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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS Aluno: José Luiz Mazza RA: 149247 Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (IMECC) O Último Teorema de Fermat: a trajetória histórica do “enigma” GRADUAÇÃO DE LICENCIATURA EM MATEMÁTICA Trabalho apresentado à disciplina de Fundamentos da Matemática do curso de graduação de Licenciatura em Matemática do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (IMECC) da Universidade Estadual de Campinas, como requisito parcial para a obtenção dos créditos referentes ao semestre, sob a orientação do Prof. Dr. Fernando Eduardo Torres Orihuela. Campinas São Paulo Abril/2014

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

Aluno: José Luiz Mazza – RA: 149247

Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (IMECC)

O Último Teorema de Fermat: a trajetória histórica do “enigma”

GRADUAÇÃO DE LICENCIATURA EM MATEMÁTICA

Trabalho apresentado à disciplina de

Fundamentos da Matemática do curso de

graduação de Licenciatura em Matemática do

Instituto de Matemática, Estatística e

Computação Científica (IMECC) da

Universidade Estadual de Campinas, como

requisito parcial para a obtenção dos créditos

referentes ao semestre, sob a orientação do

Prof. Dr. Fernando Eduardo Torres Orihuela.

Campinas – São Paulo

Abril/2014

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RESUMO

Este trabalho tem como objetivo realizar um estudo acerca do último teorema de

Fermat; teorema esse que afirma não existir nenhum conjunto de inteiros positivos

𝑥, 𝑦, 𝑧 e 𝑛 com 𝑛 > 2 que satisfaça a equação 𝑥𝑛 + 𝑦𝑛 = 𝑧𝑛 . Baseado nessa afirmação,

e a fim de atender às atividades propostas na disciplina de Fundamentos da Matemática,

foram coletados seis artigos de fontes especializadas disponíveis na web para o

levantamento dos seguintes aspectos: (i) a elaboração de uma breve exposição histórica

sobre quem foi Pierre de Fermat, (ii) a importância de suas contribuições à Matemática,

(iii) a origem do respectivo teorema e os acontecimentos que decorreram a posteriori, e

(iv) a comprovação do teorema pelo matemático Andrew Wiles, em 1993. Tratando-se,

possivelmente, de um dos problemas mais instigantes da história da Matemática,

tentamos resenhar neste trabalho como um problema, aparentemente simples, tem sua

solução mais relevante do que se poderia supor, contribuindo assim na elucidação do

progresso das Ciências Matemáticas nos últimos três séculos.

Palavras-chave: Teorema de Fermat; Teoria dos Números; Demonstração de Andrew

Wiles.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................................4

1. QUEM FOI FERMAT..........................................................................................................5

1.1 AS ANOTAÇÕES DE FERMAT ......................................................................................8

1.2 A ORIGEM DO PROBLEMA ...........................................................................................8

2. AS PRIMEIRAS TENTATIVAS .........................................................................................9

3. A DEMONSTRAÇÃO DE WILES....................................................................................10

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................11

FONTES CONSULTADAS:..................................................................................................13

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INTRODUÇÃO

Dos tempos antigos à Idade Medieval, a eclosão da criatividade matemática foi

frequentemente seguida por séculos de estagnação. Foi no Renascimento, século XVI,

interagindo com as novas descobertas científicas, que os progressos da Matemática

surgiram de forma crescente, continuando assim até os dias atuais.

Considerado o "Príncipe dos Amadores", Pierre de Fermat nunca teve formalmente a

Matemática como a principal atividade de sua vida. Jurista e magistrado por profissão,

era um amante do estudo, dos clássicos e de suas próprias idéias matemáticas, que se

desenvolveram em parte por sua familiaridade íntima com os trabalhos de Arquimedes,

Apolônio, Diofanto e Pappus de Alexandria. Dedicava à Matemática apenas as suas

horas de lazer e, mesmo assim, foi considerado por Blaise Pascal o maior matemático de

seu tempo, e sua criatividade casual foi uma das maravilhas da época para os poucos

que a conheceram.

