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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO CONSTITUCIONAL E DIREITO PROCESSUAL CONSTITUCIONAL ZENACLEIDE COSTA NOJOSA OS IMPACTOS NEGATIVOS DO NEOLIBERALISMO SOBRE OS DIREITOS SOCIAIS FORTALEZA – CEARÁ 2015

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO CONSTITUCIONAL E DIREITO

PROCESSUAL CONSTITUCIONAL

ZENACLEIDE COSTA NOJOSA

OS IMPACTOS NEGATIVOS DO NEOLIBERALISMO SOBRE OS DIREITOS

SOCIAIS

FORTALEZA – CEARÁ

2015

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ZENACLEIDE COSTA NOJOSA

OS IMPACTOS NEGATIVOS DO NEOLIBERALISMO SOBRE OS DIREITOS SOCIAIS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentadoao Curso de Especialização em DireitoConstitucional e Direito ProcessualConstitucional do Centro de Estudos SociaisAplicados da Universidade Estadual do Ceará,como requisito parcial à obtenção dacertificação de especialista em DireitoConstitucional e em Direito ProcessualConstitucional.

Orientadora: Prof.a Ms. Tainah Simões SalesThiago.

FORTALEZA – CEARÁ

2015

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação

Universidade Estadual do Ceará

Sistema de Bibliotecas

Nojosa, Zenacleide Costa. Os impactos negativos do neoliberalismo sobre osdireitos sociais [recurso eletrônico] / ZenacleideCosta Nojosa. – 2015. 1 CD-ROM: 4 ¾ pol.

CD-ROM contendo o arquivo no formato PDF dotrabalho acadêmico com 74 folhas, acondicionado emcaixa de DVD Slim (19 x 14 cm x 7 mm).

Monografia (especialização) – Universidade Estadualdo Ceará, Centro de Estudos Sociais Aplicados,Especializaçao em Direito Constitucional e DireitoProcessual Constitucional, Fortaleza, 2015. Orientação: Prof.ª M.ª Tainah Simões Sales Thiago.

1. Desigualdade. 2. Direitos Sociais. 3. Exclusãosocial. 4. Neoliberalismo. 5. Pobreza. I. Título.

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RESUMO

Este estudo se propõe a estudar as políticas sociais no contexto neoliberal no Brasil,

analisando a opressão causada nos direitos sociais pela política neoliberal. No mesmo instante

em que se registraram enormes avanços na conquista dos direitos sociais, através da atual

Constituição da República Federativa do Brasil, conhecida por Constituição-Cidadã, a crise

estrutural do capitalismo impôs às políticas sociais diversos reveses que atingiram, em cheio,

os menos favorecidos. Em meio às enormes perdas, a saída encontrada pelo capital foi um

retorno às teses neoliberais, baseadas no liberalismo econômico que defendia a estabilidade

monetária, a redução dos gastos sociais e a consequente reforma estatal, ocasionando

verdadeiro enfraquecimento dos direitos sociais refletindo no enfraquecimento do Estado

enquanto provedor dos necessitados. Essas transformações sociais, econômicas e políticas,

ocorridas no contexto do capitalismo contemporâneo, tiveram, e ainda têm, diversos reflexos

nas políticas sociais, tais como saúde, educação, seguridade social.

Palavras-chave: Desigualdade. Direitos Sociais. Exclusão social. Neoliberalismo. Pobreza.

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ABSTRACT

This study aims to study the social policies in the neoliberal context in Brazil, analyzing the

oppression caused social rights by neoliberal policies. The moment that registered huge

advances in the conquest of social rights through the current Constitution of the Federative

Republic of Brazil, known as Constitution-Citizen, the structural crisis of capitalism imposed

on many setbacks social policies that reached in full, the least favored. Amid the huge losses,

the solution found by the capital was a return to neoliberal thesis, based on economic

liberalism advocated monetary stability, the reduction of social spending and the consequent

state reform, leading real weakening of social rights reflecting the weakening of the state as

provider of the needy. These social, economic and political changes occurring in the context

of contemporary capitalism, had, and still have, several reflections on social policies such as

health, education, social security.

Keywords: Inequality. Social rights. Social exclusion. Neoliberalism. Poverty.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.............................................................................................................7

2 DIREITOS SOCIAIS..................................................................................................12

2.1 ABSOLUTISMO..........................................................................................................12

2.2 ESTADO LIBERAL.....................................................................................................16

2.3 ESTADO SOCIAL........................................................................................................20

2.4 OS DIREITOS SOCIAIS NO BRASIL........................................................................24

2.4.1 Constituição de 1824...................................................................................................25

2.4.2 Constituição de 1891...................................................................................................26

2.4.3 Constituição de 1934...................................................................................................26

2.4.4 Constituição de 1937...................................................................................................28

2.4.5 Constituição de 1946...................................................................................................29

2.4.6 Constituição de 1967 (EC n. 1/69)..............................................................................30

2.4.7 Constituição de 1988...................................................................................................31

2.5 NORMAS PROGRAMÁTICAS E CONSTITUIÇÃO DIRIGENTE..........................33

3 NEOLIBERALISMO.................................................................................................38

3.1 A CRISE DO ESTADO SOCIAL.................................................................................40

3.2 O SURGIMENTO E DESENVOLVIMENTO DO NEOLIBERALISMO..................44

4 OS IMPACTOS NEGATIVOS DO NEOLIBERALISMO SOBRE OS DIREITOS

SOCIAIS..................................................................................................................................50

4.1 A INSERÇÃO E EFICÁCIA DOS DIREITOS SOCIAIS NA CONSTITUIÇÃO

FEDERAL.................................................................................................................................50

4.2 A TEMÁTICA ASSISTENCIALISTA NOS GOVERNOS DE ESQUERDA.............53

4.2.1 O Programa Bolsa-Família.........................................................................................55

4.3 NEOLIBERALISMO, POBREZA, DESIGUALDADE E EXCLUSÃO SOCIAL.....57

4.4 O NEOLIBERALISMO NO CONTEXTO BRASILEIRO..........................................60

4.5 O DESMONTE DOS DIREITOS SOCIAIS NO CONTEXTO NEOLIBERAL.........63

5 CONCLUSÃO.............................................................................................................68

REFERÊNCIAS..........................................................................................................70

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1 INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1988, também conhecida por “Constituição Cidadã”, foi a

que mais previu em seu texto os chamados “Direitos Sociais”. Indo além de suas antecessoras,

destinou um capítulo próprio, o “Dos Direitos Sociais” (art. 6º ao art. 11), para assegurar a todos os

que estiverem em seus limites territoriais o exercício de direitos básicos, tais como educação, saúde,

alimentação, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à

infância, e assistência aos desamparados. Além disso, nossa Carta Magna tratou da Ordem Social

em seu Título VIII (art. 193 ao art. 232), buscando harmonizá-la com a Ordem Econômica, a qual é

fundada na valorização do trabalho humano e na livre-iniciativa, tendo por finalidade assegurar a

todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça e do bem-estar social.

CUNHA JÚNIOR (2014, p. 585) identifica a gênese global dos Direitos Sociais na

“tentativa de resolver a profunda crise de desigualdade social surgida no mundo pós-guerra”.

Terminados os conflitos mundiais, os Estados viram-se obrigados a assumirem uma postura

assistencialista a fim de amenizar o sofrimento de suas populações, muitas vezes devastadas pelo

caos e destruição resultado dos conflitos bélicos. Ainda segundo o autor (2014, p. 585), citando

John Rawls, “os Direitos Sociais constituem-se em uma estrutura básica da sociedade, ou seja, a

maneira pela qual as instituições sociais mais importantes distribuem direitos e deveres e

determinam a divisão de vantagens provenientes da cooperação social”. Seguindo esse raciocínio,

os Direitos Sociais se constituem nas prestações sociais imprescindíveis à sobrevivência humana,

tais como saúde, educação, moradia, trabalho, etc., disponibilizadas pelo Estado visando o exercício

das liberdades fundamentais, proporcionando melhores condições de vida àqueles desprovidos de

recursos materiais.

No Brasil, o fim do regime militar, ocorrido a partir do ano de 1985, foi marcado, ao

mesmo tempo, por uma ânsia de liberdade, onde as pessoas queriam ter direito a ter direitos, bem

como por reivindicações de avanços no campo social, com maior proteção do Estado àqueles

necessitados, desprovidos do mínimo para sua existência. Atendendo forte anseio da sociedade,

promulgou-se aquela que seria a constituição brasileira que mais se preocupou com as questões de

cunho social, garantindo, em seu texto, vários direitos fundamentais ao povo brasileiro.

A promulgação da Constituição de 1988, também conhecida por “Constituição Cidadã”,

não só previu diversos direitos sociais no texto constitucional como também apresentou

mecanismos de defesa desses mesmos direitos, assegurando, assim, sua efetividade. Após décadas

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de regime militar, onde muitos direitos fundamentais foram suprimidos, o legislador constituinte

originário pretendeu dotar os direitos e garantias fundamentais, nos quais se enquadram os direitos

sociais, de garantias que impedissem o atentado contra a existência de tais direitos, bem como que

dotassem os destinatários de tais direitos de mecanismos que assegurassem sua fruição. Por esses

motivos é que os direitos sociais estão previstos na constituição brasileira e não apenas em lei

ordinária, dificultando assim seu processo de alteração. Outra questão que merece ser trazida a lume

é que os direitos sociais fazem parte do núcleo imutável da constituição, chamado de cláusulas

pétreas, que não pode ser objeto de emenda constitucional tendente a promover sua abolição.

Consoante o texto constitucional, são direitos sociais a educação, a saúde, a

alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à

maternidade e à infância, além da assistência aos desamparados. Tais direitos visam a garantir aos

indivíduos o exercício e o usufruto de direitos fundamentais em condições de igualdade com todas

as demais pessoas, independente de sua condição socioeconômica. Com isso, espera-se que tais

beneficiários desses direitos tenham uma vida digna por meio da proteção e garantias dadas pelo

Estado Brasileiro. Dessa forma, observa-se que o Estado Brasileiro possui papel fundamental na

formulação e execução de políticas públicas. É através dele que a camada menos favorecida da

população tem acesso a serviços básicos, tais com educação, moradia e saúde, necessários para a

sobrevivência da espécie humana.

Simultaneamente ao atendimento das várias reivindicações dos novos movimentos

sociais, em meio a um amplo processo de redemocratização do governo brasileiro, começa-se a

perceber uma leve inclinação da economia brasileira para a política neoliberal. Segundo BELLO

(2010, p. 191), citando David Harey, na década de 1980 intensificou-se a implementação da lógica

de “acumulação por espoliação”, afetando o cenário brasileiro, assolado por crises financeiras,

ensejando inúmeros empréstimos junto a instituições supraestatais, como o Fundo Monetário

Internacional – FMI e o Banco Mundial – BID. Muito embora tal processo tenha sido iniciado na

década de 80, foi na década de 90 que o governo brasileiro acentuou sua dependência do capital

internacional ao contrair dívidas junto à instituições como o FMI e o BID.

A postura do governo Fernando Collor de Melo (1990 – 1992) de abertura do mercado

brasileiro às empresas multinacionais já demonstrou, por si só, qual seria a orientação do novo

governante frente ao capital estrangeiro. Essa foi uma época muito difícil para a indústria brasileira

que, após anos de proteção dos concorrentes internacionais, teve de suportar o ingresso de diversas

empresas estrangeiras em nosso país, com uma tecnologia de produtos bem superior àquela até

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então existente em território nacional. O resultado dessa decisão foi a falência decretada por

diversas empresas nacionais que, não suportando os baixos preços dos produtos importados, que

ainda possuíam uma tecnologia mais avançada, tiveram de se retirar do mercado. Qual foi o

resultado disso? Desemprego em massa e uma grave recessão da economia nacional.

A saída encontrada pelo governo brasileiro para enfrentar a recessão foi a de recorrer a

empréstimos junto à instituições financeiras internacionais, tais como o FMI e o Banco Mundial,

que injetaram bilhões de dólares na economia brasileira, porém a um custo bastante elevado: o

Estado Brasileiro necessitaria passar por verdadeiros ajustes em sua economia e política, a fim de

obter a aprovação dos países “desenvolvidos” e de suas instituições financeiras, o que o levaria a ter

uma possível redução na taxa de juros de futuros empréstimos, bem como elevaria o conceito da

economia brasileira no cenário internacional atraindo mais investimentos financeiros.

Uma das exigências do capital internacional ao governo brasileiro era o de aumentar o

superavit primário, que nada mais é que o valor que o governo consegue economizar e destina para

o pagamento da dívida pública. Dessa forma, quanto maior o superavit primário, ou seja, quanto

mais dinheiro a nação brasileira destinasse para o pagamento de juros da dívida pública, melhor

vista ela seria pelo capital internacional.

Contudo, como o estado brasileiro fez para aumentar esse superavit? O primeiro passo,

por óbvio, foi a drástica redução de gastos da máquina pública. Isso compreendeu a redução do

número de servidores públicos, com a consequente diminuição do número de concursos públicos.

Outro importante passo para a redução foi a suspensão dos investimentos pois esses, aos olhos do

capital internacional, são tidos como despesas. À vista disso, direitos sociais, tais como educação,

saúde, alimentação, moradia, segurança, além da assistência aos desamparados tiveram que ser

suprimidos ou reduzidos, de forma a seguir as determinações do capital internacional.

Essa diretriz dos órgãos financeiros internacionais é pautada no Liberalismo Econômico,

que prega a adoção de um Estado Mínimo, deixando que outras atividades, antes executadas

“ineficientemente” pelo Estado sejam passadas à iniciativa privada que terá condições de executá-

las de forma mais eficiente. Nessa ótica, o estado mínimo deveria se ocupar apenas com a segurança

e com a justiça, deixando o provimento de serviços aos indivíduos a cargo de empresas por ele

contratadas. A crítica que pode e deve ser feita à tal ideologia é a de que sua adoção impõe aos

menos favorecidos o não-usufruto dos direitos fundamentais. Portanto, não há que se falar em

dignidade do ser humano uma vez que essa camada menos favorecida da população não terá acesso

sequer ao mínimo existencial para sua sobrevivência.

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Essa pesquisa elegeu como objeto de estudo a relação existente entre a política

neoliberal adotada pelo Estado brasileiro e seus reflexos na redução dos direitos sociais

constitucionalmente garantidos, tendo a mitigação dos direitos sociais a finalidade de cumprir

diretrizes impostas por organizações financeiras mundiais visando a redução na taxa de juros de

futuros empréstimos contraídos bem como a obtenção análises favoráveis por parte de investidores

estrangeiros.

A partir do que foi acima colocado, o grande questionamento que surge é em que

medida a política neoliberal brasileira atua como opressora dos Direitos Sociais constitucionalmente

assegurados?

O questionamento principal acima possui relevância científica na medida em que

pretende aferir a relação existente entre a adoção da política econômica neoliberal por parte do

estado brasileiro e seus reflexos na mitigação ou mesmo supressão dos direitos sociais, afetando,

sobretudo, a camada mais pobre da população que depende de políticas sociais por parte do

governo.

Considerando a complexidade da inquirição principal, para que ela seja

satisfatoriamente desvendada surge a necessidade de apresentação de outras que lhe complementam

o sentido, tais quais: Em que se constitui a ideologia neoliberal? Em que consiste o Estado de Bem-

Estar Social? De que forma o Estado atua como instrumento de realização dos direitos sociais? Em

que contexto ocorreu no Estado Brasileiro o advento do neoliberalismo? Que modelo de Estado

mais se aproxima do pensamento neoliberal? Quais os efeitos mais evidentes da política neoliberal

nas camadas mais pobres da população?

A pesquisa pretende estabelecer a relação existente entre a política neoliberal adotada

pelo estado brasileiro e a crescente mitigação dos direitos sociais assegurados na constituição

federal. Paralelamente a isso, atuando como facilitadores na busca do objetivo principal, seremos

convidados a refletir sobre o papel do estado brasileiro na realização dos direitos sociais

constitucionalmente assegurados, bem como compreender em que contexto a política brasileira

adotou a doutrina neoliberal.

Considerando-se a identidade epistemológica, teórica e metodológica, opta-se, nesse

processo de pesquisa, por uma fundamentação dialética, posto que se pretende travar uma discussão

crítica em torno do tema, com a possibilidade de o problema, no decorrer da pesquisa, ser estudado

sob outros enfoques, que não a proposta inicial.

Nesse caso, o projeto de pesquisa, por ser uma antecipação de uma direção, de um

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caminho a ser percorrido, é sempre uma trajetória que tem como um ponto de partida e enseja

atingir um ponto de chegada como condição para a organização das ações. Ou seja, ainda que este

presuma a chegada, só será possível constituir um resultado após percorrer todo o complexo

conjunto de técnicas, estratégias e reflexões que validam e atribuem o caráter científico à pesquisa.

Relativamente ao procedimento de pesquisa adotado, poderá ser abordado sob três

pontos de vista. Quanto à natureza da pesquisa, esta será básica, visto que objetiva gerar

conhecimentos novos, úteis para o avanço social. Por outro lado, do ângulo de seus objetivos, a

pesquisa será essencialmente exploratória, sendo que, do ponto de vista de seu objeto, deverá ser

qualitativa, utilizando-se de pesquisa bibliográfica e documental, tendo em vista o caráter

preponderantemente teórico do estudo, possuindo como fontes privilegiadas, a doutrina, a

jurisprudência dos tribunais superiores, bem como o arcabouço jurídico nacional existente.

O presente trabalho está estruturado em três capítulos. No primeiro capítulo,

discorreremos sobre os Direitos Sociais, fazendo um estudo sobre sua evolução desde a

personificação absolutista do Estado na figura do Rei, até o surgimento do Estado de bem-estar

social, que, muito embora defensor do capitalismo, pregava a realização de uma justiça social, com

o crescente reconhecimento dos direitos dos trabalhadores. No Brasil, estudaremos a evolução dos

Direitos Sociais ao longo de suas constituições, desde a constituição de 1824 até a Carta Magna de

1988, conhecida por Constituição Cidadã. Por fim, faremos uma breve reflexão acerca da eficácia

social das normas sociais programáticas previstas em nossa constituição.

No segundo capítulo buscamos fazer uma abordagem sucinta, porém não superficial,

sobre a origem e desenvolvimento do neoliberalismo. Buscamos compreender como a crise do

Estado de Bem-Estar Social contribuiu para o surgimento e o desenvolvimento do neoliberalismo.

Analisamos, ainda, o surgimento da política neoliberal brasileira, no Governo Collor, e sua

insurgência contras as políticas sociais brasileiras previstas na Constituição de 1988.

No terceiro capítulo iniciaremos com uma análise da inserção dos direitos sociais na

Constituição Brasileira de 1988. Posteriormente, faremos uma análise do papel do Estado Brasileiro

na redução das desigualdades por meio das políticas sociais. Enfatizaremos, inclusive, aquela

política social que, sem sombras de dúvidas, é a mais difundida no meio social, que é o Programa

Bolsa Família. Adiante, analisaremos a desigualdade fomentada pela política neoliberal no contexto

brasileiro e seu efeito devastador junto aos direitos sociais.

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2 DIREITOS SOCIAIS

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 assegura em seu artigo 6º que

são direitos sociais a educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência

social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados. Pode-se considerar um

verdadeiro avanço de nossa Carta Magna ao prever tais direitos sociais, pois, até então, nenhum

outro texto constitucional brasileiro havia previsto tantos direitos sociais como a Constituição

Cidadã.

Todavia, até chegarmos a esse nível de elevação dos direitos sociais a direitos

constitucionalmente protegidos, a história da humanidade já vivenciou diversos períodos em que os

direitos sociais simplesmente não eram reconhecidos pois era dado apenas ao soberano ter direitos.

Considerando como primordial a análise do desenvolvimento dos direitos sociais ao longo da

história da humanidade para a correta compreensão do status usufruído por tais direitos nos dias de

hoje, analisaremos os principais aspectos da transição do absolutismo para o modelo de Estado

Liberal e deste para o Estado Social. Esta breve evolução histórica nos auxiliará na compreensão da

importância dos direitos sociais existentes atualmente e como tais direitos vêm sendo

profundamente afetados pela atual política neoliberal a qual se submete o Estado brasileiro. Desde

já, alertamos o leitor que tal análise se desenvolverá sem qualquer pretensão de esgotar o tema até

porque tal intento exigiria um estudo exclusivo a respeito do assunto.

