CURSO: ADMINISTRAÇÃO DISCIPLINA: Administração estratégica [email protected]
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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ VICE-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
CURSO DE MESTRADO EM DIREITO MINTER UNESA / UNOESC
CARLA SOTTILI LANGOSKI BORTOLOTTO
DIREITOS HUMANOS, PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
RIO DE JANEIRO - RJ 2008
CARLA SOTTILI LANGOSKI BORTOLOTTO
DIREITOS HUMANOS, PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
Dissertação apresentada como requisito para obtenção do título de Mestre em Direito, pela Universidade Estácio de Sá.
Orientador: Prof. Dr. Vicente de Paulo Barreto
Rio de Janeiro - RJ 2008
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
A Dissertação
DIREITOS HUMANOS, PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
elaborada por
CARLA SOTTILI LANGOSKI BORTOLOTTO e aprovada por todos os membros da Banca Examinadora foi aceita pelo Programa
de Pós-Graduação em Direito como requisito parcial à obtenção do título de
MESTRE
Rio de Janeiro, 29 de agosto de 2008
BANCA EXAMINADORA
____________________________________ Prof. Dr. Vicente de Paulo Barreto
Presidente Universidade Estácio de Sá
_____________________________________ Prof. Dra. Renata Braga
Universidade Estácio de Sá
_____________________________________ Prof. Dr. Gustavo Senechal
Universidade Estadual do Rio de Janeiro - UERJ
AGRADECIMENTOS
A Deus, que sempre me deu coragem para seguir em frente.
Agradeço ao meu esposo Rudimar, a minha filha Clara e a todos os meus
familiares, pois é a família que nos dá força, exemplo e coragem para prosseguir.
Aos meus colegas e professores do mestrado, que, com a troca de
experiências, me proporcionaram um grande aprendizado.
Agradeço em especial ao professor Vicente de Paulo Barreto, meu
orientador, pela motivação, incentivo, carinho e compreensão evidenciados em
vários momentos deste mestrado e também durante a concepção desta dissertação,
me fazendo acreditar que lutar pela efetivação dos Direitos Humanos é muito mais
que uma utopia, mas um ideal.
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo analisar o tema Direitos Humanos, com enfoque na dignidade humana como mecanismo para sua concretização no âmbito do Estado Democrático de Direito. Aborda-se, entre os principais pontos, a conceituação e evolução dos Direitos Humanos, culminando com a ênfase nos Direitos Humanos Fundamentais. Debate-se a questão da relação da moral com o direito, como maneira de efetivar os Direitos Humanos em uma forma multicultural, resultando na idéia de uma Sociedade Cosmopolita. Ao fazer um estudo dos Princípios como normas da mais alta hierarquia em um sistema jurídico, exalta-se a fundamental importância do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana no ordenamento constitucional brasileiro, inserto na Constituição Federal de 1988. Para tanto, além de se fazer uma correlação entre a dignidade humana e o Princípio constitucional respectivo, apresenta-se a evolução e o conceito do Estado Democrático de Direito, posicionando o referido Princípio como elemento fundamental a sua legitimação como forma de Estado. PALAVRAS CHAVE: Dignidade Humana; Direito; Direitos Humanos; Cidadania Cosmopolita; Estado Democrático de Direito; Moral; Princípios.
ABSTRACT
This work has the goal of analyze the Human Rights subject, focusing the human dignity as tool for its concretization into the Democratic State of Rights scope. It is discussed, among the main subjects, the conceptualization and evolution of the Human Rights, leading to the emphasis on the Fundamental Human Rights. It is discussed the correlation of moral with law, as a manner of put into effect the Human Rights as a multicultural form, resulting in the idea of a Cosmopolitan Society. Doing a study of the Principles as standards of higher hierarchy in a legal system, it is praised the fundamental importance of the Human Person Dignity in the Brazilian constitutional ordainment, inserted in the Federal Constitution of 1988. For this, besides doing a correlation between the human dignity and the respective constitutional principle, it is showed the evolution and the concept of the Democratic State of Rights, placing the mentioned Principle as a fundamental element to its legitimation as a State form. KEY-WORDS: Human Dignity, Law, Human Rights, Cosmopolitan Citizenship, Democratic State of Rights, Moral, Principles.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................... 7
CAPÍTULO I ...................................................................................................... 10
UNIVERSALIDADE DOS DIREITOS HUMANOS ..................................... 10
1.1 DIREITO E MORAL ........................................................................................................ 10
1.1.1 Direito e moral em Kelsen ....................................................................................... 10 1.1.2 Direito e moral em Hart ............................................................................................ 13
1.1.3 Direito e moral em Höffe .......................................................................................... 19
1.2 HISTÓRICO DOS DIREITOS HUMANOS .................................................................. 21
1.2.1 A revolução gloriosa e a declaração de direitos – 1668 ................................. 25
1.2.2 A declaração dos direitos do estado da Virgínia – 1777 ................................. 28 1.2.3 Declaração dos direitos do homem e do cidadão da Revolução Francesa - 1789 ......................................................................................................................................... 30
1.2.4 A tradição liberal e o capitalismo .......................................................................... 33
1.2.5 A declaração universal da ONU de 1948 ............................................................. 34
1.3 A IDÉIA DE DIREITOS HUMANOS ............................................................................. 37
CAPÍTULO II ..................................................................................................... 55
PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA .............................. 55
2.1 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO ................................................................ 55
2.1.1 O estado de direito .................................................................................................... 55 2.1.2 O estado liberal de direito ....................................................................................... 57
2.1.3 O estado social de direito ....................................................................................... 61 2.1.4 O estado democrático de direito ........................................................................... 66
2.2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS .............................................................................. 71
2.3 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA .............................................. 85
2.3.1 Dignidade humana .................................................................................................... 85
2.3.2 A dignidade da pessoa humana como princípio constitucional .................. 90
CONCLUSÃO ................................................................................................... 96
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................ 98
INTRODUÇÃO
Esta dissertação versa sobre o tema Direitos Humanos, com sua delimitação
adstrita à dignidade humana no Estado democrático de Direito.
A pesquisa está inserida na área de concentração em Direito Público e
Evolução Social, tendo como linha os Direitos Fundamentais e Novos Direitos da
Universidade Estácio de Sá.
O problema emerge na seguinte pergunta: O Estado Democrático de Direito
pressupõe o princípio da Dignidade Humana como um dos seus fundamentos? Qual
a função dos direitos humanos?
Para chegar à resposta de tal questionamento, o trabalho concentra-se na
análise da inclusão histórica dos Direitos Humanos, passando-se ao problema
crucial da relação do Direito com a Moral, o que Hering1 chamava do “Cabo Horn” da
ciência do direito, com as relações de complementariedade entre ambos, que
constituem o núcleo dos direitos humanos.
A Constituição de 1988, em seu artigo primeiro, trouxe uma nova concepção
da organização da República Federativa do Brasil, que deixou de ser um Estado de
Direito, consagrado pelas demais constituições e passou a estruturar-se em Estado
Democrático de Direito.
Assim, o Estado brasileiro, além de ser constituído de conformidade com o
Direito, para ser legítimo, deverá ter origem e finalidade de acordo com o Direito
manifestado livre e originado pelo próprio povo. Nesse sentido é que o Presidente da
Assembléia Nacional Constituinte da Constituição de 1988 chamou o texto
constitucional de “Constituição Cidadã”.
No mesmo artigo, acima referido, porém em seus incisos, a Constituição
Federal arrola quais os fundamentos desse Estado Democrático de Direito, sendo
que, no inciso III, dispõe sobre a dignidade da pessoa humana. Cabe assinalar que
esses incisos não são propriamente direitos fundamentais, os quais estão
consagrados no artigo 5° e artigo 6° da Constituição, mas fundamentos do estado de
direito.
1 HIERING, Rudolf Von. A luta pelo direito. São Paulo: Martin Claret, 2001.
8
Os incisos do artigo primeiro se referem, assim, aos elementos fundamentais
que constituem o Estado Democrático de Direito, o que aponta como inconstitucional
a não observância desses dispositivos da Constituição Federal.
A dignidade da pessoa humana passa a ser norma fundamental para a
ordem jurídica brasileira, seguindo o exemplo de algumas constituições, tais como a
Constituição da Alemanha, Espanha e de Portugal, entre outras.
Contudo, cabe com este trabalho saber qual é a relação dos direitos
humanos com o princípio supracitado.
Assim, o primeiro capítulo é iniciado com o histórico dos direitos humanos,
perpassando à relação do direito com a moral, até chegar à idéia de direitos
humanos como um direito atribuído ao ser humano e sua existência uma exigência
moral. Desse enfoque busca-se o conceito da dignidade da pessoa humana.
No tópico histórico dos direitos humanos, destaca-se a contribuição da
Revolução Gloriosa e sua Declaração de Direitos de 1688, Declaração de Direitos do
Estado da Virgínia de 1776, Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão da
Revolução Francesa de 1789 e, finalmente, a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, da Organização das Nações Unidas de 1948.
Cuida-se, ainda no primeiro capítulo, em suas nuances doutrinárias, a
relação entre direito e moral fundamentada em Kelsen, Hart e Höffe,
respectivamente, iniciando pelas teorias positivistas, transitando no “mínimo ético do
direito natural” e finalizando com o enfoque universal dos princípios éticos.
Após a análise de direito e moral, surge a grande dificuldade que é
conceituar direitos humanos e, para tal propósito, adentra-se na sua idéia central,
com as principais fundamentações, que resultam na referida conceituação.
Finaliza-se o primeiro capítulo com a noção de cidadania cosmopolita, com o
pressuposto de construir uma nova forma de ver do outro ou a si mesmo.
No segundo capítulo, aborda-se o Estado Democrático de Direito, desde a
idéia do Estado Liberal de Direito e Estado Social de Direito, com o enfoque especial
e necessário à Constituição Brasileira de 1988.
Na seqüência, expõe-se princípio da dignidade da pessoa humana,
iniciando-se pelo estudo dos princípios constitucionais, diferenciando-os das regras
9
constitucionais.
Na lógica de construção do texto, aborda-se a definição de dignidade
humana como atributo humano, o qual se desenvolve com o próprio ser, consagrada
constitucionalmente pelo princípio da dignidade da pessoa humana, assunto tratado
na seqüência como o princípio de maior hierarquia valorativa de todos os princípios,
servindo de matéria prima aos direitos fundamentais.
Por se tratar de matéria constitucional, busca-se fundamentar o trabalho em
decisões do Supremo Tribunal Federal, demonstrando-se a utilização concreta do
princípio da dignidade da pessoa humana, de acordo com o sistema normativo do
Estado Democrático de Direito.
Em conclusão, realiza-se um paralelo entre os temas abordados no primeiro
e segundo capítulos, demonstrando-se, em apertada análise, a resposta à
problemática proposta na presente dissertação.
Para o desenvolvimento do trabalho, empregou-se o método de abordagem
indutivo e o método de procedimento monográfico, privilegiando-se a técnica de
pesquisa bibliográfica.
Salienta-se, por fim, que, com a aprovação do presente trabalho acadêmico,
não significa que haja o endosso do Professor Orientador e da Banca Examinadora
aos termos utilizados ou aos fundamentos que nele são expostos.
CAPÍTULO I
1 UNIVERSALIDADE DOS DIREITOS HUMANOS
1.1 DIREITO E MORAL
Partindo da concepção Kelseniana de que tanto o direito como a moral são
normas da conduta humana, sem contudo esquecer sua pureza metodológica,
passando pelo conteúdo mínimo de Hart e concluindo com a abordagem de Otofried
Höffe, tratar-se-á da diferença entre Direito e Moral, para, através de sua
diferenciação, traçar os pontos de contato entre ambas e a importância do valor na
norma jurídica.
1.1.1 Direito e moral em Kelsen
Em Kelsen, ambas as normas, direito e moral, têm por objetivo regular a
conduta dos homens entre si, considerando que as normas morais são as normas
sociais não revestidas de cunho jurídico, sendo estas últimas o objeto do direito e
estudadas pela ciência jurídica e as primeiras normas sociais estudadas pela ética.
Para Kelsen2, errônea é a concepção de que a distinção entre a Moral e o
Direito está na conduta dos homens, e nem distingui-las no sentido de serem
condutas internas, referindo-se à moral e, como externas, com relação ao direito.
Afirma, assim, que as normas das duas ordens determinam espécies de conduta.
Outro aspecto destacado para a distinção entre normas morais e de direito,
diz respeito à existência ou não de coercitividade.
Os conteúdos das normas não são considerados nessa distinção, mas sim
2 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 5.ed. São Paulo: Martins Fontes Editora Ltda. 1997, cap. II, p. 68.
11
se são dotadas ou não de coação ou força. E, nesse sentido, Kelsen3 prescreve que
o direito só pode ser distinguido essencialmente da Moral quando concebido como
uma ordem normativa que busca obter uma determinada conduta humana e, quando
não obedecida dita conduta, gera um ato de coerção socialmente organizado, ou
seja, reconhecido pela sociedade; já a Moral, que é uma ordem social, não possui
sanções gerais, incluindo força física, sofrendo apenas a aprovação ou a
desaprovação de dita conduta.
De acordo com suas próprias palavras, embora ambos possuam a mesma
fonte de criação, ou seja, o costume, o direito se destaca pela coercibilidade,
característica imperceptível no âmbito da moralidade.
Para determinar a diferenciação metodológica, tomou o jurista como base as
idéias de normatividade e validade, devendo, dessa forma, o raciocínio jurídico
versar sobre o lícito e o ilícito, sobre o legal e o ilegal e sobre o válido e o inválido,
deixando, assim, o certo e o errado, o que é virtuoso ou vicioso, para o campo da
moral, estudada pela Ética.
Toda e qualquer discussão sobre valores não deve fazer parte do estudo do
Direito, o qual deve conhecer o objeto e descrever a conduta, não valorá-la.
A partir desse entendimento, Kelsen4 constata que o direito pode ser um
direito moral ou imoral, justo ou injusto e, mesmo assim, será válido. Para sua
criação, exige elementos puramente jurídicos, ou seja, posto por uma autoridade
apta a legislar, pertencente a um determinado sistema de normas.
Ainda que o supracitado autor admita que o Direito “deve” ser moral, ou seja,
justo, cogita, nesta afirmação, a relação existente entre ambas as normas, no
sentido de que toda norma social prescreve ou proíbe uma conduta Moral. Assim, o
Direito como sendo uma norma social, tem caráter moral e constitui um valor moral
relativo, contrapondo-se à questão da Moral absoluta em que o Direito faz parte da
Moral.
Este conteúdo Moral da norma de Direito seria absoluto, fornecendo uma
Moral absoluta e única, na qual somente ela seria válida, excluindo as demais, tendo
3 KELSEN, H. op. cit., p. 71.
4 KELSEN, H. O que é Justiça? Tradução de Luis Carlos Borges e Vera Barkow. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1997, p. 364.
12
validade em todos os sistemas morais.
Mas, para o Autor, tal valor não existe, devendo-se ao fato de que é
impossível um elemento comum a todos os conteúdos das diferentes ordens morais,
o qual seria o valor mais elevado desse sistema.
Seria como dizer que não existe norma injusta, visto que, tendo o Direito
caráter moral e a Moral ser absoluta, o Direito sempre seria Moral,
independentemente do sistema, passando a “dever ser” bom e justo.
Para contrapor a idéia de Moral absoluta, Kelsen5 traz a teoria da Moral
relativa, a qual é válida para determinado sistema moral, em que o Direito pode ser
valorado como bom, justo ou injusto, de acordo com esse determinado sistema
moral e não absolutamente Moral ou Imoral. Ocorre, assim, a separação entre direito
e moral, pois será valida uma ordem jurídica que contrarie preceitos morais, como,
por exemplo, a paz.
Justifica a necessidade de tal distinção (separação) pela não necessidade
de uma norma jurídica dever obedecer a preceitos morais para ser considerada
válida e finaliza concluindo que não é objeto da ciência jurídica justificar as normas
de Direito, através de nenhum tipo de Moral (absoluta ou relativa), e sim conhecê-lo
e descrevê-lo6, retirando da discussão jurídica a preocupação com a justiça, por ser
valor e, dessa forma, pertencer à conduta moral e, portanto, objeto de estudo da
Ética.
Não se pode esquecer que Kelsen, segundo Bobbio7, refletiu sobre o tema
sob a perspectiva herdada de Emanuel Kant, adepto da filosofia do Racionalismo,
para quem a Moral e o direito estariam em planos absolutamente separados,
distinguindo a moralidade da legalidade.
Entretanto, não se pode afirmar que, para Kelsen, a moral não tivesse
importância, ou que não lhe importava seu estudo, mas que isso caberia à Ética e
não à Ciência do Direito, como debateu na Teoria Pura do Direito. E, nesse sentido,
dedicou seu estudo em outras obras, como a publicada postumamente “O Que é
justiça?”
5 KELSEN, H. O que é Justiça? p. 74.
6 Idem, p. 78.
7 BOBBIO, N. Direito e estado no pensamento de Emmanuel Kant. Tradução de Alfredo Fait. 3.ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1995
13
1.1.2 Direito e moral em Hart
Hart, filósofo britânico, que, como Kelsen, considera as normas de Direito e
as normas Morais como normas reguladoras da conduta humana, contudo são
diferentes, possuem características próprias, e nem sempre uma conexão
necessária.
Hart distingue inicialmente a Moral como regras primárias de obrigação e o
Direito como regras secundárias de reconhecimento, alteração e julgamento8.
Ao criticar os adeptos da conexão necessária entre ambas as regras, faz uso
de três questões: a distinção entre moral e justiça; as características que distinguem
as normas morais das demais; e as formas como o direito e a moral se relacionam.
A primeira questão levantada - moral e justiça - é tratada por Hart no sentido
de que “justo” é um critério mutável, que pode e deve ser usado quando da
aplicação do direito, não se confundindo com este.
Ao exemplificar o caso do pai que pratica grande crueldade com seu filho,
Hart afirma que este estaria agindo contra as regras da moral, mas não poderia lhe
ser atribuída uma conduta injusta, a qual traz dentro de si uma noção de
“equidade”9, ou seja, equilíbrio , de tratamento igualitário, demonstrando, assim, que
o elemento central da justiça é “tratar da mesma maneira os casos semelhantes e
diferentemente os casos diferentes”.
Contudo, afirma que tal elemento é incompleto, pois não fornece uma
direção para que se possam determinar as condutas relevantes de diferenciação ou
de semelhança, para, assim, aplicar-se a justiça.
Nesse sentido, a justiça, para o Autor, tem um aspecto constante – o
preceito - e um aspecto mutável – quando são semelhantes ou diferentes.
E é justamente em seu aspecto mutável que se faz uso de outros valores
para chegar a uma conclusão, valores estes que dependerão de certas concepções,
costumes e determinados momentos históricos, os quais darão os critérios para
determinar o justo.
8 HART, H.L.A. O conceito de direito. 2.ed. Lisboa: Fundação Calaste Gulbenkian. 2007, p. 169.
9 Idem, p. 172.
14
Tais critérios, para Hart, são dados pela moral, pois, quando um código
moral preceitua que determinada conduta é imoral, todas as demais condutas
semelhantes também serão consideradas imorais. Daí uma lei que não trata casos
iguais igualmente e de forma diferente os desiguais ser injusta.
Com essa afirmativa, tem-se que a moral se conecta com o direito pela
questão da justiça.
Fernandez10, referindo-se a Hart e sua obra “O conceito de Direto”,
escreveu: “Um dos casos em que se descreve a conexão entre a moral e o Direito,
viria dado pela relação entre os princípios de justiça e as normas jurídicas”11.
Finalizando essa primeira questão, Hart traz a noção de “justiça social”,
quando analisa leis que regulam relações individuais e as que regulam o bem-estar
comum, as quais devem ser analisadas de forma imparcial e afirma que “aquilo que
é distribuído de forma justa não é qualquer benefício específico entre uma classe de
pessoas que o pretenda, mas uma atenção imparcial e uma consideração das
pretensões em conflito relativamente a benefícios diferentes”12.
Com relação ao segundo aspecto destacado pelo Autor – regras e princípios
morais e normas jurídicas – traz Hart a questão de serem as regras morais de
“textura aberta”, ou seja, as regras e princípios morais não são comuns a todos: “Há
certas formas de princípios ou regras que alguns classificam como moral e outros
não”13. Entretanto, mesmo havendo consenso de que determinadas regras ou
princípios pertenceriam à moral, existe o problema filosófico de formação dessa
regras e princípios como sendo regras imutáveis próprias do Direito Natural ou como
manifestações mutáveis da realidade humana?
Analisando as características das regras morais, as quais demonstraram as
diferenças e as semelhanças entre a Moral e o Direito, Hart não exclui quatro
principais características: importância, imunidade à mudança deliberada, caráter
voluntário dos delitos morais e formas de pressão moral, mas alerta que não serão
somente essas as características para que se tenha, com certeza, a distinção das
10
FERNANDEZ, Euzébio. Teoria de la justicia y derechos humanos. Madri: Ed. Debate, 1991, p. 66.
11 “Uno de los casos en los que se describe la conexión entre la moral y el Derecho vendria dado por la relación entre los princípios de justicia y las normas jurídicas.”
12 HART, H.L.A. op. cit., p. 182.
13 Idem, p. 183.
15
normas morais das demais normas de conduta.
Ao comentar cada uma dessas características, Hart usa como referência “o
fenômeno social”, em que as normas morais serão comuns a todas as sociedades
desenvolvidas, denominando tais regras de “regras primárias de obrigação”14 que
exigem omissões ou ações e trazem o controle social.
As regras primárias de obrigação seriam as normas pré-jurídicas, pois,
embora tenham surgido de conceitos morais, estarão permeando o sistema jurídico
daquela sociedade e, muitas vezes, confundindo-se com as regras do sistema
jurídico.
Nesse sentido, Hart traz as semelhanças entre as duas regras como sendo
ambas vinculativas naquela sociedade, naquele sistema jurídico: a sua não
observância acarretará uma coação por parte daquela sociedade ou sistema jurídico;
a sua observância é uma obrigação para a vida em sociedade.
Mas, apesar de tais semelhanças, as regras morais e as de direito não são
iguais, não são as mesmas e, para fazer tal diferenciação, analisa as características
intrínsecas das normas morais, acima citadas, concordando com Kelsen que a
distinção entre normas internas e externas não traz a resposta adequada à questão,
mas que não pode ser desprezada.
E é justamente no estudo das características fundamentais da moral que
Hart traça a diferença entre esta e o direito.
Quatro são as características suscitadas: importância, imunidade à alteração
deliberada, o caráter voluntário dos delitos morais e a forma de pressão moral.
Toda regra moral deve ser revestida de importância para que, dessa forma,
seja mantida, observada, repassada e aceita por todos os integrantes de uma
sociedade e visa sempre à proteção dessa sociedade, e a sua observância não será
considerada, como nas palavras do próprio Autor, “um sacrifício”, mas por tratar-se
de regras que estão de acordo com a “natureza”.
Surge, assim, a primeira diferença entre moral e direito, pois as regras
jurídicas, embora possam ter os mesmos regramentos para determinado
comportamento, estas não necessariamente serão importantes ao ponto de serem
14
HART, H.L.A. op. cit., p. 183.
16
respeitadas e compartilhadas por todos os membros de uma sociedade e, mesmo
assim, não cairá em desuso, como ocorrerá com as regras morais, até ser revogada.
Diferentemente das regras jurídicas que são criadas e alteradas por atos
intencionais do ser humano, as regras morais existem por reconhecimento de sua
importância para o bem estar da sociedade e não criação por ato do homem. Dessa
forma, Hart dá a segunda diferença.
O caráter voluntário dos delitos morais, ou seja, a falta de intenção de
desrespeito às ordens morais, causando, assim, uma desculpa para o ato, poderá o
agente não sofrer reprovação moral. O mesmo não é observado quanto ao
desrespeito às regras jurídicas, visto que, mesmo não havendo a intenção, o dolo
(falta de intenção) deverá será ser punido.
A última característica das regras morais diz respeito à forma de pressão
moral exercida para que estas sejam observadas. Enquanto as regras de direito
possuem uma ameaça (coerção/pena), a pressão para cumprimento das regras
morais, para Hart15, é “uma lembrança da natureza moral da ação encarada e das
exigências da moral”. Em outras palavras, a pressão para que o indivíduo observe-
as diz respeito a sua consciência de que tais atitudes seriam contrários à vida na
sociedade, levando-o a sofrer repressão de si próprio, como o remorso.
A questão final levantada por Hart, para finalizar sua distinção entre Direito e
Moral, a qual foi objeto do IX capítulo da obra “O Conceito de Direito” o autor faz
uma relação entre o Direito Natural e o Positivismo Jurídico, a validade jurídica e o
valor moral.