O seu grande gênio matemático perpassou várias gerações, fazendo com que várias

mentes se debruçassem com respeito sob o seu legado, composto por contribuições nas

mais diversas áreas da Matemática, sendo as principais: o Cálculo Geométrico e

Infinitesimal, a Teoria dos Números e a Teoria da Probabilidade.

Foi pela Teoria dos Números, um ramo matemático com poucas aplicações práticas

claras, que Fermat mais se interessou, e por ela criou uma proposição muito semelhante

ao Teorema de Pitágoras, mas que diferente deste, não tinha uma solução, essa

proposição atravessou os tempos e ficou sendo conhecida como o Último Teorema de

Fermat.

O Último Teorema de Fermat (UTF) 1, ou Teorema de Fermat-Wiles, afirma que:

Não existe nenhum conjunto de inteiros positivos 𝑥, 𝑦, 𝑧 𝑒 𝑛 com 𝑛 maior que 2 que

satisfaz a equação

𝒙𝒏 + 𝒚𝒏 = 𝒛𝒏

Este teorema desafiou matemáticos por todo o mundo durante 359 anos, até que

Andrew Wiles, um matemático britânico, conseguiu demonstrá-lo, primeiramente em

1993 e, depois de corrigir alguns erros apontados, definitivamente em 1995. Cumpre

esclarecer que Wiles utilizou conceitos matemáticos avançadíssimos, com os quais

Fermat nem poderia ter sonhado; desta forma, se Fermat realmente conhecia alguma

demonstração, esta seria certamente diferente (e mais simples) que a de Wiles. Assim

chegou ao fim uma história épica na busca do Santo Graal da Matemática.

1De agora em diante usaremos a sigla UTF para nos referirmos ao Último Teorema de Fermat.

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1. QUEM FOI FERMAT

Pierre de Fermat nasceu em 17 de agosto de 1601 em Beaumont-de-Lomagne, perto de

Montauban a sudoeste da França. O seu pai, Dominique de Fermat, era um rico

mercador de peles que lhe proporcionou uma educação privilegiada, inicialmente no

mosteiro franciscano de Grandselve e depois na Universidade de Toulouse. Entrou para

o serviço público onde foi, em 1631, nomeado conselheiro na Câmara de

Requerimentos. Em 1652 foi promovido a Juiz Supremo, na Corte Criminal Soberana

do Parlamento de Toulouse. Neste mesmo ano Fermat adoeceu e chegou a afirmar-se

que tinha morrido.

O interesse de Fermat pela Matemática deu-se, possivelmente, com a leitura de uma

tradução latina, por Bachet de Méziriac, da Aritmética de Diofanto de Alexandria

(1621), um texto sobrevivente da famosa Biblioteca de Alexandria, queimada por

cristãos no ano 646 d.C., e que compilava cerca de dois mil anos de conhecimentos

matemáticos.

A influência de Pierre de Fermat na matemática foi limitada pela falta de interesse na

publicação das suas descobertas, conhecidas principalmente pelas cartas a amigos e

anotações marginais em sua cópia da Aritmética de Diofanto. Suas cartas sugerem que

era um homem envergonhado e reservado, cortês e afável, mas um pouco distante.

Estas cartas passaram a ser publicadas a partir de 1636, por intermédio do padre

Mersenne, em Paris, que procurou Fermat após ouvir falar dele. As cartas de Fermat

eram repletas de idéias e descobertas, e às vezes, acompanhadas por pequenos ensaios

expositivos em que resumidamente descrevia alguns de seus métodos.

Os ensaios eram escritos em latim e eram passados, com excitação, de pessoa a pessoa,

no grupo de Mersenne. Fermat resolvia de forma genial, vários problemas propostos a

ele pelos matemáticos parisienses e de volta propunha problemas que eles não podiam

resolver. Fermat gostava de trocar e resolver desafios, por exemplo, Mersenne certa vez

escreveu-lhe perguntando se o número - muito grande - 100.895.598.169 era primo ou

não. Tais questões freqüentemente levavam anos para serem respondidas, mas Fermat

replicou sem hesitação que o número era o produto de 112.303 e 898.423 e que cada um

desses fatores era primo, ainda hoje ninguém sabe como ele descobriu isso.