2.1 ABSOLUTISMO

L'État est moi (em português: O Estado sou eu). Essa foi a célebre frase atribuída ao rei

francês Luís XIV que sintetizava seu absoluto controle sobre tudo o que estivesse nos limites do

reino. Dessa forma, o rei controlava as leis (criação, execução e julgamento), as atividades

econômicas, as funções administrativas e as forças armadas. Para Luís XIV, a monarquia

necessitava ser absoluta. Naquela época o rei dominava tudo. Nada ocorria nos domínios reais sem

o aval do soberano. O rei concentrava em suas mãos os poderes executivo, legislativo e judiciário,

estando a monarquia acima de todos os outros órgãos estatais, não lhe sendo exigida prestação de

contas por qualquer decisão da Coroa Real. Como as figuras do Estado e do governante se

confundiam em uma só pessoa, a vontade do rei era tida como vontade do Estado.

O absolutismo parece ter sido uma tendência entre os Estados da época, pois boa parte

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destes evoluiu para uma monarquia absoluta. Segundo AQUINO et al. (1978, p. 30), a monarquia

absoluta

(…) era o regime em que o Rei, encarnando o ideal nacional, possui, além disso, de direitoe de fato, os atributos da soberania: poder de decretar leis, de prestar justiça, de arrecadarimpostos, de manter um exército permanente, de nomear funcionários (…)

Dessa forma, o rei concentrava em suas mãos todos os poderes, inclusive o de fazer as

leis, de executá-las e de julgar as controvérsias surgidas no exercício dessas leis. Tal poder era

legitimado por teorias que, nos séculos XVI e XVII se multiplicavam justificando o Estado absoluto

e autoritário dos monarcas, conforme ensinam AQUINO et al. (1978, p. 30):

Essas teorias, fundamentando-se ou não na religião, tiveram como principais representantesdas concepções leigas: 1) o italiano Nicolau Maquiavel. (1469-1527) que em O Príncipe “expressava seu maisprofundo desprezo pela ideia medieval de uma lei moral limitando a autoridade dogovernante. A obrigação suprema do governante é manter o poder e a segurança do país quegoverna. O príncipe não deverá temer a adoção de meios que o capacitam a realizar essaobrigação, quaisquer que sejam eles (…)” (Mc NALL BURNS, E., História da CivilizaçãoOcidental, Ed. Globo, págs. 420-421);2) Thomas Hobbes (1588-1679), inglês e autor do Leviatã, onde afirmou terem inicialmenteos homens vivido em estado natural, obedecendo unicamente a seus próprios interessesindividuais, sendo que “a única maneira de erigir-se um poder, capaz de defendê-los contraa invasão e danos infligidos, uns contra os outros (...) consiste em conferir todo o poder eforça a um só homem (....)”. Assim, mediante um contrato, os governados renunciariam atodos os direitos em favor do monarca, cuja autoridade seria sem limites;3) o holandês Hugo Grotius (1583-1645), considerava que só uma autoridade ilimitada nasmãos do monarca possibilitaria a manutenção da ordem interna do Estado.

Sem dúvidas, os dois maiores filósofos defensores do absolutismo real foram Maquiavel

e Hobbes, que tiveram, e ainda têm, influência sobre o pensamento político ocidental. Suas

principais obras, “O Príncipe” e “Leviatã” ainda são lidas e consultadas por governantes que

desejam conduzir de forma mais autoritária os seus mandatos.

Thomas Hobbes publicou seu famoso livro “Leviatã” em 1651, no qual suas ideias são

sintetizadas pela frase “o homem é o lobo do homem”. Entende MARMELSTEIN (2011, p. 35) que

tal frase sintetiza o pessimismo de Hobbes com a natureza humana. Ainda segundo o autor, o

homem tem um ímpeto insaciável de poder que apenas termina com a morte. Com isso, seria

necessária a existência de uma autoridade capaz de organizar a sociedade pois, do contrário, a busca

desenfreada pelo poder faria com que os homens vivessem em constante guerra. Essa autoridade

superior, que teria o poder de promover a organização do meio social, seria o Estado, que, por isso

mesmo, necessitaria de um poder absoluto, sem qualquer limitação jurídica ou política, usado contra

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os homens para evitar que, na busca pelo poder, se matem uns aos outros. No exercício do seu

mister, nada que o soberano fizesse poderia ser considerado injusto pois, sendo o juiz de seus

próprios atos, ninguém poderia questioná-lo. Ainda segundo George Marmelstein (2011, p. 36), o

soberano julgava, mas não poderia ser julgado. Legislava, mas não poderia estar submetido a

nenhum ordenamento jurídico. Enfim, o soberano seria comparado ao Leviatã, monstro marinho

descrito na Bíblia que ninguém, a não ser o próprio Deus, poderia dominar. Dessa forma, o soberano

prestava conta de seus atos apenas a Deus.

Outro importante filósofo a defender o poder absoluto dos reis foi Nicolau Maquiavel

que, em sua obra “O Príncipe”, em 1512, aconselhava que o soberano necessitava buscar, a todo o

custo, manter-se no poder. De acordo com MARMELSTEIN (2011, p. 36), para Maquiavel havia

apenas duas formas de manutenção do poder: uma baseada nas leis, própria do homem, e outra

baseada na força, própria dos animais. Segundo o filósofo, caso a primeira forma não fosse

suficiente, dever-se-ia utilizar a segunda. Portanto, segundo Maquiavel, o príncipe deveria

comportar-se ora como homem, ora como animal, na busca da manutenção do poder real.

A síntese da teoria maquiavélica é a de que os fins justificam os meios. Curiosamente,

chama atenção MARMELSTEIN (2011, p. 36), essa conhecida frase não é localizada em nenhum

local da obra de Maquiavel. Seguindo essa ótica, é lícito ao soberano utilizar-se todas as artimanhas

possíveis e imagináveis para a manutenção do seu poder, tais como matar, aniquilar povos, destruir

rebeldes, instituir o medo, vencer de qualquer forma, dentre outras.

Observamos, portanto, que Hobbes e Maquiavel defendiam um Estado forte, soberano,

que tivesse o amplo controle sobre a vida de todos os seus súditos, livre para utilizar de quaisquer

ferramentas para manter o poder ou para atacar quem o ameaçasse e, por fim, submisso apenas a

Deus. Todas essas características exigiam que o Estado absoluto detivesse em suas mãos o poder de

legislar, de executar e de julgar as controvérsias. Tal postura de absoluta concentração de poderes é,

inclusive, atacada posteriormente pelo Barão de Montesquieu, pensador ilustre que defendeu a

necessidade de se impedir essa concentração para a preservação da liberdade dos homens contra

abusos e tiranias dos governantes. MELLO (2013, p. 31), citando Montesquieu, afirma,

[...] é uma experiência eterna a de que todo homem que tem poder tende a abusar dele; elevai ate onde encontra limites. Quem o diria! a própria virtude tem necessidade de limites.Para que não se possa abusar do poder é preciso que, pela disposição das coisas, o poderdetenha o poder”. E logo adiante: “Quando na mesma pessoa, ou no mesmo corpo demagistratura, o poder legislativo está reunido ao poder executivo, não há liberdade, porquese pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado façam leis tirânicas para executá-las tiranicamente. Não há liberdade se o poder de julgar não está separado do poder

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legislativo e do executivo. Se ele estivesse confundido com o poder legislativo, o podersobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria legislador. Se eleestiver confundido com o poder executivo, o juiz poderá ter a força de um opressor. Tudoestaria perdido se o mesmo homem, ou o mesmo corpo de principais, nobres ou povo,exercessem estes três poderes: o de fazer as leis, o de executar as resoluções públicas e o dejulgar as questões dos particulares.

Nos dias de hoje seria inimaginável um governo que concentrasse, em uma só pessoa, a

faculdade de editar leis, de executar essas leis e de julgar os casos controversos. Muito embora o

poder seja uno e indivisível, segundo Montesquieu, para se evitarem os abusos era necessário que

parcelas desse poder fossem divididas entre órgãos que ficariam com parcelas de sua autoridade,

com o objetivo de uns limitarem os outros, na medida em que as atividades de uns necessitam,

muitas vezes, ser chanceladas pelos outros.

MARMELSTEIN (2011, p. 43) recorda que a falta de liberdade religiosa, onde nenhum

do povo poderia escolher, livremente, sua religião ou crença fez com que muitos fossem punidos

por adotarem crença diferente daquela adotada pelo Estado. Atenta a isso, a Igreja Católica, religião

oficial estatal, reativou o Tribunal da Santa Inquisição para acabar com os “hereges”, aqueles que

questionavam a fé imposta pelo soberano e pela Igreja.

O clima vivido pela população era de verdadeira caça àqueles que ousassem ter ideias

ou atitudes diferentes daquelas permitidas pelo Estado. Exemplos disso podemos encontrar em

Copérnico e Galileu que, após defenderem que a Terra gira ao redor do Sol, foram perseguidos pela

Igreja, que defendia a teoria geocêntrica. Outro exemplo do esforço feito pelo Estado e Igreja para

evitar que pessoas tivessem acesso a documentos que pudessem suscitar-lhes ideias mais

progressistas foi o Index Librorum Prohibitorium, que era um índice de livros proibidos pela Igreja.

Caso alguém ousasse desobedecer sua ordem, seria exterminado ou teria um fim semelhante àquele

retratado no filme “O nome da Rosa”, de Jean-Jacques Annaud, que trata de misteriosas mortes

ocorridas em um mosteiro na Itália Medieval.

Fora a violência intelectual promovida pelo Estado, ainda tinha a violência física. Penas

cruéis e desumanas eram a tônica reinante durante o absolutismo. Muitas delas eram aplicadas, em

julgamentos secretos, àqueles que se recusavam a pagar a pesada carga tributária cobrada pela

Coroa para a manutenção da dispendiosa estrutura estatal, agravada pela manutenção dos inúmeros

privilégios concedidos à Nobreza e ao Clero que tinham suas mordomias atendidas pelo suor e

sofrimento do povo.

Posteriormente, esses governos autoritários, supralegais, que não reconheciam os

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direitos de seus súditos passaram a ser questionados. Surgia ali um foco de mudança, de reação a

esse Estado absoluto, que necessitava reconhecer os direitos das pessoas, e que, portanto, carecia de

limites à sua atuação. Muito embora o surgimento do absolutismo, conforme ensinam AQUINO et

al. (1978, p. 27), tenha ocorrido em um contexto de união entre a burguesia e a realeza contra os

senhores feudais, a concentração de poderes nas mãos desses mesmos reis fez com que a burguesia

repensasse seu anterior apoio à monarquia. Dessa forma, aos poucos, o Estado absoluto passa a dar

lugar a uma outra concepção de Estado: o Estado Liberal.

2.2 ESTADO LIBERAL

Após décadas de submissão a um Estado absoluto, que não reconhecia os direitos dos

súditos e que governava pela força, impondo sua vontade a qualquer custo, fazendo com que os fins

almejados justificassem os meios adotados, tal concepção começou a ser questionada.

No campo religioso, a Reforma Protestante, de Martinho Lutero, promoveu o

enfraquecimento político da Igreja Católica, na medida em que propôs uma reforma no catolicismo.

Com isso, o questionamento feito por Lutero abriu as portas para um movimento em favor da

tolerância religiosa.

No campo das ideias, o Iluminismo enaltecia a razão e a ciência como meios

indispensáveis para o conhecimento da verdade, pregando a liberdade de pensamento como meio

para o engrandecimento do Homem. Célebre é a frase de Voltaire, que resume toda essa liberdade de

pensamento iluminista: “Posso não concordar com nenhuma palavra que dizeis, mas defenderei até

a morte o seu direito de dizê-las.”

No campo econômico, de grande influência foi o pensamento de Adam Smith, que, em

seu livro A riqueza das Nações, referiu-se à “mão invisível” do mercado, que seria capaz de se

autorregular. Dessa forma, para Smith o Estado não necessitava intervir na economia, devendo

apenas garantir a propriedade e a segurança das pessoas.

Já a burguesia passou a almejar o poder político cada vez mais. Até então, essa possuía

apenas o poder econômico, aumentado, constantemente, pela descoberta de novos mercados. Como

até os dias de hoje quem possui o poder econômico tende a buscar o poder político, a burguesia

passou a exigir maior participação política na condução dos negócios públicos.

Esse panorama propiciou o surgimento das revoluções liberais ou burguesas que foram

responsáveis por enorme mudança na política mundial, fazendo com que o Estado absoluto desse

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lugar a um Estado de Direito, baseado nas leis.

Ensina-nos MARMELSTEIN (2011, p. 37) que um dos primeiros filósofos a questionar

essa soberania inquestionável das monarquias absolutas foi ALTHUSIUS (1995, p. 75), em seu livro

“Política”, publicado em 1603, onde defendia que “todo o poder é limitado por limites definidos e

pelas leis. Nenhum poder é absoluto, infinito, desenfreado, arbitrário e sem leis. Todo o poder está

atado às leis, aos direitos e à equidade”.

Trata-se de pensamento bastante avançado para a época. Suas teorias concluíam que o

povo, e não o Estado, é que seria dotado de soberania. Surgia então a doutrina através da qual o

Estado é criado e sujeito à vontade das pessoas, que é a base de todo o poder político. Dessa forma,

cada um do povo seria dotado de pequena parcela de soberania que seria delegada a um ente eleito

por todos (ou pela maioria) do povo para conduzir os assuntos do meio social. Tal ente seria o

Estado, que teria, assim, sua soberania derivada do povo, devendo servi-lo no atendimento de seus

anseios e tendo como limites aqueles impostos pelas leis. Essa “transferência” de soberania

funcionaria como uma espécie de contrato social firmado entre o povo, de um lado, e o Estado do

outro. Portanto, a atuação estatal seria realizada em prol do povo e não mais em prol dos interesses

do governante.

Segundo MARMELSTEIN (2011, p. 38), LOCKE (2003, p. 76), defendia a ideia de que

essa transferência de soberania parcial do povo para o Estado se dava no momento em que cada um

consentia em respeitar as leis, que deveriam ser pactuadas com os membros da sociedade. Até

mesmo o Príncipe, como integrante do meio social, estaria subordinado às leis aprovadas pela

sociedade civil. Surgiam então os fundamentos do Estado Democrático de Direito.

George MARMELSTEIN (2011, p. 39) vê ainda na obra de LOCKE (2003, p. 106) o

embrião do Princípio da Separação dos Poderes, pois, segundo Locke, o poder de legislar e de

governar não poderiam pertencer à mesma pessoa pois “poderia ser tentação excessiva para a

fraqueza humana a possibilidade de tomar conta do poder, de modo que os mesmos que têm a

missão de elaborar as leis também tenham nas mãos o poder de executá-las”. John Locke sustenta a

necessidade de que os poderes não sejam concentrados nas mãos de uma só pessoa, pois, quem

detém o poder tende a abusar dele, sendo essa uma tese válida até os dias atuais. Por esse motivo

que, com a previsão de um Estado de Direito, a separação de poderes é princípio aplicado na

maioria das modernas democracias ocidentais. Nessas nações, as leis são feitas pelo povo, direta ou

indiretamente, obrigando o governante a cumpri-las. Além disso, as funções estatais são divididas

por vários órgãos para se evitar que um governante que concentre em si todas as funções tenda a

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abusar do poder que possui.

O convite à reflexão feito por Johannes Althusius e John Locke fez com que o povo

ponderasse o modelo de governo absolutista. Aquele governo, forte e centralizador, detentor de

todas as prerrogativas imagináveis, atuava contra o povo de forma truculenta, não reconhecendo

nenhum direito, pois esses somente possuíam obrigações, uma vez que os direitos eram exclusivos

do Estado.

O Estado Liberal, surgido a partir das teorias iluministas e liberais, propunha o fim do

absolutismo. Defensor da ideologia do poder supremo atribuído às leis, tinha a finalidade de garantir

a liberdade e os direitos fundamentais do indivíduo. Segundo LIBERATI (2013, p. 33), citando José

Luiz Quadros de Magalhães,

(….) inicia-se a evolução do Estado constitucional moderno com a Revolução Norte-Americana em 1776, a Constituição da Federação norte-americana de 1787 e o processo daRevolução Francesa a partir de 1789. Neste momento, afirma-se o Estado Liberal, primeirotipo de Estado Constitucional. Em linhas gerais, esse Estado caracterizava-se pela omissãoperante os problemas sociais e econômicos, não consagrando direitos sociais e econômicosno seu texto, além da regra básica da não-intervenção no domínio econômico.

Surgido após forte e cruel repressão do Estado absolutista, o Estado Liberal preocupou-

se apenas em garantir os direitos individuais, aqueles que regulam condutas individuais e protegem

os indivíduos contra a atuação do Estado. Para tanto, esse Estado se preocupou com a concepção da

supremacia da Lei sobre todos (inclusive sobre o governante), com a igualdade de direitos entre os

cidadãos e com o exercício das funções estatais por diferentes pessoas, objetivando evitar a

concentração de poderes nas mãos de uma só pessoa, propiciando o exercício da tirania.

GOTTI (2012, p. 31), recorda que o pensamento liberal burguês possuía cunho

totalmente individualista, afirmando os direitos de defesa do indivíduo frente ao Estado,

demarcando uma zona de proteção do indivíduo frente ao Estado, onde este não poderia ingressar.

Bom exemplo desse limite intransponível nos é dado por MORAES (2014, p.55) que, ao tratar das

raízes do direito de inviolabilidade domiciliar, previsto em nossa constituição, cita o discurso de

Lord Chatham no Parlamento Britânico em 1764:

O homem mais pobre desafia em sua casa todas as forças da Coroa, sua cabana pode sermuito frágil, seu teto pode tremer, o vento pode soprar entre as portas mal ajustadas, atormenta pode nela penetrar, mas o Rei da Inglaterra não pode nela entrar.

Tal discurso surgiu em um contexto posterior ao fim do absolutismo, onde as ideias

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liberais objetivavam assegurar as garantias individuais contra a Coroa. Observe-se que o discurso

liberal impôs limites ao poder real, de forma que o rei, antes tido por soberano, não possuía mais

autorização para invadir residências de nenhum dos seus súditos, por mais humildes que fossem.

BONAVIDES (2011, p. 40) afirma que, na doutrina do Liberalismo, o Estado foi sempre

o fantasma que atemorizou o indivíduo. De fato, a doutrina liberal era contrária ao forte controle do

Estado sobre a economia e sobre a vida das pessoas. Dessa forma, o liberalismo defendia a ideia de

que o Estado deveria dar liberdade ao povo, devendo ter sobre seu controle apenas a administração

da Justiça.

Outra ideia defendida pelo liberalismo é a total submissão às leis. Dessa forma, apenas

um Estado organizado e obediente às suas próprias leis poderia garantir aos seus cidadãos o livre

exercício dos seus direitos fundamentais.

Ensina MIRANDA (2008) que, no campo econômico, o liberalismo criou as condições

necessárias para o desenvolvimento da Revolução Industrial. Isso porque a não-intervenção do

Estado na economia contribuiria para que os capitalistas pudessem lançar-se no mercado e dar ao

seu capital a melhor destinação possível. Contribuiu também para a eclosão da Revolução Industrial

o individualismo defendido pelo liberalismo. Deixando de pensar no social, cada indivíduo

travaria uma “batalha” com os seus pares para a garantia do seu salário e emprego. Portanto, o

indivíduo buscaria dar o seu melhor a fim de garantir o seu sustento, o que beneficiaria também ao

dono do capital que teria sua produção aumentada.

Outra contribuição do Estado liberal foi a proteção dada ao indivíduo. Após anos de

total desrespeito aos direitos individuais por conta de um Estado autoritário e truculento, que

impunha sua vontade pela força, esse mesmo homem passou a ser o centro das atenções, passando,

assim a ter direitos. LIBERATI (2013) ensina que o liberalismo contribuiu para a abolição da

escravidão, para a humanização do Direito e do processo penal, para a supressão de privilégios de

nascimento e para a liberdade de imprensa.

Esse foco liberal em demasia nas pessoas enquanto seres individuais deixou à mostra

uma deficiência do Estado liberal que era a não-preocupação com o homem enquanto participante

de uma sociedade. Na medida em que deixou de intervir no setor econômico, permitiu à classe

industrial que agisse desprovida de qualquer controle estatal em clara afronta aos direitos coletivos.

Dessa forma, muito embora houvesse a previsão de direitos individuais nas constituições, a área

social foi relegada a segundo plano em benefício da produção e da geração de riquezas. Os

trabalhadores exerciam suas atividades em ambientes totalmente insalubres, com jornadas de

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trabalho desumanas e os salários pagos eram bem aquém das suas necessidades. Era permitido o

trabalho de mulheres e crianças com a mesma carga laboral atribuída aos homens. A única diferença

nesse caso é que os salários pagos eram bem menores. Esse panorama desfavorável gerou bastante

insatisfação nos trabalhadores da época que passaram a reivindicar a observância de direitos para os

trabalhadores. Estava, assim, reunidos os ingredientes necessários ao surgimento do Estado Social.

2.3 ESTADO SOCIAL

A Revolução Industrial proporcionou mudanças na estrutura da sociedade até então

nunca vistas. AQUINO et al. (1978) entendem a Revolução Industrial como um conjunto de

transformações ocorridas na indústria, agricultura, transportes, bancos, comércio, comunicações, em

suma, em toda a economia. Todavia, em sentido estrito, a Revolução Industrial representou o

processo de mecanização das indústrias.

