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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE MESTRADO PROFISSIONAL EM SAÚDE DA FAMILIA MARCOS ANTÔNIO DE OLIVEIRA MORTALIDADE MATERNA EM CAPITAL DO NORDESTE DO BRASIL: 2008-2012 FORTALEZA - CE 2014

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEAR

CENTRO DE CINCIAS DA SADE

MESTRADO PROFISSIONAL EM SADE DA FAMILIA

MARCOS ANTNIO DE OLIVEIRA

MORTALIDADE MATERNA EM CAPITAL DO NORDESTE DO

BRASIL: 2008-2012

FORTALEZA - CE

2014

MARCOS ANTNIO DE OLIVEIRA

MORTALIDADE MATERNA EM CAPITAL DO NORDESTE DO BRASIL: 2008-

2012

Dissertao apresentada ao Curso de

Mestrado Profissional em Sade da

Famlia, da Fundao Oswaldo Cruz,

nucleadora Universidade Estadual do

Cear, como requisito parcial para o ttulo

de Mestre.

Orientadora: Prof. Dr. Ana Valeska

Siebra e Silva

FORTALEZA - CE

2014

Aos meus pais, in memoriam, pelo

exemplo digno de vida que nos legaram,

s vezes carregada de sofrimento, mas

que, mesmo diante da pouca

oportunidade para o estudo que lhes foi

dado, sempre nos incentivou a investir na

formao intelectual e moral como uma

forma de elevao do esprito humano e

superao das dores do mundo.

AGRADECIMENTOS

minha esposa Naiara e filhos por terem dado o apoio que necessitei

para levar adiante esse desafio, entendendo as minhas necessrias ausncias

nesse processo. Sem eles, nada disso faria sentido.

Agradecimento especial profa. Dr. Ana Valeska Siebra e silva pela

pacincia em me mostrar o caminho das pedras durante os nossos encontros de

orientao, caminho por vezes rduo, cheio de percalos, mas que ela soube

conduzir o seu papel de guia at o fim dessa jornada.

profa. Dr. Cristiana Ferreira da silva pela prontido com que aceitou

participar da banca e cujas dicas durante a qualificao do projeto de pesquisa

foram fundamentais para a dissertao.

Ao colega de formatura e amigo Dr. Antnio lima e sua equipe de trabalho

e ao Dr. Slvio Carlos pela gentileza com que disponibilizaram os arquivos que

propiciaram a coleta das informaes necessrias para a concluso dessa pesquisa.

coordenadora do mestrado profissional em sade da famlia Dra. Ana

patrcia pereira morais cujos conselhos e ensinamentos carregarei comigo onde

estiver.

Aos professores do mestrado, em especial a Dr. Jos Maria Ximenes e

Dra. Annatlia Menezes de Amorim, que propiciaram aos alunos do mestrado o

privilgio de compartilhar de brilhantes discusses e exposies nas suas aulas

sempre instigantes, e certamente fruto da vivncia que, de forma direta ou indireta,

tiveram na trajetria profissional pela estratgia sade da famlia.

prof.. Dr. Maria irisar Almeida pelo zelo e desprendimento que

demonstrou ao compartilhar do seu material didtico em prol da aprendizagem

coletiva e, in memoriam, para a brava prof.. Dr. Maria Lcia Barreto pela energia

positiva que nos transmitiu desde os primeiros encontros e, que, mesmo diante da

dor e sofrimento que enfrentou, nunca perdeu a alegria de viver intensamente o seu

ofcio de educadora.

A todos os colegas do mestrado a quem tive a honra de compartilhar

momentos inesquecveis de histrias no s do trabalho como da vida pessoal, em

encontros quinzenais impregnados de forte carga emotiva e provocadores de

reflexo sobre a nossa prtica diria e que, acima de tudo, amarrou laos de

amizade que nem o tempo ou distncia conseguiro desat-los.

Existem muitas hipteses em

Cincia que esto erradas.

Isso perfeitamente aceitvel,

Eles so a abertura para achar

As que esto certas.

Carl Sagan

RESUMO

O estudo do perfil das gestantes que foram a bito um dos caminhos que subsidia o planejamento de estratgias eficazes no combate mortalidade materna. Esse processo capaz de gerar aes resolutivas e impactantes uma vez conhecido os fatores condicionantes e determinantes destes bitos. Foi objetivo do trabalho descrever a situao da mortalidade materna em Fortaleza, Cear, no perodo de 2008 a 2012, bem como os aspectos socioeconmicos e demogrficos e indicadores selecionados de sade materna de modo a configurar o perfil clnico epidemiolgico dos bitos. Procurou-se, tambm, avaliar a assistncia do pr-natal destinado s grvidas que evoluram para o bito, utilizando o ndice de Kotelchuck modificado, como uma forma de refletir sobre a qualidade do atendimento prioritariamente ofertado pela ateno bsica. Constituiu-se de um estudo descritivo de abordagem quantitativa e retrospectiva envolvendo 136 pronturios arquivados no comit de mortalidade materna de fortaleza. Os resultados do estudo mostraram que Fortaleza apresenta ainda altas taxas de mortalidade materna, ultrapassando em trs vezes o valor considerado aceitvel pela Organizao Mundial de Sade (OMS) em 2012. O perfil sociodemogrfico encontrado mostrou uma elevada prevalncia de mulheres no brancas, solteiras, com baixa escolaridade, e, em geral, habitando bairros pobres da capital. Destaque para a DHEG com 19 % do total, como causas obsttricas diretas. Alm disso, aproximadamente 10 % dos bitos, em mdia, ocorreram fora do hospital, o que indica por si s, barreiras no acesso assistncia mdica. Pelo IKM, o pr-natal foi classificado como inadequado em quase 40 % das vezes, havendo um longo percurso para alcanar a reduo dos bitos maternos nos moldes propostos pelo quinto objetivo do milnio. Palavras-chave: Mortalidade Materna, Epidemiologia Descritiva. Pr-natal

ABSTRACT

The study of the profile of the women who died is one of the ways that subsidizes planning effective strategies to combat maternal mortality. This process is capable of generating and resolving impactful actions known once the conditioning factors and determinants of these deaths. This work aimed to describe the situation of maternal mortality in Fortaleza, Ciara, in the period 2008-2012, as well as socioeconomic and demographic factors and selected maternal health indicators in order to determine the epidemiological profile of clinical death. We tried to also assess care prenatal intended for pregnant women who died: using the modified Kotelchuck index as a way to reflect on the quality of care offered by primary care priority. Consisted of a descriptive study of retrospective and quantitative approach involving 136 archived files in the maternal mortality committee of Fortaleza. The study results showed that fortaleza has yet high rates of maternal mortality, exceeding three times the amount considered acceptable by who in 2012 found the demographic profile showed a high prevalence of non-white women, unmarried, low education, and overall, inhabiting the slums of the capital. Highlight for preeclampsia with 19% of the total, as direct obstetric causes. In addition, approximately 10% of deaths, on average, occurred outside the hospital, which indicates itself, barriers in access to health care. At IKM, prenatal was classified as inadequate in almost 40% of the time, with a long way to achieve the reduction of maternal deaths in the manner proposed by the fifth millennium development goal. Keywords: maternal mortality, descriptive epidemiology, prenatal care

SIGLAS E ABREVIATURAS

CMM Comit de mortalidade materna DATASUS Departamento de informtica do sus/ms ESF Estratgia sade da famlia IKM ndice de Kotelchuck modificado MM Mortalidade materna NUVEPI Ncleo de vigilncia epidemiolgica NV Nascido vivo ODM Objetivos do milnio OMS Organizao mundial de sade

ONU Organizao das naes unidas PACS Programa agentes comunitrios de sade PAISM Programa de assistncia integral sade da mulher PHPN Programa de humanizao do pr-natal e nascimento PROVAB Programa de valorizao e melhoria do acesso

ateno bsica PN Pr-natal

PSF Programa de sade da famlia RMM Razo de mortalidade materna

SER Secretaria regional de sade

SIM Sistema de informao sobre mortalidade

SUS Sistema nico de sade

LISTA DE TABELAS

TABELA 1 distribuio dos dados acerca do perfil epidemiolgico das mulheres

que faleceram no perodo de 2008 2012 em fortaleza ........................................... 32

TABELA 2 distribuio do percentual de bitos entre 2008-2012, segundo local

de ocorrncia ............................................................................................................. 35

TABELA 3 situao das gestantes que faleceram entre 2008-2012, em relao

ao nmero de gestaes e o intervalo entre a gravidez que resultou em bito

materno e a gestao anterior ................................................................................... 36

TABELA 4 situao do pr-natal das gestantes que faleceram entre 2008-2012,

em relao ao nmero de consultas, notificao de intercorrncias e a

adequabilidade de acordo com parecer do CMM de fortaleza .................................. 38

TABELA 5 nmero de bitos entre 2008-2012, segundo a classificao por

captulo do CID 10 baseado na causa bsica selecionada ....................................... 39

TABELA 6 distribuio dos bitos entre 2008-2012, segundo a classificao

pelo tipo de ocorrncia .............................................................................................. 40

TABELA 7 nmero de partos entre as gestantes que faleceram entre 2008-

2012, de acordo com o momento de sua ocorrncia e a via de resoluo do parto . 40

TABELA 8 clculo da RMM em fortaleza entre 2008 e 2012 ................................. 41

TABELA 9 grau de evitabilidade dos bitos ocorridos entre 2008-2012 segundo

julgamento do CMM .................................................................................................. 43

TABELA 10 cruzamento de dados entre as caractersticas clnicas das

gestantes que foram a bito e o julgamento do CMM quanto sua evitabilidade ..... 44

LISTA DE GRFICOS

GRFICO 1 - distribuio dos bitos entre 2008-2012, segundo a regional de

residncia .................................................................................................................. 34

GRFICO 2 - distribuio dos bito entre 2008-2012, segundo a poca de incio

do PN ........................................................................................................................ 37

GRFICO 3 - distribuio dos bitos maternos que receberam atendimento

hospitalar entre 2008-2012........................................................................................ 42

GRFICO 4 - classificao da adequabilidade do PN ofertada s gestantes que

foram a bito entre 2008-2012, de acordo com o ndice de Kotelchuck modificado . 43

SUMRIO

1 INTRODUO ............................................................................................... 13

2 OBJETIVOS ................................................................................................... 17

2.1 Objetivo Geral ............................................................................................... 17

2.2 Objetivos Especficos................................................................................... 17

3 REVISO DE LITERATURA .......................................................................... 18

3.1 Breve histrico da mortalidade materna: da fatalidade a se tornar um

problema de sade pblica .......................................................................... 18

