
gênero, a um destino social das mulheres como mães e donas de casa.
Ao mesmo tempo, para a especificidade do trabalho nas primeiras séries - a
relação com crianças concentradas na faixa etária dos 7 aos 12 anos – essa
feminilidade aparece como alguma coisa exterior à escola, nela introduzida pelas
mulheres, a partir de sua socialização primária e alheia aos processos próprios da
cultura escolar, da produção e reprodução de valores e saberes no cotidiano da
escola. Nessa perspectiva, o magistério é compreendido como atividade inerente
aos papéis sociais historicamente desempenhados pelas mulheres no âmbito
privado familiar como bem descreveram Chodorow e Gilligan (apud CARVALHO,
1999). Muito, porém, desta “vocação natural” que as mulheres têm para educar e
cuidar não requer valorização nem tampouco organização política de suas
trabalhadoras. Assim, Carvalho (1996) relaciona características maternais e
domésticas das professoras com incompetência técnica e desmobilização sindical,
idéia já presente em estudos da década de 80, como o de Mello (1993).
Esse paradigma de professora vocacionada está, segundo Arroyo (2001),
relacionado a resquícios de uma visão religiosa que ainda perdura e funciona para a
manutenção do senso comum de que o magistério, sobretudo nas séries iniciais, é
profissão adequada ao sexo feminino. Dessa forma, como aponta Apple (1995),
parte-se da constatação de que nas determinações de gênero sobre o trabalho
docente tudo que se relacionava às mulheres e à feminilidade era desqualificado na
maior parte das análises, considerado como fonte de inadequações, desvios e
problemas. Carvalho (1999) chama a atenção para a idéia de:
Uma diferença fundante entre homens e mulheres, geral, abstrata e trazida de fora da escola para o interior do fazer pedagógico. Hipótese de uma matriz comum entre as práticas de maternagem no âmbito da família e o fazer da escola primária, uma matriz enraizada nas idéias socialmente contruídas de infância, de relação adulto-crianças e “cuidado” e dos lugares reservados a homens e mulheres nesse processo (CARVALHO, 1999, p. 15).
Carregando sentidos variados em campos profissionais diversos, a prática do
cuidar tanto envolve a prestação de serviços pessoais, como compreende empatia,
compaixão, carinho, atos ligados à saúde e ao corpo, ou aspectos valorativos e
éticos próximos das idéias de compromisso e responsabilidade. Assim, ressalta
Carvalho (1999) que o cuidado nas séries iniciais recobre uma atenção e atuação do
professor ou professora sobre os aspectos extra-cognitivos do desenvolvimento de
seus alunos e exige dele/a uma postura de envolvimento afetivo e compromisso
frente à criança.
Segundo Arce (apud SILVA, 2004) esta afetividade não seria considerada
somente pertinente, mas necessária por vários pensadores que influenciaram
importantes correntes pedagógicas como Rousseau, Froebel e Montessori. Porém,
de acordo com o autor, esta influência no campo da intervenção pedagógica
escamoteia deficiências de formação e desigualdades nas relações de gênero que
culminaram na desprofissionalização e na manutenção de um atendimento de pouca
qualidade para as maiorias, principalmente nas séries iniciais de escolarização.
Lopes (1991) também afirma que há uma relação estabelecida entre a
maternidade e a docência, mencionando que, hoje, pode-se verificar que a
maternagem é uma das principais ações no exercício da docência, sobretudo nas
séries iniciais. Na mesma direção, Apple (1988, p. 15) declara que o fato de o
magistério ter se tornado uma profissão exercida, prioritariamente, por mulheres:
... fornece um elemento-chave para entender por que tem havido tantas tentativas de controle das práticas docentes e curriculares por parte de burocratas estatais, da indústria e de setores acadêmicos amplamente masculinos. E também explicaria o fato de tantos desses currículos,
definidos e controlados externamente, serem transformados pelas professoras quando chegam às salas de aula.
É preciso considerar que o magistério não nasceu como uma ocupação
feminina quer no Brasil, quer em outros países. Ele transformou-se em ocupação
feminina, carregando, segundo Chamon (2005) a função de cumprir
estrategicamente o papel de produzir uma nova forma de organização escolar que
surgia com os ideais republicanos. Tendo como marco a Revolução Industrial
originada na Inglaterra, o processo de urbanização e uma crescente necessidade de
mão-de-obra, serviram de aportes explicativos para a entrada das mulheres no
mundo do trabalho. Com o advento de uma nova ordem econômica, o ensino passa
a ser determinante na construção do sentido de nação.8
Assim, conforme observa Hahner (1981), a missão civilizatória atribuída às
mulheres tanto pela Igreja Católica, quanto pela ideologia vitoriana9 e pelos ideais
positivistas10, fez levantar o debate sobre o papel das mulheres como reformadoras
da pátria e condutoras morais da ordem social11. A associação entre a ação
educativa e missão religiosa, entre atitudes maternais e profissionais teria levado o
poder instituído e a sociedade a privilegiarem essas características na configuração
do ideal de professora, no sistema de instrução pública elementar. Era aberta,
assim, às mulheres que tinham acesso a uma parca escolarização, uma atuação na
esfera pública, como professoras.
8 Como analisa Chamon (2005), o ensino público elementar no Brasil imperial não expressava nenhum interesse para sua função social. Com o advento da República, este passa a ter o objetivo de cumprir estrategicamente o papel de veicular uma nova lógica de organização do processo de trabalho em consonância com um amplo movimento de sociedades ocidentais. 9 Segundo campanha desenvolvida no reinado da rainha Vitória, no Reino Unido, as mulheres deveriam usar sua influência na esfera pública, para além dos campos do trabalho de caridade. 10 De acordo com os ideais de Comte, à mulher caberia desempenhar no lar sua verdadeira obra de santificação, adaptando o homem a viver para o outro. 11 Evans (apud CHAMON, 2005) ressalta que a união dos ideais cristãos com ideais vitorianos resultou na formação de uma nova mentalidade sobre a mulher no século XIX: a de heroína com”... a nobre missão de educar seres humanos, iluminar mentes com a luz da verdade, moldar as vontades no amor e na virtude.”(p. 68). Na prática isso significava resguardar a ordem social e suprir as lacunas culturais e morais das classes trabalhadoras com valores que melhor atendessem aos interesses do novo sistema industrial.
Neste contexto mais amplo, percebe-se que nas sociedades urbanas
modernas a escola historicamente veio ganhando lugar de destaque dentre as
demais instâncias e instituições sociais. No Brasil a instituição escolar é
primeiramente masculina e religiosa, investindo na formação dos meninos brancos
dos setores dominantes. É importante observar que o ensino por instituições
religiosas permanece até hoje, inclusive, com ordens destinadas apenas para
meninos (como é o caso do colégio São Bento, no Rio de Janeiro). Essa referência é
tão forte em nossa história que parece ter permanecido até os dias atuais, apesar
das grandes modificações sociais que se seguiram. Com certeza, as religiosas que a
seguir passaram a educar as meninas também se pautaram por severos e
detalhados regulamentos (CHAMON, 2005).
Como instituição social, a escola também se transformou no desenrolar da
história, e a mais marcante entre suas mudanças foi a entrada das mulheres em
suas dependências. No Brasil, tal transformação deu-se na segunda metade do
século XIX, com funções diferentes para eles e para elas. Separados por gênero –
senhoras ensinam meninas, homens ensinam meninos – tratam de saberes
diferentes, validados por currículos cuidadosamente adequados a eles e a elas,
recebem salários diferentes, têm objetivos de formação diferentes e avaliam de
formas diferentes. Segundo Louro (2007), os discursos fundados na construção da
ordem e do progresso pela higienização da família12 e formação de virtuosos
cidadãos implicam a educação das mulheres – as mães. A esse discurso alia-se o
da nascente Psicologia, ressaltando os benefícios que o amor materno causam no
desenvolvimento físico e emocional das crianças.
12 De acordo com Carvalho (apud CARVALHO, 1999, p. 90) “... produz-se nesse período um deslocamento no discurso educacional, quando emerge uma imagem de povo brasileiro mestiço, doente, indisciplinado, que freia o progresso com sua indolência e ignorância.” A escola passa a ser vista como formadora desse povo, entendendo-se formação como moralização, civilização, disciplina e higiene: corações disciplinados em corpos saudáveis para formar a nacionalidade brasileira.
Dessa forma a verdadeira carreira da mulher passa a ser a maternidade e os
cuidados a ela inerentes, sendo outra atividade profissional um desvio de sua
necessária função social, a não ser que possa ser representada de forma a ajustar-
se a ela. O magistério, principalmente o primário, que tem como alvo as crianças,
torna-se assim admissível e conveniente como uma segunda ocupação feminina.
Portanto, como já discutido neste capítulo, as escolas criadas no Brasil a partir do
século XIX foram desenvolvidas com forte vínculo à historia da mulher no mundo do
trabalho e da higienenização da infância pobre. Tal idéia, de acordo com Silva
(2004) soma-se ao fato de possuir esta escola caráter assistencialista da educação,
estendida às camadas populares como dádiva ou benesse.
Com objetivo de formar mão-de-obra qualificada para a crescente
necessidade de expansão escolar a partir do século XIX, foram criadas as Escolas
Normais. De acordo com Tanuri (apud NUNES, 1992), a primeira Escola Normal
brasileira foi criada em Niterói, Rio de Janeiro, no ano de 1835, com objetivo de
formar professores para atuarem no magistério de ensino primário e era oferecido
em cursos públicos de nível secundário (o atual ensino médio). A partir daí foram
criadas Escolas Normais nos mais variados locais sendo estas marcos de
movimentos de afirmação e de reformulação da profissionalização docente que
durante quase um século abarcou um quantitativo de professores leigos. O ensino
normal atravessou a República e chega a nossa época como instituição fundamental
no papel de formadora dos quadros docentes para o ensino primário, apesar da
última LDB (BRASIL, 1996) considerar preferível a formação docente em nível
superior. Como analisa Perrot (apud GUEDES-PINTO; FONTANA, 2004) a entrada
da mulher na docência foi um canal que possibilitou seu ingresso no terreno da
formação acadêmica, terreno esse, entretanto, marcado por um saber-fazer
feminino, sendo as Escolas Normais as primeiras “Universidades de mulheres”13.