Inicialmente, Hart traz a definição de Positivismo Jurídico cujo significado
seria dado pela não necessidade de as leis reproduzirem ou seguirem preceitos
morais, porém o façam freqüentemente.
Com tal afirmação, Hart16 defende a premissa de que, no sistema jurídico,
devem estar presentes pontos de vista da moralidade ou dispor de um dever, e este
nada mais seria do que um dever moral a ser obedecido. Contudo, a falta de tais
conexões entre Direito e Moral não invalidaria regras ou princípios jurídicos, inclusive
a existência de normas jurídicas desprovidas de qualquer justificação ou eficácia
15
HART, H.L.A. op. cit., p. 195. 16
Idem, p. 331.
17
moral.
Apesar da afirmativa acima, Hart defende a conexão entre as duas normas
de conduta e, para tal, ambas devem possuir um conteúdo mínimo do Direito
Natural.
Deve-se, no entanto, considerar que, para Hart17, Direito Natural,
contrariando a posição de Stuart Mill, é aquele ligado à concepção mais antiga da
natureza, em que todas as espécies buscam um estado de bem estar ou o caminho
para tal. Com relação ao conteúdo mínimo, diz o filósofo que a não existência de um
conteúdo mínimo, nem o direito, nem a moral poderiam dar sustentáculo ao
propósito mínimo de sobrevivência dos homens quando vivem em comunidade.
Afirma, também, que, sem a presença desse conteúdo, os homens, por sua
natureza, não teriam uma razão para obedecerem quaisquer regras, de forma
voluntária, se não houvesse um mínimo de cooperação daqueles que desejam se
submeter a elas e mantê-las, bem como seria impossível impor coerção àqueles que
não as obedecem voluntariamente18.
É justamente a partir desse conteúdo mínimo do Direito Natural que HART
faz a conexão entre Direito e Moral, trazendo a verdade incontestável da
vulnerabilidade humana, da igualdade aproximada, do altruísmo limitado, dos
recursos limitados e da compreensão e força de vontade limitadas.
No tocante à “vulnerabilidade humana”, Hart defende o fato de os homens
serem vulneráveis a ataques pessoais e a razão óbvia para que não saiam matando
todos aqueles que os atacam, de acordo com a regra “não matarás”, não seria
apenas por estarem transgredindo unicamente normas legais, mas porque estaria
transgredindo também normas morais, as quais impõem o dever de abster-se à
causa da violência.
A “igualdade aproximada” entre os homens, ou seja, todos têm
necessidades relativamente iguais, faz com que se torne necessário um sistema de
abstenções mútuas, o qual estaria na base tanto das obrigações jurídicas como
morais.
Como tal igualdade aproximada dos homens é obra da natureza, dela
17
HART, H.L.A. op. cit., p. 205. 18
Idem, p. 209-10.
18
nasceria o Direito Natural, independentemente da ação do próprio homem, sendo
autônomo, face à moral e, superior, face ao direito, surgindo, assim, a conexão entre
Direito e Moral, baseado em um sistema de concessões e abstenções mútuas, o
qual estaria na base das obrigações jurídicas e morais.
Tomando como princípio de que os homens não são demônios com instintos
de destruição de sua espécie e nem são predominantemente egoístas, mas também
não são anjos, e encontram-se em um meio termo, entre demônio e anjo, “limitando
seu altruísmo”, necessário se faz um sistema de abstenções recíprocas e mútuas.
Os homens, seres insatisfeitos, possuem necessidades comuns, como
alimentos e moradia, porém tais necessidades possuem uma “disponibilidade
limitada”. Como devem ser obtidas da natureza ou pelo esforço do homem, é
necessário que se tenham regras mínimas de propriedade, mesmo que não seja a
proteção da propriedade individual, como no dizer de Fernandez19. São regras
dinâmicas, as quais fazem com que os homens criem obrigações e que sejam
punidos se agirem de forma contrária à estabelecida.
O respeito às regras para viver em sociedade nem sempre é partilhado de
forma igual perante todos os homens e a não existência de uma organização que
aplicasse a coerção nesses casos seria uma tentação à desobediência ao sistema
de restrições.
Hart20 prescreve que tais sanções seriam uma garantia para todos aqueles
que obedecessem voluntariamente, sofrendo-as aqueles que não as respeitassem.
Assim, tem-se uma “cooperação voluntária”, a qual garantirá o sistema de
restrições recíprocas, independentemente, por exemplo, da maior ou menor força
física que possa ter um indivíduo ou um grupo.
A partir dos truísmos acima, Hart fundamenta sua teoria de um conteúdo
mínimo do Direito Natural, o qual separou o Direito da Moral, não em situação de
oposição, mas em convergência, sustentando que as relações jurídicas
estabelecidas admitem normas de Direito Natural.
Contudo, a teoria esposada por Hart, não é bastante para responder todos
os questionamentos referentes às relações entre Direito e Moral, como demonstra
19
FERNANDEZ, E. op. cit., p. 72. 20
HART, H.L.A. op. cit., p. 214.
19
Fernandez21 ao dizer que a teoria proposta é perfeitamente aceitável, porém se
demonstra insuficiente para dar um conceito mais adequado das relações entre o
Direito e a moral, no sentido de serem o conjunto de normas gerais que
regulamentam e controlam as ações humanas, pois necessita de um traçado mais
amplo, complexo e difícil.
Ainda que Fernandez conclua que a idéia de Hart é um ponto de partida,
sendo insuficiente, deixando de analisar quais seriam os critérios de moralidade que
o Direito deve ter, criticando inclusive a nomenclatura designativa de “conteúdos
mínimos”, não há como negar a importância de referida teoria no estudo da relação
da moral com o direito.
Trazer o Direito Natural como resposta às inquietudes do direito positivo,
contrapondo-o com o relativismo, superando paradigmas, buscando conceitos
universais, é uma resposta às angústias dos juristas contemporâneos.
1.1.3 Direito e moral em Höffe
Para analisar a teoria de Höffe sobre Direito e Moral, que recupera a tradição
kantiana no pensamento jurídico, em primeiro plano, deve-se partir da premissa da
diferenciação feita pelo autor entre Moral em sentido positivo e em sentido crítico.
Na visão de Höffe22, Moral em sentido positivo é tratada como usos e
costumes e a Moral em sentido crítico, como conjunto de obrigações supremas e,
nesta última, estaria presente a questão da diferenciação entre Moral e do Direito: “el
concepto de moral e derecho presupone uma diferenciación adicional, que se da
dentro de la moral crítica: la moral jurídica marca esa parte de la moral crítica cuyo
reconocimiento se deben las personas recíprocamente”.
Assim, a parte da Moral crítica a que se refere é o que diferencia das demais
morais, a qual não pode ser somente pedida, mas também reivindicada, fazendo
parte desta os Direitos Humanos.
21
FERNANDEZ, E. op. cit., p. 75. (tradução nossa). 22
HÖFFE, Otfried. Derecho intercultural. Tradução de Rafael Sevilla. Barcelona: Ed. Gedisa, 2000, p. 51.
20
É a moral jurídica que permite julgar o direito vigente no que se refere a sua
validade moral, ou seja, a legitimidade23.
Com referência em Aristóteles, Höffe traz a diferença entre moral devida e
moral merecida, reconhecendo-a como a diferença entre a ética e a filosofia política
e, presentes na ética, vários conceitos de virtudes.
A “moral jurídica”, por não se tratar de Direito Positivo, não possui uma
sanção repressora, mas, como denomina Höffe24, sancion blanda, possuindo, dessa
forma um poder coativo especial, que, em virtude de tal, pra que possa ser exigida,
deverá fazer parte do ordenamento jurídico, a qual o submeterá a uma pretensão
moral, caracterizando-o como legítimo e, assim, o desrespeito a tais preceitos,
sofreram as duras sanções do Direito Positivo.
Segundo Höffe25, os ordenamentos jurídicos apresentam tal exigência em
três níveis:
O direito deve reger entre as pessoas – como sendo a moral constituinte e legitimadora do direito que exige adequar a vida de acordo com as estruturas jurídicas, trazendo como conseqüência normas de natureza comum no lugar das privadas. Nesse caso, como explica o autor, esse ordenamento será legítimo „em princípio‟.
A moral jurídica impõe que se reconheça com todo rigor a forma jurídica e
suas normas – esta moral realizadora do direito reside no preceito da igualdade. Ou
seja, tidos os casos e as pessoas que forem alcançadas pela norma, devem ser
tratados em conformidade com esta. Nesse caso, o ordenamento será, “em certa
forma”, legítimo.
A moral jurídica está construída, sobretudo, pela democracia e pelos Direitos
Humanos – nesse ordenamento são reconhecidos os direitos de liberdade, a
democracia e o Estado Social, enfim, fazendo referência à razão universal humana.
Será “plenamente Legítimo”.
Com a exposição sintética da teoria de Höffe, encerra-se a questão das
relações entre Direito e Moral. Contudo, apesar de cada autor destacar aspectos
diferenciados e, muitas vezes, conflitantes, percebe-se que, tanto para Kelsen como
Hart e, finalmente, Höffe, Direito e Moral são normatizadores de condutas, possuem
23
HÖFFE, O. op. cit., p. 51. 24
Idem, p. 53. 25
Idem, p. 54.
21
caráter prescritivo e vinculante, prescrevendo obrigações.
Muito embora Kelsen rejeite qualquer vinculação entre Direito e Moral,
deixando evidente que o primeiro é elemento racional, e a Moral elemento
emocional, Hart não concorda com as posições positivistas do filósofo alemão,
afirmando que todo ordenamento jurídico tem íntima relação com a moral, o que se
dá pelo “mínimo ético do Direito Natural”.
Já Höffe, assim como Hart, dispõe em sua teoria que somente um
ordenamento jurídico será legítimo se em sua constituição contar com preceitos
morais, porém diferenciando na questão, por acrescentar a universalidade desses
preceitos, tomando como exemplo os Direitos Humanos.
Nesta senda, embora se considere o pensamento kelseniano sobre o
assunto, pode-se concluir que conhecidas as diferenças entre Direito e Moral chega-
se a ponto de contato, pois existe uma relação de complementariedade entre ambos
e essa relação é o núcleo dos direitos humanos, assunto que será tratado nos itens
seguintes.
1.2 HISTÓRICO DOS DIREITOS HUMANOS
Não se pode iniciar um estudo histórico sobre Direitos Humanos sem
adentrar a história do conceito do que seria considerado ser humano.
Independentemente da visão de cada povo, de suas crenças e costumes, o conceito
do que viria a ser o homem, no sentido de ser humano, foi objeto das mais variadas
concepções.
No período clássico, como diz Brochado26, o homem é visto como o ser
superior da natureza, concebendo-o como “sujeito universal”, exaltando a sua
superioridade
Aristóteles atribui ao homem cinco características, as quais lhe eram
intrínsecas e exclusivas: um ser biológico, racional, político, ético e passional27.
26
BROCHADO, Maria. Direito e ética: a eticidade do fenômeno jurídico. São Paulo: LandY Editora, 2006, p. 119.
27 Idem, ibidem.
22
Porém reconhecia a existência de “leis comuns” constituídas de preceitos universais,
contrapondo-se às leis próprias de cada povo. Contudo, para que tais leis universais
fossem vigentes, justificou-se com idéia da igualdade essencial da natureza do
homem, concepção esta também adotada pelos romanos28.
E, na idéia da igualdade, vai terminar por constituir uma das idéias-força dos
movimentos revolucionários do fim do século XVIII: a Revolução Norte Americana e
a Revolução Francesa.
No início da Idade Média, a humanidade passou por transformações que
influenciaram a vida das pessoas, as quais mudariam de forma substancial os
caminhos da humanidade. A existência de conflitos de valores favoreceu o
surgimento de grupos sociais privilegiados detentores do poder e, em contrapartida,
o surgimento de outros grupos, os quais eram submissos e sem participação nos
mecanismos do poder, acarretando a supressão quase que total dos direitos
humanos desse grupo, principalmente as condições de uma vida digna29.
Sobrevêm, então, as diferenças de classes sociais e política e os detentores
da força, usando de seu arbítrio, assumiam o poder.
Surgem os princípios da igualdade e da fraternidade, em contraponto com a
concepção romana, trazendo a questão divina e valores morais para o centro da
discussão dos direitos do homem.
Com a doutrina metafísica do bem e do mal, Santo Agostinho assegura ser
Deus o criador de todos os seres, sendo o homem feito a sua semelhança. Dessa
forma, todos os homens são iguais e, portanto, todos são bons, sendo a questão do
mal vista como a privação do bem, ao qual os homens têm liberdade e vontade de
opção, em virtude de ser racional, distinguindo-se, por esta razão, das demais
criaturas. Afirma, também, que, por ter alma imortal, esta é responsável pelo
governo de suas faculdades humanas30.
Santo Agostinho debita ao pecado o fato dos homens não serem justos e
justifica dizendo que a natureza do homem já é corrompida e só pode ser superada
28
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 2.ed. rev. ampl. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 14.
29 DALLARI, Dalmo de Abreu. Bioética e direitos humanos. Endereço da internet. E data de acesso.
30 SANTO, Agostinho. A verdadeira religião. O cuidado devido aos mortos. Trad. Ir. Nair de Assis Oliveira e Reverendo Honório Dalbosco. São Paulo: Paulus, 2002. p.33-67.
23
pela resignação31.
Muito embora a teoria agostiniana defenda que o homem é composto de
corpo e alma, eles não formam uma unidade metafísica, pois a alma nasce com o
homem e é imortal, sendo que o corpo padece, muito embora como, também é uma
dádiva divina, não possui uma essência má, dependendo exclusivamente da
vontade ou do arbítrio do homem o rumo que tomar32.
Na segunda metade da Idade Média, em decorrência de tamanhas
transgressões, surgem teorias e grupos organizados, alertando para a
conscientização do respeito à dignidade humana como valor intrínseco a todo ser
humano. Assim, no fim desse período, no século XIII, retomando o pensamento
aristotélico, Santo Tomás de Aquino, em sua teoria, procurou estabelecer conceitos
universais, tendo, na vontade de Deus, o fundamento dos Direitos Humanos e que
todo ser humano tem Direitos Naturais, os quais devem ser sempre respeitados33.
Ao contrário da teoria de Santo Agostinho, para a teoria tomista, a alma está
unida ao corpo, dividida em emocional e racional, e o corpo não pode sobreviver
sem esta.
A concepção tomista vê o homem como um animal social e, dessa forma,
obrigado a viver em sociedade com os outros homens, sendo a família a primeira
forma de sociedade. Em razão de sua vida em sociedade, surge a necessidade de
que essas relações sejam regulamentadas por normas jurídicas naturais, as quais já
eram previstas na doutrina de Santo Agostinho, porém, agora, esse direito não é
mais ditado pelo criador de acordo com suas fundamentações, mas uma lei divina
que conta com a participação dos seres reacionais, conhecida como norma do agir
humano, com conceitos universais, ou seja, um Direito Natural absoluto34.
Com relação ao início da modernidade, é corrente uníssona serem seus
marcos os séculos XV e XVI, pois é ao fim deste século que se inicia a introdução de
novos modelos de pensamento, já iniciado com o Renascimento, dando a idéia de
moderno versus antigo.
Com a obra “O que é o Iluminismo”, Kant apresenta a nova filosofia de
31
SANTO, A. Idem, ibidem. 32
Idem, p.33-67. 33
DALLARI, D. de A. op. cit. 34
BROCHADO, M. op. cit., p.35-7.
24
pensamentos sobre a atualidade, deixando de ver o presente em relação ao
passado. Nesse sentido, segundo Rouanet, Foucault ousou datar o ano de 1784,
ano em que Kant tornou público seu ensaio, como “o nascimento do discurso
filosófico da modernidade”35.
Para os filósofos iluministas, o homem era naturalmente bom, porém, era
corrompido pela sociedade com o passar do tempo. Eles acreditavam que se todos
fizessem parte de uma sociedade justa, com direitos iguais, a felicidade comum seria
alcançada. Por essa razão, eles eram contra as imposições de caráter religioso, as
práticas mercantilistas, contrários ao absolutismo do rei, além dos privilégios dados à
nobreza e ao clero.
Com a expansão da civilização européia sobre o resto do mundo, como no
dizer de Tosi36 “[...] pela primeira vez a história de uma civilização particular se
identificou progressivamente com a história do mundo”, fazendo com que os povos
do Mundo Novo ficassem intimamente ligados às concepções e práticas da Europa,
fundindo-se na sua própria história que, desde o início, foi de opressão.
A modernidade traz o advento da economia capitalista, supondo a força de
trabalho formalmente livre, a organização do trabalho e da produção, o uso de
conhecimentos científicos e o estabelecimento do poder da burguesia proprietária
dos bens, e o estado nacional como provedor e controlador dos serviços, através do
poder militar e do monopólio da legislação. A visão de mundo passa a deixar mais
raízes no conhecimento empírico, baseado no desenvolvimento da ciência. Como
afirma Rouanet37, o homem começa a desenvolver três papéis distintos: o de
cidadão, o de burguês e de particular
Nesse cenário, a natureza do homem, tal qual entendida pelo direito natural,
passa a ser repensada e nasce o direito inato de Kant: a liberdade.
Sendo a liberdade colocada como um direito acima de qualquer outro, fica
demonstrado o caráter ambíguo desse iniciar de era, pois, ao mesmo tempo em que
a liberdade era direito superior, a forma que o estado era estruturado fazia ser
complacente com a opressão do povo e havia a inclusão desses novos povos na
35
ROUANET, Sérgio. As razões do iluminismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 222. 36
TOSI, Giuseppe. História e atualidade dos direitos humanos. Disponível em: <http://www.espdh.hpg.ig.br>. Acesso em: 13 set. 2006.
37 ROUANET, S. op. cit., p. 240.
25
estrutura dos seus descobridores, mas seus direitos de cidadãos eram excluídos.
Essa realidade dualista faz nascer no homem moderno o sentimento de
universalidade, ou seja, a constatação da existência de valores iguais para todos os
homens, o que servirá como fundamento dos direitos humanos.
Na questão dos direitos fundamentais humanos, sobretudo a partir de
Thomas Hobbes, o jusnaturalismo contraporá a existência de direitos naturais ou
morais absolutos, os quais farão parte de qualquer sistema normativo, ao direito
histórico ou positivo38.
A doutrina filosófico-jurídica do jusnaturalismo possui como característica a
concepção de que o indivíduo vive em estado de natureza39, gozando de direitos
naturais intrínsecos, como a vida, a propriedade a liberdade e a morte, havendo um
pacto voluntário em que os indivíduos consignavam poderes a quem de direito
(príncipe, monarca, Assembléia Geral) para garantir tais direitos fundamentais, até a
criação do Estado, que nasce da associação dos indivíduos que gozam de
liberdade, os quais terão o dever de protegê-los.
Nesse último aspecto caracterizador do jusnaturalismo, cabe ressaltar que o
Estado não deveria criar tais direitos, que ficariam sob sua proteção, mas sim
aqueles que existiam quando do estado natural, como, por exemplo, a liberdade
(Kant).
A tradição liberal, que tem na propriedade o seu direito, como direitos
fundamentais à liberdade, à propriedade e à segurança, os quais deverão ser
garantidos pelo Estado, através da lei, sem, contudo, intervir, levaram a dissolução
do mundo feudal e a constituição do mundo moderno.
1.2.1 A revolução gloriosa e a declaração de direitos – 166840
Muito embora a Inglaterra tenha alcançado enorme desenvolvimento no
38
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 13. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 81. 39
Estado de Natureza - como um estado de Guerra em Leviatã (Hobbes), como um estado de paz em Segundo Tratado sobre o Governo (Locke) ou como estado de liberdade plena em Do Contrato Social (Rosseau).
40 Moderna Revolução Gloriosa. Disponível em: <http://www.culturalbrasil.pro.br>. Acesso em: 29 set. 2006.
26
século XVII, quando Henrique VIII e Elizabete I, tomando atitudes que agradavam a
burguesia em ascensão, como a criação da igreja inglesa e o afastamento do poder
papal, ou o confisco de terras da igreja Católica, e a disputa pelos espanhóis por
novos mercados, o poder absolutista (monárquico) impedia o desenvolvimento da
burguesia mercantil, pois o Estado detinha o monopólio da venda das mercadorias
que vinham do exterior, deixando a burguesia comercial sem liberdade para
atividade do comércio, e os artesãos impossibilitados de adquirir a matéria prima de
seu labor, por causa dos preços praticados pelo Estado, o mesmo sucedendo-se
com a indústria. A alta valorização das terras, em razão do aumento do valor dos
alimentos e matérias primas, fez com que os produtores rurais quisessem aumentar
suas propriedades, transformando terras coletivas em particulares, inclusive sobre
aquelas em que houvesse posse precária, expulsando os posseiros, causado êxodo
rural.
Na esfera política, o conflito era entre o rei e o Parlamento, o qual detinha o
poder de direito, determinado pela Carta Magna de 1215, porém o rei exercia o
poder de fato. Como o Parlamento pretendia transformar seu poder de direito em
poder de fato, o rei, usando da mesma artimanha utilizada pelos monarcas
franceses, legitimou o seu poder através de um poder real de origem divina.
Nesse contexto, a luta política travou-se na esfera religiosa: de um lado os
Stuart defendendo o anglicanismo-católico e, de outro lado, o Parlamento, dominado
pela burguesia mercantil e rural (gentry), pela forma mais radical do calvinismo –o
puritanismo- dando assim início a Revolução Puritana
As diferenças entre o rei e o Parlamento acentuaram-se pelos pontos de
vista diferentes, em que o rei tinha uma política voltada para o monopólio, contrário
ao Parlamento.
Em 1625, com a morte de Jaime I, sobe ao trono seu filho Carlos I que,
devido a guerras com outros países, convoca o Parlamento, o qual faz exigências.
Como resposta, Carlos I dissolve o Parlamento.
Após o período de 15 anos, o rei volta a convocar o parlamento, visto que a
Inglaterra havia mergulhado no caos social, com o aumento dos impostos, a
crescente emigração para a América e, principalmente, com a invasão por parte dos
escoceses.
27
O Parlamento passou a se reunir independentemente da convocação do rei,
a conduzir a política tributária e religiosa, inclusive acusando o rei de irresponsável,
o que lhe causou uma repreensão. Inconformado, o rei vai ao Parlamento e exige a
prisão dos responsáveis pela repreensão, o que causa uma reação violenta por
parte do Parlamento o qual convoca as milícias urbanas.
Cromwell organizou o exército composto por camponeses, apoiado pela
burguesia de Londres e pelos burgueses rurais que, com a vitória, deu poder ao
Parlamento, o qual de fato era exercido por Cromwell, que dizimou todos aqueles
contrários às suas idéias. Com sua morte, assume seu filho Richard, que, sem o
apoio do exército, é logo deposto.
Com a mobilização das camadas populares, as elites articulam a volta da
monarquia, retornando ao poder a dinastia Stuart, até que, em 1668, o Parlamento
coroa rei, Guilherme de Orange.
Guilherme III assume perante os proprietários rurais e a burguesia o
compromisso de uma Monarquia Parlamentar. Tal episódio ficou conhecido como
“Revolução Gloriosa”, aceitando uma “Declaração de Direitos” que passou a
constituir uma das Leis Fundamentais do Reino41.
Essa “Declaração de Direitos” de 1688, conhecida como “Bill of Rights”, foi o
documento que pôs fim ao regime da monarquia absolutista, sendo que, a partir
dela, as funções do Parlamento são cercadas de garantias, propiciando uma
independência entre este e o Monarca, criando a separação dos poderes.
Com relação ao seu conteúdo, afirma Comparato42 que, apesar de não ser
uma declaração de direitos humanos, nos moldes das que viriam a ser aprovadas
cem anos depois nos Estados Unidos e na França, o Bill of Rights criava, com a
divisão de poderes, uma organização do Estado a qual tinha como função a
proteção dos direitos fundamentais da pessoa humana que, modernamente, seria
considerado uma garantia institucional.
Contudo, o Bill of Rights, apesar de trazer disposições usadas até os dias de
hoje, como a proibição de cobrança de impostos sem a autorização do Parlamento e
41
COMPARATO, F. K. op. cit., p. 87-90. 42
COMPARATO, F. K. A afirmação histórica dos direitos humanos. 6.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 95.
28
a de prisão sem culpa, a instituição do júri e a proibição de penas cruéis, era
considerado, como afirma Comparato43, “um instrumento político de imposição”, pois
restringia a liberdade religiosa, impondo como religião oficial da Inglaterra a
Protestante.
1.2.2 A declaração dos direitos do estado da Virgínia – 177744
A América do Norte começou a ser colonizada pelos ingleses no século XVII,
os quais a dividiram em duas áreas geográficas: Colônias do Norte e Colônias do
Sul.