A estrutura social, até então composta por três segmentos (soberano, Igreja e súditos)

passou a ser dividida em apenas dois: a burguesia, proprietária dos meios de produção e capital, e o

proletariado, classe assalariada que vendia à primeira o seu único bem, que era sua força de

trabalho. Dessa forma, podemos dizer que duas foram as pré-condições que fomentaram o

surgimento da Revolução Industrial: a acumulação de capitais, através da qual uma minoria

(burguesia) concentrou em suas mãos os meios de produção e enormes somas de capital, além da

liberação da mão de obra. A proteção dada ao indivíduo pela doutrina liberal contribuiu

efetivamente, dentre outras coisas, para a abolição da escravidão, fazendo surgir então o

proletariado, classe de trabalhadores que não possui outra riqueza a não ser a força do seu trabalho.

GOTTI (2012) ensina que a liberdade, valor máximo do Estado liberal, conduziu a

situações extremas de arbítrio na medida em que expôs os fracos à sede dos poderosos. Ainda

segundo a autora, essa liberdade do contrato, a desumana espoliação do trabalho, o doloroso

emprego de métodos brutais de exploração econômica eram mais severos que a servidão medieval.

Todavia, não durou muito até que surgissem os primeiros embates entre o capital e o

trabalho. Na contramão das indústrias da época, que conferiam aos seus donos lucros vultuosos,

como, até aquele momento, nunca antes vistos na história, a situação dos trabalhadores era de

miséria. A transição da nova economia criou miséria e descontentamento, sendo esses os dois

ingredientes mais importantes de qualquer revolução social. A exploração da mão de obra, que

mantinha sua renda em nível de subsistência, possibilitando aos ricos acumularem os lucros que

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financiavam a industrialização (e seus próprios e amplos confortos), criava um conflito com o

proletariado. Enquanto poucas pessoas viviam com muitos recursos, a maioria da população

conduzia o pesado fardo de jornadas de trabalho de 14, até 16 horas, em condições subumanas, sem

qualquer assistência médica, sem condições dignas de trabalho, tornando bem curta a vida média de

um trabalhador.

Além de terem condições insalubres, as fábricas eram sujas e mal ventiladas. Isso

tornava os trabalhadores inválidos em poucos anos. Não havia nenhum tipo de seguridade social,

nem aposentadoria, nem programas sociais. Valorizava-se o esforço individual e a poupança, o que

quase nunca era possível pois os salários mal davam para se manter vivo. Durante muito tempo, não

houve nenhuma lei trabalhista, pois aquela era uma sociedade verdadeiramente liberal, onde a

liberdade de explorar os menos favorecidos era absoluta e a realização individual valia mais do que

qualquer outra coisa, mesmo se isso custasse a vida alheia. A ausência de leis trabalhistas propiciava

a exploração de pessoas pobres que, sem outra opção, submetiam-se às condições impostas pelos

donos dos meios de produção. Por não haver dispositivos de segurança nas fábricas, muitos

operários caíam dentro das máquinas e morriam esmagados, ou tinham membros amputados, e

ficavam impossibilitados de trabalhar. Caso isso ocorresse, o operário não recebia nenhum socorro,

e perdia o que já havia produzido no dia. O cansaço físico e mental, muito comum naquele contexto

de desrespeitos aos direitos dos trabalhadores, fazia com que fosse vertiginosamente aumentado o

risco de acidentes. Atrasos ou inobservância das regras disciplinares ensejavam açoites, tendo

muitos morrido nas mãos dos seus supervisores.

Esse contexto caótico apresentado aos trabalhadores como única alternativa possível,

fez com que as classes operárias, organizadas em grupos, dessem início às primeiras reivindicações

buscando melhores condições de trabalho. Tais reivindicações foram infladas com a publicação do

Manifesto comunista de Karl Marx onde este conclamava a que trabalhadores espalhados pelo

mundo todo se unissem para tomar o poder dos donos dos meios de produção e, assim, construir um

governo proletariado. Na Rússia, em 1917, ocorreu a primeira grande revolução socialista de

sucesso, dando um aviso a todo o mundo de que as reivindicações operárias deveriam ser atendidas

por se constituírem em ameaça real.

Esse panorama criado exigia que fosse feito algo para acalmar os ânimos dos

trabalhadores. Todavia, esse “algo” significava o reconhecimento de direitos para os trabalhadores e,

consequentemente, redução de lucros para os donos do capital. A própria Igreja Católica, ensina

MARMELSTEIN (2011), que, até então, vinha se mantendo neutra em relação aos conflitos,

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publicou, em 15 de maio de 1891, a encíclica Rerum novarum, do Papa Leão XIII, onde criticava as

condições de vida dos trabalhadores, apoiando o reconhecimento de vários direitos destes, muito

embora refutasse enfaticamente as ideias marxistas.

Nesse contexto surge o Estado de bem-estar social (Welfare State), novo modelo

político no qual o Estado, apesar de continuar apoiando o capitalismo, comprometeu-se a lutar por

uma maior igualdade social a partir da garantia de melhores condições de vida aos trabalhadores. A

partir de então, surgiram diversos direitos dos trabalhadores, o que representou uma mudança na

doutrina liberal. Houve a constatação de que a liberdade contratual é algo utópico em razão ao

desnível social entre empregadores, donos dos meios de produção e trabalhadores, fazendo com que

estes últimos se sujeitassem a aceitar as condições impostas pelo capital. Segundo

MARMELSTEIN (2011), visando a uma compensação da situação econômica inferior por parte dos

trabalhadores, o ordenamento jurídico passou a prever diversos limites aos empregadores e alguns

tímidos direitos aos trabalhadores, tais como salário-mínimo, piso salarial, direito de greve e

sindicalização, férias, limitação da jornada de trabalho, dentre outros. Fora os direitos trabalhistas,

ainda segundo o autor, o Estado de bem-estar social passou a prever direitos econômicos sociais e

culturais, que são aqueles existentes independentemente da condição de trabalhador, tais como

alimentação, saúde, moradia, educação, assistência social, etc.

Após essa fase inicial de reconhecimento desses direitos, se fez necessária a sua

positivação, como forma de alcançar força e possibilitar a sua exigibilidade perante o ente estatal.

Essa foi a tendência durante o século XX. As normas que definem os direitos sociais foram

primeiramente previstas nas Constituições Mexicana de 1917 e de Weimar de 1919, que, por

representarem uma verdadeira revolução no campo dos direitos humanos, tornaram-se verdadeiros

marcos na positivação desses direitos (MORAES, 2014).

Em relação à normatividade e aplicabilidade dos direitos sociais, BONAVIDES (2008,

p. 564), asseverou que os direitos sociais experimentaram primeiro um ciclo de baixa normatividade

ou tiveram sua eficácia duvidosa, em virtude de sua própria natureza de direitos que exigem do

Estado determinadas prestações materiais nem sempre resgatáveis por exiguidade, carência ou

limitação essencial de recursos. Nesse contexto, as Constituições Mexicana de 1917 e de Weimar de

1919 foram os primeiros documentos escritos que positivaram várias aspirações sociais que foram

elevadas à categoria de princípios constitucionais protegidos pelas garantias do Estado de Direito.

A nível internacional, os direitos sociais foram primeiramente descritos e positivados na

Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, corroborando com isso, para a efetivação do

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Estado Democrático de Direito, onde o Estado não defende e nem assegura apenas o direito de

poucos. A sua representatividade se dá pela maioria pois é a vontade do povo que se faz soberana.

Foi a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que “o humanismo político da

liberdade alcançou seu ponto mais alto do século XX. Trata-se de um documento de convergência e

ao mesmo passo de uma síntese” (BONAVIDES, 2008).

A Declaração Universal, já aprovada pelos franceses, ganhou status internacional com

sua aprovação pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1948, o que para Bobbio (2004, p.

50), foi “a única prova através da qual um sistema de valores pode ser considerado humanamente

fundado e, portanto, reconhecido: e essa prova é o consenso acerca de sua validade”. Além disso,

esses direitos foram disciplinados em uma norma específica: o Pacto Internacional dos Direitos

Econômicos, Sociais e Culturais, documento adotado pela XXI Sessão da Assembleia Geral das

Nações Unidas, em 19 de dezembro de 1966. O Pacto apresenta um rol extenso de direitos, indo

além da Declaração Universal. O referido diploma internacional foi promulgado no Brasil pelo

Decreto nº. 591, de 6 de julho de 1992.

MARMELSTEIN (2011, p. 51) define o conteúdo dos direitos sociais dizendo que estes

“[....] impõem diretrizes, deveres e tarefas a serem realizadas pelo Estado, no intuito de possibilitar

aos seres humanos uma melhor qualidade de vida e um nível razoável de dignidade como

pressuposto do próprio exercício de liberdade”.

Em contraposição aos direitos de primeira dimensão que dependem, em regra, do não

agir estatal, o reconhecimento dos direitos de segunda dimensão, especificamente os sociais, tem

um grau de complexidade elevado quanto a sua efetivação, pois necessitam basicamente da atuação

positiva do Poder Público. É nesse sentido, que AFONSO DA SILVA (2013, p. 286) aduz que: [....]

os direitos sociais, como dimensão dos direitos fundamentais do homem, são prestações positivas

proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que

possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a

igualização de situações sociais desiguais.

Pode-se perceber que o conteúdo das normas definidoras de direitos sociais privilegia a

igualdade material, ao considerá-la condição essencial para o exercício pleno de outros direitos.

BONAVIDES (2008, p. 564) reforça essa ideia, afirmando que os direitos sociais “nasceram

abraçados ao princípio da igualdade, do qual não se podem separar, pois fazê-lo equivaleria a

desmembrá-los da razão de ser que os ampara e estimula”.

Como todo direito fundamental, os direitos sociais possuem um conteúdo essencial de

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direitos inerentes à dignidade do ser humano (fundamentalidade material), tendo-a como núcleo

básico. São indubitavelmente meios para a proteção e a efetivação concreta do princípio da

dignidade da pessoa. Esses direitos possuem o objetivo de impor diretrizes, deveres e tarefas a

serem realizadas pelo Estado, no intuito de possibilitar aos seres humanos uma melhor qualidade de

vida e um nível razoável de dignidade como pressuposto do próprio exercício da liberdade. Pode-se

considerá-los como pressupostos dos direitos fundamentais, pois eles andam estreitamente

associados a um conjunto de condições materiais necessárias para o perfeito exercício de outros

direitos.

Os direitos sociais constituem condições imprescindíveis para o efetivo exercício de

qualquer outro direito fundamental. Essas normas jurídicas estabelecem pressupostos necessários

para a integralidade do exercício de outros direitos, mostrando-se como normas basilares ao Estado

Democrático de Direito. Representam, pois, pressupostos para o exercício pleno dos direitos de

liberdade, tendo em vista que, possibilitam a criação de condições materiais para a obtenção da

igualdade real (material), proporcionando assim a concretização do exercício efetivo da liberdade

(AFONSO DA SILVA, 2013). A igualdade meramente formal, de caráter puramente negativo, tem o

condão de gerar diversos tipos de desigualdades, pois a mesma não sopesa nem diferencia situações

diferentes que precisam ser equilibradas, ou seja, não leva em consideração as distinções existentes

entre os seus destinatários. Igualdade material deve ser compreendida como aquela que prioriza o

tratamento equânime e uniformizado de todos os seres humanos, e quando preciso,

fundamentadamente, realiza as diferenciações necessárias para contrabalancear situações

desequilibradas.

2.4 OS DIREITOS SOCIAIS NO BRASIL

O Brasil acompanhou a tendência mundial em relação ao prestígio reservado aos

direitos fundamentais após a Segunda Guerra. A Constituição Federal de 1988 simboliza essa

novidade, desde o seu preâmbulo o texto constitucional traz que, a finalidade desta República é a

instituição do Estado Democrático de Direito. São elencados também, os princípios fundamentais

da República Federativa do Brasil (arts. 1º ao 4º) e os direitos e garantias fundamentais (arts. 5º ao

17). Deve-se ressaltar que grande parte dos direitos sociais positivados em nossa Constituição está

previsto no art. 6º: “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a

segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos

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desamparados, na forma desta Constituição”.

No texto constitucional brasileiro, ainda é previsto um título específico que trata da

Ordem Social (Título VIII), onde estão elencados, por exemplo, os direitos sociais relativos à saúde,

previdência social, assistência social, educação entre outros.

Ainda que a Constituição brasileira de 1988 seja conhecida por “Constituição Cidadã”

por assegurar em seu texto diversos direitos sociais, bem como mecanismos garantidores do

usufruto desses direitos, um caminho muito longo teve de ser percorrido desde a primeira

constituição brasileira, a Constituição Política do Império do Brazil, jurada em 1824, até a atual

Carta Magna.

Muito embora não se constitua o objetivo primordial do presente trabalho, assim como

fizemos para a evolução mundial dos direitos sociais, traçaremos um panorama histórico da

previsão dos direitos sociais nas constituições brasileiras, enfocando como as influências europeias

agiram como fatores determinantes na evolução dos direitos sociais. Desde já, alertamos o leitor que

tal análise se desenvolverá sem qualquer pretensão de esgotar o tema até porque tal intento exigiria

um estudo exclusivo a respeito do assunto.

2.4.1 Constituição de 1824

Ao longo da história constitucional brasileira, os direitos sociais tiveram diversos

tratamentos nos textos constitucionais, desde seu tímido reconhecimento, como na Constituição de

1824, até um superlativo grau de importância, conforme observamos na Constituição de 1988, por

isso chamada Constituição Cidadã.

A Constituição de 1824 foi outorgada aos dias 25 de março de 1824, na cidade do Rio

de Janeiro. Atualmente, é a constituição brasileira que mais tempo passou em vigor sendo

substituída pela Constituição de 1891.

A despeito da previsão de voto censitário, sendo a farinha de mandioca a moeda

utilizada para aferição da renda dos produtores rurais, motivo pelo qual o documento ficou

conhecido por “Constituição da Mandioca”, previu extenso rol de liberdades públicas convertido em

uma Declaração de Direitos, tendo sido a constituição influenciada pela Revolução Americana, de

1776, e pela Revolução Francesa, de 1789 (BULOS, 2014, p. 492).

A Constituição do Império assegurava a liberdade de expressão do pensamento,

inclusive pela imprensa, independente de censura (art. 179, IV); a liberdade de convicção religiosa e

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de culto privado, contanto que fosse respeitada a religião do Estado (art. 5º).

No campo dos direitos sociais, assegurava a igualdade de todos perante a lei (artigo 179,

XIII); liberdade de trabalho (art. 179, XXIV); e, instrução primária gratuita (art. 179, XXXII).

Importante citar que a Constituição do Império estabelecia o acesso de todos os cidadãos

aos cargos públicos (art. 179, VIX); a proibição de foro privilegiado (art. 179, XVI).

No mesmo artigo, estabelecia que o direito a saúde a todos os cidadãos (art. 179,

XXXI). Interligado a saúde, assegurava que as cadeias deveriam ser limpas e bem arejadas, havendo

diversas casas para a separação dos réus, conforme suas circunstâncias e natureza de seus crimes

(art. 179, XXI).

2.4.2 Constituição de 1891

Com a proclamação da República, em 1889, foi promulgada em 24 de fevereiro de 1891

a primeira Constituição dos Estados Unidos do Brasil.

A Constituição de 1891 adotava a forma republicana de governo (art. 1º), sendo

influenciada pela doutrina norte-americana, o Poder Legislativo passou a ser constituído pelo

Congresso Nacional, Senado Federal e Câmara dos Deputados (art. 16, parágrafo 1º), a igreja foi

separada do Estado (art. 72, parágrafo 7º), livre associação (art. 72, parágrafo 8º) e a pena de morte

passou a ser proibida (art. 72, parágrafo 21).

Mesmo com importantes transformações em seu contexto, a Constituição de 1891 não

disciplinava normas que condiziam com a realidade do Brasil, e por isso não obteve eficácia social.

A título exemplificativo, a primeira Constituição da República não previu o direito a instrução

gratuita, como previa a Constituição de 1824.

O habeas corpus foi previsto com a ampliação da Declaração de Direitos prevista na

Constituição de 1824. BULOS (2014, p. 493) ensina que a doutrina brasileira do habeas corpus

desenvolveu-se com mais influência no período posterior à promulgação da Carta de 1891,

sobretudo de 1891 à 1926, sob forte influência das ideias de Pedro Lessa, secundado por Rui

Barbosa.

2.4.3 Constituição de 1934

As questões sociais somente foram despontar no ano de 1930, quando Getúlio Vargas

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subiu ao poder. Como Presidente da República, “criou o Ministério do Trabalho, deu novo impulso

a cultura, preparou novo sistema eleitoral para o Brasil, marcou eleições para a Assembleia

Constituinte”

Com Getúlio Vargas na presidência, em 16 de julho de 1934 foi promulgada a terceira

Constituição do Brasil, com uma forte conscientização pelos direitos sociais.

Essa conscientização pelos direitos sociais, combinada com a influência da Constituição

Mexicana de 1917, a Constituição de Weimar de 1919 e a Constituição da Espanha de 1931, fizeram

com que a Assembleia Nacional Constituinte instituísse normas até então inéditas.

“A lado da clássica declaração de direitos e garantias individuais, inscreveu um título

sobre a ordem econômica e social e outro sobre a família, a educação e a cultura, com normas quase

todas programáticas, sob influência da Constituição alemã de Weimar.” (AFONSO DA SILVA,

2013, p. 84)

Em seu Preâmbulo constava que a Constituição de 1934 foi promulgada com o fim de

“organizar um regime democrático, que assegure a Nação a unidade, a liberdade, a justiça e o bem-

estar social e econômico”.

Foi a primeira Constituição Brasileira a instituir um título específico (Título IV)

disciplinando a ordem econômica e social.

Em seu artigo 10, inciso II, disciplinava que era competência concorrente da União e

dos Estados cuidar da saúde e assistência pública. No artigo 121, parágrafo 1º, alínea h, estabelecia

a assistência médica sanitária ao trabalhador, a assistência médica à gestante, assegurada a ela

descanso antes e depois do parto.

A Constituição de 1934 elevou os direitos e garantias trabalhistas como norma

constitucional, instituindo normas de proteção social do trabalhador (artigo 121, caput).

Dentre as principais normas referentes aos direitos trabalhistas, citamos a proibição de

diferença de salário para um mesmo trabalho, por motivo de idade, sexo, nacionalidade ou estado

civil (art. 121, § 1º, a); salário-mínimo capaz de satisfazer as necessidades normais do trabalhador

(art. 121, § 1º, b); limitação do trabalho a oito horas diárias, só prorrogáveis nos casos previstos pela

lei (art. 121, § 1º, c); proibição de trabalho a menores de 14 anos, de trabalho noturno a menores de

16 anos e em indústrias insalubres a menores de 18 anos e a mulheres (art. 121, § 1º, d); repouso

semanal, de preferência aos domingos (art. 121, § 1º, e); férias anuais remuneradas (art. 121, § 1º,

f); indenização ao trabalhador dispensado sem justa causa (art. 121, § 1º, g); assistência médica

sanitária ao trabalhador (art. 121, § 1º, h, primeira parte); assistência médica à gestante, assegurada

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a ela descanso antes e depois do parto, sem prejuízo do salário e do emprego (art. 121, § 1º, h,

segunda parte); instituição de previdência, mediante contribuição igual da União, do empregador e

do empregado, a favor da velhice, da invalidez, da maternidade e nos casos de acidentes de trabalho

ou de morte (art. 121, § 1º, h, in fine); regulamentação do exercício de todas as profissões (art. 121,

§ 1º, i); reconhecimento das convenções coletivas de trabalho (art. 121, § 1º, j); a criação da Justiça

do Trabalho, vinculada ao Poder Executivo (art. 122); e, obrigatoriedade de ministrarem as

empresas, localizadas fora dos centros escolares, ensino primário gratuito, desde que nelas

trabalhassem mais de 50 pessoas, havendo, pelo menos, 10 analfabetos (art. 139).

Importante mencionar, ainda, que a Constituição de 1934 estatuiu que todos têm direito

a educação (art. 149) e a obrigatoriedade e gratuidade do ensino primário, inclusive para os adultos,

e tendência a gratuidade do ensino ulterior ao primário (art. 150, § único, a).

Diante de tudo isso, não há como se olvidar que a Constituição Brasileira de 1934

representou um grande avanço no campo dos direitos sociais, concebendo um Estado

intervencionista.

A Constituição de 1934 durou cerca de três anos apenas, com o menor tempo de

vigência no Brasil até hoje.