3.2 Visibilidade do bito materno no Brasil e a conquista do direito

sade ............................................................................................................. 22

4 METODOLOGIA ............................................................................................. 26

4.1 Tipo de estudo .............................................................................................. 26

4.2 Cenrio do estudo ........................................................................................ 26

4.3 Amostra do estudo ....................................................................................... 27

4.4 Instrumento e coleta dos dados .................................................................. 27

4.5 Anlise dos dados ........................................................................................ 27

4.5.1 Dados socioeconmicos e demogrficos........................................................ 27

4.5.2 Dados clnico-epidemiolgicos ....................................................................... 28

4.5.3 Indicadores ..................................................................................................... 28

4.5.4 Percentual de bitos por causas evitveis ...................................................... 29

4.6 Aspectos ticos e legais da pesquisa......................................................... 30

5 RESULTADOS ............................................................................................... 31

5.1 Perfil socioeconmico e demogrfico ........................................................ 31

5.2 Perfil clnico-epidemiolgico ....................................................................... 35

5.3 Indicadores do bito materno ..................................................................... 40

6 DISCUSSO .................................................................................................. 45

7 CONSIDERAES FINAIS ........................................................................... 51

REFERNCIAS .............................................................................................. 54

APNDICES ................................................................................................... 62

ANEXOS ......................................................................................................... 67

13

1 INTRODUO

O conhecimento do perfil clnico e epidemiolgico das gestantes que vo

a bito um dos caminhos que subsidia o planejamento de estratgias eficazes no

combate mortalidade materna, pois, de acordo com evangelista (1994), o processo

do planejamento s produzir aes resolutivas e impactantes com o conhecimento

dos fatores condicionantes e determinantes destes bitos.

Apesar da longa trajetria profissional dedicada ateno primria e da

disposio de militar na causa da preveno mortalidade materna com afinco,

deparamos, com a ocorrncia de um bito dramtico de uma gestante proveniente

do distrito em que nossa equipe atuava. Aps muitas reflexes, fruto dos debates

que se sucederam no comit regional e local, ponderou-se sobre o carter da

evitabilidade dos bitos ocorridos e isso concorreu para que a questo fosse eleita

por todos como uma prioridade em termos de problema de sade pblica a ser

combatido no municpio.

Define-se como morte materna, quela de uma mulher durante a

gestao ou at 42 dias aps o trmino da gestao, independentemente da

durao ou da localizao da gravidez. causada por qualquer fator relacionado ou

agravado pela gravidez ou por medidas tomadas em relao a ela. No

considerada morte materna a que provocada por fatores acidentais ou incidentais

(BRASIL, 2002). Assim, para calcular a razo de mortalidade materna (RMM), no

numerador coloca-se o nmero de bitos femininos por causas maternas e no

denominador os nasCIDos vivos (nv) do ano considerado, multiplicando por 100.000

nv (OPAS/OMS, 2002).

A RMM um excelente indicador a ser utilizado como parmetro para

avaliar as condies de vida da populao, a qualidade dos sistemas de sade

quanto ao acesso aos servios, educao em sade e qualidade da ateno

bsica e hospitalar (SANTOS, 2005). Para fins de classificao e comparao, a

organizao mundial de sade (OMS) estabelece os seguintes valores da RMM:

menor que 20 bitos maternos/100.000 nv, considerada baixa. Entre 20 a 49

bitos maternos/100.000 nv a RMM classificada como mdia. De 50 at 149 bitos

maternos/100.000 nv, alta e igual ou acima de 150 bitos maternos/100.000 nv,

muito alta (CEAR, 2011).

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Morse (2011) enfatizam que a mortalidade materna ainda um assunto

de grande relevncia em todo mundo, especialmente nos pases em

desenvolvimento onde se concentram 99% destes bitos. Por si s capaz de

traduzir a realidade social de uma regio e demonstrar a determinao poltica em

aes de sade. Para gomes (2006), a RMM um bom indicador do nvel de sade

da populao feminina e pode produzir reflexos negativos em outros indicadores de

sade, como, por exemplo, o coeficiente de mortalidade infantil.

Riquinho e correia (2006) citam que o Chile, Cuba, Costa Rica e Uruguai,

mesmo no obtendo resultados semelhantes aos de outros pases da amrica mais

ricos, como o Canad e Estados Unidos, que detm uma RMM abaixo de 10 por

100.000 nv, obtiveram taxas inferiores 40 por 100.000 nv. Enquanto isso, Bolvia,

Peru e Haiti aparecem com os piores ndices, ultrapassando a marca de 200 bitos

maternos por 100.000 nv.

Cecatti e Caldern (2005) chamam a ateno para o fato de que mesmo

tendo sido observado avanos e melhorias no ndice de morte materna, relacionado

aos progressos nas prticas e manejo da gravidez, ainda permanecem elevado na

maior parte dos pases em desenvolvimento. Ressaltam ainda, que uma adequada

estruturao do sistema de sade, com nfase na ateno durante o pr-natal,

hierarquizao desta ateno, assim como uma adequada organizao dos servios

para a conduo do parto e puerprio, so medidas eficazes e que impactam na

razo de mortalidade materna.

Para traduzir o grau de iniquidade dos bitos maternos entre as naes,

Gruskin (2008) calcularam que o risco de morte de causas relacionadas ao parto de

mulheres que vivem em um pas pobre 1 em 16 enquanto que nas que vivem em

pases de maior poder econmico esse risco de 1 em 48000. Ou seja, h 300

vezes mais chances de uma mulher proveniente de um pas subdesenvolvido morrer

de doenas relacionadas ao parto em relao a outra que viva em um pas

industrializado.

A repercusso mundial das mortes maternas tem preocupado a

Organizao das Naes Unidas (ONU) h muito tempo. No ano 2000, 191 naes

assumiram o compromisso de eliminar a fome, a pobreza extrema e discutiram

formas de tornar o mundo mais justo, solidrio e melhor de viver. Para isso, firmaram

metas conhecidas como os oito objetivos do milnio em que um deles (o quinto)

prev a reduo da RMM em at 2015 (MAND, 2009). Em 1990 o Brasil tinha

15

uma RMM de 140 bitos por 100.000 nv e desde ento vem registrando uma queda

progressiva, porm as estimativas apontam que o pas no alcanar o quinto ODM,

significando que no ultrapassar uma RMM de 35 bitos por 100.000 nv at 2015

(CALDERON, 2006).

Segundo Houton (2013) a melhoria no indicador de sade materna

proposto nos objetivos do milnio (ODM) o mais difcil de ser atingido, apesar do

conhecimento de suas causas e de seus determinantes e mesmo com a ateno

que o tema tem recebido das naes unidas, do governo e da sociedade como um

todo.

Souza (2011) relata que o Brasil dispe de recursos suficientes para

intervenes preventivas e teraputicas que visam reduzir o bito materno. O

governo tem seguido atravs de suas polticas e diretrizes as recomendaes dos

organismos internacionais. Atualmente, 99 % das gestantes realizam pelo menos

uma consulta de pr-natal e 90% realizam pelo menos quatro consultas. Os partos

ocorrem em hospitais em 98 % dos casos e 90 % destes so assistidos por mdicos.

Porm com todo este cenrio, o Brasil ainda apresenta trs quartos dos bitos

maternos associados a causas obsttricas diretas e evitveis, indicando deficincia

qualitativa da ateno dos servios, colocando-a no cerne dos debates.

Outro aspecto relevante e que consiste em grande desafio para a gesto

no combate mortalidade materna o conhecimento de seus nmeros reais, e que

reflete em sua magnitude, que ora parece mascarada pelo baixo nmero de

registros de bitos e/ou subnotificaes das causas de morte (MATIAS,2009).

Apesar das subnotificaes, nos ltimos 20 anos o Brasil observou

melhorias na qualidade dos seus registros e uma lenta queda na RMM, sendo que

em 2011 alcanamos a marca de 56 bitos de gestantes por 100.000 nv, o que

representou uma reduo na mortalidade materna em mais de 50 % nesse perodo

(NAES UNIDAS NO BRASIL, 2012). Segundo Victora (2011), este fato pode

estar associado com a expanso na cobertura dos servios de assistncia mulher

grvida, juntamente com algumas intervenes intersetoriais, como o crescimento

econmico, reduo nas disparidades de renda, melhorias no saneamento, entre

outros. Ficou, no entanto, evidenciado a variabilidade deste indicador nas diferentes

regies do pas, sendo o norte e nordeste as que obtiveram os piores desempenhos.

No Cear entre os anos de 1997 e 2009 a RMM foi em mdia de 87,7

bitos maternos por 100 mil nascidos vivos. Esse nmero corresponde a quatro

16

vezes mais o aceitvel pela organizao mundial de sade, e tambm uma mdia

superior ao observado no brasil. (CEAR, 2011; 2012)

Com vistas na melhoria deste indicador, o Estado, em conjunto com os

municpios que aderiram ao pacto pela sade 2006, estabeleceu como uma das seis

prioridades a reduo da mortalidade materna.

Em 2007 foi constituda pela portaria 1306-a/2007 a comisso tcnica do

comit cearense de reduo da mortalidade materna, com a finalidade de monitorar,

investigar e estabelecer possveis causas relacionadas com estas mortes em todo

estado do Cear, inclusive oferecendo suporte e estmulo para que os municpios

ingressassem com seus comits regionais e locais. Apesar de todos os esforos, em

2011, 104 mulheres cearenses morreram durante a gestao, parto ou no ps-parto,

totalizando uma mdia de duas mulheres mortas a cada semana (Cear, 2012).

De acordo com Carvalho (2011), houve uma variao pequena no ritmo

de queda da RMM em uma srie histrica de 12 anos no Cear, apesar do aumento

dos bitos maternos em algumas regies do interior onde o indicador era

tradicionalmente baixo. Em fortaleza, capital cearense, foi detectada um dos mais

baixos ndices de RMM, quando comparada com outras capitais nordestinas, porm

no se dispem dados atuais sobre a distribuio destes bitos em termos de suas

regionais de sade.

Diante do exposto, o presente estudo tem, como um dos seus

pressupostos, subsidiar uma melhor compreenso da magnitude e transcendncia

da questo da mortalidade materna em Fortaleza, haja vista sua relevncia no

cenrio da sade pblica.

A presente pesquisa elegeu como objeto de estudo os bitos maternos

ocorridos nos ltimos cinco anos em Fortaleza, e tentar estabelecer alguma

comparao com os dados encontrados em trabalhos anteriores. Almeja, entre

outras, perceber que tipo de mudanas vem ocorrendo no perfil da mortalidade

materna de uma cidade com histrico de luta em favor da preveno ao bito

materno, e se realmente as polticas pblicas em prol da ateno sade da mulher

esto resultando em melhorias concretas ou no passam de retrica.