Cada uma dessas regiões recebeu um modelo diferente de colonização,
sendo que, no Norte, os colonizadores tinham como objetivo residir com suas
famílias e era constituída de pequenas propriedades, com produção para o mercado
interno; já ao Sul, era uma colonização de exploração, com latifúndios, mão de obra
escrava e produção, visando ao mercado externo.
Porém, principalmente os colonizadores do Norte, onde a principal colônia
era denominada Nova Inglaterra, por ser na essência, uma sociedade burguesa, foi
a que deu as características à nação que estava por se formar.
Sentimentos como o de liberdade, igualdade sempre estiveram presentes
nesses imigrantes, como bem expressa Comparato45 quando os identifica como
antimonarquistas, negando o poder divino das autoridades.
Com o fim da “guerra dos sete anos” entre a França e a Inglaterra, saindo
esta última vencedora, passando a ter direitos pelas terras norte-americanas,
estabeleceu-se a cobrança de vários impostos e taxas aos habitantes desse
território, principalmente os do Norte e se criaram leis restringindo-lhes a liberdade,
principalmente de mercado, o que gerou protestos contra a Inglaterra.
Em 1776 as colônias, que eram 13 ao total, reúnem-se em um segundo
43
COMPARATO, F. K. A afirmação histórica dos direitos humanos. Idem. 44
Revolução Inglesa. Disponível em: <http://www.suapesquisa.com/estadosunidos>. Acesso em: 29 set. 2006.
45 COMPARATO, F. K. A afirmação histórica dos direitos humanos. op. cit., 2008, p. 94.
29
congresso, visto que o primeiro, em 1774, resultou em medidas mais enérgicas por
parte da Inglaterra, com o objetivo de conquistar a independência do território norte
americano, tendo sido o documento redigido por Thomas Jefferson, com
características iluministas. Tal documento não foi aceito, o que resultou na
declaração de guerra pela independência, que durou de 1776 a 1781, vencida pelos
Estados Unidos.
Cabe salientar que no texto original de Jefferson, redigido no primeiro
congresso (1774), já existiam idéias que somente foram propostas quando da
declaração de independência, tais como a igualdade entre os homens, a existência
de direitos naturais, inerentes à condição humana e o princípio da dignidade
humana.
Quando da promulgação da Constituição dos Estados Unidos, em 1787,
adotando uma concepção luminista46, o texto reconheceu os direitos e garantias do
cidadão, como a vida, a liberdade e a busca da felicidade. Garantiu a propriedade
privada, porém manteve a escravidão, como interesse da burguesia.
Entretanto, como afirma Comparato47, é justamente no sentido de ser “o
primeiro documento político que reconhece a existência de direitos inerentes a todos
os homens, independente das diferenças de sexo, raça, religião, cultura ou posição
social” que a Constituição dos Estados Unidos tem a sua importância histórica,
ficando claro o ideal de liberdade como o grande desejo do povo.
Comparato48, ao comentar os ideais preconizados na Carta americana,
transcreve trechos desta, dos quais destaca-se: “Consideramos as seguintes
verdades como auto-evidentes, a saber, que todos os homens são criaturas iguais,
dotadas pelo seu criador de certos direitos inalienáveis, entre os quais a vida, a
liberdade e a busca da liberdade”.
46
O apogeu deste movimento foi o século XVIII, ficando conhecido como o “Século das Luzes”. 47
COMPARATO, F. K. A afirmação histórica dos direitos humanos. op. cit., 2008, p. 107. 48
Idem, ibidem.
30
1.2.3 Declaração dos direitos do homem e do cidadão da Revolução Francesa - 178949
Na França do século XVIII, O Estado era dividido em três segmentos: o
Primeiro Estado, representado pelo Clero; o Segundo, pelo rei, sua família e os
demais nobres; e o Terceiro Estado, constituído pelos trabalhadores, os
camponeses e os pequenos burgueses.
Havia uma enorme injustiça social, visto que somente o terceiro segmento
era responsável pelo pagamento de impostos, mantendo, dessa forma, o Clero e a
Nobreza.
O rei tinha o poder absoluto, controlando a política, a economia, a justiça e a
religião. Os trabalhadores, por não possuírem direito ao voto, ficavam excluídos das
decisões. Os que se opunham ao regime eram presos na Bastilha ou condenados à
morte na guilhotina.
O desemprego era em grande escala, fazendo com que existisse um sem
número de desempregados, que viviam em condições sub-humanas. Não muito
diferente dessa miserabilidade viviam os trabalhadores e camponeses.
A burguesia, embora em melhores condições sociais, exigia liberdade
econômica e participação na política, restritas ao Rei e à Nobreza.
Nesse quadro, o povo (operários, camponeses, não proprietários e artesãos)
e a burguesia (comerciantes, profissionais liberais, pequenos proprietários urbanos),
revoltados, tomam as ruas de Paris e, num ato revolucionário, tomam a Bastilha,
símbolo da repressão francesa.
Tais fatos culminam com a “Revolução Francesa”, cujo lema era “Liberdade
Fraternidade e Igualdade”, sendo esta última o espírito da Revolução, em que era
desejada a supressão das desigualdades entre os indivíduos. Nesse sentido,
Comparato50 descreve que, na tríade, foi, sem dúvida, a igualdade que representou
o ponto central do movimento revolucionário, ficando a liberdade limitada à
supressão de todas as correntes sociais originadas pela existência de grupos da
49
Revolução Francesa. Disponível em: <http://www.suapesquisa.com/francesa/>. Acesso em: 29 set. 2006.
50 COMPARATO, F. K. A afirmação histórica dos direitos humanos. op. cit., 2008, p. 130.
31
sociedade com certo status, ou corporações de ofício e a fraternidade, vista como
virtude cívica, seria o resultado necessário da abolição de todos os privilégios.
No ano de 1789, a assembléia Constituinte promulgou a Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão, imbuída dos pensamentos e ideais de construção
de um mundo novo, como pondera o historiador George Lefebvre, citado por
Bobbio(1992) que, ao proclamar a liberdade, a igualdade e a soberania popular, a
Declaração passou o atestado de óbito do antigo regime,o qual foi destruído pela
Revolução51.
Surge também a questão da universalidade de tais direitos, declarados como
direitos de todos os homens e de todos os tempos, sendo que, em razão de tais
características, Tocquevile, citado por Comparato52, considerou-a mais um
movimento religioso do que uma revolução política.
Ao comentar o caráter universal da Declaração, Comparato53, citando
Duquesnoy, o qual comenta, antes de sua aprovação, que uma declaração deve ser
atemporal e de todos os povos. Independentemente das circunstâncias, a
declaração por conter direitos, deve ser imutável em meio às revoluções e não pode
ser comparada ou igualada às leis, pois estas, por serem análogas aos costumes,
podem ser modificadas.
A Assembléia foi aberta por Luiz XVI, em um panorama em que seu poder
estava enfraquecido, o clero sem legitimidade e o Terceiro Estado era composto de
classes sociais heterogêneas, com objetivos diversos, ficando impossível dar-lhes a
soberania.
Surge então a entidade Nação, estando acima do povo e que não poderia
ser contestada nem pelos nobres e nem pelo clero, e somente atuaria através dos
representantes do povo, que eram os burgueses, transformando-os, dessa forma,
em detentores do poder político, negando ao povo o poder de representação.
Bobbio54 descreve como sendo o núcleo da Declaração o contido nos três
artigos iniciais, sendo que o primeiro artigo refere-se à condição natural dos
indivíduos que precede a formação da sociedade civil; o segundo, à finalidade da
51
BOBBIO, N. op. cit., p. 85. 52
COMPARATO, F. K. A afirmação histórica dos direitos humanos. op. cit., 2001, p. 128. 53
Idem, ibidem. 54
BOBBIO, N. op. cit., p. 93.
32
sociedade política e o terceiro, ao princípio da legitimidade do poder que cabe à
nação.
Após a revolução surgem dois grupos, ou partidos: os girondinos, que
representavam a alta burguesia e queriam evitar uma maior participação dos
trabalhadores rurais e urbanos e os jacobinos, liderados por Robespierre, que
representavam a baixa burguesia e defendiam maior participação popular e
profundas mudanças na sociedade para beneficiar os mais pobres.
Liderados por Robespierre, Danton e Marat, os revolucionários, conhecidos
como radicais, em 1792, assumem o poder, instaurando uma fase de terror. O rei
Luis XVI e sua esposa Maria Antonieta são presos e guilhotinados e os bens da
Igreja são confiscados. Uma nova Constituição é votada, proclamando a soberania
popular.
Em 1795, os Girondinos assumem o poder, instalando um governo burguês
na França, com uma nova Constituição, a qual ampliou seus direitos políticos e
econômicos. O General Bonaparte é colocado no poder.
Muito embora os três momentos políticos filosóficos acima rapidamente
descritos (Revolução Gloriosa, Declaração dos Direitos do Estado da Virginia e
Revolução Francesa) tenham afirmado, em suas Declarações, que todos os homens
nascem e são livres e iguais, uma grande parte da humanidade continuava excluída
dos direitos considerados inalienáveis.
As Declarações norte-americanas não consideravam os escravos como
titulares de direitos com igualdade aos homens livres.
A Declaração Francesa não considerava as mulheres como sujeitas de
direito iguais aos homens.
Às mulheres, aos pobres e aos analfabetos, a quem era negado o direito ao
voto, não participavam da vida política.
E, motivada pela criação de um mercado mundial, graças à subjugação dos
povos colonizados, recria-se a escravidão, numa contradição aos ideais de liberdade
e igualdade difundidos pelas revoluções burguesas. Assim, conforme Tosi55, se os
antigos discriminavam os “bárbaros”, foram os modernos que inventaram o racismo
55
TOSI, G. op. cit.
33
na sua forma específica como um produto “novo”do etnocentrismo e do cientificismo
europeu que a Antiguidade não conheceu.
1.2.4 A tradição liberal e o capitalismo
Terminada a era das revoluções burguesas, em meados do século XIX, os
ideais liberais mostram-se insuficientes para resolver os problemas causados pelo
capitalismo. Marx56 critica (a Declaração) por possuir excessiva ligação com os
interesses de uma classe particular, a dos burgueses e, criticada também pelos
reacionários e conservadores como sendo abstrata, como no pensamento de Taine,
citado por Bobbio57, quando declara que a maioria dos artigos da Declaração “não
são mais do que dognas, abstratos, definições metafísicas [...]”.
Surge, assim, o socialismo, resultante do pensamento dos revolucionários,
conhecidos como radicais, da revolução Francesa que, além da liberdade, queriam a
igualdade, mas não apenas a igualdade perante o rei, mas a igualdade de todos os
homens, frente a uma realidade de desigualdades econômicas e sociais geradas
pelo capitalismo.
Em 1848, com a publicação do “Manifesto do Partido Comunista”,
reivindicam-se novos direitos desconhecidos da tradição liberal, não presentes na
Declaração.
Muito embora já presente nas Constituições Francesas de 1891 e 1795, de
forma ambígua, somente na Constituição de 1848 é que o conceito de direitos
sociais é acolhido e reconhecido, prevê a proteção à família e à propriedade, proíbe
a escravidão e faz a abolição da pena de morte. Nesse sentido, a Constituição
Francesa de 1848, conforme Comparato58, marca os primeiros indícios do que viria a
ser o Estado do Bem-Estar Social, no século XX ”, abrindo caminho para à inclusão
nos sistemas jurídicos de direitos como à saúde, à educação, ao trabalho,
modificando drasticamente a relação entre o indivíduo e o Estado, deixando de exigir
56
BOBBIO, N. op. cit., p. 98. 57
Idem, ibidem. 58
COMPARATO, F. K. A afirmação histórica dos direitos humanos. op. cit., 2001.
34
apenas a garantia de suas liberdades individuais, mas também de obrigar do Estado
a diminuir as desigualdades sociais e econômicas, propiciando o bem estar social.
As lutas operárias e populares do século IX, motivadas pelo desejo do bem
estar social, serão o impulso para as revoluções socialistas do século XX.
1.2.5 A declaração universal da ONU de 1948
Marco temporal final deste estudo, no pós segunda guerra mundial, mais
precisamente no dia 26 de junho de 1945, decorrente da “Carta do Atlântico”,
concebida por Roosevelt e Churchill, criou-se a Organização das Nações Unidas.
Ainda que houvesse a preocupação de colocar a guerra fora da lei, evitando
uma terceira guerra mundial, foi o temor dos Estados totalitários, verdadeiras
máquinas de destruição, como relata Comparato59, que provocou a conscientização
de que, sem o respeito aos direitos humanos, já amplamente defendido quando da
Convenção de Genebra60 em 1864, seria impossível uma relação pacífica entre as
nações.
Assim, com base no artigo 55 da Carta do Atlântico, incorporada na
Declaração das Nações Unidas, artigo 68, deveria a Comissão de Direitos Humanos
elaborar uma declaração de direitos humanos, sendo a primeira etapa dos trabalhos
a serem desenvolvidos, considerando-se que depois deveriam redigir um documento
que fosse, além de uma declaração, um tratado internacional, com grande força
jurídica e, como última etapa, a criação de mecanismos que fizessem valer tais
preceitos, punindo quem os violasse.
Em 10 de dezembro de 1948, durante a Assembléia das Nações Unidas, foi
aprovada a “Declaração Universal dos Direitos Humanos”, que traz, em seu primeiro
artigo, o seguinte texto: “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e
em direitos. São dotadas de razão e de consciência e devem agir em relação uma as
59
COMPARATO, F. K. A afirmação histórica dos direitos humanos. op. cit., p. 214. 60
Primeira introdução sobre direitos humanos na esfera internacional, que tinha como objetivo minimizar o sofrimento das pessoas atingidas pelas guerras, soldados ou civis.
35
outras com espírito de fraternidade”61.
No texto acima, reafirmam-se os ideais da Revolução Francesa de 1789,
direitos de liberdade, compreendidos como direitos civis e políticos, direitos de
igualdade, econômicos e sociais e aqueles direitos previstos na doutrina do
cristianismo: a solidariedade.
Com relação à liberdade, o preâmbulo da Declaração já deixa claro a
extensão de tal direito. Diferentemente daquela concebida na Declaração de 1789,
que era direcionada a alguns indivíduos, esta proibiu a escravidão (artigo IV),
proclamou o direito das mulheres (artigo II)62, condenou a discriminação racial (artigo
VII)63 e outros mais. Tais direitos geraram inúmeras convenções e acordos
internacionais adotadas mais tarde.
No tocante à igualdade, o que chama atenção é a inclusão dos chamados
direitos sociais, como, por exemplo, o direito à seguridade social (artigo XXII)64, às
relações de trabalho (artigo XXIII)65, à saúde e ao bem estar (artigo XXV)66, assunto
que muito embora importante, não será aprofundado neste trabalho.
Finalmente, a solidariedade que, no texto, foi estendida aos direitos culturais
(artigo XXVI e XXVII)67.
Com a declaração, houve um aumento no número de direitos, fruto de
pactos, convenções e protocolos internacionais, porém, segundo Tosi68, estes
“novos direitos” desenvolveram-se a partir de três tendências: universalização,
multiplicação e diversificação.
A universalização ocorre pelo fato de que a grande maioria dos países do
mundo aderiu à Declaração Universal da ONU, sendo que, das 48 nações iniciais,
somam, hoje, 18469, transformando os cidadãos em cidadãos do mundo. Como diz
Bobbio70, o sentido de universal se deve ao fato de que os destinatários dos
61
BRANDÃO, Adelino. Os direitos humanos: Antologia de textos históricos. São Paulo: Landy, 2001. 62
BRANDÃO, A. op. cit... 63
Idem, ibidem. 64
Idem, ibidem. 65
Idem, ibidem. 66
Idem, ibidem. 67
Idem, ibidem. 68
TOSI, G. op. cit.. 69
Idem, ibidiem. 70
BOBBIO, N. op. cit., p. 30.
36
princípios nela contidos não são mais apenas os cidadãos deste ou daquele Estado,
mas todos os homens.
Com inúmeras conferências sobre assuntos específicos realizadas pela
ONU, a adesão de novas nações com peculiaridades próprias aumenta o número de
bens a serem defendidos, como, por exemplo, o meio ambiente.
Existe uma nova definição por parte da ONU de quem seriam os sujeitos
titulares dos direitos por ela defendidos, passando de homens para pessoa humana,
respeitando-se, assim, as especificidades e maneiras de ser.
Com essa nova amplitude, surge uma nova categoria de direito, além
daqueles citados acima, que Tosi71 denomina “a quarta geração de direitos”: “é uma
categoria nova de direitos ainda em discussão e que se refere aos direitos das
gerações futuras que criariam uma obrigação para com a nossa geração, isto é, um
compromisso de deixar o mundo em que vivemos, melhor, se for possível, ou
“menos pior”, do que o recebemos, para as gerações futuras. Isto implica uma série
de discussões que envolvem todas as três gerações de direitos, e a constituição de
uma nova ordem econômica, política, e ética internacional”.
Demonstra-se, assim, que os direitos humanos não são estanques, pois vêm
sempre se ampliando, muito embora sem deixar de lado os princípios liberais.
É com a Declaração Universal dos Direitos do Homem que se inicia uma
nova era de direitos, em que a idéia da universalidade dos direitos humanos é
defendida para todas as pessoas, sustentada por Bobbio72, ao afirmar que o
conteúdo da declaração Universal é a síntese de movimento dialético, iniciando-se
pela universalidade abstrata dos direitos naturais, transformando-se em direitos
positivos concretos e finalizando-se por conter direitos positivos universais, ou seja,
concretizando o abstrato com caráter universal. Porém, afirma que a Declaração
Universal é apenas o início desse longo processo dialético, do qual ainda não se
pode vislumbrar seu fim73.
Com a universalização dos direitos humanos e sua positivação através de
Pactos, Tratados e demais acordos, amplia-se a sua proteção, pois, exaurida a
71
TOSI, G. op. cit.. 72
BOBBIO, N. op. cit.. 73
Idem, p. 30.
37
jurisdição estatal, a pessoa lesada pode recorrer a conciliação internacional.
Contudo, a questão dos direitos humanos, muito embora nos tempos atuais
mereçam consideração mundial, a mesma está intimamente ligada ao complexo
processo da globalização, assunto que será tratado do decorrer do trabalho.
1.3 A IDÉIA DE DIREITOS HUMANOS
Para tratar especificamente do assunto Direitos Humanos, surge a primeira
grande dificuldade, que é conceituar Direitos Humanos, identificando-se três
correntes: jusnaturalista, historicistas e concensualistas.
Como visto no item acima, Höffe ao exemplificar a relação da Moral com o
Direito e a presença de preceitos morais de natureza universal, cita os Direitos
Humanos. Nesse mesmo diapasão, tratar-se-á de conceituar e fundamentar o tema
proposto, tomando-os como direitos universais, os quais expressam valores da
pessoa humana, que devem ser reconhecidos expressamente nas legislações dos
Estados.
Conceituar direitos humanos ou arrolar quais seriam os direitos
considerados como tal, é tarefa das mais difíceis, começando pela própria
conceituação de direito.
Para Bidart Campos74, os Direitos Humanos estão intimamente ligados a
“valor” e, assim sendo, deverão ser analisados de acordo com os valores de cada
situação histórica, cada época, lugar, Estado ou sociedade. No entanto, não se trata
de relativização. Por tudo já dito anteriormente, cabe aos direitos Humanos e é o
objetivo desses direitos a criação de uma sociedade que trate seus cidadãos de
forma igualitária, considerando-os como detentores de direitos essenciais
indispensáveis a uma vida digna e, portanto, inalienáveis, o que seriam os princípios
gerais dos Direitos Humanos e, excluídos estes, a positivação de tais direitos deve
atender às peculiaridades que cada mundo jurídico-político tem.
74
BIDART CAMPOS, Germán J. Teoría general de los derechos humanos. 2.ed. Buenos Aires: Ástrea, 1991, p. 35-6.
38
Didaticamente, costuma-se dividir os direitos Humanos em quatro gerações:
os de primeira geração, compreendendo o direito à vida, à integridade física e moral,
à igualdade, à liberdade (que inclui: liberdade de pensamento, de expressão, de
reunião, de associação, de manifestação, de culto, de orientação sexual) ao devido
processo legal, à objeção de consciência; os de segunda geração ou sociais: direito
à saúde, à habitação, lazer, cultura e esporte e direitos trabalhistas; os de terceira
geração ou direitos difusos: ao meio ambiente, ao do consumidor; e, finalmente, os
direitos de quarta geração: direito a não ser vítima de manipulação genética e de
informação.
Tal divisão é atribuída a Bobbio, na obra “A Era dos Direitos”, entretanto,
para alguns autores Trindade75, tal divisão não possui fundamento jurídico, sendo
uma teoria fragmentária, contrária à complexidade do direito e que toma os direitos
humanos de forma dividida, incompatível com a concepção de que são indivisíveis e
inter-relacionados.
A referida fragmentação, no pensar do autor acima, passaria a idéia de que
os direitos de primeira geração já teriam sido conquistados e totalmente
incorporados ao convívio humano, isso não corresponde com a realidade, visto que,
apesar de muitos direitos de primeira geração já terem sido reconhecidos, muito
deverá ser feito para se dar eficácia às normas de proteção de direitos humanos. No
entanto, a divisão dos direitos humanos em gerações é bastante difundida e aceita
por grande parte da doutrina.
Porém, é uníssona a opinião dos juristas e filósofos que os Direitos
Humanos apresentam características únicas as quais os diferenciam dos demais:
apesar de imutáveis, são dinâmicos, pois mudam suas concepções com o tempo;
são inerentes à pessoa humana; são indivisíveis e interdependentes; independem
de fronteira e leis nacionais; suas normas são imprescritíveis, ou seja, não se
perdem pelo decurso de prazo; são inalienáveis; irrenunciáveis; invioláveis, por
qualquer lei infraconstitucional ou autoridade; universais, pois são aplicadas a todos
os indivíduos, independentemente de sua nacionalidade, sexo, raça, credo ou
75
TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Seminário direitos humanos das mulheres: a proteção internacional. Evento Associado à V Conferência Nacional de Direitos Humanos. 25 de maio de 2000. Câmara dos Deputados, Brasília, DF. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/cancadotrindade/cancado_bob.htm>. Acesso em: 07 jul. 2008.
39
convicção político-filosófica.
A pensadora espanhola Cortina76 traz os “Bens da Terra”, ou seja, os bens
que pertencem ao universo e dizem respeito a todos que vivem em sociedade e
merecedores de possuírem tais bens por tal fato, como aqueles que devem ser
protegidos e reconhecidos por tratar-se de seres sociais, ou seja, seriam os bens
sociais, como o alimento, a educação, o vestuário, a cultura. E, como bens sociais,
produto das pessoas que vivem em sociedade, devem ser socialmente divididos, em
uma distribuição justa. Dessa forma, os bens possuídos de forma global pelos
indivíduos devem ser gerenciados no interesse da humanidade, como um todo.
Outro aspecto a ser destacado é a questão da efetividade dos Direitos
Humanos, devendo o Poder Público atuar de modo a garantir sua efetivação,
usando, inclusive, de mecanismos coercitivos, se necessário, visto que tais direitos
não se satisfazem com o simples reconhecimento abstrato, daí a necessidade de
estarem presentes nas legislações, tanto das organizações mundiais como descritos
como direitos fundamentais nas constituições de cada Estado, transformando suas
normas em Direitos Humanos Fundamentais.
Além das características acima, a fundamentação dos Direitos Humanos
também é referência para estabelecer a fronteira dos valores que fazem parte da
categoria. Nesse sentido a doutrina traz diversos modelos.
Inicialmente, como observa Barreto77, situação paradoxal em que os direitos
humanos encontram-se: se, por um lado, cada vez mais presentes nos
ordenamentos jurídicos, representados por direitos nas mais variadas áreas, por
outro lado, tais direitos estão cada vez mais longe de uma realidade concreta, como
no dizer do autor, “transformam-se em ideais utópicos”.
A inclusão dos direitos humanos como sendo o elemento legitimador dos
ordenamentos jurídicos, já defendido por Hart, como pondera Barreto, refletiu de
sobremaneira na atuação de todos os operadores do direito, inclusive na dos
legisladores, deixando tais direitos de serem pessoais, passando, assim, a direitos
76
CORTINA, Adela. Cidadanos del mundo. Hacia una teoria de la cidadania. Madri: Alianza, 1999, p. 256.
77 BARRETTO, Vicente de Paulo. Ética e Direitos Humanos. In. TÔRRES, Ricardo Lobo (Org.). Legitimação dos direitos humanos. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 1.
40
da sociedade, exprimindo direitos sociais, econômicos, culturais e políticos78.