Pode-se dizer que, Fermat inventou a Geometria Analítica em 1629 e descreveu suas

idéias em um trabalho não publicado intitulado Introdução aos Lugares Geométricos

Planos e Sólidos, que circulou apenas na forma de manuscrito. Neste trabalho Fermat

introduziu a idéia de eixos perpendiculares e descobriu as equações gerais da reta,

circunferência e equações mais simples para parábolas, elipses e hipérboles, e depois

demonstrou que toda equação de 1º e 2º grau poderia ser reduzida a um desses tipos.

Nada disto está no ensaio de Descartes, apesar deste ter tido acesso ao manuscrito de

Fermat vários meses antes de publicar sua obra intitulada A Geometria, de 1637.

Contudo, nada do que poderíamos reconhecer como Geometria Analítica pode ser

encontrada no ensaio de Descartes, exceto talvez a idéia de usar Álgebra como

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linguagem para abordar problemas geométricos. Como um estrangeiro, Fermat não

reconhecia o monumental egoísmo e disposição melindrosa de Descartes, e diversas

vezes travaram argumentos, mas com calma e cortesia o demoliu em todas as ocasiões.

O método de Fermat, para determinar tangentes, foi desenvolvido pela sua abordagem

aos problemas de máximos e mínimos, e foi ocasião de outro atrito com Descartes.

Quando o famoso filósofo foi informado do método de Fermat, por Mersenne, este

atacou sua genialidade, desafiando a Fermat encontrar a tangente à curva 𝑥3 + 𝑦3 =

3𝑎𝑥𝑦, vaticinando que ele fracassaria. O próprio Descartes fora incapaz de resolver o

problema e ficou intensamente irritado quando Fermat o resolveu com facilidade, esta

curva ficou conhecida como folium de Descartes.

A invenção do Cálculo é usualmente creditada a Newton e Leibniz, cujas idéias e

métodos não tinham sido publicados até cerca de 20 anos após a morte de Fermat.

Entretanto, se o cálculo diferencial for considerado como a matemática de determinar

máximos e mínimos de funções e desenhar tangentes a curvas, então foi Fermat o

criador dessa área já no ano de 1629, mais de uma década antes que Newton e Leibniz

tivessem nascidos. Convém lembrar que Fermat escreveu vários relatos de seus

métodos, mas como sempre, não fez esforço em publicá-los. O primeiro desses relatos

era um ensaio muito pequeno que circulava em Paris em 1639 e que, de acordo com a

própria afirmação de Fermat o tinha escrito sete anos antes. Com sua honestidade usual

em tais assuntos, Newton afirmou, numa carta descoberta apenas em 1934, por Louis

Trenchard Moore, que suas primeiras idéias próprias acerca do Cálculo vieram

diretamente “da maneira pela qual monsieur Fermat traçava tangentes”.

Eram conhecidas tão poucas curvas antes de Fermat que ninguém sentia qualquer

necessidade de aperfeiçoar a velha e inútil idéia de que uma tangente é uma reta que

toca uma curva em um único ponto. Todavia, com o auxílio da sua nova Geometria

Analítica Fermat era capaz não só de descobrir as equações das curvas clássicas já

familiares, mas também de construir uma nova variedade de curvas simplesmente

escrevendo várias equações e considerando os gráficos correspondentes. Esse grande

aumento na variedade de curvas que passou a estar disponível para o estudo aguçou seu

interesse no que veio a ser chamado “o problema das tangentes”.

Os sucessos alcançados nos primeiros estágios do Cálculo Diferencial foram

acompanhados por realizações de mesma grandeza no Cálculo Integral, onde provou de

forma engenhosa, que:

𝑥𝑛𝑑𝑥 =𝑏𝑛+1

𝑛 + 1

𝑏

0

A luz de todos esses feitos pode-se, com razão, perguntar por que Newton e Leibniz são

comumente considerados os inventores do Cálculo e não Fermat. Talvez a resposta seja

que as descobertas de Fermat vieram demasiado cedo, antes que os aspectos essenciais

do assunto tivessem totalmente emergido. Ele teve idéias fecundas e resolveu muitos

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problemas particulares do Cálculo; mas não teve a noção de integrais indefinidas, e

aparentemente, jamais observou o Teorema Fundamental do Cálculo que liga as duas

partes do assunto.