Concluindo, as reflexões expostas neste capítulo, envolvendo relações de
gênero e feminização do trabalho docente, são fundamentais para compreender
possíveis diferenças nas representações sociais que alunos e alunas de Pedagogia
têm sobre o trabalho docente. Como afirma Carvalho (1999, p. 13):
Em especial as professoras das quatro primeiras séries do ensino fundamental parecem ter uma relação com os alunos marcada com o vínculo afetivo e a personalização, com grande autonomia de decisão no interior de sua própria sala de aula e pouca atenção aos temas mais abrangentes em discussão no conjunto da escola, levando a falar da existência, nas séries iniciais, de uma forma marcadamente feminina de organizar o trabalho e relacionar-se com os alunos.
Assim, dentre as preocupações principais deste estudo encontra-se a
necessidade de compreender como tais características se manifestam em homens e
mulheres, buscando captar, em suas representações de professor, as marcas do
gênero.
13 Grifo nosso.
4 A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
Este capítulo objetiva apresentar a abordagem teórico-metodológica que
sustenta e justifica a pesquisa. O estudo das representações sociais foi o caminho
para atingir o propósito de comparar as idéias centrais que futuros professores e
professoras dos anos iniciais do ensino fundamental têm sobre o professor. É
importante lembrar que a pesquisa pretende investigar como se formam e como
funcionam os sistemas de referência desses indivíduos privilegiando, na
interpretação dos dados, a ótica do gênero. Assim, serão enfatizadas as diferenças
entre o masculino e o feminino quanto à atribuição de sentidos à idéia de professor e
suas implicações.
Como bem observa Alves-Mazzotti (1994), as representações sociais
constituem elementos essenciais dessa esfera de investigação, dadas as suas
relações com a linguagem, ideologia, imaginário social e por seu papel na orientação
de condutas e práticas sociais. Partindo deste princípio, o presente estudo se utiliza
da Teoria das Representações Sociais, sob a perspectiva de que todos os sentidos
atribuídos aos objetos são construções de sujeitos históricos. As principais
referências teóricas baseiam-se em Moscovici (1978, 2003), Jodelet (2001), Abric
(1998, 2003) e Alves-Mazzotti (1994, 2002, 2005).
A noção de Representação Social foi introduzida por Moscovici na França em
1961, em sua pesquisa “La psychanalise, son image et son public”, publicada no
Brasil em 1978 com o título “A representação social da psicanálise”. Esse autor
retomou e renovou o conceito sociológico de representação coletiva, proposto por
Durkheim, mostrando que este se referia a um conjunto muito genérico de
fenômenos psíquicos e sociais, que incluía os referentes à ciência, aos mitos e à
ideologia, sem a preocupação de explicar os processos que dariam origem a essa
pluralidade de modos de organização do pensamento. Além disso, a concepção de
representação coletiva era muito estática e, portanto, não adequada ao estudo das
sociedades contemporâneas, que se caracterizam pela multiplicidade de sistemas
de referência e pela rapidez com que se produzem e circulam as representações. A
noção de representação social proposta por Moscovici corresponde à busca desta
especificidade, na medida em que procura dialetizar as relações entre indivíduo e
sociedade, afastando-se igualmente da visão sociologizante de Durkheim e da
perspectiva psicologizante da Psicologia Social da época.
Em suma, o que Moscovici propõe é um conceito verdadeiramente
psicossocial, redefinindo o campo da Psicologia Social a partir daquele fenômeno,
enfatizando sua função simbólica e seu poder de construção do real (ALVES-
MAZZOTTI, 1994). Para Wilson (2003), a proposta básica do estudo das
representações sociais é a busca de compreensão do processo de construção social
da realidade, através da interpretação dos elementos constitutivos do meio físico e
social de uma forma ordenada e significativa para os membros de um dado grupo
social. Esta interpretação da realidade é, então, traduzida num conjunto de
pensamentos facilmente exprimíveis para o grupo passando a constituir sua visão de
mundo.
Jodelet (2001), principal colaboradora de Moscovici, analisa a evolução desse
conceito até os nossos dias, destacando sua vitalidade, complexidade e
transversalidade no campo das ciências humanas e mostrando que hoje já se pode
falar de uma "teoria das representações sociais", uma vez que este constitui um
campo de pesquisa dotado de instrumentos conceituais e metodologias próprias.
Esta teoria vem suscitando o interesse crescente de pesquisadores, não apenas na
Psicologia Social, mas também em outras áreas como a Antropologia, a Sociologia,
a Filosofia, a História. Esse interesse de pesquisadores de tão diversas áreas do
conhecimento na investigação das representações sociais deve-se ao fato de que
esta teoria apresenta um modelo capaz de dar conta tanto de mecanismos sociais
quanto de mecanismos psicológicos que atuam na produção das representações.
Segundo Moscovici (1978, p. 28) a representação social é “um corpus
organizado de conhecimentos e uma das atividades psíquicas graças às quais os
homens tornam inteligível a realidade física e social, inserem-se num grupo ou numa
ligação cotidiana de trocas e liberam os poderes de sua imaginação”. Jodelet (2001,
p. 22), define as representações sociais como:
Uma forma de conhecimento socialmente elaborada e partilhada com um objetivo prático e que contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social. Nesse sentido, elas são concebidas como um saber gerado através de comunicações da vida cotidiana, com o objetivo prático de orientação de comportamentos em contextos sociais concretos.
A mesma autora (2001, p. 22) também caracteriza a representação social
como um saber de senso comum, uma forma de conhecimento que se distingue,
entre outras, do conhecimento científico. Entretanto, é tida “como um objeto de
estudo tão legítimo quanto este, devido à sua importância na vida social e à
elucidação possibilitadora dos processos cognitivos e das interações sociais”.
Portanto, entende-se que as representações sociais traduzem-se numa forma de
conhecimento socialmente elaborado e partilhado que torna familiares os
acontecimentos da vida cotidiana, facilitando a comunicação de fatos e idéias e
orientando nosso comportamento frente aos indivíduos e aos grupos. Jodelet (2001,
p. 17) esclarece que as representações orientam os sujeitos “no modo de nomear e
definir conjuntamente os diferentes aspectos da realidade diária, no modo de
interpretar esses aspectos, tomar decisões e, eventualmente, posicionar-se frente a
elas de forma defensiva”.
Ao enfatizar a natureza social das representações, Moscovici (1978) observa
que as crenças e avaliações que a constituem se organizam de forma diversa em
diferentes classes sociais, culturas e grupos, constituindo diferentes universos de
opinião. Cada universo apresenta três dimensões: atitude (orientação global,
favorável ou não, ao objeto da representação), informação (organização de
conhecimentos que o grupo possui sobre o objeto) e campo de representação ou
imagem (conteúdo concreto de proposições hierarquizadas sobre os aspectos do
objeto). Essas dimensões permitem, para fins de pesquisa, estudos comparativos de
representações e caracterizações de grupos em função de suas representações
sociais. Essas três dimensões da representação social fornecem a visão global de
seu conteúdo e sentido.
Mas, segundo Alves-Mazzotti (2000) é a análise da gênese das
representações que constitui a contribuição mais original da teoria proposta por
Moscovici, distingüindo-as dos conceitos de opinião, atitude e imagem que
dominavam a Psicologia Social de sua época. Esse autor descreve dois processos
cognitivos, dialeticamente relacionados, que atuam na formação das
representações: a objetivação e a ancoragem. Para introduzi-los, Moscovici (1978)
lança mão de uma metáfora, ao dizer que a representação tem, em sua estrutura,
duas faces tão pouco dissociáveis como as de uma folha de papel: a face figurativa
e a face simbólica. Isto significa que os processos envolvidos na atividade
representativa têm por função destacar uma figura e atribuir-lhe um sentido e, ao
mesmo tempo, duplicar um sentido por uma figura. Alves-Mazzotti (1994) alerta para
o fato de que Moscovici introduz aí, de passagem, os processos de objetivação e a
ancoragem que só bem mais adiante em sua teorização iria definir: a objetivação
como a passagem de conceitos ou idéias para esquemas ou imagens concretas, os
quais, pela generalidade de seu emprego, se transformam em "supostos reflexos do
real" (p. 289); e a ancoragem, como a constituição de uma rede de significações em
torno do objeto, relacionando-o a valores e práticas sociais. Podemos dizer, então,
que a objetivação caracteriza-se por transformar idéias e conceitos em imagens
concretas e que a ancoragem é o processo pelo qual o objeto estranho (fato,
pessoa, idéia) é apropriado por um esquema já existente, que serve como
paradigma para contextualização, ou seja, faz com que esse objeto seja classificado,
nomeado e incorporado ao social (JODELET, 2001).
A atividade representativa constitui, portanto, um processo psíquico que
permite tornar familiar e presente em nosso universo interior um objeto que está
distante e, de certo modo, ausente. Nesse processo, o objeto entra em uma série de
relacionamentos e de articulações com outros objetos que já se encontram nesse
universo dos quais toma propriedades, ao mesmo tempo em que lhes acrescenta as
suas, podendo-se dizer que o objeto deixa de existir como tal para se tornar um
equivalente dos objetos aos quais foi vinculado. Os vínculos que se estabelecem em
torno do objeto traduzem uma escolha que é orientada pelas experiências e valores
do sujeito. Dessa forma, o sujeito “não reproduz passivamente um objeto mas, de
certa forma, o reconstrói e, ao fazê-lo, se constitui como sujeito, na medida em que
ao apreendê-lo de uma dada maneira, ele próprio se situa no universo social e
material” (ALVES-MAZZOTTI, 2000, p. 59). Para essa autora, a análise destes
processos constitui a contribuição mais significativa e original do trabalho de
Moscovici, uma vez que permite compreender como o funcionamento do sistema
cognitivo interfere no social e como o este interfere na elaboração cognitiva.