17

2 OBJETIVOS

2.1 Objetivo Geral

Descrever a situao da mortalidade materna em Fortaleza- Ce

no perodo de 2008 a 2012.

2.2 Objetivos Especficos

Comparar a evoluo da razo de mortalidade materna no

perodo de 2008 a 2012.

Identificar as caractersticas socioeconmicas das gestantes;

Identificar as causas de morte materna de acordo com a

classificao de evitabilidade pelo comit de mortalidade materna de

fortaleza;

Avaliar a assistncia do pr-natal oferecido s gestantes que

evoluram para bito materno utilizando ndice de Kotelchuck modificado.

.

18

3 REVISO DE LITERATURA

3.1 Breve histrico da mortalidade materna: da fatalidade a se tornar um

problema de sade pblica

Nos dias atuais, nos deparamos em diversos contextos em que a

maternidade exaltada como um fenmeno de transcendncia maior, que renova a

vida e preserva nossa humanidade. Por outro lado, na prtica, a sua histria de

proteo social fortemente marcada pela negligncia em diversas dimenses:

sanitria, psicolgica, econmica e se observarmos a situao das operrias de

fbricas atuais, at aspectos trabalhistas ainda so desprezados.

Falar ento dos bitos maternos como uma situao intolervel est

virando quase um lugar-comum nos discursos oficiais dos polticos como tambm j

causa indignao em grande parte das pessoas, cada vez mais conscientes de seus

direitos de cidados. Porm, nem sempre foi assim, e a sociedade outrora se

comportou de maneira bem permissiva a esse respeito.

Tanaka (2000) coloca a falta de percepo sobre a gravidade da morte

materna como uma questo histrica relacionada maneira que sociedade

encarava esse fenmeno. Quando Martinho Lutero no sculo xvi afirmava que a

principal razo de existncia da mulher era parir at morrer por isso, revelava os

costumes de uma poca que tinha nas autoridades religiosas um parmetro de

condutas morais. Essa perspectiva de morrer ao dar luz chegava a ser exaltada

como uma morte digna, cumprindo seu papel de perpetuao da espcie, a nobre

misso da mulher no mundo e cujos reflexos imersos em fundamentos de cunho

religioso so ainda hoje percebidos quando prevalece a inverso da prioridade da

vida do concepto em detrimento da vida da mulher (BONCIANI, 2006).

Como fica evidenciado em documentos histricos da poca industrial, por

exemplo, quando o assunto convergia para a discusso de melhorias do bem-estar

das mes e crianas a nfase era dada no sentido de reduzir o grande desperdcio

de vidas de crianas, quase sempre revelando motivaes no s de cunho

humanitrio, mas poltico e econmicas focadas na produo de mo-de-obra

saudvel (ROSEN, 1994).

19

A viso de um corpo social produtivo com polticas de sade preocupadas

em produzir crianas biologicamente saudveis para suprir as necessidades

crescentes de produtividade motivou a institucionalizao do parto. Essa iniciativa

foi, segundo o autor citado, mais uma maneira de controle e vigilncia do

desenvolvimento da populao pelo estado. No entanto, acabou tambm por

promover avanos cientficos aps uma melhor compreenso dos processos

fisiolgicos e patolgicos referentes gestante e o parto (FOUCAULT, 1984).

Assim, desde o sculo xviii ficou demonstrado que algumas medidas

higinicas simples podiam evitar infeces puerperais nas mulheres da elite

europeia que tinham partos hospitalares. Nos dois sculos seguintes, essas medidas

foram sistematizadas junto com tcnicas cirrgicas para partos difceis no que

resultou em queda lenta, mas persistente, nos bitos maternos at o ano de 1930.

Nessa poca, o jornal new york times publicou os primeiros artigos sobre

mortalidade materna e desencadeia investigaes que contriburam para o estmulo

criao do comit do bem estar materno para investigao desses bitos nos

estados unidos seguido por iniciativa semelhante pela inglaterra em 1950 (BONCINI,

2006; VIANA, 2011).

Essas experincias com investigao de bitos se constituram um marco,

uma vez que contriburam significativamente com a melhoria dos indicadores ao

apontarem solues para os problemas identificados atravs de uma reconhecida

qualidade nos dados coletados e se mantm at hoje como um dispositivo tcnico-

cientfico por meio do qual possvel identificar a concepo do sistema de

vigilncia do bito materno (CARVALHO, 2006). As concluses dos relatrios

gerados falavam em mortes evitveis com melhorias nas condies de vida e

cidadania das mulheres aliado s aes voltadas assistncia na sade das

gestantes (VENTURA, 2008).

Em 1952 a organizao internacional do trabalho reconhece a licena

maternidade para a mulher trabalhadora com durao mnima de 12 semanas e com

parte a ser gozada aps o parto (VIANA, 2011).

De acordo ainda com Bonciani (2006), apenas na dcada de 1960 os

estudos na amrica latina sobre mortalidade materna comearam a incluir cidades

brasileiras observando diferenas significativas entre os ndices das regies

desenvolvidas da amrica do norte em relao s subdesenvolvidas do hemisfrio

sul. Outra constatao que mais de 90 % da mortalidade materna em cidades

20

como So Paulo e Ribeiro Preto, entre outras includas na pesquisa, poderiam ser

evitadas.

Em 1979 ocorreu a conveno sobre a eliminao de todas as formas de

discriminao contra a mulher, evento importante por reconhecer a violao do

princpio da igualdade de direitos e do respeito dignidade humana quando as

mulheres, por exemplo, deixam de ter acesso aos cuidados sua sade (REIS,

2011).

Cabe neste ponto destacar que at a dcada de 1980 a repercusso das

mortes maternas vinha sendo ofuscada pela mortalidade infantil, indicador de sade

e de desenvolvimento social mais divulgado e denunciado pelos meios de

comunicao de massa (CECCATI, 1992). Uma das explicaes possveis seria a

diferena quantitativa nos bitos: enquanto 500.000 mulheres morriam por ano no

mundo, estimou-se que quatro milhes de crianas faleciam at os primeiros 28 dias

de vida, correspondente ao perodo neonatal (GRUSKIN, 2008).

O fato de a grande imprensa relegar o bito materno a um segundo plano,

estimulou dois pesquisadores a publicar um artigo de repercusso internacional

intitulado onde est o m da sade materno-infantil (SMI)?. Nesse artigo seminal,

chamam a ateno do mundo para o tema da mortalidade materna e propem us-la

como indicador do grau de desenvolvimento de sade de uma regio

(ROSENFIELD; MAINE, 1985).

O declnio acentuado das mortes em gestantes observado em todo o

ocidente depois de 1930 foi considerado o evento mais notvel do sculo xx nas

questes relacionadas ao parto. Apesar disso, a diferena nas taxas de mortalidade

observada entre pases ricos e pobres ainda incomodava e tornava-se aos olhos da

comunidade cientfica a mais dspar entre as estatsticas de sade pblica

(LOUDON, 1992).

Concretamente, no entanto, a mortalidade materna s entra na agenda

poltica internacional a partir da iniciativa para a maternidade sem risco proposta na

conferncia sobre maternidade segura em Nairbi, Qunia, ocorrido em 1987. O

tema passa a ganhar destaque nas discusses relativas sade pblica em todo

mundo, especialmente nos pases subdesenvolvidos, onde meio milho de

gestantes morria a cada ano. Como resultado do encontro, uma meta de reduo da

mortalidade materna em 50 % do observado em 1985 estabelecida at o ano

2000. Esse compromisso foi ratificado em outros encontros internacionais, como por

21

exemplo, na 23 conferncia sanitria pan-americana em Washington, 1990, do qual

o brasil foi tambm signatrio (CECCATI, 1992; RODRIGUES, 2003; VIANA, 2011;

REIS, 2011). Suas linhas mestras tiveram o mrito de atingir o mbito das polticas

pblicas, legislao, programas e servios de sade reprodutiva, capacitao de

recursos humanos, educao da populao, entre outros (RODRIGUES ;

SIQUEIRA, 2003).

Em 1995 ocorreu a 4 conferncia mundial sobre as mulheres em Beijing,

china, que teve como principal tema a desigualdade na ateno sade. Ali,

afirmou-se o direito da mulher desfrutar o mais alto nvel de sade e ter controle

sobre a prpria vida reprodutiva e sua fertilidade. O Brasil endossa a sua

recomendao de reduo da mortalidade materna como meta chave para o

desenvolvimento (BONCIANI, 2006; REIS, 2011).

Ainda na dcada de 90, Amartya sem, um indiano laureado com o prmio

Nobel em economia, desenvolveu uma tese que discorre sobre as desigualdades

entre os pases no que tange ao acesso de homens e mulheres aos servios de

sade. Atravs de clculos simples, procurou estimar o nmero de mulheres

esperado para determinados pases em desenvolvimento. Subtraiu ento o que

encontrou do nmero de mulheres fornecido pelas estatsticas oficiais e associou o

resultado ao que chamou de mulheres ausentes ou insuficincia do gnero motivado

pela falta de acesso igualitrio a determinados servios de sade. Um exemplo

desse fato ocorre na china, onde o aspecto da desigualdade entre mulheres e

homens gritante. O dficit de mulheres nesse pas chegaria a 50 milhes, evento

esse decorrente das mortes, omisso e negligncia de polticas pblicas estaduais

voltadas para o gnero feminino. (GALLI, 2005).

Finalmente, antecedendo a entrada no sculo xxi, ocorreu a assembleia

do milnio promovido pela onu que lana oito grandes objetivos para com o

desenvolvimento humano, em reconhecimento de que j dispomos de tecnologia,

recursos, conhecimento e experincia suficientes para enfrentar a maioria dos

problemas que impede o desenvolvimento humano de todos (CECATTI, 2011).

Entre os chamados objetivos do milnio, trs dizem respeito diretamente

ao setor sade. O Brasil foi um dos pases que conseguiu avanar em questes

como a mortalidade infantil (4 ODM), atingindo antecipadamente e de maneira

exemplar, algumas metas estipuladas. No entanto, em relao a reduo da

mortalidade materna (5 odm), as polticas institudas no foram suficientes para

22

alcanar o patamar estabelecido de diminuir a RMM em 5 % ao ano at 2015,

tornando esse objetivo algo ainda a ser superado (SOUZA, 2011).

Antes de adentrarmos na descrio da situao atual dos nossos

indicadores de sade materna, faremos uma breve descrio nos eventos que

marcaram a trajetria de combate a mortalidade materna no brasil ao longo dos

anos.