Partindo das premissas de que os direitos humanos são constituídos de
valores que transmitem ideais da humanidade, os quais se ampliam no tempo e no
espaço, de serem direitos universais e serem o sustentáculo de uma vida digna,
Barreto e Baez79 ponderam que tais direitos necessitam de uma fundamentação
diferenciada, a qual lhe dará um conceito, isto é, dependendo da fundamentação
eleita, ter-se-á uma conceituação para os direitos humanos e trazem três correntes,
referidas no início deste tópico, para fundamentá-los.
Diversos autores usam “direitos humanos” como sinônimo de “direitos
naturais”, como é o caso de Kant e sua “lei moral universal”. Jusnaturalistas, os
defensores dessa corrente Hobbes e Locke, defendem que, por se tratar de direitos
inerentes ao homem, anteriores ao próprio Estado, não podem ser sobrepujados
pelo direito positivado, pois estes, além de estarem em uma classe hierárquica
inferior, não possuem a universalidade daqueles.
Nesse sentido, Longo80 conclui que, por ser o homem por natureza
destinado à Ética, possuindo um compromisso tácito de viver a vida que lhe é dada,
condicionada ao direito de sua dignidade, será justamente esta que irá fundamentar
a justiça das normas jurídicas, tanto na sua elaboração como no seu fundamento,
dando, dessa maneira, consistência às lei e códigos.
Os historicistas vêem os direitos humanos como aqueles que se
desenvolvem de acordo com a evolução da sociedade, são variáveis e relativos a
cada momento social e histórico, buscando, assim, contemplar as necessidades
humanas naquele dado espaço de tempo e naquela determinada comunidade
histórica81.
Uma terceira corrente conhecida como consensualista82, baseia-se no
consenso geral de uma determinada sociedade sobre a sua validade, ou seja,
quando os membros de uma determinada sociedade chegarem ao consenso de que
tal dispositivo trata de norma de direitos humanos, ele assim será reconhecido e, por
78
BARRETTO, V. de P. Ética e direitos humanos. p. 2. 79
BARRETTO, Vicente; BAEZ, Narciso Leandro Xavier. Direitos humanos e globalização. In: DIREITOS humanos e globalização. Joaçaba: Unoesc, 2007, p.14.
80 LONGO, Adão. O direito de ser humano. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 73.
81 BARRETTO, V.; BAEZ, N. L. X. Direitos humanos e globalização. op. cit., p.15.
82 BOBBIO, N. op. cit..
41
conseqüência, será válido.
A teoria da fundamentação ética dos direitos humanos83 conjectura que o
embasamento dos direitos humanos é moral e não jurídico, a qual, no entender de
Höffe84, seria uma “moral jurídica universal”. Tais preceitos têm como objetivo
garantir a dignidade da vida humana e, ao ordenamento jurídico, caberá dar a sua
efetividade.
No entanto, embora ilustres filósofos e juristas estejam engajados nas três
primeiras formulações, devem-se fazer algumas considerações aos seus
fundamentos: no tocante à proposta jusnaturalista, como já anteriormente exposto,
dita teoria atém-se tão somente à natureza humana, elegendo a ética como sendo o
único argumento plausível, em detrimento total aos argumentos jurídicos. Como se
trata de uma ordem superior universal, imutável e inderrogável, não pode
desaparecer da consciência dos homens. Seria, dessa forma, perpétuo, o que não
confere com a história dos direitos humanos85. Reale86, em resposta às indagações
sobre os fundamentos dos direitos humanos pelos jusfilósofos, remete ao fato destes
esquecerem-se de vincular os direitos humanos ao valor da pessoa humana “qual
tale”, afirmando que a existência dos direitos só tem sentido na origem natural do
valor em si da pessoa humana como um todo, “em complementar unidade”.
Barreto87 argumenta que uma das buscas mais relevantes que ressurge no
debate político, bem como na teoria do direito, diz respeito à questão do
universalismo dos Direitos Humanos, pois existe o temor de que seja apenas um
arrazoado por parte dos povos, com finalidades colonizadoras e não um “ethos” de
liberdade universal, com o objetivo de ser considerado em relação aos passos
institucionais da humanidade.
O texto que reflete tal teoria está presente no artigo 1º, § 3 º, da Declaração
e Programação de Ação de Viena: “os direitos humanos e liberdades fundamentais
são direitos naturais de todos os seres humanos; sua proteção são
83
FERNANDEZ, E. op. cit.. 84
HÖFFE, O. op. cit., p.174. 85
MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. Teoria Geral. 8.ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 15.
86 REALE, Miguel. O estado democrático de direito e os conflitos das ideologias. 3.ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 100.
87 BARRETO, Vicente de Paulo. Multiculturalismo e direitos humanos: um conflito insolúvel? In: BALDI, Cesar Augusto (Coord.). Direitos humanos e sociedade cosmopolita. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p.15.
42
responsabilidades primordiais dos Governos”88.89, iniciando-se a concretização dos
Direitos Humanos em uma ordem internacional90.
A proposta historicista, ao contrário da jusnaturalista, olvida que existam
direitos universais imutáveis, mesmo com o passar das eras, independentemente da
época ou período histórico, como o direito à vida.
A proposta consensualista ou positivista sofre críticas, mormente a questão
da “decisão consensuada”, visto que nem sempre tais decisões estão de acordo com
os direitos humanos. O poder de um grupo, com determinada ideologia, pode chegar
ao consenso de determinados valores antagônicos à questão, relativizando os
direitos humanos.
Fica claro que, independentemente da linha de fundamentação dos direitos
humanos, todas elas apresentam a questão ideológica do valor da pessoa humana.
Chega-se à última das concepções de fundamentação dos direitos humanos
acima listadas, ou seja, a fundamentação ética dos direitos humanos ou teoria de
Perelman91 92, que possui como sustentáculo a experiência e consciência moral de
um determinado povo.
As teorias de fundamentação dos direitos humanos apresentadas acima se
completam, sendo que nenhuma, somente com seus argumentos, é suficientemente
completa para refletir a importância destes. Nesse sentido, já se manifestou a
Constituição Francesa de 3/9/1791, constando em seu preâmbulo: “O povo francês,
convencido de que o esquecimento e o desprezo dos direitos naturais do homem
são as causas das desgraças do mundo, resolveu expor, numa declaração solene,
esses direitos sagrados e inalienáveis”93.
Percebe-se, porém, que todas as propostas/teorias possuem elementos
comuns, quais sejam: os direitos humanos são constituídos por conceitos universais
de ordem moral, próprios dos seres humanos, que não sofrem relativizações e,
como segundo elemento, a dignidade humana, o bem maior que por ele – direitos
humanos- deve ser protegida.
88
MORAES, A. de. op. cit., p. 15. 89
Adotada pela Conferência Mundial de Direitos Humanos, em 25 de junho de 1993. 90
BARRETO, V. de P. Multiculturalismo e direitos humanos: um conflito insolúvel? op. cit., p.18. 91
Referido em aula do mestrado como filósofo Belga, conhecido como o pai da dialética moderna. 92
MORAES, A. de. op. cit., p. 16. 93
Idem, ibidem.
43
Caberia então determinar quais seriam esses conceitos universais de ordem
moral, os quais constituem o núcleo dos direitos humanos.
Na teoria dos direitos naturais ter-se-ia a “Vida” a “Liberdade” e a
“Propriedade”, defendida por Locke e alvo de críticas em razão do reconhecimento
de tais direitos por parte das sociedades, indo ao encontro à concepção de direitos
compartilhados por todas as comunidades, como descreve Dias94.
Levando em consideração que os direitos humanos buscam o respeito do
ser humano e que tal respeito enseja satisfazer as condições mínimas para uma vida
digna, e que os valores para tal devem ser compartilhados por todos os homens,
considerando-os, assim, universais, chega-se à lei da natureza e aos direitos
naturais, os quais, como já visto, são revestidos de questões morais e, dessa forma,
todos os homens são iguais em determinado aspecto, independentemente de suas
diferenças culturais, biológicas ou socioeconômicas95.
Nesse sentido, o direito à liberdade deve ser considerado um direito
universal, pela própria condição do ser humano, o qual independente de qualquer
fator cultural, social, econômico, psicológico ou biológico: todos prezam pela sua
autodeterminação e são totalmente reconhecidos pela moral.
Seguindo o reconhecimento da autodeterminação como um direito humano
e, portanto, universal, outros direitos que se encontram intrinsecamente ligados à
questão da liberdade também adquiriram o status de direitos humanos, como é o
caso dos direitos sociais básicos: moradia, saúde, educação, emprego, entre outros.
Contudo, nem todos os homens têm essa autodeterminação e não deixam
de ser considerados seres humanos. Assim, são aglutinados demais direitos, que
não estão ligados a essa qualidade, mas a outras que são essencialmente humanas,
ou seja, compartidas entre todos os seres humanos, ocorrendo a soma de vários
outros direitos, com o objetivo de alcançar uma sociedade moral, a qual certamente
levará em conta os valores morais de determinada época96. Exemplo disso são os
direitos pertinentes ao meio ambiente.
É relevante, neste momento, tratar rapidamente da questão dos direitos
94
DIAS, Maria Clara. In: BARRETO, Vicente de Paulo (Coord.). Dicionário de filosofia do direito. São Leopoldo: Ed. Unisinos, 2006, p. 248.
95 Idem, p. 247.
96 DIAS, M. C. op. cit., p. 248.
44
humanos fundamentais, ou seja, quando esses direitos universais fazem parte do
ordenamento jurídico de cada Estado, dando-lhes a garantia constitucional.
Canotilho97, ao conceituar os direitos fundamentais, afirma serem os direitos
do homem garantidos jurídico-institucionalmente e limitados a determinado espaço e
tempo, ou seja, vigentes em uma determinada ordem jurídica.
Os direitos fundamentais do homem ou da pessoa humana, por se tratarem
de direitos que impõem limites ao poder do Estado e impostos pela soberania
popular, possuem características próprias, as quais os destingem dos demais
direitos constitucionais.
Conforme já expressado, os direitos fundamentais surgiram com os ideais da
revolução francesa, derivados do direito natural. Muito embora tenham evoluído e
ampliado, continuam abstratos e Universais. Nesse sentido, contrariando a posição
de José Afonso da Silva98, são indisponíveis, portanto, não são negociáveis e
transferíveis. São imprescritíveis pela sua exigibilidade e podem não ser exercidos,
mas jamais renunciados.
Diferenciam-se, também, pela função desenvolvida dentro do sistema
jurídico, possuindo finalidade de defesa dos cidadãos em face do poder do Estado,
no sentido de proibir ou exigir a sua inércia no que possa ferir seus direitos. Contêm
a função de satisfazer a prestação dos direitos previstos como fundamentais. Possui
também a função de proteger o cidadão contra outro cidadão que possa transgredir
seus direitos fundamentais e, finalmente, a função de não discriminação, ou seja,
garantir a igualdade entre todos os cidadãos99.
Outra característica é a interdependência existente entre os vários direitos
previstos constitucionalmente, não se confundindo com a sua complementaridade,
característica que faz com que os direitos fundamentais não devem ser interpretados
isoladamente, mas sim de forma conjunta para chegar ao fim previsto pelo
legislador100.
Portanto, quando um Estado incorpora em seu ordenamento jurídico os
97
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional. Teoria da constituição. 5.ed. Coimbra: Almedina, 1991, p. 191.
98 SILVA, Jose Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 28.ed. São Paulo. Malheiros, 2006, p. 181.
99 CANOTILHO, J.J. G. op. cit., p. 405-7.
100 MORAES, A. de. op. cit., p. 22.
45
direitos de todos os homens, está lhe dando o caráter de direito positivo universal,
como já comentado.
Cabe, entretanto, considerar se esta universalidade é válida para todos os
seres humanos ou somente para aqueles que estão sujeitos à referida Lei, por
questão de cidadania ou territorial e se tais direitos alcançam apenas as pessoas
naturais.
Canotilho101, ao analisar a Constituição Portuguesa, questiona o âmbito da
titularidade dos direitos fundamentais e conclui que o texto da referida Lei deixa
claros quais os direitos fundamentais dos cidadãos portugueses, dos de língua
portuguesa dos pertencentes à União Européia e dos estrangeiros, defendendo que
tais ajustes da Lei não se contrapõem ao princípio da igualdade, porém deve haver
uma justificação material para tal e jamais esquecer os “standards mínimos” fixados
pelo direito internacional.
O mesmo vale dizer na Constituição Brasileira, sendo que o “caput” do art.
5º, em sua primeira parte, declara que todos são iguais perante a lei, o que leva a
crer que tal dispositivo vale para todos os seres humanos. Já, ao contrário, a
segunda parte do citado dispositivo constitucional faz uma reserva de direito aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País.
Embora a Constituição prescreva algumas restrições aos estrangeiros, pode-
se afirmar que nenhuma fere dispositivo de Lei Internacional que proteja os direitos
humanos. Já está expresso nos parágrafos 2º e 3º do artigo referenciado, fato este
que se deve aos fundamentos do Estado Democrático de Direito, assunto que será
tratado no decorrer do trabalho.
Com a finalidade de proteção e efetividade dos direitos humanos, com
normas gerais e prevendo instrumentos políticos e jurídicos para sua
implementação, surge o Direito Internacional dos Direitos Humanos, disciplina ligada
ao direito internacional público102.
O Objetivo do Direito Internacional dos Direitos Humanos, segundo
Piovesan103, é o de garantir o exercício dos direitos da pessoa humana, concebendo
101
CANOTILHO, J.J. G. op. cit., p. 414-17. 102
MORAES, A. de. op. cit., p. 16. 103
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Max Limonad, 1996, p. 43.
46
uma nova perspectiva ao direito internacional, o qual se iniciou com a fundação da
ONU e a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948).
Como já visto, na Declaração Universal dos Direitos do Homem, estão
previstas normas de direito material, não havendo previsão de nenhum órgão para
dar-lhe efetividade. Nesse sentido, surgem os tratados internacionais, com o objetivo
de obrigarem os países signatários ao cumprimento das normas por eles previstas.
A República Federativa do Brasil assinou a Declaração na mesma data de
sua adoção e proclamação, sendo signatário também da Declaração do Direito ao
Desenvolvimento (1986), da Declaração de Ação de Viena (1993) e da Declaração
de Pequim (1995). Além das Declarações acima, o Brasil também é signatário de
vários Tratados Internacionais, os quais têm por fim a proteção dos Direitos
Humanos: Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966);
Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial (1965);
Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica
(1969); Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra
a Mulher (1979); Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas cruéis,
Desumanas ou Degradantes (1984); Convenção Internacional para Prevenir e Punir
a Tortura (1985); Convenção sobre os Direitos da Criança (1989); Convenção
Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher
(1995)104.
Entretanto, mesmo ao adquirirem o status de direitos fundamentais com a
garantia de serem respeitados pelos Estados signatários, através das Declarações,
Cartas ou Pactos Internacionais, ou ao serem parte integrante das modernas
Constituições, denota-se que a realidade é outra, pois, a todo momento, em todos os
lugares, estão sendo violados os direitos consagrados como Direitos Humanos.
Em uma clara demonstração de que a luta pelos direitos de todos os
homens não é apenas um ideal utópico, nasce a “Cidadania Cosmopolita”.
Retomando o pensamento de Kant105, da idéia de uma comunidade
universal pacífica, mesmo que não amigável, a qual possa manter relações com
vistas a certas leis universais, não é um princípio ético mas sim jurídico e denomina-
104
MORAES, A. de. op. cit., p. 19. 105
KANT, Immanuel. Metafísica dos costumes. Trad. Edson Bini. Bauru: Edipro, 2003, p. 106.
47
se “direito cosmopolita”.
Surge, assim, com Kant, uma nova dimensão do direito, em que cada
indivíduo é considerado não como pertencente de seu Estado, mas membro, ao lado
de cada Estado, de uma sociedade cosmopolita, constituída pelos habitantes de
todo o planeta, decorrendo, dessa forma, que a ofensa a um direito em qualquer
lugar da Terra é tida como ofensa ao direito de todos106.
Na obra “À paz perpétua e outros opúsculos”, Kant107, nos artigos
preliminares, descreve um estado de ausência de guerra potencial, porém sem
esclarecer o que consistiria a paz internacional. Já nos artigos definitivos, em
número de três, traz a teoria de que a ausência de leis, estado natural, constitui um
estado de guerra em potência e que a delimitação do planeta e a ação que as
pessoas exercem, reciprocamente, umas sobre as outras cria a necessidade de um
estado pacífico, estabelecido por um estatuto jurídico, envolvendo todos os níveis
das relações humanas: indivíduo X indivíduo, Estado X Estado e Estado X
indivíduo108.
No primeiro artigo definitivo, Kant109 sustenta que “A Constituição civil em
cada Estado deve ser republicana”, ou seja, o ser humano, ao abandonar o estado
de natureza, no qual cada indivíduo priva os demais de segurança, adquirindo a
liberdade autônoma e geral do estado jurídico, só é possível em uma Constituição
que se origina na vontade do povo, e o Estado, para que possa buscar essa paz
internacional, deve ser constituído juridicamente por princípios de liberdade e de
igualdade da lei para todos os indivíduos da sociedade.
No terceiro artigo definitivo, Kant110 afirma que “o direito cosmopolita deve
limitar-se às condições da hospitalidade universal”, surgindo, assim, uma nova
106
CRUZ, Fabrício Bittencourt da. Direito cosmopolita: uma proposta ao mundo globalizado. In: PIOVESAN, Flávia (Coord.). Direitos humanos. 1.ed. 2.tir. Curitiba: Juruá, 2007.
107 KANT, Immanuel. À paz perpétua e outros opúsculos. Tradução de Artur Morão. Lisboa:
Edições 70, 1987. 108
CAVALLAR, Georg. A sistemática da arte jusfilosófica do projeto kantiano. À Paz Perpétua. In: ROHDEN, Valério (Ed). Kant e a instituição da paz. Porto Alegre: Editora da UFRGS/ICBA, 1997. p. 84.
109 KANT, I. Metafísica dos costumes. op. cit., p. 127.
110 Idem, ibidem.
48
dimensão do Direito, o de todos os cidadãos do mundo, como já dito, no qual o
indivíduo não é apenas membro de um Estado, mas de uma sociedade cosmopolita.
Desse artigo, retiram-se alguns princípios da teoria do direito cosmopolita de
Kant. Primeiro de que o direito à hospitalidade é inerente a todo ser humano, mas,
como segundo princípio, que é limitado às regras do viver em comunidade, ou seja,
de não lesar o direito daqueles que ali se encontram. Nesse sentido, critica a postura
dos colonizadores em detrimento aos colonizados111.
Concluindo, o direito cosmopolita kantiano concebe a pessoa humana como
cidadão do mundo, e que sua dignidade não se estreita, mesmo com a existência de
fronteiras territoriais, sendo que, quando ocorrer sua violação, a mesma é sentida
em todos os lugares. Existe, portanto, uma cidadania universal composta por todos
os indivíduos e Estados, com direito a habitar e ter relações, sem exclusão.
Muito embora a teoria kantiana do direito cosmopolita e a formação de uma
cidadania cosmopolita tenham mais de 200 anos, percebe-se que é composta de
elementos atuais para as relações internacionais que certamente deve ser lida de
acordo com as transformações ocorridas na sociedade contemporânea.
Como assevera Barreto112, a cidadania cosmopolita consiste em um novo
tipo de vinculação do indivíduo com o poder, no sentido de que o indivíduo se
vincula não apenas à ordem jurídica de seu estado nacional, mas a esta nova
ordem, que se desenvolveu em um encadeamento de idéias de um processo
político, social e cultural, iniciando, como escreve o autor, com características
econômicas, as quais denominam-se “globalização”ou “mundialização”.
Abre-se um parêntese, neste particular. O termo globalização, segundo
Barreto e Baez113, tem sido empregado como uma justificativa ideológica, trazendo
consigo uma valoração das qualidades intrínsecas no exemplo da economia e da
política norte-americana, o que, segundo os mesmos autores, contribui para dificultar
uma avaliação com bom senso do fenômeno, importando na impossibilidade da
normatização de seu conteúdo, através de categorias clássicas do direito.
O conceito de globalização não é único e nem estanque, visto que é um
111
KANT, I. Metafísica dos costumes. op. cit., p. 138-9. 112
BARRETO, Vicente de Paulo. Para Além dos Direitos Fundamentais. In: DIREITOS Fundamentais e Novos Direitos. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005, p. 147.
113 BARRETTO, V.; BAEZ, N. L. X. Direitos humanos e globalização. op.cit., p. 24.
49
processo ainda em curso, porém já notadas algumas de suas conseqüências, como
a desigualdade social e cultural, ou de riqueza e poder, suscitando um desafio
político-jurídico, o qual, entretanto, como escreve Wolkmer114, não pode ficar restrito
a políticos e governantes, principalmente no que diz respeito às políticas públicas.
Com a impossibilidade de dar um único conceito, visto que cada atividade
mereceria um modelo, Barreto e Baez115 trazem dois fenômenos únicos, que
ocorrem conjuntamente, mas que trazem efeitos distintos, porém que estão sempre
presentes no processo. Seriam eles: a internacionalização das cadeias de atividade
econômica, social e política e, em contrapartida, a interação e a interconexão dos
sistemas políticos de cada Estado estarem sendo modificadas, partindo para uma
relação entre vários Estados, proporcionando uma ligação entre as sociedades e
suas culturas, caracterizando a globalização como um processo não linear,
multidimensional e complexo que, para sua avaliação ou crítica, necessita de uma
investigação conclusiva em cada uma das atividades ocorridas em sua razão.
Como cada uma dessas atividades possui características próprias, as quais
refletem no processo de globalização, requer-se uma nova ética global, que
reconheça o dever de cuidar de uma nova negociação global entre nações ricas e
pobres, repensando a democracia social e a cidadania, as quais devem deixar de
ser um projeto nacional para obterem eficácia em um mundo globalizado,
procurando combinar a segurança humana com a eficiência econômica e, nesse
sentido, buscar uma cidadania que atinja os espaços de poder que estão acima do
Estado-Nação, ou seja, a cidadania cosmopolita116.
Contudo, é importante salientar que a cidadania cosmopolita não é apenas
um catalisador de diferentes identidades culturais, pois tem como pressuposto a
construção de uma nova subjetividade, ou seja, o modo de ver o outro (não só
humano) na visão do outro ou a si mesmo, tornando-se, assim, um meio de criação
de novos modos de existências e tipos de sociedades, proporcionando o
permanente encontro com o outro117.
114
WOLKMER, Maria de Fátima. Cidadania Cosmopolita, Ética Intercultural e Globalização Neoliberal. Revista Seqüência, Florianópolis, UFSC, v. 24, n. 46, jun. 2003, p. 30.
115 BARRETTO, V.; BAEZ, N. L. X. Direitos humanos e globalização. op.cit., p. 25.
116 WOLKMER, M. de F. op. cit., p. 32.
117 Idem, p. 33-4.
50
Nesse sentido, conclui Barreto118 que a cidadania cosmopolita irá se
estruturar juridicamente em razão de valores necessariamente universais, como dito
por Kant e já estudado acima, sendo que a infração de um desses direitos
repercutirá em todo o planeta.
Não se pode, entretanto, negar a supremacia da proposta central da Pax
Americana (leia-se Estados Unidos da América), que, justamente em razão da
globalização, torna-se o sistema ideal para o mundo global e, em seu nome, a
humanidade tem sido acometida por várias atrocidades, como, serve de exemplo, a
ocupação do Iraque, as prisões em Guantanamo, as imposições do FMI ou do BM,
ações que, em razão dessa maneira ética de ver o outro, pressupostos da cidadania
cosmopolita devem ser reavaliados dentro da teoria fundamental dos direitos
humanos ou direito cosmopolita.
Sendo a cidadania cosmopolita baseada nos direitos humanos, naturais e
universais, os quais podem ser determinados por três tipos de constatações
empíricas, obrigando a formulação de um novo sistema jurídico: a humanidade
comum, as ameaças compartilhadas e as obrigações mínimas119, faz-se com que
possua, necessariamente, o elemento da solidariedade entre os povos, como já
definiu Felício120, lembrando o legado de Jhon Rawls, na obra “O Direito dos Povos”,
que somente o ideal de uma cidadania cosmopolita pode transformar o conjunto de
seres humanos em uma Sociedade de Povos, com uma causa em comum, ou seja,
“pertencer por nascimento a uma raça ou a uma nação, é muito menos importante
do que perseguir com outros a realização de um projeto: esta tarefa conjunta,
livremente assumida, cria laços comuns, cria uma comunidade”. Assim, resgata-se o
princípio de hospitalidade de Kant.
Nesse mesmo sentido, Arendt121, ao comentar a importância dos princípios
da solidariedade, descreve que, por ser um princípio generalista, que abrange toda a
humanidade, pode ele inspirar e guiar todas as ações, por esse ponto de vista, tanto
as positivas como negativas.