Procurando detalhar esses conceitos, Jodelet (1990) aponta três etapas na
objetivação: a construção seletiva (dentre as informações que circulam sobre um
objeto só se retém aquelas que estão de acordo com o sistema de crenças do
grupo), a esquematização estruturante (atribui-se uma figura específica ao objeto,
concretizando-o em uma imagem coerente, o núcleo ou esquema figurativo) e
naturalização (confere-se realidade ao que era apenas uma idéia, ou seja, o
esquema permite passar da idéia simbólica a um dado da realidade). Jodelet (1990)
também nos auxilia a compreender melhor a ancoragem distinguindo seus três
aspectos: a) como atribuição de sentido (quando os sujeitos vinculam o objeto a uma
rede de significações pré-existente); b) como instrumentalização do saber (valor
funcional da representação, ou seja, sistema de interpretação que funciona como um
código comum que permite classificar indivíduos e acontecimentos); e c) como
enraizamento no sistema de pensamento (a integração da novidade se faz sempre
sobre um “já pensado” e, nesse processo, tanto podem prevalecer esquemas
resistentes, como a novidade pode modificar modelos de pensamento arcaicos). A
ancoragem se refere, portanto, ao enraizamento social da representação e de seu
objeto. A intervenção do social aí se traduz na significação e na utilidade que lhe são
conferidos.
Concluindo, Jodelet (1990) procura mostrar como o processo de ancoragem,
relacionado dialeticamente à objetivação, articula as três funções básicas da
representação: a integração da novidade, a interpretação da realidade e a
orientação de condutas e de relações sociais. Assim, esse processo permite
compreender: (a) como a significação é conferida ao objeto representado; (b) como
a representação é utilizada como sistema de interpretação do mundo social e
instrumentaliza a conduta; (c) como se dá sua integração em um sistema de
recepção e como influencia e é influenciada pelos elementos que aí se encontram.
Os fundamentos da Teoria das Representações Sociais, aqui brevemente
expostos, nos fazem compreender o grande interesse de pesquisadores de várias
áreas do conhecimento pelo estudo das representações sociais, principalmente nos
campos da saúde e da educação. No caso da educação, o principal interesse por
essa abordagem reside na ênfase dada ao papel de conjuntos organizados de
significações sociais que afetam o processo educativo, oferecendo novos caminhos
para a compreensão dos mecanismos pelos quais fatores propriamente sociais
atuam sobre esse processo influenciando seus resultados (GILLY, 2001).
4.1 A ABORDAGEM ESTRUTURAL
Entre os desdobramentos da teoria de Moscovici destaca-se a abordagem
estrutural das representações proposta por Jean Claude Abric. Esta abordagem,
coletivamente desenvolvida por pesquisadores do sul da França, particularmente
das Universidades de Aix-en-Provence e Montpellier, é hoje adotada por um grande
número de pesquisadores em todo o mundo. A idéia essencial de Abric (1994) é a
de que toda representação está organizada em torno de um núcleo central (NC) que
determina, ao mesmo tempo, sua significação e sua organização interna. Os outros
elementos que entram na composição da representação constituem o sistema
periférico (SP), que constitui a parte operatória da representação, principal
responsável pelo funcionamento e dinâmica das representações. Sendo mais
sensível às características do contexto imediato, o SP constitui a interface entre a
realidade concreta e o NC.
Ao explicar porque as representações sociais se organizam em torno de um
NC, Abric (2003) afirma que estas são manifestações do pensamento social, que
necessita ter em sua base um núcleo de crenças, coletivamente produzidas e
historicamente determinadas, que funcionam como fundamento da identidade e do
modo de vida de um dado grupo, sendo, portanto, “inegociáveis”. Isto permite
compreender porque o NC prescreve condutas e “naturaliza” certos comportamentos
sociais construídos a partir de dada representação.
Segundo Abric (1998) o NC é determinado pela natureza do objeto
representado, pelo tipo de relações que o grupo mantém com o objeto e pelo
sistema de valores e normas sociais que constituem o contexto ideológico do grupo.
Esse núcleo, que é composto de um número muito limitado elementos (em geral, um
ou dois), desempenha três funções essenciais: a) a função geradora - ele é o
elemento pelo qual a representação é criada ou transformada; b) a função
organizadora - uma vez que determina a natureza das ligações entre os elementos
da representação; e c) a função estabilizadora - seus elementos são os que mais
resistem à mudança (ALVES-MAZZOTTI, 2000).
O NC é diretamente determinado pelas condições históricas, sociológicas e
ideológicas, e portanto, fortemente marcado pela memória coletiva e pelo sistema de
normas do grupo. Ele constitui a base coletivamente partilhada e inegociável da
representação, sendo, indispensável a sua identificação para que se possa avaliar a
homogeneidade de um grupo. Consequentemente, só podemos afirmar que dois ou
mais grupos têm a mesma representação de um objeto se eles partilharem o mesmo
NC; não basta que tenham o mesmo conteúdo, se os NCs forem diferentes, elas
serão diferentes (ALVES-MAZZOTTI, 2000).
Abric (1998) afirma, ainda, que uma série de pesquisas experimentais
concluiu que o núcleo central é composto por dois tipos de elementos: os normativos
e os funcionais. Os primeiros são diretamente decorrentes do sistema de valores
dos indivíduos, constituindo a dimensão essencialmente social do núcleo, ligada à
história do grupo e à sua ideologia. Os últimos são associados a aspectos
descritivos e à inscrição do objeto em práticas sociais. São esses dois tipos de
elementos que permitem que o núcleo desempenhe um papel avaliativo, justificando
julgamentos de valor, e um papel pragmático, orientando práticas específicas. Essas
pesquisas indicaram, também, que a distância do objeto, a ausência de familiaridade
com ele, favorecem a ativação de uma representação marcadamente avaliativa,
privilegiando julgamentos e tomadas de posição, em outras palavras, uma
representação mais ideológica que descritiva.
Quanto ao sistema periférico, Abric (1998, apud ALVES-MAZZOTTI, 2002)
destaca cinco funções no funcionamento e dinâmica das representações: a)
concretização do NC em termos ancorados na realidade, que podem ser facilmente
compreendidos e comunicados; b) regulação, que consiste na adaptação da
representação às transformações do contexto; c) prescrição de comportamentos: o
SP funciona como um esquema organizado pelo NC, garantindo o funcionamento da
representação como grade de leitura da situação, orientando tomadas de posição; d)
proteção do NC: o SP é essencial aos mecanismos de defesa que visam proteger o
NC, absorvendo as informações novas que o possam ameaçar e; e) modulações
individualizadas: é o SP que permite a elaboração de representações relacionadas à
história e às experiências pessoais do sujeito.
Flament (1994, apud ALVES-MAZZOTTI, 2002) ressalta a importância do SP,
uma vez que é através deste que as representações aparecem no cotidiano e que o
funcionamento do NC não pode ser compreendido senão em uma dialética contínua
com os aspectos periféricos. Afirma, ainda, que é por comparação com elementos
periféricos de igual saliência que um elemento central é definido, e é por contraste
com a condicionalidade periférica que os elementos incondicionais aparecem como
“não negociáveis”, e portanto, como pertencentes ao NC. Lembra, finalmente, que
uma transformação, mesmo pequena do NC é preparada longamente na periferia.
Outro tema explorado por Abric (1994, 2003) é a relação entre
representações e práticas sociais. Abric (1994) observa inicialmente que, enquanto
alguns autores enfatizam a influência das representações sobre as práticas, outros
enfatizam o inverso, e outros, ainda, defendem a idéia de que representações e
práticas sociais são “indissoluvelmente ligadas e interdependentes” (p. 217). Não se
trata, porém, de simples reciprocidade. Com base em estudos empíricos, Abric
(1998) conclui que as representações devem ser vistas “como uma condição das
práticas e as práticas como um agente de transformação das representações” (p. 43,
grifos no original). Abric (2001, p. 156) acrescenta, ainda, que “os comportamentos
dos sujeitos ou de grupos não são determinados pelas características objetivas da
situação, mas pela representação dessa situação”. Em outras palavras, os sujeitos
reagem a uma realidade representada, apropriada, estruturada e transformada a
partir de seus processos de formação, tendo como componentes os processos
cognitivos e a lógica social (BRUNO, 2009).
Finalizando este capítulo vale salientar a importância da contribuição teórico-
metodológica de Abric para os estudos de representações sociais, e em particular
para esta pesquisa, que, como veremos a seguir, adota a abordagem estrutural,
proposta pelo autor, como na coleta e análise de dados.
5 METODOLOGIA
A descrição do caminho percorrido para a obtenção dos dados que
possibilitarão testar hipótese do estudo é necessária à avaliação da confiabilidade
dos resultados do trabalho científico. Para consecução desse objetivo foi
primeiramente realizada uma revisão bibliográfica, que examinou as discussões
existentes sobre o tema de modo a identificar questões relevantes a serem
consideradas na coleta, análise e interpretação dos dados. Tomando por base essas
indicações, a pesquisa foi desenvolvida nas etapas que se seguem.
5.1 A ORIGEM DA PESQUISA
Este estudo se utilizou do banco de dados da pesquisa intitulada
“Representações Sociais de alunos de pedagogia e licenciatura sobre o trabalho
docente”, desenvolvida pelo Centro Internacional de Estudos em Representações
Sociais e Subjetividade - Educação (CIERS-Ed), do Departamento de Pesquisas
Educacionais da Fundação Carlos Chagas. Esta pesquisa - que conta com o apoio
do Laboratório Europeu de Psicologia Social (LEPS) da Maison des Sciences de
l´Homme e agrega 25 instituições, nacionais e internacionais - tem como objetivo
geral caracterizar a representação social de estudantes universitários da área da
Educação (Pedagogia e cursos de Licenciatura) sobre o trabalho do professor,
identificando os elementos que definem sua especificidade e buscando compreender
a forma e a dinâmica da organização desses elementos.