3.2 Visibilidade do bito materno no Brasil e a conquista do direito sade

A preocupao com os bitos maternos s ocorreu recentemente no

brasil, a reboque das discusses que se davam a nvel internacional. Anterior

dcada de 1980, o interesse no assunto s ocorria por iniciativa individual de

professores e poucos pesquisadores acadmicos (CECCATI, 1992).

O autor acima destaca o i encontro nacional de mortalidade materna,

promovido por um grupo de eminentes professores em 1984, em So Paulo, como o

primeiro passo para difundir o debate a nvel nacional. Com suas publicaes

posteriores, o evento continuou exercendo influncia sobre profissionais da rea e

estimulando as pesquisas ligadas ao tema.

Um pouco antes, em 1983, o governo federal criou o programa de

assistncia integral sade da mulher (PAISM) com uma proposta considerada

ousada para poca: atendimento sade reprodutiva das mulheres, no mbito da

ateno integral sade, e no mais a utilizao de aes isoladas em

planejamento familiar (OSIS, 1988).

Em 1987 foi lanada a primeira iniciativa oficial de um programa de

preveno da morte materna que redundaria na criao de sete comits de morte

materna, os primeiros do Brasil, muito embora com limitaes, como a sua

composio restrita aos mdicos e aceitando outros profissionais e especialistas

somente em carter de consultoria tcnica. Essa falha permaneceu at 1995,

quando o comit integrou o sistema estadual de vigilncia do bito materno e os

espaos de participao se ampliaram com a entrada dos conselhos de sade e

conselho de profissionais, entre outros. Desde ento os comits se firmaram como

uma das mais bem sucedidas estratgias para se conhecer e monitorar a situao

de mortalidade materna nos diversos pases (RODRIGUES; SIQUEIRA, 2003).

23

No Cear, a implantao do comit estadual de preveno da mortalidade

materna ocorreu em 1993 e manteve foco na vigilncia epidemiolgica do bito

materno o que resultou em melhoria na identificao e registro dessas ocorrncias.

(CEAR, 2010).

Consolidando a temtica nos meios acadmicos, em 1988 ocorre o

seminrio sobre intervenes para a reduo da mortalidade materna no Brasil e

pases africanos de lngua portuguesa, que trouxe como novidade a participao de

representantes do movimento de mulheres e de organizaes nacionais e

internacionais (FANDES; CECCATI, 1991). Alm do mais, o fato de o governo

brasileiro ter participado dos grandes eventos relacionados sade da mulher desde

a conferncia de Nairbi para a maternidade segura, provocou mudanas positivas

no sentido de garantir, por fora da lei, melhores servios de atendimento

gravidez, ao parto e puerprio (LEITE; PAES, 2009).

dentro dessa lgica, por exemplo, que surge atravs de portarias

ministeriais, o programa de humanizao no pr-natal e nascimento (PHPN)

institudo trs anos aps a promulgao da constituio cidad, de 1988. Seu

objetivo era ampliar o acesso e a cobertura dos servios de ateno ao pr-natal,

parto e puerprio e melhorar sua qualidade. Na mesma poca publicada uma

portaria que afirma a necessidade de classificao do risco gestacional e a garantia

da referncia para gestaes complicadas (REIS, 2011).

Em 1991 e 1994, respectivamente, surgem o programa agentes

comunitrios de sade (PACS) e o programa de sade da famlia (PSF) com a

proposta de tornar universal o acesso sade e garantir o direito integralidade do

atendimento, integrando as vrias aes estratgicas, incluindo as relativas

reproduo e sexualidade e tendo como objeto de ateno a famlia (NETO, 2008).

Mais tarde, muda-se o nome do PSF para estratgia de sade da famlia (ESF),

mantendo-se o seu pressuposto de reconhecer a sade como um direito de

cidadania, expresso na melhoria das condies de vida da populao. Citado como

um exemplo a ser seguido, o sucesso que a ESF teve ao dar um salto de qualidade

nas informaes fornecidas sobre as causas de morte e o seu impacto na equidade

por ter uma orientao para os mais pobres, entre outros feitos, foi reconhecido em

outros trabalhos cientficos como possuidor de um potencial para atuar frente

preveno do bito materno (MAND; ANTIQUEIRA; LANZA, 2009).

24

Em 2003 torna-se obrigatrio a notificao do bito materno e sua

investigao por parte do municpio. No ano seguinte, um passo importante no

enfrentamento da mortalidade materna dado, segundo reis (2011), com o

lanamento do pacto pela reduo da mortalidade materna e neonatal. Ele fixou a

meta de diminuir em 15 % os indicadores de mortalidade materno-infantil at 2006, e

em 75 % at 2015, apoiando financeiramente alguns municpios selecionados com

baixo ndice de desenvolvimento humano. Tivemos como fruto de discusses do

monitoramento desse pacto, a lei que garante acompanhante para parturientes e a

criao da poltica nacional de ateno obsttrica e neonatal.

Por ltimo, no podemos deixar de mencionar o pacto pela sade lanado

em 2006, um conjunto de reformas institucionais do SUS firmado entre as trs

esferas de gesto e que tem como um dos seus componentes o pacto pela vida, que

o compromisso entre os gestores do SUS em torno da melhoria de indicadores

que apresentam impacto sobre a situao de sade da populao brasileira. Uma de

suas prioridades era a reduo da mortalidade materna atravs dos seguintes

objetivos e metas: diminuir em 5 % a razo de mortalidade materna; garantir

insumos e medicamentos para tratamento das sndromes hipertensivas no parto; e

qualificar os pontos de distribuio de sangue para que atendam s necessidades

das maternidades e outros locais de parto (BRASIL, 2006).

Apesar do enfoque do bito materno sob a tica da sade pblica e

coletiva ter se tornado hegemnico, deixando para o passado os resqucios de

misoginia luterana, h uma tendncia atual, especialmente junto aos organismos de

monitoramento e superviso dos tratados internacionais, de abordar a questo do

bito materno do ponto de vista da violao dos direitos humanos das mulheres

(BARBASTEFANO; VARGENS, 2009).

No Brasil, essa postura vem sendo adotada por organizaes feministas

de sade que acreditam na reduo das taxas de mortalidade materna somente

quando os direitos humanos forem assegurados via mecanismos jurdicos e

institucionais eficazes. sob a lgica e o discurso da negao dos direitos humanos

que Galli (2005) acredita chamar a ateno para a desvalorizao da vida das

mulheres que morrem por causas evitveis e da falha do estado em preveni-las.

Essa viso compartilhada hoje pelos profissionais que atuam de alguma

forma na assistncia mulher no seu ciclo gravdico-puerperal e que reconhecem o

importante papel que tm na garantia dos direitos de cidadania da populao que

25

assistem. Como enfatizado por Mendes (2012), esses mesmos profissionais

deveriam questionar-se acerca das medidas mais apropriadas para reduzir o bito

materno e toma-las como um desafio no encaminhamento de seu trabalho cotidiano.

Com base no que foi dito, o fenmeno da mortalidade materna alm de

um problema de sade pblica passa a configurar, na atualidade, uma questo de

violao dos direitos humanos a ser enfrentado por toda a sociedade.

26

4 METODOLOGIA

4.1 Tipo de estudo

Estudo descritivo de abordagem quantitativa e retrospectivo. De acordo

com richardson (1989), este tipo de pesquisa, caracteriza-se pelo emprego da

quantificao, tanto nas modalidades de coleta de informaes, quanto no

tratamento dessas atravs de tcnicas estatsticas, desde as mais simples at as

mais complexas. do tipo descritivo populacional, pois busca expor caractersticas

de determinada populao ou fenmeno, nesse caso os bitos maternos de um

determinado municpio e a relao entre variveis e os compara com dados de outra

populao ou, ento, compara dados da mesma populao em pocas diferentes

(TOBAR E YALOUR, 2001; GIL, 2002; ROUQUAYROL, 2013). ainda de carter

retrospectivo, abordando bitos em gestantes ocorridos nos ltimos cinco anos

anterior ao incio da pesquisa.

4.2 Cenrio do estudo

O estudo foi desenvolvido no municpio de fortaleza, Cear e em 2009

contava com uma populao estimada de um pouco mais de 2,5 milhes de

habitantes.

Em termos de cobertura da ateno bsica, os dados do DATASUS

informam que fortaleza considerada a terceira cidade do brasil com maior

cobertura do programa sade da famlia (psf), entre os municpios com mais de 1,5

milho de habitantes, atingindo 35% da populao da capital. A cidade conta

atualmente com 248 equipes completas, e fica atrs apenas de belo horizonte, com

75% da cobertura do psf, e recife, com 56%.

A pesquisa teve como principal foco a documentao proveniente dos

relatrios do comit de mortalidade materna do estado. Esse comit foi criado em

1993 e desde 2009 funciona em conjunto com os comits regionais e municipais de

preveno mortalidade materna como um meio de monitorar a questo dos bitos

em gestantes atravs de investigaes rigorosas e promovendo a discusso dos

casos clnicos em carter regular e permanente.

27

4.3 Amostra do estudo

A populao foi composta por todas as mulheres residentes em fortaleza,

que faleceram no perodo de 01 de janeiro de 2008 a 31 de dezembro de 2012, por

causas relacionadas gravidez, trabalho de parto, parto e puerprio, incluindo as

mortes acidentais ou incidentais (de causa no obsttrica, definio em anexo 5),

alm das causas que na declarao de bito (do) estejam classificadas no cdigo

internacional da doenas (CID) como bito materno.

4.4 Instrumento e coleta dos dados

Foi elaborado um instrumento de coleta de dados (apndice 1) com

perguntas fechadas sobre variveis de interesse relacionadas ao bito materno.

Esse questionrio foi preenchido a partir de dados do SIM (sistema de informao

de mortes), fichas de investigao de bito materno fornecidas pelo CMM de

fortaleza e pelas declaraes de bito mantidas no ncleo de vigilncia

epidemiolgica. Posteriormente, consolidamos as informaes e as transferimos

para uma planilha baseada no programa excel da microsoft corporation. A coleta dos

dados foi realizada pelo prprio autor.

4.5 Anlise dos dados

Os dados foram coletados e posteriormente analisados atravs do

programa estatstico IBM statistics spss verso 20.0. Utilizou-se estatstica descritiva

frequencial e percentual. Para a estatstica analtica, especificamente

entrecruzamentos categricos, utilizou-se teste qui-quadrado ou razo de

verossimilhana (quando as frequncias foram inferiores a 5), considerando

significncia estatstica < 0,05 (p-valor).