118
BARRETO, V. de P. Para além dos direitos fundamentais. op. cit., p. 152. 119
Idem, p. 170. 120
FELÍCIO, Carmelinsa Brito de Freitas. A idéia de direito dos povos ao ideal de uma cidadania cosmopolita: em torno ao legado de John Rawls. Revista de Fragmentos de Cultura, Goiânia: IFITEG/SGC/UCG, v.14, nov. 2004, p. 1973.
121 ARENDT, Hannah. Da revolução. Tradução de Fernando Didimo Vieira. São Paulo: Ática. 1988, p.
70.
51
Analisando as afirmações acima, conclui-se que a sociedade cosmopolita
tem por objetivo garantir a todos os homens, independentemente de suas diferenças
culturais, sociais ou econômicas, a sobrevivência com dignidade, mesmo quando
esta possa ser de forma diversa por questões culturais.
Tal fato fica totalmente comprovado com a Resolução das Nações Unidas
sobre Minorias, a qual garante o direito à diferença como sendo uma categoria de
direitos humanos122.
Necessário enfocar, para encerrar o assunto abordado, que com o advento
da globalização, a igualdade, valor universal, há de servir para mudar concepções,
fazendo com que grupos distintos culturalmente possam expressar suas diferenças
sem sofrerem discriminações, fato que se deve à existência visceral da ética
intercultural.
A ética intercultural, segundo Wolkmer123, implica ser respeitada a diferença
cultural, no sentido de dar o direito aos indivíduos de serem iguais quando a
diferença os inferioriza, mas lhes dá também o direito de serem diferentes quando a
igualdade lhes tira as características intrínsecas.
Embora, aparentemente, a idéia de cidadania cosmopolita seja no sentido de
resguardar direitos individuais, em que cada cidadão respeita o direito do outro, não
se podem olvidar os deveres dos Estados para com seus membros. Os direitos, os
deveres e o bem-estar dos indivíduos só podem ser garantidos de forma satisfatória
se, além de estarem presentes nas constituições nacionais, forem respaldados pelos
regimes, leis e instituições no âmbito regional e global. Numa era global, somente
através da criação de instituições governamentais locais e organizações
internacionais sólidas que tenham por objetivo dar condições de cooperação e
conduta ética, dar-se-á condição de possibilidade124.
O mundo contemporâneo não é de comunidades fechadas, com modos de
pensar impossíveis de serem penetrados, com economias auto-suficientes e
Estados idealmente soberanos. O cruzamento de comunidades, tradições e línguas
resultantes da mediação de culturas e processos de comunicação acarreta várias
formas de entendimentos, fazendo com que os valores de determinadas
122
BARRETO, V. de P. Para além dos direitos fundamentais. op. cit., p. 171. 123
WOLKMER, M. de F. S. op. cit., p.35. 124
Idem, p. 31.
52
comunidades políticas não sejam considerados superiores ou que venham
sobrepujar os demais.
A visão cosmopolita não implica uniformidade, mas sim, como já dito, uma
visão intercultural, levando em conta as diferenças, como afirma Wolkmer125, “na
medida que os direitos de cidadania, originalmente definidas por e para os brancos,
não podem dar resposta as necessidades específicas dos grupos minoritários”, bem
como aos conceitos de um mundo ocidental ao um mundo oriental.
Em um mundo globalizado, a dissimilitude cultural deve ser encarada de um
ponto de vista cosmopolita, universalista, valorizando as diferenças, relativizando a
maneira de pensar a cultura nacional. O conceito de universalidade, nesse sentido,
não tem o condão de produzir novos modelos que caracterizem a preponderância de
um povo sobre outro, em suas características próprias, mas sim uma universalidade
surgida do respeito à diferença, da existência mútua126.
É certo que formar uma sociedade cosmopolita não é tarefa fácil, muito
menos solitária e imediata. Para isso, é imprescindível, lembrando os ensinamentos
de Kant, uma educação cosmopolita, como uma exigência ética, com identidade
cívica mundial.
Nesse sentido, Wolkmer127, fazendo menção a Norbert Bilbeny, observa que
o desenvolvimento desta identidade compartilhada, como é a idéia da sociedade
cosmopolita, não acontecerá da noite para o dia, visto que a própria identidade
nacional necessitou de cinco séculos para consolidar-se, contudo, na era global,
mais acelerada, pode acontecer em muito menos tempo, mas para tal, conclui, é
indispensável ao processo a educação.
Essa educação com moldes cosmopolitas de Kant deve iniciar a formação
nas aptidões voltadas a alcançar determinado fim, ou seja, depois de apreendido,
pratica-se, ou no caso, exerce-se, mecanicamente. Deverá, também, pautar-se na
prudência necessária para adapta-se à vida em sociedade128.
Dessa forma, tem-se, na educação, a base para a construção de uma
sociedade cosmopolita, mas essa educação deve ser voltada à formação de um
125
WOLKMER, M. de F. S. op. cit., p. 44. 126
Idem, p. 36-7. 127
Idem, p. 38. 128
Idem, p. 41.
53
cidadão moral, que respeite a diversidade e principalmente que tenha os demais
cidadãos como tem a si mesmo, criando, assim, uma comunidade política embasada
na Justiça.
É condição da sociedade cosmopolita que exista o repúdio à exclusão, com
ênfase à exclusão econômica, a qual é a causadora de um maior distanciamento
entre os que possuem e os que não possuem, criando o que se chama de excluídos,
os quais vão perdendo de forma progressiva as condições objetivas para levarem a
efeito os direitos humanos.
É dever da cidadania cosmopolita, no que tange à questão da exclusão,
protestar, no sentido de que todos os seres humanos tenham seus direitos
econômicos, sociais e culturais garantidos, o que, segundo Cortina129, só é possível
com a solidariedade, acarretando, dessa forma, a inclusão de todos os seres
humanos em relação aos bens sociais, o que, para a autora, seria uma “ética
universalista”.
Nesse mesmo sentido, Comparato130, ao concluir que existe a necessidade
urgente de um mundo novo, onde as diferenças que diferenciam os homens entre si
sejam respeitadas, “deve-se criar uma civilização que garanta a toda a humanidade
o direito de uma vida feliz”, contrapondo-se ao capitalismo. Uma sociedade
organizada de forma solidária, irradiando fraternidade de forma universal, seguindo
os ditames da Declaração Universal dos Direitos Humanos, no respeito à dignidade
humana, assegurados pela democracia.
Para encerrar este breve ensaio sobre a cidadania cosmopolita, conclui-se
que respeitar os direitos humanos em um mundo global depende de uma nova
postura da civilização, em que os conceitos universais de moralidade sejam o
fundamento para as relações entre os seres humanos e, apesar de ser tarefa árdua,
deve ser construída de forma contínua e incessante.
Como escreveu Kant131 na obra “A paz perpétua e outros opúsculos”, falta
muito para que a humanidade seja considerada moralizada. Porém, enquanto os
Estado, em razão de seus objetivos expansionistas, empregarem a força e a
violência, impedindo a formação gradual do pensamento de seus cidadãos, jamais
129
CORTINA, A. op. cit., p. 241. 130
COMPARATO, F. K. A afirmação histórica dos direitos humanos. 2008, p. 540-5. 131
KANT, I. Metafísica dos costumes. op. cit..
54
se concretizará a dita moralidade, que não aquela apenas aparente, pertencente à
cultura e ao uso. Isso porque este é um processo lento que exige de cada república
uma atuação ética para a formação de seus cidadãos.
Assim, fica demonstrado que a relação entre a moral e direito está
consubstanciada no conceito de direitos humanos e, sua maior expressão, está no
respeito à dignidade do ser humano, assunto que será abordado no próximo
capítulo.
CAPÍTULO II
2 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
2.1 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
Para caracterizar o Estado Democrático de Direito, necessárias se fazem
algumas locuções sobre Estado Liberal de Direito e Estado Social de Direito, pois, a
partir da distinção da constituição desses Estados, como fases evolutivas, chegar-
se-á a sua conceituação.
2.1.1 O estado de direito
O Estado de Direito, historicamente, identifica-se com os ideais burgueses e
possui uma longa trajetória histórica, cuja evolução passa por constante construção
e transformação. Tem como marco inicial a Revolução Francesa e, com o passar do
tempo, evoluiu seu próprio conceito e o dos direitos humanos132.
Porém, trata-se de uma convicção secular, pois agrega o ideal do governo
de leis e não de homens, da existência do justo, independentemente da vontade
humana presente já na Grécia antiga, passando pelo século XVIII, até a
contemporaneidade.
A soberania na Idade Moderna ocorre com base na figura do príncipe que se
confunde com o próprio Estado, tendo como conseqüência a personalização e
centralização do poder, cujo exercício era disputado pelo Estado e pela Igreja133.
Com a teoria absolutista de Hobbes, justifica-se o surgimento do Estado e a
concentração dos poderes nas mãos do soberano, o qual se confunde com o próprio
132
JACINTHO, J. M. M. op. cit., p. 178. 133
LEAL, Mônia Clarrissa Hennig. Estado de Direito. In: BARRETTO, Vicente de Paulo. Dicionário de filosofia do direito. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2006, p. 288-89.
56
Estado, sendo que a soberania é exercida de forma exclusiva pelo monarca, que
possui o poder divino.
Justamente contra as idéias absolutistas, as quais privilegiavam
determinadas classes, excluindo aqueles que, à época, detinham o poder econômico
- os comerciantes- nasce a idéia das revoluções burguesas do século XVIII, como já
explorado na primeira parte deste trabalho, com o objetivo de obter igualdade
jurídica e garantias de que as liberdades individuais fossem respeitadas, visto que,
como seres humanos, isso lhes era inerente, conceito dado pelo Direito Natural e
sobretudo, baseado no pensamento de John Locke, visto que, para o autor, os
direitos natos do homem eram anteriores à criação do Estado, portanto, devem por
ele ser respeitados134.
Acrescenta-se, neste momento, a idéia de um contrato social, preconizada
por Rousseau, na qual os indivíduos abrem mão da sua liberdade decorrente do
Estado de natureza, em prol do Estado, ganhando, em troca, a certeza de que este
assegurará suas liberdades e seus direitos e requer, por parte do Estado, para
fornecer tais garantias, uma intervenção na menor porção necessária,
preponderando a liberdade individual, cujo resultado são os limites impostos ao seu
poder.
Com a Revolução Francesa, em 1789, motivada pelos burgueses e seus
desejos de liberdade, igualdade e fraternidade e embasada nos pensamentos acima
mencionados, encerra-se o Estado absolutista vigente até então, antecipando “de
forma lapidar todas as dimensões dos direitos humanos em suas sucessivas ondas
nos textos constitucionais que os positivam”135.
Nessa conjuntura, surge o Estado de Direito, como uma reação ao
movimento chamado constitucionalismo, representando a transição do Estado
absoluto ao Estado constitucional, enraizado nas idéias filosóficas do “Rule of Law”
e, por conseqüência, segundo Ferreira Filho136, detentor de determinados princípios.
O primeiro é o princípio da legalidade, o qual faz da lei o instrumento com o
qual se orienta a conduta humana e conduz o Estado no caminho de seus objetivos,
134
LEAL, M. C. H. op. cit., p. 289. 135
BONAVIDES, P. Curso de direito constitucional. 2005, p. 37. 136
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 32. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 107-20.
57
sempre de acordo com o Direito. Como segundo princípio, tem-se o princípio da
isonomia, ou seja, de todos serem iguais perante a lei. Oriundo da Revolução
Francesa, tem por objetivo abolir privilégios de indivíduos ou grupos. Desse
princípio, emana o próximo, o da proporcionalidade, do qual resulta a
obrigatoriedade de uma proporcionalidade entre fins e medidas. Relacionado à
proporcionalidade, surge o princípio da razoabilidade e da adequação, os quais dão
validade à medida tomada. O próximo e último princípio é o da justicialidade, o qual
sujeita todos aos mesmos juízes quando tiverem seus direitos violados.
Ante os princípios do Estado de Direito acima, fica claro que o seu elemento
central é o limite do Estado pelo direito. Em virtude disso, o que ocorre com o Estado
de Direito, em comparação com o Estado Absolutista, é uma substituição da
soberania do monarca pela soberania da lei137. Não restando dúvidas quanto à
questão do limite dos poderes como proposta do Estado de Direito, Jussara Jacintho
argumenta que tal idéia está baseada em três concepções de limitação: o
jusnaturalismo, a separação de poderes e a soberania popular e da democracia, que
resultarão na formação do Estado Liberal de Direito138.
2.1.2 O estado liberal de direito
A defesa dos direitos naturais do homem, com base na filosofia iluminista e
na tradição, serviu de apoio as lutas burguesas em confronto com o absolutismo,
consolidando o Estado liberal, que tem como elemento constitutivo a limitação dos
poderes e funções, baseada no entendimento de que toda a pessoa,
indistintamente, por ser de sua natureza, detém certos direitos fundamentais, como a
vida, liberdade e a igualdade, os quais devem ser respeitados pelo Estado e este
tem o dever de garantir que os outros indivíduos também respeitem.
Nesse sentido, Bobbio139 define que o jusnaturalismo é um pressuposto
filosófico do liberalismo, pois ele fundamenta os limites do poder tomando como
137
LEAL, M. C. H. op. cit., p. 290. 138
JACINTHO, J. M. M. op. cit., p. 179-80. 139
BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia. São Paulo: Brasiliense, 1997, p. 12.
58
base uma compreensão hipotética da natureza do homem, a qual dispensa qualquer
constatação ou prova, conforme a doutrina do direito natural.
Teórico do liberalismo jusnaturalista, Kant concebe o Estado de Direito a
partir de três premissas, que o Estado é um meio e também condição para garantir a
liberdade dos cidadãos usando do direito. Como já visto, para o autor supracitado, o
direito é um pressuposto para a existência de forma simultânea das liberdades
individuais e, por parte do Estado, espera-se a garantia de uma atuação no sentido
de que vai atuar de forma negativa, ao não impedir o desenvolvimento dessas
liberdades, sendo que essa atividade estatal será orientada pela determinação da
lei.
Para Leal140, surge, assim, a máxima de que, ao indivíduo, é permitido fazer
tudo que não é proibido, enquanto que ao Estado só é permitido fazer o que a lei
determina, ou seja, a Administração Pública possui uma posição de somente agir de
forma protetora em relação aos direitos dos sujeitos privados como exceção, em
virtude do ideal de liberdade.
Com o intuito de organizar esse Estado, baseado no modelo idealizado por
Montesquieu, nasce o princípio da separação dos poderes, limitando o poder do
Estado de forma mais contundente, delimitando suas competências as quais sempre
são regradas pela lei.
No Estado Liberal há uma divisão bem evidente entre o que é público, ou
seja, ligado ao Estado, e o privado, divisão esta garantida pelo próprio Estado
através das leis, garantindo, dessa forma, as relações sociais através do exercício
da legalidade. Nesse aspecto, vista a delimitação do espaço privado e do espaço
público, o Estado não intervém na busca do indivíduo, que busca junto ao espaço
público a possibilidade de corporificar os ganhos trazidos na esfera das relações
sociais.
Em virtude disso, o direito passa a ser considerado um ordenamento
constitucional/legal, deixando para trás aquela idéia de que ele era uma coisa devida
transcendentalmente com base na imutável hierarquia social oligarca.
140
LEAL, M. C. H. op. cit., p. 289.
59
Surge, assim141, um novo conceito de liberdade, não mais apenas com
relação às decisões políticas, mas como autonomia do indivíduo de fazer tudo que
não for proibido, conhecida como liberdade liberal.
No âmbito privado, formulam-se novas dimensões para a igualdade, que
agora é consagrada pela lei, e a liberdade passa a ser exercida e não apenas
almejada. Os indivíduos passam à condição de sujeitos de direito, surgindo os
direitos de primeira geração: a vida, a liberdade, a propriedade e a igualdade.
Cattoni142, ao analisar as mudanças na esfera pública, cita o surgimento de direitos
perante o Estado e direitos para a comunidade estatal, tais como a nacionalidade,
igualdade perante a lei, segurança jurídica, direitos políticos e outros.
Como o Estado está fundamentado em um contrato social que tem como
elemento fundamental a liberdade, às leis é conferida legitimidade, pois estas vão
conferir a liberdade do homem como cidadão, o que, para alguns, pode ser
considerado o Estado de razão, como escreve Bobbio143, pois o Estado de Direito
seria uma condição a priori para a existência livre através do direito.
A concepção formalista kantiana baseada na razão como determinante dos
limites do Estado é reformulada por uma nova concepção de origem germânica,
designada como Estado ético que dá origem ao positivismo-formalista, o qual afasta
de forma definitiva as concepções jusnaturalista144.
O positivismo-formalista, conhecido como Estado Liberal burguês, traz ao
conceito de igualdade entre os indivíduos uma concepção própria do ideal burguês,
contra o absolutismo ou indivíduo contra o Estado.
Contudo, a burguesia, após conservar em seu poder o controle político da
sociedade, perde o interesse em manter o atributo da liberdade de todos os homens
perante o Estado, mantendo-o apenas formalmente, visto que, na prática, mantém
princípios de uma ideologia de classe145.
Surge, neste momento, a terceira idéia limitadora do Estado – a democracia,
141
FERREIRA FILHO, Manuel Gonçalves. Estado de direito e constituição. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 1.
142 CATTONI, Marcelo. Direito constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 55.
143 BOBBIO, Norberto. Direito e estado no pensamento de Emmanuel Kant. São Paulo: Mandarim,
2000. 144
JACINTHO, J. M. M. op. cit., p. 185. 145
BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 42.
60
dando início à derrocada dessa primeira fase do constitucionalismo burguês,
impulsionada pelas concepções de uma maior participação do homem perante o
Estado, na busca de fazer valer objetivamente o ideário burguês das liberdades
concretas, dignificadoras da pessoa humana146.
O novo Estado dá aos direitos da liberdade o status de corpo principal da
ordem política, conseqüência dos apelos dos cidadãos, sendo indispensável à
manutenção do poder e, como tal liberdade não era real, pois como já dito, exclusiva
da classe dominante, era usada de forma demagógica e ilusória.
A Constituição, segundo Canotilho147, passa a ser concebida como uma
ordenação sistemática e racional da comunidade política, em documento escrito, em
contrapartida às consuetudinárias, contendo as liberdades e os direitos, bem como
fixando os limites do Estado.
Ante o acima exposto, percebe-se que a Constituição do Estado burguês de
Direito reconhece os direitos fundamentais do homem, bem como é resultado, pela
primeira vez, da representação do povo ou Poder Constituinte.
No Estado Liberal de Direito, os poderes ganham uma nova dimensão
daquela do antigo regime, ocorre a definição de competência de cada um, cujo
exercício deve ser concomitante, tendo como objetivo garantir a proteção dos
direitos de liberdade contra o abuso do poder estatal.
Ao poder Legislativo é concedido o poder supremo, visto ser ele o
competente para a elaboração das leis, fontes do Direito, elemento essencial nessa
forma de Estado. Ao Poder Judiciário, compete resolver os conflitos existentes entre
os particulares ou entre estes e a Administração Pública, devendo, entretanto, ser
provocado para tal prestação jurisdicional, mediante o devido processo legal. Cabe
salientar que o Poder Judiciário no Estado Liberal de Direito é subordinado ao Poder
Legislativo, pois se limita a aplicar os textos legais, evitando a interpretação. Já ao
Poder Executivo cabe levar à prática, por meio de providências concretas, a
implementação do Direito, como a questão da segurança jurídica.
Conclui-se, assim, que o Estado Liberal de Direito implica a liberdade e
igualdade de todos os indivíduos, cujo sistema baseia-se nas leis, na inclusão como
146
BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. p. 43-4. 147
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 2000, p. 52.
61
direitos constitucionais positivos os direitos e garantias individuais e o Direito é um
sistema de regras gerais e abstratas, com o objetivo de pautar e limitar o poder do
Estado.
Fica claro, dessa forma, o paradigma do Estado Liberal de Direito. Se, por
um lado, a Constituição Liberal garantiu formalmente uma sucessão de direitos,
havendo um reconhecimento por parte do Estado, cuja evolução histórica abrange
as declarações inglesas, muito embora sob o regime absolutista, das quais, como já
visto, a Magna Carta e Bill of Rights, por outro, a condição humana não obteve
melhoras significativas das que existiam anteriormente, mas uma concessão das
classes dominantes aos menos favorecidos.
A burguesia, ao chegar ao poder, trai os ideais revolucionários de 1789,
ficando esquecidos os princípios da igualdade e da fraternidade como princípios da
atividade do Estado.
Com a Revolução Industrial e o advento da classe operária e sua crescente
vontade de participação política, que em sua maioria, tinha seus direitos e garantias
individuais desprotegidos, tais como jornada de trabalho excessiva, falta de amparo
à saúde e péssima remuneração, resultou assim, em sua organização em sindicatos
e associações de classe148, embalados pela doutrina socialista, colocando a ordem
liberal em xeque, surgindo um novo ideal de Estado, o Social de Direito.
2.1.3 O estado social de direito
Com o Estado Liberal de Direito surge um capitalismo monopolista,
caracterizado como a exploração do homem pelo homem, fator este amplamente
rejeitado pela doutrina marxista, e é justamente a partir de sua doutrina que os
operários e camponeses, empobrecidos pela perda de suas pequenas propriedades,
lançam mão de uma revolução a fim de que os direitos previstos lhes sejam
alcançados.
Com a publicação do “Manifesto Comunista”, em 1848, o qual trazia em seu
148
COMPARATO, F. K. A afirmação histórica dos direitos humanos. 2008, p. 54.
62
texto a problemática do capital versus o trabalho, decorre o movimento proletariado
em toda a Europa. A igreja católica se manifeste a respeito através da encíclica
Rerum Novarum, de 1891.
Com o advento da Primeira Guerra Mundial, quando os Estados europeus
sofreram o primeiro grande ataque aos direitos dos seus cidadãos, os quais
deveriam prover, e esta necessidade de promover a igualdade entre os homens pelo
respeito a sua dignidade, acarretou uma nova ordem estatal, surgida do somatório
do movimento proletariado e da atividade de assistência aos necessitados,
resultantes da guerra, o que se chamou de Estado Social, Estado do Bem-Estar,
Estado Social de Direito, Estado-Providência ou Welfare State.
Neste contexto, em 1917, Revolução Russa ao criar a URSS, e a
Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado (1918), nasce uma nova
realidade mundial, motivada pela tensão entre capitalismo e socialismo, decorrente
da propriedade privada e economia de mercado contra concentração dos bens de
produção pelo Estado. A nova ordem exigia que a igualdade que existia no campo
formal passasse a existir no campo material.
Muito embora, como afirma Bonavides149, não ter havido uma ruptura na
passagem do Estado Liberal para o Estado Social, mesmo com a existência das
pressões sociais e ideológicas do marxismo, o Estado Liberal não desapareceu, mas
se transformou, pois fica claro que este último não mais satisfazia os anseios de
grupos sociais cada vez maiores, fazendo-se necessária uma intervenção mais
efetiva por parte do Estado, para que, dessa forma, diminuíssem as desigualdades
econômicas e sociais., sem contudo, assumir totalmente o socialismo, sendo que
ainda prevalecia o regime capitalista.
O Estado Social e sua nova ordem se fazem presentes em dois textos
constitucionais, os quais são considerados como os principais benefícios que a
humanidade recolheu do movimento socialista, quais sejam, a Constituição do
México em 1917 e a Constituição de Weimar, de 1919150.
Com as Constituições acima, emerge o Estado Social, inaugurando um novo
momento, com a inclusão de textos dedicados à Ordem Econômica e Social e a
149
BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. 7.ed. São Paulo: Malheitos, 2001, p. 37. 150
COMPARATO, F. K. A afirmação histórica dos direitos humanos. 2008, p. 54.
63
recognição de direitos aos trabalhadores.
A Carta mexicana traz em seu Título Primeiro, Capítulo Primeiro, as
garantias individuais, tratando de assuntos como a regulação da extradição de réus
políticos, a impossibilidade de prisão por dívida, a atividade jurisdicional exclusiva do
Estado, a propriedade por parte do Estado das terras e águas e sobre reforma
agrária. No Título VI, estão previstos os direitos dos trabalhadores, como jornada de
trabalho, salário mínimo, idade, formação de sindicatos, entre outros151.
A Constituição Alemã, no mesmo sentido da Constituição Mexicana, contém
em seu texto os fundamentos do Estado da democracia social e, como ressalta
Comparato152, com ênfase à dignidade humana. Contudo, a Constituição de Weimar
foi de curta duração, em virtude da ascensão do nazismo, somente retornando a
idéia de Estado Social, com a Constituição de 1949.
Após a Segunda Guerra Mundial, a maioria dos países incluiu em seus
textos constitucionais os direitos sociais, reconhecendo-os. Deve-se salientar que a
criação da ONU e o reconhecimento de tais direitos por parte desta, principalmente
através de Pactos Internacionais de Direitos Humanos, foram cruciais na proliferação
e materialização dos direitos sociais no âmbito internacional.