Partindo do objetivo geral, os objetivos específicos são: identificar os
elementos constituintes da representação social do trabalho do professor que
definem sua especificidade, caracterizar a forma como esses elementos se
organizam, compreender os processos de negociação de significados identificando
as forças que contribuem para a manutenção da representação e as que sugerem
possibilidades de mudança. A proposta do grupo foi que este “Núcleo Comum” da
pesquisa fosse desenvolvido em todas as instituições conveniadas, constituindo um
grande banco de dados, posteriormente tornado acessível a todos os pesquisadores
participantes. As equipes locais que desejassem aprofundar um aspecto específico
do estudo poderiam propor um sub-projeto, vinculado ao “Núcleo Comum” utilizando
o banco de dados.
A pesquisa (Núcleo Comum) está sendo desenvolvida em três etapas. A
primeira, realizada em 2006, consistiu na aplicação de questionários semi-
estruturados (ANEXO I), a estudantes dos primeiros anos de cursos de graduação
da área de educação, com o objetivo de caracterizar os sujeitos e obter dados
iniciais sobre suas representações sociais de trabalho docente. Estes questionários
eram compostos de três partes: a) perfil do respondente; (b) teste de associação
livre de palavras; e (c) questões situacionais elaboradas como se fossem respostas
a uma carta.
Desses dados do CIERS, esta pesquisa utilizou basicamente os resultantes
do teste de associação livre, selecionando-os por curso e desagregando-os por
gênero segundo as informações constantes do perfil, analisando, também, uma
questão do questionário. Além disso, foram feitas entrevistas em grupo, como será
detalhado a seguir.
5.2 SUJEITOS DA PESQUISA
A equipe da Universidade Estácio de Sá/RJ aplicou 300 questionários a
estudantes do 1º ano dos cursos de Pedagogia e Licenciatura de diversas
instituições de ensino superior do Estado do Rio de Janeiro. Optou-se por trabalhar
apenas com alunos do curso de Pedagogia, uma vez que são eles os que
supostamente se destinam ao magistério das primeiras séries. De acordo com este
critério, foram descartados 13 estudantes de outras áreas da educação, restando
287 sujeitos. Para efeito de análise dos dados, foram divididos em dois grupos: 258
mulheres e 29 homens.
Posteriormente foram feitas entrevistas livres com dois grupos de professores
também divididos por gênero: 3 professoras regentes e 3 professores regentes,
atuando nos primeiros anos de escolarização básica.
5.3 TÉCNICA DE COLETA DE DADOS
O teste de livre evocação de palavras é um dos mais utilizados quando se
adota a perspectiva estrutural das representações sociais. Nessa abordagem, a
análise de uma representação social, definida por Abric (1998) como um conjunto de
informações, opiniões, atitudes e crenças organizadas em torno de uma significação
central, necessita do conhecimento de três componentes: conteúdo, estrutura
interna e núcleo central. Como não há uma técnica que permita abordar os três
componentes concomitantemente, o desejável é uma abordagem pluri-metodológica
seguindo três etapas: a) levantamento do conteúdo da representação, através da
livre evocação de palavras; b) pesquisa da estrutura e do núcleo central,
identificando relações e hierarquia entre elementos da representação; c) verificação
de centralidade, onde elementos verificados na etapa anterior são testados. Como
salienta Abric (apud MARUJO, 2004), o uso deste instrumento permite explorar
representações acerca de determinado objeto (situação, experiência, grupo, etc.) por
meio de associações espontâneas com as palavras.
O teste de livre evocação de palavras consiste em solicitar ao sujeito que
escreva as quatro primeiras palavras que lhe ocorram ao ouvir a expressão indutora
apresentada pelo pesquisador. A seguir, pede-se que ele indique as duas palavras
mais importantes, dentre as que escreveu, ordenando-as. No teste aplicado na
pesquisa do CIERS-ed foram usadas três expressões indutoras, apresentadas
sucessivamante aos sujeitos: ALUNO, DAR AULA e PROFESSOR. Além disso,
como já foi mencionado, a pesquisa do CIERS solicitou aos sujeitos que
preenchessem um formulário de levantamento de informações pessoais e
profissionais (perfil) e que respondessem às questões fechadas e abertas referentes
à escolha da profissão e ao trabalho do professor.
Dos dados do CIERS, esta pesquisa utilizou apenas os referentes à palavra
indutora professor, ao perfil e à questão aberta número 20 do questionário (ANEXO
I), que solicitava que o sujeito se expressasse livremente sobre o tema trabalho
docente. (“Gostaria ainda de dizer que...). Da parte referente ao perfil (ANEXO II),
foram utilizadas as questões de número 2, (curso freqüentado), 5 (sexo), 6, (faixa
etária) e 11 (contribuição financeira da família para a manutenção do aluno).
Estes dados foram complementados com entrevistas em dois grupos
separados por gênero, com três sujeitos cada, a fim de testar a centralidade do
núcleo central e aprofundar a compreensão da representação de professor,
favorecida por meio da interação grupal (KRUEGER, 1994).
Segundo Alves-Mazzotti e Gewandsznajker (1999), por ter uma natureza
interativa, a entrevista possibilita tratar de temas complexos e subjetivos, com
profundidade, que muito dificilmente poderiam ser abordados por um questionário,
posição esta partilhada por Ludke e André (1986, p. 34):
A grande vantagem da entrevista sobre outras técnicas é que ela permite a captação imediata e corrente da informação desejada, praticamente com qualquer tipo de informante e sobre os mais variados tópicos. Uma entrevista bem feita pode permitir o tratamento de assuntos de natureza complexa e de escolhas nitidamente individuais. Pode permitir o aprofundamento de pontos levantados por outras técnicas de coleta de alcance mais superficial, como o questionário.
Para a entrevista foi elaborado um roteiro no qual se seguiram os seguintes
passos:
1º. Inicialmente foi explicitado para os participantes o objetivo da pesquisa,
acompanhado de um breve esclarecimento sobre o conceito de representações
sociais’
2º. Ressaltou-se o quanto os depoimentos desses sujeitos seria importante
para esta pesquisa bem como agradeceu-se a disponibilidade de tempo.
3º. Foi solicitada autorização para gravação, tendo esta sido permitida pelos
participantes.
4º. Foi mostrado o quadro da possível estrutura de representações sociais de
professor apresentada pelos sujeitos do mesmo gênero dos participantes do grupo
entrevistado, pedindo-lhes que comentassem esses resultados e dissessem se
concordavam com eles ou não e porquê. Por último foi perguntado o que mudariam
ou acrescentariam à esta estrutura.
5º. Foi apresentada a possível estrutura da representação social de professor
apresentada pelos sujeitos do gênero oposto ao dos participantes do grupo,
perguntado a eles a que atribuíam essas diferenças.
A entrevista com professores do sexo masculino foi realizada em 15 de
setembro de 2008, com duração média de 40 minutos. Os três participantes
encontravam-se na faixa etária entre 30 e 45 anos e sua experiência no magistério
tinha em média 9 anos. A entrevista com professores do sexo feminino foi realizada
em 22 de setembro de 2008, com duração média de 35 minutos. As três
participantes encontravam-se na faixa etária entre 32 e 50 anos e sua experiência
no magistério tinha em média 17 anos.
5.4 TÉCNICA DE ANÁLISE DOS DADOS
Os resultados do teste de livre evocação de palavras referentes ao termo
indutor professor, obtidos nos 287 questionários selecionados para esta pesquisa no
banco de dados do CIERS foram desagregados por gênero e re-analisados. Os
dados de cada grupo, foram tratados com o software EVOC (VERGÉS, 1994), que
identifica possíveis elementos do núcleo central, considerando a freqüência (F) e a
ordem da média de evocação (OME).
A freqüência (F) de uma evocação é o somatório de suas freqüências nas
diversas posições; a freqüência média (FM) é a média aritmética das diversas
freqüências obtidas por uma evocação. A ordem média de uma evocação (OME) é
calculada pela média ponderada obtida mediante a atribuição de pesos
diferenciados à ordem com que, em cada caso, uma dada evocação é enunciada.
Os resultados são distribuídos em dois eixos ortogonais com as palavras de maior
freqüência e menor OME, situadas no quadrante superior esquerdo, correspondendo
ao núcleo central. As que se situam no quadrante superior direito são consideradas
“periferia próxima” ao núcleo central, e as do quadrante inferior direito constituem a
periferia propriamente dita. No quadrante inferior esquerdo se situam os elementos
de contraste, os quais são de mais difícil interpretação, podendo indicar mudanças
em curso na representação ou a existência de sub-grupos.
Finalmente, as respostas da pergunta aberta do questionário e os resultados
dos grupos de discussão foram submetidos à análise de conteúdo (BARDIN, 1977).
6 OUVINDO PROFESSORAS E PROFESSORES
Neste capítulo são apresentados dados do perfil dos participantes e discutidos
os resultados do teste de associação de palavras com o termo indutor professor,
complementados pela análise da questão aberta do questionário do CIERS e das
entrevistas realizadas com grupos de professores. As representações sociais de
cada gênero, obtidas no teste de associação, serviram de referência para a
realização do cruzamento de seus elementos com as respostas da questão aberta
do questionário (nº20) e das entrevistas que visaram testar a centralidade dos
núcleos das representações e aprofundar os sentidos das palavras associadas ao
termo indutor professor. Os resultados obtidos com os diferentes grupos foram
comparados e interpretados à luz da literatura especializada.