4.5.1 Dados socioeconmicos e demogrficos

O documento mais utilizado para coleta das variveis socioeconmicas foi

a declarao de bito (anexo 1) pela facilidade do acesso aos dados, agrupados em

28

uma s pgina e acessvel atravs do banco de dados do ncleo de vigilncia

epidemiolgica (NUVEPI) de fortaleza. No entanto, em alguns momentos recorremos

ficha sntese do bito materno (anexo 2) para completar alguma informao no

observada na do. Utilizamos o cdigo 99 para indicar ausncia de dado nas fontes

pesquisadas.

4.5.2 Dados clnico-epidemiolgicos

A coleta desses dados envolveu a busca em documentos com

informaes mais dispersas, como a ficha de investigao de bito materno e

atravs do carto da gestante (cpia), quando possvel.

O cdigo 99 tambm foi utilizado quando a informao sobre qualquer

das variveis citadas acima no foi localizada.

4.5.3 Indicadores

1- razo de mortalidade materna RMM - definido pela opas/oms

(2002) como o nmero de bitos femininos por causas maternas, por 100 mil

nascidos vivos, na populao residente em determinado espao geogrfico, no ano

considerado. Os valores da RMM definidos pelas organizaes internacionais para

sua classificao so: at 20 mortes por 100 mil nascidos vivos (nv) considerado

baixa; de 20 a 49, mdia; de 50 at 149, alta e a partir de 150, muito alta.

2- percentual de bitos com atendimento hospitalar composto a partir

da consolidao dos dados obtidos com o item 20 da do, no qual consta o local de

ocorrncia do bito.

3- percentual de bitos com consulta de pr-natal adequado,

segundo o ndice de Kotelchuck modificado (IKM) que avalia os resultados e os

agrupa em quatro situaes (LEAL, 2004):

Grupo 1: mulheres que no fizeram o pr-natal (PN);

29

Grupo 2: classifica o PN como inadequado e inclui as mulheres que

realizaram menos da metade das consultas esperadas para a idade gestacional ou

que iniciaram o PN depois do 4 ms;

Grupo 3:nesse caso, o PN dito intermedirio e engloba as que o

iniciaram at o 4 ms e realizaram entre 50 a 79 % das consultas esperadas;

Grupo 4:classifica o PN como adequado e inclui aquele iniciado at o 4

ms e em que aconteceu entre 80 a 109 % das consultas esperadas;

Grupo 5:para a gestantes que tiveram um percentual de consultas igual

ou superior a 110 % do esperado para a idade gestacional e iniciaram o PN at o 4

ms.

O calculo do IKM (baseado em Kotelchuck, 1994) descrito em primeiro,

descobrir com quantos meses a gestante iniciou o PN; segundo, calcular a idade

gestacional (ig), em meses, no momento da ltima consulta do PN, usando como

base a data da ltima menstruao (dum) ou o estimado pelo ultrassom obsttrico;

terceiro, estimar o nmero de consultas esperadas levando em conta incio do PN e

a ig em meses, de acordo com a tabela da associao americana de ginecologia e

obstetrcia; finalmente, divido o nmero real observado de consultas do PN pelo

nmero esperado e multiplique por 100. Assim encontramos um valor percentual

que, junto com os passos anteriores, enquadrar o PN em qualquer um dos cinco

grupos descritos acima, sendo considerado adequado e mais que adequado os que

pertencerem aos grupos 4 e 5, respectivamente.

4.5.4 Percentual de bitos por causas evitveis

Calculado pela diviso do nmero de gestantes em que o CMM avaliou a

causa do bito como evitvel, dividido pelo total de bitos e o resultado multiplicado

por 100.

30

4.6 Aspectos ticos e legais da pesquisa

O presente projeto de pesquisa, foi submetido ao comit de tica em pesquisa

do universidade estadual do cear e aprovado sob o nmero 476.496, conforme

resoluo 466/12 do conep/ministrio da sade obtendo aprovao sem restries,

de acordo com parecer 476496 (anexo 4).

31

5 RESULTADOS

De acordo com somatrio dos dados das fichas-resumo de

monitoramento da mortalidade materna (anexo 3) arquivadas no CMM de fortaleza,

entre 2008 e 2012 morreram 139 mulheres residentes neste municpio e que se

encontravam no perodo de gravidez, parto ou puerprio. Atravs de uma pesquisa

baseada no nmero da do, foram excludos 3 casos, 1 por no se tratar de bito de

mulher no ciclo gravdico-puerperal e 2 por no residirem em fortaleza, o que reduziu

o total de bitos para 136. de conhecimento pblico que uma parte das mulheres

vem capital para atendimento em hospitais de referncia se estabelecem

provisoriamente na casa de parentes, informando o endereo destes como se fosse

da sua residncia. Uma vez alimentado o sistema, que tem prazo para divulgao,

muitas vezes no h tempo para correo do dado, erro que s averiguado aps a

investigao no domiclio. Esse foi um dos principais motivos para a pequena

diferena nos nmeros informados no sistema de informao de mortalidade e o do

presente estudo.

5.1 Perfil socioeconmico e demogrfico

Para caracterizar o perfil socioeconmico das gestantes que faleceram no

quinqunio de estudo, foram selecionadas algumas variveis para anlise que esto

agrupadas na tabela 1. Comeando pela distribuio da faixa etria, observou-se

que mais de um tero dos bitos ocorreu em uma idade considerada de risco para

engravidar, ou seja, na adolescncia e nas com mais de 34 anos. Esse grupo

representa, em termos absolutos, um nmero menor das mulheres que engravidam,

portanto, consideramos o percentual encontrado nessa faixa etria como

proporcionalmente elevado. Feito essa ressalva, percebe-se que o percentual maior

de bitos (65,4 %) foi encontrado naquela faixa etria considerada ideal para parir,

ou seja, fora dos extremos que envolvem maior risco.

Em relao raa e a situao conjugal, foi encontrado que em fortaleza

mais de 70 % das gestantes que foram bito classificadas como parda ou negra e

32

ao todo, 61 % delas encontravam-se solteiras, porm sem diferenciar quantas

destas tinham unio estvel com o parceiro.

Quanto escolaridade, foi encontrado um percentual de 56 % de

gestantes com menos de 8 anos de estudo, isto , que no chegaram a terminar o

nvel mdio de ensino, nmero que certamente foi subestimado devido falta de

registro dessa varivel em 25 % dos casos. Pelo quantitativo de gestantes que

exerciam profisso com exigncia obrigatria do nvel superior no chegando a 3 %

do total (uma enfermeira uma veterinria, uma professora e uma promotora de

justia), refora a percepo do baixo nvel de escolaridade nesse grupo de estudo.

No foi possvel incluir a varivel socioeconmica relacionada renda

porque, na maior parte das vezes, o registro no foi encontrado nas fontes

pesquisadas. Esse fato deixa uma lacuna importante para estudos de caracterizao

epidemiolgica das gestantes que evoluem para o bito em fortaleza, uma vez que

tal dado pode indicar se a baixa renda est contribuindo de alguma forma para o

desfecho desfavorvel das mulheres que decidem por engravidar.

Tabela 1 distribuio dos dados acerca do perfil epidemiolgico das mulheres que faleceram no perodo de 2008 2012 em fortaleza

. Varivel N %

Faixa etria

12-19 anos 16 11,8

20-34 anos 89 65,4

35 anos 31 22,8

Total 136 100

Estado civil N %

Casada 30 22

Solteira 83 61

Separada 3 2

Viva 1 1

Sem dados 19 14

Total 136 100

Raa N %

Parda 93 68,4

Branca 31 22,8

Preta 6 4,4

Sem dados 6 4,4

Total 136 100

Escolaridade N %

33

Nenhuma 3 2,2

Fundamental incompleto 41 30

Fundamental completo 21 15,4

Mdio incompleto 12 9

Mdio completo 20 14,7

Superior 5 3,7

Sem dados 34 25

Total 136 100

Ocupao N %

No trabalha 63 46,3

Trabalha fora de casa 51 37,5

Sem dados 22 16,2

Total 136 100

Varivel N %

Faixa etria

12-19 anos 16 11,8

20-34 anos 89 65,4

35 anos 31 22,8

Total 136 100

Estado civil N %

Casada 30 22

Solteira 83 61

Separada 3 2

Viva 1 1

Sem dados 19 14

Total 136 100

Raa N %

Parda 93 68,4

Branca 31 22,8

Preta 6 4,4

Sem dados 6 4,4

Total 136 100

Escolaridade N %

Nenhuma 3 2,2

Fundamental incompleto 41 30

Fundamental completo 21 15,4

Mdio incompleto 12 9

Mdio completo 20 14,7

Superior 5 3,7

Sem dados 34 25

Total 136 100

Ocupao N %

No trabalha 63 46,3

Trabalha fora de casa 51 37,5

34

Sem dados 22 16,2

Total 136 100

O grfico 1 mostra que as regionais que mais registraram fatalidades, ser

v e vi, somadas responderam por 52 % dos bitos (71 de 136) no perodo. So duas

das regionais com os menores ndices de desenvolvimento humano, demonstrando

que os bitos so provenientes das regies mais pobres da capital, o que ficou bem

demonstrado pela concentrao espacial dos bitos em apenas 16 bairros, quase

todos de baixa renda, e que acumularam em torno da metade das mortes no perodo

de estudo.

Grfico 1 - distribuio dos bitos entre 2008-2012, segundo a regional de

residncia

Em termos de local de ocorrncia do bito materno no perodo de estudo,

houve uma prevalncia maior nos hospitais pblicos onde ocorreram 2/3 dos

eventos (tabela 2). O fato era esperado uma vez que a grande maioria da populao

depende do atendimento pelo sus, e mesmo nas usurias de plano de sade, devido

complexidade do caso, as vezes so direcionadas para uma unidade pblica de

nvel tercirio. Pelos motivos citados a concentrao maior dos bitos se deu em

quatro hospitais pblicos de grande porte: MEAC (28 casos), Csar Carls (17 casos),

HGF (15 casos) e IJF (11 casos), juntos somando 52 % do total. Logo a seguir,

aparece outro hospital pblico, o So Jos, especializado em doenas infecciosas e

35

onde faleceram 8 % dos casos, denunciando o peso que as patologias dessa

natureza tm como causa de bito nas gestantes. Os hospitais privados e

conveniados foram o destino de internamento para 17,5 % das mulheres que

posteriormente morreram em consequncia gravidez, parto ou puerprio. Chama a

ateno a ocorrncia de dez mortes no domiclio, outra em via pblica e duas em

outros estabelecimentos, por homicdio. Isso significa que treze gestantes morreram

sem atendimento hospitalar o que demonstra a dificuldade de acesso aos servios

de sade e a violncia como dois importantes fatores condicionantes ou

determinantes desses bitos.