2.4.4 Constituição de 1937

A quarta Constituição Brasileira foi a de 1937, outorgada pelo Presidente Getúlio Vargas

no dia 10 de novembro. Por ter sido baseada no regime autoritário da Polônia, também era

conhecida como Polaca.

Após dissolver a Câmara e o Senado, Vargas revoga a Constituição de 1934, que

concedia muitos direitos aos cidadãos e outorga a Carta Constitucional de 1937. Dessa forma,

instituiu-se uma nova ordem, denominada Estado Novo que Vargas prometeu submeter a um

plebiscito para aprová-lo, mas nunca o fez, instituindo-se claramente um governo ditatorial.

O autoritarismo da Constituição de 1937 aproximou o Estado Brasileiro dos modelos

fascistizantes de organização político-institucional então em voga em diversas partes do mundo,

rompendo com a tradição liberal dos textos constitucionais anteriormente vigentes no país. Sua

principal característica era o fortalecimento do Poder Executivo, concentrando vários poderes nas

mãos do chefe desse poder. Ficou ainda a cargo do presidente da República a nomeação das

autoridades estaduais, os interventores (art. 9º, caput).

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A constituição de 1937 estabelecia em seu artigo 16, inciso XXVII a competência

privativa da União legislar sobre normas fundamentais da defesa e proteção da saúde, especialmente

da saúde da criança.

Em seu artigo 137, alínea 1, prescrevia que a legislação do trabalho deveria observar,

dentre outros preceitos, a assistência médica e higiênica ao trabalhador e para a gestante, assegurado

a esta, sem prejuízo do salário, um período de descanso antes e após o parto.

Os partidos políticos foram extintos e a pena de morte foi reintroduzida (art. 122, XIII).

Foi instituído o estado de emergência, que permitia ao presidente suspender as imunidades

parlamentares, invadir domicílios, prender e exilar opositores, além de retirar do trabalhador o

direito de greve.

Portanto, podemos dizer que a Constituição de 1937 representou verdadeiro retrocesso

social, fruto de uma ditadura que colocou bastante em voga os poderes supremos do Presidente da

República.

2.4.5 Constituição de 1946

Após a queda de Getúlio Vargas, incide um período de redemocratização que culminou

na promulgação da Constituição de 1946.

Além de restaurar os direitos e garantias individuais, a Constituição de 1946 reduziu as

atribuições do Poder Executivo, restabelecendo equilíbrio entre os poderes.

O artigo 5º, inciso XV, alínea b prescrevia que era competência da União estabelecer

normas gerais sobre a defesa e proteção da saúde, permitindo que os Estados legislassem de forma

supletiva ou complementar (art. 6º).

O artigo 157, inciso XV estabelecia que a legislação do trabalho e da previdência social

obedeceriam, dentre outros preceitos que visassem a melhoria das condições dos trabalhadores, a

assistência sanitária, inclusive hospitalar e médica preventiva, ao trabalhador e à gestante, repetindo

as regras das Constituições de 1934 e 1937.

No mais, inseriu em seu corpo o mandado de segurança para proteger direito líquido e

certo não amparado por habeas corpus e a ação popular (art. 141) e condicionou a propriedade à sua

função social, possibilitando a desapropriação por interesse social (art. 141, § 16º).

O artigo 145 estabelecia que a ordem econômica devesse ser organizada conforme os

princípios da justiça social, conciliando a liberdade de iniciativa com a valorização do trabalho

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humano.

A Constituição de 1946 estabeleceu, ainda, que o salário-mínimo deverá atender as

necessidades do trabalhador e de suas famílias (art. 157, I); participação obrigatória e direta do

trabalhador nos lucros da empresa (art. 157, IV); proibição de trabalho noturno a menores de 18

anos (art. 157, IX); fixação das percentagens de empregados brasileiros nos serviços públicos dados

em concessão e nos estabelecimentos de determinados ramos do comércio e da indústria (art. 157,

XI); assistência aos desempregados (art. 157, XV); obrigatoriedade da instituição, pelo empregador,

do seguro contra acidente do trabalho (art. 157, XVII); direito de greve; liberdade de associação

patronal ou sindical (art. 158); gratuidade do ensino oficial superior ao primário para os que

provassem falta ou insuficiência de recursos (art. 168, II, primeira parte); instituição de assistência

educacional, em favor dos alunos necessitados, para lhes assegurar condições de eficiência escolar

(art. 168, II, in fine); e, obrigatoriedade de manterem as empresas, em que trabalhassem mais de 100

pessoas, ensino primário para os servidores e respectivos filhos, obrigatoriedade de ministrarem as

empresas em cooperação, aprendizagem aos seus trabalhadores menores (art. 168, III).

2.4.6 Constituição de 1967 (EC 1/69)

A Constituição de 1967 foi promulgada em 24 de janeiro de 1967 e entrou em vigor em

15 de março do mesmo ano, quando o Marechal Arthur da Costa e Silva assumiu a Presidência.

Sofreu muitas influências do autoritarismo da Carta de 1937, preocupando-se, fundamentalmente,

com a garantia da segurança nacional, deixando de lado as questões sociais.

Já no artigo 8º, inciso XV, afirmava competir à União estabelecer planos nacionais de

saúde, e no inciso XVII, alínea “c”, estatuía à União a competência para legislar sobre defesa e

proteção da saúde, permitindo que os Estados legislassem de forma supletiva (§ 2º).

Em seu artigo 158, inciso XV, assegurava aos trabalhadores, nos termos da lei, dentre

outros direitos que visassem a melhoria de sua condição social, a assistência sanitária, hospitalar e

médica preventiva.

De resto, a forma federalista do Estado foi mantida, todavia com maior expansão da

União. O princípio da separação dos poderes foi novamente afetado, eis que foi dada uma maior

ênfase ao Poder Executivo, que passou a ser eleito indiretamente por um colégio eleitoral (art. 76,

caput), mantendo-se as linhas básicas dos demais poderes.

Suprimiu a liberdade de publicação de livros e periódicos que fossem considerados

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como propaganda de subversão da ordem (art. 150, § 8º), restringiu o direito de reunião (art. 150, §

27), estabeleceu o foro militar para os civis (art. 122, § 1º) e criou a pena de suspensão dos direitos

políticos (art. 144, § 2º).

Quanto aos direitos sociais, a Constituição de 1967 apresentou dois tipos de inovações,

positiva e negativa.

Negativamente, a Constituição de 1967 reduziu para 12 anos a idade mínima de

permissão do trabalho (art. 158, X); a supressão da estabilidade e o estabelecimento do regime de

fundo de garantia como alternativa (art. 158, XIII); e, restrições ao direito de greve (art. 158, XXI).

De forma positiva, a Constituição de 1967 inseriu modestas inovações, como a inclusão

do direito ao salário-família aos dependentes do empregador (art. 158, II); proibição de diferença de

salários também por motivo de etnia (art. 158, III); participação do trabalhador na gestão da empresa

(art. 158, V); e, aposentadoria da mulher, aos trinta anos de trabalho, com salário integral (art. 158,

XX).

Em 30 de outubro de 1969 entrou em vigor a Emenda Constitucional n. 1, no qual

intensificou a concentração de poder no Executivo dominado pelo Exército e permitiu a substituição

do então presidente por uma Junta Militar, apesar de existir o vice-presidente. Mais uma afronta aos

direitos fundamentais.

Ao todo, a Constituição de 1967 sofreu vinte e sete emendas, até que fosse promulgada

a atual Constituição Federal em 1988.

2.4.7 Constituição de 1988

Após a Constituição de 1967, em 5 de outubro de 1988 foi promulgada a nossa atual

Carta Magna, no qual foi chamada por Ulysses Guimarães, Presidente da Assembleia Nacional

Constituinte, de Constituição Cidadã.

Recebeu carinhosamente este apelido porque para a sua elaboração houve participação

popular e, especialmente, porque ela se volta para a plena realização da cidadania (AFONSO DA

SILVA, 2013, p. 92).

Segundo LIMA JÚNIOR (2001, p. 55), esta é a Constituição que melhor instituiu os

direitos fundamentais, tanto em qualidade como em quantidade. Assim, é a que melhor acolheu aos

direitos sociais, visto que, “pela primeira vez na história do constitucionalismo pátrio, a matéria foi

tratada com a merecida relevância” (SARLET, 2012, p. 76).

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Já em seu início, mais precisamente em seu Preâmbulo, a Constituição Federal institui

que são valores supremos da sociedade o exercício dos direitos sociais, o bem-estar, o

desenvolvimento e a igualdade. Portanto, estes valores são direitos de todos os cidadãos.

Em seu artigo 1º, inciso IV, a Constituição instituiu os valores sociais do trabalho e da

livre iniciativa como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito.

No artigo 3º, prescreve que são objetivos fundamentais da República Federativa do

Brasil a solidariedade (inciso I), o desenvolvimento nacional (inciso II), a erradicação da pobreza e a

redução das desigualdades sociais (inciso III).

Buscando promover uma verdadeira igualdade, agindo de forma a minorar as

desigualdades sociais, a Constituição Federal disciplinou no Capítulo II do Título II (Dos Direitos e

Garantias Fundamentais) os direitos sociais.

A Constituição da República, em seu artigo 6º, estabelece que todos os cidadãos têm

direito “a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a

proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados”. A esse rol de direitos

expressos no artigo em comento, a Constituição titula como direitos sociais.

Nos artigos 7º a 11, a Constituição Federal estabelece garantias ao trabalho e aos

trabalhadores, como o seguro-desemprego (artigo 7º, inciso II), fundo de garantia por tempo de

serviço (artigo 7º, inciso III), salário-mínimo (artigo 7º, inciso IV), piso salarial (artigo 7º, inciso V),

participação nos lucros (artigo 7º, inciso XI), salário-família (artigo 7º, inciso XII), repouso semanal

remunerado (artigo 7º, inciso XV), licença paternidade (artigo 7º, inciso XIX), proteção do mercado

de trabalho da mulher (artigo 7º, inciso XX), aposentadoria (artigo 7º, inciso XXIV),

reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho (artigo 7º, inciso XXVI), livre

associação profissional ou sindical (artigo 8º, caput), direito de greve (artigo 9º), dentre outros.

AFONSO DA SILVA (2013, p. 289) agrupa os direitos sociais em 6 (seis) classes:

(…) (a) direitos sociais relativos ao trabalhador; (b) direitos sociais relativos à seguridade;(c) direitos sociais relativos à educação e à cultura; (d) direitos sociais relativos à moradia;(e) direitos sociais relativos à família, criança, adolescente e idoso; (f) direitos sociaisrelativos ao meio ambiente.

Devido a enorme amplitude dos temas inscritos no artigo 6º da Constituição Federal,

não há como se olvidar que os direitos sociais não estão somente enumerados nos artigos

subsequentes, ou seja, nos artigos 7º, 8º, 9º, 10 e 11, podendo ser encontrados, também, no Título

VIII, Da Ordem Social, além de outros locais espalhados ao longo do Texto Constitucional.

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O Título VIII, Da Ordem Social, é apresentado na Constituição Federal em 8 (oito)

capítulos, quais são: Capítulo I (Disposição Geral, artigo 193); Capítulo II (Da Seguridade Social,

artigos 194 a 204); Capítulo III (Da Educação, da Cultura e do Desporto, artigo 205 a 217); Capítulo

IV (Da Ciência e Tecnologia, artigos 218 e 219); Capítulo V (Da Comunicação Social (artigos 220 a

224); Capítulo VI (Do Meio Ambiente, artigo 225); Capítulo VII (Da família, da criança, do jovem e

do idoso, artigos 226 a 230); e, Capítulo VIII (Dos Índios, artigos 231 e 232).

Além destes, os direitos sociais também estão ligados à política urbana e política

agrária, expressos nos artigos 182 a 191 (Título VII, Capítulo II).

As políticas ali definidas “têm inteira vinculação com o ideal de busca do pleno

desenvolvimento e do bem-estar da população, consagrados no preâmbulo atual da Constituição”

(LIMA JÚNIOR, 2001, p.56).

Muito embora as previsões contidas em nossa Carta Magna sejam bastante idealistas,

por preverem, de forma bela, direitos que são essenciais à vida de todos os seres humanos, não é

necessário desenvolver uma profunda reflexão para chegarmos à conclusão de que o Estado não

atua de forma veemente a proporcionar e satisfazer os preceitos estabelecidos pela Constituição

Federal de 1988.

2.5 NORMAS PROGRAMÁTICAS E CONSTITUIÇÃO DIRIGENTE

A Constituição de um país é sua lei suprema e fundamental, devendo todos (governantes

e governados) a ela se sujeitar. O surgimento das Constituições está relacionado à superação do

absolutismo, oportunidade em que se institui um Estado de Direito, ou seja, um Estado no qual os

princípios básicos burgueses foram positivados por meio das constituições para balizar a conduta

dos governantes e dos governados, os quais devem se submeter ao poder de direito, juridicizado e

racionalizado por meio de normas constitucionais (BULOS, 2014).

Desde o surgimento das primeiras constituições liberais até chegarmos às constituições

sociais, no século XX, ocorreu um verdadeiro avanço nas categorias de direitos disciplinados por

esses normativos. Inicialmente, as constituições liberais disciplinavam apenas o poder estatal e os

direitos civis e políticos, contrapondo-se ao poder absoluto dos monarcas. Posteriormente, com o

advento das constituições sociais, passou-se a combater não só o absolutismo real como também o

individualismo liberal.

A programaticidade foi responsável pela dissolução do conceito jurídico das

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Constituições elaboradas pelos positivistas e pelos constitucionalistas liberais durante o século XIX.

Posteriormente, as exigências sociais fizeram surgir um novo Direito, preocupado com as condições

sociais da população, o que contribuiu, sobremaneira, para a formação das Constituições do século

XX. Portanto, “[…] a compreensão correta das normas programáticas como normas jurídicas

contribui consideravelmente para reconciliar os dois conceitos da histórica crise constitucional de

dois séculos: o conceito jurídico e o conceito político de Constituição”. (BONAVIDES, 2008, p.

237).

Os direitos fundamentais, enquanto direitos a prestações, são denominados normas

programáticas, esperando-se delas sua concretização, efetividade e destinação ao propósito pelo

qual foram criadas (CANOTILHO, 1993, p. 366).

Sobre as normas programáticas, entende BONAVIDES (2008, p. 248) que sua existência

decorre da vontade do legislador em não regulamentar de imediato uma norma, atribuindo-lhe

importância ao colocá-la em uma Constituição rígida. Segundo o autor,

[…] normas programáticas se dizem aquelas normas jurídicas com que o legislador, aoinvés de regular imediatamente um certo objeto, preestabelece a si mesmo um programa deação, com respeito ao próprio objeto, obrigando-se a dele não se afastar de um justificadomotivo. Com referência àquelas postas não numa lei qualquer, mas numa Constituição dotipo rígido, qual a vigente entre nós, pode e deve dar-se um passo adiante, definindo comoprogramáticas as normas constitucionais, mediante as quais um programa de ação é adotadopelo Estado e cometido aos seus órgãos legislativos, de direção política e administrativa,precisamente como programa que obrigatoriamente lhes incumbe realizar nos modos eformas da respectiva atividade.

Entende SARLET (2012) que as normas programáticas costumam ser encaradas de

forma bastante ampla e genérica dada a sua baixa densidade normativa ou normatividade suficiente

ao alcance de plena eficácia, porquanto são normas que estabelecem programas, finalidades e

tarefas que serão implementadas pelo Estado. Instituídas através de promessas e programas, as

normas programáticas limitam-se a enunciar princípios a serem cumpridos pelos Poderes

Legislativo, Executivo e Judiciário. Em vez de disciplinarem diretamente a matéria que enunciam,

deixam para os órgãos públicos a complexa tarefa de realizar os fins sociais do Estado.

BULOS (2014, p. 78) critica a efetividade social das normas constitucionais

programáticas. Segundo o autor,

Ao prometer benefícios futuros, deixando a implementação deles a cargo da chancelalegislativa, que não se sabe quando será acionada, criam-se falsas expectativas. Até aConstituição portuguesa de 1976, exemplo de texto dirigente, não conseguiu transformarPortugal “numa sociedade sem classes” (art. 1º), levando Gomes Canotilho a concluir que,“perante a experiência constitucional portuguesa, devemos ter serenidade bastante para

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reconhecer que a hipertrofia programática não resolve só por si os problemas de direcçãosocial, dado que ela implica que se confie a concretização do '‘programa’' a instânciaspolíticas, ficando largamente dependente da '‘vontade constitucional’' dos detentores dopoder.

Aponta BULOS (2014) que a Constituição alemã de Weimar, de 1919, foi a primeira a

implantar uma tendência mundial de Constituições analíticas, amplas e detalhistas. Ressalte-se

ainda que as Constituições dirigentes também são analíticas, ou seja, estabelecem um complexo

normativo minucioso e pleonástico. Tais normativos abrigam em seu texto matérias que, em rigor,

pertencem ao campo das leis ordinárias.

As constituições dirigentes, nas quais podemos enquadrar a Carta de 1988, consagram

diversos compromissos, programas, sobretudo sociais, a serem realizados a longo prazo, ficando tais

promessas de providências legislativas posteriores, que não se sabe quando serão tomadas. Nesse

sentido, assevera BULOS (2014) que as cartas dirigentes, repletas de normas programáticas,

atribuem tarefas ao legislador que nem sempre são cumpridas. Nesse sentido, exemplifica o autor as

omissões inconstitucionais.

Segundo AFONSO DA SILVA (2013, p. 8), na atual Carta Magna a função garantia não

apenas foi preservada como também ampliada, tendo esta assumido a característica de constituição

dirigente pois define fins e programa de ação futura. Exemplo claro disso encontramos no art. 3º,

quando o constituinte originário de 1988 elencou os objetivos a serem perseguidos pela República

Federativa do Brasil:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;II – garantir o desenvolvimento nacional;III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade equaisquer outras formas de discriminação.

Um objetivo nada mais é que uma meta, uma aspiração, uma visão de futuro onde se

almeja chegar. Portanto, é claro que nenhum desses objetivos foi alcançado e que, por esse motivo,

todas as autoridades constituídas (Executivo, Legislativo, Judiciário e Ministério Público) devem

seguir tais objetivos, atuando esses como verdadeiros vetores de interpretação, seja na edição de

atos normativos, seja na sua aplicação.

Entretanto, até que ponto as normas programáticas, sobretudo os direitos e garantias

fundamentais, contidas na constituição têm o poder de gerar efeitos concretos?

Inicialmente, acreditamos caber uma reflexão acerca da abrangência da expressão

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“direitos e garantias fundamentais”. THEODORO (2006, p. 97) entende que a utilização da

expressão “direitos e garantias fundamentais” pelo constituinte teve por objetivo o atingimento da

totalidade das normas do Título II, o que inclui também os direitos políticos, de nacionalidade e os

direitos sociais e não apenas os direitos e garantias individuais e coletivos.

Segundo se observa da leitura do § 1º do art. 5º da Constituição de 1988, “as normas

definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. Tal regra, por sua

localização, aplica-se, tão somente, aos direitos fundamentais arrolados no art. 5º da Constituição,

em sua maioria direitos de liberdade, defesa e participação (THEODORO, 2006, p. 95).

Na clássica lição de AFONSO DA SILVA (2013, p. 182) ter aplicação imediata significa

que as normas constitucionais são

dotadas de todos os meios e elementos necessários à sua pronta incidência aos fatos,situações, condutas ou comportamentos que elas regulam. A regra é que as normasdefinidoras de direitos e garantias individuais (direitos de 1ª geração, acrescente-se) sejamde aplicabilidade imediata. Mas aquelas definidoras de direitos sociais, culturais eeconômicos (direitos de 2ª geração, acrescente-se) nem sempre o são, porque não rarodependem de providências ulteriores que lhes completem a eficácia e possibilitem suaaplicação.

Adiante, AFONSO DA SILVA (2013, p. 183) entende que “as normas

consubstanciadoras de direitos fundamentais democráticos e individuais são de aplicabilidade

imediata, enquanto as que definem os direitos sociais tendem a sê-lo também na Constituição

vigente, mas algumas, especialmente as que mencionam uma lei integradora, são de eficácia

limitada e aplicabilidade direta”.

Os direitos sociais, enquanto normas programáticas ou normas-princípios apontam

princípios e fins, programas de atuação do Estado, disposições de fins sociais a serem alcançados. O

reconhecimento da eficácia normativa dessas normas que enunciam verdadeiras normas jurídicas e

que são preceptivas, tanto quanto as demais, influenciam principalmente o legislador e que devem

incidir sobre todos os órgãos incumbidos de fazer atuar, normativamente, os programas nelas

descritos (THEODORO, 2006, p. 88-89).

As normas programáticas necessitam de uma concretização legislativa, já que a diversa

carga eficacial destas normas não pode ser abstratamente fixada, dependendo do conteúdo de cada

norma, mas mesmo sem qualquer ato concretizador, são consideradas acima de tudo normas

jurídicas e aptas a desencadear algum efeito jurídico (SARLET, 2012, p. 375).