Fermat logo percebeu que seu método de calcular tangentes, poderia ser usado para

resolver os problemas de máximos e mínimos. A aplicação mais memorável dada por

Fermat foi a análise da refração da luz. Os fenômenos qualitativos eram, naturalmente,

conhecidos há muito tempo: quando um raio de luz passa de um meio menos denso para

um meio mais denso – por exemplo, do ar para a água.

A mente de Fermat era tão fértil que lançou focos de luz em vários ramos da

Matemática. Um capítulo menor, mas significativo de sua vida intelectual, começou

quando Blaise Pascal escreveu a ele, em 1654, tocando em algumas questões sobre

certos jogos de azar jogados com dados. Nas correspondências que se seguiram nos

meses seguintes, eles desenvolveram juntos os conceitos básicos da teoria das

probabilidades. Este foi o início efetivo do assunto cuja influência é hoje sentida em

quase todo canto da vida moderna, indo de campos práticos, tais como seguros e

controle de qualidade industrial, até as disciplinas esotéricas como Genética, Mecânica

Quântica e a Teoria Cinética dos Gases. Contudo, nenhum dos dois levou suas idéias

muito longe. Pascal foi logo agarrado pelos paroxismos de piedade que cegaram o resto

de sua curta existência, e Fermat largou o assunto, pois tinha outros interesses

matemáticos mais urgentes.

As realizações de Fermat no Cálculo, Óptica, Geometria Analítica e Teoria das

Probabilidades já o colocam entre os grandes matemáticos do século XVII, mas para ele

essas eram todas de menor importância comparadas com a paixão consumidora de sua

vida, a Teoria dos Números. Foi aí que seu gênio brilhou com mais intensidade, sendo

considerado o fundador único da era moderna desta área da Matemática, sem quaisquer

rivais e com poucos seguidores até a época de Euler e Lagrange, no século seguinte.

Muitos são atraídos pela Teoria dos Números, porém esta teoria não é facilmente

explicada, sendo principalmente de natureza estética. Por um lado, os números inteiros

positivos 1, 2, 3, … são talvez as concepções mais simples e transparentes da mente

humana; e, por outro lado, muitas de suas propriedades mais facilmente compreensíveis

têm raízes que se aprofundam quase além do alcance da engenhosidade humana.

Foram muitas as suas contribuições na Teoria dos Números, resumidamente podemos

citar o Pequeno Teorema de Fermat, suas pesquisas sobre números poligonais e o UTF

em que ele afirma que a equação 𝑥𝑛 + 𝑦𝑛 = 𝑧𝑛 com 𝑛 ≥ 3 não admite soluções não

triviais no campo dos inteiros. Ele provou o caso 𝑛 = 3 e deu um esboço para o caso

𝑛 = 4, cujo foi resolvido por Euler em 1747. O problema geral foi resolvido após

intensas pesquisas pelo matemático Andrew Wiles somente em 1993.

Pierre de Fermat morreu em Castres na França em 12 de janeiro de 1665. A mais antiga

e prestigiada escola, no alto de Toulouse, é nomeada em sua honra: "Le Lycée Pierre de

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Fermat". O escultor francês Théophile Barrau fez uma estátua de mármore chamada

"Homagge a Pierre Fermat".

1.1 AS ANOTAÇÕES DE FERMAT

O mérito da descoberta da proposição, que envolve o UTF, deve-se ao seu filho mais

velho, Clément-Samuel, que percebeu várias notas feitas pelo pai nas margens do livro

de Aritmética, pois o mesmo tinha o hábito de fazer anotações em livros. Após passar

cinco anos recolhendo cartas e anotações de seu pai, Clément-Samuel, publicou em

1670, em Toulouse, uma nova edição do livro Aritmética de Diofanto, contendo as

observações de Pierre de Fermat. O livro apresentava 48 observações sem, no entanto,

solucionar as demonstrações, que foram provadas ao longo do tempo, exceto uma, na

página 61, que justamente por ter sido a última, ficou sendo conhecida como o Último

Teorema de Fermat.