Muito embora o Estado Social tenha se estruturado com base no respeito
aos direitos sociais, a diferenciação entre ambos (Estado Social / Direitos Sociais)
lhes dá conceitos diferentes e conceituar o Estado Social de Direito não é tarefa
fácil.
A primeira distinção diz respeito à divisão lógica entre direito individual e
direito social, contudo, levando-se em conta que o direito, em um ponto de vista
jurídico, regula as questões individuais com objetivo de harmonizar as relações em
sociedade, conclui-se que o direito é sempre social.
A distinção entre direitos sociais e direitos individuais como conceitos
contrários intensificou-se pelos defensores de um liberalismo econômico, os quais
detinham um grande temor de um controle estatal em maior grau sobre a economia,
entretanto, tal posicionamento não encontra mais guarida, pois é majoritária a
posição dos estudiosos do direito que a garantia dos direitos sociais é um dos
151
COMPARATO, F. K. A afirmação histórica dos direitos humanos. p. 182-8. 152
Idem, p. 193.
64
pressupostos para o real exercício dos direitos individuais.
No entender de Pinheiro Filho153, seriam aqueles direitos que visam ao
direito à saúde, à previdência social, à assistência aos cidadãos menos favorecidos,
à educação, à moradia, aos direitos trabalhistas e ao trabalho, à alimentação, à
proteção à criança e ao adolescente, ou seja, todos aqueles direitos que têm como
fundamento a igualdade entre os homens, baseados na dignidade humana gozada
por todos, indistintamente, função do Estado Social.
Retomando a questão do conceito de Estado Social, Silva154, seguindo os
ensinamentos da autora portuguesa Ana Prata, o descreve como sendo aquele que
possui como elemento caracterizador a consagração de direitos sociais, elemento
este que o identifica e, ao mesmo tempo, é uma conseqüência do tipo de Estado.
Ato contínuo, identifica no seu conceito três disposições metodológicas: em primeiro
lugar, a garantia de que todos os cidadãos tenham o mínimo de bens materiais e
culturais, os quais serão alcançados por meio do trabalho de cada um ou pela
prestação do Estado, tendo como objetivo sanar as situações de miséria social,
fazendo uso de programas e serviços os quais garantam uma existência material
digna.
Para garantir tais direitos (sociais), a existência de políticas públicas é a
segunda ordem e, como terceira e última disposição, uma nova formulação da
organização social, com uma redistribuição do poder social, tendo como
conseqüência a participação de todas as pessoas.
Com o Estado Social de Direito, os direitos de primeira geração do
paradigma anterior se materializam a partir do momento histórico, adaptando-se as
novas demandas sociais, além de agregar-se os direitos coletivos e difusos, todos
presentes nas Constituições contemporâneas, vinculados ao princípio da igualdade.
Em um primeiro momento, tem-se uma normatividade baixa desses direitos, com
eficácia duvidosa, a exigir um papel interventivo do Estado.
É justamente nesse sentido que o Estado Social contrapõe-se ao Estado
liberal, exigindo a intervenção do Poder Público na organização econômica em lugar
153
PINHEIRO FILHO, Jose Muiños. In BARRETO, Vicente de Paulo (Coord.). Dicionário de filosofia do direito. São Leopoldo: Unisinos, 2006, p. 248.
154 SILVA, Sandro Subtil. Surgimento e Evolução do Estado Social. Revista da Procuradoria-Geral
do Estado do Rio Grande do Sul, v. 9, n. 24, Porto Alegre, Gráfica e Editora RJR, 2004, p. 215.
65
de não a admitir. O papel do Estado passa do absenteísmo ao intervencionismo,
cujo processo intervencionista não se dá de forma uniforme, mas em três fases
distintas, em razão de sua extensão e profundidade: a) intervencionismo, na fase
inicial da decadência do Estado liberal, caracterizando-se por medidas esporádicas,
em ocasiões específicas, como forma de solucionar problemas concretos que
colocassem em risco a manutenção do regime; b) dirigismo, com uma atuação
estatal mais firme e coerente, com atos sistemáticos de ajuda e reforço à iniciativa
privada, com objetivos político-econômicos predeterminados; e, c) planificação, o
último e mais acabado estágio, com previsões de largo período temporal e com
análise econômica global155.
As contribuições ao moderno Estado Social dadas por Rousseau e Marx, na
busca por uma sociedade igualitária, muito embora por vias distintas, encontram-se
presentes como o total desprezo pelos privilégios de determinadas classes. Tem-se
também a contribuição de Marx, quando este faz a análise das deformações do
sistema capitalista, condenando implacavelmente os seus vícios e apontando a
imperiosa necessidade de sua reforma156.
Neste novo Estado, com papel intervencionista, reinterpreta-se o princípio da
separação dos poderes que, como no modelo Liberal, é constituído pelo Executivo,
Legislativo e Judiciário, porém com novos atributos e mecanismos.
Ao Poder Executivo cabe, através de novos mecanismos jurídicos, intervir de
forma direta e imediata na economia e na sociedade civil, em nome do interesse
coletivo, público, social ou nacional, além dos já previstos. Compete ao Poder
Legislativo fiscalizar a atividade da Administração Pública. Em razão da nova ordem,
o direito passa a ser interpretado como um princípio de regras e princípios
aperfeiçoados para atingirem suas funções no menor tempo possível, possuindo a
mesma natureza dos direitos fundamentais. Assim, o Poder Judiciário não se limita a
aplicar a Lei ao fato, mas usa uma aplicação construtiva do direito material vigente,
visto que a hermenêutica jurídica propicia ao juiz métodos de análise, como a
teleológica, a sistêmica e a histórica157. Dessa feita, o juiz tem por função garantir a
155
STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência política e teoria geral do estado. 4.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.
156 BONAVIDES, Paulo. Teoria do estado. 3.ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p.
37. 157
CATTONI, M. op. cit., p. 60.
66
igualdade, aplicando a Justiça no caso concreto.
Destaca-se que o Estado liberal constitui-se no precursor do conceito atual
de liberdade, consagrada no Estado social, cuja retração do poder do Estado serviu
de fundamento para o surgimento dos denominados direitos fundamentais e da
divisão dos poderes158.
O Estado Social de Direito, conforme descrito tornou-se um Estado
paternalista e intervencionista, transformando-se em uma empresa, que já não
responde aos ideais de uma sociedade com relações confusas e espontâneas,
originadas da era da informação.
Mesmo com as garantias dos direitos fundamentais, ocorreram graves
violações dos direitos humanos, inclusive pelos Estados que asseguravam os
direitos sociais e o Estado Social passa a ser questionado pelos novos movimentos
sociais, redescobrindo-se a democracia e resultando na crise do modelo, na década
de 70.
2.1.4 O estado democrático de direito
Em decorrência da extenuação do paradigma do Estado Social, criado pela
busca de superação ao antagonismo existente entre Estado Social e o direito formal
burguês, cria-se uma nova dimensão do modelo constitucional de Estado, no qual
todos os envolvidos ou afetados têm que conjeturar como este novo conteúdo
normativo, trazendo respostas à situação existente, as quais nem sempre se
encontram albergadas nos textos normativos.
Ao acrescentar o adjetivo “Democrático” ao Estado de Direito, quis-se
afirmar que, além de o Estado ser constituído de acordo com o Direito e atuar na
forma prescrita por este, deve também o Estado ter origem e finalidade com o Direito
manifestado de forma livre, de acordo com o povo, concretizando-se em elementos
valorativos e basilares da comunidade159.
158
PINHEIRO FILHO, J. M. op. cit., p. 288. 159
REALE, M. op. cit., p. 2.
67
Ao ultrapassar o modelo do Estado Liberal de Direito e do Estado Social de
Direito, o Estado Democrático de Direito assume o papel de impor à ordem jurídica e
à atividade estatal um conteúdo ideal de “transformação da realidade”, ou seja,
constitui-se num “plus” normativo em relação aos modelos anteriores160.
O Estado Democrático de Direito não apresenta as mesmas conformações
em todos os países, visto que está intimamente ligado a questões ideológicas, como
escreve Reale161, ao conjunto ou sistema de idéias políticas concernentes ao ponto
de vista da sociedade civil e do Estado, os quais deverão dar o contorno ao
ordenamento jurídico referente às relações sociais, na busca do bem comum.
Dessa forma, o Estado Democrático de Direito deverá ser sempre a imagem
refletida da vontade do povo consubstanciada na Constituição e nas Leis, tendo
como limitador o princípio da legalidade.
Ao se tomar como exemplo o Brasil, tem-se que são pressupostos para o
Estado Democrático de Direito a soberania nacional, a cidadania e a dignidade da
pessoa humana, os valores sociais do trabalho, o da livre iniciativa e o pluralismo
político, textualmente presentes no art. 1º da Constituição Federal de 1988.
Nesse novo Estado, são consagrados os direitos de 3ª geração (direitos
difusos: meio ambiente e consumidor), passando os de 1ª e 2ª por um processo de
adequação, sendo que os direitos de 1ª geração, como afirma Carvalho Netto162, são
os que dão a essência a um Estado participativo, pluralista e aberto.
Visto o objetivo do presente trabalho, detém-se, neste momento, à questão
dos Direitos Humanos e ao Estado Democrático de Direito, como sendo um dos
elementos formadores essenciais a essa estrutura estatal.
Nesse novo paradigma, ocorre um retorno aos valores, os quais são
compartidos por todos os membros da comunidade e acabam por manifestar-se na
Constituição através de princípios, com caráter de obrigatoriedade. Muito embora
alguns desses princípios já se encontrassem presentes nos Estados anteriores,
como a liberdade e a igualdade, outros se incorporaram como o princípio da
160
STRECK, L. L.; MORAIS, J. L. B. de. op. cit., 2004, p.2 161
REALE, M. op. cit., p. 10. 162
CARVALHO NETTO, Menelick de. Requisitos paradigmáticos da interpretação jurídica sob o paradigma do Estado democrático de direito. Revista de Direito Comparado, Belo Horizonte, n. 3, p. 481, mai., 1999.
68
dignidade da pessoa humana e o da solidariedade. Esses princípios têm sua origem
em textos religiosos, filosóficos ou jusnaturalistas e, hodiernamente, são
reconhecidos como normas163.
Os princípios constitucionais são as normas que dão unidade e harmonia ao
sistema jurídico como um todo, refletindo a ideologia da sociedade, e dando os
parâmetros para a atividade do intérprete, o que será tratado com maior
profundidade na seqüencia do presente capítulo.
A Constituição Brasileira de 1988, ao declarar que a dignidade da pessoa
humana é um dos fundamentos do Estado brasileiro, o qual se constitui em um
Estado Democrático de Direito, teve como consenso que a “igualdade ontológica”,
fundamento dos Direitos humanos, é elemento basilar em sua formação.
A dignidade da pessoa humana exprime um conjunto de valores decorrentes
de todo o processo de civilização que foi incluído ao patrimônio da humanidade e, ao
lhe dar caráter de princípio fundamental do Estado, traz a obrigatoriedade por parte
do Estado perante seus indivíduos e destes perante os demais, de ter o “mínimo
existencial” garantido, como atesta Barroso164.
É impossível se falar em Estado Democrático de Direito sem se referir aos
direitos fundamentais universais, indivisíveis e plenamente assegurados. Retoma-se,
assim, à concepção kantiana já exarada neste trabalho, segundo a qual só existe
liberdade em um Estado que esteja sujeito a leis e que tenha como questão central
de sua atuação o reconhecimento do valor da pessoa humana pelo fato de ser
humano.
Portanto, é a dignidade da pessoa humana o centro nevrálgico da atuação
do Estado Democrático de Direito e, como reforça Jacintho165, o “princípio-matriz”
desse Estado, o qual vincula todos aqueles que estiverem submetidos ao Estado,
independentemente de ser poder público, pessoa pública ou privada, ultrapassando
a esfera jurídica, ou seja, “o princípio supremo da ordem constitucional”166, sendo
que qualquer atitude tomada pelo Estado, que contrarie tal princípio, terá como
163
BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 59, out. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3208>. Acesso em: 14 jun. 2008.
164 Idem, ibidem.
165 JACINTHO, J. M. M. op. cit., p. 206.
166 PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. 2.ed. São Paulo: Max Limonad, 2003, p. 390.
69
conseqüência a sua nulidade.
Norteados por esses argumentos, a dignidade humana, no sentido
axiológico ou deontológico, é o elemento norteador e concretizador do Estado
Democrático de Direito e, como o conceito de dignidade trata de um preceito moral
de natureza universal, correspondendo ao elemento necessário ao desenvolvimento
e à manutenção dos Direitos Humanos, estes surgem como sendo o elemento
legitimador dos ordenamentos jurídicos dos Estados Democráticos de Direito.
Em decorrência desta nova idéia de Estado, em que todas as pessoas
devem ter sua dignidade respeitada, repaginando os valores morais do
jusnaturalismo, outras modificações na estrutura estatal ocorrem.
O Princípio da Separação dos Poderes de Montesquieu também passa por
reformulação, sendo que o Poder Executivo passa a ser aparelhado para poder dar
resposta às demandas sociais, tendo seus mecanismos de controle de sua ação
aprimorados à realidade da sociedade atual, tornando-o mais seguro e eficaz167.
O poder Judiciário tem participação fundamental na efetivação do Estado
Democrático de Direito, competindo-lhe tornar viável sua legitimação pelo processo
da cidadania.
A maneira de pensar e agir do Juiz frente à Lei e ao caso concreto também
sofre modificações, pois lhe é exigida uma interpretação dos fatos de forma que
integre o processo de “densificação normativa ou de aplicação do direito”, de acordo
com a nova teoria constitucional baseada nas doutrinas de Robert Alexy, Friedrich
Müller, Ronald Dworkin, J.J. Canotilho e Paulo Bonavides, dentre outros168, como já
anteriormente visto.
É justamente no aspecto dessa nova teoria, que embasa todo o sistema
normativo do Estado democrático de Direito, onde renasce a relação entre Direito e
Moral, anteriormente desconstituída pelo positivismo kelseniano, contudo, com uma
formulação diferente do direito natural, pois, no novo ordenamento, as regras morais
colocam-se como normas de ação, juntamente com as regras jurídicas, como
considera Habermas169.
167
CLÈVE, Clemerson Mèrlin. Desafio da efetividade dos direitos fundamentais sociais. Disponível em: <http://www.mundojuridico.adv.br>. Acesso em: 14 jun. 2008.
168 CARVALHO NETTO, M. de. op. cit., p. 481.
169 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre a facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1997, v. 2, p. 131.
70
O Estado Democrático de Direito possui duas fases distintas: uma
positivista, em que os princípios ganham força normativa ao ingressarem nos
códigos como fontes normativas subsidiárias e uma fase pós-positivista, em que os
princípios autorizam encontrar uma solução, comprometendo o direito, de acordo
com a pertinência da nova ordem estatal, para as demandas complexas. Dessa
forma, o Juiz, ao resolver os casos que chegam do Judiciário, deve possuir as
características do Hércules de Ronald Dworkin, como descreve Ost170: “este juiz
racional que „toma os direitos fundamentais a sério‟ que se consagra em toda
ocasião e, particularmente, nos „casos difíceis‟ ao encontrar a „resposta correta‟ que
se impõem”.
A Constituição no Estado Democrático de Direito não traz soluções prontas e
acabadas. Seu texto é aberto e, ao ser interpretado, dá a significação do caso
concreto, naquele momento. Barreto171, analisando a questão, conclui que, para
interpretar a Constituição de um Estado Democrático de Direito, citando a brasileira,
exige-se como pressuposto o entendimento de tal regime político, ou seja, deve-se
levar em consideração a questão fundamental da cidadania, tomando o homem
como um ser moral, dotado de direitos naturais.
Nesse contexto, a interpretação kelseniana não tem mais razão, pois, antes
de leis consideradas “boas”, necessita-se de bons interpretes do direito.
Cabem, nessa composição ao Poder Judiciário, decisões adequadas aos
casos concretos, baseadas nos princípios e regras vigentes no sistema normativo
que venham trazer segurança jurídica e justiça e, ao julgador, uma postura diferente
da positivista, contextualizando e inter-relacionando as normas, usando, para isso,
não apenas regras jurídicas, como preleciona Canotilho172, fazendo uso de uma
“metódica constitucional”, ou seja, tomar os textos constitucionais como ponto de
partida, tendo sempre em mente a fundamentação de todo o sistema, ou seja, a
questão dos Direitos Humanos, visto que é o valor da pessoa humana que constitui
o fundamento ideológico de um Estado.
Assim sendo, pelo norma constitucional ou pela sua interpretação, o Estado
170
OST, François. Júpiter, Hercules, Hermes: três modelos de juiz. Revista Doxa, n. 14, 1993, p. 180.
171 BARRETO, Vicente de Paulo. Interpretação constitucional e Estado Democrático de Direito.
Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, jan./mar. p. 18-21, 1996. 172
CANOTILHO. J.J. G. Direito constitucional. op. cit., p.1102.
71
Democrático de Direito surge com o propósito de solucionar as desigualdades
sociais, culturais e econômicas e, ao buscar um regime democrático baseado na
solidariedade, preconiza a justiça social e, sendo um Estado de Direito, age moldado
pelos ditames da Constituição, a qual terá como conteúdo legitimador desse Estado
a efetivação dos direitos fundamentais.
Ao enquadrar na ordem jurídica brasileira a dignidade humana como um
princípio fundamental do Estado, esta deverá ser observada na interpretação dos
direitos fundamentais e também como elemento do conceito de Estado Democrático
de Direito, pois o regime político-econômico, como é o caso, pautado pela
democracia participativa, com leis legítimas, é a condição para que dignidade
humana se concretize e, por conseqüência, é a dignidade que confere legitimidade
ao Estado.
Neste sentido, necessário caracterizar os princípios constitucionais e, por
conseqüência, o princípio da dignidade da pessoa humana, objetivo principal do
presente trabalho.
2.2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
Segundo Bonavides173, citando Luís-Diez Picazo, princípio é derivado da
linguagem geometria, com o significado de as verdades primeiras, afirmando que,
como Direito Positivo, serve de elemento de inspiração às leis ou normas em
concreto ou, de outro lado, de normas obtidas através de mecanismo de depuração
dessas leis.
Ainda Bonavides174, citando Riccardo Guastini, afirma que são seis os
conceitos de princípios defendidos pelo judiciário e por diversos juristas: normas (ou
disposições normativas) providas de alto grau de generalidade; providas de alto grau
de indeterminação; de caráter programático; com posição hierárquica elevada; que
desempenham função importante ou fundamental; ou, finalmente, dirigidas aos
órgãos de aplicação, com função específica de fazer a escolha quanto à aplicação
173
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 19. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2006 174
Idem, p. 257-8.
72
em diversos casos.
Os princípios, em geral, são direcionamentos que visam a facilitar a
compreensão de setores normativos, com o objetivo de fornecer unidade e
agregação a um grupo de normas. Os princípios se referem ao fundamento mais
originário de um conceito, à relação mais intrínseca na procura pelas concepções
das quais se utilizará a ciência jurídica.
Sedimentando-se na teoria dos princípios, está-se defendendo um novo
modelo jurídico, em que os princípios são considerados “normas-chaves de todo o
sistema jurídico” (Paulo Bonavides), “fundamento da ordem jurídica” (Frederico de
Castro), “super-fonte” (Flórez-Valdez) e verdadeiros “mandamentos de otimização”
da ordem jurídica” (Robert Alexy).
A doutrina tradicional atribuía aos princípios, especialmente, as funções
informadora, integrativa e interpretativa, contudo não lhe atribuía a função mais
importante e que está consolidada pela atual doutrina contemporânea: a função
normativa.
Bonavides175 aponta que a juridicidade dos princípios passou por três fases
distintas: a jusnaturalista, a positivista e a pós-positivista.
A jusnaturalista concebe os princípios no enfoque ético-valorativo, como o
direito ideal e a justiça, vistos como “um conjunto de verdades objetivas derivadas da
lei divina e humana”, sendo nula e duvidosa a normatividade dos princípios e a
insuficiência do ordenamento jurídico deveria ser suprida pelo recurso a uma lei
natural, eterna e imutável, distinta do sistema normativo institucionalizado.
Em uma fase seguinte, a juspositivista, os princípios também não possuíam
função de normatividade, mesmo ingressando nos códigos, exercendo apenas
função de supressão de lacunas, elemento de segurança, a fim de garantir a
plenitude do ordenamento.
Na fase pós-positivista, os princípios são proclamados normas jurídicas,
podendo, assim como as regras, imporem obrigação legal. Na atual sociedade,
resulta a necessidade do reconhecimento do caráter normativo, vigente e eficaz dos
princípios jurídicos, que contêm uma pauta axiológica, agasalhando os valores da
175
BONAVIDES, P. op. cit., p. 259-66.
73
sociedade.
Com as contribuições, sobretudo de Boulanger, Esser, Dworkin e Alexy,
existe, na atualidade, uma teoria jurídica principialista, implicando a redefinição dos
rumos do constitucionalismo, segundo Bonavides176, em que observa que, depois de
abrandadas as questões da normatividade, que lhes é inerente, converteu-se no
âmago das constituições.
Assim, têm-se no universo de princípios, dentro de um sistema jurídico, os
princípios constitucionais, que são aqueles que guardam os valores fundamentais da
ordem jurídica, ou seja, bens e valores considerados fundamentos de validade do
próprio sistema.
Novamente Bonavides177 afirma que, sob o ponto de vista da função
interpretativa dos princípios, é possível ao grau mais alto que eles já subiram na
esfera do direito positivo, o grau constitucional.
São oportunos os dizeres de Barroso178, no sentido de que os princípios
constitucionais são a sínteses dos valores mais relevantes da ordem jurídica, sendo
que a Constituição não é um mero agrupamento de regras que se justapõem ou se
superpõem, contudo, em toda ordem jurídica, existem valores superiores e diretrizes
fundamentais que “costuram” as partes desse sistema, função esta que é a dos
princípios constitucionais, pois são eles que dão as proposições que servem de base
à determinada ordem jurídica, estendendo-se por todo o sistema, ou seja, os
princípios constitucionais dão as diretrizes de um determinado sistema jurídico.
Sob a ótica de Mello citado por Barroso179, o princípio é mandamento
nuclear de um sistema, alicerçando-o e irradiando-se sobre diferentes normas,
compondo-a em seu espírito e servindo de critério para sua exata compreensão,
definindo a lógica e a racionalidade do sistema normativo, harmonizando-o.
Entretanto, devem-se distinguir princípios constitucionais e princípios legais:
princípios meramente legais são todos aqueles que fazem parte de um sistema legal
como um todo; princípios constitucionais são aqueles que fazem parte do sistema
176
BONAVIDES, P. op. cit., p. 266-72. 177
Idem, p. 274. 178
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 6. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2006.
179 Idem, p. 153.
74
legal voltado à sistematização de questões fundamentais do Estado180.
Os princípios legais emergem de subsistemas normativos próprios inseridos
no grande sistema constitucional. Funcionam como verdadeiros pilares de
sustentação sobre os quais as demais regras da lei se assentam, estruturando e
dando coesão ao subsistema legal, com influência direta no conteúdo de cada uma
das demais normas estabelecidas.
Já os princípios constitucionais estruturam e dão coesão ao próprio
ordenamento jurídico, contendo os seus valores fundamentais e estabelecendo o
sistema jurídico-normativo fundamental de um Estado. Com caráter original e
superiores materialmente a todos os demais conteúdos que formam o ordenamento
constitucional, os princípios refletem os valores da sociedade, transformados pelo
direito.
Graças à dogmática moderna, os princípios constitucionais representam
categoria de norma constitucional, deixando, segundo Barroso181 e Barcelos182, de
terem uma dimensão puramente axiológica, ética, sem eficácia jurídica ou
aplicabilidade direta e imediata.
Para se estabelecer maior compreensão, é necessário distinguir as normas
que são regras e as normas que são princípios, pois a norma é o gênero, enquanto
as regras e os princípios são espécies.
Barroso183 afirma que, modernamente, a dogmática consubstancia o
entendimento de que, em geral, as normas jurídicas e, em particular, as normas
constitucionais, enquadram-se em duas categorias distintas: normas-princípios e
normas-disposições. Segundo o mesmo autor, as primeiras, também identificadas
como regras, possuem eficácia restrita especificamente para as situações às quais
se dirigem. Já as segundas, também identificadas como princípios, são mais
abstratas e com finalidade imersa em um sistema.
180
ZIMMERMANN, Augusto. Princípios fundamentais e interpretação constitucional. Disponível em: <http://www.achegas.net.br>, Acesso em: 25 out. 2006.