A necessidade de interposição legislativa aos direitos de cunho programático, justifica-

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se porque a realização desses direitos depende da disponibilidade dos meios, bem como, da

progressiva implementação e execução de políticas na esfera socioeconômica (SARLET, 2012, p.

375).

PIMENTA (1999) afirma que à imperatividade das normas programáticas cabe a

imposição de condutas, o regramento constitucional, estabelecendo comportamentos obrigatórios

para o Estado e para os homens. Desta forma, quando se dispõe, para a realização da justiça social,

de regras chamadas “programáticas” está, na verdade, imperativamente, constituindo o Estado

brasileiro no indeclinável dever jurídico de realizá-la. Dessa forma, para o autor, a natureza jurídica

não é afetada, influenciando apenas no grau de sua eficácia e nas relações subjetivas delas

decorrentes.

A crise que se vive é pela aplicabilidade dos direitos. Há de se quebrar este

distanciamento entre o direito elencado e o direito efetivado. Para a concretização dos interesses,

dos direitos dos povos, torna-se necessário que as fontes de direito estejam em sintonia com a

realidade social, por onde se demonstra que a maioria da população não tem os seus direitos

garantidos.

Para atender-se as demandas que se apresentam na nossa sociedade, faz-se necessário

que as fontes de direito, entre elas, a lei, doutrina, jurisprudência estejam em sintonia com a própria

realidade social. Diante da omissão do legislador e do executivo, caberá ao judiciário a garantia do

direito violado.

A lei há de ser eficaz, deve ser concretizada na prática. O Estado, enquanto o grande

responsável pela aplicabilidade da norma, deverá assumir o seu papel, através de seus órgãos, para a

garantia dos direitos à população. Partindo-se da concepção do Estado Social como Estado

intervencionista, deve-se reconhecer que a ele caberá o grande papel na busca da eficácia jurídica

dos direitos sociais.

Quando a exigência para a aplicabilidade do que preceitua a Constituição se tornar uma

frequência pela população e pelos Poderes Públicos, talvez o Estado saia do seu estado letárgico,

desta postura omissiva, e perceba que diante de uma sociedade que está exigindo-lhe posições

concretas, não há como desviar de seu papel de garantidor dos direitos. Talvez perceba que não

poderá mais ficar inerte e que ao investir nos direitos básicos do cidadão, estará se fortalecendo e

cumprindo a própria Constituição.

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3 NEOLIBERALISMO

O neoliberalismo possui o mesmo ideário do liberalismo, todavia com uma mesma

roupagem. Ensina SARLET (2012) que o liberalismo foi um movimento que surgiu no século XVII,

com a Revolução Gloriosa (1688) da Inglaterra, tendo como ápice a Revolução Americana (1776) e

a Revolução Francesa (1789). O liberalismo identificou-se com a luta da burguesia contra os

privilégios da nobreza, limitando os poderes do rei, instituindo um conjunto de ideias defendidas

pelos mais diferentes autores, tais como Locke, Montesquieu, Rousseau, Smith e tantos outros que

influenciaram e que subverteram a história da humanidade.

O pensamento liberal visava separar Estado e sociedade, distinguindo o público e o

privado, reduzindo a intervenção estatal nas coisas privadas, surgindo, então, a concepção de Estado

mínimo. Além disso, entendia que o poder estatal deveria fundar-se no consentimento dos cidadãos,

que teriam garantidos direitos individuais, tais como liberdade de pensamento, expressão e religião

(MARMELSTEIN, 2011).

Em meados do século XIX, a concepção de estado mínimo passa a ser questionada pois,

apesar da implantação das principais aspirações liberais nos grandes centros europeus, permanecem

sem solução problemas de ordem econômica e social: o aumento crescente da pobreza e extremas

desigualdades sociais. Contrapondo-se ao discurso liberal, surgem movimentos defensores da

intervenção estatal, fortalecimento da classe operária e garantia dos direitos coletivos.

O crash da Bolsa de Nova Iorque, em 1929, reformulou o princípio do Estado Mínimo.

A partir de então o capitalismo adota uma nova orientação, a de revisionar o papel do Estado na

economia, considerando necessário aliar a eficiência econômica à liberdade individual, com especial

atenção à justiça social. O Estado passa a intervir diretamente na economia, a fim de garantir a

regulação econômica, investindo em empresas para garantir o pleno emprego (HOBSBAWN, 2002).

A concepção liberal de Keynes perdura até meados dos anos 1970, quando uma nova

crise global do capitalismo questiona o Estado de Bem-Estar Social, devido às dificuldades do

Estado, entre as quais a de responder plenamente pelas políticas sociais, deficit público crescente,

aumento da dívida pública, inflação e crise fiscal. O arcabouço do Estado de Bem-Estar Social

estava bastante enfraquecido, quando ocorre o “tiro de misericórdia” contra o modelo estatal com a

derrocada do Estado Socialista, decorrência da desintegração da União das Repúblicas Socialistas

Soviéticas – URSS e o esfacelamento do Leste Europeu. Esses acontecimentos contribuíram para a

retomada do Estado minimalista e dos ideais liberais, ideologia denominada neoliberalismo.

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Segundo ANDERSON (1995), o neoliberalismo é um fenômeno advindo da Europa e da

América do Norte, como uma reação ao Estado de Bem-Estar. Adota posição contrária a qualquer

ameaça estatal aos mecanismos de mercado, justificando-se na defesa da liberdade econômica e

política dos cidadãos. Ganhou força, a partir da década de 1970, com a crise do Estado de Bem-

Estar Social, dada as altas taxas de inflação e o baixo crescimento econômico.

O surgimento do neoliberalismo, como alternativa ao Estado de Bem-Estar Social

keynesiano, propôs uma solução para as crises fiscal e inflacionária através da desregulamentação

do mercado financeiro e a abertura dos capitais nacionais à globalização, enfatizando a competição,

a liberdade individual, a liberdade do mercado e a estabilidade monetária e a diminuição da

intervenção estatal como metas para suas políticas. Aponta ANDERSON (1995) que surgiu no Chile

o primeiro governo neoliberal, seguido por outros países, tais como a Inglaterra da ex-primeira-

ministra Margareth Tatcher e os Estados Unidos do presidente Ronald Reagan. As políticas

implementadas por tais governos foram responsáveis por uma forte tendência conservadora nesses

países, implicando em cortes dramáticos no financiamento das políticas sociais e no esvaziamento

do poder sindical.

A doutrina neoliberal possui várias características essenciais, reconhecidas por diversos

autores, dentre os quais ANDERSON (1995), que podem ser sintetizadas da seguinte forma: a) livre

mercado; b) individualismo; c) liberdade medida pela desigualdade; d) privatizações e

desregulamentação econômica.

Para o neoliberalismo, o mercado assume função central, reduzindo a ação estatal ao

mínimo, uma vez que o Estado assume um papel meramente fiscalizador, pressionando a população

à mercadorização de suas necessidades. Entendido como a melhor forma de satisfação e desejo das

pessoas, o mercado passa a ser visto como a única forma para uma efetiva satisfação dos interesses

individuais, não interessando outras questões como habilidades e oportunidades. Para HOBSBAWN

(2002, p. 554), o individualismo exacerbado é o aspecto mais perturbador das transformações

ocorridas entre o início da Primeira Guerra Mundial e a década de 1990. Ainda segundo o autor, a

queda do comunismo, e o consequente triunfo do capitalismo, fez com que as relações passassem a

ser baseadas na lógica do mercado em que o consumismo é a viga mestra. Segundo BAUMAN

(2011, p. 83), na lógica consumista não basta consumir para continuar vivo pois o consumismo

transforma seres humanos em consumidores, rebaixando todos os outros significados a um plano

inferior.

Essa busca desenfreada pela satisfação de desejos expõe uma deficiência do Estado

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Neoliberal que é a exclusão daqueles marginalizados pelo sistema. Segundo TEIXEIRA (1996), a

sociabilidade neoliberal é centrada no interesse próprio e no egoísmo como sendo qualidades inatas

do indivíduo. Entende a lógica neoliberal que, na medida em que cada um busca cuidar de si,

atender seus anseios, todos passam a ter suas necessidades satisfeitas e todos ficam bem ao final.

Dessa forma, para a ideologia neoliberal, o mercado possui uma importância ímpar pois é o espaço

para satisfação das necessidades materiais e para a realização da liberdade econômica e política dos

indivíduos. Os neoliberais acreditam na perfeição do mercado e na sua capacidade de ativação de

mecanismos inconscientes para sua coordenação, o que, na prática, não existe, pois o mercado não

distribui os recursos uniformemente.

A doutrina neoliberal, desde o início, mostrou-se disposta a oferecer ideias e ajustes para

os países que o adotaram. Uma dessas ideias refere-se ao papel do Estado na ordem social. A crítica

neoliberal ao Estado interventor identifica certas ações protetivas desnecessárias que o tornam

ineficiente, perdulário e paternalista, abusando na arrecadação e impostos e causando crises. O ideal

seria um Estado com mínima participação no setor produtivo e politicamente forte, reduzindo as

despesas públicas.

3.1 A CRISE DO ESTADO SOCIAL

Como vimos anteriormente, a crise do Estado Social contribuiu para o surgimento do

neoliberalismo como alternativa de enfrentamento à crise apresentada. A crise do Estado Social

pode ser identificada não apenas por razões econômicas mas também pelo predomínio de políticas

regressistas e antissociais, manifestando-se através da redução do gasto público destinado à

promoção de programas sociais ao mesmo tempo em que há o aumento da demanda por programas

sociais.

O modelo originado da teoria de Keynes (KEYNES, 1996), o Estado do Bem-Estar

Social, entrou em crise desde os anos 70, sendo questionado porque, enquanto modelo econômico,

fez aumentar o deficit público, propiciou o crescimento de empresas improdutivas, desestimulou o

trabalho e a competitividade, reduziu a capacidade de poupança e o excedente de capital para ser

reinvestido na produção, além de gerar uma enorme inflação. Isso não aconteceu só no Brasil ou nos

países sul-americanos, mas ainda em todos os países que o adotaram como modelo de Estado. Para

PAULO NETTO (1995), a crise do Estado de Bem-Estar Social veio com a crise do socialismo,

culminando, assim, numa crise global. Entretanto, suas consequências foram diferentes. A primeira

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aponta para a falência do Estado, enquanto ordenador político; a segunda, para a inércia do capital

em promover o crescimento econômico-social em escala ampla e garantir a geração de emprego.

Para ROSANVALLON (1997), a crise nesse modelo de Estado assenta-se

principalmente no fato de que a produção diminuiu e as despesas sociais aumentaram. Com a

produção em queda, há a diminuição do Produto Interno Bruto (PIB). A consequência natural foi o

aumento das despesas sociais, o qual, não tendo onde se amparar, reduziu a capacidade do Estado,

pondo em perigo o modelo. O equilíbrio defendido por Keynes deixa de existir, mostrando a

ineficácia do Estado em atuar como interventor da economia.

Segundo os neoliberalistas, o Estado de Bem-Estar Social causou, principalmente na

América Latina, um retrocesso social dramático, com empobrecimento da população trabalhadora e

incorporação de novos grupos sociais à condição de pobreza e até mesmo de extrema pobreza.

Nesse sentido, LAURELL (1995) explica que a expansão dos benefícios sociais não é resultado

simples do crescimento econômico e industrial nem da ampliação dos direitos dos cidadãos, mas

causada pela modernização da sociedade. Para essa autora o nível relativo dos gastos sociais,

geralmente, está relacionado com o tamanho do PIB de um país e não significa que o conteúdo,

orientação e efeitos da política social sejam uniformes. Além disso, o simples fato de pertencer a

uma dada sociedade, não garante ao cidadão o acesso aos bens sociais nem ao Estado a obrigação de

garanti-los. Um outro motivo mencionado pela autora para a falência do Estado de Bem-Estar

Social é que a produção privada é sempre maior que a pública, seja em educação, saúde ou pensão,

precarizando a produção governamental.

PAULO NETTO (1995), afirma que, para os neoliberais, o Estado de Bem-Estar Social

enfraqueceu os alicerces da família, reduziu o incentivo para o trabalho, a poupança e a inovação,

fez diminuir a acumulação do capital e limitou a liberdade humana. Isso ocorreu porque, à medida

que o Estado não conseguiu fornecer estrutura suficiente para diminuir a pobreza, a iniciativa

privada foi obrigada a voltar-se para o social. Como consequência, investiu menos em seu próprio

capital, deixando de inovar, aplicar em tecnologia e aumentar a capacidade produtiva, ocasionando a

supressão de postos de trabalho.

O intervencionismo do Estado é antieconômico e anti-produtivo, porque desestimula o

capital a investir e os trabalhadores a trabalharem. É, portanto, ineficaz e ineficiente. É ineficaz

porque tende ao monopólio econômico estatal e à tutela dos interesses particulares de grupos de

produtores organizados, em vez de responder às demandas dos consumidores espalhados no

mercado; e ineficiente por não conseguir eliminar a pobreza, porém piorá-la com a derrocada das

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formas tradicionais de proteção social, baseadas na família e na comunidade. Para completar:

imobilizou os pobres, tornando-os dependentes do paternalismo estatal. Em resumo, uma violação à

liberdade econômica, moral e política, que só o capitalismo liberal pode garantir (PAULO NETTO,

1995, p. 162).

Os neoliberais postulam a necessidade de eliminar a intervenção do Estado na

economia, desde o planejamento e condução até a função de agente econômico. O Estado deve

caracterizar-se como mínimo, quer dizer, só deve produzir um mínimo em bens e serviços, que a

iniciativa privada não consiga, para aliviar a pobreza. Os direitos sociais e a obrigação da sociedade

de garanti-los por meio da ação estatal não existem, assim como não deve existir a universalidade, a

igualdade ou a gratuidade dos serviços sociais. Por isso, deve haver cortes nos gastos sociais e

eliminação de programas de benefícios, reduzindo-os à indigência.

Diante da ineficácia do Estado do Bem-estar Social, surge um novo tipo de Estado, o

neoliberal, cujas políticas apontam para um

[…] Estado mínimo, normativo e administrador, que não interfira no funcionamento domercado, já que sua intervenção, além de deformar os mercados de fatores, produtos eativos, geraria espirais inflacionários. (NOVELO, in: LAUREEL, p. 68).

Isso quer dizer que o mercado deve ser muito maior do que o Estado. Para tanto, os

países que adotaram o modelo neoliberal de Estado têm traçado políticas econômicas que, segundo

TOLEDO (in: LAURELL, 1995), apresenta como base: a) superioridade do livre mercado (vitória

da eficiência); b) individualismo metodológico (cada empreendimento usa método próprio); c)

contradição entre liberdade e igualdade (é a desigualdade que impele a iniciativa pessoal e a

competição); d) desregulamentações estatais e privatizações, o que dá outro nível de liberdade.

ROSANVALLON (1997) complementa a ideia explicando que o sentido de liberdade

entendido pelos neoliberais é o resultado das diferentes escolhas que os indivíduos fazem. Para esse

autor, a política neoliberal é a fusão do conservadorismo com o autoritarismo, porque, ao mesmo

tempo em que combina valores tradicionais de família, autoridade e respeito às hierarquias, explora

certas contradições entre aspirações populares e funcionamento do Estado, gerando um populismo

neoliberal. O neoliberalismo postula que o mercado “é o melhor mecanismo dos recursos

econômicos e da satisfação das necessidades dos indivíduos.” (LAURELL, 1995 p. 161).

Sobre o bem-estar social, os neoliberais defendem que esse é um campo que pertence ao

âmbito privado e deve ser solucionado pela família, comunidade e serviços privados, com o Estado

intervindo apenas com um mínimo dirigido à população comprovada de extrema pobreza, o que,

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segundo o pensamento de ROSANVALLON (1997), nada mais é do que a indiferença social ou a

negação dos problemas sociais.

PAULO NETTO (1995, p. 77) resume a política neoliberal como sendo

[…] uma argumentação teórica que restaura o mercado como instância mediadora societalelementar e insuperável e uma proposição política que repõe o Estado mínimo como únicaalternativa e forma para a democracia.

Sendo assim, a economia não pode ser planejada. A livre iniciativa garante um

crescimento econômico capaz de promover, por si só, o bem-estar social. “A liberdade econômica

só possível sobre o mercado livre (isto é, sem mecanismos extraeconômicos de regulação), que

funda a liberdade civil e política.” (PAULO NETTO, 1995, p. 77). Nessa concepção, é o mercado

que determina o espaço legítimo do Estado e só concebe sua intervenção em face de extremos. Em

suma, é o Estado máximo para o capital e mínimo para a população.

A despeito de suas críticas ao Estado de Bem-Estar Social, o neoliberalismo não

consegue recuperar a dinâmica do capitalismo e muito menos promover o pleno emprego. A

disseminação das desigualdades continua tão forte como antes e os problemas sociais aumentam. O

apoio à globalização da economia, afinal, não trouxe uma sociedade mais justa, cooperativa e

igualitária para todos. Sendo assim, quando PAULO NETTO (1995) afirma que o neoliberalismo

criticou o Estado de Bem-Estar Social por não ter conseguido atender a todas as necessidades,

classificando-o como restrito e incompleto, porque seus programas se limitaram em critérios de

seletividade, tornando-o injusto. É preciso observar que nem esse modelo, nem o neoliberalismo ou

qualquer outro conseguem a justiça social, fugindo da seletividade e afastando a condição de

pobreza. Aliás, para qualquer uma das teorias econômicas, a seletividade e a injustiça são processos

naturais. Portanto, a crítica não procede. Além disso, o neoliberalismo debilitou a ação dos

movimentos sindicais, tolhendo-lhes a liberdade. Isso é frontalmente contraditório com a falta de

liberdade apontada por eles, para a ação do mercado.

O mercado está livre como os neoliberais queriam e produzindo cada vez mais riquezas.

No entanto, essa produção ocupa menos pessoas, causando um desemprego estrutural e a redução

dos salários, o que só faz aprofundar o poço entre camadas favorecidas da população e as não

favorecidas, necessitando estas, mais do que nunca, da atuação das políticas sociais. Se o Estado de

Bem-Estar Social não conseguiu solucionar todos os problemas de natureza econômica, ao menos

possuía uma preocupação social em suas ações. Já o mesmo não se pode dizer do modelo neoliberal

que nega todas as conquistas sociais e aponta para um futuro assustador, como bem expressa Carlos

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Heitor Cony na apresentação do ensaio “O horror econômico”, (FORRESTER, 1997, pág. 5),

publicado no Brasil pela Unesp.

Depois da exploração do homem pelo homem em nome do capital, o neoliberalismo e seubraço operacional, que é a globalização, criaram, mantém e ampliam, em nome dasacralidade do mercado, a exclusão de grande parte do gênero humano. O próximo passoserá a eliminação? Caminhamos para um holocausto universal, quando a economiamodernizada terá repugnância em custear a sobrevivência de quatro quintos da populaçãomundial? Depois de explorados e excluídos, bilhões de seres humanos, consideradossupérfluos, devem ser exterminados? O raciocínio é bem mais do que uma hipótese. É umdesdobramento lógico do horror econômico fabricado no laboratório dos economistas nestefinal de século. Horror – este sim – globalizado pelos governos que buscam resultadoscontábeis e condenam a ação social como jurássica. A massa de excluídos em todo o mundoconstituirá um formidável dinossauro que a economia modernizada eliminará como inviávelno Estado neoliberal. Não se trata de um apocalipse, mas de um novo eixo da História. Sóos melhores, os economicamente arianos, deverão sobreviver. Os não arianos formarão ogueto – e como a manutenção de um gueto é um paradoxo econômico (para que produzirpara quem não pode produzir?), a solução a médio ou em longo prazo será o extermínio emmassa. Menos custo e mais benefício para os balanços de governos e empresas.

Convida o autor à reflexão acerca da exclusão proporcionada pelo capitalismo e pela

globalização daqueles que não possuem recursos suficientes para fazer parte do mercado. Nessa

ótica, o autor apenas consegue identificar um fim possível àqueles desprovidos de recursos, que

seria o seu extermínio, tal e qual o ocorrido no holocausto. Dessa forma, a tônica capitalista mostra-

se desumana na medida em que tem interesse apenas naqueles que possam contribuir para seu

fortalecimento, desprezando aqueles que nada podem lhe acrescentar.

3.2 O SURGIMENTO E DESENVOLVIMENTO DO NEOLIBERALISMO

O ressurgimento das ideias liberais, sob o manto da “modernização colonizadora”, se dá

em decorrência da crise do sistema capitalista mundial. Após mais de vinte anos de crescimento,

entre 1945 e 1971, o sistema capitalista entrou em um período de diminuição de suas taxas de

incremento da produção, com uma forte redução do processo de acumulação capitalista. Essa

situação abriu espaço para o surgimento do neoliberalismo, tido como uma saída da grande

burguesia para a crise.