Fermat então escreveu a seguinte nota:

“É impossível para um cubo ser escrito como a soma de dois cubos ou uma quarta

potência ser escrita com a soma de duas quartas potências ou, em geral, para

qualquer número que é uma potência maior do que a segunda, ser escrito como a

soma de duas potências com o mesmo expoente”.

Ao que se sabe, Fermat teria encontrado uma solução para o problema, como se observa

na seguinte nota atribuída ao mesmo:

“Encontrei uma demonstração verdadeiramente maravilhosa disto, mas esta margem

é estreita demais para contê-la”

Naturalmente, há quem duvide que tenha dito a verdade já que não se sabe, ao certo, se

Fermat conhecia de fato alguma demonstração ou se equivocou ao acreditar que a

poderia demonstrar. Gerações inteiras de matemáticos têm amaldiçoado a falta de

espaço daquela margem. Durante mais de três séculos, praticamente todos os grandes

expoentes da Matemática, entre eles Euler e Gauss, debruçaram-se sobre o assunto.

1.2 A ORIGEM DO PROBLEMA

O problema surge quando Fermat, analisando observações a respeito do Teorema de

Pitágoras, se depara com a equação 𝑥2 + 𝑦2 = 𝑧2. Substituindo o 2 por 3 percebeu que

não havia solução, e substituindo o valor da potência por números maiores que 3 a

equação continuava não apresentando solução. A partir daí chegou a outra equação mais

geral 𝑥𝑛 + 𝑦𝑛 = 𝑧𝑛 , onde 𝑛 representa 3, 4, 5, … que também não possuía solução, ou

seja, Fermat pegou um problema específico e o transformou em algo mais amplo capaz

de representar uma gama maior de soluções e que ainda precisavam ser demonstradas,

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já que 𝑛 não está definido, a não ser pelo fato de ser maior que 2, sendo 𝑥, 𝑦 e 𝑧

números inteiros.

Para os primeiros dois valores de 𝑛 inteiro existe uma infinidade de soluções: o caso

𝑛 = 1 é evidente, o caso 𝑛 = 2 (Teorema de Pitágoras) admite, entre outras, a solução

clássica 42 + 32 = 52 . Outras soluções também podem ser encontradas usando-se o

esquema a seguir:

𝑎2 − 𝑏2 2 + 2𝑎𝑏 2 = 𝑎2 + 𝑏2 2

Para todos 𝑎, 𝑏 inteiros primos entre si, outras soluções são encontradas multiplicando-

se 𝑎 e 𝑏 por um número inteiro. Os números que satisfazem o Teorema de Pitágoras são

chamados de trios pitagóricos ou termos pitagóricos.

Mais recentemente, com o advento dos computadores, foram testados milhões de

algarismos com diferentes valores para 𝑥, 𝑦, 𝑧 𝑒 𝑛 e a igualdade 𝑥𝑛 + 𝑦𝑛 = 𝑧𝑛 nunca se

verificou. Assim, empiricamente, se comprova que Fermat tinha razão. Mas e a

demonstração?

2. AS PRIMEIRAS TENTATIVAS

A anotação que Fermat fez em seu livro foi suficiente para manter várias gerações de

matemáticos empenhados na tentativa de solucionar o UTF ou de provar que ele era

falso, uma solução definitiva só surgiria em 1993 como veremos mais adiante, mas até

então, isto não ocorreu e muitas tentativas de solucioná-lo foram empreendidas sem o

sucesso esperado, porém com interessantes implicações para a Matemática e para as

ciências em geral.

O primeiro grande questionamento desse problema e que todos faziam era: como

Fermat chegou à demonstração do mesmo? Já que ele não a deixou registrada, o que se

sabe é que tal demonstração necessitaria de um ferramental matemático que não estava

disponível no século XVII. Assim, novamente surge a dúvida se realmente Fermat teria

encontrado uma demonstração para o teorema, porém foi essa dúvida que suscitou

muitos matemáticos a se empenharem na solução, produzindo muito material acadêmico

que acabou contribuindo para o desenvolvimento da Matemática, é o caso da descoberta

da teoria dos Anéis Comutativos, o que é, digamos, um “subproduto” do UTF.