Tabela 2 - distribuio do percentual de bitos entre 2008-2012, segundo local de ocorrncia

Local de ocorrncia N %

Hospitais pblicos 98 72,6

Hospitais conveniados com o sus 13 9,6

Fora de hospitais 13 9,6

Hospitais privados 11 8,2

Total 135* 100

*no foi possvel identificar o local de ocorrncia do bito em somente um

caso

5.2 Perfil clnico-epidemiolgico

Para compor tal perfil, foram utilizados dados da ficha de investigao

hopitalar de bitos, quando existente, ou da ficha sntese que consta no anexo 2,

ambas arquivadas em pronturios no CMM.

Atravs da anlise da tabela 3, percebe-se que as mulheres mais

expostas a riscos gestacionais, isto , as primparas e as grande multparas, juntas,

atingem praticamente o mesmo nmero das multparas dentro dos cinco anos do

estudo, excluindo-se do clculo os casos sem qualquer registro. J as gestante que

engravidaram antes de dois anos da ltima gestao, excludas as primparas e

aquelas sem a informao em pronturio, correspondeu a pouco mais de 15 %

desse subtotal (6 de 39). Portanto, no nosso estudo, a maioria das gestantes que

36

faleceram no possuam risco aumentado em relao essas variveis. de

relevncia observar que houve perda de dados em quase 30 % dos casos no que se

refere paridade e em quase metade das vezes quando se investigou o intervalo

interpartal o que dificultou a anlise dos resultados.

Tabela 3 - situao das gestantes que faleceram entre 2008-2012, em relao ao nmero de gestaes e o intervalo entre a gravidez que resultou em bito materno e a gestao anterior

Paridade N %

Primpara 32 23,5

Multpara (2-4 gestaes) 49 36

Grande multpara (5 ou mais gestaes) 15 11

Sem dados 40 29,5

Total 136 100

Intervalo do ltimo parto N %

Menos de 2 anos 6 4,4

2-5 anos 20 14,7

Mais de 5 anos 13 9,6

Sem dados 65 47,8

No se aplica (primpara) 32 23,5

Total 136 100

Falha importante no preenchimento tambm foi verificado no tocante a

outros dados do pr-natal. No grfico 2, oi visto que em 52 casos, ou em 38 % do

total, no foi possvel saber quando as mulheres iniciaram o mesmo. Do restante,

isto , quando a informao existiu, apenas 38 % iniciaram o pr-natal no primeiro

trimestre (32 de 84), como preconizado pelo ministrio da sade (ms) e em 26 %

das vezes (22 de 84) o pr-natal no foi realizado, o que aponta falhas graves no

nvel de ateno primria sade.

37

Grfico 2 - distribuio dos bito entre 2008-2012, segundo a poca de incio

do PN

Na tabela 4 resumimos outros achados relevantes em relao ao pr-

natal. Avaliando o nmero de consultas realizadasl, em 51 pronturios, ou 37,5 % do

total, esse dado no foi encontrado. Do restante, aproximadamente 29 % das

gestantes (25 de 85) fizeram pelo menos seis consultas, ou seja, o mnimo

atualmente recomendado pelo ms. Quando excludas as 45 gestantes em que o

dado estava indisponvel e outras 22 que no fizeram o pr-natal, como est exposto

na tabela abaixo, observamos que em 90 % das vezes houve pelo menos um

registro de alguma intercorrncia durante o pr-natal. Isso mostra a importncia de

um profissional da ateno bsica atento para intervir oportunamente evitando

complicaes ao binmio me-filho, que eventualmente possa surgir em decorrncia

destas intercorrncias.

Ainda na tabela 4, tem-se uma viso geral de como o CMM avaliou o pr-

natal ofertado s gestantes. Nas gestantes que chegaram a iniciar o pr-natal e que

tiveram sua avaliao anotada, observa-se o predomnio da inadequao, nesse

caso 31 % do total contra 21 % dos julgados como adequados. Alm de termos

quase metade dos casos considerados inconclusivos em decorrncia de falhas nos

registros por parte do nvel primrio ou secundrio de ateno sade, infelizmente

ainda houve um percentual alto de casos de omisso pelo prprio comit do seu

parecer, o que tambm prejudicou a anlise da varivel.

38

Tabela 4 - situao do pr-natal das gestantes que faleceram entre 2008-2012, em relao ao nmero de consultas, notificao de intercorrncias e a adequabilidade de acordo com parecer do CMM de fortaleza

N de consultas do PN N

%

De 1-5

38 28

6 ou mais 2

5 18

No se aplica (no fez pr-natal) 2

2 16

Sem dados 5

1 38

Total 1

36 100

Intercorrncias no PN N

%

Pelo menos uma registrada 6

2 46

Nenhuma registrada 7 5

No se aplica (no fez pr-natal) 2

2 16

Sem dados 4

5 33

Total 1

36 100

Avaliao do PN N

%

Adequado 1

4 10

Inadequado 2

1 16

Inconclusivo 3

0 22

No se aplica (no fez pr-natal) 2

3 17

Sem dados 4

8 35

Total 1

36 100

Para o auxlio da anlise do bito materno em si, atravs de suas causas,

foram encontrados 51 diagnsticos firmados pela do e selecionadas segundo um

programa para correo da causa bsica e em seguida agrupadas pelo captulo do

CID 10, como mostrado na tabela 5. Destaca-se que o maior nmero de fatalidades

se deu em consequncia doena hipertensiva especfica da gestao (dheg).

Assim, a pr-eclmpsia ou sua evoluo para eclmpsia respondeu por 19% das

mortes no perodo de estudo, seguido pelas doenas do aparelho circulatrio.

Chama a ateno o quantitativo de causas externas colocando os homicdios e os

suicdios como terceira causa mais comum de bito. Lembramos que estas causas

ditas aCIDentais e as tardias, isto , que ocorreram aps 42 dias do parto, no so

consideradas morte materna, ficando de fora do clculo da RMM.

39

Outro fato relevante foi algumas doenas infecciosas aparecem nessa

lista, entre elas a dengue (2 casos), infeco das vias urinrias (5 casos), doena

pelo vrus hiv (3 casos), calazar, meningite bacteriana e tuberculose com um caso

cada, e curiosamente todas com tratamento disponvel pelo sus, assim como o

diabetes mellitus que teve dois registros.

Tabela 5 - nmero de bitos entre 2008-2012, segundo a classificao por captulo do CID 10 baseado na causa base.

Como observado na tabela 6, o predomnio foi de bitos por causa

obsttrica direta que so aqueles com maior potencial de preveno atravs de

aes que em tese deveriam ter incio na ateno primria, durante o

acompanhamento no pr-natal. Percebe-se ainda na mesma tabela, que 15 % dos

bitos ocorreram aps os 42 dias do parto, no chamado puerprio tardio, perodo em

que j deveria ter havido um contato dessa mulher com a equipe de sade da

ateno bsica, mais uma vez expondo falhas nesse nvel de ateno sade em

fortaleza.

Captulo do CID 10 N %

I: a00-b99_ algumas doenas infecciosas e parasitrias 15 11

Ii: c00-d48_ neoplasias 8 6

V: f00-f99_ transtornos mentais e comportamentais 1 1

Ix: i00-i99:_doenas do aparelho circulatrio 19 14

X: j00-j99_ doenas do aparelho respiratrio 5 4

Xi: k00-k93_ doenas do aparelho digestivo 1 1

Xv_ gravidez, parto e puerprio

O00-o08: gravidez que termina em aborto 6 4

O10-o16: edema, proteinria e transtornos hipertensivos na gravidez, parto

e puerprio 26 19

O20-o29: outros transtornos maternos relacionados predominantemente

com a gravidez 11 8

O30-o48: assistncia prestada me por motivos ligados ao feto e

cavidade amnitica 3 2

O60-o75: complicaes do trabalho de parto e do parto 8 6

O85-o92: complicaes relacionadas predominantemente com o puerprio 8 6

O95-099: outras afeces obsttricas no classificadas em outra parte 8 6

Xix e xx: s,t, v,w, x, y_ causas externas 17 12

40

Tabela 6 - distribuio dos bitos entre 2008-2012, segundo a classificao pelo tipo de ocorrncia

Tipo de bito N %

Obsttrico direto 61 45

Obsttrico indireto 38 28

Tardio 20 15

No obsttrico 17 12

Total 136 100

Pelo exposto na tabela 7, percebe-se que, quando excludos os dados

perdidos, 54 % dos bitos ocorreram no perodo do puerprio imediato, fase em que

a mulher est exposta a risco de sangramento, infeces e outras complicaes.

Naquelas mulheres que chegaram a parir, a cesariana foi duas vezes mais comum

que o parto normal, o que est de acordo com os altos ndices de parto cirrgico no

nosso meio, sendo o Brasil o segundo pas recordista em cesarianas no mundo.

Tabela 7- nmero de partos entre as gestantes que faleceram entre 2008-2012, de acordo com o momento de sua ocorrncia e a via de resoluo do parto

Momento do bito N %

Puerprio imediato 69 51

Durante a gestao 38 28

Puerprio tardio 19 14

Sem dados 10 7

Total 136 100

Tipo de parto N %

Cesariano 52 38

No houve parto 37 27

Vaginal 26 19

Sem dados 21 16

Total 136 100

5.3 Indicadores do bito materno

Entre 2008 e 2009 foi observado uma reduo significativa na RMM

(tabela 8) explicado, em parte, por uma queda no nmero absoluto das mortes ditas

maternas, uma vez que a no entra no clculo as mortes aCIDentais, bem como as

que ocorreram aps 42 dias do parto (ambas somando 6 casos em 2009). Essa

diferena s no foi maior porque a quantidade de nasCIDos vivos tambm diminuiu

41

de um ano para o outro. No entanto, a partir de 2009, a RMM vem apresentando

uma curva ascendente, assinalando uma piora progressiva desse indicador desde

ento.

Tabela 8 distribuio da razo de mortalidade materna em fortaleza entre 2008 e 2012

Ano 2008 2009 2010 2011 2012

N absoluto de bitos

maternos* 22 13 18 21 25

Nascidos vivos no ano

* 38052 37212 36299 37051 37440

RMM em fortaleza 57,8 34,9 49,5 56,6 66,7

Ano 2008 2009 2010 2011 2012

N absoluto de bitos

maternos* 22 13 18 21 25

Nascidos vivos no

ano * 38052 37212 36299 37051 37440

RMM em fortaleza 57,8 34,9

49,

5

56,

6

66,

7

*fonte: secretaria de sade de fortaleza/CMM

Com respeito proporo de bitos com atendimento hospitalar,

indicador que est relacionado com o grau de acesso ao nvel secundrio de

ateno sade, pode-se observar no grfico 3, que apenas em 2011 todos os

bitos ocorreram dentro de um hospital. O menor percentual ocorreu em 2008 e a

mdia do quinqunio foi de 90 %. Qualquer bito ocorrido fora de ambiente

hospitalar deve trazer a reflexo sobre qual nvel de ateno as grvidas esto

enfrentando barreiras na busca por um atendimento mdico oportuno para evitar a

morte materna.