No que se refere ao perfil, sendo o fio condutor deste trabalho a feminização do
magistério das primeiras séries do ensino fundamental, não foi surpresa constatar
que, dos 287 sujeitos, apenas 29 são do sexo masculino (questão 5 do perfil). Não
se trata, porém, de simples questão numérica; as marcas que a presença feminina
impõe a essa função levam à “naturalização” do magistério das primeiras séries
como “trabalho de mulher”, identificando-o com atributos que supostamente
definiriam a condição feminina e o destituindo de sua feição mais propriamente
profissional. Desvelar e desmontar a identificação ideológica desse espaço como
“lugar natural” das mulheres abre a possibilidade de um novo olhar que leve à
valorização da profissão docente (CARVALHO, 1999).
Quanto à opção pelo magistério (questão 6 do perfil), apenas 43 alunos
estavam na faixa etária de 17 a 19 anos. A maior parte (135 sujeitos) se encontrava
na faixa de 20 a 30 anos e 109 sujeitos situavam-se na faixa de 31 anos ou mais, o
que indica a predominância de uma opção tardia e supostamente mais madura.
A análise da literatura sobre o tema da feminização do magistério permitiu que
fosse formulada a seguinte hipótese: as representações de professor, apresentadas
por alunos e alunas do primeiro ano do curso de Pedagogia, são diferentes em
função do gênero. Esta hipótese foi testada por meio da análise, separadamente,
dos resultados daqueles dois grupos, conforme será explicitado a seguir. A partir dos
dados gerados pelo EVOC foram montadas duas tabelas com a estrutura da
representação social dos sujeitos sobre o tema. A Tabela 1 apresenta os dados das
estudantes do sexo feminino.
Tabela 1-Estrutura da representação social de professor para estudantes do sexo feminino
OME<2,4 OME>2,4
F>=36 educador 144 2,158 amigo 79 2,456
dedicação 36 2,361
F<36 profissão 20 1,750 conhecimento 25 2,840
criativo 17 2,353 amor 24 3,000
respeito 17 2,000 escola 21 2,952
educação 16 1,938 ensino 18 2,722
responsável 15 1,933 paciência 18 2,722
lutador 14 2,143 atencioso 17 2,647
importante 12 2,167 aprender 15 3,400
capaz 11 2,364 responsabilidade 15 2,400
compreensivo 11 2,182 aluno 14 2,429
ajuda 13 2,769
aula 12 2,417
pesquisador 12 2,750
prazer 12 2,417
exemplo 11 2,455
ética 10 2,700
A Tabela 1 indica que o Núcleo Central (NC) é constituído de dois elementos:
educador – elemento de grande relevância, posto que apresenta freqüência superior
ao triplo da freqüência de seu segundo elemento, dedicação. A importância atribuída
ao elemento educador, parece enfatizar a idéia de que ser professor não é apenas
transmitir conteúdos, mas contribuir para a formação integral do indivíduo. Esta
posição é ratificada pelas professoras que participaram da entrevista em grupo, as
quais têm mais de uma década de prática. As falas que se seguem são ilustrativas:
Educador é o formador, né? Então eu acho que educar dentro de ser professor não vai só pela nossa prática, eu acredito que ele vá além do educar enquanto transmitir conteúdo, ele forma realmente uma pessoa... ele tem a possibilidade, principalmente nas séries iniciais, de promover a formação até de personalidade, de características de personalidade (EPF)14
O educador é quem inicia o homem em qualquer profissão. O desenvolvimento de uma sociedade consciente depende da fala de um educador em sala de aula. (QAF)
A centralidade do elemento educador parece estar associada ao elemento
dedicação. A idéia de dedicação é destacada em vários estudos sobre identidade e
trabalho docente, como, por exemplo, os de Alves-Mazzotti (2004, 2007, 2008a,
2008b, 2009). Essa autora (ALVES-MAZZOTTI, 2009) afirma que dedicação e amor
são elementos consistentemente associados ao trabalho e à identidade docente,
como indicam várias pesquisas que focalizaram as representações sociais de
professores sobre esses temas. Entre estas, a autora destaca a de Araújo (1998,
apud ALVES-MAZZOTTI, 2009) que, com base na análise de escritos educacionais
14
Para diferenciar os registros de cada discurso, foi utilizada uma sigla para cada grupo, com a respectiva
distinção de sexo: (QAF) para questionário aluno feminino, (QAM) para questionário aluno masculino, (EPF)
para entrevista professor feminina e (EPM) para entrevista professor masculina.
de Erasmo, Montaigne e Rabelais, mostra que a dedicação é enfatizada na
representação de professor desde o século XVI evidenciando, assim, a longa
duração desse sentido da docência. Também Faria Filho (2005) chama a atenção
para a permanência da associação da afetividade à docência e ao feminino na
representação do trabalho de professoras das primeiras séries, mostrando que estes
sentidos foram sendo construídos e naturalizados ao longo dos anos, podendo ser
encontrados em documentos brasileiros desde o século XIX.
Respostas das alunas indicam esse sentido da dedicação, ligado à afetividade,
também neste estudo:
Para ser professor você tem que gostar e se dedicar...Buscar sempre o melhor de você e de seus alunos...Vencer os desafios com caráter e orgulho. (QAF)
A profissão do magistério exige muita abnegação e dedicação e as crianças merecem nosso esforço de todo coração. (QAF)
É muito gratificante essa profissão porque com ela e através dela, temos inúmeras oportunidades de ajudar nosso próximo acima de qualquer interesse de nossa parte. (QAF)
Louro (2000) afirma que a partir da representação de professora dedicada, a
imagem maternal da docência faze-la-ia perder seu caráter profissional, pois, sendo
esta atividade movida por doação e amor, a questão salarial não precisava ser
discutida. Esta visão romântica e abnegada, como aquela que tudo enfrenta e coloca
o amor acima de tudo, persiste até hoje, contribuindo para a desprofissionalização
da educação.
Apesar de a palavra vocação não figurar na estrutura de representação de
professor, ela está explícita, como atributo associado à dedicação e ao dom, em
mais de 100 questionários:
Para ser professor é necessário que haja uma vocação e dedicação verdadeiras. (QAF)
Ser professor é um dom e nem todos nasceram com esse dom...(QAF)
Tenho o dom e amo o que faço. (QAF)
Ser professor é muito gratificante a partir do momento em que ele faça aquilo que goste, que ame a sua vocação. Ser professor é ser um ajudador, ser um canal de construção do conhecimento. É aquele que enfrenta desafios, cria métodos, ame o seu aluno e não seja aquele que olha para trás e desiste! Ser professor é ter coragem de enfrentar desafios. (QAF)
Conforme já examinado em capítulos anteriores, o trabalho docente,
principalmente nas séries iniciais do ensino fundamental, tem sido historicamente
caracterizado como uma atividade feminina materializando-se como uma extensão
das atividades domésticas. Nesta visão, o magistério é a “vocação natural” das
mulheres, própria das habilidades de mãe que são atribuídas pela cultura a todas as
mulheres. Esse sentido da profissão docente é assimilado por muitas das
estudantes:
Ser professor para mim é mais, é ser um pouco de cada profissional e às vezes até mãe, amigo e companheiro nas dificuldades. Sou apaixonada por essa profissão. (QAF)
A associação da tarefa docente com argumentação maternal foi apontada por
diversos autores como Novaes (1984), Apple (1995), Arce (1997), Alves-Mazzotti
(2007, 2008, 2009), dentre outros. Todos têm como idéia comum o fato de que a
função de professora, principalmente de crianças, foi a primeira que se abriu às
mulheres com a aprovação da sociedade. Elas seriam impelidas para este trabalho
sob o identificação da tarefa educativa com a materna, como pode ser constatado no
relato de professoras entrevistadas:
O professor das séries iniciais é aquele que está ali para qualquer coisa, é aquilo maternal...(EPF)
... as pessoas esperam isso [que a professora seja maternal], cobram isso e muitas vezes você acaba embarcando sem perceber que ta embarcando...E quando você, na minha opinião, quando você faz determinadas colocações contra essa postura muito maternal, você é criticada. (EPF)
Castells (1999) afirma ser a identidade construída pelo indivíduo a partir de
elementos que recebe de diferentes grupos sociais, também considerando o que os
outros esperam que ele seja. Isto permite compreender como o contato com as
representações e expectativas dos diferentes atores sociais com que as professoras
interagem afetam o desempenho de sua atividade profissional, podendo levá-las a
assumirem esse papel de “mãe substituta” como natural.
Para muitos autores, esta visão do magistério como vocação “natural” das
mulheres foi historicamente utilizada para induzi-las a desempenhar uma função mal
remunerada e pouco valorizada socialmente (BRUSCHINI; AMADO, 1998). Os
dados desta pesquisa parecem indicar que esta idéia se encontra bastante
enraizada no imaginário social sobre a docência, sendo apropriada pelas futuras
professoras e também por aquelas já em exercício.
Na chamada periferia próxima encontra-se o elemento amigo (N=79). Sua alta
freqüência e ordem de evocação próxima à de dedicação sugere que este elemento
apresenta uma forte tendência à centralidade, e remete ao investimento afetivo
desejado na relação professor/aluno, o que a reforça a dimensão afetiva da
representação.
Para compreender melhor os sentidos dos elementos do NC, é necessário
analisar sua relação com o sistema periférico, já que este é o responsável por sua
concretização no cotidiano, atribuindo-lhe um sentido prático, bem como por
protegê-lo, mantendo sua estabilidade (ABRIC, 1994, FLAMENT, 1994). Note-se
que os elementos conhecimento (N=25) e amor (N=24) aparecem com freqüências
mais altas e muito próximas, sugerindo que o segundo é facilitador da aprendizagem
do primeiro:
O ato de educar é um ato de amor. É necessário que o educador plante dentro da sala de aula a sementinha da afetividade, da emoção, da alegria... (QAF)
Tal afetividade vem muitas vezes carregada de tradição religiosa associada ao
ato de ensinar, como missão ou sacerdócio. Cabe lembrar que na sociedade
oitocentista a pureza, doçura, moralidade cristã foram atribuídas à figura da mulher.