Devido a longa era de prosperidade — quase 30 anos de crescimento — que

impulsionou o mundo ocidental depois da segunda guerra, graças às diversas adoções das políticas

keynesianas e sociais-democratas, os neoliberais saíram de cena. Mas a partir da crise do petróleo de

1973, seguida pela onda inflacionária que surpreendeu os estados de Bem-estar social, o

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neoliberalismo gradativamente voltou à cena, denunciando a inflação como resultado do estado

demagógico perdulário, responsabilizando os impostos elevados e os tributos excessivos,

acompanhados da regulamentação das atividades econômicas, como os culpados pela queda da

produção. O mal devia-se, pois, a essa aliança entre o Estado de Bem-estar social e os sindicatos. A

reforma que apregoavam devia passar pela substituição do Estado de Bem-estar social e pela

repressão aos sindicatos. O estado deveria ser desmontado e gradativamente desativado, com a

diminuição dos tributos e a privatização das empresas estatais, enquanto os sindicatos seriam

esvaziados por uma retomada da política de desemprego, contraposta à política keynesiana do pleno

emprego.

CAMPOS MELLO (1999, p. 169) associa o desmonte do Estado de Bem-Estar Social

ao surgimento das ideias neoliberais, nas quais se incluía a globalização, como alternativa ao

panorama social apresentado, que, na visão neoliberal, onerava as finanças públicas. SEVCENKO

(2003, p. 42) aponta uma substancial mudança nas práticas politicas que, até então, estavam

voltadas para as taxações fiscais, melhoria na distribuição de renda, além da regulamentação de

direitos como saúde, educação, moradia, etc. Passou a prevalecer a ideia que os Estados deveriam

abrir suas fronteiras para o mercado e para as finanças internacionais, deixando de lado seu

intervencionismo, de forma que o mercado tivesse a plena liberdade para de autorregular.

Como uma alternativa ao Estado de Bem-Estar Social keynesiano, o neoliberalismo

surgiu propondo soluções para as crises fiscal e inflacionária por meio da desregulamentação do

mercado financeiro e da abertura dos capitais nacionais à globalização. O Estado precisava reagir à

crise que se aprofundava. A alternativa foi o rompimento com o “contrato social” firmado durante o

período. HOBSBAWN (2002) a única alternativa capaz, naquele momento, de conter a crise era

aquela propagada pela minoria de teólogos econômicos ultraliberais. Portanto, a incapacidade das

políticas keynesianas de responder à crise promoveu o retorno das concepções neoclássicas nas

políticas estatais.

O Neoliberalismo defende a diminuição do papel do Estado, conferindo à iniciativa

privada maior desempenho na economia e no desenvolvimento de políticas públicas. Dessa forma, a

política neoliberal transfere as obrigações sociais estatais a particulares, permitindo que a iniciativa

privada execute ações sociais que são responsabilidades dos entes estatais. Muito embora o

neoliberalismo apregoe a retirada do Estado da atividade econômica, isso não parece corresponder à

realidade. Na verdade, o que podemos observar é uma espécie de redefinição do papel do Estado na

atividade econômica, vez que este não age mais diretamente no processo produtivo, cumprindo

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apenas o papel de repassador de recursos para o setor privado através de um conjunto de medidas

como as isenções fiscais, os subsídios, além da política monetária, fiscal e salarial. Dessa forma, não

se pode falar em “livre mercado”, uma vez que o Estado continua interferindo sobre ele, contudo, na

forma de financiador da iniciativa privada. Percebemos, portanto, a presença do ideário neoliberal

de atribuir a particulares a gestão de atividades públicas (MELLO, 2013).

No Brasil, o governo Collor é tido como a expressão local do projeto neoliberal, de

conteúdo antinacional e antipopular. Tal política nacional foi sintetizada pelo Plano de Reconstrução

e pela Carta de Intenções dirigida ao Fundo Monetário Internacional. Em consonância com o

receituário neoliberal, o Projeto de Reconstrução Nacional abordou a necessidade de significativa

mudança na natureza do Estado e nas formas de sua atuação. A proposta apresentada foi de um

Estado menor, mais ágil e mais bem informado, atribuindo à iniciativa privada a tarefa de

modernização da economia. Dessa forma, observa-se que a política neoliberal dá lugar de destaque

às associações e organizações autônomas voluntárias para que essas desenvolvam ações até então de

responsabilidade das instâncias estatais. Nesse sentido, temos, por exemplo, as Organizações

Sociais que, conforme a Lei 9.637, de 15 de maio de 1998, são entidades privadas, sem fins

lucrativos, com atividades relacionadas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento

tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, que, após atender a

alguns pré-requisitos legais, pode travar contrato de gestão com o Poder Público, habilitando-se a

receber bens públicos, recursos orçamentários e até servidores públicos remunerados pelos cofres

públicos (MELLO, 2013).

No início da década de 1990, quando o governo Collor decidiu reduzir ou eliminar as

barreiras alfandegárias que protegiam a indústria brasileira, o que se viu foi uma verdadeira invasão

dos produtos importados no mercado brasileiro. Com a oferta crescente desses produtos, com preços

mais acessíveis e tecnologia mais avançada, muitas empresas de economias incipientes, como as

empresas brasileiras, não tiveram como obter êxito em uma competição com empresas oriundas de

países centrais. O capital internacional desalojou vastos setores do empresariado nacional, inclusive

na área financeira, onde bancos estrangeiros adquiriram estabelecimentos nacionais, fazendo com

que hoje não haja mais que dois bancos privados de porte. (MELLO, 2013)

Segundo MELLO (2013), o discurso capitalista norte-americano atribuiu ao progresso

tecnológico a responsabilidade pela difusão do fenômeno da globalização, que forçou a abertura dos

mercados de todos os países ao ingresso do capitalismo internacional, com a natural presença das

empresas multinacionais. A consequência imediata desse fenômeno foi a diminuição do papel

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estatal a um mínimo, com a posterior privatização das empresas estatais. Justificavam-se tais

medidas com o novo papel do Estado, que deveria se limitar à regulação, permitindo a livre ação

das empresas e do livre mercado que se autorregulariam e chegariam a um ponto de equilíbrio e

bem-estar social. Contribuiria ainda para o alcance desse ponto de equilíbrio, e total

desregulamentação das leis, sobretudo as trabalhistas, de forma que diversas relações laborais

fossem flexibilizadas.

Ao mesmo tempo em que reduziu o protecionismo dado à indústria local, o governo

brasileiro passou a incentivar os investimentos externos no país mediante incentivos fiscais e

privatização de empresas estatais. Todavia, foi no governo Fernando Henrique Cardoso que o

processo de abertura econômica se intensificou ainda mais fazendo com que muitas empresas não

conseguissem se adaptar às novas regras do mercado, levando-as à falência ou à venda do seu

patrimônio. Diversas multinacionais aproveitaram essa oportunidade e adquiriram essas empresas

nacionais ou se associaram a elas. Em pouco espaço de tempo, o Brasil realizou concessões para

exploração do sistema de transportes, pôs fim à proibição da participação estrangeira nos setores de

comunicação, derrubou o monopólio da Petrobras para a exploração de petróleo, além de ter

privatizado setores estratégicos ligados à energia e à mineração.

As várias investidas contra dispositivos constitucionais que resguardavam o interesse

nacional foram feitas com o intuito de facilitar o capital financeiro internacional obter posse das

riquezas minerais do país. MELLO (2013) menciona a privatização da lucrativa Companhia Vale do

Rio Doce, a abertura dos gigantescos potenciais hidráulicos do país, a privatização das

telecomunicações e a abertura dos negócios petrolíferos nacionais a estrangeiros. É bom frisar que,

em todos esses casos, a privatização foi viabilizada através de empréstimos do Governo Brasileiro

fornecidos através do Banco Nacional de Desenvolvimento Social – BNDES que serviram para

financiar, a juros baixos, as empresas estrangeiras que tinham adquirido as estatais brasileiras. Esse

montante deveria ter sido destinado à redução da dívida pública. Entretanto, a política de juros altos

para conter a inflação e atrair investimentos externos levou a uma elevação da dívida em valores

superiores aos conseguidos com a venda das empresas estatais.

Por fim, cabe mencionar o caráter híbrido assumido pela Constituição Federal de 1988,

que chega a ser, por diversas vezes, contraditória ao consagrar uma espécie de “paralelismo de

princípios”, em determinadas ocasiões consagrando o capitalismo neoliberal, noutras o

intervencionismo estatal. Segundo BULOS (2014, p. 1516), a Carta de 1988

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ora abre brechas para a hegemonia de um capitalismo neoliberal, ora enfatiza ointervencionismo sistemático, aliado ao dirigismo planificador, ressaltando até elementossocializantes.

Da leitura da Constituição de 1988 percebe-se que o legislador constituinte originário,

por certo influenciado por vertentes capitalistas e sociais, não seguiu uma linha única de raciocínio

no tocante à ordem constitucional, o que exige que sua interpretação se dê a partir de exegese

construtiva e sistemática buscando a integração dos vários dispositivos aparentemente contraditórios

que a norteiam. Tal problemática decorre do contexto histórico no qual foi escrita a primeira

constituição democrática do país. Após 21 longos anos de ditadura militar, aqueles incumbidos de

escrever nosso primeiro diploma constitucional democrático ainda viviam assombrados pelo

fantasma da ditadura e, por isso, procuraram prever no texto constitucional tudo aquilo que cada um

julgavam como importante. Por esse motivo é que nossa constituição defende interesses antagônicos

como, por exemplo, a valorização do trabalho e a liberdade do mercado.

Qualquer desses elementos, considerado isoladamente, encontrará diversos dispositivos

contrários ao longo do texto constitucional, o que pode parecer que a nossa constituição é

contraditória. Todavia, tais dispositivos devem ser compreendidos em harmonia, preservando o

arcabouço constitucional, seguindo reiteradas decisões proferidas por nossa Corte Excelsa, tais

como:

Em face da atual Constituição, para conciliar o fundamento da livre-iniciativa e do princípioda livre concorrência com os da defesa do consumidor e da redução das desigualdadessociais, em conformidade com os ditames da justiça social, pode o Estado, por vialegislativa, regular a política de preços de bens e serviços, abusivo que é o poder econômicoque visa ao aumento arbitrário dos lucros (STF, ADIn 319-QO, Rel. Ministro MoreiraAlves, DJ de 30-4-1993.

O julgado acima foi proferido em ADIn contra a Lei 8.039, de 30 de maio de 1990, que

dispõe sobre critérios de reajuste das mensalidades escolares e dá outras providências. Note-se que o

julgamento realizado foi no sentido de agrupar posicionamentos dissonantes, tais como o da redução

das desigualdades sociais (art. 3º, III; art. 43, caput; art. 165, § 7º; e art. 170, VII) e o da livre

concorrência (art. 170, IV).

O Brasil dos anos 90 promoveu uma reestruturação das Políticas Sociais na perspectiva

da redução dos gastos sociais, diminuição da responsabilidade social, redução da participação do

Estado no amparo aos necessitados em razão da mercantilização dos bens sociais, tais como saúde,

educação e segurança. Aliado a isso, assistimos a reinstauração do ilimitado domínio dos mais

poderosos tanto em âmbito interno como em âmbito internacional. Analisando esse panorama,

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MELLO (2013, p. 51) fala na implantação de um “darwinismo” social e político. Tal metáfora serve

para justificar a aplicação de políticas que não distinguem entre os capazes e os incapazes de prover

o próprio sustento.

Segundo LEONARDO BOFF (2002) houve uma cisão entre a economia e a sociedade,

tendo aquela adquirido livre curso. Essa cisão tem por efeito mais desastroso o de reduzir o homem

a um mero produtor e um simples consumidor. O que sobra disso, pessoas, classes e nações inteiras,

são considerados zeros econômicos desprezíveis. Esse contexto de verdadeira selvageria social é o

cenário perfeito para debilitar as várias e importantes conquistas sociais alcançadas ao longo da

história, promovendo um verdadeiro desmonte dos direitos sociais tão duramente conquistados no

Brasil, como veremos no próximo capítulo.

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4 OS IMPACTOS NEGATIVOS DO NEOLIBERALISMO SOBRE OS DIREITOS SOCIAIS

Matematicamente falando, podemos retratar os direitos sociais como uma parábola com

a concavidade voltada para baixo. Isso porque durante o absolutismo os direitos sociais

simplesmente não foram reconhecidos, pois apenas o rei possuía direitos. Posteriormente, com a

queda do absolutismo e o advento do liberalismo, os direitos individuais, precursores dos direitos

sociais, ganharam papel de destaque, garantindo-se os indivíduos contra a atuação estatal.

Posteriormente, o advento das fábricas trouxe consigo a exploração do homem pelo capital. Nesse

contexto, os trabalhadores fabris foram duramente explorados pelos donos das fábricas, submetidos

a condições desumanas, sujeitos a jornadas de trabalho superiores a 16 horas diárias. Esse panorama

de opressão criou as bases para o surgimento do Estado de Bem-Estar Social, novo modelo político

que lutou por uma maior igualdade social a partir da garantia de melhores condições de vida aos

trabalhadores. Podemos dizer, então, que o Estado de Bem-Estar Social representou o vértice da

parábola matemática que simboliza os direitos sociais.

Atingido o ápice dos direitos sociais com o Estado de bem-estar social, o que se viu

posteriormente foi uma verdadeira desconstrução desses direitos, sobretudo com o neoliberalismo,

doutrina que prega a não intervenção estatal nas políticas sociais. Portanto, o advento das ideias

neoliberais geraram um verdadeiro retrocesso nos direitos sociais, rebaixando-os a patamares

semelhantes àqueles usufruídos quando do seu surgimento. O presente capítulo tem por objetivo

analisar os reflexos da política neoliberal brasileira e seus impactos nos direitos sociais

constitucionalmente garantidos, correlacionando-os com o cumprimento de diretrizes impostas pelo

capital internacional. Analisaremos a inserção dos direitos sociais na Constituição de 1988, bem

como as dificuldades encontradas no seu processo de efetivação ante as políticas neoliberais.

4.1 A INSERÇÃO E A EFICÁCIA DOS DIREITOS SOCIAIS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Os anos de ditadura militar foram bem difíceis do ponto de vista das políticas sociais.

Isso porque os direitos dos cidadãos foram suspensos pelo modelo político autoritário seguido pelos

militares. Sufocada por uma das ditaduras mais cruéis da América Latina, a sociedade civil

brasileira começou a organizar-se na década de 80.

Os Direitos Humanos passaram a ser reconhecidos internacionalmente, passando a

figurar no discurso de qualquer político oposicionista, tanto de esquerda como liberal. BORGES

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FILHO (1993, p. 128-129) aponta alguns episódios ocorridos no final de década de 70 que

indicaram a impossibilidade de manutenção da ditadura militar. Um desses episódios, que ganhou

bastante repercussão na mídia, foi a tortura e assassinato do jornalista Vladimir Herzog, tendo o

Exército apresentado a versão de “suicídio”. Esse fato, como muitos outros de igual natureza,

tiveram repercussão decisiva em favor do retorno do Estado de Direito.

Após experimentar um enfraquecimento lento e gradual, a ditadura militar chegou ao

fim em 15 de janeiro de 1985 com a eleição de Tancredo Neves que faleceu sem tomar posse no

cargo de Presidente da República, posto assumido pelo seu vice, José Sarney, inaugurando-se,

assim, a Nova República.

O grande feito da Nova República foi a convocação da Assembleia Nacional

Constituinte, ocorrida em 1º de fevereiro de 1987, culminando com a promulgação da Constituição

da República Federativa do Brasil em 5 de outubro de 1988.

A Constituição de 1988 pode ser classificada com a mais democrática da história

constitucional brasileira, ainda que sua elaboração não tenha ocorrido a partir de uma assembleia

constituinte convocada exclusivamente para essa finalidade. Após mais de 20 (vinte) anos de

ditadura, a Constituição de 1988 representa uma espécie de libertação de uma mordaça colocada em

todos os cidadãos. Pela primeira vez a sociedade participou da elaboração de uma constituição, seja

através de movimentos sociais organizados, seja através de partidos políticos. O resultado disso

tudo foi uma constituição analítica, com mais de 250 artigos, uma das maiores do mundo, conforme

assinala PINTO FERREIRA (1991). Tal fato se deve, sobretudo ao anseio da população em

inscrever no texto constitucional direitos que vinham sendo sonegados pelas elites brasileiras.

Mais que simplesmente uma nova constituição, podemos dizer que a Carta de Outubro

funcionou como um verdadeiro marco, na medida em que pôs fim ao arbítrio e a prepotência dos

golpistas de 64, inaugurando um cenário de liberdade, com concreto avanço nas políticas sociais,

ainda que apenas no plano formal.

Podemos dizer que políticas sociais são ações governamentais específicas em setores

como educação, saúde, meio ambiente, redução da pobreza, habitação, visando atender às

necessidades sociais, sendo uma espécie do gênero política pública. Suas ações convergem para a

satisfação das necessidades humanas, indo essas muito além das dimensões biológicas, de mera

sobrevivência, objetivando a efetivação dos direitos sociais, que são tão, ou mais, importantes que

os direitos civis e políticos.

A política social reflete ações estatais executadas para concretizar direitos sociais de

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interesse público, distribuindo os bens socialmente produzidos. O Estado, na distribuição das

políticas sociais públicas, não pode criar barreiras ao livre e gratuito acesso por todos os membros

da sociedade, uma vez que tais políticas não são baseadas na lógica do mercado.

Feitas essas considerações preliminares acerca das políticas públicas, é importante

ressaltar as características das políticas sociais brasileiras a partir da Carta de 1988, quando se abre

um momento de inovação, onde o movimento social da redemocratização e da contrarreforma

liberal obtiveram importantes conquistas constitucionais. Até então, a herança militar fez com que

as políticas sociais tivessem um caráter fragmentado, sujeitas às crises econômicas, ficando,

portanto, a mercê da vontade dos militares.

Após vários anos sob o julgo dos militares, o processo de redemocratização assumiu um

forte conteúdo reformista. Com a abertura política, a população, ainda com a lembrança dos vários

anos de repressão, buscou conferir status constitucional a vários direitos, por receio de que esses

estivessem ameaçados ao não figurarem na Constituição. Como exemplos, podemos citar a

educação, saúde, trabalho, moradia, transporte, lazer, segurança, etc., todos direitos previstos no art.

6º, caput, da Constituição Federal de 1988.

Podemos dizer, sem sombras de dúvidas, que a Constituição de 1988 é uma das que

mais se preocupou com a questão social em toda a história do constitucionalismo brasileiro. Por

esse motivo, Ulisses Guimarães, no ato de promulgação da Carta, chamou-a de “Constituição

Cidadã”. Referido texto constitucional foi aquele que, em toda a história da República Brasileira,

mais avançou no que diz respeito aos Direitos Sociais. Ensina CARVALHO (2011, p. 206), que a

Constituição de 1988

Fixou em um salário-mínimo o limite inferior para as aposentadorias e pensões e ordenou opagamento de pensão de um salário-mínimo a todos os deficientes físicos e a todos osmaiores de 65 anos, independentemente de terem contribuído para a previdência. Introduziuainda a licença-paternidade, que dá aos pais cinco dias de licença do trabalho por ocasiãodo nascimento dos filhos.

A importância dada à questão social foi tamanha que, antes de tratar da estrutura do

Estado, o constituinte tratou dos princípios sociais e dos direitos (AFONSO DA SILVA, 2013). Sem

dúvida, a ampla participação popular em sua elaboração fez da atual Carta Magna um instrumento

para a plena realização da cidadania.

Os direitos sociais buscam uma aproximação dos hipossuficientes com aqueles que

possuem os meios necessários à sua sobrevivência, efetivando, assim, uma igualdade real. Ao

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mesmo tempo em que servem de substrato para o exercício de vários direitos humanos

fundamentais, os Direitos Sociais visam também a garantia da qualidade de vida, a educação, a

saúde, a alimentação, o trabalho, o lazer, a moradia, a segurança, a previdência social, a proteção à

maternidade e à infância e a assistência aos desamparados, buscando a melhoria da qualidade de

vida das pessoas em um país de tantos paradoxos como o Brasil, que possui tantas riquezas mas

uma das piores distribuições de renda do planeta (BULOS, 2014).