42

Grfico 3 - distribuio dos bitos maternos que receberam atendimento hospitalar entre 2008-2012

Para clculo do percentual de gestantes ou purperas que tiveram seu

pr-natal avaliados como adequado, como ilustrado pelo grfico 4, optamos pelo

ndice de Kotelchuck modificado (IKM), j validado e utilizado em outros trabalhos

brasileiros. Por falta de dados, s foi possvel o clculo ser aplicado aos dois ltimos

anos da pesquisa, quando as perdas no foram to significativas: 8 % dos casos

em 2011 e 12 % em 2012, ou 10 % em mdia. Dos 58 pr-natais analisados, apenas

um foi avaliado como mais que adequado (grupo 5), o que corresponde a menos de

2 % do total. Aqueles considerados adequados (grupo 4) foram somente cinco casos

ou 8,6 %, enquanto os inadequados (grupo 2) somaram 23 casos, ou 39,6 % do

todo. Do restante, 24 % esto no grupo 3 (pr-natal intermedirio) e 15 % no

fizeram nenhuma consulta (grupo 1).

43

Grfico 4 - classificao da adequabilidade do PN ofertada s gestantes que foram a bito entre 2008-2012, de acordo com o ndice de Kotelchuck modificado

Na tabela 9 fica em evidncia que, dos bitos analisados pelo CMM de

fortaleza, excludos os 35 casos sem dados, cerca de 18 % deles foram

classificados como inevitveis e, portanto, em 82 % das vezes, o bito foi

considerado evitvel ou provavelmente evitvel se tomadas as medidas cabveis.

Merece destaque que o comit omitiu seu parecer em cerca de um quarto do total

dos bitos por falta de dados para embasamento do mesmo.

Tabela 9 - grau de evitabilidade dos bitos ocorridos entre 2008-2012 segundo julgamento do CMM

Evitabilidade do bito N %

Evitvel 53 39

Provavelmente evitvel 30 22

Provavelmente inevitvel 18 13

Sem dados 35 26

Total 136 100

Pela anlise da tabela 10, possvel concluir que as nicas variveis

entre as caractersticas clnicas estudadas onde houve alguma relao com

significncia estatstica com a evitabilidade do bito materno, foram o incio do PN, a

adequabilidade do mesmo e o momento que a mulher foi bito (razo de

44

verossimilhana destacada em vermelho). Outras variveis que no esto

representadas na referida tabela, como as caracterstica socioeconmicas e

demogrficas, alm do local do falecimento, foram testadas e no demonstraram

relao estatstica com o julgamento do CMM em termos do bito ser evitvel.

Tabela 10 - cruzamento de dados entre as caractersticas clnicas das gestantes que foram a bito e a

evitabilidade dos mesmos, segundo o julgamento do CMM de fortaleza

Evitabilidade

Caractersticas clnicas

Provavelmente evitvel

Evitvel Inevitvel Provavelmente

inevitvel P-valor*

F % F % F % F %

Incio do pr natal

No fez 1 7,7% 9 69,2% 1 7,7% 2 15,4%

0,013 1 trimestre 9 33,3% 11 40,7% 2 7,4% 5 18,5%

2 trimestre 9 31,0% 15 51,7% 2 6,9% 3 10,3%

3 trimestre 2 100,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0%

Pr-natal adequado?

Sim 2 15,4% 5 38,5% 1 7,7% 5 38,5%

0,000 No 8 36,4% 14 63,6% 0 0,0% 0 0,0%

Inconclusivo 12 42,9% 11 39,3% 1 3,6% 4 14,3%

No fez 1 7,7% 9 69,2% 1 7,7% 2 15,4%

Tipo de parto

Normal 8 38,1% 11 52,4% 2 9,5% 0 0,0%

0,061

Cesariana 13 31,0% 18 42,9% 3 7,1% 8 19,0%

No houve parto 6 31,6% 9 47,4% 0 0,0% 4 21,1%

Cesariana (ps mortem) 1

33,3% 2

66,7% 0

0,0% 0

0,0%

Normal domiciliar 0 0,0% 1 100,0% 0 0,0% 0 0,0%

Vaginal (abortamento) 0

0,0% 2

100,0% 0

0,0% 0

0,0%

Momento do bito

Durante a gestao 8 36,4% 10 45,5% 0 0,0% 4 18,2%

0,004 Puerprio imediato 18 29,5% 34 55,7% 3 4,9% 6 9,8%

Puerprio tardio 5 35,7% 4 28,6% 3 21,4% 2 14,3%

Intervalo do ltimo parto

< 2 anos 2 33,3% 3 50,0% 1 16,7% 0 0,0%

0,091 2 a 5 anos 4 22,2% 8 44,4% 2 11,1% 4 22,2%

> 5 anos 6 50,0% 6 50,0% 0 0,0% 0 0,0%

No teve parto anterior 5

20,8% 16

66,7% 0

0,0% 3

12,5%

* razo de verossimilhana

45

6 DISCUSSO

Um aspecto que merece destaque diz respeito alta prevalncia das

causas obsttricas diretas nos bitos maternos de fortaleza, que no nosso estudo

ficou em torno de 61 % de um total de 99 casos, excludo as mortes tardias e no

obsttricas. O fato se torna relevante porque entende-se que as causas diretas so

mais fceis de serem prevenidas do que os bitos obsttricos indiretos, onde existe

uma doena pr-existente que agravada pela condio de sobrecarga gerada pela

gravidez. Em pases desenvolvidos, o predomnio das causas obsttricas indiretas

(MAJHI; MONDAL; MUKHERJEE, 2001). A maior ocorrncia de bitos por causas

maternas diretas aqui encontradas, portanto, depe contra a qualidade da

assistncia obsttrica ofertada.

Para santos (2005), a identificao da causa do bito materno de valia

para situar em que ponto da assistncia sade da mulher ocorreu falhas.

Enquanto a doena hipertensiva especfica da gravidez (DEHG), como causa de

morte, denunciaria uma possvel falha na conduo do pr-natal e o abortamento

situaria o problema em nvel de planejamento familiar, as complicaes

hemorrgicas e infeces apontariam problemas na assistncia ao parto, ao

puerprio e estrutura hospitalar. Em nosso estudo, a pr-eclmpsia e sua vertente

mais grave, a eclampsia, foi a patologia que mais levou ao bito no ciclo gravdico-

puerperal, o que no surpresa uma vez que os ltimos informes no estado

(CEAR, 2013) indicam a mesma causa como a de maior frequncia nas

declaraes de bito, realidade que no muda desde a dcada de 80 em todo o

brasil (ALVES, 2008). O clculo da mdia da RMM especfica no para pr-

eclmpsia/eclampsia nos cinco anos do estudo ficou em torno de 11 por 100 mil nv,

cifra semelhante ao encontrado por soares (2009) em estado do sul.

Outra constatao digna de nota foi a soma dos acidentes de trnsito,

homicdios e os suicdios resultarem na terceira causa mais comum de bito nas

gestantes de fortaleza. Apesar de no entrarem no clculo da RMM, por

caracterizarem bito no obsttrico, os valores observados so um indcio objetivo

de que a violncia urbana e questes relacionadas sade mental so temas que

necessitam prioridade nas aes voltadas sade da mulher na capital.

46

Uma situao inusitada foi a notificao de cinco casos de infeco das

vias urinrias como causa bsica de bito materno na do. Os efeitos deletrios

dessa patologia sobre o binmio me-filho j so bastantes conhecidas, mesmo

quando no provocam sintomas e o seu tratamento faz parte das diretrizes e

recomendaes do ministrio da sade para a ateno bsica (BRASIL, 2012).

Constatou-se, durante a coleta de dados do estudo, que a disria foi um evento

comum durante o pr-natal, pelo menos quando foi possvel ter acesso s anotaes

das intercorrncias. Alm disso, as cinco gestantes que tiveram uma infeco

urinria como desencadeador da cadeia de eventos que levaram ao desfecho fatal

leva a crer que houve falha na conduta de alguns desses casos. Infelizmente, uma

minoria das gestantes teve uma cpia do carto do pr-natal anexado no pronturio

do CMM. Desse modo, ficou inviabilizado conhecer a magnitude real desse

problema como um dos fatores condicionantes ou determinantes do bito materno.

Algumas outras patologias como o calazar, a meningite bacteriana, a

tuberculose, entre outras, so doenas infecciosas que ainda fazem parte da

estatstica de obiturio das gestantes em fortaleza, fato pouco frequente nas

grandes cidades dos estados do sul e sudeste (CARRENO, 2012; MATIAS, 2009).

Questiona-se a fragilidade do sistema de sade municipal que aparenta no ter se

configurado ainda como uma verdadeira rede de ateno sade, carecendo de

uma definio do fluxo de encaminhamento frente a suspeita de tais doenas.

Em contrapartida, notificou-se apenas um bito por hemorragia no ps-

parto, um por placenta prvia e outro por descolamento de placenta, exemplos de

condies que, em conjunto, so citadas em diversos trabalhos como comumente

associadas ao bito materno (VICTORA, 2011; TRONCON, 2013). Segundo Souza

e colaboradores (2013), a mortalidade materna por hemorragia vem mantendo-se

elevada no Brasil e o nmero encontrado na nossa pesquisa pode estar

subestimado devido alguns a considerarem um sintoma ao invs de uma causa de

morte.

Com respeito s gestantes falecidas em decorrncia do HIV, em fortaleza

foram registrados trs bitos no perodo de estudo, o que correspondeu a 3 % do

total das causas obsttricas, percentual prximo do encontrado no pas em 2007,

segundo dados fornecido pelo DATASUS (VICTORA, 2001). possvel que o valor

tambm esteja subestimado, uma vez que pesquisas indicam vrios fatores que

induzem sua subnotificao (BONCIANI; SPINK, 2003).

47

Em estudo conduzido por Albuquerque e colaboradores (1998), quase um

tero das gestantes que foram a bito tinham uma patologia associada e em

algumas delas a possibilidade de engravidar deveria ter sido, no mnimo, bastante

discutida. Acredita-se que uma parte dos bitos em nossas gestantes relacionados

s doenas cardiovasculares poderia ter sido prevenida atravs de estratgias

voltadas para orientao no sentido de evitar a gravidez de risco.