Assim, adequar a formação profissional de nossos tempos a essa missão parece ser
um pensamento secularizado, no sentido de dar assistência aos semelhantes,
entrelaçando laços afetivos e religiosos:
Embora pareça difícil, ensinar é um ato de amor, é seguir a carreira do maior mestre que já existiu: Jesus. Jesus não morreu! Mas vive dentro de todo aquele que quer fazer a inclusão dos menos favorecidos e rejeitados pela sociedade, fazer deles cidadãos. Se você não morreu, então não desista de aprender e de ensinar... (QAF)
O professor é parecido com padre/pastor porque faz papel de mediador entre o aluno e o conhecimento, indica o caminho a seguir; o padre/pastor indica o caminho de Deus. (QAF)
Os elementos paciência (N=18), atenção (atencioso, N=17) e prazer (N=12)
parecem ser considerados requisitos fundamentais para o exercício da docência
dedicada:
Mesmo essa profissão sendo árdua e exigindo muita paciência e dedicação é necessário persistir, continuar batalhando por um mundo melhor. (QAF)
É um trabalho árduo que requer muita paciência (...) pois um erro na construção desestrutura o projeto (...) se o educador não tiver comprometimento e atenção no trabalho árduo não conseguirá formar um cidadão crítico e atuante dentro da sociedade. (QAF)
Em estudos desenvolvidos por Alves-Mazzotti (2007, 2006) paciência e
atenção também aparecem no sistema periférico e a autora aponta sua coerência
com dedicação, que aparece no NC. Quanto ao prazer, outro um componente
emocional da profissão, pode estar substituindo a falta de compensação financeira.
Segundo Rabelo (2007), a busca profissional é marcada pela tentativa de união de
uma necessidade imposta pela sociedade com algo que a torne prazerosa.
O elemento pesquisador (N=12) parece estar ligado à ênfase dada à pesquisa
pela literatura sobre a formação do professor e também pelo currículo do Curso de
Pedagogia, sendo mencionado tanto pelas futuras professoras como por aquelas já
atuantes:
Pesquisador é, assim acredito que, ainda mais com toda essa mudança que a gente vê e tem vivenciado, não existe professor que não seja pesquisador, eu acho que tem que estar, ou melhor, cada vez mais a gente tá vendo que o professor precisa ser um pesquisador.(EPF)
É, tem que estar atualizado, ver o que está acontecendo, sem ser pesquisador você não caminha...(EPF)
A construção pedagógica se dá com fatores primordiais à base fundamentada em projetos de intensa pesquisa onde todos os envolvidos (pais, professores, apoio e direção) são peças importantes para que a meta seja atingida. (QAF)
A ética (N=10) e o exemplo (N=11) que, segundo vários autores mencionados
neste estudo, seriam características femininas exaltadas desde a criação das
primeiras escolas republicanas, são elementos considerados importantes na prática
do professor:
A profissão de professor é a mais importante, já que todas as profissões passam antes por um professor. E se o professor não for um bom exemplo profissional, consequentemente seus discípulos também não o serão. (QAF)
O exemplo, ainda mais professor das séries iniciais, as crianças e pré-adolescentes, que eles vêem na figura do professor, como agir, o que fazer, nós ainda somos exemplos pra eles, né! (EPF)
Finalmente, os termos aprender (N=15) e ajuda (N=13) parecem estar
relacionados ao aluno.
A seguir, a possível estrutura da representação social de professor para os
alunos homens:
Tabela 2 – Estrutura da representação social de professor para estudantes do sexo masculino
OME <2,5 OME>2,5
F>=12 educador 21 2,000 aula 12 2,750
aluno 6 1,500
F<12 competente 8 2,000 profissional 9 3,667
conhecimento 6 2,667
amigo 5 3,000
autoridade 5 2,800
A Tabela 2 indica que o NC é constituído por elemento único, educador, sendo
sua freqüência praticamente o dobro do segundo termo mais freqüente (aula, N=12).
Respostas ao questionário indicam, entretanto, que, diferentemente do que ocorre
com o sexo feminino, para os futuros professores, este termo parece estar
permeado pela idéia da qualidade do trabalho docente:
O professor é uma referência dentro de uma comunidade ou cidade, ele deve ser uma referência para atual e futuras gerações. (QAM)
Como educador é muito bom você ver um aluno no começo do ano sabendo quase nada e no final ver que já sabe bastante, graças ao nosso trabalho. (QAM)
Também para os professores entrevistados o sentido atribuído a educador
encontra-se ligado à transmissão de conhecimento, e ainda que a idéia de amigo
apareça no sistema periférico, este elemento parece ter aqui uma acepção muito
específica, uma vez que divide esse espaço com os elementos profissional (N=9)
autoridade (N=5) e conhecimento (N=6), todos eles relacionados à profissionalidade
docente:
o aluno deve ser informado pela diretora da escola que o professor é a autoridade máxima na sala de aula. (QAM)
O educador é o ser humano que tem o conhecimento mais aprofundado de determinado assunto. (EPM)
Também sobre o conhecimento, se ele (o professor) não tem o conhecimento, de nada valeria para ele ser um educador. Se ele não tem conhecimento, vai passar o que pro aluno? (EPM)
Comparando o NC dos dois grupos vê-se que o elemento educador figura em
ambos, mas o grupo feminino agrega a este elemento o sentido de dedicação,
tradicionalmente atribuído à função docente. De acordo com Abric(1998), dois
grupos só têm a mesma representação se os NC forem idênticos; quando eles são
diferentes, as representações são diferentes. Este é o caso desta pesquisa, o que
leva à conclusão de que nossa hipótese foi confirmada. As diferenças marcantes
encontradas no sistema periférico das representações dos dois grupos reforçam a
suposição de que a representação de educador por eles apresentada é calcada em
ideários bastante diversos.
Partindo-se do pressuposto teórico segundo o qual o sistema periférico
organiza-se com elementos reguladores que visam resguardar a estabilidade do NC
e “traduzi-lo” para as práticas cotidianas (ABRIC, 1998) parece válido concluir, com
base nas diferenças encontradas entre os grupos considerados, que o gênero, de
um lado é forjado pelas práticas sociais, e de outro as orienta no mesmo sentido,
perpetuando o círculo vicioso da desqualificação do magistério feminino. Em outras
palavras, os sentidos que figuram no sistema periférico do grupo de alunas —como
ajuda, amor, atencioso, paciência— parecem influenciados pela naturalização dos
atributos ditos femininos, mas, por outro lado, ao orientar suas práticas, reforçam os
estereótipos e desprofissionalização neles implicada.
Constata-se, assim, que as habilidades das mulheres, relacionadas a certos
saberes considerados femininos e naturais, como cuidado com as crianças, a
destreza manual, a atenção a detalhes e a paciência para tarefas repetitivas do dia-
a-dia ainda fazem parte do ideário do magistério atual (LOURO, 1989). Já no
sistema periférico do grupo de estudantes do sexo masculino, o elemento
profissional (N=9) é o que mais se destaca, porém, não aparece na representação
feminina estudada.
Cabe assinalar que várias circunstâncias sociais, apontadas na Introdução
deste trabalho, afetam a qualidade da prática docente, sendo igualmente tratadas
pelos gêneros. A indefinição da função de professor, em conseqüência das políticas
dos anos 90, leva os docentes a responder por exigências que estão muito além de
sua formação, contribuindo para um sentimento de desprofissionalização e falta de
clareza sobre suas práticas:
A profissão de professor está próximo das outras como o médico que cura a dor do aluno, padre escuta espiritualmente,... o pedreiro constrói esse aluno, o engenheiro orienta essa obra, e outros mais... Enfim, ser professor é muito além disso tudo. (QAM)
O professor não é valorizado como deveria ser. Assume posições de psicólogo, médico, advogado, conselheiro e não é reconhecido... (QAF)
Os baixos salários são ainda mais ressaltados pelo acúmulo de funções dos
professores, principalmente na última década. A sobrecarga de trabalho perante as
novas exigências administrativas das reformas educacionais, que representam um
acúmulo de tarefas para a função pedagógica, também foi citada em vários
discursos:
O salário é baixo e o trabalho é puxado e cansativo. (QAF)
O salário é baixo e a cobrança é muito grande. (QAM)
A remuneração não é compatível com o desgaste físico e emocional. (QAF)
Professores e professoras reconhecem, de certa forma, a inviabilidade de um
exercício pleno da docência se o professor precisa assoberbar-se de trabalho para
garantir sua sobrevivência (CUNHA, 1992)
A perda da autonomia e o pouco investimento das políticas públicas que
atualmente visam somente as instâncias de controle do trabalho docente vêm
transformando o professor em um executor de tarefas, o que se traduz num
desânimo para o bom desempenho da função, nas palavras dos futuros professores:
... péssimas condições de trabalho, a falta de respeito com o profissional. (QAF)
Falta estímulo nos professores por parte dos diretores que dirigem as escolas. (QAF)
Ganha-se pouco e não possui nenhum empenho das autoridades competentes para que a educação melhore. (QAM)
Um dado que pode fornecer subsídios a respeito do valor que a entrada no
trabalho docente tem é a forma como os futuros professores e professoras
escolheram essa função, bem como dão significado ao que ela representa:
Mesmo ganhando pouco acrescentam algo importante na vida dos seus alunos.” (QAF)
Os cargos públicos efetivos apresentam remuneração plausível e estabilidade profissional.” (QAM)
Constata-se aqui a desvinculação das idéias de emprego e profissão: entrar
para o mercado de trabalho não parece vinculado a atividade profissional, o que
também parece contribuir para a desvalorização do profissional da educação.