181 BARROSO, Luis Roberto. O começo da história. A nova Interpretação Constitucional e o papel dos
princípios no direito brasileiro. In: SILVA, Virgílio Afonso da Silva (Org.). Interpretação constitucional. São Paulo: Malheiros, 2005.
182 BARCELLOS, Ana Paula. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais. Rio de Janeiro:
Renovar, 2002. 183
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 141.
75
Assim, tem-se que as normas constitucionais são compostas de princípios e
regras, o que Ávila184 denomina de “normas de primeiro grau” e Bonavides185 de
“normas primárias”, as quais devem ser entendidas separadamente. Os princípios
podem entrar em conflito, situação a ser resolvida sopesando valores, em cada caso
concreto, ou seja, numa dimensão axiológica, diferentemente das regras, que se
embatem numa dimensão de validade.
Como já dito, somente com a dogmática constitucional moderna, a distinção
integrou o ordenamento jurídico, passando a constituição a ser considerada um
sistema aberto de princípios e regras186: um sistema dinâmico de normas, adaptável
à realidade, suscetível às concepções de verdade e justiça, que se revelam na forma
de princípios ou regras187.
Existem diversos critérios para distinguir as regras dos princípios, segundo
Canotilho188:
o „grau de abstração‟: os princípios são normas com elevado grau de abstração enquanto que as regras têm reduzida abstração; o „grau de determinabilidade‟: nos casos concretos, os princípios, por serem vagos e indeterminados, para serem concretizados, precisam de mediador, a exemplo do legislador ou do juiz, enquanto que as regras podem ser aplicadas de forma direta; o „Carácter de fundamentalidade no sistema das fontes do direito‟: os princípios são normas de natureza ou com um papel fundamental no ordenamento jurídico devido à sua posição hierárquica no sistema das fontes ou à sua importância estruturante dentro do sistema jurídico; a „Proximidade da idéia de direito‟: os princípios seriam „standards‟ que (segundo Dworkin) estariam radicados nas exigências da „justiça‟, ou (segundo Larenz), na „idéia de direito‟, enquanto as regras poderiam apresentar conteúdo „meramente funcional‟; e a „Natureza normogenética‟: os princípios são fundamentos para as regras.
Em se tratando de princípios, Grau189, na obra Ensaio e Discurso sobre a
Interpretação/Aplicação do Direito, distingue entre princípios explícitos e princípios
implícitos: os explícitos seriam aqueles expressos na constituição; os implícitos,
aqueles que decorrem do direito normativo posto e no direito pressuposto, como
184
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. 5.ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 30. 185
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 14.ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 275.
186 BARROSO, L. R. O começo da história. A nova Interpretação Constitucional e o papel dos
princípios no direito brasileiro, p. 280. 187
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 4.ed. Coimbra: Almedina, 2000, p. 1123.
188 Idem, p. 1124-25.
189 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e Discurso Sobre a Interpretação/Aplicação do Direito. 3.ed. São
Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 135.
76
produto da cultura, que se encontra em uma determinada sociedade.
Entende o autor acima que o direito posto, positivo, quando criado, traz
consigo limites e características dados pelo direito pressuposto, este baseado no
anseio da sociedade civil. Porém, quando tal direito deixa de ser pressuposto e
passa a ser posto, modifica a sua própria base, que é o direito pressuposto: “O
direito pressuposto condiciona a produção do direito posto (positivo). Mas o direito
posto transforma sua (dele) própria base”190.
Os princípios, para o mesmo autor, têm como base o direito pressuposto, o
qual será descoberto dentro do próprio sistema jurídico, portanto não necessitando
de positivação por já serem positivos. Ainda: “Os princípios gerais de direito são,
assim, efetivamente descobertos no interior de determinado ordenamento. E o são -
repito-o - justamente porque neste mesmo ordenamento (isto é, no interior dele) já
se encontravam, em estado de latência”191.
Assim, seriam os princípios normas com base nos elementos culturais de
uma sociedade em um determinado momento.
Muito embora alguns autores cheguem à conclusão da função dos princípios
como sendo o de fundamento normativo das decisões, como por exemplo, Esser
citado por Ávila192, que diz: “Princípios são aquelas normas que estabelecem
fundamentos para que determinado mandamento seja encontrado”, porém não
podendo ser aplicável, pois lhe faltaria a forma de uma proposição jurídica, ou seja,
não seria norma.
Pedron193, contrapondo-se à idéia positivista de que o direito não é um
conjunto de regras, compreende os princípios como uma espécie de norma, que se
distingue das regras pela forma de aplicação. As regras são aplicáveis à maneira do
“tudo ou nada”, ou seja, válidas ou não válidas, devem ser aplicadas ou não devem.
Já os princípios não pretendem estabelecer a necessidade ou não de sua aplicação.
Para Grau194, a distinção entre regras e princípios é uma distinção lógica.
190
GRAU, E. R. op. cit., p. 142. 191
Idem, ibidem. 192
ÁVILA, H. op. cit., p. 35. 193
PEDRON, Flávio Quinaud. Comentários sobre as interpretações de Alexy e Dworkin. Revista CEJ, n. 30, p. 70-80, set. 2005, p. 73.
194 GRAU, E. R. op. cit., p. 168.
77
Alexy195 acredita serem os princípios normas, com caráter de mando, pois
ordenam que algo se realize na maior medida possível, fazendo uma equiparação
aos valores, tendo em vista a possibilidade de que os princípios têm de ser
classificados, comparados e medidos, mantendo, porém, a diferenciação, visto que
princípios são normas que indicam o que se considera devido e valores apontam
para o que pode ser considerado melhor.
Novamente Alexy196, discorrendo sobre o assunto, afirma que princípios são,
por conseguinte, mandamentos de otimização, em sentido amplo, caracterizados
“por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida
de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também
das possibilidades jurídicas.”
Com relação às regras, Alexy197 as conceitua como normas obrigatórias, de
acordo com a sua validade ou não, ou seja, se forem válidas serão obrigatórias, o
que leva à solução de conflito entre regras, pois aquela que for considerada inválida
não poderá ser usada e, conseqüentemente, será retirada do ordenamento jurídico.
O mesmo não acontece com os princípios, pois, frente a um conflito, aquele
que não for considerado como razão para aquele determinado caso, poderá ser para
outro, em que o peso será diverso, lembrando que os princípios não têm hierarquia
entre si.
Vê-se que, somente no pensamento pós-positivista, os princípios passaram
a ser considerados espécies de normas, fundamentando o sistema jurídico,
especialmente após as obras de Dworkin e Alexy, em especial, respectivamente,
Levando os Direitos a Sério198 e Teoria dos Direitos Fundamentais199.
Muito embora vários autores já tenham se dedicado a estabelecer critérios
para demonstrar as diferenças entre as duas normas, Barcelos200 lista os sete
critérios mais comuns trazidos pela doutrina.
a) Conteúdo: enquanto os princípios possuem idéia de valor e direito, formando uma exigência da justiça, equidade e moralidade, as regras
195
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Vergilio Afonso da Silva, da 5ª. Ed. Alemã. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 90-91.
196 Idem, p. 90
197 ALEXY, R. op. cit., p. 91
198 Takien Rights Seriously
199 Theorie Der Grundrechte
200 BARCELLOS, A. P. op. cit., p. 47.
78
possuem conteúdo diversificado. b) Origem e validade: a validade dos princípios é em decorrência de seu próprio conteúdo; as regras derivam de outras regras ou dos princípios, possibilitando identificar quando a regra se tornou norma. c) Compromisso histórico: os princípios são universais, absolutos, objetivos e permanentes; as regras dependem da contingência e seus conteúdos são relativos. d) Função no ordenamento: os princípios têm uma função explicadora e justificadora em relação às regras, proporcionando unidade e ordem no ordenamento jurídico. e) Estrutura lingüística: os princípios são mais abstratos que as regras, visto que são aplicados em várias condições e situações. f) Esforço interpretativo exigido: enquanto os princípios exigem argumentação de forma profunda, as regras dependem apenas de sua aplicabilidade. g) Aplicação: as regras serão válidas e aplicáveis ou inválidas e não aplicáveis, já os princípios, dependendo das possibilidades físicas e jurídicas, podem ter uma aplicação mais ou menos ampla.
Além dos critérios acima, a mesma autora propõe um novo critério para
distinguir as regras dos princípios - os efeitos que pretendem produzir e os meios
aptos para alcançar esses efeitos. Os princípios e as regras são normas jurídicas e
buscam a produção de efeitos nos fatos, para que a realidade assuma uma forma
específica, distinguindo-se pela “a relativa indeterminação dos efeitos” e a
“multiplicidade de meios para atingi-los”201.
Com relação aos efeitos, aponta a autora que, quanto aos princípios, estes
são sempre indeterminados a partir do que denomina “núcleo básico” (conjunto
mínimo de efeitos que o princípio pretende produzir), enquanto que com as regras os
efeitos serão determinados.
No tocante aos meios para alcançar esses efeitos, lembrando o acima dito,
que os princípios possuem efeitos indeterminados e as regras determinadas, não
quer dizer que estes (meios) também serão múltiplos e únicos, respectivamente aos
efeitos. Muito embora o efeito de uma regra seja totalmente determinado, os meios
para alcançá-los poderão ser múltiplos.
É importante salientar que do conhecimento dos efeitos pretendidos pelos
princípios, ou seja, o que eles pretendem garantir dependerá a garantia de coação,
em caso de não realizar-se espontaneamente.
Ainda sobre as diferenças entre regras e princípios, além dos critérios para
tal distinção já expostos, Ávila202 descreve quatro critérios: o critério do caráter
201
BARCELLOS, A. P. op. cit. p. 51. 202
ÁVILA, H. op. cit., p. 35.
79
hipotético-condicional; o critério do modo final de aplicação; o critério do
relacionamento normativo; e, finalmente, do fundamento axiológico. Ao tratar de tais
critérios distintivos, faz uma análise crítica de cada um.
Em outro aspecto, sobressai-se a questão do relacionamento normativo ou
como denomina “conflito normativo”.
A diferença entre as duas normas também está na hipótese de conflito
normativo entre duas regras e dois princípios. Assim, quando duas regras entram em
conflito, como já dito, a solução era saber qual das regras seria válida e sua
aplicação estava decidida.
No tocante ao conflito entre princípios, Alexy203 não vê a prevalência de um
princípio pelo outro, pois, para determinar sua aplicação, deve-se ponderar dada a
circunstância e qual deverá ser aplicado.
Doworkin204 alerta para a dimensão do peso dos princípios, concluindo que o
princípio com meio peso seria o aplicado àquela situação fático-jurídica, o que fica
demonstrado ao analisar as convicções conflitantes e dominantes do juiz Hermes.
Ao fazer uma análise crítica do pensamento dos autores acima, Ávila205
argumenta que a teoria de Dworkin peca no que se refere à dimensão de peso
alegada aos princípios e Alexy, quanto a não ser privativo dos princípios, sustenta a
argumentação como forma de aplicação. Para defender seu ponto de vista, como
primeiro argumento, afirma que, apesar de disseminado o entendimento, deve ser
repensado, no sentido de que, para que as regras que entram em conflito sem
perder a validade, é necessária a atribuição de maior peso a uma delas.
Conclui o pensamento acima, dizendo que, muito embora uma das regras
não seja aplicada ao caso concreto, não significa que esta será excluída do sistema
normativo, sendo caso de abrir uma exceção.
Ocorrendo uma exceção, estando esta prevista no ordenamento jurídico,
deverá o aplicador ponderar as razões para saber se aplicará a regra ou a exceção.
No caso de a exceção não estar prevista no ordenamento jurídico, “[...] o aplicador
203
ALEXY, R. op. cit. p. 93. 204
DWORKIN, Ronald. Império do direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 381-9.
205 ÁVILA, H. op. cit., p. 52.
80
avaliará a importância das razões contrárias à aplicação da regra, sopesando os
argumentos favoráveis e os argumentos contrários à criação de uma exceção diante
do caso concreto”206.
Argumenta ainda quanto ao uso da ponderação pelo aplicador, quando a
regra possuir uma “delimitação de hipóteses normativas semanticamente aberta ou
de conceitos jurídico-políticos” e houver discrepância entre seus elementos. Nesses
casos, o aplicador deverá usar da ponderação das razões para aplicar a regra ou
não.
Em um segundo argumento de crítica, atém-se à dimensão de peso
atribuída aos princípios e não as regras.
Para fundamentar seu argumento, Ávila207, baseando-se em Jaap C. Hage
diz que “Em segundo lugar, há incorreção quando se enfatiza que os princípios
possuem uma dimensão de peso. A dimensão de peso não é algo que já esteja
incorporado a um tipo de norma. As normas não regulam sua própria aplicação.”
Ainda no mesmo sentido, afirma que “Não são, pois, os princípios que
possuem uma dimensão de peso: às razões e aos fins quais eles fazem referência é
que deve ser atribuída uma dimensão de importância. A maioria dos princípios nada
diz sobre o peso das razões.”
Finalizando a questão, o autor208 pondera que,
É a decisão que atribui aos princípios um peso em função das circunstâncias do caso concreto. A citada dimensão de peso (dimension of weight) não é, então, atributo abstrato dos princípios, mas qualidade das razões e dos fins a que eles fazem referência, cuja importância concreta é atribuída pelo aplicador.
Em resumo, Ávila209 preleciona que “[...] a dimensão de peso não é um
atributo empírico dos princípios, justificador de uma lógica relativamente, às regras,
mas resultado de juízo valorativo do aplicador.”
Após analisar de forma crítica os argumentos de diferenciação entre regras e
princípios propostos pelos juristas de Kiel e de Oxford, Ávila210 faz uma “proposta de
206
ÁVILA, H. op. cit., p. 54. 207
Idem, p. 59. 208
Idem, ibidem. 209
Idem, ibidem. 210
Idem, p. 64-71.
81
dissociação” entre as duas normas. Dita dissociação possui quatro propostas:
a) dissociação justificante, a qual dá prioridade ao caráter justificativo dos princípios; b) dissociação abstrata, que faz a distinção entre o plano preliminar de análise abstrata do plano conclusivo de análise concreta das normas; c) dissociação heurística, em que se vê a distinção como uma hipótese provisória; e d) dissociação em alternativas inclusivas, distinção baseada no caráter pluridimensional dos enunciados (princípios, regras e postulados).
Tais propostas são acompanhadas de critérios de distinção, em número de
três: o primeiro, quanto ao modo como prescrevem o comportamento; o segundo,
quanto à justificação de sua aplicação; o último, a maneira como contribuem para a
decisão.
Após enumerar as propostas e os critérios para a dissociação de regras e
princípios, aqui expostos rapidamente, Ávila211 propõe o conceito de regras e
princípios.
Regras, segundo o autor, “[...] são normas imediatamente descritivas,
primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para
cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência”, porém estão atreladas aos
fins que lhe dão suporte ou “[...] nos princípios que lhes são axiologicamente
sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e da
construção conceitual dos fatos”212.
Por outro lado, novamente segundo o autor, princípios “[...] são normas
imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de
complementaridade e de parcialidade”, que para a respectiva aplicabilidade, “[...] se
demanda de uma correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos
decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção”213.
Dessa forma, fica claramente demonstrado pelos conceitos acima que a
diferença de regras e princípios perpassa pela natureza, objetivo e fim.
Grau214, tratando dessa diferenciação, após relatar as opiniões de diversos
211
ÁVILA, H. op. cit., p. 78-9. 212
Idem, ibidem. 213
Idem, ibidem. 214
GRAU, E. R. op. cit., p. 180-3.
82
autores como Dworkin, Alexy, Canotilho, Sanchís, Zagrebelski, Jean Boulanger e
Crisafulli, explica, em sua opinião, quais seriam as diferenças entre regras e
princípios.
Primeiramente, as regras e os princípios divergem quanto à generalidade,
sendo que as primeiras são gerais porque instituem inúmeros atos ou fatos, sendo,
ao mesmo tempo, especiais, porque só podem se ater (regulamentar) a esses atos e
fatos instituídos. Os princípios sempre serão gerais, visto que sua aplicação não
será restrita a este ou aquele fato ou ato.
A segunda diferença seriam as esboçadas por Canotilho:
(1) Os princípios são normas jurídicas impositivas de uma optimização, compatíveis com vários graus de concretização, consoante os condicionalismos fácticos e jurídicos: as regras são normas que prescrevem imperativamente uma exigência (impões, permitem proíbem) que é ou não é cumprida (nos termos de Dworkin: aplicable in all-or-nothing fashion); a convivência dos princípios é conflitual (Zagrebelsky); a convivência das regras é antinômica. Os princípios coexistem; as regras antinômicas excluem-se. (2) Conseqüentemente, os princípios, ao constituírem exigências de optimização, permitem o balanceamento de valores e interesses (não obedecem, como as regras, à „lógica do tudo ou nada‟),consoante o seu peso e a ponderação de outros princípios eventualmente conflituantes; as regras não deixam espaço aberto para qualquer outra solução, pois se uma regra vale (tem validade)deve cumprir-se na exata medida das suas prescrições, nem mais, nem menos.(3) Em caso de conflito entre princípios, estes podem ser objecto de ponderação, de armonização, pois eles contêm apenas „exigências‟ou standards que em „primeira linha‟(prima facie), devem ser realizados; as regras contêm „fixações normativas‟definitivas, sendo insustentável a validade simultânea de regras contraditórias.(4) Os princípios suscitam problemas de validade e peso (importância, ponderação, valia); as regras colocam apenas questões de validade (se elas não são correctas devem ser alteradas)
215.
Como terceira diferença, aponta o autor a questão da interpretação, visto
que somente com a conclusão do intérprete, se houve conflito ou colisão,
distinguindo tratar-se de uma regra no primeiro caso e um princípio no segundo.
Difere, ainda, as regras dos princípios, no que tange serem os princípios o
mecanismo de controle das regras.
Como última distinção, tem-se a questão da escolha da aplicação, sendo
que os princípios deverão ser aplicados apenas em casos concretos, usando o
intérprete da ponderação; já com relação às regras, sua validade dependerá de
critérios formais, “exteriores a elas”.
215
GRAU, E. R. op. cit., p. 181.
83
Ao se analisar a proposta de diferenciação fornecida por Humberto Ávila e a
de Eros Grau, é notória a dessemelhança de seus argumentos.
Enquanto Ávila sustenta uma nova linha de pensamento, criticando a
inflexibilidade conceitual de Dworkin, Eros Grau corrobora com tais pensamentos ao
se juntar a Canotilho.
Para terminar o assunto, porém não esgotá-lo, dar-se-á o pensamento de
Marinoni que, ao se reportar à diferença entre regras e princípios, traz o pensamento
de Alexy e Dworkin, afirmando que
Enquanto as regras se esgotam em si mesmas na medida em que descrevem o que se deve, não se deve ou se pode fazer em determinadas situações, os princípios são constitutivos da ordem jurídica, revelando os valores ou os critérios que devem orientar a compreensão e a aplicação das regras diante da situação concreta
216.
Assim, a diferenciação entre regras e princípios constitucionais é resultado
de uma nova concepção doutrinária, a qual é reflexo do Estado contemporâneo, que
tem na Constituição sua maior força normativa.
Apesar de vários serem os autores que vêm discutindo e estudando o
assunto, é nas figuras de Dworkin e Alexy que repousa o marco dessa distinção, os
quais defendem a idéia de que princípios são diferentes de regras e ambos são
normas.
Muito embora sejam vários os critérios para se estabelecer a diferença,
como visto, atualmente, talvez o critério que mais chame a atenção, não só dos
constitucionalistas, mas também dos aplicadores das normas é o problema da
colisão de princípios.
Nesse sentido, a maioria afirma que, quanto aos princípios, existe uma
questão de peso, seguindo as teorias dos renomados juristas acima citados, não
importando, dessa forma, em serem considerados válidos ou não válidos, como é
em casos de regras, e tal “peso” é dado pela escolha do intérprete, o qual ponderará
em ralação ao conteúdo dos princípios.
Não se pode, porém, deixar de se ater aos argumentos de Humberto Ávila,
quando afirma que todas as normas têm peso e esse é o resultado “valorativo” dado
216
MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, vol. 1, 2006, p. 47.
84
pelo aplicador.
A par das discussões da diferença entre princípios e regras, os princípios
constitucionais stricto sensu (positivados), segundo autores como José Afonso da
Silva, Luis Roberto Barroso, Jorge Miranda e J. J. Gomes Canotilho podem ser
classificados sob diversas ênfases, alterando de autor para autor, porém com
determinada co-relação217.
Segundo Silva218, os princípios podem ser classificados como político-
constitucionais ou fundamentais (opção ideológica formalmente constitucionalizada).
São aqueles previstos nos artigos primeiro a quarto da Constituição Federal e
jurídico-constitucionais ou gerais (bases estritamente jurídicas, derivados de normas
já positivadas). Os demais, como desdobramentos dos primeiros219.
Em outra classificação, sustentada por Barroso220, os princípios
constitucionais podem ser agrupados em três categorias:
a) fundamentais: expressam as principais decisões políticas no âmbito do Estado, como regime de governo, forma de Estado, relações internacionais, entre outros; b) gerais: representam importantes especificações dos princípios fundamentais, com menor grau de abstração, tutelando diretas e imediatas as situações jurídicas que contemplam; e c) setoriais: norteiam um específico conjunto de normas afetas a determinado tema, com irradiação limitada, mas de forma suprema, como mero detalhamento dos princípios gerais ou de forma autônoma.
A classificação de Canotilho221 agrupa os princípios constitucionais em
jurídicos fundamentais (historicamente objetivados e progressivamente introduzidos
na consciência jurídica, recepcionados pelo texto constitucional), políticos
constitucionalmente conformadores (demonstram e condensam as opções políticas
nucleares, originados da ideologia majoritária que resultou a constituição),
constitucionais impositivos (orientadores e impositivos das demais atividades
estatais, submetendo-se aos demais princípios) e princípios-garantia (instituem
direta ou indiretamente uma garantia para o cidadão).
Sintetizando a classificação segundo Cruz222, têm-se três tipos: os político-
217
CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do direito constitucional. 2. ed. rev. e ampl. Curitiba: Juruá, 2006. p. 107-113.
218 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 18.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.
219 CRUZ, P. M. op. cit., p. 107-8.
220 BARROSO, L. R. op. cit., p. 375-6.
221 CANOTILHO, J. J. Gomes. op. cit., p. 1149-51.
222 Idem, p. 113-14.
85
ideológicos, os fundamentais gerais e os específicos. Os primeiros são aqueles que
possuem “[...] dimensão axiológica fundamental”, funcionando como “[...] os
princípios dos princípios”, orientando os demais princípios inscritos na Constituição,
com baixo grau de aplicação concreta; os segundos, ao contrário dos primeiros,
possuem alto grau de aplicação concreta; os últimos, “[...] são aqueles que orientam
uma determinada parte do Direito Constitucional”, com “[...] características muito
próximas daqueles encontradas nas regras jurídicas, principalmente quanto a sua
auto-aplicabilidade”.
Dentre os princípios constitucionais político-constitucionais ou fundamentais
(Silva) ou princípios constitucionais jurídicos fundamentais (Canotilho) ou ainda
somente princípios constitucionais fundamentais (Barroso), merece destaque em
todas as relações públicas e privadas o princípio da dignidade da pessoa humana223.
O referido princípio “identifica um espaço de integridade moral a ser
assegurado a todas às pessoas por sua só existência no mundo”, alardeado pela
jurisprudência como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito e
servindo de fundamento para decisões de alcance diverso – desde a garantia a um
medicamento (vida humana) até a abusividade dos juros (bem material).
Com relação ao princípio supracitado, remete-se à seqüência do presente
trabalho.
2.3 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
2.3.1 Dignidade humana
Segundo um dos renomados dicionários da língua portuguesa, dignidade
vem do latim dignitate e pode ser definida como honradez, honra, nobreza,
decência, respeito a si próprio, respeitabilidade, decência e decoro224 e está ligada
223
BARROSO, L. R. op. cit., p. 374. 224
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. 3.ed. Curitiba: Positivo, 2004, p. 678.
86
ao ser humano por uma abstração intelectual representativa de um estado de
espírito.
A dignidade, na sua essência, é um atributo humano, originado e
desenvolvido com ele, com ampliação do conceito ao longo da história da
humanidade. Desde os primórdios da humanidade, mas só nos últimos dois séculos
plenamente, passou a ser percebido e entendido concretamente, apesar de que,
quando o ser humano começou a viver em sociedades rudimentarmente
organizadas, a honra, honradez e nobreza já eram respeitadas pelos membros do
grupo.
Ser digno significa ser merecedor, ser respeitável, mas essa respeitabilidade
e merecimento só podem ter sentido se forem ligados à natureza do ser de quem
isso é atribuído. A dignidade humana não pode ser atribuída a aspectos de
divindades, nem pode ser entendida como decorrência de sua racionalidade ou
sociabilidade, mas sim de elementos complexos, permeados de variações
conceituais e perceptivas.