Apesar dos vários avanços, foram inscritas no texto constitucionais algumas orientações

que deram sustentação ao “conservantismo” no campo da política social. O cenário político e

econômico da década de 1990 fez com que houvesse uma inclinação conservadora para o

neoliberalismo, o que trouxe algumas dificuldades concernentes à implementação das políticas e

direitos sociais. Esse cenário de estagnação econômica e reação burguesa foi o principal ingrediente

para o surgimento de um ambiente de contrarreforma. Dessa forma, houve o desmonte e a

destruição dos direitos sociais no contexto de uma espécie de reformatação do Estado brasileiro

visando sua melhor adequação à lógica do capital. Todavia, não podemos afirmar que houve uma

ausência de políticas sociais, porém suas formatações passaram a ser adaptadas ao “trinômio do

neoliberalismo para as políticas sociais: privatização, focalização/seletividade e descentralização”

(DRAIBE, 1993 apud BEHRING; BOSCHETTI, 2008, p. 155).

O que temos observado nos dias de hoje é uma verdadeira delegação ao setor privado

das obrigações sociais do Estado na prestação de serviços sociais, tais como saúde, educação,

segurança, dentre outros. Assim, a tendência observada no Brasil é a de restrição e redução dos

direitos sociais sob o principal argumento da crise fiscal do Estado, transformando as políticas

sociais em ações pontuais e compensatórias direcionadas às pessoas em situação de extrema

pobreza, em sentido lato. Portanto, podemos observar um grande deficit entre o direito

constitucionalmente assegurado e a realidade executada. O que se observa no país hoje é uma

restrição do acesso universal aos bens de consumo coletivo, aos direitos sociais e uma forte

articulação entre o assistencialismo focalizado e o mercado livre, voltado para o cidadão

consumidor. Adiante, veremos como governos populistas brasileiros têm-se aproveitado para

promover o assistencialismo da parcela mais pobre da população.

4.2 A TEMÁTICA ASSISTENCIALISTA NOS GOVERNOS DE ESQUERDA

O assistencialismo é uma prática governamental, utilizada por muitos países, que presta

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assistência a membros carentes da população em detrimento do desenvolvimento de uma política

que os tire da condição de carentes ou necessitados. Na história recente do Brasil podemos

identificar os governos do Partido dos Trabalhadores – PT como responsáveis por práticas

assistencialistas, sendo a mais conhecida delas o Programa Bolsa Família do governo federal.

Foi no governo de Luís Inácio Lula da Silva que as práticas assistencialistas ganharam

força no Brasil. Eleito com pouco mais de 52 milhões de votos, após três outras campanhas

fracassadas, Lula foi saudado com as melhores expectativas pela esquerda brasileira e estrangeira.

Eric Hobsbawm, historiador britânico, chegou a comemorar a vitória do petista como um dos

eventos do século XXI que proporcionaria esperança para o restante do século.

Lula pode ser definido como um líder extremamente carismático, que estabeleceu um

vínculo emocional bastante forte com o povo por ter sentido na pele, através do seu passado pessoal

de pobreza e trabalho, as dificuldades enfrentadas pela população pobre de hoje. A eleição de Lula

gerou uma expectativa positiva na população por ele lutar pelos ideais da esquerda desde suas

primeiras candidaturas, defendendo teses de cunho socialistas e, até mesmo, comunistas. Todavia,

há de pontuar que a campanha de Lula também contou com o apoio de empresários e de banqueiros,

ficando claro isso pela escolha do seu vice, José Alencar, empresário brasileiro e pela escolha do

presidente do Banco Central do Brasil, Henrique Meirelles, executivo do setor financeiro brasileiro

e internacional.

Segundo SADER (2003) a maior preocupação dos organismos internacionais com a

vitória de Lula foi saber se o seu governo terminaria o trabalho iniciado por Fernando Henrique

Cardoso e continuaria com as reformas, mesmo que sua eleição tenha ocorrido de forma contrária

aos ditames pregados pelo modelo neoliberal. Lula buscou, desde o início de sua primeira gestão em

2003, conseguir a aprovação e a confiança dos mercados para ganhar credibilidade e apoio de

grupos hegemônicos nacionais, o que se estendeu aos organismos financeiros internacionais.

Visando não decepcionar o capital, Lula realizou um governo de continuidade da estabilidade do

governo FHC, apresentando constantes superavits na balança comercial. A manutenção dessa

herança neoliberal gerou bastante decepção na população em razão de práticas até então criticadas

pelo candidato à presidência Lula: abertura comercial, desregulamentação financeira, privatização,

ajuste fiscal, pagamento da dívida, redução dos direitos trabalhistas e desregulamentação do

mercado de trabalho.

Muito embora o governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva não tenha realizado as

rupturas com os governos neoliberais anteriores, este promoveu avanços sem precedentes na

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proteção social como nenhum outro presidente brasileiro o fez. O carro-chefe de sua campanha, o

Programa Bolsa-Família, será objeto de análise a seguir.

4.2.1 O Programa Bolsa-Família

O Programa Bolsa-Família faz parte do Programa Fome Zero, bandeira de campanha do

candidato Luís Inácio Lula da Silva. Foi criado pela Lei 10.836, de 9 de janeiro de 2004, a partir da

unificação dos programas Bolsa-Escola, Bolsa-Alimentação, Auxílio Gás e Cartão-Alimentação,

consistindo na concessão de até R$ 100,00 (cem reais) per capita/mês às famílias que garantissem a

frequência escolar e os cuidados com a saúde das crianças, adolescentes, gestantes e nutrizes.

Saliente-se que desde 2006 o Bolsa-Família atende às famílias em situação de pobreza e extrema

pobreza. Tal classificação foi formalizada através do Decreto Presidencial nº 7.492/2011, alterado

posteriormente pelo Decreto Presidencial nº 8.232/2014, os quais definiram como extremamente

pobres as famílias que possuíam renda mensal de R$ 70,00 (setenta reais), valor posteriormente

atualizado para R$ 77,00 (setenta e sete reais). Como o principal programa do governo Lula na área

social voltado para a família, o Bolsa-Família tem por objetivo o combate das distorções de renda

no país e é tido como o maior programa de transferência de renda da história do país.

A despeito do principal objetivo do programa, qual seja a transferência de renda para

famílias pobres ou extremamente pobres, muitos criticam a iniciativa sem qualquer embasamento

técnico, atendo-se apenas a questões político-partidárias. Todavia, ressalte-se que o programa tem

muitas vantagens e desvantagens, devendo cada uma delas ser analisadas do ponto de vista de uma

política de Estado e não uma política de governo. Até porque pouco importa para a população

carente e necessitada quem criou o Programa Bolsa-Família. Todavia, para muitos deles importará

quem vier a excluir o programa, dada a dependência de tais famílias por esse complemento em suas

rendas (SALES, 2015).

Muito embora se constitua um programa voltado para a redução das desigualdades

sociais, podemos dizer que o Programa Bolsa-Família não representou uma redução tão enfática

dessas desigualdades, simplesmente por não tocar o cerne da questão que é a redistribuição da

riqueza e da renda no país. Por se tratar de política emergencial, a transferência de renda não se

constitui na resolução definitiva da pobreza no país, isso porque tais famílias estarão sempre a

depender da concessão do benefício para a sua sobrevivência (POCHMANN, 2006).

Questão bastante relevante considerada por SALES (2015) diz respeito à concessão do

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benefício, que nem sempre será feita àqueles que atendam todos os requisitos legais. Isso porque,

conforme a autora, citando Soares e Sátyro, o programa possui orçamento certo e definido. Atingido

esse limite, a não ser que haja a abertura de créditos suplementares, nenhuma outra família poderá

ter acesso ao benefício, ainda que satisfaça todas as previsões legais. Isso gera, ainda conforme a

autora, uma situação na qual, dentre várias famílias necessitadas e que atendam os requisitos legais,

haverá de ser escolhido um número determinado de famílias para receber o benefício, deixando

várias outras de fora, fruto de uma escolha descabida e, quiçá, arbitrária.

Questão bastante controversa sobre tal programa diz respeito ao critério de pobreza ou

extrema pobreza para o recebimento do benefício. Defende SALES (2015) que um critério

meramente monetário não é suficiente para definir quem é pobre ou não. Segundo a autora, há que

se considerar outras variáveis, tais como o acesso aos serviços de saneamento básico, saúde,

habitação, educação, transporte, etc. Somente uma análise mais aprofundada como essa pode

definir, com segurança o nível de pobreza da população. Além disso, segundo fiscalização feita pelo

Tribunal de Contas da União – TCU aponta para uma possível subestimação do número de pobres e

extremamente pobre no país, considerando a falta de correção do valor censitário utilizado pelo

governo para definir a pobreza ou extrema pobreza de uma família. Passados três anos da

publicação do Decreto Presidencial nº 7.492/2011, que estabeleceu em R$ 70,00 (setenta reais) o

piso mensal para que uma família seja considerada pobre, é que houve uma tímida atualização desse

valor para R$ 77,00 (setenta e sete reais), conforme o Decreto Presidencial nº 8.232/2014. A

correção, por certo, não levou em consideração sequer a inflação acumulada do período que chegou

a pouco menos de 24% (vinte e quatro por cento), segundo cálculos feitos pelo índice IGP-M. Nesse

caso, o valor de R$ 70,00 (setenta reais) deveria ter ido, pelo menos, a R$ 87,00 (oitenta e sete

reais) e não os R$ 77,00 (setenta e sete reais) propostos pelo governo. Isso demonstra que muitas

famílias deveriam receber o benefício e não o recebem em razão da defasagem dos dados utilizados

pelo Governo Federal.

Acreditamos ser uma das questões mais controversas sobre o programa aquela que versa

sobre o caráter permanente do programa e a conformação do indivíduo. Sobre o assunto, filiamo-

nos à tese defendida por SALES (2015) de que não têm razão aqueles que defendem o caráter

permanente do programa, tampouco os que advogam simplesmente o seu caráter temporário.

Entende a autora que devam ser criadas portas de saída para que os beneficiários possam obter

outras fontes de renda, deixando de receber tais recursos. Tais portas de saída consistiriam o

oferecimento de cursos de capacitação profissional aos beneficiários do Bolsa-Família, de sorte que,

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após a realização do curso, os beneficiários estivessem preparados para ingressar no mercado do

trabalho. Ainda segundo a autora, tais cursos não se restringiriam àqueles relacionadas a trabalhos

artesanais, como marcenaria e carpintaria, devendo ser oferecidos cursos que desenvolvam as

capacidades intelectivas e criativas dos beneficiários. Ações como essa permitem que os

beneficiários do programa não criem uma dependência visceral dos recursos que lhe são

transferidos. Com vontade política o governo pode atacar uma das causas da pobreza no país, que é

a ausência de oportunidades à população mais pobre.

De um modo geral, o Programa Bolsa-Família é uma ação necessária para permitir que

milhões de beneficiários tenham um acesso mínimo a itens básicos de alimentação que não teriam

caso não recebessem essa transferência de renda. Não se pode atribuir aos beneficiários a vontade de

permanecer em situação de pobreza e miséria apenas para receber o benefício. Todavia, devem ser

dadas oportunidades a esses beneficiários para que eles consigam superar a situação de dependência

de ajuda governamental e para que possam conseguir ocupações dignas no mercado de trabalho com

as quais possam se sustentar e aos de sua família.

4.3 NEOLIBERALISMO, POBREZA, DESIGUALDADE E EXCLUSÃO SOCIAL

Os países da periferia do capitalismo mundial, tais como Brasil, Argentina e México,

sofreram um forte processo de globalização imposto pelas grandes potências econômicas mundiais,

através de um processo de estruturação desenvolvido pelo Fundo Monetário Internacional – FMI.

As razões para a imposição de políticas neoliberais aos países periféricos ocorreram em

razão do fim do Estado de Bem-Estar Social, além da necessidade de resguardar o capital privado de

grandes investidores internacionais, exigindo a reestruturação de relações entre o Estado, a

sociedade civil e o setor privado, havendo, por óbvio, uma priorização, sobremaneira, do mercado

financeiro.

No início da década de 1990, o Brasil, assim como outros países periféricos, viviam um

misto de estagnação econômica, altos índices inflacionários e um crescente endividamento externo,

com um grande risco de calote aos grandes bancos internacionais, capitaneados pelo Fundo

Monetário Internacional. Aproveitando-se de tal cenário, o Fundo Monetário Internacional impôs

diversas políticas neoliberais como condição para a renegociação de dívidas. Dessa forma, a partir

do pacto firmado, denominado Consenso de Washington, que consiste em dez “recomendações” do

capital internacional para a condução das economias latino-americanas, os Estados periféricos

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assumiram o compromisso de implementar as seguintes orientações: abertura das economias

nacionais aos mercados mundiais, com a consequente adequação dos preços internos aos preços

internacionais; priorização das exportações; políticas monetárias e fiscais voltadas para a redução da

inflação e da dívida pública; constante vigilância sobre a balança de pagamentos; sistema normativo

claro e inviolável sobre os direitos da propriedade privada; privatização do setor empresarial estatal;

estabilização dos preços e política de juros altos; interferência mínima do Estado na economia;

redução da participação nas políticas sociais no orçamento do Estado (SANTOS, 2002).

A partir de então, os governos latino-americanos, sobretudo do Brasil, Argentina e

México deram início a um processo de convencimento de suas populações defendendo a

globalização e os benefícios advindos dela. Todavia, o avançar dos anos mostrou o crescimento

econômico, financeiro e tecnológico dos países desenvolvidos e o gradual empobrecimento dos

países latino-americanos, o que acarretou um incontestável benefício para o capital financeiro, com

a concentração dos grandes grupos de investidores e seu capital especulativo, além do aumento do

poder econômico das empresas multinacionais (Santos, 2002).

Segundo Susan LEWIS (2014), a globalização, como política neoliberal, acarretou a

liberalização dos fluxos financeiros por parte dos Estados, o aumento do poder das grandes

corporações, do capital financeiro e o questionamento e o enfraquecimento dos direitos sociais,

ocasionando, no aspecto político, uma compressão da soberania dos Estados periféricos por parte

dos Estados hegemônicos ou por parte de grandes instituições financeiras internacionais, tais como

o FMI, contribuindo, sobremaneira, para o aumento vertiginoso da desigualdade social nos países

periféricos.

A fim de que possamos avançar na compreensão de como o neoliberalismo contribui

para o aumento da pobreza e da desigualdade, propomos uma rápida reflexão sobre o que venha a

ser pobreza e exclusão social. SALES (2015) apresenta-nos uma verdadeira evolução do significado

da expressão ao longo dos anos, desde a Idade Média, quando a pobreza era encarada como uma

privação pessoal, não cabendo ao Estado o fomento de ações de melhoria as condições pessoais do

indivíduo, até os dias atuais quando a expressão adquire uma conotação mais ampla. Segundo a

autora, pobreza hoje significa privação, baixa renda, miséria, exclusão e indigência, não se

restringindo mais a definição apenas ao caráter monetário.

Já a definição de exclusão social se apresenta recheada de mais dificuldades, dada a

carga de subjetividade que a expressão carrega em si. Dessa forma, considerando os atuais

patamares de desenvolvimento econômico e social, podemos entender a exclusão social como um

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processo através do qual os indivíduos, ou grupos sociais, que possuem uma ativa capacidade de

consumo tendem a rejeitar a convivência social com outras pessoas, ou grupos, sem, ou com poucas

condições de consumo. Além disso, a essas pessoas não são reconhecidos direitos, por mais que os

tenham nas normas legais, capitaneadas pela Constituição Federal.

Há de se mencionar ainda um outro fenômeno, bastante relevante, que se tem observado

bastante nos países latino-americanos que é o aumento das desigualdades sociais, econômicas,

políticas e culturais. Com as políticas neoliberais as desigualdades nos países latino-americanos

foram acentuadas por meio da concentração de renda pela classe mais rica. Em virtude da propalada

flexibilização do trabalho, altos índices de desemprego e a incapacidade estatal em gerir reformas

concretas na estrutura política e social desses países, ocorreu a transferência de riqueza das classes

pobres para as classes ricas. Internacionalmente, o que ocorre é o distanciamento entre países latino-

americanos e países do primeiro mundo.

LEWIS (2014) apresenta a disparidade entre países ricos e pobres por meio dos

Relatórios de Desenvolvimento Humano da Organização das Nações Unidas – ONU. Em sua

publicação do ano 2000, a disparidade estava em torno de 80 para 1. Em 1820 era da ordem de 3

para 1, em 1973 era de 44 para 1 e em 1992 era de 72 para 1. O que se observa com isso é uma

crescente e incontrolável concentração de renda pelos países mais ricos, tendo, como consequência,

um crescente aumento da pobreza e da exclusão social nos países periféricos, tendo como pano de

fundo a adoção de políticas neoliberais, da formação de novos paradigmas de emprego e da

revolução tecnológica no setor de informação.

Certamente, do ponto de vista individual, essas mudanças geram muitas frustrações em

razão da acentuada piora das condições socais. Há um sentimento de insegurança e injustiça nas

massas produtivas que se vêm desprovidas de garantias e estabilidades sociais pelas quais tanto

lutara na época da Constituinte de 1988. A exclusão social traz consigo um sentimento de amargura

e desprezo por parte de cidadão desassistidos frente a sua impossibilidade de obter e partilhar os

padrões impostos nas sociedades de consumo, tão propalados pela globalização. A sociedade

capitalista atrela ao consumo diferenciado boa parte da realização pessoal e social dos indivíduos.

Isso faz com que o sentimento de exclusão percorra diversas classes sociais, mesmo as medianas. A

possibilidade de consumo se traduz hoje no principal sinal de sucesso individual, fazendo com que

o sentimento de exclusão hoje seja relativo, pois não leva-se em consideração, tão-somente, a

exclusão das necessidades básicas, mas sim daquilo que outras pessoas têm.

Diante desse panorama, podemos identificar a ineficiência estatal em assegurar limites

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toleráveis de desigualdades. Desigualdades sempre existirão, mesmo em países chamados

desenvolvidos. O grande problema enfrentado pelas nações latino-americanas é o enorme abismo

que separa a camada rica da camada pobre da população. E o pior, é que esse fosso vem só

aumentando a cada ano. O neoliberalismo faz com que os Estados percam eficácia no

gerenciamento político, social, econômico, jurídico e social. Os grandes grupos corporativos

transnacionais é que passam a ter o controle das políticas econômicas e do controle político e

burocrático do Estado. (LEWIS, 2014)

As medidas impostas pelo FMI e credores ao governo brasileiro exigiram reformas

neoliberais em sua Constituição, o que acarretou cortes na educação; saúde e desenvolvimento

regional; rápida privatização das empresas públicas, paraestatais e de telecomunicações, vendidas a

preços irrisórios; destruição dos programas sociais e gradual extinção da Previdência Social; além

do achatamento salarial.

Com a desculpa de combate ao deficit público e à inflação, observamos uma redução

nos gastos sociais, ao mesmo tempo em que cresce a dívida pública, boa parte em razão da

sustentação e especulação financeira dos grandes conglomerados econômicos. Como consequência,

assistimos o aumento da pobreza nas áreas metropolitanas com a marginalização social da camada

mais pobre da população, que é obrigada a migrar para as favelas, que se proliferam

assustadoramente no Brasil.

Dessa forma, a pobreza, a desigualdade e a exclusão social são claras decorrências do

neoliberalismo que visa a manutenção da cadeia produtiva dos países desenvolvidos, movida pelo

capitalismo global comandado pelo FMI, Banco Mundial e empresas transnacionais.

4.4 O NEOLIBERALISMO NO CONTEXTO BRASILEIRO

Como vimos anteriormente, as portas brasileiras foram abertas ao neoliberalismo na

década de 1990, com o Governo Collor. Assim como Argentina e México, o Brasil é um país que

não está no centro do sistema capitalista mas que, por seu grande parque industrial e produtivo, tem

importância estratégica em sua vinculação ao centro capitalista mundial. Chegou a ser a sexta

economia mundial em 2011, ficando atrás apenas de EUA, China, Japão, Alemanha e França. As

previsões do Fundo Monetário Internacional para 2015 são de que o Brasil encerre o ano na oitava

posição, resultado da contração esperada para o PIB brasileiro neste ano.

ANTUNES (2004) afirma que o projeto neoliberal desertificou política e socialmente o

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país desde que foi implantado pelo Presidente da República Fernando Collor de Mello, no início da

década de 1990. Naquela época foi apresentada ao país uma lógica privatista que perdura até os dias

de hoje. O projeto neoliberal apenas não foi completado pelo presidente Collor em razão do seu

impeachment, fruto da união e organização de diversos segmentos sociais. Sob o argumento de

combate à inflação, seu governo adotou medidas bastantes radicais, do ponto de vista de uma nação

que ainda não conhecia, na pele, o convívio com as políticas neoliberais: promoveu a abertura do

mercado brasileiro à exportação e importação e reduziu a participação do Estado em quase todos os

setores. Todavia, tais medidas não foram suficientes para conter a alta inflacionária e, muito menos,

avançaram no processo de desenvolvimento do país. Collor era identificado por intelectuais,

inclusive por ANTUNES (2004), como um político de direita, conservador e populista, claramente

favorável à entrada do neoliberalismo no país, o que ele identificava como a porta para o avanço e

desenvolvimento do país.