Outros dados clnico-epidemiolgicos que so considerados facilitadores

do bito materno so o intervalo entre os partos menor que dois anos e o incio

tardio do PN, ambas objetos desta pesquisa. Apesar de lacunas na coleta dos dados

ter dificultado a interpretao das informaes, percebeu-se que em muitos casos

houve demora na captao da gestante para incio do PN. Alm disso, ocorreu falha

no planejamento familiar em assegurar um adequado intervalo interpartal, o que

denuncia deficincias na assistncia prestada em nvel da ateno primria.

Com relao aos riscos advindos do parto abdominal, que j so bem

conhecidos, tem-se observado que o brasil detm uma das maiores taxas de

cesrea do planeta, chegando a atingir uma mdia de 40 %, nmero bem acima do

esperado pela oms que aceita um percentual de at 15 % como adequado (haddad

e cecatti, 2011). Em nossa casustica, dois teros dos partos ocorridos, excludas as

perdas, resultaram em parto cesariano. A literatura cientfica concorda que o

procedimento acarreta risco relativo maior para morte materna e est associada

complicaes hemorrgicas, infecciosas, embolia pulmonar e acidentes anestsicos

(cecatti e caldern, 2005). Assim, como afirmam haddad e cecatti (2011) em relao

ao pas como um todo, fortaleza necessita reduzir o nmero de cesarianas

desnecessrias como uma das estratgias para melhorar seus indicadores

maternos.

De acordo com leite e colaboradores (2011), a no realizao do PN e um

nmero reduzido de consultas tem forte relao com o risco de morte. O ministrio

da sade recomenda, embasado em estudos com bom nvel de evidncias (VILAR,

2001), pelo menos seis atendimentos. Uma dissertao que pesquisou o bito

materno em hospital tercirio de fortaleza encontrou que quase 70 % das gestantes

tinham um nmero inferior a seis consultas de PN (CARVALHO, 2006), resultado

semelhante ao de recife (ALBUQUERQUE, 1998). No presente estudo, 26 % das

mulheres no chegaram a iniciar o PN e das que o fizeram, 61 % no atingiram o

nmero mnimo de consultas preconizadas, o que est de acordo com as pesquisas

48

citadas. Porm, Moura e colaboradores (2007), para a anlise da qualidade do PN,

um dos objetivos dessa pesquisa, precisa-se de mais elementos alm do nmero de

consultas j que quando o bito ocorre em idade gestacional precoce esse dado,

isoladamente, no diz nada. Portanto, buscou-se um ndice que combinasse outros

parmetros como, por exemplo, a poca de incio do PN.

Para uma avaliao mais abalizada dos servios, o clssico estudo de

Donabedian (1988) utiliza anlise da estrutura, do processo e do resultado, sendo o

segundo item aquele que melhor investiga o contedo da ateno prestada. Com a

inteno de encontrar alguma possvel relao entre o bito e a precariedade do PN,

optou-se pelo ndice de Kotelchuck modificado (IKM). Dentre os vrios indicadores

utilizados para esse fim, como o ndice de Kessner, Gindex, Apncu, entre outros

(COIMBRA, 2003), o IKM foi escolhido por j ter sido validado em nosso meio, pela

facilidade na sua aplicao (LEAL, 2004), e por combinar outros fatores alm do

nmero de consultas, como comentado anteriormente. Por esse parmetro, os dois

ltimos anos do estudo tiveram quase 40 % dos pr-natais classificados como

inadequados e apenas 34,5 % deles foram iniciados at a 14 semana de gestao,

percentual semelhante ao de cidades to dspares quanto Caxias do Sul-RS e

Quixad-CE (ROCHA E SILVA, 2012).

Mesmo utilizando de uma metodologia prpria, o CMM de fortaleza julgou

inadequado, na maioria das vezes em que houve o parecer, os PN ofertados s

mulheres que posteriormente faleceram durante o parto ou puerprio. Esses

achados reforam a hiptese de que para melhorar os indicadores de sade

materna precisamos investir na ampliao e qualificao da ateno bsica do

municpio. importante reafirmar a importncia dos profissionais da ateno

primria estarem atentos para a investigao minuciosa dos bitos e em parceria

com o CMM minorar os sub-registros, razo de terem sido excludos os anos de

2008 a 2010 para clculo do IKM.

Ainda com vistas a contribuir para a anlise dos servios ofertados s

gestantes, buscou-se quantos dos bitos em fortaleza foram julgados pelo CMM

como evitveis. Dos 101 casos onde houve registro desse dado, 82 % foram

classificados dessa forma, valor inferior ao encontrado por Guanabara (2010) em

hospital tercirio da capital entre 2004 e 2008. Para Parpnelli (2000), o mtodo de

mortalidade evitvel pode ser aplicado para estabelecer comparao dos cuidados

de sade entre distintos servios, em relao a distintos perodos de tempo e entre

49

diferentes classes socioeconmicas. O mesmo autor, em concordncia com

Figueiredo (2006) coloca que, em pelo menos 50 % das vezes, o bito redutvel

com medidas de complexidade variada e Borges (2000) salienta que a assistncia

eficaz e oportuna que faz a morte ser evitvel. O valor encontrado em fortaleza pode

ser considerado um indicativo de baixa efetividade do sistema municipal para a

questo da preveno do bito materno. Seriam interessantes mais estudos para

comparar se aqui se repete a situao citada por Silveira, santos e costa (2001)

onde as gestantes de maior risco so as que recebem a maior proporo de pr-

natais classificados como inadequados, um exemplo claro da lei do cuidado inverso

sade (Hart, 1971). Almeida e barros (2005) confirmam essa situao de

desigualdade que parece ser a regra em nosso meio.

Finalmente, reportando-se aos dados de cunho socioeconmico,

importante mencionar que eles foram descritos para demonstrar um padro de

vulnerabilidade para complicaes na populao estudada, como demonstrado no

trabalho de reviso de Viana, Novaes e Caldern (2011). Os extremos da idade, por

exemplo, apresentam maior risco para o bito materno e o presente trabalho

mostrou que 35 % dos casos em fortaleza estavam nas faixas extremas da fase

reprodutiva, o que ficou prximo do encontrado no estado do Cear (41 %) em

estudo conduzido por igual perodo de tempo (Moura, 2007). Conclui-se que, em

nosso meio, o planejamento familiar tem careCIDo de maior efetividade para

amenizar os riscos materno-fetais relacionados idade em que as mulheres

engravidam.

Encontrou-se nessa pesquisa uma elevada prevalncia de mulheres no

brancas, solteiras e com baixa escolaridade. Em estudo realizado na Paraba

(marinho e paz, 2010), a raa negra, a baixa renda e a condio de solteira estavam

relacionadas a uma maior RMM. Os mesmos autores ainda observaram que o

acesso a uma melhor assistncia mdica foi maior entre as mulheres com nvel

secundrio ou superior o que influenciou na associao positiva entre baixa

escolaridade e morte materna. Apesar de no ter sido possvel cruzar os dados, o

perfil das mulheres delineado em nossa pesquisa mais um indicativo do carter de

iniquidade relacionado alta RMM encontrado em fortaleza.

Almeida e barros (2005) resumem outros trabalhos que analisaram os

indicadores de cuidados pr-natais utilizando variveis socioeconmicas e

mostraram que quanto menor o nvel de renda, mais baixo o desempenho da

50

assistncia sade. Dessa forma, o desamparo social um dos fatores

determinantes no bito materno. Pretendeu-se investigar se em fortaleza existia um

padro semelhante, porm devido escassez de informao sobre a renda das

gestantes nos documentos pesquisados, deCIDimos por excluir essa varivel do

nosso estudo.

Apesar da ausncia de informaes relacionadas renda, dados

demogrficos levantados na presente pesquisa mostraram que os bitos em

gestantes esto concentrados nos bairros mais pobres da capital. Segundo o

relatrio das naes unidas State of the World Cities 2010/2011: Bridging the Urban

Divide, fortaleza figura-se como a quinta CIDade mais desigual no mundo. A m

distribuio de renda se reflete espacialmente na ocupao dos bairros e isso deve

ser levado em considerao quando se pretende organizar servios de sade

baseado nas necessidades locais e que atenda a um dos princpios fundamentais do

sus que o da equidade.

51

7 CONSIDERAES FINAIS

Apesar dos acordos e convenes internacionais firmados pelo governo

federal e de contarmos com marcos jurdicos para a promoo e defesa da sade da

mulher, as taxas de mortalidade materna continuam altas na maior parte do pas,

no sendo diferente em fortaleza. Esse um tema que atrai inmeras discusses e

preocupaes envolvendo CMM, gestores e profissionais de sade visto que em

parte consequncia da qualidade da assistncia prestada nos servios de sade

bem como da operacionalizao das polticas pblicas voltadas sade da mulher.

Infelizmente, o presente estudo comprova que, pelo menos nos ltimos cinco anos,

fortaleza ainda no logrou xito em melhorar de forma convincente seus indicadores

do bito materno, a despeito do destaque que o tema tem ganhado nos meios de

comunicao.

O que se observa que apesar de contar com um hospital voltado

especificamente para o atendimento ao gnero feminino, de possuir um CMM

atuante no combate mortalidade das gestantes, estar integrado rede cegonha e

de ter uma cobertura de equipes de ateno bsica acima da mdia do nordeste,

pouco progresso vem sendo alcanado no municpio no sentido de atingir a meta

proposta pelo 5 objetivo do milnio.

Como primeiro ponto de reflexo, destaca-se o percentual de bitos que

ocorreram fora do mbito hospitalar, uma vez que o mesmo demarca aspectos

relacionados ao acesso aos servios de sade. Entende-se que, toda patologia

obsttrica que se agrava a ponto de evoluir para o bito deveria, no mnimo, ter

passado por uma avaliao mdica, e a no procura por um atendimento ou a

demora em faz-lo pode ter origem inclusive na acessibilidade em relao aos

servios da ateno primria. Em que pese carncia de profissionais mdicos,

mais observada em regies de difcil acesso e das periferias das grandes capitais,

os programas do governo federal, Provab e o mais mdicos, vm melhorando a

cobertura da ateno bsica e tem potencial para mudar a conjuntura atual na

questo do acesso ao pr-natal e sua qualificao. Como isso ir repercutir na

reduo do bito materno em fortaleza uma dvida para futuras pesquisas.

preocupante saber que a situao atual dos bitos maternos envolve

uma inadequao de vrias intervenes ligadas sade da mulher no ciclo

52

gravdico-puerperal, como foi indicado pelo nmero de pr-natais considerados

deficientes e a proporo de causas evitveis encontrada entre os bitos do perodo

estudado. Dentro das