Infelizmente esta profissão não é valorizada como deveria, muitas pessoas pensam que ser professor é dar aulas e pronto, além de conhecimento é preciso ter amor à profissão e não pensar primordialmente no salário. (QAF)
Este discurso parece apontar que a escolha pela profissão docente não é feita
de maneira ingênua, transparecendo plena consciência da condição de
desvalorização em que a função de professor encontra-se imersa. Porém, apesar
de saber o forte papel social da educação, sugere a prática docente em seu sentido
mais vocacionado que profissional, permitindo que o conservadorismo permeie sua
argumentação e consequentemente mantenha funções sociais de desvalorização.
Finalmente, um outro fator, que afeta a qualidade da prática docente, é a
deficiência da formação para o magistério, sua inadequação às necessidades e
características do alunado atual. A insegurança quanto à sua competência para lidar
com esse alunado parece contribuir para que a afetividade assuma a centralidade na
representação de professor, esvaziando do sentido profissional docência (ALVES-
MAZZOTTI, 2007)
Como descrito no capítulo anterior foram realizadas entrevistas em dois grupos
de professores, um masculino e outro feminino, com três sujeitos cada, com o
objetivo de verificar a centralidade dos elementos destacados nas representações
apresentadas pelos alunos e alunas de Pedagogia e aprofundar a compreensão da
representação de professor, favorecida por meio da interação grupal.
Em um primeiro momento foi apresentada para cada grupo a tabela de
representação social de professor dos estudantes do mesmo gênero. Aos
participantes de cada grupo foi esclarecido rapidamente o conceito de representação
social, de núcleo central e sistema periférico. A seguir foram indagados se
concordavam com o destaque dado ao(s) elemento(s) que figurava(m) no NC e
incentivados a comentar sobre a relação que estabeleciam entre cada elemento do
sistema periférico com o NC.
Como já colocado no capítulo 1, uma grande dificuldade de se definir a situação
profissional dos docentes reside nas suas subdivisões internas, tanto em relação à
formação quanto na atuação, principalmente entre os professores das séries iniciais
da escolarização básica. Esta subdivisão foi clarificada na pergunta de uma das
professoras entrevistadas quando estavam sendo tecidos os primeiros comentários
sobre o NC educador:
Nessa pesquisa não há uma diferenciação entre atendimentos? Se é um professor de séries iniciais ou não? Tem alguma diferença?(EPF)
Quando novamente esclarecido que os sujeitos eram alunas de cursos de
formação de professores para as séries iniciais do ensino básico, as professoras
concordaram prontamente com a estrutura apresentada na tabela, justificando tratar-
se a dedicação de um componente imprescindível à tarefa de educador:
A dedicação é uma coisa que abrange o educador, se você não tiver não vai. (EPF)
O educador das séries iniciais é aquele que está ali para qualquer coisa, é aquilo maternal...(EPF)
Percebe-se aqui a força que as representações sociais possuem no sentido de
prescrever como as pessoas devem ser e/ou se comportar. Além disso, como já
explicitado no capítulo 2, os saberes da experiência, aqueles desenvolvidos pelos
próprios professores no exercício de suas funções e na interação com seus pares
são constitutivos do saber docente, orientando suas práticas (CASTELLS, 1999,
TARDIF, LESSARD E LAHAYE, 1991).
Outros discursos trazem a perspectiva que a tarefa educacional é a extensão
do lar, sobretudo quando observam a necessidade do trabalho masculino, no sentido
de torná-los referência masculina (pai):
Eu vejo muito assim, eu to pensando nos anos que eu passei, nas experiências em relação à educação e havia um consenso; eu nunca tive esse problema não, mas falavam, ah, porque falta um professor homem e achavam que o professor homem ia ter controle maior sobre determinadas situações de conflito.(EPF)
Nesse sentido, esta concepção contribui diretamente para a perspectiva da
divisão sexual do trabalho e como papéis de gênero distribuem-se nas hierarquias
do mundo do trabalho. É importante estar atento a discursos que contribuem para a
perpetuação de tal divisão, na qual os homens devem ocupar as atividades
gerenciais da Educação, como a direção, e as mulheres devam exercer intervenção
direta junto às crianças:
Como ainda há questões assim: nossa, uma mulher ocupando aquele cargo? Era melhor que o diretor fosse homem. E no cargo de professor não. O cargo de professor sempre foi voltado mais pra mulher. (EPF)
Estas falas mostram como as próprias professoras tendem a perpetuar a idéia
de que aos homens cabem cargos e salários mais altos.
Diferentemente do que ocorreu com as professoras, os professores
entrevistados consideram que o sentido de educador encontra-se ligado à
transmissão de conhecimentos, confirmando o que foi observado com os estudantes
do sexo masculino.
... se ele (o professor) não tem o conhecimento, de nada valeria para ele ser um educador. Se ele não tem conhecimento, vai passar o que pro aluno? (EPM)
Assumindo uma posição diametralmente oposta, uma das professoras
entrevistadas, com mais de uma década de prática, parece desqualificar o
conhecimento em favor de uma “essência docente”:
Não é só chegar, me formar numa faculdade em pedagoga que eu vou ser uma professora, se eu não tiver o dom do educador, se eu não tiver paciência para ensinar, se eu não tiver amor, não rola.(EPF)
Um dos professores chegou mesmo a mostrar desconforto ao observar o
elemento amigo na estrutura de representação masculina:
Eu mudaria essa palavra amigo para empatia. É sempre desejável favorecer um vínculo empático na relação professor/aluno, uma ligação suficiente para facilitar a transmissão de conteúdo. Porque amigo e autoridade podem acabar se confrontando, se misturando e muitas vezes quando você vê o amigo, a autoridade acaba se perdendo. Então eu prefiro empatia pra ter ligação e autoridade pra mostrar a diferença de quem está fazendo o trabalho de organização (EPM)
Embora o elemento autoridade não figure na representação feminina, ele é
citado por uma professora na análise que faz sobre os elementos periféricos da
representação masculina:
Olha isso tudo aqui, ta ligado inconscientemente à postura de homem e de mulher. O que é o pai? É o que diz não, quem diz o que pode e o que não pode fazer, e o argumento é: porque não pode. Entendeu? É uma representação que a gente traz na cabeça.(EPF)
Pode-se inferir que, para esta professora, a representação de autoridade é
eminentemente masculina.
Vários autores, entre eles Novaes(1984), Freire(1993) e Arce (apud SILVA,
2004) já argumentaram que a utilização da expressão “tia” para as professoras das
séries iniciais tornou-se a materialização dos caracteres femininos na função
docente. Essa “tia" assume uma representação parental frente à criança, anulando
sua identidade e postura profissionais, o que parece estar sendo combatido por
algumas professoras, conforme relato de uma das entrevistadas:
Tenho alunos no 4º ano que tem irmãos mais velhos em outras séries maiores, onde as professoras cortam mesmo essa coisa muito permissiva: Eu não sou parente, você não tem que me chamar de tia, tem que me chamar de professor entendeu?(EPF)
É curioso observar que, ao final da frase, a professora entrevistada utilizou a
forma masculina “professor”.
A concepção do trabalho docente como continuação das atividades do lar
parece ter como conseqüência a criação de limites para a construção de uma
identidade política e profissional dessas trabalhadoras. Considerando que o trabalho
doméstico é invisível ao mercado, ou seja, não tem valor por não produzir
mercadoria nem contribuir imediatamente para o lucro, esse emparelhamento pode
estar mantendo esta profissão feminizada como de segunda categoria, conforme
sugere Nogueira (2004, p.24):
Mesmo havendo grande ênfase na domesticidade da mulher, reforçando seu “estatuto social”, o trabalho doméstico não era considerado (e ainda nos dias de hoje esse debate se mantém) como trabalho, pois tratava-se de atividade desvinculada da relação econômica)
Os discursos que servem de base para a estrutura de representação feminina
parecem evidenciar uma troca: ao invés de ensinar, transmitir conhecimento que é,
afinal de contas, atribuição da função docente, ama-se, como conclui uma
professora entrevistada ao se dar conta da quantidade de elementos periféricos com
forte apelo afetivo presentes na estrutura feminina:
Realmente há uma tendência hoje em tudo ser lúdico, ser brincadeira, ser feito com amor, só que não pode ser só isso. Só gostar e brincar e achar coitadinho que precisa de ajuda não dá. Tem que ensinar conceito, dar aula. (EPF)
O momento de maior impacto nas entrevistas realizadas foi a quando as
Tabelas correspondentes à estrutura da representação social de professor dos dois
grupos foram apresentadas lado a lado para comparação. Tal comparação
desencadeou reações e discursos bem incisivos em função das diferenças
observadas. No grupo de professoras, foi unânime a reação de levar as mãos ao
rosto, com expressões de espanto:
Nossa senhora, que diferença!(EPF)
Muito forte essa diferença, eu vejo como uma questão cultural mesmo, de costume da gente de reproduzir coisas de lá de trás, de heranças culturais.(EPF)
Pois é, é tudo cultural, ta vendo? A gente mesmo vivencia o que a gente fabrica na nossa cabeça!(EPF)
Note-se que, apesar das professoras afirmarem que trata-se de uma
construção social, cultural, ou seja, de não se tratar de algo imutável, os sentidos
das representações que elas próprias apresentaram em seus discursos eram muito
semelhantes.