Dentre os grandes matemáticos ao longo dos tempos que tentaram solucionar o UTF

além dos já citados, podemos também acrescentar: Dirichlet (1828), Legendre (1830),

Gabriel Lamé (1839), Sophie Germain, Kummer e mais recentemente, Wagstaff (1980).

Um fato interessante é que Kummer, em 1847, ao tentar demonstrar o teorema, criou o

método dos divisores complexos, a que chamou números complexos ideais,

contribuindo para o desenvolvimento da Teoria dos Números.

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Nesse ponto o UTF já era uma lenda no mundo acadêmico e amador, então, foram

criados vários concursos que visavam premiar aquele que fosse capaz de apresentar uma

solução para o problema. Como exemplo, temos em 1908, o prêmio oferecido pelo

professor Paul Wolfskehl da Real Academia de Göttingen, Alemanha, cujo valor era de

100.000 marcos que seria pago à primeira pessoa que desse uma demonstração

completa da conjectura de Fermat. Fato que não ocorreu, apesar de muitas provas terem

sido enviadas, todas estavam incorretas, inclusive as de matemáticos profissionais que

chegaram até publicá-las.

3. A DEMONSTRAÇÃO DE WILES

A solução definitiva do UTF se deve a Andrew Wiles, um professor da Universidade de

Princeton, que iniciou seu interesse pelo problema ainda menino na biblioteca pública

de sua cidade natal. Mas só a partir de 1986 é que começou realmente o trabalho de

solucionar o teorema, realizou a sua pesquisa em segredo, talvez temendo a pressão que

sofreria diante de um problema tão famoso e de difícil solução. Assim sendo, durante

sete anos publicou outros trabalhos, afim de não despertar suspeitas sobre o seu

verdadeiro objetivo, e apesar de não ser sua meta principal, estes trabalhos acabaram

tendo grande relevância acadêmica, unificando e criando novas técnicas matemáticas.

O primeiro passo importante para a solução do UTF foi dado por dois matemáticos:

Yutaka Taniyama e Goro Shimura. A conjectura apresentada pelos dois serviu de base

para a solução definitiva do problema, infelizmente um dos matemáticos, Yutaka

Taniyama, cometeu suicídio em 1958, adiando ainda mais o desenvolvimento da

solução. O desenvolvimento dessa conjectura não foi intencionalmente feito para

solucionar o UTF, mas foi o que acabou acontecendo. É interessante notar que vários

matemáticos partiram da tentativa de solucionar o UTF e acabaram fazendo

contribuições importantes para outras áreas da Matemática, sem intenção de fazê-lo.

Porém, já no caso dos dois matemáticos citados, o fato ocorreu às avessas, o que

demonstra a subjetividade do campo matemático, que se assemelha a uma forma de arte

em que a inspiração é tão ou mais importante do que o trabalho metódico e racional, que

geralmente está associado à disciplina.

A conjectura feita pelos dois matemáticos diz que para cada equação elíptica há uma

forma modular correspondente; a relevância dessa conjectura reside no fato de que se a

mesma estivesse correta ela poderia ser aplicada ao UTF provando a sua veracidade. Ou

seja, para provar se o UTF era ou não verdadeiro, ficou claro na mente de Wiles que

deveria provar primeiro a conjectura Taniyama-Shimura, e foi exatamente isso que ele

fez como veremos a seguir.

Trabalhando em absoluto segredo e compartilhando seu progresso apenas com Nicholas

Kats, também professor de Matemática de Princeton, Wiles conseguiu desenvolver a

prova da conjectura de Taniyama-Shimura, e a partir dela o UTF. Sua árdua

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demonstração possui cerca de 200 páginas, e introduziu muitas idéias novas, porém de

caráter tão técnico que apenas alguns poucos no mundo são capazes de compreendê-la.

Ainda não é conhecida nenhuma aplicação deste teorema. Seu valor torna-se

importante, devido às idéias e às ferramentas matemáticas que foram inventadas para

prová-lo. Pode-se entender este teorema graficamente considerando-se a curva da

equação 𝑥𝑛 + 𝑦𝑛 = 1, quando 𝑛 > 2. Essa curva não passa por nenhum ponto com

coordenadas racionais diferentes de zero.