Muito embora tenha sofrido um processo de impedimento, a semente neoliberal

plantada por Collor brotou no governo de Itamar Franco, seu vice-presidente sucessor, e floresceu

no governo de Fernando Henrique Cardoso.

Identificado como intelectual de esquerda, denominando-se social-democrata, Fernando

Henrique Cardoso praticou o oposto dos conceitos sociais-democratas, que pregam uma gradual

reforma do sistema capitalista a fim de torná-lo mais igualitário, geralmente tendo como meta o

alcance do socialismo. Em suas gestões, adotou uma política macroeconômica excessivamente

monetarista, que teve na vulnerabilidade externa, no desemprego e no endividamento interno as

maiores consequências. Levantando a bandeira de uma moeda forte, o governo FHC trabalhou pela

estabilidade monetária, a altos e dificilmente reversíveis custos para a população, promovendo o

desemprego recorde e o aumento do subemprego, seguindo as diretrizes traçadas pelo FMI para a

obtenção de empréstimos irrisórios a juros exorbitantes, não tendo esses empréstimos como destino

a melhoria da realidade social do país.

O Governo Fernando Henrique Cardoso implantou um projeto econômico e político que

facilitou, principalmente, o aprofundamento da doutrina neoliberal. Antunes (2004) afirma que, com

um plano de estabilização monetária – o Plano Real – o governo conseguiu reduzir os índices

inflacionários, porém recompondo o projeto burguês, desregulamentando a economia, efetivando a

contrarreforma do Estado e reduzindo, consideravelmente, por meio das privatizações, a atuação

estatal nas políticas públicas. Seguindo as imposições do FMI, o Governo Fernando Henrique

Cardoso implantou um severo programa de ajuste fiscal, cumprindo as exigências impostas pelo

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FMI para o pagamento da dívida externa. Com isso, o FMI encontrou as condições políticas

favoráveis à implantação do seu modelo hegemônico, obtendo grande sucesso.

FHC promoveu a hegemonia do capital financeiro, alcançou a estabilidade monetária e

isso fez com que houvesse sua reeleição para um segundo mandato, derrotando a esquerda de Luiz

Inácio Lula da Silva. Ressalte-se que esses “avanços” pelo governo FHC se traduziram em desastres

para a população mais pobre e de baixa renda pois significou perda de poder aquisitivo, além de

direitos. Houve o endividamento do Estado, que ficou pressionado pelas altas taxas de juros e pela

entrada do capital especulativo, e ainda houve a privatização de boa parte das empresas públicas.

O que se viu no país, a partir de então, foi uma verdadeira submissão ao capital

internacional, passando o país a viver em função do pagamento dos juros da dívida. Muito embora

autointitulando-se oposicionista, FHC contribuiu com os interesses da direita neoliberal, opondo-se

não só à esquerda, como aos sindicatos e aos movimentos sociais. Dentre as várias transformações

sociais e econômicas advindas da transferência de recursos para o setor financeiro, a mais profunda

foi a expropriação dos direitos dos trabalhadores, sobretudo no que diz respeito ao direito ao

trabalho formal, vez que, conforme os dados do Censo Demográfico do ano de 2000, do Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, naquele ano o trabalho informal atingiu, assustadores,

58,1%. Também não se pode olvidar que o Governo FHC acentuou a distância entre ricos e pobres

através de um modelo econômico excludente que ignorava os problemas estruturais do país, tais

como a reforma agrária, a desigualdade social, a integração econômica nacional.

Uma outra falha do governo FHC envolvendo as parcelas mais pobres da população está

ligada ao programa Comunidade Solidária, impulsionado pela esposa de FHC, Ruth Cardoso.

Referido programa, instituído pelo Decreto Presidencial nº 1.366, de 12 de janeiro de 1995, tinha

por objetivo desresponsabilizar o Estado de ações sociais, transferindo a responsabilidade por estas

para a sociedade civil, por meio de campanhas de incentivo ao voluntariado em nome da

solidariedade e cidadania. O governo denominava “parceria” às ações desenvolvidas pela sociedade

civil nos campos da educação, saúde, alimentação, geração de renda, saneamento e habitação.

Todavia, essa parceria entre o Estado e a sociedade civil parece não ter sido tão exitosa

como se esperava. Segundo um estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE,

PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio), em 1977 os miseráveis representavam algo

em torno de 17% da população. Passados 22 anos, portanto no Governo Fernando Henrique

Cardoso, esse percentual estava em 14,5%, apresentando uma discreta redução. Em contrapartida,

ainda segundo o site do IBGE, no mesmo período, o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu algo em

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torno de 85%, crescimento esse que representou pouco, ou quase nada, na melhora da qualidade de

vida a população miserável brasileira.

4.5 O DESMONTE DOS DIREITOS SOCIAIS NO CONTEXTO NEOLIBERAL

A política neoliberal, imposta por países centros do capitalismo financeiro internacional

causou grande impacto nos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento que pouco puderam

fazer para conter a agressividade do liberalismo comercial e econômico emanado do centro do

sistema capitalista.

Como visto anteriormente, o aprofundamento das relações capitalistas possui

implicações nas próprias relações humanas, uma vez que essas passam a ser guiadas pelo consumo,

por práticas individualistas pautadas no presente e desprovidas de discussões éticas. Esse

esvaziamento pelo qual vêm passando as relações humanas na atualidade acaba por refletir nos

direitos sociais, tão duramente conquistados com a revolução industrial. No Brasil, o ataque aos

direitos sociais são materializados nas revisões pelas quais vem passando a Constituição de 1988.

Muito embora o processo revisional em si seja pacificamente previsto pelo próprio Texto Magno no

art. 3º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a legitimidade do seu acionamento é que

sempre foi contraditória, originando várias correntes interpretativas.

O contexto político e econômico internacional exerceu uma influência irreversível sobre

a questão da revisão constitucional. Com o fim da Guerra Fria e o fim da bipolaridade mundial, os

ideais neoliberais se estabeleceram de vez em um mundo desacreditado com o Estado de Bem-Estar

Social, na medida em que as ideias neoliberais se encarregaram de atribuir àquele regime a culpa

pelo elevado deficit no qual se encontravam muitos países subdesenvolvidos. Portanto, o

esfacelamento do socialismo real gerou importantes consequências após a promulgação da Carta de

Outubro, na medida em que o ideal social de uma sociedade mais justa teve de ser abandonado,

passando a vigorar em seu lugar teses liberais defensoras de uma participação, cada vez menor, do

Estado na vida dos cidadãos hipossuficientes.

Para os setores conservadores, inconformados com os avanços sociais trazidos pela

Carta de 1988, a perspectiva de revisão em cinco anos mobilizou as forças revisionistas. Foi nesse

lapso temporal de cinco anos que a constituição, cuja grande parte dos dispositivos necessitava de

regulamentação para se efetivar, sofreu toda sorte de críticas dos conservadores, particularmente do

empresariado. O ataque aos direitos sociais foi tamanho que na Constituinte um grupo de

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parlamentares, ligados ao empresariado nacional e internacional, trabalhou ostensivamente para

barrar quaisquer avanços em matéria de Direitos Sociais e alargamento da esfera pública (CUNHA,

1993).

Todavia, contrapondo-se à leva de parlamentares conservadores, a articulação da

sociedade civil, ainda levada pelo calor da redemocratização conseguiu, de certa forma, neutralizar a

tendência conservadora pois conseguiu inscrever uma nova e variada gama de Direitos Sociais na

Carta de 1988. Como já afirmado anteriormente, é certo que esses avanços foram inéditos na

história das lutas sociais e do constitucionalismo brasileiro.

Em relação às alterações ao Texto Constitucional, a tentativa de revisão geral, com

esteio no artigo 3º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, não logrou êxito. Em seu

lugar, os neoliberais têm conseguido pequenas vitórias através de emendas constitucionais, fazendo

surgir uma espécie de colcha jurídica de retalhos, que bem retrata as mudanças graduais pelas quais

vem passando o papel do Estado Brasileiro, que vem perdendo espaço, adquirindo uma feição

minimalista, enfraquecendo os Direitos Sociais.

Nossa análise alcança um ponto crucial que é o questionamento da hegemonia

neoliberal. Tal questionamento resulta em duas questões, quais sejam: como pode a Constituição de

1988, escrita por uma Constituinte, com ampla discussão e participação de segmentos organizados

da sociedade, tornar-se tão vulnerável? Como as teses neoliberais conseguem legitimar-se e tornar-

se hegemônicas?

Quanto ao primeiro questionamento, é certo que os avanços dos Direitos Sociais da

Carta de 1988 estão todos ligados à redemocratização. De outro lado, Segundo GENTILLI (1995, p.

117), muito embora a democracia sempre represente uma conquista política das maiorias, as

condições nas quais as democracias se estabelecem podem refletir situações estruturais de profunda

derrota social. Este é o caso da transição do autoritarismo militar para a democracia, da mesma

forma como ocorreu em todas as nações da América Latina. O que tem-se observado é uma espécie

de continuidade dos regimes ditatoriais nas democracias que os sucederam. O pior é que as nações

ficam subjugadas a uma espécie de autoritarismo com trajes democráticos. Segundo ANDERSON

(1995), cada um desses processos ditatoriais representou uma contrarrevolução preventiva, que teve,

como ofício principal, a erradicação da esquerda inconformada com o modo de produção capitalista.

O resultado disso, segundo GENTILLI (1995, p. 118-119), foi a criação de condições

para a execução de uma “institucionalidade democrática controlada, uma democracia da derrota,

mais paradoxalmente, uma democracia ‘não-democrática’, cuja base material se imbricava em duas

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das mais claras conquistas pós-ditatoriais: a traumatização subjetiva e a transformação objetiva da

sociedade”. Essa realidade responde à questão colocada sobre a vulnerabilidade da Carta de 1988 e,

por consequência, das conquistas sociais inscritas em seu texto. Ressalte-se que, em meio a um

quadro político negativo, estando a sociedade no auge de sua articulação política, que culminou na

Carta de 1988, conseguiu lograr alguns avanços no campo dos Direitos Sociais e no alargamento da

participação do Estado na vida da população. Todavia, é nesse mesmo período que eclode, a nível

internacional, um movimento reagente e orientado para a despolitização do capitalismo, que tem

como resultado o surgimento da política neoliberal. Isso ocorre no instante em que o Estado está

avançando no terreno da democracia e que está sendo pregada a ideologia que o mercado deve ser

encarado como a última instância para a garantia da liberdade e o desenvolvimento do progresso em

nossas sociedades.

Quanto à questão sobre a forma como se dá a hegemonização do neoliberalismo,

enquanto discurso e visão social, são necessários alguns esclarecimentos conceituais. O

neoliberalismo, ainda que decorra dos princípios liberais clássicos, é uma variante deste,

traduzindo-se por uma visão da organização social que defende um Estado mínimo, ou seja, um

Estado fraco e restrito em contrapartida a um mercado absoluto, cuja mão invisível resolve

quaisquer conflitos sociais, causando a despolitização do meio social. Defende o livre mercado e a

livre iniciativa, estigmatizando as empresas e os órgãos públicos, como se esses fossem

responsáveis por todos os problemas vivenciados pela sociedade. Em resumo, podemos concluir

que o neoliberalismo encara a máquina pública como um estorvo à sociedade. Surge, então, a

tendência mundial ao desmonte dos Estados, ao desmantelamento de instituições sociais e da

privatização de amplos setores estatais e que, portanto, oneravam a máquina pública (GENTILLI,

1995).

De acordo com o exposto acima, tanto a democracia controlada, enquanto resíduo

ditatorial, como a hegemonia neoliberal, enquanto discurso e prática social, conspiram contra a

Constituição. A democracia controlada é fator desmobilizador da sociedade civil, enquanto que o

discurso neoliberal impõe aos indivíduos novos valores e novas concepções de mundo. Tal

tendência se mostra hegemônica, na medida as forças progressistas se mostram, cada vez mais,

insuficientes para se contrapor às ideias neoliberais. Vê-se, portanto, que, para a concreção dos

Direitos Sociais, há barreiras muito fortes, sendo a principal delas a reforma da Constituição sobre o

enfoque neoliberal (TADEU DA SILVA, 1995).

Enquanto entrave para a efetivação dos Direitos Sociais, a estratégia neoliberal tem-se

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utilizado de forças conservadoras no Poder Legislativo, para evitar a edição de leis e emendas que

concretizem tais direitos. Essa atuação das elites, que, de um modo geral, tem abraçado as teses

neoliberais, está em prática desde a promulgação do Texto Magno. O que os conservadores não

conseguiram evitar durante a confecção da Carta, procuram boicotar na prática, seja através de

conchavos, pressões, corrupção e outras nefastas práticas politicas (BENITES FILHO, 1994).

Após perder para a sociedade civil na elaboração da Carta Magna e em sua revisão em

1993, o núcleo conservador tratou-se de unir forças e se articular melhor, aproveitando a tendência

neoliberalizante mundial que, no Brasil, foi representada pela vitória de Fernando Collor para a

presidência derrotando toda a esquerda que uniu forças em prol da candidatura de Luís Inácio Lula

da Silva. Surgia, assim, o projeto neoliberal brasileiro, que teve continuidade com Itamar Franco, e

o lançamento do Plano Real, atingindo seu ápice no governo de Fernando Henrique Cardoso, onde

os ideais neoliberais puderam ser melhores observados em nosso país.

O neoliberalismo hoje se constitui em uma concreta ameaça ao futuro dos Direitos

Sociais. Tal ameaça neoliberal se vincula à tese de ingovernabilidade do Estado-providência ou

Estado de Bem-Estar Social. Tal Estado, que prevaleceu até a década de 70, caracterizava-se pela

adoção de políticas sociais abrangentes, com o objetivo de reduzir as desigualdades. Tal crise

adveio, sobretudo do discurso capitalista da impossibilidade do Estado atender às crescentes

demandas sociais, o que levaria a um deficit público crônico, gerando inflação e inviabilizando o

mercado. Esse panorama geraria insatisfação popular e desordens de toda natureza. A doutrina

neoliberal defende, ainda que de forma implícita, sua sobrevivência sem a democracia, uma vez que

esta, ao aprofundar a participação popular, leva a um alargamento do Estado, fato que, para os

neoliberais, comprometeria o desenvolvimento do livre mercado.

A execução das propostas neoliberais residem, então, numa diminuição do Estado para

quem sobrará a tarefa de assegurar a sobrevivência do sistema. Dessa forma, o Estado neoliberal

tem como tarefas a segurança (polícia e exército), justiça, educação básica e outros poucos serviços.

O que restasse caberia à tutela do mercado através de sua mão invisível.

Entende THÉRET (1994, p. 56) haver uma versão mais radical do neoliberalismo que

possui seu núcleo teórico dividido em três pontos: a liberdade até o limite do seu abuso, a

desigualdade até o limite do tolerável e a flexibilidade até os limites da insegurança. Ainda segundo

o autor, para os neoliberais a articulação desses três elementos conduziria a um crescimento ótimo

da produção material e do progresso social.

A doutrina neoliberal promove a substituição de noções como direitos sociais, igualdade

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e justiça por qualidade, competitividade, privatização e parceria. Nessa situação, o econômico

“despolitiza” o político. Dessa forma, não é mais possível o estabelecimento de fronteiras entre a

esquerda e a direita. Os conflitos dão lugar à parceria, à flexibilização, as quais tendem a otimizar as

relações sociais, pelo domínio da ótica do mercado. Em vista disso, para consolidar-se o programa

neoliberal necessita comprimir a esfera do social, ampliando a liberdade, fundada na desigualdade,

ou seja, criando um ambiente de concorrência para o qual não faz mais qualquer sentido a

manutenção de mecanismos institucionais que objetivam reduzir essa desigualdade, como os

Direitos Sociais.

Podemos identificar o neoliberalismo como pano de fundo de todas as reformas em

curso no Brasil. Os empresários têm condicionado o desenvolvimento do país à eliminação do

“Custo Brasil”, que nada mais é que os Direitos Sociais constitucionalmente assegurados. No

campo trabalhista, por exemplo, a eliminação do “Custo Brasil” significaria a eliminação pura e

simples dos direitos trabalhistas, que poderiam ser conquistados por trabalhador através de uma

negociação direta entre empregados e empregadores. Muitos empregadores sustentam que o custo

dos Direitos Sociais representa grande percentual de encargos salariais. Segundo essa corrente de

empresários, tais encargos oneram a contratação e dificultam a agilidade necessária em uma

competição da economia global. Como alternativa à “problemática”, esses empresários defendem a

migração dos Direitos Sociais para a legislação ordinária, sendo possível sua flexibilização.

Ora, se tais direitos, hoje assegurados na Constituição, já são burlados e desconhecidos

por seus destinatários, dada a ignorância e o analfabetismo ainda reinante em nosso país, é muito

difícil acreditarmos que eles serão concretizados através de leis ordinárias. Portanto, prevalecendo a

supremacia da doutrina neoliberal como norteadora da reforma da Constituição, pode-se antever o

comprometimento dos Direitos Sociais, antes mesmo de serem encontradas possibilidades jurídicas

para sua concretização.

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5 CONCLUSÃO

O presente estudo teve por objetivo analisar como a política neoliberal age como força

opressora sobre os direitos sociais dos cidadãos brasileiros. Analisou-se o contexto do surgimento

do liberalismo como resposta ao estado absolutista no qual não era dado aos indivíduos terem

direitos, sendo essa uma prerrogativa apenas do Soberano.

Posteriormente, o estado liberal passou a questionar o poder, até então inquestionável,

dos monarcas. Com isso, os liberais passaram a defender o ideal de que todo o poder é limitado por

limites definidos em leis, não existindo um poder absoluto, infinito, desenfreado, arbitrário e sem

leis. Portanto, passou a viger o direito fundado nas leis e na equidade.

O surgimento da Revolução Industrial proporcionou mudanças sociais até então não

vistas na sociedade da época. Não se questionavam mais direitos de liberdade ou de propriedade. A

sociedade avançou e esse avanço fez com que os questionamentos migrassem para o campo social,

focalizando as péssimas condições sociais do proletariado frente aos lucros cada vez mais vultuosos

dos donos das indústrias. Tal panorama exigiu que fosse tomada alguma atitude em prol do

reconhecimento dos trabalhadores e então surgiu o Estado de Bem-Estar Social. Tal modelo, apesar

de continuar apoiando o capitalismo, comprometeu-se a lutar por uma maior igualdade social,

melhorando a vida dos trabalhadores.

A segunda grande crise do capital, ocorrida em 1970, questionou o Estado de Bem-Estar

Social em razão das dificuldades do Estado em responder pelas políticas sociais e apresentar um

deficit público crescente. Esse panorama contribuiu para o ressurgimento das ideias liberais

reformuladas, recebendo o nome de neoliberalismo.

Tal doutrina, ataca frontalmente o Estado de Bem-Estar Social, sendo contrária a

qualquer intervenção estatal na economia e na condução de políticas públicas. Em vista disso, o que

temos assistido, sobretudo nos países latino-americanos, é uma verdadeira redução do papel estatal

nas políticas públicas, fazendo com que aumente, assustadoramente, a concentração de renda nas

mãos de poucos, aumentando, consideravelmente, as desigualdades sociais, a pobreza e a exclusão

social. Vimos que nos países periféricos vige uma relação inversa entre o neoliberalismo e os

direitos sociais, de sorte que a adoção da cartilha neoliberal enseja, dentre outras coisas, prejuízos

incalculáveis à camada mas pobre da população em razão da redução, ou mesmo supressão, dos

direitos sociais constitucionalmente assegurados.

A primeira e mais relevante conclusão a que nos levou o presente estudo foi que,

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inobstante os esforços dos últimos governos federais através dos programas de distribuição de

renda, o neoliberalismo tem atuado como um verdadeiro opressor dos Direitos Sociais no Brasil, o

que tem aumentado bastante o abismo que separa a camada mais pobre daquela mais rica da

população. Outra conclusão é de que os governos brasileiros são coniventes com tal política na

medida em que continuam submissos ao capital internacional, tendo de acatar suas diretrizes.

Este quadro de desigualdade evidenciada no nosso país, requer uma justiça distributiva,

com a participação nos benefícios sociais. O Estado necessita assegurar a todos as condições sociais

que lhes permitam ter uma vida plenamente humana, condições estas favoráveis ao seu pleno

desenvolvimento. Utilizando-se do seu poder de intervenção, deve buscar a transferência de mais

recursos para a área social, como, por exemplo, através das contribuições sociais para a diminuição

das desigualdades sociais. O Estado há de se preocupar em buscar meios e alternativas para garantir

o acesso da população aos seus direitos básicos. Infelizmente, um Estado neoliberal não se preocupa

concretamente em encontrar alternativas para a redistribuição de renda e diminuição das

desigualdades sociais.

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