No grupo de professores, a comparação das estruturas provocou uma grande
pausa com silêncio, e o que se verificou a seguir foi a busca por explicações mais
racionalizadas:
Eu tenho dois focos diferentes para ver isso. Um deles é pela própria questão biológica da diferença entre homem e mulher, principalmente a questão dos hormônios onde na mulher a mudança é mais rotineira, inclusive ao longo do dia. E outra também é pela
questão social. Não sei qual delas tem maior peso na formação do homem e da mulher ao longo da vida. Que são criados, né, infelizmente de forma muito diferente no sentido pejorativo da palavra. O homem pra ser o superior e a mulher pra aceitar. Como a família cuida do homem e da mulher? A educação dos dois é muito diferente e não é por suas diferenças corpóreas, mas pelas diferenças de pensamento por ter nascido homem ou mulher (EPM)
Como bem analisou Carvalho (1999), o debate sobre cultura/natureza ainda é
bastante atual, sobretudo quando ligado às produções do gênero. Pode-se aqui
constatar que apesar das críticas, principalmente no âmbito das ciências sociais, a
biologização das diferenças entre homens e mulheres permeia fortemente as
relações sociais. Ou seja, a partir das diferenças sexuais, vários atributos são
inferidos por essa diferença, atributos estes que viriam a justificar as variadas
distinções sociais, servindo de base para verdadeiras “teorias” para provar
diferenças de comportamentos, aptidões, habilidades sociais, etc.
E os sentidos presentes na estrutura elaborada com base nas palavras
evocadas pelas próprias estudantes de Pedagogia como associadas à profissão
docente dá margem a essa visão, como transparece no comentário dos professores:
Olha, pelo que eu to entendendo, na visão das mulheres sobre a educação, o negócio é mais maternal e não numa visão mais profissional... Tanto que aqui nem tem a palavra profissional (EPM)
Elas tão vendo aquilo ali como uma maternidade, com mãe, de ajudar, de cuidar de todo mundo.(EPM)
Como observam Silva (2006) e Santos (2008) esta associação da atuação
“maternal” com a função docente significa legitimação e perpetuação da
desprofissionalização dessas trabalhadoras com conseqüente piora de seu status
profissional, reconhecimento social e condições de trabalho. Corroborando esta
posição, autores estudiosos da questão do gênero e sua ligação com a docência
(ALVES, 2002; CERISARA, 2002; ONGARI, MOLINA, 2003; SILVA, 2001), afirmam
que a possibilidade das professoras das séries iniciais da escolarização básica
combinarem referenciais domésticos (vida familiar, criação de filhos, cuidados) e
profissionais faz com que o exercício profissional na escola apareça como uma
extensão de papel no lar, provocando graves distorções para a representação da
função, posto que esta “vocação natural” não requer valorização , formação, nem
tampouco organização política.
A qualidade aliada à quantidade de elementos periféricos da representação
feminina também foram contempladas nas observações feitas pelos professores:
O homem tem que esconder seus sentimentos e a mulher pode expandir a vontade porque é natural. E é daí que vem essa grande, esse número de palavras associadas pela falta de objetividade. O homem bota uma palavra e entende tudo. A mulher no geral tende a botar mais palavras pra tentar esmiuçar toda idéia. Ela não cabe numa palavra como o homem...(risos), tende a explicar mais. É como o homem que fala: “respeite os outros”. Respeito é uma coisa tão ampla, mas tão ampla... A mulher não, é respeito, carinho, atenção, amor, não sei mais o que, e outras palavras pra poder dar a mesma idéia que o homem, que usou uma palavra só.(EPM)
São palavras também muito aplicáveis ao vínculo familiar.(EPM)
Para o grupo de professores, a comparação das estruturas parece estar em
consonância com as representações que circulam em nossa sociedade sobre a
construção das diferenças de gênero e que interferem diretamente na formação de
identidade e de prática docente. É interessante observar, porém, como os dados
presentes na estrutura vão sendo ressignificados pelo grupo masculino, fechando a
figura com suas representações do gênero e pintando-a com as tintas provenientes
da experiência de cada um:
Veja o seguinte: eu sou profissional, posso amar o que faço mas nem por isso vou tratar dessa forma, vou pegar no colo ou vou ficar chorando.(EPM)
É, a mulher se envolve emocionalmente, não tem jeito. A professora então, se envolve, já o professor não.(EPM)
O professor ouve problemas e manda buscar solução. Já ela não, abraça como mãe.(EPM)
As professoras, embora reconhecendo que o fator cultural é determinante
neste lugar que a mulher se coloca enquanto professora, também buscam
argumentos nas diferenças de gênero ao comparar as estruturas, como pode-se ver
na sequência de relatos:
Isso tudo (apontando ambas as representações) acaba afetando a gente. Uma mãe de aluno não fala com um professor de Educação Física da maneira como fala com a professora do filho. Não fala de jeito nenhum.(EPF)
É cultura, homem, mulher.(EPF)
Até porque professor voltado pra área dos pequenos quase a gente não vê. O pessoal fica naquela: ah, porque ainda precisa de muitos cuidados [faz o movimento de aspas na palavra cuidados], já fica meio assim.(EPF)
Esses resultados mostram que infelizmente a cultura ainda ta presa a certas idéias. Muita gente fala mesmo,”ela precisa de um homem na equipe” ou “se fosse um homem aí”, como se a mulher não fosse dar conta do que ali precisa. E aí eu continuo a dizer que nós somos seres antropologicamente culturais, então acho que tudo isso aí ta ligado à cultura.”(EPF)
De alguma forma, esta última professora sintetiza como a fala e a atitude das
próprias professoras podem favorecer a manutenção dos estereótipos de gênero na
função docente. O reconhecimento do fator cultural como o grande influenciador da
construção de gênero na identidade docente já representa um grande passo na
busca de debates mais conscientes e esclarecedores da importância e do lugar
social do professor, contribuindo para o enfrentamento das contradições que as
diferenças de gênero impõem sobre a identidade e práticas docentes.
Os resultados dessa pesquisa parecem confirmar as diferenças entre feminino
e masculino nas representações sobre professor ao mostrar que, se as marcas do
gênero têm ecos em todos os espaços sociais e em todas as atividades humanas,
tais repercussões interferem diretamente nas condutas e escolhas dos sujeitos,
inclusive no exercício profissional.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste estudo buscou-se analisar e comparar as representações sociais de
professor apresentadas por alunos e alunas do primeiro ano do curso de Pedagogia
de Universidades do Estado do Rio de Janeiro. Antecipou-se, como hipótese de
trabalho, que o núcleo central das representações desses dois grupos seriam
diferentes em função do gênero. Não causaram, portanto, estranheza as diferenças
encontradas nas estruturas das representações masculina e feminina da função
docente, uma vez que confirmaram a hipótese do estudo. Cabe lembrar que, para
Abric (1998) duas representações são diferentes quando seus NC são diferentes. No
caso desta pesquisa, observou-se que o núcleo da representação encontrada no
grupo feminino apresenta dois elementos -dedicação e educador-, o do grupo
masculino indica apenas um: educador.
Mas, outras análises realizadas na própria estrutura detalham e reforçam
essa diferença. Assim, embora educador esteja presente nos dois núcleos, o sentido
atribuído a este elemento é distinto nos dois grupos. Em primeiro lugar, porque no
grupo das alunas, o termo educador é matizado pelo elemento dedicação, que
carrega um sentido tradicionalmente vinculado à representação do feminino,
enquanto no grupo masculino ele se encontra sozinho. Além disso, ao comparar os
NC com o sistema periférico, que o operacionaliza e traduz para o cotidiano,
observa-se na representação feminina, os termos cuidado, ajuda, amor e paciência,
reforçando o estereótipo ligado ao papel docente, enquanto no masculino são
encontrados os termos amigo, autoridade, conhecimento e profissional, ligados,
especialmente os três últimos, à profissionalidade. Tais diferenças foram
corroboradas pela análise das partes discursivas do estudo e formalmente
confirmadas nas entrevistas em grupo.
Esse estudo possibilitou explicitar como os sentidos vinculados ao ser
professor(a) historicamente construídos na cultura, mesmo os que carregam
conotações derrogatórias para o sujeito, são apropriados; por uns, de modo
aparentemente inconsciente, por outros, com finalidades defensivas, para suprir
deficiências de toda ordem (políticas, institucionais, pessoais e outras), as quais os
impedem de assumir plenamente suas verdadeiras funções.
Tais resultados permitem aprofundar a compreensão sobre as marcas
deixadas pela configuração histórica das relações de gênero a partir de meados do
século XIX. Condições precárias e parcos salários oferecidos quando da
convocação das escolas públicas para a construção de uma nação sob a égide
republicana determinaram o afastamento paulatino dos professores do sexo
masculino da escola elementar em nosso país. Ao mesmo tempo, a suposta
adequação do ideal feminino (mãe zelosa, cuidadora, higiênica no lar, paciente) caiu
como uma luva para as políticas públicas da época. Assim, as mulheres passaram a
ser convocadas para este lugar pouco ambicionado pelos homens. Esta união da
possibilidade de exercer uma função fora do lar que fosse aprovada socialmente
com as características “naturais” da mulher foi o mote que perdura até os dias de
hoje, contribuindo para a desprofissionalização das mulheres-professoras.
A partir de um panorama social - o nascimento da república e a necessidade
de se construir uma identidade nacional - o argumento mais usado para adequar a
mulher a esta profissão foi o de enfatizar as diferenças naturais entre os sexos,
influenciando as ações educativas baseadas nos princípios morais e no exemplo e
reforçando o estereótipo da professora vocacionada e dedicada. Este estereótipo foi
(e ainda é) internalizado pela sociedade em geral e, em especial, pelas próprias
professoras que em seus discursos repetem estes argumentos, ressaltando que o
domínio afetivo está acima de condições de trabalho mínimas como salário,
conhecimento e reconhecimento social, impedindo a construção de uma identidade
profissional qualificada. Os(as) futuros(as) professores(as) e os(as) profissionais já
atuando na área em suas falas e atitudes reiteram estereótipos de gênero.
Finalmente, esta pesquisa (re)afirma, assim como vários estudos anteriores,
que o eixo de estudos das relações de gênero necessita aprofundamento pelos
profissionais da educação, sobretudo na formação daqueles que trabalharão
diretamente com os anos iniciais da educação básica, buscando a desnaturalização
dos estereótipos relacionados à docência nas primeiras séries do ensino
fundamental, passo essencial à construção da profissionalidade docente.
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ANEXOS