Quando se abordam as dimensões da dignidade da pessoa humana,
segundo Sarlet225, “está-se a referir – num primeiro momento – a complexidade da
própria pessoa humana e do meio no qual desenvolve sua personalidade”.
A dignidade humana obriga ao inarredável compromisso com o pleno e
irrestrito respeito à identidade e à integridade do ser humano, porquanto a
dignidade, por ser uma qualidade inseparavelmente ligada à pessoa humana, é
irrenunciável e inalienável, constituindo, dessa forma, elemento que o qualifica como
ser humano e dele não pode ser retirado ou separado e, em decorrência, jamais se
pode condicioná-la ou retirá-la, sob qualquer condição226.
Dignidade humana vincula-se à idéia de “igualdade ontológica” que
pressupõe, necessariamente, o valor incomensurável de todo e cada um dos seres
humanos, noção que pode ser considerada como a origem imediata e o fundamento
dos direitos humanos, como visto no capítulo acima.
Portanto, cabe afirmar que o caráter intrínseco e universal da dignidade
225
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 15.
226 Idem, p. 19.
87
humana deve ser reconhecido com independência de qualquer circunstância,
elemento acidental, e/ou características e posição que ocupem o indivíduo na
sociedade, pressupondo não só a fundamentação de direitos, mas também e,
principalmente, de deveres humanos, no sentido de que todo ser humano merece
dos demais um tratamento adequado e compatível com o seu estatuto ontológico.
Nunes227, citando Chaves de Camargo, afirma que toda pessoa humana,
pela própria natureza, com sua inteligência e pressupostos de liberdade, diferencia-
se do ser irracional, ou seja, o simples fato de existir, independentemente de sua
situação social, traz na sua racional superioridade à dignidade intrínseca de todo
ser.
O conceito de dignidade humana é um resultado intelectual heterogêneo
cujo significado se constitui por diversas tradições filosóficas, teológicas e jurídicas
(Antiguidade greco-romana, Renascimento, Humanismo, Iluminismo). A amplidão
semântica proporcionou interpretações variáveis, contrariamente à idéia de princípio
absoluto e pleno.
Historicamente, o conceito de dignidade humana remonta ao Cristianismo,
estruturado a partir da noção de ser o bem mais caro ao ser humano, bem como a
idéia de igualdade universal, conforme as teorias tomista e agustiniana, já
analisadas neste trabalho. Para a teoria cristã, a dignidade da pessoa humana é
essencial na criação do homem à imagem de Deus, especialmente quando do IV
Concílio Ecumênico, em que a pessoa passa a ser matéria e espírito, tendo como
conseqüência a evolução do termo dignidade, pois, ao identificar o homem com
Deus, deu-lhe a dignidade de alto grau, só superada pela de Deus228.
É justamente nesse sentido que fica demonstrada a existência de uma
dignidade racional, a do homem, intrínseca ao seu ser, própria de sua racionalidade,
que o distingue das demais criaturas, e a dignidade divina, pertencente somente a
Deus.
A teoria do direito natural manteve sua base religiosa até o século XVII,
227
NUNES, Rizzato. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. 3.tiragem. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 49.
228 MAURER, B. op. cit., p. 65-6.
88
sendo que, a partir da publicação de “De jure belli ac pacis” e “Direito da natureza e
das gentes” por Grotius e Pufendorf, respectivamente, deu-se diverso enfoque ao
tema, afastando-o da moral , da política e do direito positivo, dando origem a teoria
roussoniana sobre sociedade229.
Não olvidando as contribuições vindas do Iluminismo, nas obras de Thomas
Hobbes, John Locke, Montesquieu e Voltaire, é a obra de Immanuel Kant a
referência mantida até os dias atuais. Desse modo, Sarlet230 se manifesta no sentido
de que, mesmo com as mudanças sofridas referentes à dignidade da pessoa
humana e ao próprio direito natural em conseqüência das teorias jusnaturalistas, a
noção fundamental da igualdade de todos os homens em relação à dignidade e à
liberdade manteve-se, visto que, para Kant, a concepção de dignidade parte da
autonomia ética do ser humano, considerando-a como fundamento de sua
dignidade, afirmando categoricamente que o homem não pode ser tratado como
objeto, nem por ele mesmo.
Em sua Fundamentação para a Metafísica dos Costumes, Kant231 sustenta
que todo ser racional tem sua existência em si mesmo não apenas para o uso
arbitrário de suas vontades, mas em todas as suas ações. Tanto as dirigidas a si
mesmo como aos outros seres racionais, ele sempre será considerado como um fim.
A própria natureza os distingue dessa forma, ou seja, não podem ser usados como
meio, limitando-os com relação ao arbítrio.
Para Kant, como já visto, a dignidade humana não é apenas uma idéia
abstrata, mas sim um valor supremo que, em virtude de tal, adquire foros de
obrigatoriedade. Dessa forma, a dignidade é um elemento sem o qual não se
concebe uma pessoa humana, ou seja, é inerente a sua existência e, portanto,
inalienável, não se tratando de um mero fato verificável, mas sim de fundamental
existência a este ser racional, diferenciando dos animais.
Nem todos os filósofos têm a mesma visão de Kant, Cícero, Pascal, Levinas
e outros em relação à dignidade humana, pois contestam e negam a dignidade
humana como valor inerente ao homem, como é o caso de Lévi-Strauss, que tem a
229
JACINTHO. Jussara Maria Moreno. Dignidade humana – princípio constitucional. Curitiba: Juruá, 2006, p. 97.
230 SARLET, I. W. op. cit., p. 32.
231 KANT, I. op. cit., p. 226.
89
dignidade como um mito, uma ilusão, desconhecendo a superioridade do homem
sobre os demais, fato que deve ser apurado pela biologia e não como questão
moral, descaracterizando a racionalidade como elemento essencial ao
reconhecimento da dignidade, retirando-lhe o caráter absoluto232.
A questão é de extrema importância, como já ressaltou Barreto233, tendo em
mente as atrocidades que estão sendo cometidas todos os dias, num total
desrespeito à dignidade humana, contudo, como se posiciona o autor, não se pode
afirmar a existência de um conflito sem soluções: o respeito ao multiculturalismo não
significa suportar situações extremistas que transgridem valores intrínsecos aos
seres humanos.
Denota-se que não há um consenso para o que venha a ser a dignidade
humana, mas não há como negá-la, e é justamente nessa acepção que Maurer234,
usando da sistemática de Hegel, em que a consciência só alcança o conhecimento
absoluto quando as noções de para si e em si ajustam-se perfeitamente, é que se
busca a realidade da dignidade humana. A Dignidade “para si” é a concepção
individual de cada um, a qual leva em conta as subjetividades, conceitos criados
pelas próprias experiências de vida, criadas pelo contexto social em que estão. A
dignidade “para nós” expressa um consenso social, e está ligada aos atores de uma
sociedade, já a dignidade “em si” deve ater-se ao seu fundamento, ao que ela não é,
aos conceitos dados pela maioria dos estudiosos da matéria.
Fazendo uso do processo acima, a professora conclui que, para se chegar
ao mais próximo da real dimensão da dignidade humana, deve-se ter em mente dois
elementos principais: a liberdade, como primeiro elemento, no sentido que gera o
dever de reconhecer a liberdade do outro, tornando essencial a presença da
solidariedade e da responsabilidade. Vale lembrar que, no pensamento kantiano, a
dignidade é um valor e assim o sendo, é uma escolha entre várias possibilidades
com caráter moral, e a liberdade fará com que opte ou descarte determinado valor.
O conceito de liberdade está intimamente ligado ao da dignidade: só é digno
quem é livre. E liberdade é uma conseqüência da razão, assim como já definiu Kant,
e esta possibilita a liberdade, por ser o homem um ser autônomo, que define a sua
232
MAURER, B. op. cit., p. 69. 233
BARRETO, V. de P. Multiculturalismo e direitos humanos: um conflito insolúvel? op. cit.. 234
MAURER, B. op. cit., p. 71-4.
90
própria lei, em função da razão coletiva. Muito embora os adeptos da filosofia
contemporânea tratem como sendo a autonomia a primeira dimensão da pessoa
humana a qual dá fundamento à dignidade e não a razão, mas a capacidade de
exercê-la, é impossível separar esses dois conceitos na dimensão atual dos direitos
humanos235.
Como segundo elemento cita o respeito, sem o qual inexistiria o
reconhecimento da igualdade entre os homens e seus direitos inerentes. É
justamente a existência do respeito que faz com que os homens considerem a sua
dignidade e a dos outros e que os outros considerem a sua, o que já vem transcrito
no artigo primeiro da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948).
Conclui-se, dessa forma, que a dignidade é própria do ser humano, dotado
de razão e consciência, a qual está calcada na sua autonomia no sentido de
autodeterminar sua conduta ou, na ausência de tal autodeterminação, como é o
caso dos incapazes, e na necessidade de sua proteção pela comunidade e pelo
Estado, e para tal deverá resultar em um complexo de direitos fundamentais que
tenham como objetivo garantir a todos os seres humanos a proteção contra atos os
atente, dando-lhes condições mínimas de uma vida saudável, proporcionando a sua
auto-existência e a vida em comunidade236.
2.3.2 A dignidade da pessoa humana como princípio constitucional
É o respeito pela dignidade da pessoa que fornece a condição para uma
concepção jurídica dos direitos humanos, o que ficará concretizado com a
observância e a realização de seus direitos fundamentais, como escreve Barcelos237.
Os Direitos Humanos são o fundamento para a dignidade da pessoa humana e com
os quais está intimamente relacionada.
A dignidade da pessoa humana, nesse contexto, deve ser vista como norma
constitucional, mais precisamente como um princípio, já visto na parte inicial deste
235
MAURER, B. op. cit., p. 75. 236
SARLET, I. W. op. cit., p. 58-9. 237
BARCELLOS, A. P. op. cit., p. 110-11.
91
trabalho.
Seguindo uma tendência, já existente em outras ordens constitucionais, a
Constituição Brasileira de 1988 prevê um título próprio para os princípios
fundamentais, o qual se encontra de forma destacada dos direitos fundamentais,
proporcionando a tais normas a posição de fundamentos basilares e informativos de
todo o sistema constitucional e como fundamento do Estado Democrático de
direito238.
O artigo primeiro da constituição de 1988 descreve quais são estes
fundamentos: a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores
sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. Mesmo que o texto
constitucional não mencione hierarquia nem grau de maior ou menor importância
entre os princípios, destaca-se a dignidade da pessoa humana por ser um valor
preenchido a priori, pertencente a todo ser humano e, como escreve Nunes239, é a
primeira garantia das pessoas e o último foro de proteção dos direitos fundamentais.
Tratar-se-á como princípio absoluto.
Muito embora o Brasil tenha participado da redação e votado pela aprovação
da Declaração Universal dos Direitos Humanos no mesmo ano de sua proclamação
pela Assembléia das Nações Unidas, em 1948, somente com a Constituição Federal
de 1988 é que se reconheceu ser a dignidade direito/dever fundamental, ou seja,
com uma dupla compreensão, como afirma Morais240. De um norte, um direito
individual a ser protegido do próprio Estado e protegido por este nas relações com
os demais indivíduos e, de outro, a idéia de um dever fundamental que preconiza a
igualdade de condições para todos, determinando que a pessoa humana deve
respeitar a dignidade do seu semelhante na mesma forma que a Constituição obriga
este a respeitar a sua.
Assim, como afirma Jacintho241, de acordo com o disposto no art. 1º, III da
Constituição Federal, o Estado brasileiro e a sociedade, responsáveis pela sua
configuração, passam a se organizar em razão da dignidade da pessoa humana242.
238
SARLET, I. W. op. cit., p. 61. 239
NUNES, R. op. cit., p. 52. 240
MORAIS, A. de. op. cit., p.46-7. 241
JACINTHO, J. M. M. op. cit., p. 46. 242
Idem, ibidem.
92
A tônica da Constituição de 1988 é voltada para a promoção da pessoa
humana, em que o Estado Democrático de Direito só será alcançado à medida que
se observarem seus fundamentos, como é o caso da dignidade da pessoa humana,
presente em vários trechos da Carta, como, por exemplo, na questão da ordem
econômica, prevista no art. 170, ou nas questões relacionadas às políticas públicas,
consolidadas no art. 226, § 7º.
A necessidade de se firmar o homem como titular de uma dignidade, objetivo
da internacionalização dos direitos humanos, fez com que vários países
introduzissem em seus textos constitucionais dispositivos relativos à dignidade da
pessoa humana, como, por exemplo, a Alemanha, que, em seu art. 1º dispõe: “A
dignidade da pessoa humana é inviolável. Todas as autoridades públicas têm o
dever de respeitar”, bem como a Constituição francesa da Quinta República em seu
preâmbulo: “O povo francês proclama solenemente sua adesão aos Direitos do
Homem e aos princípios da soberania nacional tais como foram definidos na
Declaração de 1789, confirmada e complementada pelo Preâmbulo da Constituição
de 1946”, dispositivo também presente na Carta Constitucional espanhola: “A
dignidade da pessoa, os direitos invioláveis que lhe são inerentes, o livre
desenvolvimento da personalidade, o respeito a lei a aos direitos dos demais são
fundamento de ordem político e da paz social.”
Ao considerar a dignidade da pessoa humana como um princípio relevante
ao sistema constitucional do Brasil, não se pode olvidar o estudo já realizado sobre
princípios constitucionais. Desta feita, o princípio da dignidade da pessoa humana
segue as mesmas conformações já arroladas, servindo como fonte das fontes,
sobrepondo-se à lei e aos costumes, fazendo com que o sistema constitucional
incorporasse, como no dizer de Bonavides243, uma ordem objetiva de valores,
afastando os conceitos valorativos abstratos.
O mesmo autor, continuando, ressalta que a constitucionalização dos
princípios tem acarretado uma modificação substancial na teoria dos princípios, pois,
ao deixarem de fazer parte da investigação teórica metafísica e abstrata,
transpondo-se para matéria do direito positivo, adquire status de “norma
normarum”244, transformando-se no núcleo do sistema constitucional, que tem como
243
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2002, p.265. 244
Idem, ibidem.
93
objetivos, além de agirem como parâmetros constitutivos de valor normativo quando
de interpretação, preencher as lacunas do direito e ser norma vinculativa dos
operadores do direito, o que, para a hermenêutica, servem para a solução do caso
concreto.
Assim, o princípio da dignidade humana não pode, por parte do intérprete,
ser considerado válido ou não válido, pois não admite conflito e, como visto acima, o
que existe são colisões de princípios.
Assim, quando Sarlet fala em dever do Estado e condições existenciais
mínimas, não raras vezes o intérprete usará do que Ávila chama de “comandos de
otimização”, ou seja, deverá escolher de forma racional e fundamentada qual
princípio deve prevalecer, pois o princípio não escolhido somente não será relevante
para aquele caso concreto, permanecendo no sistema jurídico.
Dessa forma, a dignidade da pessoa humana é limitada pelo próprio direito à
dignidade de outra pessoa ou de si próprio e cabe ao intérprete usar de seu poder
de ponderação para restringi-lo.
Também, nesse sentido, Grandinetti posiciona-se, ao afirmar que não existe
direito ilimitado, que tenha a pretensão de atuar em todas as situações, o que
desencadearia uma negação dos demais direitos, o mesmo acontecendo com o
princípio da dignidade, que deve ser ponderado quando em confronto com outros
valores constitucionais245.
É corrente majoritária entre os doutrinadores constitucionais que a dignidade
da pessoa é o princípio de maior hierarquia valorativa de todos os princípios e, como
tal, deve ser a matéria prima dos direitos fundamentais.
Muito embora, como já visto acima, apesar de a dignidade da pessoa ser
fundamento da República do Brasil, todos os dias cidadão brasileiros (como no resto
do mundo) têm a sua dignidade desrespeitada e, muitas vezes, até usurpada pelos
detentores do poder, em todas as esferas.
Vista a sua função dupla – direito/dever – a dignidade da pessoa humana
pode ser violada, tanto no aspecto de sua interpretação, alterando a atividade
hermenêutica, quando de sua inobservância, quanto pelo Estado, assim como pelos
245
CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho. Processo penal e constituição. Princípios Constitucionais do Processo Penal. 4.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, p. 22.
94
próprios partícipes da sociedade como pessoas privadas, tendo como
conseqüências, em ambas as situações, um estado de incertezas, deslegitimando o
Estado246.
Neste viés, cabe ressaltar que as Cortes brasileiras têm invocado em suas
decisões a garantia de preservar a dignidade da pessoa humana, superando o
legalismo rigoroso, agindo conforme os ditames da Constituição. Como forma de
exemplo, cita-se o julgamento do Hábeas Corpus 92.961-3247, tendo como o
paciente Tércio Araújo Souza, impetrante a Defensoria Pública da União, em face do
Superior Tribunal Militar.
O Paciente era militar, preso em flagrante fumando um cigarro de maconha
e portando outros, no interior da Unidade Militar. Com a sentença, foi condenado a
um ano de reclusão, com direito à suspensão condicional da pena pelo período de
dois anos. Inconformado, recorreu ao Tribunal Superior Militar que negou sua
pretensão, com o argumento de que o princípio da insignificância não se aplica na
esfera da Justiça Militar. Quando já no Supremo Tribunal Federal, o Min. Eros Grau,
relator, manifesta-se da seguinte forma: aplicação do princípio da insignificância,
seguindo o parecer do Sub-Procurador Geral da República que ao discorrer pelo
assunto, alega a questão da igualdade do cidadão Militar com o civil, pois a conduta
do paciente não apresenta alta periculosidade social, nem lesividade material a bens
jurídicos, requisitos objetivos do instituto da insignificância e, por outro lado, a
disciplina militar é de menor valia comparada ao direito à saúde, pois o paciente,
como dependente químico deve ser tratado e não preso. Com relação á aplicação
da nova Lei de Drogas, que veda a prisão do usuário na tentativa de mudar o olhar
sobre os mesmo, exigindo novas políticas públicas, o Sub-Procurador vai alem,
também relembrado pelo Ministro Relator, pois declara que, muito embora deva ser
levado em conta o princípio da especialidade da lei, deverá ser considerado o
princípio maior da dignidade humana. O fato de o jovem já ter sido expulso da
corporação, já se mostra suficiente para preservar a disciplina e a hierarquia militar,
sendo totalmente contrário aos preceitos fundamentais da Constituição puni-lo em
vez de curá-lo. Voto este que foi acompanhado pelos demais Ministros da Segunda
246
JACINTHO, J. M. M. op. cit., p. 151. 247
STF - 2ª Turma – Habeasa Corpus nº 92.961-3/SP – Rel. Min. Eros Grau. Diário da Justiça nº 031, 22 fev. 2008.
95
Tuma do Supremo Tribunal Federal.
A decisão acima muda o entendimento doutrinário e jurisprudencial até
então majoritário.
Como bem lembra Barroso248, com o passar do tempo vai se
consubstanciando aos poucos uma gama de jurisprudência sobre o princípio da
dignidade da pessoa humana, não apenas na Corte Maior, mas em todos os
Tribunais de todas as instâncias, com os mais variados temas, como decisões do
Superior Tribunal de Justiça referente à liberação do FGTS para portador de AIDS,
com o intuito de custear tratamento, situação esta não prevista na lei. Importante
decisão, do Supremo Tribunal Federal, muito embora não de forma unificada, diz
respeito à prisão civil de depositário infiel decorrente de alienação fiduciária, uma
das situações de sua aplicabilidade, no Hábeas Corpus 90751/SC249, quando o Min.
Gilmar Mendes, monocraticamente, concedeu liminar tendo como motivação, além
do princípio da reserva legal proporcional, o fato de tal prisão ser totalmente
incompatível com os valores constitucionais de proteção dos direitos humanos. Na
esteira da proteção à dignidade humana, o tribunal de Alçada Criminal de São
Paulo, em Apelação Criminal250, concedeu à mãe que se encontrava privada de
liberdade, o direito a amamentar seu filho, no sentido de que a maternidade é a
manifestação mais sagrada da dignidade humana. Todas essas decisões e muitas
mais no mesmo sentido só têm consolidado os Direitos Humanos, usando a via da
dignidade humana, fortalecendo, dessa forma, o Estado Democrático de Direito.
Não só o Supremo Tribunal Federal, mas também a todos os operadores do
direito, ou não, cabe fazer com que a Constituição seja respeitada e cumprida, não
permitindo que o respeito aos direitos humanos, consagrado pela dignidade
humana, tão almejado, seja inatingível, caindo em descrédito e banalizado.
248
BARROSO, L. R. op. cit., 249
STF- HC 90751/SC – medida cautelar – rel. Min. Gilmar Mendes, Diário da Justiça, Seção I. 26 mar.2007, p.25.
250 TACrim./SP- Apelação Criminal nº 192.010-8 - 9ª C. – rel. Juiz Barbosa de Almeida – J. 11-4-90 –
RT 659/278.
3 CONCLUSÃO
O presente trabalho pretendeu abordar o princípio da dignidade da pessoa
humana como um valor que está respaldado pela idéia de direitos humanos,
consubstanciado em um direito intrínseco aos seres humanos, sendo que esse valor
é fundamental na constituição de um Estado Democrático de Direito.
Nesse sentido, podem-se tirar as proposições objetivas e conclusivas
listadas a seguir.
1. A idéia de direitos humanos nasce com a noção de homem, moldando-se
de acordo com os períodos da sua própria história. Porém a idéia de como é
concebido atualmente tem suas raízes nos ideais da Revolução Inglesa, da
Independência Americana e na Revolução Francesa.
2. O marco da materialização universal dos Direitos Humanos ocorreu com a
Declaração dos Direitos do Homem de 1948, pela Assembléia das Nações Unidas,
trazendo em seu texto a trilogia de direitos consagrados pelos movimentos
revolucionário inglês, americano e francês: liberdade, igualdade e fraternidade.
2. Da fundamentação dada aos direitos humanos, ter-se-á uma conceituação
diferenciada. Contudo, direitos humanos possuem características que, muito embora
não lhe dêem uma conceituação única, são inerentes a sua idéia: a universalidade,
imutabilidade, mas, ao mesmo tempo, dinâmicos, a indivisibilidade, porém, são
interdependentes, a inalienabilidade e a imprescritibilidade.
3. A moral e o direito possuem uma relação íntima, fazendo com que a
primeira seja o expediente para legitimar um dado ordenamento jurídico, com a
premissa de que estejam presentes, neste determinado ordenamento, regras morais
de cunho universal.
4. A dignidade humana fornece a condição para uma concepção jurídica dos
direitos humanos, pois é a dignidade sua expressão máxima.
5. Toda a nova ordem jurídica está fundamentada na dignidade humana, que
possui o “status” de princípio fundamental da Constituição Brasileira de 1988, sendo
a dignidade da pessoa humana o elemento modelador, do Estado Democrático de
Direito, apresentando-se como direito material.
97
6. Os Princípios Constitucionais são um mandado de otimização e seu
cumprimento depende das possibilidades fáticas e jurídicas e, no caso destas
últimas, são determinadas pelos princípios contrapostos, aplicados ao caso
concreto, com o objetivo de harmonizar o sistema, diferenciado-se das regras, visto
estas serem um conjunto de comandos definitivos de acordo com a letra da lei, cuja
aplicação é de forma mais definida que os princípios.
7. Muito embora a preocupação com o respeito aos direitos humanos seja
uma constante nos sistemas jurídicos dos Estados de Direito, mesmo nos
democráticos, ocorrem as violações, muitas delas causadas pelo fenômeno da
globalização a qual engrandeceu as desigualdades entre os homens e as Nações.
Em decorrência, surge a idéia de uma sociedade que atinja os espaços de poder
que estão acima do Estado-Nação, cuja estrutura são os valores universais.
8. O Estado Democrático de Direito se baseia na força normativa da
Constituição, resultado da vontade dos cidadãos, ou seja, pautada na democracia
participativa e, assim o sendo, ter em seu núcleo o respeito pela dignidade da
pessoa humana, que é o princípio norteador da interpretação e aplicação do direito.
Por derradeiro, conclui-se que estudar direitos humanos através de
conceitos morais universais é o mecanismo mais apropriado para compreender a
amplitude da dignidade humana, como conceito e princípio constitucional, não
levando em conta somente do momento histórico, visto que os direitos humanos
devem ser analisados a partir do momento histórico em questão, da sociedade e dos
indivíduos que a compõem.
Independentemente do exposto acima, está sempre ligado à questão da vida
digna, que é um direito/dever de todo o ser humano, para consigo e para com o
outro, que, no Estado Democrático de Direito, gera um dever constitucional de ser
protegido e materializado em suas ações.
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