Finalmente, no dia 23 de junho de 1993, sem anunciar os tópicos com antecedência,

Wiles agendou três palestras em uma conferência no Sir Isaac Newton Institute for

Mathematical Sciences em Cambridge. A audiência e o mundo estavam ávidos para

conhecer o seu conteúdo, e Andrew Wiles, passados três séculos desde a apresentação

do teorema, faz o anúncio da descoberta de sua demonstração, para a surpresa de todos

os presentes. Infelizmente havia uma pequena falha na sua demonstração, então Wiles

se afasta por mais um ano, e após a correção da mesma, apresenta a demonstração

reformulada, que foi finalmente aceita.

Assim Andrew Wiles, após receber um prêmio de 50 mil libras da Fundação Wolfskehl,

entra para a história como o matemático que conseguiu demonstrar o teorema mais

instigante e desafiador da história da Matemática, que atravessou épocas e ocupou a

mente de grandes matemáticos ao longo desse período. “O Último Teorema de Fermat”

foi definitivamente solucionado.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao estudar a história do UTF, notamos que a Matemática possui uma característica

interessante, que é a inter-relação entre as suas diversas subáreas, visto que o

conhecimento produzido em um campo pode ser utilizado em aplicações de outros, e o

trabalho matemático principalmente o de vanguarda, sempre terá uma aplicação, mesmo

que seja insuspeita a princípio, afinal quem poderia imaginar que o trabalho de dois

estudantes do final do século XX poderia ser utilizado na solução de um dos problemas

mais instigantes da história da Matemática?

Pelo que foi exposto, percebe-se que não é possível desenvolver um trabalho em

Matemática ou em qualquer outra área, sem a contribuição de outros pesquisadores,

sendo sempre necessário consultar outras pesquisas de modo a encontrar algo que possa

ser útil, pois a pesquisa matemática não se faz isoladamente, mas através do intercâmbio

de idéias e o estudo minucioso de trabalhos feitos por pesquisadores já consagrados pela

relevância de suas obras.

No presente caso, sem a contribuição de Yutaka Taniyama e Goro Shimura dificilmente

se teria chegado a uma resolução do UTF, como de fato ocorreu alguns anos depois,

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demonstrando desse modo a importância do intercâmbio de idéias no mundo

matemático.

Constata-se dessa forma, que a pesquisa teórica é a semente de todo o desenvolvimento

científico, e que a Matemática como base de todas as ciências naturais, contém o

ferramental básico para essas pesquisas, sem a qual não seria possível abstrair a mente e

criar as conjecturas necessárias para as técnicas que são utilizadas nas soluções que

transformam o nosso cotidiano.

O senso comum poderia dizer que tais conjecturas são inúteis e desprovidas de qualquer

utilidade prática, mas sem elas nenhuma das técnicas modernas que contribuíram para o

nosso desenvolvimento seria factível. Portanto, a resolução de um problema tão teórico

como o “Último Teorema de Fermat” está intimamente ligada a todo esse processo de

crescimento do conhecimento científico, visto que se observa nela a mesma essência

necessária para o progresso da sociedade e da vida humana.

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FONTES CONSULTADAS:

O ÚLTIMO TEOREMA DE FERMAT. Em: SÓ MATEMÁTICA. Disponível em:

<http://www.somatematica.com.br/artigos/a16/index.php>. Acesso em: 16 abr. 2014.

PIERRE DE FERMAT. Em FATOS MATEMÁTICOS. Disponível em:

<http://fatosmatematicos.blogspot.com.br/2011/10/pierre-de-fermat.html>. Acesso em:

16 abr. 2014.

COMENTÁRIOS SOBRE O ÚLTIMO TEOREMA DE FERMAT. Em: FATOS

MATEMÁTICOS. Disponível em:

<http://fatosmatematicos.blogspot.com.br/2010/12/comentarios-sobre-o-ultimo-

teorema-de.html>. Acesso em: 16 abr. 2014.

PIERRE DE FERMAT. Em: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia

Foundation, 2014. Disponível em:

<http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Pierre_de_Fermat&oldid=38305367>.

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